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Sexta-feira, 21 de Maio de 1999 l Série - Número 88

VII LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE MAIO DE 1999

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em interpelação à Mesa, a Sr.ª Deputada Jovita Ladeira (PS) falou sobre a não votação do projecto de lei relativo à elevação da povoação de Luz de Tavira a vila, tendo-lhe sido dada uma explicação pelo Sr. Deputado Carlos Cordeiro (PS).
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido por Os Verdes, sobre o tratamento de resíduos industriais na óptica da Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, tendo intervindo, além da Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP), Fernando Pedro Moutinho (PSD). Joaquim Matias (PCP). Natalina Moura (PS) e Silva Marques (PSD).
O Sr. Deputado Cabrita Neto (PSD) anunciou a sua retirada da vida política e criticou o Governo pela não concretização de promessas para resolução de problemas na região do Algarve, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Valente (PS).
O Sr. Deputado Carvalho Martins (PSD) reclamou do Governo medidas urgentes com vista à dinamização do tecido empresarial do Alto Minho e à fixação da sua população. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Carlos Tavares (PS).
Ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, o Sr. Deputado Rui Solheiro (PS) congratulou-se pela realização de obras, nomeadamente no âmbito rodoviário, que levam a um maior desenvolvimento no distrito de Viana do Castelo, tendo ainda referido algumas carências e preconizado a criação de um plano de desenvolvimento integrado.
Ordem do dia. - Foi discutido e aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.º 670/VII - Confere aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social em empresas concessionárias da exploração e gestão de sistemas multimunicipais (PSD), tendo usado da palavra, a diverso titulo. os Srs. Deputados Manuel Moreira (PSD), Acácia Barreiros (PS), Silvio Rui Cervan (CDS-PP). Pimenta Dias (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Martim Gracias (PS).
Entretanto, foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 255/VII - Altera a Lei n.º 7/92. de 12 de Maio. que regula a objecção de consciência.
De seguida, mereceu igualmente aprovação um requerimento, apresentado pelo PS, PSD e CDS-PP, de baixa à Comissão de Economia, Finanças e Plano, sem votação, da proposta de lei n.º 259/VII - Altera a Lei n.º 46/98, de 7 de Agosto (Lei-Quadro das Leis de Programação Militar), no sentido de acomodar a locação e outros contratos de investimento no âmbito do equipamento das Forças Armadas.
Foi também aprovado, na especialidade e em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 165/VII (ALRA) - Regime jurídico de criação de freguesias na Região Autónoma dos Açores.

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Em votação final global, foram aprovados os textos finais, apresentados pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura. relativo ao projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual (PCP). e pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 232/VII - Altera a Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro. que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.
Foi ainda aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 244/VII - Estabelece a licença especial para o exercício transitório de funções de magistrado judicial ou do Ministério Público na Região Administrativa Especial de Macau.
A Câmara aprovou ainda dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, autorizando o Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PSD) a prestar declarações na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas e em tribunal.
O projecto de lei n.º 627/VII - Altera a Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, alargando a capacidade de fiscalização do exercício da função accionista do Estado (CDS-PP) foi também discutido na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Moura e Silva (CDS-PP). Octávio Teixeira (PCP), Carvalho Martins (PSD) e Casimira Ramos (PS).
Por fim, as propostas de lei n.º 265/VII - Aprova a lei de protecção das crianças e jovens em perigo, 266/VII - Aprova a lei tutelar educativa e 267/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, em matéria de processos tutelares civis foram igualmente discutidas, na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim) e do Sr. Secretário de Estado da Inserção Social (Rui Cunha), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Calvão da Silva (PSD), Maria do Rosário Carneiro (PSD) e António Brochado Pedras (CDS-PP).
Procedeu-se ainda à eleição de um membro para a Comissão Nacional de Eleições, tendo sido proclamado eleito lida Mana Guedelha Ferreira, e dos cinco representantes para o Conselho de Opinião da RDP, tendo sido proclamados eleitos Carlos Manuel Adrião Rodrigues, Mana Estrela Ramos Serrano Caleiro, Eduardo Prado Coelho, Eduardo Júlio Mignolet Oliveira da Silva e Jaime Fernandes.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum. pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Cardoso.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Martins Seguro.
António Manuel Carmo Saleiro.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Armando Jorge Paulino Domingos.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Casimiro Francisco Ramos.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda. •
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
Jovita de Fátima Romano Ladeira.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Caudal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Eduarda Bento Alves Ferrenha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto.
Martim Afonso Pacheco Gradas.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge Lúcio Arsénio.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António d'0rey Capucho.
António de Carvalho Martins.

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António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria de Lourdes Lara Teixeira.
Maria de Lurdes Borges Povoa Pombo Costa.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Francisco Amadeu Gonçalves Peixoto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Pedro José Dei Negro Feist.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gatão Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
António Luís Pimenta Dias.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

José Mário de Lemos Damião.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa diversos requerimentos.
Nos dias 6 e 7 de Maio de 1999: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Afonso Lobão; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Luís António Veríssimo; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Duarte e Rui Rio; ao

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Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulados pelos Srs. Deputados Pimenta Dias, Francisco José Martins e Alexandrino Saldanha; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado e Lino de Carvalho; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Santos Pereira; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelas Sr.ªs Deputadas Manuela Aguiar e Isabel Castro; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Arménio Santos; e ao Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 6 e 10 de Maio de 1999: Paulo Pereira Coelho, na sessão de 10 de Fevereiro; António Rodrigues, na sessão de 19 de Março; Alexandrino Saldanha, na sessão de 14 de Abril; e Ricardo Castanheira, na sessão de 23 de Abril.
No dia 11 de Maio de 1999: Duarte Pacheco, no dia 2 de Março; Jorge Roque Cunha, na sessão de 3 de Março; João Amaral, na sessão de 10 de Março; Fernando Jesus, na sessão de 17 de Março; Rodeia Machado; e Roleira Marinho, na sessão de 31.
Nos dias 14 e 17 de Maio de 1999: Luísa Mesquita, no dia 27 de Novembro e na sessão 25 de Março; Hermínio Loureiro, na sessão de 15 de Janeiro; Manuela Aguiar, na sessão de 17 Fevereiro; António Rodrigues, na sessão de 17 de Março; e Odete Santos, na sessão de 26 de Março.
No dia 18 de Maio de 1999: Luísa Mesquita, no dia 12 de Janeiro; Castro Almeida, nas sessões de 13 de Janeiro, 5 de Março e no dia 23 de Fevereiro; Lino de Carvalho, na sessão de 18 de Março; e Odete Santos, na sessão de 22 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que hoje, a partir das 16 horas, proceder-se-á, na Sala D. Maria, à eleição de cinco representantes para o Conselho de Opinião da RDP e de um membro para a Comissão Nacional de Eleições. Peco-lhes que não deixem de votar, como é nossa obrigação.

