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Sexta-feira, 19,de Abril de 1996

I Série - Número 59

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE ABRIL DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da apresentação de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Luís Marques Mendes (PSD), na qualidade de novo presidente da sua bancada, cumprimentou a Câmara e criticou as recentes posições do Primeiro-Ministro e do PS face à revisão constitucional e à regionalização, tendo-lhes, dirigido um convite com vista a um entendimento político nessas matérias. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes), que também saudaram a sua eleição.
O Sr. Deputado António Galamba (PS) congratulou-se com a aprovação, em Conselho de Ministros, da reestruturação do Instituto Português da Juventude bem como com as iniciativas tomadas pelo Governo na área da juventude, tendo respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP) e Maria do Céu Ramos (PSD).
O Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho (PSD) chamou a atenção da Câmara para problemas com que se debate a comunidade portuguesa residente no Estado de Andorra e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
Ordem do dia.- Foram aprovados os n. os 41 a 46 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei nos 123/VII - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, devolve originais de documentos apreendidos a cidadãos e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS) e 139/VII - Devolução de documentos de natureza privada constantes dos arquivos das extintas PIDEJDGS e LP (CDS-PP). Além dos Srs. Deputados Ruben de Carvalho (PCP) - que fez a síntese dos respectivos relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - Fernando Pereira Marques (PS) e Paulo Portas (CDS-PP - que apresentaram os projectos de lei - intervieram ainda, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP). Maria do Céu Ramos (PSD), Manuel Alegre (PS), Silva Marques (PSD). José Magalhães (PS) e Isabel Castro (Os Verdes). A requerimento do PS, os projectos de lei baixaram às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Educação, Ciência e Cultura, sem votação na generalidade, para nova apreciação.
Entretanto, foram aprovadas, na generalidade, as propostas de lei nos 17/VII - Estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores e revoga a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, e 20/VII Cria no ordenamento. jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, e foi rejeitado, também na generalidade, o projecto de lei n.º 22/VII - Alteração ao Estatuto dos Gestores Públicos (CDS-PP).
Em votação final global, foram aprovados o texto final de substituição, elaborado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, da proposta de lei n.º 13/VII - Limite para endividamento externo para 1996 (ALRA), o texto final, com as alterações aprovadas na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo ao Decreto-Lei n.º 27D95, de 23 de Outubro, que aprova a Lei Orgânica da Inspecção-Geral da Educação (ratificações n.ºs 6/VII (PCP) e 8/VI1 (PS)/ e o texto final, elaborado pela mesma Comissão, relativo à proposta de lei n.º 12/VII - Revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo.
A Câmara aprovou ainda 11 pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias, autorizando diversos Deputados a prestarem declarações em tribunal e denegando autorização a alguns outros.
Após a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) ter feito a apresentação do projecto de lei n.º 8/VII - Repõe a idade de reforma das mulheres aos 62 anos de idade (PCP) e de a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) ter feito a síntese do respectivo relatório da Comissão de Trabalho, Solidariedade. Segurança Social e Família, intervieram no debate, na generalidade, a diverso título, além daquelas oradoras, os Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto, Helena Roseta e Elisa Damião (PS), António Rodrigues (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e Maria do Rosário Carneiro (CDS-PP), tendo, no final, a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha (PS) anunciado a entrega na Mesa de um projecto de lei do seu partido que cria o regime especial de antecipação da idade da reforma por velhice para as mulheres trabalhadoras.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
,Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria. Laurentino
José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rita Maria Dias Pestana Cachuxo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes. António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho. António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.

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Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Gilberto Parca Madaíl.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Macia Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Carlos Alberto Maia Neto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Ruí Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 25/VII Cria o rendimento mínimo garantido, instituindo uma prestação do regime não contributivo da Segurança Social e um programa de inserção social, que baixou às 5.º e 8.ª Comissões; proposta de resolução n.º 8/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição ou Limitação do Uso de Certas Armas Convencionais que Podem ser Consideradas como Produzindo Efeitos Traumáticos Excessivos ou Ferindo Indiscriminadamente, assinada em Nova Iorque, em 10 de Abril de 1981, que baixou às 2 º e 3.º Comissões; projecto de lei n.º 141/VII,- Integração do lugar da Sobreira, freguesia de Serzedelo, concelho de Guimarães, na vila de Riba de Ave, concelho de Vila Nova de Famalicão (PCP), que baixou à 4.º Comissão; ratificação n .º 19/VII - Decreto-Lei n.º 28-13/96, de 4 de Abril, que "Estabelece o regime de acesso ao ensino superior" (PCP).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa, durante a última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; aos Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues; aos Ministérios da Educação e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados; Maria Amélia Antunes, Bernardino Soares e José Calçada; aos Ministérios da Saúde e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; e ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

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Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Rodeia Machado, na sessão de 1'4 de Dezembro; Fernando Pedro Moutinho, nas sessões de 20 de Dezembro, 5 e 21 de Março; João Amaral, nas sessões de 17 de Janeiro e 9 - de Fevereiro; Gavino Paixão, na sessão de 25 de Janeiro; Fernando Pereira Marques, na sessão de 7 de Fevereiro; Artur Penedos, na sessão de 16 de Fevereiro; Helena Santo, na sessão de 23 de Fevereiro; Jorge Valente, na sessão de 27 de Fevereiro; Manuela Aguiar, na sessão de 28 de Fevereiro; António Filipe, na sessão de 1 de Março; Lucília Ferra, na sessão de 6 de Março; Marques Júnior e Azevedo Soares, na sessão de 14 de Março.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao assumir as funções de Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, quero cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, e todas as Sr es e Srs. Deputados que nesta Câmara, de acordo com as suas convicções, representam a pluralidade do pensamento político nacional e dão expressão à vontade mais profunda dos portugueses. A todos quero expressar, em meu nome e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o empenho num combate político determinado mas leal, frontal mas respeitador, firme e decidido mas pautado pela seriedade e pela autenticidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Somos, por vontade dos portugueses, não apenas o maior partido da oposição, mas o partido que tem a responsabilidade de liderar a oposição ao Governo. É com essa responsabilidade e com a obrigação de afirmar a alternativa futura à governação do País que continuamos a travar o nosso combate político, com a firmeza e a convicção de que somos oposição e não Governo e de que quem ganhou as eleições deve comportar-se como Governo que é e não como oposição que já deixou de ser.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo em funções e o partido que o apoia fizeram da ideia do diálogo a sua imagem de marca. Era o diálogo o traço mais impressivo da sua postura e na base dele prometiam servir melhor o País, obter maiores resultados e introduzir um novo estilo de fazer política.
O diálogo pode ser um instrumento importante da acção governativa, sobretudo se ele puder servir para decidir melhor e não para adiar decisões. Mas o diálogo político entre partidos é absolutamente determinante quando se trata da abordagem de questões de regime.
São, por isso, a nosso ver, absolutamente incompreensíveis as posições recentes do Primeiro-Ministro e do PS em matéria de revisão constitucional e de regionalização. Quem tanto fala em diálogo dificilmente consegue explicar. ao País como é que o recusa em questões essenciais; quem tanto proclama o consenso dificilmente consegue convencer os portugueses, como é que o rejeita em matérias nucleares da vida nacional. É sobretudo aqui e nestes momentos que se, faz a prova dos factos, a prova da autenticidade do que se propõe e a prova da coerência entre o que se diz e o que se faz.

Aplausos do PSD.

A revisão constitucional é importante, por isso esta Assembleia assumiu poderes constituintes e todos os partidos apresentaram os seus próprios projectos. E, chegados aqui, a questão, a nosso ver, é simples e clara. De duas uma: ou se quer ou não se quer rever a Constituição. Se realmente se pretende rever a Constituição, só há um caminho possível, que é definir um calendário célere para a sua concretização e promover um entendimento político entre os dois partidos indispensáveis, à sua viabilização. Foi assim em 1982, foi assim em 1989 e foi assim na revisão extraordinária de 1992.
Não se trata de marginalizar ninguém ou de desprezar os contributos de outros, trata-se é de constatar que sem um entendimento político entre o PS e o PSD nenhuma revisão é possível. E não há que ter a este respeito complexos ou inibições. Quem conferiu ao PS e ao PSD esse estatuto e essa responsabilidade foram os portugueses, por via do sufrágio livre e amplamente democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que, aqui e agora, na sequência das posições já publicamente expressas pelo Presidente do PSD, quero, em nome do Grupo Parlamentar e da Comissão Permanente do meu partido formular um convite claro e directo ao Partido Socialista: convidamos o PS, e em particular o seu líder e Primeiro-Ministro, a discutir e a estabelecer com o PSD, ao mais alto nível e de forma rápida, um entendimento político em relação às questões essenciais que estão em causa nesta revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

Esse entendimento político é essencial, é desejável e é seguramente possível, se houver uma vontade efectiva. É, de resto, óbvio para todos que as diferenças que separam os projectos dos dois partidos, se comparadas com o que sucedia em 1982 e em 1989, são incomparavelmente bem menores do que acontecia no passado. As condições políticas são hoje mais favoráveis do que o eram anteriormente. A questão é, pois, apenas e tão-só, de vontade política. O PS ou quer ou não quer a revisão constitucional.
Se recusar o convite que agora lhe fazemos desta forma clara e directa para este entendimento político, fica, então, nítido, que o PS, afinal, proclama o diálogo mas não o pratica, reclama o consenso mas só o realiza quando lhe convém, faz profissão de fé na revisão constitucional mas não se importa que tudo fique na mesma.

Aplausos do PSD.

E mais ainda: como é que se pode reclamar, como faz o Governo, o PS e o Primeiro-Ministro, a celebração de pactos de regime em questões que são típicas da governação, como é o caso da educação e da segurança social, e recusar ao mesmo tempo a sua feitura na mais nobre das questões de regime que é a revisão da Constituição?
Sejamos a este respeito claros e directos: a manobra dilatória e desresponsabilizadora pode ser bem urdida, mas não deixa, ao fim e ao resto, de ser uma manobra; a coerência de atitudes pode resistir a muita coisa, mas não resiste nunca à prova implacável dos factos e das evidências.
É por isso que também a este respeito a posição do PS em matéria de regionalização é, a nosso ver, inexplicável. Rapidamente direi porquê.

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Em primeiro lugar, aprovar um qualquer modelo de regionalização sem fazer antes a revisão da Constituição é esvazia-la de conteúdo, é desferir um golpe no processo de revisão constitucional, é, na prática, confessar que se apresentaram projectos para rever a Constituição, mas que, anal, eles não servem para coisa alguma.
Se todos os partidos, incluindo o PS, propuseram alterações à Constituição em matéria de regionalização, como é que se pode admitir que se comece pelo fim, e não pelo princípio, e se estabeleça à partida a política do facto consumado?

Aplausos do PSD.

Seria, a nosso ver, um absurdo total, só explicável à luz de princípios que não os da clareza e da boa fé.
Em segundo lugar, a regionalização é uma questão de regime, uma das reformas mais marcantes e profundas na sociedade portuguesa, aquela que se vai impor às actuais e às futuras gerações. Fazê-la sem um grande consenso nacional e sem uma forte legitimidade popular é um acto gratuito e, porventura, irresponsável.
Como dizia - e bem - o Sr. Presidente da República, esta reforma deve exigir um amplo consenso na sociedade portuguesa. E é o próprio Chefe do Estado que sublinha mesmo que importa "assegurar que ninguém se sinta excluído" deste debate e desta decisão. Espanta-nos muito que o Partido Socialista, que ao longo destes anos, se mostrou sempre tão atento às declarações da Presidência da República, finja agora. estar distraído e não entender os apelos que vêm da parte do Chefe do Estado.

Aplausos do PSD.

Em terceiro lugar, uma reforma como esta carece de ser legitimada pela consulta directa aos portugueses. O referendo nacional sobre a regionalização é, a nosso ver, um passo incontornável; não é uma questão táctica, é um imperativo de convicção. Ele contribui para unir e nunca para dividir os portugueses. Tem todas as vantagens e nenhum inconveniente. Se os portugueses disserem sim à regionalização, ela ficará legitimada pelo voto livre e democrático e actualizado de todos os cidadãos; se os portugueses disserem não, isso significará que os políticos não devem impor e decidir entre si, o que os portugueses não querem nem desejam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fazer aquilo que o PS quer, isto é, recusar ouvir os portugueses e não lhes conferir o poder de decidir, é, seguramente, um sinal de fraqueza, é confissão de medo, é tentativa de. impor de cima para baixo o que só é justificável quando é livremente desejado de baixo para cima.

Aplausos do PSD.

Em quarto lugar, o PS e o seu líder e Primeiro-Ministro confessam, em torno desta matéria, uma fraqueza inadmissível. Ao falar desta questão, na semana passada, o Primeiro-Ministro voltou - pela segunda vez em apenas cinco meses de Governo - a falar de crise política e da queda do Governo. A primeira vez que falou de crise política foi para fazer chantagem política, a segunda para se cobrir de ridículo e ambas as vezes para confessar desnorte, desorientação e fraqueza política.

Aplausos do PSD.

O Primeiro-Ministro clama pelo diálogo mas mostra-se aterrorizado quando ouve uma voz diferente da sua. É muita fraqueza, Srs. Deputados, em tão pouco tempo, para quem tanto fala de estabilidade; para logo de seguida se assumir como factor de instabilidade e de perturbação. no País!
Em quinto lugar, é inadmissível que o PS insista no debate sobre as regiões antes da revisão constitucional e antes do referendo, invocando para tanto a justificação de que se trata de uma promessa eleitoral. Para quem tantas promessas eleitorais fez e tantas tem por cumprir este argumento é, de facto, extraordinário!

Aplausos do PSD.

E eu pergunto: porque é que a promessa da regionalização é mais urgente que a da melhoria da segurança dos cidadãos, do aumento do número de polícias na rua e até da criação das polícias municipais?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque é que a promessa da regionalização é mais urgente que a do aumento de 1 % do PIB para a educação e da melhoria da qualidade do ensino?

Aplausos do PSD.

Porque é que a promessa da regionalização é mais urgente do que duplicar, como igualmente foi prometido, as verbas destinadas às autarquias locais? E, sobretudo, como explicar aos portugueses nos dias de hoje que a promessa da regionalização seja mais urgente que o combate ao desemprego?

Aplausos do PSD.

É que, de facto, aqui, quanto ao combate ao desemprego, parece que o Governo não tem pressa e isso é grave, e muito grave. São já 11 000 novos desempregados por mês que estão a surgir, 500 000 trabalhadores que estão no desemprego - ultrapassou-se a fasquia psicológica do 0,5 milhões de portugueses, o pior resultado dos últimos 12 anos - e Portugal é já hoje apontado como um dos países da Europa com sinais mais preocupantes em termos de agravamento do desemprego.
Aqui, no caso do desemprego, a promessa foi esquecida, e era uma promessa que constituía, segundo dizia o Primeiro-Ministro de hoje, então líder da oposição, a prioridade das prioridades. Aquela que era a prioridade está agora relegada para as calendas gregas. Esta é a verdade inquestionável.

Aplausos do PSD.

A resposta a esta questão é, infelizmente, simples. A clientela partidária do PS está mais interessada em discutir os candidatos às futuras regiões, em pré-anunciar os futuros presidentes das regiões, em vez de discutir a substância da matéria, as competências, as atribuições ou os recursos financeiros das novas autarquias que se pretendem criar.
Em face desta noção de prioridades, o PS e o seu Primeiro-Ministro correm o sério risco de ficar a falar sozinhos e de cavarem, de forma crescente, um irreversível sentimento de decepção e de desilusão aos olhos dos portugueses.

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Aplausos do PSD.

O PSD, por seu lado, é claro. Não daremos aval nem cobertura a qualquer decisão sobre regionalização sem prévia revisão da Constituição e sem o recurso ao referendo nacional. Sabemos bem que a grande maioria dos portugueses nos acompanha nesta convicção.
Por isso, ao terminar, reafirmo ao PS, aqui, de forma inequívoca e directa, o convite para um entendimento político rápido e ao mais alto nível e apresentamos uma proposta de calendário sério, ponderado e credível que, conciliando todos os objectivos, serve acima de tudo o País e os portugueses.
Se persistir na sua teimosia, o PS assume por inteiro a responsabilidade política de inviabilizar a revisão constitucional e de negar o indispensável consenso nacional para a regionalização. Com isso perderá o País, mas. dessa forma os responsáveis por esse comportamento não deixarão de ser julgados por todos os portugueses.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lacão, Jorge Ferreira, Octávio Teixeira e Isabel Castro.
Porém, antes de lhes dar a palavra, quero anunciar que se encontram a assistir à sessão. alunos das Escolas Secundárias de Peniche, Paredes de Coura, Sebastião e Silva, de Oeiras, e Campos Melo, da Covilhã, alunos do Colégio Luso-Suíço de Lisboa, do Centro de Formação Profissional de Águeda e ainda um grupo de pessoas, neste caso idosos, o que nos dá muita honra, da Associação Cultural Recreativa e Social de Samuel de Soure.
Manifestemo-lhes a nossa satisfação por os termos connosco.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, quero, em primeiro lugar, saudá-lo democraticamente e desejar-lhe, em nome da bancada do PS, uma sã convivência democrática na disputa parlamentar e plural que, obviamente, importa fazer, com lealdade parlamentar, no quadro da Assembleia da República.
Posto isto, vamos à matéria dos autos.. Em primeiro lugar, talvez fosse esperável que o Sr. Deputado procurasse fazer, com alguma coerência, a transição entre as vossas posições conhecidas no passado recente e as posições de agora, para compreendermos se o PSD, com a sua liderança nesta bancada ou com a liderança do líder do. seu partido, é ainda o PSD que nos falava há alguns meses atrás ou se entretanto se virou do avesso, como aparentemente aconteceu ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ..., e para nos explicar, designadamente, a lógica do imobilismo.
Se não temos hoje uma revisão constitucional concretizada, se não temos hoje a regionalização realizada, se não temos hoje a reforma das leis eleitorais, foi porque o seu partido, em sentido autêntico, bloqueou completamente as possibilidades de modernização do sistema político nos últimos 10 anos.

Aplausos do PS. .

Não está, por isso, o Sr. Deputado Marques Mendes, que, por acaso, foi um dos paladinos desse imobilismo político na última década, em condições de vir agora dar-nos lições políticas acerca da melhor maneira de fazer as reformas que os senhores não quiseram fazer.

Aplausos do PS.

Mas falemos das reformas da revisão constitucional em primeiro lugar.
Aqui está, Sr. Deputado, o sentido muito significativo da diferença entre o seu partido e o meu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A revisão constitucional é matéria de competência dos representantes do povo, no quadro da Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A revisão constitucional é o exercício institucional legítimo de um poder constituinte derivado, de que nós somos os exclusivos titulares. O que o senhor fez daquela tribuna foi convidar o PS a um entendimento, ao mais alto nível, entre as cúpulas dos dois partidos, sobre a matéria, desde logo passando, com isso, um atestado de incompetência aos Deputados, a começar pelos do seu próprio grupo parlamentar.

Aplausos do PS.

Fique, pois, a saber, Sr. Deputado Marques Mendes, que estamos inteiramente disponíveis e, mais do que disponíveis, inteiramente comprometidos com o diálogo, e porque queremos exactamente o diálogo, o debate aberto em sede própria, é que vos convidamos - e desde já o desafio fica feito - a assumirem plenamente as vossas responsabilidades, a darem o vosso contributo para a modernização do sistema político, empenhando-se activamente no processo de revisão constitucional e não em negócios, ao nível das superestruturas partidárias, mas num debate político aberto para prestígio das instituições democráticas, porque é para prestigiá-los que se faz a revisão constitucional.

Aplausos do PS.

Quanto à regionalização, o Sr. Deputado, em primeiro lugar, não pode escamotear o facto de ela ser um imperativo da Constituição, e que se hoje alguma coisa existe de objectivo é uma inconstitucionalidade por omissão, por obstrução política à consagração de dispositivos constitucionais nessa matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não pode esquecer que a regionalização, como reforma política, foi um imperativo do programa eleitoral do PS, assumido como uma prioridade política no Programa do Governo do Partido Socialista. E se os senhores tinham tantas dúvidas acerca do modo como na concretização de um programa político os passos da regionalização iam ser dados, pecaram por omissão porque deveriam ter, apresentado em momento

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próprio uma moção de rejeição do Programa do Governo, e não o fizeram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Revelam, portanto, que não estavam com a consciência suficiente dos compromissos políticos assumidos na Assembleia da República por parte do Governo e do Grupo Parlamentar do PS.
Em relação ao fundo da questão, Sr. Deputado Marques Mendes, a posição do PS é muito clara: o Partido Socialista assume, clara e inequivocamente, que não fará a des-constitucionalização da regionalização.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, quem diz isto no primeiro minuto não precisa de esperar seis meses e de ir para os trabalhos de revisão constitucional retirar esta conclusão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A conclusão está assumida à cabeça, e como à cabeça se sabe que o PS não tem uma concepção plebiscitaria do processo de aprovação da Constituição, sabemos que vamos encetar o processo da regionalização de acordo com os parâmetros da Constituição vigente, porque, naturalmente, não a alteraremos nesse ponto.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine. Já ultrapassou, em muito, o tempo regimental.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, sublinhando, em última instância, o seguinte: não está em causa não ouvir os portugueses. Os portugueses irão ser ouvidos, pela primeira vez e de forma autêntica, ou por via de referendo directo, ou por via de referendo orgânico, sobre as condições de concretização de uma reforma que os senhores impediram. Se até hoje os portugueses não foram ouvidos, não foi por causa do PS mas porque os senhores o impediram.
Nesta matéria, fica, pois, o desafio: façam a reforma e ouçam os portugueses, mas não inventem um alibi para não fazerem nem uma coisa nem outra!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, agradeço os seus cumprimentos e retribuo com o mesmo desejo e a mesma vontade de lealdade nos trabalhos a partir de agora.
Em relação ao que referiu, vou dar quatro ou cinco respostas às questões fundamentais.
A primeira questão tem a ver com as posições do passado. Sobre esta matéria penso que seria mais importante que o Sr. Deputado, em vez de estar mais preocupado com as posições do PSD, começasse por estar mais preocu-
pado com as obrigações e as responsabilidades que o seu próprio partido contraiu perante o eleitorado.
Aplausos do PSD.
Mas, quanto às posições do passado, não temos problemas em admitir que, em algumas matérias, sobretudo nas fundamentais, como, de resto, acontece em todos os partidos ao longo dos tempos, há evoluções.

Vozes do PS: -Ah!...

O Orador: - A política, como a vida, é dinâmica e não estática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, o Sr. Deputado não fica sem resposta. Os senhores, como ainda está patente no dia de hoje, de hoje mesmo, mudam de posição quando passam da oposição para o Governo com uma facilidade que, essa sim, é aterrorizadora aos. olhos da opinião pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E vice-versa! Protestos do PS.

O Orador: - Dou só dois exemplos recentes para não perturbar muito a memória de VV. Ex.as. Há dois meses, aqui, os senhores deram o dito por não dito relativamente a um projecto de lei do PCP em matéria de redução do horário de trabalho e hoje, num ponto inscrito na ordem de trabalhos, os senhores propõem-se dar o dito por não dito relativamente às posições que tinham ainda há pouco tempo.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Segundo exemplo: não se fez revisão do sistema político, do sistema eleitoral e de outras matérias no passado por culpa do PSD, diz o Sr. Deputado. De facto, essa ninguém compreende, ninguém aceita. É uma ficção completa!
Os senhores, em 1989, levaram dois anos - dois anos! - a fazer uma revisão constitucional, correndo Portugal, deste modo, o risco de, por exemplo, admitir processos de privatizações apenas após a queda do muro de Berlim, depois de as mesmas já terem sido feitas nos países de Leste. Que autoridade, moral ou política, os senhores têm para dizer que o PSD não quis isto ou aquilo em sede de revisão constitucional? Os senhores inviabilizaram! E, em matéria eleitoral, tenho de recordar aqui ao Sr. Deputado e ao seu partido que, em 1991, daquela tribuna, o então Primeiro-Ministro propôs ao Partido Socialista, por duas vezes, um entendimento em matéria de legislação eleitoral com dois terços - matéria de regime, sobre o regime eleitoral -, e os senhores sistematicamente disseram "não"!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A memória dos homens pode ser curta, mas não tanto, Sr. Deputado.

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Aplausos do PSD.

Mas, Sr. Deputado, viremo-nos para o futuro, que é ainda mais importante.
Se o senhor faz, de facto, profissão de fé na sua vontade e na de o seu partido fazerem uma revisão constitucional, então ajude a persuadir o seu partido, a sensibilizar o seu líder e Primeiro-Ministro, a quem eu próprio dirigi um convite em nome do meu partido, para um entendimento político rápido nas questões genéricas e essenciais que permita viabilizar rapidamente a revisão constitucional. E, Sr. Deputado, não me venha dizer que isto é desprezo pela Assembleia da República!

Vozes do PS: - Parece! Parece!

O Orador: - O melhor é não se precipitarem!
Se o Sr. Deputado ou algum dos seus pares diz que isto significa um desprezo pela Assembleia da República, eu digo aqui, publicamente, que os senhores estão a dizer expressamente que o Dr. Mário Soares, em 1982, desprezou a Assembleia da República...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e que o Dr. Vítor Constâncio fez o mesmo em 1988.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade!

O Orador: - Volto a repetir que a memória dos homens pode ser curta, mas não tanto e a este ponto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A quarta questão tem a ver com a regionalização. Que é um imperativo constitucional é indiscutível, Sr. Deputado. Juridicamente, pode ser feita a regionalização, mas a questão não é jurídica, é política. E, politicamente, num momento em que está aberto um processo de revisão constitucional, num momento em que todos os partidos, incluindo o seu, apresentaram propostas em matéria de regionalização, seria de praticar a política do facto consumado. A questão política é esta.
Por que, é que os senhores têm medo de consultar os portugueses?

Aplausos do PSD.

