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I Série - Número 101

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE JULHO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Maria Luísa Lourenço Ferreira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 130/VII. do projecto de lei n.º 40/VII e do projecto de deliberação n.º 43/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Marques Júnior (PS) deu conta à Câmara da visita que a Comissão de Defesa Nacional efectuou à unidade militar que, integrando as forças da SFOR no âmbito da ONU, cumpre missões humanitárias na Bósnia-Herzegovina na sequência dos Acordos de Dayton, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Cardoso Ferreira (PSD). O Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP) fez um balanço das promessas eleitorais do Partido Socialista e da realidade actual do distrito de Leiria e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Osvaldo Castro (PS) e António Barradas Leitão (PSD).
Ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, o Sr. Deputado Cruz Oliveira (PSD) chamou a atenção para problemas do distrito de Bragança que este Governo prometeu resolver e que continuam a aguardar solução. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mota Andrade (PS).

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate da revisão constitucional [artigos 152.º (cont.), 154.º e 155.º, 157.º a 173.º, 175.º a 177.º e 179. º.]
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Ferreiro Ramos (CDS-PP), José Magalhães (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Jorge Lacão e Cláudia Monteiro (PS), Mota Amaral Moreira da Silva, Miguel Macedo e Pedro Campilho (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Carlos Encarnação (PSD), João Corregedor da Fonseca (PCP), Maria Eduardo Azevedo, Luís Marques Mendes. Calvão da Silva e Carlos Coelho (PSD), Moura e Silva (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD) e Jorge Ferreira (CDS-PP).
Entretanto, foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 120/VII - Autorização para contracção de empréstimos externos (ALRA).
Foram igualmente aprovados os textos finais apresentados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativos à proposto de lei n.º 57/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de Direitos de Autor e Direitos Conexos e aos projectos de lei n.º 132/VII - Sobre extinção da enfiteuse ou aforamento (PS) e 278/VII - Cria o Sistema de Informação para a Transparência dos Actos da Administração Pública (SITAAP) e reforça os mecanismos da transparência previstos na Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto (PS), bem como o texto final, apresentado pela Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, relativo no projecto de lei n.º 169/VII - Acompanhamento familiar de deficientes hospitalizados (Os Verdes).
No âmbito da revisão constitucional, foram votadas alterações relativas aos artigos 152.º, 154.º e 155.º, 157.º e l58.º.
A Câmara aprovou ainda diversos pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando Deputados do PS e do PSD a deporem em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Areias Fontes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.

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António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva:
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista "Os Verdes" ( PEV ):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, as seguintes iniciativas legislativas: proposta n.º 130/VII - Altera a Lei n.º 5/95, de 21 de Fevereiro, por forma a incluir toda a estrutura da Polícia Marítima (PM) nas forças ou serviços de segurança que podem exigir a identificação de qualquer pessoa, nas condições nela previstas, que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 401/VII - Rectifica a Lei n.º 22/97, de 27 de Junho (Altera o regime de uso e porte de arma (PSD, PS, CDS-PP e PCP); e projecto de deliberação n.º 43/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Aval do Estado à UGT (Presidente da AR).

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Na reuniões plenárias de 15 e 16 de Julho de 1997, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Falcão e Cunha e António Filipe; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Rodrigues e Mota Amaral; ao Ministério das Finanças e ao Ministro da República da Região Autónoma dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Arlindo Oliveira; ao Sr. Ministro Adjunto, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Alves de Oliveira e Rodeia Machado; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; a diversos Ministérios, ao Instituto Nacional da Administração e à Presidência do Conselho de Ministros, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Nas reuniões plenárias de 17 e 18 de Julho de 1997: ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa de Oliveira; à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Antão Ramos : ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Roleira Marinho e Filomena Bordalo; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Costa Pereira e Lino de Carvalho; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, das Finanças e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado José Cesário.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados, nos dias 18 e 22 de Julho de 1997, pelos seguintes Srs. Deputados: José Luís Moreira da Silva, na sessão de 5 de Junho, e Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 12 de Junho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 21 uma delegação da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, com representação de todos os grupos parlamentares, efectuou uma visita à unidade militar que, integrando as forças da SFOR, no âmbito da ONU, cumpre missões humanitárias na Bósnia-Herzegovina, na sequência dos Acordos de Dayton.
Esta visita enquadra-se nas missões da Comissão de Defesa Nacional e no seu programa de actividades, que tinha previsto visitar as unidades militares que, no estrangeiro, cumprem missões em apoio à paz, ao serviço de Portugal mas também da Humanidade. Aliás, é de sublinhar, Sr. Presidente da Assembleia da República, a mensagem que V. Ex.ª enviou, em nome dos parlamentares portugueses, às tropas na Bósnia, de que tivemos conhecimento.
Fomos, talvez, os últimos parlamentares da área da defesa a visitar as forças militares dos respectivos países, apesar de seguirmos atentamente, ao longo dos tempos, como nos compete, a evolução da situação com reuniões periódicas no âmbito do EMGFA. Temos ainda previsto efectuar uma visita de trabalho a Angola quando for considerado oportuno.
Esta visita revelou-se de grande utilidade para nos apercebermos, localmente, da situação política envolvente e para verificarmos a forma como os militares portugueses vivem e cumprem as suas difíceis missões.
Passado todo este tempo, em que naquela região europeia as forças multinacionais criaram condições para pôr fim a uma guerra civil fratricida, em que morreram centenas de milhares de pessoas, não podemos, infelizmente, considerar que a situação se apresenta de tal modo estabilizada que seja impossível voltarmos a assistir a muitos dos horrores que levaram à intervenção das forças da IFOR. Basta referir que existem na Bósnia mais de 30 000 campos de minas conhecidos, num total estimado de mais de três milhões, e se houvesse 1000 desminadores - que não há - a trabalhar todos os dias levariam mais de 30 anos. O ritmo da desminagem é demasiado lento.
Dos acordos de Dayton, para além das questões militares, havia outros aspectos importantíssimos que deviam ter sido desenvolvidos e dos quais destaco a reconstrução geral, incluindo a económica e as eleições democráticas que pudessem ser factores políticos de estabilização naquela região.
É justo reconhecer que, no aspecto militar, a evolução tem sido positiva e são raros os incidentes que hoje se verificam, o que para muitos observadores era impensável acontecer. Permanecem, no entanto, sem evolução significativa os aspectos políticos mais relevantes, apesar das eleições efectuadas, que não atenuaram os conflitos étnico-políticos. Aproximam-se agora as eleições autárquicas consideradas muito difíceis, que, segundo os observadores locais, também não vão introduzir qualquer tipo de alteração significativa.
Quanto aos aspectos da reconstrução económica, a situação não tem tido praticamente qualquer evolução. No fim do conflito só 4% da indústria funcionava e hoje continua a ter uma expressão mínima. Vive-se praticamente uma economia de guerra, que gera quase 80% de toda a economia e a mafia tem uma acção cada vez mais poderosa. Isto resulta, em parte, da pouca participação da comunidade internacional, apesar de algum esforço da União Europeia, e, por outro, pelo facto de a distribuição da ajuda ser feita de forma que muitos afirmam ser tudo menos "inocente".
Todos nós sabemos que, enquanto não houver desenvolvimento económico e o tratamento diferenciado dado pela comunidade internacional às diferentes etnias for tão grande como aquele que se verifica, não haverá verdadeira paz. Também aqui a hipocrisia da comunidade internacional, actuando na base de vários pesos e várias medidas, pode conduzir a situações não desejáveis e sempre preocupantes.
Simultaneamente, com estas acções verificam-se apoios específicos de vários países a várias etnias, violando princípios básicos, que eram pressupostos fundamentais dos acordos de Dayton. Temos de procurar evitar que os europeus se dividam no apoio a croatas e sérvios e os americanos aos muçulmanos, porque qualquer solução que passe por critérios de natureza étnica é verdadeiramente revoltante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretende esta intervenção tecer considerações sobre os problemas

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políticos muitos complexos que se passam naquela região, mas tão-só algumas notas avulsas que permitam compreender a situação que se vive na Bósnia-Herzegovina e que pode, se os líderes internacionais desvalorizarem os fenómenos reais que se desenvolvem ao nível das populações, conduzir a uma nova situação de conflito que, depois de tanto esforço e esperança, seria não só dramático mas imperdoável. Podemos dizer, com alguma propriedade, que vivemos hoje mais um cessar fogo de que uma verdadeira paz.
Um dos acontecimentos mais recentes que pode alterar significativamente a situação é o facto da existência da chamada "lista secreta dos criminosos de guerra", que cria uma grande instabilidade e lança a desconfiança sobre as forças militares no terreno. Uma das maiores conquistas, responsável pelo êxito da missão da IFOR, foi a confiança estabelecida entre as populações e as Forças Armadas, considerando a sua isenção e a sua idoneidade, embora não igualmente considerada perante todas as forças em presença. A missão da IFOR, e agora a da SFOR, não é e não pode ser a procura de criminosos de guerra (que não está prevista nos acordos de Dayton), pelo que não podem agora assumir essa missão sob perigo de provocarem na região uma grande desestabilização e desconfiança, que terá como consequência quase inevitável o quebrar-se o elo que permitiu que até agora a operação Bósnia tenha tido um resultado globalmente positivo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A procura de criminosos de guerra de todas as etnias, que devem ser julgados pelos seus crimes, deve ser uma missão de polícia e não das Forças Armadas. Essa distinção deve ser muito claramente assumida. Não é essa a missão das Forças Armadas.
Um outro aspecto que tem ultimamente lançado alguma perturbação no desenvolvimento da operação Bósnia, mas que não pode ser considerado propriamente novidade, na medida em que é uma interrogação que se tem colocado desde o início da operação, é a eventual saída dos americanos e, como consequência, a possibilidade de ficarem ou não no terreno forças de outros países, nomeadamente europeus, com consequências imprevisíveis, mas graves, em qualquer das circunstâncias.
Como reagirá a Comunidade Europeia à saída dos americanos? O que acontecerá a seguir? Que estratégia pode estar subjacente à hipótese de voltarmos a ter a Bósnia envolvida nos horrores do passado, ainda por cima se houver responsabilidade no não cumprimento integral dos acordos de Dayton?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria agora de falar da acção das Forças Armadas Portuguesas na Bósnia-Herzegovina.
Em primeiro lugar, para sublinhar o esforço que foi necessário fazer para que as forças militares integradas na IFOR em missão humanitária, actuando no âmbito da ONU, pudessem ser dotadas de meios adequados ao desempenho das suas funções. Exigiu um esforço financeiro suplementar que deve ser sublinhado, a par de uma organização específica na adequação do pessoal e dos meios disponíveis para o cumprimento dessa missão. Não foram, evidentemente, os meios ideais e, nalguns casos, só o extraordinário estoicismo dos militares portugueses superaram certas dificuldades.
Importa salientar que a resposta rápida dos militares, mesmo com as grandes dificuldades que são conhecidas, só foi possível porque, contrariamente ao que muitas vezes se pretende fazer crer, existe um esforço continuado de preparação, daquele esforço que parece não se ver e muitas vezes não se entender e que é o dia-a-dia dos militares nos quartéis, em instrução, que muitos consideram desnecessária atendendo à conjuntura, mas que se revela fundamental nas situações de crise.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim, foi possível, com a aquisição de alguns meios específicos adequados às circunstâncias da missão, organizar uma força, que tem permitido cumprir, com grande profissionalismo e eficiência, a missão que lhe foi atribuída, dentro da orgânica específica da brigada italiana que integra e no âmbito da divisão francesa de que fazem parte.
A nossa participação desde o início da operação IFOR, em Janeiro de 1996, com a missão humanitária de conseguir a paz naquela região, tem sido coroada de sucesso e não são poucos os elogios que lhes têm sido feitos pelas mais altas instâncias civis e militares, quer nacionais quer estrangeiras.
A nossa capacidade de adaptação às situações mais difíceis e nas piores condições de vida não são propriamente uma novidade para os militares portugueses ao longo de várias gerações, mas em todas elas os soldados portugueses têm dado provas de grande disciplina, profissionalismo e sentido de dever, que as têm tornado credoras dos mais rasgados elogios.
No caso concreto da Bósnia, somos um povo sem interesses específicos na região, o que não acontece com outros países. Por isso, o nosso objectivo, que é a paz, foi facilmente assimilado por todos os militares e reconhecido sem sofisma ou hipocrisia por todos aqueles com quem contactamos.
Não há, naquela região e no quadro dos acordos de Dayton, para os militares portugueses, inimigos, mas sim povos com problemas próprios e específicos que procuram a paz, e a nossa missão é ajudá-los. Pode mesmo dizer-se que a grande recompensa moral para os nossos militares tem sido a certeza da sua utilidade e o reconhecimento local da sua acção.

Aplausos do PS.

O facto de serem tratados como amigos por todas as partes é a melhor prova da sua boa conduta e o melhor prémio pela sua acção. Tivemos oportunidade de verificar no local, depois de um briefing que nos foi feito pelo Embaixador Tânger Correia e pelo Comandante das Forças do Tenente Coronel Carmelindo Mesquita, que tem sido muito dura e continuará a ser a missão da força portuguesa, quando ainda por cima está reduzida a 1/3 dos efectivos da força inicial para cumprirem as mesmas missões.
As dificuldades vão desde as próprias condições de alojamento às condições em que são feitos os patrulhamentos, até às condições de guarnição e vigilância das instalações e postos militares, missões que são agravadas durante o Inverno. Para se ter uma ideia das dificuldades basta dizer que no interior de uma viatura blindada de transporte de tropas a temperatura é inferior, muitas vezes, em 10 graus, aos vários graus negativos que se vivem no exterior, durante o Inverno. Os patrulhamentos dos itinerários à sua responsabilidade são considerados dos mais perigosos e dos poucos em que se transita com

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alguma segurança. São itinerários que, até pelo seu aspecto, pelo seu traçado e pelos desfiladeiros que os ladeiam, são verdadeiramente perigosos.
No entanto, foi-nos dado a conhecer a elevada moral de todas as forças e até um certo orgulho na missão que estão a desempenhar. O relacionamento com a população civil de todas as regiões parece ser excelente, com os militares a participarem na ajuda às populações mais necessitadas, com víveres, medicamentos e até assistência médica. A este propósito, convém salientar a acção que a jornalista Lurdes Pretty, que convive diariamente com o parlamento português como repórter da Rádio Capital, que tomou, ao accionar um conjunto de vontades civis e militares e ao conseguir colocar à disposição do batalhão português, milhares de brinquedos para serem distribuídas pelas crianças da região do nosso batalhão. Foi uma acção que teve um impacto extraordinário no relacionamento dos militares com as populações e na moral dos próprios militares. À jornalista Lurdes Pretty, o nosso sincero agradecimento.

Aplausos do PS:

A propósito, recordo todos os jornalistas, artistas e não só, que têm desde o início acarinhado, com iniciativas diversas, os militares em missão na Bósnia.
Desta nossa visita à força militar na Bósnia é justo sublinhar o papel do Embaixador Tânger Correia e o seu excelente relacionamento com o batalhão português. O Embaixador Tânger Correia é um diplomata "de mangas arregaçadas", encarando com serenidade todas as situações, tendo um conhecimento muito profundo da sua missão e de todos os desenvolvimentos militares e diplomáticos que passam neste cenário. É uma voz autorizada que tem de ser ouvida, até porque é possível e desejável alterar algumas estruturas nacionais importantes no apoio à participação portuguesa no âmbito da reconstrução económica daquela região, que não tem tido qualquer acção nem sequer no aproveitamento de apoios da comunidade internacional, independentemente do apoio político que não tem faltado, quer ao nível do Ministério da Defesa Nacional quer ao nível dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num momento em que estão em curso grandes transformações ao nível das Forças Armadas é importante salientar a forma como os militares portugueses têm desempenhado missões inteiramente novas de cooperação internacional no âmbito da Aliança Atlântica e, ao mesmo tempo, sublinhar o brilhantismo com que o têm feito e a importância do apoio que têm dado à política externa portuguesa.
Isto só é possível porque as Forças Armadas são, apesar das vicissitudes por que têm passado, uma instituição que tem colocado, e continuará a colocar, acima de quaisquer outros interesses, o interesse nacional. É da sua natureza e da sua vocação, e nem sequer deveria merecer qualquer sublinhado, que só se justifica quando tantos se interrogam sobre as suas Forças Armadas.
Por último, uma palavra para aqueles militares que morreram ou se acidentaram no cumprimento do seu dever, com a certeza de que os militares portugueses, Portugal e os portugueses não os esquecerão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, congratulo-me, naturalmente, com o teor da intervenção de V. Ex.ª que vem na sequência dá deslocação de uma representação da Comissão de Defesa Nacional deste Parlamento às nossas forças na missão na Bósnia-Herzegovina. Eu diria mais: se não fosse a sua intervenção quase que esta nossa deslocação se teria passado na clandestinidade. Um visita importante que - e, como sabe, éramos o único Parlamento de entre os países com forças na missão das Nações Unidas na Bósnia-Herzegovina que ainda não tinha visitado os seus soldados -, se não fosse essa circunstância, teria passado despercebida.
Portanto, congratulo-me com a sua intervenção, pois permite aqui tornar público que uma representação do Parlamento português esteve junto dos nossos soldados naquela missão, tornando conhecimento e contacto no terreno da forma como a estão a desempenhar, tendo em conta as suas dificuldades, a sua moral, o seu estado de espírito, e, naturalmente, tratando-se também de um reconhecimento da capacidade das Forças Armadas Portuguesas e da credibilidade que hoje essas Forças Armadas têm no desempenho deste tipo de missões.
É certo que algumas daquelas missões são missões de um risco potencial. Nós acompanhámos as dificuldades com que, diariamente, quer do ponto de vista operacional quer do ponto de vista político, nos confrontamos; tivemos oportunidade de, no terreno, sermos informados do quadro político em que a missão se desenrolava e tivemos, acima de tudo, a possibilidade de constatar que, na sequência de decisões do governo anterior e deste Governo, Portugal, através das suas Forças Armadas, é capaz de desempenhar os seus compromissos internacionais e, assim, credibilizar-se e, ao mesmo tempo, credibilizar o país.
Para finalizar a minha congratulação, Sr. Deputado, quero dizer-lhe também que hoje não se pode falar só deste tipo de missões sem se ter um outro tipo de intervenção. Isto é, é louvável, é importante em termos de presença portuguesa e de cumprimento dos nossos compromissos internacionais, mas muito mais importante do que isso, Sr. Deputado, é que se proceda às reformas urgentes nas Forças Armadas, que se acabe com este clima de instabilidade, de insegurança, de incerteza quanto a carreiras, a missões e a meios.
Gostaríamos, nós, PSD, que, muito rapidamente porventura, já tardiamente, mas mais vale tarde do que nunca -, o Governo se decidisse quanto às Forças Armadas, o que quer das nossas Forças Armadas, o que quer que elas sejam, que tipo de missões devem desempenhar, com que tipo de equipamento.
Essas reformas tardam. É, pois, urgente que o Governo informe o Parlamento, se defina e, acima de tudo, avance num caminho que, a tardar, pode causar danos irreversíveis numa organização (como o senhor sabe muito bem porque é, profissionalmente, militar de carreira, ainda que na situação de reserva) de uma sensibilidade numa área essencial do Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, as minhas palavras são mais para agradecer os comentários feitos pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira, uma vez que, praticamente, não me fez qualquer pergunta.

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No entanto, quero sublinhar dois ou três aspectos que referiu. Um deles, o facto de a nossa visita, que não deixou de ser uma visita parlamentar, com a importância que isso tem, às forças militares que desenvolvem pressões de grande importância, se calhar, ainda não estar devidamente avaliada em toda a sua extensão, quer pela comunidade nacional quer pela comunidade internacional. Aliás, procurei sublinhar esse facto na minha intervenção, chamando a atenção para os perigos que, no caso de os líderes internacionais desvalorizarem os fenómenos que estão a acontecer no terreno, poderemos vir a enfrentar no futuro.
De facto, esta é uma missão importante e a visita que teve lugar deveria ser equacionada e perspectivada também como importante mas, como o Sr. Deputado Cardoso Ferreira referiu, e muito bem, se eu não tivesse feito esta intervenção, provavelmente esta teria sido uma visita feita, de certo modo, "na clandestinidade". Este aspecto deve ser sublinhado e, por isso, faço votos para que a própria comunicação social consiga transmitir para o exterior a importância das forças militares que se encontram na Bósnia, bem como a importância da visita levada a cabo pelos parlamentares portugueses na Bósnia.
No que diz respeito à missões que as Forças Armadas cumprem, chamei a atenção para um pormenor que me perece muito importante, que é o de se considerar, muitas vezes, que as Forças Armadas não estão preparadas para desenvolver determinado tipo de actividades ou, para os mais cépticos, que as Forças Armadas não são necessárias ou, ainda, que basta organizar-se forças armadas para cumprir certas missões, por exemplo, no estrangeiro.
Na minha intervenção procurei dizer que as missões no estrangeiro só se cumprem bem e com dignidade, porque na retaguarda existem Forças Armadas. É aquilo a que eu chamo a diferença fundamental entre existirem Forças Armadas e uma força armada para cumprir uma qualquer missão.
O fundamental, repito, é a existência de Forças Armadas. E, para que esta instituição seja e continue a ser fundamental, concordo com o Sr. Deputado Cardoso Ferreira quando diz que é necessária uma reforma profunda das Forças Armadas - e, sobre este aspecto, não queria entrar aqui em questões polémicas, porque não é este o momento para o fazer -, mas a verdade é que algumas reformas foram iniciadas, a meu ver, de uma forma enviesada pelo Governo anterior.
Ora, este Governo está a dar continuação a essa reforma das Forças Armadas, reforma essa que terá de ter em conta um ponto fundamental: que as Forças Armadas têm como primeiro objectivo a defesa militar da República, a defesa da pátria e, como segundo objectivo, ocupar-se das missões que estão a decorrer, missões essas que sabem fazer, e fazer bem...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado, por ter permitido esta interrupção.
Sr. Deputado, peço-lhe um favor: não me diga que este Governo está a prosseguir as reformas do Governo anterior. Podíamos discutir se este Governo estava a fazer reformas diferentes, porventura erradas. Mas, enfim, era um ponto de vista. O drama, Sr. Deputado, é que este Governo não fez quaisquer reformas, parou! Não há reformas, não há nada! Há uma imobilidade total nas Forças Armadas, uma ausência de liderança no processo das Forças Armadas e da defesa em Portugal. Por isso, por favor, não me fale em continuação. O que houve foi uma paragem, uma estagnação e uma revelia do Governo na área da defesa.

O Orador: - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, lamento dizer-lhe isto, mas V. Ex.ª introduziu aqui um elemento que, objectivamente, pretende perturbar aquele que era o sentido da minha intervenção,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... bem como o sentido da sua própria intervenção! A verdade é que procurou desvalorizar algo que o Sr. Deputado entendia que merecia ser valorizado.
De facto, não é este o momento para discutir a questão que colocou. Estou disponível, onde, quando e como o Sr. Deputado quiser, para discutir as boas e as más reformas feitas pelo Governo anterior e as boas e as más reformas que este Governo já encetou e vai levar à prática. Em todo o caso, repito, não é este o momento para fazer essa discussão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho, em nome dos eleitores do distrito de Leiria, propor um exercício de fácil concretização mas com triste conclusão. Trata-se de comparar, nas mais variadas áreas, as promessas eleitorais do Partido Socialista com a realidade actual do distrito.
Cumpre recordar que estão decorridos dois anos de Governo socialista, se não dois anos civis, pelo menos dois anos orçamentais. É tempo suficiente para fazer um balanço, ajuizar do grau de cumprimento das promessas e até prever o que ficará por fazer.
Uma coisa convém ter presente: "O pecado maior deste Governo é o de parecer que considera que tem tempo. Acho que não tem. O país não tem muito tempo, pelo que há que fazer alguma coisa depressa" - acabei de citar palavras do Sr. Deputado Henrique Neto à revista Visão, de 20 Fevereiro de 1997.
É certo que aquele exercício cabe à oposição, por isso o faço aqui, mas não deixa de ser significativo que os Deputados do Partido Socialista não se mostrem muito empenhados em fazer o exercício contrário.
Leiria e o seu distrito já conheceram melhores dias e tempos houve em que a OCDE previa para a cidade capital um lugar, cimeiro no conjunto das cidades portuguesas. Hoje, o distrito está bem acima da média no índice, por exemplo, da pobreza e bem abaixo da média no índice, por exemplo, da protecção ambiental.
São estas situações que convém lembrar, para que os responsáveis presentes não deixem de ser avaliados e reprovados, como foram os responsáveis passados.
Vejamos, no entanto, os casos e situações mais significativos.
Em matéria de educação, o Partido Socialista sempre gostou de aparecer como o campeão da universidade pública, mas o que a realidade mostra é que esta inexiste e o que existe não se recomenda. Estou a referir-me ao

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politécnico, que continua enguiçado, nomeadamente nas Caldas da Rainha e em Peniche.
Nas Caldas da Rainha, arrastam-se as obras nas novas instalações que, a abrir, abrirão incompletas e incompletas ficarão; em Peniche, o Partido Socialista optou por dar continuidade às soluções do PSD e a Escola Superior de Tecnologia do Mar lá continua e continuará - apenas no diploma que a criou!
Em matéria de infra-estruturas viárias é clamoroso o "baque" dos socialistas leirienses. Desde logo, porque fizeram da Linha do Oeste a sua bandeira eleitoral: foi vê-los a passear no comboio que prometeram colocar no museu, mas que lá continua, teimosamente, a recusar a reforma. E a insistência era tal que, mesmo depois de eleito, um dos candidatos do PS, continuava a prometer que seria possível viajar de Leiria para Lisboa "com todo o conforto, a ler o jornal e a tomar o pequeno almoço" (Região de Leiria, de 9 de Agosto de 1996).
O Governo socialista, esse, também acredita na modernização da Linha do Oeste, mas só até Torres Vedras. Para Norte, mais tarde se verá.
Para Peniche prometeu-se um porto de águas profundas, vocacionado para contentores, com cais ampliados e auto-estrada a ligar à A1. Afinal o porto vai para Sines, os cais continuam como estão e, assim sendo, de nada servirá construir a auto-estrada, pelo que esta é mais uma promessa a incluir na categoria das promessas não firmes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda a respeito de infra-estruturas viárias, continua adiado o desvio do IC2 das imediações do Mosteiro da Batalha, o que significa que se manterão as condições de degradação do monumento e as atrofias no tráfego, ocasionadas por sucessivos cruzamentos a nível.
No plano agrícola, o PS não se cansou de elogiar as potencialidades do distrito e teve mesmo a coragem de denunciar que "tem existido incapacidade de defender os produtos nacionais" (Diário Regional, de 6 de Agosto de 1996), certamente antevendo a recente destruição de 70 toneladas de fruta no Bombarral, mas longe de supor que, mais que não defender a produção nacional, o Governo socialista se empenhava na promoção da fruta espanhola.
É essa mesma incapacidade que está a fazer com que os milhares de suinicultores do distrito entrem em pânico com a perspectiva de verem as suas explorações contaminadas com doenças importadas, fruto da deficiente fiscalização nas fronteiras. .
No domínio da defesa do património, os candidatos do Partido Socialista também foram profícuos em promessas e, por isso mesmo, só vou conseguir citar o incremento do Museu Nacional do Vidro, a revalorização dos anexos. do Mosteiro de Alcobaça, a recuperação dos Conventos de Cós e dos Capuchos e da fortaleza, muralha e fosso de Peniche. Tudo promessas que, afinal, estão sujeitas àquele crónico e já citado sentimento do PS de que tem muito tempo pela frente.
A defesa da qualidade do ambiente é outro dos grandes flops socialistas.O problema mais emblemático é a Lagoa de Óbidos e, a seu respeito, não posso deixar de concordar com a denúncia de que aquele habitat "é palco da indecisão, da incapacidade de definir prioridades e do conflito entre os diversos departamentos do Ministério do Ambiente" - Henrique Neto, na Gazeta das Caldas, em 8 de Setembro de 1995. A afirmação tem dois anos mas mantém-se actual.
A mesmíssima constatação pode ser feita no que respeita ao plano de despoluição das bacias do Lis e do Lena, com a única diferença que, neste caso, estão envolvidos três Ministérios, o que tem permitido que cada um descarregue sobre os outros a responsabilidade pelo impasse.
Entretanto, os suinicultores da Batalha querem resolver os problemas dos seus próprios afluentes, vêem-se impedidos de o fazer por falta de apoio e são, ao invés, confrontados com a aplicação indiscriminada de coimas, sem que lhes sejam criadas alternativas. Ou seja, o Estado, em vez de gastar na defesa do ambiente, prefere amealhar à conta do ambiente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por último, uma pequeníssima questão: para quando está previsto o apoio do Governo à Associação Pato, que custeia, do bolso dos seus próprios associados, a defesa do paúl da Tornada?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa exposição não foi exaustiva, antes o fosse. Uma coisa é certa: muitos destes problemas poderiam estar resolvidos se houvesse uma actuação concertada dos Deputados de todos os partidos. Não houve, apesar de, desde o início, me ter disponibilizado para tal. Continuo disponível e os leirienses continuam à espera.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, nitidamente, V. Ex.ª não conhece o distrito de Leiria; caiu lá de pára-quedas e está transformado numa espécie de sindicalista de alguns problemas que conhece mal.
O distrito de Leiria não é, como caracteriza, o distrito da pobreza; há alguns concelhos na parte leste do distrito que são alvo da desertificação que atinge todo o interior do país. Quer dizer, nas primeiras 50 cidades do país encontram-se Leiria, Marinha Grande, Caldas da Rainha, Pombal e Alcobaça, em termos de índices de capitação quanto aos níveis de vida, e só o eixo Marinha Grande, Leiria e Pombal é uma das zonas que mais produz e que em maior percentagem contribui para o PIB nacional. Nunca se esqueça disto, porque V. Ex.ª conhece mal o distrito de Leiria, para não falar de outras zonas.
Sr. Deputado, não se continue a agarrar ao PIDDAC regionalizado, porque ele é apenas um entre um conjunto de verbas que chega ao distrito e que não se pode desagregar por regiões.
Com efeito, o distrito de Leiria, como já aqui foi referido pelo Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, tem estado a receber uma média de 15 milhões de contos por ano para a auto-estrada do Oeste; sei que V. Ex.ª é contra a auto-estrada do Oeste, mas é espantoso que o seja, porque essa é uma velha reivindicação do distrito de Leiria, de todo o turismo e comércio da zona.
Sr. Deputado, não fale do património, porque no PIDDAC deste ano quer o Mosteiro de Alcobaça quer o Mosteiro da Batalha têm dotações de centenas de milhares de contos em termos de património. Também não fale ou se falar, faça-o olhando para trás! - da Lagoa de

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Óbidos, porque houve, de facto, um conjunto de erros entre departamentos governamentais, em 1995, por pura irresponsabilidade!
Os problemas estão a ser resolvidos e, aliás, a Sr.ª Ministra do Ambiente já lhe disse, directamente, que o problema da Lagoa de Óbidos vai ser resolvido, bem como o da despoluição do rio Lis. Este último, como V. Ex.ª sabe, já tem dotação inscrita no PIDDAC, e estão lá as máquinas, no terreno. Sr. Deputado, vá lá ver! Ou melhor, convido-o, pago-lhe o almoço e vou mostrar-lhe as máquinas a trabalhar no Lis.
A baía de S. Martinho vai ser despoluída. Mas tenha em conta o seguinte, Sr. Deputado: não podíamos - nunca o faríamos, porque tal seria uma irresponsabilidade e uma falta de sentido de Estado - pegar nas obras que foram iniciadas pelo anterior Governo e pôr-lhes uma pedra em cima, isto é, não concluir essas obras e iniciar o nosso programa. O nosso programa há-de ser cumprido, mas é óbvio que temos de dar continuidade ao que vem de trás, ao que serve as populações, porque o Governo anterior não fez só asneiras, como é óbvio! Também fez coisas positivas para o distrito que tinham de ser completadas, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, porque passa pelo distrito de Leiria - desculpe dizer-lhe - de "páraquedas", desconhece a realidade de um distrito importante economicamente, importante quanto a património histórico e importante do ponto de vista turístico. Por isso, não diga mal do distrito de Leiria.
Para terminar, deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que o seu tipo de intervenção é de quem não quer para a Ota o novo aeroporto. E penso que é esse interesse ou lobby que aqui está a defender a soldo não sei de quem.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
De qualquer modo, queria lembrar ao Sr. Deputado Osvaldo Castro que a expressão "a soldo de" não é politicamente correcta.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, não vou comentar essa última expressão, porque ela nem merece qualquer comentário.
O que deveria ter merecido comentário da sua parte, a respeito da minha intervenção, foi o que eu disse e não o que eu não disse. De facto, o Sr. Deputado Osvaldo Castro pediu-me esclarecimentos sobre aspectos de que nem sequer falei: não falei do aeroporto da Ota, nem da auto-estrada do Oeste, nem do PIDDAC, nem de mais não sei o quê! O Sr. Deputado foi buscar temas que eu não tinha abordado e, portanto, em rigor, nem sequer deveria ter usado da palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Deputado veio ainda invocar um argumento já estafado e gasto, que julgava que já nem tivesse a coragem de o utilizar. Refiro-me à história do "pára-quedismo". Obviamente, esse argumento não tem sequer resposta possível, ou, melhor, a resposta já foi dada pelos eleitores em 1 de Outubro de 1995, bem como em entrevistas, pelo seu colega de bancada, o Sr. Deputado Henrique Neto, que também deixou - e bem - essa questão de lado.
De qualquer modo, Sr. Deputado, vou insistir com três ou quatro aspectos que, esses sim, omitiu, e fê-lo deliberadamente.
Em relação à questão da pobreza do distrito, o Sr. Deputado é que não conhece o distrito ou, então, se conhece,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Conheço-o de raiz!

O Orador: - ... não sabe o que lá se passa ou, pelo menos, só conhece parcialmente o que lá se passa; sobretudo não lê, ou lê mas omite, os relatórios oficiais dos departamentos do seu Governo, nomeadamente da responsável distrital pelo Alto Comissariado para a Pobreza, que coloca o distrito de Leiria no 3.º lugar dos distritos que registam maiores índices de pobreza a nível nacional. Não interessa saber se entre a Marinha Grande e Leiria se vive bem ou mal; interessa, sim, saber se a média distrital é boa ou má. E essa, Sr. Deputado, é significativamente má!
É o seu Governo, são os serviços do seu Governo que colocam o distrito de Leiria na terceira pior situação a nível nacional. Os relatórios estão publicados, mas se não os conhece terei oportunidade de lhos fornecer.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não sabe ler os números, Sr. Deputado!

O Orador: - Quanto à Lagoa de Óbidos, Sr. Deputado Osvaldo Castro, o que não foi feito no passado continua a não ser feito no presente; está prometido pela actual Ministra do Ambiente, mas continua por fazer.
Se me disser que o actual Governo prometeu fazer, dou-lhe razão, mas se me disser que o Governo está a fazer, não lhe posso dar razão nem ninguém que conheça o problema. Lembro, por exemplo, o que a junta de freguesia do Porto disse, há 15 dias, sobre a despoluição da Baía de S. Martinho do Porto. Sr. Deputado, leia o que eles disseram porque é o desmentido mais formal e eloquente do que acabou de dizer.
Quanto à bacia do Lis e do Lena, vá falar com os suinicultores, com as pessoas que querem despoluir os seus efluentes ou, então, com os presidentes de câmara da Associação de Municípios da Alta Estremadura e veja o que eles têm a dizer sobre esse assunto.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barradas Leitão.

O Sr. António Barradas Leitão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, V. Ex.ª traçou um quadro do distrito de Leiria que, de facto, não corresponde inteiramente à realidade, como foi referido pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro.
No entanto, é verdade que o distrito de Leiria tem assimetrias muito grandes e, para além de uma zona muito desenvolvida, que corresponde ao eixo Leiria/Marinha Grande, tem também zonas de grande pobreza e desertificação, como, por exemplo, a zona do pinhal interior, onde se regista uma grande desertificação, e a zona de Peniche, onde se sentem sinais de pobreza muito angustiantes.
Mas o Sr. Deputado traçou um quadro realista das infra-estruturas que estavam em curso no distrito de Leiria e que sofreram uma interrupção nestes últimos dois anos. O Sr. Deputado referiu. as questões do ensino politécnico, das vias de comunicação, da bacia de S. Martinho do Porto, da Lagoa de Óbidos, enfim, alguns dos investimentos mais em falta no distrito de Leiria e que, nestes últimos anos,

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sofreram uma regressão, digamos, uma paragem, tal como o Sr. Deputado Osvaldo Castro acabou também por reconhecer, quando disse que, de facto, o Governo anterior estava a investir fortemente no distrito de Leiria. Desse modo, tem de reconhecer também que estes últimos anos foram de paragem, que houve uma diminuição de cerca de 6 milhões de contos de investimentos nos dois últimos PIDDAC.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - No PIDDAC regionalizado!