A Sr.ª Jovita Ladeira (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr.ª Deputada. Agradeço-lhe que seja o mais sucinta possível.

A Sr.ª Jovita Ladeira (PS): - Sr. Presidente, na reunião plenária de 13 de Maio, esta Câmara viu aprovada, por unanimidade - e, inclusivamente; por aclamação - um conjunto de projectos de lei cujo objecto foi a elevação de um vasto leque de aldeias a vilas e de vilas a cidades. Os diferentes grupos parlamentares com representação nesta Câmara tiveram, então, oportunidade de manifestar o seu regozijo pelo facto.
Como é óbvio, também as autarquias abrangidas por tais factos, de norte a sul do País, exprimiram o seu apreço, entre elas a Câmara Municipal de Tavira, que, através da sua nota de imprensa de 14 de Maio de 1999 se congratulou pela elevação de Santa Luzia à categoria de vila. Mas nessa mesma nota de imprensa, a dado momento, refere: «Também Luz de Tavira esteve à beira de ser votada para o mesmo efeito. O parecer da junta de freguesia, com o registo de entrada n.º 485, de 21 de Janeiro passado, no gabinete do Presidente da Assembleia da República, por razões estranhas (...)» - repito, «(...) por razões estranhas (...)» - «(...) desapareceu no próprio Palácio de São Bento, o que impossibilitou a votação hoje. No entanto, será proximamente feita também essa elevação.»
Sr. Presidente, farei chegar a V. Ex.ª cópia desta nota de imprensa, não só para seu conhecimento mas também para que sobre ela dê os esclarecimentos que julgar convenientes e o seguimento que entender por bem.
Quero ainda solicitar a V. Ex.ª que providencie no sentido de a 4.3 Comissão informar sobre a veracidade do que foi proferido, dado que, em meu entender, insinuações desta natureza são atentatórias do bom nome desta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pretende também interpelar a Mesa, Sr. Deputado Carlos Cordeiro?

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Pretendo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Provavelmente é para dar a explicação que já conheço.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, em resposta à interpelação à Mesa feita pela Sr.ª Deputada Jovita Ladeira, quero declarar que o projecto de lei respeitante à elevação a vila da povoação Luz de Tavira não foi apresentada para votação em Plenário porque se encontra incompleto: falta-lhe o parecer da Assembleia de Freguesia de Luz de Tavira.
Portanto, penso que há aqui alguma confusão: o parecer da junta de freguesia foi junto ao processo, mas o parecer da assembleia de freguesia não existe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é estranha, pois, a afirmação de que o texto do projecto de lei desapareceu no próprio Palácio de São Bento. Tenho já a informação de que ele se encontra-se na 4.ª Comissão e lamento que se possam fazer afirmações como essas, com tal dose de irresponsabilidade.
Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência requerido pelo Partido Ecologista Os Verdes sobre o tratamento de resíduos industriais na óptica da Lei n.º 20/99.
Para introduzir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este Gover-

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no anda a enganar as populações de Maceira e de Souselas; este Governo anda a enganar o País; a Sr.ª Ministra anda a esconder aos portugueses a opção do Governo.

Protestos do PS.

E sabem, Srs. Deputados, por que é que anda a esconder essa opção? Fá-lo, por uma simples razão: o Governo não tem opção ou, melhor, a opção do Governo é, para além do combinado com as cimenteiras, adiar, esconder, fugir.

Vozes do PS: - Isso é mentira!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados:
Ao adoptar, em 20 de Janeiro, a resolução proposta por Os Verdes de suspender o processo de co-incineração de resíduos tóxicos em Maceira e Souselas, a Assembleia da República manifestou, por expressiva maioria, uma vontade.
A Assembleia da República cumpriu vários deveres:
o dever, em primeiro lugar - para Os Verdes -, de não fechar os olhos à realidade e de travar o processo de entrega às cimenteiras de resíduos tóxicos para queimar, processo esse não só de desastrosa condução mas, sobretudo, de comprovada falta de rigor técnico e científico, de falta de transparência, de falta de credibilidade; o dever, em segundo lugar, de não fechar os ouvidos às múltiplas críticas, aos legítimos protestos, às fundadas interrogações vindas não só das populações, dos eleitos locais, mas também dos movimentos cívicos, de associações, da comunidade científica e da própria Universidade; o dever, finalmente, no nosso entendimento, de não se remeter ao silêncio nem de se alhear do problema dos resíduos industriais, que envolve relevantes questões para a saúde e para o ambiente, propondo uma metodologia, a única forma possível para tratar, de modo sério, aquilo que, de outro modo, não pode ser seriamente tratado.
Ou seja, parar para fazer aquilo que, embora elementar, não estava feito. Isso significava parar para identificar, para caracterizar, para ponderar as diferentes alternativas, para avaliar os factores de risco e para decidir, tendo em conta que essa decisão teria - e só - de privilegiar o interesse dos cidadãos, a saúde e o ambiente, e não a cedência a quaisquer outros interesses.
Uma decisão política que o Governo, com arrogância, ignorou, teimando no seu autismo, autismo esse que acabou por forçar a Assembleia da República a aprovar um diploma, a Lei n.º 20/99, para, por outra via, dar forma aquilo que o desprezo por este órgão de soberania não tinha permitido.
É, pois, neste contexto que Os Verdes suscitam agora este debate de urgência sobre a questão dos resíduos industriais.
Debate não tanto para avaliar o significativo silêncio de quem, como o Ministro José Sócrates, inspirador das opções do Governo nesta matéria, à sua margem e discretamente tem, com prudência, permanecido.
Debate não tanto virado para o passado recente, para nos determos nos excessos de um Governo que falou mais vezes como porta-voz das cimenteiras e dos seus interesses bolsistas do que como porta-voz do interesse público, que lhe caberia salvaguardar.
Debate tão pouco para avaliar do verdadeiro grau de pureza das intenções do Governo na forma como fez publicar os Decretos-Leis n.º' 120 e 121/99, na sequência da aprovação do diploma da Assembleia da República sobre a suspensão das operações de co-incineração.
Debate que, não podendo naturalmente alhear-se da forma, queremos, sobretudo, que incida sobre o conteúdo das medidas políticas.
Debate para que, acima de tudo, fique claro - para quem, como o Governo, tem manifestado dificuldades de compreensão e de aceitar outras opiniões que não a sua - que para Os Verdes serão totalmente ilegais e intoleráveis todas e quaisquer operações de co-incineração em Maceira ou em Souselas, bem como em Alhandra ou em Outão, mesmo que executados a título de testes, enquanto não forem cumpridas todas as disposições constantes da Lei n.º 20/99.
Debate para que fique que não haverá qualquer credibilidade neste processo enquanto não existir, efectivamente, um registo nacional credível dos resíduos industriais produzidos, que os quantifique e tipifique, com vista a uma caracterização rigorosa dos que, tóxicos ou não, exigem tratamento.
Debate para que fique claro que não haverá, para nós, qualquer estratégia integrada digna desse nome, ou seja, que não haverá qualquer Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais nos termos do proposto na lei enquanto não houver dados credíveis sobre os quais trabalhar e se continuar a decidir de modo avulso, brincando ao «faz de conta».
Debate para que fique claro que não haverá, para Os Verdes, qualquer plano estratégico que corresponda aos necessários objectivos de alteração dos processos produtivos de redução, de reutilização e de reciclagem enquanto não se abandonarem cenários à toa, isto é, enquanto não houver compromissos sérios assumidos pelo Governo que se traduzam em objectivos precisos, rigorosos nas datas e com clareza de meios.
Debate, para que fique claro que o Governo não pode continuar a desresponsabilizar-se e a «sacudir a água do capote», como hoje faz, sobre os quotidianos riscos para a saúde e para o ambiente que os resíduos industriais a monte representam, antes para que perceba que é obrigado a adoptar medidas que permitam, no curto prazo, a sua adequada deposição ou armazenamento controlado, sendo politicamente responsável pelo que da sua não adopção resulte.
Debate para que também fique claro não só nesta Câmara mas, sobretudo, para todos os portugueses, a escassos meses de o Governo do Partido Socialista cessar funções, que o problema dos resíduos industriais continua - aliás, foi sempre assim que ele esteve em Portugal - adiado, escondido, resíduos industriais que continuam sem uma política, sem uma estratégia, sem um plano, uma realidade incontornável, que a leitura do documento, há cerca de um mês apresentado e impropriamente designado por

