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Sexta-feira, 9 de Fevereiro de 1996 1035
I Série - Número 37
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE FEVEREIRO DE 1996
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberra a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 89/VII, de diversos requerimentos e da resposta a um outro.
Em debate mensal com o Parlamento, o Sr. Primeiro Ministro (António Guterres), após uma intervenção inicial, respondeu a questões dos Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Alberto Martins (PS), Octávio Teixeira (PCP), Manuel Monteiro (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Mendes (PSD), António Braga (PS), João Amaral (PCP), Silva Marques (PSD), Manuela Moura Guedes (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD) - que também usou da palavra em defesa da honra da bancada -, Elisa Damião (PS), Lino de Carvalho (PCP), Carlos Zorrinho (PS) e Maria do Rosário Carneiro (PS).
No encerramento, intervieram, além do Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Luís Sá (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP) - que também usou da palavra em defesa da honra da bancada -, Luís Filipe Menezes (PSD) e Jorge Lacão (PS)
Ordem do dia.- Foram aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 68/VII - Criação dos conselhos municipais de segurança dos cidadãos (PCP) e 88/VII - Conselhos locais de segurança (PS), tendo baixado à 4.ª Comissão para apreciação na especialidade.
Foram debatidos, na generalidade, os projectos de lei n.º 20/VII - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes),
85/VII - Delimita as competências e Jurisdição sabre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP), n.º 87/VII - Sobre a gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS). Após a apresentação dos mesmos pelos Srs. Deputados
Isabel Castro (Os Verdes), Luís Sá (PCP) e Nuno Bolsaras Mendes (PS) e do relatório da Comissão de Administração da Território, Poder local, Equipamento Social e Ambiente pela Sr.ª Deputada Teresa Patrícia Gouveia (PSD), fizeram intervenções, a diverso título, além dos oradores referidos, os Srs. Deputados Nuno Abecasis (CDS-PP), Macário Correia (PSD), Manuel Jorge Goes (PS) e Guilherme Silva (PSD)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeira Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Cosia.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
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António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
Lucila Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Locas.
Fernando Manuel Gomes da Encarnação.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Corre ia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de
lei n.º 89/VII - Alteração à Lei n.º 110/91, de 29 de Agosto (Aprova os Estatutos da Associação Profissional dos Médicos Dentistas) (PSD), que baixou à 7.ª Comissão.
Na reunião plenária de 1 de Fevereiro foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Sr. Ministro Adjunto, formulado pelo Sr. Deputado
Bernardino Soares; ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Ministério da Economia, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Luís Sá; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado
Fernando Santos Pereira; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Roleira Marinho e Rosa Albernaz.
Na reunião plenária de 2 de Fevereiro foram apresentados á Mesa os seguintes requerimentos: aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do
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Território e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral; à Presidência do Conselho de Ministros, formulados pelos Srs. Deputados Rodeia Machado e Sérgio Ávila; a diversos Ministérios, à Secretaria de Estado da Indústria e à Câmara Municipal de Matosinhos, formulados pelo Sr. Deputado José Calçada; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Sílvio Rui Cervan; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e Rosa Albernaz; às Secretarias de Estado da Cultura e da Administração Local e Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Ministério do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Educação e ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado António Maninho; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Afonso Lobão e Sérgio Ávila
Entretanto, o Governo respondeu ao requerimento apresentado por Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, cujo primeiro subscritor foi o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, na sessão de 1 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia será preenchido pelo debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento.
Para a intervenção de abertura, por tempo não superior a 12 minutos, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria que este debate demarcasse o momento de viragem de ciclo nas relações entre o Governo e a Assembleia.
Como compreendem, quando se ocupa uma casa - e, de alguma forma, tomar posse, em matéria governativa, é entrar numa casa nova -, a primeira preocupação é arrumá-la. Por isso, não vos escondo que uma prioridade essencial na acção governativa até este momento foi arrumar a casa.
Tal passou, do nosso ponto de vista, pela criação de um novo clima de relação entre o Governo e a Assembleia, o que marcou um novo estilo político global para o país de dessacralização do poder e da relação diferente entre governantes e governados para restabelecer a confiança indispensável à boa governação. Passou também por perspectivar a resolução de um conjunto de situações apodrecidas decorrentes da evolução política do ano anterior e de problemas muito graves que o Governo teve de enfrentar de imediato e a que teve de dar resposta muito rápida. Passou ainda, na mesma perspectiva de criar um clima de confiança entre governantes e governados, por assumir os compromissos eleitorais imediatos dando-lhes rápida resposta. Finalmente, passou por estabelecer os instrumentos básicos para a governação a curto prazo, ou seja, o Orçamento do Estado, as Grandes Opções do Plano e o programa de privatizações, e por lançar as bases do diálogo social a curto prazo, criando condições de confiança para o triunfo desse debate a médio prazo, e tendo como instrumentos básicos para essa criação de confiança a celebração de dois acordos aos quais atribuo a maior importância - o acordo com todos os sindicatos da função pública e o acordo de concertação social para o ano de 1996 com a esmagadora maioria dos parceiros sociais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto é muito importante, mas não é o mais importante. Governar não é navegar à vista de terra, governar é estabelecer um destino e um rumo; não é gerir uma série de conjunturas, mas perspectivar um conjunto de transformações estruturais.
Por isso, gostaria de hoje abrir um debate com este Parlamento que permita transformar esta legislatura na legislatura das reformas para a viragem do século e fazer do essencial dos trabalhos parlamentares a agenda das reformas estruturais de que o país carece neste final de século para enfrentar com êxito os desafios do século XXI.
Devemos, pois, partir de um diagnóstico correcto da situação do País. Temos um sistema político com largas manchas de descrédito e diversos sintomas de desconfiança entre cidadãos e poder. Temos um Estado de bem-estar, o chamado Estado Providência, com um conjunto de políticas sociais em grande parte desumanizadas e injustas e que, cobrindo muito menos os riscos da sociedade do que nos países da Europa do Norte, reflectem já muitos dos problemas que afectam a chamada crise do Estado Providência nessa Europa do Norte. Temos um problema de competitividade nesta alteração das relações económicas mundiais com o processo de globalização porque a nossa mão-de-obra é essencialmente pouco qualificada. Temos uma Administração ineficaz e um tecido empresarial muito frágil. Finalmente, temos condições evidentes de degradação ambiental e sobretudo uma organização espacial do nosso território que está longe de assegurar as condições desejáveis para a competitividade, para a afirmação global da economia e para a qualidade de vida dos cidadãos.
Que esta possa ser a legislatura que empreenda as reformas de estrutura indispensáveis para corrigir estes vícios estruturais e permitir que Portugal tenha êxito nos desafios que enfrentar no século XXI. Isso passa pela cooperação entre o Governo e o Parlamento, passa pelas relações estabelecidas entre os nossos órgãos de soberania e a Europa, nomeadamente pela evolução das instituições europeias e pela renegociação do nosso próprio Quadro Comunitário de Apoio, e passa igualmente pelas relações entre o poder político e a sociedade civil no âmbito da concertação social e de todas as outras formas de diálogo que é necessário institucionalizar, promover e generalizar a toda a sociedade.
No centro deste processo está o diálogo e a cooperação entre o Parlamento e o Governo, desde logo, para as reformas do sistema político. A revisão constitucional é da competência do Parlamento, não do Governo mas quero afirmar-vos que o Governo entende ser da maior importância que, no mais curto espaço de tempo possível, se possam criar as condições de êxito para uma reforma constitucional e para uma revisão das leis eleitorais que permita verdadeiramente a reconciliação entre os cidadãos e o exercício do poder. Aliás, são conhecidas essas nossas posições.
Considero que a reforma constitucional e a revisão das leis eleitorais não devem ser uma negociação entre os partidos cujos votos somados correspondem às necessidades constitucionais para as fazer aprovar, ou seja, não devem ser uma coutada reservada para um diálogo privilegiado e preferencial entre os dois maiores partidos desta Câmara. Em vez disso, devem ser um debate aberto com a totalidade das forças políticas desta Câmara porque é desejável que essa reconciliação entre o poder político e os cidadãos possa ser promovida e apoiada consensualmente por todas as forças políticas existentes no Parlamento.
Aplausos do PS.
Relativamente à revisão constitucional, à reforma das leis eleitorais, são conhecidas as posições que tenho de-
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fendido sobre os círculos de um só Deputado com a manutenção da proporcionalidade, sobre o fim do monopólio dos partidos nas candidaturas, sobre a necessidade do referendo e da sua importância no relacionamento entre os cidadãos e o poder, dando-lhes iniciativa popular nessa matéria.
Quero dizer-vos que considero a regionalização uma reforma estrutural básica e entendo que é necessário e desejável que todos os passos sejam dados para um consenso na introdução dessa reforma. Entendo que é suficientemente importante para não poder ficar
a espera de todos se não houver condições para esse consenso e que esta Assembleia deve poder promovê-la qualquer que seja. a maioria constitucionalmente adaptável para esse efeito.
Aplausos do PS.
Passo a referir-me à reforma na descentralização, em matéria de finanças locais, reforma na desburocratização, simplificando a vida de cidadãos e de empresas. Reformas do sistema político, mas também reformas do Estado Providência. Temos um problema de justiça e de humanização e não há reforma do Estado Providência, do Estado do bem-estar, que seja possível sem introduzir justiça ao nível do sistema fiscal. Por isso, elemento central no diálogo entre o Governo e esta Câmara terá de ser uma reforma que torne o sistema fiscal português transparente e justo, o que passa pela revisão conjunta do IRS e do IRC e também pelo fim da situação escandalosa com a sisa e com o imposto sucessório que, no nosso entender, deverão permitir, com a reavaliação global da propriedade, ...
Aplausos do PS.
.., o estabelecimento de um único imposto sobre a riqueza imobiliária com uma taxa extremamente baixa mas que coloque todos os cidadãos ao mesmo nível e evite as distorções que hoje são paralisadoras do funcionamento da Administração e geradoras de situações generalizadas de fraude e de evasão.
Mas esta reforma do sistema fiscal deve propiciar ao mesmo tempo a justiça nas reformas dos sistemas de saúde e de segurança social, em que o Governo iniciou já os estudos preparatórios, que terão de ser debatidas com o conjunto dos partidos parlamentares, procurando estabelecer um sistema de saúde e um sistema de segurança social modernos e virados sobretudo para as necessidades de quem mais precisa dentro do princípio essencial de que a grande distinção nas sociedades modernas se faz entre excluídos da cidadania e cidadãos que gozam dos seus direitos de parte inteira.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Depois, temos as reformas da competitividade. O pacto educativo, a discutir com o país, em breve será trazido pelo Sr. Ministro da Educação, na sua primeira forma, a debate nesta Câmara. Pacto educativo, essencial para a cidadania; pacto educativo, essencial para a modernização da nossa economia, a qual passa pelas reformas do sistema produtivo onde necessariamente será maior o papel do Governo, sendo indispensável também o diálogo e o acompanhamento com a Assembleia no que diz respeito à defesa dos nossos interesses no plano internacional, à internacionalização da economia, a todos os aspectos de convergência estratégica entre o Estado e os grupos empresariais para criar novas vantagens comparativas entre o Estado e as empresas e aproveitar novas
oportunidades, e reestruturação dos sectores tradicionais em crise e ao processo de recuperação das empresas viáveis, respeitando as regras de economia de mercado e abolindo distorções que hoje tomam o funcionamento da nossa economia difícil e com custos sociais extremamente elevados.
Competitividade que não é apenas para as empresas, mas tem de ser competitividade global para a sociedade portuguesa, o que implica coesão social, qualidade de vida, desenvolvimento rural e nova política para as cidades, o que implica uma rede de cidades de dimensão intermédia capaz de fixar as populações no interior e de permitir a requalificação das áreas urbanas de Lisboa e do Porto. Também aqui há muito de política governamental, mas haverá muito de legislação em matéria estrutural, desde logo no domínio dos solos, em que é fundamental que Parlamento e Governo estabeleçam uma boa articulação.
Esta é a agenda política de fundo que gostava que o Parlamento e o Governo, nas suas relações mútuas, pudessem estabelecer nos tempos que aí vêm.
Queria terminar dizendo-vos, com inteira clareza, que há duas formas de. no quadro político actual, o Governo, a maioria que o apoia e as oposições se relacionarem. Numa, cada uma das partes procura obter a curto prazo ganhos de poder político, o que implica, para falar com toda a clareza, que Governo e oposições joguem em agir no sentido de que se abra uma crise política no momento mais conveniente para cada um: o Governo, com o objectivo de ver reforçada a sua maioria, as oposições, com o objectivo de derrubarem o Governo ou de melhorarem as posições relativas entre si no debate e na presença parlamentares. Essa é uma forma possível de relacionamento mas não a que o Governo deseja. O Governo quer ser um factor de estabilidade na vida política portuguesa...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e quer que a forma de relacionamento privilegiada entre ele e as oposições seja aquela que alia o confronto político democrático que é indispensável à vontade e ao espírito de diálogo e de compromisso em torno dos grandes problemas do país, cuja solução depende de todos e não é monopólio dos governos.
Aplausos do PS.
E, ao procurar identificar hoje sinteticamente as grandes reformas de estrutura que entendo deverem ser a base da nossa agenda de relacionamento para o futuro, quis dizer-vos que o nosso objectivo é o de que o Governo exerça o poder com a consciência de que o deve partilhar, de que tem um direito e um dever, e que as oposições compreendam que têm o direito a essa partilha do poder mas que também têm o dever de cooperar na procura das soluções globais para os problemas do país.
Permitam-me que termine dizendo que, no nosso relacionamento mútuo, pode triunfar a esperteza ou a sabedoria. Saibamos evitar sucumbir à esperteza, saibamos relacionar-nos com sabedoria!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se. para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro. 17 Srs. Deputados. Cada um dispõe de 3 minutos para esse efeito enquanto que o Sr. Primeiro-Ministro disporá de 40 minutos para responder, ou seja, ligeiramente menos de dois minutos e meio por pedido de esclarecimento. Peço ainda aos Srs. Depu-
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tados e ao Sr. Primeiro-Ministro que façam a gestão rigorosa desses tempos para que não seja subvertida, no seu conjunto, a grelha estabelecida.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª terminou muitíssimo bem a sua intervenção, mas gostava de lembrar-lhe, em apreciação crítica, que teve a esperteza de vir dizer exactamente o que tinha dito aquando da discussão do Programa do Governo e não teve a sabedoria de trazer propostas novas a este debate.
Aplausos do PSD.
V. Ex.ª veio fazer uma reprise em conversa em família, mas quero dizer-lhe, com toda a frontalidade e clareza, que, Sr. Primeiro-Ministro, a máxima que V. Ex.ª utiliza-o Governo pensa e manda, a Assembleia executa - não é aplicável aqui!
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Gostava ainda de referir-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que V. Ex.ª disse, em 7 de Julho de 1994, nesta Assembleia, que continuávamos a efectuar um debate com regras feitas para a maioria e em seu benefício, onde tudo está a seu favor.
Sr. Primeiro-Ministro, é altura de dizer-lhe cara a cara que, de acordo com aquilo que era o seu pensamento e desejo mais secretos, tentámos alterar esse estado de coisas, convencer o seu representante na Assembleia e o Partido Socialista, de que as regras, pelo menos nos debates inovatórios, deviam ser mudadas para que um espírito fair, justo e equilibrado presidisse a estes debates na Assembleia e os mesmos não fossem apenas um passeio de V. Ex.ª ou uma repetição de banalidades com que os anuncia e inicia. Como não tivemos, da parte do partido que o apoia e do seu representante na Assembleia, anuência para esta alteração, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, muito frontal e claramente, que, com estas regras, é a última vez que o Grupo Parlamentar do PSD participa num debate deste género com V. Ex.ª.
Aplausos do PSD.
Risos do PS.
Sei que V. Ex.ª sofrerá em silêncio,...
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que façam silêncio pois o Sr. Deputado tem o direito de fazer-se ouvir. Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sei que V. Ex.ª sofrerá em silêncio e que discordará porventura profundamente da atitude do seu partido e do seu representante no Parlamento e não tenho qualquer dúvida de que nos vai surpreender com uma atitude digna, dizendo exactamente isso mesmo e que, para a próxima vez, jamais virá a esta Assembleia sem que as regras sejam alteradas. É uma atitude digna de um democrata, como considero V. Ex.ª.
Mas queria, se para tal tiver tempo, de fazer-lhe algumas perguntas.
O Sr. Presidente: - Como já não tem tempo disponível, peço-lhe que seja extremamente rigoroso nos próximos segundos.
O Orador: - Vou tentar, Sr. Presidente, na certeza, porém, de que fui interrompido.
O Sr. Presidente: - Será tomado em conta o tempo de interrupção, que não foi muito longo.
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, queria concretamente perguntar-lhe - porque vamos a coisas concretas - o seguinte: V. Ex.ª tem sido considerado, e muito justamente porventura, como o arauto das liberdades. O que pensa dos despachos da Dr.ª Manuela Morgado e do Sr. Ministro Cravinho, proibindo declarações dos funcionários para o exterior?
V. Ex.ª tem sido ao mesmo tempo o "David" dos aumentos e o "Golias" da luta contra a injustiça. O que pensa V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, dos aumentos não esperados da gasolina e do gasóleo, pois não há memória de aumentos dessa dimensão em Portugal nos últimos anos?
Protestos do PS.
Não acha V. Ex.ª que está a enganar profundamente o seu eleitorado?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sendo V. Ex.ª o "Golias" da luta contra a injustiça, o que pensa da atitude da Universidade de Coimbra, querendo reter em seu proveito cerca de um milhão de contos...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado, se não tenho de usar de igual critério para todos os Srs. Deputados e a tarde não será suficiente para este debate.
O Orador: - Terminarei imediatamente.
Que pensa V. Ex.ª do aproveitamento de um milhão de contos do dinheiro de propinas já pagas, que, segundo a Universidade de Coimbra, reverteriam para ela? Não acha V. Ex.ª que se trata de um manifesto aproveitamento ilegítimo?
E, finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, acha V. Ex.ª, com franqueza, que governou nestes últimos 100 dias?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, duas observações genéricas: uma, sobre a introdução, outra, sobre as perguntas.
Em primeiro lugar, relativamente à parte inicial da sua intervenção, direi que me bati na oposição para que o Primeiro-Ministro viesse regularmente ao Parlamento debater com a oposição.
Aplausos do PS.
O seu Primeiro-Ministro nunca o quis e os senhores usaram a maioria absoluta que tinham nesta Câmara para o impedir.
Aplausos do PS.
Quando eu próprio assumi as funções de Primeiro-Ministro dispus-me a vir cá. Vim uma primeira vez de acordo com regras fixadas por consenso; vim uma segunda vez de acordo com regras fixadas com o vosso consenso e que
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agora querem retirar e já percebi que, porque não têm confiança em vós próprios. acham que a vinda do Primeiro-Ministro a esta Câmara é para ele dar um passeio e a única forma com que estão dispostos a tolerar a minha presença é se eu aqui estiver calado. Com isso também não vão contar!
Aplausos do PS.
E não deixa de ser espantoso que no momento em que coloco perante a oposição as questões centrais com que se debate a sociedade portuguesa, às quais esperaria uma reacção global, vejo saltarem três ou quatro perguntas dispersas sobre três ou quatro assuntos de menor importância, ...
Protestos do PSD .
..., o que quer dizer, numa imagem de natureza militar, que não vejo o PSD assumir-se como o exército defensor de um conjunto de princípios, de valores e de ideias para o país, mas como um conjunto de atiradores furtivos sem comando nem orientação.
Aplausos do PS.
Quanto às perguntas, serei rápido. Em nenhum serviço sob minha dependência haverá "lei da rolha", nem o despacho do Sr. Ministro João Cravinho constitui disso exemplo, como ele poderá explicar. A orientação genérica que darei a empresas que estão sob a dependência do Governo mas com autonomia de gestão será no mesmo sentido, embora nesses casos não haja, como sabe, uma dependência directa.
Os aumentos de alguns combustíveis são inferiores à inflação prevista para este ano, o que corresponde a uma condição indispensável, do nosso ponto de vista, para um conjunto de outros benefícios muito importantes para a generalidade da população. Trata-se de aumentos inferiores à inflação exercidos de acordo com legislação publicada no tempo dos governos de V. Ex.ª.
Finalmente, respeitamos a autonomia universitária, fazemos questão de o fazer em todos os aspectos e pensamos que é um princípio essencial.
Aplausos do PS.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.
O Sr. Presidente: - Antes de lhe dar a palavra, direi a todos os Srs. Deputados que disso não foram anteriormente informados que vou alterar a minha conduta dando de imediato a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para exercer o direito de defesa da honra da bancada, em resultado da conclusão a que chegou a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares no sentido de fazer a distinção entre a defesa da honra pessoal, que lerá lugar no final do debate, e a defesa da honra da bancada, a que se procederá de imediato.
Tem, por isso, a palavra.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vejo-me obrigado a usar esta figura regimental para dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que achei inqualificável a forma como se dirigiu à minha bancada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta bancada só pode ser considerada como uma bancada de atiradores furtivos se o Sr. Primeiro-Ministro verificar o que se passa com a distribuição de tempos prevista neste Plenário: é absolutamente inadmissível que o Sr. Primeiro-Ministro queira fazer um debate sério nesta Assembleia, dando-nos a conhecer, com duas horas de antecedência, um tema de debate tão vago como "O novo ciclo político que agora se abre", ...
Aplausos do PSD.
..., e dando aos partidos da oposição, designadamente ao maior deles, três minutos para cada pergunta. Isto, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, é uma verdadeira vergonha!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, é para mim espantoso que, lendo esta Câmara realizado um debate com características diferentes dessas, debate de que o partido de que V. Ex.ª é porta-voz saiu claramente derrotado, e sentindo a necessidade de mudar as regras, tenha dado consenso a um novo formato para este debate . ...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não deu consenso! Não é verdade!
O Orador: - ..., venha, mais tarde, pô-lo em causa, tendo feito uma proposta que eu resumiria desta maneira simples: o Primeiro-Ministro é algo que os Deputados só podem trazer ao Parlamento para o sujeitar a um interrogatório; o Primeiro-Ministro não tem o direito de expor ao Parlamento qualquer breve síntese das ideias que tem sobre o programa essencial que o Governo e o Parlamento devem realizar.
Aplausos do PS.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Mente (PSD: - Sr. Presidente, agradecia que V. Ex.ª fizesse chegar ao Sr. Primeiro-Ministro o Regimento desta Caca para demonstrar que o Governo dispõe de muitos instrumentos regimentais para vir à Assembleia e falar o tempo que entender, mas não neste tipo de debates.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, do que se trata agora é deste instrumento e não de qualquer outro. De qualquer modo, o Sr. Primeiro-Ministro conhece o Regimento, presumo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, vou usar da palavra sob a forma de interpelação para poder assu-
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mir que, em momento oportuno, a conferência de líderes estabeleceu a regra deste debate e tendo o PSD, em momento posterior, revelado a aparência de um arrependimento por ter cooperado na celebração do modelo que, neste momento, estamos a executar e tendo indiciado querer suscitar algum recurso da decisão de fixação deste debate, eu próprio, neste Plenário, em momento oportuno, interpelei a Mesa, e através desta o PSD, para saber se queria colocar alguma questão relativamente ao modelo do debate a travar hoje com o Sr. Primeiro-Ministro...
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — E o que o PSD nos disse no Plenário foi que nenhuma questão levantaria. Como nos demonstra, o PSD é um partido duplamente arrependido, mas que se arrependa na sua própria casa e que não continue a maçar-nos com as suas contradições porque nós queremos fazer um debate substantivo, não sobre os problemas do PSD mas sobre os problemas do País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — A sua interpelação fica registada. Sr. Deputado.