O Orador: - Portanto, parece-me que, nesse domínio, o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa conseguiu acertar no quadro, que é, efectivamente, um quadro de paragem de investimentos quase completo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não confunda, Sr. Deputado! PIDDAC regionalizado!

O Orador: - De qualquer forma, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, a pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: se o Sr. Deputado está verdadeiramente interessado em resolver alguns dos problemas do distrito de Leiria, se sente, realmente, esses problemas, se entende que devem ser ultrapassados e que deve haver mais investimento, por que é que, na discussão do Orçamento do Estado para 1997, apresentou uma série de propostas para o PIDDAC e, depois, quando chegou o momento da votação, nuns casos absteve-se e noutros até votou contra as suas próprias propostas? Porquê, Sr. Deputado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Espero que, na discussão do próximo Orçamento do Estado, o Sr. Deputado tenha oportunidade de se redimir daquilo que fez aquando da votação do Orçamento do Estado para 1997.

Aplausos do Deputado do PSD Vieira de Castro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barradas Leitão, a sua questão encerra um aspecto verdadeiro e outro não verdadeiro. E o aspecto não verdadeiro tem a ver com a sua afirmação de que terei votado contra algumas propostas de alteração ao PIDDAC com incidência orçamental no distrito de Leiria. Isso não é verdade! É absolutamente inverdadeiro que tal tenha sucedido!
Por outro lado, é verdade que me abstive relativamente a algumas propostas, porque, na altura, tive a possibilidade de encontrar nas propostas do Partido Socialista coincidências com as propostas que eu próprio apresentei e que, na minha opinião, seriam suficientes para acorrer às necessidades mais prementes do eleitorado local.
Agora, isso é uma coisa, outra coisa é a capacidade de execução daquilo que a Assembleia da República aqui aprovou. E aí, sim, a incapacidade de execução é total! Muitas das obras previstas exigiam expropriações que ainda não começaram a ser feitas, muitas das obras previstas exigiam concursos ou lançamento de concursos que ainda não foram realizados, pelo que hoje é perfeitamente plausível concluir que aquilo que aqui aprovámos em Novembro e Dezembro do ano passado não será executado em 1997 e, provavelmente, já não será passível de execução no actual mandato legislativo.
Foi isso que referi na minha intervenção e que não vi desmentido por nenhum dos Deputados do Partido Socialista!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para saudar todos os portugueses, mas permitam-me que destaque os transmontanos, quer os que lá vivem quer aqueles que, por motivos diversos, se espalharam por todo o Portugal.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Falar de Trás-os-Montes, em geral, e de Bragança, em particular, é falar de uma região com condicionalismos próprios, provocados quer pela sua orografia, quer pela sua distância ao litoral desenvolvido, quer ainda pela sangria de população que a emigração provocou nas décadas de 60 e 70.
Num passado recente, o distrito de Bragança conheceu uma época de desenvolvimento infra-estrutural magnífica. E, senão, vejamos: na área da saúde, dotou-se o distrito de três hospitais distritais, com meios tecnológicos e humanos prontos a dar resposta às necessidades da região; na área do emprego efectuou-se uma cobertura de todo o distrito com centros de emprego e um centro de formação que permitissem um contacto directo de toda a população com os respectivos centros; na área da educação, dotou-se o distrito de ensino superior qualificado, quer privado quer público, havendo uma cobertura dos três grandes pólos de desenvolvimento urbano; na área dos serviços e das forças de segurança, dotaram-se os respectivos serviços de sedes com a dignidade e o funcionamento que a respectiva missão e o desempenho exigem; na área das ligações rodoviárias, concluiu-se a ligação do Porto a Bragança em itinerário principal, grande anseio de todo o interior nordestino.
É obvio que muito se fez e muito mais há ainda por fazer, numa região carenciada como é todo o interior norte, em particular o distrito de Bragança.
Por isso, sublinho, hoje os bragançanos recordam com perplexidade as promessas que foram feitas há mais de um ano pelo Engenheiro António Guterres de "pôr Bragança no mapa".
Essa perplexidade, Srs. Deputados, advém do facto de terem sido prometidas mais e melhores condições de saúde para o sul do distrito. Onde estão, afinal?
A perplexidade e a dúvida advêm do facto de terem sido prometidos, pelo Ministro Cravinho, milhões de contos para estradas que se não vislumbram. Podemos, assim, perguntar: quando se lança um só troço do IP2 no distrito de Bragança? Quando se vai deixar de ir de Bragança a Miranda por Espanha? Quando acabará o suplício da estrada de Vila Flor a Mirandela? Quando acabará o isolamento de Mogadouro? Quando é que Vinhais se ligará ao IP4?

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São estas dúvidas que,- hoje, os bragançanos têm e ninguém lhes responde com firmeza e clareza.
Os transmontanos, para além da retórica, precisam de saber datas de início de obras e prazos de realização, para que outros investimentos de carácter privado possam acompanhar o esforço já efectuado.
As dúvidas dos bragançanos advêm de lhes ter sido prometida, em campanha eleitoral, a criação da universidade, depois adiada pelo próprio Engenheiro Guterres, para agora ter sido apresentada, pelo Partido Socialista, uma proposta de lei para a criação da mesma universidade. Afinal, em que ficamos? Terá o Engenheiro Guterres reflectido melhor e agora já autoriza? Então, se autoriza, vamos falar claro e assumir a data da votação dessa proposta de lei o mais rapidamente possível, para que a criação da universidade ocorra ainda este ano e ninguém fuja às suas responsabilidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento do interior e a diminuição das assimetrias regionais não se faz com palavras e promessas sempre adiadas.
As visitas dos responsáveis governamentais têm de ser acompanhadas por medidas que ultrapassam as meras intenções de querer fazer, mais que não seja para cumprir, pelo menos, uma razoável concretização dos investimentos do PIDDAC, já feitos pelo actual Governo.
Que a busca apressada da reorganização dos serviços não venha a contribuir para a extinção ou o esvaziamento de alguns dos serviços de Bragança.
São estas algumas das primeiras preocupações que afligem os bragançanos e que querem ver esclarecidas pelos responsáveis do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, dispondo de um minuto cedido por Os Verdes e de outro minuto cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço aos Grupos Parlamentares de Os Verdes e do PSD, pelo facto de nos cederem dois minutos, e solicito ao Sr. Presidente que permita o uso da palavra, para pedir esclarecimentos, ao meu camarada e colega Mota Andrade.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Mota Andrade.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cruz Oliveira, ouvi com atenção a intervenção que fez na tribuna e, durante o tempo em que o ouvia, fui-me lembrando dos largos e longos anos em que V. Ex.ª foi o principal representante do anterior Governo, do Governo do PSD, no distrito de Bragança. E, se a radiografia que fez do distrito é, para si, a radiografia verdadeira, nunca o ouvi tomar qualquer tipo de posição em defesa dos interesses do distrito de Bragança.
O Sr. Deputado falou no IP2 e tenho a dizer-lhe que ainda este ano - aliás, V. Ex.ª sabe disso - será lançado o concurso do IP2.
Mas, em termos de acessibilidades, em termos de estradas, V. Ex.ª sabe muito bem que não recebemos nada.
Aí, não tivemos herança! Como sabe, aliás, já o discutimos várias vezes noutros debates, o que havia na Junta Autónoma de Estradas, no dia 5 de Outubro de 1995, em termos de projectos, era zero! Ao longo destes dois anos estivemos a fazer os projectos e, neste momento, já temos várias obras lançadas e adjudicadas. Cito-lhe algumas: Mogadouro/Estação de Freixo; Rebordelo/Sobreiro de Cima; Miranda do Douro/Sendim; Rio Frio/Outeiro; Vinhais/Vimioso. Estas obras são todas deste ano!
Quanto à ligação entre Mirandela e Vila Flor, tão importante para o distrito, o projecto está em fase final, para beneficiação e rectificação.
Relativamente ao IP4, foi lançado o concurso e está já adjudicado o projecto para a ponte internacional de Quintanilha, matéria sobre a qual os senhores também nada haviam feito.
Mas lembro também os inúmeros contratos-programa que, ao longo deste ano e do ano de 1996, têm sido feitos com as diferentes instituições, nomeadamente com as autarquias locais, na área do ambiente, na área do desporto e na área da habitação, fundamental para o desenvolvimento. Isto tem-se verificado e envolve milhões e milhões de contos!
Deixo-lhe duas perguntas, Sr. Deputado, a primeira das quais tem a ver com as ligações aéreas Bragança/Lisboa, que V. Ex.a, agora, tanto defende. Explique-me por que razão, no passado, sendo V. Ex.ª Governador Civil, deixou acabar essas ligações.

O Sr. Joel. Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - A segunda questão que lhe coloco tem a ver com a regionalização. Todos sabemos da necessidade e do querer, da vontade das pessoas de Bragança de defenderem e obterem a regionalização, para, assim, melhor corrigirem as assimetrias.
Em tempos recentes, o PS lançou o desafio aos Deputados do PSD e, como o tenho também em conta de regionalista, gostava de saber qual a sua posição sobre essa matéria, isto é, se defende a criação da região de Trás-os-Montes e Alto Douro ou se não defende a criação de qualquer região.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mota Andrade, muito sinceramente, percebo o incómodo da sua posição. O senhor é um transmontano, como eu, vive lá, criou lá os seus filhos, e há-de continuar a criar, vai manter-se em Trás-os-Montes e, para que todos compreendamos, o seu incómodo advém não de ter menos capacidade do que eu, em termos de retórica e de conhecimento da região, para defender Trás-os-Montes mas porque aquilo que eu disse na tribuna disseram-no, há um ano e meio, o Sr. Deputado e o Sr. Engenheiro António Guterres, em Bragança.
O problema é que há um ano e meio as expectativas criadas para mim e para os que lá vivem foram as mesmas que foram criadas para o Sr. Deputado Mota Andrade e por isso, passado um ano e meio, o Sr. Deputado Mota Andrade tem o incómodo de defender nesta Câmara precisamente aquilo que não foi concretizado em ano e meio.

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Não fomos nós que prometemos algumas dessas ligações, Sr. Deputado Mota Andrade, foram os senhores, há ano e meio! E, passado um ano e meio, o senhor vem hoje, aqui, falar, novamente, nas intenções que têm para fazer os concursos! O Sr. Deputado, o problema todo é que os senhores esquecem-se mas nós próprios, pode passar um mês, dois, três, seis meses, não nos esquecemos de que, em ano e meio, os senhores não realizaram as obras que prometeram ao nordeste transmontano. E o senhor, tal como eu, estava presente quando elas foram prometidas!
Relativamente à questão das ligações aéreas estou muito mais à-vontade para falar. E porquê? Porque tenho aqui, precisamente na minha bancada, o homem que teve a ideia da ligação aérea para Bragança, que é o Deputado Ferreira do Amaral. E o Deputado Ferreira do Amaral, nessa altura, perante um pedido que lhe foi feito no Núcleo Empresarial da Região de Bragança, disse que deveria haver ligações aéreas subsidiadas por verbas do Orçamento do Estado enquanto o IP4 não estivesse concluído. Infelizmente, para nós, transmontanos, esse processo não pôde chegar ao fim, porque. o avião caiu - não somos nós que o aguentamos, nem os senhores! - e, graças a Deus, nenhuma das pessoas que lá estava dentro ficou ferida. Só por essa razão é que a ligação não se concretizou!
Mas o Sr. Deputado Mota Andrade também se recorda, com certeza, de que havia dois passageiros com alguma prioridade nesse avião, que era eu e o senhor, mas a carreira aérea teve de ser encerrada, porque, depois da queda que se registou, não havia passageiros. Essa foi a grande razão para a ligação ter sido cortada.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Não é bem assim!

O Orador: - Quanto à regionalização, se bem entendi a sua pergunta, encerrava um aspecto pessoal e um aspecto político. Politicamente, digo-lhe que hei-de realizar, na minha região, aquilo que o meu partido entender como correcto, em termos de regionalização. Pessoalmente, como já disse - assumi-o em Bragança e assumo-o aqui -, sou a favor da grande região do Norte.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Um transmontano um bocado diluído!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a ordem do dia de hoje com a apreciação da proposta de lei n.º 120/VII - Autorização para contracção de empréstimos externos.
Como sabem, foi acordado, em conferência de líderes, que cada grupo parlamentar disporia de três minutos para intervir sobre esta proposta de lei. Alguns Srs. Deputados declararam, desde logo, que não consideravam muito necessária a discussão desta matéria, pelo que, se quiserem poupar mesmo esses três minutos, a Mesa ficará muito grata.

Pausa.

Srs. Deputados, uma vez que ninguém pretende intervir sobre a proposta de lei n.º 120/VII, votá-la-emos à hora regimental e retomamos imediatamente a revisão constitucional.
Na sessão de ontem, terminámos a apreciação do artigo 152.º da Constituição, pelo que vamos agora analisar o artigo 154.º, relativamente ao qual fico a aguardar inscrições.

Pausa.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, ontem, o Sr. Presidente fez menção de encerrar o debate do artigo 152.º e nós dissemos que gostaríamos de voltar a intervir sobre a matéria. A questão ficou nestes termos e, por isso, gostaria, efectivamente, de intervir sobre o artigo 152.º

O Sr. Presidente: - Não tenho memória disso, mas é igual. Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, isto consta, seguramente, do Diário.

O Sr. Presidente: - Não preciso do Diário, Sr. Deputado. Basta que V. Ex.ª o diga.
Para intervir sobre o artigo 152.º, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão colocada no artigo 152.º é uma questão fulcral nesta revisão da Constituição e, por isso mesmo, entendemos que não podemos, de modo nenhum, omitir problemas fundamentais que foram aqui suscitados e relativamente aos quais não obtivemos a devida resposta. E há um problema que é, desde logo, fulcral: é que a representação proporcional não é uma mera fórmula matemática, é o conjunto de um sistema eleitoral, que compreende a dimensão dos órgãos e dos círculos eleitorais. Houve mesmo um autor espanhol que afirmou que qualificar mecanicamente um sistema eleitoral como proporcional corresponde, provavelmente, a um predomínio acrítico, a uma perspectiva pseudo-constitucionalista ou a uma comodidade simplificadora.
O facto de a redacção proposta para o artigo 152.º referir a representação proporcional não significa, de forma nenhuma, que haja garantias suficientes de que ela seja proporcional. Na verdade, o PS propunha círculos uninominais de mera candidatura, e deixou cair esta expressão de candidatura. Gostaria, pois, de ouvir as razões que levaram a este facto. No entanto, agora, afirma que, em relação a esta matéria, aquilo que a Assembleia da República teria de fazer era. pura e simplesmente, garantir que, em futuras negociações, não seria aproveitada no mau sentido a possibilidade que aqui viesse a ser criada.
O que acontece, porém, é que, nesta matéria, já ouvimos o PS dizer que nunca negociaria acordos fora da revisão constitucional, e depois veio a negociar; aliás, já o ouvimos dizer, praticamente todos os dias, coisas que são contrárias àquilo que disse na véspera. Isto quer dizer, pura e simplesmente, que não podemos acreditar no que, neste

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plano, nos é dito, seja na redução do número de Deputados seja na questão do sistema eleitoral ou em qualquer outra.
De resto, esta situação é mais ou menos a mesma de alguém que pede uma carta ou uma licença para cometer um crime e apresenta como única ou principal justificação que não a vai usar e que podemos estar tranquilos de que a carta não vai ser objecto de uma utilização prejudicial a todos nós.
Neste plano, há algo que é absolutamente indesmentível: é que não há sistemas eleitorais neutros, não há sistemas eleitorais inocentes ou inócuos. Há mesmo autores que encontram a raiz da força dos sistemas partidários, em boa medida, nos próprios sistemas eleitorais. No entanto, a verdade é que encontramos uma tendência para ocultar os calculismos eleitoralistas, as operações de engenharia eleitoral, os mesquinhos cálculos de estrito interesse sectário, atrás de tiradas grandilequentes que procuram esconder as reais intenções de quem as defende.
Pela nossa parte, não vamos colaborar em operações deste tipo. Entendemos mesmo - e quero sublinhar isto - que a representação proporcional é a fórmula mais moderna. Aliás, têm sido feitas acusações completamente injustas. Pretende-se atribuir, por exemplo, à representação proporcional o domínio da vida política pelos partidos. Entretanto, verificamos, e assim o provo amplamente, que existe também o fenómeno Estado/partidos em situações de sistemas maioritários. Afirma-se que há uma afastamento dos eleitores da vida política por esta forma, mas o que é verdade é que o afastamento é ainda maior quando muitos eleitores ficam sem representação no Parlamento devido exactamente a operações de engenharia eleitoral. E a alternativa, os sistemas maioritários, os círculos uninominais, aquilo a que conduzem têm muito a ver, muitas vezes, ao tráfico de influências e ao caciquismo.
Já temos neste momento uma situação, designadamente com as alterações eleitorais introduzidas em 1989, em que não existe uma cláusula/barreira, um limite à conversão de votos em mandatos, uma percentagem mínima de votos para obter. Deputados, mas o que é verdade é que temos quatro círculos eleitorais em que é preciso ter mais de 20% para obter um Deputado; há sete círculos eleitorais em que é preciso ter entre 10 e 20% para obter um Deputado; há nove círculos eleitorais em que é preciso ter entre 5 e 10% para obter um Deputado. Isto é, temos já distorções de proporcionalidade bastante significativas. Aquilo que, neste momento, é colocado neste conjunto de alterações é um pedido de uma carta em branco, porque o Partido Socialista, em particular, não disse aqui, preto no branco, claramente, que sistema eleitoral pretende, de uma vez por todas.
Há vários anos que coloca esta questão, há vários anos que fala deste problema, que repete slogans, mas aquilo que nunca vimos foi a proposta que defende, e é a proposta que defende que deve estar em cima da mesa quando debatemos uma questão tão importante como as alterações à Constituição em matéria eleitoral.
Aquilo que agora nos é solicitado é algo que se afigura como extremamente claro e que provocou, designadamente, o gáudio do PSD: a possibilidade de introduzir círculos uninominais sem ser de candidatura.
Não podemos, pois, deixar de votar contra. E as promessas e as alusões que aqui foram feitas pelo PS, à luz de tudo aquilo que se passou, à luz de tudo aquilo que se está a passar, não nos merecem a mínima confiança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma segunda intervenção a respeito deste segmento, o artigo 152.º, do projecto de revisão que está em apreciação.
Ontem, tive ocasião de acentuar perante a Câmara as virtualidades que, do meu ponto de vista, tem o texto vigente no n.º 2 do artigo 152.º. Acentuei, nomeadamente, a importância do princípio proporcional na representação política no Parlamento e o princípio da legalidade desde as origens. A Constituição tem dito sempre que os círculos eleitorais são definidos na lei. Era assim que dizia, era só isto que dizia a versão originária da Constituição: "Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais fixados na lei". Nada mais dizia. Em 1989 acrescentou-se qualquer coisa que tendeu a valer como um limite da liberdade constitutiva do legislador. Mas um texto prospectivo como este leva a que ainda hoje tenhamos em vigor o mesmo sistema que foi, e não digo o sistema consagrado na Constituição de 1976, elaborado para a lei eleitoral da Assembleia Constituinte.
Aliás, sobre essa, lei eleitoral e o seu ajustamento às circunstâncias portuguesas, bem gostaria de o lembrar, realçando aqui o nome das sete personalidades que participaram na elaboração dessa lei. Foram elas, o Presidente, Dr. José Magalhães Godinho, o Dr. Almeida Ribeiro, o Dr. Lino Lima, o Dr. Manuel João Palma Carlos, o Dr. Jorge Miranda, Dr. José Manuel Galvão Teles e eu próprio. E, nessa altura, põs-se esta questão: deve haver no País um círculo eleitoral único? Era uma tese que andava por aí, partilhada nomeadamente por alguns sectores do Movimento das Forças Armadas e, julgo, pelo Partido Comunista Português. Mas depois de muito analisar e ponderar, chegámos à conclusão de que se os distritos não têm, em Portugal, nenhuma função própria ao longo dos 150 anos de regime constitucional, uma função própria como entidades administrativas, pelo menos, locais, tendo sido apenas circunscrições próprias do exercício do poder central. Todavia, tinham .uma função autónoma, como espaços de encontro político, quer para a situação quer, naturalmente, para as oposições. Era segundo os distritos que as pessoas se conheciam. E esta era uma realidade política que a lei não podia ignorar.
Assim se desenharam os círculos que os constituintes trouxeram a esta Casa com o sistema que aí está, incluindo o da média mais alta, às vezes trocada como se fosse uma coisa absoluta, que é o método de Hondt, que é apenas um método de calcular, porque o regime é o da média mais alta.
Aqui se instalou e aqui está. Em 1989, fizeram-se "obras" na Constituição, abriu-se pretensamente, porque já tudo estava consentido na fórmula inicial, o caminho ao legislador ordinário para, eventualmente, fazer introduções e modificações nessa lei, no sistema eleitoral que aí estava.
Volvidos todos estes anos, o que é que fez o legislador ordinário? Nada! E, se calhar, sabiamente, porque o sistema mostrou que estava certo. É claro que há dois atrás - e ontem tivemos ocasião de ver isto aqui confessado - entrou tudo a discutir o sistema eleitoral, porque parece que se tinha instalado no poder uma força política irremovível, julgando-se que era possível chegar ao poder através da manipulação do sistema eleitoral, e só por aí. Mas, afinal, esse sistema revelou que podia levar ao poder

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outra força política e, agora, já parece que tudo deve estar certo - e, se calhar, esta é a reacção que devemos ter perante isto.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Agora, tenho aqui outra vez um texto prospectivo, não sei se ele é claro. Ao ouvir o Sr. Deputado Luís Sá, que gosto tanto de ouvir falar com esta clareza, sobre o que são candidaturas (já nem sei bem como lhes chamou) de apresentação e de apuramento... e nunca vi isso em texto algum, que tenha curso académico ou científico, vi essas palavras pela primeira vez numa proposta e ainda continuo a pedir que me expliquem o que é isso -, ainda bem que isso caiu e não está aqui no projecto, porque não entendo.

O Sr. António Filipe (PCP): - O legislador ordinário explica-lhe!

O Orador: - A ideia de que pode ser ensaiado entre nós, mantendo-se, como deve manter-se sempre, o princípio da representação proporcional, o método proporcional, um sistema melhor (como aquele que é praticado na Alemanha, como o lembrei ontem, na Nova Zelândia, desde há um ano ou dois a esta parte, e que está proposto para o Parlamento escocês), se calhar, pode ser uma boa solução se o sistema se revelar inadequado, prova esta que ainda não está feita.
Abriu-se o sistema, pôs-se aqui mais umas coisas, falou-se de círculos uninominais, fala-se em círculos plurinominais, mas a verdade é que se se criarem círculos uninominais - e esses têm uma vantagem que é o de responsabilizar o Deputado perante uma pequena comunidade que o elege - ter-se-á logo que criar também círculos plurinominais e, eventualmente, um círculo regional ou vários círculos regionais, ou um círculo nacional, ou uns e outros, para que aí se garanta a proporcionalidade e se restabeleça o potencial de proporcionalidade que o sistema deve ter, segundo o que vem proposto para a sua modificação.
Agora, o texto é um avanço em relação - e perdoem-me que diga isto - às propostas apresentadas, excepto em relação à do PSD. Essa estava mais correcta porque dizia que podia haver círculos uninominais ou círculos plurinominais e um círculo nacional para lembrar que no caso de haver círculos uninominais tinha de haver necessariamente pelo menos um círculo nacional para garantir a proporcionalidade.
Descontado isto tudo, o texto abre "mais umas coisas" mas não põe nada de novo que não esteja já cá, que não estivesse naquele princípio ático de 1976 (a lei regula, a lei define os círculos . eleitorais) garantindo a proporcionalidade, que isso é que é o importante do sistema.
Todavia, gostaria de voltar atrás. Há aqui propostas que vão ser votadas e há unia apresentada por Deputados do PP que, na verdade, me parece surpreendente. Primeiro, abandona o princípio da proporcionalidade - aqui 'não há surpresa nenhuma -, pois o sistema maioritário é tão legítimo como qualquer outro mas discordo dele porque me parece que não é o adequado a unia representação pluralística da sociedade portuguesa tal como ela deve ser para que o sistema funcione sadiamente. Porém, há uma coisa na proposta do PP que me aflige e que é ideia de listas plurinominais eleitas por sufrágio maioritário. Nós temos essa
experiência de reacção ao que se passava no período de vigência da Constituição de 1933 ruas é esse sistema que sempre vão descobrir aqueles que, como Ataturk, querem comandar o resultado eleitoral, pois é um escrutínio na verdade terrível porque ninguém chega ao Parlamento. E eu pergunto: alguma vez, com mais ou menos lisura no processo eleitoral, de 1933 a 1974 chegou algum indivíduo da oposição ao Parlamento português? E todavia concorriam habitualmente e na altura vigorava o sistema maioritário por lista. Aliás, julgo que nem vale a pena submetê-lo à consideração de todos nós porque julgo que foi uma distracção, mas não sou eu o senhor dessa decisão.
O PCP não fez qualquer apresentação. O PS fez uma apresentação que gostava de compreender mas que ainda não compreendi, porventura lá chegarei um dia! Que é isso de círculos de apuramento e círculos uninominais de candidatura e depois círculos de apuramento?! Não conheço nada que me ajude a esclarecer. Termino por aqui as minha referências às propostas que estão em jogo.
Entretanto e a propósito do n.º 3, que aparece aqui como uma proposta que não tem maioria de dois terços mas que vem apresentada pelo PP e que teve os votos a favor do PS na CERC, devo dizer que esse número tem história bonita. Diz-se aí que "Os Deputados representam todo o povo independentemente do círculo por onde são eleitos", enquanto que o texto vigente afirma "os Deputados representam todo o país...".
Ora bem, esta palavra "povo", em 1975, era, numa certa fase do processo constituinte, uma palavra bastante suspeita e só em aliança com o MFA é que ela era autorizada a aparecer aqui nestes bancos. O que havia eram "massas", "vanguardas", mas "povo" era uma palavra reaccionária. Acontece até que o único partido que teve o ousio, porque dum ousio se trata, de falar no seu projecto de Constituição muitas e variadas vezes de "povo" foi o PPD. Fê-lo logo no artigo 1.º, n.º 1, do seu projecto de Constituição, um texto que passou na íntegra para o texto da Constituição da República Portuguesa vigente ainda hoje pois 'nunca mais foi retocado e ainda bem, segundo a seguinte fórmula: "A soberania, una e indivisível, reside no povo". Havia quem pretendesse porventura que se continuasse afalar na "nação" mas a maioria subscreveu esta palavra "povo". Depois dissemos também "constituem o povo todos os cidadãos portugueses residentes dentro ou fora do território nacional". Bom, esta redacção já não passou mas também queríamos que o povo fosse assim definido.
E tínhamos também no artigo 63.º desse projecto a fórmula exactamente igual á que está aqui. "Os Deputados são representantes de todo o povo português e não dos colégios eleitorais por que foram eleitos". Era assim o nosso projecto mas aqui a nossa batalha pelo "povo" pereceu, fomos derrotados, não conseguimos levar o "povo" por diante. Agora, com ecos em alguns políticos, com ecos na comunicação social, apareceu a ideia que nós, que estamos aqui reunidos a rever a Constituição, queríamos expulsar o povo da Constituição dá República Portuguesa e aqui d'el rei! Como não participei nas negociações do acordo, julgo que isto não está abrangido pelo acordo mas fico muito contente se voltarmos a por. aqui que os Deputados representam o todo o povo e não o país, que, aliás, pode ser a mesma coisa.
Srs. Deputados, pretendia apenas dizer isto e aproveito para, Sr. Presidente, lhe agradecer o tempo que me concedeu.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Era seu, Sr. Deputado.
A palavra ao Sr. Deputado Ferreira Ramos, para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, com o máximo respeito pelo seu conhecimento desta matéria, faço-lhe um pedido de esclarecimento porque me pareceu que, embora de forma involuntária, terá omitido de alguma forma o facto substancial da proposta formulada pelo Partido Popular e daí que nos tenha ficado a ideia que as suas críticas se ficavam a dever ao facto de este poder não ser um sistema razoável para um partido com a dimensão do Partido Popular. Se é só essa a falha, dá-nos a consciência de o estarmos a defender aqui porque achamos que, eventualmente, pode não ser o melhor para o nosso partido mas por ser o melhor para todo o país.
Sendo assim, quero dizer-lhe que certamente estamos todos lembrados e todos sabemos que na verdade não houve alterações, embora pudesse ter havido, à lei eleitoral, de alguns estudos feitos pelo então governo do PSD e de algumas tentativas de, através da lei eleitoral, subverter o sistema em vigor por forma a manter uma maioria que, como o Sr. Deputado bem sabe, seria uma situação que apareceria longinquamente no actual sistema mas que se veio a verificar em 1987.
Mas o que gostaria de ouvir da sua parte era uma resposta acerca da opinião que tem da nossa proposta. Ela faz alusão à existência de círculos uninominais, os quais, do ponto de vista do Partido Popular, procedem à aproximação dos eleitores aos eleitos, mas estabelece desde logo a existência de um círculo nacional e obviamente não nos pode exigir que apresentemos uma proposta de círculos regionais quando somos, como sabe, o único partido que tem uma posição clara a esse respeito pois somos contra a regionalização.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, estabelecemos a existência desse círculo nacional e vamos mais longe do que está neste momento na proposta fruto do acordo PS/PSD, que, como vimos mais uma vez neste caso concreto em relação a este artigo, sendo um acordo, tem duas interpretações completamente diferentes e certamente veremos nos artigos que se seguem que, existindo um papel com as assinaturas dos dois partidos, há duas ideias e uma conflitualidade latente naquilo que se acordou.
Sr. Deputado, não considera que esta nossa proposta diminui as incertezas que poderão passar para uma lei que embora exigindo uma maioria de dois terços fica sempre condicionada a maiorias ocasionais? Ou seja, a nossa proposta, embora remeta em parte para a lei a regulação do desenho dos círculos eleitorais, não faz uma aproximação mais real e mais certa num tema como este que deve ser rigoroso e não mutável ao sabor das circunstâncias?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, para responder.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, agradeço a pergunta e o interesse que revela e vou responder fazendo também um considerando, que vai ser genérico. Acho - e a minha experiência diz-me isso - que em Portugal nós todos (os que temos sido governo e os que têm sido oposição) temos tido a tendência, desde 1976, de culpar a Constituição da República Portuguesa de todas as malapatas que acontecem no processo político.

O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Muito bem!

O Orador: - As inépcias dos governos, as incompetências, as ignorâncias, são sempre projectadas, são explicadas como se o vício, a sua causa explicativa estivesse. na Constituição da República Portuguesa e não na preparação das pessoas! Daí que tenhamos sujeitado a Constituição da República Portuguesa desde 1976 sempre a uma pressão pedindo dela coisas que ela não pode nem tem para dar e muitas vezes não deve dar. O exemplo se calhar é este que estamos aqui a discutir e, ainda que isto muito pese ao Sr. Deputado Luís Sá, a verdade é que matéria do sistema constitucional normalmente não é regulada nas Constituições. A Constituição diz como deve ser o direito de sufrágio - o ius sufragii - mas não define o sistema eleitoral. É essa a regra geral dos países nossos parceiros na União Europeia e na Europa civilizada.
Mas tendemos sempre a querer demasiadas coisas e ouço sempre dizer, quando alguém quer mexer no sistema eleitoral, que estão a tentar manipular o sistema. Se calhar no partido a que pertenço pode ter acontecido isso mas nunca fui consultado a tal respeito e em regra devo essa honra ao meu partido pois sempre me perguntam sobre alterações à Constituição da República Portuguesa que eventualmente se queiram fazer. Não me lembro de que teria havido, como en passam referiu na sua intervenção, uma tentativa de manipulação por parte do governo PSD ou dum qualquer governo do PSD para alterar a lei eleitoral e nada sei dizer a esse respeito.
Quanto ao tema da vossa proposta, ele é inaceitável e digo porquê: VV. Ex.as não querem o sistema proporcional em termos gerais porque dizem que a conversão dos votos em mandatos far-se-á nos termos da Constituição e da lei e devolvem isto ao legislador - estou a referir-me à vossa proposta para o artigo 116.º, n.º 5. Depois, no artigo 152.º, n.os 6 e 7, do vosso projecto dizem que "A eleição nos círculos geograficamente delimitados na lei (...)" - e esses círculos podem ser múltiplos, podem ter vários Deputados, o que se extrai do n.º 1 - "(...) processar-se-á de forma maioritária (...)" - um sufrágio de lista, mas maioritário. E, por último, o critério de distribuição dos mandatos exigido pelo vosso projecto para o círculo nacional é a média mais alta de Hondt.
Portanto, o sistema aqui proposto não garante o princípio da proporcionalidade de todo o sistema eleitoral concreto que se vier a constituir com base nestes princípios da Constituição.
Esta é a razão pela qual digo que a vossa proposta destoa da tradição que, neste domínio, estava habituado a ver no grupo político que aqui representais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que

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gostei muito de ouvir referir o apego do PSD, talvez mais do PPD/PSD, à palavra "povo". Lamento, entretanto, que este apego não tenha chegado para V. Ex.ª intervir, de modo a impedir que o povo fosse "saneado" da alínea a) do artigo 81.º da Constituição e substituído pela palavra "pessoas", o que é substancialmente menos característico e, .em minha opinião, não teve propriamente vantagens.
A segunda questão que quero referir relaciona-se com o seguinte: terei oportunidade de coligir um conjunto de Constituições de vários países do mundo que têm o cuidado de estabelecer os princípios básicos do sistema eleitoral. De qualquer modo, sempre lhe direi que, independentemente daquilo que acontece a nível de Direito Comparado, não faz sentido termos, por exemplo, a representação proporcional entre os limites materiais e, depois, criarmos elementos de ambiguidade, designadamente em relação ao sistema eleitoral.
E não sou apenas eu que o digo, já que, hoje, um artigo do Professor Jorge Miranda refere exactamente esta questão, assim como um outro do Professor Joaquim Gomes Canotilho. Desafio, pois, o Partido Socialista a dizer qual o sistema eleitoral que pretende para podermos ter alguma ideia do que estamos a debater neste contexto. Já fiz esse desafio várias vezes e não consegui obter resposta, o que, creio, é lamentável. Em todo o caso, era bastante mais saudável que se clarificasse esta matéria.
Quanto à distinção entre círculos de apuramento e de candidatura, ela está efectivamente estabelecida, designadamente no código eleitoral alemão e noutros de outros países, como ideia fundamental, isto é, a ideia de que há círculos eleitorais em que se faz a conversão devotos em mandatos e círculos eleitorais que servem para determinar, uma vez decidido qual é o número de Deputados de cada partido, qual é ou quais são os Deputados que vão ocupar os lugares escolhidos.
Portanto, nesta matéria, creio que devemos ser justos para com os autores do projecto do Partido Socialista, quando procuraram, no fim de contas, dizer que, com a proposta que apresentavam, não queriam significar - na altura, pelo menos - que o que estavam a propor era a conversão de votos em mandatos no próprio círculo uninominal. Este facto caiu e o significado político de ter caído continua de pé. Tem também um significado político, que vale o que vale, mas não deixa de tê-lo, o facto de V. Ex.ª ter dito aqui que o sistema eleitoral que pretende é um semelhante ao alemão e o Partido Socialista ter referido aqui repetidas vezes que não admitirá círculos eleitorais que não sejam de mera candidatura. Queria sublinhar este aspecto, porque pode vir a acontecer que ele seja de proveito, designadamente para o Tribunal Constitucional ou para quem tenha de se pronunciar futuramente sobre este problema.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, antes de mais, creio ter ficado bem claro na minha intervenção que pessoalmente nada mais pretendo do que a conservação do sistema que aí está.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, a Auswahlgesetz, a lei eleitoral alemã, não define o que referiu - tenho muito pena de dizer-lho. O território alemão é dividido em círculos uninominais, num número igual a metade dos Deputados do Bundestag - sublinho que estou a falar do Bundestag. É assim, Sr. Deputado! O território é dividido em círculos uninominais e metade dos Deputados são eleitos por aí; a outra metade é eleita em listas plurinominais, por Lander, tendo cada Land a sua lista. Cada eleitor tem dois votos: um no candidato do seu círculo residente e, outro, no partido que escolhe, fazendo-se a. proporção dos partidos. Depois, cada partido tem direito a ter no parlamento o número de Deputados correspondente à percentagem de votos globais que teve como partido, descontando-se, claro está, os que já foram eleitos pelo sistema uninominal. Mas estes últimos estão eleitos definitivamente - não são círculos de propositura -, a ponto de, se um partido chega ao fim das contas e tem Deputados eleitos pelos círculos uninominais em número superior aos que lhe cabem pela proporção nacional, manter esses Deputados, indo-se ao número global de Deputados e ele é que varia para dar entrada aos que são necessários para reestabelecer, a proporcionalidade. Isto significa que quem é eleito nos círculos uninominais é mesmo eleito! Não há qualquer proposição de candidatura, é eleito! E, depois, corrige-se em geral, se for necessário. É este o sistema alemão. Aliás, não vejo como é que pode ser eleita uma pessoa num sítio e, depois, dizer-se que essa eleição não era a valer, que era só para ver se essa pessoa ficava ou não isto não faria qualquer sentido. Por isso, digo que não encontro coisa alguma que me ajude a perceber isto. Mas a deficiência pode ser minha...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Barbosa de Melo, foi exactamente esse facto que me levou ontem a dizer que o sistema alemão não é compatível, a meu ver, com a redacção actual do artigo 152.º, ou seja, o facto de haver situações em que o número de Deputados nos círculos uninominais pode não caber nos que foram eleitos nos círculos regionais. Agora, em todas as outras situações, os círculos são efectivamente de mera candidatura, porque são imputados ao respectivo partido, não contando para apuramento.

