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Quinta-feira, 4 de Setembro de 1997 I Série - Número 106

Diário da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE SETEMBRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 141/VII, das propostas de resolução n.os 65 a 69/VII e dos projectos de lei n.os 404 e 405/VII.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS e à substituição de um outro do PCP.
A Câmara deu assentimento à deslocação do Presidente da República a Barcelona entre os dias 19 e 25 do corrente mês.
Após as declarações finais dos Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Luís Sá (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP), Luís Marques Mendes (PSD) e Jorge Lacão (PS), a Assembleia aprovou, em votação final global e por maioria qualificada de dois terços, o Decreto de Revisão Constitucional.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.

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António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Meio.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Rvder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites. as seguintes iniciativas: proposta de lei n.º 141/VII - Autoriza o Governo a alterar o disposto no Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14 de Junho, relativo às taxas contributivas dos regimes de segurança social; propostas de resolução n.os 65/VII - Aprova, para ratificação, a alteração do Anexo A da Convenção para a Criação do Gabinete Europeu de Radiocomunicações (ERO); adoptada na reunião do Conselho da Organização que teve lugar em 8 de

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Março de 1996, em Cascais, Portugal, que baixou à 2.ª Comissão, 66/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de 1988 para a Repressão dos Actos Ilícitos de Violência nos Aeroportos ao Serviço da Aviação Civil Internacional, complementar à Convenção para a Repressão de Actos Ilícitos Contra a Segurança da Aviação Civil, adoptada em Montreal a 23 de Setembro de 1971, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões, 67/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Segurança do Pessoal das Nações Unidas e Pessoal Associado, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões, 68/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e de Cooperação que estabelece uma Parceria entre as Comunidades Europeias e seus Estados membros, por um lado, e a República da Moldávia, por outro, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões, e 69/VII - Aprova, para ratificação, o Protocolo de Acordo de Parceria e de Cooperação que estabelece uma Parceria entre as Comunidades Europeias e seus Estados membros, por um lado, e a Federação da Rússia, por outro, que baixou à 2.ª e 9.ª Comissões; projectos de lei n.os 404/VII - Alteração dos limites entre as freguesias de Vale da Amoreira e Alhos Vedras, no concelho da Moita (PCP), que baixou à 4.ª Comissão, e 405/VII - Cria um programa de educação para a cidadania do 3.º ciclo do ensino básico (PS), que baixou à 6.ª Comissão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos ainda um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cuja reunião foi realizada no dia 3 de Setembro de 1997, pelas 14 horas e 30 minutos, referente à retoma de mandato do Sr. Deputado Eurico de Figueiredo (PS), eleito pelo círculo eleitoral de Vila Real, em 28 de Agosto passado, inclusive, cessando Luís Manuel Areias Fontes, e à substituição do Sr. Deputado Ruben de Carvalho (PCP), eleito pelo círculo eleitoral de Setúbal, pelo Sr. Deputado Joaquim Matias, com início em 1 de Setembro corrente, inclusive.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: A retoma de mandato e a substituição em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, espero que estejam a ter urnas férias reconfortantes, que bera as merecem, e perdoemos à revisão constitucional esta abrupta interrupção das férias, a que todos tínhamos direito, mas o que tem de se fazer, faz-se.
Srs. Deputados, temos, antes de mais, na ordem de trabalhos, um pedido de assentimento do Sr. Presidente da República, que, em mensagem dirigida à Assembleia, diz o seguinte: Tencionando deslocar-me a Barcelona, em viagem de carácter particular, entre os próximos dias 19 e 25 de Setembro, a convite do respectivo Alcaide, a Fim de participar nas cerimónias de atribuição dos títulos de «Amigos de Barcelona», que também me foi conferido, venho solicitar o assentimento da Comissão Permanente da Assembleia da República, nos termos dos artigo 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição.
O parecer e proposta de resolução da 1.ª Comissão é no sentido de que a Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dê o assentimento nos precisos termos em que é requerido. Como sabem, apesar de se tratar de uma viagem de carácter particular, tem uma duração superior a cinco dias, o que implica a necessidade do assentimento.
Vamos votar o parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora dar início às intervenções ou, como também são chamadas, declarações finais prévias à votação final global do texto da revisão constitucional.
Para uma intervenção, em nome de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com á votação da lei de revisão do texto constitucional, que vamos efectuar, encerra-se o último capítulo do lamentável processo em que a revisão constitucional se transformou.
Um processo de revisão, na sua forma, insultuoso para a democracia, para o Parlamento, insultuoso para os Deputados e, em última análise, para os próprios portugueses, que, na sua diversidade, representamos e cuja vontade caberia respeitar.
Uma revisão constitucional publicamente justificada pela
necessidade de dotar a sociedade e o sistema político de mecanismos para garantir mais democracia, mais transparência, mais participação na vida pública, mais modernidade.
Uma revisão marcada precisamente pela ausência e quase absoluto esquecimento daquilo que se pretendeu reclamar, no secretismo dos acordos, na ausência de debate, na opacidade de desígnios das propostas apresentadas, no autoritarismo que caracterizou a sua imposição, na falta de espaço para as equacionar, malgrado a liberdade de exercício do mandato dos Deputados, que, de modo paradoxal, acabou por se consagrar.
Uma revisão da Constituição em relação à qual o voto de Os Verdes radica na total discordância do modo, dos ter-mos, do significado político do acordo, melhor diria, do negócio, entre o PS e o PSD, que lhe esteve na origem.
O nosso voto contra é, pois, o voto de recusa de uma forma caduca de fazer política, que assenta não em valores fundamentais que devem pautar a nossa vida colectiva, não em ideias, no seu debate e confronto vivo e aberto, mas na paroquial lógica de interesses partidários ou pessoais que transformam o exercício político em simples negócio ou partilha de poder.
O nosso voto contra é o voto de quem recusa ver uma questão como a Lei Fundamental do Estado democrático. que a todos importa, ser tratada e decidida não pelos Deputados, que representam os cidadãos portugueses, não pelo Parlamento que estes elegeram, não pelas comissões, que para tal foram criadas, mas por directórios partidários, à margem das instituições, no segredo dos gabinetes.
O nosso voto contra é o voto de quem recusa a descredibilização sistemática da Assembleia da República e o desvirtuamento do papel que lhe compete, que, uma vez mais, se pretendeu negar.
O nosso voto contra é ainda o voto de quem recusa o esvaziamento da função dos Deputados, a quebra do compromisso que estes têm com os eleitores e lhes cumpre

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honrar, reduzidos pelas direcções partidárias a meras peças de um qualquer xadrez, instrumentos de mesquinha lógica partidária ou de ambição pessoal, em processos pouco claros na forma, como nos objectivos, que lhe estão associados.
O nosso voto contra é mais do que isto, é o voto de quem, concebendo o texto constitucional não como um dogma imutável mas como um património comum que importa preservar, aprofundar e fazer evoluir de acordo com as mutações da sociedade e as suas novas exigências, nele vê, com inquietação, a negação de novos direitos e a introdução de alterações graves. Negação de direitos que se traduz na falta de abertura para dar resposta a novos fenómenos, consagrar questões tão diversas quanto às que se referem à protecção social, à não discriminação dos cidadãos em função da sua orientação sexual, ao envolvimento e participação dos cidadãos na vida pública, designadamente na tomada de decisão no processo de construção europeia. Uma negação em vivo contraste com a excessiva abertura para alterações que conduzirão, a prazo, à desprotecção social, ao cerceamento de direitos ou mesmo à clara ruptura com princípios humanitários que norteavam a nossa Constituição e na qual residia a sua maior grandeza, ao admitir-se a possibilidade de extradição de cidadãos, deste modo, atentando contra direitos fundamentais.
Um balanço inquietante não só em relação às alterações já introduzidas mas, sobretudo, naquelas que, a prazo, inexplicavelmente, se poderá vir a permitir introduzir.
Assim, o nosso voto contra é também sinónimo da total discordância com a desconstitucionalização de matérias estruturantes do sistema político, que constituem alicerces fundamentais na arquitectura do Estado democrático, questões de extrema importância definidoras do regime democrático, como a alteração do número de Deputados, a sua eleição para a Assembleia da República, o sistema de órgãos de poder local, a proporcionalidade do sistema eleitoral, a eleição do Presidente da República, o seu universo eleitoral e modo de eleição. Questões fundamentais na sua desconstitucionalização, inaceitavelmente deixadas, a partir de agora, pelo PS (já que pelo PSD são há muito reivindicadas), ao acaso, menorizadas, definidas no futuro por lei ordinária, ao livre arbítrio de novas conjunturas, razão por que, a partir de hoje, passa a ser nosso dever não permitir que possam ficar à mercê de negociadores de ocasião.
Alterações que conduzem inevitavelmente, num Parlamento já hoje com o menor número de partidos representados - no caso de redução do número de Deputados -, ao agravamento desta tendência, ao afunilamento no acesso dos pequenos partidos, à limitação da diversidade, à perda de pluralidade.
Alterações que afectam a própria regra de proporcionalidade e democraticidade representativa, viabilizando a formação e a perpetuação de maiorias, a bipolarização artificial, o empobrecimento do debate, a redução dás escolhas.
Alterações graves que no voto dos cidadãos residentes no estrangeiro para o Presidente da República, misturando demagogicamente na discussão laços sentimentais que nela, obviamente, não cabem, põem em causa a própria
autenticidade, liberdade e democraticidade deste importante acto eleitoral.
Alterações que no absurdo despique autonomista se arriscam a interferir, no futuro, com o próprio equilíbrio entre várias parcelas do território nacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há razões de sobra neste Parlamento e neste momento para dizer «não» a esta revisão constitucional, embora nela reconheçamos pontualmente, no plano dos direitos, liberdades e garantias, o acolhimento de algumas propostas e a consagração de direitos que Os Verdes, no seu projecto de revisão constitucional, propunham e protagonizaram. Propostas, designadamente, em matéria de autonomização dos direitos ambientais, na introdução do princípio da solidariedade entre gerações, na definição do objectivo do desenvolvimento sustentável, no reconhecimento do dever de protecção de igualdade entre mulheres e homens.
Alterações, em todo o caso, que não escondem na sua essência as malfeitorias de um lamentável processo de revisão, que, na forma e no conteúdo, deveria ter sido evitado.
Votar esta revisão é dizer-lhe, pois, «não»! Mas votá-la é também, de acordo com as nossas convicções e a nossa consciência, assumir o compromisso de agir para lhe minimizar os efeitos, ontem como sempre, em defesa da construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos hoje, aqui, ouvir grandes tiradas sobre as alegadas enormes virtudes da revisão constitucional. A chamada rentrée política, porém, mostrou quais são as verdadeiras prioridades dos parceiros deste «casamento».
Significativamente, a prioridade do PS não foi adoptar depressa qualquer das medidas, que também as houve, como as que o PCP defendeu e que vieram a ser consagradas; a prioridade não foi aprovar, por exemplo, a consagração de acções de emergência para protecção de direitos, liberdades e garantias pessoais, caracterizadas pela celeridade e prioridade; foi, antes, anunciar a alteração da lei eleitoral, para tentar, deste modo, influenciar comportamentos eleitorais, consciências e vontades, a fim de fabricar artificialmente maiorias na secretaria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nesta matéria, estão por responder as duas perguntas que colocamos ao PS, que passo a recordar: primeira, se o que se pretende é respeitar escrupulosamente a proporcionalidade, por que razão o PS se sentiu obrigado, primeiro, a alterar a Constituição e, só depois, a apresentar um projecto de lei eleitoral; segunda, como é que os eleitores, que não votarem num único Deputado do seu círculo (eventualmente a maioria, como vai acontecer na maior parte dos casos), vão estar próximos do Deputado em que não votaram?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Um sistema eleitoral e um sistema partidário constituem partes da cultura política de um povo. Ignoram os subscritores destas negociatas que não estamos no século XIX? Ignoram que vivemos num Estado de partidos, com opções ideológicas e simpatias partidárias segmentadas? Ignoram que já não se usam os Calistos Elóis, Barbuda e Benevides, que Camilo ridicularizou, e