Entretanto, quero dizer aos Srs. Deputados que não vou continuar a deixar desvirtuar a figura da interpelação.
Vozes do PS e do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, é também para uma interpelação muitíssimo breve.
O Sr. Presidente: — Ei\tão, que seja mesmo uma interpelação, Sr. Deputado, caso contrário tenho muita pena mas não voltarei a dar a palavra para interpelações que não sejam rigorosamente tipificadas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, não digo que vá fazer uma interpelação como a que foi feita, mas é uma interpelação.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): — Sr. Presidente, gostaria que V. Ex.a esclarecesse a Câmara quanto a saber se deu ou não entrada na Mesa um projecto de resolução do Grupo Parlamentar do PSD sobre o modelo de debates como este em que o Sr. Primeiro-Ministro aqui participa hoje.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, deu entrada na Mesa um requerimento, ou um pedido do seu grupo parlamentar,...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — É um projecto de resolução!
O Sr. Presidente: — ..., no sentido de se produzirem alterações ao Regimento. Tal como declarei em conferência de líderes, o meu entendimento é o de que, enquanto não houver alteração, vigorará o Regimento e sentir-me-ei vinculado por aquilo que considerei um consenso estabelecido na conferência de líderes.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, é também para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro,' Srs. Deputados, nós estamos neste debate para discutir os problemas do País com o Sr. Primeiro-Ministro e não para fazermos uma conferência de líderes alargada.
Vozes do CDS-PP e do PS: — Muito bem!
O Orador: — Portanto, das duas uma: ou V. Ex.a, Sr. Presidente, não consente que subsistam estes artifícios regimentais do PSD ou o meu grupo parlamentar, como não tem nada a fazer no debate que o PSD pretende, sairá da Sala e guardará para melhor oportunidade o debate com o Sr. Primeiro-Ministro.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — É verdade, Sr. Deputado! Mas para que o Sr. Deputado pudesse ter dito isso, tive de dar-lhe a palavra para uma interpelação!
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, temos o prazer de ter connosco nas galerias, a assistir aos nossos trabalhos, 32 alunos da Escola C+S de Revelhe, Fafe, 46 alunos da Escola Secundária Manuel Cargaleiro, do Fogueteiro, 50 alunos da Escola Básica do 1.º Ciclo, n.º 2, da Moita, 148 alunos da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, de Caldas da Rainha. Este fenómeno agradável repete-se todos os dias em que temos Plenário e, de facto, é muito confortante ter a juventude do País tão interessada pela democracia parlamentar. Saudemo-los.
Aplausos gerais, de pé.
Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, regressemos, então, às questões substantivas. Assim, permita-me que o felicite pela clareza da sua exposição e, desde logo, pelo facto de estar centrada em algo que é essencial neste momento na nossa vida política, que é a agenda política.
No decurso do processo de revisão constitucional que está aberto, naturalmente que o mesmo vai suscitar, como V. Ex.a afirmou, a reforma do sistema eleitoral, a reforma do governo autárquico e local, a definição de regras precisas de regionalização e, paralelamente, ainda que à margem desse processo legislativo e político, a Conferência Intergovernamental de 1996. É todo um ciclo de grandes reformas políticas que se aproximam.
V. Ex.a afirmou que, primeiro, teve de «arrumar a casa» e agora apresta-se para as reformas de fundo que são estas reformas políticas, a generalidade das quais tem a sua origem política e legislativa no Parlamento. No entanto, aque-
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las exigem, necessariamente, uma profunda reforma institucional que tem a ver com toda a reforma da Administração Pública e do Estado moderno e da vida da nossa democracia, reforma essa que exige uma resposta que foi dada no sentido de ser feita no mais curto espaço de tempo possível. Apesar disso, solicito a V. Ex.ª que nos dê uma precisão mais apurada no sentido de podermos dispor de uma calendarização indicativa do Governo para dar resposta institucional às reformas políticas que vão ter lugar no Parlamento.
Creio que esse "quadro" do tempo político e da geografia política da reformulação da democracia é decisivo para sabermos quais são os passos que vamos dar. A ideia do mais curto espaço de tempo possível é indicativa de uma metodologia e de um rumo, mas a calendarização indicativa seria, seguramente, uma resposta fundamental que a Câmara e o País esperam obter com todo o empenho.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado, sobretudo pela concisão.
Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, o Parlamento é soberano. Nesta matéria, o Governo apenas pode exprimir a vontade de cooperar e o seu desejo.
Penso que é desejável que esta legislatura termine em Junho de 1999 e não em Outubro de 1999, o que implica revisão da Constituição e das leis eleitorais, porque penso que o que se passou com o Orçamento para este ano é a prova de que tínhamos razão em que há vantagem em antecipar para antes do Verão o fim das legislaturas.
Penso que seria desejável para o País que a revisão constitucional pudesse ocorrer este ano por forma a que as leis eleitorais para a Assembleia da República e para o Presidente da República pudessem ser elaboradas de acordo com a revisão constitucional, suficientemente afastadas de qualquer acto eleitoral normal e, por isso, durante o ano de 1997.
Em terceiro lugar, penso que seria desejável que a regionalização se concretizasse, por forma a que as eleições para os órgãos regionais pudessem coexistir no tempo com as eleições para os órgãos das autarquias locais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular um nova pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, evidentemente, vou questiona-lo sobre atitudes e políticas do Governo e não sobre questões da competência da Assembleia da República, na medida em que sobre essas dispomos dos mecanismos próprios para o fazer.
O Sr. Primeiro-Ministro referiu-se há pouco, na sua intervenção inicial, ao problema do novo ciclo político que agora começa, tendo dito que. para que se abra uma nova fase na vida política portuguesa, não basta que se verifique uma alternância partidária no Governo, sendo necessário que se verifique também a alteração de métodos e atitudes e, fundamentalmente, de novas políticas, como, aliás, nós próprios temos dito varias vezes.
E é sobre atitudes e políticas que quero questionar o Sr. Primeiro-Ministro. As questões que vou suscitar decorrem de declarações do Sr. Primeiro-Ministro proferidas há poucos dias, salvo erro, no dia 2 de Fevereiro, na Suíça.
Nessa sua deslocação à Suíça, V. Ex.ª declarou. que "foi importante dar a conhecer ao Presidente do Banco Central alemão o processo determinado pelo Governo para a redução do défice, da dívida pública e da inflação e o acordo conseguido na concertação social (...)". E mais adiante reiterou a sua convicção e a sua promessa de que Portugal faria parte do primeiro "pelotão" da União Monetária, tendo rematado que "os critérios são para cumprir e o Bundesbank não vai ceder nesse ponto".
Perante isto, Sr. Primeiro-Ministro, passo às questões que gostaria de suscitar-lhe.
V. Ex.ª esteve em Davos como Primeiro-Ministro de Portugal. Ora. parece-nos pouco
adequado - e permitirá que o diga- que, nessa qualidade, aceite ter de dar explicações ao Presidente do "Buba" e, mais ainda, que admita e aceite que quem terá a palavra decisiva sobre o cumprimento ou não dos critérios de Maastricht seja o Bundesbank e não as instituições comunitárias e, no caso concreto de Portugal, o povo português e a Assembleia da República.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Ainda em Davos, o Sr. Primeiro-Ministro fez uma declaração pública, a nível mundial, em que afirmou que o seu Governo iria privatizar a
100% o Banco de Fomento e Exterior. Ora, é evidente que, face às facilidades das novas tecnologias da informação, o povo português teve conhecimento dessa notícia quase simultaneamente. Assim, gostaria de questioná-lo sobre isso.
Em primeiro lugar, particularmente sobre o problema da privatização do Banco de Fomento e Exterior, trata-se de uma grande alteração de estratégia em relação ao rumo que foi seguido pelo governo anterior, o qual, após ter mandado elaborar estudos por entidades insuspeitas, considerou que o Estado deveria manter sempre uma participação estratégica, na medida em que se trata de um banco de investimento estratégico. O Sr. Primeiro-Ministro alterou esta posição e diz que "agora é a
100%".
Mas ponho-lhe a questão em termos ainda orais latos.
No relatório do Orçamento do Estado que há pouco foi apresentado, o Governo afirma o seguinte, referindo-se às empresas
públicas - àquelas que ainda restam: "têm vindo a assumir cada vez mais um papel dinamizador de integração da economia nacional no espaço comunitário (...) e gerador de externalidades positivas na economia"...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou o seu tempo. Peço-lhe que condense o seu pensamento.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Então, Sr. Primeiro-Ministro, porquê esta pressa e este afã do Governo em privatizar tudo e rapidamente?
Mais: já que o argumento que tem sido utilizado é de ordem financeira, porquê a pressa em privatizar as empresas públicas que ainda existem e que contribuem com cerca de
45% das receitas do IRC, prevendo-se que, este ano, contribuam para o Orçamento do Estado, através de dividendos...
O Sr. Presidente:- Tem de terminar, Sr. Deputado!
O Orador: - Porquê esta política?
Será esta uma política de esquerda, Sr. Primeiro-Ministro?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
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O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, uma primeira nota sobre atitudes: é a primeira vez que, no Parlamento português, num regime de perguntas, um Primeiro-Ministro, até mesmo um qualquer membro do Governo, se dispõe a responder a perguntas sem aviso prévio, sobre qualquer tema e sem qualquer condicionamento a nenhum dos Deputados da oposição...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois! O mal está aí mesmo: é sem aviso prévio à Câmara!
O Orador: - Penso que é importante lembrar isto, depois do que foi dito há pouco pela bancada do PSD.
Mas vamos ao que interessa.
Sr. Deputado, as suas perguntas são substanciais - quero fazer-lhe essa justiça - e versam matéria de grande relevo nacional.
Quanto à primeira, quero dizer-lhe com clareza que não estou disposto a receber lições de patriotismo. Em Davos encontravam-se informalmente centenas de políticos e de responsáveis económicos mundiais. Encontrei-me com o Presidente do Bundesbank - e acho que fiz bem e que defendi os interesses nacionais ao tê-lo feito -, com o Presidente da Suíça, com o Presidente do México, com o Vice-Presidente da África do Sul, com o Presidente da Comissão Europeia, com grande número de empresários dos maiores grupos mundiais, com outras personalidades, e sempre com o objectivo essencial de reforçar a confiança da comunidade internacional na estabilidade política e económica de Portugal e de fazer de Portugal um destino desejado para o investimento estrangeiro, com vista ao desenvolvimento e ao crescimento da nossa economia. Não dei explicações a ninguém, não me submeti a interrogatórios e se algo foi dito sobre atitudes do Bundesbank ou sobre quem é que manda seja o que for só pode ser por mal-entendido porque não é o Bundesbank que comanda os calendários e os critérios, já que, como sabe, estes são definidos pelo Conselho de Ministros da Comunidade e pelo próprio Tratado.
Mas, Sr. Deputado, há uma questão em relação à qual temos um profundo desacordo, que são as privatizações. É que, devo dizer-lhe, não considero que a distinção entre esquerda e direita resida hoje em dia no volume de sector produtivo detido nas mãos do Estado. A questão essencial não é essa. A questão essencial é a da justiça na sociedade, da igualdade de oportunidades e do combate à exclusão. É isto que, em minha opinião, distingue esquerda e direita.
Aplausos do PS.
E o que se verificou foi que, muitas vezes, a existência de um extenso sector público produtivo e financeiro nas economias se transformou num gerador de mecanismos corporativos que dificultaram essa política de justiça social e de igualdade de oportunidades. Por isso, entendo que é bom, que é justo e favorável a uma perspectiva mais igualitária na sociedade portuguesa que tenhamos um Estado pouco envolvido no sector produtivo mas orientado, sobretudo, para as resolução dos problemas sociais do País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro para formular a sua pergunta.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que lhe diga, com todo o respeito, que grassa em si grossa confusão sobre a diferença entre esquerda e direita. Terei todo o gosto em enviar-lhe alguns textos do meu partido, a propósito da exclusão social e do problema da solidariedade social,...
Aplausos do CDS-PP.
..., para poder explicar-lhe que o património da defesa dos mais desfavorecidos, ao contrário do que pretende fazer-se crer, não é um património da esquerda e que, bem ao contrário, o que tem acontecido nos últimos tempos é que, em nome de uma pseudo-igualdade e de um igualitarismo nas prestações, os mais pobres têm recebido cada vez menos, enquanto outros, que provavelmente não necessitam, têm vindo a receber as mesmas regalias e os mesmos apoios do Estado.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah, seu anticapitalista!
O Orador: - O senhor é mais capitalista do que eu!
Risos.
O Sr. António Braga (PS): - Já viu a declaração de rendimentos dele?
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar-lhe uma pergunta simples.
Ontem, o Sr. Presidente da República enviou a esta Câmara uma mensagem com significado político profundo, que mereceu vários comentários por parte dos líderes das bancadas desta Assembleia da República. Refiro-me, como V. Ex.ª sabe, ao problema da amnistia a Otelo Saraiva de Carvalho e, mais alargadamente, ao problema das FP-25. Eu próprio tive oportunidade de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro dizer, perante as câmaras de televisão, que concordava com a amnistia desde que se não estendesse aos chamados crimes de sangue. Pois bem, Sr. Primeiro-Ministro, a minha pergunta é a seguinte: como considera V. Ex.ª as pessoas que participaram e colaboraram nas organizações criminosas e terroristas que mandaram outras pessoas cometer crimes de sangue? Ou seja, será que, em Portugal, vamos assistir a uma situação em que aquele que pôs a bomba é condenado e aquele que mandou pôr a bomba é completamente safo por um poder político que faz uma distinção entre o que é crime de sangue e o que não o é, esquecendo que os que mandaram, os que colaboraram e os que decidiram essa mesma prática de crimes têm também altas e graves responsabilidades nos crimes que foram cometidos pelas Forças Populares 25 de Abril?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Gostaria, pois, Sr. Primeiro-Ministro...
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, sou o Deputado que, até ao momento, menos está a falar, à excepção talvez do Deputado do Partido Socialista que interveio, mas vou terminar.
O Sr. Presidente: - Não desistirei de reconduzir os Srs. Deputados a aterem-se a três minutos para as perguntas. Muito obrigado, Sr. Deputado.
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O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, não só como Primeiro-Ministro mas também como Secretário-Geral do Partido Socialista, que V. Ex.ª é, gostaria de saber como pensa resolver esta situação. Ou será que o País
verificará - repito - que os mais pequenos são os que mais sofrem e que aqueles que mandam, que organizam e que comandam terão a impunidade do poder político perante a passividade dos que, até hoje, não foram capazes de dar uma resposta às vítimas que nada tinham a ver com problemas políticos ocorridos em Portugal?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, começo pela segunda parte da sua questão devido à extrema importância que tem. Identifiquemos as coisas: para mim, crime de sangue envolve quem assassina e envolve quem manda assassinar.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador:- Tomemos isto muito claro: para mim, tanto é crime de sangue a execução material como a execução moral de quem comanda o acto de quem executa materialmente...
Vozes do CDS-PP: - Estamos de acordo!
O Orador: - ... e quer uns quer outros, em meu entendimento - a Câmara entenderá como entender, não devem ser amnistiados. No entanto, em tomo de toda esta questão das FP-25 há um enorme imbróglio jurídico, extremamente complexo, que, do meu ponto de vista, é profundamente desprestigiante para a democracia portuguesa, no plano interno e também no externo, e considero útil que seja possível ter uma acção pacificadora nesse domínio, que arrume de vez esta questão, que prevejo tenderá a arrastar-se por décadas, que arrume de vez esta questão - repito -, com excepção daquilo que entendo por crimes de sangue, tal como os descrevi.
Passemos agora à outra questão, mais leve, que é a das diferenças entre esquerda e direita.
As diferenças entre esquerda e direita não se situam apenas no plano económico nem apenas na
forma de entendimento de alguns problemas sociais. Cada vez mais, aliás, as diferenças entre esquerda e direita não tem a ver com medidas concretas mas com sistemas de princípios e de valores e com uma forte componente cultural. E é para mim manifesto e evidente que, em relação
à forma de funcionamento do nosso sistema e à concepção global das políticas, existe hoje uma divergência profunda entre o partido dirigido por si, Sr. Deputado Manuel Monteiro, e o partido que eu próprio dirijo, que considero ser a essência da diferença entre esquerda e direita no nosso país.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isto é uma homenagem!
O Orador: - Mas há uma questão que, para nós, é central. Por esse mundo fora, todos reconhecem hoje a necessidade de políticas de rigor económico, todos reconhecem hoje que o papel do Estado na economia é, essencialmente, um papel regulador e interventor no sentido da justiça e da igualdade de oportunidades. Ora, o que acontece é que, normalmente, os governos que se reclamam dos valores do socialismo democrático têm uma grande preocupação em aliar esse rigor económico a urna forte consciência social. É isso que procuro - fazer em Portugal, é isso que os diversos actos do Governo destes últimos quase quatro meses revelam de uma forma inequívoca.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes):- Sr. Presidente. Sr. Primeiro-Ministro, a questão que coloco é muito simples, uma vez que, também para nós, "navegar à vista" não conduz a lado nenhum e sendo também certo, quanto a nós, que definir um destino é uma condição de atingi-lo. Assim, falando-se num novo ciclo, sendo suposto que o ambiente é uma questão estruturante e sendo a resolução do problema dos resíduos sólidos urbanos uma questão-chave no âmbito das questões ambientais, pergunto-lhe como pode o Governo ousar falar em novas funções, em novo ciclo, em qualquer mudança, quando, para atingir esse destino, o novo rumo que é suposto constituírem as Grandes Opções do Plano não diz rigorosamente nada sobre essa matéria, não tem qualquer perspectiva, não dedica tão-pouco uma linha a um problema que é do presente e do futuro, que é um problema de desenvolvimento. de segurança e de saúde pública.
Aplausos de Os Verdes e do Deputado do PCP João Amaral.
O Sr. Presidente:- Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a política de ambiente em matéria de resíduos sólidos foi já claramente explicitada pela Sr.ª Ministra do Ambiente e compreende a gestão de uma herança e uma reorientação. A gestão de uma herança tem a ver com a conclusão dos grandes projectos de incineração que vinham de trás, a reorientação tem a ver, no caso dos resíduos sólidos urbanos, com a aposta para o futuro na chamada política dos três e que, estou certo, é da inteira concordância de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente:- Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, posso considerar o discurso que V. Ex.ª acabou dê fazer nesta Câmara como considerei. há dias, os primeiros 100 dias do seu Governo: uma autentica desilusão. Durante 100 dias o seu Governo não governou, durante alguns minutos, nesta Câmara, o Sr. Primeiro-Ministro falou muito, repetiu muitas coisas que já tinha dito, mas verdadeiramente de novo disse nada.
Quem entrasse de repente nesta Câmara, ouvisse a sua intervenção e não soubesse o que se estava a passar, julgo que tiraria uma de duas conclusões: ou que continuava em campanha eleitoral, a fazer um comício, ou que estava a discutir um programa de governo. Ora, como a campanha já terminou e como o Programa já passou aqui, nesta Assembleia da República, não posso deixar de lhe dizer, Sr. Primeiro-Ministro, que considero que desaproveitar esta oportunidade para falar de propostas concretas para o futuro e apenas repetir diagnósticos e banalidades é
ver-
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dadeiramente uma fraude política perante o Parlamento e perante o País.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Uma fraude?
Aplausos do PSD.
O Orador: - De resto, estes são o Governo e o Primeiro-Ministro das contradições! E dou-lhe dois exemplos de como V. Ex.ª é o Primeiro-Ministro das contradições, ao conseguir, numa mesma frase, dizer uma coisa e o contrário dela: diz que, em princípio, nada tem a objectar a uma amnistia, mas se ela implicar crimes de sangue já é contrário a essa amnistia. É evidente, como o Sr. Primeiro-Ministro deveria saber, que se esta amnistia não contiver os crimes de sangue não resolve o problema suscitado pelo Sr. Presidente da República.
Em segundo lugar, ontem à noite, o Sr. Primeiro-Ministro, com a mesma pompa e circunstância que lhe é habitual, disse que é contra os perdões às dívidas dos clubes de futebol mas que é preciso distinguir entre sociedades comerciais e actividades puramente com carácter de clube e associação desportiva. Como é suposto o Primeiro-Ministro saber que em Portugal não há nenhuma sociedade comercial, supõe-se que também deveria saber que não se pode fazer distinção entre coisas que não existem. São estas as contradições que o Primeiro-Ministro apresenta ao País.
O seu Governo também tem incorrido em contradições durante todo este tempo. A educação foi apresentada como a sua grande paixão, mas 100 dias volvidos não há uma única medida, um único resultado do diálogo efectuado, a não ser as suspensões. E, mais grave ainda do que isto, a grande paixão e prioridade nacional vê as suas verbas de investimentos diminuídas para o ano de 1996.
O mesmo acontece, de resto, contraditoriamente, com a saúde, apresentada também como grande prioridade, que vê os seus investimentos diminuírem, e, mais grave do que isto, a Sr.ª Ministra da Saúde deu uma desculpa estafada, tentando convencer - é impossível alguém acreditar - que as verbas são suficientes e não podem ser maiores por incapacidade do Ministério.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, em bom rigor, V. Ex.ª e o seu Governo actuam na lógica de Frei Tomás: "Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço"! Promete, mas não cumpre! Fala, mas não faz! É uma fraude política perante o País.
Há, todavia, uma coisa politicamente grave que o Sr. Primeiro-Ministro fez durante estes 100 dias: disse ao País, na noite eleitoral, que tinha todas as condições para governar; disse ou deu a entender há pouco tempo atrás que se o Orçamento não passasse neste Parlamento, ainda sem sequer o ter apresentado e sem sequer dar uma explicação para o seu atraso subsequente, que apresentaria então uma moção de confiança ou pediria a demissão.
Protestos do PS.
Não se enervem, porque julgo que esta é uma questão que o Sr. Primeiro-Ministro considerará de suprema importância.
O Sr. Primeiro-Ministro tem hoje aqui a grande oportunidade de dizer, perante a Câmara e o País, não se quedando em generalidades, se desmente essas notícias, se elas, de facto, não passam de rumores infundados. Se o não fizer, incorre na suspeição de querer aproveitar um pretexto para criar uma crise política, lançar perturbação no País e ser factor de instabilidade. E a alguns correlegionários seus, que dizem que derrotar um Orçamento é falta de sentido de Estado, falta de responsabilidade ou até, como foi dito, de patriotismo, tenho a dizer que essas lições de moral, a nós, não aproveitam. Certamente são um ataque a V. Ex.ª que, durante dez anos, nunca se absteve, nunca votou a favor, votou sistematicamente contra todos os Orçamentos do Estado!
É por todas estas razões que nós precisamos, de facto, de oferecer uma boa e firme oposição ao Governo de V.
Ex.a.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o facto de que ultrapassou largamente o tempo de que dispunha para formular a sua pergunta.
Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, os senhores não aprendem nada!
Aplausos do PS.
Ainda não perceberam porque é que perderam as eleições e, quase cinco meses depois disso, ainda não perceberam o que o País pensa sobre os senhores e sobre o novo Governo!
Ao dizer aqui que este Governo não tem governado, quando, em quatro meses, este Governo realizou muitíssimo mais do que o seu governo realizou no último ano, em que esteve totalmente paralisado, o senhor diz uma coisa que nenhum português entende. Por isso, nunca mais conseguirá recuperar porque nunca mais as pessoas acreditarão que o PSD compreendeu as razões por que foi castigado e que está disposto a arrepender-se.
Aplausos do PS.