Por que é que os senhores têm medo de actualizar a vontade dos portugueses?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, da seguinte maneira: o Sr. Deputado e o seu líder e Primeiro-Ministro dizem que a regionalização é de facto uma prioridade, pelo que todos estranhamos o que vem hoje publicado num jornal vespertino, e que passo a citar: "Segundo fontes do Primeiro-Ministro, o Engenheiro António Guterres terá garantido que não haveria eleições regionais em Dezembro de 1997, juntamente com as autárquicas. A única excepção seria. o Algarve. Guterres já o sabia nas jornadas parlamentares e os próprios Deputados socialistas admitem que não será concretizável".
Nós já imaginávamos que seria assim! Nós já imaginávamos que se diz uma coisa e se faz outra! Mas se isto não é verdade, tem de ser o Primeiro-Ministro, ele próprio, citado nesta notícia, a desmenti-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, poderemos sempre, em qualquer circunstância, mudar algum ponto de vista, mas quando mudarmos de ponto de vista viremos aqui sustentar as razões pelas quais eventualmente possamos ter mudado. E isso nunca o habilitará, sobretudo se procedermos nos termos em que acabei de referir, á fazer insinuações acerca da possibilidade de o PS dar o dito por não dito, sobretudo quando, para justificar essa acusação, ò Sr. Deputado Marques Mendes evoca razões absolutamente inconsistentes.
Em matéria de revisão do horário de trabalho, o que foi assumido foi que o programa político do PS assumiria esse compromisso no contexto de um acordo de concertação social, envolvendo os parceiros sociais na mobilização social indispensável para o efeito. Foi isso o 'que fizemos, foi isso o que alcançámos e foi isso que os senhores tentaram obstaculizar, numa lógica de contra-poder negativista, completamente insustentável de quem se diz querer ter responsabilidade de Estado, mesmo na oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à matéria .que hoje vamos discutir, não se precipite, porque, pelos vistos, já anda precipitado na lógica da intoxicação resultante das fontes anónimas dos jornais. Deixe os debates decorrerem, na autenticidade - própria dos debates, e só depois retire as suas ilações, porque, desta maneira, vê-se que já está a entrar na lógica da pequena intriga política, o que não ajuda a discutir, com grandeza e seriedade democrática, os temas de fundo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, a questão é esta: o líder do seu partido disse, à puridade, por várias vezes, que tinha muitas dúvidas em ser líder do PSD porque não era Deputado. Lá que não seja Deputado..., compreendo-lhe a dificuldade! Que ele queira colocar a sede de revisão constitucional no directório partidário por não ser Deputado, até compreendo a sua motivação! O que não aceito é que os senhores vão atrás dessa posição!

Aplausos do PS.

Mais uma vez, em matéria de regionalização, é verdade, Sr. Deputado Marques Mendes, que a questão é essencialmente política, e o que os senhores estão a pretender é que nos envolvamos todos num debate sobre o debate, em vez de nos envolvermos num debate sobre a regionalização.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É isso que não fazemos! Nós vamos, aqui, de forma responsável, debater a regionalização, e é por isso que o convido a ter uma participação positiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender; tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, já estamos habituados a posições de grande originalidade. A partir de agora, fico a saber que V. Ex.ª chegou ao ponto de considerar, até em público, que os jornalistas e os jornais são afinal uns intriguistas.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Não! Não é isso!

O Orador: - Lá iremos, e depois veremos o sentido do voto!
Mas viremo-nos, uma vez mais, para o futuro. Como a regionalização é uma questão política. importante e sensível, quero dizer-lhe com toda a seriedade que é minha convicção profunda que, com as posições que os senhores estão a tomar recusando-se a consultar e a ouvir o povo português, recusando o referendo, não tenha dúvidas, Sr. Deputado, de que o senhor, os seus pares, o seu partido, estão a pouco e pouco a cavar na opinião pública um sentimento exactamente oposto aquele que dizem desejar. À medida que se recusa o referendo, surge cada vez mais a ideia de que há por detrás disso qualquer intenção de clientelismo, de tentação de colocai mais pessoas em mais lugares, e cada vez mais a opinião pública vira-se contra a regionalização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Oradora - Agora, não, Sr. Deputado. Ouvi-o atentamente e vai fazer o favor de proceder da mesma forma.
Manifestei daquela tribuna uma postura no sentido de, com o entendimento político essencial para as questões da revisão constitucional, ser possível, com o calendário apresentado, conciliar amplos objectivos se a vontade dos portugueses em referendo for favorável à regionalização. É esse entendimento político que espero - o Primeiro-Ministro, o líder do seu partido, seja capaz de, nos próximos dias, depois de regressar do Brasil, antes do debate agendado para esta Assembleia, compreender, apercebendo-se da boa fé da nossa proposta que, sem esvaziar nada nem ninguém, consiste em viabilizar uma revisão constitucional.
Mais, Sr. Deputado: não é uma questão de directórios partidários, de, num golpe de mágica, os dois partidos, na secretaria, no segredo de um gabinete, se juntarem e fazerem um acordo. Nada disso! Não aconteceu no passado nem acontecerá agora. Porém, há uma coisa que nem o senhor nem eu nem os nossos partidos conseguem evitar: é que foi o povo português que deu mais de 80% dos votos ao seu e ao meu partido, pelo que sem o contributo do PS e do PSD, para além dá opinião importante dos outros partidos, não é possível uma revisão constitucional.
Considero mesmo que não se trata de uma questão táctica adiar e relegar, por exemplo, para as calendas a feitura de uma revisão constitucional, mas se o entendimento for esse recordo que em 1989 a revisão constitucional levou dois anos a fazer-se.
Em relação a outra matéria que de vez em quando está na ordem do dia ...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado. Temos de reconduzir-nos ao respeito pelo Regimento.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, os senhores também dizem defender o referendo para as questões europeias. Ora, se se atrasar a revisão constitucional pode chegar-se à seguinte situação, que seria uma autêntica hipocrisia política: fazer-se a revisão do Tratado da União Europeia sem uma prévia revisão constitucional, negando-se depois o referendo por a Constituição, não estando ainda revista, não o permitir. Nessa matéria, como na da desconstitucionalização do serviço militar obrigatório que prometeram fazer, e em muitas outras, os senhores estão a dizer politicamente -. e não juridicamente - que não querem qualquer revisão constitucional. Ficam com esse ónus, mas estou muito confiante de que o Primeiro-Ministro, esse, vai responder positivamente ao desafio que, em nome do meu partido, acabei de lançar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, na medida em que os argumentos só são verdadeiramente válidos quando podem sustentar-se em factos, solicito-lhe que, a meu pedido, faça o favor de informar a Câmara se na última Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares não terá acontecido que o líder da bancada do PS suscitou aí, e pessoalmente, ao. Sr. Presidente, a marcação, em data estrita, da indicação dos representantes para a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, mesmo, da marcação do dia para a sua posse de forma a que os trabalhos de revisão pudessem ter lugar o mais urgentemente possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso consta da súmula que foi distribuída pelos grupos parlamentares confirmativa daquilo que diz.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, ontem, tendo o PSD, junto do gabinete de V. Ex.ª, formalmente apresentado o elenco dos Deputados que vão constituir, em representação do Partido Social Democrata, a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, gostava de perguntar a V. Ex.ª se o Partido Socialista fez igualmente essa designação.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho de ter por boa a sua indicação porque a mesma ainda não chegou à minha mão. Também não tenho a certeza de que tenha chegado ou deixado de chegar a indicação do Partido Socialista, ou seja, não posso confirmar nem infirmá-lo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, .Sr. Deputado Luís Marques Mendes, gostava de felicitá-lo pela sua eleição para líder do Grupo Parlamentar do PSD e, uma vez que ouvi atentamente as suas palavras, de. formular-lhe dois pedidos de esclarecimentos.
O primeiro tem a ver com o seguinte facto: V. Ex.ª é ou não suficientemente corajoso para reconhecer hoje e aqui que se enganou quando, em 1992, se solidarizou com o seu Primeiro-Ministro ao proibir um referendo sobre o Tratado da União Europeia em Portugal? É ou não corajoso para assumir hoje, aqui e agora, que se enganou porque o Tratado da União Europeia também era uma questão política que, na altura, não convinha ao país mas a si e ao seu partido por outras razões e cujo referendo proibiram juntamente com o Partido Socialista, no que nada mudaram, continuando exactamente iguais? Assume, aqui e agora, que se enganou e pede desculpa aos portugueses por, em 1992, ter proibido a realização desse referendo?

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, gostava também de perguntar-lhe onde estavam VV. Ex.as quando o Professor Cavaco Silva mandou retirar a regionalização do projecto de revisão constitucional há dois anos. Na altura, não vi ninguém no PSD defender a regionalização e o referendo para a regionalização. Ninguém! Apenas o então ministro do planeamento e da administração do território, manifestamente aflito, porque era ministro do primeiro-ministro do PSD, e que sempre tinha defendido a regionalização, ficou sem jeito quando os jornalistas lhe perguntaram o que pensava sobre essa nova proposta do PSD. Na altura, também não o vi, Sr. Deputado, então ministro, propor o referendo para a regionalização e dizer o que dela pensava. Onde é que os senhores estavam nessa altura? Distraídos com o quê? Já não interessava ouvir os portugueses sobre essa matéria? SÓ agora é que interessa?
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, já percebemos que, para o PSD, sem referendo, não deve haver regionalização. Isto significa que, para o PSD, o dia 2 de Maio não faz qualquer sentido político porque se os senhores defendem o referendo antes da discussão da regionalização e se defendem a revisão constitucional antes da discussão da regionalização, manifestamente estão a dizer ao país que, no dia 2 de Maio, vão tomar parte numa discussão política inútil. O que é que VV. Ex.as vão fazer? Vão validar essa discussão no Parlamento? Vão contemporizar com a divisão do país em regiões, como é. vontade do PS e do PCP, num negócio político que já está feito? Ou vão limitar-se a votar mais uma vez a favor do PS é do PCP, uma vez que VV. Ex.as são regionalizadores, concordam com a regionalização, têm a mesma opinião que o PS sobre a regionalização? Descobriram à pressa a táctica do referendo para fazer de conta que são diferentes e para tentar conseguir algo que os preocupa - a revisão da Constituição. Nisso, os senhores são iguais ao PS: têm pânico da alteração do sistema político, têm pânico da alteração do sistema eleitoral, não têm coragem de retirar da Constituição o que resta de socialismo, e arranjam sempre uma desculpa para tentarem evitar a reforma da Constituição. O PS e o PSD não se entendem! Os senhores não têm a coragem de rever a Constituição e arranjaram agora, à pressa, esta desculpa do referendo.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, para terminar, diga-nos: o senhor também é a favor da regionalização, não é?

O Sr. José Junqueiro (PS): - Lá isso é verdade!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, obrigado pelos seus cumprimentos e saudações.
Duas ou três notas sobre as questões colocadas, a primeira relativa ao referendo sobre o Tratado da União Europeia em 1992. Não, não vou confessar que me enganei! Não vou ...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas agora o líder do seu partido é outro!

O Orador: - Quem se costuma confessar não são muitas pessoas desta bancada...

Risos do PSD.

O Orador:- Mas passemos ao que é importante. De facto, entendo que não me enganei em 1985, com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, tal como no ano seguinte, com o Acto único Europeu. Como o meu partido entendeu, como a maioria nesta Câmara entendeu mal ou bem, os portugueses já julgaram e continuarão a julgar -, entendi daquela maneira e sou totalmente solidário com as decisões que o meu partido e o meu Governo na altura adoptaram. Nos anos últimos, não apenas agora, dentro do PSD tem vindo a ser travado um debate em redor dessa matéria, e já em 1994, aquando da apresentação do projecto de revisão constitucional, fiquei em posição minoritária nos órgãos do meu partido. Contudo, eu próprio, como outros, defendemos que seria de avançar com' o referendo em sede de revisão constitucional, o que veio, neste último projecto, a ser concretizado, se bem que, quanto a 1992, seja totalmente solidário com o que se passou.
Em segundo lugar, sobre a regionalização e a revisão constitucional, Sr. Deputado, em 1994, no projecto de revisão constitucional que o PSD apresentou, desconstitucionalizou-se a obrigatoriedade da regionalização, o que é indiscutível. Mas quero dizer-lhe que consta do projecto de 1994 e desenvolvido no actual a possibilidade de a lei ordinária, a partir da vontade dos municípios, das associações de municípios e das federações de municípios poder vir a contemplar a divisão regional do país. Portanto, o mesmo princípio consta do projecto de revisão constitucional apresentado em 1994 e do actual.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas não consta o referendo!

O Orador: - Já lá vou.
A diferença é que acrescentámos o referendo. E se quer também a esse respeito uma nota, já na última campanha

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presidencial o candidato que apoiávamos defendeu a ideia do referendo. Ou seja, há também aí uma evolução.
Vamos ser francos e claros, Sr. Deputado, porque não há qualquer problema de poder haver, de uma forma dinâmica, evoluções neste ou naquele sentido desde que se corrijam trajectórias. Assumimo-lo com clareza, a mesma clareza, Sr. Deputado, que o seu partido não assume quando diz mal da Europa e crítica a integração europeia, sendo incapaz de defender a saída de Portugal da Europa e de apresentar uma alternativa para a integração europeia. Esta é a questão substantiva!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O que é que vão fazer?

O Orador: - A terceira questão é relativa ao debate do dia 2 de Maio. Julgo, Sr. Deputado, que não há dúvidas de que no dia 2 de Maio, por aquilo que disse aqui e que o líder do meu partido tem vindo sistematicamente a referir, o PSD não vai pactuar nem dar o aval à teimosia, à intransigência, à obstinação do Partido Socialista porque o Partido Socialista não quer qualquer regionalização nem está interessado em fazer um debate sério sobre esta matéria; pretende, sim, retalhar o país, o que, da forma pretendida, consideramos irresponsável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
Última nota, Sr. Deputado Jorge Ferreira: queremos rever o sistema eleitoral, o regime do referendo, as matérias de defesa e outras questões que inserimos no nosso projecto de revisão constitucional. Temos vontade política de o fazer e é por isso que estamos neste momento virados para o futuro. Ora, aquilo que a sua questão me permite dizer, justamente, é que tenho pena de que o outro partido
O que a sua intervenção me suscita é o seguinte: do que tenha pena é de que o outro partido, que é indispensável para fazer uma revisão constitucional, não tenha vontade política de fazê-la, queira deixar na mesma questões como a do sistema eleitoral, a da regionalização, a do referendo e muitas mais. Isto é que é grave.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero registar que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes não respondeu a duas das minhas perguntas, a primeira das quais era no sentido de saber se, pessoalmente, é a favor ou contra a regionalização. Não o disse, não o disse, não quis dizer ou não o pôde dizer.
A minha segunda pergunta foi no sentido de saber o que vai fazer o Grupo Parlamentar do PSD no próximo dia 2 Maio, o que o Sr. Deputado também não quis dizer, não pôde dizer ou não soube dizer.
Posto isto, Sr. Presidente, quero defender a honra e a consideração da minha bancada porque, mais uma vez, à falta de novos argumentos e com manifesta dificuldade, que foi notória, em justificar todo o rol de opiniões que a opinião pública lhe "colou" como o pior do cavaquismo nos últimos anos, relativamente ao referendo sobre o Tratado de Maastricht, V. Ex.a, Sr. Deputado Marques Mendes, decidiu inventar. E isso é que não posso deixar passar em claro. V. Ex.ª pode recorrer a todos os meios para defender as suas posições - tem esse direito e, aliás, como Deputado, o País exige-lho -, .não pode é enganar os portugueses.
Mais uma vez lhe digo, por muito que V. Ex.ª não goste ou sonhasse com outra possibilidade, que o Partido Popular não é contra a Europa, não quer sair da Europa, quer continuar na Europa.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Temos é uma diferença, Sr. Deputado: V. Ex.ª, em 1992, aceitou um tratado que transferiu soberania para pessoas que não conhece nem elegeu, enquanto o meu partido não aceita isso...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª, em 1992, aceitou uma política económica europeia que vendeu a economia produtiva portuguesa, enquanto nós não aceitamos isso...

Aplausos do CDS-PP.

O Orador: - V. Ex.ª, em 1992, ficou também associado ao pior do cavaquismo em matéria europeia falo do referendo - e respeitámos a sua opinião, mas não tente enganar os portugueses outra vez. Por isso lhe digo: V. Ex.ª, que tem toda a legitimidade para, criticar as posições de todos os partidos, não invente sobre a posição do meu partido relativamente à matéria europeia.
Nós cá estaremos para saber se, daqui a uns tempos, V. Ex.ª mantém o que disse durante 10 anos e o que fez no governo ou se, também nessa matéria, vai, como os camaleões, mudar de opinião de um dia para o outro.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente:- Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, em primeiro lugar, quero sublinhar que, de facto, hoje, como nos últimos dias, começa a ser tão notória, tão visível, uma preocupação do PP com o que o PSD faz ou não faz ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ..., com o que o PSD vai ou não fazer, que ficámos amplamente satisfeitos. É porque o PSD, porventura, recolocou-se no centro da vida política, liderando a agenda política, liderando a oposição. Ficamos muito satisfeitos com o reconhecimento desse estatuto do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E não me responde!

O Orador: - Respondo a todas as questões, Sr. Deputado!
Passo agora ao segundo ponto.
Sr. Deputado, se formos sérios, verificaremos que em todos os partidos - e essa também é uma razão por que julgamos imperioso fazer um referendo nacional - há pessoas que têm dúvidas ou que têm posições diferentes da posição oficial do partido em matéria de regionalização. E, numa questão desta natureza, nem considero que isso tenha algo de negativo. É por isso que é importante consultar os portugueses...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Faça um referendo interno!

O Orador: - Se é isso que quer saber, digo-lhe que, pessoalmente, tenho, de facto, dúvidas sobre a regionalização do País.

Vozes do CDS-PP: - Ah!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas o Professor Marcelo não tem!

O Orador: - Mas há Deputados do seu próprio partido que também têm dúvidas e opiniões diferentes da sua bancada, tal como, no que toca ao Partido Socialista, há também, seguramente, vozes diferentes.
Sr. Deputado, o que quero dizer com isto?! É que, de facto, analisando a questão da regionalização com sentido de Estado, os partidos têm, todos eles, personalidades com posturas e sentimentos diversos e com muitas dúvidas sobre a matéria. Assim, julgo que é pertinente fazer todo este amplo debate e fazer uma consulta aos portugueses.
Digo ainda que o líder do meu partido, legitimado pessoalmente em Congresso tal como a sua própria estratégia, tem toda a autoridade que lhe decorre do passado para defender a regionalização porque, embora não tendo as mesmas dúvidas que eu próprio e outros temos, tem sido coerente nesse desígnio.
Quanto à Europa, Sr. Deputado, não me preocupa muito o passado nem, em particular, as posições do seu partido. Mas não posso deixar de, dizer que é eufemismo afirmar que é a favor da Europa e que é contra o Tratado da União Europeia. É porque, como o senhor sabe muito bem, levando a sua afirmação até às últimas consequências, significaria que, se tivesse votos suficiente, o PP votaria contra o Tratado da União Europeia, que o mesmo significa, já que na Europa não há nenhum outro tratado, a saída de Portugal da União Europeia e o nosso pais prescindir desse desígnio estratégico.

Aplausos do PSD.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, e a Dinamarca? Votou "não" e saiu da União Europeia?!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado, a questão é o futuro. O futuro é, sobretudo, esta aventura que se pretende consumar no próximo dia 2 de Maio.
O que lhe digo, e reafirmo, é que o PSD não vai pactuar nem dá cobertura a esta situação. Eu próprio disse claramente - e esta é a questão fundamental - e quero reafirmar aqui que temos fé, temos esperança, temos a convicção de que os nossos argumentos, sendo lógicos, sérios e racionais, acabarão por convencer o PS a não entrar nessa aventura do dia 2 de Maio que pode ser tão grave a ponto de se saber quando começa mas nunca se saber como acaba nem quando acaba. Como disse o Sr. Presidente da República, um amplo consenso nacional é possível, é desejável e é indispensável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, também eu gostaria de o saudar pela sua eleição para Presidente da bancada do Grupo Parlamentar do PSD e, simultaneamente, estender esta saudação a todos os novos membros da direcção do seu grupo parlamentar.
Após a saudação, vamos a questões mais "suculentas" mas a saudação é sincera, não haja dúvidas sobre isso.
Julgo que não foi de bom prenúncio a primeira intervenção do Sr. Deputado Marques Mendes enquanto Presidente do Grupo Parlamentar do PSD porque veio reafirmar e reiterar alguns dos vícios profundos do PSD, designadamente quando veio pôr a questão da negociação do acordo entre o PSD e o PS, à margem da Assembleia da República, com vista a uma qualquer revisão constitucional.
Sr. Deputado Manques Mendes, repare que não está em questão o facto de todos nós sabermos que, para se fazer uma revisão constitucional, são necessários os dois grupos parlamentaras - PS e PSD -, pois só os dois juntos podem conseguir a maioria de dois terços. Só que isso não legitima que essa negociação, esses acordos e as habituais convergências que possam existir em torno de uma revisão constitucional sejam levados a efeito à margem da Assembleia da República e não nesta sede pois é aqui que a revisão deve ser feita.

Aplausos do PCP.

Exemplos anteriores não podem legitimar que se continue ou que se pretenda continuar a cometer os mesmos erros do passado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado Marques Mendes, temos a questão da regionalização,
Disse o Sr. Deputado que se pretende começar a resolver o problema da regionalização pelo fim e não pelos princípios. Ora, Sr. Deputado, pela nossa parte, entendemos começar pelo principio! É que há 20 anos que a regionalização devia ser feita. Há já 20 anos a regionalização é um imperativo constitucional. Diz o Sr. Deputado Marques Mendes que é um imperativo meramente jurídico, ao que nós respondemos que não é. Esse imperativo inscrito na Constituição da República foi-o porque houve manifesta vontade política de uma maioria de representantes do povo português...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Entre os quais o PSD!

O Orador: - Exactamente! Entre os quais o PSD!
E esse imperativo constitucional deveria ter sido cumprido, tal como outros também deveriam tê-lo sido. Por isso, o Sr. Deputado está a inverter a situação quanto à questão do início e do fim do processo de regionalização do País.

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Passo a uma questão que gostaria de colocar-lhe directamente.
O Sr. Deputado tornou a colocar a questão segundo a qual, para haver regionalização, primeiro, deveria efectuar-se a revisão constitucional na qual seria constitucionalizado um referendo nacional sobre a matéria. Ora, permita-me que expresse algumas dúvidas sobre a total sinceridade desta posição do PSD.
Há pouco tempo, de acordo com os órgãos de comunicação social - e não admitindo eu que o Sr. Deputado Marques Mendes também queira enveredar pela via de considerar que os órgãos de comunicação social são exclusivamente intriguistas -, o Presidente do PSD teria dito, salvo erro aos Deputados do PSD, que a revisão constitucional é irreversível. Portanto, se o PSD considera que a revisão constitucional é irreversível e, apesar disso, continua a tentar pressionar o Partido Socialista com tudo aquilo que ainda há pouco ouvimos, então o que querem obter em troca do PS? Ao pressionarem o Partido Socialista com o pretexto da regionalização, o que querem obter? É a resposta a esta pergunta que o PSD ainda não teve a coragem política de dar claramente. O que pretendem obter do PS em troca do processo de regionalização?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, começo por cumprimentá-lo igualmente e por agradecer as suas saudações.
Passando à primeira questão que colocou, o Sr. Deputado disse que o que propus é a feitura de um acordo em matéria de revisão constitucional à margem da Assembleia da República, o que me merece o seguinte comentário: é curioso, é interessante que, a esta hora, já o seu partido e o Partido Socialista fizeram um acordo, pelo menos de princípio, em matéria de regionalização, tal como, em matéria de Orçamento, foi feito com outro partido há algum tempo atrás...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é completamente falso!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, o mais curioso é que sabemos onde foi feito o acordo que o PS celebrou com o outro partido em matéria de Orçamento- foi na suite de um hotel -, o que não sabemos é em qual suite ou em qual estalagem, porventura mais modesta, foi feito o acordo sobre regionalização com o seu partido.

Aplausos do PSD.

Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que afirmei que a regionalização é um imperativo jurídico. Ora, nem eu próprio nem o senhor estamos aqui para discutir as questões jurídicas. Já afirmei - toda a gente o sabe, é uma "verdade de La Palisse" - que juridicamente é possível fazer aquilo que o PS pretende, mas, do nosso ponto de vista, a questão não é jurídica, é política.
É que, Sr. Deputado, a regionalização é uma reforma profundíssima, marcante, é uma reforma para as gerações actuais e futuras, é uma reforma que, se correr mal, é, porventura, irreversível, é uma reforma em relação à qual, como cada vez mais se verifica, os cidadãos estão divididos da maneira seguinte: muitos, porventura uma grande maioria, são a favor; muitos são contra; porventura, também muitos estão naquela situação em que eu próprio me encontro, que, não sendo nem contra nem a favor, tenho dúvidas, sobretudo quanto ao modelo que pretende adoptar-se. Ora, justamente porque esta matéria atravessa transversalmente os vários extractos da população com dúvidas desta natureza e pertinência, pergunto: por que é que há medo de ouvir, de consultar, os portugueses?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que nesta questão estamos todos unidos, não vamos abandonar este
combate, porque é um combate de convicção, de seriedade, de responsabilidade e os portugueses hão-de julgá-lo até ao fim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Por que é só se lembram disso agora?