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que declaravam vir da província representando todo os eleitores, supostamente à conquista de Lisboa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os que não votaram no Deputado eleito no círculo uninominal vão, pura e simplesmente, sentir-se, muitas vezes, sem representação política e não mais perto do Deputado.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Aqui, nesta proposta e nestas prioridades, não há posturas de Estado. Há mesquinhos cálculos partidários eleitoralistas, de quem aposta em perverter os comportamentos políticos e fabricar artificialmente outro sistema, um sistema de partido dominante, eventualmente alternando dois pólos, mas sem política alternativa verdadeira.
E o líder do PSD, que prioridade definiu nesta curiosa rentrée? Foi anunciar diplomas para executar os aspectos da revisão que possam reforçar a liberdade, a justiça ou a democracia directa?! Não! Preferiu declarar que se opunha à aplicação da Lei Fundamental em matéria de regionalização, mostrando que uma das suas prioridades nesta revisão é dificultar a regionalização. E, no entanto, a criação de regiões vai continuar a ser obrigatória após esta revisão, seja no modelo aprovado pela Comissão de Poder Local, na sequência da consulta aos municípios, ou noutro qualquer modelo. O PSD não propôs, aliás, qualquer modelo alternativo. Mostra que entende a Lei Fundamental do país como uma espécie de menu, no qual pode escolher o que gosta e afastar o que não gosta, e que vai continuar a combater sempre que não lhe convenha.
Esta revisão deixa a direita a transbordar de felicidade. Vimos o PSD exibi-la impudicamente, dentro e fora desta Assembleia. Estamos, hoje, a ver de novo, aqui, essa felicidade.
Vimos e vemos ao mesmo tempo a vergonha mal escondida de Deputados do PS. Com efeito, nesta revisão, o PSD conseguiu os objectivos fundamentais que tinha fixado. Entretanto, o PS multiplicou-se na adopção de posições e procedimentos que prometeu nunca adoptar ou que contrariam as posições que assumiu no passado histórico recente.
O PS, nesta matéria, trabalhou nitidamente, com raras excepções, com cada vez menos alma e menos convicção. O grande argumento foi, por vezes, defender algumas soluções, como a possibilidade de reduzir para 180 o número de Deputados, não para afirmar que seria bom consagrar esta solução, recorreu, antes, ao expediente de dizer que tal possibilidade nunca seria utilizada. Para quê, então, abrir esta e tantas outras portas que a direita vai empurrar constantemente para as tentar transpor?
Já conhecemos bem o que valem as garantias que a direcção do PS pretende dar. Pela nossa parte: declaramos: não confiamos nelas!
Mas, se há muitas portas abertas, que não vai ser constitucionalmente obrigatório transpor, tudo faremos para que não sejam transpostas. E estamos abertos a cooperar com todos os que queiram contribuir para o mesmo objectivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabem que entendemos que o procedimento adoptado nesta revisão foi errado e antidemocrático. Se aqui o refiro não é para lamentar o passado, é, antes, para apelar, em nome das mais elementares regras da democracia pluralista, que este tipo de «negociatas» - aqui, sim, negociatas - deixe de se verificar. O PS sabe também que este procedimento é errado, pois, antes de o adoptar, prometeu, ampla e enfaticamente, que nunca mais repetiria os anteriores tipos de entendimentos extraparlamentares, agora claramente agravados.
É fundamental, na instituição parlamentar, o debate franco, aberto, plural e a construção dos consensos com participação de todos os interessados. Foi o que ficou provado ser possível na primeira leitura na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Agora, é importante sublinhar o seguinte: o debate democrático não pode ser substituído pelo segredo, pela negociação secreta, ao que parece escondida à própria bancada do PS, pelo vergonhoso «noivado» que hoje aqui é consumado.

Aplausos do PCP.

Em vez do procedimento democrático, o PS e o PSD deram ao País, nesta revisão, o espantoso espectáculo de paralisar o funcionamento da CERC durante três meses, entre a primeira e a segunda leituras, para negociar, no exterior da Assembleia da República, pequenas e grandes questões. Se a CERC foi mais do que uma mera câmara de registo do acordo PS/PSD - e foi -,tal apenas ficou a dever-se à combatividade dos que, como nós, nunca desistiram de fazer ouvir a sua voz e de fazer valer os seus direitos.
É importante lembrar este facto, quando vamos ter, em muitas matérias, onde a Constituição remete para a lei ordinária, a necessidade de aprovar por maioria de dois terços ou por maioria absoluta.
Desde fogo, impõe-se lembrar que, em democracia, é importante que o conteúdo do que é aprovado seja democrático, mas também é importante a democraticidade do procedimento e a participação, para chegar à decisão política. Uma maioria não pode significar «quero, posso e mando», nem excluir do debate o princípio do contraditório.
No futuro, não se pode assistir mais ao espectáculo de negociatas no exterior da Assembleia da República, do tipo daquelas de que se gaba o líder do PSD, agora, em torno de leis ordinárias decorrentes da revisão.
Que também aí fique claro: o PCP está disponível para o diálogo e para o trabalho conjunto e construtivo, designadamente nas instituições parlamentares. Pauta-se pela preocupação de mais bem-estar e mais direitos para o nosso povo e mais democracia para Portugal. Mas o PCP previne: se o PS aprovou medidas como as que colocaram a regionalização nas mãos da direita, é natural que deva procurar os apoios para regular algumas questões, como o aberrante duplo referendo que aprovou, entre aqueles com quem as acordou. A responsabilidade do que eventualmente vier a falhar ou do possível inêxito do processo de instituição das regiões administrativas caberá exclusivamente a quem aprovou esta revisão.

Aplausos elo PCP.

Também é sabido que entendemos que a revisão é errada na diferenciação profunda que estabelece entre a Constituição em sentido formal, a lei constitucional, e as questões que são remetidas para a lei ordinária. E se refe-

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rimos este facto é para dizer que as batalhas que aí vêm são muito importantes, que as batalhas não acabaram, que, hoje, não acaba a luta e que, pelo contrário, se abre uma nova etapa de luta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há quem queira confundir a nossa posição com imobilismo. Entendemos que a revisão constitucional teria sentido para favorecer melhores soluções para os problemas fundamentais do País ou para referendar a moeda única. Mas não foi para isto que aqueles que vão aprovar a revisão a quiseram. A verdade é que os problemas fundamentais ficam sem solução.
Também nos parece evidente que se perdeu mais uma oportunidade de garantir efectivos direitos de intervenção da Assembleia da República no processo de decisão política em questões comunitárias.
A protecção de direitos dos trabalhadores e de direitos sociais poderia, e deveria, ser enriquecida e as responsabilidades públicas clarificadas.
Em muitas outras matérias os «noivos constitucionais» também impediram de adoptar as soluções convenientes, como é o caso do reconhecimento expresso à lei de finanças locais do estatuto ele lei de valor reforçado. O cavaquismo e o guterrismo convergem, porém, no projecto de não cumprir leis de finanças locais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O próprio facto de a lei de revisão constitucional ter remetido tantas matérias para regulamentação ulterior sublinha a grande importância das tarefas que aí vêm.
Não desprezaremos nenhuma oportunidade de combate político ou jurídico contra o enfraquecimento das liberdades, dos direitos fundamentais, da democracia política, do poder local e da unidade nacional através da invocação de pretextos decorrentes desta revisão.
No momento exacto em que o PS e o PSD consumam este «noivado», dizemos: é possível, tem de ser possível, uma solução de esquerda para Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Todos aqueles que lutaram contra o cavaquismo e o derrotaram em 1 de Outubro de 1995 não podem ver a política e procedimentos do cavaquismo voltarem de tantas e tantas maneiras e serem mesmo consagrados na lei fundamental, objectivos da direita que nunca esta, ao longo de duas décadas, tinha, até agora, conseguido alcançar.
Aqui prestamos a nossa homenagem a todos os que travaram e vão travar este combate e não desistiram dos seus direitos cívicos e da sua liberdade de opinião, mesmo quando parecia que os métodos adoptados pela maioria tinham tornado tudo inútil.
Lançamos hoje os olhos para o futuro e as reservas, as interrogações e a oposição que esta revisão constitucional levantou em tantos quadrantes são, para nós, motivos para confiar no êxito do combate pela liberdade, pela democracia, pelos direitos dos que trabalham e daqueles que menos têm.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em representação do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada um dos partidos representados neste Hemiciclo tem um passado em matéria constitucional. O Partido Popular tem, também nesta matéria, uma herança, de que se orgulha e que assume por inteiro.
Em 3 de Abril de 1976, o então CDS votou contra a Constituição. Votou contra sozinho, exercendo, na sua máxima plenitude, o maior valor que a recém democracia lhe conferia-a liberdade.
Votou contra demonstrando, através dos seus Deputados, uma coragem inexcedível. Coragem política e coragem intelectual que os fez, a esses Deputados, solitária e responsavelmente, afirmar o que era incómodo dizer, defender o que era difícil aceitar, votar de acordo com as suas consciências, resistindo a todas as pressões que sobre eles recaíram. Esse voto traduzia ideias que se mantêm firmes e em que o Partido Popular continua a acreditar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição é urna carta nacional, nunca poderá ser um documento partidário, nem um instrumento utilizado por forças temporariamente maioritárias.
A Constituição é uma ligação entre todos os portugueses, entre o seu passado e o seu futuro e nunca poderá representar o seu aprisionamento a qualquer realidade histórica circunstancial, logo, efémera, hipotecando a sua liberdade acerca da decisão do futuro comum.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição de 1976 criou um colete de forças constitucional imposto pelo MFA e pelo Partido Comunista e atava Portugal a um rol de dogmas políticos, económicos, culturais e sociais ultrapassados e anquilosados, antagónicos aos princípios de democracia e liberdade que nela se postulavam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Foram necessárias duas revisões constitucionais, foram precisos 13 anos, para que PSD e PS se aproximassem das nossas posições, possibilitando algumas das correcções e das alterações necessárias ao texto constitucional, por forma a que a Constituição Portuguesa se libertasse desses grilhões que, fruto das circunstâncias históricas, tinham sido impostos ao povo português, impedindo-o de, livremente, cursar o seu futuro na sua plenitude.

Aplausos do CDS-PP.

Na revisão de 1982 procedeu-se à libertação da democracia do jugo militar. Em 1989 procedeu-se à libertação da economia das correntes colectivistas.
Os custos e as consequências desse atraso, na percepção da razão que nos assistia em 1976, ainda hoje se fazem sentir na sociedade portuguesa e serão plenamente avaliados pela história.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se as revisões constitucionais de 1982 e 1989 tiveram os efeitos positivos que inúmeras vezes já foram recordados e que permitiram operar alterações sig-

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nificativas e notórias no texto constitucional, tendo contado com o nosso voto favorável, a breve revisão de 1992 foi de todo infeliz.
PS e PSD cortaram cerce toda e qualquer hipótese de os portugueses se pronunciarem em referendo acerca do Tratado de Maastricht e abriram caminhos perigosos para o federalismo europeu.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi o CDS-PP que, logo no início desta legislatura, desencadeou o presente processo de revisão constitucional. Fê-lo por ter considerado que este era imprescindível, por forma a preparar as reformas políticas, sociais e económicas indispensáveis ao Portugal do futuro e que tinha chegado o tempo de voltar a ter a coragem de 1976.
Mais de 20 anos depois, era necessário, mais do que alterações de circunstância, mais do que tímidos passos, propor e estabelecer reformas constitucionais que permitissem a Portugal singrar nesse ciclo que se avizinha e que apresenta novos e difíceis desafios.
O nosso projecto de revisão constitucional, em que conseguimos manter a coerência do nosso passado e introduzir as inovações que o futuro exige, assentava em oito objectivos fundamentais e que continuamos, hoje mais do
que nunca, a considerar essenciais e determinantes.
Em primeiro lugar, é tempo de fundar uma democracia de eleitores e não de clãs partidários. Para tal é necessário permitir candidaturas apresentadas por cidadãos independentes às assembleias e câmaras municipais e à Assembleia da República. Só assim se porá fim ao monopólio dos partidos na participação nas eleições, só assim se aproximarão os cidadãos, os eleitores, do exercício cívico da participação democrática, eliminando perigosas e crescentes desconfianças.
Hoje, terminada esta revisão constitucional, sabe-se que não será ainda nas próximas eleições autárquicas que cidadãos independentes poderão apresentar candidaturas às assembleias e câmaras municipais e perpetuou-se o monopólio dos partidos nas eleições para a Assembleia da República.
Uma democracia de eleitores atinge-se também com uma revisão do sistema eleitoral, por forma a aproximar os eleitos dos eleitores, responsabilizando os políticos perante quem os elege.
Só com a modificação do sistema eleitoral se consegue eliminar a distância dos portugueses em relação à Assembleia da República e dar maior credibilidade à instituição parlamentar.
Apresentámos um sistema misto, com um círculo nacional que assegurasse o pluralismo e a proporcionalidade ao lado de círculos uninominais que estabelecessem vínculos de efectiva ligação entre quem elege e quem é eleito. Era um sistema claro, democrático e justo.
No fim desta revisão constitucional, sabe-se que da reforma do sistema eleitoral pode sair tudo e pode não sair nada. Podem-se subverter as mais elementares regras da proporcionalidade, pode-se jogar com o número de Deputados de modo a atingir maiorias que não espelham o universo eleitoral. Fica-se, assim, numa matéria desta relevância, sujeito a ulteriores negociações de maiorias conjunturais e a indesejáveis tentações de ganhar na secretaria os Deputados que o povo não elegeu.

Aplausos do CDS-PP.