Mas vamos as questões concretas. Sobre a amnistia tenho ideias claras sobre o que deve e o que não deve ser amnistiado. Isso não é nenhuma contradição. A posição que hoje exprimi é a que sempre exprimi a esse respeito. Essas ideias mantenho-as, considero-as correctas e não as tenho para servir este ou aquele interesse, para responder a este ou àquele apelo. Tenho estas ideias porque elas correspondem àquilo que, no fundo da minha consciência, é relevante para o interesse nacional. E repito: considero que não deve haver amnistia sobre crimes de sangue. Se o PSD entende que deve haver, esse é um problema do PSD e não meu.
Vozes do PSD: - Não, não considera!
O Orador: - Em matéria de cumprimento dos compromissos eleitorais, se de alguma coisa este Governo tem sido acusado é de os cumprir por excesso e não de os não cumprir. E se olhar com verdade para os números orçamentais verá que a educação é o sector que tem, globalmente, o maior aumento de todos e verá que há um aumento dos investimentos na educação e na saúde sobre o realizado no ano passado. O que houve, desgraçadamente, nos dois últimos anos, foi taxas de realização extremamente baixas do investimento, com graves prejuízos para a economia nacional e para o aproveitamento dos fundos comunitários.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Finalmente, Sr. Ministro...
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Risos.
Ou, antes, Sr. ex-Ministro e Sr. Deputado...
Sei que, com este lapso, correspondo às suas ambições mais profundas, e fico muito satisfeito por isso.
Risos.
Aplausos do PS.
Em matéria de Orçamento, nunca disse nada que pudesse ser um factor de instabilidade. O que disse, e mantenho, é que considero o Orçamento um instrumento essencial para a governação e que este é um bom Orçamento, não acreditando que não passe nesta Câmara. Ouvi, sim, algumas personalidades relevantes da sua bancada dizerem que o PSD teria de votar contra o Orçamento fosse ele qual fosse, mesmo que, no limite, tivesse sido o Orçamento do PSD!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, queria felicitá-lo pelo facto de ter dado ênfase, no seu discurso inicial, à ideia do pacto educativo.
Risos do PSD.
Tenham calma, nós já esclarecemos! Acima de tudo, essa ideia do pacto educativo, que permitiu ao Sr. Deputado ex-Ministro que agora se pronunciou e fez perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro dizer que, na educação, não se fez nada nestes quatro meses, permite acima de tudo detectar algo essencial: é o estilo completamente diferente deste Governo em relação não só à governação do País em geral mas muito especialmente ao sector educativo.
E qual é a diferença de estilo? A diferença tem a ver com algo importantíssimo: é que se a educação está como está, organizada de forma errática e desastrosa, em que os agentes educativos têm a maior desconfiança das políticas que foram até então implementadas ou tentadas implementar, se deve ao simples facto- do qual resulta a estranheza do Sr. Deputado ex-Ministro de que o Governo governava de forma autoritária, dirigindo de Lisboa e do Centro todas as escolas e todo o sistema e não dialogava. A diferença que consagra esta ideia do pacto educativo é, justamente, a da negociação, a da recuperação da confiança através da contratualização com os agentes educativos, e isso não se faz de cima, de forma autoritária, decididamente contra e sem ouvir os agentes educativos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, a questão que queria colocar-lhe prende-se exactamente com esta ideia de prioridade, consagrada, aliás, de forma absoluta. no Programa do Governo, e que é. como já é bem conhecido, a paixão de V. Ex.ª e também a nossa, permita-me que o digamos. Prende-se também, exactamente, com o pacto educativo: é que o desenvolvimento de políticas educativas e a consolidação dessas soluções, eventualmente a consagrar em sede de pacto educativo, têm duas grandes linhas, no nosso entendimento. A primeira é o investimento que se prende com a oferta universal da educação pré-escolar- como o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe, esse é também um factor não só de igualdade no acesso ao conhecimento e ao saber mas também um factor de igualdade social pelos resultados, que todos conhecemos, que essa frequência provoca no aumento do sucesso educativo. A segunda é a questão do desenvolvimento do ensino público superior.
Assim, a primeira questão que lhe coloco é a seguinte: como é que o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo prevêem promover a oferta universal da educação pré-escolar em Portugal? Ou seja, independentemente do pacto educativo, quais são as metas, quais são os objectivos e a sua datação, se possível, no tempo?
A segunda e última pergunta que lhe queria fazer tem a ver com o ensino público superior. Ao mesmo tempo que se fará o respectivo aumento, naturalmente que vamos diminuir o numerus clausus. Gostaria de saber qual é a intenção do Governo justamente no sentido de caminhar para oferecer uma frequência percentual mais importante. Como sabe, Portugal, em termos de União Europeia, não é propriamente um exemplo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro:- Sr. Presidente, infelizmente, o Sr. Deputado Marques Mendes já se foi embora- aliás, em matéria de comparação de ministros da educação, é uma érea em que estou sempre particularmente à vontade em relação ao passado recente, mas teria muito gosto em enviar-lhe uma lista das 33 medidas que já foram tomadas pelo Ministro da Educação nestes últimos três meses...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Trinta e três..., noves fora nada!
O Orador:- Não, Sr. Deputado! Trinta e três não dá "nada" noves fora, Sr. Deputado!
Risos.
Não deixa de ser estranho que um ex-subsecretário de estado da educação diga que 33 noves fora dá "nada"!
Risos.
É bem o símbolo do estado a que chegou a educação em Portugal sob a condução do PSD!
Aplausos do PS.
Mas, dizia eu, em matéria de ensino pré-escolar, o que foi desencadeado, desde já, foi o seguinte: em primeiro lugar, foram desbloqueadas as 900 vagas para educadoras de infância, que estavam bloqueadas desde 1989, para a rede pública. No entanto, nós não temos a visão de que seja a rede pública que vai cobrir o País, por isso está já criado um grupo de trabalho para apresentação de um projecto de rede nacional de ensino pré-escolar e estão abertas negociações com a Associação Nacional de os Municípios Portugueses e no quadro do acordo com as instituições de solidariedade social no sentido de se encontrar a boa repartição de funções entre o Estado, as autarquias e essas mesmas instituições, para garantir, no mais curto espaço de tempo possível, a cobertura integral do País.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, creio que se havia alguma dúvida acerca do que era o acordo de concertação social, com a entrevista publicada anteontem do Sr. Vice-Presidente da CIP, Nogueira Simões, ficou tudo esclarecido. Sei que o Sr. Primeiro-Ministro leu a entrevista - não é como o Prof. Cavaco Silva, lê a imprensa e preocupa-se muito com ela. E eu acho que deve ficar muito preocupado com esta entrevista porque nela o patronato embandeira em arco com este acordo. È uma entrevista marcada por uma grande desumanidade e por uma grande crueldade.
Em relação à flexibilidade de horários, está lá tudo explicado: vão pôr os trabalhadores nos "picos", a 50 horas, e depois, nas baixas de encomendas, deixam-nos descansar. Pergunto: como é que isto pode aumentar o emprego? Isto aumenta, seguramente, a exploração dos trabalhadores porque permite utilizar o mesmo número de trabalhadores e pô-los a trabalhar muito mais tempo e a produzirem muito mais, isto é, aproveitando, precisamente, os "picos".
Quanto à polivalência, a situação é a mesma: o que é que o Primeiro-Ministro pode esperar que suceda dentro da empresa - e nós vemos aqui como é o patronato - quando lhe é fornecida uma arma que permite deslocar o trabalhador para outro posto de trabalho perfeitamente à vontade? O que se passa é que vão ser atingidos direitos fundamentais dos trabalhadores e, fundamentalmente, a sua própria dignidade. Também aqui não é o emprego que aumenta, mas sim a exploração dos trabalhadores dado que vamos ter trabalhadores com duplo emprego dentro da mesma empresa!
Isto explica, Sr. Primeiro-Ministro, porque é que não aceitou a proposta apresentada pelo PCP de redução do horário de trabalho para as 40 horas semanais: não a quis porque a nossa proposta limitava-se a essa coisa simples que era reduzir o horário de trabalho para as 40 horas e a dar um novo direito aos trabalhadores, enquanto o que o acordo configura é um negócio altamente lucrativo para o patronato. E digo mais: até a própria redução para 40 horas o patronato se prepara para defraudar.
Na entrevista que referi, o Engenheiro Nogueira Simões faz esta afirmação, perfeitamente espantosa, em relação à possibilidade das pausas: "Muitas empresas, ao reduzirem para as 40 horas, vão começar por 'subtrair ou anular as pausas". E diz ainda: "Dantes trabalhava-se nove horas..." - o que, pelos vistos, era óptimo - "...as pessoas tomavam o almoço e isso chegava-lhes - o lanche é um vício"! Esta é a mentalidade que está aqui!
O seu Governo diz que põe as pessoas em primeiro lugar; e eu pergunto: como é que se pode pôr as pessoas em primeiro lugar numa situação destas? Pergunto isto não só ao Primeiro-Ministro mas também ao cidadão António Guterres: como é que se pode pôr as pessoas em primeiro lugar e brincar com aquilo que é o seu horário de trabalho? Como é que elas vão resolver os seus problemas do quotidiano, a sua vida pessoal e familiar? O Sr. Primeiro-Ministro dirá que há um pré-aviso de 15 dias. Então, vou organizar os horários dos infantários de 15 em 15 dias? É na polivalência? Pergunto também ao Primeiro-Ministro e ao mesmo cidadão António Guterres se isso atinge ou não a dignidade dos trabalhadores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe o que é que vai suceder dentro das empresas? Há muitos Srs. Deputados e muitas pessoas que têm dito que este tipo de críticas afronta o diálogo da esquerda, mas devo dizer-lhe que o diálogo da esquerda assenta em algo que, para a esquerda, é essencial, que é o respeito pelos direitos dos trabalhadores e pelas suas conquistas históricas. E esta flexibilidade e polivalência atingem conquistas históricas que nem o Decreto-Lei n.º 49.408 atingiu!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a terminar, direi apenas o seguinte: nós, para um diálogo de esquerda, defendemos os valores da esquerda e, em primeiro lugar, esse valor sagrado que são os direitos dos trabalhadores.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, em matéria de respeito pelos direitos dos trabalhadores, nenhum governo deu, até hoje, maiores provas do que este.
Protestos do PSD.
Foi este Governo que, pela primeira vez, fez uma negociação séria com os sindicatos na área onde é directamente responsável, tendo chegado a acordo com todos os sindicatos do sector na área onde é directamente responsável como empregador.
Aplausos do PS.
Agora, vamos à questão mais global da economia. A questão central para os trabalhadores portugueses é, em nossa opinião, a do emprego. Consideramos positivo que haja, simultaneamente, redução do horário de trabalho e que haja regras de flexibilidade interna que não de despedimento - sejamos muito claros nisto - que ajudem a que as empresas possam ser mais competitivas, que evitem as falências, que evitem o desemprego e que evitem situações extremamente gravosas para os trabalhadores portugueses, como aquelas que um país relativamente desprotegido como o nosso, com sectores tradicionais muito pesados, enfrenta e vai enfrentar nos próximos anos.
Mais: pode haver atitudes retrógradas deste ou daquele empregador, como deste ou daquele sindicato, desta ou daquela associação patronal, como deste ou daquele sindicato, mas numa sociedade moderna haverá capacidade no próprio diálogo no interior das empresas para transformar estes instrumentos de flexibilidade em benefícios não apenas para as empresas como para os próprios trabalhadores. Porque também eles terão formas de organizar as suas vidas, nomeadamente em zonas do País em que há pluriactividade, como acontece no Norte Litoral, que lhes permitirão obter maiores rendimentos, exercer melhores actividades e ter um exercício global da sua cidadania mais favorável do que podem ter hoje, com normas extremamente rígidas e espartilhadas que, em muitos casos, se viram contra as empresas e contra os trabalhadores.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, pede a palavra para que efeito?
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para defesa da honra da bancada.
O Sr. Presidente: - O Presidente não pode ser arbitro da sua sensibilidade, pelo que tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro, durante a resposta que acabou de dar, enfatizou por duas vezes que, pela primeira vez, tinha ocorrido em Portugal uma negociação séria no âmbito da concertação social.
O Sr. Primeiro-Ministro:- Não, não! Da Função Pública!
O Orador: - V. Ex.ª utilizou, por duas vezes, esta expressão.
Vozes do PS:- Vão, não!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, naturalmente que o combate político permite discordâncias, divergências, com mais ou menos veemência. Mas não é correcto que V. Ex.ª avalie as acordos de concertação social e as negociações que o governo do PSD fez nos últimos anos como não sérias.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não foi isso! Está equivocado!
O Orador: - Não sérias foram as posições de V. Ex.ª como líder da oposição quando pressionou as centrais sindicais, os sindicatos, e quando, publicamente, defendeu aumentos superiores aos que as próprias centrais sindicais reclamavam!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações. tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, é fácil atacar as pessoas sobre aquilo que elas não disseram.
Protestas do PSD.
O que eu disse, e mantenho, é que, pela primeira vez, houve negociações sérias entre o Estado e os sindicatos na área da responsabilidade directa do Estado, em que o Estado é empregador. E aqui a palavra "séria" não é no sentido de honesta, é no sentido de profunda, no sentido de querer chegar a um entendimento, no sentido de levar as coisas até ao ponto necessário para conseguir obter esse entendimento.
Aplausos do PS.
E isso não sou eu que o digo, são todos os sindicatos que o reconhecem, porque, até agora, em matéria de função pública, nunca houve uma verdadeira negociação. Outra coisa são as negociações em sede de concertação social, em que já houve acordos estabelecidos com outros governos, que não ponho em causa, tendo o acordo assinado recentemente sido, por acaso, aquele que envolveu um maior número de parceiros na história da concertação social em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, as minhas saudações nesta inauguração do seu estilo inglês, ...
Risos do PSD e do PS.
. ., tão longamente reclamado enquanto esteve na oposição. Mas permita que lhe lembre, até porque, h5 pouco, tanto se auto-elogiou, que está a fazê-lo apenas a 25%. Há, pois, 75% de défice britânico, visto que V. Ex.ª se propõe vir aqui mensalmente e o Primeiro-Ministro britânico vai aos Comuns semanalmente. Espero ainda vê-]o, se não cumprir a 100% essa sua promessa, pelo menos a aproximar-se dos 5090, o que seria razoável.
Sr. Primeiro-Ministro, permita que lhe coloque algumas questões concretas, que era essa a minha expectativa aí, o défice britânico é de 100%. Sr. Primeiro-Ministro, uma vez que V. Ex.ª ainda não abandonou a ideia de que haja eleições para as regiões simultaneamente com as autárquicas, pergunto-lhe se não acha que já está atrasado na iniciativa da implantação dessas regiões. Como é que é possível estar tão atrasado? Estes 100 dias não lhe deram para isso? O PS tinha um projecto preparado! Lembro-lhe que esse projecto não passou porque o PS não tinha maioria. Se esse projecto não foi já reposto, isso significa que estava mal feito. Então, decerto, pelo menos V. Ex.ª, que é crente, dará neste momento graças a Deus por ele não ter passado! Por isso, Sr. primeiro-ministro, pergunto-lhe: o que é feito do vosso projecto? E, sobretudo, tendo em conta, nomeadamente, a vizinhança que V. Ex.ª hoje tem nessa bancada, do Sr. Ministro Cravinho, pergunto-lhe: qual é a finalidade da comissão que V. Ex.ª criou há 15 dias para estudar o assunto das regiões?
Pela sua expressão, já vi que não criou! Foi um equívoco da comunicação social, um ziguezague. Julguei que, pelo menos, essa reforma estava a caminho.
Risos do PSD.
Sr. Primeiro-Ministro, a minha primeira questão consiste, pois, em saber se V. Ex.ª está ou não atrasado, como vai ter tempo, como vai ter possibilidades de dialogar e de dar aos outros tempo para dialogar. Não diga depois que as regiões não podem ser criadas não por vossa culpa mas porque é preciso prolongar o diálogo!
Segunda questão: VV. Ex.as, entraram a "falar de alto".
na União Europeia. Todos nós nos lembramos, inclusivamente, do estrondoso murro que o Ministro Gama deu sobre a mesa europeia, que toda a gente ouviu! Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: o que se passou? O Ministro Gama partiu o pulso?
Risos.
Aplausos do PSD.
É uma hipótese... Espero que o Sr. Ministro esteja de boa saúde, mas V. Ex.ª nos informará!
Risos.
O que estão VV. Ex.as a fazer? O que se passou relativamente ao famigerado acordo de pescas entre a União Europeia e Marrocos? Não sabe o Sr. Primeiro-Ministro que a imprensa internacional e nacional falam de que algumas cláusulas desse acordo estão em curso, com manifesto prejuízo das pescas portuguesas e da nossa indústria de conservas? Pensa o Sr. Ministro anunciar-nos o que está
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o Governo a fazer? Ou pensa presentear sobretudo essa informação no local das comunidades piscatórias? Pensa V. Ex.ª ir amanhã a Peniche, à Figueira da Foz, a Matosinhos? Com quem está V. Ex.ª a dialogar?
Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar uma última pergunta. VV. Ex.ª gabam-se de um novo estilo. O que é que significa então, Sr. Primeiro-Ministro, o processo disciplinar por delito de opinião ao jornalista Mário Crespo?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que é que significa a censura à entrevista de Rui Mateus?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª prometeu na entrevista à TVI que o Conselho de Administração da RTP seria nomeado nos novos termos, mas devo dizer-lhe que ele está em função nos velhos termos! O seu estilo é novo ou velho?
Finalmente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª não andou a arrumar a casa, V. Ex.ª andou esbaforido a correr pela casa, à procura das reformas que ainda não apresentou no Parlamento. Por isso, encontrou apenas esse grosso volume do Programa do Governo, de que nós já tínhamos ouvido falar. Mas, por favor, responda-nos à inglesa, respondendo concretamente às minhas perguntas concretas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, sabe que, em Inglaterra, há essa prática, mas também há a prática do pré-aviso, isto é o governo é informado acerca daquilo sobre que vai ser interrogado. Nós vamos mais longe do que a Inglaterra!
Risos do PSD.
Quando V. Ex.ª disse que queria que eu cá viesse uma vez por semana, calculo o susto que pregou ao seu grupo parlamentar porque basta eu vir cá uma vez por mês para já estarem completamente apavorados!
Aplausos do PS.
Mas vamos ao que interessa. Quanto à regionalização, tal como foi dito desde o princípio, o Grupo Parlamentar do PS reapresentará o seu projecto de lei de criação das regiões administrativas na sequência do Orçamento. Também quero registar com agrado o facto de um outro grupo parlamentar que não o de V. Ex.ª, o Grupo Parlamentar do PCP, ter apresentado um projecto de lei em matéria de criação das regiões administrativas, que considero um passo positivo para a procura dos consensos indispensáveis nesta Câmara.
Quanto a falar alto na Europa, temo-lo feito relativamente a todas as matérias. E, já agora, permita-me que lhe recorde uma questão a que seguramente será sensível e que deixaram totalmente ensarilhada: a questão de Alqueva. Nessa matéria, quer em Espanha, quer na Europa, temos falado com a intensidade suficiente para que, pela primeira vez e com clareza, o interesse nacional seja bem defendido.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é que é desconversar!
O Orador: - E posso também anunciar-lhe algo que já é público, ou seja, que o Governo aprovou um plano de reestruturação da indústria conserveira, que, aliás, foi já enviado ao Parlamento - parece que o Sr. Deputado está um pouco distraído -, que será discutido com as pessoas ligadas ao sector e que, estamos certos, contribuirá para minorar o impacto de medidas negativas vindas de uma história antiga na qual os senhores têm uma quota parte de participação muito substancial, diria mesmo muito mais substancial do que a nossa.
Relativamente à RTP, Sr. Deputado, compare a governamentalização dos noticiários da antiga RTP com a actual e verificará a diferença de estilo.
Protestos do PSD.
Falou ainda na censura, mas devo dizer-lhe que ela não existe e, em relação aos delitos de opinião, já lhe referi qual a orientação geral deste Governo, embora sem intervenção na gestão interna das empresas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Dei a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques quando devia tê-la dado à Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes, pelo que peço desculpa, pois não respeitei, involuntariamente neste caso, o princípio da alternância.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada, para formular a sua pergunta.
A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de mais, permitam-me que os saúde quando intervenho pela primeira vez nesta Assembleia, embora, Sr. Primeiro-Ministro, esta não seja, de facto, a primeira vez que lhe faço perguntas e lhe coloco questões. Fi-lo enquanto jornalista, faço-o agora como Deputada, exactamente com o mesmo espírito de procurar a verdade em defesa de assuntos dos quais depende o futuro dos portugueses e do País.
O Sr. Primeiro-Ministro, por seu lado, tem também hoje outro papel: era Deputado e hoje é chefe de um Governo do qual o país espera o cumprimento das promessas feitas, independentemente de estarmos ou não de acordo com elas. Aliás, através do diálogo e de uma oposição construtiva, nós saberemos - se me permite o termo - convencê-lo da justeza das nossas ideias e poderá contar connosco sempre que haja alguma falha de memória por parte do seu Governo para qualquer desvio das propostas com que se apresentou aos portugueses.
Não posso, por isso, deixar de o felicitar, embora moderadamente, por ter acedido aos protestos do PP relativamente ao IVA para a restauração. Sempre defendemos que este imposto devia baixar e não podíamos aceitar que o PS deixasse de cumprir as promessas que tinha feito durante a campanha eleitoral. Conseguimo-lo, pelo menos em parte: pelos vistos, o IVA vai baixar e, embora esteja ainda muito acima do praticado por exemplo em Espanha, esta diminuição é já um caminho.
Aliás, somos até capazes de perceber como foi difícil para o seu Governo elaborar o Orçamento entre tanta promessa feita e tanta dedicação a Bruxelas, para mais quando este Orçamento vai ser o primeiro, desde há vários anos, proposto por um governo minoritário e, como sabe, neste
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caso, as regras serão outras e exigirão uma maior flexibilidade por pane de quem está no poder.
No passado, enquanto Deputado, o Sr. Primeiro-Ministro sempre se insurgiu contra a atitude do "posso, quero e mando" da maioria laranja e é por isso que lhe lembro, concretamente, o que dizia há um ano: que tinha questionado por diversas vezes, sem sucesso, o governo de então sobre o montante que o Orçamento do Estado previsivelmente acabará por ter de suportar em relação à Expo 98. Falava na possibilidade de encargos para o Estado da ordem da centena ou centenas de milhões de contos e, agora, como o Sr. Primeiro-Ministro tem já decerto resposta para as suas dúvidas, sou eu que lhe faço essa pergunta, no sentido de saber se, de facto, será assim.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Para já, sabe-se que várias obras de infra-estruturas da Expo 98 são suportadas em parte por empresas públicas, cujos défices já são enormes. Por outro lado, tudo indica que a Expo 98 terá consequências negativas num sector essencial para o bem-estar e qualidade de tida dos portugueses: a habitação. Dizia,
há dias, a Secretária de Estado Leonor Coutinho no Diário Económico que os fundos comunitários atribuídos à Expo condicionam a política da habitação do seu Governo e punha mesmo em causa a construção da linha do metro e da gare do oriente para aquela zona da cidade de Lisboa.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe, em que medida é que a política da habitação está condicionada, sabendo todos nós que, durante anos, aquela foi uma área votada ao esquecimento por um ministro que só se dedicou a fazer quilómetros de alcatrão, negando o direito de cada família ter uma habitação condigna. Vai este Governo cair no mesmo erro grave, agora em nome de um projecto que o senhor mesmo considerou no passado megalómano e do qual não sabemos quais serão os resultados? O único exemplo que temos é o de Sevilha 92 e convenhamos que não é muito abonatório. E não podemos aceitar que o seu Governo esteja já à procura de alibis para a ausência de políticas que respondam às necessidades do país ou por terem feito mal as contas e chegarem à conclusão que, de facto. o dinheiro não é elástico e não chega para todas promessas (eiras.