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plano estratégico, tristemente confirma. Um documento que se limita a anunciar medidas, medidas que se ficam por um vasto, vago e impreciso conjunto de intenções, medidas que hoje, tal como ontem, de concreto e de real só contêm a parte da co-incineração de resíduos tóxicos.
Uma medida que não é séria, que é uma medida avulsa, sem rigor, que não é parte integrante nem suportada por estudo algum, por nenhuma estratégia para a gestão dos resíduos industriais, que comprovadamente não existe.
Uma medida que não significa tão pouco o tratamento, a eliminação ou a procura, mais do que desejável, de uma solução por nós tantas e tantas vezes reclamada para os resíduos industriais, que - e é bom lembrar - vão ficar, na sua maioria - e falo de mais de 90% -, bem ao contrário do que a propaganda do Governo fez crer, sem qualquer tratamento.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Concluo como comecei, ou seja, dizendo que o Governo anda a enganar o Pais, que o Governo anda a enganar as populações de Maceira e de Souselas, que o Governo anda a enganar aqueles que lhe confiaram o seu voto.
Isto porque, preso aos interesses únicos e às opções das cimenteiras, adia as opção opções que, em nome dos cidadão, lhe competia tomar.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O presente debate de urgência constitui uma oportunidade para fazermos uma pequena reflexão sobre a política para os resíduos industriais, nunca perdendo de vista a questão de fundo subjacente à Lei n.º 20/99.
A dimensão e a gravidade que assume o problema dos resíduos industriais, em particular no que respeita às consequências ambientais da ausência de tratamentos adequados, impõem que se defina uma estratégia clara, capaz de conduzir a uma gestão eficiente, moderna e adequada, clarificando-se regras e identificando-se responsabilidades.
As ameaças à saúde pública e à qualidade de vida dos cidadãos, provocadas pela deficiente gestão dos resíduos industriais, obrigam a uma intervenção urgente e séria que não se compadece com medidas de remendo ou com experiências avulsas importadas de outros países da União Europeia.
Actualmente continuamos a não poder precisar as reais quantidades de resíduos industriais que são produzidas, bem como as características físicas, químicas e biológicas que os definem e que deveriam estar na base do seu encaminhamento para as adequadas soluções de tratamento.
Esta necessidade de inventariação e de caracterização dos resíduos foi uma das prioridades subjacentes à Lei n.º 20/99, cujo objectivo não se limitou à suspensão do processo de co-incineração nas unidades cimenteiras nacionais.
Aliás, falar em co-incineração é falar apenas de uma parte dos resíduos industriais existentes e é falar apenas de um possível vector de uma política para este tipo de resíduos, política essa que sé pretende global.
E é precisamente tendo em conta que a política para os resíduos industriais tem de ser uma política global, estruturada, consistente, com rumo definido que a Assembleia da República legislou no sentido de cometer ao Governo a apresentação, até ao final da presente legislatura e por decreto-lei, de um plano estratégico de gestão dos resíduos industriais que integre a sua concreta inventariação e caracterização e que assuma como prioridade as suas redução, reutilização e reciclagem
Legislou também no sentido de cometer ao Governo, até à entrada em execução do presente plano, a adopção de medidas que permitam, no curto prazo, uma adequada deposição ou armazenamento destes resíduos e. ainda, no sentido de suspender a aplicação da legislação que punha em curso o processo concreto de co-incineração. Mas legislou também no sentido de constituir uma comissão científica que procedesse ao estudo global da questão dos resíduos industriais.
Ora, se quanto à criação da referida comissão e se quanto também, talvez, à suspensão do processo de co-incineração, o Governo se apressou a dar alguns sinais, quanto às medidas de curto prazo nenhuma notícia até agora tivemos.
Por outro lado, no respeitante ao plano estratégico de resíduos industriais, sabemos que o mesmo ainda está em fase de elaboração e a sua versão preliminar, que nos foi acenada - e apenas acenada - pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, parece-nos não ter presente as reais preocupações plasmadas na Lei n.º 20/99.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Independentemente do contributo que, oportunamente, daremos ao referido plano, não poderíamos deixar de, construtivamente, partilhar algumas ideias que nos parecem fundamentais.
Desde logo, entendemos que o 'tratamento ou a eliminação de qualquer fracção de resíduos industriais à margem de um sistema integrado poderá conduzir a uma situação tendencialmente incontrolável e dificilmente remediável. E, assim, qualquer avanço neste sector terá sempre de ser acompanhado de procedimentos rigorosos, de decisões políticas corajosas e, sobretudo, de uma fiscalização firme sobre todos os casos de violação e atentados ao ambiente e a saúde pública.
Mas não basta uma atitude fiscalizadora e repressiva! As empresas devem ter vantagens económicas que incentivem a procura das melhores soluções ambientais para os seus resíduos.
O Governo terá, pois, de dar o necessário apoio à redução, reutilização e reciclagem de consumos de materiais e energia, à reconversão ambiental das indústrias, ao estudo e divulgação das tecnologias menos poluentes disponíveis, bem como ao reforço da contratualização com as indústrias, no sentido da concessão de incentivos ao cumprimento escrupuloso das normas ambientais.
É que o ambiente jamais poderá ser visto como um custo e a poluição como uma externalidade que as empre-

