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1622 I SÉRIE-NÚMERO 44

revela-se, antes de tudo, como intervenção, como parte de uma autognose que o cidadão, que o escritor, o combatente liberal dirige a si próprio, aos outros e ao País que agora também possui e pelo qual é e quer ser também responsável, e por isso pergunta «( ) Aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que e forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, a desmoralização, à ignorância crapulosa, a desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? ( ) Depois de tantas comissões de inquérito ( )», afirma, «( ) já deve de andar orçado o numero de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um rico Cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis »
Se nos disponibilizarmos a viajar hoje, com Almeida Garrett, pela nossa terra, por exemplo, de Lisboa para Santarém, surpreender-nos-emos como, de forma tão natural, a realidade e a ficção se conjugam e servem a sua visão do mundo, de um mundo e de uma escrita avessos a espartilhos escolásticos e abertos à contradição e à reflexão
Diante da estalagem da Azambuja Garrett declara «A sociedade e materialista, e a literatura que é a expressão da sociedade e toda excessivamente, absurdamente e despropositadamente espiritualista Sancho rei de facto Quixote rei de direito»
Diz ainda «( ) E a literatura que é uma hipócrita tem a religião nos versos, caridade nos romances, fé nos artigos de jornal - como os que dão esmolas para pôr no Diário, que amparam órfãos na Gazeta, e sustentam viúvas nos cartazes dos teatros».
Mestre de claridades e da revolução - no pensar, no agir, no sentir, no discutir, no ser artista e homem -, é ele quem realiza a síntese moderna das nossas letras, afirmam no leitores e estudiosos, fascinados com a relação de cumplicidade critica que Garrett ousa manter com aquele ou aquela que percorre o mosaico textual do seu discurso
Orador e poeta, historiador e filósofo, critico e artista, jurisconsulto e administrador, erudito e homem de Estado, o autor do fabuloso e cada vez mais actual texto das Viagens na Minha Terra denuncia o seu profundo conhecimento dos homens e das coisas, que só um verdadeiro homem do mundo pode, como ele próprio afirmou, ao escrevei «Este meu inclassificável livro de viagens »
Armado de um sarcasmo, algumas vezes cortante e destruidor, peleja sem tréguas contra hipócritas e sofistas, respeitando sempre crenças, opiniões e sentimentos
Respondendo a um convite do escalabitano Passos Manuel, Chefe do Partido Setembrista na oposição, Garrett parte para Santarém em Julho de 1853 Na bagagem transportava as diferentes experiências do exílio, os regressos ao Pais liberto do poder absolutista, o combate no exército liberal e as promessas de uma escrita comprometida
Tal como o Arco de Santa Ana havia surgido durante o Cerco do Porto, também Viagens será texto primeiro visto ouvido, pensado e sentido com as gentes que foi encontrando, e só depois escrito
A revolução de Setembro de 1836 havia chancelado a vitoria dos liberais e motivado Garrett para uma intervenção ainda mais ecléctica - do teatro ao Parlamento, do conservatório ao jornal, cidadão e escritor acreditam na construção de uma nova sociedade Mas a guerra civil deixa marcas profundas Os ódios, os interesses individuais, a corrupção, os oportunismos políticos dos barões afastaram o soldado, o Deputado, mas não calaram o escritor que na humildade da palavra, reconhece que errou.
«Errámos e sem remédio A sociedade já não é o que foi, não pode tornar a ser o que era, mas muito menos ainda pode ser o que é» Porque «( ) O povo, o povo está são os corruptos somos nós, os que cuidamos saber e ignoramos tudo».
Entretanto, chega a Santarém, mas, viajante atento, repara que «( ) o livro de pedra em que a mais interessante e a ma. poética parte das nossas crónicas está escrita» foi mutilado, rasgado, arrancadas as folhas, e desabafa «Não se descreve por outro modo o que esta gente chamada governo ( ) está fazendo e deixando fazer.
As ruínas do tempo são tristes mas belas, as que as revoluções trazem ficam marcadas com o cunho solene da história Mas ( ) as mais brutas reparações da ignorância, os mesquinhos consertos da arte parasita, esses profanam a nossa história».
O percurso da visita no presente, revisita, assim, o passado na memória do património degradado e simultaneamente transforma-se em reportagem e reflexão que rompem as referências regionais e se intrometem no País ou irrompem pelo mundo.
Garrett comprometeu-se a ver e a ouvir, a pensar e a sentir e de tudo fazer crónica.
Foi proscrito e exilado mas amou «de um querer bruto e fero».
Foi romeiro num País que queria ver progredir, apesar de reconhecer que Sancho e Quixote «( ) Tão avessos e tão desencontrados, andam contudo juntos sempre, ora um mais atrás, ora um mais adiante »
Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs Convidados Porque todo o texto se constrói com outros textos, porque todo o pensamento se enriquece com outros pensamentos, permiti-me que diga com Garrett como curta é a memória dos povos Hão-de se ir educando à sua custa, talvez «O senso comum venha para o milénio Está prometido como el-rei da Prússia prometeu uma constituição, e não faltou ainda, porque porque o contrato não tem dia»

Aplausos gerais

O Sr Presidente: - Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Popular, tem a palavra o Sr Deputado Francisco Peixoto

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Convidados, Srs Deputados, Sr Ministro da Cultura Almeida Garrett o homem feito de sentidos, sentidos deambulantes, apaixonados, sonhadores, premonitórios até, contidos, convenientes - em todo o caso contraditórios, mas apaixonantes Talvez por um qualquer desassossego de alma, talvez por um qualquer fatalismo errático, fascinantemente amalgamados por toda uma necessidade de segurança, de reconhecimento, de regresso, possa ser entendido o vértice da personalidade de Almeida Garrett, nascido faz hoje, precisamente, 200 anos
Como conciliar a confissão na línca de João Mínimo, a propósito da arquitectura gótica, onde reconhece que esta lhe absorve os sentidos num indefinível estado de alma «que não sei explicar», mas que lhe enche a alma de «um certo não sei quê entre gozo, respeito, devoção, melancolia e suavidade» e que o leva a estas horas e horas esquecidas sem se lembrar ou sem se importar com mais nada?
Como conciliar a êxtase provocada e descrita nas Viagens na Minha Terra pelo bosque antigo e copado e pela