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não estou a propor nenhuma moeda de troca. Julgo que é politicamente injusto da sua parte pensar que, numa matéria de Estado, de regime, como é uma revisão constitucional, pode falar-se em "moeda de troca". Essa não é a nossa postura, não é esse o nosso comportamento.
A questão, Sr. Deputado, é que ao contrário do que acontecia em 1982 e em 1989, em que eram muito grandes as divergências entre os partidos para fazer uma revisão constitucional, hoje basta analisar os projectos de revisão do PS e do
PSD para constatar que as diferenças não são tão significativas quanto isso em questões de regime, o que significa que, sem moedas de troca, é possível, de facto, rever de forma rápida, coerente e responsável a Constituição.
É justamente porque as diferenças são pequenas que fica mais claro que ao querer adiar, ao não querer fazer um entendimento político o PS ou tem complexos e inibições, ou não tem, de facto, a vontade política e a coerência de fazer o que diz querer fazer, mas que, na prática, nega, recusa e rejeita de forma inevitável. É isso que está aos olhos da opinião pública em muitas questões da governação, tal como nesta questão fundamental!
Há uns que dizem uma coisa e fazem outra. A isso chama-se hipocrisia política e é esse o comportamento que o Partido Socialista está a ter e que nada tem a ver com o partido de V. Ex.ª! Ao menos na revisão constitucional, apenas na regionalização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, faço-o na medida em que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, há pouco, no início da resposta, disse que a bancada do Partido Comunista Português estaria a usar, através da minha voz, o chamado "pau de dois bicos", porque con-

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sidera que diz aqui uma coisa e lá fora outra! Refiro-me à questão do acordos.
Sr. Deputado, uso da palavra em defesa da consideração da bancada do Grupo Parlamentar do PCP precisamente para esclarecer que quando afirmamos uma coisa, fazemo-lo com toda a sinceridade. Pode ter a certeza de que não há nenhum acordo, nem negócio firmado entre o PCP e o PS sobre a questão da regionalização ou sobre qualquer outra questão!
Se o Sr. Deputado estivesse mais atento a declarações já proferidas pelo meu grupo parlamentar, a declarações muito recentes do Secretário-Geral do meu partido, veria que, de facto, não há quaisquer negociações nem acordos. O que existe, neste momento, é a convergência de duas vontades: o PCP tem vontade de regionalizar e o PS tem afirmado a vontade de regionalizar. Quanto ao resto, veremos!
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, se não quer pedir nada em troca, então o PSD apenas quer uma coisa: não quer a regionalização, e essa é a questão de fundo! Não é verdade que queira ouvir os portugueses, porque o PSD não quer a regionalização!

Vozes do CDS-PP: - Quer!

O Orador: - Se conseguisse obter a desconstitucionalização da regionalização, o PSD ficava felicíssimo e já não precisava de ouvir a população!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O PSD não quer a regionalização, mas há outros partidos que a querem e, por conseguinte, essa questão tem de ser resolvida de acordo com as regras democráticas. Neste momento, o Sr. Deputado está em minoria, tal como nós estivemos muitas vezes, e terá de convencer-se disso e sujeitar-se. Na altura em que estivemos em minoria era muito pior, porque havia uma maioria monopartidária e os senhores impuseram-nos muitas coisas que não queríamos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero apenas fazer três comentários. Em primeiro lugar, e depois de o ouvir, vou confessar-lhe um lapso da minha parte: pelos vistos. o acordo ainda não está feito. Terá lugar apenas no próximo dia 2 de Maio.
Risos do PSD.

Mas quanto ao acordo, os portugueses sabem que, se não está ainda formalizado, sê-lo-á no dia 2 de Maio.

Vozes do PCP: - Mas se for, é aqui!

O Orador: - Em segundo lugar, quanto às afirmações do "dito e não dito", também aí o Partido Comunista já evoluiu, Sr. Deputado. Em tempos defendia 18 regiões mas, neste momento, já se aproximou mais da posição do
PS e. defende agora oito ou nove regiões. Já houve, também, uma evolução!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É falso!

O Orador: - O terceiro comentário, Sr. Deputado, é sobre a vontade ou " não vontade" de fazer a regionalização. Queremos fazer um referendo nacional e, a esse respeito, o partido está totalmente unido, como ficou patente, no passado sábado, numa decisão unânime do Conselho Nacional do meu partido. Não abandonaremos, por isso, essa convicção.
O líder do PSD já disse e reafirmou, por mais de uma vez, que se 'existir um referendo nacional, como é importante, necessário e desejável, a posição oficial do partido, assumida pelo seu líder, legitimado em congresso, é a de defender a regionalização. Mas o que queremos é que o povo seja consultado e que esta vontade seja actualizada, legitimada. Ou seja, Sr. Deputado Octávio Teixeira, segundo as decisões e estratégia do meu partido, a questão é clara: só não haverá regionalização se os portugueses, em referendo, disserem que não querem a regionalização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, em primeiro lugar quero saudá-lo bem aos seus colegas eleitos para a direcção da sua bancada.
Para Os Verdes a regionalização não é uma panaceia para todos os males, muito menos para o mal que referenciou, o desemprego, em relação ao qual as responsabilidades do seu partido não serão, seguramente, pequenas.
Todavia, não deixo de achar estranho que, relativamente a questões de fundo, como é o caso do processo de construção europeia e a opção por uma determinada via, não se tenha suscitado no seu partido a preocupação de ouvir e de possibilitar aos portugueses a livre escolha e só agora ela surja em matéria de regionalização. E digo-lhe isto porque se outras virtualidades a regionalização não tem, pelo menos o facto de estabelecer um poder mais próximo dos cidadãos, de permitir que as escolhas e as decisões passem a ser legitimadas pelo voto e de atribuir aos cidadãos poder fiscalizador sobre órgãos que hoje estão imunes envolve razões de transparência e de democracia que, por si só, justificariam que ela se fizesse.
Mas a pergunta que lhe faço é outra, Sr. Deputado. Tendo presente que a regionalização está inscrita no texto constitucional, não sendo, portanto, uma matéria nova, sobre a qual os portugueses nunca tenham ouvido falar tem quase 20 anos! -, o que é que entende que vai ser o processo de revisão constitucional? É que, das duas uma: ou o processo de revisão constitucional se traduz num tempo de debate, que não exclusivamente desta Assembleia, para melhorar a lei base do Estado e, nesse sentido, é um processo aberto que todos podem acompanhar, ou à revisão constitucional, a fazer-se no tempo record que propõe, será, tão só, um golpe para mudar as leis eleitorais.
É nesta perspectiva que pergunto como é que harmoniza essa sua preocupação de transparência e de fazer participar os portugueses numa questão tão importante com o prazo record que propõe.

Aplausos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

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O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, muito obrigado pelas suas palavras e cumprimentos.
Em aditamento ao que já referi, gostaria de dizer que tenho muito gosto, todos nós nesta Câmara e todos os portugueses, de a ver defender, num futuro referendo nacional sobre a regionalização, esse ponto de vista quanto à concretização da regionalização. Vejo essa hipótese com bons olhos e julgo que é importante que esse debate se faça, por isso defendemos que haja um referendo.
Estou convencido de que a Sr' Deputada, na linha da coerência que demonstrou de envolvimento dos portugueses em todas as tomadas de decisões fundamentais, também não deixará de advogar, certamente, a pertinência de uma consulta popular. É uma questão, para usar as suas palavras, também pertinente em termos de transparência. Julgo que não pode haver maior transparência na revisão constitucional ou nesta matéria essencial do que consultar o povo português. É por isso que o PSD, por exemplo, sempre teve a tradição de defender o referendo constitucional. Voltamos a fazê-lo neste projecto que, seguramente, não passará. Ou seja, temos a maior transparência e a maior abertura.
De facto, gostaria que a Sr.ª Deputada pudesse, de uma forma livre, directa, transparente e clara, expor esses pontos de vista não apenas aqui mas perante todo o País, num referendo nacional, para que os portugueses digam sim ou não à regionalização.
A questão é esta: por que razão falamos tanto dos portugueses, de transparência e de abertura para consultar os portugueses e depois lhes negamos essa possibilidade num momento crucial, nuclear, neste final de século e nesta transição para o próximo milénio?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a fase das declarações políticas. Vamos entrar na segunda parte do período de antes da ordem do dia.
Para proferirem intervenções, inscreveram-se os Srs. Deputados António Galamba, Paulo Pereira Coelho e Carlos Marta Gonçalves. Não creio que tenhamos tempo disponível para todas as intervenções, mas iremos até onde o tempo permitir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galamba.

O Sr. António Galamba (PS): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Quis o acaso que falasse após a intervenção do Deputado Luís Marques Mendes, que foi o último responsável do PSD pela área da política de juventude.
A aprovação hoje, em Conselho de Ministros, da reestruturação do Instituto Português da Juventude constitui um ponto de viragem na história da política de juventude em Portugal e abre uma nova época de relacionamento entre o Estado e os cidadãos que participam no movimento associativo.
Ao consagrar a possibilidade de os jovens participarem na definição, execução e avaliação da política de juventude no âmbito do Conselho de Administração do IPJ e na co-gestão das Casas de Juventude, o Governo do PS e da nova maioria coloca Portugal na vanguarda da política de juventude dos países da União Europeia.
Afinal, até a promessa de participação no primeiro pelotão europeu teve de ser concretizada por um Governo socialista. Em rigor, não cumprimos nenhuma promessa do PSD, limitámo-nos a ser coerentes com o passado. Na oposição defendemos a co-gestão, no Governo concretizámos e alargámos a participação dos jovens no principal instrumento governativo da execução da política de juventude.
Defendemos, desde o início, que o IPJ deveria ser cogerido pelo Estado e pelas associações juvenis. A esta proposta o PSD sempre fez ouvidos de mercador, com receio que a co-gestão impossibilitasse a instrumentalização e a partidarização das estruturas que sustentavam os fogachos da política de juventude ensaiados. Em defesa dos sacos azuis juvenis ou dos programas anunciados sem execução possível, o PSD transformou o IPJ na maior associação juvenil portuguesa, substituindo-se à sociedade, às associações e aos jovens.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Tal e qual!

O Orador: - Hoje encerramos o capítulo de uma história juvenil que o PSD quis que começasse com uma visão faraónica pari terminar à beira da indigência.
Para trás ficam as estruturas burocráticas pesadas, os projectos ruinosos como a revista Ousar; a promoção da precaridade laborai ao nível dos funcionários das Casas de Cultura; o lançamento de programas sem as estruturas técnicas de apoio, como o SIJE (Sistema de Incentivo a Jovens Empresários) ou o JADE (Jovens Agentes para o Desenvolvimento); a utilização indevida de fundos afectos às estruturas de apoio à política de juventude, o uso e abuso de ficheiros informáticos para fins diversos dos previstos.
Também fica para trás o desaproveitamento de fundos comunitários, a projecção mediática de programas aos quais ninguém concorria, como os "Jovens Voluntários para a Cooperação" ou a falência de projectos interessantes como a Fundação para Divulgação das Tecnologias de Informação.
Para trás, nas calendas da teoria do que não se deve fazer em política de juventude, fica mesmo a instrumentalização do Conselho Consultivo de Juventude, órgão de consulta do Governo. No frenesim da instrumentalização, nem para ouvir os Governo do PSD tiveram capacidade.
Dir-nos-ão que lá estão os socialistas a falar do passado. Pois bem, recorro ao passado pela última vez, para citar o então Secretário de Estado da Juventude, Engenheiro Couto dos Santos. Dizia ele, na fase faraónica, em 1985, que "não podemos entender hoje, a participação apenas no plano da gestão administrativa e financeira. A co-gestão é importante, mas não é suficiente. A participação dos jovens deve ser fundamentalmente ao nível político (...) esta participação só será forte e com resultados positivos se alargada a todos os jovens". Em coerência, a mesma que o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD tanto gosta de invocar, o PSD deveria ter sido consequente e ter consagrado os mecanismos de participação dos jovens na definição da política de juventude. Não o tendo feito, transformou-se no partido da oportunidade perdida. Teve um discurso e uma prática diferente.
Mas falemos do presente e do futuro.
Seis meses após a tomada de posse, a Secretaria de Estado da Juventude conseguiu lançar as bases para a existência, em Portugal, de uma verdadeira política integrada de juventude.
Em nome do rigor, lançou o Observatório da Juventude, destinado a estudar, permanente e cientificamente as características, os problemas e as aspirações dos jovens portugueses; para fomentar a participação na definição das políticas, relançou o Conselho Consultivo da Juventude,

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que em três meses já reuniu mais do que em cinco anos; consagrou a participação do CNJ, das associações juvenis de âmbito nacional e das associações juvenis 'de âmbito regional e local, no Conselho de Administração do IPJ; colocou à apreciação das associações juvenis as propostas de legislação da reformulação do RNAJ e das associações de estudantes.
Realizou ainda, e teve de ser um governante socialista, a primeira cimeira sobre juventude com os governos regionais dos Açores e da Madeira, com o objectivo de potenciar a participação dos jovens açorianos e madeirenses; resolveu a situação laboral dos funcionários das extintas casas da cultura, que outros não tiveram coragem ou lucidez para solucionar, arrastando uma situação durante vários anos; relançou programas vitais para os jovens portugueses, como o SIJE (Sistema de Incentivos aos Jovens Empresários) e o OTL (Ocupação dos Tempos Livres); transformou a estrutura do IPJ numa estrutura simples e flexível que apoiará mais e melhor as iniciativas dos jovens.
Com determinação e coerência, o Governo do PS e da nova maioria conseguiu dar conteúdo a uma política vertical de juventude e está a dar substanciais passos no caminho, no bom caminho, que os Srs. Deputados do PSD tanto gostavam de apregoar, para termos em Portugal, pela primeira vez, uma política integrada de juventude séria e consequente.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

O Orador: - Está, pois, encerrada a fase do folclore juvenil, da fachada das medidas anunciadas como sendo de grande alcance social, que foi uma fase triste da política de juventude.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao invés de outros, que, em face do folclore juvenil, entraram na dança da conivência com a política de juventude do passado, estamos conscientes das dificuldades e dos desafios.
Sabemos que a consolidação de uma visão horizontal da política de juventude exige uma determinação idêntica àquela que se deve colocar nas causas ambientais ou àquela que se traduz no velho ditado "Água mole em pedra dura...".
Temos plena consciência de que o desafio da horizontalidade de políticas para os jovens portugueses não será um combate fácil. Na oposição, como agora, no Governo, as dificuldades nunca nos meteram medo.
Portugal, as jovens e os jovens portugueses saberão reconhecer quem fez do diálogo e da participação algo mais do que figuras retóricas. Portugal será, então, reconhecido na União Europeia como o primeiro país do centro e sul da Europa a fomentar uma cidadania activa dos jovens. Assim outros saibam aproveitar esta oportunidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Bernardino Soares e Maria do Céu Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Galamba, como é evidente, não conhecemos ainda o diploma aprovado pelo Conselho de Ministros. O Sr. Deputado estará, com certeza, mais bem informado sobre o seu conteúdo do que nós, mas, tomando como boas as afirmações que aqui fez e aquilo que nos expôs, julgo que a preocupação fundamental deverá ser a de que o IPJ tenha uma acção de efectivo apoio ao associativismo e às actividades dos jovens e não, como sucedeu nos últimos anos - e o Sr. Deputado disse-o muito bem -, meras acções de fachada e a substituição do Instituto nas actividades que deveriam ser desenvolvidas pelos jovens e pelas suas associações.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também é uma preocupação nossa que a participação dos jovens no IPJ, que aqui anunciou, não seja apenas uma participação de fachada, mas, antes, uma verdadeira participação e uma verdadeira interacção com a política governativa a desenvolver.
Por outro lado, e tendo em conta aquilo que se passou nos últimos anos, outra preocupação que temos é a da clareza nos apoios e da objectividade nos critérios de apoio a praticar pelo IPJ, simultaneamente com uma necessidade muito grande de desburocratização e de facilidade de acesso dos jovens e das suas associações aos apoios a serem-lhes prestados.
Ainda sobre o IPJ, uma das preocupações que também tem sido expressa tem a ver com a sua estrutura, nomeadamente com a estrutura regional, e com o papel que os directores-regionais, verdadeiros comissários políticos, tiveram no passado e, portanto, com a necessidade de a nível regional haver também uma grande participação dos jovens.
Assim, deixo-lhe duas ou três questões concretas que gostaria de ver esclarecidas.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se está garantido, inclusive com esta alteração, que o IPJ vai apoiar e não substituir-se ao movimento associativo.
Em segundo lugar, pretendia saber se esta participação dos jovens, como já disse, é, de facto, na gestão e na decisão sobre , as políticas a implementar pelo IPJ ou é apenas uma participação meramente, ratificativa.
Em terceiro lugar, importa saber o que vai acontecer à estrutura regional do IPJ e ao modo de funcionamento que tão bem conhecemos do passado e que, na nossa opinião; de forma nenhuma se deve manter para o futuro.
Finalmente, e esta é uma questão que nos preocupa sobremaneira, dadas as características do movimento associativo juvenil e o carácter informal de que, muitas vezes, se reveste, gostava de saber se, nos critérios e na estrutura do Instituto Português da Juventude, está previsto o apoio ao associativismo informal, que é a grande parte do associativismo juvenil português.
Como é óbvio, estaremos muito atentos à implementação destas novas medidas e de outras que também têm sido anunciadas pela Secretaria de Estado da Juventude, sempre com a preocupação de que os objectivos que para nós são fundamentais sejam verdadeiramente cumpridos e, mais do que no papel, sejam postos em prática.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Galamba, responde já ou no fim?

O Sr. António Galamba (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Galamba, ouvi a intervenção de

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V. Ex.ª, não desde o início mas a maior parte dela, e concluo por duas ou três ideias fundamentais: em primeiro lugar, V. Ex.ª é aqui o procurador, com mandato expresso, do Sr. Secretário de Estado da Juventude;...

Vozes do PS: - Isso é ofensivo!

A Oradora: - ... em segundo lugar, V. Ex.ª entende que, em 10 anos de política de juventude, nada se fez ou tudo o que se fez foi mal feito;...

Vozes do PS: - Tudo, não, a maioria!...

A Oradora: - ... em terceiro lugar, V. Ex.ª entende que, em seis meses, o Sr. Secretário de Estado da Juventude apoiado pelo Partido Socialista mudou a face da Terra, mudou as expectativas que os jovens podem ter em relação à política e à sociedade, fazendo um milagre em que, devo dizer-lhe, não acredito, pois as minhas as minhas posições são muitíssimo diferentes, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado veio aqui falar de medidas novas, mas, afinal, não são novas, são requentadas. É que o Observatório Permanente para a Juventude Portuguesa já existia,...

O Sr. António Galamba (PS): - Não é verdade!

A Oradora: - ... os OTL são velhos de 10 anos, o Sistema de Incentivos aos Jovens Empresários estava criado e o Incentivo ao Arrendamento dos Jovens existe e é uma realidade para mais de 10 000 agregados familiares jovens em Portugal. E tudo o mais que estava preparado e existia tem sido delapidado ao longo destes seis meses, porque é de delapidação que falamos.
Permito-me ainda concluir, Sr. Deputado, que há uma enorme incongruência no pensamento socialista, no que diz respeito à política de juventude e às políticas gerais. Como é possível que o novo Instituto Português da Juventude viva sem descentralização administrativa e sem descentralização de competências, porque se vai acabar com as direcções-regionais, quando VV. Ex.as querem passar directamente à regionalização, um passo avante, um passo além da descentralização administrativa? Como é possível que haja incongruências tão profundas? Como é possível que queiram fazer os jovens acreditar no milagre socialista, se, na realidade, o pensamento socialista é um foco permanente de incoerência?
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que estou cansada de que, ao longo destes seis meses, se façam afirmações gratuitas sobre 10 anos de política corajosa, criativa, responsável e transparente; estou cansada de seis meses que não representam senão um punhado de expectativas, mas que os jovens portugueses irão saber cobrar e saberão também castigar o Partido Socialista, porque irá, com certeza, defrauda-las; estou cansada de que se queira fazer crer, através da comunicação social, que as coisas mudaram para melhor, quando têm mudado apenas para pior.
Por isso, gostava que V. Ex.ª me esclarecesse onde está a novidade, onde está a criatividade, onde está o sentido de responsabilidade política do Partido Socialista agora no, Governo, que permita aos jovens portugueses acreditarem que, com os socialistas, se vai a algum lado. Pessoalmente, julgo que não se vai a lado nenhum, a não ser ao defraudamento particular e permanente de todas as expectativas: É posso dizer-lhe que acredito que haja sempre insatisfação e que esta deve ser o nosso motor de aperfeiçoamento e melhoria. Não creio é que nestes seis meses se tenha feito mais do que "olhar para o umbigo" e que seja com ideias velhas e requentadas de co-gestão ou com soluções aparentemente milagrosas que se vá, de facto, devolver aos jovens portugueses confiança no futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Galamba.

O Sr. António Galamba (PS): - Sr. Presidente, começo justamente pelo fim e sobretudo pela acusação de que estou aqui como procurador do Secretário de Estado da Juventude. Trata-se de uma acusação grave e era bom que a Sr.ª Deputada tivesse ouvido alguns fóruns importantes onde se debatem as questões da juventude, como, por exemplo, o fórum da TSF de ontem, porque, assim, não me faria essa acusação a mim, que sou Deputado do Partido Socialista, fá-la-ia, eventualmente, ao novo líder da JSD, que, durante esse debate, chegou ao ponto de elogiar o Secretário de Estado...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - ... e foi tão longe que até defendeu que era positivo e deveria consagrar-se a participação do Sr. Secretário de Estado no Conselho de Ministros.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Há uma descoordenação no PSD!...

O Orador: - Se isto não é o reconhecimento de que, pelo menos do ponto de " vista vertical, a política de juventude está a correr bem e, portanto, é necessário ir para outras áreas, não sei o que é e, então, é 'melhor... Aliás, já temos saudades do Sr. Deputado Moreira da Silva, porque, ao menos, faz algumas análises objectivas e quando tem de. dizer bem também diz.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É um social democrata!...

O Orador: - O Sr. Deputado Moreira da Silva faz falta nesta Câmara para reconhecer alguns erros do passado.
Em relação ao SIJE... Ó Sr.ª Deputada, então, o programa não tinha comissão executiva?!... Como é que podia ser aplicado, se não tinha comissão executiva?!... Vá falar com os jovens empresários que apresentaram projectos, que têm projectos parados há uma série de anos. Há possibilidades de criação de novos empregos e os projectos estão parados há vários meses, há anos!
Sr.ª Deputada não venha falar connosco sobre a matéria dos programas. São requentados? Pois são! Eles estiveram parados anos e anos! Foram anunciados pelo Sr. Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva, foram anunciados pela Sr.ª Deputada, na altura Secretária de Estado da Juventude, mas ficaram-se por aí! Anunciaram-nos, mas não deram o passo seguinte!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Um verdadeiro fiasco!

O Orador: - Portanto, Sr.ª Deputada, 'em relação a essa matéria e quanto aos últimos seis meses, estamos perfeitamente descansados. Mas estamos também descansados noutras áreas e em relação às políticas que temos desenvolvido. É que, infelizmente, para mal dos jovens

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portugueses, as críticas que têm saído nos jornais estão consubstanciadas, há relatórios e dados que ninguém pode desmentir, como, por exemplo, a aplicação dos fundos estruturais na área da juventude -e a sua taxa de execução, que, em 1994, foi de 3% e, em 1995, foi de 1%, com todas as consequências que se seguiram.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

O Orador: - E somos nós que estamos a arcar com elas! Por exemplo, não se podem construir mais pousadas de juventude, que era a área para a qual se destinavam esses fundos comunitários.
Em relação ao que foi dito pela Sr.ª Deputada, julgo que me fico por aqui, porque, melhor do que qualquer um de nós, os jovens portugueses já fizeram a análise do que foi a actividade da Secretaria de Estado da Juventude nos últimos anos.
Passo a responder às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, que se relacionam com a reestruturação do IPJ.
Antes de mais, é preciso que se diga que, apesar de me terem acusado de ser procurador do Sr. Secretário de Estado da Juventude, também não tenho a informação toda, tenho, sobretudo, a informação que já saiu cá para fora, para os jornais...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas tem a bastante!

O Orador: - ..., mas julgo ter a suficiente, na sequência do que tem sido o debate nesta Casa sobre estas questões e sobre outras. Aliás, era bom que outros tivessem oportunidade de participar com o seu know-how nos debates que temos feito sobre política de juventude, em sede de Comissão e aqui no Plenário, mas não o têm feito.
Em relação ao IPJ, julgo que os jovens vão participar na sua constituição e ao nível da estrutura que vai definir o seu plano de actividades e, portanto, irão estar na fase de definição das políticas e não só na de execução, como era apanágio e filosofia seguida por outros Governos.
No que diz respeito ao apoio, estando os jovens investidos de um papel na definição da política, bem como na sua execução e avaliação, terão, naturalmente, formas de controle muito mais apertadas para que haja critérios claros de atribuição dos subsídios.
Por último, em relação ao apoio informal, essa também é uma das bandeiras por que nos temos batido e vamos continuar a bater. De qualquer forma, em termos de reestruturação do IPJ, julgo que não fará parte do decreto-lei, porque se trata de uma questão de programas e, nessa área, tanto quanto me recordo...
Ao nível da Comissão, o Sr. Secretário de Estado já reconheceu a importância do associativismo informal, agora é importante que se crie uma forma de apoio a esse associativismo sem cair nas tentações que outros caíram, de o instrumentalizar e partidarizar.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria do. Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, através de V. Ex.ª, gostaria de lembrar ao Sr. Deputado .António Galamba que coloquei questões concretas, perguntei onde estava a novidade, a criatividade e a iniciativa política da nova Secretaria de Estado da Juventude, para, afinal, me responder que as medidas são requentadas porque tiveram muito tempo suspensas.
Por outro lado, gostaria de dizer, também por intermédio de V. Ex.ª, que não é verdadeira a afirmação do Sr. Deputado quando aqui disse que o sistema de incentivos aos jovens empresários não existia porque nem sequer administração tinha. Ora, não é verdade, porque havia um administrador chamado Dr. Jorge Dinis, que foi nomeado e estava em funções! Aliás, a administração do SIJE era composto - e continua a ser, porque também aí não houve inovação, nem mudança, nem criatividade - pelos representantes dos diversos programas operacionais.
Constato, Sr. Presidente e Sr. Deputado, que, nestes seis meses, nada mudou, pelo menos para melhor. Em seis meses, algumas medidas que já existiam, umas há muitos anos, outras há menos tempo, ficaram em stand by para poderem parecer como novas, mas que a todos nos parecem claramente requentadas. E se neste - Hemiciclo essas ideias agora relançadas parecem requentadas, imaginem como devem parecer aos jovens portugueses, que têm mais vivacidade e mais espírito crítico do que nós muitas vezes aqui pensamos que têm.

O Sr. Presidente: - Sr.- Deputada, como sabe, não fez uma interpelação à Mesa.