O Orador: - Sr. Deputado, continuo a ter a mesma opinião: essa distinção não é atingível. O Sr. Deputado poderia dizer que o sistema alemão não era praticável entre nós, se o número de Deputados desta Casa fosse fixo pela Constituição. Mas não é, varia. O que não sei é se a variação, em algum momento, pode ser incompatível com o princípio da representação proporcional, se a margem aqui prevista consente tal. No entanto, como foi votado ontem, fica uma margem suficientemente grande para cobrir essa hipótese.
Assim sendo, fique tranquilo - ou intranquilo, conforme o seu ponto de vista. O sistema alemão, que é um bom sistema - embora julgue que o nosso é melhor, fomos mais inventivos para a Constituinte e está a provar-se que assim é, pelo que é preferível que continue como está -, pode ser aqui experimentado, pois a Constituição não o impede.
O Sr. Deputado citou ainda os nomes de Jorge Miranda e Joaquim Canotilho, dois grandes amigos e pessoas que admiro muito a vários títulos e pela qualidade excepcional dos trabalhos que produzem no domínio do Direito Público, nomeadamente do Direito Constitucional. Porém, é evidente que o que tenho lido ultimamente de um e de

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outro são trabalhos de luta política, que, aliás, também aprecio, mas nessa qualidade. Não está em discussão a cientificidade dos seus contributos, são trabalhos de intervenção política, que, aliás, julgo que um universitário tem o dever de fazer, mas é por sua responsabilidade exclusiva, pelo que não vale citá-los aqui como autoridades perante as quais tenhamos o dever de alguma veneração, de algum temor reverencial.
Por último, o Sr. Deputado fez uma consideração acerca da palavra "povo". Primeiro, julguei que era algo grave, mas não... Quem teve razão foi a maioria, ao substituir, na alínea a) do artigo 81.º, a expressão "qualidade de vida do povo" por "qualidade de vida das pessoas". É que a qualidade de vida tem a ver com cada pessoa em concreto...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso também, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas o fundamental é que cada pessoa em concreto, que faz parte de uma comunidade, tenha uma qualidade de vida boa. O povo no seu conjunto, o colectivo, esse mede-se pelas estatísticas e estas, neste domínio, dão sempre aquele mesmo resultado que todos conhecemos através desta anedota: se eu comer uma galinha e o outro não comer galinha alguma, comemos meia cada um - assim, o povo estará feliz, mas há uma pessoa que fica prejudicada.
É bom falar da qualidade de vida das pessoas e não do povo. Portanto, teve razão a maioria, quando fez esta votação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, indo o debate no ponto em que vai, gostaria tão-só .de não deixar sem resposta algumas interrogações que foram deixadas no ar pelas intervenções produzidas até agora, não com a pretensão de acabar com a querela sobre alei eleitoral ou de convencer quem deseje deduzir processos de intenção e processos de suspeição, que, de resto, como ficou claro da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, nada têm a ver com a lei eleitoral, mas com coisas ocorridas noutras esferas, sendo certo que a falácia mais falaciosa de todas é aquela que, a partir do comportamento numa área, deduz comportamentos fatais noutras. É excessivamente primário, mas talvez funcione junto dos destinatários desse tipo de observações.
Não temos aspiração a um consenso celestial sobre esta matéria, mas já temos aspiração a que se garanta um clima de confiança mínima e a confiança mínima constrói-se, cria-se, giza-se e assenta em factos.
Nesta matéria, não podemos ter a pretensão de suprimir pontos de vista muito distintos. Entre o Sr. Deputado Barbosa de Melo e o Sr. Deputado Carlos Encarnação há um oceano que não pode ser suprimido com dedais, e não temos aspiração alguma nessa matéria. Entre os adeptos de sistemas à dinamarquesa, à holandesa, à espanhola e de sistemas vários possíveis, no quadro da reforma eleitoral que está a ser pensada, neste momento, nos Estados Unidos, aí, há verdadeiramente uma galáxia, e já não só um oceano, de posições.
Mas estamos em Portugal e, já agora, é bom que façamos o debate com os pés em cima deste nosso chão, evitando, se possível, equívocos. O primeiro equívoco, no qual temos alguma responsabilidade, é o de que a revisão constitucional não vai - e o Sr. Deputado Barbosa de Melo está a dar-me uma boa notícia, suponho que é uma notícia excelente - eliminar o saudável princípio, que o Sr. Deputado teve o cuidado de ajudar a redigir, em 1976, segundo o qual "os Deputados representam todo o País e não os círculos por que são eleitos".

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ó Sr. Deputado, mas não se trata da substituição da expressão...

O Orador: - Não, Sr. Deputado, essa norma não é suprimida. Ela é, pura e simplesmente, transferida para o artigo 165.º, n.º 3, que é o artigo que rege a representação política.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu sei isso! O que se estava a discutir era a substituição da palavra "povo" pela palavra "país". Foi só isto! Não falei de eliminação.

O Orador: - Mas é ao contrário: substituiu-se a palavra "país" pela palavra "povo".

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É isso. O que estava a dizer era que essa substituição veio ao encontro daquilo que era a proposta do PPD para o texto inicial da nossa Constituição.

O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado congratula-se com isso e com o regresso às fontes, que não houve, ou seja, à redacção que poderia ter havido e não houve.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Exacto! Perdemos essa causa e, agora, ganhámo-la. Disse isto, mas também disse que não era eu o gestor do acordo. Pessoalmente, saudava que assim fosse, mas quem tem de gerir isto não sou eu, é a direcção da bancada.

O Orador: - Mas congratula-se com isso?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Congratulo-me, porque, finalmente, ao fim de 22 anos, vejo que alguém repescou essa ideia, que era brilhante.

O Orador: - Então, Sr: Deputado, congratulamo-nos todos. Aliás, mantém-se o equilíbrio em matéria de povo: as 10 referências à palavra "povo" existentes no texto actual continuam a manter-se, já que é tirada uma do artigo 81.º, mas inserida outra no artigo 155.º
A pequena campanha em torno de a palavra "povo" sair da Constituição" é um prodígio de ridículo, Sr. Presidente. É um prodígio de ridículo pelo que é, porque não se deve jogar com valores simbólicos com a falta de rigor intelectual e político, mas é-o sobretudo porque, para além da questão numérica, que não é pouco relevante - havia 10 referências ao povo e 10 ficam -, quando se alterou, ou vai alterar, no artigo 81.º, a referência à "qualidade de vida do povo" pela "qualidade de vida das pessoas", quer-se, entre outras coisas, o que é moderno, o não xenófobo, o aberto, pensar naqueles que estão em Portugal e que não fazem e nunca farão parte do povo português, por serem de etnias diferentes e não terem nacionalidade portuguesa, nem querem tê-la. No entanto, apesar disto, são pessoas, em relação às quais o Estado tem o dever de velar pela qualidade de vida.
Portanto, é de uma xenofobia ridícula ou de uma falta de responsabilidade política a toda a prova liderar uma

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campanha pública em torno de uma espécie de "povicídio", quando não só não há qualquer "povicídio" por parte da revisão constitucional como, pelo contrário, há uma melhoria da Constituição. É o prodígio da fetichização e degradação do debate constitucional, e, francamente, foi lamentável que isto acontecesse.
Agora, sem equívocos, não sei, Sr. Presidente, se conseguiremos marchar, mas, com certezas apuradas, limito-me, nesta sede, a reavivar quais os pilares destas alterações constitucionais. São poucos e bons.
Não temos qualquer nostalgia em relação à redacção actual do texto da Constituição, e, portanto, não a exprimirei em tom algum nesta sede. Mas temos apego ao que dela consta em matéria de pilares essenciais do sistema eleitoral. E quais são esses pilares?
Em primeiro lugar, tem de haver um respeito absoluto pelos limites materiais da revisão. Eles não são ofendidos por esta revisão constitucional, pois estas alterações mantêm-se rigorosamente dentro dos limites. Não tememos minimamente que quem quer que seja sindique a lei de revisão constitucional por este motivo, até me congratularia com o facto de isto vir a acontecer, para que nesta matéria não haja suspeições, teimas, fantasmas nem autoridades que não aquelas que resultem da fiscalização pelo órgão competente, o qual, queiramos ou não, é aquele e não outro.
Em segundo lugar, não se desconstitucionalizam o número e a eleição dos Deputados à Assembleia da República; altera-se o limite mínimo, mas há balizas claras a definir em concreto por dois terços, e o sistema eleitoral da Assembleia da República está definido basilarmente na Constituição. Não há uma desconstitucionalização do sistema eleitoral para a Assembleia da República, e creio que esta é uma questão de rigor elementar.
Em terceiro lugar, esta solução não acarreta, como já foi visto ontem, obrigatoriamente, ao contrário do que aconteceu em 1989, a redução do número de Deputados, e no projecto de revisão apresentado pelo PS isso não só não é uma necessidade como é mesmo uma desnecessidade - como já foi dito, o resto é uma questão de confiança. Quem não a tem, não a tem; quem a tem, tem; a História dirá e evidenciará os resultados.
Em quarto lugar, este quadro não abre a sistemas mistos. Não houve aqui, nem haverá, qualquer abertura da Constituição a um "casamento" entre o sistema de representação proporcional e sistemas maioritários. Este "casamento" é excluído por estas soluções. Abre-se a sistemas de representação proporcional pura. E, mais ainda, a conversão tem de ser feita segundo o método de Hondt - está dito, redito e tredito! E sobre esta matéria só numa interpretação extremamente perversa - de resto, não sei quem é que terá interesse em fazê-la, mas seguramente nós não - é que é possível sustentar o contrário. A lei ordinária terá, naturalmente, de se ater a este limite e onde a Constituição diz: "conversão dos votos em mandatos", segundo a representação proporcional, em todos os círculos de listas plurinominais e de outros; não pode dizer o contrário, muito manifestamente.
Portanto, os círculos uninominais são círculos de candidatura, mas a terminologia não é sagrada, parece que é uma espécie de fetiche, em que ou a Constituição dizia uma, precisa e específica e histórica formulação, que, de resto, até me parecia perfeitamente aceitável, ou, se não disser, diz o contrário. Esta é uma falácia do tipo sete! Se não diz isto, diz o oposto. Não! Diz o que diz! Diz que a representação proporcional é obrigatória.
Por último, o sistema não é ambíguo; o que não é unidimensional, o que é totalmente diferente. Cabe neste tecto constitucional, por exemplo, o código eleitoral, que a Comissão de Reforma, presidida pelo Professor Jorge Miranda, produziu num determinado momento da nossa História, mas também cabem outras tentativas. E a que nos comprometemos a apresentar é uma das que cabem: as virtudes da representação proporcional com as virtudes de um certo grau de personalização do mandato. E repito a garantia que ontem aqui enunciei, Srs. Deputados: nesta matéria precisamos de medidas de criação de confiança. Não é desejável que uma reforma constitucional se faça em estado de suspeição galopante ou sob o fantasma de que se deseja ganhar na secretaria aquilo que as urnas não permitem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas também não se pode preservar, por um qualquer método de engenharia eleitoral, aquilo que faleça nas urnas. Não é possível fazer ou inventar próteses legais para colmatar o défice de votos resultante da marcha da História e da situação difícil em que alguns membros do quadrante partidário se encontram. Vamos tentar criar essas condições de confiança; vamos empenhar-nos na apresentação de iniciativas que permitam uma discussão séria sobre esta matéria, e temos a confiança de que, respeitadas as regras constitucionais de carácter material, as regras de procedimento que dão ao Presidente da República um papel nuclear no accionar da fiscalização preventiva destas normas, num quadro em que esta é uma lei orgânica e aprovada, em certas áreas, por dois terços, num quadro em que é possível accionar a sua fiscalização preventiva de constitucionalidade, sucessiva e concreta, num quadro em que os partidos vão ter a possibilidade de discutir largamente e até à saciedade o tema, sem qualquer ameaça de aprovação de supetão - que, aliás, não seria possível manifestamente pela composição da Câmara e sem qualquer pressão ilegítima no sentido do resultado, Portugal vai conseguir uma reforma eleitoral de sucesso.
Minhas senhoras e meus senhores nada temos a perder; só podemos evoluir para melhor! Mas, se todos virmos que não é possível evoluir para melhor, guardaremos a lei eleitoral que temos e iremos a eleições, como sempre fomos, e ganhará e perderá quem tiver de ganhar e de perder. Não temos medo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão do artigo 152.º, vamos passar ao artigo 154.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de debruçar-me sobre duas propostas de alteração.
A primeira vem do acordo entre o PS e o PSD, e, a meu ver, pode tranquilizar o Sr. Deputado Luís Sá, porque diz claramente que ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral, excepto no círculo nacional, e só neste aspecto é que é possível acumular. Lá está, mais uma vez, a ideia de que será necessário um círculo plurinominal para manter a proporcionalidade - é uma evidência! Esta proposta de alteração comum é uma evidência, pois não era necessário fazê-la, mas, assim, as coisas ficam mais explícitas, ficam melhor assim.

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A segunda proposta de alteração é do PS, que não tem maioria absoluta, que foi aprovada por maioria não qualificada, e diz que se dá, ou se dará ou se daria a grupos de cidadãos eleitores a possibilidade de apresentarem nos círculos respectivos da sua residência candidaturas à Assembleia da República. Esta proposta altera o n.º 1 do artigo 154 º e, se não estou em erro, foi sufragada por outros partidos.

O Sr. José Magalhães (PSD): - Só pelo PP!

O Orador: - Ora bem, quero só dar razões pelas quais somos decididamente contra este princípio. O sistema político parlamentar tem dois vectores, que são fundamentais: um é assegurar a representatividade das correntes de opinião no seio da comunidade nacional e o outro é criar um universo, reduzido em relação à sociedade, dentro do qual seja possível escolher um governo eficaz e eficiente. O princípio da governabilidade é essencial à democracia, Sr. Presidente. Não há democracias ineficazes, ineficientes. Se um sistema democrático entra em colapso - e temos no nosso país experiências históricas disto -, é substituído naturalmente por outro sistema, porque a regra básica é sempre a mesma, quer os políticos e juristas queiram ou não. Salus populi suprema lex est (a salvação do povo é a lei suprema) e acaba sempre por triunfar outro sistema.
Portanto, é essencial para a preservação da democracia que o sistema seja governável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora bem, se trazemos para a Assembleia da República pessoas que se encontram desvinculadas de uma organização partidárias, mais ou menos disciplinada, criamos a instabilidade que o sistema maioritário trouxe para o rotativismo monárquico do século XIX.
Um Morgado de Caçarelhos, que já aqui foi citado há dias, penso que pelo Sr. Deputado Luís Sá, era eleito pelo sistema uninominal maioritário, Ele chegou cá, instalou-se, como ele todos os outros, e os governos caiam conforme os jantares que se faziam: ora um dia num sítio, ora outro dia no outro.
Ora, a disciplina partidária, o mínimo de disciplina partidária faz parte do funcionamento correcto, governável da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vão ficar a dever-nos mais este serviço. Desta feita, também não fomos em demagogias fáceis. Era fácil dizer: "Pois que venham todos, e tragam um amigo também. A Assembleia da República é a Casa comum para todos os portugueses". Mas com isto iríamos criar uma grave entorse no sistema democrático, que começa por ter de ser um sistema governável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De modo que estamos contra isto, como, aliás, também estivemos em 1975. Mas há desta feita, a seu tempo se verá, uma melhoria, que vai ser introduzida, em relação ao poder local, que é permitir agora a aplicação daquele princípio que, em 1975, só ficou a funcionar para as freguesias, às assembleias municipais. Mas é uma experiência e ver-se-á como funciona aí.
De qualquer modo, tanto eu como os outros membros do meu partido e a maioria dos quê participaram do projecto relativo ao poder local, em 1975, do projecto elaborado pela respectiva Comissão, temos o gosto de dizer que tivemos a ousadia de, também aí, propor que para as câmaras municipais pudessem ser eleitos cidadãos apresentados por grupos de outros cidadãos, que não de partidos. Mas esta solução caiu no Plenário, e muitas vezes me pergunto se o plenário da Assembleia Constituinte, ao reprovar aquilo que eu tão denodadamente quis, não teve razão. E agora saúdo a Constituição por dar esse passo, porque as coisas estão mais estabilizadas, mas, cuidado, os sistemas democráticos têm de ter um mínimo de eficiência!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de alteração a que o Sr. Deputado Barbosa de Melo acabou de fazer referência não é exclusiva do PS, pois consta do projecto de revisão constitucional do Partido Popular...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vocês também erram!

O Orador: - Também erramos, mas sabemos corrigir a tempo, e para isso propusemos a eliminação do preâmbulo, enquanto que VV. Ex.as continuam a errar ao manterem o preâmbulo.
Porém, o que nesta altura gostaria de sublinhar é que esta não é uma situação única, ou seja, muitas das propostas ou algumas das propostas que temos estado a discutir são indevidamente atribuídas a um só partido quando é certo que resultam de propostas de outros projectos de revisão. É esse o caso quando se apresenta a possibilidade de abertura de candidaturas de cidadãos eleitores independentes à Assembleia da República.
Na verdade, fizemos esta proposta para tornar consequente e retirar alguma hipocrisia à ideia muito apregoada da aproximação entre eleitos e eleitores, à chamada dos cidadãos a participarem activamente na vida política.
Do nosso ponto de vista, não basta dizer estas frases feitas, é preciso abrir campo e possibilidade aos cidadãos de se aliarem, de encontrarem razões e plataformas comuns de entendimento e ultrapassar um pouco a mera alusão à necessidade de participação da sociedade civil e das pessoas na actividade política.
Portanto, fizemos a apresentação desta proposta, sendo certo que somos sensíveis, de alguma maneira, às razões aludidas pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo em relação à necessidade de alguma coerência e governabilidade na sistema político. Contudo, também todos temos a noção, a certeza, certamente, de que não passaríamos a ter, a não ser que isso resultasse num fracasso total da intervenção dos partidos políticos - e se fosse por essa razão ainda bem -, na Assembleia uma maioria de Deputados eleitos em listas apresentadas por cidadãos eleitores.
Mas, à partida, não se pode esperar sequer que esta possibilidade de eleição de cidadãos independentes integrados em listas possa alterar, de forma substancial, o sistema político português. Aliás, como se sabe, não

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existem em Portugal somente os cinco partidos que estão representados neste Hemiciclo; há muitos partidos que, desde 1976, têm tentado a eleição de Deputados sem o conseguirem.
De resto, quando se faz alusão à inovação que, mais à frente, irá ser introduzida em relação aos órgãos autárquicos, pela nossa parte também apresentamos essa solução, aquilo que, mais uma vez, estranhamos, ao fim e ao cabo, é que este processo se tenha vindo, de alguma forma, a transformar numa promessa adiada - é outro tipo de Vizela.
Como também não será o momento adequado para falarmos da disciplina partidária... Sr. Deputado, como sabe, não me estou a referir, obviamente, ao PSD; estou a referir-me a uma situação que recentemente se passou, por exemplo, no Grupo Parlamentar do PP e que tanta polémica suscitou, que tantos olhares concentrou na nossa bancada, quando é certo que num partido como o nosso, que costuma ser qualificado e classificado por VV. Ex.as com atributos não muito lisonjeiros, não tomou as proporções que em relação a outros grupos parlamentares tomou bem recentemente.
Isto é, do nosso ponto de vista, o essencial. Aquilo que pretendemos é, ao fim e ao cabo, ser consequentes. Quando dizemos que queremos a participação dos cidadãos na política e que nos preocupamos com o fosso existente entre os eleitores e os eleitos é preciso ser consequente. E, dó nosso ponto de vista, urna das formas de sê-lo é exactamente abrir-se a participação a esses eleitores, tornando-se eles próprios eleitos, se tiverem capacidade, se tiverem programa e se tiverem votos neste sistema democrático.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao usar da palavra a propósito do artigo 154.º faço-o sobretudo para exprimir neste ponto um lamento. O lamento de que não tenha sido possível convencer o PSD quanto à bondade de permitir que cidadãos independentes pudessem apresentar candidaturas na eleição legislativa à Assembleia da República.
Fizemo-lo no que diz respeito à possibilidade de candidaturas para os órgãos das autarquias locais, não o fizemos para o órgão de soberania Assembleia da República. E este será. assim, um caso de limitação a um estatuto de cidadania política que gostaríamos que fosse plena para todos os cidadãos eleitores.
Se bem interpretei as razões de reserva do PSD, elas fundamentam-se, sobretudo, numa preocupação de governabilidade, no que diz respeito ao sistema de Governo. Também para essa preocupação o PS tinha apresentado uma solução constitucional. Tivéssemos nós podido encontrar consenso qualificado para introduzir a moção de censura construtiva, como forma de evitar que maiorias negativas inviabilizassem a continuidade do Governo, teríamos encontrado a fórmula mais adequada de garantir a governabilidade num sistema equilibrado de Governo e sem restrições ao exercício da cidadania política.
Infelizmente não foi possível alcançar neste ponto o consenso desejável e, por isso, não podemos dar uma boa notícia aos cidadãos portugueses. Os partidos, sempre o dissemos, são essenciais na democracia portuguesa, mas, a nosso ver, nada justifica que os partidos tenham o privilégio de organizar a iniciativa política que, na sua raiz, é e corresponde a um direito de cidadania a exercer pelo soberano sem outras limitações quanto ao intermediário.
Pode ser que, no futuro, esta solução possa vir a ser consagrada. Sempre valerá que possa sê-lo, ainda que mais tarde, pois sempre vale mais tarde do que nunca. No entanto, Srs. Deputados, é uma oportunidade que, infelizmente, neste momento vamos perder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 155.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, mais uma vez, muito obrigado por me dar a palavra.

O Sr. Presidente: - É o meu dever, Sr. Deputado.

O Orador: - Também estou de serviço a este artigo, de modo que tenho de dizer alguma coisa a seu respeito.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - E vai dizer muito bem!

O Orador: - Vou dizer bem numa parte e vou fazer uma crítica ao texto que veio do acordo.
Digo bem em relação à alteração da epígrafe. Tendo em conta o que se encontra hoje no artigo 155.º, a. epígrafe está, obviamente, errada, induz em erro. O sistema eleitoral, mesmo a parte do sistema eleitoral que é relevante para efeitos constitucionais, vai muito mais além de dizer qual é o tipo de representação, se é maioritária se é proporcional, e vai muito mais além de saber se há uma Sperreklausel ou não. Há muitas outras coisas que fazem parte do sistema eleitoral para efeitos constitucionais. Portanto, o que aqui estava estava mal.
Com o arranjo que se fez de passar para este lado o n.º 3 do actual artigo 152.º e deixar no n.º 2 a proibição das cláusulas limitativas em função da percentagem de votos obtidos no País ou, eventualmente, de mandatos obtidos pelos círculos uninominais, se o legislador um dia vier a tentar isso - oxalá que não, para já... Uma das razões que dá ao sistema de representação proporcional vantagens enormes no nosso sistema político concreto é trazer para aqui, desde a Constituinte, todas as forças com alguma representação na comunidade. Desde um Deputado, dois, três, quatro... Vêm de vários sítios e enriquecem aqui o nosso debate parlamentar e dão expressão no Parlamento aos quereres e saberes variados do povo português.
Portanto, esta cláusula mantém-se e é bom falar aqui de representação política. A representação política é muito mais do que isto, mas, ao menos, é uma parte que fica mais próxima das coisas. São dois princípios fundamentais de representação política. Esta é a parte positiva: saúdo a epígrafe!
Agora, lamento uma obra de engenharia gramatical que aqui anda, que julgo que é regressiva. O n.º 2 actual diz que "a lei não pode estabelecer limites à conversão dos votos em mandatos (...)" e, não sei porquê, a expressão "dos votos em mandatos" foi substituída por "de votos em mandatos". Não sou perito nisto, mas julgo que a tradição aqui deve continuar a ser como era e a fórmula deve ser

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a que está cá e não esta que não sei a que escrúpulos lógico-gramaticais obedece.

O Sr. Presidente: - Parece, assim, que se preferiu a parte ao todo!
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, neste contexto, de dizer apenas o seguinte: naturalmente que nos congratulamos e sublinhamos a importância de manter a proibição de uma cláusula-barreira, mas, entretanto, não deixaria de chamar a atenção para um aspecto: podemos ter cláusulas-barreira explícitas e cláusulas-barreira de facto. E o que é verdade é que na minha leitura, em rigor, a lei eleitoral e até o sistema eleitoral, no sentido amplo da expressão que temos hoje em dia, já não é bem aquele em cuja elaboração o Sr. Deputado Barbosa de Melo participou em tempo oportuno.
Na verdade, aquilo que se verificou foi que, quer através da redução do número de Deputados - no conjunto, 33 Deputados desde a eleição da Assembleia Constituinte quer através da diminuição do número de eleitores de muitos círculos eleitorais, se criou uma situação de facto em que, já hoje, em 19 dos círculos eleitorais, se exige, no mínimo, mais de 5% de facto para eleger Deputados e no próprio círculo eleitoral de Lisboa a percentagem que é preciso obter para ter Deputados é de 2,9%. Isto é: já temos uma situação em que estamos muito próximo, de facto, por exemplo da cláusula-barreira de 3% que existe na vizinha Espanha.
Se acontecesse, por acaso, vir a vingar uma proposta do tipo da que foi adiantada pelo PSD em determinado momento, de repartir em vários os círculos eleitorais com mais de 10 Deputados, então, teríamos uma cláusula-barreira implícita, que já não era de 2,9% que existe neste momento, era cláusula-barreira, que ia efectivamente, até, se calhar, para mais do que aquela que é exigida, por exemplo, na Alemanha.
Nesse sentido, saudamos o facto de estar aqui, assim, esta cláusula e as várias implicações que ela tem e deve ter.

O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de palavra, vamos passar ao artigo 157.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, prometo que aqui termina a minha incumbência.

O Sr. Presidente: - Não é estimável essa promessa!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar ser breve. O que se fez aqui neste artigo foi uma considerável melhoria. Transpusemos para aqui um princípio que estava contido no n.º 1 do artigo 161.º, que, aliás, tinha a seguinte epígrafe: "Direitos e regalias". Ora, o que acontece é que as situações de impedimento não são regalias nenhumas, são consequências da protecção devida a quem está a exercer esta função, ou seja, enquanto no exercício da função, garante-se-lhe a não participação ou dispensa de certos actos. Isto é um impedimento e não uma regalia porque não é em proveito pessoal do titular dela mas é uma vantagem para a função que ele exerce. Ao converter-se a regalia em impedimento tornou-se a letra conforme à realidade das coisas.
Por outro lado, ao contrário do que acontece hoje no n.º 1 do artigo 161.º, devolve-se à leia capacidade de regular os casos e condições em que os Deputados carecem de autorização da Assembleia da República, portanto, a lei é que dirá quando é que eles carecem de autorização. Se a lei nada disser, eles são obrigados a, ou podem, participar, nos termos da lei geral, nas funções que aqui vêm discriminadas.
Julgo que nesta proposta se melhora significativamente o texto constitucional até porque se torna mais maleável, devolvendo à lei a regulação de muitas coisas e evitando situações como a seguinte: temos um Estatuto 'de Deputados que tem um texto parecido com o que está aqui e que é de compatibilidade duvidosa com o actual texto da Constituição, mas é um texto imposto pela natureza das coisas, digamos. É bom pôr ó texto constitucional de acordo com a lei.
Acrescentarei apenas mais uma nota.
Aditou-se, e bem, a palavra "árbitros" e, julgo que fruto do acordo político PS/PSD, esta palavra foi introduzida entre "jurados" e "peritos ou testemunhas" Ora, inicialmente, julguei e, após uma reflexão mais .cuidada, continuo a julgar que a ordem das palavras deve ficar "árbitros, jurados, peritos ou testemunhas". Porquê? Porque isto vai indo em gradação decrescente, isto é, trata-se de funções jurisdicionais e um árbitro é juiz de facto e juiz de direito, ou seja, é um juiz mais completo do que um jurado pois este último só julga matéria de facto. Portanto, repito que a ordem dos termos deveria começar por "árbitros", seguindo-se-lhe "jurados", que ainda são juízes mas da matéria de facto, e, depois, "peritos ou testemunhas". Penso que esta será a ordem natural de elencagem destas funções.
De qualquer modo, são funções que têm a ver com o exercício da função jurisdicional, relativamente ao qual, a partir deste momento, não é sempre obrigatório ter autorização da Assembleia. Na verdade, o que aqui se diz é que os Deputados devem participar, à medida do que estipula a lei ordinária, no exercício da função jurisdicional, mas a lei pode estabelecer casos em que é necessária aquela autorização para exercer as funções. Após esta correcção, fica bem o texto constitucional.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 158.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 158.º, há duas alterações que merecem destaque ou não fosse este o artigo que, no plano constitucional, tem a ver com o exercício da função de Deputado.
Por proposta inicial do Partido Socialista, o Partido Social-Democrata acordou - e isso constou mesmo do próprio acordo político de revisão da Constituição - dar um enfoque maior à liberdade plena do exercício da função de Deputado. Não que o Partido Social-Democrata entendesse, antes pelo contrário, que a nossa Constituição democrática não consagra, já desde 1976, que o exercício da função de Deputado, pela nobreza da representação do povo soberano que engloba, é indiscutível e inalienavelmente um exercício livre. Em qualquer circunstância, parece-nos que o texto constitucional, a par das garantias adequadas ao exercício das funções, só terá

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a ganhar com a afirmação clara de que o exercício do mandato de Deputado é um exercício livre.
Parece-nos igualmente - e, aqui, partindo de uma proposta inicial do Partido Comunista relativamente a uma outra norma da Constituição - que, relativamente às garantias adequadas ao eficaz exercício das funções de Deputado e ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores, no âmbito da preocupação de aproximação que é uma das actuais reformas em curso necessárias nas democracias ocidentais e também no aperfeiçoamento do sistema político português de aproximação dos eleitos aos eleitores, haverá vantagem em acrescentar à parte final do actual n.º 1 do artigo 158.º a garantia da existência de condições para que os Deputados possam manter canais de informação regular com os seus eleitores. Trata-se de uma prática que já existe na nossa democracia, pois muitos dos Deputados deste Parlamento, na actual legislatura como em outras, cultivam a prática, saudável e regular, de contacto com os cidadãos eleitores para manterem uma informação sobre o que é o seu trabalho e o exercício das suas funções enquanto representante dos mesmos.
Inclusive, no nosso país, existe desde há vários anos a prática, também adequada e que o PSD saúda, da obrigatoriedade, em todos os governos civis, enquanto estruturas representativas do Estado, de pôr à disposição dos Deputados dos respectivos círculos espaços para um contacto permanente com os cidadãos eleitores dos respectivos distritos.
O PSD pensa, portanto, que, não sendo propriamente uma inovação quanto ao que é o funcionamento normal da democracia em Portugal e, em particular, ao que é o exercício do mandato de Deputado no nosso país, a consagração constitucional destas duas realidades vem dar uma maior dignidade e de algum modo enobrece a que é uma das preocupações fundamentais do exercício do mandato de Deputado: por um lado, a liberdade da função e, por outro, a estreita ligação e permanente aproximação aos cidadãos eleitores perante os quais todos nós, Deputados, respondemos e de quem trazemos um mandato adequado para o exercício das nossas funções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, concordo com o que disse mas, talvez porque não tenha compreendido, gostaria de perguntar-lhe o que entende por exercício livre de um mandato. É que se, antes, esta liberdade de exercício não estava devidamente consagrada ou devidamente explicitada, em que é que o ficou com a introdução desta expressão?
Faço-lhe esta pergunta porque ouvi há pouco o Sr. Deputado Barbosa de Melo, que faz parte da sua bancada, e devo dizer que fiquei muito confusa acerca do que a bancada do PSD entende por "exercício livre de um mandato".
Pela minha parte, concordo em que um Deputado tem um mandato próprio e que deve ser livre no exercício do mesmo; queria era saber como é que os senhores compatibilizam os vossos discursos que, talvez por insuficiência de conhecimentos ou por cansaço, me pareceram muito incompatíveis.