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sãs têm de suportar, mas antes como uma oportunidade que tem de ser aproveitada, um recurso para o desenvolvimento, escasso e, como tal, carente de uma gestão criteriosa, global e orientada a prazo.
Infelizmente, constatamos que a inexistência de tratamentos e destinos finais adequados, juntamente com a falta de informação legal, técnica e estratégica, levam muitas indústrias a armazenar e a depositar os seus resíduos em situações muito precárias, sem qualquer segurança ou controlo ambientais ou, pior ainda, fazendo despejos ilegais e selvagens nos solos e nas linhas de água.
Ora, se as indústrias tiverem adequada formação e se lhes forem apontados caminhos viáveis para a gestão dos seus resíduos, estamos certos de que deixarão de abandoná-los pura e simplesmente.
São essa formação e esses caminhos que incumbem ao Governo indicar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Lei n.º 20/99, ao cometer ao Governo a apresentação de um plano estratégico de gestão dos resíduos industriais e ao prever a constituição de uma comissão científica que proceda ao estudo global da questão dos resíduos industriais, contribui para dar ao Governo um rumo, uma orientação, uma oportunidade no sentido da concretização de uma política eficaz para os resíduos industriais.
E o ponto de partida não poderá deixar de ser, precisamente, esse plano concreto, que deverá, entre outros: integrar uma verdadeira e independente inventariação e caracterização, localização e ritmo de produção destes resíduos; integrar prioridades, metas de redução, prazos para obtê-las, calendários de investimentos e mecanismos eficazes de acompanhamento e de fiscalização, bem como prever um completo registo nacional dos resíduos produzidos no sector industrial; conter uma estratégia nacional, discutida no sentido da mudança dos próprios processos produtivos, da implantação de tecnologias mais limpas, do controlo integrado da produção, da redução, da reutilização e da reciclagem.
Mas tudo - e sempre - com base nos pressupostos concretos da Lei n.º 20/99, ou seja, no conhecimento exacto das quantidades, tipos, características, localização e ritmo de produção, actual e. futura, dos resíduos industriais nacionais, o que, sinceramente, muito desejaríamos que acontecesse, mas que não nos parece estar a acontecer.
O nosso apelo é tão-só o seguinte: aproveite o Governo esta oportunidade, pois a natureza não perdoa e dificilmente nos dará outra.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados:
Sobre esta matéria, o Partido Social-Democrata tem já expendido neste Hemiciclo a sua posição. Daí que, relativamente ao essencial, nada mais valha a pena acrescentar. à excepção de que esperamos que o Governo cumpra a sua parte relativamente ao que já foi aprovado nesta Assembleia.
Mas gostaríamos de aproveitar a oportunidade deste debate para colocar ao Governo algumas questões, começando por algo que decorre da Lei n.º 20/99. Tem a ver com o Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais, relativamente ao qual existe um estudo preliminar em circulação para debate público, mas que, até hoje e oficialmente, a Assembleia da República não recebeu. E aquilo que quero dizer-lhe, Sr.ª Ministra, relativamente a esta matéria e à lei que sobre ela está em vigor, aprovada pela Assembleia da República, é que o Governo ficou com a responsabilidade de, até ao final desta legislatura, apresentar um documento final. Mas esse documento final não pode ser um documento qualquer, tem de ser um documento que' aponte claramente para os três «R», concepção filosófica sobre a forma como devem ser tratados os resíduos que tem de ser claramente expendida nessa mesma proposta. É exactamente sobre isso que temos muitas e sérias reservas, pois não sabemos se esse documento, que, quando estiver concluído, será apresentado à Assembleia da República, atingirá esse grau de exigência.
Essa não é, no entanto, a única questão que queria-mos colocar-lhe. Há também uma questão que decorre da Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, e que está associada às medidas que permitem adequada deposição ou armazenamento controlado dos resíduos neste período de tempo. Ou seja, Sr.ª Ministra, o Governo estava obrigado a encontrar soluções para a deposição e armazenamento controlados dos resíduos neste período de tempo. Curiosamente, nada sabemos sobre este controlo que o Governo implementou em relação a esses mesmos resíduos. A Sr.ª Ministra, provavelmente, argumentará que as medidas já estavam assumidas, já estavam em curso, mas as medidas que queremos não são as que já estavam em curso, porque já sabíamos que essas eram precárias e deficientes. Queríamos outras medidas, queríamos aquelas que iam decorrer até ao período em que serão conhecidos o Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais e a solução para os resíduos industriais perigosos.
Sr.ª Ministra, temos 16000 toneladas de resíduos industriais perigosos para incinerar, temos cerca de 125000 toneladas/ano de resíduos perigosos a tratar e temos cerca de 2,5 milhões de toneladas de resíduos industriais, em geral, que têm de ter uma solução no País. Curiosamente, Sr.ª Ministra, o Grupo Parlamentar do PSD colocou ao Governo, em Fevereiro, um conjunto de perguntas, inclusivamente assinadas pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo e por mim próprio, associadas a uma questão que, no fundo, já aqui referimos noutras circunstâncias, mas que voltarei a colocar de uma forma muito clara. Gostaríamos de saber se as experiências de queima de resíduos que foram feitas em algumas cimenteiras foram, ou não, feitas com resíduos perigosos. Gostaríamos ainda de saber que resíduos perigosos eram esses e qual o tipo das emissões daí resultantes. Ainda não obtivemos estas respostas desde Fevereiro, Sr.ª Ministra. Como é que podemos acreditar que é possível ter um acompanhamento técnico desses processos se essas informações nem sequer chegam ao nosso conhecimento, enquanto representantes soberanos do povo português?