Por fim, uma democracia de eleitores é também uma democracia de cidadania plena. A cidadania plena implica que todos os emigrantes recenseados possam votar no Presidente da República. No fim desta revisão constitucional, sabe-se que passará a haver emigrantes de primeira e emigrantes de segunda.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O nosso segundo objectivo era dar mais estabilidade ao sistema de governo. Tal seria conseguido com uma definição precisa do poder de dissolução da Assembleia da República.
Entendemos que das eleições legislativas devem sair governos para quatro anos e que só excepcionalmente o Presidente da República possa dissolver o Parlamento.
Estamos convencidos que nesta revisão constitucional não se procedeu à definição precisa dessas condições excepcionais, por forma a retirar fontes de conflitos estéreis entre órgãos de soberania.
Em terceiro lugar, esta revisão constitucional deveria contar para afirmar a soberania de Portugal.
Numa altura em que assistimos a uma perca de poderes e competências de soberania a favor da burocracia europeia, em que a nossa vida é cada vez mais regulada por actos comunitários, que os órgãos de soberania não discutem e que os portugueses não conhecem, seria previdente atribuir à Assembleia da República a competência de apreciar a eventual aplicação em Portugal de futuros impostos comunitários e constitucionalizar o direito de pronúncia da Assembleia da República sobre actos comunitários que versam matéria da sua competência.
Em quarto lugar, era fundamental pôr o Estado a gastar menos.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - O Partido Popular propôs a imposição de um limite constitucional à despesa pública corrente em sede de Orçamento de Estado. Essa proposta não vingou e, portanto, continua a não haver limite para o Estado gastar.
Em quinto lugar era um objectivo recorrente que era retirar o socialismo da Constituição. A Constituição da República Portuguesa continuará a ter, no seu preâmbulo, em 1997, a afirmação clara visando «abrir caminho para uma sociedade socialista», a par de outras referências ideológicas ou de noções claramente desajustadas do sentir da maioria dos portugueses.
Em sexto lugar, pretendíamos simplificar a Constituição. Tem o Partido Popular o entendimento de que uma Constituição deve somente consagrar os valores fundamentais da sociedade e as regras essenciais do funcionamento do Estado.
Depois desta revisão constitucional, continuaremos a ter uma Constituição reguladora, longa, exaustiva, prolixa e frequentemente incumprível, que conterá muito que poderia e deveria ser objecto de legislação ordinária.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta simplificação da Constituição serviria também para atingir o nosso sétimo objectivo que é o de unir os portugueses. Contendo o essencial, aquilo em que se consubstancia a unidade nacional e que permite a construção de um destino comum, a Constituição

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nunca dividiria os portugueses, seria sempre um factor de união do País.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador:- E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, dessa união, dessa solidariedade, dependerá o percurso que efectuaremos, quer queiramos quer não, num futuro próximo, em relação às áreas sociais: à educação, à saúde e à segurança social.
Era este o nosso último objectivo nesta revisão constitucional: possibilitar que Portugal encetasse as reformas estruturais imprescindíveis das áreas sociais. Tal não foi conseguido. A igualdade, a gratuitidade e o Estado prestador continuarão a dominar a equidade, a selectividade e o Estado regulamentador.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta quarta revisão constitucional constitui uma oportunidade perdida; esta revisão constitucional é, de alguma forma, uma farsa política, um logro nacional e um novo perigo institucional; esta revisão constitucional é ineficaz, representa um retrocesso acentuado e conserva o que de pior resta da Constituição de 1976; esta revisão é uma oportunidade perdida, porque não cumpre as expectativas que nela foram depositadas.
Quando se esperava que fosse possível introduzir alterações que abrissem caminho às reformas da modernidade e que respondessem ao definhar do Estado-providência; quando se esperava uma reforma séria do sistema político; quando se esperava a afirmação de Portugal soberano, resultaram alterações cosméticas, pequenas modificações, receios injustificados.
Esta revisão é uma farsa política porque, verdadeiramente, começa só hoje. Terá início quando se discutir o sistema eleitoral, quando se tiver que saber quais são os emigrantes não recenseados até 1996 que votam nas eleições para o Presidente da República, quando se tiver que consolidar o sistema de eleições para as autarquias. É, pois, uma revisão a dois tempos, cujo desfecho se não conhece. Se não conhece e se teme.
O acordo político do bloco central, que paralisou a revisão constitucional ao longo de meses, é daltónico: onde uns vêem branco, outros proclamam ver preto.

Aplausos do CDS-PP.

Ouviremos hoje, certamente, o PS e o PSD defenderem este texto, o mesmo texto, com as palavras contrárias. E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só pode significar um retrocesso core a recuperação da querela constitucional e com a banalização da discussão da matriz constitucional.
Esta revisão é ainda um logro e um novo perigo. Um logro para o PS, que fica impedido de proceder às reformas que anunciou; um logro para o PSD, que, na ânsia de celebrar um acordo com o seu aliado preferencial, hipotecou a possibilidade de vir reclamar a execução dessas reformas. Um logro, fundamentalmente, para os portugueses, a quem continua a ser dito que se mudou o que fica na mesma.

Aplausos do PSD.

E é, enfim, um novo perigo. Ao consagrarem o separatismo legal no texto constitucional, o PS e o PSD institucionalizara a instabilidade, a incerteza e a dúvida sobre as relações entre a República e as regiões autónomas. Uma Constituição deve ser clara, rigorosa e preventiva de conflitualidade. Fizeram ao contrário, fizeram real!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a avaliação serena e responsável de tudo o que ficou dito que sustenta o voto do Partido Popular. Votaremos contra a quarta revisão constitucional. Alguns votarão contra em nome do 11 de Março e do passado, nós fazêmo-lo no espírito do 25 de Novembro e em nome do futuro.

Aplausos do CDS-PP.

Estranharão alguns o nosso empenho, determinante por vezes, ao longo de todo este processo, que teve os episódios e os folhetins que se conhecem, fizemo-lo em nome da dignidade do mandato que exercemos e fizemo-lo também para não dar qualquer alibi à não consagração de uma das exigências do Partido Popular - a realização de referendos.
O País vai ter, finalmente, um referendo sobre a regionalização e sobre o Tratado de Amsterdão, que ontem PS e PSD proibiram. E uma vitória dos portugueses, para a qual o Partido Popular, lutando por vezes contra tudo e contra todos, se orgulha de ter contribuído decisivamente.

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para urna intervenção, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um momento histórico. Daqui a instantes será aprovada a IV Revisão da Constituição da República.
Termina, assim, um processo longo e trabalhoso, em que o Parlamento assumiu em plenitude os poderes constituintes que lhe cabem. Deste modo, abrindo e concluindo com sucesso um processo de revisão constitucional, o Parlamento prestigiou-se perante si próprio e perante o País e os Deputados honraram as responsabilidades que contraíram perante os portugueses.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portugal passará a dispor, a partir de agora, de uma Constituição mais moderna e menos dogmática, que reforça os direitos dos cidadãos e promove a afirmação das comunidades portuguesas, que termina com o que restava da estatização económica e abre as portas à modernização do sistema político, que aprofunda as autonomias regionais e acentua o papel da sociedade civil.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E uma revisão profunda. Termina, seguramente, aqui o ciclo das grandes revisões. A primeira, em 1982, marcou o carácter civilista e plenamente democrático do nosso regime: a segunda, em 1989, consagrou a descolectivização da economia; em 1997, a terceira grande revisão, abre as portas à reforma do sistema político, ao aprofundamento da democracia representati-

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va e à afirmação de Portugal como Estado-nação repartido pelo mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É também uma revisão com sentido estratégico. A natureza estruturante da Lei Fundamental não pode deixar de dar sinais claros em resposta estratégica a questões tão simples mas tão importantes como estas: o que queremos, por onde vamos, que sociedade e que futuro ambicionamos para Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí a consagração, pela primeira vez, do voto presidencial dos portugueses que residem no estrangeiro.

Aplausos do PSD.

Porque Portugal, mais do que um mero território, é sobretudo unia Nação; porque a História de Portugal se funda numa cultura universalista e de abertura ao mundo; porque as comunidades portuguesas representam uma inquestionável força estratégica que queremos valorizar e desenvolver; porque o reconhecimento da cidadania plena aos portugueses residentes no estrangeiro, assumido sem complexos e com orgulho nacional, há-de constituir o primeiro passo para uma nova forma de afirmar Portugal perante si próprio e perante o mundo, com a convicção de uma identidade nacional, que, assim, sai reforçada, e com a certeza de que as comunidades portuguesas deverão representar, hoje e cada vez mais no futuro, uma vantagem comparativa que nos diferencie como País e nos valorize como Nação a caminho de nove séculos de História.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O carácter estratégico desta revisão está também patente nas alterações feitas na parte económica e social da Constituição. Embora aquelas tenham sido bem mais ousadas do que estas, um objectivo essencial lhes subjaz: queremos um País com mais sociedade e menos Estado, com menos dogmas e mais modernidade.
Uma plena economia de mercado e a indispensável reforma do Estado-providência - embora sem abdicar do Estado-social ou de o querer substituir por um Estado neoliberal - reclamam, assim, mais liberdade e menos espartilhos, menos socialismo constitucional e mais coragem para reformar aquilo que o tempo, a realidade e a vida tornaram absolutamente inevitável.
O sentido estratégico desta revisão coloca-se, de forma particular, ao nível do sistema político. Era necessário abrir caminho para um sistema eleitoral que realmente responsabilize os eleitos, que personalize o voto cios eleitores, que reduza o número de Deputados e torne o Parlamento mais eficaz e que, sem colocar em causa a diversidade de opções na sociedade, assegure condições de estabilidade e governabilidade.

Aplausos do PSD.

Era necessário ir mais longe no referendo, quer para sufragar a opção europeia de Portugal, quer ainda para superar a clivagem nacional sobre a regionalização, permitindo que os portugueses, hoje porventura ainda com mais razão e pertinência do que há um ano atrás, digam, de forma soberana e definitiva, se concordam ou não com o caminho que alguns querem impor-lhe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Era necessário ainda aprofundar as autonomias regionais dos Açores e da Madeira, e neste particular saúdo a presença nesta sessão do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

Aplausos do PSD.

O processo autonômico é um processo dinâmico e não estático. É uma realidade democrática que já provou, de forma inequívoca. Mais do que consolidá-lo, importava aprofundá-la, sem complexos que não fazem sentido, sem medos que não têm razão de ser. Os espíritos temerosos de alguns e as visões majestáticas e tutelares de outros insinuam, através das alterações feitas, o receio de uma querela sobre a unidade nacional: Por nós, discordando totalmente, vemos aqui, apenas e só, mais um passo decisivo para a única querela que ainda subsiste, a única que é verdadeira - a querela do desenvolvimento das regiões autónomas. Este é o único défice que há ainda a superar e para o vencer são precisos mais instrumentos e uma permanente solidariedade nacional.

Aplausos do PSD.

Em todas estas mudanças, incluindo a defesa, a justiça ou o poder local, houve visão estratégica e sentido de Estado. A mesma visão estratégica e sentido de Estado que, infelizmente, faltaram quando, já na parte final dos trabalhos em Plenário, o partido maioritário não acolheu uma proposta que provinha de todas as bancadas e que visava garantir a igualdade de direitos políticos entre os nacionais de países lusófonos e os cidadãos portugueses.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A rejeição dessa proposta foi, a nosso ver, uma opção errada e uma atitude incoerente. Uma opção errada porque representou bina oportunidade perdida na afirmação do nosso ideal lusófono e na implementação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; uma atitude incoerente porque, ao agir como agiu, o PS apenas veio demonstrar que, enaltecendo a lusofonia no discurso, faz pouco, muito pouco, para a materializar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto é tanto mais incompreensível quanto foi o próprio Primeiro-Ministro que, ainda em Julho passado, no Brasil, criou a expectativa pública quanto à consagração deste princípio. E mais grave ainda: tudo isto sucede em vésperas da partida do Presidente da República justamente para uma viagem de Estado ao Brasil, exactamente ao único país lusófono que, na sua Constituição, tem já consagrada, para os portugueses aí residentes, solução idêntica àquela que em Portugal todos, com excepção do PS, quiseram, mas não puderam, consagrar.

Aplausos do PSD.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova Constituição abre portas importantes. Importa, por isso mesmo, concretizá-las. Esta revisão vale por si mesma, porque é séria, profunda e estratégica, e, nesse plano, tem o nosso voto e merece o nosso total aplauso.
Só é de pasmar a este respeito o voto daqueles que, com o grande pretexto da manutenção do preâmbulo, decidem votar contra.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É de pasmar, porque, em 1982 e em 1989, votaram a favor de revisões que também mantiveram o mesmo preâmbulo. Mas é de pasmar sobretudo que votem contra por esta grande razão, que significa apenas uma mera alusão histórica sem conteúdo normativo, e não tenham votado a favor na especialidade da grande alteração, essa sim, com conteúdo jurídico, normativo e vinculativo, que acabou com o último resquício do sistema socialista constitucional - a obrigatoriedade constitucional da existência de um sector público na economia. A coerência e a incoerência Ficam com quem as pratica!

Aplausos do PSD.