O Sr. António Galamba (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas não pode conceder-lhe a palavra. Temos de nos reconduzir à exactidão das figuras regimentais. Não teria dado a palavra à Sr.ª Deputada se soubesse que ela não a iria utilizar numa interpelação. Como imagino que o Sr. Deputado quer responder, desculpe-me mas não posso dar-lhe a palavra. Estamos, inclusivamente, já no fim do nosso tempo.
Não leve a mal, mas temos de começar a reconduzir o uso da palavra ao perfil da figura regimental. Não vou deixar deslizar para o abuso que temos praticado até agora, naturalmente com o meu consentimento - reconheço que também tenho culpa.
Peço desculpa à Sr.ª Deputada pelo facto de lhe lembrar que não fez nenhuma interpelação à Mesa.
Para uma última e curta intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comunidade portuguesa residente no Estado de Andorra é uma comunidade relativamente pequena mas com um peso substancial no contexto do país em que está inserida. É bom que se saiba que tal comunidade é constituída por aproximadamente 9000 portugueses, que representam 15% da população activa de Andorra, quase tantas pessoas quantos os andorranos propriamente ditos, justificando-se assim o peso fundamental que assumem no contexto do país.
Esta comunidade é bem aceite e considerada pelas autoridades locais. A sua actividade distribui-se por vários ramos de actividade, do comércio ao turismo, bem como alguns estabelecimentos por conta própria, com bastante sucesso, embora com alguns problemas legais que importa ultrapassar progressivamente.

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O fluxo migratório de portugueses regista-se desde tempos recuados, mas a situação institucional que caracterizou o actual Estado de Andorra, cuja autonomia política era dividida pela República Francesa e pelo bispo de Urgel, não facilitou o contacto entre Estados e, como tal, não favoreceu a intervenção das autoridades portuguesas para defesa dos nossos interesses no país.
No entanto, a situação alterou-se com a aprovação da constituição do Estado de Andorra e agora é possível assumir por inteiro as nossas responsabilidades em relação aos nossos compatriotas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na recente visita que tive oportunidade de fazer, constatei o natural estado de ansiedade que caracteriza uma comunidade que, ao longo dos anos, se sentiu isolada e sem uma presença das autoridades portuguesas que defenda os seus legítimos interesses. Acresce que a sociedade de Andorra tem características próprias de um pequeno Estado de montanha, com os problemas inerentes à anterior indefinição da sua autonomia política.
Da parte do Governo de Andorra, onde fui recebido pelo respectivo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Manuel Mas, registei uma grande simpatia para com a comunidade portuguesa residente e também em relação a Portugal. Nesta entrevista, abordámos questões relativas ao ensino do português, à representação permanente consular e à participação de Andorra na Expo 98. Ficou claro o interesse em Portugal, não só pela comunidade residente mas pelos inúmeros turistas portugueses que regularmente visitam Andorra.
A nova situação política permitiu a constituição da "associação dos residentes portugueses em Andorra" - "Casa de Portugal" que agrupa os portugueses e constitui o único suporte que a comunidade dispõe neste momento, a "Casa de Portugal", para quem vai a minha saudação na pessoa dos seus dirigentes que, com grande sentido de entreajuda, tudo vão fazendo para que esta associação seja já o ponto de apoio dos nossos compatriotas.
Existe toda a abertura na implantação de uma representação permanente ao nível consular. Aliás, esta é uma das principais reivindicações da nossa comunidade, pois se antes tal não era possível, agora nada obsta a que tal se concretize, tanto mais que ali ao lado, em Barcelona, existe um consulado, cuja responsabilidade, do ponto de vista dos portugueses abrangidos, provoca alguma incompreensão nos nossos compatriotas. Acresce que na reunião que mantive com o Sr. Cônsul de Portugal, em, Barcelona, ficou claro que a maior parte dos actos consulares têm a ver com os inscritos residentes em Andorra, de tal forma que estão previstas deslocações de funcionários a Andorra com o fim de minorar os inconvenientes. A actual situação de inscritos no consulado de Barcelona obriga a uma viagem, em que se perde pelo menos um dia de trabalho para tratar de qualquer situação burocrática, o que no regime de trabalho que vigora em Andorra é não só penalizante em termos materiais mas pode até acarretar perda do posto de trabalho.
Outra grande preocupação dos portugueses residentes tem a ver com o ensino do português, que neste momento é inexistente. A resolução é complexa, mas a "Casa de Portugal" está a fazer um levantamento da situação, de modo a poder atacar a resolução desta questão com a natural ajuda da embaixada em Madrid e a mais que necessária intervenção do Governo português - e aproveito para o alertar para o apoio que deve prestar a estes portugueses que têm sido "esquecidos".
Da parte do Governo de Andorra registei uma grande receptividade sobre este tema. Se a grande preocupação é o ensino do português, este é o maior sinal de que os nossos compatriotas continuam, mais do que ninguém, a prezar a sua condição de cidadãos portugueses, as suas raízes culturais. Bem hajam por isso!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal tem de saber corresponder, honrando a sua história e ajudando aqueles que, ao procurar uma vida melhor, continuam a olhar para o seu país com muito carinho. E Portugal não tem sabido corresponder, deixando nestes nossos compatriotas um travo amargo de ingratidão, pois eles continuam a testemunhar a sua confiança ao enviarem tudo o que podem para a sua terra.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, ouvi com atenção a sua intervenção, mas devo dizer que as preocupações que V. Ex.ª trouxe a esta Câmara também são as desta bancada. Como V. Ex.ª sabe, hoje, através da Convenção de Viena, para além da criação de consulados gerais de primeira, segunda e terceira, também é possível criar o escritório consular. E, no que diz respeito a esta área, o Governo está atento. Aliás, irá ser criado, em breve, na Suíça, um escritório consular, substituindo assim as chamadas presenças consulares que não tinham cobertura legal e que também não dignificavam o Estado português.
De certo modo, estes actos consulares foram praticados em Andorra, ao abrigo do Consulado Geral de Portugal em Barcelona. O Governo está atento e irá também, sobre esta matéria, colmatar a situação.
No entanto, no que diz respeito ao ensino da língua e da cultura, V. Ex.ª concordará que há 10 anos havia em França cerca de 450 professores e hoje, para esse efeito, há apenas 114. Neste últimos 10 anos foram diminuindo os cursos de língua e de cultura portuguesa à medida que havia uma procura substancial e, neste momento, só há 114 professores!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso não é assim! Está desactualizado!

O Orador: - Não estou desactualizado, Sr. Deputado! Há apenas 114 professores quando há 10 anos havia 450.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há o triplo! Nos últimos meses melhorou imenso!

O Orador: - Não Melhorou! Ó Sr. Deputado, não se enerve! Esteja actualizado!
Gostaria que me desse os seus dados. Há 10 anos havia 450 professores, hoje há 114. Portanto, durante 10 anos, houve uma política drástica no que diz respeito à língua e, cultura portuguesa. É evidente que hoje também estamos preocupados com esta matéria, o Governo está atento, tem dialogado com as forças, vivas, nomeadamente com o sindicato dos professores no estrangeiro, o que não acontecia no passado, tendo havido, inclusivamente, várias reuniões. Estou convencido que muitas das preocupações que V. Ex.ª manifestou daquela tribuna, muito em breve irão ser colmatadas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

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O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente para dizer ao Sr. Deputado Carlos Luís que, em relação. à questão da representação consular, tenho a noção das dificuldades que qualquer governo tem nessa matéria. Portanto, não procurei, de forma nenhuma, responsabilizar este Governo sobre essa questão, aquilo que fiz foi transmitir a necessidade de, rapidamente, dentro do possível, podermos instalar nesse Estado uma representação consular permanente que possa dar o apoio que estes portugueses tanto necessitam, que é tanto mais gritante quanto eles entendem que, por exemplo, o serviço que presta o consulado que existe em Barcelona, em relação ao número de inscritos, deixa-os um tanto ou quanto desgostosos pela não existência de uma representação consular sediada mesmo em Andorra.
Em relação ao ensino da língua portuguesa, o Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu que as causas que têm, de alguma forma, enformado as oscilações que ocorrem em matéria de ensino do português no estrangeiro têm sido muito diversas. Talvez um dia destes possamos, aqui, nesta sede, discutir aprofundadamente os porquês dessas oscilações, para melhorar o ensino de português no estrangeiro. Porém, como sabe, muitas vezes são causas locais que provocam essas oscilações em termos dos professores quer nuns países quer noutros.
O que já tive oportunidade de fazer foi pedir esclarecimentos à Sr. Secretário de Estado Ana Benavente sobre qual era a política deste Governo em matéria de reforma total deste sistema, que todos entendem que está ultrapassado. Trata-se de um sistema que tem mais de 20 anos de existência e que, por isso, hoje, já não responde às necessidades que as diferentes comunidades portuguesas residentes no estrangeiro querem em termos de ensina de português. Estamos, pois, disponíveis para dialogar e para, em conjunto, podermos contribuir para construir um novo sistema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar, o Sr. Secretário vai anunciar os Diários que estão para aprovação.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão em aprovação os Diários da Assembleia da República, 1 Série, n.ºs 41 a 46, respeitantes às reuniões plenárias de 29 de Fevereiro e de 1, 4, 5, 6 e 9 de Março de 1996.

O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei nº1 123/VII - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, devolve originais de documentos apreendidos a cidadãos e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS) e 139/VII Devolução de documentos de natureza privada constantes dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP (CDS-PP).
Para proceder à síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, vou fazer uma breve síntese, dado que a elaboração dos pareceres tendeu, acima de tudo, a um puro resumo dos dois projectos de lei, porque foi entendimento da Comissão que os, sem dúvida, importantes assuntos neles tratados deveriam ser discutidos em sede de Plenário.
Os dois relatórios são, pois, uma pura descrição do enquadramento que é feito pelos proponentes dos dois projectos de lei, para chegar à conclusão de que, do ponto de vista regimental, não há qualquer objecção a que eles subam a Plenário e sejam aí discutidos.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o primeiro projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: Há cerca de dois anos, mais concretamente na sessão de 11 de Maio de 1994, o Partido Socialista apresentou a debate um projecto de lei visando assegurar a consulta pública dos núcleos arquivísticos oriundos das extintas PIDE/DGS, e da Legião Portuguesa, assim como a adopção de outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura instaurada em 28 de Maio de 1926.
Este projecto foi unanimemente aprovado na generalidade, mas nunca se procederia ao seu debate na especialidade, em sede de comissão.
É verdade que já então, e através da Lei n.º 4/91, de 17 de Janeiro, essa consulta pública era teoricamente possível a partir da data em que se comemorou o 20.º aniversário do 25 de Abril. Contudo, a interpretação casuística e restritiva da legislação referente ao património arquivístico nacional, por parte da direcção dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, e zonas de indefinição existentes nessa mesma legislação, dificultavam o acesso a esses acervos documentais por parte dos historiadores, investigadores e até dos interessados, que, por uma razão ou por outra, tinham sido vítimas da actividade repressiva dessa polícia política ou de outras organizações do Estado Novo.
Actualmente, a existência de uma nova direcção à frente dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo e o delinear de uma orientação mais correcta no domínio da política de arquivos, permite-nos esperar que não se repetirão situações como as então acontecidas e que muitos problemas práticos e funcionais serão resolvidos com equilíbrio e bom senso.
Todavia, a natureza muito particular dos arquivos que aqui nos preocupam e a complexidade do seu tratamento, em simultâneo com a necessidade de que se faça, em profundidade e sistematicamente, a história desse período recente da nossa vida colectiva, justificará, pensamos nós, a existência de legislação regulamentadora e clarificadora, específica e precisa. Esta a razão principal por que apresentámos o projecto de lei n.º 123/VII, que, retomando, no essencial, o debatido há dois anos atrás, contém alguns aspectos novos.
Um destes aspectos é o que consta do artigo 2 2.º, que contempla a possibilidade de devolução de documentos de

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natureza privada apreendidos pelas extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa aos seus titulares, assegurando-se a existência de cópias dos mesmos para consulta pública, nos termos e nos limites da lei.
É sobre esta questão que, por sua vez, se centra o projecto de lei n.º 139/VII, subscrito por Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Todavia, neste caso, prevê-se a possibilidade de devolução dos documentos sem que se mantenham, por norma, cópias dos mesmos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos a tratar de uma matéria extremamente delicada e complexa. Por um lado, estão em causa direitos legítimos de cidadãos que foram vítimas directas da arbitrariedade e da violência dos referidos organismos repressivos do regime fascista, ou que, de qualquer modo, viram, por razões políticas, a sua vida, a sua privacidade, aquilo que existe de mais íntimo e pessoal, devassado pela actividade persecutória e ignominiosa de esbirros ao serviço de uma engrenagem que, durante decénios, atingiu na sua dignidade milhares de portugueses.
Mas, por outro lado, está também em causa a coerência global - mesmo se sinistra - de um legado histórico de natureza documental que importa preservar, para salvaguarda da memória de um .tempo que não se pode colocar entre parêntesis, para esclarecimento das gerações vindouras e até como instrumento fundamental a uma necessária pedagogia democrática.
Importa encontrar uma solução de equilíbrio que consiga conciliar esta diversidade de razões, todas ponderosas e sérias.
A solução que propomos vai no sentido de possibilitar tal equilíbrio, mas temos consciência de que ela levanta muitos problemas de natureza técnica e prática a que não podemos ser indiferentes: problemas quanto à caracterização dos documentos considerados como privados, quanto à sua inventariação e titularidade e mesmo quanto aos suportes da eventual reprodução.
Como quer que seja, aquilo com que não podemos concordar é que, a aplicar-se o proposto no projecto de lei do CDS-PP, se incorra no risco de desvirtuar a lógica intrínseca à natureza dos arquivos em causa, o que prejudicaria a sua preservação integral.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Preservar os arquivos da PIDE/DGS, da Legião Portuguesa e de outras organizações como a Mocidade Portuguesa, a União Nacional e a Acção Nacional Popular, mais do que uma tarefa a que não se podem eximir os poderes públicos, é um imperativo nacional, em nome da memória histórica deste país que é o nosso e da própria memória dos que se bateram pela democracia.
Aliás, a melhor forma de respeitar as vítimas do fascismo, os humilhados e ofendidos pela tirania, é assegurar condições para que se faça história, de forma fundamentada e rigorosa, por quem cabe fazê-la.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma medida que possamos tomar pode ressarcir aqueles que viram a sua privacidade violada, nem os que foram violentados na sua liberdade, vigiados, perseguidos, presos, torturados, espancados, aqueles a quem foram negados os direitos, liberdades e garantias fundamentais que a democracia e a Constituição hoje asseguram de forma que, queremos, seja irreversível.
Mas, se isto é assim, do mesmo modo importa garantir que quem foi vítima, no passado, não venha, de novo, a sofrer qualquer outro tipo de abusos.
Neste sentido, consideramos que se deverá encarar a necessidade de regulamentar mais estritamente o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro, que trata da comunicação do .património arquivístico, de forma a estabelecer regras claras de carácter ético e deontológico, direitos e deveres a que estejam sujeitos historiadores e investigadores que trabalhem sobre materiais tão delicados como os aqui considerados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Insisto em sublinhar que a matéria que nos ocupa não só é complexa como se refere aos aspectos mais dolorosos e traumáticos de quase 50 anos da nossa história recente.
Justifica-se, assim, que esta Assembleia, antes de legislar, pondere o que é proposto nos diplomas em apreço, aprofunde as questões nas suas múltiplas facetas e oiça todos aqueles que poderão trazer algum contributo útil para a reflexão.
Por consequência, vamos requerer que os dois projectos de lei em debate baixem à comissão para que, nomeadamente em sede da Subcomissão de Cultura, se possam realizar as audições e tomar as iniciativas consideradas necessárias.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este debate, a polémica que já transvasou para a comunicação social, assim como os debates futuros aqui propostos sobre estes temas, se outros resultados positivos não viessem a ter, já de si tiveram a utilidade imediata de, em vésperas da comemoração de mais um aniversário do 25 de Abril de 1974, reavivar a memória das iniquidades do regime há 22 anos derrubado e evidenciar a superioridade moral da ordem democrática e constitucional em que actualmente vivemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 139/VII - Devolução de documentos de natureza privada constantes dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, apresentado pelo CDS-PP, a palavra ao Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por agradecer à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares pelo facto de ter facilitado a apresentação do projecto de lei do PP, embora tivesse sido entregue com um dia de atraso, tolerância que agradeço.
Queria ainda elogiar nesta Câmara um antigo colega nosso, que considero um dos mais brilhantes parlamentares que o País teve, um defensor polémico da democracia parlamentar e da extensão dos direitos do Parlamento, e que, creio, tanto no caso do projecto de lei do PS como, seguramente, no do PP, está na génese da colocação em sede política deste problema de direitos fundamentais, a persistência de documentos de natureza privada nos arquivos da antiga polícia política.
Refiro-me ao Dr. António Barreto, de quem me separam convicções ideológicas profundas, mas de quem me aproxima o elogio à sua intervenção cívica na democracia portuguesa.
O problema que está colocado tem esta natureza: o Estado de direito democrático herdou do antigo regime milha-

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res e milhares de documentos de natureza privada que foram ilegítima e, muitas vezes até, ilegalmente apropriados. O que fazer a esses documentos é aquilo que deve ocupar um Parlamento democrático, não sendo curial, só porque a questão foi suscitada fora desta sede, acusar o Parlamento de legislar "sobre o joelho". Muito pior do que legislar "sobre o joelho" é deixar arrastar os problemas e não lhes dar nenhuma espécie de solução.
A nossa posição nesta matéria é clara: entendemos que os documentos de natureza privada que se encontram nos arquivos da ex-PIDE devem ser devolvidos aos titulares que os reclamem.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Porquê? Começaria por um argumento jurídico que me parece relevante. Um Estado que se apropria de documentos de natureza privada, dos cidadãos e das famílias, é um Estado que viola direitos fundamentais,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... o direito à integridade moral da pessoa humana, consagrado na Constituição, o direito à identidade pessoal, também nela consagrado, e ainda o direito à propriedade, protegido igualmente na Constituição. A nosso ver, seria negativo que a Assembleia da República legitimasse a violação continuada de direitos fundamentais da pessoa humana.
Por outro lado, entendemos que há um argumento ideológico para defender a nossa tese. Estamos a discutir uma matéria que, felizmente, é irrepetível no Estado de direito democrático. Não há, felizmente, neste regime, uma polícia política que persiga as pessoas, não há, felizmente, neste regime, violações de direitos fundamentais por delitos de opinião, não há, felizmente, neste regime, um problema de apropriação de documentos de natureza privada, ilegal e ilegitimamente, por parte do Estado.
É exactamente por isso que entendemos que o Estado de direito democrático não pode tirar partido, a nenhum título, daquilo que é o fruto de perseguições políticas. Não pode, em nenhuma circunstância, lucrar, mesmo a título histórico, com o abuso do anterior regime,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Santa ignorância!

O Orador: - ... não pode, para ser sucinto, transformar o que foi o abuso de uma polícia política num direito novo neste regime.
A nosso ver, ficar com os documentos privados que estão no arquivo da ex-PIDE, contra a vontade dos seus titulares, implica, moralmente, uma espécie de consentimento póstumo e, juridicamente, dar uma espécie de eficiência àquilo que nunca deveria ter existido.
Se me permitem, há aqui também um argumento de natureza filosófica a favor da nossa posição. Evidentemente que estamos confrontados com um conflito entre direitos que pertencem à dignidade da pessoa humana e direitos a uma memória colectiva. Somos personalistas e resolvemos a colisão de interesses ou de direitos entre aqueles que são fundamentais da pessoa e os direitos colectivos a uma memória a favor dos da pessoa; pois entendemos que não deve haver qualquer direito colectivo que possa ser superior à denegação de direitos individuais fundamentais.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Queria, aliás, dizer que, optar pelos direitos a cargo do Estado em detrimento daqueles que estão a cargo do indivíduo é, para nós, uma espécie de nacionalização das consciências, que não aceitamos nem queremos.
Por outro lado, entendemos que o nosso projecto de lei tem as medidas necessárias para ser considerado justo é razoável, desde logo porque se baseia no direito a reclamar e não tanto numa obrigação absoluta de devolver os documentos.
O cidadão é o centro, o princípio e o fim do nosso projecto e é o cidadão, que foi vítima de uma perseguição política, que tem o direito de dizer se quer ou não reclamar documentos que foram seus, são seus e nunca deviam ter deixado de o ser!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Se os quiser reclamar, reclama; se os não quiser reclamar, não os reclama! Damos-lhe um direito, não lhe negamos um direito. .
Com esta distinção, parece-me que cai por base o argumento que tenho ouvido invocar de que a devolução dos documentos de natureza privada implicaria um trabalho inesgotável.
Por outro lado, o nosso projecto de lei baseia-se na delimitação dos documentos de natureza privada face aos demais. Não estamos, portanto, a falar de um conjunto infindável de documentos que pudesse destruir, como também já tenho ouvido dizer, os arquivos. Estamos a falar de documentos necessariamente delimitados, face aos quais damos um critério - notas, cartas enviadas, recebidas ou interceptadas, fotografias e documentos familiares.
Não estamos a prejudicar os arquivos da Torre do Tombo, face a documentos produzidos pelos próprios serviços do Estado. Quero que fique claro nesta matéria que, para mim, a ideia de produzir documentos, pela PIDE, oficialmente, sobre os cidadãos é tão abjecta como a ideia de lhes roubar ou esbulhar os documentos particulares e estamos dispostos a uma discussão sobre essa outra natureza documental. Mas o que aqui nos prende é uma discussão sobre documentos de natureza e de titularidade privada, antes de tudo ó mais.
Também é importante salientar que o nosso projecto se baseia no princípio do consentimento e isso para nós é muito importante. O Estado só ficará com cópias dos documentos privados se o cidadão que foi perseguido e roubado expressamente o autorizar. Não é o Estado que decide o que há-de fazer com os documentos que um governo anterior roubou, são os cidadãos que dizem se o Estado pode ou não ficar com aquilo que é deles.
Se quiserem, o que defendemos é que apenas seja dado a "César o que é de César" e seja devolvido aos cidadãos o que é dos cidadãos. O que não aceitamos, em nenhuma circunstancia, é que César fique com aquilo que foi, é e há-de ser dos cidadãos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Diria ainda, como complemento, que não prejudicamos o trabalho dos historiadores nem a memória histórica, na medida em que não só baseamos a devolução dos documentos na reclamação e as cópias no consentimento, como obrigamos ao registo dos documentos que sejam devolvidos. Ou seja, em sede de cada processo individual ficará registado que tipo, que número de

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documentos e a quem foram devolvidos. Isso permitirá, com maior dificuldade, seguramente, mas com muito maior protecção dos direitos individuais, aos historiadores continuar o seu trabalho.
Nessa matéria, aliás, saúdo a inequívoca declaração hoje feita, pelo Professor José Mattoso, de que a devolução dos documentos não provocará qualquer catástrofe histórica. É evidente que, entre o nosso projecto de lei e o do PS, há uma diferença que é conhecida e que nós mantemos, e lutaremos pela nossa posição na discussão na especialidade: o PS acha que o Estado pode devolver os originais e ficar com as fotocópias; nós achamos que o PS, nessa matéria, não percebeu o problema. É que assim passávamos de um problema de originais para um problema de fotocópias, mas o erro era o mesmo: era o facto de um Estado de direito democrático ficar com aquilo que um Estado autoritário roubou aos cidadãos. Não pode ser!

Aplausos do CDS-PP.

Apelaria, portanto, a esta Assembleia para que, ouvindo os especialistas, melhorando os projectos na especialidade, se tome uma medida de elementar justiça: devolver alguma parte, algum pedaço da dignidade àqueles que o Estado quis esbulhar, exactamente na sua dignidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, ouvimos a sua intervenção com a máxima atenção e registamos uma mudança qualitativa na sua atitude e na de outros seus colegas de bancada em relação a estas matérias, em termos globais. Tem sido frequente que, cada vez que se aflora aqui a questão do regime fascista e a questão do passado, VV. Ex.as argumentam...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Isto é uma vergonha! Isto é uma vergonha!

O Orador: - Mas eu não disse nada!

Protestos do CDS-PP.

Eu ainda não acabei...!

O Sr. José Magalhães (PS): - É já antecipação do que não foi dito!

O Orador: - É que VV. Ex.as. têm argumentado com uma certa demagogia e irresponsabilidade geracional...

Protestos do CDS-PP.

Com isto quero dizer que VV. Ex.as. costumam argumentar que, como são pessoas que, felizmente, não viveram esses tempos,...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Eu vivi mais do que o Sr. Deputado!

O Orador: - ...não sentem como nós sentimos o que foram esses tempos.
Quero dizer que me parece extremamente positivo que VV. Ex.as. tenham avançado com um projecto de lei desta natureza, na medida em que vieram permitir, quanto mais não fosse, como eu disse na minha intervenção, este debate e que se possa, de novo, reflectir, sobre aquilo que foram, de facto, aqueles quase 50 anos de regime fascista que muitos de nós fomos obrigados a suportar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas que intervenção tão redonda!

O Orador: - Nesse sentido, aquilo que vos peço também é que percebam que, se os vossos argumentos são sérios e merecem a máxima atenção, muitos de nós estamos aqui numa situação múltipla: por um lado, de Deputados, com responsabilidades políticas; por outro lado, no meu caso e de outros, de investigadores que têm trabalhado em matéria histórica; e por outro lado ainda, de presos políticos ou refugiados políticos. E estamos a abordar esta questão com muita seriedade e com muito interesse em aprofundá-la. Era esta a minha intenção, ao fazer aquela afirmação preliminar, e não propriamente a de vos querer passar qualquer atestado de não direito de abordagem dessas questões. Longe de mim qualquer ideia nesse sentido.
Queria dizer ainda que a vossa distinção entre o direito à memória individual e o direito à memória colectiva não é tão linear como V. Ex.ª pretendeu enunciar. Isto porque, se cada um de nós, obviamente, tem direito à respectiva memória individual, na medida em que se está a falar de factos históricos que representam uma determinada fase da História não podemos, em nome também da nossa memória individual, entender como não menos importante o direito à memória colectiva não só das gerações presentes como das gerações vindouras.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de terminar, pois esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ele não sabe como é que há-de terminar!