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, devo dizer-lhe com toda a franqueza que eu é que fico um pouco na dúvida e sem perceber o conteúdo da sua pergunta, mormente quanto a uma eventual incompatibilidade entre o que eu próprio disse e o que terá sido dito há pouco pelo Deputado Barbosa de Melo. De facto, não vislumbro qualquer incompatibilidade entre o que ele disse e o que é o meu pensamento.
Passo agora à questão concreta que me colocou no sentido de saber até que ponto é meu entendimento que haverá necessidade de incluir no texto este acentuar da liberdade do exercício do mandato de Deputado.
Na minha intervenção, afirmei que, do ponto de vista do PSD e meu próprio, não é que haja uma estrita necessidade de inclusão desta alteração ao texto da Constituição porque sempre entendemos que a mesma já consagrava, desde 1976. a liberdade de exercício do mandato de Deputado como condição inalienável da representação popular directa que ele tem.
O que disse foi, portanto, que, não comportando esta alteração qualquer inovação fundamental, no entanto, numa altura em que existe o propósito de reformular de algum modo o modelo político da democracia representativa no sentido de aproximar mais os cidadãos eleitores aos seus eleitos, ela tem o condão de reafirmar princípios como estes. É bom que este princípio fique claro e explicitado na Constituição porque as alterações à Lei Fundamental também são actos políticos que incorporam mensagens que são passadas para fora, para a sociedade.
Foi assim que tentei explicitar que o PSD aderiu a esta proposta, que, como também afirmei, não é originária do nosso partido, exactamente no espírito de não considerar que esta seja uma alteração necessária ou sequer uma inovação ao texto constitucional mas por considerar que é uma alteração à Constituição que pode e deve ser interpretada como uma preocupação política do Partido Social-Democrata no sentido de que, ao dar o seu voto favorável, há que fazer uma reforma, uma dignificação do exercício da função política e, mormente, da função de Deputado nesta altura em que há a necessidade de alguma reformulação do sistema político-democrático como o conhecemos e, sobretudo, de criar uma maior identificação entre os eleitores e os eleitos para que a democracia representativa possa continuar a ser um modelo político querido pela sociedade e pela comunidade nacional.
Em suma, Sr.ª Deputada, a resposta que lhe dou com toda a clareza é a de que não considero que esta alteração seja estritamente necessária. Tentei foi explicitar que, embora não tendo feito a proposta inicial, o PSD acabou por aderir a ela no pressuposto de que tem uma função meramente dignificadora e clarificadora de algo que já estava na Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao podermos consagrar no artigo 158.º a referência a que os Deputados exercem livremente o seu mandato, penso que deveremos articular esta expressão inovadora com o que é a natureza constitucional do mandato de Deputado.
O Deputado e o seu mandato só podem ser interpretados como sendo a expressão representativa legítima do povo. Povo que, nos termos do artigo l0.º da nossa Constituição,

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exerce o poder político, designadamente através do sufrágio; povo que, nos termos da nossa Constituição, é o detentor da soberania e que, portanto, deve, na expressão da representação dos seus Deputados, poder encontrar na mesma a expressão livre da sua orientação política.
Naturalmente, temos um problema sobre que reflectir quanto às implicações futuras desta disposição: os Deputados que continuam a ser propostos em listas de partidos, os partidos que concorrem para a formação política e também para a organização do poder político. Em que termos se fará, no futuro, a relação entre a vontade expressa nas direcções dos partidos políticos e a vontade expressa pelos Deputados como representantes, eleitos, do povo?
Srs. Deputados, não podemos eximir-nos à reflexão futura sobre se a um qualquer Deputado caberá poder justificar o seu sentido de voto aqui, na Assembleia da República, por exemplo, em nome de um critério de disciplina partidária. E que, nesse caso, sempre teríamos de interrogar-nos sobre se um critério de disciplina partidária iria ou não colidir com o exercício livre da expressão de vontade que se consubstancia no mandato do Deputado eleito em representação do povo, titular originário da soberania.
Por isso, quando a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto pedia algum esclarecimento complementar penso que tinha razão ao exprimir uma dúvida, mas penso que não deveremos fingir que não estamos a fazer uma inovação material significativa ao procedermos a esta clarificação constitucional.
Por isso, no futuro, a natureza da relação que se estabelecerá entre partidos políticos e Deputados eleitos terá, necessariamente, de ser reequacionada - caso contrário, esta disposição teria um valor meramente semântico. Ora, é meu entendimento que, para além desse valor semântico, ela tem um alcance normativo evidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que compreendeu melhor a dúvida que suscitei, há pouco, porque esta modificação em sede constitucional, se é que a entendi como deve ser, é de peso e até pode ser considerada positivamente revolucionária.
Sr. Deputado Jorge Lacão, já que não tive oportunidade de questionar, de forma mais clara, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostaria que me esclarecesse o seguinte: o problema do livre exercício do mandato de Deputado ou a impossibilidade de o Deputado exercer com toda a liberdade o seu mandato é, obviamente, algo de muito grave em termos daquilo que se pretende de um sistema democrático e, com o andar do tempo, acarretará essa imagem negativa que hoje caracteriza a actividade política, quer para a população em geral quer para os próprios "candidatos" a agentes políticos. Ora, o Sr. Deputado considera que com esta alteração se impede um cerceamento da liberdade de exercício do mandato de Deputado que decorre, em parte, do sistema e do próprio Regimento?
Sei que isto pode parecer absurdo, mas o Sr. Deputado Jorge Lacão sabe, perfeitamente, que tenho razão quando digo que o Regimento pode ser, ele próprio, um factor de cerceamento. Agora, se tivermos presente a própria disciplina partidária e o entendimento de que o Deputado é, de alguma forma, um representante do seu partido, como é que podemos compatibilizar tudo isto?
Por outro lado, falámos bastante da necessidade de aproximar o eleitor do eleito. Mas o que é que o eleitor elege? Elege o eleito? O Sr. Deputado Jorge Lacão sabe, perfeitamente, que não é assim: o eleitor elege um partido e, muitas vezes, um presidente de um partido; elege um conjunto de ideias e, supostamente, a solução dos seus problemas.
Embora defenda que tem de haver uma maior aproximação e responsabilização de quem é eleito, também entendo que temos de colocar algum bom senso neste debate, deixando claro que a maioria das pessoas que vota em Portugal vota em partidos e não em pessoas, por enquanto! Pergunto, então, se a aproximação entre eleitor e eleito pode ser feita com o sacrifício das ideias que o eleito representa, passando este a ser apenas um agente de ligação entre o eleitor e o eleito.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, lamento, mas não posso estar mais em desacordo consigo. Como é que a Sr.ª Deputada pode admitir que a natureza do sistema representativo seja, quanto à sua essência, uma forma de os eleitores elegerem partidos e apenas candidatos a Primeiro-Ministro e, ao mesmo tempo, o PP apresente, nesta revisão constitucional, a possibilidade de existência de círculos uninominais de apuramento?
É suposto que o PP acredite que a razão de ser de um círculo uninominal tem a ver com a possibilidade de existir uma identificação pessoal entre um candidato a Deputado e o eleitor que vota nesse candidato. É por isso que, a meu ver, haverá um qualquer equívoco insanável na posição agora expressa pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto:
Apesar disso, não podemos, do ponto de vista da sociologia política, ignorar que a tendência para o presidencialismo de primeiro-ministro existe como prática de sistema. Mas uma coisa é a prática de sistema, avaliada do ponto de vista sociológico, outra coisa é a determinação, ao nível do Estado de direito, com consagração constitucional, daqueles princípios que fundamentam a autenticidade da democracia representativa. E a autenticidade da democracia representativa só pode viver com base numa relação livremente estabelecida entre os eleitos e os eleitores.
Aliás, se me permite, Sr.ª Deputada, a nossa Constituição, de alguma maneira, já aponta nesse sentido quando no artigo 160.º, relativamente às imunidades dos Deputados, prescreve que estes não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
Quando há pouco, felizmente, chegámos a um consenso com o PSD, designadamente com a participação do Sr. Deputado Barbosa de Melo, para clarificar que os Deputados, mais do que representarem todo o país, representam todo o povo, também por essa via ficou claro que a ligação mais directa e incontornável é aquela que existe entre o Deputado eleito e o povo que o elegeu.
Naturalmente, ao nível das regras da responsabilidade política, faz todo o sentido que o Deputado eleito esteja

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em consonância política com o partido pelo qual foi proposto a Deputado. Todavia, já considero que não será possível. sindicar disciplinarmente o Deputado pelo exercício do seu voto no Parlamento no caso de o mesmo ser contrário à orientação da direcção do partido a que pertence.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, trata-se de uma brevíssima intervenção. Não vou entrar no fundo da questão, pois suponho que ela ficou clara, mas há aqui, uma vez mais, um aspecto gramatical que complica a boa gramática deste n.º 1 do artigo 158.º ou, pelo menos, a boa sonância dele.
Foram .ensaiadas várias fórmulas, tanto quanto posso registar a partir dos meus apontamentos, designadamente esta: "São garantidas aos Deputados condições adequadas ao livre e eficaz exercício da suas funções". Agora optou-se pela expressão: "Os Deputados exercem livremente as suas funções, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício (...)". Ou seja, na mesma disposição, utiliza-se a expressão "exercem" e "exercício".
Queria apenas recomendar à comissão de redacção que tivesse em atenção esta fórmula.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, tenho de recorrer à figura da intervenção para responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão, porque parece-me que não percebeu o que eu disse.
De facto, referia-me a uma prática, porque esta revisão constitucional também teve a preocupação de analisar uma prática e, quando considerou que ela deveria ser corrigida, corrigiu-a! Creio que é assim.
Portanto, de acordo com o que colhi das outras intervenções, esta alteração significa a clarificação não da prática mas do que se pretende que seja o mandato do Deputado. Ora, tentei alertar o Sr. Deputado de que não é apenas por esta via que se consegue corrigir uma prática que está distorcida em muitos pontos! Não estava, pois, a referir-me à proposta de alteração apresentada pelo Partido Popular que, aliás, ao conciliar duas soluções, não penso que deva ser para aqui chamada, não é verdade!? De facto; nela concilia-se, exactamente, a preocupação de representação nacional e a de aproximação entre eleitos e eleitores.
Também gostava de dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que a prática que está, neste, momento, sedimentada em Portugal...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Deputada, permite-me que a interrompa?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Deputada, queria apenas dizer-lhe que estou plenamente convencido de que, com o seu contributo activo e, porventura, com algum contributo da minha parte e de muitos outros, haveremos de conseguir ir modificando, no sentido institucional mais correcto, alguma prática sedimentada que é menos positiva.

A Oradora: - Sr. Deputado Jorge Lacão, era exactamente isso que eu queria dizer, ou seja, depois da aprovação desta alteração ao artigo 158.º, falta-nos percorrer um longo caminho. É bom que a Câmara não se esqueça desse facto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, utilizo esta forma. regimental para usar da palavra porque, há pouco, por lapso -, e fiquei consciente disso depois de ter terminado a minha resposta -, não respondi cabalmente à questão que me colocou.
Pelo que percebi, a Sr.ª Deputada ficou com algumas dúvidas sobre qual a interpretação do PSD em matéria de liberdade de. exercício do mandato de Deputado, nomeadamente face a algumas práticas partidárias internas. Com toda a franqueza, temos uma visão perfeitamente distinta desses dois planos.
Com efeito, o PSD não confunde, minimamente, as formas de um grupo parlamentar se auto-regulamentar no seu funcionamento interno, que correspondem a preocupações que têm a ver, fundamentalmente, com a necessidade de eficácia na expressão e na actuação política, desse grupo, por forma a melhor defender o programa eleitoral do partido que o suporta, isto é, através do qual foi eleito, com aquilo que é a liberdade própria do Deputado no exercício da sua função.
Ou seja, em última instância, se a Sr.ª Deputada quiser, considero que esse princípio é perfeitamente compatível: com a existência de normas dentro de um determinado grupo parlamentar, normas essas que podem levar, inclusive, à aplicação de determinado tipo de sanções disciplinares, internamente assumido e perfilhado pelos Deputados, porque tenho por certo que sempre que um Deputado se quiser desligar dessa disciplina, dessa auto-regulação partidária, pode fazê-lo. Ora, é para esse efeito que fica consagrado na Constituição que o seu mandato é livre: pode desligar-se e nem por isso deixa de ser Deputado. Continuará a ser Deputado, apesar de se libertar dessa lógica partidária interna, e a Constituição garante, inequivocamente, que ele continuará a exercer livremente o mandato para que foi eleito.
Portanto, volto a repetir que não confundo; minimamente, as preocupações de disciplina interna e de auto-regulação próprias de um grupo parlamentar com o. princípio da liberdade de exercício do mandato de Deputado. Diria que o Deputado também é livre para se auto-regular solidariamente com outros Deputados se entender que essa é a melhor forma para exercer o seu mandato e para satisfazer as preocupações dos eleitores que votaram nele. É que, como a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto diz, e muito bem, muitos de nós temos de ter a consciência de que fomos eleitos, que os eleitores votaram em nós não só por nós próprios mas, também,, em nome de uma ideia e de um projecto político protagonizado, muitas vezes, por um líder partidário que suportamos e com o qual comungamos nos ideais.
Portanto, a preocupação de nos subordinarmos solidariamente, em termos de auto-regulação e de autodisciplina, não bule, jamais, com este problema da liberdade do exercício do mandato.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, de forma muito breve, porque penso que não vale a pena perder mais tempo com este tema, quero dizer-lhe que esses dois planos têm mesmo de ser compatíveis e, aliás, não vejo aí qualquer incompatibilidade.
A título de exemplo, penso que não devemos escamotear a questão regimental, já que não permite ao Deputado, enquanto tal, ser mais do que um beneficiário de uma distribuição de tempos do seu grupo parlamentar. Além do mais, a periodização dos temas e das iniciativas legislativas também é feita dentro dessa lógica, que é, indiscutivelmente, necessária.
Portanto, só queria chamar a atenção para o facto de serem muitos os aspectos que cerceiam essa liberdade, para não ficarmos com a ideia de que, por introduzirmos esta alteração, de repente, o Deputado passa a ser autónomo. Porque não é um ser autónomo!
Em todo o caso, considero que esta alteração introduz uma grande melhoria, sem qualquer dúvida. Aliás, como sabe, entrei no grupo parlamentar do CDS-PP como independente e só depois me filiei, logo sou a prova evidente daqueles que acreditam que essa auto-regulação é possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, vamos dar início às votações que estão agendadas, relativas a propostas de alteração a artigos da Constituição já discutidos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tenho aqui o guião das votações que iremos efectuar agora, de propostas e projectos de lei, mas tenho distribuídos, desde o início da tarde, mais três projectos de lei ou textos finais que não estão incluídos neste guião, designadamente o texto final relativo a um projecto de lei que garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, o texto final sobre o estatuto do trabalhador estudante e o texto final sobre a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo.
Assim, Sr. Presidente, gostaria de saber se estes três diplomas também vão ser votados, anexados a esta listagem ou não.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão.
Sobre esses projectos de lei direi que não houve consenso no sentido de submetê-los ou não a votação. Em relação a dois deles, houve um partido que não concordou, em relação a outro, houve outro partido que também não concordou e, por isso, não foram incluídos no guião das votações. Temos de manter a regra das 48 horas e, nessa medida, os textos finais desses projectos de lei serão votados na próxima quinta-feira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, já agora, peço desculpa, mas gostava de saber quem é que não concordou com a votação e de que diplomas.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Relativamente a dois diplomas, foi o PSD e relativamente a outro foi o PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 120/VII (ALRA) - Autorização para contracção de empréstimos externos.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Vamos, agora, votar, na especialidade, a mesma
proposta de lei n.º 120/VII, apreciando, conjuntamente. os
seus dois artigos.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Relativamente à proposta de lei n.º 120/VII, resta proceder à votação final global.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, vamos agora votar, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 57/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de direitos de autor e direitos conexos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, antes da votação final global desta proposta de lei, quero apenas dar conta de que o texto final da Comissão importa algumas correcções em sede de redacção final, designadamente no artigo 2.º e na alínea k) do artigo 5.º, onde há, manifestamente, um lapso que tem de ser corrigido.

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, quero apenas manifestar o nosso acordo e agradecer a cooperação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação final global do texto final relativo à proposta de lei n.º 57/VII, conforme já tive oportunidade de anunciar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos agora proceder à votação Final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Cons-

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titucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º, 132/VII - Sobre extinção da enfiteuse ou aforamento (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar, também em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família, relativo ao projecto de lei n.º 169/VII - Acompanhamento familiar de deficientes hospitalizados (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos votar, ainda em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 278/VII - Cria o Sistema de Informação para a Transparência dos Actos da Administração Pública (SITAAP) e reforça os mecanismos da transparência previstos na Lei n.º 26/94, de 19 de Agosto (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o diploma que acabámos de votar foi cuidadosamente escrutinado na Comissão, pelo que solicitamos dispensa de redacção final, aliás, para aligeirar o trabalho da Comissão, pois será uma carga inútil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão de acordo em que se dispense a redacção final deste projecto de lei, que, aliás, é de uma extrema simplicidade e foi mesmo aperfeiçoado formalmente?

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, fica dispensada a redacção final do projecto de lei n.º 278/VII.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos artigos da Constituição que foram apreciados até agora, incluindo do artigo 158.º, cuja discussão se fez há pouco.
Começamos pelo n.º 1 do artigo 152.º, com a formulação proposta pela CERC. Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP. .

É o seguinte:

Artigo 152.º

(Círculos eleitorais)

1 - Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em número de mandatos.

O Sr. Presidente: - Vamos ainda votar a mesma disposição constitucional, com a formulação constante da proposta 69-P. apresentada pelo CDS-PP.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, dó PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era o seguinte:

Artigo 152.º

(Eleição)

1 - Os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente delimitados, tendo em consideração o número de cidadãos eleitores recenseados e por um círculo nacional, nos termos e em condições a definir pela lei.

O Sr. Presidente: - Passamos à votação do n.º 2 do artigo 152.º, com a formulação proposta pela CERC.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - O número de Deputados por cada círculo plurinominal do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.

O Sr. Presidente: - Vamos ainda votar o mesmo preceito, com a formulação constante da proposta 69-P, apresentada pelo CDS-PP.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era o seguinte:

2 - Pelo círculo eleitoral nacional serão eleitos o mínimo de 100 Deputados e o máximo de 110 Deputados, nos termos da lei eleitoral.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 3 do artigo 152.º, com a formulação proposta pela CERC.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o n.º 3 do artigo 152.º consta duas vezes do guião de votações, para ser submetido a votação, o que tem uma explicação: há uma proposta para alteração material da disposição do actual n.º 3 do artigo 152.º, mas há também uma proposta

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que foi apresentada como proposta de eliminação quando do que se trata, verdadeiramente, é da transferência deste n.º 3 para um novo n.º 3 do artigo 155.º
Assim sendo, Sr. Presidente, propunha que fizéssemos uma primeira votação para determinar se, sim ou não, haverá alteração de conteúdo do n.º 3 do artigo 152.º. Posteriormente, faremos uma segunda votação para determinar a sua transferência do artigo 152.º para um novo n.º 3 do artigo 155.º

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe apenas que identifique qual delas é uma e outra, porque...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, se me permite, terá de ser a Mesa a estabelecê-lo agora. Mas, se estiver de acordo, poderemos estabelecer que a primeira votação que se fizer dirá respeito à alteração material do. conteúdo do n.º 3 do artigo 152.º e a segunda será relativa à transferência desse, n.º 3 para o artigo 155.º, sendo certo que se trata ainda de uma classificação provisória, porque quando votarmos o artigo 155.º teremos de fazer uma ressistematização.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, nada temos a opor a que a votação do nosso artigo 152.º seja feita em conjunto, mas não percebi qual dos n.os 3 vamos votar. E gostava de perceber porque tenho dois sentidos de voto distintos!...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, vamos votar em primeiro aquele que consiste numa alteração material da redacção do n.º 3 e, em segundo, o que se refere a uma simples transferência sistemática para o n.º 3 do artigo 155.º.
Portanto, sabendo que a primeira votação corresponde a uma alteração material e a segunda corresponde apenas a uma alteração sistemática, já sabe como há-de orientar o seu sentido de voto.
Posto isto, vamos votar, em primeiro lugar, o n.º 3 do artigo 152.º, de acordo com a proposta de alteração material da CERC.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas quero pedir-lhe que confirme, para que não haja dúvidas, se vamos votar aquilo que consta no guião como tendo sido aprovado por maioria simples na CERC.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.
Vamos votar o n.º 3 do artigo 152.º, com a formulação material proposta pela CERC, onde obteve maioria simples.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do CDS-PP, a abstenção do PSD...

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para evitar confusões, peço-lhe que leia o que estamos a votar, porque, pelo meu guião, o CDS-PP votou contra uma proposta que é sua. Com certeza, há aqui um equívoco e, por isso, vale mais ler o que estamos a votar.
O PSD absteve-se porque o Sr. Presidente anunciou que o que estava em votação era o texto que foi aprovado na CERC com maioria simples, mas o texto que foi aprovado na CERC com maioria simples corresponde a uma proposta do PP. Portanto, o PP deve estar equivocado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda existe o direito de arrependimento.

Risos.

Vozes do CDS-PP: - Não, não!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, como disse há pouco, temos dois sentidos de voto distintos. Ora, como não temos indicação do texto que está em votação, votámos ao contrário, que era o que mais provavelmente poderia acontecer.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, vamos repetir a votação. Nada está perdido!
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não me leve a mal, pois, se calhar, agora. a minha fala é redundante relativamente àquilo que o Sr. Presidente já havia esclarecido. Mas, para que não haja falta de consciência na declaração, o que vamos agora votar é, efectivamente, uma proposta de n.º 3 do artigo 152.º vinda da CERC, onde obteve maioria simples, cujo conteúdo é o seguinte: "3 - Os Deputados representam todo o povo, independentemente do círculo por que são eleitos.".

O Sr. Presidente: - Era isso que eu ia ler, Sr. Deputado. Poupou-me à leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Só queira dizer que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira estava equivocado relativamente ao que tinha votado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD quer pedir à Mesa que faça uma pequenina pausa só para estabilizar...

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Faça favor.

Pausa.

Srs. Deputados, não saiam da Sala, porque senão altera a contagem de votos, se for necessária. Agradeço que não saiam da Sala.

Pausas.

Srs. Deputados, há um pedido perfeitamente justificado, uma vez que há dúvidas, no sentido de adiar a votação

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destes dois números do artigo 153.º para a próxima votação. Portanto, incluir-se-á a votação destes dois números nas próximas votações.
Vamos passar ao artigo 152.º, proposta 69-P, da iniciativa do CDS-PP. Devo comunicar que, relativamente aos seus n.os 4, 5, 6 e 7, há uma proposta da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto e certamente ninguém se oporá a que a votação se faça em conjunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, nada há a opor à votação em conjunto, mas queria lembrar, no entanto, que o n.º 5 corresponde a texto constitucional vigente. Portanto, o n.º 5 não deve ser votado.

O Sr. Presidente: - Também se for, nada se ganha e nada se perde.
Portanto, vamos votar a proposta 69-P, apresentada pelo CDS-PP, de aditamento dos novos n.os 4, 6 e 7 do artigo 152.º, sendo que o n.º 5 corresponde ao texto actual da Constituição.

Submetida à votação, não obteve n maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor
do CDS-PP.

Era a seguinte:

4 - São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvo as restrições excepcionais definidas pela lei eleitoral.
6 - A eleição nos círculos geograficamente delimitados na lei processar-se-á de forma majoritária e a duas voltas, nos termos da lei.
7 - A eleição no círculo nacional proceder-se-á pelo método da média mais alta de Hondt.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação do n.º 1 do artigo 154.º, na formulação da CERC, onde foi aprovado por maioria simples.

Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PS e do CDS-PP.

Era o seguinte:

Artigo 154.º

(Candidaturas)

1 - As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos partidos, bem como por grupos de cidadãos eleitores recenseados nos respectivos círculos.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 2 do artigo 154.º da CERC.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

É o seguinte:

2 - Ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral da mesma natureza, exceptuando o círculo nacional quando exista, ou figurar em mais de uma lista.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar, na proposta 70-P, o aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 154.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetido à votação, irão obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era o seguinte:

3 - Ninguém pode ser candidato por mais de um dos círculos eleitorais geograficamente definidos por lei ou integrar mais de uma candidatura.

O Sr. Presidente: - Vamos votar, na mesma proposta 70-P apresentada pelo CDS-PP, o aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 154.º

Submetido à votação, irão obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era o seguinte:

4 - As candidaturas a apresentar nos círculos eleitorais geograficamente definidos na lei são uninominais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição da epígrafe do artigo 155.º, na redacção da CERC.

Submetida à votação, obteve n maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos n favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

Artigo 155.º

(Representação política)

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 1 do artigo 155.º, na formulação da CERC.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

1- A lei não pode estabelecer limites à conversão de votos em mandatos por exigência de uma percentagem de votos nacional mínima.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 2 do artigo 155.º, na formulação da CERC.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

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É o seguinte:

2 - (actual n.º 3 do artigo 152.º ).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o n.º 3 do artigo 155.º, que .é aquele para o qual se transferiu aquele n.º 3 de há pouco, fica por votar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, e talvez o PSD possa ajudar, como se trata, para já, apenas da reinserção sistemática, a reinserção que há pouco não foi feita pode ser feita agora, independentemente da votação sobre a questão do conteúdo.

O Sr. Presidente: - Mas com um novo número.

O Orador: - Portanto, apelava ao PSD, porque sobre isso, seguramente, não haverá dúvidas, a que votássemos já a reinserção sistemática.

O Sr. Presidente: - Vamos votar já a reinserção sistemática de uma coisa que não está aprovada?

O Orador: - Não, Sr. Presidente. Há uma norma, que é a norma actual da Constituição, em que independentemente do destino da alteração material sempre será objecto de uma votação para a reinserção sistemática. Portanto, a todo o tempo a podemos fazer, independentemente do destino da reformulação material.

O Sr. Presidente: - Muito bem. Então, desde já se vota a alteração sistemática sem referência a um conteúdo concreto creste momento.
O Sr. Deputado Azevedo Soares pediu a palavra. Faça favor.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, confesso que gostaria de ser melhor esclarecido sobre essa mecânica que o Sr. Deputado Jorge Lacão explicou, porque a sensação que tenho é a de que se vai passar um número de um artigo da actual Constituição para outro artigo...

O Sr. Presidente: - É porque não está proposta a eliminação do outro número que vai ser transferido. Alguma redacção há-de ter. Para já, fica transferido. A redacção é que será votada posteriormente.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Então, transfere-se o número sem conteúdo?!

O Sr. Presidente: - Mas com a certeza que terá um conteúdo.

Risos.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Quem é que poderá garantir isso, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - É porque não há qualquer proposta de eliminação. É a única solução. No entanto, se quiserem não se vota. Porém, penso que se poderia votar e se depois se verificar uma situação como essa teria de se corrigir a situação criada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, julgo que é melhor clarificar esta questão.

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, não vamos votar. Não se preocupe, está clarificado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É preferível isso, porque parece que vamos votar a introdução de um número sem ter votado a exclusão do outro número.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, não vale a pena insistirmos nisto, porque faz confusão. É melhor não se votar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço desculpa ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados, mas vamos tentar dilucidar o que está em causa.
Há duas questões que são de natureza completamente distintas: uma, é uma proposta de transferência do actual n.º 3 do artigo 152.º para um novo n.º 2 do artigo 155.º. E esta proposta de reinserção sistemática é completamente independente do conteúdo da norma. Portanto, acerca disto não havia dúvidas até agora.
Segundo aspecto, completamente diferente: haverá também que votar uma proposta para saber se fazemos alguma modificação material independentemente da ressistematização.
Como as duas questões são totalmente autónomas entre si e a bancada do PSD só tinha dúvidas quanto ao sentido do seu voto relativamente à questão da alteração material, o que proponho é que votemos já a transferência do n.º 3 do artigo 152.º para novo n.º 2 do artigo 155.º, com a redacção actual e depois se verá se ela é ou não modificada.

O Sr. Presidente: - Pergunto se estão todos esclarecidos. Se houver dúvidas, não se vota.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que, para acabar com esta confusão, o melhor seria - e da parte do PSD deixo, desde já, esta disponibilidade - votar exactamente o texto do n.º 3 do artigo 155.º, conforme a redacção que vem da CERC, quer com essa reinserção sistemática quer com esse conteúdo material.
O PSD está na disposição de votar imediatamente esse texto.

O Sr. Presidente: - E depois se verá qual é o arranjo sistemático. De facto, pode ser assim.
Vamos, então, votar o n.º 3 do artigo 155.º, tal como ele vem da CERC, independentemente de ser ou não necessário um posterior arranjo sistemático.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos.

O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de substituição da epígrafe do artigo 157.º, na formulação da CERC.

Submetida à votarão, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade.

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É a seguinte:

Artigo 157.º

(Incompatibilidades e impedimentos)

O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 157.º, na formulação da CERC.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

3 - Alei regula os casos e condições em que os Deputados carecem de autorização da Assembleia da República para serem jurados, árbitros, peritos ou testemunhas.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 1 do artigo 158.º, na formulação da CERC, que foi o último que foi discutido.

Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Artigo 158.º

(Exercício da função de Deputado)

1 - Os Deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores e à sua informação regular.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficamos por aqui nas votações, porque não temos mais disposições discutidas. Vamos, então, continuar a discussão.
Entretanto, vai proceder-se à leitura e votação de vários relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, processo n.º 9310/96.9 TDLSB - 5.º Juízo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar á Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite a prestar depoimento (por escrito, querendo), na qualidade de testemunha. no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal de Círculo e de Comarca de Valongo, processo n.º 808/96.0 TAVLG 2.º Juízo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Jesus a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O. Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação dos Juízos Criminais da Comarca do Porto, processo n.º 471/97 - 3.º Juízo - 3.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Mendes Bota a prestar depoimento (por escrito, querendo) na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não há inscrições. Vamos votar:

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal de Círculo e de Comarca de Valongo, processo n.º 808/96.0 TAVLG 2.º Juízo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Saraiva a prestar depoimento (por escrito, querendo) na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs., Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não há inscrições. Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, processo n.º 61/96 - 3.ª Vara Criminal - 3.ª Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Gama a prestar depoimento (por escrito, querendo) na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs.. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não há inscrições. Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solicitação da 3.ª Vara Criminal - 2.ª Secção, Processo n.º 5/97, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Raimundo Pedro Narciso a prestar depoimento (por escrito, querendo), na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não há inscrições. Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 159.º
A palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que este artigo tem um significado particular porque se insere num conjunto de alterações que vão no sentido do reforço dos poderes da Assembleia da República e em particular do reforço individual dos poderes dos seus Deputados.
Apesar de a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, há pouco, ter manifestado preocupação quanto ao conteúdo do livre exercício do mandato, julgo que, em contraparte da resposta às suas preocupações, neste artigo 159.º estão incluídas três alterações da maior importância. Em primeiro lugar, neste artigo propõe-se que os Deputados passem a ter garantida constitucionalmente iniciativa individual de alteração ao Regimento. É sabido que no passado o Regimento limitou essa iniciativa não apenas a grupos parlamentares mas a grupos parlamentares de uma certa dimensão, o que, aliás, excluía grupos parlamentares de menor dimensão. E parecia, no mínimo, estranho que o Deputado individualmente pudesse apresentar propostas de alteração à Constituição da República Portuguesa e não pudesse apresentar propostas de alteração ao Regimento, que necessariamente lhe é subordinado.
Por outro lado, propõe-se agora também que os Deputados possam fazer algo que é talvez mais significativo ainda do que apresentar propostas de alteração ao Regimento, que é somar à sua liberdade de iniciativa legislativa a possibilidade de requerer o agendamento das suas iniciativas individuais sempre que por alguma razão o respectivo grupo parlamentar não o queira assumir colectivamente. É sabido que a iniciativa legislativa é ou pode ser individual, mas é sabido também que o modo de funcionamento da Assembleia da República na prática não permite que o Deputado possa trazer a Plenário a sua iniciativa se ela não merecer o consenso ou do seu grupo parlamentar ou de outros grupos parlamentares. Não o poderá fazer potestativamente, mas poderá pelo menos requerer à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares o respectivo agendamento e terá, pelo menos, o direito de obter uma decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares sobre o respectivo agendamento e, naturalmente, nos termos do Regimento, terá sempre a possibilidade de recorrer para Plenário desta decisão se ela lhe for desfavorável. Assim, o Deputado tem a garantia de que, pelo menos, pode suscitar em Plenário a possibilidade de ser ou não discutida a sua iniciativa, o que me parece uma alteração da maior importância naquilo que é, espera-se, um novo modo de funcionamento da Assembleia da República.
E o mesmo acontece com uma nova alínea que é proposta relativamente à possibilidade de se garantir constitucionalmente o direito de os Deputados participarem nos debates parlamentares.
Sr. Presidente, se me permite, acho no mínimo curioso o texto constitucional actual que entre os poderes dos Deputados não consagrava aquele que é o poder por excelência do Deputado que é o de "parlar", o de falar, ou seja, de discutir em Plenário as suas ideias e de bater-se pelas suas convicções!
É evidente que tem de haver regras e que o Regimento tem de introduzir limitações que garantam a eficiência do funcionamento da Assembleia da República e o seu regular funcionamento, mas é evidente também que o Deputado tem de ter o direito de participar. E é evidente que o Regimento, na medida em que regulamenta esse direito, não o pode restringir de tal forma que o anule inteiramente.
Há uma velha questão nesta Assembleia da República que tem que ver com as famosas intervenções individuais e os tempos individuais dos Deputados e, designadamente, a limitação que o Regimento impõe de que essas intervenções apenas se possam fazer no PAOD, excepto se, por decisão do Presidente, for concedido o direito de a fazer durante a discussão da ordem do dia. O texto constitucional não vai garantir que assim seja, não decorre necessariamente do texto constitucional que assim seja, mas o texto constitucional pelo menos impõe a esta Assembleia da República que numa futura revisão do Regimento se ponha com seriedade esta questão e que se pondere com seriedade a possibilidade de, sem prejudicar o funcionamento da Assembleia da República, garantir um reforço efectivo dos poderes individuais dos Deputados e não apenas que eles venham a Plenário fazer valer as suas divergências em relação aos seus grupos parlamentares.
Aliás, julgo que há uma ideia feita e porventura mal feita, de que os Deputados, designadamente, os Deputados independentes, valem apenas por aquilo que são capazes de divergir do seu grupo parlamentar, mas isso não é verdade pois também valem por aquilo que acrescentam ao seu grupo parlamentar. E o que acrescentam também pode ser manifestado individualmente em Plenário tal como aquilo em que divergem.
Neste sentido, julgo, Sr. Presidente, que era bom que pudessemos ter em consideração nesta revisão, para além daquelas questões que são mais mediáticas, que há um saldo positivo e que esse saldo positivo significa o reforço dos poderes individuais dos Deputados e, por essa via, o reforço dos poderes desta Assembleia da República e a dignificação das suas funções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Apalavra à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, quero apenas dizer-lhe que me congratulo muito com a redacção deste artigo. Claro que não valia a pena afirmar um artigo atrás a plenitude de liberdade de exercício se não se fizesse esta menção no artigo seguinte. Também concordo que esta

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alteração não resolve totalmente a questão, mas será certamente levada em conta, nomeadamente, na revisão do Regimento. Em todo o caso considero que se trata de uma medida altamente revolucionária para a prática, que queremos certamente todos mudar, da vida política portuguesa muito assente em partidos e que se reflecte profundamente, como todos sabemos, nesta Câmara. É um passo qualitativo, oxalá não venha a ser cerceado na selecção que os partidos fazem dos candidatos para as suas listas.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para responder.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, como sabe, a lei às vezes acompanha a realidade e adapta-se a ela, mas há momentos em que a lei tem de ser o motor da realidade. E este é, porventura, um destes casos. É evidente que a prática parlamentar não é necessariamente consentânea com a proposta que se pretende aprovar. Aliás, não diria que ela vai revolucionar no sentido de que a revolução depende mais de nós do que propriamente a alteração do texto constitucional. Essa revolução não se decreta por via da alteração do texto constitucional. Essa revolução decreta-se, de facto, pela mentalidade que os Deputados são capazes de desenvolver e de adaptar. Nesse sentido esperamos todos contribuir para essa evolução. Mas que fique claro também que esta alteração é feita em nome da dignificação do papel da Assembleia da República e isso pressupõe o contributo de todos, nomeadamente, do Partido Popular, para a dignificação do papel da Assembleia da República e dos seus Deputados e também partindo do princípio de que estamos todos disponíveis para contribuir para essa dignificação.. Porventura, estarei a ser injusto em dizer-lhe isto a si porque, porventura, não era a si que o deveria dizer, mas o que é facto é que está a falar em nome do Partido Popular e não posso deixar de, no momento em que se aprova uma alteração destas, lembrar que o Partido Popular não tem sido dos que mais contribui para a dignificação do Deputado e do papel da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Também não é mal lembrado.

O Sr. Presidente: - Apalavra à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto para defesa da honra da sua bancada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, só lhe quero dizer que considero inoportuno, desadequado e inútil aquilo que disse.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para dar explicações, querendo.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, não tenho de conceder, nem de deixar de conceder. A oportunidade julga quem tem o direito de intervir livremente no Plenário. Ficamos cada um com a nossa opinião.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela parte do Partido Social Democrata também me quero congratular por estas alterações que claramente melhoram o texto constitucional no sentido que milita também na mesma linha daquilo que foi a alteração que há pouco aqui discutíramos a propósito do artigo 158.º, ou seja, da dignificação e da operacionalização do exercício da função de Deputado nesta Assembleia.
De facto, a primeira das propostas resulta de um conjunto alargado de iniciativas, quer do Partido Social Democrata, quer do Partido Socialista, quer do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que ficaram a constar das alterações à alínea b), tornando-a mais completa, mais adequada à realidade de funcionamento desta Assembleia e do trabalho que os Deputados exercem. Efectivamente, o poder de apresentar projectos de alteração ao Regimento é algo que já foi consagrado nesta mesma legislatura na lei ordinária para todos os Deputados, portanto trata-se de consolidar na Constituição da República Portuguesa aquilo que já tinha sido o sentimento e a opinião unânime dos actuais Deputados relativamente ao papel que devem exercer quanto à sua auto-regulação e, logo, à elaboração dó Regimento.
Por outro lado, também quero salientar a proposta do PSD para que os Deputados possam apresentar projectos de referendo na sequência daquilo que foi inovação adquirida na revisão de 1989 com a constitucionalização do referendo. Mas, óbvia e seguramente por lapso, não foi possível em todos os adequados capítulos da Constituição da República Portuguesa dar corpo a esta nova realidade que são os referendos e a respectiva apresentação de propostas por parte dos Deputados.
Por último, a concretização de que os Deputados não se limitam a apresentar projectos de lei, projectos de Regimento, projectos de referendo mas também podem e devem, diria eu, requerer o respectivo agendamento. Bem sabemos - e o Sr. Presidente em particular pelas funções que actualmente ocupa - que esta Casa, por razões de operacionalidade e eficácia, tem que pautar o seu funcionamento por regras consensualizadas democraticamente através das regras da maioria democrática em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, mas isso não quer dizer que os Deputados não possam. e não devam ser os primeiros a formular requerimentos no sentido de pugnar para que as suas iniciativas e os seus projectos possam chegar a debate neste Plenário è eventualmente serem aprovados e entrar na ordem jurídica nacional.
A segunda das alterações, esta sim, tem que ver com uma proposta inicial da parte do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Como ficou aqui mais ou menos claro das intervenções anteriores, esta proposta era demasiado voluntarista porque, preocupando-se, embora, com algo que é nobre, que é o exercício da função por cada Deputado' ainda que seja um Deputado independente, é evidente que razões de eficácia no funcionamento desta Casa obrigam a que' a sua participação e a sua intervenção nos debates parlamentares tenham de pautar-se por regras adquiridas por todos e que são, no fundo, as regras do Regimento de funcionamento desta Assembleia da República, sob pena de uma Câmara como esta, com 230 Deputados, se tornar perfeitamente inoperacional no seu funcionamento se todos e cada um dos Deputados, por sua autorecreação, tivessem a possibilidade e a capacidade de participar e intervir directamente, por sua iniciativa exclusiva, nos debates parlamentares que aqui ocorrem.