Por fim, gostaria de saber se vão ou não ser construídas a linha do metro e a gare do oriente, dois projectos de que o Comissário Cardoso e Cunha faz questão e que o Sr. Primeiro-Ministro reconduziu, sem pôr condições, dando assim aval à acção do Sr. Comissário à frente da Expo 98.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes, é um prazer dialogar consigo pela primeira vez na qualidade de, ambos, membros deste Parlamento, visto que me considero também Deputado, embora comas minhas funções suspensas. E quero fazer-lhe a justiça de dizer que em todas as vezes que me entrevistou como jornalista sempre encontrei em si um modelo de isenção e de inteligência e sempre foi para mim um prazer ser por si entrevistado.
Risos do PSD.
Não consigo interpretar a atitude da bancada do PSD, mas espero que seja de concordância.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mais um voto para o Orçamento!
O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que em matéria de cumprimento das promessas eleitorais o nosso Orçamento, infelizmente, não tem graves dificuldades. E digo "infelizmente" porque gostaria de ter podido fazer muito mais promessas eleitorais, e se as não fiz foi por ter consciência das restrições orçamentais. É que é muito maior o peso dos compromissos assumidos pelo governo anterior, nomeadamente na campanha eleitoral, que transitam para o ano seguinte do que o peso das nossas próprias promessas eleitorais.
Aplausos do PS.
Poderia dar-lhe inúmeros exemplos e estou à sua disposição sempre que o queira.
Em matéria de Expo 98, como sabe, a partir de agora, as suas contas passam a estar submetidas ao Tribunal de Contas. Há uma alteração substancial em relação ao regime anterior e, nesta matéria, não tenho dúvidas em dizer-lhe que a posição do PP, que vinha nesse sentido, foi por nós acolhida com toda a simpatia, bem como sempre estivemos de acordo com o PP em matéria de IVA para a restauração. Gostaríamos até de levar mais longe a sua redução, só que, como sabe, o erro não foi cometido por nós, mas pelo ex-ministro Braga de Macedo, que, sem necessidade e iludindo a Câmara dizendo tratar-se de imposição comunitária, fez uma alteração do IVA para a restauração que a colocou, de facto, em situação pouco competitiva com outros países europeus. Vamos corrigi-lo parcialmente e esperamos continuar esse caminho.
Ainda relativamente à Expo 98 não haverá implicações directas no Orçamento do Estado, mas há avales do
Estado - não tenho de cor o número - que devem andar, neste momento, muito próximos dos 70 milhões de contos. Há, portanto, em relação ao êxito da Expo, um risco quanto ao futuro, que é um risco real para o futuro das finanças públicas portuguesas e que depende do êxito com que, na sequência da Expo, for possível valorizar as infra-estruturas, os terrenos e os projectos que a própria Expo, complementarmente, contempla.
Como sabe, a minha opinião em relação à gare do oriente e à linha do metro é a que era. Só que, quando assumi o poder, os concursos estavam lançados, as empreitadas adjudicadas e
há uma coisa que não faço: desavir obra que está em curso, pagando indemnizações que fazem com que fique mais caro não fazer do que fazer. O que estava em curso continua - é evidente -, as minhas opiniões mantêm-se e há muitas coisas que este Governo está a realizar que nasceram de decisões com as quais não estava de acordo, mas que são compromissos do Estado português e, devendo o Estado ser uma pessoa de bem, eles têm de ser cumpridos, qualquer que seja o governo que os assumiu.
Finalmente, em matéria de habitação, apesar de tudo este Orçamento tem um acréscimo muito significativo das despesas com o investimento em habitação social, porque consideramos que esse é um sector central na política social de qualquer Governo e, embora esse acréscimo não seja tão alto quanto desejaríamos por outro tipo de compromissos com outra natureza, apesar disso, tivemos, em
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relação ao ano anterior, um acréscimo muito significativo, que desejaremos prolongar no futuro, alterando também os fundamentos da política de habitação, no sentido de que esta não seja apenas devida ao investimento público, mas seja cada vez mais a intervenção do Estado orientada para subsídios de renda, que permitam às famílias mais carenciadas o acesso ao mercado privado de habitação.
Sobre se a Expo condicionou a habitação, devo dizer que, obviamente, condicionou, como todos os grandes projectos condicionaram, mas, apesar disso, pudemos superar o que muitos esperavam não conseguirmos superar.
O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não deixa de ser extraordinário que seja o PS a colocar-lhe uma questão que consideramos de relevância social. É uma questão sobre o rendimento mínimo de inserção social, um tema que fez correr tinta e sobre o qual se expressaram já, no início dos trabalhos desta Câmara, os partidos da oposição. É, de facto, um tema que, na minha opinião, distingue a direita da esquerda e os projectos sociais dos partidos que o propõem. No entanto, não deixa de ser extraordinário, dizia eu, que seja precisamente o PS a questionar V. Ex.ª sobre a execução deste importante projecto a que - sabemo-lo -, V. Ex.ª, o seu Governo e o nosso grupo parlamentar dão relevância extraordinária.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, gostaríamos de saber, dado termos consciência dos constrangimentos técnicos e da complexidade que a implementação de um sistema destes obriga, bem como do esforço financeiro do Estado, quais são as medidas e a metodologia que V. Ex.ª pretende seguir na aplicação inicial desta medida social. Gostaríamos ainda que V. Ex.ª nos explicasse como tenciona enquadrar no futuro esta medida, na perspectiva da reformulação do sistema de protecção social actualmente em vigor.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, muito obrigado pela questão que me colocou.
Como sabe, vai vigorar este ano um regime experimental do rendimento mínimo garantido para um número limitado de freguesias. Entendemos dever fazer um regime experimental, pois trata-se de introduzir uma profunda inovação social. Até agora, as prestações sociais eram sempre distribuídas pelo aparelho do Estado central e, como se sabe, essa distribuição conduziu a muitas situações de má utilização, de fraude e de injustiça, até pelo diferente acesso dos cidadãos à informação, que levou a que muita gente tivesse criticado o rendimento mínimo garantido precisamente na base de que havia o risco de que este pudesse ser mal distribuído. Queremos testar uma nova forma de distribuição das prestações sociais e queremos fazê-lo associando obrigatoriamente o Estado, por forma contratual, em cada caso, com uma autarquia local e uma instituição de solidariedade social, para termos a garantia de que, simultaneamente, se atingem os verdadeiramente necessitados e que, por esta dupla inserção, não se geram mecanismos clientelares, que seriam altamente indesejáveis.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É este regime experimental que esperamos poder generalizar a todo o país, com os ensinamentos dele colhidos e do qual poderemos tirar informações para outras prestações de natureza social, que, ainda hoje, são manifestamente realizadas com evidente desperdício e desvio em relação aos seus fundamentos essenciais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho, a quem vou dar a palavra, tem apenas três décimos de minuto para poder formular a sua pergunta. Faça favor de dispor de dois minutos, mas agradeço-lhe que se se circunscreva mesmo a esse tempo.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, naquele a que tem chamado o "novo ciclo político" está um alegado maior respeito de valorização pelas funções desta Assembleia. Vamos então aferir da sua afirmação com a prática do acordo de associação comercial com Marrocos e não do acordo de pescas, como, erradamente, o Sr. Deputado Silva Marques referiu, nem com notícias da imprensa, mas com factos concretos.
Como o Sr. Primeiro-Ministro sabe, em 15 de Novembro de 1995, foi rubricado e aprovado o acordo de associação comercial entre a União Europeia, os Estados membros e o Reino de Marrocos, acordo que, conforme o seu artigo 96.º, só deveria entrar em vigor dois meses depois de as várias partes contratantes notificarem a Comissão da sua aprovação, findas as tramitações constitucionais em cada país. De facto, o acordo só entra em vigor depois de ser ratificado quer pelos Parlamentos dos Estados membros quer pelo Parlamento de Marrocos e de ser aprovado pelo Parlamento Europeu.
Ora, como se sabe, nada disto ocorreu até ao momento, não sendo líquido, aliás, que o acordo de associação comercial seja aprovado por todos os países, face às consequências negativas que este tem para muitas economias.
Sabendo disso, a Comissão decidiu deitar mão de um expediente, qual seja o de aplicar o acordo sem o fazer passar pelas ratificações dos Estados membros, violando assim o poder soberano desses Estados. Se bem o pensou, mais depressa o fez: o acordo já está a ser aplicado e, no nosso caso, exactamente nas produções que mais nos afectam, como é caso do tomate, das laranjas, das flores e, particularmente, das conservas de sardinha. As nossas empresas de conservas já estão neste momento a sentir as dificuldades decorrentes da aplicação antecipada e ilegal do acordo, não conseguindo exportar nada, porque os mercados europeus estão já a ser fornecidos de conservas marroquinas à taxa pautai zero, nos termos do acordo.
O procedimento ilegal e abusivo da União Europeia seria só por si fortemente condenável, como condenável seria o silêncio do Governo perante aquele. Em 11 de Janeiro, requeri ao Governo explicações sobre esta questão e, até agora, elas não me foram dadas, apesar de o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus dizer já ter respondido.
Sr. Primeiro-Ministro, a Comissão já respondeu a um requerimento no mesmo sentido e feito no mesmo dia pelo meu camarada. Deputado ao Parlamento Europeu, Honório Novo, e a resposta é esclarecedora - mais do que esclarecedora, amplia as responsabilidades do seu Governo nesta aplicação antecipada. Depois de reconhecer que o acordo tem de ser ratificado por todos os Estados membros e pelo Parlamento Europeu antes de poder entrar na ordem jurídica desses Estados, diz, então, o Sr. Vice-Presidente
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Marin, em nome da Comissão: "Todavia, em 21 de Dezembro de 1995, o Conselho adoptou, sob proposta da Comissão, um regulamento que prevê a aplicação antecipada de determinadas disposições do acordo". E, consoante a acta que aqui tenho de 21 e 22 de Dezembro, fê-lo com o voto do Governo português! Com o voto do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas!
Sr. Primeiro-Ministro, não foi só a Comissão, mas os Governos, os Ministros das Pescas, o Governo português e o seu Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, que, num procedimento ilegal, deram cobertura e votaram favoravelmente a antecipação da aplicação do acordo, sem que este lenha sido ratificado, nem dado entrada na nossa ordem jurídica, violando a Constituição e violando as comparências desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, para quem como V. Ex.ª fala tanto no respeito pelas comparências desta Assembleia, este comportamento é completamente inadmissível.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É inaceitável que isto tenha sucedido com o voto do Governo português! E não bastam explicações, é preciso que o Governo assuma as responsabilidades e decida pôr cobro a este procedimento ilegal e abusivo, atentatório da nossa soberania e do poder de ratificação deste Parlamento!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho acaba de passar a todos os Parlamentos da União Europeia, mesmo àqueles que seguem detalhadamente o respectivo processo, como cada vez mais o nosso está a fazer, um atestado de incompetência que não é real. As informações que tenho são no sentido de que o acordo não entrou em vigor e de que apenas foram introduzidos alguns ajustamentos técnicos de natureza reduzida.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é verdade!
O Orador: - No entanto, face à sua interrogação, não lenho qualquer dúvida em obter informações adicionais e pedir aos ministros das pastas respectivas que dialoguem com a Assembleia, no sentido do cabal esclarecimento do que se esteja a passar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente:- A Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes já não dispõe de tempo para formular a sua segunda pergunta, mas, por uma questão de igualdade de tratamento, terá os mesmos dois minutos do Deputado que a antecedeu para o fazer.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, os portugueses foram surpreendidos no mês passado com um aumento de
9% nas chamadas telefónicas locais, quando o valor da inflação andará pelos 3,5%. Ora, se o critério do Governo para negociar os aumentos da Função Pública foi o da
inflação - e, ainda há pouco, o Sr. Primeiro-Ministro, quando falou do aumento dos combustíveis, referiu-se ao valor da inflação, pergunto por que razão não é aplicado o mesmo critério para o aumento das chamadas telefónicas, sendo a Portugal Telecom uma empresa de capitais maioritariamente públicos.
Os portugueses pagam pelas chamadas telefónicas bastante mais do que a maioria dos cidadãos europeus - pagam mais do que a Alemanha, a Espanha, a Suécia e a Bélgica, mais do dobro do que os holandeses e quase cinco vezes mais do que os gregos- e não nos podemos esquecer que o telefone presta um serviço básico, imprescindível hoje em dia e que no mercado português não h5 escolha possível, pois a Portugal Telecom detém o monopólio do mercado.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Não se pode, portanto, recorrer a outra empresa que ofereça melhores condições e um preço mais baixo e, assim sendo, o cidadão português não tem outra alternativa senão estar à mercê dos aumentos perfeitamente arbitrários que a empresa decide. É inadmissível, Sr. Primeiro-Ministro, que seja à custa dos portugueses, já com tantas dificuldades, que a Portugal Telecom pretenda ter uma boa situação financeira com vista à segunda fase de privatização! Nós sabemos que as privatizações fazem pane das tais "almofadas" de que o Sr. Primeiro-Ministro fala para fazer cumprir o Orçamento, mas é bom que diga então que essas "almofadas" serão cheias à custa de maiores despesas para as famílias portuguesas!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - É um escândalo que ao Governo não bastem os impostos e que, disfarçadamente, este venha arrecadar mais dinheiro para o Estado, através de aumentos em bens essenciais, como é o caso das chamadas telefónicas locais. Trata-se de aumentos duas vezes e meia o valor da inflação, sendo o Estado o maior accionista da Portugal Telecom! É por isso que o Governo é o principal responsável por esta medida e é por isso que lhe estou a pedir as explicações necessárias, Sr. Primeiro-Ministro. Não aceitamos as transferências de responsabilidades, o Governo não pode "sacudir a água do capote", nem usar os já habituais eufemismos pelos quais os aumentos passaram a ser sempre e só actualizações.
Sr. Primeiro-Ministro, queremos saber por que é que os portugueses vêem agravadas as suas despesas, de uma forma injusta e arbitrária, e,
já agora, deixe que lhe cite o que um jornalista escrevia há dias: "O que fará o Governo quando a EPAL cobrar o que quiser pelo m3 e a EDP pedir uma fortuna pelo kilowat"?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Moura Guedes, como sabe, as deliberações tomadas por este Governo em relação às empresas públicas dele dependentes ou às empresas ainda sob o seu
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controlo foram no sentido de que os respectivos aumentos não ultrapassassem os 3%. Aliás, como sabe, o aumento médio das chamadas da Portugal Telecom - de todas as chamadas -, é inferior a 2%, o que quer dizer que há, de facto, um aumento nas chamadas locais, mas que também há diminuição noutras chamadas.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - O que nos interessa é este caso!
O Orador: - Sr. Deputado, estou apenas a esclarecer toda a verdade.
E de que é que resultam estes aumentos? De um contrato assinado entre o Estado, representado pelo governo anterior e a Portugal Telecom, que serviu de base às perspectivas de privatização da empresa.
É uma questão muito simples: o Estado é uma pessoa de bem ou não? Pode o Estado vender uma empresa sua, com base num contrato que com ela estabeleceu e segundo o qual as tarifas teriam determinado aumento e depois não o cumprir? Ou não o pode fazer? Devo dizer que, estando eu totalmente de acordo com a Sr.ª Deputada no plano social e tendo sido discutida essa questão expressamente em Conselho de Ministros, entendemos que o Estado, acima de tudo, tinha de ser uma pessoa de bem e que não podia pôr em causa a credibilidade de todo o processo de privatização. É que se um contrato, celebrado entre o Estado e uma empresa há um ano, no qual era previsto um aumento de tarifário que agora entrou em vigor, não fosse respeitado, tendo esse contrato servido de base à privatização da empresa, teríamos então de reconhecer que o Estado estava a roubar todos aqueles que tinham acorrido a essa mesma privatização.
Sabendo eu que o PP é sensível quer ao facto de o Estado dever ser uma pessoa de bem quer ao facto de as privatizações serem um instrumento essencial de política económica, peço à Sr.ª Deputada que reveja a globalidade do problema e seguramente concordará comigo.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - É como a portagem!
A Sr.ª Manuela Moura Guedes (CDS-PP): - E os cidadãos, Sr. Primeiro-Ministro?!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva não tem tempo para formular a sua pergunta, mas, por um princípio de igualdade de tratamento, a Mesa cede-lhe dois minutos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, eu estava certo de que o Sr. Primeiro-Ministro cederia tempo do Governo se fosse necessário, atento o seu apego ao diálogo, mas não foi necessário fazê-lo porque a Mesa já me concedeu dois minutos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não seja ingrato!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª, ao concluir a sua intervenção inicial, formulou um desejo no sentido de que as relações entre o Parlamento e o Governo se pautassem não pela esperteza mas pela sabedoria. Penso que V. Ex.ª veio, efectivamente, formular este desejo para o futuro, porque, olhando para o que têm sido as relações do Governo com o Parlamento, pelo lado do Governo, penso que elas se têm pautado pela esperteza. Na verdade, verificamos que V. Ex.ª ainda há pouco referia que tem cumprido as promessas que assumiu com o eleitorado, mas o certo é que no seu Programa havia o compromisso da abolição de todas as portagens e V. Ex.ª aboliu duas ou três, não tendo, consequentemente, cumprido esse seu compromisso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que grande cantiga!
O Orador: - V. Ex.ª assumiu o compromisso, e num debate com o Sr. Deputado Fernando Nogueira referiu que iria instituir o sistema dos concursos públicos para a Função Pública, inclusive para os directores-gerais, mas a verdade é que essa iniciativa não foi tomada. V. Ex.ª defendeu sempre que não deveria haver acumulação de funções por parte dos directores-gerais e veio cá o Sr. Ministro Jorge Coelho discutir connosco uma proposta de lei nesse sentido. Só que, nesse mesmo dia, o Diário da República publicava a nomeação de um director-geral para uma função pública, cumulativamente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Foi alterado imediatamente!
O Orador: - Foi referido que o Dr. Manuel Santos ia ser exonerado dessa função, mas até hoje não temos notícia de que tal tenha acontecido e consta mesmo que haverá divergências entre o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Ministro Jorge Coelho a esse respeito.
Mas há ainda outras questões que aqui têm sido colocadas em que se vê o princípio da esperteza - não o da sabedoria! - a dominar. V. Ex.ª, há pouco, referiu mais uma vez o que tem sido dito pelo Governo e pelo PS: anunciam-se os aumentos, há os aumentos das portagens, há o aumento da gasolina e o aumento do gasóleo, e não são considerados outros aumentos porque são inferiores à inflação, mas quando se trata do aumento no âmbito da concertação social não se fala no aumento de 1%, como seria lógico dado que a inflação é de 3,5%, mas fala-se em aumento de 4,5%. Ora, há aqui uma dualidade de juízo sobre estas matérias e gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse - os seus Ministros que aqui têm vindo não me têm esclarecido - se efectivamente vai instituir o sistema do concurso público para toda a Administração, incluindo os directores-gerais, ou se nesta matéria, designadamente das acumulações, se vai servir um pouco da esperteza, aqui prontamente anunciada pelo Sr. Deputado Alberto Martins, de fazer uma norma transitória no diploma para manter as nomeações que entretanto foram feitas, cumulativamente, de directores-gerais para outras funções públicas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Quem disse isso?!
O Orador: - Também é verdade, como há pouco referiu o Sr. Deputado Silva Marques, que VV. Ex.as assumiram o compromisso de alterar a lei da televisão para que o seu conselho de administração fosse nomeado pelo conselho de opinião. No entanto, o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social veio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias referir que este conselho de administração nomeado pelo Governo iria manter-se em funções durante três anos. Será que VV. Ex.as anunciam estes propósitos, mas entretanto servem-se das leis anteriores para manterem as falsas nomeações?
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Primeiro-Ministro: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro:- Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, devo dizer-lhe que considero que o Governo tem pautado as suas relações com esta Assembleia pelo princípio da sabedoria. E só poderei ser sensível a uma norma evangélica: é que também não convirá, em circunstância alguma, que os filhos da luz sejam menos espertos do que os filhos das trevas.
Risos do PS.
Mas falemos do que agora interessa. Os nossos compromissos eleitorais estão a ser cumpridos a um ritmo, diria, verdadeiramente alucinante. Se considerarmos que na legislatura anterior mais de metade dos compromissos não o foram ao fim de quatro anos e que em cerca de 100 dias uma grande parte deles
já estão totalmente assumidos e cumpridos, terá de concordar que é, nessa matéria, uma performance notável.
Desde logo, quero dizer-lhe que, em matéria de concursos públicos, está a ser preparada legislação no sentido de que os lugares de confiança política sejam restritos e que para os cargos abaixo do de
director-geral - como sempre disse! - seja utilizada a fórmula do concurso público como a forma normal de provimento das administrações. E não teria dúvidas até em abrir essa possibilidade a muitos dos directores-gerais se não fosse o princípio constitucional da igualdade. Aliás, pelas informações que tenho em relação ao único caso que referiu, tivemos logo a clareza de pôr em cima da mesa legislação que, espero, seja em breve publicada sobre as acumulações. No que toca às acumulações que ainda se verificam, enquanto não vigorar esse diploma e que tenham sido por nomeação deste Governo, não há acumulação de vencimentos. Repito, não
há acumulação de vencimentos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à lei da televisão, ela este em preparação, em breve será apresentada a esta Assembleia e nela se poderão introduzir as normas que se entenderem sobre o seu conselho de administração.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O conselho de administração sai?
O Sr. Presidente: - Para formular a sua pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A implementação de políticas activas de criação de emprego é um fenómeno extremamente complexo, eu diria mesmo que é talvez o fenómeno a que hoje melhor se pode aplicar o conceito emergente de "globalização", uma vez que exige políticas muito locais, de malha muito fina, e simultaneamente políticas globais, de espaços sectoriais que transcendem o âmbito dos próprios países.
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, foi lúcida e oportuna a sua intervenção no Conselho Europeu de Madrid, ao iniciar um novo ciclo na construção europeia, colocando o problema do emprego no centro do debate. De igual modo, foi significativa a tomada de posição do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que afirmou, no último Conselho de assuntos gerais, que Portugal está fortemente empenhado "na construção da União Económica e Monetária, em cuja terceira fase quer participar desde o início e que conferimos igualmente a maior importância ao reforço das políticas activas de criação de emprego e de resolução dos problemas estruturais do mercado de trabalho, no quadro de um crescimento económico sustentado na melhor dimensão social".
Neste quadro também, uma das prioridades da presidência italiana da União Europeia é a concentração sobre as políticas de relançamento do emprego. Mas
há uma questão-chave que quero colocar à sua consideração: esta concentração no relançamento do emprego não pode ser feita em torno do critério da quantidade do emprego mas, sim, em torno do da sustentabilidade do emprego, sob pena de se alargar o fosso entre um conjunto de economias que fizeram reformas estruturais, que têm agora um desemprego em quantidade mas conjuntural, e o de economias, como a portuguesa, que, não lendo feito essa reestruturação, têm uma quantidade de emprego relativamente alta mas têm uma sustentabilidade do emprego muito baixa.
Esta questão é essencial e era sobretudo a este respeito que gostaria de ouvir a sua reflexão: quais são as orientações do Governo português, para que, na sequência de termos colocado na agenda a questão do emprego, conseguirmos que a prioridade de intervenção seja sobre políticas não conjunturais mas estruturais e que favoreçam não as economias com mais desemprego mas as com menos competitividade?
