O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2290 I SÉRIE - NÚMERO 61

progressivamente, toma pouco importantes as coisas importantes e toma pouco importante o sofrimento humano, o sofrimento alheio.
É, pois, muito complicado querermos despertar a sociedade para este problema concreto e para estes números, que deveriam horrorizar as pessoas ao invés de lhes criar uma insensibilidade para esta questão. Temo, aliás, que esta insensibilidade se tenha criado ao nível dos mais novos.
Por isso é que a família - entendida seja como for -, que tradicionalmente constituiu um espaço securizante, é, hoje, considerada um espaço de violência. Quando temos de reconhecer que, em muitas situações, a família já não é um espaço de segurança mas de risco, então, eu diria aqui, como, aliás, muito bem disse o Sr. Prof. Borges de Macedo, que as famílias também são - e neste aspecto, devíamos ser um pouco mais ponderados - sintoma da sociedade e sintoma da eficácia da sociedade. Portanto, este é um sintoma de eficácia zero da sociedade e um sintoma de uma sociedade que está doente.
Numa matriz cultural de violência, as famílias tornam--se num espaço que não é securizante, que não é afectivo, é um espaço de risco e de violência e as primeiras vítimas não são sequer, as mulheres, são as crianças, sendo as mulheres as segundas e começando a vislumbrar-se maus tratos em relação aos idosos e aos deficientes.
Por isso, considero que a rede das casas é certamente muito importante, sendo o nosso projecto de resolução também muito louvável, eventualmente, o Governo regulamentará ou não a lei, mas o problema é muito mais profundo do que isto. O problema é saber se há ou não, na sociedade portuguesa, interiorizada a consciência de que estas situações são graves, de que estas situações estão a aumentar, têm causas muito concretas e, em relação a essas causas, nós, infelizmente, todos os dias, entramos em profunda contradição: isto é, não queremos as consequências destas causas mas não temos qualquer vontade ou capacidade para as combater, de forma articulada.
Portanto, deixaria aqui não uma reflexão sobre os projectos, que, como disse, têm muito mérito, mas sobre o facto preocupante de a Assembleia fazer projectos de lei porque as leis em vigor não são regulamentadas, estando a querer ter quase um papel regulamentador quando, na realidade, o seu papel é outro.
Por outro lado, deixaria também uma reflexão sobre esta questão da violência, matriz cultural da nossa sociedade, neste momento, sem que haja em relação a isso qualquer reacção, como, por exemplo, um debate corajoso sobre a questão das televisões, sobre os media, correndo nós o risco até de sermos desagradáveis e sermos castigados por esses media, não aparecendo quatro vezes seguidas, etc... Em minha opinião, isso seria bem mais interessante, ou seja, tentarmos perceber o que é que se passa com as famílias portuguesas, entendidas em toda a sua variedade, para sabermos realmente se estamos ou não a dar um tratamento cada vez mais fragmentado às questões sociais, aos problemas sociais, o que penso que é muito mau.
Para terminar, quero dizer que quando falo na família falo num espaço onde os problemas se cruzam e onde também, tradicionalmente, os problemas se resolveram. Falo num espaço que tem gente nova e gente velha, gente capaz e gente incapaz, gente saudável e gente doente, gente com problemas e gente com menos problemas, mais feliz e menos feliz. Falo, nomeadamente, de toxicodependentes, de alcoólicos, de mulheres maltratadas, de pobreza, de desemprego e de outras coisas que, felizmente, também existem e são positivas.
Tratarmos, sistematicamente, estes problemas como se eles fossem isolados é, do meu ponto de vista, o pior serviço que prestamos à resolução destes problemas.
Neste momento, sobre planeamento familiar, temos uma lei, dois projectos de lei, que foram, tanto quanto me recordo, aprovados, e um projecto de resolução. Ora, interrogo-me: daqui a um ano teremos planeamento familiar? Naturalmente, não teremos!
Portanto, vou terminar, dizendo que os projectos são muito interessantes, são muito meritórios, mas o problema existe e, do nosso ponto de vista, para ser resolvido era preciso ir muito mais fundo, com debates feitos de uma forma muito mais sistematizada, em torno das verdadeiras causas e das verdadeiras razões.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Isabel Castro, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preocupante e chocante para todos nós, não só partidos políticos mas para toda a sociedade, saber que cerca do 50% das mulheres portuguesas são vítimas de violência, sobretudo de violência psicológica, como relatava um estudo publicado muito recentemente num órgão da comunicação social. É uma situação perversa, que realça, seguramente, o que de pior existe no ser humano.
Mas não escondamos o que é a verdade: o problema da violência contra as mulheres é, infelizmente para todos nós, um problema que afecta todos os estratos sociais, do mais alto ao mais baixo. Por isso, como dizia a Sr.ª Deputada há pouco, esta realidade reclama a nossa intervenção.
Mas a realidade reclama também, numa matéria cujos progressos são lentos, porque dependem de uma mentalidade e de uma cultura enraizada na sociedade portuguesa, fruto de uma ditadura que tivemos e que, infelizmente, pautou o nosso desenvolvimento por traços muito característicos, nomeadamente nesta matéria, sendo tão preocupante, a intervenção de todos nós, de toda a sociedade, na busca de soluções para este problema.
Ou seja, toda a sociedade deve estar sensibilizada no sentido de interiorizar a violência sobre as mulheres como um crime punível por todos nós. Por isto mesmo, a sociedade deve ser a primeira a estar envolvida e a ser incentivada na acção face à violência contra as mulheres e crianças, na defesa pura do respeito pelos Direitos do Homem. Sr.ª Deputada, esta é uma questão de cidadania, é uma questão de justiça social, e, se o vosso projecto não pode deixar de ser de saudar pela boa intenção, também é verdade que parte de uma concepção estatizante e asfixiante da sociedade civil, concepção que, aliás, está já ultrapassada, ao querer criar uma rede pública de apoio à mulheres vítimas de violência que obedeça nitidamente a um modelo rígido com uma implementação automática e não faseada.
Assim, questiono a Sr.ª Deputada: em primeiro lugar, vão VV. Ex.ªs criar uma rede pública sem atender às especificidades de cada região? Em segundo lugar - tendo em conta o papel preponderante da sociedade civil, de que são exemplo os centros de acolhimento existentes já

Páginas Relacionadas
Página 2291:
19 DE MARÇO DE 1999 2291 em cinco distritos, em Portugal, por iniciativa das várias associa
Pág.Página 2291
Página 2299:
19 DE MARÇO DE 1999 2299 Será importante, também, promover campanhas de sensibilização da o
Pág.Página 2299