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A inovação, portanto, sob proposta do PSD aceite pelo proponente na CERC, é a de que se consagre na Constituição da República Portuguesa este princípio de participação e intervenção como poder próprio dos Deputados, obviamente que apenas limitada pelas regras de eficácia de funcionamento desta Casa, que são as regras regimentais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, na sua intervenção esqueceu o facto de a proposta de consagrar expressamente na Constituição da República Portuguesa como poder dos Deputados o de apresentar projectos de alteração ao Regimento ser da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP. Já agora, gostaria que o Sr. Deputado, para além de recordar este facto, recordasse também o contexto que levou à apresentação da consagração deste poder dos Deputados na Constituição da República Portuguesa. Creio que nesta matéria a memória histórica é importante e independentemente de nos congratularmos com o facto de esta alteração ter sido possível, não deixa de ser importante lembrar o contexto em que ela se verificou.
A segunda questão que queria sublinhar é a que constitui, sem dúvida, o direito de os Deputados participarem e intervirem nos debates parlamentares. Independentemente do papel de regulação deste direito, que cabe aos grupos parlamentares, exactamente para organizar o trabalho parlamentar, creio que, em termos a definir, não deixa de ser também importante sublinhar o papel do Deputado como tal, e penso que é possível, designadamente no quadro do Regimento, como acontece com muitos parlamentos do mundo, encontrar uma boa. equação destas duas componentes: por um lado, a organização do trabalho parlamentar, por via dos grupos, e, por outro, o papel de Deputados, designadamente de Deputados que estejam integrados em grupos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como há ainda outros pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, corrija-me se estou errado. A Assembleia da República não é um órgão executivo, portanto não se mede estritamente pelo critério de eficiência, Sr. Deputado. Porventura, eu teria usado essa expressão na minha intervenção e arrependi-me amargamente por tê-lo feito, porque isso permitiu ao Sr. Deputado fazer novamente o discurso da eficiência, da eficácia dos trabalhos, que, como muito bem sabe, levado a extremos, conduz a uma redução do papel da Assembleia da República, enquanto órgão de debate, de crítica e de fiscalização da actividade governativa. Há obviamente que assegurar e regular o bom funcionamento dos trabalhos, mas não se queira medir a função da Assembleia da República por critérios pelos quais só se mede a função de órgãos executivos, porque esta Câmara não tem, obviamente, funções dessa natureza.
Neste sentido, compreendo a preocupação de que o Regimento tem de enquadrar esse direito de molde a que os trabalhos se possam desenvolver com alguma liberdade. Mas, como também sabe, a propósito do Regimento, pode-se de certa forma cercear não só o papel individual dos Deputados mas até o papel dos partidos da oposição. Há de facto um limite a partir do qual o direito deixa de ter conteúdo, se o Regimento o negar pura e simplesmente.
Era só esta a questão que estava em discussão, quando a levantei.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Luís Sá a questão que me colocou.
O Sr. Deputado tem toda a razão, foi lapso evidente da minha parte. E bem verdade que a proposta que tem a ver com o acrescento da alínea b), da capacidade de os Deputados apresentarem por si projectos de alteração ao Regimento, é oriunda de uma proposta constante do projecto inicial do PCP, portanto sobre este aspecto penitencio-me, o que disse é perfeitamente verdade.
Já quanto à segunda parte, confesso-lhe, com toda a franqueza, que se procura que eu venha, em nome do PSD, com a corda ao pescoço, relativamente a esta matéria do Regimento, não sou propriamente a pessoa ou o Deputado adequado, até porque, como sabe, não tenho uma história de participação parlamentar tão longa quanto isso nesta Casa. Em qualquer circunstância, sempre lhe digo que o que interessa nesta revisão constitucional, como em todas as outras, não é seguramente ajustar contas ou falar do passado mas, acima de tudo, tentar encontrar as soluções mais adequadas para o texto constitucional, por forma a melhorar-se o funcionamento, neste caso, desta Casa mas, acima de tudo, do país e da democracia que queremos ter.
Ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a quem também agradeço a questão que me colocou, devo dizer, com toda a franqueza, que não posso concordar consigo quanto ao fundo da sua questão, porque sei que concordamos no que toca à prática e ao resultado final destas propostas. Mas, quanto ao fundo da sua questão, Sr. Deputado, é verdade que esta Câmara não é um executivo, mas também não é um speaker's corner, nem um forum. E é evidente que é entre estas duas lógicas de, por um lado, não ser um órgão executivo obviamente mas também não ser um mero forum onde as pessoas se encontram para dizer coisas e onde cada um sobe acima de um caixote para dizer o que lhe vai na alma, tem de haver meios termos, que são condicionados exactamente pela eficácia. O povo português não nos elegeu e não nos colocou aqui para dizermos o que pensamos exclusivamente mas para resolvermos os seus problemas e "tocarmos" este país para a frente.
Portanto, é evidente que, de uma forma consentânea com esse mandato e na interpretação correcta desse mandato, temos de encontrar formas de nos autoregularmos, autodisciplinarmos, no nosso funcionamento, para que possamos realizar exactamente esse mandato, nessa componente, que é a componente essencial. E, Sr. Deputado, devo dizê-lo com toda a franqueza, não vejo a política ou o serviço público como um mero cargo ou função a que se chega mas fundamentalmente como um

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meio para levar por diante um determinado projecto e, se queremos de facto ser consequentes com esse projecto, temos de ter a consciência de que num órgão. deliberativo como este temos de nos auto-impor regras de funcionamento sob pena da tal eficácia - que o Sr. Deputado disse não seguir mas que, eu sei, no fundo respeita e com ela concorda - não existir, pura e simplesmente. e de, portanto, não estarmos a interpretar e a realizar correctamente o mandato para que fomos eleitos.
É assim que eu vejo as coisas, pelo que não retiro uma vírgula àquilo que disse, relativamente às preocupações de eficácia, porque sei que elas existem e sem elas não consigo interpretar correctamente a função de Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão do artigo 159.º, vamos passar ao artigo 160.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As imunidades dos Deputados de que trata o artigo 160.º não são privilégios. pessoais, que o regime republicano não consentiria, mas, sim, garantias do desempenho livre do mandato que o povo nos conferiu em eleições democráticas. De tais imunidades destaca-se não poderem ser detidos, presos ou mesmo submetidos a julgamento em processo criminal sem autorização parlamentar.. Fica ressalvado, dispensando-se tal autorização, o caso de crime punível com pena de prisão superior a três anos, desde que se verifique o flagrante delito - isto quanto à detenção e à prisão preventiva, preenchidos os outros requisitos legais.
Movido procedimento criminal contra algum Deputado e dada a acusação definitiva, o juiz terá de suster o processo e submetê-lo à Assembleia da República, para que se pronuncie sempre previamente ao seguimento do mesmo processo.
Em nome do princípio da separação dos poderes. que é um princípio fundamental de um Estado de direito democrático, um Deputado não pode, excepto em caso de especial gravidade, ser entregue aos tribunais. Fora de tal caso, é ao próprio Parlamento que caberá avaliar a situação e, se assim o entender, suspender o Deputado das suas funções para que seja julgado. Trata-se de um poder livre, e esta é a regra geral. A excepção resultará, como disse, da gravidade do crime de que o Deputado seja acusado.
Com efeito, tratando-se de crime punível com pena superior a três anos, a decisão de suspensão do mandato do Deputado pela Assembleia da República, tendo embora de existir na mesma, será então obrigatória. A clarificação dó texto constitucional resultante da proposta de alteração por mim apresentada na CERC. que mereceu consenso, é duplamente vantajosa por assegurar a efectiva responsabilidade dos Deputados, como cidadãos portugueses iguais aos outros, que todos são, sem prejudicar, e reforçando mesmo, a prerrogativa parlamentar face ao poder judicial.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta ideia de revisão não tinha surgido em qualquer projecto de revisão constitucional, e foi trazida à CERC pelo Sr. Deputado Mota Amaral, trazida, diga-se, em boa hora e em tempo, porque esta é uma matéria que, desde os primórdios do parlamentarismo, tem sido objecto de regulação. É uma matéria melindrosa e é uma matéria que hoje tenderá a estar mais, mais e mais sob a atenção pública e normalmente em casos que colocam, de forma extrema e em tensão, as questões que este normativo suscita, e que devem ser examinadas, se possível, em ambiente da máxima, máxima, diria quase gélida, frieza, na consideração de soluções. E a gélida frieza leva, coisa interessante, a verificar, primeiro, que o legislador, em 1979, se esqueceu de harmonizar o regime de prisão de Deputados com aquilo que tinha determinado no artigo 27.º, mantendo a alusão de que são insusceptíveis de serem presos sem a autorização do Parlamento, salvo por crime punível, e esqueceu-se, nós esquecemo-nos, de adoptar uma qualificação: crime doloso, punível com pena de prisão superior a três anos ou cujo limite máximo de pena seja superior a três anos, que foi a terminologia que, em 1989 - e muito bem! -, ajustamos em sede de artigo 27.º e que não transpusemos, coisa interessante e curiosa, nostra culpa, mas não é seguramente um pecado mortal, estamos em hora de corrigir.
Em segundo lugar, é preciso estabelecer um equilíbrio e um equilíbrio correcto. A doutrina tinha verdadeiramente passado horas de tortura a interpretar o actual n.º 3, que passará a n.º 4, interrogando-se sobre o que é que aconteceria movido procedimento criminal contra algum Deputado, nas circunstâncias em que é possível. Iria ele a juízo sem que a Assembleia se pronunciasse nestes casos, obrigatoriamente, sem qualquer mediação? Ou haveria algum instante de mediação parlamentar, desde logo porque pode haver erro, pode haver abuso, pode haver lapso, pode haver outras coisas que da vida humana são absolutamente inarredáveis? Uma parte da doutrina, curiosamente - doutrina que, de resto, eu respeito -, era adepta da teoria de que, para evitar um mal pior - o que seria uma subtracção a juízo se deveria entender que a condução a juízo seria automática e sem mediação parlamentar.
Francamente, Sr. Presidente, essa solução pareceu-nos, na CERC - e a contribuição do Sr. Deputado Mota Amaral ajudou seguramente a clarificar este ponto -, excessiva, mas simultaneamente deu outra, de que era inaceitável. E a solução que aqui vem é aquela em que a intervenção parlamentar é obrigatória, mas há um juízo vinculado se ocorrerem estas circunstâncias que o preceito, ele próprio, tipifica.
Cremos, Sr. Presidente, que se colmatou uma lacuna e, mais do que uma lacuna, uma embaraçosa indefinição constitucional e se acautelou hoje, a frio, aquilo que espero que não venha a colocar-se simplesmente a quente, porque seria muito desprestigiante, mas tem de ser previsto, porque é a patologia do exercício do mandato. Esta é, cremos, uma boa solução.
Vamos apresentar na Mesa, Sr. Presidente, as duas correcções a que aludi no início desta pequena nota.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das questões suscitadas pelo PSD na CERC decorre da singularidade de, actualmente, a Constituição da República dispor apenas no actual artigo

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160.º, relativo às imunidades dos Deputados, a obrigatoriedade de solicitar autorização à Assembleia da República para os Deputados participarem como árbitros, jurados ou serem ouvidos como testemunhas em processos e do facto de a lei que aprovou o Estatuto dos Deputados, mesmo havendo dúvidas de constitucionalidade sobre essa matéria - e, devo confessar, eu pessoalmente tenho-as dispor, para além do que está na Constituição, que os Deputados não podem, sem autorização da Assembleia da República, ser ouvidos como declarantes ou arguidos em processos judiciais.
Ora, do meu ponto de vista, isto configura obviamente uma restrição da liberdade pessoal do Deputado que também é cidadão e, como norma restritiva que é, carece, do meu ponto de vista, de uma adequada consagração na Constituição, nesta matéria, sob pena, de facto, de o Estatuto dos Deputados, nesta parte, estar ferido, no mínimo, de dúvidas relativamente à sua constitucionalidade. Isto porque, contrariamente àquilo que se possa, numa análise superficial, pensar, esta necessidade de autorização da Assembleia não é regalia alguma. Pelo contrário, em minha opinião, configura-se na maioria dos casos como um ónus, que, às vezes, é penoso para os Deputados, porque o que muitas vezes acontece é que os Deputados, por força desta norma, se vêem impedidos de agir em processos judiciais, que são, muitas vezes, em defesa da sua honorabilidade e do seu bom nome pessoal, situação que já aconteceu nesta Legislatura, por várias vezes. Aliás, a l.ª Comissão é disso testemunha, uma vez que tem por função velar por este tipo de autorizações por parte da Assembleia da República. Ora, a 1.ª Comissão vê-se confrontada com situações em que Deputados pedem autorização à Assembleia, têm de vir pedi-la, para poderem defender-se relativamente a acusações que têm em tribunal, para defesa do seu bom nome e da sua honorabilidade. Não tinham, portanto, uma total liberdade sobre esta matéria.
Assim, a ideia suscitada pelo PSD é no sentido de constitucionalizar neste n.º 4 esta necessidade de intervenção da Assembleia da República para que os Deputados também possam ser ouvidos como declarantes ou como Arguidos, uma vez que se deve sempre pesar, a par deste direito inalienável do cidadão, que também é Deputado transitoriamente, com a dignidade e a defesa do órgão Assembleia da República, que, no contexto do nosso sistema democrático, como todos sabemos, tem de ser preservado, sob pena de todo o modelo democrático ser posto em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Visto não haver mais inscrições, vamos dar início à discussão das propostas de alteração apresentadas para o artigo 161.º

Pausa.

Não há inscrições, pelo que passamos de imediato à apreciação do artigo 162.º

Pausa.

Visto também não se registar qualquer inscrição para o uso da palavra, passamos ao artigo 163.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos uma proposta de alteração comum, que obteve a aprovação de dois terços na CERC e que estabelece o princípio de que os Deputados que sejam "condenados por crime de responsabilidade no exercício da sua função" ou "por participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista", devem perder o mandato. Aqui estamos defrontados com um problema geral, que é o de saber até onde a democracia se pode defender de si própria pelos meios pacíficos, os meios do Direito. A ideia é a de que quem é condenado por um crime de responsabilidade - e isto está tipificado na lei, aliás, é uma lei antiga, que foi revista em 1987, salvo erro, mas é uma norma estabilizada na nossa cultura jurídica -, de que quem comete algum dos crimes aí tipificados não deve realmente ter o direito de se arrogar, depois disto, como representante lídimo do povo português nesta Casa, deve perder o seu mandato; não honrou minimamente dentro das normas e critérios da honradez democrática, pelo que deve perder o mandato, assim como quem se organiza em organizações, em sistemas de acção, com filosofias contrárias, tão adversas, à filosofia democrática, como é a racista, que estabelece separações absolutas entre as pessoas que fazem parte das comunidades, ou aquelas que se propõem, em nome de uma união formal e abstracta, mas sempre concretizada na pessoa de um ditador, as organizações do fascio, que deram origem ao fascismo e que são totalmente adversas ao sistema democrático. Quem anda por estes lados e é condenado por isto, que também está tipificado na lei, não deve continuar a merecer a honra de representar o povo português nesta Câmara. Trata-se de limites jurídicos, pacíficos, dentro das regras de um Estado de direito, que visam defender a democracia dela própria. E ai da democracia que não saiba defender-se de si própria 

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate do artigo 163.º, dando início à discussão do artigo 164.º
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entramos na apreciação do artigo 164.º da Constituição, que é o primeiro artigo relativo ao conjunto de competências da Assembleia da República. A partir do artigo 164.º, nos artigos seguintes, é descrito um conjunto de funções da Assembleia. da República que já em muito se distanciam da mera função clássica legislativa dos parlamentos.
No artigo 164.º encontramos a função política e a função legislativa da Assembleia da República. Das várias alterações introduzidas neste momento na Constituição, algumas são de menor importância, sendo algumas apenas de correcções relativamente à versão actual e outras, como, por exemplo, em relação à alínea c), de mera reordenação, ressistematização, com a introdução de matéria relativa ao Estatuto do Território de Macau para as disposições transitórias.
Quanto à alínea f), foi apenas uma mera correcção, com a introdução da referência correcta da remissão para o artigo 229.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
No que toca às restantes alíneas já haverá alterações de fundo que importará salientar.

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Na alínea h), a alteração aprovada na CERC, com a maioria de dois terços, é a referência aos planos nacionais e lembra-se que, ainda recentemente, se discutiu no artigo 92.º essa mesma referência, pelo que convinha adaptar o texto da Constituição a essa nova realidade - como também veremos que na Constituição se introduziu o conceito de planos regionais e se consagrou o que é uma prática constitucional de apresentação da proposta de lei do Orçamento do Estado pelo governo.
Relativamente à alínea o), consagrou-se a competência para a Assembleia da República poder acompanhar não só, como já está hoje previsto na alínea f) do artigo 166.º, a possibilidade de um mero acompanhamento da integração europeia e da evolução da União Europeia mas, aqui em concreto, para a Assembleia poder pronunciar-se sobre as matérias não já decididas mas pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia. E esta alínea dá relevância à recente alteração ao Tratado da União Europeia considerada no Tratado de Amesterdão com a maior densificação da participação dos parlamentos nacionais no procedimento de elaboração de normas comunitárias. Esta alínea o) vem, nesse seguimento, consagrar na nossa Constituição mais um momento em que se atribui competência à Assembleia da República na construção europeia, sempre em crescente. Esta alínea vem consagrar também a afirmação plena do nosso sistema de governo, que poderia, sem a introdução desta nova alínea, ser de alguma forma alterado pela prática dos nossos governos que retirariam à Assembleia da República competências legislativas da sua reserva, nos termos dos artigos 167.º e 168.º, através de discussão e aprovação de matérias em órgãos no âmbito da União Europeia e não através de deliberações no âmbito da Assembleia da República e por lei da Assembleia da República.
Finalmente, alterou-se também a alínea j) do artigo 164.º E penso que devemos ponderar em toda a sua profundidade a alteração agora efectuada a esta alínea j). Com efeito, esta é uma alínea que tem vindo a sofrer nas várias revisões constitucionais sucessivas alterações - e eu diria, apoiado por alguma doutrina sobre esta matéria, que nem sempre as alterações que têm vindo a ser feitas são com total justeza ou ponderação.
Em 1976, na versão inicial da Constituição, e na revisão de 1982 manteve-se a ideia de que à Assembleia, através desta alínea, competia aprovar tratados e apenas tratados - não se atribuía à Assembleia da República a possibilidade de escolha entre a forma de tratado solene e a forma de acordo simplificado. Apenas em 1989, na revisão de 1989, se consagrou, através da versão que hoje temos, a ideia de que a Assembleia da República poderia, tal como o Governo, optar entre escolher uma forma solene de convenção internacional, ou seja, tratados, e uma forma menos solene. a de acordo em forma simplificada. E fál-o-ia, tal como o Governo teria essa competência, nos termos da alínea c) do artigo 200.º Dizia-se, porém, bastante mais. Dizia-se, tal como a versão actual, que existia uma reserva de tratado solene, que constava da segunda parte da alínea j), quando se refere a tratados em matéria de organizações internacionais e a outros tratados aí especificamente explicitados.
Esta revisão actual tem por virtude afirmar claramente que a aprovação de tratados solenes, para serem sujeitos a ratificação do Presidente da República, passa a ser da competência exclusiva reservada da Assembleia da República. Por isso, a ideia será que o Governo não mais tem a possibilidade de escolher entre aprovar tratados ou acordos em forma simplificada, apenas lhe passará a estar atribuída a possibilidade de aprovar acordos, sendo todos os tratados necessariamente sujeitos a aprovação da Assembleia da República.
Esta é a primeira grande alteração desta alínea do artigo 164.º, continuando, porém, a permitir que a Assembleia da República possa aprovar ainda, além de tratados, acordos em forma simplificada. Mas aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que começamos a ter alguns problemas nesta redacção, sendo talvez o menor o terem-se esquecido de alterar a alínea c), que continua a falar em convenções internacionais. Mas, eventualmente, teremos oportunidade nessa sede de fazer ainda essa alteração aqui em Plenário. É que se não alterarmos o artigo 200.º, alínea c), haverá uma clara incongruência com esta alteração agora do artigo 164.º, alínea j).
Mas o problema - diria eu - é que tem vindo a ser cada vez mais reduzido aquilo que é a reserva de tratado solene, ou seja, aquelas matérias que são obrigatoriamente aprovadas por tratado e ratificadas pelo Sr. Presidente da República.
Em 1976 e em 1982 a versão da Constituição claramente tinha, toda ela - na versão inicial alínea i) e depois alínea j) -, uma reserva de tratado e todas as matérias constantes dessa alínea tinham a forma de tratado solene, mas em 1989, porém, com a possibilidade de a Assembleia também poder aprovar acordos em forma simplificada, passou apenas a haver uma reserva de tratado na segunda parte dessa alínea, naqueles que estão especificamente consagrados nessa segunda parte como tratados e, como tal, a serem necessariamente aprovados nessa forma solene pela Assembleia da República. Com a actual redacção que agora se pretende introduzir na Constituição, essa reserva desaparece por completo.
E para podermos, a partir do momento em que esta nova revisão entre em vigor, considerar o que é que deve ser sob forma de tratado solene e o que deve ser sob forma de acordo em forma simplificada apenas nos podemos servir de princípios interpretativos. ao abrigo do princípio do Estado de direito democrático, no nosso preâmbulo, no artigo 2.º e no artigo 9.º, alínea b), para afirmarmos que, em princípio, haverá presunção de que as matérias mais importantes e inovadoras legislativas e políticas devem ser aprovadas sob a forma de tratado em forma solene. Mas não temos já, como até hoje, uma reserva explícita de matérias como as que hoje ainda constam da segunda parte da alínea j), que necessária e expressamente a Constituição qualifica sob a forma de tratado em forma solene.
Há, por isso, uma diminuição dessa reserva. Mas essa diminuição de reserva, que poderá, eventualmente, ser reparada pela interpretação mais generosa que é feita sobre o princípio já referido do Estado de direito democrático, pode levar a um problema mais grave, e esse problema mais grave é - digo-o desde já e, depois, fundamento-o - a clara diminuição dos poderes do Presidente da República.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E por que é que afirmo que a retirada dessa especificação de matérias, que têm necessariamente de ser aprovadas sob a forma de tratado, pode significar a diminuição de poderes do Presidente da República? Porque pode entender-se que as matérias a aprovar sob a forma de acordos em forma simplificada podem significativamente ser alargadas. Até hoje, afirmava-se, por

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exemplo, que as matérias de competência legislativa reservada dos artigos 167.º e 168.º deviam ser aprovadas sob a forma de tratados solenes e hoje encontramos na versão que aqui está em discussão para aprovação que essas matérias também podem ser aprovadas sob a forma de acordo em forma simplificada.
Portanto, há aqui uma evidente redução de poderes do Presidente da República. E porquê? Porque os poderes do Presidente da República relativamente aos tratados e aos acordos em forma simplificada é substancialmente diverso. Como encontramos nos artigos 137.º e 138.º da Constituição, os tratados são sujeitos a ratificação do Presidente da República e o acto de ratificação do Presidente da República é um acto totalmente livre. O Presidente da República pode ratificar ou não. Pelo contrário, os acordos em forma simplificada estão sujeitos à assinatura do Sr. Presidente da República e essa assinatura é obrigatória.
Por isso, ao alargar as matérias sujeitas a acordos em forma simplificada com a alteração que aqui é feita da reserva de tratado solene nesta alínea j), poderá levar a esta interpretação da diminuição dos poderes do Presidente da República, que penso que não era querida por qualquer dos subscritores desta proposta.
Assim, fazia aqui um apelo no sentido de se manter em pelo menos as matérias que hoje ainda constam como especificamente de reserva de tratado solene, até porque - e terminava -, na discussão em primeira leitura na CERC, foi referido, por exemplo, que, se não se fizesse esta alteração, podia ser aprovado em acordo sob a forma simplificada o tratado que constituiu a Organização Mundial de Comércio, passando por cima do facto de que o seu antecessor, o GATT, também foi criado em forma de acordo simplificado.
Diria que por esta reserva que hoje encontramos de que todos os tratados sobre organizações internacionais seriam sempre aprovados por tratados solenes, essa questão não se poria.
Por isso, terminava com o apelo para que ainda se pudesse dar uma nova redacção a esta alínea j) e se pudesse. assim, contemplar aquilo que hoje já temos na Constituição, com a benfeitoria que é proposta relativamente a que todos os tratados sejam exclusivamente da competência da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Moreira da Silva, creio que a sua intervenção foi just for the record do Diário, para ficar nele, porque o debate na Comissão de Revisão Constitucional estabelece e permite estabelecer com rigor o intuito desta proposta que, de resto, é uma ideia de revisão constitucional do PS, que é subtrair ao Governo - passo histórico - qualquer competência em matéria de aprovação de tratados.
Portanto, não se trata de reduzir o âmbito da aprovação de tratados pela Assembleia, trata-se, pelo contrário, de dizer que não só lhe cabe aprovar os que são da sua competência reservada - redacção actual -, mas cabe-lhe aprovar todos. Tudo o que seja tratado só pode ser aprovado, para ratificação, pela Assembleia da República e ratificado pelo Sr. Presidente da República, se assim o entender. É este o alcance da norma!
Se esta norma no seu espírito préelaro e, de resto, culto, acorda essa dúvida e esse oceano de interrogações, percebo melhor algumas observações que imputam a esta revisão constitucional imprecisões técnicas e um verdadeiro marasmo de redundâncias e impenetrabilidades e de outras desgraças e aleivosias, mas está nas nossas mãos impedir esse verdadeiro maremoto de patologias constitucionais, exprimindo à prova - diria eu - de leitura cruel tudo aquilo que escrevemos.
Portanto, proponho que nesta matéria escrevamos à prova da leitura do observador mais cruel, mais rigoroso e mais distraído em relação aos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Gostava de perguntar-lhe qual seria, nessa sua leitura, a redacção à prova de bala, sendo certo que a ideia é à prova de bala. - desgovernamentalizar a 100%. É um acto histórico que convém que não seja envolto em equívocos que lhe diminuam o sentido e até que lhe invertam a natureza.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, é impossível uma redacção à prova da bala que V. Ex.ª ou qualquer outro Deputado podem, de vez em quando, atirar! Mas dir-lhe-ei, citando um seu colega de partido, o Ministro, na altura Deputado, António Vitorino, na revisão constitucional de 1989, quando fez a última alteração, que dizia claramente o seguinte: "ao manter-se a referência à aprovação de tratados no concernente às demais matérias referidas na alínea i) (...)" - agora alínea j), do artigo 167.º e, na altura 164.º -, "(...) amizade, cooperação, rectificação de fronteiras, participação de Portugal em organizações internacionais, pretende-se sublinhar que sobre tais matérias a Constituição institui uma reserva de tratado, uma reserva de acordo internacional a celebrar em forma solene e, consequentemente, uma reserva de competência de aprovação parlamentar".
É ao retirar esta reserva de tratado que eu penso que está, eventualmente, o problema. A partir do momento em que saem estas matérias, pode ser aprovado por acordo, embora, eventualmente, pela Assembleia da República, um tratado que institui a Organização Mundial de Comércio. Contrariamente ao que a Constituição hoje obriga, ou seja, que os acordos sobre essas matérias sejam obrigatoriamente celebrados em forma solene, amanhã podem claramente ser celebrados por acordo em forma simplificada, o que significa que o Presidente da República tem menos poderes relativamente a esse tratado do que relativamente ao acordo em forma simplificada. .
Por isso, sem pôr em causa a questão fundamental desta alteração, que foi a consagração de que os tratados passam a ser da competência exclusiva da Assembleia da República, alterado, depois, o artigo 200.º, alínea c), essa questão é inegável e uma benfeitoria, mas perdeu-se esta outra que temos. Era isso que não queria ver perdido neste momento. 

O Sr. José Magalhães (PS): - Nada se perde, tudo se transforma!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por óbvias carências de tempo, não me vou pronunciar

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sobre o conjunto dos problemas que são colocados pelo artigo 164.º Há um conjunto de alterações que, em geral, entendemos que são positivas. Entretanto, gostaria apenas de me referir a uma, que tem um sentido geral positivo, mas que me parece largamente insuficiente em face dos problemas que estão colocados.
Na verdade, todos nós conhecemos o facto de, no processo de integração europeia, estar não apenas em causa o problema daquilo a que alguns chamam o défice democrático das instituições comunitárias mas também um outro défice democrático resultante exactamente da diminuição do papel dos parlamentos nacionais.
Ora bem, esta alteração que é proposta, designadamente a nova alínea o), visa colmatar esta dificuldade, como, de resto, outras disposições, como o novo artigo 115.º, n.º 8, vão no mesmo sentido.
Entretanto, na minha opinião, fá-lo em termos insuficientes. Porquê? Porque o problema não está apenas em a Assembleia da República se pronunciar sobre matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia, está igualmente em criar, de forma iniludível, condições que permitam que este facto tenha um conteúdo real e efectivo.
Nesse sentido, a proposta apresentada oportunamente pelo meu grupo parlamentar tinha uma preocupação, que ia no sentido de, por um lado, garantir a obrigação de transmissão imediata pelos órgãos competentes das propostas que estivessem em apreciação nos órgãos comunitários, propostas, naturalmente, de natureza normativa, e, por outro, de que, em matéria da competência reservada à Assembleia da República, Portugal não pudesse aprovar os respectivos actos no caso de o Parlamento português ter emitido um voto desfavorável. Isto é: trata-se, no fim de contas, de propor que em matéria da competência reservada da Assembleia da República e quando estiverem em causa actos normativos, esta Assembleia, como órgão soberano representativo do povo português, tenha mais do que um papel meramente opinativo.
Este é um problema fundamental, é um problema que, aliás, foi colocado, mas não resolvido, por exemplo, em França - e não foi por causa disto que a participação francesa na integração comunitária ficou diminuída. Se ficamos aquém disto, se ficamos apenas numa competência opinativa, numa competência de emitir parecer e de se pronunciar, ainda por cima sem garantir algo que é fundamental, que é a transmissão atempada dos projectos de actos normativos que estão sujeitos, designadamente, ao Conselho Europeu , então, arriscamo-nos a que desta alteração não resulte mais do que um voto pio, sem um conteúdo real. que valorize efectivamente o papel deste Parlamento na integração comunitária. E quem diz o papel deste Parlamento diz o papel do órgão a quem cabe representar soberanamente o povo português, com o princípio do contraditório e com o princípio do pluralismo.
A alternativa da consagração deste princípio é a governamentalização. E isto, de facto, é particularmente grave numa situação em que, na sequência do Acto único, do Tratado da União Europeia e do Tratado de Amsterdão, temos um quadro em que os actos normativos das Comunidades Europeias, da União Europeia, são cada vez mais em maior número.
Por isso mesmo, apelo ainda, embora já sem esperança, a que os partidos, designadamente os que formam maioria qualificada, se debrucem sobre esta questão no sentido de ir mais longe do que o que está na alínea o), pois o que
aí está é efectivamente muito insuficiente e fica muito aquém do que neste momento já está garantido noutros países da Comunidade Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que vamos passar ao artigo 165.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma brevíssima justificação da posição do PSD em relação às alterações contidas no artigo 165.º, designadamente nas alíneas a), d) e e).
Começando pela alínea a), devo dizer que, como já ficou claro na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o PSD subscreve o aditamento proposto que é o seguinte: "(...) podendo formular recomendações ao Governo no entendimento que aí ficou fixado (...)".
Portanto, não se trata aqui de introduzir um qualquer desequilíbrio no conjunto de poderes que estão atribuídos a cada um dos órgãos de soberania - o Governo, a Assembleia da República, o Presidente da República; neste caso, os órgãos de soberania em causa são os dois primeiros. Do que se trata aqui é de a Constituição da República Portuguesa explicitar uma prática que já tem sido efectivada, designadamente neste Parlamento. Não há muito tempo, tivemos a expressão desta situação quando discutimos a situação decorrente dos maus resultados e dos erros dos exames do ano passado e, na altura, o Partido Socialista subscreveu, juntamente com as restantes bancadas, uma recomendação ao Governo, no sentido da efectivação de alguns procedimentos, de acordo com o entendimento político do Parlamento e no uso de uma competência de fiscalização deste.
Portanto, para o Partido Social-Democrata, o entendimento deste aditamento é estritamente o de que não se trata de introduzir ou de alargar competências da Assembleia da República ruas, sim, de explicitar uma prática que, aliás, não é recente. Subscrevemos, pois, esta alteração cuja paternidade é, aliás. do PCP e cuja redacção foi posteriormente sugerida pelo Partido Social-Democrata.
Quanto às alíneas d) e e), a justificação é ainda mais simples. Trata-se aqui tão-só de conformar o texto constitucional à normalidade democrática e de fiscalização que está cometida a diversas entidades.
Relativamente à alínea d), apenas quero chamar a atenção para o facto de a substituição da palavra "relatório" por "parecer" compaginar-se com o que já está hoje na Constituição da República Portuguesa, designadamente no artigo 110.º, que refere "parecer" e não "relatório". Julgo que faz todo o sentido retirar a eventualidade de o parecer estar ou não elaborado até 31 de Dezembro do ano subsequente, pois é essa a normalidade que deve vigorar na Constituição da República Portuguesa. O mesmo se diga em relação à alínea e), com as alterações e adaptações devidas ao texto que aí vem proposto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino, dizendo que o Partido Social-Democrata dá assentimento a estas propostas, vindas da CERC, de alteração às alíneas a), d) e e).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Apenas quero sublinhar a importância que damos à clarificação desta questão da

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competência para emitir recomendações, pois é uma matéria sobre a qual foram colocadas dúvidas no passado.
Julgamos que este aspecto é tanto mais importante quanto existem institutos, por exemplo, o direito de petição, que poderiam ser claramente valorizados no caso de a Assembleia da República ter a possibilidade não apenas de debater as questões mas também de dar-lhes algum seguimento através de uma tomada de posição política sobre elas. O mesmo se aplica a toda uma série de outras questões que são indiscutivelmente da competência do Governo, o que não deve impedir que a Assembleia da República possa ter e emitir uma opinião sobre a matéria.
Claro que se esta disposição não for explicitamente consagrada, há práticas parlamentares que vão prosseguir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a atentar no que tem sido observado até agora, ninguém diria que o artigo 165.º é aquele em que vamos expurgar da Constituição os vestígios de um instituto com uma história controversa e muito longa nas nossas instituições, o assim chamado instituto da ratificação.
Este instituto foi depurado e levou um "lustro" democrático após o 25 de Abril, como era inevitável, na Constituição de 1976, e tem vindo a ser depurado dos resíduos de um tempo em que o Governo tinha um estatuto de supremacia absoluta e nesta Câmara não havia francamente Deputados nem era exercida qualquer actividade de controlo. É longa essa história e não cabe aqui recordá-la se não para exorciza-la e dizer que acaba e bem! Acaba, de resto, o que dela sobrava, acaba o que dela sobrava mal.
Em matéria de fiscalização, vamos melhorar seriamente o texto constitucional e, em nome da bancada, congratulo-me com esse facto.
Deixo duas notas, tão-só para dizer que veríamos com bons olhos a introdução de uma norma como a que aqui se propõe sobre o acesso da Assembleia da República às matérias classificadas como segredo de Estado. Não obtivemos maioria qualificada de dois terços, o que foi pena. A lei ordinária estabelecê-lo-á. Há já, de resto, uma iniciativa parlamentar do PS nesse sentido pois há uma omissão que é preciso colmatar. Mas há um direito do Parlamento sobre o qual ninguém tem dúvidas.
Quanto à possibilidade de formular recomendações ao Governo, aí, francamente, a Assembleia tem tido uma história ziguezagueante e oscilatória em regime democrático. Ninguém a quer Assembleia recomendatória. A Assembleia opina, decide, faz leis, ou aborta-as, ainda que sejam leis contra o Governo, ainda que sejam leis que destruam projectos do Governo - quem o fizer assume a responsabilidade, mas tem direito de fazê-lo. O caminho, que poderíamos sintetizar como o de uma Assembleia recomendatória, não foi ainda trilhado porque é qualquer coisa entre o ser e o não ser, entre o fazer e o não fazer, entre querer e não querer, erguer a mão e deixa-la quieta e, por isso, temos sido tão prudentes todos - no passado, quando estávamos na oposição, nós, e os outros representantes do povo português quando eram governo em impulsionar recomendações.
Portanto, Srs. Deputados, reina aqui grande cuidado e da não aprovação desta norma também não decorrerá, para quem quiser trilhar esse caminho, a impossibilidade de apresentar projectos de resolução os quais nada resolvam e os quais culminem em meros conselhos ao Governo, o que - não façamos revisões de olhos postos em conjunturas! - não nos incomoda literalmente nada. É uma solução intermédia, "zebrada", uma criatura mista e difícil de qualificar. Não daremos dois terços para tal coisa, mas também não bloquearemos que cada qual use como quiser os poderes que o eleitorado lhe deu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao artigo 166.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Sr. Presidente, farei uma brevíssima intervenção relativamente à nova alínea j).
Quero realçar a importância desta proposta quando hoje, no final do mundo bipolar em que vivemos durante dezenas de anos, a maioria dos países sente a necessidade de intervir em operações, nomeadamente de manutenção e implementação de paz.
Parece-me, portanto, da maior importância que esta alínea venha agora a integrar a Constituição na medida em que permite que a própria Assembleia da República acompanhe desde o início todas as operações deste género efectuadas pelas Forças Armadas portuguesas que tenham efeito no estrangeiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 167.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, tomo a palavra para justificar a proposta que o meu partido apresentou, a qual se reporta ao aditamento de novas alíneas r), t), u) e v).
Começo pela alínea r), que tem a ver os princípios fundamentais do sistema fiscal, reservando, em termos absolutos, a competência legislativa à Assembleia da República.
Julgo que, hoje, a cidadania fiscal é um estatuto de tal modo importante que a competência para legislar sobre a matéria deve pertencer em exclusivo à Assembleia da República. De facto, trata-se de direitos fundamentais que não podem estar sujeitos ao arbítrio do poder executivo.
Quanto à nova alínea t) (Estatuto das autarquias locais incluído no regime das finanças locais), tudo o que se passou recentemente na Assembleia da República relativamente a estas matérias dá razão de sobra ao Partido Popular para incluí-las na reserva absoluta da competência legislativa. Aliás, creio que não andarei longe da verdade se disser que esta é uma velha aspiração dos autarcas e da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Quanto à nova alínea u) (Organização e funcionamento do Banco de Portugal), julgo que os tempos que se avizinham e as perspectivas que se nos deparam de alienação da soberania em matéria de competência para emissão de moeda obrigam a que a Assembleia da República reserve para si própria a competência absoluta sobre esta matéria porque é nesta sede que reside, em primeira e última instância, a soberania popular.
Relativamente à nova alínea v), também nos parece que a Assembleia da República não deve alienar a sua competência para designar os representantes de Portugal nos órgãos próprios da União Europeia.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Sr. Presidente, sem ocupar muito tempo, devo dizer, em relação a este artigo 167.º, que este inciso sobe o reequipamento das Forças Armadas me parece da maior importância, tanto mais que, no fundo, corresponde ao que já acontecia actualmente.
Trata-se de uma das mais nobres discussões que se fazem nesta Casa no que diz respeito à matéria das forças armadas e, portanto, quero congratular-me com esta alteração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, vou falar fundamentalmente sobre o artigo 167.º, alínea q), na qual se adita à reserva de competência absoluta da Assembleia da República a questão do regime das forças de segurança.
Trata-se de uma obra na Constituição que é relevante, importante, benéfica e meritória. Isto corresponde também a outras modificações que se produzem, quer no artigo 167.º quer no artigo 168.º
É natural que todas estas matérias que tenham a ver com o regime das forças de segurança e também com o regime dos serviços de informações da República passem para a reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República. Tudo porque, na verdade, estas matérias contendem com direitos fundamentais. Não são apenas matérias de organização administrativa do Estado no domínio das polícias, são matérias que têm a ver com os direitos fundamentais dos cidadãos. É, portanto, natural que estas matérias venham para este artigo, umas incluídas, outras transitadas do artigo 168.º para este 167.º

O Sr. José Magalhães (PS): - E bem!