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São estas as questões que colocamos e são estas respostas que queremos obter do Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Decorridos três meses sobre a aprovação da Lei n.º 20/99. de 15 de Abril, que suspendeu o processo de co-incineração, é hoje ainda mais claro que a decisão do Governo, de Dezembro, de iniciar a co-incineração de apenas 13% dos resíduos industriais perigosos nas cimenteiras de Souselas e Maceira, com estação de pré-tratamento no Barreiro e de transferência em Estarreja, foi uma decisão incorrecta e precipitada, mal fundamentada e muito pouco transparente, como, na altura, afirmámos, uma decisão do Governo que foi contra a oposição justa e justificada das populações, de grande parte da comunidade científica e do próprio parecer do Conselho Nacional do Ambiente.
Um Governo que se diz «de diálogo», fez tábua rasa da discussão pública do estudo de impacte ambiental a que era obrigado e ignorou a deliberação aprovada na Assembleia da República. Mas foi um Governo que usou e abusou dos meios de comunicação social para fazer propaganda demagógica.
Seria bom que a Sr.ª Ministra fosse agora, passados cinco meses, à televisão, informar que tinha faltado à verdade quando acusou a oposição de entravar a resolução do problema dos resíduos industriais. Seria bom que fosse à televisão informar que a co-incineração pressupunha a reabilitação ambiental prévia das localidades com cimenteiras instaladas e que, estando o Governo obrigado pela Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, a executar essa reabilitação, ainda não foi capaz de dar passos significativos nesse sentido. Nem sequer os filtros de manga, para melhorar a qualidade do ar, foram instalados.
Já tem o Governo, pelo menos, definidos os programas de reabilitação ambiental? E quais as datas de execução previstas?
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra. Srs. Deputados: A co-incineração que o Governo havia decidido não passava afinal de um negócio adicional para as cimenteiras, acompanhado de uma acção de propaganda que visava iludir a realidade existente e esconder a incapacidade do Governo para definir uma política correcta para os resíduos industriais perigosos e não perigosos produzidos no País. Isto é: iludir e esconder o cerne do problema, porque a questão principal, como sempre afirmámos, reside na imperiosa necessidade de pôr termo à inaceitável realidade existente no nosso País. realidade caracterizada por um quadro de agressão ambiental permanente, com atropelos constantes à legislação em vigor e atentados à saúde pública. Não existe um levantamento das lixeiras de resíduos industriais, nem se conhece com exactidão o que temos, o que produzimos e as tendências da variação da produção dos resíduos industriais.
Uma política para o sector tem de visar a melhoria da qualidade do ambiente, da qualidade de vida e a defesa da saúde das populações, não podendo nunca subordinar estes objectivos essenciais aos aspectos técnicos e económicos dos processos de tratamento dos resíduos, que escondem, atrás de estatísticas e de medidas em «nano e picogramas», riscos reais para as populações que não podem ser tolerados. Mas, lamentavelmente, foi este o caminho escolhido pelo Governo.
A Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, logo no artigo 1.º, obriga à «execução de um plano estratégico que integre a inventariação e a caracterização dos resíduos produzidos ou existentes no País» e, no artigo 2.º, a «adoptar medidas que permitam, no curto prazo, uma adequada deposição ou armazenamento controlados dos resíduos».
Que medidas tomou o Governo neste sentido? Ou será que continuam alguns industriais a ignorar pura e simplesmente a lei, atentando contra o meio ambiente e a saúde pública, e nem sequer apresentam a declaração anual obrigatória de registo dos resíduos produzidos, perante a inadmissível passividade do Governo?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Existe, da parte dos portugueses, uma fundada e legítima falta de confiança, quer nos processos industriais quer na Administração Pública e nos seus serviços. Falta a ambos, devido à sua própria prática, a indispensável credibilidade. Este Governo, durante toda a legislatura, não conseguiu nem mudar a prática da Administração nem fazer cumprir a legislação em vigor para os resíduos industriais. A situação ambiental do País nestes quatro anos agravou-se, a falta de confiança das populações aumentou e só exclusivamente o Governo é responsável por tal evolução negativa!

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sem um plano estratégico para os resíduos industriais, com a caracterização permanentemente actualizada da sua produção controlada e subordinada aos princípios de redução, reutilização e reciclagem, não é possível determinar um destino final adequado face aos meios técnicos e tecnológicos disponíveis, por forma a salvaguardar o meio ambiente e a defesa da saúde pública. Um plano estratégico, a cuja execução o Governo está obrigado pela Lei n.º 20/99, deve ter objectivos e prioridades bem definidas e aceites por todos os intervenientes, incluindo as populações, plano estratégico esse cujo cumprimento obrigatório o Governo e a Administração Pública também deverão garantir.
É este caminho que o Governo, de forma pouco compreensível, se tem recusado a seguir, mas é o único capaz de conduzir a uma correcta política para a eliminação dos resíduos industriais, cuja adopção urgente reclamamos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os problemas ambientais com que nos deparamos hoje são, em grande parte, resultantes de uma insuficiente, incorrecta ou nula

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gestão ambiental. As actividades industriais conduzem, em qualquer circunstância, à produção de resíduos, aos quais tem de se assegurar destino adequado, tendo sempre presente a qualidade de vida das populações.
Se partirmos do princípio de que o problema de co-incineração não pode ter uma leitura isolada, tendo de integrar-se no contexto de uma política nacional de resíduos como parte integrante de uma política de ambiente global, orientada para um crescimento sustentado e sustentável e se partirmos do princípio de que existem cinco parâmetros básicos de gestão ambiental - a saber, a prevenção, a precaução, o poluidor/pagador, a cooperação e a subsidiariedade -, temos de nos interrogar por que estão neste momento a ser atropelados estes princípios e a quem aproveita esta situação.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Ao apontar-se a co-incineração como medida que poderá pôr cobro a uma situação insustentável, os arautos da desgraça logo proclamaram: «A co-incineração não é uma solução segura! A co-incineração não resolve o problema dos resíduos perigosos! A co-incineração não conduz à redução dos resíduos! A co-incineração não é requalificação ambiental alguma! A co-incineração não é solução ambientalmente credível!»

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Isso é verdade!