A nova Constituição abre também importantes oportunidades que importa ter a coragem política de aproveitar. É o futuro, por isso mesmo, que agora nos motiva.
Termina aqui o ciclo constituinte. Abre-se já e de imediato o ciclo das reformas que a nova Constituição veio permitir ou vem estimular.
Há, neste quadro, quatro prioridades políticas que quero, em nome do meu partido, deixar claras e bem definidas, para o futuro.
A primeira tem a ver com as reformas indispensáveis na saúde, na segurança social e na educação. De facto, a reforma do Estado-providência é de todas a mais inadiável e aquela a que este Governo mais tem fugido. Ora, um Governo que já está a meio do seu mandato e prestes a apresentar o penúltimo Orçamento do Estado da legislatura não pode continuar a desculpar-se mais, nem a desculpar-se com os estudos que nunca mais têm fim e muito menos a desculpar-se com quaisquer alibis constitucionais, que, a nosso ver, nunca existiram, mas, se para alguns existiam, acabaram agora de uma vez por todas.
É tempo de decidir. Não chega falar em decidir, é preciso decidir mesmo. O País precisa de ter um sistema de saúde, de educação e de segurança social melhor e mais justo. É uma reforma necessária e indispensável para um país que vai entrar na moeda única.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desafiamos, por isso mesmo, o Governo a apresentar as bases gerais dessas reformas já com o próximo Orçamento de Estado. Todas as razões nacionais o exigem. Acompanha-nos, de resto, neste desafio - importa recordá-lo - uma decisão recente do ECOFIN, ao convidar o Governo português a dar, no próximo Orçamento de Estado, o primeiro sinal da sua vontade de reformar. Veremos, agora em definitivo, se Portugal ainda pode contar com um Governo que, governa ou se ele se mantém, apenas e só, como uma mera máquina de utilização do poder.

Aplausos do PSD.

A segunda prioridade tem a ver com os referendos, o europeu e o da regionalização. Ambos os referendos são para realizar, não podem ser adiados. Mas também são para serem feitos em separado e não em simultâneo, como é obrigação jurídica e imperativo de clareza política. Queremos clareza e não confusão. E tendo já sido aprovado o novo Tratado da União Europeia, a assinar dentro de dias, e que a prazo curto tem de ser ratificado, é evidente que tem de ser dada prioridade ao referendo europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o PSD já avançou com as questões a submeter a sufrágio dos portugueses. Por isso, também convidamos hoje o Governo a apresentar a sua própria proposta. É tempo, também aqui, de decidir. Em qualquer caso, uma vez em vigor a nova Constituição, o PSD formalizará a sua proposta já anunciada para as questões a submeter no referendo europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A terceira prioridade tem a ver com a reforma do sistema político, incluindo a do sistema eleitoral. É uma reforma necessária. Exige vontade, seriedade e ponderação, mas exige, sobretudo, coragem para ir além de uma mera evolução na continuidade. O País não toleraria que se alterasse alguma coisa na forma para que tudo de essencial, na substância, ficasse na mesma.
O Primeiro-Ministro anunciou a intenção de apresentar uma iniciativa legislativa quanto ao sistema eleitoral. Parece-nos vaga, tímida e requentada, mais orientada pela preocupação de sossegar o seu próprio partido do que em falar para o País e para os eleitores.

Vozes do PSD: - Muito bem.

O Orador: - Ora, o País carece de um sistema eleitoral que realmente aproxime eleitos e eleitores, que seja claro e responsabilizante, que garanta condições de estabilidade governativa e que promova, como sempre sustentámos, e disso não abdicaremos, uma indispensável redução do número de Deputados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sejamos claros: esta é verdadeiramente uma expectativa que vincula e responsabiliza os partidos que viabilizaram esta revisão constitucional. O PSD assume essa responsabilidade. Uma vez concluído o processo eleitoral autárquico que se avizinha, e, por isso, num clima de serenidade pós-eleitoral, empenhar-nos-emos, através das nossas próprias iniciativas legislativas, mas abertos, naturalmente, à ponderação de todas as outras, na aprovação do novo sistema eleitoral, tendo em vista dois objectivos nucleares: a definição dos novos círculos eleitorais e a redução do número de Deputados.
No entretanto, e sem mais delongas, torna-se urgente uma nova lei de financiamento partidário. É uma exigência óbvia de mais, ainda por cima agora estimulada por uma disposição do novo texto constitucional.
Já no próximo mês de Outubro, promoveremos o agendamento e a discussão desta matéria. É necessária verda-

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de nas contas, transparência nos financiamentos, contenção e equilíbrio nos gastos partidários e eleitorais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A quarta e última prioridade é a autonomia das regiões autónomas. A nova Constituição teve aqui avanços importantes. Importa concretizá-los. O espírito de ambição que o novo texto constitucional evidencia tem de ter sequência e coerência. A lei de finanças regionais tem de ser rapidamente apresentada pelo Governo.
Há meses que o Governo tem completamente pronto o anteprojecto que mandou elaborar. A proposta de Orçamento do Estado deve traduzir, já, esta nova realidade. Se o Governo o não fizer, por fraqueza ou tradicional hesitação, o PSD não deixará - desde já aqui o afirmo - de, em sede orçamental, tomar as iniciativas necessárias que supram a injustificada ausência de decisão do Governo da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma palavra final.
Quisemos falar do futuro e falar com clareza. A vida política portuguesa ganha com a clareza do discurso e com a frontalidade das opções. Os desafios do futuro vencem-se agindo, mudando e reformando. Foi assim a nossa postura ao longo de todo o processo de revisão constitucional: uma postura clara, de mudança, determinada e a pensar no futuro.
O PSD orgulha-se do novo texto constitucional. O PSD orgulha-se do trabalho desenvolvido por todos os seus Deputados e que em muito concorreu para o resultado final que foi alcançado. Permita-se-me que, ao cumprimentar e saudar todos os meus colegas, o faça de forma particular relativamente aos que integraram a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que, sobretudo, por um imperativo da mais elementar justiça, cumprimente aquele que fez um trabalho notável, o Deputado Luís Marques Guedes.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Esta é uma boa revisão constitucional para Portugal, teve o nosso contributo e disso nos orgulhamos, teve também - já o disse e aqui o reafirmo - o contributo e o sentido de responsabilidade do Partido Socialista, sem o qual esta revisão não teria sido possível. Por isso, faço-lhe aqui também um cumprimento e permitam-me que, com muita sinceridade, refira de forma particular o trabalho notável desempenhado pelo Deputado Jorge Lacão.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Finalmente, o PSD orgulha-se de, uma vez mais, tal como em 1982, com Francisco Pinto Balsemão, tal como em 1989, core Aníbal Cavaco Silva, também agora, com o forte protagonismo e empenho de Marcelo Rebelo de Sousa, ter tido um contributo importante e decisivo para tornar possível o que à partida parecia impossível e influenciar a aprovação de uma boa revisão constitucional para Portugal. Sempre na linha do pensamento moderno, reformista e europeu de Francisco Sá Carneiro. Por isso, agora como no passado, um mesmo traço existe em comum - a vitória é de Portugal, a aposta é no futuro e é nos portugueses.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, para fazer a declaração final, em nome do Partido Socialista.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um acto de revisão constitucional, nos termos da Constituição, evidencia em si a estabilidade da ordem democrática; a possibilidade de evolução constitucional num contexto de tranquilidade das instituições e de escrupuloso respeito pela separação de poderes exprime a maturidade do regime democrático, factos que por todos nós devem ser postos em relevo.
E é certamente este um momento adequado para igualmente relevar o legado de todos aqueles - com destaque para os Capitães de Abril e os Constituintes de 1976 que, pela afirmação da liberdade e pelo primado da justiça e do direito, nos outorgaram o bem mais precioso tornado património comum da nossa geração: o bem da democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não o esqueçamos: Portugal é uma velha nação de oito séculos, mas é uma jovem democracia de há apenas duas décadas, baseada na soberania popular e no voto universal dos cidadãos.
Invoco recentes palavras do Sr. Presidente da República, aqui proferidas em 2 de Abril, precisamente em acto solene comemorativo da Constituição: «vale a pena chamar a atenção para a necessidade de uma pedagogia democrática (em torno das instituições) que está por fazer e é obrigação de todos nós». Pedagogia, digo, que deverá impor-se ainda com mais oportunidade em vista da importância de generalizar o conhecimento e a compreensão das novas possibilidades abertas com a Constituição revista. Creio, no entanto, não haver melhor pedagogia do que o testemunho da coerência e do rigor.
Cabe, pois, perguntar: teremos sido suficientemente coerentes e rigorosos na justificação, no procedimento e na explicitação dos resultados da presente revisão constitucional?
Quanto à justificação, todos sabemos que a revisão não era inevitável e que do seu desfecho não dependia a normalidade da vida democrática.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como, pertinentemente, na ocasião já referida, lembrava o Sr. Presidente da Assembleia, não tínhamos sido chamados a enfrentar ameaças de «bloqueios constitucionais». Deverá daí concluir-se, como alguns pretendem, ter sido esta revisão desnecessária ou supérflua?
Recorde-se: a actualização do texto constitucional fora já inviabilizada na legislatura passada, implicando o arrastamento de certos factores de imobilismo que condicionaram, até hoje, reformas relevantes, particularmente para a modernização do sistema político:
Visando contrariar inércias e resistências, o PS assumiu, em devido tempo, compromissos inequívocos: no «Contrato de Legislatura para uma Nova Maioria» e no Programa Eleitoral de Governo, a revisão constitucional foi encarada como a reforma das reformas necessárias à recuperação da confiança e ao alargamento da participação

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dos cidadãos nas instituições, na vida política e na actividade cívica em geral.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há-de mesmo reconhecer-se que, na presente legislatura, todos os partidos parlamentares e, individualmente, vários Deputados encararam a revisão como significativa oportunidade para introduzir - num conjunto de 11 projectos - múltiplas alterações à Lei Fundamental. Idêntico sinal de interesse foi manifestado por parte de entidades independentes e cidadãos especialmente qualificados no campo constitucional, que muito contribuíram para o resultado alcançado.
O significado de todo este procedimento não pode ser escamoteado.
A justificação da revisão de 1997 reside, precisamente, no empenhamento de muitos, ainda que por formas diversas, em encontrar respostas adequadas para um feixe de problemas suficientemente identificados na sociedade portuguesa: latente crise de confiança no funcionamento do sistema representativo em aparente e mal resolvida competição com a chamada «democracia de opinião»; défice de empenhamento de participação política dos cidadãos, especialmente dos jovens; em contrapartida, excessos de partidarização da vida pública; carência de respostas ou de tutela efectiva dos sistemas institucionais na realização ou protecção dos direitos fundamentais; excessivo peso do centralismo e evidentes desequilíbrios territoriais no desenvolvimento; carências de eficiência, de qualidade e de qualificação a tantos níveis, institucionais e sociais; necessidades de modernização geral com envolvimento mais empenhado dos agentes sociais e maior responsabilização dos decisores.
Em face de tais desafios, a razão de ser desta revisão foi, a um tempo, justificada pelo PS com a plena consciência da importância política de os superar e com aviso do significado autêntico da revisão no contexto do regime.
Como desta tribuna, oportunamente, lembrou o Deputado António Reis, a revisão constitucional deveria sempre preservar - como preservou - o valor democrático da estabilidade constitucional, «inequívoco sinal de maturidade e normalidade na vida política de um país e mesmo de respeito e admiração pelo seu património histórico de valores e princípios».
Com efeito, esta revisão também se justifica pelos aspectos que liminarmente rejeitou:...