Vozes do PS:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente. Sr. Deputado Carlos Zorrinho, suponho que todos recordarão que, à saída do Conselho de Madrid, tive ocasião de
dizer - e fui o único Primeiro-Ministro que o disse - que estava profundamente insatisfeito com a política europeia em matéria de emprego. Todos os outros citaram os documentos para, de alguma forma, anunciarem, a partir dos "amanhãs que cantam", inscritos nos documentos, que o problema eslava em vias de resolução. Os factos vieram a dar-me razão e cada vez mais
há primeiros-ministros na Europa a reconhecerem que a situação europeia, nesta matéria, é extremamente preocupante.
Quero afirmar nesta Câmara que continuo profundamente insatisfeito com a incapacidade revelada pelo conjunto dos governos europeus de definirem uma acção concertada em matéria de crescimento económico, e continuo insatisfeito pelas resistências que se verificam ao assumir da política de emprego como uma política comunitária e ao assumir de responsabilidades da União no plano do emprego, nomeadamente de acordo com as propostas de Jacques Delors, que previa a possibilidade de a União vir a contrair empréstimos nos mercados internacionais para lançar grandes programas de emprego à escala europeia.
Continuo insatisfeito e a entender que esta é, hoje, a questão central no debate europeu. Gostaria de ter idêntica insatisfação por parte de todas as bancadas e idêntica insistência em todos os grupos políticos e instâncias europeias, porque esta é uma cruzada que não está ganha. A Europa continua a não ter coordenação eficaz das suas políticas económicas nacionais nem uma responsabilidade colectiva expressa pela União em matéria de emprego.
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É evidente que isto tem consequências negativas em cada um dos países, nomeadamente em Portugal. Temos uma margem de manobra reduzida e temos de explorá-la. Em que áreas? Nas que nos permitam suportar o nosso próprio crescimento na medida do possível. Aliás, foi por essa razão que revimos o Orçamento, empolando o investimento público, por sentirmos a necessidade dessa sustentação a curto prazo, em virtude da ausência de crescimento da procura internacional dos nossos bens e produtos. Por outro lado, há necessidade de um conjunto de medidas de reforma estrutural que dêem qualidade ao nosso emprego e, finalmente, de apostar no mercado social de emprego, porque cada vez mais, para as pessoas de baixa qualificação, de baixo nível de instrução, que correm o risco de perder o seu posto de trabalho, o mercado, pelas suas regras cegas, não oferecerá futuro. Assim, precisamos de encontrar soluções que, a nível local, têm de ser definidas.
Sr. Deputado, está em formação aquilo a que chamamos as redes sociais locais. Isto é, a possibilidade de, ao nível de cada concelho, os serviços periféricos da administração, emprego, saúde e segurança social, em conjunto com as autarquias e as instituições de solidariedade social, trabalharem em rede, com objectivos comuns, pondo em comum os seus recursos, para dar resposta aos problemas sociais, dos quais o emprego social é um dos mais relevantes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Seguir-se-ia, no uso da palavra, o Sr. Deputado Rui Rio, mas, por um lado, não tem tempo, e a generosidade implica igualdade e não proporcionalidade ao número de perguntas, e, por outro, não o vejo na Sala.
Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.
A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a pergunta que quero fazer ao Sr. Primeiro-Ministro é muito concreta e diz simplesmente respeito ao quotidiano de todos os portugueses: tem a ver com a fixação oficial da hora legal e a sua coincidência ou não com a hora solar.
Não vou referir eventuais vantagens que tenha a nova hora, desajustada, excepto a conveniente coincidência com o funcionamento dos serviços europeus. Queria, no entanto, chamar a atenção para situações bizarras como as de acordarmos de noite e nos deitarmos de dia,...
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora:- ..., ou de os nossos filhos dormirem na escola porque este novo horário europeu não os deixa dormir na cama.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Também não posso citar estatísticas, porque não existem, mas é do conhecimento geral, e já com alguma verificação, o aumento dos assaltos a crianças em percursos escolares durante a madrugada, o desfasamento das rotinas familiares, o abaixamento do rendimento escolar e, diria ainda, o incómodo progressivo e sistemático que se generaliza a toda a população portuguesa por ser forçada a viver num tempo tão fora do seu tempo normal.
Penso que a esta matéria, tal como a muitas outras, deve ser dado o primado da pessoa, em detrimento de conveniências de natureza administrativa e, porventura, económicas.
Pergunto-lhe, por isso, se vamos ter ou não reposição do horário, qual a hora oficial em que o Governo está a pensar e que tipo de entidades da sociedade civil pensa consultar. Solicito-lhe ainda que, com brevidade, o Governo saiba encontrar uma solução que reponha, de alguma forma, o equilíbrio natural que todos nós, portugueses, temos com o nosso tempo.
Vozes do PS e do Deputado do CDS-PP Manuel Monteiro: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, é-me difícil responder como Primeiro-Ministro sobre uma decisão que, formalmente, ainda não está tomada. No entanto, posso responder-lhe como pai e como cidadão.
Considero um erro grave o facto de ter sido alterada a hora legal em Portugal por questões de alinhamento europeu, introduzindo um desfasamento entre a hora solar e a legal superior a duas horas. Tenho uma filha de 10 anos e é para mim profundamente constrangedor verificar que hoje, no Inverno, uma criança vai para a escola às 8 horas ou pouco mais - isso depende dos horários das diversas escolas -, tendo de sair, em alguns casos, bastante mais cedo de casa, noite cerrada, continuando a ser noite cerrada ainda durante bastante tempo na escola, e como é difícil aos pais, no Verão, ou quando nos aproximamos do período dos exames,...
O Sr. João Amaral (PCP): - Com a flexibilização dos horários, ainda vai ser mais difícil!
O Orador: - ... fazer com que crianças de idade relativamente reduzida se deitem quando ainda é dia claro.
Para além disso, não se trata apenas de uma questão de coesão europeia mas também de coesão nacional, visto que a diferença horária implicou um desfasamento maior em relação às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
O Governo decidiu pedir um parecer a uma comissão técnica prevista na lei para esse efeito e aguarda ainda esse parecer. Assim, neste momento, o que lhe posso dar é a minha opinião. Entendo que - e a proposta que farei ao Conselho de Ministros será nesse sentido - se deve aproveitar a hora de transição que vai ocorrer no próximo mês de Março para que se diminua este desfasamento, o qual, a meu ver, é excessivo, entre a hora legal e a solar e voltemos ao regime anterior. A resposta formal do Primeiro-Ministro terá de aguardar a decisão do Conselho de Ministros, baseada no parecer da comissão técnica, que ainda não foi fornecido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, vamos entrar no período de encerramento do debate. Foi convencionado que os partidos usariam da palavra por ordem crescente de representação parlamentar.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, dispondo para o efeito de três minutos.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. De-
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putados: Cremos que o que o Sr. Primeiro-Ministro veio hoje fazer foi a reafirmação do discurso da nova postura, da nova forma de fazer política, o que, aliás, já tinha feito. Mas cremos que os portugueses quiseram e querem mais do que isso: mais do que uma nova forma de fazer política, querem unta efectiva nova política. A forma é importante, mas, mais do que a forma, reclama-se conteúdo.
Já tivemos, aliás, oportunidade de o dizer nesta Câmara.
Todavia, o Sr. Primeiro-Ministro continua, por um lado, a apresentar o mesmo critério do Governo anterior, de subordinação à construção europeia na estratégia de Maastricht, com todas as consequências conhecidas que já trouxe e continuará a trazer para a agricultura, a indústria e o ambiente em Portugal, nomeadamente no sentido de um desenvolvimento sustentado e equilibrado. Aqui, na verdade, não encontramos a nova política.
Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro baseou algumas das suas respostas, como vem acontecendo desde o início do mandato deste Governo, na herança do passado. Essa herança existe, mas há matérias que, para terem a mudança desejada. necessitam de se desprender do passado, de ser repensadas, reequacionadas e de uma outra estratégia de resolução, para que a política, a solução sejam efectivamente diferentes, aliás, de acordo com as vossas promessas eleitorais.
Ora, não foi isso que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou na resposta que deu a uma pergunta concreta que a Sr.ª Deputada Isabel Castro lhe fez sobre os resíduos. A sua resposta não respondeu à pergunta e só veio confirmar que, na verdade, o Governo não tem uma estratégia definida em termos de resíduos, como o demonstrou o Programa do
Governo - e afirmámo-lo, na altura, com preocupação ou como se está a demonstrar com a leitura das Grandes Opções do Plano. Na verdade, Sr. Primeiro-Ministro, afirmámos por diversas vezes que a incineração e a política dos três R não encontram compatibilização possível.
É fácil dizer que a situação actual é uma herança, mas nesta matéria, Sr. Primeiro-Ministro, a desculpa da herança não é válida, porque há factos reversíveis e que, com uma verdadeira mudança de política, transformariam a situação de uma das chagas ambientais mais graves, a dos resíduos.
A resposta que deu podia perfeitamente ter vindo do PSD, pois foi imprecisa e significa tudo e nada. Esperamos, dentro em breve, ouvir o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo afirmarem que verdadeiras mudanças vêm aí, com vista a um real desenvolvimento sustentável. Isso ainda não aconteceu desta vez, aguardamos para ver.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que com esta intervenção pretendia uma viragem e uma mudança no ciclo das relações com a Assembleia da República. Como é natural, não poderíamos estar mais de acordo.
No entanto, para além do modelo deste debate, há determinadas questões em que o Governo tem mostrado claramente adoptar um modelo que, de todo em todo, não podemos aceitar. É exemplo disso o facto de ser anunciado (parece ser uma questão formal, mas é de fundo) como uma das prioridades do
Governo - repare-se que não é uma prioridade do Partido Socialista, mas, sim, do Governo - a revisão constitucional, que é da exclusiva iniciativa da Assembleia da República.
Repare-se também, aliás, como ficou aqui demonstrado, que perante uma matéria que é da exclusiva competência da Assembleia da
República - a ratificação de um tratado internacional, se permite votar a favor de um regulamento comunitário que, de modo abusivo, põe em vigor, antecipadamente, uma matéria relativa a um tratado, cuja aprovação é da exclusiva competência da Assembleia da República.
: Afirmou também o Sr. Primeiro-Ministro que se impõe e também não podemos estar mais de
acordo - a conciliação dos cidadãos com o exercício do poder. Mas colocou duas questões fundamentais para este efeito: por um lado, a revisão constitucional e, por outro, a revisão das leis. eleitorais. Pela nossa parte, dizemos que a grande medida para conciliar os cidadãos com o poder político é, pelo contrario, uma actividade permanente, por pane do Governo, de resposta aos problemas das populações e, em particular, dos trabalhadores e dos que menos têm.
De resto, é preciso que, em relação a matérias como as leis eleitorais, de uma vez por todas, se clarifique a posição do PS. Referem-se, por exemplo, círculos de um só Deputado, mas nunca fica claro se se trata de círculos de candidatura no quadro de grandes círculos de apuramento que preservem totalmente a proporcionalidade ou se, pelo contrário, se adiantam propostas que, de lodo em todo, seriam desconformes com a Constituição.
Afirmou ainda o Sr. Primeiro-Ministro que defende valores da esquerda. Não obstante, defendendo esses valores, referiu que é a favor, por exemplo, das privatizações. Curiosamente, entretanto, justificou o aumento das tarifas telefónicas com a privatização de Telecom, o que é demonstrativo dos efeitos que estas não podem deixar de ter. É que ninguém de esquerda pode ocultar que é um efeito inevitável, ao continuar as privatizações num contexto de integração comunitária, a concentração da riqueza, contrariando assim o princípio da igualdade, que é um princípio fundamental de esquerda que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou defender.
Neste sentido, não podemos deixar de lamentar que se coloque como "pedra de toque" de um Governo que se diz de esquerda um programa de privatizações. Não basta mudar o lugar do volante e andar num carro praticamente da mesma cor e na mesma direcção. É necessário, decididamente, mudar de direcção e não apenas mudar o volante da direita para a esquerda.
Da mesma forma, demonstrou-se aqui que o grande patronato ficou extremamente feliz com o acordo de concertação que foi assinado, com a perspectiva de reforço indiscriminado dos seus poderes a pretexto da flexibilização e da polivalência.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Outras medidas, como o rendimento mínimo de subsistência e o numerus clausus do ensino superior, não encontraram resposta adequada.
Quanto a outras questões, ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro lamentar que do Conselho de Madrid não tivessem resultado políticas de emprego. É verdade, não resultaram, mas também o ouvimos afirmar que o Euro era a pedra onde deveria assentar a integração comunitária e não propriamente o emprego, os direitos dos trabalhadores e a política social, como seria próprio de uma política de esquerda, que pretendemos para Portugal.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou falar exclusivamente daquele que, para o Partido Popular, é o principal problema do País neste momento: o caos do sistema de ensino.
Pensamos que a educação tem de deixar de ser a sua paixão para passar a ser uma mudança concreta e real na prática da escola, da avaliação, dos professores, dos alunos e das famílias.
Devo dizer-lhe que temos tido algumas desilusões quanto ao que, conforme nos temos apercebido, na óptica do Ministério da Educação, deverá ser o célebre pacto educativo que o Governo tem dito que pretende celebrar e que V. Ex.ª disse que o Governo aqui viria discutir.
Em várias ocasiões, por vários membros do Governo, inclusive nesta Assembleia, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, em reuniões com o Sr. Ministro da Educação, tem-nos sido dito que o futuro pacto educativo será um conjunto de generalidades nas quais será difícil, independentemente de sermos de esquerda ou de direita, não nos revermos. De facto, dar a prioridade ao ensino pré-escolar ou ao combate ao analfabetismo são problemas a respeito dos quais é difícil termos divisões e discórdias.
A verdade é que o problema do ensino não é esse, Sr. Primeiro-Ministro. Ele precisa, neste momento, de mudanças concretas, cuja dificuldade está em resultarem da concertação de interesses contraditórios no mundo da educação.
Vou dar-lhe um exemplo, Sr. Primeiro-Ministro. Por que razão V. Ex.ª e o seu Governo não "restauraram" o chamado chumbo por faltas? É incompreensível para nós que se possa continuar a transitar de ano, no sistema de ensino, independentemente do número de faltas que se dá ou não na frequência às aulas. Por que razão esta simples medida de exigência, racionalização e rigor no sistema de ensino há-de aguardar por um pacto mais ou menos literário, que não sabemos quando virá e que, pelo que estamos a ver, virá cheio de literatura mas eventualmente pouco cheio de medidas concretas e de alterações profundas no sistema? Para nós, é muito mais importante estabelecer compromissos concretos à volta de questões concretas como a de saber se vão haver ou não exames durante a escolaridade obrigatória...
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Vão haver"?! Isso dá direito a chumbo!
O Orador: - "Se vão haver", Sr. Deputado... Cada um vai falando com as gaffes que pode.
Dizia eu que é importante estabelecer compromissos concretos sobre se vão haver exames ou não; se vai ser possível continuar a passar de ano, apesar do número de faltas; se a universidade vai ou não passar a ser independente das regras orçamentais do Estado e se vai ser reformada, no sentido de ter uma autonomia verdadeira e concreta...
O Sr. António Braga (PS): - "Vão haver" chumbos!...
O Orador: - ... e autogoverno nos seus destinos, nos seus objectivos pedagógicos e financeiros. Enfim, Sr. Primeiro-Ministro, se, para além da literatura, vamos ser capazes, todos juntos, de encontrar as mudanças que o sistema de ensino precisa ou não.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que já tinham tomado 33 medidas em matéria de ensino. Julgo que para paixão é pouco, mas, mesmo que tenha tomado as 33 medidas, o País não se apercebeu delas. Se o País não se apercebeu delas, isso significa que, de facto, essas 33 medidas não foram ao cerne dos problemas verdadeiros do sistema de ensino. Pela nossa parte, que não somos oposição de gritaria, de "bota-abaixo" ou de expediente, estamos disponíveis para trabalhar nestas questões concretas com todos os parceiros sociais e o Governo, desde que trabalhemos, de facto, nestas questões concretas e o Governo não nos queira entreter com pura literatura de objectivos nobres, mas que em nada contribuirão para resolver os problemas concretos das famílias, dos professores e dos estudantes na escola.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, hoje, foi salvo de um KO, apesar de ter perdido aos pontos,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
Risos do PS.
O Orador:- ..., porque o Deputado... Sr. Presidente, peço que as gargalhadas do PS sejam descontadas no meu tempo.
Risos do PS.
O Orador: - Dizia eu que só não perdeu por KO porque o Deputado António Guterres deu uma mãozinha ao Primeiro-Ministro António Guterres.
Vozes do PS: - Oh!
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa foi subtil!
O Orador: - Com a retórica, aliás, sempre brilhante, do Sr. Deputado António Guterres, conseguiu esconder-se certas contradições e alguma falta de rigor e de sentido estratégico em relação aos grandes problemas nacionais que evidenciou aqui o Primeiro-Ministro António Guterres.
O Primeiro-Ministro António Guterres disse aqui que tinha ocupado os seus primeiros 100 dias de governação com uma nova postura em relação ao País, protagonizada por uma nova postura em relação à Assembleia da República, a cumprir compromissos eleitorais, a "arrumar a casa" e, finalmente, a fazer a elencagem das grandes questões que se colocavam ao País e ao Governo neste fim de século.
Analisemos a nova postura, porque uma coisa são as palavras e outra são os actos.
No que toca ao respeito pela Assembleia da República, em 100 dias, VV. Ex.as apresentaram aqui um projecto de lei relativo aos inquéritos parlamentares, propondo que fosse necessário o voto a favor de dois terços dos Deputados - ou seja, sempre o voto do Partido Socialista - para que as conclusões do inquérito fossem aprovadas.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Uma vergonha!
O Sr. José Magalhães (PS): - É falso!
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O Orador:- VV. Ex.as prometeram, pela voz do Ministro Jaime Gama, que viriam sempre à Assembleia da República antes e depois da realização dos conselhos europeus. Quantos conselhos europeus sectoriais já passaram...
O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): - Então, não são europeus!
O Orador: - Sectoriais! Sectoriais, Sr. Ministro! Quantos já passaram foi essa a promessa do Ministro Jaime Gama, sem o Governo ter vindo aqui?!
VV. Ex.as estão sempre disponíveis para o debate, mas o Sr. Secretário de Estado António Costa, qual soldado de serviço sempre na defesa do Governo, obstaculiza sistematicamente todos os debates, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares!
VV. Ex.as respeitam o Parlamento, mas, pela primeira vez em muitos anos, a Conta Geral do Estado e o Orçamento do Estado não deram entrada na Assembleia nos prazos previstos na lei e na Constituição.
Uma coisa são as palavras, outra são os actos, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Carlos Coelho (PSD):- Muito bem!
O Orador: - Neste debate. V. Ex.ª dispôs de 45 minutos e o maior partido da oposição de 18 minutos. Nas regras do "Estado laranja", no Regimento do "Estado laranja", quando o Governo tinha 50 minutos, ou seja, um tempo semelhante ao do debate de hoje, o Partido Socialista tinha 42 minutos. Isto é que é a realidade!
O Sr. Carlos Coelho (PSD):- Muito bem!
O Orador: - Depois, V. Ex.ª, com um certo picante de demagogia, veio dizer: "mas eu estou aqui, peito às balas, pronto a responder a perguntas, sejam elas quais forem, sem as conhecer". Sr. Primeiro-Ministro, é pura demagogia! V. Ex.ª sabe que em todos os debates parlamentares, por exemplo, nas interpelações ao Governo, todos os Deputados podem fazer as perguntas que entenderem, sem estarem balizadas por quaisquer regras formais. Isto é a verdade; o resto, Sr. Primeiro-Ministro, é demagogia!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos compromissos eleitorais, Sr. Primeiro-Ministro,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar. Não vai utilizar, de novo, cinco minutos.
O Orador: -.Sr. Presidente, peço-lhe apenas a mesma tolerância que V. Ex.ª teve com outras bancadas.
O Sr. Presidente: - Estou já a tê-la, Sr. Deputado. Solicito-lhe só que, em todo o caso, não ultrapasse os quatro minutos. Facilite a minha tarefa.
O Orador: - Sr. Presidente, o que está a acontecer é a prova de que temos razão e este modelo não serve. Portanto, não vou poder falar de tudo o que pretendia.
No entanto, Sr. Primeiro-Ministro, ficou clara uma coisa: há um partido que faz oposição, que é o Partido Social-Democrata, e depois há não atiradores furtivos mas algo que é, à luz da transparência que V. Ex.ª sempre defendeu e sempre apregoou, um namoro furtivo entre o CDS-PP, o PCP e o Governo, o qual tem de explicar ao País se é de circunstância ou alicerçado em qualquer acordo que tenham feito em algum jantar. A luz da transparência, Sr. primeiro-ministro, na sua intervenção final, esclareça o País sobre isto.
Aplausos da PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Tacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Após o primeiro debate aqui feito com o Sr. Primeiro-Ministro, levamos cerca de dois meses para poder realizar o debate que agora se finaliza e, agora, o PSD desde já anuncia que vai faltar, por comparência, ao terceiro debate com o Primeiro-Ministro. Razão evidente: demonstra-se que o PSD não quer corrigir os velhos hábitos da retórica parlamentar, o PSD apenas se dá bem com esses velhos hábitos e, quando trabalhamos para introduzir autenticidade no debate político, o PSD inibe-se de participar substantivamente nesse mesmo debate. Foi por isso que não tivemos até hoje, da parte do PSD, uma única iniciativa legislativa agendada para debate substantivo para a inovação na ordem jurídica.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Foi por isso que o PSD, hoje, não teve capacidade política para nos dizer se está ou não de acordo com as perspectivas anunciadas para a modernização do sistema político,
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - ... se está ou não de acordo em que a descentralização é uma prioridade política para o País, se está ou não de acordo em que a criação de regiões administrativas é um factor para um desenvolvimento mais equilibrado e mais sustentável do território nacional, se está ou não de acordo em querer recuperar, para aprovação no Parlamento, uma adequada lei de bases de ordenamento do território, se este ou não de acordo em dar o seu apoio às políticas activas de combate ao desemprego e às políticas que levam a consolidação de um rendimento mínimo nacional, ...
Vozes elo PS: - Muito bem!
O Orador: - ..., se está ou não de acordo em ser efectivamente coerente com a política de integração europeia e de modernização geral do país e se quer dar o seu apoio ao esforço dos parceiros sociais no quadro geral da concertação para o desenvolvimento da coesão no país.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sobre todos estes temas, introduzidos pelo Sr. Primeiro-Ministro, o silêncio foi total nas perguntas do PSD, o que significa que, manifestamente, o PSD esteve neste debate por razões de mero constrangimento, mas sem qualquer verdadeira participação substantiva.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - Nestas condições, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podemos deixar de extrair uma preocupa-
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cão que vai no sentido de voltar a fazer o apelo ao PSD para que se assuma, inequivocamente e de forma responsável, como partido de oposição, que assuma a sua credibilidade nessa perspectiva e que, com isso, contribua não para valorizar, porque não precisamos nem o pedimos, a acção do Governo ou do partido que o apoia, mas, sim, o sistema democrático, o seu funcionamento e as regras que permitam à opinião pública portuguesa poder escolher, por comparação credível, de entre as propostas que fazemos e as alternativas que possam ser apresentadas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que estamos numa situação bastante difícil, porque perante as propostas de lei do Governo e os projectos de lei do PS a oposição comporta-se como um verdadeiro deserto de ideias.
Srs. Deputados, é perante isto que mostramos o nosso inconformismo e é perante ele que, mais uma vez, vos convidamos a assumir plenamente o vosso concurso, a bem da modernização do sistema político e da estruturação da opinião pública portuguesa, porque o vosso papel neste aspecto é imprescindível.