A Oradora: - Tudo isto ao arrepio das soluções encontradas, quer a nível da União Europeia quer a nível mundial.
Esperava-se que apontassem alternativas, mas não o fizeram e, sendo assim, interrogamo-nos, mais uma vez, sobre a quem aproveita este tipo de argumentação sem saída.
O Governo, pela mão da Ministra do Ambiente, considerou que urgia resolver uma situação insustentável, defendendo aquilo que politicamente se preconizava para o tratamento de resíduos industriais perigosos. O diagnóstico estava feito, senão vejamos: em 1985, foram lançadas as bases da política nacional de resíduos, nelas se incentivando a política de redução e reciclagem. Em 1986, o MARN estava na posse do levantamento da produção, tipologia, tratamento e destino final dos resíduos produzidos em Portugal. Entre 1987 e 1990, foi apontado para a gestão dos resíduos industriais o sistema integrado de resíduos industriais, também aqui se apontando para que em Sines funcionasse uma estação de incineração dedicada - uma empresa de tratamento físico-químico, dois aterros e uma estação de transferência. Em 1994, é feita uma avaliação da situação e aponta-se para uma incineradora dedicada em Estarreja. Estudos sobre estudos... Porém, em termos de soluções palpáveis, nada foi feito!
Não se entende que se queira pôr em causa a Convenção de Basileia de 22 de Março de 1985, que Impôs o controlo das transferências transfronteiriças de resíduos perigosos, impondo a sua eliminação prioritariamente nos Estados onde os mesmos se produzem. Não se percebe que estejam a ser igualmente postas em causa a Directiva do
Conselho de 6 de Dezembro de 1984, que estabeleceu regras relativas à vigilância e ao controlo pela Comunidade das transferências transfronteiriças de resíduos perigosos na sua área de jurisdição.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não queremos acreditar que alguém com responsabilidade e com postura de Estado tenha em mente desafiar os termos da Directiva do Conselho de 2 de Abril de 1990, que reforçou o controlo, proibindo a exportação de resíduos perigosos para qualquer país que tenha proibido a importação desses resíduos para nele serem eliminados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs Deputados: No momento em que o Governo se empenhava na resolução do problema, para espanto de muitos, confronta-se o saber com o poder ou, melhor, os saberes com os poderes, só se podendo entender esta postura no sentido exacto de «marcação de terrenos» e de apropriação dos mesmos. Com estes sinais, os comportamentos pré-reactivos explodiram. Naturalmente que ninguém os condena, o que se condena são os meios que foram utilizados, a que não está isenta a má fé de alguns, a ingenuidade de muitos, a injúria de outros e o catastrofismo de tantos mais, ou seja, uma panóplia de comportamentos e atitudes postos em equilíbrio instável com uma única intenção: descredibilizar a solução técnica encontrada, semeando a desconfiança, agitando os sentimentos, provocando receios e angústias existenciais.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Estava a ir tão bem!

A Oradora: - O policlorodibenzo, vulgo dioxinas, foi redescoberto, foi potencializado até à exaustão. E é com esta perspectiva catastrofista que hoje enfrentamos um problema que foi seriamente tratado e cujas falhas iniciais foram colmatadas.
Naturalmente que ninguém pode garantir que não haja outras saídas, porventura ainda impossíveis de prever, mas pensar-se hoje, à luz dos conhecimentos de que dispomos, que a solução deve ser «recolher, armazenar e classificar os resíduos tóxicos», como preconiza o PSD, não se nos afigura como hipótese séria e credível; é demagógica, redutora, politicamente mesquinha e falaciosa
A Assembleia da República aprovou, em 25 de Fevereiro de 1999, a Lei n.º 20/99. Nesta foi retomado o princípio da redução, reutilização e reciclagem dos resíduos produtivos no País, apontando-se a obrigatoriedade do Governo apresentar até ao final da legislatura um plano estratégico de gestão dos mesmos. Com esta lei suspendeu-se a aplicação do Decreto-Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, no que concerne às operações directamente relacionadas com a co-incineração. Este decreto-lei será revisto três meses após a publicação do relatório da Comissão Científica e Independente, entretanto constituída.
Nesta Câmara ficou esclarecido o sentido dos Decretos-Leis n.0' 120 e 121/99, de 16 de Abril, tendo-se reco-

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nhecido que os mesmos não violam o estipulado na Lei n.º 20/99, pondo cobro à afirmação proferida por alguns que acusavam o Governo «de agir de má fé».
Recordamos que face à frustrada tentativa, aqui ensaiada pelo PSD, no sentido de demonstrar que o Governo estaria a procurar manter inalterada a forma de gestão dos resíduos industriais através de «manipulação legislativa», o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares sugeriu que o PSD apresentasse uma moção de censura.

O Sr. .Azevedo Soares (PSD): - Isso foi porque o Sr. Ministro estava mal disposto! Deu-lhe para aí!

A Oradora: - Moção de censura não apresentaram e foi necessário que o Sr. Presidente da Assembleia da República emitisse, numa nota, opinião que dirigiu directamente às direcções dos grupos parlamentares e apelasse para uma «reflexão profunda» para pôr cobro a uma tão injustificada discussão.
Enquanto tudo isto se passava, o Governo trabalhava ..

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso é muito bem lembrado!

Risos do PSD.

A Oradora: - ... dando continuidade à organização do plano estratégico sectorial de gestão dos resíduos industriais, desenvolvido no Instituto dos Resíduos sob a orientação de um grupo de coordenação de individualidades de reconhecido mérito e prestígio. Aversão preliminar foi apresentada em 7 de Abril, tendo a comunicação social dado eco da mesma. Aguardam-se agora, até 31 de Maio, os contributos com vista ao enriquecimento do mesmo.
Atendendo a que o plano estratégico dos resíduos industriais caracteriza quer as indústrias existentes quer os resíduos por elas produzidos, dando igualmente visibilidade ao Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos, ao Plano Estratégico Sectorial dos Resíduos Hospitalares, assim como aos Resíduos Industriais Banais, vulgo RIBS, importaria, nesta fase, ter uma ideia clara do ponto de situação deste conjunto de operações, pois a saúde ambiental do País será o reflexo da actuação em todas estas áreas de intervenção.
Sr. Presidente da Assembleia da República, «mudar hoje ou morrer amanhã?», questiona V. Ex.ª na recente obra que dá por título Do outro lado da esperança e cuja leitura se recomenda vivamente. Faz V. Ex.ª uma referência notável a Osborn Wilson, que nos deixa um aviso: «O Homem é, de facto, a única espécie que criou os meios de se destruir. A inteligência e o individualismo não programados, no Homem, ameaçam a própria espécie.»
Este parece, aliás, ser o síndroma da oposição, nomeadamente do PSD: criticar, nada fazer, não decidir e nada mudar!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Isto distingue-nos particularmente: nós propomos soluções, discutimo-las, decidimos e mudamos; sabemos, pois, Sr. Presidente, mudar hoje para não morrer amanhã!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, as referências ao Sr. Presidente ser-lhe-ão comunicadas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente.