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - ... presunções de reconfiguração da natureza e equilíbrio do sistema político; modificações da matriz do Estado social empenhado na promoção da igualdade entre todos os portugueses; comprometimento da vocação europeísta de Portugal.
A revisão de 1997, sem quaisquer constrangimentos externos, apresenta-se, pois, como um acto voluntário, consequência positiva da vontade política dos seus promotores, em particular da maioria que logrou encontrar os consensos operativos que a tornaram viável.
Essa vontade pode assumir-se hoje, de forma realista, como o triunfo do inconformismo sobre as tendências, ou mais radicais e, por isso, incapazes de gerar consensos, ou mais imobilistas e, por isso, desinteressadas de quaisquer efeitos dinamizadores, umas e outras presentes no quotidiano político mas, felizmente, não suficientemente capazes de inviabilizar as apostas gradualistas e temperadas de mudança que vão ter lugar.
E o que dizer, também, Srs. Deputados, dos procedimentos adoptados no decurso da revisão?
Entre Maio e Novembro de 1996, a Assembleia apreciou, sem discriminações, todas as iniciativas apresentadas. Em Março de 1997, os dois partidos indispensáveis à maioria de revisão lograram estabelecer um acordo entre si, marcando o destino positivo da revisão. Posteriormente, em sede de comissão competente e no Plenário, todas as propostas foram adequadamente reavaliadas e votadas, permitindo alargar os consensos intercalarmente obtidos, numa extensão global que, porventura, ultrapassou as melhores expectativas de partida.
Que o processo conheceu vicissitudes várias é urna evidência. Mas seria distorcer demasiado os acontecimentos pretender que esta revisão possa ter padecido, nalgum aspecto, de menos possibilidades de debate e participação do que quaisquer das anteriores. A legitimidade de todas elas, incluindo a actual, encontra-se plenamente assegurada.
Justificada, pois, a legitimidade da revisão, importa que, reflictamos sobre as suas virtualidades.
Com boa dose de prudência, convém encarar o resultado da revisão não apenas como um ponto de chegada mas, em domínios relevantes, igualmente como um contributo de partida.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A conformação futura da ordem jurídica às novas possibilidades constitucionais será mais dinâmica ou mais demorada consoante a intensidade do empenhamento político e o aprofundamento das oportunidades de consenso.
Aí está, para breve, já a justificar a dinâmica da revisão, o primeiro teste em torno da apreciação do projecto de reforma da lei eleitoral para a Assembleia da República, recentemente anunciado pelo Secretário-Geral do PS.
Sabemos, no entanto, todos, de experiência feita e erros partilhados, como os actos de entendimento entre formações políticas costumam ser, por quantos deles não participam, tão anatemizados quanto a relação entre o diabo e a cruz.
É este, provavelmente, um dos problemas mais sérios da nossa vida política: o uso e o abuso da criação de factos políticos artificiais e da proliferação de «bodes expiatórios» para colmatar insuficiências próprias,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... tudo numa submissão lamentável aos ditames do «Estado-espectáculo», que tende frequentemente a comprometer, de forma dificilmente reversível, as condições do confronto genuíno das ideias e a possibilidade dos compromissos políticos fecundos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Preparemo-nos, pois, para a eventualidade de o futuro reservar recorrentes dificuldades e resistências às melhores intenções reformadoras.
Não há, em face dos «sobressaltos da descrença», como lhe chamou Ortega y Gasset, outra solução que não seja retemperar a confiança, praticar de forma activa a peda-

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gogia de que falou o Sr. Presidente da República, exercer, com legitimidade e coerência, a autoridade democrática e fazer opções.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Em face das opções tomadas na revisão e quanto ao seu mérito, são legítimas todas as discordâncias. Mas o respeito por opiniões divergentes não deve diminuir o sinal de convicção de quem está ciente dos resultados obtidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Algumas atitudes de cepticismo - já, agora, aqui ouvidas - são, aliás, singulares e merecem reflexão.
Ao contrário de S. Tomé, que precisou de ver para acreditar, é manifesto - e basta atentar nos extremos desta Câmara - que há quem veja e compreenda mas prefira persistir, contra toda a evidência, na recusa do entendimento.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Já em 1976 dizia o mesmo!

O Orador: - Exprimem, neste tempo, os sinais da pouca fé política, uns, por excesso de apego ao passado, outros, por excesso de desadaptação ao presente.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Face ao primeiro caso, bastará lembrar os fracassos ainda tão próximos e a necessidade de superação histórica da lógica das «Constituições-balanço», prisioneiras que foram do dogma da irreversibilidade dos seus modelos-padrão de harmonia e de felicidade.
Face ao segundo caso, importará que se reitere, com satisfação, que a Constituição da República Portuguesa, de novo revista e actualizada, como pacto constitutivo de uma comunidade soberana e democrática, vai permanecer idêntica e reforçada na sua natureza essencial: lei fundamental baseada no reconhecimento do supremo valor da dignidade da pessoa humana, garante dos princípios da liberdade, do pluralismo, da igualdade e da solidariedade, comprometida na realização da qualidade de vida e do bem-estar do povo português, com incorporação dos padrões de civilização e de cultura próprios das sociedades mais abertas e mais conscientes dos seus direitos e deveres fundamentais.
A Constituição revista será, certamente, menos apta a deixar-se utilizar como bandeira tribunícia, mas creio que se revelará mais eficaz em virtualidades reguladoras a benefício da ordem jurídica, do melhor aperfeiçoamento do Estado de direito e de uma mais exigente expressão da coesão nacional.

Vozes do PS e do Deputado do PSD Guilherme Silva: - Muito bem!

O Orador: - A esta luz, sempre recusei, sem temer comparações, partilhar a tentação de avaliar a revisão segundo a lógica redutora dos ganhos e perdas partidários. Os que em contrário procedem não prestam certamente grande tributo ao sentido da responsabilidade de Estado nem, provavelmente, ao dever intelectual da objectividade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não favorecem, em suma, o esforço pedagógico de promover a Constituição da República - aí onde ela acima de tudo deve ser colocada - na razão e no coração de todos os portugueses, sejam quais forem os seus credos políticos.
No entanto, como diria La Palisse, as coisas são como são. E, em política, são até, vezes demais, tributárias daquela ideia do Bispo de Berkeley, para quem a realidade não existe, se não a opinião que cada qual dela formula.
Na tentativa de contrariar a prevalência dos impressionismos sobre a objectividade, num domínio em que sobremaneira tal se justifica, julgo adequado registar, em breve e imperfeita síntese, o programa normativo da revisão constitucional. E esse será, talvez, o melhor testemunho da seriedade do trabalho realizado:
Aperfeiçoamento do regime de direitos, liberdades e garantias, visando a sua melhor efectividade e harmonização, designadamente com bens jurídicos tão relevantes como os da dignidade da pessoa, do combate ao crime, da justiça em tempo útil, da protecção legal contra todas as formas de discriminação;
Valorização do estatuto constitucional de igualdade entre homens e mulheres;
Repúdio, em sede constitucional, do racismo;
Ampliação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, em face das prementes exigências de modernização empresarial, qualificação profissional e dignificação das condições de trabalho;
Aprofundamento do alcance de alguns direitos de natureza económica, social e cultural, a benefício do Estado-social, da solidariedade, do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas;
Actualização dos princípios orientadores da organização económica e social, na mesma base de subordinação do poder económico ao poder político e numa melhor compreensão do papel da iniciativa, da contratualização social, da função do Estado empenhado em combater todos os abusos de posição dominante e em promover o desenvolvimento sustentável e equilibrado do País, sem excesso de burocratismo nem carência de instrumentos de intervenção;
Aposta decidida na modernização do sistema político, num propósito claro de devolução de poder e iniciativa aos cidadãos, no quadro de um equilíbrio garantido entre o primado da democracia representativa e o aprofundamento da democracia participativa, de que importa destacar:
Abertura à reforma das leis eleitorais, nelas se incluindo o alargamento, ponderado em critério de ligação efectiva à comunidade nacional, a regular por maioria especialmente qualificada, do direito de voto a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro para a eleição do Presidente da República;...

Aplausos de alguns Deputados do PSD,

...A possibilidade do criação de círculos uninominais nas eleições legislativas como forma de alcançar uma maior personalização e responsabilização políticas dos eleitos em face dos eleitores, sempre no quadro necessário do sistema de representação proporcional; a modificabilidade do sistema de governo das autarquias locais em vista de uma maior democraticidade e eficiência do poder local;...

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Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... O alargamento do âmbito material do referendo nacional e a consagração da figura dos referendos regionais e locais;
Correcta inserção de um regime de consulta popular na fase da instituição em concreto da regionalização;
Consagração dos direitos de iniciativa popular legislativa e do referendo, de passo com o aprofundamento do conteúdo do direito de acção popular e a consagração constitucional da possibilidade de candidaturas independentes aos órgãos das autarquias locais;...

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - ... No respeito pela unidade do Estado, adopção do princípio da subsidiariedade e aprofundamento do princípio da descentralização, com benefício particular para as autonomias regionais,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... no reconhecimento da sua específica situação ultraperiférica, também para o poder local mas, essencialmente, promovendo, contra as velhas concepções de império, uma nova ideia de Estado ao serviço das pessoas;...

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador:- ... Reforço significativo dos poderes legislativos e de fiscalização da Assembleia da República, com reforço do seu papel face à participação nacional nos processos de decisão da União Europeia;
Adopção de regras de responsabilização, democraticidade e publicidade na vida dos partidos;
Inovações relevantes nas áreas da justiça, da defesa nacional, das polícias e da Administração, assegurando-se, sempre, um adequado equilíbrio entre realização das necessidades públicas e a valorização da cidadania.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Enfim, Sr. Presidente e Srs. Deputados: Sem a pretensão de fazer caber a trama complexa das alterações constitucionais nos limites de uma intervenção parlamentar, confessei o propósito relevante do enunciado: poder, através dele, testemunhar o valor e a utilidade da revisão constitucional de 1997, poder exprimir, em torno dela, o melhor empenhamento do Grupo Parlamentar do PS, certamente de todos os Deputados que vão aprovar a lei de revisão, porventura mesmo de outros que o não façam, mas todos identificados na razão mais nobre do mandato popular: contribuir para a perenidade do regime democrático, da ordem constitucional, do desenvolvimento solidário, em liberdade e em paz, do povo português.
Viva a Constituição da República.

Aplausos do PS, de pé, e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do Decreto de Revisão Constitucional.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD, votos contra do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PS Manuel Alegre e abstenções dos Deputados do PS Alberto Martins, Arnaldo Homem Rebelo, Eduardo Pereira, Elisa Damião, Fernando Pereira Marques, Helena Roseta, Luís Filipe Madeira e Marques Júnior.

Aplausos do PS e do PSD, de pé.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é para informar V. Ex.ª e a Câmara que os Deputados do Partido Socialista que se abstiveram farão entrega de uma declaração de voto na Mesa.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, eis a Constituição revista.
Termina hoje o trabalho da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e quero agradecer a todos os membros que a integraram o esforço e o empenhamento que puseram no trabalho a que se dedicaram ao longo de vários meses. Permitam-me que os felicite sem distinções entre «heróis» e «bodes expiatórios»
Como sempre, é um trabalho de algum modo frustrante, na medida em que não é possível agradar a todos. Sempre as revisões constitucionais provocaram agrados e desagrados; só espero que todos aqueles que, neste momento, estão descontentes com as alterações introduzidas na Constituição dêem um crédito ao tempo futuro, na medida em que também no passado houve discordâncias que o tempo acabou por apagar.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Esperemos que, de algum modo, isso também possa acontecer desta vez. Mas também vos digo que a utopia da concordância universal é cada vez mais inatingível e, se calhar, cada vez mais indesejável. As discordâncias são salutares, sobretudo em matéria de assuntos fundamentais como são os assuntos constitucionais.
Esta revisão foi muitíssimo participada pela sociedade civil e creio mesmo que nenhuma outra terá sido tão participada, de forma espontânea, por cidadãos - em regra para protestarem, é verdade, mas não só para esse efeito. Ela é, simultaneamente, a mais definitiva e a menos definitiva das três grandes revisões constitucionais. A mais definitiva na medida em que os grandes temas começam a estar esgotados e já não há grandes perplexidades no horizonte constitucional, no futuro, e a menos definitiva na medida em que ela delega na lei ordinária o prolongamento de algumas definições que ficaram adiadas e, portanto, vamos ter de continuar, de algum modo, ao nível cia lei ordinária, a revisão que agora parece ter terminado mas que, de certa forma, se continua.
Srs. Deputados, quero transmitir uma palavra especialíssima de apreço aos funcionários que deram apoio à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e à

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Mesa do Plenário, tornando possível, por vezes em tempo record e por vezes sem dormir, o resultado atingido.
Penso que todos devemos saudá-los com uma salva de palmas.

Aplausos gerais.

Dito isto, está dito o essencial.
Srs. Deputados, a continuação de umas boas e merecidas férias, venham tonificados para as batalhas do próximo futuro. Foi um prazer voltar a estar convosco.
Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 50 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação final global do decreto de revisão constitucional.

A Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976 e revista em 1982, 1989, 1992 e 1997, é a magna carta de identidade do regime democrático português.
A revisão constitucional que agora se ultima confirma e aprofunda a essencial referência constitucional de um Estado de direito democrático «baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito è na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».
A Lei da Revisão Constitucional que acabamos de votar merece-nos, na generalidade, reservas significativas, daí o nosso voto de abstenção.
O voto de abstenção corresponde, por um lado, a um reiterado propósito de honrar o compromisso assumido pelos órgãos representativos competentes do Grupo Parlamentar e do Partido Socialista e, por outro, a um juízo negativo sobre os procedimentos que conduziram à presente solução constitucional e ao seu resultado final.
Assim, consideramos que a presente revisão constitucional fica marcada por ter promovido a desconstitucionalização de matérias estruturais do sistema político, designadamente em matérias respeitantes ao universo eleitoral para o Presidente da República, composição da Assembleia da República e sistema eleitoral. E isto sem prejuízo de aperfeiçoamentos e extensões em matérias de direitos fundamentais, na simplificação da organização económica e de ajustamentos na organização do poder político, designadamente no respeitante à participação dos cidadãos, a uma melhor adequação do mecanismo do referendo e de alguns aspectos de aprofundamento das autonomias regionais e do poder local.
Pela nossa parte, em oposição às soluções encontradas, propusemos que a eleição do Presidente da República por todos os cidadãos portugueses, incluído os residentes no estrangeiro, se realizasse em condições de garantia constitucional expressa da fiabilidade democrática do exercício do voto. Para tanto, o direito de voto admitir-se-ia «em função da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional» e desde que «exercido presencialmente», dentro e fora do território nacional.
Esta solução veio a obter a adesão da esmagadora maioria do Grupo Parlamentar Socialista, cerca de uma centena de votos, o que, não logrando os 2/3 da solução constituinte, só por si constitui um compromisso político essencial e incontornável do Grupo Parlamentar para o trabalho legislativo futuro da Assembleia da República.
Só o voto presencia, dentro e fora do território nacional, garante a exigência constitucional da pessoalidade do voto, o seu carácter secreto, e evita a possibilidade acrescida de manipulação e fraude.
Além de mais, a exigência expressa do voto presencial para os cidadãos que vivem no território nacional não pode deixar de entender-se como aplicável, em nome dos princípios da independência nacional e da igualdade, também a todos os cidadãos residentes no estrangeiro e que integram a comunidade política do Estado português.
Ao votarmos contra as alterações do artigo 121.º fazêmo-lo, assim, em recusa da desconstitucionalização de matéria estrutural do sistema político, a qual deixa indevidamente para a lei ordinária a definição aberta, ou relativamente aberta, de regras essenciais de garantia da genuinidade de eleição do Presidente da República e de identificação dos nacionais portugueses com direito de participação na vida política da comunidade constituída em Estado.
Do mesmo modo, manifestamos as nossas reservas quanto à solução de viabilização da redução do número de Deputados, de um máximo de 230 para um mínimo de 180. Não se compreende essa redução, a qual a ser praticada - num quadro eleitoral próximo do existente, ou ao encontro de soluções eleitorais de círculo (adequadas às homogeneidades regionais e locais)- poderia pôr em causa a natureza proporcional e a representatividade do nosso sistema político. Não se compreende essa redução, porque, além do mais, a composição do Parlamento português é perfeitamente proporcionada no quadro geral dos parlamentos das democracias europeias ocidentais. E o que se pede ao Estado democrático não é a redução do número de deputados, mas sobretudo mais acréscimo de acção política e legislativa, mais acção fiscalizadora e mediadora do Parlamento. O que se pede ao Parlamento é, sobretudo, mais proximidade representativa, mais eficácia e qualificação política, mais participação dos cidadãos e confiança dos e nos cidadãos.
Não apresentámos propostas alternativas no Plenário da Assembleia, aquando da discussão e votação na especialidade das matérias referentes, às autonomias regionais. Constatámos, porém, uma inversão do papel que na proposta inicial do Partido Socialista era atribuído ao Ministro da República na articulação com os poderes regionais.
Mas queremos, no entanto, neste âmbito, retomar a ideia de que as leis gerais da República, referidas no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, se aplicam, sem reservas, a todo o território nacional em função da sua natureza substantiva e não dependem da fórmula expressa ou taxativa «e assim o decretem», ou similar, sob pena de se fazer uma interpretação violadora do princípio da unidade do Estado e, por isso, se admitir uma solução de revisão que também, ela própria, violaria os limites materiais de revisão constitucional.
Em suma, as soluções encontradas na sequência do processo de revisão constitucional não constituem ganho

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de causa essencial para o Partido Socialista e abrem espaço a soluções que no quadro das leis ordinárias, sujeitos à pressão conjuntural, poderiam não ser boas para a democracia portuguesa, designadamente nas matérias respeitantes às leis eleitorais e sufrágio eleitoral.

Os Deputados do PS, Alberto Martins - Marques Júnior, Helena Roseta - Eduardo Pereira - Arnaldo Homem Rebelo - Elisa Damião, Fernando Pereira Marques - Luís Filipe Madeira.

Devo dizer, em primeiro lugar, que não compreendo a necessidade e a urgência desta revisão. Nem conheço país onde com tanta facilidade e frequência se altere tão profundamente a Constituição, o que, em si mesmo, acaba por ser um factor de incerteza e de pressão populista sobre o funcionamento do sistema político.
O essencial da revisão resultou de um acordo celebrado entre os dois maiores partidos, à margem da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição. Tratou-se, ao fim e ao cabo, de uma reedição do "pacto de cavalheiros" que esteve na origem da revisão de 1989 e da qual também então discordei. Como oportunamente perguntou, em artigo publicado a 5 de Abril de 1997, o Professor Jorge Miranda, meu ilustre colega na Assembleia Constituinte: "Para que serve, afinal, a Comissão Eventual de Revisão Constitucional? Para que serve a garantia do livre exercício do mandato de deputado?
A desconstitucionalização do sistema eleitoral e a sua remissão para leis ordinárias, dependentes de conjunturas incertas e imprevisíveis, fragiliza, em meu entender, um elemento estruturante do regime. A eventual diminuição do número de Deputados poderia (ou poderá) vir a pôr em causa o princípio da proporcionalidade e tal provocaria (ou provocará) a inevitável descaracterização do actual regime democrático-constitucional. Como declarou o ex-Presidente da Comissão Eventual de Revisão Constitucional Vital Moreira: «... os dados essenciais devem permanecer na Constituição para evitar serem levantados a todo o tempo, de acordo com as conveniências de cada partido. Com um número de depurados inferior a 230, seria sempre difícil, para não dizer impossível, implementar (...) o sistema proporcional conjugado com candidaturas individuais personalizadas.»
Discordo totalmente da solução encontrada para o voto dos residentes no estrangeiro na eleição presidencial. Trata-se de uma eleição uninominal e poderiam ser os milhões de residentes no estrangeiro - até porque a actual lei favorece a dupla cidadania ou nacionalidade - a decidir a escolha do Presidente. O Presidente poderia, (ou poderá) assim, ser escolhido por quem não tem de suportar as consequências do seu voto. A genuinidade democrática da eleição do Presidente da República, pilar essencial do sistema político, poderia (ou poderá) vir a ser posta em causa. E se tal acontecer, seria (ou será) o próprio regime que acabará por ser desvirtuado.
Confio em que o PS, na elaboração e aprovação das futuras leis, saberá preservar o princípio da proporcionalidade e manter um universo eleitoral compatível com a autenticidade democrática da eleição presidencial. Mas não posso aceitar a descaracterização e o risco que representa a desconstitucionalização do sistema.
Por tudo isto, por considerar que a revisão não era necessária, pelo menos nestes termos, pela própria imensidão das alterações introduzidos, pela desconstitucionalização de elementos estruturantes do regime político, como o universo eleitoral do Presidente da República, o número e a eleição de Deputados à Assembleia da República, bem como pelas alterações das Leis Regionais, com grave restrição do âmbito de competências do Parlamento nacional, que, na prática, passa a legislar só para o continente, votei contra, em consciência, no livre exercício do mandato de deputado que me foi conferido pelo povo.
Não me é agradável votar ao arrepio do sentido de voto definido por maioria nos órgãos estatutariamente competentes do PS. Reconheço, com toda a humildade democrática, a pouca ou nula eficácia imediata do meu voto. Reconforta-me, no entanto, a convicção de que não tenho outra maneira de ser fiel à perspectiva futurante dos valores cívicos e políticos que o Partido Socialista historicamente representa.

O Deputado do PS, Manuel Alegre.

À falta de melhores, mais inteligentes e mais convincentes argumentos, o PSD, sem imaginação, sem criatividade e de forma cabotina, tentou fazer passar a ideia de que a necessária revisão constitucional para o País era obra sua.
Anunciaram vitórias. Denunciaram arrogância. Posaram para a fotografia. Ergueram hipócritas taças de champanhe.
Julgaram ter enganado os portugueses, quando, de todo em todo, se iludiram eles próprios.
A consciência do dever cumprido está, porém, com o PS. Na base do texto constitucional agora aprovado estão os compromissos que os socialistas estabeleceram com o eleitorado e constantes do Programa Eleitoral do Governo do PS e que iam no sentido de introduzir no normativo constitucional a modernidade necessária, a eficácia dos seus dispositivos e o aprofundamento dos direitos dos cidadãos na sua relação com o Estado e as instituições. E se não se foi mais longe foi por obstrução e teimosia do PSD.
Se alguém deve sentir satisfação na revisão constitucional ora terminada, são os socialistas. Enquanto Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira, partilhámos desse sentimento geral.
Votámos, por isso, favoravelmente e temos a convicção de ter contribuído, em todos os momentos do processo da revisão constitucional, para que, uma vez concluído, fosse o reflexo e expressão da vontade verdadeira de todos os portugueses, residam eles onde residirem, nomeadamente os que na Região Autónoma da Madeira - onde os subscritores foram eleitos - têm suportado o peso de uma maioria PSD que da democracia apenas identifica vagamente o nome.
Ciosos da responsabilidade que nos cabia, e cabe, na tentativa de constitucionalizar preceitos que garantissem uma saudável, normal e tranquila participação cívica e democrática dos cidadãos na Região Autónoma da Madeira, e que, como está provado, não pode nem deve ficar

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dependente da postura mais ou menos civilizada de quem é detentor circunstancial de uma qualquer maioria, tudo fizemos para que alguns elementares direitos da oposição viessem a merecer consagração constitucional. Assim não aconteceu.
De fora ficou a possibilidade de um quinto dos Deputados nas Assembleias Legislativas Regionais requererem potestativamente a constituição de comissões de inquérito; a possibilidade de os Deputados requererem a Fiscalização preventiva da constitucionalidade dos diplomas nelas a provados, bem como a obrigatoriedade da pluralidade da Mesa nos parlamentos regionais, expressão simbólica da pluralidade e da democracia no mais nobre dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Temos de lamentar profundamente que os dois maiores partidos da democracia, o PS e o PSD, tenham consentido que a Região Autónoma da Madeira permaneça, por sua vontade, ou por falta dela, como uma região portuguesa onde se não cumpre em circunstâncias iguais a democracia que a Constituição da República postula e enquadra.
O País orgulha-se de uma Constituição que, consagra a autonomia das regiões insulares portuguesas e do esforço que vem sendo feito no sentido de a clarificar e aprofundar. O País rejeita o autoritarismo, o desregramento, a prepotência e arrogância que tem caracterizado a acção governativa da maioria PSD na Região Autónoma da Madeira, com o beneplácito dos seus dirigentes no continente.

Os Deputados, Arlindo Oliveira - Isabel Sena Lino.

A revisão da Constituição da República hoje aprovada em votação final é globalmente positiva, merecedora, assim, do meu voto favorável. Há, todavia, algumas alterações cujo correcto entendimento deve ser sistemática e continuadamente salvaguardado para que o sentido preciso do articulado não seja desvirtuado e propiciador de injustiças que, como Deputado constituinte, pretendo evitar.
Foi neste espírito que votei o artigo 91.º, alínea g), assim como os artigos 124.º e 151.º com a redacção proposta pela CERC.
Realço, no que respeita ao primeiro destes casos, que a doutrina que este artigo contém torna absolutamente imperativa a definição de políticas de discriminação positiva, nomeadamente no domínio da política financeira, a favor das regiões menos desenvolvidas (independentemente da sua ultraperifericidade) com o objectivo de consolidar a coesão económica e social do País.
Quanto ao artigo 124.º (número de Deputados), fi-lo no claro entendimento de que se manteria o número actual, embora tendo presente a nova divisão administrativa que resultará da regionalização e sempre de modo a salvaguardar a representatividade regional, designadamente das regiões menos desenvolvidas.
No que ao artigo 151.º respeita, eleito como sou por uma região com fortes marcas de emigração, considero positiva a introdução na Constituição do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais, mas devendo verificar-se a existência de laços de efectiva ligação ao País.
Já no que respeita à alínea j) (nova) do artigo 229.º, votei contra pelas seguintes razões:
As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira passam a ter um tratamento especial como ultraperiféricas, estatuto de que já beneficiam a nível da União Europeia.
Assim, e na redacção da nova alínea, constitucionaliza-se o principio de as Regiões Autónomas disporem «de uma participação nas receitas tributárias do Estado», o que levará a que a solidariedade nacional seja invocada no estabelecimento da Lei das Finanças Regionais e em outras situações.
É caso para se questionar se esse estatuto de ultraperifericidade se vai manter indefinidamente, mesmo quando os índices de desenvolvimento dessas regiões ultrapassarem claramente a média nacional.
Ora, é um facto incontestável que em várias outras regiões do País, nomeadamente nas do interior, os índices de desenvolvimento são tão débeis e, em alguns casos, piores que os das regiões autónomas, o que torna incompreensíveis as alterações constantes desta alínea, se se quiser ter em conta critérios de mais justiça e equidade com vista a um desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.

O Deputado do PS, António Martinho.