Aplausos do PS.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada, pelo que disse o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes veio aqui insinuar que existia um namoro entre este partido e o Governo. O Sr. Deputado Luís Filipe Menezes deve ter-se esquecido da quantidade de militantes do PSD que continuam no aparelho do Estado, que continuam nas empresas públicas, deve ter-se esquecido de que o seu partido continua a ser arrendatário do sistema e que, juntamente com o Partido Socialista, namoram de facto todos os dias as clientelas.
Sr. Deputado Luís Filipe de Menezes, V. Ex.ª já uma vez causou dificuldades ao líder do seu partido, vamos lá a ver se pelo menos desta vez consegue ajudá-lo a terminar o seu mandato com dignidade.
Aplausos do CDS-PP e do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, a tradição já não é o que era e,...
Risos do PS.
..., afinal, não é o namoro que o PP procura mas o casamento com o Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, dispondo, para o efeito, de cinco minutos.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve, pois manda a ética parlamentar que diga duas palavras em relação a cada uma das intervenções, naquilo que constituiu a interpelação directa ao Governo.
À interpelação da Sr.ª Deputada de Os Verdes, diria que a nossa política de ambiente parece-nos clara e assenta numa estratégia de desenvolvimento sustentável. Se a incompatibilidade que vê é real há uma coisa que é inescapável: o que está para trás, está para trás, o que se pode fazer no futuro é corrigir, no sentido de haver um desenvolvimento sustentável em todos os aspectos e também no dos resíduos sólidos.
Sr. Deputado Luís Sá, devo dizer que o que existe, no essencial, entre nós é uma divergência ideológica fundamental: a de saber qual é a contradição mais importante que subsiste nas sociedades modernas. Na minha interpretação, porventura errada, mas é a minha interpretação sincera, enquanto o PCP continua agarrado à ideia de que a contradição fundamental nas sociedades modernas é entre empregadores e trabalhadores, a contradição fundamental nas sociedades modernas é entre excluídos do sistema e cidadãos que usufruem do essencial dos benefícios do sistema.
Aplausos do PS.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma coisa não é separável da outra. Uma decorre da outra!
O Orador: - A existência de contradições fundamentais não quer dizer que outras não existam, mas não faz sentido interpretar as sociedades do fim do século XX à luz dos princípios que eram válidos na análise social dos fins do século XIX.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, queria manifestar aqui a minha convicção de que estamos a agir no domínio da educação não apenas como exprimindo uma paixão mas como adoptando medidas concretas, várias delas, aliás, no sentido do rigor e da exigência. Lembro-lhe a avaliação e o novo método de acesso ao ensino superior. Mas penso que o debate sobre as questões concretas da educação a que o pacto educativo vai dar origem permitirá tranquilizar inteiramente o Grupo Parlamentar do PP, no sentido de que nesta matéria temos uma estratégia, que é suportada por uma acção permanente. Aliás, basta ter em conta a forma como a sociedade portuguesa, hoje, olha o Ministério da Educação e como o olhava nos últimos anos para perceber que essa distinção é real.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dizem-me da bancada do PSD que o Governo não perdeu por KO. Hoje, o PSD não perdeu por KO, porque ainda se não levantou do tapete do KO por que perdeu no último debate,...
Risos do PS.
.... e como não chegou a levantar-se do tapete, teria sido impossível hoje perder por KO. O carácter mais dramático deste debate foi a irrelevância das questões levantadas pelo PSD, em relação às dos outros partidos políticos.
Aplausos do PS.
E isto não é uma questão de namoro. Tive, e manterei, contactos com os líderes de todas as bancadas parlamen-
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tares, mas devo ser justo na apreciação deste debate de confronto de ideias, com perspectivas diversas: quer a bancada do PCP, quer a do PP, trouxeram a este debate questões substanciais; quer parecer-me evidente, e suponho que o será para todos os que assistiram a este debate, que não houve da parte da bancada do PSD uma única questão substancial nele levantada, houve apenas a expressão habitual da guerrilha parlamentar, para a qual a imagem - repito, a imagem - que há pouco utilizei do atirador furtivo é inteiramente correspondente à realidade.
Vozes do PSD:- Lamentável!
O Orador: - Agora, a questão essencial que quis colocar neste debate tem a ver com a natureza desta legislatura e com a que desejamos para ela. Queremos que esta legislatura não seja "um jogo do gato e do rato" entre um Governo com uma maioria relativa e um conjunto de partidos da oposição, utilizando os diversos instrumentos legítimos da actividade parlamentar, para que se desencadeie uma crise no momento que mais beneficie estes ou aqueles. É este o objectivo e o pressuposto do comportamento, no Parlamento, do Governo e dos partidos de oposição ou queremos que esta seja uma legislatura de estabilidade política que procure introduzir na sociedade portuguesa a lógica de abertura e das reformas, factor indispensável à superação dos desafios do final do século, e que assenta numa relação entre Governo e oposição, que é, simultaneamente, de confronto democrático e de cooperação para a solução dos problemas nacionais?
Devo dizer que, para mim, a questão que coloquei não ficou totalmente esclarecida, nomeadamente no que diz respeito à bancada do PSD. Mas mantenho a posição do Governo que quer ser, e continuará a ser, um factor de estabilidade, que quer continuar a entender esta legislatura como aquela que permitirá as reformas indispensáveis para a viragem do século neste país.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 18 horas e 05 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à discussão dos diplomas agendados para hoje, vamos proceder às votações, visto estarmos na sua hora regimental.
Vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 68/VII - Criação dos concelhos municipais de segurança (PCP).
Submetida à votação, foi aprovado, com votas a favor do PS. do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 88/VII - Conselhos locais de segurança (PS).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, da PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD.
Estes projectos de lei baixam à 4.ª Comissão para apreciação, na especialidade.
Srs. Deputados, aproveito para informar a Câmara de que hoje, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, discutindo-se os vários critérios de contagem do prazo para o termo do período de 30 dias da revisão constitucional, entre as interpretações possíveis e a mais conveniente, foi, por unanimidade, deliberado que esse prazo termina no dia 4 de Março, inclusive. Deste modo, ficam os Srs. Deputados advertidos de que, se tiverem de apresentar qualquer iniciativa em matéria de revisão constitucional, terão de o fazer até esta data.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
Vamos, agora, dar início à discussão conjunta dos projectos de lei n.º
20/VII - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes), 85/VII - Delimita 'as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 871
VII - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS).
Vou dar, em primeiro lugar, a palavra aos autores dos diplomas e só depois ao relator da Comissão.
Para uma intervenção, como autora do projecto de lei n.º 20/VII, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez mais, no espaço de um ano e por iniciativa do Partido Ecologista " Os Verdes", a que outros partidos entenderam de novo associar-se com a apresentação de projectos próprios, a questão da jurisdição sobre as zonas ribeirinhas e faixas costeiras não afectas à actividade portuária regressa a debate na Assembleia da República. Um regresso que se deve, aliás, à recusa a que sistematicamente o PSD e a sua maioria votaram, no passado, as iniciativas dos demais partidos. Mas uma recusa particularmente significativa (e, sublinhe-se, a única então manifestada) quando se trata, como se tratou neste caso, de encontrar soluções que dificultariam a especulação imobiliária, favoreciam a transparência e contribuiriam afinal para a desejável defesa do equilíbrio ambiental em zonas particularmente sensíveis e sujeitas a pressões urbanísticas, como o são as zonas ribeirinhas e costeiras.
Foram objectivos de sobeja importância os que nos moveram e movem e que vêem, na apresentação do conjunto de projectos de lei hoje agendados, a reafirmação da urgência em os concretizar.
No fundo, trata-se hoje, tal como ontem, de saber como vamos garantir a preservação, recuperação e valorização de todo o valiosíssimo património natural, cultural e paisagístico que, quer as zonas costeiras, quer as ribeirinhas, na sua mais-valia, constituem. Uma preservação que não pode ser abstractamente equacionada ou, como princípio genérico, confundida, mas que tem de ser frontalmente assumida perante a realidade do país que somos, realidade que, desde logo, pela dimensão e características físicas do nosso litoral, evidencia, em nosso entendimento, a necessidade de ser globalmente pensada e implementada nas suas soluções, de modo a assegurar eficácia e credibilidade.
Mas, mais, uma preservação que lenha em conta as pressões urbanísticas, a sobreocupação e os mais variados atentados que, de norte a sul do País, todo o litoral é alvo. Atentados dos mais diversos, que do Algarve ao Minho povoam a nossa faixa costeira, visíveis nas ocupações e utilizações indevidas, nos cortes de falésias, nas marinas, nos pontões, nas areias extraídas. nos muros de betão, nos silos, nos estaleiros, na profusão de
restauran-
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tes, esplanadas e pressões urbanísticas de toda a ordem, sinónimos de um caos e de malfeitorias que tristemente deixaremos de herança às gerações vindouras, cometidas à margem de tudo e todos, não raro com a marca anónima das administrações dos portos.
Uma marca que, em princípio, a observância estrita dos limites de competência e dos tipos de intervenção por parte das várias entidades, a quem, legalmente, competências específicas de gestão foram atribuídas, jamais deveria ter tornado possível. Mas uma marca que o sistemático abuso de competências, o extravasar de fronteiras definidas e o próprio desvirtuar das actividades foi ao longo dos anos não só consentido como cimentado.
Intervenções, como já o afirmamos então, de autênticos "Estados" dentro do Estado, que retiraram e ou esvaziaram de conteúdo a gestão pelos municípios de importantes parcelas do seu território. Municípios, eles próprios, frequentemente reduzidos à mera condição de observadores e gestores de intervenções, que não só muitas vezes não coincidem com a sua própria concepção de desenvolvimento, pela qual respondem politicamente perante os seus eleitores, como colidem e conflituam com os seus instrumentos de planeamento do espaço biofísico, designadamente os planos directores municipais - concebidos precisamente como meios de contribuir para a melhoria da qualidade do ambiente, ou seja, para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, neste contexto, que o nosso projecto de lei surgiu no passado, nascido de um conflito entre a Administração do Porto de Lisboa e o município de Lisboa, que na altura se gerou, mas que quotidianamente um pouco por todo o lado acontece e extravasa largamente a questão em causa.
A via que propusemos, e hoje retomamos, no nosso projecto de lei é a de, através de uma comissão de âmbito nacional e composta por uma equipa pluridisciplinar, que envolva a participação também das organizações ambientais, fazer um recenseamento e estudo de todas as zonas ribeirinhas e costeiras, que, tendo cessado a sua actividade portuária, devam por isso mesmo transferir para os municípios a sua jurisdição, ouvidos, obviamente, os directamente interessados, ou seja, os municípios e as próprias administrações dos portos.
No fundo, propõe-se, através desta transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios, reduzir as hipóteses de que atentados ecológicos e especulações possam ocorrer, já que, deixando as intervenções de ser protagonizadas por entidades anónimas, que para tal não estão manifestamente vocacionadas, como é o caso das administrações dos portos, se deixa, sobretudo, mais hipóteses de que, ao poder fiscalizador dos cidadãos, nada possa escapar.
É, pois, ainda nesta óptica que para nós a transferência de jurisdição surge como um garante acrescido de transparência, já que estamos a falar de órgãos de poder político, os municípios, legitimados pelo voto, que mais próximos dos cidadãos se encontram e, por isso, seguramente, em melhores condições para contribuir de forma participada para o desenvolvimento sustentado, a qualidade de vida e o equilíbrio ecológico, particularmente nas suas zonas mais preciosas e, por isso mesmo, mais vulneráveis, como se entende, penso que com consenso, as zonas ribeirinhas.
Uma via que, em resumo, nasce da identificação de um problema a nível nacional, da constatação de um processo de mudanças radicais e da necessidade de o compreender e ultrapassar. Mudanças radicais que confinam hoje a actividade portuária a uma dimensão totalmente diferente da que teve no passado e determinam, em função disso, que áreas que se encontravam sob a jurisdição da administração dos portos, numa perspectiva de interesse público, decorrente da actividade única para a qual estão vocacionadas, sejam a partir de agora, numa mesma óptica do interesse público, transferidas para a comunidade e seu directo usufruto.
Uma oportunidade que permita no futuro, na área exclusiva que à Administração do Porto de Lisboa (e a todos os demais) e à sua actividade ficar afecta, que o diálogo institucional com as autarquias seja mais frutuoso e não de costas viradas. Mas uma oportunidade que, fundamentalmente, permita pôr fim ao abandono, desleixo e degradação a que, durante décadas, as administrações dos portos condenaram as áreas sob a sua responsabilidade.
Áreas que têm de ser recuperadas assim, não numa lógica mercantilista, como modo de viabilizar operações imobiliárias e perpetuar o divórcio entre cidades e rios, entre pessoas e o meio natural, mas como um fim que em si mesmo se justifica, que seja parte integrante do esforço que, de uma forma melhor ou pior, as autarquias vêm desenvolvendo na despoluição, na valorização e recuperação das zonas ribeirinhas, quer seja no Tejo e no seu estuário, quer seja em todo o litoral. O fim de recuperar o rio e toda a belíssima frente ribeirinha, como partes integrantes da cidade que são, para a sua história, a sua memória colectiva, a sua vida e a sua relação com os todos nós.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa para dizer que só tenho o relatório sobre o projecto de lei que acaba de ser justificado, e, tanto quanto sei, não há relatório da Comissão sobre os outros. Assim, gostaria de saber se hoje vamos debater os três projectos de lei, mesmo sem haver relatório dos outros, ou como é que o Sr. Presidente entende conduzir o processo.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, o que ficou assente em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares é que seriam agendados todos os projectos relacionados...
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, estou agora a tomar conhecimento dos relatórios relativos aos outros diplomas.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Assim, creio que o pedido do Sr. Deputado já não tem razão de ser.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, na qualidade de autor do projecto de lei n.º 85/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por detrás da questão hoje aqui debatida, na sequência de um debate que naturalmente mereceu as atenções particulares, estão lutas, e lutas importantes, desenvolvidas ao longo do tempo e que mobilizaram muito em particular a
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população da cidade de Lisboa, à qual queria aqui prestar a minha homenagem. De resto, gostaria de lembrar o facto de, no debate anterior sobre esta matéria, em que os diplomas apresentados foram inviabilizados pela então maioria do PSD, estar presente o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa Dr. Jorge Sampaio, hoje eleito Presidente da República, bem como o Vereador Rui Godinho, tendo por essa forma mostrado bem o empenhamento do município de Lisboa nesta luta.
Naturalmente que o agendamento nestas condições leva a que não existam as mesmas atenções, no entanto, creio que o debate não perdeu importância, porque estão em causa questões concretas e de princípio.
De resto, o facto de se dar a coincidência de estar a presidir neste momento aos nossos trabalhos o Deputado João Amaral, Vice-Presidente da Assembleia em exercício, que também é Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, justifica bem que transmita uma saudação muito particular ao município de Lisboa e ao empenho que teve ao longo do tempo para que, no regime jurídico, fossem clarificadas as competências, de modo a que todo o esforço feito. particularmente pelo município de Lisboa e outros municípios ribeirinhos, de devolver a cidade ao rio não acabe por ser frustrado, através da construção de um grande muro de betão, como o que esteve em perspectiva, designadamente com a primeira versão do chamado POZOR.
Como disse, este debate tem uma história. A ele está subjacente a publicação, em 1987. do estatuto orgânico da Administração do Porto de Lisboa, que dotou de poderes para intervir em matéria urbana a Administração do Porto do Lisboa, que os aproveitou para se dedicar não propriamente à administração portuária mas à perspectiva de organizar uma gigantesca operação de especulação imobiliária que prejudicaria largamente a qualidade de vida e os direitos dos lisboetas e dos portugueses que também amam a sua capital.
Colocam-se duas questões: uma, de ordem prática que tem a ver com o problema do ordenamento da zona ribeirinha; outra, de princípio, que é a de saber se deve haver "Estados" dentro do Estado e vigorar ou não o princípio da especialidade em Direito Administrativo, ou seja, o princípio da especialidade de uma pessoa colectiva pública. Concretamente,
havendo - como há - um instituto público que tem por função a administração portuária, importa saber se, pelo facto de ter tradicionalmente uma determinada história, deve dedicar-se à especulação imobiliária ou, se preferirem, ao ordenamento ou desordenamento urbano apenas por lhe estar atribuído um determinado património e a jurisdição sobre esse património.
A nossa resposta é claramente negativa. Entendemos que os municípios, através de planos municipais de ordenamento do território, devem ser os donos do seu território e não se diga que, dessa forma, podem alentar contra valores patrimoniais e paisagísticos. Naturalmente que poderiam e que é preciso garantir que o não façam, mas é para isso mesmo que a lei prevê planos directores municipais e que estes são elaborados não apenas pelos próprios municípios mas por uma comissão de acompanhamento em que estão representados todos os departamentos da administração central que podem ter intervenção naquele território concreto. No caso do plano director municipal de Lisboa, pode e deve estar representada, por exemplo, a Administração do Porto de Lisboa.
Já não podemos admitir que, após o investimento feito num plano director municipal, após o debate público a que foi sujeito, após meses e meses de negociações com os diferentes departamentos da administração central e após a sua ratificação em Conselho de Ministros, pura e simplesmente, não conste dele uma pane importantíssima do território de um município apenas pelo facto de o Governo ter decidido atribuir a administração urbanística desse território a uma outra qualquer entidade que, decididamente, não tem vocação para tal.
De resto, não foi apenas esta situação de verdadeira selva, de multiplicação de "Estados" dentro do Estado que foi criada. Esta circunstância levou, por exemplo, a que o Governo obrigasse os municípios a fazerem planos directores municipais mas, simultaneamente, multiplicasse mini planos a propósito de tudo e de nada. Vimos sucederem-se toda uma série de planos especiais ditos de ordenamento do território e, inclusive, deparámo-nos com uma situação de grande ambiguidade que
há dias foi parcialmente reconsiderada (infelizmente, não o foi mais profundamente), em que os planos especiais prevaleciam sobre quaisquer outros planos, mesmo sobre os planos directores municipais discutidos pelas populações, aprovados pelos municípios e ratificados em Conselho de Ministros. Trata-se de uma situação que, naturalmente, não podemos admitir.
Por essa razão, compreende-se que o projecto de lei que apresentámos coloque três questões fundamentais.
A primeira é referente à passagem para a jurisdição plena das câmaras municipais da área não afecta à actividade portuária. Entendemos que não faz sentido por razões de carácter histórico, no final do século XX, manter na dependência, em particular, da Administração do Porto de Lisboa, uma área portuária que, de todo em todo, já não está afecta à actividade portuária.
Em segundo lugar, entendemos que os municípios devem ter competência para licenciar as instalações das próprias administrações dos portos não afectas directamente à actividade portuária. É sabido que o governo anterior estabeleceu, para as diferentes pessoas colectivas públicas (institutos públicos e o próprio Estado), a dispensa de licenciamento pelas câmaras municipais em relação à construção dos seus edifícios, mesmo que eles colidissem com a traça arquitectónica, com o património e com as normas urbanísticas aprovadas. Queremos rectificar a situação surgida a propósito da administração portuária que é parte de um problema mais geral que temos de reconsiderar.
Colocamos uma terceira questão por julgarmos que as obras e utilizações próprias da actividade portuária devem subordinar-se aos instrumentos de planeamento em vigor. Não faz sentido, também aqui, que não exista uma relação entre os instrumentos de planeamento, sejam os planos regionais de ordenamento do território, sejam os planos municipais de ordenamento e quaisquer outros e a própria actividade portuária.
Naturalmente que nesta questão está subjacente a ideia de, por um lado, devolver aos lisboetas o rio Tejo bem como a outras populações ribeirinhas os respectivos rios e, por outro, devolver ao poder local a dignidade que perdeu e as competências que lhe foram retiradas e que nunca o deveriam ter sido.
Na especialidade, apresentaremos críticas, por exemplo, no que diz respeito ao facto de, nalguns aspectos, determinadas decisões dependerem do Governo e não directamente da própria lei, sem que seja fixado um prazo para o efeito. Também não se compreende que a transferência de património possa depender da fixação unilateral de um preço a pagar pelos municípios à administração portuária.
Entretanto, queremos que hoje possam ser aprovados, na generalidade, os diplomas em apreço e, pela nossa parte,
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estamos dispostos a fazê-lo. Na especialidade, empenhar-nos-emos para que, muito rapidamente, seja feita justiça não só ao município de Lisboa como a outros municípios ribeirinhos e às respectivas populações que podem ser afectadas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, na qualidade de proponente do projecto de lei n.º 87/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar a apresentação do projecto de lei n.º 87/VII do PS, que tem por objecto a gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano, quero salientar a responsabilidade e a coerência do PS, ontem na oposição, hoje no Governo, pois o presente diploma é em tudo idêntico ao projecto de lei n.º 442/VI, apresentado pelo PS na última legislatura, cuja discussão teve lugar nesta Câmara em 4 de Janeiro de 1995.
Acreditamos na força da nossa razão e na bondade dos nossos argumentos, tendo em conta o sentir das populações, a quem a presente temática interessa mais especialmente, como é o caso das populações das cidades e zonas ribeirinhas.
O PS entende que está em causa nas zonas ribeirinhas a necessidade de equilibrar a relação entre os poderes democráticos municipais eleitos e as administrações portuárias. Por outro lado, importa salientar que o presente projecto de lei não visa afastar, sem mais, o princípio segundo o qual as margens, leitos e águas marítimas ou fluviais devem estar na titularidade e gestão do Estado. O objecto do projecto de lei em apreciação são as zonas ribeirinhas das áreas classificadas como urbanas mas apenas quando estas perderem vocação portuária, o que é substancialmente diferente, sendo que, neste último estado, o Governo procederá à transferência da jurisdição, titularidade da gestão ou propriedade dos bens imóveis que a integram, de acordo com a legislação aplicável, para o município em cuja área se localizam.
Não é, pois, posto em causa qualquer princípio do nosso direito público e muito menos o interesse nacional como em determinada altura o PSD chegou a afirmar. É que, além do mais, não pode ignorar-se que os bens entregues às administrações portuárias são do domínio público, tendo sido afectos para a actividade portuária ou complementar desse uso.
Entendemos que é absurdo e incompreensível que o desenvolvimento urbanístico das zonas ribeirinhas seja um acto independente e isolado das competências municipais da urbanização de um território muito mais vasto. Não existe, assim, qualquer razão válida para que os terrenos desafectos à actividade portuária estejam à revelia da política urbanística camarária.
Como salientou o Professor Marcelo Rebelo de Sousa ao jornal Público, em 4 de Novembro de 1994, tudo o que tenha a ver com usos não portuários não pode ser gerido senão através de uma intervenção municipal. Acresce que, e tal como se diz na exposição de motivos do presente projecto de lei, os processos de urbanização só devem caber a autarquias com executivos democraticamente eleitos, não podendo nem devendo ser consentidas competências que extravasem objectivos muito específicos e determinados por razões de vincado interesse público com a viabilização de uma actividade portuária.
O princípio da especialidade das pessoas colectivas públicas de fins singulares, como é o caso das administrações portuárias e das juntas autónomas dos portos, implica que estas entidades devam ter os poderes necessários para prosseguir os interesses públicos postos a seu cargo mas, inversamente, não ter qualquer poder que exceda o quadro das suas atribuições.
Por seu lado, os municípios são pessoas colectivas públicas de fins múltiplos com aptidão expansiva apenas delimitada pelos interesses próprios, comuns e específicos da respectiva população. Urge, pois, evitar que as administrações portuárias, esgotada que seja a sua função logística, procurem competir com os agentes imobiliários através da urbanização do espaço público.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, no âmbito do presente projecto de lei estipulam-se os critérios que estabelecem a presunção da perda de vocação portuária para além da definição que é feita das actividades de interface com o meio marítimo. Aos municípios cabe solicitar ao Ministro que tiver a seu cargo o planeamento e ordenamento do território a constituição de uma comissão para a delimitação das zonas que tenham perdido vocação portuária, sendo a composição da comissão a prevista no artigo 4.º do presente projecto de lei.