O Orador: - Nesse sentido, essa memória colectiva tem de ser preservada para elucidação das gerações vindouras e até, como eu disse na minha intervenção, como instrumento fundamental para uma indispensável pedagogia democrática.

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, a afirmação que V. Ex.ª acabou de fazer sobre a tal dita mudança da nossa actuação, intenção posição, do ponto de vista global, sobre a existência de polícias políticas, é um insulto que não lhe aceito, não admito e não lhe reconheço legitimidade para proferir. V. Ex.ª está a justificar, em nome da memória histórica, a restrição de direitos fundamentais dos cidadãos. Ora, é isso o que nos divide, porque nós acreditamos na liberdade sempre e VV. Ex.as. quando convém.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

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1886 I SÉRIE - NÚMERO 59

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, VV. Ex.as. não quiseram perceber a minha intervenção.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Percebemos foi demais!

O Orador: - Porventura, não fui feliz quando a elaborei mas V. Ex.ª também não tem agora nem tinha o direito de cair nesse estilo ofensivo porque não lhe reconheço, também a si, que tenha mandato em nome das vítimas do fascismo para poder falar por elas.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Quer ver que os seus eleitores são diferentes dos meus?!

O Orador: - Em nome da liberdade, podemos também nós falar melhor do que V. Ex.ª, inclusivamente por aquela razão geracional que, muitas vezes, V. Ex.ª usa como argumento.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - V. Ex.ª é que usou!

O Orador: - Por isso, se não quis perceber a minha intervenção ou se, porventura, ela não era perceptível, lamento se foi erro meu, mas também é insuficiência sua.
Não posso aceitar que venha fazer insinuações em torno das questões da defesa das liberdades, porque não preciso sequer de falar sobre isso aqui. O meu passado prova-o e o passado do meu partido também.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - O nosso passado também!

O Orador: - Se VV. Ex.as. querem trazer o debate para esse ponto, é extremamente infeliz porque não é isso o que aqui interessa, não é isso o que aqui está em causa.

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, queria pedir-lhe, em nome da elevação deste debate, que percebesse uma única coisa: direito a estar nesta Casa têm todos os que foram eleitos e não apenas os que foram presos pela PIDE-DGS.

Aplausos do CDS-PP.

Queria também chamar-lhe a atenção para o facto, que me parece importante, de que a tradição liberal que existe no socialismo português deveria aconselhar o PS a rever, em parte, o seu projecto. É que estamos aqui, notoriamente, divididos e separadas por uma questão muito importante, do ponto de vista da cultura política, que é a seguinte: ou optamos por uma solução de individualismo liberal e democrático ou optamos por uma fórmula que, em certo sentido, será sempre a de uma espécie de colectivismo arquivístico.

O Sr. José Magalhães (PS): - Colectivismo arquivístico!? Ó Portas! ó Portas!!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O melhor é acabar com a História!

O Orador: - Srs. Deputados, oiçam primeiro e critiquem depois! A diferença é esta: nós damos ao cidadão...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é analfabetismo histórico! Mas que ignorância!

O Orador: - Muito obrigado, culto Deputado Lino de Carvalho!
Estava eu a dizer que damos aos cidadãos o direito de autorizarem ou não os arquivos a ficarem com o que é deles; os senhores não dão aos cidadãos esse direito.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Isto é que é a margem de liberdade a que as pessoas têm direito e VV. Ex.as. apenas dão a liberdade que acham que o Estado lhes deve dar!

Aplausos do CDS-PP.

É por isso que o vosso projecto é ainda, em boa medida, estatista. Para nós não há nenhum direito, repito, nenhum direito colectivo que possa sobrepor-se à denegação de direitos individuais fundamentais protegidos na Constituição.
Além disso, a vossa solução peca também por uma certa ironia: é que VV. Ex.as. entendem que os originais podem ser devolvidos, mas o Estado fica com fotocópia!
Isto quer dizer, se levarmos este raciocínio ao limite, que se a PIDE tivesse feito fotocópias dos documentos, não havia nenhuma lei a fazer!

O Sr. José Magalhães (PS): - E se a PIDE nunca tivesse existido também não!

O Orador: - Se a PIDE tivesse feito fotocópias e devolvido os originais, não havia nenhuma lei a fazer! O problema não está na cópia! O problema está em devolver o que nunca devia ter sido roubado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sra. Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sra. Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, ouvi com atenção e com muito apreço aquilo que nos disse daquela tribuna.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Sou tão personalista quanto V. Ex.ª, defendo tanto a dignidade humana, a reserva da vida privada e os direitos de propriedade como V. Ex.ª.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Contudo, pergunto-me se não haverá um juízo demasiado apriorístico a enfermar o projecto de lei apresentado pelo CDS-PP, colocando uma recusa total de encontrar um ponto de equilíbrio que, do meu ponto de vista, é encontrável entre dois grupos de interesses que são fundamentais: em primeiro

lugar, aqueles que dizem respeito à pessoa, à sua dignidade, à reserva da vida familiar e pessoal; do outro lado, o interesse de uma Nação, de um povo, de um país à preservação da sua memória histórica e de um património que é colectivo.

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19 DE ABRIL DE 1996 1887

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Bem compreendo a dificuldade que a nossa geração tem em tomar uma decisão, porque ainda é tomada sob forte emoção. Eu não tenho idade para ter arquivo na PIDE, padeço apenas do vício da objectividade, porque não estou marcada pelo estigma subjectivo ao analisar esta questão. Mas julgo que não podemos retrair-nos de encontrar um ponto de equilíbrio, julgo que devemos procurar que, de uma aparente colisão de interesses, possa nascer um equilíbrio sensato e razoável, e, sobretudo, não devemos deslocalizar a questão do debate para uma colisão entre dois grupos de interesses individuais inerentes às pessoas, como me parece ser o vício de que também enferma o projecto de lei apresentado pelo PP. No fundo, o que aí se diz, é que aqueles documentos, aqueles bens que estão no arquivo e que têm alguma lógica de propriedade ou titularidade devem ser devolvidos sem mais, mas os outros, aqueles que devassaram, que esbulharam a dignidade e a privacidade, só porque foram feitos por um agente, ficam lá.
Isto leva-nos para a questão do critério, da dificuldade que temos em separar as águas, da dificuldade que temos em separar o trigo do joio e da dificuldade que vai haver, daqui a muitas gerações, para entender aquilo que foi o nosso passado colectivo porque nada haverá ou, pelo menos, muitos dos elementos determinantes faltarão no arquivo para que se possa compreender com serenidade, desapaixonadamente, o que foi este período importante da vida de Portugal.
Quero dizer-lhe, por último, Sr. Deputado, em resposta à sua afirmação de que o Estado democrático não pode lucrar com o esbulho que a PIDE-DGS e a Legião Portuguesa fizeram da vida individual, da intimidade e da dignidade, que não é o Estado democrático que vai lucrar com os abusos do Estado autoritário, são os cidadãos, porque, a partir do património que ali restará, vão poder compreender melhor o seu passado colectivo e localizar-se melhor no pleno uso das suas liberdades individuais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, a divergência que me opõe à Sra. Deputada Maria do Céu Ramos, de quem sou amigo há muitos anos, é parecida com aquela que me opõe aos Deputados do Partido Socialista. É que VV. Ex.as. estão dispostos a dar uma eficiência e uma utilidade àquilo que nunca devia ter existido.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - E eu não estou, porque isso é tirar partido de um abuso e transformar este último num direito.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Tirar partido, Sr. Deputado?

O Orador: - Mais: a Sra. Deputada critica-me por eu ter um juízo demasiado apriorístico, um preconceito em relação a esta questão e eu confesso-lhe que num sentido filosófico tem toda a razão. Quando se trata de defender liberdades e direitos fundamentais só se pode ter um preconceito inicial e que é o de não aceitar as limitações ou os projectos de limitação desses direitos e dessas liberdades fundamentais. É, efectivamente, um juízo apriorístico, porque não queremos aceitar sequer que se discuta a possibilidade de uma pessoa ser esbulhada dos seus direitos fundamentais ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já foi esbulhada há 30 anos. Como é que se fazia, então, a história da Inquisição e dos campos nazis?

O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, sei o que lhe custa aceitar que o progresso e a evolução aumentam os direitos das pessoas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero, em todo o caso, dizer-lhe, Sr.a. Deputada, que o ponto de equilíbrio - e é isso que nos separa - será encontrado pelos cidadãos, porque o nosso projecto de lei não tira os documentos privados dos arquivos, dá o direito aos seus titulares de os reclamar e de autorizarem o Estado a ficar com fotocópias.
Portanto, não há qualquer esbulho ou desentranhamento, como hoje um historiador dizia, dos arquivos da PIDE. Há, sim, um direito dos titulares ofendidos a reclamarem o que é deles e a autorizarem o Estado a ficar com o que é deles.
A nossa posição aumenta os direitos dos cidadãos e não diminui, se eles não quiserem, os deveres ou os direitos do Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É, de facto; um preconceito. O princípio tem de ser o da defesa dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. As excepções são o ponto de equilíbrio entre esse direito e as necessidades do Estado do ponto de vista histórico.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, esta é uma matéria muito delicada e que exige grande ponderação, como hoje aconselhava o Presidente da República. Não podemos legislar a correr apenas porque um cidadão, por muito respeitável que seja, escreveu um ou dois artigos. Até tenho grande respeito e amizade por esse cidadão, mas discordo frontalmente da posição por ele expressa - refiro-me, como é lógico, ao cidadão meu amigo António Barreto -, como também da posição assumida pelo Sr. Deputado Paulo Portas.
A história de uma ditadura é a história dos atentados à privacidade. Devo dizer que tenho na PIDE uma parte da minha vida que me foi roubada, não só a liberdade política, mas também a privacidade, as cartas de família, da minha mãe, do meu pai e da minha irmã, cartas de amor e poemas manuscritos. Acho que esses documentos não me pertencem. Digo-o como escreveu Iva Delgado, a respeito de uma carta que o pai escreveu à família: «Essa carta não nos pertence. Pertence aos portugueses.». Esses documentos são privados, mas não me pertencem. Pertencem aos portugueses e, sobretudo, àqueles que ainda não nasceram, que não sabem o que é que foi uma ditadura e um regime fascista.

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Compreendo a sensibilidade das pessoas que possam querer reaver documentos privados, mas uma ditadura é a história dos atentados à privacidade. Portanto, isso é história e ela não é susceptível de privatização.
Sr. Deputado, não há memória de arquivos destruídos. Os arquivos de Vichy, os arquivos do Franco, os arquivos da Gestapo e os arquivos da Inquisição não foram destruídos. Se tivessem sido destruídos como é que nós saberíamos o que é que se tinha passado?

Aplausos do PS e do PCP.

Sr. Deputado, toda a vida me bati pelos direitos colectivos, pelos direitos pessoais e individuais, mas também pelos direitos das gerações vindouras que têm direito à memória. Essa memória está nos arquivos, é uma história que nos pertence a todos e àqueles que ainda não nasceram.
Ora, o caminho que o Sr. Deputado indica não seria o do consentimento póstumo por parte do Estado democrático. Seria, sim, um caminho que, independentemente das intenções, levaria à absolvição póstuma, ao apagamento da memória e é contra isso que não podemos pactuar.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, com todo o respeito que me merece, não me pareceu feliz que tentasse desviar a discussão para uma suposta tentativa de apagamento da memória em relação à PIDE. Se alguém historicamente em Portugal apagou a memória ou contribui para apagar a memória da PIDE foi quem, sem que o Estado jamais se dedicasse a investigar isso, ficou com milhares e milhares de documentos dessa polícia.

Aplausos do CDS-PP.

Em segundo lugar, Sr. Deputado, pareceu-me que a sua intervenção não era uma crítica ao projecto de lei do PP, mas, sim, uma crítica implícita ao projecto de lei do PS, porque os problemas que colocou em parte não são resolvidos por esse diploma.
Assim, parece-me que quem legislou a correr foi o Deputado José Magalhães e não nós.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado - e aqui faço um apelo à reflexão da Câmara - percebo inteiramente e respeito a sua posição. O Sr. Deputado entende que todos os documentos privados que fazem parte da sua vida passaram á fazer parte da vida colectiva dos portugueses. Tem todo o direito a pensar assim! O nosso projecto de lei dá-lhe o direito de consentir ao Estado que colectivize essa memória, mas dê, Sr. Deputado Manuel Alegre, a quem passou as mesmas privações, a quem teve os mesmos problemas e não pensa como o senhor e acha que a memória individual é uma memória individual o direito de ficar com esses documentos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O nosso projecto de lei permite-lhe dar os seus documentos à memória colectiva. O vosso projecto de lei impede pessoas, como António Barreto, de reaver aquilo que foi deles, que é deles e apenas deles poderá ser.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS, pela mão do Sr. Deputado José Magalhães, apresentou à pressa, em correria, um projecto de lei, para ver quem chega primeiro, tocando uma matéria sensível que merece cuidada ponderação, que é a da devolução aos seus titulares dos documentos pessoais e privados apreendidos pela PIDE.
O Sr. Deputado Paulo Portas, induzido pelo frenesim socialista, entrou também na corrida. Fragilidades concorrenciais do novel PP, arrebatado em busca de rápidos efeitos afirmativos.
De qualquer modo, não é o jogo partidário que me impede de reconhecer a superioridade dos méritos do seu projecto de lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas: - Se o seu líder o ouve!...

O Orador: - De qualquer modo, não pense que isto é um prenúncio de uma nova AD. Nem pensar!

Risos do PSD.

Aplausos do CDS-PP.

Batem palmas para quê? Sem a AD nunca chegarão lá...

Risos gerais.

Parece-nos, pois, Srs. Deputados, mais aconselhável que ambos os projectos de lei, respectivamente do PS e do CDS-PP, desçam à respectiva comissão para cuidada apreciação, apoiada, sobretudo, na audição de pessoas interessadas e ligadas ao assunto, como é o caso dos historiadores, mas não só, para que não prevaleça inopinadamente mais uma corporação. Há que auscultar e ponderar, porque esta matéria é sensível e isso mesmo dita ponderação e reflexão.
Fechar a questão, num sentido ou noutro, em correria, é que não!
Por isso, a proposta que, desde já, formulamos é a de que os diplomas baixem à respectiva comissão, sendo a esta chamadas pessoas que seja útil e imprescindível ouvir atentamente sobre o assunto, a fim de se adoptar uma solução, de preferência através de total ou, pelo menos, de largo consenso.
De qualquer forma, não nos queremos furtar a entrar desde já no debate da questão.
O projecto de lei do PS merece-nos inúmeras e fortes correcções, que já apresentámos sob a forma de propostas de alteração. Muito pouco a propósito o PS juntou uma outra questão à questão da devolução dos documentos: a de uma discriminação negativa contra os agentes e responsáveis das extintas PIDE/DGS e LP, no tocante ao direito de reserva dos documentos que digam respeito às suas pessoas, os quais, abrindo uma excepção aos princípios gerais que protegem todos os cidadãos, poderiam ser consultados livremente.

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19 DE ABRIL DE 1996 1889

Trata-se de uma lamentável reincidência do PS. Já em 1994 apresentou aqui um projecto de lei que ia no mesmo sentido e que, na altura, tivemos ocasião de criticar. Por favor, basta! Viremos a página. São ideias que resultam de um antifascismo negro, obscurantista, que alimenta rancores, sedes de vingança e que é, pura e simplesmente, o reverso do mesmo negro fascismo que deseja combater.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A liberdade, Srs. Deputados, sobretudo certos Srs. Deputados socialistas prisioneiros desse antifascismo que nos faz gelar de frio de tal forma ele violenta os princípios que dizemos defender, e os princípios
do Estado de direito não podem admitir excepções, sob pena de se negarem a si mesmos. A luta dos que se opuseram à ditadura e sofreram por isso as violências da PIDE e LP, não foi uma luta para que uma violência fosse substituída por outra violência, uma discriminação por outra discriminação, uma agressão por outra agressão. Foi uma luta pela liberdade, pela dignidade de todo o ser humano, pelo Estado de direito.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, não resisto a chamar-vos a atenção para que a questão que os senhores colocam, presumo que não são todos os Srs. Deputados socialistas, roça os limites que relevam da ética, e digo-vos até, da boa compostura, quando nos lembramos de que, ao mesmo tempo que se propõem discriminações persecutórias contra agentes da ex-PIDE e LP, se esquecem, nuns casos, se elogiam noutros, e até se homenageiam por vezes, os responsáveis superiores da ditadura.
Triste antifascismo este, Srs. Deputados, que desata aos pontapés no traseiro da criadagem ao mesmo tempo que se desfaz em vénias frente aos donos da casa! Triste antifascismo este!

Aplausos do PSD.

Por mim, Srs. Deputados, penso que todos devem ser deixados em paz, senhores e servos, chefes e contínuos, mandantes e mandados, na paz que resulta das leis do Estado de direito, inclusive, as de ordem penal.
Propomos, em consequência, a eliminação dessas disposições reincidentes, oriundas da bancada socialista, pois que se trata, tenho que vos dizer, de uma elementar questão de sanidade cívica.
Propomos também, Srs. Deputados, a eliminação das disposições constantes do projecto socialista que não constituem verdadeiros ditames de natureza jurídica, mas antes propostas de actuação e programação de actividades dos serviços públicos, nomeadamente, quanto à realização de edições, sem excluir a ligação à Internet tão do apreço do Sr. Deputado José Magalhães.

Risos do PSD.

Essa não é verdadeiramente matéria própria das disposições jurídicas que ora nos ocupam.
Quanto à questão central, há de facto que procurar um justo equilíbrio entre os valores e interesses em causa:
de um lado os direitos impostergáveis da pessoa humana e, do outro, a memória colectiva que é o cimento das nações e o melhor livro onde podem aprender as novas gerações. Apesar da substancialidade profundíssima da questão, a verdade é que ela vem à ordem do dia das nossas preocupações carregada de curiosas e, quase diria, aleatórias circunstâncias: as da ida de António Barreto à Torre do Tombo consultar o seu processo no arquivo da ex-PIDE e o seu protesto pelo direito à devolução de documentos estritamente pessoais que ali encontrou.
Devo dizer-vos que não encontrarei lá qualquer documento pessoal, pois o meu processo foi retirado dos arquivos da PIDE na Rua António Maria Cardoso no PREC, em pleno Verão quente, por uma entidade, aliás conhecida, na busca de alguma nódoa no meu passado antifascista. Só que não estava lá nada e, por isso, ficaram imensamente frustrados, mas deviam ter obrigação de devolver o meu processo, vá eu consultá-lo ou não. Enfim, fica à consideração do interessado.

Risos do PSD.

Entretanto, Srs. Deputados, o assunto, inopinadamente, ganhou labaredas de uma acesa polémica, porque vários historiadores vieram publicamente contrariar a tese da devolução. E eis que, no meio das crepitantes labaredas, o nosso «internético» Deputado José Magalhães já não sabe o que fazer. Avançou de supetão para ser o primeiro, logo recuou, voltou a avançar, está de novo em recuo, há pouco até ausente, alguém lhe chamou a atenção e veio de supetão também. E, finalmente, pela exibição que me faz de um grosso dossier parece estar recolhido, felizmente, a serena reflexão.

É de facto de reflexão que precisamos, Srs. Deputados. Reparem que em Abril de 1985 já o assunto foi objecto de debate neste Hemiciclo, a propósito da proposta de lei n.º 100/III, que extinguia o Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS e LP. Estava-se, então, nos finais do famoso bloco central, sendo Primeiro-Ministro o Sr. Dr. Mário Soares. Na altura, as opiniões convergiram sem polémica, quer no interior do Hemiciclo, quer exteriormente, no sentido da aceitação do princípio da devolução desses documentos estritamente pessoais, é evidente, aos legítimos titulares que os reclamassem.
José Augusto Seabra, intervindo no debate pelo PSD, transcreveu mesmo uma carta de Mécia de Sena, mulher de Jorge de Sena,, que reclamava cartas trocadas entre ambos, tendo vindo a obter, após vários anos de insistência, cópias das mesmas.
Depois, embora o assunto dos arquivos da ex-PIDE tenha voltado por mais de uma vez ao Hemiciclo, nunca a questão da devolução de documentos foi colocada. O próprio António Barreto, há que sublinhá-lo, sem daí querer tirar qualquer diminuição à questão que ele agora coloca, mas é bom que relativizemos um pouco a situação de todos nós, pois não há campeões na República, foi Deputado por várias vezes sem que tenha colocado alguma vez tal problema.
Não nos precipitemos, pois, Srs. Deputados. Por mim, após inclinar-me para a recusa, estou hoje propenso a aceitar o princípio da devolução. De facto, ponderem bem, é difícil suportar que esbulhos operados pelo Estado totalitário possam ser legitimados, consagrados, legalizados pelo Estado de direito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

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1890 I SÉRIE - NÚMERO 59

O Orador: - Seria, Srs. Deputados, um duplo esbulho, agora cometido por quem, por definição, não deve nem pode fazê-lo, sob pena de não o ser o Estado de direito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

As vítimas, reparem Srs. Deputados, do Estado totalitário continuariam a sofrer no Estado de direito uma violência dita irremediável, pelo simples facto de terem sido vítimas e de se terem oposto à anterior violência. Parece, pois, Srs. Deputados, salvo melhor apreciação, inaceitável.
A possibilidade de os arquivos conservarem cópias, salvo objecção expressa que há-de surgir raramente, atenuará bastante (se calhar quase totalmente) as eventuais dificuldades criadas à investigação histórica em consequência das devoluções feitas.
Acresce que a decisão de devolver, tal como consta das propostas de alteração que apresentámos, se for essa a solução adoptada, como nos parece mais aconselhável, face ao requerimento apresentado, será sempre de uma entidade idónea, supostamente idónea, o director da Torre do Tombo, havendo recurso hierárquico e contencioso da decisão, quer por razão de indeferimento, quer de deferimento, não ficando deste modo arredada a possibilidade de oposição à devolução, seja por quem for.
O princípio da devolução, embora rodeado de todas as cautelas e prudências, parece assim, a meu ver, dever prevalecer. Nenhuma razão de Estado, nenhum imperativo de ciência pode calcar o que releva da própria essência e dignidade da pessoa humana, que é a sua intimidade e os objectos em que ela se corporiza.
De qualquer modo, Srs. Deputados, uma luz nos deve guiar nesta delicada questão: as razões de Estado, do Estado de direito, não suportam todas as razões, mas só as de direito, sob pena de não o ser.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - A palavra, para defesa da sua consideração, ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Silva Marques: A sua intervenção teve um mérito e um demérito. Infelizmente, o mérito é triste e o demérito já era grave à partida.
O mérito foi ter recolocado o conjunto dos problemas que temos hoje diante de nós para decisão. Ou seja, este projecto é a reapresentação, em dois terços, de uma iniciativa aprovada, por unanimidade, na legislatura passada onde havia uma hegemonia PSD nesta Casa. Esse debate da passada legislatura, e acho injusto da sua parte que não tenha reconhecido isso, foi dominado pela necessidade de evitar o pior: o risco que todos enfrentávamos de não haver abertura dos arquivos da ex-PIDE/DGS e LP e os investigadores e os cidadãos serem amputados e privados do acesso a um importante repositório para a nossa memória histórica colectiva. Era isso que o «poder laranja» preparava e foi isso que aqui evitámos ao apresentar e fazer aprovar esse projecto de lei - e V. Ex.ª devia reconhecer isso.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o projecto dizia e diz que não pode haver tutela para a intimidade da vida burocrática dos pides, não há intimidade para as actividades de repressão e de tortura e ninguém pode invocar o bom nome de quem não tem bom nome para evitar que o povo português conheça a infâmia e a actividade negativa da ex-PIDE/DGS. E. isso ficou contido neste projecto e é reapresentado agora.
Em relação à divulgação que o nosso projecto sugere, é importante mas depende também da sociedade civil, reconhecemo-lo. O Museu do Holocausto está acessível mundialmente, pelo que, confesso-o francamente, não vejo razão para que o museu que encerra pane da nossa memória histórica não esteja- acessível mundialmente também- hoje isso é fácil, é possível e devíamos ter consenso nesta Câmara.
A questão que o Sr. Deputado coloca em último lugar vai-me permitir que marque uma diferença. Na legislatura passada Ex.ª, talvez com reserva mental, aprovaram o nosso projecto para o fazerem «baixar à gaveta». Agora este projecto vai baixar com o nosso consenso, mas não é para desaparecer, é para, depois de um debate cuidadoso com a opinião pública, com os que são partidários de uma solução e da outra, vir a ser convertido em lei da República com uma solução equilibrada.
Curiosamente, Sr. Deputado, a palavra equilíbrio foi o que não existiu da sua parte. V. Ex.ª fez uma verdadeira pirueta e uma pirueta totalmente injustificada. Passou da clausura absoluta para a entrega irrestrita de documentos, o que destruiria completamente a memória histórica. E, como o Deputado Manuel Alegre sem possibilidade de réplica disse aqui, essa memória histórica é do povo português, não pode ser tirada ao povo português. O projecto do PS não o propõe e nunca o proporia, mas estamos disponíveis para melhorar na especialidade este projecto. Não estamos é disponíveis para dar uma «facada» na memória histórica do povo português que é de todos e não pode ser expropriada, faça V. Ex.ª as piruetas que fizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, que dizer do Sr. Deputado José Magalhães? É evidente, relativamente à verdadeira questão que pôs, que a minha tese é esta. Pêlos vistos não é a sua nem é a vossa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Agora.

O Orador: - Deixe-me acabar. A minha tese é esta: ninguém deve estar fora da lei penal da República, do Estado de direito, seja fascista ou antifascista.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas como, se dão todos os documentos?!

O Orador: - Os seus não dá porque o senhor não os levanta, deixa-os lá. Mas o senhor também tinha poucos documentos....

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

Srs. Deputados, por favor, os vossos documentos ficarão lá todos, não há motivo para tanta precipitação nem para tanta excitação. Os vossos documentos ficarão lá todos.
Agora, Sr. Deputado José Magalhães, quanto às «piruetas», meus Deus!, de facto, todos nós as fazemos.