A primeira Constituição de 1822, emanada da revolução liberal de 1820, constituiu desde logo um precedente de lei fundamental marcadamente programática que influenciaria a nossa tradição jurídico-constitucional.
Os constituintes de então, num contexto de grande entusiasmo que atribuía à ideia de Constituição um carácter mítico e providencial, e impregnados de uma concepção positivista e optimista sobre a capacidade da lei em transformar a sociedade, plasmaram nesse texto de 1822 ideias, preocupações sociais e políticas então só partilhadas por uma minoria generosa de literatos, militares, juristas e burgueses ilustrados. O debate que se estabeleceu durante o processo constituinte fez mesmo do «exemplo português» um tema de reflexão teórica para alguns pensadores europeus, como o inglês Jeremy Bentham. Mas surgiram cedo as primeiras clivagens no campo liberal e a questão constitucional serviu-lhes de pretexto; logo aquando da «Martinhada» (Novembro de 1820), as facções demarcaram-se - no plano do discurso - entre os que pretensamente queriam uma Constituição «mais liberal do que a espanhola» (de Cádis, 1812) e os outros acusados de moderação.
Diga-se, a propósito, que alguns dos mais exaltados desse movimento de Novembro de 1820 seriam os primeiros contra-revolucionários de 1823 e, depois, ferozes miguelistas. Porque a verdade é que essa Constituição extremamente avançada para a época e, sobretudo, para a realidade sociológica e política do país, teria vida curta.
A génese e a elaboração da Constituição de 1976 foram marcadas por uma conjuntura semelhante de grande ideologização e radicalização dos conflitos, a que se somou uma idêntica visão positivista do papel e da função da lei, face à realidade social e política concreta. As revisões constitucionais precedentes a esta que agora se vota, no essencial e abstraindo do que foi fruto da alteração da

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relação de forças em favor da direita conservadora, contribuíram pelo menos para evitar rupturas e tensões que, de outro modo, poderiam ter surgido e permitiram que as instituições democráticas se consolidassem, ao contrário do que se passou com a primeira experiência liberal no século passado. Quanto à terceira revisão, teve um carácter meramente de adaptação do texto constitucional ao processo de integração europeia.
Deste modo, é minha opinião que uma nova revisão só se justificaria visando dois objectivos: ou a introdução de alterações impostas pela nova fase do processo de integração europeia ou a modificação substantiva de aspectos ligados ao funcionamento das instituições democráticas, no sentido do seu reforço e funcionalidade, nomeadamente no que se refere ao melhoramento dos mecanismos de participação cívica e política dos cidadãos.
Assim sendo, e sobretudo caso fosse este último objectivo que predominasse, o processo de revisão a entabular na actual conjuntura deveria ter ganho um carácter de acordo de regime, por definição o mais alargado possível, que se deveria inclusive estender à questão da regionalização.
Em contrapartida, assistiu-se a um processo de negociação bilateral entre o PS e PSD, ostensivamente publicitado e utilizado politicamente pelo segundo partido, que decorreu à margem da Comissão Eventual constituída em sede parlamentar, isto com a conhecida justificação do condicionalismo imposto pelos necessários 2/3 constitucionais.
Deste modo, e no cômputo final, a quarta revisão, além de não ter contribuído para o prestígio do Parlamento, dados todos os incidentes de que foi acompanhada, veio alterar uns 150 artigos, muitas vezes em meros pormenores de redacção e de estilismo jurídico e, em certos aspectos, acentuou o carácter excessivamente programático do texto constitucional, sem que melhorias relevantes tenham sido introduzidos para o aperfeiçoamento do regime democrático. Pelo contrário, as alterações positivas pontualmente introduzidos foram negativamente contrabalançadas pela forma como se tocou em matérias e princípios importantes que se vulnerabilizaram ou pelas formulações adaptadas, ou por serem reenviados para a lei ordinária.
Não obstante haver ainda outros aspectos que me suscitam reservas ou interrogações e na linha do atrás expandido, não votei com a maioria do meu grupo parlamentar, por dever de coerência e de consciência, os seguintes artigos:
Artigo 33.º - Trata de matéria que tem a ver com princípios essenciais que a nova formulação relativiza em relação ao que constava no texto revisto. Passa, assim, no n.º 3, a admitir-se a extradição de cidadãos portugueses, estabelecendo-se salvaguardas que assentam em noções susceptíveis de interpretações discricionárias e de carácter ideológico (vd. a noção de terrorismo) ou contornáveis quando se impõe a real Politik dos Estados, mesmo se democráticos. Com efeito, admitindo que a «ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo», não se pode assegurar que essa consagração formal seja respeitada na actuação concreta dos poderes. Objecções idênticas suscita-me a actual redacção do n.º 5.
Ora, se considerarmos, como Hegel, que é através da Constituição «que a abstracção do Estado chega à vida e à realidade», para garantir esse papel e essa dignidade, numa Constituição - devem-se consignar os grandes princípios enformadores do Estado, os valores essenciais do regime democrático, os direitos, liberdade e garantias processuais, formulando-os na sua dimensão mais substancial e clara, insusceptível de interpretações desvirtuadoras dessa substancial idade.
Artigo 115.º - A nova redacção do n.º 3, e sobretudo do n.º 4, pode permitir que seja posta em causa o princípio da unidade jurídica do Estado e a consequente autoridade dos poderes públicos a nível nacional, na medida em que se introduz uma ressalva que acaba por esvaziar de sentido a própria noção de «leis gerais». Vai-se, assim, mesmo mais longe do que a ordem jurídica de certos Estados federais, facto tanto mais grave quando se conhece a situação de democracia condicionada existente na Região Autónoma da Madeira, o reacender de movimentações separatistas nesta região e a natureza frequentemente pouco sã do relacionamento entre as regiões autónomas e a administração central. Não discuto como são positivos os progressos já realizados para acabar com o excesso de centralismo que marcou a relação desses arquipélagos com o continente durante séculos, nem tenho dúvidas que mais se poderá fazer para desconcentrar e desburocratizar. Mas isto não se confunde com a tomada de medidas, ainda por cima no plano constitucional, que podem contribuir para agravar o que de mais negativo tem havido nesses processos de autonomia regional.
Artigo 124.º - Como já tive a ocasião de explicar em declaração de voto autónoma, subscrita com o meu colega Deputado Marques Júnior, não sou contrário ao princípio do alargamento do direito de voto, para a eleição do Presidente da República, aos portugueses residentes no estrangeiro, desde que adaptados preceitos que garantam a autenticidade desse voto e um vínculo efectivo desses residentes à vida nacional.
Esta é uma das matérias cujo tratamento foi, regra geral, viciado pela demagogia estreitamente partidária e pelo tacticismo de circunstância. Recorreu-se, deste modo, a argumentos demagógicos que, a serem levados até às últimas consequências, deviam obrigar os que os utilizam a defender que na Assembleia da República o número de Deputados representando a emigração seja proporcional aos portugueses residentes no estrangeiro na sua globalidade.
Ora, sabe-se que isto não possível porque estão em causa mecanismos estruturantes do sistema político, que determinam equilíbrios que é essencial preservar para que não seja desvirtuado o princípio da adequação da representação na instância legislativa à realidade nacional, à funcionalidade das instituições e à governabilidade do Estado.
Artigo 151.º - Esta matéria suscita considerações na mesma linha das expressas anteriormente. Ao levantar, em sede de revisão, a questão do número de Deputados à Assembleia da República, visou o PSD conseguir um efeito fácil de carácter populista e antiparlamentar, submetendo-se o PS, estranhamente, a tal desígnio.
A nova formulação deste artigo, constitui uma solução de compromisso que introduz um enorme grau de discricionaridade no que vier a consignar-se posteriormente através de lei ordinária. Inventou-se um mínimo de Deputados (180) totalmente arbitrário, criando unia amplitude de cinquenta até ao número máximo (230) sem qualquer

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fundamento sério. Com efeito, nada disto corresponde a opções claras ponderadas em todas as suas vertentes e consequências, assumidas o mais amplamente, no sentido da alteração do sistema eleitoral e do reequacionamento responsável de mais esta questão estruturante do sistema político.
Aliás, em meu entender, o sistema eleitoral, dado esse carácter estruturante, não é nem deve ser tema para se atingirem efeitos políticos de circunstância. A partir de visões simplificadoras e de curto prazo, corre-se o risco de esquecer que o sistema eleitoral existente ganhou já consistência histórica e sociológica, determinou o sistema de partidos vigente e, através da actual composição da Assembleia da República, tem permitido uma representação equilibrada do ponto de vista geográfico e sócio-profissional do todo nacional.
Alterações a esta composição e ao sistema eleitoral, a serem levadas a cabo, justificar-se-iam para responder a situações de bloqueamento no funcionamento das instituições ou para resolver distorções graves surgidas entre a realidade sócio-política e a representação parlamentar de onde emana o poder executivo. Ora, não é este o caso.
Artigo 276.º - O texto deste artigo, nos seus diversos números, possuía não só uma coerência jurídica, mas também doutrinária, no quadro de valores e de princípios enformadores da ideia republicana. Essa coerência desaparece na nova redacção saída do processo de revisão, como é inevitável quando se procuram soluções de compromisso e não se assumem opções claras, por razões tácticas ou simples ausência de alternativas devidamente avaliadas.
O PSD, quando governo, cedendo às pressões da sua juventude partidária e movido por razões meramente eleitoralistas, reduziu levianamente o SMO para 4 meses e desencadeou um processo de reestruturação das Forças Armadas responsável por muitos dos problemas e disfunções com que estas hoje se deparam. Sob pressões idênticas, dirigentes do PS assumiram o compromisso da desconstitucionalização do SMO, sem que simultânea ou previamente tivessem definido qual o modelo de Forças Aramadas que propunham e qual o conceito de defesa nacional a que esse modelo deveria corresponder. Agora, no Governo, o PS tem de enfrentar as consequências do voluntarismo demagógico do governo anterior e vê-se presa desses compromissos que o condicionam nas delicadas decisões de reestruturação que tem tomado ou urge tomar.
Não cabe aqui lazer um historial da evolução da instituição militar no nosso país, do seu papel no processo de modernização da sociedade portuguesa, nem da natureza democrática e republicana do SMO. Por outro lado, é evidente que as novas realidades de carácter cultural e sociológico, assim como a natureza das ameaças potenciais e das missões a desempenhar na conjuntura internacional, impõem a necessidade de adaptar as Forças Armadas aos novos tempos. Todavia, ainda não foi demonstrado, salvo melhor opinião, que esta adaptação tenha de passar pela total eliminação do SMO e que o recurso a voluntários e contratados dispense a permanência de um contingente de conscritos. Isto na perspectiva da concretização do n.º 1 do Artigo em causa, que se mantém inalterado, da criação de uma reserva territorial, do necessário entrosamento das Forças Aramadas com a sociedade, e inclusivamente, o que não é despiciendo, por razões orçamentais.
Em síntese: em meu entender é inconsistente e não fundamentada nos planos político, da doutrina e das opções a tomar com vista ao futuro, a desconstitucionalização do SMO, sendo era vários aspectos contraditória e ambígua a nova redacção do artigo 276.º.
Como já foi afirmado, alterações existem na revisão constitucional levada a cabo que são pontualmente positivas, mas em termos gerais e pelas razões expressas atrás, não posso dar-lhe o meu voto favorável em votação final global. Assim, abstenho-me por razões de consciência, mas também de exigência e coerência políticas.
Com efeito, todos os dias se verifica que vinte e pouco anos de democracia não foram suficientes para eliminar as marcas de cinquenta anos de diabolização da política, de repressão da diferença e da divergência, de sufocamento cultural e doutrinário, de inexistência de um são pluralismo de opções partidárias e de ideologias. Assim se compreende - ainda por cima num contexto mais vasto de grandes mutações dos paradigmas políticos e ideológicos - que no nosso país se tenda a ver nos partidos instrumentos ao serviço de interesses de grupos e não de objectivos programáticos e projectos de intervenção social claramente formulados, a confundir a acção política com uma prática circunstancial feita de habilidades tácticas, a ver na acção governativa uma gestão determinada pelo curto prazo e pelas próximas eleições e a confundir a prática da democracia com marketing, encenações mediáticas, «pontais» e outros fogos de vista para cidadão consumir.
Por tudo isto não é de espantar que, no caso, por exemplo, das candidaturas às próximas eleições autárquicas, se multipliquem, com a maior da desfaçatez e boa consciência, as transferências de partido de epígonos em pequenino do célebre Talleyrand, que, ao que parece, dizia: «A sociedade está dividida era duas classes: a dos tosquiadores e a dos tosquiados. E preciso, estar sempre com os primeiros contra os segundos.»
Em especial quando se é de esquerda e socialista, há que recusar este cinismo que se propaga e banaliza na vida política nacional, com o seu corolário de oportunismo e de relativização de princípios e valores. Facto que explica, ainda, o desgaste da dimensão cívica da militância partidária e o correlativo êxito destas figuras peculiares da nossa vida política que são os políticos «apolíticos», os trânsfugas sem problemas de consciência, as «competências» disponíveis para servir qualquer poder estabelecido que os recrute. Noutros tempos chamava-se-lhes também «videirinhos».
É verdade que enquanto militante de um partido que não renega a sua filiação, estou sujeito a deveres de disciplina e de solidariedade implícitos e que condicionam o exercício do meu mandato de Deputado. Mas os deveres de responsabilidade devem ser gerais, vinculando todos aos diversos níveis, quando estão em jogo convicções e princípios de coerência e de consciência de que não se pode nem deve abdicar. Isto para que não se seja obrigado a dar razão ao Cardeal de Retz quando dizia: «Para alguém se conservar fiel ao seu partido, necessita de mudar muitas vezes de opinião.»

O Deputado do PS, Fernando Pereira Marques.