Importa, aliás, salientar que sempre que esteja em causa a transferência de jurisdição de parcelas do domínio público não haverá, em qualquer circunstância, alteração do regime dominial. Por seu turno, o Governo poderá manter a propriedade das administrações portuárias sobre os bens imóveis existentes nas zonas a transferir, integrando o domínio privado do Estado, podendo transferir apenas a jurisdição ou a titularidade da gestão.
Por último, importa ainda salientar que a transferência da jurisdição, titularidade de gestão ou propriedade dos bens imóveis que a integram não altera as limitações e os condicionalismos, nomeadamente no que diz respeito às edificações, que já se verificavam em relação à administração portuária.
Em suma, o ordenamento urbanístico das zonas ribeirinhas não pode fazer-se numa pura lógica de ocupação de um espaço e da sua eventual rentabilização, como se tal espaço não tivesse qualquer ligação com a cidade.
O PS entende que não são as zonas ribeirinhas das áreas classificadas como urbanas que, entretanto, perderam vocação portuária que devem servir para gerar as mais-valias necessárias para as administrações portuárias se modernizarem. Estas operações de engenharia financeira, como alguém já as designou, não podem nem devem ser admitidas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PS, ao apresentar o presente projecto de lei, quer também contribuir desta forma para afirmar e reforçar a autonomia do poder local, verdadeiro imperativo constitucional. As autarquias locais constituem a expressão organizada dos cidadãos residentes na respectiva área territorial para a realização dos seus interesses comuns e específicos. Assim, são também entidades estruturantes do Estado democrático e actores decisivos do desenvolvimento territorial.
Cremos que, com a apresentação, nas actuais circunstâncias, do presente projecto de lei, contribuímos também para tal desiderato.
Queremos ainda salientar, tal como o fizemos aquando da discussão do anterior projecto de lei, em Janeiro de 1995, nesta mesma Câmara, que o PS está naturalmente aberto a todas as contribuições que melhorem a presente iniciativa no âmbito da sua discussão na especialidade.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, é com todo o prazer que lhe dirijo a palavra nestas circunstâncias, dado que somos duplamente colegas na nossa qualidade de autarcas da mesma cidade, com responsabilidades óbvias nesta discussão.
Passando às questões que quero colocar-lhe. em primeiro lugar, gostaria de saber se considera que estes projectos de lei são apresentados no seguimento de uma reflexão profunda sobre a cultura de organização do Estado ou se, pelo contrário, são apenas um epílogo ou corolário de uma cultura política que teve os seus episódios marcantes, do ponto de vista mediático, há ano e meio atrás, como deixou entender o Sr. Deputado Luís Sá, e se aparecem um pouco como explicação e resposta a esse movimento de opinião pública.
Em segundo lugar, gostaria de saber se o Sr. Deputado terá avaliado que as desafectações e as desanexações que, por razões de interesse público, podem ser concedidas a algumas entidades já estão contempladas na actual legislação. Assim, pergunto-lhe em que medida entende que se torna necessário este projecto de diploma se essas solicitações por razões de interesse público já estão contempladas no regime vigente.
Para além disto, gostaria de saber se o Sr. Deputado terá ponderado as razões de unidade e de reserva estratégica que constituem, há um século, o conceito de domínio público hídrico que foi uma figura pioneira do direito português, adoptada, muito recentemente, por outros Estados europeus- veja-se a Lei de Costas, em Espanha, de há poucos anos atrás. ou a criação do Conservatório do Litoral, no Estado francês. Esses Estados têm investido milhões e milhões na aquisição de terrenos para gerir o litoral, coisa que o Estado português, com uma visão antecipativa, conseguiu há já um século e, hoje, só em casos raros consegue provar-se a posse privada anterior àquela legislação, o que faz com que mais de 90% do território litoral seja domínio público. Deste modo, Portugal conseguiu obter uma gestão do Estado una
e com uma visão estratégica.
Pergunto ainda ao Sr. Deputado se pensou nas consequências do loteamento e nas consequências imobiliárias de uma eventual decisão que pudesse resultar deste diploma. Como estaria hoje a costa portuguesa se esta figura jurídica não existisse desde há um século?
Assim, apelo aos colegas, não por convicções partidárias da circunstância deste debate mas por razões de cultura do Estado, para reflectirem em como estaria hoje o litoral português no caso da inexistência desta figura jurídica que em boa hora foi criada.
Por último, gostaria de chamar a atenção para a ausência de coerência da gestão de áreas litorais e, em particular, de áreas portuárias, quando fragmentadas por dezenas de municípios, como poderia acontecer na zona de administração portuária de Lisboa.
Para concluir, deixo uma pergunta ao Sr. Deputado: em que medida sente que as autarquias estão impedidas do uso de espaços para fins lúdicos, recreativos ou outros, quando, tal como vem acontecendo, estes são solicitados às administrações portuárias através de protocolos vários, obtendo a colaboração destas entidades e do Estado no deferimento dos seus pedidos?
São estas as dúvidas que subsistem, porque isto tem a ver com uma questão delicada que é a da cultura de organização e a do modo de gerir os interesses públicos e o interesse do Estado numa área tão sensível como é a faixa litoral do País.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, começo por agradecer-lhe as questões que me colocou.
Se o Sr. Deputado tiver oportunidade de analisar a história do anterior projecto de lei do Partido Socialista sobre esta matéria, que foi discutido nesta Câmara, em Janeiro de 1995, verificará, a propósito da discussão então efectuada, que o então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, já aquando das últimas eleições autárquicas, em 1993, no programa eleitoral da coligação "Com Lisboa", fazia uma referencia expressa à questão da gestão das zonas ribeirinhas na cidade de Lisboa. Tal motivou mesmo, como o Sr. Deputado recordará, alguma reflexão durante o período de campanha eleitoral.
Portanto, esta é uma preocupação do Partido Socialista que não vem a reboque, de nenhum movimento de opinião. Pelo contrário, o que se passa é que o PS foi sensível, como, aliás, deveria ser, aos movimentos da opinião pública relativamente a esta situação.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas nós estudámos anteriormente a questão, apresentámos estas nossa intenções, reflectimos sobre estes problemas e, de uma forma madura, ...
O Sr. Macário Correia (PSD): - Isso foi quando?
O Orador: - Estou a reportar-me ao ano de 1993. tal como certamente poderia fazê-lo relativamente a um período de tempo anterior!
Como dizia, esta nossa reflexão não é feita a reboque de nenhum movimento - e calculo que o movimento a que o Sr. Deputado se referia era o que foi suscitado pelo POZOR.
Quanto às desafectações e à lei que o Sr. Deputado citou, pergunto-lhe: quantas desafectações houve? Pode indicar-me alguma?
O Sr. Macário Correia (PSD): - Imensas! Basta consultar a Comissão do Domínio Público Marítimo.
O Orador: - Sr. Deputado, convenhamos que não é assim!
Aliás, não é assim porque não podemos confundir duas coisas absolutamente claras. É que se o Sr. Deputado leu com atenção o nosso projecto de lei, terá verificado que é sobre a gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano. Portanto, ao contrário do que o Sr. Deputado acabou de fazer, não trazemos à colação as zonas litorais de todo o Portugal Continental. Nós referimo-nos exclusivamente às zonas ribeirinhas em meio urbano e este projecto de lei do PS é claro quanto à sua aplicabilidade. Assim, essa sua preocupação, saudável, como não poderia deixar de ser, não tem qualquer pertinência neste caso concreto - e digo-o com o devido respeito.
Por outro lado, não temos uma visão centralista desta problemática. É que nós acreditamos nas responsabilidades das autarquias locais, neste caso, das que englobam zonas ribeirinhas em meio urbano, e no controlo que os
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cidadãos - aqui, sim - podem e devem exercer sobre as próprias autarquias locais, sobre os responsáveis que são democraticamente eleitos. Ora, esse controlo não é possível exercer-se sobre a administração indirecta do Estado, como é o caso das juntas portuárias ou das administrações portuárias. Numa situação destas, o único controlo que existe é o que é exercido sobre o próprio Governo, já que aquelas entidades dependem tutelarmente do Governo. Portanto, quanto a mais esta questão que me colocou, respondo-lhe que também não tem qualquer pertinência.
Apesar de tudo, quero acreditar que, em sede de especialidade, o Sr. Deputado Macário Correia e o PSD terão oportunidade de dar o vosso contributo para que este projecto de lei possa ser melhorado, com o que todos ganharemos.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, relativamente aos projectos de lei em apreço, foram elaborados vários relatórios. Um destes, elaborado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira, diz respeito ao artigo 12.º do projecto de lei apresentado por Os Verdes e à interpretação do artigo 201.º, n.º 2, da Constituição e o próprio relator informou-me que se dispensava de fazer a respectiva apresentação. Há ainda dois outros relatórios, elaborados pela Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, sobre os projectos de lei em apreço.
Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada para fazer a apresentação dos referidos relatórios.
A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro relatório diz respeito ao projecto de lei, apresentado por Os Verdes, em 7 de Novembro, sobre transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios, o qual baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Este projecto de lei retoma na íntegra um outro, já apresentado pelo mesmo partido, em Novembro de 1994, que, na altura, foi objecto de um relatório, para o qual se remete agora, que descreve os objectivos apresentados há pouco pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Este projecto de lei foi também debatido há cerca de um ano, neste Plenário, altura em que se suscitaram algumas questões políticas, nomeadamente, a situação de as administrações portuárias poderem ser "Estados dentro do Estado", a oportunidade de alterar ou não o quadro legal em vigor que traduz uma opção pela gestão integrada e nacional do domínio público hídrico, dúvidas sobre a compatibilidade entre a gestão de interesses estratégicos nacionais envolvidos no litoral e nas zonas ribeirinhas, bem como a gestão parcelar desta área.
Este projecto de lei foi, então, votado com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro e com a abstenção do CDS-PP.
A 4.ª Comissão emitiu parecer no sentido de que este projecto de lei está em condições de ser debatido em Plenário.
Hoje mesmo, recebemos na Comissão dois outros projectos de lei, n.ºs 85/VII, do Partido Comunista Português, cuja apresentação ouvimos há pouco, e 87/VII, do Partido Socialista, ambos sobre gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano.
Neste caso, o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República manifesta algumas dúvidas sobre este último projecto de lei, no que diz respeito ao n.º 1 do artigo 5.º. A Comissão considerou que estes dois diplomas preenchem os requisitos formais para serem agendados e discutidos hoje em Plenário.
Sr. Presidente, terminada a apresentação dos relatórios, passo a fazer uma intervenção, tecendo algumas considerações sobre estes projectos de lei.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor, Sr.ª Deputada. Solicito, então, aos serviços que, a partir deste momento, o tempo gasto pela Sr.ª Deputada passe a ser contado como tempo do PSD.
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O contexto que, então, precipitou a apresentação destes diplomas explica um pouco a sua génese, uma vez que se referem ao ordenamento da zona ribeirinha de Lisboa. Trata-se de uma questão que mobilizou muito a opinião pública e, como se viu pelo debate que teve lugar na altura, determinou politicamente a apresentação destes diplomas, com excepção do Partido Socialista, como ouvimos há pouco.
A primeira fragilidade destes diplomas que são apresentados de novo agora, com algumas variações, reside, a meu ver, justamente na sua génese e na sua motivação. É que não parece aconselhável que uma situação concreta e casos isolados - e não vou discutir agora os méritos dessa situação - venham justificar a revogação de um princípio que não me pareceu contestado no essencial.
Falemos, então, dos princípios.
O regime actual consagra o princípio da unidade de gestão do litoral. Este princípio está fixado no direito português desde 1844, resulta do entendimento do interesse nacional deste património, do valor estratégico da sua unidade e do reconhecimento da vantagem em esse bem dominial ser gerido como um todo.
O Estado organizou-se de acordo com este princípio e outros valores de interesse patrimonial, ambiental e estratégico que vieram a ter tradução na lei e na Administração. É o caso, por exemplo, do subsolo ou do domínio hídrico.
Não penso que este regime e o seu reflexo na organização das competências administrativas tenha sido contestado até hoje e assim entendemos que deveria continuar a ser.
A transferência automática para os municípios de parcelas de território que são parte de um todo litoral, ao qual é reconhecido valor estratégico, parece-nos totalmente desaconselhável. A gestão parcelar desse todo retirar-lhe-ia o seu valor e a sua operacionalidade.
Os fins, os objectivos e as motivações das câmaras municipais na sua gestão não são melhores nem piores do que os do Estado, são de âmbito territorialmente limitado, por definição, e a sua óptica sujeita-se mais a pressões urbanísticas ou à procura de mais-valias imobiliárias a que não estão sujeitas as administrações portuárias. Os exemplos são evidentes e não necessitamos de os citar, bastando compararem-se as zonas que estão afectas a uns e a outros. Concordo que algumas destas zonas apresentam um estado de algum abandono, mas isto é facilmente recuperável e comprova justamente o argumento de que são zonas menos sujeitas a pressões imobiliárias.
Argumenta-se, é certo, que as administrações dos portos ocupam uma área excessiva e não vital para a actividade portuária e, por outro lado, que as administrações portuárias extravasam, muitas vezes, as suas competências. Mas, neste caso, não estamos a falar dos princípios, mas, eventualmente, da sua má aplicação.
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Quanto ao primeiro argumento, julgamos que ele pode ser pertinente, pois é útil rever a extensão territorial da jurisdição dos portos. Recomendamos que as administrações portuárias procedam à realização dos seus planos estratégicos para se identificarem as zonas necessárias à sua actividade e as zonas de reserva aconselháveis, mas nada na lei impede essa revisão e a desafectação de parcelas desse território.
Duvidamos, assim, da necessidade de uma lei da Assembleia para proceder a um levantamento e a desafectações, pois tudo isso já é, neste momento, possível fazer. Quanto ao extravasamento de competências, recorda-se que nenhuma intervenção, para além das inerentes a actividades portuárias, é permitida às administrações dos portos sem licenciamento dos municípios. E se, nalguns casos, se verificam situações abusivas ou de menor cuidado no tratamento de zonas não utilizadas, então, corrijam-se essas situações. Mas não se utilizem esses casos para contestar os princípios e a bondade dos princípios.
Finalmente, e ainda em matéria de coordenação, somos favoráveis a que a elaboração dos planos de ordenamento da orla costeira envolvam uma maior articulação com áreas portuárias hoje excluídas dessas figuras de ordenamento.
Em conclusão, Sr. Presidente, o PSD não é favorável à transferência automática da jurisdição de bens do domínio público para os municípios. O PSD concorda com a necessidade de se reverem situações concretas, que justifiquem desafectações de áreas hoje já não afectas a actividades portuárias e considera desejável que as administrações portuárias realizem planos estratégicos que identifiquem com clareza as zonas a desafectar. Essas desafectações não devem pôr em causa o princípio da unidade do litoral e da sua gestão. Este levantamento e este exercício é já permitido pela lei, pelo que parece redundante e, portanto, desaconselhável, que o Parlamento legisle para que o Governo faça aquilo que já pode fazer.
Finalmente, consideramos desejável que se incremente o diálogo e a coordenação entre as administrações portuárias e os municípios e outros agentes com competências no ordenamento destas áreas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Há duas inscrições para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, dos Srs. Deputados Manuel Jorge Goes e Nuno Baltazar Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.
O Sr. Manuel Jorge Goes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia. ouvi-a atentamente, até porque a questão que estamos a discutir é importante. E é-o porque não tem apenas a ver com o caso concreto da cidade de Lisboa, que conheceu expressão mediática a propósito do POZOR, mas porque, pelo menos na base de dois dos projectos de lei que estão aqui em análise, diz respeito à generalidade dos centros urbanos da zona do litoral. Não está em causa apenas o problema da cidade de
Lisboa - está em causa um problema que diz respeito a muitas cidades de todo o País.
Por isso mesmo, a pergunta que lhe faço é se não reconhece que não estamos aqui apenas perante um caso concreto mas perante uma verdadeira questão de princípios - e é à luz dos princípios gerais que tudo isto deve ser analisado.
A Sr.ª Deputada referiu, e muito bem, o princípio da unidade de gestão, mas este princípio nunca vigorou nesta matéria. Todos conhecemos, e V. Ex.ª, aliás, ainda muito melhor do que a maioria de nós, a multiplicidade de atribuições e de competências de entidades que, no seio do próprio Estado. têm jurisdição sobre esta área. Só por isso se percebe, aliás, a luta que foi empreendida no sentido de o Ministério do Ambiente ganhar algum protagonismo nesta matéria. Nunca houve unidade de gestão. E não há unidade de gestão. por exemplo, quando estamos a discutir jurisdição sobre as áreas portuárias, pela razão simples de que não é, desde há muitos anos, na tradição do nosso direito administrativo, o Estado que cuida destes assuntos. O Estado criou, para o efeito, outras entidades, as administrações portuárias, que são institutos públicos, que são entidades integradas na administração indirecta e, também por essa via, foi quebrado o princípio da unidade de gestão. Sempre houve várias entidades, todas elas entidades públicas, e o que estes projectos permitem. é que outras entidades públicas, designadamente os municípios, passem a ter jurisdição, como é normal, como corresponde aos princípios, em relação a áreas que deixaram de estar afectadas ao interesse sectorial que justificava ser a sua jurisdição atribuída às administrações portuárias.
A pergunta muito concreta que queria fazer à Sr.ª Deputada, porque, no fundo, é esta a questão que está na base de tudo isto, era a seguinte: entende V. Ex.ª , à luz dos princípios e de uma concepção do Estado que deve ser
descentralizado - e isso não depende de uma opção nossa, é um modelo que está plasmado na Constituição que os institutos públicos, a quem o Estado confiou, desde há muitos anos, a gestão das áreas portuárias, têm atribuições urbanísticas? A Sr.ª Deputada entende que sim ou que não? As administrações portuárias foram criadas para, entre outros interesses, tutelar o interesse urbanístico? Eu diria que não, porque foi o Governo que V. Ex.ª integrou, em 1991, ao aprovar, por exemplo, o regime de licenciamento de obras particulares que, claramente, veio consagrar o princípio segundo o qual só estão isentas de licenciamento municipal de obras os edifícios que estiverem directamente afectados à actividade portuária.
O problema é, pois, a contradição que se criou entre estas competências de licenciamento e competências em matéria de planeamento. E se os municípios não têm competências em matéria
urbanística - e deixo esta questão à Sr.ª Deputada - como admitir. em termos de princípios, em termos de modelo do Estado, que as administrações portuárias, numa visão puramente financeira, lancem projectos imobiliários? Foi essa a questão concreta, quer em Lisboa quer noutras cidades do País, que levantou este problema. Mas
há mais casos. Na cidade em que habito, por exemplo, a administração portuária, com puros intuitos financeiros, utiliza muitas parcelas de terreno. que deixaram de ser necessárias para a gestão portuária, como parques de estacionamento. Terão as administrações portuárias interesses e atribuições em matéria de tráfego e de estacionamento,
à luz dos princípios? Parece que não, Sr.ª Deputada.
São estas as questões concretas ,que queria colocar, exactamente no plano em que V. Ex.ª colocou a sua intervenção, não no plano do casuísmo e das questões concretas, mas no dos princípios e dos valores, no plano da concepção de um Estado de direito, de um Estado descentralizado, porque o que, em larga medida, estamos aqui a discutir, Sr.ª Deputada, e essa é que é a essência das coisas, saindo de um plano jurídico para um plano mais
polí-
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tico, é uma questão de poder. Se calhar, todas estas discussões têm um pouco a ver com o facto de, durante muito tempo, não ter havido coincidência entre a tutela ou superintendência desses institutos públicos e aqueles que, democraticamente, foram ganhando a gestão municipal em muitas cidades do litoral português.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.
A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, identifico nas suas perguntas, em primeiro lugar, uma questão genérica, que é um juízo valorativo, um preconceito, relativamente à legitimidade do Estado central e das autarquias, e que não me parece muito salutar. Nada nos diz que as autarquias são, neste caso, mais competentes para defender o interesse ambiental e o interesse dos cidadãos do que a administração central. As legitimidades são iguais. É à luz dessas legitimidades que estamos aqui sentados, e eu não me sinto com menos legitimidade do que os autarcas nem sequer penso que o Governo também a não tenha para governar, mesmo que seja através de institutos públicos e da administração central.
Portanto, no plano da legitimidade, não me parece que haja uma capitis diminutio do Governo e da administração central, e não penso que o Estado, independentemente dessa legitimidade da administração central, seja menos competente tanto do ponto de vista prático e político como da eficácia com que defende os interesses dos cidadãos.
Este é um primeiro ponto.
Quanto à questão da descoordenação e de que esta matéria tem de ser vista à luz do Estado de direito e da descentralização, ainda uma vez mais, vou ler-lhe uma pequena passagem de uma sessão que teve lugar neste Plenário e, depois, no fim, vou dizer quem é que fez estas declarações - "a propósito dos comandos constitucionais, permito-me citar o artigo 9.º, alínea e), da Constituição, que comete, como tarefa fundamental do Estado, assegurar um correcto ordenamento do território, e também o artigo 66.º , segundo o qual incumbe ao Estado ordenar e promover o ordenamento do território. Era bom que reflectíssemos sobre a adequação do nosso discurso aos comandos constitucionais. Admitindo que possa haver diferentes papéis para os diferentes níveis da Administração Pública, há valores e recursos de particular fragilidade, potencialidade e raridade que, eventualmente, não se compadecem com visões localistas". Isto foi dito pelo Sr. Secretário de Estado da Administração do Território, há muito poucos dias, aqui. E ainda, a propósito dos planos de ordenamento da orla costeira, entendeu que "o valor da orla costeira não recomenda que nos situemos numa base de submissão aos planos directores municipais".
Para concluir, parece-me que há toda a vantagem em manter a zona do litoral, ao qual é conferido um interesse nacional, segundo uma unidade de gestão. Como há pouco foi dito aqui pelo Sr. Deputado Macário Correia, hoje em dia, governos de países europeus estão a fazer um enorme esforço financeiro para reconstituir o património da zona do litoral. Nós temos isso já adquirido, por isso não deveríamos retalhar isto à medida dos municípios porque, de acordo com o artigo 1.º da sua proposta de lei, teríamos legislação aplicável município a município para a gestão do litoral.
Sr. Deputado, temos aqui uma visão irreconciliável e inconciliável, de facto, relativamente à maneira como olhamos para esta questão. Estou de acordo em que os portos não devem ter iniciativas urbanísticas - não posso estar mais de acordo consigo - , mas, mesmo que tivessem, a lei determinava que as câmaras municipais teriam de licenciar essas iniciativas.
O Sr. Manuel Jorge Góes (PS): - Mas as câmaras estavam vinculadas a cumprir um plano. Isso não é válido para todos?
A Oradora: - Sr. Deputado, o Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, artigo 3.º, n.º l, alínea e), diz que só aquelas que dizem respeito às actividades portuárias não precisam de licenciamento. Assim, por oposição, essas teriam sempre de ter licenciamento. Mas eu concordo que não há razão para que as administrações portuárias façam ou tenham iniciativas de carácter urbanístico. O que acho é que deve haver aqui uma unidade de gestão, que as zonas não afectas à actividade portuária já podem, hoje, pela lei ser desafectadas e que recomendo - é verdade - uma maior articulação entre os municípios e as administrações dos portos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para outro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, houve uma parte da sua intervenção que me mereceu especial atenção, quando falou na oposição do PSD a que houvesse uma transferência automática de atribuições e de competências para os municípios. Ora, chamo-lhe a atenção, com todo o respeito, para o facto de que, no projecto de lei apresentado pelo PS, que é aquele a que me reporto, termos sido extremamente cuidadosos nessa parte, ao ponto de definirmos ao pormenor a própria vocação portuária e de dizermos em que circunstâncias é que se presumia a perda dessa vocação, como no artigo 2.º, e de no artigo 3.º fazemos uma definição das actividades de interfaces com o meio marítimo. Para além disso, no artigo 4.º criamos uma comissão - bem sei que se pode sempre dizer que é mais uma comissão, mas neste caso concreto isso não é assim -, dotada de uma constituição definida e determinada, com vista à delimitação das próprias zonas que tenham perdido vocação portuária.