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Risos do PSD.

Olhe, eu fiz as minhas antes do 25 de Abril e muito longamente!... O senhor, nesse aspecto, é muito mais ressentido e rápido do que eu!
Aplausos e risos do PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Que pobreza de argumentos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder às votações que estão agendadas...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Eu inscrevi-me para uma intervenção...

O Sr. Presidente: - Está na «linha» das inscrições, s6 que ainda não chegou à «linha de água», Sr. Deputado. Já lá vamos! Vamos proceder agora às votações e depois retomaremos o debate.
Vamos então votar, em primeiro lugar, na generalidade, a proposta de lei n.º 17/VII - Estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores e revoga a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto.

Submetida à votação, foi aprovada, por unanimidade.

Esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.
Vamos proceder à votação, também na generalidade, da proposta de lei n.º 20/VII -Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
Submetida à votação, foi aprovada, por unanimidade.

Esta proposta de lei baixa igualmente à 1.ª Comissão.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 22/VII - Alteração ao Estatuto dos Gestores Públicos (CDS-PP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Vamos proceder à votação final global do texto final de substituição, apresentado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, relativo à proposta de lei n.º 13/VII Limite para endividamento externo para 1996 (ALRA).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Vamos votar, em votação final global, o texto final, com as alterações aprovadas na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo ao Decreto-Lei n.º 271/95, de 23 de Outubro, que aprova a Lei Orgânica da Inspecção-Geral da Educação [ratificações n.ºs 6/VII (PCP) e 8/VII (PS)].
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP. a)

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para anunciar que vou entregar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Vamos votar, em votação final global, o texto final apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura relativo à proposta de lei n.º 12/VII - Revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para informar a Mesa que vamos entregar uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - É um direito. Fica registado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero também informar a Mesa que vamos entregar uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Fica também registado.
Srs. Deputados, terminadas as votações, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de vários pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal da Comarca do Porto, Processo n.º 1048/96 - 3F, 3.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Jesus (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - De acordo com o solicitado pelos Serviços do Ministério Público - Comarca de Castelo Branco, Processo n.º 84/96 - MM, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD) a prestar declarações no âmbito do processo em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Felgueiras, Processo n.º 315/95, 2.º Juízo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio Faria (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria Geral da

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República, Processo n.º 71/96 - Lº H.9, a Comissão de ,Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Costa Pereira (PSD) a prestar declarações no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - De acordo com o solicitado pelos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa, Processo n.º 1491/95-AO, 1.º Juízo, 2ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Martim Gracias (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos):- De acordo com o solicitado pelo Tribunal do Círculo de Penafiel, Processo n.º 95/95, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS) a depor em audiência de julgamento, na qualidade de testemunha, marcada para o próximo dia 15 de Maio de 1996, pelas 14 horas, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Processo n.º 333/95 - CC, 1.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Ferreira do Amaral, Durão Barroso e Luís Marques Mendes (PSD) a prestarem depoimento, como testemunhas, no âmbito dos autos em referência e de não autorizar o Sr. Deputado Soares Gomes (PSD) a prestar depoimento no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - De acordo com o solicitado pelos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, Processo n.º 424/94, 3.º Juízo, 2.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Portas (CDS-PP) a depor, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Autos de Instrução n.º 16/96, 1.º Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Soares Gomes (PSD) a ser inquirido, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Tributário de 1.º Instância de Lisboa, Autos de Oposição n.º 119/95, 2.º Juízo, 1.º Secção, a Comissão de - Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Paulo Portas (CDS-PP) a depor, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência, em audiência marcada para o próximo dia 24 de Abril de 1996, pelas 10 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Finalmente, de acordo com o solicitado pela 8.8 Vara Criminal da Comarca de Lisboa, Processo n.º 35/95, 1.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Mota Amaral (PSD) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos retomar a discussão dos projectos de lei n.ºs 123 e 139/VII
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Que o assunto que estamos a debater tenha assumido o impacto público que assumiu constitui seguramente a primeira questão relevante que interessa referir.
A verdade é que, quando estão prestes a cumprir-se 22 anos sobre o derrubamento do fascismo, a sociedade portuguesa revela que se goraram os esforços de quantos quiseram branquear o meio século de opressão salazarista. O fascismo, os seus crimes, as suas polícias não são para a nossa consciência nacional um vago «antigo regime», são uma memória que é indispensável conservar com rigor e estudar com seriedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista sobre os arquivos das extintas PIDE/DGS e Legião Portuguesa constitui, contudo, um tão esclarecedor

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quanto relevante exemplo do que se não deve fazer em política em geral e em particular em sede parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De forma manifestamente intempestiva, o PS afirma ter «recuperado» o seu projecto de lei n.º 399/VI, o que nos parece desprovido de sentido.
Na verdade, a afirmada finalidade daquele diploma foi a de assegurar a acessibilidade do espólio documental dos arquivos da PIDE/DGS e contrariar as manobras no sentido de o furtar ao conhecimento dos interessados - vítimas da repressão ou investigadores. Esse correcto objectivo foi alcançado, quer pelo próprio curso parlamentar do problema na decorrência daquele projecto de lei, quer pelas alterações políticas entretanto verificadas após as eleições de 1 de Outubro passado.
Mal se compreenderia assim que se pretendesse arrombar uma porta aberta. Mas, como bem se sabe, o fundo da questão é outro. A saber, a inovação introduzida de devolver originais de documentos apreendidos a cidadãos seus titulares.
Ora, o primeiro erro do Partido Socialista foi o de inverter claramente o que deveria ter sido o curso democrático do problema. Numa questão com tantas implicações como esta, é transparente que deveria ter sido objecto de análise e de consultas antes de elaborado o projecto de lei e não depois.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta peculiar concepção de diálogo em que se legisla primeiro e se dialoga depois, para além do que revela, conduz à criação de problemas completamente evitáveis.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É óbvio que esta atabalhoada precipitação do PS marcou da forma mais negativa o debate em torno da questão. Em vez de uma troca de opiniões serena, em vez da recolha do parecer de quantos, política e cientificamente, directamente se ligam ao problema, em vez da construção responsável de um ponto de vista comum e eficaz, gerou-se um processo em que se radicalizaram posições, em que os argumentos surgiram depois e não antes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E como se não fora suficiente esta desastrada pressa de elaborar este desastrado documento, o Partido Socialista, quando as consequências de tal pressa já eram manifestas e públicas, não teve sequer o bom senso de aceitar as sugestões que lhe foram feitas, de voltar atrás, de não impor este agendamento e assegurar, embora tardiamente, a necessária consideração do problema.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não era inevitável que a esta pressa de produção e agendamento correspondesse um atabalhoamento de forma e conteúdo, mas foi isso mesmo que se verificou.
O projecto de lei em causa comete o erro palmar de legislar sobre uma coisa que nem sequer define o que é.
O que são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, «originais de documentos apreendidos pelas polícias políticas da ditadura»?
Pretende-se que se trata de documentos de índole pessoal, irrelevantes do ponto de vista da índole político-policial dos arquivos mas relevantes do ponto de vista da defesa do direito de reserva da vida privada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixar as coisas nesta indefinição só pode resultar de quem, de todo em todo, ignora o que foi a acção repressiva da PIDE/DGS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade - e correctamente, aliás o projecto de lei afasta a inconcebível teoria do anterior responsável pelos Arquivos da Torre do Tombo, no sentido de que a revelação de documentos elaborados pelos agentes da PIDE/DGS poria em causa o direito ao «bom nome» dos torcionários. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quer-se devassa mais total da vida privada dos cidadãos perseguidos pelo fascismo do que as escutas das suas conversas telefónicas, os relatórios das vigilâncias de que foram objecto, as denúncias que a seu respeito informadores e bufos vários produziram e, em última instância, os próprios autos de interrogatórios?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tal fronteira e a sua definição é uma pedra angular de todo o problema, pelo que deveria ter sido exactamente um dos pontos por onde se deveria ter começado, mas tal não foi feito.
Após estas indefinições e incorrecções, sobrevêm elementares questões técnicas, como a peregrina ideia de retirar de um arquivo originais e substituí-los por fotocópias. A fotocópia, Srs. Deputados, não é um material de arquivo, é um material perecível e não se vê como se possa defender a gestão de um acervo documental em que se substitua um original por uma fotocópia!
Uma vez que se propunha legislar sobre arquivos, os autores do projecto de lei poderiam ter consultado alguém que de arquivos soubesse. Seria democrático e teria sido bem útil.
Aliás, essa consulta a quem de arquivos soubesse deveria ser ainda mais normal junto de quem por arquivos fosse responsável, nomeadamente os responsáveis pelos Arquivos da Torre do Tombo, a partir da altura em que à Torre do Tombo se pretendia atribuir o que mimosamente o projecto de lei designa por uma «postura activa».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do Partido Comunista Português, quanto à necessidade de desenvolver um constante trabalho de aprofundamento científico sobre o nosso passado recente, lado a lado com uma divulgação e uma pedagogia sobre o que significaram 50 anos de fascismo, é conhecida.
Combatemos a extinção da Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo, o que, aliás, o Partido Socialista também fez, levada significativamente a cabo pelo Governo do PSD, presidido pelo Prof. Cavaco Silva, e tivemos mesmo ocasião, na anterior legislatura, de apresentar medidas para contrariar essa decisão.
Aproveito esta ocasião para anunciar que, em breve, o meu grupo parlamentar irá apresentar um projecto de lei visando a constituição de uma estrutura que desenvolva e promova essa actividade.
Agora, o que não faz sentido é que, numa farândola de gigabytes, Internets e CD-Roms, se atribuam a um ins

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tituto do Estado funções que, do ponto de vista técnico e político, manifestamente lhe não competem.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Compete-lhe, sem dúvida, assegurar a conservação e disponibilidade dos materiais necessários a tal trabalho; compete-lhe, sem dúvida, apoiá-lo da melhor forma, mas a expedita solução proposta no artigo 5.º do projecto de lei apresentado pelo PS apenas releva de superficialidade e desconhecimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegámos finalmente, depois de todo este triste quadro de entorses e precipitações, ao fundo da questão, isto é, se se deve ou não retirar documentos de ordem pessoal dos arquivos da PIDE/DGS e da LP, devolvendo-os a quantos deles foram espoliados pela repressão.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo CDS/PP, entendemos não ser necessário com ele perder muito tempo. Estamos face ao fruto do conúbio entre a saltitante busca de protagonismo do seu grupo parlamentar e a metodologia do «quando alguém diz mata, gritar esfola», que faz parte do duvidoso património de acção política da demagogia populista.
Os comunistas, colectivamente, no seu partido, e pela vida e experiência pessoal de muitos deles, estão em especiais condições para se pronunciarem sobre esta questão: ninguém duvida de que a maior parte dos arquivos da PIDE/DGS e da LP espelha o facto incontornável - embora alguns historiadores e políticos actuais pareçam querer fazê-lo esquecer- do papel determinante dos comunistas e do PCP na resistência ao fascismo e na sua derrota.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que os cidadãos têm todo e o iniludível direito à defesa da privacidade da sua vida e do seu bom nome. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, retirar documentos de arquivos não será a única- e talvez nem sequer seja a mais segura forma de o fazer.
Diversas medidas já constantes da definição do acesso aos arquivos e suas limitações bem como a definição de prazos, articulada com a defesa de dados de índole pessoal, e ainda outros aspectos têm de ser considerados, o que nos propomos fazer em sede de discussão e, no mínimo, transformação deste diploma.
Entretanto, os arquivos e os documentos são indispensáveis à História e a História é indispensável às sociedades. Mutilar os documentos do passado é mutilar a História e mutilar a História é comprometer o futuro.

Aplausos do PCP.

O sacrifício da vida privada de quantos se bateram contra o fascismo e por isso foram perseguidos está feito, foi feito durante e por causa dessa resistência.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

Obrador: - A devassa a que foram sujeitos foi feita pelos torcionários e está feita. E valeu a pena! À custa desses e de outros sacrifícios que chegaram ao da própria vida, o povo português é livre é Portugal é Portugal de Abril.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Que o empenho cívico dos cidadãos, o rigor intelectual e científico dos investigadores, os documentos, a memória e a História continuem a ensinar quanto custou a liberdade!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaríamos de sublinhar neste debate aquilo que nos parece ter sido a leviandade no modo como esta questão é hoje trazida a Plenário.
Na verdade, não houve o cuidado, ao retomar um projecto de lei desta natureza, num contexto completamente diferenciado, de introduzir as modificações que seguramente deveriam ter sido introduzidas; nem houve o cuidado de, numa matéria tão delicada e complexa quanto esta, conciliar o estrito respeito pela reserva da vida privada e familiar com aquilo que tem de ser o registo da nossa História.
Não tendo auscultado a sociedade, numa matéria desta natureza, são seguramente poucos os cuidados tomados, é seguramente uma leviandade, que, parece-nos, o Partido Socialista não deveria ter protagonizado.
Para nós, a questão que se coloca é a de não estarmos a falar de quaisquer dados ou registos mas, sim, de coisas que fazem parte da nossa memória colectiva, que identificam a nossa História, que fazem parte da nossa trajectória.
É precisamente por isso que dizemos, não em nome do primado do Estado, como aqui se afirmou, mas do primado das pessoas, que é importante recusar o desmantelamento dos registos da nossa História, porque, gostando-se ou não dela, ela existe, tem de ser conhecida, tem de ser estudada, transmitida a outras gerações, para que não se volte a repetir e para ser, de todo em todo, definitivamente repudiada pelas futuras gerações. O seu conhecimento pressupõe a existência de conhecimentos efectivos e não o amontoado de fragmentos, não o amontoado de segmentos, não uma colecção de talonários.
Por isso, parece-nos que, num' projecto desta natureza, já que subiu a Plenário, o importante, hoje, seria fazê-lo descer rapidamente, de modo a que, do ponto de vista processual, sirva para ouvir quem ouvido não foi e para reflectir sobre uma matéria que é por demais delicada para ser de ânimo leve discutida ou resolvida.
A nossa opinião é que este documento, nos termos, aliás, da intenção já manifestada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista - e esta não é uma questão pacífica dentro do próprio grupo parlamentar - deve baixar à Comissão, pensando nós que o melhor destino para ele, neste momento, é ser arquivado e fazer-se bom uso deste debate para alterar, do ponto de vista processual e de conteúdo, o que hoje esteve aqui em discussão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esta hora já tardia, quero começar por esclarecer o Sr. Deputado Paulo Portas que não quero impedir quem quer que seja de recuperar a sua memória

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perdida. O que quero é impedir que, sob esse pretexto, se liquide a nossa memória colectiva. Não quero impedir o Dr. António Barreto. ou qualquer outro cidadão de poderem recuperar documentos de que, a título pessoal, tenham sido esbulhados, mas impedir que, sob esse pretexto, comece a desagregação dos arquivos da PIDE.
Portanto, o que quero é equilíbrio. Como dizia o Dr. Fernando Rosas, hoje, num debate, o risco é o precedente, pois sabe-se como começa, não se sabe como acaba, ou, antes, nestas coisas, sabemos como se começa e como se acaba! Por isso, sou claramente contra a devolução.
Na verdade, não são preservados direitos individuais. Há, a este respeito, uma grande ilusão. Se eu for recuperar uma carta que a minha mãe me escreveu há 30 anos, não recupero a afectividade ou a memória daquele tempo, pois o tempo é irrecuperável e a vida que nos roubaram não é recuperável. Isso é uma ilusão, e eu não tenho qualquer ilusão a esse respeito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se lá for buscar uma carta que me escreveram há 30 anos, ou qualquer coisa que eu próprio tenha escrito há 30 anos, recupero um objecto físico, mas não a alma das coisas que lá estavam, não o tempo que lá estava. Isso é uma ilusão.
Não estou com a preocupação de preservar um direito individual, de readquirir coisas de que as pessoas foram esbulhadas, porque, desse modo, posso estar a trair os direitos daqueles que morreram para que houvesse hoje liberdade em Portugal e os dos que ainda não nasceram e têm direito à memória. E é isso que eu não quero.
Por isso, é necessário haver equilíbrio e ponderação. Acho que é preciso, de certa maneira, começar tudo isto de novo, com muita ponderação, com muito bom senso, porque a democracia tem obrigações e a primeira é a de fazer uma pedagogia, democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Alguém disse que a luta pelo poder é sempre uma luta entre a memória e o esquecimento. Ora, as estratégias de esquecimento são sempre estratégias antidemocráticas ou contra a democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A democracia tem a obrigação de fazer a sua pedagogia e não a pode fazer se é privada da sua memória histórica.
É por isso que temos de encontrar aqui esse ponto de equilíbrio. Sou contra a devolução, embora admita que as pessoas possam recuperar cópias, fotocópias,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Mas isso é o contrário do vosso projecto.

O Orador: - ... mas o registo tem de lá ficar, a marca tem de lá ficar. As pessoas do futuro têm de saber como é que era quando nos roubavam cartas de amor e quando nos escutavam.
A história da Inquisição é também a história dos atentados à privacidade, da devassa das pessoas e da sua vida íntima, assim como do nazismo, do fascismo italiano, de Vichy e do fascismo português. Isso não pode ser apagado. Aquilo de. que as pessoas foram esbulhadas, que é o seu tempo, a sua vida, a sua privacidade, não é recuperável através de objectos que lá possam estar depositados. As pessoas podem consultar, podem tirar fotocópia, mas, depois, quem decide, em certos casos, o que é privado ou público? Quem decide isso e como é que se decide?
Srs. Deputados, tenho muito medo do precedente, porque, mais até do que dizia o Dr. Fernando Rosas, o problema é que sabemos como se começa e sabemos como se acaba. E também sabemos como, até do ponto de vista vocabular, se procura fazer o branqueamento, o esquecimento, a antipedagogia. Não houve, no nosso país, um regime anterior, houve, sim, no nosso país, um regime de ditadura fascista, embora algumas pessoas gostem de fazer chacota com isso e consigam fazer chacota com o seu próprio passado e a sua própria vida, o que eu julgava ser incompatível. Mas, enfim, cada um tem o estilo que pode ter.
Não houve, no nosso país, um regime anterior. Pertenço á um tempo em que, quando andava na escola, fazia saudação fascista quando o professor entrava na sala. Os jogadores de futebol, ao domingo, perfilavam e faziam a saudação nazi. Recordo-me de ver o Salazar fazer a saudação fascista!
Esse regime não era um regime anterior, era um regime de ditadura, de tipo mussoliniano, de tipo fascista, com simpatias claras, durante a guerra, pelo regime nazi. E essa memória tem de ser preservada.

Aplausos do PS e do PCP.

Essa memória tem de ser preservada.
Esse regime é responsável pela morte de pessoas, pelo assassinato de um dos símbolos da luta pela liberdade, o General Humberto Delgado. Certamente, muitas coisas do General Humberto Delgado são privadas, pessoais, íntimas, e estão lá, mas é a sua própria filha quem o diz: pertencem aos portugueses, ao futuro, à História.
Eu sei que as privatizações estão na moda, mas a História não é privatizável.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas, mas peço-lhe que seja breve, pois dispõe de pouco tempo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre,. creio que acaba de dar um exemplo claro de que- a História não precisa de abusar de documentos roubados para se fazer. Penso que sabe que o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, fazia a saudação fascista ou romana, e não o sabe por qualquer documento particular de que se necessite para se fazer História.
Sr. Deputado, compreendo a sua posição, mas não tente colectivizar ou generalizar os sentimentos. Também penso que a privacidade já está violada, mas creio que há uma medida elementar de dignidade a que as pessoas têm direito, podendo recusá-la, que é o direito de, pelo menos, lhes devolverem os objectos ou os documentos em que se corporizou a ofensa aos seus direitos fundamentais. Depois, se quiserem, elas dão ao Estado o direito de ficar com os documentos; dão-se, a si próprias, o direito de nem sequer querer saber do assunto; ou, sobretudo, dão-se, a si próprias, o direito de escolher o destino desses documentos: para o Estado, para si, ou para o lixo, se quiserem, porque é isso que o Sr. Deputado faz boje aos seus papéis, isto é, tem o

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direito de usar os seus papéis como entende, sem que ninguém o mace ou incomode por isso.
Portanto, o meu apelo é, uma vez mais, no sentido da pedagogia democrática: não se comece por confundir o Estado com a cidadania, não se comece por confundir o Estado com os direitos fundamentais do cidadão e do indivíduo, não se comece por confundir o Estado com os direitos privados, num regime democrático, em relação ao passado. Dê-se a cada um a opção de fazer o que entende e, então, o Sr. Deputado Manuel Alegre terá contribuído para que se faça História como entende que se deve fazer, e outros terão contribuído para que se faça História sem ser da forma como o Sr. Deputado Manuel Alegre entende que ela deve ser feita.
Sr. Deputado, não lhe nego qualquer direito, mas também não nego àqueles que não pensam como o senhor esse direito.

O Sr. Presidente: - Apesar de o Sr. Deputado Manuel Alegre já não dispor de tempo, a Mesa concede-lhe dois minutos para responder.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, não nego qualquer direito.

Vozes do CDS-PP: - Então, não nega?!

O Orador: - Já fiz aqui um apelo ao equilíbrio e ao bom senso. Se o Dr. António Barreto tem lá cartas que quer recuperar, não lhe nego esse direito; deve é encontrar-se uma forma de fazer isso, sem esvaziar ou desagregar o arquivo, deixando rastro. É que o sinal, a marca, o rastro, tem de lá ficar, porque isso faz parte da História, do método, daquele processo. Se retiramos um documento pessoal, sem lá deixar um sinal ou uma marca, quer queiramos quer não, não estamos a dar o tal consentimento póstumo, mas, sim, a absolvição, estamos a fazer o branqueamento. É esse' ponto de equilíbrio que deve encontrar-se.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão, conjunta, relativa aos projectos de lei nº1 123/VII - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, devolve originais de documentos apreendidos a cidadãos e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS) e 139/VII - Devolução de documentos de natureza privada constantes dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP (CDS-PP).
Srs. Deputados, vamos, agora, votar o requerimento apresentado pelo PS, no sentido de que os projectos de lei n.º5 123/VII e 139/VII baixem à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sem prévia votação, para melhor apreciação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.,

Srs. Deputados, falta ainda fixar o prazo, que sugiro seja de 90 dias, prorrogável, se necessário.
Havendo consenso relativamente a este prazo, passo, então, a inscrevê-lo no referido requerimento, já que os requerentes não fizeram essa indicação. Estes diplomas baixam, então, às referidas Comissões pelo prazo de 90 dias.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Com as nossas propostas de alteração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É claro, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos agora passar à discussão do projecto de lei n.º 8/VII - Repõe a idade de reforma das mulheres aos 62 anos de idade (PCP).
Dado que não se encontra presente a relatora, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, vou dar a palavra à autora da iniciativa, Sr.ª Deputada Odete Santos.
Faça favor Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As mulheres portuguesas esperam ver reparado o agravo contra elas perpetrado, em 1993, quando, através do Decreto-Lei n.º 329/93, o anterior governo subiu a idade da reforma das mulheres dos 62 para os 65 anos. E esperam-no com fundadas razões, porque o PCP afirmou, na altura, que se tratava de uma afronta para as mulheres portuguesas e o PS, na intervenção que fez sobre a sujeição a ratificação desse diploma , referiu que era uma injustiça para as mulheres portuguesas e que, conjuntamente com outro motivo, esse era suficiente para a rejeição do diploma.
Tratou-se, de facto, de uma dupla afronta.
A primeira, resultante da medida em si, que constitui um grave retrocesso nos direitos sociais das mulheres.
A segunda afronta resulta da justificação apresentada para tal medida. O adiamento da idade da reforma, a imposição de mais três anos de trabalho até ao almejado descanso depois de uma sobrecarregada vida activa, seria feito, segundo o governo de então, em nome do princípio da igualdade entre homens e mulheres.
Esta é uma afirmação farisaica, porque o que moveu o anterior governo foram motivos meramente economicistas.
Avesso a medidas de combate à precarização do emprego, fomentando ele mesmo a própria precarização, o desemprego, com a desastrosa política de desmantelamento do sistema produtivo, o anterior executivo contribuiu para a degradação da segurança social e pretendeu tratar a doença, grave, com remédios manifestamente inadequados e que foram apenas a sonegação aos trabalhadores dos benefícios da segurança social, pagos com o produto do seu próprio trabalho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A subida da idade da reforma das mulheres teve por fundamento, não o princípio da igualdade, mas o objectivo de fazer economias à custa dos direitos sociais das mulheres, enquanto em sectores chave da economia nacional se serviam lautos banquetes à custa do bem-estar dos trabalhadores e suas famílias. E isto também em nome de um estranho entendimento da palavra liberdade, tão estranho como o que se deu à palavra igualdade, para nivelar, pela fasquia mais baixa, a situação dos homens e das mulheres. Liberdade não tem nada a ver e é mesmo avessa à exploração; igualdade é mais do que uma equiparação meramente formal.
A verdade é que os que se apressam a proclamar a igualdade formal dos cidadãos e das cidadãs nunca promoveram verdadeiramente a igualdade.
Que medidas foram tomadas para que as mulheres não fossem vítimas de discriminação salarial?
Preocupou-se o anterior executivo com o facto de a taxa de desemprego feminina continuar a ser superior à

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dos homens, ou com a atribuição dos trabalhos menos qualificados às mulheres?
Alguma vez se incomodou, verdadeiramente, com acentuar da taxa da feminização da pobreza?
Foi a preocupação com o direito à igualdade de oportunidades que levou o PSD a rejeitar, em votação final global, o projecto de lei n.º 99/VI, apresentado pelo PCP, que reforçava as garantias das mulheres contra as discriminações no acesso ao emprego, projecto esse aprovado, na generalidade, por unanimidade, e, na especialidade, em sede de comissão, também por unanimidade?

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

A Oradora: - Sempre que se tratou, de facto, da promoção da igualdade real, o PSD ficou-se pelas intenções, que essas sempre dão algum jeito para proclamar nas conferências internacionais sobre os direitos humanos da mulher. Enquanto invocando o nome da igualdade em vão, brandia, afinal, a bandeira do retrocesso social.

Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Assembleia da República tem a possibilidade de reparar a injustiça feita às mulheres portuguesas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não se trata de propor, ao fim e ao cabo, mais nada senão o que vigorou, durante largos anos, até 1993, no ordenamento jurídico.
Não se compreenderia, assim, que esta Assembleia não aprovasse o projecto de lei do PCP. E seguramente, a rejeição do projecto não seria compreendida pelas mulheres portuguesas. Elas - e é bom que o recordemos, já que estamos em vésperas de Abril - que ajudaram afazer Abril e que continuam a murmurar, com o poeta que ó cantou, por entre os sobressaltos que a vida lhes tem trazido; «só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhos preparatórios da Conferência de Pequim salientaram o facto de as mulheres serem mais de metade da população mundial e 70% dos pobres do mundo.
Na verdade, segundo a própria ONU, os chamados programas de ajustamento estrutural, leia-se créditos do Banco Mundial, concedidos a diversos países, na década de 80, sob a pomposa divisa «A Mulher no Desenvolvimento», não tiveram em conta, de acordo com a ONU, a pobreza, o meio ambiente e as discriminações com base no sexo.
E é assim que as piedosas proclamações feitas por certos intervenientes - não todos, é óbvio -,nas conferências internacionais sobre a situação da mulher - e, na última Conferência, também não faltaram -,chegam mesmo. a contribuir para retrocessos no estatuto de mais de metade da população mundial.
Os tais programas, porque desenvolvidos sobre o escopo da redução da inflação e sobre a subida dos preços; de bens básicos essenciais à sobrevivência, trouxeram, segundo se diz num relatório da ONU, retrocessos nos direitos humanos da mulher.
Sendo verdade, como se acentua nos trabalhos da Conferência de Pequim, que o número de pessoas vivendo em pobreza absoluta não tem parado de aumentar - e, nesse número, recorde-se, as mulheres detêm a elevada percentagem de 70% -, sendo verdade que o trabalho da mulher está subestimado - segundo uma comunicação do PNUD, de 1991, os rendimentos das mulheres são entre 33% e 66% dos rendimentos do homens nas economias industrializadas - e sendo verdade que o desemprego atinge duramente as mulheres, a verdade também é que as mulheres realizam 55% do trabalho que se faz no mundo, se se tiverem em conta as actividades económicas não remuneradas, realizadas em casa, sem nelas se incluir, no entanto, os serviços domésticos aí prestados.
Todos estes serviços, incluindo os domésticos, representam um valor económico, normalmente não contabilizado nas estatísticas, que, assim, tomam invisível, em grande parte, a contribuição da mulher com trabalho não remunerado para a produção total de bens e serviços de um país.
Chegamos, assim, a um segundo ponto de reflexão em relação a este projecto de lei. No primeiro, tratámos do retrocesso em direitos sociais, com a subida da idade de reforma. Chegamos, pois, a uma segunda reflexão, sobre um sistema de reforma, que se situou, até 1993, em idade inferior à dos homens.
Na verdade, a mulher associa ao seu emprego remunerado a prestação de trabalho não remunerado, contribuindo, como se referiu, para a produtividade nacional. Por não se ter ainda conseguido a partilha das tarefas. caseiras, a mulher contribui para o bem-estar das famílias com a prestação daquelas tarefas, incluindo a prestação de cuidados às crianças e a outros familiares, quase em exclusividade. Segundo revela um dos relatórios das Nações Unidas, as mulheres passam 30 horas ou mais, por semana, nas tarefas domésticas, mesmo que não tenham filhos, enquanto o homem, em média, apenas lhes consagrará umas 10 horas. Acresce que o homem mantém, assim, um horário mais ou menos constante, enquanto a mulher, associando ao seu trabalho remunerado aquelas tarefas e a prestação de cuidados aos filhos e aos familiares, tem uma instabilidade, na sua ocupação de tempo, que não pode deixar de repercutir-se negativamente, conjuntamente com a sobrecarga de trabalhos, no bem-estar das mulheres.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Pode dizer-se, efectivamente, que a desigualdade na repartição das tarefas sobrecarrega a mulher com o segundo turno de trabalho, degrada a qualidade de vida, que é inferior à do homem. E não colhe aqui chamar à colação a questão da esperança de vida, pois não está verdadeiramente explicado por que é que a mulher tem uma esperança devida maior, mas nada tem a ver com a qualidade de vida, pois é na idade média dos homens que aumenta a taxa de mortalidade.
A qualidade de vida das mulheres é, manifestamente, inferior à dos homens, porque homem e mulher estão, de facto, em desigualdade quanto à quantidade de trabalho com que contribuem para o produto nacional no mesmo período de tempo e em desigualdade relativamente ao bem-estar e à qualidade de vida.
Estes são dados adquiridos, que nos são retratados em termos mais belos no arquejar de Luísa pela Calçada de Carriche, no arquejar que se transforma ainda' nos gestos de autómato a lavar a loiça, a varrer a escada quando regressa a casa já noite fechada, ou que ainda chegam até nós através de Maria Velho da Costa: «Elas são quatro milhões. O dia nasce e elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café. Elas espiam a fiada das latas até tocar a sineta.»

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Elas estão também em desigualdade fáctica, relativamente ao sexo masculino, no posicionamento de ambos perante a pobreza.
A feminização da pobreza, bem patente na situação dos agregados familiares a cargo de uma mulher, é um dado adquirido sobre que se debruçam as instâncias internacionais. Por isso, a Comissão dos Direitos da Mulher do Parlamento Europeu, na audição pública a que procedeu sobre mulheres e pobreza na Europa, assinala, num documento inquietante em que se fala dos 50 milhões de pobres, que a segurança social tende a ter mais importância para as mulheres do que para os homens.
E isto porque foram e continuam a ser discriminadas; porque os seus rendimentos são mais baixos do que os dos homens e as suas comparticipações para o sistema são inferiores; porque, como foi assinalado pelo representante do Centro Regional da Segurança Social de Lisboa naquela audição, «a mulher é também no ambiente familiar a que de forma mais evidente sente o efeito da pobreza, quando a redução do, rendimento atinge a família». Acrescentando ainda que «na procura do emprego são também as mulheres que têm mais dificuldade em conseguir colocação, assim como são ás que menos possibilidades têm de promoção na carreira profissional e as que mais rapidamente são atingidas pelo desemprego».
São, pois, estas as razões que impedem que se fale no princípio da igualdade relativamente à idade da reforma das mulheres.
O decreto-lei do anterior Governo, dá, pelo contrário, um importante contributo para que se continue a acentuar a feminização da pobreza, tanto mais que surge num contexto em que se continua a acentuar o desemprego, sempre superior no sexo feminino, e que continuam a verificar-se todos os outros factores que mantêm, de facto, a discriminação das mulheres.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sem dúvida!

A Oradora: - Nada há, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que impeça que se fixe nos 62 anos a idade da reforma das mulheres.
A própria Recomendação do Conselho das Comunidades Europeias, de 27 de Julho de 1992, relativa à convergência dos objectivos e políticas da protecção social, tem nos seus considerandos a afirmação de que a proclamação solene dos direitos sociais fundamentais a nível da Comunidade Europeia não pode justificar, aquando da sua aplicação, uma regressão relativamente à situação existente em cada um dos Estados-membros.
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, enquanto se mantiver a situação da mulher portuguesa, situação de discriminação de facto, o tempo da sua actividade corresponder a quase dois horários de trabalho e ela se encontrar dramaticamente sobre-representada entre os pobres, não há qualquer justificação, a não ser a meramente economicista, para alterar aquilo que era um importante direito social da mulher - o descanso conseguido mais cedo - e para no seio das próprias mulheres avançar-se com qualquer proposta que cave a discriminação de umas em relação a outras.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Propomos que se retorne ao sistema que estava em vigor em 1993.
O retrocesso que o PSD decretou violou para mais o princípio do Estado Social consagrado na Constituição e o princípio da confiança que preside a todo o Estado de Direito Democrático essa confiança que temos de restituir às mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto e Helena Roseta.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, veio o Partido Comunista, pela sua voz, propor à Assembleia da República que a idade de reforma das mulheres seja fixada nos 62 anos. O PCP sabe que é sobretudo a função social da maternidade que justifica um tratamento desigual das mulheres e que é preciso encontrar soluções de justiça que não agravem a situação financeira da segurança social, cujo desequilíbrio crescente é do conhecimento geral.
E quando, como acontece hoje aqui, a demagogia do Partido Comunista vem sabotar o debate sério e urgente que é imperioso travar sobre o futuro da segurança social, não pode ter o voto favorável e nem sequer a abstenção dos Deputados da Juventude Socialista.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - A situação da segurança social e a reforma em geral do «Estado-Providência» dizem profundamente respeito aos jovens e a todas as organizações que os pretendem responsavelmente representar.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo comprometeu-se a não tomar medidas de fundo numa matéria em que os consensos são decisivos, sem a conclusão do Livro Branco e da auscultação dos parceiros sociais. Mas o PCP não está interessado em soluções mas, sim, em tirar dividendos políticos de mais um número demagógico, que não é o primeiro nem será o último, e à custa dos quais nunca se conseguiu nem se conseguirá fazer uma discussão séria sobre segurança social em Portugal.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

Os jovens portugueses já vivem a sombra da desigualdade no acesso à educação, a sombra do desemprego, a sombra da precariedade no emprego, não queremos que testemunhem o colapso da segurança, social e do seu direito a reformas dignas ao fim de uma vida de trabalho.

Vozes de alguns Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, porque é que o PCP, em vez de insistir em propostas avulsas e demagógicas, não se mostra antes disposto a participar com boa fé num debate global sobre esta matéria, que o Governo se comprometeu a levar a cabo? É que a viabilidade financeira a prazo da segurança social diz-nos respeito, porque seremos nós a pagar no futuro os desmandos demagógicos do PCP de hoje.
Por isso, votaremos contra o seu projecto de lei.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, na vida parlamentar é preciso assumir os momentos fáceis mas também os difíceis.
O Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto acabou de anunciar uma posição de voto que não exprime a posição de voto do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, por isso, quero, sob a forma de interpelação à Mesa, dizer ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que a posição de voto do Partido Socialista nesta matéria será expressa no momento próprio e não é aquela que foi expressa pelo Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, constato - e devo dizer que com algum agrado - esta liberdade de posições numa matéria que, efectivamente, tem de ser profundamente discutida, e a verdade é que ainda não o foi, nem na Comissão da Paridade e Igualdade de Oportunidades nem em outras instâncias desta Casa.
Sr.ª Deputada Odete Santos, como sabe, sou uma militante da causa da igualdade e da paridade entre mulheres e homens, mas a questão de introduzir, a pretexto da igualdade, diferentes idades de reforma, não é uma questão pacífica, é até, aparentemente, paradoxal, se assim quiser dizer. A vossa proposta de 1988 era mais pacífica.
Nessa altura, tanto quanto sei, o PCP propôs a esta Câmara que fosse reduzida a idade da reforma de mulheres e de homens para os 60 anos. Mas não é disso que estamos agora aqui a tratar. Do que estamos a tratar é de repor uma situação anterior, que vigorava, aliás, desde o tempo de Marcelo Caetano e alterada em 1993 pelo Governo de Cavaco Silva No entanto, sem se mexer noutras coisas, a vossa proposta acaba por introduzir uma série de desequilíbrios.
Sr.ª Deputada, em seu entender, o princípio da igualdade é compatível com diferentes idades de reforma para mulheres e homens? Admito que até possa ser, mas gostaria de ouvir a sua defesa nesta matéria. Pessoalmente, penso que o princípio da igualdade não. é neutro, mas gostaria de conhecer a posição da Sr.ª Deputada nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, embora eu goste de discutir com homens estas questões, o que até é interessante,...

Risos.

... prefiro, nesta matéria, dirigir-me à Sr.ª Deputada Helena Roseta, para responder às questões suscitadas que, a meu ver, são de, facto importantes.
Sou mais velha do que a Sr.ª Deputada, mas, de qualquer forma, também a Sr.ª Deputada já tem, em relação aos jovens, alguma distanciação e, às vezes, ao ouvir certas coisas... Tenho uma confiança tremenda na juventude, mas, às vezes, ao ouvir certas coisas, começo a pensar que o problema das mulheres portuguesas não é, de facto, muito sentido por alguns jovens do sexo masculino, o que lamento.
A Sr.ª Deputada Helena Roseta colocou-me a questão dos 60 anos. Sr.ª Deputada, temos de facto um problema que, em minha opinião, devemos discutir e que, aliás, estava no programa eleitoral do PCP, que é a questão do financiamento da segurança social.

Vozes do PSD: - Ah!...

A Oradora: - Temos essa questão grave e, por isso, não vamos avançar com propostas da idade da reforma aos 60 anos, para homens e mulheres, embora eu pense que em finais do século XX, com as novas tecnologias, já era altura de o homem e a mulher terem a reforma muito mais cedo. É a minha opinião. Mas como queremos fazer uma discussão sobre a questão do financiamento da segurança social não avançamos com uma proposta dessas, porque de facto seria, essa, sim, demagógica, o que não é aquela que apresentamos.
Em relação à questão da igualdade, talvez não me tenha feito entender bem, mas quando fui buscar as questões suscitadas na Conferência de Pequim sobre a feminização da pobreza que existe em Portugal - e citei as palavras do representante português, sobre a questão do tal duplo horário, que são realmente dados fornecidos pela ONU, de que as mulheres, para além do trabalho que têm fora de casa, trabalham em média 30 horas por semana ou mais - foi para dizer, em síntese, que a mulher e o homem se encontram aqui numa situação de desigualdade fáctica e que não se pode tratar da mesma maneira pessoas que estão em situação de desigualdade. É a mesma coisa que, como dizia Rousseau, pôr um gigante e um anão a correrem, em competição.
De maneira que, a nosso ver, é desejável que se resolvam os problemas da segurança social e que se nivele a reforma pela fasquia mais alta, pelo regime mais favorável. Isto é o desejável. Neste momento, há justificações, que apresentei, para determinar uma medida, que considero positiva, a fim de atenuar a desigualdade em que a mulher se encontra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já se encontra presente a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a quem dou, se quiser, a palavra, para uma intervenção, como relatora.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por pedir desculpas por me encontrar ausente da Sala.

O Sr. Presidente: - Não é caso para isso, Sr.ª Deputada. Não tem qualquer importância.

A Oradora: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O projecto de lei n.º 8/VII repõe o regime previsto pela Portaria n.º 476/73, que estabelecia a idade de acesso à pensão de velhice para as mulheres aos 62 anos.

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Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República foi ordenada a baixa à Comissão de Emprego, Segurança Social, Solidariedade e Família do projecto de lei acima referido. Cumpre assim analisá-lo.
Primeiro, vem restabelecer os 62 anos como idade de acesso à pensão de velhice para as mulheres.
Segundo, a análise temática da iniciativa em questão,
conclui-se:
Que esta restabelece a idade prevista pela Portaria n.º 476/73, que reconhece os 62 anos como idade mínima para que as mulheres adquiram o direito à concessão antecipada da pensão de reforma por velhice;
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 329/93, nomeadamente o seu artigo 22.º, altera para 65 anos a idade de acesso à já referida pensão de velhice;
O projecto de lei n.º 8/VII, como já referimos, estabelece, sem prejuízo de regimes mais favoráveis, os 62 anos como idade de acesso à pensão de velhice para as mulheres;
Na sua exposição de motivos, este projecto de lei, apresentado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros do PCP, encontra justificação na necessidade urgente de corrigir as gravosas alterações, introduzidas pelo Decreto-lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, nomeadamente aquela que aumenta a idade mínima da reforma das mulheres de 62 para 65 anos;
É ainda de referir que o projecto de lei em análise não estabelece um período de vacatio legis, a partir do qual a alteração proposta deve produzir os seus efeitos, o que, salvo melhor opinião, seria correcto, do ponto de vista da
técnica legislativa, e, a não ser feito, poderá pôr em causa a «lei travão».
Atentas as considerações e decorrido o período de consulta pública, em que expressaram a sua opinião nove uniões sindicais, 120 comissões sindicais, 72 delegações sindicais e 15 plenários de trabalhadores, somos de parecer que o diploma em análise reúne as condições constitucionais e regimentais para subir a discussão em plenário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma que estamos hoje a apreciar tem o mérito de introduzir um problema - que, aliás, a intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos abordou com uma enorme vastidão -, a problemática da situação social da mulher e das discriminações a que está. sujeita. Todavia, o diploma aqui apresentado não atinge praticamente qualquer desses objectivos e, só por isso, merecia o nosso voto contra. E porquê? Porque reduzir-se simplesmente a idade da reforma das mulheres, questão que não é consensual, mesmo entre as mulheres profissionais, já nem todas estão sujeitas às mesmas condições de trabalho e de exploração,...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - ... e não reduzir, concomitantemente, a carreira contributiva é condenar as mulheres a nunca atingirem a reforma completa e a mantê-las na situação que existe actualmente, de miséria,...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - ... de reformas em que elas são o contingente mais vasto da reforma mínima, da pensão mínima. Assim, a protecção da mulher trabalhadora e da mulher sujeita a condições de trabalho que não lhe permitem manter-se no mercado de trabalho, com qualidade de vida e condições de vida até aos 65 anos, deve ser enquadrada noutras sedes.
Em primeiro lugar, em matéria de higiene e segurança, devemos elencar um conjunto de doenças que, com efeito, são tipicamente femininas e não são enquadradas nem no regime nem na lista de doenças profissionais e que devem ser protegidas.

Vozes do PS: - Apoiado!

A Oradora: - Em segundo lugar, devemos proteger a função social da maternidade.
Portanto, considero que este diploma agrava e mantém em situação de pobreza a pobreza feminina.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

Agradeço os aplausos dos jovens Deputados do PS, mas devo dizer-lhes que há neste debate um grande mérito, que os jovens não observaram,: efectivamente, a situação da mulher e a necessidade imperiosa de introduzir no debate da reforma da segurança social as discriminações positivas é necessária e, por isso, concluímos que o PCP deu um contributo que merece ser apreciado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem apalavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Sr. Deputados: Uma das questões que, no plano social, merece a nossa preocupação é a que se refere à igualdade de tratamento entre homens e mulheres nomeadamente em matérias de segurança social.
Sem prejuízo de, oportunamente, podermos debruçarnos sobre a igualdade de tratamento de forma mais vasta, temos diante de nós a apreciação de um projecto de lei singelo, tão singelo que a sua matéria substantiva se esgota num único artigo - repor a idade de acesso à pensão de velhice para as mulheres aos 62 anos.
Quando se questionam em todo o mundo as bases dos sistemas de segurança social edificados em realidades totalmente distintas daquelas que existem hoje, o PCP apresenta uma medida pontual em vez de suscitar um debate sobre matéria fundamental como é a do sistema de segurança social em Portugal. Não é apenas o princípio da igualdade que se encontra em causa com este projecto mas uma forma simplista e demagógica de tratar de um assunto tão sério. Com efeito, além do princípio da igualdade já referido, estamos perante uma situação comum em praticamente toda a União Europeia com a excepção, na actualidade, de dois países - a Itália e o Reino Unido - onde é mais elevada a idade de acesso à pensão de velhice dos homens do que a das mulheres.
A União Europeia consagrou esta matéria na Directiva n.º 79/7/CEE, propondo agora, através de uma nova medida, a consagração da igualdade de idade de acesso à pensão para ambos os sexos. Tem sido entendimento comum, quer em sede da Comissão Europeia, quer do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, que o princípio da igualdade de trabalho implica não apenas a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirectamente, em razão de sexo, por referência, nomeadamente,

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ao estado civil ou familiar, especialmente no que respeita ao âmbito de aplicação e às condições de acesso aos regimes, à obrigação de pagar contribuições e ao cálculo das prestações. Por isso não tem sentido estar a discutir pontualmente uma questão que se insere numa matéria consensual a nível europeu e até mesmo mundial.
A reforma do sistema de segurança social deve ser uma matéria debatida sem demagogia, com seriedade e vontade de encontrar soluções consensuais. São conhecidas as posições do PSD nesta matéria pelo que não vale a pena repeti-las:
O PCP pretende com este projecto de lei uma alteração pontual num sistema que exige uma revisão ponderada mas, pelo menos, mantém a sua coerência nesta matéria. O mesmo não poderá dizer-se do Partido Socialista.
Enquanto partido da oposição, o PS juntou-se ao PCP na tentativa de não ratificação do Decreto-Lei n.º 329/93. Chegado ao poder, o Partido Socialista muda de opinião. No entanto, esta situação já não é estranha. O Partido Socialista continua a ter uma postura, agora que está no poder, diferente da que tinha quando estava na oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só para citar alguns exemplos, foi o caso do projecto de lei relativo à redução do horário normal de trabalho para as 40 horas semanais e da recusa das propostas da autoria do PS que o PSD reapresentou na discussão do Orçamento do Estado para 1996.
O Partido Socialista já nos habituou a estas posições dúbias e flutuantes, o seu discurso de oposição não tem consequência com a sua prática de poder mas ainda temos alguma esperança de que o Partido Socialista saiba assumir-se e não encontre mais motivos para adiar medidas passando a assumir posições coerentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD assume com coerência as posições em que acredita. Assistimos hoje deliciosamente a que o Partido Socialista venha agora, com um atraso de dois anos, dizer aquilo que o PSD já afirmou anteriormente.
Sr. Presidente, Sr.as. Deputadas e Srs. Deputados, o país espera da parte dos Deputados do Partido Socialista que o discurso e a prática assumam urna linha estratégica sem se fundirem em afirmações ligeiras em busca de um populismo fácil.
O Partido Socialista tem, por uma vez, de assumir-se como um partido de poder, não buscando no passado justificações para a sua incapacidade no presente.
O PSD, enquanto Governo, foi responsável pela medida que agora se pretende revogar. Foi uma medida difícil mas correcta e necessária. Assumimos, então, com coragem tal reforma. Era nossa obrigação como Governo porque um governo existe para ter opções, tomar medidas e assumir responsabilidades.
Por isso, neste momento, o Governo actual e o partido que o apoia devem igualmente assumir a responsabilidade de uma opção clara. Responsável pela gestão da segurança social é o Partido Socialista e o seu Governo, não o PSD. Tendo essa responsabilidade, o Governo e o PS devem dizer claramente ao país e aos portugueses se acham a medida tomada necessária ou dispensável, indispensável ou susceptível de ser modificada.
Essa responsabilidade é, neste momento, do PS e do seu Governo, não do PSD nem do seu grupo parlamentar, a qual implica dizer sim ou não de uma forma clara e não pela via da abstenção o que, para quem é Governo e numa matéria de governo, significa não ter opinião ou fugir à responsabilidade de ter de tomar decisões.

Aplausos do PSD.

O PS, estando no Governo, deve assumir responsabilidades e não escudar-se noutros, designadamente no PSD, para conseguir o que quer, sem ter o ónus, a coragem e a responsabilidade de assumir o que deseja.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.as Deputadas Isabel Castro e Elisa Damião.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Rodrigues, na sequência da intervenção que fez, gostava de colocar-lhe duas questões.
Percebi que considera o projecto de lei em discussão um contributo pontual, estando de algum modo implícito nessa apreciação que seria útil uma intervenção global no sentido da progressiva igualdade entre mulheres e homens. A primeira questão que lhe coloco é se, tendo o PSD estado tanto tempo no governo e defendendo uma visão e estratégia globais para a igualdade, por que não o fez?
Por outro lado, um dos aspectos que referiu e que, aliás, a Sr.ª Deputada Elisa Damião tinha há pouco mencionado diz respeito ao problema da segurança social e da eventual penalização que para as mulheres poderia advir da antecipação da reforma. Para nós, um dos problemas mais graves da penalização das mulheres em matéria de reforma tem a ver com as diferenciações salariais que, como sabe, afectam as mulheres por receberem cerca de 30 a 40% a menos do que os homens ainda que desempenhando as mesmas funções. A pergunta' que lhe faço é se está aberto a uma solução legislativa que possa penalizar as empresas que hoje praticam essa diferenciação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Rodrigues, isto de construirmos as nossas intervenções de véspera, de acordo com a leitura dos jornais, tem alguns inconvenientes, pois a crítica que, no passado, fizemos ao diploma do PSD era global. O referido diploma abarcava uma vasta reestruturação que, lamentavelmente, foi muito pouco discutida com os parceiros sociais, retrocedendo, inclusive, em propostas com eles já acordadas, e operou uma reforma abusiva, nomeadamente quanto à carreira contributiva. Logo, o que criticamos no projecto de lei do PCP é o facto de introduzir uma alteração sem ter introduzido a outra, que lamentavelmente prejudica e relega as mulheres para uma situação em que dificilmente atingirão os 40 anos de carreira contributiva, sabendo-se, como se sabe, que, hoje, as contribuições médias no caso dos homens são de 15 anos, no das mulheres de 10 e no de alguns grupos, por exemplo, o dos trabalhadores rurais, até São de bastante menos.
Ora, o Sr. Deputado concluiu talvez abusivamente ou induzido pelos nossos Deputados jovens que, sobre este diploma, tínhamos uma posição que retrocedia daquela que, sobre estas questões, tivemos. Estamos, também como o Sr. Deputado, interessados numa reforma global

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da segurança social, estamos interessados em discutir estas e outras temáticas, mas não abdicamos de medidas, mesmo de discriminação positiva, que favoreçam as mulheres trabalhadoras.
Já agora, só para rectificar, o problema das mulheres em matéria de reforma não se deve só ao facto de o seu salário ser inferior em 29% ao dos homens, mas de a sua carreira ser intermitente por saídas do mercado de trabalho em função da maternidade, pelo que não têm possibilidade de atingir uma pensão de reforma completa a manter-se o actual estado do mercado de trabalho, que discrimina em função da idade particularmente as mulheres.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.