A Sr.ª Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Determina a Lei n.º 20/99, de 15 de Abril, a suspensão da aplicação do Decreto--Lei n.º 273/98, de 2 de Setembro, no que respeita às operações de co-incineração até que se cumpra um conjunto de condições. Essas condições são claras: a apresentação, hoje aqui várias vezes citada, até ao final da legislatura de um Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais, o qual deverá ser aprovado por decreto-lei. e a constituição de uma Comissão Científica Independente para «relatar e dar parecer relativamente a ao tratamento de resíduos industriais perigosos».
Teve ainda a lei a preocupação de, no seu artigo 3.º, n.º 2, explicitar que «o disposto no número anterior não prejudica a imediata execução dos programas de reabilitação ambiental das povoações onde estão localizadas unidades cimenteiras.»
É com muito interesse que venho, pois, dar conta ao Parlamento do grau de cumprimento do estabelecido nesta lei.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Aquando da aprovação da lei na Assembleia da República, estava já em curso a elaboração do Plano Estratégico de Gestão dos Resíduos Industriais (PESGRI), no cumprimento do determinado no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro. Com a decisão da Assembleia da República, este plano adquiriu, no entanto, renovado significado, para além de um ajustamento no seu calendário de execução. A apresentação pública da sua versão preliminar foi feita com grande participação pública e ampla cobertura da imprensa, no passado dia 7 de Abril. A apresentação pública da versão definitiva, nos aspectos que a Assembleia da República considera essenciais, está prevista para a primeira quinzena de Julho, o que, a ser respeitada a previsão, permitirá cumprir, por antecipação, os prazos definidos pela Assembleia da República. A aprovação do previsto decreto-lei decorrerá naturalmente deste documento estratégico.
No que respeita à Comissão Científica Independente, e apesar de o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ter já, a 9 de Fevereiro, indicado o nome dos três elementos que lhe cabem na Comissão, a instalação efectiva da mesma está condicionada, no respeito estrito pelas decisões do Parlamento, ao resultado do processo em curso, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, de Apreciação Parlamentar dos decretos-leis que lhe dão suporte, ou seja, os Decretos-Leis n.º s 120 e 121/99.
Particularmente importante para as populações de Maceira e de Souselas é o compromisso assumido na reunião havida em 8 de Janeiro com os presidentes das Câ-

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maras Municipais de Coimbra e Leiria, os presidentes das Juntas de Freguesia de Maceira e de Souselas, as associações cívicas locais e o Governo e com o envolvimento pessoal do Sr. Primeiro-Ministro, na qual se assegurou o desenvolvimento de um esforço articulado de recuperação do passivo ambiental criado pelas unidades cimenteiras face às populações residentes na sua envolvente.
As acções previstas neste âmbito passavam pela requalificação das próprias unidades cimenteiras, nomeadamente com a instalação de filtros de mangas, numa primeira fase em Maceira e Souselas (abrangendo todos os fornos) e, subsequentemente, nas restantes cimenteiras.
Neste sentido, importa relevar a importância da assinatura, em 19 de Janeiro último, um Contrato de Melhoria Contínua de Desempenho Ambiental do Sector Cimenteiro, onde se calendariza o ajustamento global dessas unidades não apenas relativamente à legislação em vigor mas sobretudo num processo que vai permitir que, até 2004, essas unidades produtivas vejam o seu sistema reconhecido pelo Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria (EMAS), materializando o reconhecimento internacional do comportamento das empresas em termos de qualidade e de respeito pelo ambiente. É importante também valorizarmos algumas das conquistas que as empresas portuguesas vão tendo e, portanto, parece-me interessante registar que, neste âmbito, a cimenteira do Outão acaba de ver reconhecido pelo sistema de certificação internacional ISO 14 000 o seu processo produtivo, esperando também obter rapidamente um certificado do EMAS. O programa de concretização deste esforço está a ser acompanhado, na prática, por uma comissão de acompanhamento, tal qual estava previsto; tenho nas minhas mãos o último relatório de apreciação - e está acessível, se necessitarem dele - onde se prova que, de facto, está em curso um esforço grande de requalificação ambiental. Tenho-o nas mãos e, se precisarem, tenho todo o interesse em divulgá-lo.
Uma das peças mais visíveis deste processo é a introdução de filtros de mangas em todos os fomos das unidades cimenteiras de Maceira e de Souselas. As candidaturas relativas a estes investimentos foram expurgadas Ce gostava de fazer notar isso), no cumprimento estrito da Lei n.º 20/99, da Assembleia da República, de todos os elementos associados ao processo de co-incineração e foram apenas retidos os elementos que constavam do contrato de melhoria contínua de desempenho ambiental das cimenteiras, que estavam garantidos e eram um compromisso com ou sem co-incineração. Isto significa, Sr. Deputado, que, naturalmente, não estão em obras - estão as candidaturas a decorrer - e a instalação, como foi sempre dito, demora, no mínimo, um ano. As candidaturas já foram enviadas para processamento, o investimento é da ordem dos 2,65 milhões de contos e o Programa Ambiente financiará 1,24 milhões de contos, sendo o restante à conta das próprias unidades cimenteiras. Sendo assim, espera-se que, entre Fevereiro e Maio do ano 2000, as cimenteiras de Maceira e Souselas estejam a trabalhar com filtros de mangas em todos os fornos das unidades cimenteiras. o que significa que essas empresas estarão a cumprir, por antecipação relativamente à legislação comunitária, investimentos que serão apenas exigíveis para as restantes unidades da Europa em 2007. Portanto, estamos mais qualificados ambientalmente do que o resto da Europa.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas os compromissos assumidos em Janeiro passavam ainda pela requalificação da envolvente e havia o compromisso de encomendar «a um arquitecto urbanista qualificado» um projecto orientador de requalificação. Este é, talvez, um dos processos mais interessantes e que ilustra o claro espírito de cooperação e capacidade de contratualização que, apesar do esforço de vários protagonistas no sentido de o destruir e minar, continua a ser possível encontrar em Maceira e em Souselas. Assim, têm trabalhado em conjunto os representantes da Administração Central, os representantes dos municípios e os representantes das freguesias, e este grupo de trabalho produziu - tal como impunha o despacho que estava previsto - em seis semanas uma proposta muito clara daquilo que é a intervenção. Este trabalho foi acompanhado pelo prestigiado arquitecto Gonçalo Byme, um maceirense, e o resultado desse trabalho está aqui disponível - tal como o meu Colega António Costa tinha dito, no dia 14 de Maio, ele foi entregue ao Ministério do Ambiente, será analisado por este grupo de trabalho e, a partir daí, passar-se-á à instalação dos gabinetes técnicos de requalificação. Portanto, o trabalho está aqui e prevê acções claramente identificadas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os portugueses têm o direito de exigir que construamos, como eleitos e como seus representantes políticos, os caminhos que levam à solução dos seus problemas. Acabar com o enorme risco para a saúde pública, para a qualidade da água, para a qualidade do ar que respiramos, que constitui a deposição, década após década, de resíduos a céu aberto, é uma obrigação geracional e histórica a que nenhum responsável político pode fugir. O Governo está a fazer o que lhe compete, e muito já está feito. Gostaria, sinceramente, durante o debate e na sequência daquilo que foram várias das intervenções hoje aqui proferidas - pelos Srs. Deputados Rui Pedrosa de Moura, Joaquim Matias e Fernando Pedro Moutinho -, que falássemos também do que é que está feito relativamente aos restantes resíduos.
Ora, relativamente aos restantes resíduos, está em curso o Plano de Redução da Produção de Resíduos Industriais - a primeira versão será apresentada publicamente no próximo dia 9 de Junho. Está em curso o Plano de Gestão dos Resíduos Hospitalares - o respectivo plano de acção já está finalizado - e será apresentado publicamente no dia 1 de Junho: nele se prevê o encerramento de 19 fomos hospitalares que, esses sim, estavam a poluir com gravidade para a saúde pública e foram mantidos durante anos e anos a poluir; os outros têm um plano de recuperação ambiental que os colocará no máximo, que é exigível e está disponível tecnologicamente neste momento, de salvaguarda da saúde pública.
Falemos do plano de produção e regulamentação sobre Resíduos Industriais Banais: está já para agendamento em Conselho de Ministros o plano que legisla sobre essas matérias.