O Orador: - "Transitam bem", diz o Sr. Deputado José Magalhães com propriedade!
A propósito desta inclusão no artigo 167.º, gostaria de debruçar-me sobre uma outra que é a inclusão que se faz no artigo 168.º sobre o regime e a forma de criação das polícias municipais. Isto para significar que são duas coisas distintas: uma coisa são forças de segurança, outra coisa são polícias municipais...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, se assim não fosse, a disciplina que para elas é remetida no n.º 2 do artigo 239.º não estaria sediada onde está, nem diria o que diz, nem estaria dissociada do regime geral das forças de segurança.
Portanto, com esta colocação constitucional verifica-se que a confusão que, nalguns espíritos, se pretendeu fazer entre o que seriam as polícias municipais e o que seriam as polícias de segurança pública não tem razão de ser nem cabimento. E nem sequer depois desta revisão constitucional a confusão é obtida!
De facto, a revisão constitucional criou figuras novas, criou e separou poderes e competências de uma maneira muito mais curial, mas não promoveu a confusão: manteve a diferenciação e as características separadas. Na verdade, todos aqueles que quiseram fazer desta revisão constitucional um ponto de ganho de teses que, à partida, estavam condenadas não conseguiram fazer vingar as suas teses. O que resulta deste acordo é uma solução prudente, equilibrada e adequada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O. Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República proponho que se aprove a proposta que apresentei, visando integrar no elenco destas matérias as leis de bases do sistema social, da segurança social e do serviço nacional de saúde, actualmente previstas no artigo 168.º, relativo à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Entendemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a legislação sobre estas matérias que hoje tanto preocupam as populações ganhará uma maior relevância se passar a constar da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me vivamente, em nome da bancada do PS, pela possibilidade de, neste processo de revisão constitucional, se reforçar de forma tão significativa a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tal corresponde a um consciente compromisso e propósito da nossa parte, na medida em que reforçar os poderes do Parlamento é, seguramente, reforçar a própria democracia representativa.
Em particular, queria sublinhar que a nova redacção deste artigo permitirá não só manter como matéria da reserva absoluta a eleição de titulares para órgãos por sufrágio directo universal como alargar, por via da classificação como lei orgânica, essa disposição também à eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu, coisa que não acontecia até ao momento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também clarificamos que constarão da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República não apenas o regime de criação, extinção e modificação de autarquias locais mas, mais propriamente, a criação, extinção e modificação das autarquias locais para além do respectivo regime.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Neste ponto, talvez valha a pena sublinhar a coerência, maior ou menor, dos grupos parlamentares.
Há poucos dias, aquando do debate da criação do município de Vizela, o partido proponente esqueceu-se completamente que ele próprio, neste processo de revisão constitucional, tinha admitido que o regime de criação, extinção e modificação das

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autarquias, para além de constar da reserva absoluta da Assembleia da República, era configurável como lei orgânica, ou seja, lei de valor reforçado com precedência quanto ao regime relativamente às lei de criação, extinção ou modificação de autarquias locais.
Com efeito, se não tivesse esquecido essa posição adoptada no processo de revisão constitucional, teria compreendido que devia ter modificado a lei que enquadra a criação de novas autarquias antes de propor a criação individual de uma delas; o que se pretende criar, de facto, é o pressuposto de lei de valor reforçado daquela lei que define o respectivo regime de criação.
Estas são, pois, algumas incoerências que, "a talho de foice", vale a pena aqui sublinhar. Mas pela positiva!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Acho bem!

O Orador: - Srs. Deputados, congratulo-me ainda pela circunstância de se incluirem na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República matérias como as que se reportam à definição do regime das forças de segurança.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação estabeleceu aqui a distinção entre o regime das forças de segurança, que faz parte da reserva absoluta, e o regime que há-de prever a criação das polícias municipais e que se situará no domínio da competência relativa da Assembleia da República. Também esse aspecto é uma inovação constitucional positiva que se faz por via de uma proposta arduamente defendida pelo PS, justamente no sentido da possibilidade de criação das polícias municipais.
Ainda em matéria de regime das forças de segurança, permitam-me que faça uma outra clarificação possível. Até hoje, para que se pudesse, no quadro constitucional, encontrar uma solução restritiva de exercício de direitos, os agentes das forças de segurança eram forçadamente equiparados a militares ou a forças militarizadas. Ora, com esta solução, não podíamos autonomizar - como, aliás, a Constituição prevê que se autonomize - o regime das forças de segurança do regime das forças militares.
Todavia, ao estabelecermos agora, no domínio da reserva absoluta de competência legislativa, a possibilidade de o regime de exercício de direitos por parte dos agentes dos serviços e forças de segurança ser também estabelecido com autonomia face aos militares e agentes militarizados, estamos a contribuir para um quadro constitucional de clarificação que muito ajudará, no futuro, a evolução em sentido positivo do estatuto civilista das nossas forças de segurança.
Por outro lado, Srs. Deputados, permitam que me congratule igualmente pela circunstância de os regimes relativos ao Sistema de Informações da República, ao segredo de Estado, à elaboração e organização dos orçamentos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias, aos símbolos nacionais, às finanças das regiões autónomas e ainda à autonomia organizativa, administrativa e financeira dos serviços de apoio da Presidência da República também completarem o elenco das novas matérias submetidas à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.
Reforçamos inequivocamente o papel e a responsabilidade do Parlamento. Espero que com isso possamos dar um contributo para também reforçar o papel decisivo da democracia representativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, não fiquei propriamente confuso com a sua intervenção, antes pelo contrário fiquei até bastante esclarecido. Aliás, do meu ponto de vista, a sua intervenção foi útil e positiva por duas razões: em primeiro lugar, V. Ex.ª compreende - nunca imaginei que fosse de outra forma - que o pessoal das forças e serviços de segurança deve ter restrições no domínio do regime de exercício de direitos, nomeadamente todos aqueles que vêm elencados neste articulado novo, corrigido.,
Portanto, entendo que V. Ex.ª devia fazer profissão de fé desse seu pensamento, multiplica-lo e expô-lo publicamente para que outras pessoas, eventualmente com funções de maior responsabilidade, também partilhassem do seu contentamento, bem como do seu espírito construtivo nesta matéria.

Vozes do PSD: - Temos de o "clonar"!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é preciso " cloná-lo", basta que fique previsto na Constituição!

O Orador: - É impossível "clonar" o Sr. Deputado Jorge Lacão, mesmo que alguém quisesse!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está proibido na Constituição!

O Orador: - A segunda questão que gostaria de referir, Sr. Deputado Jorge Lacão, tem a ver com o facto de ter havido uma luta infrene, uma luta extraordinária pela criação daquilo a que chamavam as polícias municipais. Houve até uma tentativa de estabelecimento do conteúdo dos poderes das polícias municipais em termos tais que chocavam com a Constituição actual e chocarão com a nova versão da Constituição, depois de aprovada.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que significa que este esforço teorético - digo bem, teorético! - do Partido Socialista em relação à tal grande figura das polícias municipais, de facto, não tem qualquer conteúdo, absolutamente nenhum! E tudo porque, nesta altura, o único problema que parece existir é o seguinte: com a nova Constituição, alterada de acordo com as redacções propostas, a única coisa que há a fazer é pegar no diploma que criou os serviços municipais de polícia - que foi, aliás, votado por V. Ex.ª -, mudar-lhe o nome e dizer que o mesmo deixou de ser serviço municipal de polícia e passou a ser polícia municipal!
Portanto, o que os senhores andaram a dizer, durante todo este tempo, quanto ao conteúdo, funções e poderes das polícias municipais não tinha a menor razão de ser. Mais ainda: se os senhores, que lutaram tanto pela criação das polícias municipais, queriam cria-las com este conteúdo e com este figurino já podiam tê-lo feito há muito tempo! E não se compreende por que razão até agora as câmaras municipais do Partido Socialista não o fizeram.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, por dispor de pouco tempo, neste momento não vou pronunciar-me sobre questões que têm um momento próprio para ser debatidas em profundidade, como é o caso das polícias municipais ou da restrição ao exercício de direitos por parte das forças de segurança. Como é sabido, estas questões serão discutidas ulteriormente.
Estamos agora a discutir apenas o problema da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, razão pela qual gostaria de saber, sem prejuízo de congratular-me por haver, em termos gerais, uma ampliação da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, por que razão o Partido Socialista, por um lado, admite que matérias como, por exemplo, o regime de finanças das regiões autónomas conste da reserva absoluta e, por outro lado, não admite também a inclusão na mesma do regime de finanças locais ou o estatuto das autarquias locais, matérias que são de óbvia e grande importância e em relação às quais, aliás, tem havido uma prática de aprovação por lei da Assembleia da República e não através de autorização legislativa!
A minha perplexidade é tanto maior quanto vai ser estabelecido que o regime de elaboração e organização do orçamento das autarquias locais fará parte da reserva absoluta de competência legislativa. Ou seja, o regime de elaboração do orçamento tem de ser reserva absoluta de competência e o regime de finanças locais reserva relativa!? É qualquer coisa verdadeiramente estranha!

O Sr. António Filipe (PCP): - É um absurdo!

O Orador: - As explicações que ouvi pareceram-me completamente absurdas, como a de que incluir na reserva absoluta as finanças locais significava tirar dignidade ao regime de finanças das regiões autónomas - que ainda bem que aí estão e ainda bem que são leis orgânicas! Francamente, julgo que o seu espírito constitucionalista vai estar um pouco mais acima, não sei bem onde... Gostava, pois, de saber como é que o Sr. Deputado Jorge Lacão faz luz sobre aquilo que, aparentemente, é uma grande incongruência do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, penso que as questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação nos ajudarão a clarificar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Carlos Encarnação, eu nunca disse - aliás, o Sr. Deputado sublinhou-o e, nesse ponto, fez-me justiça - que o regime de organização sócio-profissional das forças de segurança deveria ser estabelecido sem qualquer restrição de exercício de direitos aos agentes das forças de segurança.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É verdade!

O Orador: - Aquilo contra o qual estive no passado foi que para o poder fazer tivesse de haver uma equiparação forçada dessas forças de segurança, conferindo-lhes natureza militar ou militarizada, porque era essa equiparação forçada que não permitia fazer uma distinção clara entre o regime das Forças Armadas, por um lado, e o das forças de segurança, por outro.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - É isso que vamos fazer agora, nesta revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem observado!

O Orador: - E, já agora, permitam-me que "puxe a brasa à minha sardinha", vamos fazê-lo na sequência de uma proposta do projecto originário do Partido Socialista. Portanto, sabíamos, conscientemente, o que queríamos e só podemos congratular-nos pelo facto de a nossa proposta inicial ter consagração final.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Segundo aspecto do problema: as polícias municipais. O Sr. Deputado Carlos Encarnação quis, porventura, escamotear o alcance material da proposta para o n.º 2 do artigo 239.º, que, estou convencido, aprovaremos também com o seu voto, o qual rezará o seguinte: "A lei estabelece o regime e a forma de criação das polícias municipais, as quais cooperam para a melhor garantia da tranquilidade pública e a protecção das comunidades locais.". Ora, a densificação legal dos conceitos de "garantia da tranquilidade pública" e "protecção das comunidades locais" competirá à Assembleia da República ou ao Governo, mediante autorização legislativa. Dessa feita, o Sr. Deputado Carlos Encarnação não terá a imprescindibilidade de dar o seu voto, porque essa aprovação poderá ser feita por maioria simples e nós sabemos muito bem o conteúdo que queremos dar à função das polícias municipais no futuro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta foi boa, não foi?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão do artigo 167.º da Constituição.
Vamos fazer a interrupção...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas agradeço-lhe que me ajude a relevar uma falta grave. Não foi por indelicadeza, foi por simples. distracção, mas não respondi à pergunta do Sr. Deputado Luís Sá, a quem peço desculpa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, ainda tem tempo.

O Sr. Jorge Lacão (PS): -.O Sr. Deputado Luís Sá colocou-me uma questão que respeito, aliás, já ontem tive oportunidade de dialogar consigo sobre isso.
O PCP e o Deputado Luís Sá, em particular, têm-se batido ardorosamente - reconheço - para conferir o grau de lei de valor reforçado à Lei das Finanças Locais. Admito, em tese, que, se essa solução tivesse sido adoptada, era uma solução razoável, como outras o são, mas, na verdade, não houve consenso bastante, ao nível de uma maioria de 2/3, para o fazer, talvez porque a necessidade de articulação, ainda no tempo presente, entre uma lei de finanças locais e o regime de atribuições e

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competências das autarquias exige um grau de flexibilidade legislativa que, porventura, é menos compatível com uma solução mais rígida, ao estabelecer este domínio no âmbito da reserva absoluta de competência.
Repare, Sr. Deputado Luís Sá, como sou prudente nesta matéria: não lhe digo que não tenha razão e até admito que, no futuro, essa solução venha a ser consagrada, mas, no presente, como vê, ainda não estamos em condições de poder fazê-lo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agora, sim, Srs, Deputados, terminámos a discussão do artigo 167.º
Vamos interromper para jantar e fazer um esforço para recomeçarmos mesmo às 21 horas e 30 minutos, para ver se conseguimos acabar os nossos trabalhos um pouco mais cedo.
Está interrompida a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

Vamos iniciar a discussão do artigo 168.º da Constituição.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 168.º, sobre a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, apresentamos algumas inovações que, estou certa, irão colher o consenso de todas as bancadas.
Relativamente à alínea i), entendeu-se conveniente estender o regime hoje vigente, em sede de criação de impostos e sistema fiscal, ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras. Houve o cuidado - não poderia ser de outra forma - de encontrar uma expressão suficientemente abrangente, "contribuições financeiras", de modo a, passo a expressão, neutralizar discussões doutrinárias ou, pelo menos, neutralizar vivas discussões doutrinárias, que, não obstante tudo isso, pessoalmente, estou certa de que irão surgir.
Subsequentemente, na alínea m), substituiu-se ou propõe-se a substituição de "sistema de planeamento", que existe hoje na nossa Constituição, com o objectivo, diria, de exorcizar legados do passado revolucionário, eliminando, neste particular, a lógica estruturante da planificação da economia que subjaz à expressão que agora se pretende substituir por "regimes dos planos de desenvolvimento económico e social".
No que concerne à alínea n), relativa às bases da política agrícola, continua a parecer-nos perfeitamente descabida a adjectivação de que os limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola devem ser das unidades de exploração agrícola privadas. Há aqui como que um estigma relativo à propriedade agrícola privada que não faz qualquer sentido. Pensamos que a agricultura portuguesa precisa de uma política de emparcelamento - é um dado adquirido - que assegure a produção, a produtividade e a competitividade do sector primário nacional.
Mais adiante, na alínea t), a par das bases gerais do estatuto das empresas públicas, propomos que constem as bases gerais das fundações públicas. No fundo, face à proliferação das fundações públicas, pensamos que importa garantir a não existência de regimes diferenciados e, por isso, o facto de estas bases gerais estarem sujeitas a este princípio de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constitui uma garantia, um seguro, contra essa proliferação diferenciada.
Por fim, na última alínea, relativa às bases do ordenamento do território e do urbanismo - e digo última porque salteia alínea x), uma vez que o meu colega Deputado Carlos Encarnação já falou sobre ela -, mais não se faz do que explicitar uma prática de apresentação à Assembleia da República de matérias atinentes ao ordenamento do território e ao urbanismo. No fundo, apesar de dizer "mais não se faz". não quero minimizar aquilo que entendemos ser uma dignificação da própria Assembleia e das matérias em causa, ao serem explicitadas neste âmbito de competência da Assembleia. Esta explicitação é um ganho para a Constituição e, obviamente, no final, será um ganho para o País e para todos nós.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou intervir tão-só para não deixar de saudar também uma ideia de revisão constitucional na qual o Partido Socialista se empenhou, e muito, aliás, basta ler o projecto de revisão constitucional que apresentámos em Março de 1996 e cotejá-lo com o resultado final para se evidenciar aquilo mesmo que acabo de dizer.
Há redacções que actualizam o texto actual de determinadas alíneas, como é o caso da que, em consonância com o que operámos na sede própria, flexibiliza a normação constitucional em matéria de definição de sectores de propriedade de meios de produção, bem como da que alude ao regime dos planos de desenvolvimento económico e social, em consonância com o que fizemos nos artigos 90.º e seguintes, etc. Porém, saúdo em especial quatro alterações.
A primeira alteração que quero saudar vai implicar uma mudança muito significativa na forma como a Administração cria taxas e no seu regime. Há um dédalo de taxas e de outros tipos de contribuições financeiras; como bem foi observado, não se quis tipificar os tipos de contribuições que estão abrangidas, mas a verdade é que são todas, isto é, são as contribuições financeiras que, sem terem carácter fiscal, sejam atribuídas ou beneficiem os cofres das entidades públicas de todos os tipos. Isto significa que a Assembleia da República passa a ter de estabelecer esse regime geral, ainda que não obrigatoriamente num só instrumento, ou seja, nada obsta a que um instrumento normativo diga respeito ao regime das taxas e outros contemplem outras espécies, desde que as contemplem a todas e desde que nenhuma seja objecto de lançamento sem um enquadramento prévio habilitante feito pela Assembleia da República, e só por esta, ou pelo Governo, mediante, como se sabe, autorização legislativa.
O engrossar do elenco das matérias de reserva relativa com a normação sobre fundações públicas é também importante. Importa que a Assembleia da República seja ela própria a determinar em que devem consistir essas pessoas de tipo específico fundacional, cuja proliferação, por vezes, teve como intuito ou escopo uma alteração dos

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regimes de controlo e de outros mecanismos que devem ser próprios da sua natureza, que nem por ser autónoma deixa de ser pública.
Grande, grande salto, com consequências que, provavelmente, alguns ainda não materializaram bem até ao fim, é o da inclusão na zona de reserva das bases do ordenamento do território e do urbanismo. Os conceitos são aqui utilizados no seu sentido próprio, que já está travejado e desenvolvido constitucionalmente, mas implicam também, diria, um grande reordenamento de práticas. E, sob pena de inconstitucionalidade, muitas coisas que hoje são feitas terão de passar a ser feitas com precedência de bases, ou seja, de regras, de princípios e de directrizes claramente estabelecidas pelo Parlamento, que assim vê afirmado o seu lugar central na produção normativa.
Sobre as polícias municipais já aqui se disse o que era preciso. E o que é preciso dizer é que a normação sobre polícias municipais não está especificamente neste artigo, neste artigo está apenas a norma da competência. É adiante que se encontra a normação sobre o que são as polícias municipais e, para grande desgosto do Sr. Deputado Carlos Encarnação. que leu este ciclo de alterações por fascículos e ainda não chegou ao fascículo do artigo respectivo, a verdade é que é aí que está uma coisa que distingue estas polícias das actuais polícias ou corpos municipais de polícia, que não têm a feição que o artigo que referi exige que elas venham a ter.
É uma boa obra, ajudámos a fazê-la e temos orgulho nisso!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me vou pronunciar sobre as polícias municipais, porque, efectivamente, é a propósito do artigo 239.º, n.º 2, que a questão tem de ser tratada, não sem, entretanto, sublinhar a ampla convergência de interpretações do acordo PS/PSD que se verifica nesta matéria, como noutras, entre as duas bancadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Total divergência!

O Orador: - A minha "ampla convergência", obviamente, é irónica, Sr. Deputado, como, decerto, a inteligência de todos os Srs. Deputados alcançou.

O Sr. José Magalhães (PS): - A convergência é entre o PCP e o PSD!

O Orador: - A primeira questão que. gostaria de sublinhar neste contexto específico do artigo 168.º é a seguinte: propusemos que a obrigação de haver um regime de taxas constasse, no fim de contas, da competência absoluta da Assembleia da República e não da competência relativa. Não conseguimos tudo aquilo que entendemos, mas, no entanto, aquilo que fica consagrado, a nosso ver, tem uma grande vantagem que gostaria de sublinhar, a de pôr termo à possibilidade que se vinha verificando de criação arbitrária de taxas por diferentes pessoas colectivas públicas e órgãos da Administração Pública, sem uma lei de habilitação. Esta é uma leitura virtuosa que, de algum modo, se filia, embora de forma eventualmente não directa, na preocupação que também estava subjacente à proposta que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou.
A segunda questão que gostaria de sublinhar é a importância que damos ao facto de constar da reserva relativa de competência da Assembleia da República a definição das bases do ordenamento do território e do urbanismo. Esta matéria é cada vez mais importante nas sociedades modernas e, inclusive, para atingir outros objectivos, como o ambiente, a qualidade de vida, a segurança e o bem-estar, cremos que é do maior significado que a Assembleia da República tenha uma intervenção qualificada neste domínio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apreciação do artigo 168.º.
Passamos à discussão do artigo 169.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 169.º, independentemente de o texto que veio da CERC carecer ainda de algumas rectificações, uma vez que o que está aqui em causa, fundamentalmente no n.º 2, que vem alterado, tem a ver com remissões para o artigo 167.º e, como é evidente, essas remissões terão de ser corrigidas em definitivo aquando da formulação final que for encontrada para as variadíssimas alíneas do artigo 167.º, o que está aqui em causa, politicamente, e era a isso que me queria referir, tem a ver com um aumento substancial das matérias que passam a revestir a forma de lei orgânica.
Do ponto de vista do PSD, consegue-se um avanço significativo nesta revisão constitucional, que tem a ver exactamente com o facto de se considerar, no quadro da ordem jurídica que decorre do texto constitucional, que existe um determinado tipo de leis que assumem no nosso ordenamento aquilo que a Constituição chama "valor reforçado". Valor reforçado que implica, como já aqui votámos numa norma conceptual a propósito do artigo 115.º, uma subordinação e um respeito necessário por parte de diplomas que lhe fiquem a jusante.
O objectivo deste artigo 169.º, descodificadas as remissões que são feitas para o artigo 167.º, é o de integrar também no elenco das leis orgânicas as leis que têm a ver com cidadania.
Já foi aqui referido, a propósito de outros artigos da Constituição, o carácter essencial que assume no ordenamento jurídico português a nossa lei de cidadania, que tem particularidades, como também já foi aqui referido, mas que é um marco naquilo que representa para a conceptualização de Portugal como um Estado-nação.
As leis de cidadania, as leis que têm a ver com associações e partidos políticos, as leis que têm a ver com as eleições dos órgãos das regiões autónomas e do poder local, bem como das eleições de Deputados para o Parlamento Europeu, todas estas matérias passam a ter, necessariamente, de revestir a forma de lei orgânica, assim como as matérias relativas ao sistema de informações da República, as matérias relativas ao segredo de Estado, a lei das finanças das regiões autónomas, a legislação que regulamenta o relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas e, por último, a lei de criação das regiões administrativas.
Todo este conjunto de matérias, do ponto de vista do PSD e penso que inquestionavelmente para todos, tem um carácter estruturante na organização do Estado de direito

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que somos e, nesse sentido, faz todo o sentido, passe o pleonasmo, que sejam elevadas, pelo texto constitucional, à categoria de leis orgânicas. Isso implica, desde logo, em termos da sua votação, a exigência de uma maioria qualificada de metade mais um dos Deputados em efectividade de funções para a sua aprovação, mas implica também o assumir da natureza de lei de valor reforçado, que atrás referi e que qualifica especialmente as leis que têm a ver com estas matérias.
Por estas razões, Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, este artigo 169.º, embora cote uma forma um pouco crítica e apenas para iniciados, uma vez que se trata fundamentalmente de um elenco de' remissões para outros artigos, assume inquestionavelmente uma substância bastante significativa no contexto desta revisão. O PSD congratula-se por ter sido possível dignificar este conjunto de matérias, que, do nosso ponto de vista, devem ser tratadas, apesar de tudo, com alguma diferença e alguma preocupação acrescida por parte do legislador português, aquando da eventual alteração ou propósito de inovação sobre estas matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estou inteiramente de acordo com a posição que acaba de ser sustentada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no que diz respeito à extensão das leis orgânicas a matérias que, até hoje, se encontravam fora desse elenco - e há matérias relevantes, como sejam as eleições para, designadamente, as assembleias legislativas das regiões autónomas, as eleições dos titulares dos órgãos do poder local, as eleições dos Deputados ao Parlamento Europeu, o regime do Sistema de Informações da República e do segredo de Estado, o regime de finanças das regiões autónomas, a lei de criação das regiões administrativas.
Com isso cria-se uma maior solidez na articulação das leis orgânicas com outras disposições legais. E isto' porque as leis orgânicas não são apenas leis que exigem uma maioria reforçada; elas são também leis, que, de acordo com o artigo 115.º, têm valor reforçado e, por isso, são pressuposto normativo de outras leis que com elas venham a estar conexas.
Por esta via, estende-se, de forma muito significativa, não só o significado do papel do Presidente da República na promulgação e eventual veto de uma lei que tenha a natureza de lei orgânica, uma vez que, como se sabe, o regime da confirmação do veto político, no caso das leis orgânicas, exige uma maioria qualificada de dois terços para a confirmação parlamentar, mas também o regime do controle da fiscalização por ilegalidade, dado que as leis de valor reforçado permitem sempre essa possibilidade de fiscalização em sede de fiscalização sucessiva da legalidade das leis.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta é também manifestamente uma actualização e uma benfeitoria constitucional a favor do Estado de Direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que boa parte das alterações introduzidas a esta disposição são bem-vindas. A questão que poderia eventualmente colocar-se neste contexto era a da própria categoria de leis orgânicas, mas evidentemente ela não foi explicitamente examinada nem recolocada.
Uma outra questão tem a ver com o facto de não entendermos que razão profunda terá levado a negar o carácter de lei orgânica a outros diplomas, em relação aos quais, aliás, a proposta foi explicitamente feita, como, por exemplo, os relativos às finanças locais ou às atribuições e competências das autarquias locais. E, nesta matéria, entendemos que é perfeitamente absurda a justificação dada, por exemplo, em relação às finanças locais, ao dizer-se que constituiria uma desvalorização das finanças das regiões autónomas reconhecer o carácter de lei orgânica também aos diplomas sobre as finanças locais. Foi uma daquelas matérias em que a maioria PS/PSD funcionou de acordo com uma determinada dinâmica, que escapa inteiramente àquilo que constituiria uma lógica de Estado e a consideração da importância relativa que tem cada diploma para a estruturação da Administração Pública e do regime democrático.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 170.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 170.º, que ora vamos apreciar, tem uma inovação que cumpre sublinhar. Trata-se da iniciativa legislativa popular, ao reconhecer-se, no n.º 1, que "a iniciativa da lei e do referendo compete (...), nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores (...)". Esta é, no fundo, a única alteração que o artigo 170.º, na nova redacção, introduzirá.
E uma iniciativa positiva aquela que, agora, vai consagrar-se, dentro do espírito já aqui sublinhado, a propósito de alguns artigos, do aperfeiçoamento da democracia representativa.
Cumpre dizer isto na medida em que para nós, PSD e para mim, em particular -, a democracia representativa continua a ser a verdadeira democracia, a base do funcionamento do sistema democrático em que vivemos e queremos continuar a viver. A democracia representativa, mesmo quando apelidada de burguesa ou só de parlamentar, não deixa de ser a chave do regime democrático.
Depois, aparecem outros adjectivos para qualificar a democracia, havendo por aí um, chamado de opinião, e falando-se, portanto, de democracia de opinião, teorizada por alguns teóricos mais modernos, que não deixa de ser um contra-senso, uma contradição nos próprios termos.
Assim, entre a democracia representativa e a democracia directa, aparecem outros estádios intermédios, entre os quais devemos realçar justamente aquele que agora vamos passar a consagrar, espero, no n.º 1 do artigo 170.º. É, no fundo, uma espécie de democracia semidirecta. Não é uma democracia directa, na medida em que o tal grupo de cidadãos eleitores não tem o poder legislativo, apenas toma a iniciativa e, fazendo-o, dirige-se à Assembleia da República, que, essa sim, enquanto casa-mãe da democracia representativa, poderá ir na esteira dessa

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iniciativa desses cidadãos ou, pelo contrário, não a sufragar e não lhe dar seguimento.
É. por isso, uma democracia semidirecta, na medida em que, mesmo assim, a Assembleia da República tem a possibilidade de ouvir o pulsar de um certo segmento, presume-se, do eleitorado, dos cidadãos em geral, que entendem chamar a atenção dos seus representantes, dos seus mandatados, para que tomem em conta esta iniciativa e possam, ao fazê-lo, vir ao encontro do sentimento que lhe subjaz.
E preferível a democracia semi directa à democracia de opinião, pois esta última acaba por ser a democracia de muito poucos, dos privilegiados, daqueles que têm o benefício daquilo que hoje se chama a mediatização e daquilo que se chama a democracia mediatizada, que pouco tem de democrática, sobretudo nos instantâneos.
A propósito disso, recordo-me sempre de, em plena Alemanha, ver um grande estadista, Helmut Schmidt, recusar-se a responder a uma pergunta de um jornalista sobre um tema muito complexo, com esta afirmação lapidar: "Recuso-me a responder, em segundos, a um problema da maior complexidade".
A democracia representativa é bem melhor; a democracia semidirecta, a aperfeiçoar a democracia representativa, é um bem.
Por isso, o PSD sublinha com interesse esta iniciativa de alargar o poder a grupos de cidadãos eleitores, nos termos e condições que virão a ser estabelecidos na lei ordinária, para esta iniciativa de lei e de referendo.
Também é sabido que o poder de iniciativa legislativa, sobretudo, é, hoje, genérico e concorrente entre a Assembleia da República e o Governo, sem prejuízo obviamente dos casos de iniciativa legislativa reservada da Assembleia, do Governo e mesmo das assembleias legislativas regionais.
Mas também é bom recordar que, ainda hoje, na velha matriz, na esteira dos princípios da separação de poderes, a nossa Constituição é bem clara. no artigo 164.º, alínea d), ao dizer que compete à Assembleia da República "fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo". É bom ter isso presente e, não indo muito longe, recordar que tempos houve em que, no fundo e em última instância, o poder legislativo era só da Assembleia e, por isso, o próprio Governo não teria poder de iniciativa legislativa. Passado esse estádio, deparamo-nos, hoje, com esta iniciativa genérica e concorrente dos dois órgãos, mas sem prejuízo de termos sempre presente que o órgão legislativo por excelência é a Assembleia da República, em nome da verdadeira democracia representativa.
Assim sendo, compete ao PS, ao PSD, ao CSD-PP e ao PCP o poder de, agora, aprovando um artigo destes, contribuir para o aperfeiçoamento da democracia representativa, atribuindo esta iniciativa da lei e do referendo a grupos de cidadãos eleitores.
Pela nossa parte, aqui estamos para dizer que concordamos e que nos apraz registar o valor positivo desta iniciativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, eis um ponto relativamente ao qual, com persistência, o PS alcançou vencimento neste processo de revisão constitucional. Trata-se de permitir a atribuição aos cidadãos eleitores do direito à iniciativa legislativa, aquilo que vulgarmente consideramos ser um direito de iniciativa legislativa popular.
Assim, Srs. Deputados, abre-se uma porta extremamente significativa no domínio da democracia participativa. Futuramente, a prerrogativa de iniciativa de lei não competirá apenas aos Deputados, aos grupos parlamentares ou, sob forma de proposta, ao Governo e às assembleias legislativas regionais, pois qualquer cidadão eleitor, nos termos em que a lei o vier a definir, poderá, de forma congregada, vir a suscitar a iniciativa legislativa ao Parlamento. Assim saberemos; no futuro, pela experiência que a própria prática se encarregará de nos explicar, o quanto os critérios de oportunidade legislativa de Deputados e partidos poderão aqui e ali ser superados por temas considerados relevantes na sociedade mas que, por razões múltiplas, não tinham chegado a debate relevante no plano político e parlamentar.
Também por esta via, Srs. Deputados, aquele distanciamento que muitas vezes tende a ser cavado na prática da democracia representativa face ao quotidiano dos cidadãos pode ser resolvido, ainda que não inteiramente. Nessa medida, obviamente, não acompanhamos aqueles que tendem a desvalorizar iniciativas e inovações desta natureza como questões menores na modernização do nosso sistema político.
Quero apenas sublinhar agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que uma proposta de alcance pontual relativamente ao n.º 2 do artigo 170.º acaba de ser entregue, dado que, por mero lapso material, na proposta da CERC não se fazia referência, nesse n.º 2, à figura das propostas de lei, que aí também devem estar consagradas, aliás, à luz do que já ocorre no n.º 2 actual do artigo 170.º.
Srs. Deputados, porque a matéria justificará outras e melhores reflexões, para além de mim também o Sr. Deputado José Magalhães intervirá sobre este ponto, naturalmente como o consentimento do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, a palavra ao Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, acho que devemos ser conscientes daquilo que reivindicamos e, de facto, há autoria e há autorias. Certamente, o Sr. Deputado recorda-se que aquilo que estamos a discutir acaba por ser uma redacção de consenso, onde houve melhorias introduzidas de acordo com o debate ocorrido na CERC. É que o Partido Socialista, querendo embora consagrar a iniciativa legislativa de grupos de cidadãos eleitores, fazia-o de modo tão voluntarista, tão amplo e sem limite algum que o resto não sei como seria! E o que aconteceu foi que, designadamente, o PSD entendeu dizer aquilo que agora está dito: iniciativa legislativa de cidadãos eleitores, sim, mas nos termos e condições estabelecidos na lei, o que, convenhamos, é um apport significativo que vai ao encontro da ideia mas acaba com o excesso de voluntarismo que nunca se sabe onde termina embora se saiba onde começa.
Nessa medida, pergunto-lhe: reconhece que assim foi e que é esta a verdade histórica ou entende que a proposta inicial do PS era exactamente aquela que agora vai ser consagrada?