O Sr. António Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, julgo que fui muito claro na intervenção que produzi relativamente à matéria hoje em discussão. De facto, não estamos a fazer qualquer tipo de discussão relativamente à segurança social, mas a assistir, única e exclusivamente, a uma disputa num espaço à esquerda do espectro político com o Partido Comunista Português a tentar pôr o Partido Socialista numa situação difícil...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... quando discutimos - e julgo que o próprio Partido Socialista assume essa realidade - que o sistema de segurança social precisa de ser repensado. Já dissemos, inclusive em sede de Comissão, estarmos disponíveis para discutir consensualmente essas matérias, porque não são de natureza intrinsecamente política, antes dizem respeito, acima de tudo, ao futuro de todos nós, daqueles que descontam, daqueles que trabalham; daqueles que têm uma expectativa de, após a vida activa, terem uma protecção futura. Mas não estamos disponíveis para discutir situações meramente partidárias nem questões de apresentação pontual de medidas avulsas que não resolvem nenhum dos problemas do país.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, infelizmente, se tivesse feito a minha intervenção ontem, hoje de manhã teria ficado baralhado e, depois de assistir a esta discussão no Plenário, ainda mais baralhado fiquei. É que, afinal de contas, já ouvi . várias posições de Deputados do Partido Socialista alguns dos quais até pertencem à direcção do grupo parlamentar.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Não ouviu, não!

O Orador: - Saúdo a pluralidade de opiniões mas fico na dúvida sobre o que é que o Partido Socialista quer: se, pela razão, pretende votar contra o projecto de lei, porque o Governo talvez lhe tenha dado instruções nesse sentido ou abster-se. Não sei, mas os Srs. Deputados oportunamente mo dirão. Um Deputado do Partido Socialista disse que, por ele, votaria contra; o líder do Grupo Parlamentar do Partido' Socialista disse que ainda não sabia, mas que seguramente o sentido do voto não era contra. Ficamos todos com enorme expectativa...

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Exacto! Já vai ver.

O Orador: - ... à espera de que o Partido Socialista, de uma vez por todas, se resolva e, já que o Governo não resolve governar, ao menos, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista decida afirmativamente as suas posições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei proposto pelo Partido Comunista Português, que repõe a idade da reforma das mulheres aos 62 anos de idade, a primeira dúvida que se nos suscita é se estamos ou não perante uma medida de discriminação positiva.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Porque o Partido Popular considera, e convém dizê-lo, que estas medidas de discriminação positiva podem - e são no com frequência - instrumentos fundamentais para estabelecer uma efectiva igualdade de. oportunidades entre mulheres e homens.
Não somos, nem nunca fomos, a favor de um igualitarismo puro e simples, antes defendemos as chamadas desigualdades úteis quando elas socialmente se impõem por razões de equidade. Mas também sabemos que na sociedade portuguesa, em múltiplos planos, estamos ainda longe dessa igualdade de oportunidades. Sabemos que são inúmeras as razões e os motivos que geram essa discriminação negativa.
Por isso o Partido Popular defende que as medidas que urge tomar nesta matéria, e que, note-se, não são apenas legislativas mas de criação de uma consciência social e política da urgência de pôr termo a esta situação, são por isso mesmo transversais e deverão consubstanciar-se num conjunto articulado e coerente, global e integrado, e nunca pontual e casuístico.
Mas uma segunda dúvida nos surge ao analisar este projecto de lei.
Sabemos que no âmbito da função pública não existe distinção quanto ao tempo ou idade de reforma entre mulheres e homens. Presumimos, pois, que, a ser aprovado este projecto de lei, o Partido Comunista Português, por uma questão de coerência social e política, proporia a extensão deste regime às funcionárias públicas ou equiparadas.
Ora, os custos financeiros de tais medidas seriam certamente consideráveis, atingindo muitos milhões de contos. E o Partido Popular está, sobretudo, preocupado com a rentabilidade social de tais custos: porque um dos maiores problemas com que as sociedades modernas se vão defrontar é, certamente, o da distribuição equitativa dos recursos existentes, que sabemos serem escassos; porque só se distribui o que há, e rotular a vontade (e o dever) de estabelecer prioridades, com vista à correcta afectação dos recursos, do pejorativo epíteto de economicista é, no mínimo, uma irresponsabilidade política.
Assim, considerando a necessidade de adoptar um conjunto de medidas que eliminem ou atenuem as causas da desigualdade de oportunidades, considerando que tais medidas envolvem custos que se justificarão, sempre e só, pela sua rentabilidade social e que, sendo os recursos limitados; obrigam a uma priorização, perguntamos: não deverão ser priorizadas outras medidas que atenuem ou eliminem o enorme esforço suplementar a que uma mulher está sujeita no início da sua vida activa? Está mes-

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mo, como sabemos, com frequência, condicionada na liberdade das suas escolhas.
A título de exemplo, citarei algumas dessas medidas possíveis e urgentes: primeiro, legislar com vista a permitir que a chamada dispensa para acompanhamento dos filhos (que pode ser prorrogável até dois anos) conte para efeitos de reforma - neste momento, não conta -, que preveja o direito a formação adequada após o regresso ao posto de trabalho, o que também não prevê, bem como a transferência das capitações da segurança social para a família durante esse período; segundo, a selectividade do abono de família; terceiro, a modulação das prestações familiares; quarto, uma política de equipamentos sociais, efectivamente ao serviço da família t da mulher, num quadro urbanístico que ponha termo à desordem ambiental e à diminuta qualidade de vida; quinto, a bonificação das pensões de invalidez que têm um regime profundamente injusto e, no caso das mulheres, com consequências acrescidas; sexto, a abertura de um novo período que permita àquelas mulheres que trabalharam mas não efectuaram descontos por, à época, não estarem ainda abrangidas por qualquer regime de segurança social, virem a fazê-lo com benefício, quer quanto à contagem do tempo quer quanto ao cálculo de reforma; sétimo, a possibilidade de transferência para a família que o desejar de capitações que são transferidas, já hoje, para serviços sociais na área da primeira infância ou da terceira idade; por fim, a criação de programas especiais em sectores onde a desigualdade e a desprotecção é mais patente, tal como os baixos salários e as dificuldades promocionais, como, por exemplo, a agricultura e os têxteis.
Ou seja, considerando tudo isto, pergunto: não serão estas medidas mais urgentes? Não será mais importante actuar sobre as causas do que sobre as consequências?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Note-se ainda que, ao contrário do que se diz no preâmbulo do projecto de lei, o regime agora proposto apenas se encontra em vigor em Itália e no Reino Unido, sendo que a tendência generalizada vai no outro sentido - e bem se compreende porquê.
Finalmente, convém referir que esta medida não diminui o desemprego. A saída de um trabalhadora de 62 anos não significa a admissão de uma outra trabalhadora mais jovem.
É claro que esta medida, se for integrada numa política de combate ao desemprego, pode fazer sentido. Se eu tiver desempregados já não de longa duração mas desempregados permanentes, pode fazer sentido uma política que diminua a idade da reforma, mas não como uma medida de discriminação positiva, antes como uma medida que, por exemplo, se aplique a determinados sectores produtivos em que esse problema mais se sinta ou, até, que se aplique a determinadas zonas do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem acompanha o que tem sido esta longa caminhada em prol da igualdade de oportunidades e da eliminação da enorme carga penalizadora que recai sobre as mulheres no esforço de conciliação entre vida privada e profissional sabe que, muitas vezes, boas intenções tiveram efeitos perversos e atiraram muitas mulheres para fora do mercado de trabalho.
Não é isto que o Partido Popular quer.
Por isso, o Partido Popular mostra-se desde já disponível para proceder à apresentação de medidas que, coerente e articuladamente, constituam um efectivo instrumento de melhoria da condição de vida das mulheres em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, serei muito breve, até porque disponho de muito pouco tempo.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que em parte nenhuma da minha intervenção disse que esta medida iria criar emprego. Poderia criar, se por parte das pessoas que detêm o poder económico não houvesse apenas a ambição de um lucro imediato e desmedido. De qualquer forma, não foi essa a afirmação que fiz.
Quanto às outras questões que a Sr.ª Deputada levantou, devo dizer-lhe que não foram objectivo deste projecto de lei, mas também temos propostas - e tivemos durante várias legislaturas - nessas áreas que referiu, nomeadamente em relação às pensões de velhice.
Relativamente ao que afirmou acerca da função pública, começo por dizer-lhe que não serei especialista nesta área mas, pelas mulheres que conheço da função pública, sei que se reformam com muito menos idade do que 62 anos - salvo erro, reformam-se com 36 anos de serviço, o que pode corresponder a uma reforma com uma idade muito inferior a 62 anos.
Posto isto, vou colocar-lhe uma pergunta, até porque não terei ouvido bem o que disse.
A Sr.ª Deputada começou por questionar se esta medida que propomos se trataria ou não de uma acção positiva contra as discriminações. Ora, na minha intervenção, ao ter apontado as discriminações a que as mulheres são sujeitas, até por uma questão de pobreza, tentei justificar a implementação dessa medida, e não me parece, Sr.ª Deputada, que esta seja uma daquelas medidas que se volta contra as mulheres.
Quanto às outras questões que têm a ver com o financiamento da segurança social, devo dizer-lhe que é uma matéria que está inscrita no nosso programa eleitoral pelo que, em momento oportuno, iremos debater o assunto.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, o que pretendi acentuar foi que sabemos que os recursos são limitados. Estando na oposição, podemos fingir que não o sabemos, mas penso que isso não é ética nem politicamente correcto.
Ora, havendo um conjunto de medidas para tomar, e que devem ser tomadas com vista a solucionar esta questão, pergunto-lhe se não considera que seria muito mais importante investir no início da vida activa, altura em que a mulher sente enormes dificuldades na conciliação entre a vida familiar e profissional, sendo mesmo efectivamente impedida de fazer opções de vida em muitos casos. Não privilegiaria a Sr.ª Deputada estas medidas em detrimento da diminuição da idade da reforma de 65 para 62 anos?
Relativamente à função pública, quero dizer-lhe que nem toda a gente perfaz 36 anos de serviço antes dos 62 anos de idade. Por conseguinte, uma vez que a função

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pública emprega maioritariamente mulheres, estou certa de que alguns cálculos feitos nessa área elevariam em muitos milhões o custo desta medida. Por isso, pergunto: se tivesse de decidir, tendo recursos escassos e não ilimitados, não crê que seria preferível privilegiar a primeira fase da vida activa das mulheres, isto é, actuar sobre as causas que levam a que mulheres cheguem frequentemente aos 62 anos no estado em que a Sr.ª Deputada Odete Santos muito bem descreveu? Não lhe parece que seria mais útil?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso, e é por isso que temos lutado sempre!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a questão hoje em discussão é extremamente complexa e que se não insere na lógica linear da igualdade entre mulheres e homens.
Na sequência de algumas intervenções já aqui produzidas, gostaria de sublinhar que não me parece que esta questão possa ser equacionada em meros termos economicistas. De facto, a igualdade não é neutra, a igualdade tem género, a igualdade não pode circunscrever-se a meras palavras técnicas.
Penso que quando se fala na antecipação da idade de reforma, retomando um património adquirido dos direitos das mulheres que o governo do PSD entendeu retirar-lhes, está a falar-se de uma realidade que não pode ser comparável. à que, eventualmente, se vive noutros países.
Há que ter em atenção a situação em que vivem as mulheres portuguesas, não só do ponto de vista das profundas diferenças salariais que as separam dos homens e, neste aspecto, aproximam-se de outras mulheres noutros países da União Europeia - mas em termos da inexistência de apoios, de estruturas, de equipamentos no seu dia-a-dia - e estes não são factores de aproximação com as mulheres de outros países. Há que atentar na forma como se vive num país onde as condições de ambiente urbano, o desordenamento, tornam bem mais penosa do que em quaisquer outros lugares a vida quotidiana das mulheres, ao que acresce o facto de, em Portugal, estas serem penalizadas não só porque têm os filhos a seu cargo mas porque, ao contrário de outros países, em Portugal não há redes de apoio domiciliário aos idosos que tornem menos penosa a assistência que lhes tem de ser dada. Todos estes factores colocam desde logo em desigualdade a situação em que hoje se encontram as mulheres portuguesas. Assim, entendemos que se a antecipação da idade de reforma das mulheres não é, por si só, uma medida que tudo solucione é, no entanto, um passo que tem de ser dado no sentido de uma intervenção mais alargada.
Não nos parece, pois, que esta questão possa ser definida no âmbito da mera lógica do seu custo. É bom que nos habituemos a fazer outras contas, por exemplo para sabermos quanto custam os dias em que, hipoteticamente, as mulheres faltam para dar apoio à família e quanto custa a um país que as mulheres tenham de optar entre ter ou não filhos, na medida em que isso significa ter ou não uma carreira profissional! Também é bom que se faça as contas de quanto é que custa viver num ambiente urbano degradado e ter situações, do ponto de vista físico e mental, de degradação da sua vida, porque isso, seguramente, tem custos para o Estado.
É, portanto, numa outra perspectiva de valores e valias, que não tenha a visão paroquial do que está à frente do nariz, mas seja capaz de ver de um modo mais alargado, que a discussão tem de ser feita. Nessa óptica, entendemos que o retomar da idade de reforma para as mulheres trabalhadoras aos 62 anos é um passo extremamente positivo, o qual votaremos favoravelmente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aplicação de discriminações entre géneros, sem qualquer elemento ponderado de variação, mesmo que com intenção claramente positiva, facilmente concorre para um resultado perverso e contrário ao pretendido, que é o da continuação da verificação de situações de desigualdade e, eventualmente, da acentuação de outras.
A prossecução do princípio da igualdade pressupõe sempre o reconhecimento das diferenças de cada um, na perspectiva da dignificação de tarefas de relevância inquestionável para a sobrevivência dos grupos humanos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Tarefas nunca remuneradas porque sistematicamente entendidas com escasso ou nulo valor social e nenhuma valia económica; tarefas que vão desde a maternidade aos cuidados com crianças e jovens, às tarefas de apoio familiar, ou à assistência à terceira idade, entre outras; tarefas que, na generalidade das situações, podem e são, por vezes, desempenhadas por mulheres ou homens, mas que na maioria das ocasiões recaem e são responsabilidade quase exclusiva das mulheres; tarefas sistematicamente representativas de uma sobrecarga, para a qual uma sociedade com preocupações de justiça social, que assume a solidariedade como elemento integrador e de desenvolvimento, tem de encontrar soluções compensatórias diversas e que não se esgotam na figura dos tempos de reforma variáveis segundo o género.

O Sr. José Saraiva (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Entre estas tarefas, há uma, no entanto, que recai exclusivamente sobre as mulheres, pela especificidade própria da sua natureza, que é a maternidade. Função que tem a dignidade própria de representar um valor único e inquestionável na construção e sobrevivência da sociedade; função que, sendo eminentemente natural e livre, representa sempre para as mulheres que trabalham cumulativamente, isto é, que desenvolvem alguma forma de actividade profissional, uma sobrecarga e um ónus exclusivo.
Uma escala gradual de soluções de reconhecimento da função social das tarefas referidas e da sua consequente compensação, na perspectiva da realização do princípio da igualdade de tratamento entre mulheres e homens, encontrará o seu enquadramento próprio nas medidas que virão a ser preconizadas e adoptadas na sequência das conclusões do livro branco sobre a segurança social.

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - Consideramos, no entanto, e no âmbito da discussão da fixação da idade da reforma para as mulheres, dever antecipar uma medida positiva, que se traduz pela ponderação bonificada da maternidade no cálculo da idade de reforma para as mulheres que, cumulativamente, têm uma actividade profissional.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A maternidade representa sempre um esforço adicional para quem o assume e não deve ser, por essa circunstância, factor de diferenciação.
No entanto, a maternidade representa um valor inquestionável na sobrevivência da sociedade: pelo seu inequívoco papel em ordem à revitalização da natalidade em Portugal; pela indiscutível dependência da criança nos primeiros anos da vida; pelo claro factor participativo no desenvolvimento equilibrado das pessoas e sua socialização pára o desenvolvimento de uma cidadania plena.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, e na linha da escala de soluções atrás definidas, entendemos dever antecipar esta medida positiva para as mulheres, fundamentada no reconhecimento claro e objectivo das diferenças específicas.
É esta a razão de ser do projecto que o Grupo Parlamentar do PS hoje apresenta, um projecto que procura enquadrar, com o sentido da medida e das disponibilidades financeiras do Estado, uma solução que genuinamente responda aos problemas da mulher que trabalha e que é mãe e da sociedade que deve assegurar as condições da sua renovação.
Trata-se de uma iniciativa que pretende valorizar o quadro geral de reflexão a que a nova maioria se comprometeu quanto à reforma do sistema de segurança social.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O tema fica agora introduzido na agenda e não deixará de ser equacionado, por nossa própria Deputada. vontade, no debate em torno do livro branco da segurança social.
Quero, pois, sublinhar o significado inovador da iniciativa. Pela primeira vez, a função social da maternidade é associada à problemática das reformas.

Aplausos do PS.

Vamos na direcção do tempo escolhido, da liberdade de cada um dar sentido próprio à sua vida Fazemo-lo com consciência social. Dessa responsabilidade não nos demitimos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Sr.ª Deputada Risos.
Maria da Luz Rosinha pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor.
A Sr.ª Maria da Luz Rosinha (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, como reconhecimento da função social da maternidade, vai neste momento dar entrada na Mesa do projecto de lei que cria o regime especial de 'antecipação da idade da reforma por velhice para as mulheres trabalhadoras.
Ao proceder à apresentação deste diploma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista valoriza a maternidade, faz justiça à mulher e propicia condições para salvaguardar a renovação demográfica do nosso país, o que não acontece actualmente, contribuindo para o enriquecimento de uma reflexão que deverá abranger outras medidas no âmbito da reforma geral do sistema da segurança social.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E os direitos das mulheres?! A Conferência de Pequim não serviu para nada!

A Orador: - É, pois, este o momento de regozijo que ficará na história, porquanto, até à data; nenhuma iniciativa tinha sido tomada com respeito pelos princípios da igualdade, articulados à antecipação da idade da reforma, com o reconhecimento da função social da maternidade.
Este diploma vai permitir, pois, que a idade da reforma possa ser antecipada de um ano por cada filho, até ao limite de três anos, sem qualquer prejuízo da carneira contributiva.

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa não tem ponta por onde se lhe pegue!..

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. º Deputada, devo fazer-lhe notar de que não se tratou de uma interpelação à Mesa, mas de uma verdadeira intervenção. De qualquer modo, o Partido Socialista dispunha de tempo para o efeito.
A Sr.ª Deputada Odete Santos pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr.ª Deputada

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Queria que o Sr. Presidente me confirmasse se, de facto, é verdade que o projecto de lei do PS diz isso, porque não quero crer!

Risos.

Aplausos do Deputado do PCP José Calçada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quer dizer, obrigam as mulheres a ter filhos?!

Vozes do PS: - Não, não é isso!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, o que lhe posso confirmar é que, efectivamente, acaba de dar entrada na Mesa um projecto de lei do Partido Socialista, com a finalidade anunciada pela Sr. Deputada que usou da palavra.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, correndo o risco de prejudicar esta parte animada do

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debate, queria pedir que fosse feita a seguinte rectificação: por lapso, aquando da votação do texto final da Comissão de Educação, Ciência e Cultura relativo ao Decreto-Lei n.º 271/95, sobre a Inspecção-Geral de Educação, o Partido Popular absteve-se, mas o seu sentido de voto é a favor.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 8/VII do PCP, cuja votação terá lugar na próxima quarta-feira, à hora regimental. Lembro que será nesse dia e não na quinta-feira - Dia da Liberdade -, porque haverá uma sessão solene com a presença do Sr. Presidente da República.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

a) Após rectificação do Deputado Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), o resultado da votação é o seguinte:

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do texto final da Comissão de Educação, Ciência e Cultura do Decreto-Lei n.º 271/95, de 23 de Outubro (ratificações n.ºs 6 e 8/VII).

O Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente ó texto final apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura em sede de ratificação da Lei Orgânica da Inspecção-Geral da Educação.
Na verdade, este texto melhora substancialmente o conteúdo do anterior decreto-lei emanado do último Governo de Cavaco Silva: a uma Inspecção centralista e centralizadora, sucede-se uma Inspecção efectivamente desconcentrada e «regionalizada»; a uma Inspecção administrativista, sucede-se uma Inspecção em que a vertente pedagógica é determinante; a uma Inspecção do Ministério ou do Ministro da Educação, sucede-se uma Inspecção do sistema educativo e das escolas; a uma Inspecção instrumentalizada e governamentalizada, sucede-se uma Inspecção com autonomia técnica, quer na especificidade da sua actuação, quer nas vias que lhe dão acesso; a uma carreira inspectiva menorizada e desvalorizada, segue-se uma carreira que, longe ainda do futuro desejável, dá agora passos sólidos no caminho da sua revalorização. Tudo isto, enfatize-se, só se tornou possível, nesta situação concreta, mediante a convergência de esforços no quadro de uma «maioria» PS/PCP - e até por isso esta situação, com as suas potencialidades e as suas limitações, se poderia assumir como exemplar.

O Deputado do PCP, José Calçada.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação do texto final da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da proposta de lei n.º 12/VII.

O Partido Social Democrata defendeu, em coerência com as posições anteriormente assumidas, a institucionalização, em sede da Lei de Bases dó Sistema Desportivo, duma crescente autonomia do movimento associativo e a sua adequação à evolução verificada no país e no sistema desportivo.
As posições assumidas pelo PSD, aquando da discussão, na generalidade e na especialidade, da proposta de lei n.º 12/VII, tiveram em linha de conta a dinâmica e o percurso do movimento associativo desportivo e a clara separação entre o desporto profissional e o desporto amador, consagrando a completa autonomia das ligas de clubes no respeito pelas normas legais e dos estatutos das federações correspondentes.
O PSD congratula-se com a evolução verificada no Parlamento, seis anos depois da aprovação da primeira lei de bases do sistema desportivo, no sentido de reconhecer a possibilidade de o desporto profissional poder suscitar o interesse de investidores privados com intuitos lucrativos.
Mas a solução encontrada para a caracterização do órgão de gestão das competições profissionais não pode merecer o nosso acordo.
O PSD entende que a solução do Governo, sustentada pelos votos do PS, não assegura a clareza e a certeza jurídicas no relacionamento entre as ligas de clubes e as correspondentes federações. Pelo contrário, é uma solução confusa que pode suscitar no futuro conflitos de competências entre as ligas e as federações e indefinições sobre as respectivas responsabilidades.
Por outro lado, o PS não acolhe na presente lei a dinâmica real desenvolvida pelas associações distritais ou regionais das diversas modalidades que ao longo de anos vêm organizando e gerindo o desporto não profissional.
O PS perdeu a oportunidade de clarificar, optando por agravar as confusões.
Por isso, o PSD não pode dar o seu acordo a esta oportunidade perdida.

Os Deputados do PSD, Castro de Almeida - Manuel Alves de Oliveira - Carlos Coelho - Pedro Pinto.

A Assembleia da República toma hoje decisão sobre a Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Como o Partido Popular denunciou aquando do debate na generalidade, não foi esta questão tratada com a dignidade e o aprofundamento que no nosso entender lhe deveriam ter sido dadas.
Ao falarmos da Lei de Bases do Sistema Desportivo deveríamos estar a falar de um máximo denominador comum do desporto português.
Findo o debate na especialidade, há contudo cinco aspectos que o Partido Popular quer deixar bem claros:
1. Não é esta a lei de bases do desporto nacional que o Partido Popular defende, nem a que proporia caso fosse governo.
2 - Há contudo aspectos de clara melhoria, nomeadamente na abertura da possibilidade de criação de sociedades desportivas com fins lucrativos.
Foi uma constatação da realidade existente e um passo em frente, no sentido de criar estruturas desportivas mais eficazes e adaptadas.
3 - A consagração das ligas profissionais de clubes como organismos autónomos, com personalidade jurídica, como as entidades organizadoras das competições profissionais.
4 - A consagração, por proposta do Partido Popular, de um regime de contabilidade obrigatória e organizada

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segundo as regras do Plano Oficial de Contabilidade para os clubes e sociedades desportivas que participem em competições profissionais que, segundo nosso entendimento, constitui um passo no sentido da transparência e credibilidade do desporto português e que havíamos prometido no nosso programa eleitoral de governo.
5 - Por fim, o desejo que esta Lei de Bases não seja aproveitada pelo Governo para criar mais estruturas ineficientes, quais sejam, por exemplo, mais direcções-gerais demonstrando assim toda a filosofia que presidiu à elaboração da actual e agora aprovada Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Fica assim claro que se deu hoje um passo em frente na adaptação do nosso desporto a uma sociedade cada vez mais exigente, mas fica também hoje claro que apenas porque o Partido Popular ganhou voz e peso político se evoluiu no sentido de acabar com a miopia política que há vários anos reinava e que não permitia ao nosso desporto adaptar-se, desenvolver-se e criar novas estruturas.
Estaremos hoje e sempre dispostos a melhorar o nosso desporto, por isso o nosso voto a favor.

O Deputado do CDS-PP, Sílvio Rui Cervan.

O PCP votou contra a proposta de revisão da Lei de Bases do Sistema Desportivo por considerar não ser esta a alteração necessária ao fomento da prática desportiva entre a população, objectivo que norteia a nossa acção neste campo.
A proposta em causa, como se provou amplamente pela discussão na especialidade, tinha como objectivo intervir na problemática do futebol profissional, passando ao lado dê questões fundamentais em. que se iriipõem alterações à Lei de Bases.
Por outro lado, trata-se de uma clara ingerência na dinâmica do movimento associativo, ao arrepio do respeito pela sua autonomia e ignorando a sua capacidade para encontrar as soluções mais adequadas.
O PCP nada tem contra o futebol profissional ou a existência de sociedades desportivas com intuitos lucrativos. O que consideramos é que actividades de natureza comercial devem reger-se pelo respectivo regime, não devendo usufruir de um regime de excepção ainda por cima consagrado na Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Do que o desporto em Portugal precisa é de uma verdadeira aposta no alargamento da sua prática a toda a população, sendo de lamentar que a proposta em causa dê prioridade a uma matéria que não contribuirá para aquele objectivo.

O Deputado do PCP, Bernardino Soares

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.

Partido Social Democrata (PSD):

Luís Carlos David Nobre.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António José Gavino Paixão.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Henrique José de Sousa Neto.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Filipe Menezes Lopes.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

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Página 1908

I SERIE - NUMERO 59

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