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18 DE FEVEREIRO DE 1999 1821

a necessidade de proteger as testemunhas intervenientes em processos que envolvam criminalidade violenta e altamente organizada, nomeadamente no âmbito do terrorismo, do tráfico de droga, da corrupção ou de outras formas de criminalidade económica e financeira e, por outro lado, a necessidade de proteger as testemunhas que se encontrem em situação de particular vulnerabilidade em processos que envolvam familiares próximos ou pessoas em relação às quais se encontrem em situação de dependência ou subordinação.
Quanto ao primeiro caso, que é o que suscita maiores problemas, é conhecida a dificuldade em encontrar quem se disponha a testemunhar contra associações criminosas, violentas e organizadas, por razões mais que óbvias. Em inúmeros estudos e relatos relativos ao combate à criminalidade organizada, em diversos países, não faltam exemplos de casos em que houve testemunhas assassinadas ou vítimas de processos implacáveis de chantagem, envolvendo, muitas vezes, os seus familiares próximos, ou ainda de organizações criminosas que ficaram ou permanecem impunes por força do círculo de intimidação e repressão que conseguem criar à sua volta.
São conhecidos, também, os problemas de segurança de todos os que, tendo pertencido a uma associação criminosa, se disponham a colaborar com a justiça no sentido do seu desmantelamento, como é o caso dos chamados «arrependidos». É conhecida ainda a necessidade de ocultação da identidade dos chamados «agentes infiltrados» em associações criminosas, sob pena de frustrar a sua acção futura e pôr em causa, obviamente, a sua própria segurança.
A protecção das testemunhas e dos seus familiares, se for caso disso, é, hoje em dia, um imperativo do combate à criminalidade organizada que se pretenda minimamente eficaz. Não há dúvidas a este respeito!
Determinadas formas de protecção previstas na proposta de lei do Governo não suscitam problemas de maior do ponto de vista constitucional, como é o caso dos programas especiais de segurança das testemunhas e seus familiares durante e após os processos. Também a audição através de teleconferência, por forma a evitar a presença física da testemunha na sala de audiências, não suscita problemas difíceis de ultrapassar do ponto de vista dos direitos da defesa. Os problemas mais melindrosos e complexos dizem respeito à conciliação entre o anonimato das testemunhas e a salvaguarda dos direitos da defesa, designadamente com o respeito pelo princípio do contraditório.
O Governo afirma, no preâmbulo da sua proposta de lei, que «tem de se reconhecer que a emergência de novas formas de delinquência, que se socorrem de meios de actuação cada vez mais difíceis de detectar, exige respostas eficazes, quer de âmbito preventivo quer repressivo, que, respeitando os princípios que estruturam o processo penal democrático, permitam assegurar, com realismo, a liberdade e a segurança». Afirma, mais adiante, que «a repressão da criminalidade, em nome da segurança, haverá sempre que compatibilizar-se com a salvaguarda das garantias de defesa. O ponto de encontro entre estas duas tarefas, ambas igualmente a cargo do Estado, poderá sofrer deslocações, por força de uma realidade que mudou, mas situar-se-á sempre, num Estado de direito democrático, dentro dos limites impostos pelo sistema legitimador fundamental».
Há que reconhecer, porém, que a salvaguarda dos direitos da defesa e o respeito pelo princípio do contraditó

rio num processo em que intervenham testemunhas cuja identidade, imagem e voz sejam absolutamente desconhecidas do arguido e do seu defensor, que não podem assim demonstrar a éventual falta de credibilidade das mesmas, é quase como conseguir a quadratura do círculo.
O processo complementar que é proposto para apreciação do pedido de não revelação da identidade da testemunha, com intervenção de um advogado nomeado para representar os interesses da defesa, que não se confunde com o defensor, é uma tentativa de salvar alguns direitos da defesa, mas não consegue contornar o incontornável.
A ocultação da identidade da testemunha, em casos absolutamente excepcionais e rigorosamente justificados, é uma proposta compreensível pelas razões a que, há pouco, aludi. Não pomos em causa a estimabilidade dos propósitos com que esta medida é proposta, mas importa avaliar com todo o rigor até onde é possível chegar sem lesar de forma insuportável o nosso ordenamento constitucional. A ocultação da identidade das testemunhas pode ter-se como justificada em algumas situações limite, mas não deixa de se traduzir num grave prejuízo para os direitos da defesa.
Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, em todo o caso, o processo de audições que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias já decidiu efectuar sobre esta matéria poderá ajudar a encontrar uma solução aceitável no nosso quadro constitucional, para a qual seguramente contribuiremos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Peixoto.

O Sr. Francisco Peixoto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O regime excepcional de aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal, hoje aqui proposto pelo Governo, representa, em nossa opinião, um contributo apreciável para a resolução de uma das problemáticas mais sensíveis e importantes que recentemente se têm colocado a todos os Estados de direito democrático.
Trata-se, no essencial, de conseguir o justo e sensibilíssimo equilíbrio entre os direitos individuais nesta matéria, garantidos e salvaguardados por declarações e tratados internacionais, que justamente constituem património da humanidade, e também pela nossa Constituição, designadamente pelo artigo 32.º, e todo um conjunto de novas medidas, dir-se-ia mesmo de novas necessidades tendentes à protecção do interesse colectivo de segurança.
Em todo o caso, parece não poder restar dúvidas que o conceito ou, pelo menos, a leitura mais habitual dos limites e do exercício dos direitos individuais, concretamente o arguido em processo penal, são clara e frontalmente postos em causa, diria mesmo em crise, perante esta nova necessidade, cuja gravidade e incontornabilidade se não discute e se aceita.
É precisamente sobre esta questão nodal que deverá incidir a apreciação do mérito ou do demérito desta proposta de lei, ou seja, desse tal equilíbrio salvaguardador, sempre, dos direitos dos cidadãos enquanto arguidos, o qual, em caso algum, desistiremos de defender, até porque somos daqueles que não vemos nas garantias processuais um obstáculo ou uma incomodidade à contabilidade pretendida da justiça portuguesa ou uma qualquer espécie de bode expiatório para lenitivo de desaires que têm de

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