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19 DE JULHO DE 1997 3553

quando D. Afonso é deposto, mas não cai nas boas graças da rainha.
Foi este o momento que o Santo Ofício achou propício para cair como um milhafre sobre o indefeso padre. O prato forte da acusação foi o seu sebastianismo centrado na ressurreição de D. João IV, para realizar o "Quinto Império". Mas, na base do ódio inquisitorial estavam " a inclinação para a gente hebreia", a hostilidade dos dominicanos, adversários jurados da Companhia de Jesus, e o pano de fundo da hostilidade dos fazendeiros do Brasil.
Que Vieira fosse sebastianista, nada tinha de excepcional, escandaloso ou herético. Muito ilustre gente o foi antes dele e depois dele.
E quando um racionalista encartado, como Sampaio Bruno, considera o mito sebástico uma "aberrante maluquice", ou que António Sérgio; outro que tal, tenha considerado D. Sebastião um "pateta", um "pedaço de asno" e um "atrasado mental", não invalida que Teófilo Braga tenha considerado o sebastianismo como "o carácter étnico do povo português", que Oliveira Martins o tenha definido como "prova póstuma da nacionalidade" e que António José Saraiva o tenha encarado como uma espécie de "mensagem nacional da metafísica colectiva".
Fernando Pessoa fê-lo caber no seu génio e autodefiniu-se como "nacionalista, místico, sebastianista e racional", assim tentando conciliar o sebastianismo com a razão. E preencheu com ele - como se sabe - quase metade da sua também profética Mensagem.
Qualquer que seja a verdadeira génese do fenómeno característica da raça, herança céltica ou judaica, ou apenas reacção colectiva de rejeição de um sentimento de finis patriae - uma coisa é certa: a fé messiânica no regresso do Encoberto desempenhou um importante papel como suporte psicológico dos partidários da restauração. Foi o reverso da velha máxima latina, segundo a qual acreditamos facilmente no que desejamos - facile credimus quod volumus -, com igual facilidade rejeitamos, como a um corpo estranho, aquilo que nos faz sofrer.
Ainda assim, surpreende que um cérebro tão reflectido como o de Vieira, tão lógico tão racional, tão silogístico e tão dialéctico, tão genial em suma, tenha podido aceitar, como acto de fé, que D. Sebastião reencarnou em D. João IV. Que, morto este, ressuscitaria, ou reencarnaria em D. Afonso VI, ou no filho, que só viveu um mês e já estava morto quando Vieira transmudou para ele o objecto do seu delírio. Ou para D. Pedro, uma vez feito rei, ou para "o infantinho", filho deste. Tudo isto com a mesma seriedade e a mesma fé!... Do que ele precisava era afinal de um rei, um "editor responsável", qualquer que fosse, para a sua visão mística de um "Quinto Império Universal", unificado na fé em Cristo e sediado em Lisboa. Sediado em Lisboa!... Ainda e sempre a visão da grandeza da Pátria a invadir os espaços do sobrenatural. Portugal era para ele, sem a menor dúvida, "o segundo povo eleito"
Vieira não foi, seguramente, uma personalidade linear. Antes de correr o risco de imitar também no tamanho os sermões do maior pregador português de sempre, só mais duas palavras sobre a obra escrita que Vieira nos deixou.
No seu conjunto - sermões e cartas - o legado literário de Vieira emparceira, em monumentalidade, com o Mosteiro dos Jerónimos!
Nunca o perfeito domínio da língua portuguesa havia sido levado tão longe, nem depois dele voltou a ser. Latinista insigne; familiar dos textos sagrados, dos quais retirava pepitas de surpreendente sentido novo; situado com mestria no ponto de encontro da filosofia e da teologia; senhor de um inultrapassável rigor conceitual; associando o mais apertado realismo à mais surpreendente fantasia; grande consumidor de alegorias, metáforas, silogismos e antíteses, Vieira é o mais imaginativo ourives da palavra e trapezista da língua.
Depois dele, e no cotejo com ele, os maiores prosadores empalidecem Que me perdoem os excelentes Oradores sacros e profanos que passaram pelo púlpito e pela tribuna.
Que grande Deputado teria sido! Infelizmente, só marca presença nos Passos Perdidos, através da obra inacabada de mestre Columbano.
Nunca saberemos qual o grau de aproximação e coincidência entre os sermões falados e os sermões que para nós redigiu na última etapa da sua vida. Parece que a partir de borrões, notas e apontamentos. Assim se explica a inultrapassável beleza formal; o inexcedível rigor conceitual, a quantidade e a fidelidade das citações bíblicas. Por mais prodigiosa que a sua memória tenha sido, e seguramente foi, é difícil aceitar que, décadas depois de os ter pronunciado, fosse possível reproduzi-los de memória tal qual originariamente os havia comunicado.
Temos assim de considerá-lo, não apenas o maior Orador de sempre, mas um inultrapassável escritor. As suas cartas, originariamente escritas, representam um talentoso e fiel diário dos acontecimentos políticos e sociais do seu tempo.
Já no fim da vida, mas não desligado dela, soube que os estudantes da Universidade de Coimbra lhe haviam feito a "suma injúria" de o queimar em efígie. A Inquisição, em realidade, não tinha ido tão longe.
Não se sabe ao certo até que ponto isso o amargurou. Mas eu, que também fui estudante de Coimbra, sei até que ponto isso me dói "nesse outrora agora", como diria Fernando Pessoa.
Perante a memória de um Português tão grande - do qual, só a letra, ao que se diz, era miúda - comovamo-nos, Senhores!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - No uso de um direito próprio, vai usar da palavra S. Ex.ª o Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio): Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, Sr. Ministro da República para os Açores, Sr. Provedor de Justiça, Sr. Cardeal Patriarca Iminência, Ilustres Autoridades Civis e Militares, Srs. Embaixadores, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Honrar a memória do Padre António Vieira, é um dever nacional e constitui manifestação do reconhecimento e louvor a quem fez do engrandecimento de Portugal independe a razão fundamental da sua acção incansável, o tema principal da sua palavra arrebatada.
Com a distância que a passagem do tempo e a acumulação de uma herança riquíssima de investigações, estudos e interpretações permitem, lembrar Vieira no 3.º centenário da sua morte deve ser conhecer melhor e divulgar mais a sua obra, a sua personalidade, o seu destino, pois nele vida e verbo se fundem e mutuamente se sustentam. É, sobretudo, leme reler os seus textos, de uma beleza irrepetível, essa linguagem alta, rápida e

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