O Sr. Presidente: - Para responder. a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão.

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O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, estamos numa fase dos nossos trabalhos em que convém a ambas as partes, de resto, a todas as partes, sermos generosos uns para os outros. Evidentemente que a iniciativa política neste ponto partiu do PS e foi com alguma determinação que ao longo do processo de revisão reivindicámos a necessidade da sua consagração constitucional. Efectivamente, esta não era a fórmula inicial, pois, na altura admitíamos que a Constituição da República Portuguesa consagrasse desde logo o número mínimo indispensável de cidadãos eleitores para que a iniciativa popular legislativa pudesse ter lugar, e esse número era não inferior a 10 000.
A solução que agora consagramos faz cláusula de reserva de lei, para que depois essa definição venha a ser estabelecida por via legislativa. Não há nisso nenhum problema de maior, mas volto a congratular-me pelo facto de, da primeira para a segunda leitura e por intermédio também do acordo PS/PSD, ter podido haver uma convergência de posição quando a posição inicial do PSD era divergente.
Porém, em nome dessa generosidade, comungo do seu espírito e, consequentemente, congratulemo-nos pelo resultado final, pois é esse que conta e, quando ele é bom, vale a pena que o possamos aplaudir em conjunto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A generosidade do Sr. Deputado Jorge Lacão não chegou para reconhecer que a proposta desta medida também era do PCP, o que nos dá autoridade especial para colocar a questão naquilo que julgamos serem os justos termos.
Esta medida é sem dúvida nenhuma importante - por isso a propusemos, é virtuosa, é significativa, mas não é o alfa e o omega da democracia portuguesa, pois não resolve os problemas todos e, designadamente, não resolve o problema daqueles que têm problemas e são frequentemente esquecidos nesta Casa, vendo aqui reconhecidas as questões que têm a colocar. O direito de iniciativa legislativa é sem dúvida nenhuma importante, mas importante é também que os problemas daqueles que tantas vezes são esquecidos o sejam menos. Esse é um elemento particularmente importante para que a democracia se prestigie e para que esteja mais perto dos trabalhadores, das populações, daqueles que mais precisam de atenção da parte dos órgãos de poder.
Em último lugar, queria sublinhar que, independentemente da remissão para a lei dos aspectos que regularão o regime da iniciativa legislativa, há um aspecto que entendemos particularmente importante e, por isso mesmo, adiantávamos a obrigação de constar do Regimento. Refiro-me à fixação de um prazo. Este aspecto tem um grande significado no sentido que o direito de iniciativa legislativa não acabe por ser prejudicado em função de critérios de oportunidade política de maiorias parlamentares. Como este aspecto não foi contemplado, lutaremos para que o venha a ser, designadamente na lei ordinária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, ouvi com atenção a exposição que acabou de fazer em defesa da iniciativa do Partido Comunista Português sobre esta matéria, que constava do seu projecto inicial de revisão constitucional, mas gostaria de lhe recolocar aqui a questão debatida na CERC relativamente à qual o Sr. Deputado, ao explicitar aqui, no Plenário, a defesa e a argumentação relativa à sua proposta inicial, nada disse e nada rebateu no que se refere aos contra-argumentos que também foram esgrimidos na CERC, como bem se recorda.
Assim, para que haja, de facto, uma elucidação cabal aqui, no Plenário, e nas actas da Assembleia da República, neste momento quase final do processo de revisão constitucional, parecer-me-ia correcto que pudesse adiantar alguma coisa relativamente à questão essencial que se coloca, do ponto de vista do PSD, na versão inicial da proposta do Partido Comunista Português.
Aliás, foi isso que o Sr. Deputado Calvão da Silva quis referir, de uma forma clara, ao Sr. Deputado Jorge Lacão, tendo-se este refugiado, porque não quis responder com a mesma clareza, no argumento da generosidade e da lógica de entendimento mútuo relativamente a um texto que resultou de um longo debate e, como é óbvio, da compreensão mútua do argumentário de parte a parte.
Em suma, como é que se pode compatibilizar, em sede de funcionamento de um órgão como a Assembleia da República, um poder de iniciativa por parte de grupos de cidadãos directamente dirigida à Assembleia da República, obrigando esta, como faz o PCP na formulação da sua proposta inicial, a discutir necessariamente essa iniciativa (não está cá mas leia-se) em prejuízo de todas as outras iniciativas que já tinham sido formuladas pelos Deputados e pelas comissões, dentro desta Câmara, e assim prejudicando, do ponto de vista do PSD, de uma forma inequívoca, o bom funcionamento, a eficácia de funcionamento da Assembleia da República?
Por mais louvável que seja a abertura de iniciativas legislativas aos cidadãos, para que, de facto, seja acrescida a nossa democracia e eles se sintam mais parte desta democracia que temos em Portugal, é evidente que, me parece que em nenhuma circunstância se deve sobrepor essa participação directa à lógica da democracia representativa, que é a lógica de funcionamento desta Assembleia da República.
Portanto, concretamente, gostava que explicitasse um pouco como é que compatibiliza as duas coisas.

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, para responder.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agradeço a questão que colocou.
O problema que está, de algum modo, em cima da mesa é o de estarmos perante algo que podemos qualificar como uma petição qualificada e com regime especial, na medida em que, como é evidente, a última decisão cabe à Assembleia da República, no exercício dos seus poderes soberanos. Estamos todos de acordo sobre esta matéria, mas o aspecto para o qual quero chamar a sua atenção é o seguinte: adiantávamos também a ideia de que este tipo de iniciativa tinha de ser subscrita por 10 000 eleitores e, Sr. Deputado, 10 000 eleitores dá para criar dois partidos políticos!
Portanto, Sr. Deputado, como calcula, não irão aparecer todos os dias, nem sequer todas as semanas ou todos os

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meses, provavelmente não aparecerão mesmo em todas as sessões legislativas, projectos de iniciativa legislativa deste tipo. No entanto, aquilo que entendemos e este ponto ficará certamente para a lei ordinária, é que se não houver um prazo mínimo, ainda que seja um prazo relativamente dilatado, o direito de iniciativa por parte dos grupos de cidadãos pode ser preterido em função de uma espécie de veto de gaveta que, em última circunstância, esvazie de sentido o direito que aqui é consagrado.
Ora, em relação a isto, como o Sr. Deputado calculará, não admitiremos que, por um lado, uma proposta seja aprovada - depois de todo o trabalho que foi feito na CERC e não apenas aí - e, finalmente, seja definido um regime de tal ordem que o direito consagrado acabe por ser esvaziado de conteúdo. A proposta que apresentámos era acompanhada da tal ideia dos 10 000 eleitores e o Sr. Deputado, se se quer referir à questão, tem de aludir aos dois problemas conjuntamente. Sr. Deputado, esse número mínimo de eleitores é o correspondente a dois partidos políticos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas para observar que esta é uma mudança muito grande. Creio que algumas das pessoas que discursam em termos muito genéricos sobre a bondade desta solução não têm em conta a profunda mudança que ela vai representar no funcionamento deste Parlamento, desde logo porque não se trata de um mero direito de petição, não é sequer um direito de petição qualificado, é mais do que isso.
Aliás, é por isso que as pessoas que são adeptas do reforço do direito de petição desvalorizaram esta iniciativa e disseram-nos, na CERC, que achavam que não valia a pena, pois já havia direito de petição qualificada. Se a revisão de 1989 reforçou esse direito, permitindo até a apreciação de petições no Plenário, para quê o direito de iniciativa legislativa popular? A esta questão, respondemos: para outra coisa, que é muito simples, a produção de verdadeiras e próprias leis. É disso que aqui se trata, não é uma fixação nem um jogo!
Por isso, creio que a grande novidade que daqui decorre é uma saudável emulação aberta, em relação aos Deputados, ao Governo e a outros titulares de direito de iniciativa.
É que, reparem, na solução que aqui ficou sagrada que não era a nossa, mas, apesar de tudo. contém todas as virtualidades da nossa -, primeiro, não há limites contra o objecto, a não ser, naturalmente, a Constituição e as regras que o Regimento estabelece nesta matéria e que também se aplica, não havendo áreas reservadas ao Deputado; há áreas reservadas ao Governo, obviamente, mas não ao Deputado.
Em segundo lugar, a solução é generosa a ponto de nada dizer em relação ao elenco dos titulares. São cidadãos isoladamente, são grupos de cidadãos, são cidadãos representando-se a si próprios ou a interesses genéricos, são cidadãos em representação de instituições, nada disto a Constituição prevê.
Portanto, a generosidade desta solução, aprovada a Constituição e a lei de desenvolvimento, tem como consequência a abertura de um novo campo de competição e de criatividade legislativa, vinda de munícipes insatisfeitos ou com reivindicações de qualquer natureza, de cidadãos de diversos estratos (pescadores, agricultores, industriais, comerciantes), de vítimas de crimes, pais, mães, jovens de diversos estratos etários com pretensões e reivindicações. Propondo o quê? Propondo a criação ou a extinção de municípios, o reordenamento territorial, quaisquer regimes de garantia, pois não há nenhum limite desse ponto de vista, e isto significa, Sr. Presidente (e tive ocasião de anunciar isto no início dos debates), uma muito saudável libertação da Assembleia do politicamente correcto, do "PC", da ideia de que há temas sérios e temas escabrosos, temas proibidos. O "PC" é expurgado completamente, não há "PC", não há politicamente correcto nesta matéria.
Os cidadãos querem discutir o aborto? Propõem! Querem discutir a eutanásia? Propõem! Querem discutir a homossexualidade? Propõem. Querem discutir a alteração do regime matrimonial? Propõem! Querem discutir penas ad terrorem? Propõem! É seu direito propor e talvez isto liberte a Assembleia de tensões de psicodrama cada vez que os chamados temas politicamente incorrectos são introduzidos, o que para nós é saudabilíssimo.
Como última nota direi que é preciso regulamentar esta definição - e regulamentar não é trair -, o que significa que é necessário fixar, em primeiro lugar, o número de subscritores, mas não a ponto de inviabilizar o exercício de direito, e, em segundo lugar, garantias de apreciação.
O direito de iniciativa legislativa popular não é o direito de os cidadãos enviarem ao Parlamento iniciativas para a gaveta mas, sim, o direito de sujeitarem ao Parlamento, com garantias de alguma apreciação - como, de resto, nós, Deputados, temos -, as suas ideias de criação legislativa. E esta matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e esta é a boa novidade -, não, é decidida por dois terços. Por nós, estamos dispostos a fazer maioria com quem quiser dar uma maioria, para criarmos um bom regime que garanta uma verdadeira e própria iniciativa legislativa aos cidadãos portugueses.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas, no fundo, distinguir bem que o que aqui está em causa, o poder de iniciativa legislativa popular, não se confunde com o outro poder de petição consagrado no artigo 52.º e, nesta medida, convém, independentemente de alguém poder tentar trair o espírito de uma e outra coisa, pôr ainda mais os pontos nos ii.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, o poder de petição já vinha de trás, já estava consagrado e, se fosse a mesma coisa, não precisaríamos de estar agora a inovar. A iniciativa legislativa pressupõe, obviamente - e é isto e só isto que será uma iniciativa legislativa -, que haja um verdadeiro articulado de lei e a Assembleia da República depois, obviamente, fará a apreciação desse articulado da iniciativa de cidadãos eleitores, pois ela é, neste ponto, soberana. Por isso é que lhe chamei uma democracia semidirecta. Não é uma democracia directa, também não é pura democracia

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representativa mas é uma democracia representativa que tem no cidadão eleitor, nos eleitores em geral, o ponto de partida do processo legislativo. Portanto, isto é um enriquecimento no aprofundamento da democracia representativa.
Logo, feita a distinção, o poder de iniciativa legislativa não é uma petição mas, se quisermos, um verdadeiro projecto de lei que a Assembleia da República tem de apreciar, para saber se o vai ou não aprovar. É isto que o distingue da petição. Na petição apenas se pede, nada se articula; enquanto que agora, aqui, na iniciativa de lei, se articula, se desenvolve profundamente e será lei se a Assembleia da República assim o entender.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre o artigo 170.º, passando ao artigo 171.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito do artigo 171.º definem-se algumas regras extremamente relevantes na definição das maiorias reforçadas para certo tipo de leis, e desde logo para as leis orgânicas mas também para outras disposições legais, para as quais se torna exigível uma maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
No que à matéria das leis orgânicas diz respeito, eu gostaria, Srs. Deputados, de sublinhar o aspecto inovador que decorre de se ter atribuído natureza de lei orgânica à lei de criação das regiões administrativas e de, para além disso, se ter igualmente estabelecido uma prescrição normativa, nos termos da qual a apreciação, na especialidade, da criação de cada uma das regiões deverá decorrer em Plenário, carecendo de idêntica maioria.
A razão é simples: a regionalização carece de uma consolidação legislativa efectiva, que não flutue ao sabor de uma simples maioria. E como aqueles que acreditam num processo regionalizador querem soluções políticas e, por isso, também legislativas estáveis, acreditam justamente que a regra da maioria absoluta é um factor que concorre necessariamente para a estabilidade institucional do processo da regionalização.
Mas há um outro ponto para o qual gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados, que é o que se reporta à atribuição da maioria de dois terços, relativamente a disposições legais tão relevantes como as que se reportam ao sistema e método de eleição dos órgãos previstos no artigo 241.º, n.º 3, que são os que se relacionam com o sistema de governo das autarquias locais, e ainda aquelas que se relacionam com os n.os 1 e 2 do artigo 152.º, para além das referidas no artigo 151.º, onde se estabelecem as regras essenciais no que diz respeito ao sistema eleitoral para a Assembleia da República.
Nos debates que têm sido travados nesta Câmara, temos ouvido frequentemente algumas vozes a estabelecer considerações críticas no que se reporta à suposta desconstitucionalização de algumas soluções previstas na Constituição, e, nesta linha, .por exemplo, em matéria de leis eleitorais, vêm-nos falar de matérias que passariam a ser reguladas por simples leis ordinárias. Não é correcta tal afirmação, ela carece inteiramente de objectividade e de rigor, porque, verdadeiramente, por exemplo, no que se reporta à definição legal do sistema eleitoral para a Assembleia da República, aquilo que vimos é um acrescento manifesto das cautelas legislativas neste domínio, com extensão das exigências da maioria de dois terços a mais matérias do que aquelas que actualmente a Constituição prevê.
Se é verdade que no plano formal, no actual artigo 171.º, já os n.os 1 e 2 do artigo 152.º exigem. a maioria de dois terços, é preciso recordar que o artigo 152.º vai ser revisto - já foi, aliás, aprovado nesta Câmara - e que dessa revisão resulta que a actual disposição do artigo 152 º é muito mais exigente, em matéria de lei eleitoral, do que a versão actual. Recordo, por exemplo, Srs. Deputados, que passa a ficar dependente da maioria de dois terços a definição das formas que assegurem a efectiva concretização do sistema da representação proporcional e do método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em número de mandatos. Estas disposições legais não constavam da exigência de maioria qualificada de dois terços e tal passará a ocorrer depois da presente revisão constitucional.
Ou seja, Srs. Deputados, para que não restem dúvidas, é agora aquela prescrição que manda assegurar o sistema de representação proporcional, uma prescrição legal submetida a essa maioria reforçada. Por isso, Srs. Deputados, nomeadamente os que têm alegado que tudo seria regulado por uma mera lei ordinária, é necessário que façam a reconversão dos vossos argumentos a benefício da objectividade das disposições constitucionais.
A última palavra nesta matéria é para sublinhar que também, por esta via, a lei ontem aprovada nesta Câmara, relativamente ao artigo 124.º, e que regulará ó exercício do direito de voto por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro no que à eleição do Sr. Presidente da República diz respeito, carecerá de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados.
E assim, Srs. Deputados, que se alcançam soluções, que ficam ao abrigo de qualquer variação conjuntural por alteração conjuntural das maioria, e é por esta mesma via que se assegurará uma estabilidade efectiva em matérias que são obviamente estruturantes do Estado de direito, que por isso necessariamente exigiriam - e assim se consagrará - á aplicação de maiorias reforçadas no processo da sua aprovação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputados Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração que agora estamos a analisar, que decorre do texto do acordo entre o PS e o PSD para esta revisão constitucional, tem a ver com as alterações já aqui citadas a propósito dos artigos 115.º e 169.º, todas elas concorrentes no sentido de uma maior dignificação de determinado tipo de matérias que fazem parte do nosso ordenamento jurídico.
Assim, fundamentalmente no que toca às inovações relativas à forma de discussão e votação de actos normativos, dá-se um especial realce, que, do ponto de vista do PSD, é perfeitamente justificado, às disposições das leis relativas à delimitação territorial das regiões administrativas.
É evidente para todos que, tratando-se, como se trata, de uma tal legislação, de uma legislação que implica com aspectos claramente, estruturantes do nosso Estado de

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direito e, nomeadamente, de funcionamento do nosso Estado - e penso que este é um aspecto que ninguém contestará -,faz todo o sentido que tenha de haver um especial cuidado. Mas, note-se, não é um especial cuidado inventado ou imaginado especialmente para este tipo de leis, é, antes, um especial cuidado na votação, seguindo-se um modelo já existente na nossa Constituição para matérias, que, do ponto de vista do legislador constituinte, também assumem um carácter estruturante para o nosso Estado de direito, como são, desde o início do texto constitucional, as matérias que têm a ver com a definição de círculos e o sistema eleitoral (aspectos cruciais do sistema eleitoral para a Assembleia da República), bem como as que têm a ver com a restrição extraordinária de direitos existentes para os cidadãos que façam parte das Forças Armadas e das forças de segurança.
Está bom de ver, portanto, que, do ponto de vista do PSD, faz todo o sentido não só ter-se feito, como já aqui foi referido a propósito do artigo 169.º, a especial elevação da legislação sobre a criação das regiões administrativas à categoria de lei orgânica como também, naquilo que respeita já não à forma mas ao modelo de votação, que as disposições que em concreto vão definir a delimitação territorial de cada uma das regiões administrativas devam ser aprovadas, na especialidade, pelo Plenário da Assembleia da República, para que haja uma discussão tão vasta quanto possível e tão participada quanto possível, de modo a saber-se aquilo que venha a ser colocado a referendo, porque, como todos sabemos, será também consagrado nesta revisão constitucional, embora num artigo mais para a frente, cuja discussão ainda não foi feita em Plenário, a obrigatoriedade de referendo, quer em referendo nacional, quer em referendos regionais, em concreto, para a constituição de cada uma das regiões.
Há, portanto, um trabalho de debate e um dos melhores contributos para a publicitação do debate é, desde logo, dado aqui, na Assembleia da República, aquando da discussão e aprovação das disposições da lei que definem os contornos geográficos concretos, a delimitação territorial de cada uma das regiões. É através da publicitação deste debate na especialidade feito na Assembleia da República que o povo português toma conhecimento do que sai desta Casa, do que os Deputados, que representam os vários eleitores ou a totalidade, no seu bloco, dos eleitores nacionais, pensam sobre cada uma das propostas de regiões em concreto que são formuladas.
Quanto à questão, que também será tratada mais adiante, da flexibilização do texto constitucional, no que toca ao modelo de gestão autárquica - desde há muito, propugnado pelo PSD -, no sentido de se permitir uma reforma que retire os obstáculos, que a experiência demonstrou existirem, à optimização do desempenho do poder local democrático em Portugal, não obstante este ser o sucesso que todos reconhecemos, desde a sua implantação, em 1976, não há dúvida de que a experiência tem demonstrado que ele se debate, aqui e acolá, com obstáculos significativos para uma optimização do seu desempenho.
É evidente, portanto, que se trata ou se tratará de uma reforma profunda e estruturante do nosso sistema político, e, como tal, é também aconselhável. Devo dizer que foi também neste sentido que quer o PSD quer o PS acordaram em colocar neste artigo a exigência de uma aprovação por maioria especialmente qualificada, neste caso por maioria de dois terços dos Deputados, em relação a tudo aquilo que tenha a ver com, o novo modelo de eleição dos órgãos, quer deliberativos, quer executivos, das autarquias locais, modelo esse que venha a ser formulado na lei, como resultado da alteração ao capítulo relativo ao poder local da Constituição.
Por último, faço referência a uma norma que, na prática, é apenas o enfatizar de algo que já ficou lá atrás. Como os Srs. Deputados se recordarão, aquando da votação do artigo 115.º, na norma que diz respeito às leis de valor reforçado, ficou já claro que têm valor reforçado, para além das leis orgânicas, também as leis em cuja votação a Constituição exija uma maioria qualificada de dois terços, e, obviamente, está nesta situação, por força do n.º 2 do artigo 124 º, a lei que irá regulamentar a participação dos portugueses emigrantes na eleição do Presidente da República.
No entanto, atendendo à novidade e à inovação que tudo isto representa, relativamente à participação, ao reconhecimento da plena participação e da cidadania eleitoral dos portugueses que residem no estrangeiro na'. eleição do Presidente da República, a norma que aqui surge como novo n.º 7 visa exactamente acentuar o valor reforçado da lei que regulará essa participação dos cidadãos emigrantes.
Para concluir, Sr. Presidente, o PSD congratula-se com este artigo, porque, sendo embora um artigo instrumental, nem por isso deixa de assumir a relevância que advém do facto de, através dele, se exigir não só uma maioria aritmética mas também, através dessa exigência, um cuidado redobrado, uma atenção acrescida e, acima de tudo, uma participação mais activa e atenta desta Câmara e dos Deputados que a compõem na aprovação dos diplomas que aqui merecem essa distinção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir, esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero colocar-lhe uma questão relâmpago sobre a sua interpretação da proposta de aditamento de um n.º 7.
Gostaria de saber se o Sr. Deputado e o PSD entendem que a questão do modo de votar para o Presidente da República dos eleitores recenseados no estrangeiro também está compreendida na maioria qualificada de dois terços. Isto é, gostaria de saber se está apenas abrangido o problema de quem tem capacidade eleitoral ou se também está abrangida a questão da regulação do modo de exercício de votar e se, designadamente, o voto é presencial, por correspondência, etc.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, devo dizer-lhe que nem sequer consigo perceber bem a pergunta, tendo em conta de quem vem, nem a sua razão de ser,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas a pergunta era em termos políticos!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Podem ficar descansados!

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O Orador: - ... porque o Sr. Deputado, além de ser um ilustre jurista, é seguramente alguém que aprendeu nos bancos da escola a ler português e a norma é perfeitamente Clara.
Sr. Deputado, aquilo que carece de aprovação de dois terços é a lei e não as suas disposições. Ao contrário do que acontece no n.º 5 ou no n.º 6, onde o legislador constitucional optou por se situar relativamente a determinadas disposições em concreto, clarificando aquilo que é objecto de uma maioria especialmente qualificada na votação, dizendo quais são as disposições em concreto de determinado tipo de leis, no n.º 7 o legislador é claro ao dizer que a lei carece de aprovação nos termos do número anterior. Portanto, aqui não são já as disposições mas, sim, a lei enquanto tal.
Aliás, as disposições em concreto, no final, poderão ser eventualmente artigos das leis que dizem respeito quer à delimitação territorial das regiões, que podem ou não estar integrados, como sabe, na lei-quadro das regiões administrativas, quer ao problema da definição dos círculos e à sua delimitação geográfica. É evidente que isto pode fazer parte de uma lei eleitoral para a Assembleia da República bastante mais vasta, onde sejam versadas outras matérias que tenham a ver, por exemplo, com a capacidade eleitoral activa, a capacidade eleitoral passiva, enfim, todo aquele acervo de matérias que constam das leis eleitorais que hoje em dia conhecemos.
Assim, permita-me, embora sem outras considerações de carácter político mas em termos técnicos, estranhar uma questão como esta vinda de um Deputado com a capacidade que lhe reconheço, quer em termos jurídicos, quer, seguramente, em termos de domínio claro da língua portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o PS vai acabar por responder à questão que coloquei ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e que, de algum modo, era colocada às duas bancadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sobre o artigo em discussão queria apenas e muito rapidamente dizer o seguinte: o problema da delimitação regional por maioria qualificada, nos termos em que é proposto, é claramente inseparável de um outro problema, de o PS e o PSD terem acordado sobre um conjunto de normas que, acima de tudo, têm por objectivo criar dificuldades ao processo de regionalização.
De resto, a grande justificação apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão neste contexto é a necessidade de estabilidade. Creio que a grande via para a estabilidade é construir as regiões administrativas de baixo para cima, respeitando a vontade das assembleias municipais, que, sendo, obviamente, consultadas por imperativo constitucional, foram consultadas e se pronunciaram. Respeite-se a vontade das assembleias municipais e haverá certamente estabilidade sem necessidade de recurso a outros meios.
Em relação ao problema que aqui se está a colocar, do recurso a leis ordinárias embora aprovadas por maioria de dois terços, devo dizer que, por esta via, é estabelecido um "casamento" indissolúvel entre o PS e o PSD, já não é um "casamento de vez em quando", para fazer a revisão constitucional, pode ser mais ou menos a todo o tempo, pode ser tempestuoso, mas é como os casamentos da Igreja Católica, que não podem ser dissolvidos.
Portanto, o problema que está colocado não é o de saber se é correcto ou não, para certas matérias, haver maioria de dois terços mas, sim, o de saber se é correcto ou não que estas matérias estejam na Constituição em vez de serem remetidas para lei ordinária, embora aprovadas por maioria de dois terços. É esta a nossa grande divergência e não vale a pena contorna-la com outro tipo de observações.
Quanto ao resto, a nossa opinião nesta matéria é conhecida. Entendemos que o sistema de governo das câmaras municipais deve estar na Constituição - não vou discutir isto agora, pois haverá oportunidade para o fazer a propósito do artigo 241.º -,entendemos igualmente que o elenco dos eleitores com capacidade eleitoral para o órgão de soberania do Presidente da República deve resultar também directamente da Constituição e que o sistema eleitoral da Assembleia da República deveria estar previsto de forma mais concreta na Constituição.
Em suma, mantemos a nossa divergência, o que naturalmente nos levará a votar contra o "casamento PS/PSD", que também aqui se verificou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Luís Sá insiste naquele ponto, considerando que uma lei ordinária votável por maioria simples não se distingue em nada de uma lei ordinária votável por uma exigência de maioria reforçada de dois terços dos Deputados.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu não disse isso, Sr. Deputado!

O Orador: -.Para si, aparentemente, é a mesma coisa.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu não disse isso!

O Orador: - Para si, Sr. Deputado, aparentemente, não há qualquer ganho de causa ao alargar-se, de forma inequívoca, o âmbito material para o qual se exige a maioria reforçada de dois terços.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Não me importo que o Sr. Deputado me interrompa. Faça favor.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, eu não disse que uma lei ordinária aprovada por maioria simples era a mesma coisa que uma lei ordinária aprovada por dois terços.

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Luís Sá (PCP): - O que eu disse foi que uma lei aprovada por maioria de dois terços é diferente de uma norma constitucional. E o Sr. Deputado há-de estabelecer esta distinção, que é a fundamental. Com certeza que o Sr. Deputado a entende e a admite!

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O Orador: - Sr. Deputado Luís Sá, vamos então à prova dos nove sobre algumas matérias extremamente candentes.
A actual disposição constitucional relativamente à exigência de maioria de dois terços no que à lei eleitoral para a Assembleia da República diz respeito, reporta-se, como sabe, aos n.os 1 e 2 da actual versão do artigo 152.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - E só!

O Orador: - E só, na versão actual! Só que a versão alterada do artigo 152 º determina agora, neste âmbito, que a lei eleitoral assegure o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em número de mandatos. E esta matéria passa a figurar nas disposições que carecem de maioria de dois terços.
Sr. Deputado Luís Sá, de forma inequívoca, é favorável ou é contrário a esta alteração constitucional?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso é um imperativo constitucional!

O Orador: - Responda, se faz favor!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero dizer-lhe apenas o seguinte: a questão que referiu, a meu ver, já é um imperativo constitucional e, portanto, não precisa de ser garantida por dois terços!

O Sr. José Magalhães (PS): - Onde é que está a norma que obriga a isso? Mostre-me!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não é a norma que obriga a votar por dois terços, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Jorge Lacão, lamento, mas esta sua intervenção está a assumir um aspecto de diálogo, que não está previsto no nosso Regimento!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se o Sr. Presidente me dá licença, queria explicar ao Sr. Deputado Luís Sá uma matéria que ele, no fundo, sabe, mas que não lhe está a dar jeito agora invocar no debate.
E que a matéria sobre o sistema eleitoral está, actualmente, no artigo 155.º, no que diz respeito à previsão do sistema de representação proporcional e ao método da média mais alta de Hondt, mas ele não estava redigido em termos de uma garantia de asseguramento efectivo desta disposição, como agora está no artigo 152.º, e mais, não estava coberto pela exigência da maioria qualificada de dois terços, de onde se demonstra que, de facto, o Sr. Deputado Luís Sá não teve, digamos, neste debate político, a autenticidade de reconhecer que o benefício constitucional é, obviamente, efectivo, para se assegurar, sem qualquer manipulação por maioria conjuntural, a efectiva garantia do sistema de representação proporcional na futura lei eleitoral.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá. Trata-se do último pedido de esclarecimento sobre esta matéria, pelo que não darei a palavra a mais ninguém.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, a questão que tenho a. colocar neste plano é se, por acaso, uma maioria de dois terços poderia não respeitar a representação proporcional, porque o raciocínio do Sr. Deputado Jorge Lacão é este: a maioria de dois terços garante a representação proporcional. E eu pergunto: se não houver maioria de dois terços, a representação proporcional deixa de estar garantida? A maioria de dois terços pode violar o princípio de representação proporcional? A minha resposta é claramente não! Inclusive, aquilo que passa a estar previsto não permite à maioria violar o princípio de representação proporcional.
O raciocínio do Sr. Deputado Jorge Lacão é que a maioria de dois terços vem garantir, no fim de contas, o que o Sr. Deputado, há tarde, dizia que já estava garantido pelo próprio texto constitucional. O Sr. Deputado José Magalhães disse "a representação proporcional está aqui claramente garantida pela Constituição"...

O Sr. José Magalhães (PS): - Está garantida duplamente!

O Orador: - ... e agora o Sr. Deputado Jorge Lacão vem dizer que é preciso uma maioria de dois terços para garantir aquilo que aqui foi afirmado que já estava garantido.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, desculpem, mas a questão está encerrada.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Jorge Lacão fez uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Sá e ele já respondeu.
Quanto muito, poderei dar-lhe a palavra para uma nova intervenção, mas peço-lhe o favor de não insistir nas perguntas ao Sr. Deputado Luís Sá, porque ele já respondeu o que sabia ou o que queria dizer e, de qualquer modo, está no seu direito.
Portanto, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge. Lacão (PS): - Sr. Presidente, obrigado pela sua generosidade. Vou ser sucinto, Sr. Presidente. ..
Sr. Deputado Luís Sá, não lhe farei nova pergunta, mas peço-lhe algum benefício da sua parte para tentar compreender o seguinte: o artigo 155.º actual diz que "os Deputados são eleitos segundo o sistema de representação proporcional (...)". A versão actual, já aprovada nesta Câmara, do artigo 152.º diz que "os Deputados são eleitos por círculos eleitorais (...) por forma a assegurar (...)" na configuração de tudo isso - "(...) o sistema de representação proporcional (...)". Ou seja, os Deputados já não são apenas eleitos segundo um sistema, são eleitos de acordo com um sistema que tem de assegurar a representação proporcional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Em termos de engenharia!

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O Orador: - Se o Sr. Deputado Luís Sá não descobre aqui um reforço da garantia do sistema de representação proporcional e um duplo reforço da garantia, primeiro, por esta nova formulação e, depois, pela exigência da maioria qualificada de dois terços, então a sua exegese é uma exegese constitucional que nada beneficiará já não digo a boa hermenêutica constitucional limito-me a dizer os interesses do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -.Não! Não! É o inverso! O que está aí é a defesa dos interesses do PS!

O Sr. José Magalhães (PS): - Olhe que não!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso ê um sofisma!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminámos a discussão do artigo 171.º. Passamos, agora, ao artigo 172.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente, embora esta discussão estivesse a ser muito salutar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Salutar talvez fosse, mas não estava nos cânones regimentais e é isso que me incumbe fazer cumprir.

O Orador: - Srs. Presidente, Srs. Deputados: Chegámos ao artigo 172.º da Constituição, onde, aparentemente, se terão feito apenas algumas alterações de cosmética, mas tal não é verdade.
A alteração realizada no artigo 172.º vem pôr definitivamente fim a uma história constitucional em torno da apreciação de decretos, com forma de lei, do Executivo. Longe vai, no entanto, o tempo dos decretos ditatoriais,...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Os decretos do Cavaco Silva!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não havia necessidade!

O Orador: - ... longe vai o tempo da ratificação-sanação da apreciação jurídica dos decretos legislativos do Executivo.
Esta alteração agora efectuada ao artigo 172.º da Constituição vem claramente consagrar o que desde já há alguns anos era prática constitucional efectiva, decorrente do artigo 165.º da Constituição, no sentido de que esta actividade parlamentar se inseria claramente na função política de apreciação dos actos legislativos do Governo.
Trata-se, efectivamente, de uma apreciação política e daí a decorrência de alterar a denominação clássica de ratificação dos decretos-leis para o nome que já assumia, não na epígrafe mas no próprio conteúdo do artigo, bem como no artigo 165.º, de apreciação dos decretos-leis do Governo. É essa alteração da epígrafe o fundamental da alteração deste artigo 172.º.
As restantes alterações que aqui encontramos têm a ver com a conformidade com esta alteração da própria epígrafe e com a alteração relativamente aos períodos de apreciação e à atribuição ao procedimento parlamentar de prioridade, de acordo com o Regimento desta Assembleia.
Aquilo que fica, por isso, claro com esta alteração do artigo 172.º é que, de uma vez por todas, este artigo se insere dentro da função de supremacia política dos parlamentos sobre o governo e, com o artigo que prevê a responsabilidade do governo perante a Assembleia da República, assume um conjunto que, inelutavelmente, afirma a supremacia legislativa e política da Assembleia da República..
Há uma questão, no entanto, que devo colocar - e descanso o PS de que não se trata agora de diminuição dos poderes do Presidente da República: a epígrafe deste artigo 172.º, que deu algum trabalho a redigir na Comissão Eventual, terá talvez sido generosa de mais. A epígrafe actual refere "ratificação dos decretos-leis", mas o conteúdo do artigo 172.º, inalterado, continua a referir exactamente a apreciação de decretos-leis do Governo; a epígrafe actualizada refere, porém, "apreciação parlamentar de actos legislativos", e actos legislativos, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, são não só as leis da Assembleia da República e os decretos-leis do governo mas também os decretos legislativos regionais.
Ora, a epígrafe não condiz com o conteúdo deste artigo e claramente o que se pretende não é fazer essa alteração, senão tinha-se feito no próprio conteúdo do artigo; por isso, esta epígrafe diz mais do que aquilo que quer dizer. Assim, propunha - penso que é uma questão meramente de redacção - que se adaptasse esta epígrafe ao seu conteúdo e que se dissesse "apreciação parlamentar de decretos-leis", porque isso é, efectivamente, o que se pretendeu aqui dizer e aquilo que condiz com o conteúdo deste artigo. E essa a vontade desta Assembleia, é esta a vontade da maioria que propõe esta alteração.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Já intervim sobre esta matéria quando discutimos a primeira sede em que ela é referida na Constituição e por isso quero tão-só saudar o cumprimento que se dá àquilo que não foi possível obter na revisão de 1989 - e ainda mal, embora estivesse implícito no espírito da solução que foi aprovada! -, ou seja, os processos de apreciação parlamentar de decretos-leis devem gozar de prioridade, nos termos do Regimento, por forma a que seja assegurada a sua apreciação.
Em relação à observação do Sr. Deputado Moreira da Silva, devo dizer que creio francamente que ele tem e não tem razão, mas, tudo ponderado, a contribuição para que ele nos chama a atenção pode ter alguma utilidade.
Este artigo 172.º, desde a revisão constitucional de 1989, configura um instituto, que é tanto aplicável a decretos-leis como aos diplomas a que se refere o n.º 4 do artigo 229.º da Constituição, ou seja, os decretos legislativos regionais, elaborados sob autorização da Assembleia.
Sei que isto nunca aconteceu, não sei se o instituto nasceu nado-morto mas, pelo menos, nunca descolou do texto constitucional. No entanto, se alguma vez descolar, a estes decretos legislativos é aplicável um sistema de controlo inspirado no do artigo 172.º, podendo ser sujeitos a apreciação parlamentar. Neste sentido, a epígrafe do artigo, com este âmbito, não está mal, uma vez que se mantém esta figura.
Por outro lado, está mal, na medida exacta em que o artigo 172.º regula a apreciação de decretos-leis e, depois,

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o regime de apreciação de decretos-leis é aplicável, mutatis mutandis, à apreciação de decretos legislativos regionais.
Portanto, tudo ponderado, talvez não seja mau aceitar artigo 175.º a sugestão do Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que estamos abertos à alteração da epígrafe que está proposta e, em segundo lugar, queremos sublinhar, até porque constava de uma proposta do PCP e de um grande combate que travámos, designadamente na revisão constitucional de 1989, que entendemos que é importante a consagração constitucional do princípio da prioridade da apreciação de decretos-leis para que não haja, no fim de contas, também aqui uma prática de colocar na gaveta, por parte das maiorias
parlamentares, os decretos-leis cuja apreciação for tida por inconveniente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Utilizo esta forma de pequena intervenção para colocar aqui a seguinte questão: não foi citado explicitamente mas é uma decorrência da alteração que fazemos nesta revisão constitucional ao artigo 172.º, o adaptar-se também a redacção da Constituição da Republica na alínea c) do artigo 165.º, que actualmente, em sede das competências de fiscalização da Assembleia da República, fala na competência para "apreciar, para efeitos de recusa de ratificação ou de alteração, os decretos-leis (...)", que agora terá de passar a ser "apreciar, para efeitos de cessação da vigência ou de alteração, os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência legislativa exclusiva do governo (...)" e os decretos legislativos regionais, tal como previsto na alínea b).
Por essa razão, e só por essa razão, optou-se por uma epígrafe que falasse em actos legislativos e não apenas em decretos-leis, uma vez que o que está em causa por força do texto constitucional e o que sempre esteve em causa relativamente ao até agora denominado processo de ratificação sempre foi os decretos legislativos regionais aprovados ao abrigo de autorizações legislativas da Assembleia da República.
Que o artigo 172.º estava incorrectamente redigido comprova-o o acordo conjunto a que se chegou na CERC no sentido da sua reformulação em termos técnicos. Que a epígrafe estava mal, também na CERC se chegou a essa conclusão. Foi por essa razão que, na CERC, se tinha optado pela epígrafe "apreciação parlamentar de actos legislativos" e não apenas "de decretos-leis", uma vez que, também aqui, há que adequar o texto constitucional ao que é a realidade deste instituto, que tem a ver não só com decretos-leis como também com os diplomas legislativos, os actos legislativos autorizados pela Assembleia da República mas que assumem a forma de decretos legislativos regionais dado que se inscrevem na competência própria das assembleias legislativas regionais das regiões autónomas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, passamos ao artigo 173.º.