Há, pois, todo um conjunto de propostas, precisamente para obstar a essa crítica - essa sim, parece-me pertinente - do risco de uma transferência automática sem mais. Isto foi feito por nós e quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, porque tive oportunidade de estudar esta matéria com alguma atenção, como qualquer Deputado naturalmente deve fazer, que esta foi uma das críticas que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa fez ao nosso projecto, precisamente porque não propomos uma transferência automática - foi, aliás, uma das críticas que teve alguma repercussão em termos de opinião pública.
Entendemos - e aí comungamos de algumas das preocupações que a Sr.ª Deputada aqui acaba de evidenciar - que, embora essa crítica, vinda de quem vem, como não podia deixar de ser, seja altamente respeitável, teríamos de ter algum cuidado com essa transferência automática.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada falou também da questão do plano e daquilo que a lei já dispõe no que diz respeito à obrigatoriedade das próprias administrações portuárias estarem sujeitas a licenciamentos camarários e tudo
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o mais. Mas há aqui uma coisa que é perfeitamente clara: é que os planos de ordenamento e expansão da actividade portuária têm de ser obrigatoriamente cumpridos e respeitados pelas próprias câmaras municipais. É por isso que a sua argumentação é um contra-senso absoluto.
Sr.ª Deputada, a sua argumentação, embora parecendo lógica, esbarra num dado concreto e óbvio: é que as câmaras municipais estão obrigadas a cumprir os planos de ordenamento e expansão da actividade portuária, como era o caso do POZOR e de outros semelhantes. E a pertinência e razão de ser da nossa iniciativa é tão bem evidenciada e demonstrada que o PSD "chumbou" o nosso projecto de lei, em Janeiro de 1995, precisamente porque entendia que era um projecto inovador c criava obviamente uma situação nova relativamente àquela que existia. Por isso mesmo, estamos aqui novamente, com coerência, a apresentar, enquanto Governo, aquilo que apresentámos enquanto oposição.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral); - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.
A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, penso que andamos sempre um pouco à volta das mesmas questões que aqui já debatemos. Apesar do pouco tempo que tivemos para analisar o diploma do PS - foi-nos dado hoje de manhã e, de facto, não lenho a capacidade "repentista" para analisar projectos e fazer pareceres, etc., que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa eventualmente terá -, li a vossa iniciativa e verifiquei que havia, efectivamente, uma preocupação em identificar aquilo que deve ser entendido como .actividade portuária. Só que o problema não é esse, mas, sim, o facto de não nos parecer que as zonas do litoral que não estão afectas a essas actividades devam passar automaticamente para os municípios, ou seja, que estes sejam os depositários mais adequados para essas parcelas do domínio público. É essa a nossa diferença.
E relativamente ao parecer do Professor Marcelo Rebelo de Sousa dado cm 1994, com o devido respeito pela sua autoridade jurídica, nesse caso, não lhe darei muito boa nota.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. São-nos aqui presentes três projectos de lei e começaria por dizer que um deles é substancialmente diferente dos outros dois: refiro-me ao projecto do PS e não quero com isto dizer que estou de acordo com ele.
Antes de mais, gostaria de fazer uma observação, já que fiquei atónito quando li estes projectos de lei, pois pareceu-me que uma maldição tinha caído sobre este país. Pobre país, que tem o azar de possuir alguns dos melhores portos naturais do mundo, mas feliz país, porque a actividade marítima está a desaparecer, já não se pesca, a marinha mercante está a desaparecer, acabemos com os portos e façamos a felicidade na terra, aqui! Isto é inacreditável!...
Chamo a atenção desta Assembleia para o facto de estarmos a discutir um problema de vida ou de morte para Portugal. O que estamos a tratar não é brincadeira nenhuma, nem pode ter a desculpa daqueles arrazoados que correram nesta terra, clamando contra "cortinas de betão"
que separariam a cidade do rio. Basta chegar ao espaço entre Alcântara e Belém para ver quais são as "cortinas de betão" que estavam prometidas! E tanto assim é que, curiosamente, municípios como o Montijo acabam de estabelecer acordos com a Administração do Porto de Lisboa, certamente porque reconheceram alguma coisa de que esta Assembleia não fala: as virtudes da cooperação.
Desculpem que lhes diga, Srs. Deputados, que, pêlos cargos que desempenhei, conheço este problema como ninguém aqui presente. Mas também os conheço pela minha profissão, pois sou engenheiro hidráulico, trabalhei cm portos e sei que se queremos destruir uma das maiores riquezas deste país, que são as nossas áreas estuarinas, então, vamos fraccionar a gestão dessas áreas.
Quero dizer-lhes, Srs. Deputados - e acho que esta Assembleia deveria fazê-lo, pois não é longe; é bem perto -, que deveriam ir ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil ver o que é o modelo, a fundo fixo e a fundo móvel, do porto de Lisboa, para poderem verificar que uma simples ponte, colocada num sítio qualquer, pode inutilizar para sempre, por exemplo, um cais de contentores. Não sei se esta Assembleia tem a noção disto. Não sei se tem a noção de que a gestão integrada das áreas estuarinas é uma regra da técnica que nos países onde não foi cumprida tornou inevitável a morte de todos os portos que lá existiam.
Srs. Deputados, os nossos melhores portos estão em áreas estuarinas. Se querem ter, perante os nossos descendentes, a responsabilidade de acabar com o porto de Lisboa, o porto de Aveiro e o porto de Setúbal, fraccionem pêlos municípios a gestão e a capacidade de licenciar projectos e não têm via mais segura para cumprir aquele ideal que parece ressaltar destas iniciativas que é o de atingir o "paraíso", pois nessa altura já não haverá pescas, navegação e portos,... talvez não haja nada!
Mas, então, não se esqueçam de uma coisa: sobra um problema, que muitas vezes é esquecido e que é o mais importante para os autarcas, qual seja o da ecologia humana, que passa pelo direito ao trabalho. Os autarcas não podem esquecer isto. E não podem esquecer que há muitas maneiras de resolver os problemas. Na minha gestão na Câmara Municipal de Lisboa, passei peto tempo em que a Administração do Porto de Lisboa vivia de costas voltadas e fazendo de propósito o contrário do que a Câmara queria. Lutei sempre pela cooperação c quero recordar aqui o Engenheiro Conceição Rodrigues, a quem se deve o início da cooperação entre a Câmara Municipal de Lisboa e Administração do Porto de Lisboa. A partir daí, foi possível realizar reuniões permanentes entre os serviços de urbanização da Câmara e os serviços do porto de Lisboa. Não sei se isto foi aqui dito, mas essas reuniões realizam-se desde 1986, sem interrupção, incluindo todo o tempo em que foi feito o POZOR, com a participação dos técnicos municipais nesses projectos.
Por isso e porque conhecia os técnicos municipais, nunca acreditei nos "muros de betão". Os técnicos estavam lá, com instruções muito claras para defenderem os interesses da cidade. Foi possível fazê-lo, é possível fazê-lo! Mas não cometamos o erro de passar daquela altura em que as administrações-gerais dos portos eram de facto todas poderosas e não ligavam nenhuma as câmaras, como também não ligavam nenhuma ao Estado e como lambem, na maior parte dos casos, não ligavam nenhuma sequer aos interesses nacionais... Não se esqueçam que a nossa história ensina-nos muitas coisas.
Talvez os Srs. Deputados nunca tenham reflectido por que e que as Canárias são o que são hoje, verdadeiro
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mealheiro ou mina de ouro do turismo, e a Madeira não o é da mesma maneira. Por volta dos anos 50, quando mudou o tipo de propulsão dos navios, pôs-se o problema de dotar a Madeira de reservatórios de fuel. O Estado português não o fez, mas o Estado espanhol fê-lo e o resultado está à vista! E é irremediável, porque as rotas de navegação desviaram-se, o que é o mais difícil de fazer.
Mas há outros exemplos. Vejam o que se passa com o porto de Vigo. Os Srs. Deputados estão convencidos de que a Espanha tem uma frota enorme de pesca só porque são diferentes de nós, falam espanhol e nós falamos português?! Claro que não! A diferença é que, por exemplo, um porto como o de Setúbal, onde não há instalações de frio, não pode ter uma frota de pesca! É preciso dizer isto! E se a Câmara Municipal de Setúbal tem que lutar por alguma coisa será pelo desenvolvimento do porto, para dar trabalho à sua população - isto é importante! - e tem que lutar também pela cooperação, para poder valorizar urbanisticamente as outras zonas, não porque seja bom deixar a actividade portuária ou a actividade marítima, mas porque, de facto, hoje, as novas tecnologias permitem consagrar menor espaço para obter o mesmo rendimento ou para obter até rendimentos muito mais altos.
Embora reconheça que o projecto de lei do PS, felizmente, mantém algum centralismo e não transfere a propriedade plena - felizmente, porque se não fosse ainda um pouco centralista abria o caminho ao desastre -, quero dizer-lhes, Srs. Deputados, que é possível fazer as coisas de outra maneira. Façamos baixar estas propostas à Comissão e escolhamos outro caminho, porque é possível fazê-lo legalmente. Esta Assembleia tem poderes para isso: para obrigar à negociação, para obrigar ao trabalho conjunto entre as câmaras e as administrações dos portos, salvaguardando os interesses da cidade, salvaguardando os interesses nacionais e não condenando a economia portuguesa, que tantos pontapés já apanhou, a levar mais este, pois, qualquer dia, viveremos aqui entalados, sem sequer ter uma janela para respirar.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, ouvi com toda a atenção a sua exposição e, obviamente, eu próprio não posso comparar-me, em termos de competência técnica e profissional, com o Sr. Deputado no que diz respeito às matérias que abordou.
Todavia, há algumas questões que gostaria de colocar-lhe, sem antes não perder a oportunidade de lhe dizer que, tal como anunciámos, é intenção e decisão do Partido Socialista fazer baixar este projecto de lei à comissão respectiva, para aí ser devidamente melhorado, se for caso disso. E já assumimos esta posição em Janeiro de 1995. Temos perfeita consciência de que neste caso concreto, e a propósito desta temática, não somos os donos absolutos da verdade. Portanto, estamos perfeitamente abertos para considerar em sede de comissão as propostas que possam melhorar este diploma.
Sr. Deputado, será que o POZOR I, o primeiro plano que foi elaborado, correspondia em alguma coisa aos interesses das populações da cidade de Lisboa e da zona ribeirinha? Não tinha, efectivamente, pelo menos tal como foi divulgado, torres de cimento que separavam a cidade do rio? Esse plano está nos arquivos e ainda hoje pode ser consultado. Com efeito, o POZOR II constituiu uma melhoria clara em relação ao POZOR I. E, Sr. Deputado, foi o movimento- porque na altura o Partido Socialista não tinha maioria nesta Câmara e não podia fazer mais do que o que fez...
O Sr. Macárío Correia (PS): - Agora também não tem!
O Orador: - Sr. Deputado Macário Correia, maioria, tem! Parece que isso é claro!
O Sr. Macárío Correia (PS): - Vamos ver agora com o Orçamento!
O Orador: - Sr. Deputado, essa não é uma discussão que nos interessa muito ter neste momento. Quando discutirmos o Orçamento, V. Ex.ª, tomará a decisão, se é que já a tomou. Não me viro para a direita nem para a esquerda. Agora estou concretamente virado para o Sr. Deputado Nuno Abecasis, a quem estou a colocar esta questão.
Como dizia, foi um movimento de opinião pública, na altura, que impediu que o POZOR I tivesse consequências gravosas.
O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Isso é falso!
O Orador: - Não é falso, é verdade!
Todo o movimento que foi feito a seguir impediu que a Administração do Porto de Lisboa levasse a cabo verdadeiros atentados que se estavam a preparar. Com isso tudo, conseguiu-se ganhar tempo.
Por que é que havemos de ter uma suspeição, e eu não acredito que o Sr. Engenheiro tenha essa suspeição, como a tem o PSD, em relação às câmaras municipais? É uma suspeição que o PSD não consegue pôr para trás. Mas compreendo essa suspeição, é um problema que vem de trás, é compreensível por outras razões.
Nós, para além de não termos uma visão centralista do Estado e das suas responsabilidades, não podemos, de maneira alguma, alinhar com posições que evidenciam uma verdadeira suspeição do PSD às câmaras municipais. Qualquer deliberação ou competência que se queira transferir para uma câmara municipal, o PSD diz imediatamente que há o risco de as coisas serem mal feitas, de os problemas serem mal resolvidos e de as populações serem afectadas. É contra este estado de coisas que nos insurgimos, pois as autarquias locais são hoje elementos importantes do Estado democrático, estão perto das populações e têm um controlo democrático dos próprios cidadãos.
Portanto, não quero acreditar no que o PSD defende. Aliás, o Sr. Deputado deu um exemplo, em relação à Madeira, do que foi uma má decisão do Estado. Não foi uma má decisão da administração local, foi do Estado. É um exemplo concreto, segundo o que o Sr. Deputado acaba de dizer, de uma má decisão.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Dar-lha-ei depois de o Sr. Deputado Nuno Abecasis responder.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, é evidente que não tenho qualquer suspeição municipal. Se tivesse, teria vivido
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10 anos num inferno, o que não foi, manifesta e publicamente, o caso.
Foi por isso que me congratulei por os senhores não terem caído na tentação da transferência da propriedade total. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: se há algo que temos de salvaguardar, qualquer que seja a lei que façamos, é a unidade do tratamento das zonas estuarinas. No projecto de lei n.° 87/VII, o n.° 2 do artigo 3.°, aparentemente por causa de algo secundário- as actividades náuticas desportivas -, pode abrir as portas à destruição de qualquer porto. Um pequeno porto de recreio pode destruir um porto. E não é porque as pessoas o façam por mal. Eu também não sei operar cancros e não me sinto diminuído por isso, porque não é a minha especialidade, não foi isso que fiz.
Em minha opinião, o que esta Assembleia deve tentar fazer, de um modo geral, é conjugar as capacidades máximas de todos os cidadãos e de todas as instituições para o bem comum.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Tem de ser aprovado pelo Governo através de uma portaria!
O Orador: - Exacto. Há coisas que temos de salvaguardar, não podemos deixar passar a ideia de que é um infortúnio termos os melhores portos da Europa. Creio que o infortúnio é tê-los há nove séculos e não serem economicamente os melhores da Europa. Isso é que é um infortúnio e é isso que temos de corrigir.
Não estou com pretensões de saber mais do que os outros nem vim aqui dar lições, mas acontece que o meu avô já era engenheiro de portos, o meu pai também o foi e eu também. Portanto, tenho a obrigação de não calar coisas que sei serem graves. Foi só nesse sentido que intervim. Como sabem, não pertenço a essa comissão, mas têm a minha inteira colaboração no que eu puder fazer para que esta lei seja benéfica, de forma a que, com a melhor das intenções, nos demos conta de que, se destruirmos alguma destas coisas de que falei, nunca mais podemos reconstruir. Era para isso que queria chamar a atenção desta Assembleia e não para fazer críticas a quem quer que seja.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para defender a consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes insistiu, por duas ou três vezes, que o PSD tinha uma suspeição relativamente à administração municipal e autárquica.
Sr. Deputado, não temos essa suspeição nem qualquer outra, nem sequer uma presunção de bom relativamente à administração do Estado. Temos, isso, sim, princípios de que não abdicamos e estou à vontade no que diz respeito à descentralização e à autonomia, como V. Ex.ª muito bem sabe. Portanto, estou impune quanto a qualquer acusação de centralismo, que nunca me encaixaria.
O Sr. Deputado Nuno Abecasis foi muito claro na sua experiência não só de conhecedor da área portuária como também de autarca e na vivência daquela que é talvez a zona do País em que esta questão se coloca com maior acuidade, que é a da Administração do Porto de Lisboa e do seu relacionamento com a Câmara Municipal de Lisboa. Efectivamente, o Sr. Deputado é reforçado na sua opinião
não só pelo conhecimento teórico mas também pela prática de vida intensa nestas áreas. Quero dizer que estamos totalmente de acordo com ele, com esta ideia de que temos de saber conciliar os problemas que se colocam em relação às áreas portuárias, marítimas e costeiras de municípios litorais, com a defesa do ambiente, do urbanismo e da reconversão que se vem verificando, por razões de alteração da própria actividade portuária, de instalações que são hoje caducas, de espaços que podem ser hoje libertos.
No entanto, Sr. Deputado, não tenha a menor dúvida de que, se vingasse essa vossa solução de passar as competências, com a abrangência que propõem, para as administrações municipais, por razões financeiras, por tentações de pressões locais, etc., sem qualquer distinção - e V. Ex.ª, quando quer imputar ao PSD a suspeição sobre a administração autárquica, está a pensar num domínio autárquico socialista, pois estes problemas põem-se em todas as autarquias, em nome do interesse nacional, e é este que nos guia nesta questão -, teríamos de pensar ponderadamente numa solução equilibrada.
Com a solução da cooperação e da coordenação com princípios que saibamos definir- e saberemos com certeza definir aqui na Assembleia-, vamos resolver este problema sem corrermos o risco do "retalho", de fazer proliferar mil e um regimes que são desastrosos para algo que na história tem estado unido e que me parece que assim deve continuar.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, deseja dar explicações?
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Até pode ser, Sr. Presidente. Era para interpelar a Mesa através do Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.
Risos.
É uma figura curiosa e que cai bem num engenheiro. O Sr. Deputado falou no caso do POZOR...
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O POZOR I!
O Orador: - ... e suponho que se referia à zona de Santos. Sr. Deputado, havia outro projecto da Câmara Municipal de Lisboa, esse, referente à zona terrestre de Santos, que era ainda pior do que o relativo à zona marítima. Este é um bom exemplo de como a cooperação pode dar resultado, pois se trabalhassem de costas uns para os outros, um cometeria o crime do lado de terra, o outro cometê-lo-ia do lado do mar. Nada ganharíamos com isso. Juntaram-se os dois e tivemos um bom resultado.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de fazer alguns comentários em relação a certas coisas que foram, ao longo do debate, referidas e que, de algum modo, quando em Janeiro do ano passado apresentámos o nosso projecto, foram também discutidas.
De qualquer modo, e em relação à intervenção do Sr. Deputado Nuno Abecasis, dir-lhe-ia duas coisas.
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A vida ou a morte dos portos, de uma actividade que gostaríamos de preservar, relacionada com muitas outras coisas, lamentavelmente, já escapou ao nosso controlo, porque tem a ver com o facto de as nossas indústrias terem sido destruídas, de não exportarmos, de a nossa dependência alimentar ter aumentado, designadamente em virtude de um modelo de construção europeia que nos tem sido imposto e em relação ao qual podemos pensar diferentemente, mas esta é uma realidade.
Também para nós, Os Verdes, a questão da vida e da preservação das zonas estuarinas é importante. Por isso, manifestámos grandes reservas e preocupações com a opção de localização da nova ponte no estuário do Tejo; por isso temos manifestado preocupações quanto a dragagens que têm sido feitas pela EXPO 98 nas suas intervenções; é por isso que receamos pela vida deste estuário, que para nós está ligada à vida da cidade, à sua história e ao seu desenvolvimento. É por isso que, para nós, essas zonas têm de ser preservadas. Penso que, em rigor, não é esta a questão que se coloca.
Diz o Sr. Deputado que há cooperação, e tem havido, por pane de alguns municípios, citou esse, mas há outros que estabeleceram protocolos de cooperação com as administrações dos portos. A realidade, não é, porém, globalmente essa, é em função de uma realidade completamente diversa, em relação à qual recusamos que se fale no interesse nacional e no interesse regional, omitindo o interesse municipal - patamar que é importante não esquecer -, e em nome de um outra coisa, a forma como o PSD coloca a questão, que não aceitamos. O PSD pergunta se acaso farão os municípios melhor que as administrações dos portos. Não sei se fazem ou não, o que sei é que as administrações dos portos têm um estatuto especial e uma jurisdição atribuída em relação a determinadas áreas do interesse público em função de uma determinada actividade portuária. Por isso, para nós, não faz qualquer sentido que, tendo essa actividade cessado, haja neste caso uma reconversão e uma reciclagem, transformando-se assim as administrações dos portos em promotores imobiliários, desvirtuando aquilo que era o sentido único, quanto a nós, de um estatuto especial que lhes foi atribuído.
Não sei se é melhor ou pior, o que sei é que os municípios têm responsabilidade e respondem politicamente perante os cidadãos em relação às coisas boas e más que façam no território, que é da sua competência, e que aos municípios compete garantir a qualidade de vida dos cidadãos.
Por isso, é óbvio também que a haver dentro do território dos municípios outras lógicas de desenvolvimento, outras lógicas de crescimento, outras intervenções que se não articulem, que não dialoguem com os diversos instrumentos de ordenamento, é seguramente um mau resultado.
Como é também, em nosso entendimento, um mau resultado, e como princípio, que as intervenções sejam feitas por quem não tem a legitimidade para as fazer, por um lado, e por quem facilmente escapa ao controlo dos cidadãos, por outro. Porque, para nós, se eventualmente os municípios fazem intervenções menos correctas, pelo menos situam-se a um nível em que os cidadãos têm possibilidade de dizer de sua voz, de exprimir a sua vontade, de intervir no processo e, em última análise, de, nas próximas eleições, não votar nesse executivo. E essa não é manifestamente uma escolha que lhes possa ser dada quando tudo se passa ao nível das administrações dos portos.
Fundamentalmente, são estas as questões. Pensamos que aquilo que se passou em Lisboa, que foi, fundamentalmente, travado pela pressão da opinião pública, e aquilo que se está a passar no Barlavento algarvio, por exemplo, em que, a pretexto da construção de marinas, se constróem apartamentos, centros comerciais e hotéis, não é claramente uma forma de ordenar o litoral e de o preservar, já que sobre ele recai uma grande apetência dos interesses de especulação imobiliária que, para nós, tem, sem ambiguidades, de ser travada.
Também nesta matéria dizemos que, se há uma tradição e se importa amadurecer os projectos, eles têm também, na realidade empírica, de colher alguma opinião, porque o modo como o nosso litoral está não serve. Os municípios estão desejosos de que a situação se modifique, e nós não vemos qualquer vício, à partida, em que esse desejo de transferência de jurisdição se faça. Manifestaram-se muitos, de norte a sul do país, nesse sentido, em relação ao nosso projecto, e pensamos que é legítimo dar-lhes esse direito, que a devolução seja feita.
O Sr. Presidente (João Amaral); - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate, conjunto, dos projectos de lei n.ºs 20/VII - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes), 85/VII - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP) e 87/VII - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS).
Informo ainda que a votação destes diplomas far-se-à na próxima reunião plenária em que houver período regimental de votações.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e terá como período de antes da ordem do dia a apreciação do relatório elaborado pela Delegação da Assembleia da República, na qualidade de observadora, das eleições palestinianas, realizadas em 20 de Janeiro de 1996 e como ordem do dia a discussão do projecto de resolução n.º 10/VII - Realização de um inquérito parlamentar (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Partido Social Democrata (PSD):
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Mendes Bota.
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Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Vasco Pulido Valente.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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1074 I SÉRIE - NÚMERO 37
DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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