Os Deputados do PSD, ora signatários, eleitos pelo círculo da Madeira, subscreveram o projecto de lei de revisão constitucional n.º 6/VII, que visava, de forma particu-

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lar, a introdução de alterações nas disposições relativas às regiões autónomas, de harmonia com resolução aprovada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
A análise comparada daquele projecto com a lei de revisão agora aprovada, permite concluir que, em matéria de autonomia regional, ficou-se aquém das soluções propostas e pretendidas.
Porém, é necessário ter presente que, infelizmente, a autonomia política das regiões insulares continua, a nível político central, a ser tratada com injustificada desconfiança e inadmissível suspeição.
Por outro lado, a aprovação de alterações à Constituição carece de uma maioria de 2/3, pelo que, em muitos casos, como o da proposta de extinção do cargo de Ministro da República, não foi possível obter o voto favorável do Partido Socialista.
Neste contexto e com vista a assegurar alguns avanços e melhorias em matéria de autonomia, outra alternativa não restava se não a de acordar, no âmbito das negociações entre o PSD e o PS, as soluções agora votadas.
Importa salientar aqui, ainda que de forma sucinta, qual a evolução e quais as principais alterações agora introduzidos em matéria de autonomia e qual o seu alcance.
Assim, e na linha do reforço da autonomia e da descentralização, introduziu-se no n.º 1 do artigo 6.º a referência ao princípio da subsidiariedade, que, na sua mais recente conceptualização, traduz a ideia de que deve caber às estruturas políticas e administrativas mais próximas dos cidadãos a solução dos seus problemas e inerente dotação de meios, cabendo aos escalões superiores intervir, subsidiariamente, quando pela natureza e dimensão das questões se torne necessária, adequada e mais eficaz tal intervenção.
Aliás, não fazia sentido que o Estado português aceitasse a aplicação e funcionamento de tal princípio no âmbito da sua participação na União Europeia e não o adoptasse, internamente, na sua organização política e administrativa.
Em boa hora foi possível, também, consagrar, na alínea d) do artigo 9.º, o reconhecimento do carácter ultraperiférico das regiões autónomas, com as necessárias consequências no plano do esforço que ao Estado deve caber na eliminação das assimetrias, na consideração das especificidades e no respeito pelo direito à diferença.
Mal fora que na recente revisão do Tratado da União Europeia, a que se procedeu em Amsterdão, fosse expressamente reconhecido tal estatuto às regiões insulares portuguesas e a nossa Constituição se mantivesse dele alheada.
Escusado será salientar a importância destas inovações que, como princípios constitucionais, terão tradução concreta e prática na aplicação e interpretação da Lei Fundamental.
Pedra de toque da presente revisão constitucional em matéria de autonomia é sem dúvida a alteração conjugado dos artigos 115.º, 229.º e 230.º, no tocante aos poderes legislativos dos parlamentos regionais.
Espartilhadas por um texto constitucional já de si limitativo, as assembleias legislativas regionais viam, na prática, diminuídos os seus poderes por uma jurisprudência constitucional assaz restritiva, por força de uma conceptualização de «lei geral da República» e de «interesse específico» perfeitamente bloqueadora das competências legislativas regionais.
A frequência com que o Tribunal Constitucional considerava inconstitucionais e/ou ilegais diplomas provenientes de ambas as assembleias legislativas regionais não só comprometeu muitas soluções necessárias e adequadas às exigências e especificidades insulares como se tornou mesmo atentatória da dignidade dos órgãos regionais.
A partir de agora, constituirá limite às competências legislativas regionais, não já as leis gerais da República, mas tão só os princípios fundamentais de tais leis.
Por sua vez, leis gerais da República deixam de ser aquelas que a sua razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional, exigindo-se que o próprio legislador as decrete como tais.
Há, assim, dois requisitos constitucionais cumulativos e essenciais para que uma lei ou decreto-lei sejam tidos como lei geral da República, pelo que a falta de qualquer de tais requisitos afastará, peremptoriamente, tal qualificação.
Elenca-se um conjunto de matérias de interesse específico, de carácter meramente exemplificativo, como resulta da dupla cláusula aberta constituída pela expressão «designadamente» do corpo do novo artigo 228.º e da alínea o) do mesmo artigo em que se referem «certas matérias que respeitem exclusivamente à região ou que nela assuma particular configuração».
Reforça-se o princípio da garantia de atribuição às regiões de parcela das receitas tributárias do Estado em termos que se assegure a efectiva solidariedade nacional.
Alarga-se a participação das regiões autónomas na definição da orientação da política externa em matérias que lhes dizem respeito e em particular no processo de construção europeia.
Consagra-se a possibilidade de realização de referendos regionais por iniciativa das assembleias legislativas regionais, aprofundando-se, a nível regional, a participação cívica e democrática dos cidadãos.
Impõe-se a existência de uma lei de finanças das regiões autónomas com valor reforçado.
Obtido há muito consenso político na fixação de anteprojecto da lei das finanças autónomas e aprovada agora a Lei de Revisão Constitucional, nenhuma razão subsiste para que o Governo não apresente, de imediato, proposta de lei à Assembleia da República para que a mesma seja aprovada antes da discussão do Orçamento do Estado para 1998. Se o Governo o não fizer revelará perante o País a falta de vontade política para fazer aplicar, no próximo Orçamento do Estado, as soluções previstas pela futura lei das finanças das regiões autónomas.
Não pactuaremos com tais expedientes e a seu tempo tomaremos as iniciativas que salvaguardem os interesses regionais no Orçamento de Estado para 1988 e o futuro das finanças regionais.
O Ministro da República deixou de ser representante da soberania para passar a mero representante do Estado. Fixou-se a duração do seu mandato. Deixou de ter assento em Conselho de Ministros e só superintende nos serviços do Estado na região quando tal competência lhe for pontualmente delegada pelo Governo.
Passou, pois, o Ministro da República a ter um recorte constitucional que conduzirá, inevitavelmente, à sua extinção em próxima revisão da Constituição.

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Tornou-se imperativa a existência de secções regionais do Tribunal de Contas; na Madeira e nos Açores, com competência plena, no âmbito territorial de cada região.
Afastaram-se assim, de forma definitiva, tentativas, já registadas, por parte do legislador ordinário pura retirar competências às secções regionais do Tribunal de Contas.
Conferiu-se aos portugueses residentes no estrangeiro o direito de voto para as eleições presidenciais, pondo-se termo a uma injustiça e à ofensa à plena cidadania de compatriotas nossos que, com sacrifício, tiveram de procurar melhor sorte noutras paragens e que tanto dignificam Portugal nos quatros cantos do mundo.
Trata-se de matéria tão cara aos madeirenses, que se orgulham das suas muitas comunidades, lamentando-se que o PS, o CDS-PP e o PCP tenham votado contra a criação de um círculo eleitoral da emigração na eleição para as assembleias legislativas regionais.
Foi possível eliminar, finalmente, a actual redacção do artigo 230.º, que se afigurava manifestamente acintosa para as regiões autónomas, sendo certo que, significativamente, o PCP e o CDS/PP votaram contra tal eliminação.
A par das alterações e inovações referidas no tocante às autonomias regionais, outras ocorreram de âmbito geral, com que os signatários se congratulam, designadamente o aprofundamento da economia de mercado e o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação democrática e de novos direitos fundamentais.
Compete registar que os avanços conseguidos em matéria de autonomia regional se ficaram a dever ao particular empenho do Presidente do Partido Social Democrata, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, do Presidente da Comissão Política Regional do PSD, Dr. Alberto João Jardim, do Presidente da Assembleia Legislativa Regional, Dr. José Miguel Mendonça, que acompanhou, por nosso intermédio, a par e passo, os trabalhos da revisão.
Igualmente o Presidente do Grupo Parlamentar, Dr. Luís Marques Mendes e o Coordenador do PSD na CERC, Dr. Luís Marques Guedes, empenharam-se, de forma particular, nas alterações referentes à autonomia regional.
De igual modo, os Deputados do PSD eleitos pelos Açores, e em especial o Dr. Mota Amaral, deram particular contributo à revisão na parte das regiões autónomas.
No contexto e pelas razões supra referidas, os Deputados do PSD eleitos pela Madeira acompanham o Grupo Parlamentar a que pertencem votando favoravelmente a Lei da Revisão Constitucional.
Não pode, porém, deixar de ficar claro que a vontade dos madeirenses e portosantenses expressa pela Assembleia Legislativa Regional, que legitimamente os representa, não foi plenamente respeitada nesta revisão.
O aprofundamento, o aperfeiçoamento e a consolidação da autonomia regional, como uma das mais relevantes conquistas do Estado democrático, continua a ser um caminho em aberto que, reforçando a unidade nacional e a solidariedade entre os portugueses, justificará, por certo, a próxima revisão da Constituição.

Os Deputados do PSD, Guilherme Silva - Correia de Jesus - Hugo Velosa.

A atribuição de novos direitos de cidadania num fundamental alargamento do quadro legal para o exercício de direitos políticos e carreiras públicas esteve no centro desta revisão constitucional, na dupla vertente «emigração - imigração».
Os direitos dos portugueses emigrados foram assegurados em acordo partidário extra-parlamentar, em que uru dos partidos - o PSD - condicionou à sua adopção o voto favorável no processo global de revisão: os direitos dos imigrantes da CPLP, esses, foram objecto de uma exclusiva negociação em sede da Assembleia da República (embora, naturalmente, influenciada, de fora, pelas direcções partidárias ... ), da iniciativa individual, de Deputados no uso dos seus poderes próprios.
A proposta 6-P, de alteração ao n.º 3 do artigo 15.º, visava introduzir na Constituição uma solução coincidente com a adoptada pelo artigo 12.º da Constituição da República Federativa do Brasil, e foram seus signatários Deputados do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, isto é, de todos os partidos representados na Assembleia, sem excepção. O mesmo tinha acontecido já em 1989. Mas a iniciativa para alterar o n.º 3.º do artigo 15.º malogrou-se: teve o voto favorável de uma maioria absoluta que não atingiu, os 2/3 dos votos requeridos.
A revisão consagrou o voto dos portugueses, onde quer que vivam, na eleição presidencial, como já o estava nas legislativas; porém, deixou adiada a decisão sobre o aprofundamento dos direitos de cidadania dos imigrantes da CPLP, que só desses, obviamente, cuidava a proposta 6-P que tivemos a honra de elaborar e subscrever em primeiro lugar.
Houve uma evolução desde 1989. Então, dos quatro grandes partidos, só o CDS votou favoravelmente a referida emenda, acompanhado por numerosos Deputados de outros partidos, que o fizeram a título individual...
Em 1997, assistimos ao voto unânime nas bancadas do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, com tornadas de posição oficiais de todas elas em favor de um articulado que dá plena reciprocidade ao texto que os constituintes brasileiros aprovaram em 1988. Votaram-na igualmente os Deputados socialistas que o subscreveram. As numerosas vozes que se ouviram foram de grande consonância de pontos de vista.
Porém, a Direcção Parlamentar do Partido Socialista que tinha solicitado o adiamento da discussão do artigo 15.º só avançou no último dia com um texto alternativo, que se ficava muito aquém da proposta 6-P. Foi a proposta 127-P, a qual vedava aos cidadãos da CPLP o acesso à Assembleia da República e à Magistratura, admitindo embora a sua participação no Governo da República.
Era o absurdo de admitir a hipótese de ser Ministro da Justiça quem não podia ser juiz de Comarca.
Agora, quatro partidos tomaram posição firme, responsável, definitiva. Falta apenas que uma parte do Partido Socialista se converta a esta causa, da fraternidade lusófona, assente em sentimentos, decerto, mas também nas leis.
De positivo é de realçar que nenhum político ou Deputado, em Portugal, pretenda retroceder, fazendo diminuir os direitos que a lei portuguesa concede aos cidadãos da CPLP. Como se sabe, estes gozam de plena capacidade eleitoral activa - isto é, a qualidade de eleitores do Presidente da República, da Assembleia e de todos os órgãos regionais e autárquicos -, um estatuto que ultrapassa largamente o conteúdo da cidadania europeia, que se limita ao nível municipal e local.

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O que é preciso é desenvolver e aprofundar o diálogo entre os Deputados dos países da CPLP, designadamente ao nível informal dos grupos de amizade parlamentar.
O impasse em que nos encontramos não tem necessariamente de perdurar até à próxima Assembleia com poderes para a revisão ordinária, até porque os caminhos do consenso estão abertos.
Votámos a actual revisão como um trabalho muito positivo, mas inacabado. Votámos com a esperança de o ver completado neste ponto essencial, eventualmente através de um processo de revisão extraordinário, que pode ser desencadeado a todo o tempo. Assim o queira quem fica devendo aos brasileiros e aos nacionais de outros países da CPLP uma reciprocidade de direitos políticos que muito tarda a institucionalizar-se.

Os Deputados do PSD, Manuela Aguiar - Barbosa de Melo - Falcão e Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.

Rectificação ao n.º 100, de 24 de Julho

Na pág. 3756, 2.º cl., ls. 25 a 27, onde se lê «Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.», deve ler-se «Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e abstenções do CDS-PP e de Os Verdes.».

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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