Como não há inscrições, passamos ao artigo 174.º.

Não havendo igualmente inscrições, passamos ao

Pausa.

Verifico que também não há inscrições e, assim, passamos ao artigo 176.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quero dirigir uma pergunta à direcção das bancadas do PS e do PS D.
Julgo que na CERC tinha ficado aprovada uma proposta no sentido de, no n.º 1 do artigo 176.º, onde está "apuramento dos resultados definitivos das eleições" passar a estar "apuramento dos resultados gerais das eleições", ou seja, substituir a palavra "definitivos" por "gerais". No entanto, não tenho essa informação no meu dossier...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas está lá!

O Orador: - Então, é porque o meu dossier não está actualizado. Muito obrigado pela informação.
Posto isto, vou fazer uma pequeníssima intervenção sobre esta matéria. '
A situação portuguesa, neste domínio, é bastante aflitiva, diria eu, para não a classificar com um adjectivo mais dramático. Temos um sistema que funciona mais ou menos assim: fazem-se as eleições e só passado mais ou menos um mês é que o governo está formado e toma posse.
Ora, ainda recentemente, houve eleições em França e em Inglaterra e, na terça-feira seguinte às eleições, segundo creio, o Sr. Blair entrou no n.º 10 de Downing Street e, na quarta-feira seguinte, o Sr. Jospin já era o PrimeiroMinistro francês. Quanto a nós, religiosamente responsáveis, burocraticamente fidelíssimos, estamos à espera que um qualquer voto seja definitivamente julgado como válido ou nulo pelos tribunais para, solenemente, proclamarmos, urbi et orbi, que as eleições estão todas certinhas e só a partir daí se constitui o governo.
Ora, salvo melhor juízo e com todo o respeito que tenho pelas nossas instituições, isto é a expressão de uma maleita que, se calhar, nos aperta demasiado ao longo da História,, a maleita da burocracia política e da burocracia
administrativa.
Creio que, ao dar este passo, a maioria contribui com alguma coisa para acelerar o processo da reposição do governo após as eleições, visto que, feitas umas eleições, definido outro sistema concreto de política, não faz mais sentido que fique o governo cessante a "arrastar a sua morte" já perfeitamente anunciada e executada à vista de todos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, demos apoio a esta alteração e vamos exprimi-lo através de voto.
Face à experiência democrática consolidada, face às formas já experimentadas de apuramento de resultados, face aos controlos que os partidos políticos são hoje cada

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vez mais capazes de exercer em relação à autenticidade e veracidade dos resultados eleitorais, praticamente freguesia a freguesia no caso dos partidos com mais capacidade de implantação, e face à vigilância geral que é exercida por múltiplos meios quanto à marcha dos resultados eleitorais, é hoje possível dar como apurados e verificados os resultados, de maneira inequívoca, na própria noite das eleições.
Portanto, o moroso sistema que, em Portugal, é ainda hoje necessário e que tem como consequência que uma maioria apurada e inequivocamente legitimada tenha de esperar semanas e semanas até à reunião constitutiva do Parlamento, é um sistema francamente tocado pela caducidade. É um sistema caduco, deve ser alterado e tudo aponta no sentido da alteração.
A redacção talvez tenha de ser melhorada. Quando escrevemos "resultados gerais", o que queríamos era romper com o texto actual, que é "resultados definitivos", para dizer que não serão os definitivos no sentido de aqueles que incorporem tudo o que resulte de eventual não realização de eleições parcelares, de funcionamento normal dos mecanismos de impugnação, etc. É isso o que queremos e estamos abertos a que se encontre uma expressão ainda mais apurada do que aquela que consta do texto que veio da CERC.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais inscrições, passamos ao artigo 177.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma brevíssima intervenção apenas para assinalar a alteração do artigo 177.º que determina que a sessão legislativa passará a iniciar-se a 15 de Setembro.
Com essa alteração em sede da nossa Lei Fundamental, faz-se a compatibilização da norma jurídica com a realidade da vida parlamentar. De facto, a Constituição anterior, na redacção que ainda vigora, determinava um período normal de funcionamento da sessão legislativa que, na prática, não era cumprido. Que me recorde, nunca na história da Assembleia da República esta Câmara se conformou, em termos de realização de sessões plenárias, com o termo a 15 de Junho e a reabertura apenas a 15 de Outubro. Houve sempre momentos em que a sessão foi prorrogada, ou antecipada, ou em que as duas coisas ocorreram.
Facto é, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que a circunstância de esta norma estar redigida como estava permitiu que, gratuitamente, alguns, que fazem do exercício da liberdade de expressão uma oportunidade para atacar a vida parlamentar e o parlamentarismo, quisessem sempre passar a mensagem e a imagem de que o Parlamento trabalhava pouco, reunia poucas vezes e tinha férias excessivamente prolongadas...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - E é verdade!

O Orador: - O que é facto é que não valia a pena mantermos esta dissociação entre a norma constitucional e a prática a que a Assembleia da República estava habituada, por força da deliberação livre dos parlamentares reunidos em sessão plenária. Daí que a adequação do texto constitucional à prática parecesse um acto de bom senso, que foi agora traduzido na proposta que a CERC apresenta ao Plenário da Assembleia da República.
Por outro lado, verificou-se sempre que o início da sessão legislativa é muito marcado pela discussão do Orçamento do Estado. Se os trabalhos da sessão plenária começassem apenas a 15 de Outubro, o que ocorria generalizadamente era uma grande dificuldade em a Assembleia compatibilizar todo o calendário de apreciação do Orçamento do Estado com a discussão de outras iniciativas legislativas, o que tinha uma consequência imediata: todas aquelas iniciativas legislativas que tinham sido recusadas na sessão legislativa anterior ou que, pura e simplesmente, não tinham chegado a ser apreciadas e votadas em sessão plenária e que teriam a oportunidade de regressar à atenção da Assembleia e à sua votação no início da sessão legislativa seguinte, já não seriam aprovadas a tempo de terem eficácia orçamental.
Constituía isto um prejuízo significativo para a iniciativa legislativa de diversos grupos parlamentares que, por razões de calendário, por razões de agenda e de organização dos trabalhos da Assembleia que não por razões de prioridade e de agenda política, ficavam privados, muitas vezes durante um ano, de dar consequência real a actos legislativos que a própria Assembleia reconhecia como importantes, actos de justiça que eram prejudicados por força deste calendário dos trabalhos parlamentares.
Antecipando o início da sessão legislativa para 15 de Setembro, estamos, portanto, não só a conformar o texto constitucional à prática parlamentar mais regular como também a permitir que, antes do início da discussão do Orçamento do Estado, a Assembleia da República, se o desejar, recupere iniciativas legislativas e as aprove a tempo de as mesmas terem repercussão na discussão do Orçamento, no final do ano, ou seja, no Orçamento do Estado paia o ano seguinte.
Por estas razões, Sr. Presidente, Srs. Deputados, parece-nos que as propostas que foram viabilizadas pela CERC se traduzem não só em maior e melhor eficácia dos trabalhos parlamentares como também na contribuição para uma melhor imagem da Assembleia e dos seus Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida que é flagrante a timidez desta proposta, ficando bem aquém daquilo que seria desejado e esperado pelos portugueses de uma forma geral. Ou seja, os portugueses interrogam-se sobre quais as razões e direitos que os Deputados têm a mais relativamente a todos os outros portugueses.
É claro que tem de reconhecer-se que, muitas vezes, os trabalhadores portugueses exercem a sua actividade em condições bem árduas e difíceis e quantas vezes nem sequer têm direito a férias ou, ainda, quantas vezes não têm condições para delas poderem usufruir. Assim, não aceitam e contestam até esta distinção, porque não vislumbram razão para tale quero dizer aqui que o Partido Popular também não a vislumbra.
Não posso mesmo deixar de dizer que este é um dos factores que contribuem para o descrédito dos políticos junto dos portugueses, pois trata-se de uma nítida contradição relativamente a todos os outros trabalhadores portugueses.

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Acresce que, para além dos desempregados, há muitos outros trabalhadores, mesmo em regime de profissão liberal, que não compreendem que haja este tipo de benefício. Ou seja, é flagrante a diferença e impõe-se corrigi-la.
Quantas vezes, mesmo sabendo que tínhamos razão, nos criticaram acerca da proposta que aqui apresentámos e que há muito vínhamos defendendo; quantas vezes ouvimos, porque foram utilizados epítetos mais ferozes e mais negativos para o nosso partido, que vivíamos do sistema e estávamos contra ele... Recordo, porque me parece importante fazê-lo aqui, neste momento, que no passado aconteceu o mesmo em relação a outras matérias, quando apresentámos propostas, nomeadamente a relativa ao referendo sobre a moeda única,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - ... o desaparecimento do escudo ou ainda acerca das regiões. Felizmente, nestas matérias já se verificou, por parte de certos Srs. Deputados, alguma evolução.
No que. diz respeito à fixação do período normal de duração da sessão legislativa, enfim, há a registar a adaptação feita pelos grupos parlamentares através do prolongamento verificado, ou seja, há um claro evoluir no sentido de dar satisfação à proposta do Partido Popular.
Esperamos que a proposta do Partido Popular seja aceite por esta Câmara, isto é, que a próxima sessão legislativa tenha início em 1 de Setembro e termo em 31 de Julho, para desse modo se evitar, daqui a alguns anos, discutirmos novamente esta questão e dar razão ao Partido Popular.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de forma telegráfica, gostaria de dizer o seguinte: Sempre temos sido partidários da antecipação do início dos trabalhos parlamentares, mas não entendemos que se tente inculcar que o facto de a sessão começar num determinado momento significa que fora dele os Deputados estão de férias ou não fazem nada.
Pela nossa parte, queremos esclarecer que quando a Assembleia da República não está a funcionar estamos, frequentemente, a preparar projectos de lei, a visitar empresas, com os trabalhadores e com as populações, e que os funcionários desta Casa estão igualmente a trabalhar. É bom que se acabe com este tema que,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Um tema que incomoda o PCP!

O Orador: - ... no fim de contas, faz parte de uma questão que é recorrente na vida política portuguesa: o antiparlamentarismo como expressão de uma mentalidade antidemocrática.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, não ficámos nada surpreendidos com a grande décalage entre a retórica e a prática do PP. Em sede de revisão constitucional, o PP fez a mais fraca e confrangedora figura que é possível imaginar!

Aplausos do PS.

O PP era o partido ausente da revisão; o PP não estava na Comissão e quando estava era para entrar em choque com o seu próprio projecto: "Foi este projecto que apresentámos?! Que horror, retiro a proposta!" Dizia o Sr. Deputado Paulo Portas quando lá apareceu. Ou então: "A palavra Nação está aqui muito bem". Mas essa proposta não foi apresentada por si, Sr. Deputado, foi feita por outro, esclareci. "Ah, não me diga, não tinha reparado!".
O Dr. Monteiro entrou como uma "fisga" na Comissão e saiu, verdadeiramente, à velocidade de um foguetão! A Dr.ª Maria José Nogueira Pinto teve a gentileza de passar por lá, e assim como passou, com o louro de um anjo,, assim desapareceu! O Sr. Deputado Jorge Ferreira nem lá entrou, porque estava a adiar matérias na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ou noutro sítio qualquer!
Sr. Presidente, não posso imaginar partido que deva ter mais decoro nesta matéria, sobretudo porque, sendo capaz de dizer lá fora coisas horríveis, assimilando os Deputados a uns bicharocos esquisitos, cujo nome, aliás, nem me lembro... De resto, o autor não está presente; à noite, o autor não está cá, está alhures! Está en su sitio! Não precisa de estar aqui, é, verdadeiramente, um trabalhador imérito, trabalha que se farta, mas aqui não!

O Sr. João Amaral (PCP): - Está à frente de uma câmara de televisão!

O Orador: - Srs. Deputados: est modus in rebus, como dizem os outros. Há limites nesta matéria, há limites para "caiar de branco o sepulcro" e para o "fariseu" dar aulas de retórica!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O artigo 167.º vai passar a prever, por proposta do Partido Socialista, que, a sessão legislativa tem a duração de um ano, com início a 15 de Setembro. É natural que assim seja, Srs. Deputados, e sabem porquê? Não é por demagogia, mas para harmonizar o ritmo de trabalho parlamentar com aquilo que se tornou já o ritmo e o calendário de várias instituições, inclusive aquelas onde os nossos filhos - pára quem os têm - estudam anualmente ou mesmo os tribunais. Portanto, há um ritmo normal.
Quando for necessário fazer com que a Assembleia da República funcione antes, ela também funcionará, segundo os métodos normais.

O Sr: Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!

O Orador: - Mas não transformemos isso numa prova de que os Deputados são o exemplo do trabalho intensivo e, quiçá, forçado ou de outra coisa qualquer. É, portanto, triste a vossa tentativa, mas também vos digo que é uma tentativa completamente falhada e até caricata.

Aplausos do PS.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, já esperávamos essa sua intervenção, só que V. Ex.ª enganou-se e esqueceu-se de dizer que a posição da bancada do Partido Popular, em matéria de participação nos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi sempre muito clara. E foi muito clara no seguinte sentido: esta revisão constitucional, em grande parte do seu tempo, não passou de um "folhetim" entre o PS e o PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - "Folhetim" em que o PP não quis participar...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah, foi propositado!

O Orador: - ... nem fazer papel de figurante! Sempre deixámos claro que o Partido Popular participaria nas reuniões úteis da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e...

Vozes do PSD: - Nas úteis?!

O Orador: - ... naquelas em que se discutisse algo com seriedade. Com efeito, passámos grande parte do tempo a assistir a duas coisas: à discussão do acordo escrito celebrado entre o PS e o PSD que tinha como reverso um desacordo oral, ou seja, o PS e o PSD passaram o tempo a digladiar-se sobre qual o entendimento que cada um dava ao que ambos acordaram no acordo que celebraram.

O Sr. António Filipe (PCP): - Como é que sabe? Nunca pôs lá os pés!

O Orador: - Nunca estivemos disponíveis para fazer parte desse filme. Não queremos e nunca quisemos fazer papel de figurante nesse "folhetim". Esta posição foi esclarecida desde o princípio e, portanto, são ilegítimas e falsas as afirmações que o Sr. Deputado aqui formulou.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente, este Sr. Deputado é bizarro! Diz que esperava a minha intervenção. Claro que esperava, tal como o aluno com má consciência ou o mau pagador espera o credor, é evidente! E espera com medo, incomodado! Quem prevarica espera sempre o castigo, incomodado, e o Sr. Deputado estava incomodado.
Aliás, quando diz o que diz ainda revela mais fundo a causa do incómodo. Que rico argumento, Sr. Deputado, dizer que não ia à Comissão porque não valia a pena, era tudo inútil!...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, isso aplica-se à primeira leitura, em que os senhores não puseram lá os pés e em relação à qual ninguém, seguramente, fará esse tipo de acusações e observações? Não se aplica, certamente! A sua argumentação é incoerente.
Em primeiro lugar, os senhores deram a seguinte contribuição ao processo de revisão constitucional: um projecto...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Nós é que fizemos arrancar o processo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ó Sr. Deputado do PP tem de ouvir agora as observações do Sr. Deputado José Magalhães.

O Orador: - Acalme-se, Sr. Deputado! Ainda não é esta a estocada final, espere um pouco mais, contraia-se um pouco mais!
Os Srs. Deputados do PP começaram por apresentar um projecto de revisão constitucional que é um recorde absoluto e entra no Guiness Book of Records, pois é o projecto mais carregado de gralhas que alguma vez entrou; depois, ao examiná-lo, verificamos que é o projecto do qual mais artigos foram retirados na história parlamentar! E que, e por último, os senhores nem sabiam o que lá estava escrito nem quem tinha sido o autor putativo do projecto de revisão constitucional.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Os senhores retiraram o vosso!

O Orador: - O "pai" estava ausente e as "mães" que se apresentavam declinavam o rebento, tão abortício ele era.

Risos do PSD e do PS.

Portanto, o vosso projecto era, desse ponto de vista, um recorde, e compreende-se o vosso horror: para defender aquilo, os senhores nem lá queriam aparecer! Compreendo-vos e louvo-vos o pudor.
Em segundo lugar, peço-lhe desculpa num ponto, porque tenho de reconhecer que houve uma ocasião em que os senhores estiveram presentes: em Maio de 1996. E os Srs. Deputados do PSD que me desculpem, mas tenho de relembrar este episódio que vos dói, mas que é verdade. Com efeito, nessa data, em coligação com os Srs. Deputados do PCP, decidiram fazer a graça um bocado terrível de saírem da revisão constitucional, julgando que isso era um contributo aceitável, mas não era!

Vozes do PSD: - Foi! Ganhámos o referendo!

O Orador: - E o PP, através da presença do Sr. Dr. Paulo Portas, que depois teve de se "imolar" e sair por causa da caneta do Dr. Monteiro, nessa altura apareceu! Aí votou, não meteu a caneta no bolso e o voto noutro sítio! Aí votou e fez bem, porque permitiu ao Sr. Deputado Jorge Lacão, como Presidente da Comissão, e a todos nós avançar em relação à regionalização. Não nos esquecemos que isso foi positivo.
Todavia, fora esse episódio grato, os senhores desapareceram pela fossa do Mindanau e no próprio Plenário parece que não estão; acordaram agora para dizer quatro coisas dislatadas sobre o funcionamento do Parlamento mas, de resto, têm estado calados, na mais completa mansidão. Não se notaram na CERC nem aqui!

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Portanto, Sr. Deputado, tenha calma, a noite já está a acabar, vai sair aliviado desta coisa dolorosa, mas tenha recato e cuidado e não adopte uma posição arrogante, porque a posição do PP é indefensável aqui e fora daqui.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos aqui a uma actuação que é muito comum no PP, a de fazer uma proclamação de princípios e ideias que são exactamente contrários à sua prática. O que seria coerente com essa prática era apresentar uma proposta de encurtamento dos trabalhos parlamentares,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... para ver se num período mais curto o PP conseguia ter uma participação maior e uma presença mais notada.
Ficou aqui justificado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa algo que é realmente extraordinário: o ajuizamento que o. PP faz acerca do trabalho parlamentar útil e inútil. Naturalmente, ficamos a saber que o trabalho útil é aquele que é feito na suite do Tivoli...

Risos do PSD.

... e não aquele que é feito na Assembleia da República ou nas comissões parlamentares, ou seja, é o trabalho "de bengala" do PS feito nesse âmbito.

Aplausos do PSD e do PS.

Mas, sinceramente, Srs. Deputados, esse trabalho não tem a ver com a alteração da Constituição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, foi dito aqui que o PP não conhecia sequer a redacção. E eu pergunto: de qual texto? Do discutido cá dentro ou daquele que se fazia lá fora, sem ninguém saber? Não sei se nalguma suite do Tivoli ou numa outra suite qualquer... Sabem bem do que estou a falar!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Sá, já sabemos que, quando alguém levanta a voz em defesa dos trabalhadores, os senhores sentem-se ofendidos, porque têm ainda a velha impressão de que são os únicos que, de facto, os defendem.

Vozes do PCP: - É verdade.

O Orador: - Mas não são! Hoje está provado que aqueles que mais falam, criticam ou protestam na rua não são os que mais defendem os trabalhadores.

Vozes do PCP: - Olhe que não!

O Orador: - Antes são aqueles que, à mesa das negociações, tentam encontrar planos de convergência e acordos de concertação e estratégia que conseguem encontrar o caminho para o desenvolvimento económico do País e contribuem para a estabilidade económica.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Julgam-se "donos" dos trabalhadores!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, com toda a franqueza, quero dizer-lhe que admiro a sua capacidade de intervenção. Assumo-o claramente, mas deixe que lhe diga que, às vezes, fico com a dúvida sobre se algumas das suas afirmações se parecem mais com aquele velho fazendeiro que, com o chicote na mão, impunha aos seus escravos um horário de trabalho de sola sol...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é da "Escrava Isaura"!

O Orador: - ... e, quando o escravo reclamava, respondia: "Que mais querem? Já têm trabalho e, a seguir, onde dormir!"

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, confesso que estou encantado com o rumo que o debate está a tomar e não resisti a participar nele, pois há uma questão que quero colocar aos Srs. Deputados do PP.
O Sr. Deputado José Magalhães lembrava há pouco que, no início, aliás controverso, do processo da revisão constitucional, houve necessidade, num determinado momento, de um entendimento entre o PS e o PP, de que fui um dos protagonistas, para alcançar uma solução com consequência constitucional no que diz respeito ao referendo para a regionalização. O PSD fez aqui várias declarações de adesão a uma atitude de coerência da parte do PP no processo de revisão constitucional e, agora, gostaria que o PP esclarecesse uma dúvida. Essa solução que alcançámos quanto ao referendo para a regionalização visa que, em sede constitucional, esse referendo tenha sido concebido num momento após a entrada em vigor da lei de criação das regiões administrativas. Acontece que, embora não sendo essa a solução originária de referendo defendida pelo PSD, posteriormente o PSD conformou-se com ela e também aderiu, designadamente no quadro do acordo que estabelecemos, a essa formulação que tivemos ocasião de votar na CERC. Na CERC, a solução foi, portanto, votada favoravelmente pelos Deputados do PS, do PSD e do PP.
No dia seguinte, o líder do vosso partido veio, propor ao Secretário-Geral do PS que, como prova de grande determinação, fizesse um referendo à cabeça sobre o processo de regionalização com dispensa da lei de criação das regiões administrativas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado! Ele é que se esqueceu!

O Orador: - E eu, ao ouvir aquilo, pensei: quem é que está num estado de esquizofrenia política? Eu, que fiz

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um acordo com o PP, ou o PP - e a sua direcção -, que não sabe sequer o acordo que fez originariamente com o PS e que, depois, consagrou na CERC e que, agora, está a fazer uma proposta completamente à revelia da maneira como se comportou no processo de revisão constitucional?
Os Srs. Deputados do PP querem, finalmente, esclarecer-nos sobre se estão arrependidos das votações que fizeram na CERC e do acordo celebrado com o PS e vão aqui pedir desculpa à Câmara por essa má inspiração ou se aproveitam a altura para lembrar ao líder do vosso partido que está completamente desalinhado das posições dos Deputados aqui na Assembleia da República?

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não perdem pela demora!

O Orador: - Em que é que ficamos, Srs. Deputados do PP?

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): Ficamos em que não queremos chantagens!

O Orador: - Querem fazer o favor de esclarecer esta dúvida?... Ficar-vos-ia muito grato.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é sempre com o maior gosto que contribuímos para esclarecer dúvidas especialmente do Sr. Deputado Jorge Lacão, que, nesta matéria, normalmente é abundante e prolixo na quantidade de dúvidas que vai tendo ao longo dos processos políticos em que participa.
Agradeço que o Sr. Deputado Jorge Lacão tenha relembrado à Câmara de que forma veio a consagrar-se o referendo sobre a regionalização, processo no qual participou o Sr. Deputado Jorge Lacão e eu próprio, do qual muito me orgulho e que não estava em causa num momento em que o Sr. Deputado Jorge Lacão ainda era coerente com o que dizia sobre a postura do PS na revisão constitucional. O Sr. Deputado Jorge Lacão repetia insistentemente que a revisão constitucional, desta vez, por mão do PS, seria, sempre e até ao fim, feita no seio da CERC. Nesta altura, ainda dizia isto - e assim foi.
De facto, como V. Ex.ª estará recordado, não obstante os protestos do PSD, que não estava presente na altura, assim foi e essa parte da revisão constitucional foi feita no âmbito da Comissão Eventual, lamentavelmente sem o contributo, nesse momento, dos Deputados do PSD, que, posteriormente, vieram a aderir à solução.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Que remédio!

O Orador: - Isto é perfeitamente verdadeiro e, às vezes, o Sr. Deputado Guilherme Silva perde boas ocasiões para estar calado, porque, se formos relembrar todas as posições dos partidos neste processo, o PSD não sairá certamente incólume.
Agora, o Sr. Deputado não tem certamente dúvidas sobre o respeito que temos pelas soluções que acordamos e que manteremos sem qualquer dificuldade. Porém, também não queira obrigar as pessoas, até porque na sua bancada tem bastos exemplos do contrário, a pensar que as soluções negociadas são as ideais. Como V. Ex.ª - e toda a Câmara sabe, a posição de princípio do Partido Popular sempre foi e é a de referendar a ideia da regionalização antes de qualquer lei de criação das regiões.
VV. Ex.as, do vosso projecto de revisão constitucional, "engoliram" tanta coisa no "negócio de hotel de duas estrelas" que fizeram com o PSD! Tanta! Se quiser que passe aqui a noite a relembrar a V. Ex." o que engoliu por via do acordo que fez com o PSD, V. Ex.ª também não sai nada beneficiado com a ideia.
Portanto, Sr. Deputado Jorge Lacão, é muito simples: a posição do PP sobre o referendo acerca da regionalização sempre foi e é a mesma, mas VV. Ex.as não a quiseram. O PSD não estava cá, o PCP era contra e o PP negociou - e muito bem - a solução possível para fazer um referendo sobre a regionalização.
Estamos e continuamos convencidos de que a nossa posição de princípio sobre esta matéria é melhor do que a que foi consagrada. E continuaremos a dizê-lo e a defendê-lo, porque estamos num país livre e V. Ex.ª não consegue condicionar o pensamento dos outros, por muito que por vezes pretenda.
Infelizmente, VV. Ex.as não o quiseram, o PSD não estava cá e vamos ter o referendo possível. Mais vale este que nenhum!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem conseguiu o referendo foi o PSD!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Ferreira acabou por reconhecer o sentido daquilo que eu tinha dito, ao interpelar a bancada do PP.
O Sr. Deputado Jorge Ferreira acabou por nos dizer aqui que o PP aderiu à solução de referendo que tem agora, consagração na proposta que a CERC trouxe ao Plenário da Assembleia. E o PP fez essa adesão em dois momentos: num primeiro momento através de um acordo celebrado entre o PP e o PS, por sinal em que os protagonistas foram os Deputados Jorge Ferreira e Jorge Lacão - e, nesse ponto, ele sabe muito bem do que fala -, e num segundo momento em que o PP votou recentemente na CERC o modelo para a regionalização.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Hoje, faria o mesmo!

O Orador: - Então, o Sr. Deputado Jorge Ferreira tem obviamente de reconhecer que a proposta feita pelo líder do seu partido ao líder do meu partido era completamente demagógica, impossível de ser concretizada constitucionalmente e, como tal, completamente à revelia...

O Sr. José Magalhães (PS): - Descabida!

O Orador: - ... das próprias votações feitas pelos Deputados do PP nesta Câmara.
Mais não peço ao PP do que um gesto de elementar coerência com aquilo que fez no processo de revisão constitucional.

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Quanto ao mais, Sr. Deputado Jorge Ferreira, aquilo que disse foi de lógica retórica para encobrir o essencial desta posição. E o essencial desta posição, para termos alguma razoabilidade na maneira como fazemos os debates entre nós, era que o PP não se afastasse daquilo que fez, porque aquilo que fez é institucionalmente correcto. Se aquilo que o PP fez é institucionalmente correcto, então que não tenha uma prática política que condene aquilo que fez correctamente no plano institucional. A contradição, neste ponto, não é dos Deputados do Grupo Parlamentar do PP mas da direcção do PP, que age politicamente à revelia daquilo que os Deputados fizeram na Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - É indesmentível!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Não vale a pena separar, porque a separação não funciona!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, trata-se de uma intervenção rápida - e obviamente compreendemos que, chegados a certos pontos deste debate, alguns Srs. Deputados fiquem mais motivados do o que estavam aquando da discussão dos artigos imediatamente anteriores - para voltar a lembrar ao Sr. Deputado Jorge Lacão que ele será certamente um dos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PS menos indicados para avaliar a coerência de posições entre as direcções dos partidos e os grupos parlamentares.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Sempre lhe quero dizer e repetir que mantenho a solução encontrada - aliás, tive muito prazer em contribuir para ela -, que será votada por todos 'os Deputados do Partido Popular, entre os quais se encontra precisamente o presidente do partido. Portanto, como V. Ex.ª verificará, a esse respeito não haverá certamente qualquer modificação do compromisso que assumimos e mantemos.
Repito que V. Ex.ª, por muito que tente, não conseguirá que o PP desista das posições em que acredita e que não fez vingar, porque VV. Ex.as, nessa altura, não o consentiram e pela mecânica da revisão era necessário que assim fosse feito.
É só isto, Sr. Deputado. Aliás, penso que, pelo exemplo dado pelo PS neste processo de revisão constitucional, até lhe fica mal estar a falar da diferença entre as posições de princípio de cada um de nós, dos nossos grupos parlamentares e dos nossos partidos e aquilo que, depois, em concreto, é votado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, serei extremamente rápido.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, se queria aludir de forma implícita a algo a que não tenho qualquer reserva em aludir de forma explícita, ou seja, a que, por razões de dificuldade política no acerto de posições entre mim próprio e a minha bancada, enquanto presidente do Grupo Parlamentar do PS entendi, em minha consciência, demitir-me num determinado momento, como todos sabemos, poderia tê-lo feito de forma expressa e sem qualquer insinuação. Se a insinuação do Sr. Deputado Jorge Ferreira ia para além disso, no sentido de procurar sugerir uma diferença de orientação política entre a direcção do PS e o acordo celebrado entre o PS e o PSD em matéria de revisão constitucional, essa insinuação não tem qualquer cabimento, porque essa contradição nunca existiu.
É isto que quero aqui exprimir, para que das palavras ambíguas do Sr. Deputado Jorge Ferreira não se procure retirar ilações que ele não chegou a ter a autenticidade de clarificar, mas que quis deixar. no ar, porque deixar no ar insinuações que não se demonstram no plano da racionalidade é a maneira menos agradável e menos adequada de fazer um debate político sério.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, se .há coisa que não gosto é de ser alvo destas acusações de que quis insinuar algo... Eu não quis insinuar coisa alguma!
Ainda ontem se viu bem como as diferenças relativamente ao que os senhores pensavam desde o início e aquilo que agora estão a votar dividem .º vosso grupo parlamentar - e já nem é o grupo parlamentar e a direcção do PS, é o vosso grupo! Isto é tão evidente que pensava estar dispensado de o relembrar hoje.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre o artigo 177.º.
Algum Sr. Deputado deseja usar da palavra relativamente ao artigo 178.º?

Vozes do PS: - Não há propostas de alteração a esse artigo!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Muito bem. Passamos, então, à discussão das propostas de alteração ao artigo 179.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quanto a este artigo, quero assinalar duas alterações, ambas positivas, que contaram com o nosso voto.
Primeiro, dá-se aos grupos parlamentares aquilo que eles já deviam ter, ou seja, o direito de pedir prioridade para tratamento de assuntos de interesse nacional de resolução urgente. O Governo tinha esta prerrogativa; agora, estabelece-se um estatuto de paridade entre o Governo e os grupos parlamentares nessa matéria. Não se fixa qualquer limitação de tamanho; é um direito que cabe aos grupos parlamentares só por o serem, qualquer que seja o seu tamanho e a sua orientação.
A segunda novidade é a concessão também de solicitar prioridade - não é o direito de obter, mas o de solicitar, pois a concessão continua a ser da competência da entidade a quem tal hoje cabe, ou seja, o Sr. Presidente da Assembleia da República - às assembleias legislativas regionais. Mas, quanto a estas, com uma limitação: só se reconhece este direito quanto ao tratamento de assuntos

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de interesse regional de resolução urgente, que é, aliás, o que justifica, desde o princípio, essa sua matriz. As assembleias legislativas regionais podem pedir urgência relativamente àquilo para que têm competência e é justo que essa questão seja ponderada.
São duas benfeitorias à luz do mesmo princípio: criar novos meios, novos instrumentos, para uma saudável e activa vida parlamentar, capaz de dar. resposta a problemas nacionais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva. Pausa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero também manifestar, em meu nome e no do Grupo Parlamentar do PSD, o aplauso a estas duas soluções.
Efectivamente, não fazia sentido que o Governo tivesse esta prerrogativa de poder solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente ao órgão próprio da fixação da ordem de trabalhos na Assembleia e que os grupos parlamentares não pudessem também usar dessa prerrogativa. Havia aqui algum desequilíbrio nesta dinâmica parlamentar e parece-nos que a consagração de idêntica prerrogativa aos grupos parlamentares vem reestabelecer esse equilíbrio.
Noutra ordem, vem também a possibilidade de as assembleias legislativas regionais poderem solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente. Muitas vezes passam também pela Assembleia questões que não têm já só a ver com as iniciativas legislativas, através das quais, segundo o artigo 173.º, há já a possibilidade de ser solicitado um agendamento urgente.
Lembrava, aliás, que, nesse aspecto, nem sempre a Assembleia da República tem dado a atenção necessária a esses pedidos. Espero que, nesta sede, que é mais política que legislativa, mas nem por isso menos importante, bem pelo contrário, se inaugure, com esta possibilidade, um relacionamento institucional entre a Assembleia da República e as assembleias legislativas regionais em termos de poder ser dada a atenção e urgência a questões de interesse regional que passam por esta Câmara, que naturalmente tem sobre o País e também sobre as regiões uma atenção particular, podendo, em dados momentos, a justificar-se essa prioridade e essa atenção, as assembleias legislativas regionais solicitá-las à Assembleia da República, que, por certo, vai dar, nesta sede, uma atenção e uma prioridade que nem sempre tem dado às iniciativas legislativas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, chegámos a um número redondo (artigo 180.º), pelo que estava tentado a terminar aqui os nossos trabalhos. Porém, parece haver quem esteja interessado em continuar... Acho uma violência, até porque amanhã temos de iniciar a sessão às 10 horas. Os membros da Mesa estão cheios de sono, mas não sei se os Srs. Deputados estão cheios de energia... Vamos procurar obter consensualidade em torno desta questão, pois manifestamente não quero impor aqui uma solução.

Pausa.

Srs. Deputados, dado que o PSD, o CDS-PP e o PCP estão de acordo em concluir aqui os nossos trabalhos, vou dar por encerrada a sessão, informando que a próxima sessão plenária se realizará, amanhã, pelas 10 horas, tendo como ordem do dia a continuação do debate sobre as alterações à Constituição da República Portuguesa.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 00 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Fernando José de Moura e Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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