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Mas falemos ainda sobre o que está feito relativamente aos resíduos sólidos urbanos: vou entregar hoje ao Sr. Presidente da Assembleia da República o ponto da situação daquilo que está feito em termos de acabar com as tradicionais lixeiras. Posso dizer-vos, Srs. Deputados, que, dos 31 sistemas que estão previstos para tratar os resíduos urbanos, neste momento, 21 estão a funcionar, cinco estão em construção, um está em processo de adjudicação e quatro estão ainda em projecto. Isto significa também que, das mais de 300 lixeiras que encontrámos, 225 estão encerradas ou em obra. Isto é uma revolução total daquilo que foi a nossa herança e a nossa tradição.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o processo de limpar o País do lixo acumulado e criar estruturas modernas e sustentáveis é um desafio histórico. É um processo no qual toda a sociedade tem de estar envolvida e mobilizada, independentemente de filiações partidárias ou opções políticas. Este processo não se compadece com discursos e atitudes pautadas pela ânsia de mediatização, nem pela exploração desapiedada dó medo daquilo que alguns desconhecem mas outros, com mais responsabilidade, preferem recusar-se a conhecer. A sociedade portuguesa, a comunidade científica, intelectual e política, bem como o grau de amadurecimento da nossa democracia exigem-nos que os problemas de solução internacionalmente banalizada sejam solucionados, e que as questões que são racionais, quantificáveis, mensuráveis e verificáveis sejam tratadas precisamente como questões racionais, quantificáveis, mensuráveis e verificáveis.
Procurei, de forma sintética, trazer o ponto da situação do grau de cumprimento da Lei n.º 20/99, da Assembleia da República. Ficaria grata se conseguisse cativar o interesse do Parlamento relativamente às acções que o Governo tem em curso, mas, relativamente ao cumprimento dessa lei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podem restar dúvidas de que, no espírito que pauta a acção do Governo, de respeito estrito pelo Parlamento, e tal como o Parlamento determinou, o processo de co-incineração está suspenso e estão em marcha apenas as acções determinadas na referida lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, assistem à reunião plenária um grupo de 22 alunos da Escola Profissional de Agricultura de Vagos, 70 alunos dos 2.º e 3.º Ciclos da Escola do Ensino Básico de Milhares de Polares, 160 alunos dos 2.º e 3.º Ciclos da Escola de Ensino Básico de Pevidém, Guimarães, 50 alunos da Escola Secundária Manuel Cargaleiro, do Fogueteiro, 150 alunos dos 2.º e 3.º Ciclos da Escola de Ensino Básico de Viatodos, 25 alunos do ISLA, de Vila Nova de Gaia, e 30 alunos dos 2.º e 3.º Ciclos da Escola do Ensino Básico de Santa Maria da Feira. Para todos eles, as nossas saudações.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Quero apenas colocar duas breves questões à Sr.ª Ministra.
Falou a Sr.ª Ministra nos programas de reabilitação em curso e, para saber do seu estado de execução, pergunto-lhe que datas é que estão previstas para o seu início. Depois, falou na Lei n.º 20/99, que também implica a caracterização e inventariação dos resíduos existentes, e a minha pergunta muito concreta é esta:
o Governo faz cumprir a Portaria n.º 792/98? Isto é, os industriais estão a entregar, como lhes compete, pois a lei a tal os obriga, os resíduos que produzem ou continuam a fazer simplesmente o que lhes apetece perante a passividade do Governo, como tem acontecido até agora?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, pretendo apenas chamar a tenção para o seguinte: por muitos arquitectos que a Sr.ª Ministra contrate, mesmo de Maceira; por muitas mangas que sejam instaladas, e é um dever elementar - espero que não seja um argumento para a matéria...

Vozes do PS: - Mas o PSD não o fez!

O Orador: - Não o fizemos e por isso foi mudada a maioria e o governo!

Risos.

Essa questão está vista e revista há quatro anos! Por muitas mangas que sejam instaladas, o que é uma obrigação elementar, dizia eu, por muitos arquitectos que sejam contratados, mesmo de Maceira - é interessante esse sublinhado por parte da Sr.ª Ministra, tem o seu quê de «cavalo de Tróia» -, Sr.ª Ministra, já numa outra ocasião lhe chamei a atenção que, mesmo em ditadura, é necessário um mínimo de legitimidade - por outras vias que não a eleitoral - e, por maioria de razão, sem legitimidade, não se vai a sítio nenhum em democracia. Assim, enquanto a Sr.ª Ministra não explicar ao País, sobretudo às populações de Maceira e Souselas, por que é que elas foram escolhidas para a instalação da incineração, a Sr.ª Ministra não instalará aí incineração alguma, não tenha a menor dúvida a esse respeito, a não ser que não compreenda isto, para o que já lhe chamei noutras ocasiões a sua preciosa atenção: a legitimidade é imprescindível para pedir o sacrifício de alguém e sobretudo para obter a aceitação desse sacrifício.

Aplausos gerais, de pé.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - A Sr.ª Ministra não compreende isto? Mas devia compreendê-lo porque o País precisa da co-incineração.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Precisa da co-incineração?! O Sr. Deputado disse «precisa»?!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Parar responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente. Para o efeito, a Mesa cede-lhe dois minutos.

A Sr.ª Ministra do Ambiente: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à primeira questão, Sr. Deputado Joaquim Matias, a planificação das obras a executar demorou seis semanas: neste momento, está prevista para dia 26 uma reunião para discutir o texto que foi entregue pelo Sr. Arquitecto Gonçalo Byme e, a seguir, haverá condições para, criado o GTR (Gabinete Técnico de Requalificação) que cabe a cada uma das Câmaras, se iniciar imediatamente o calendário das obras.
As obras estão seriadas entre obras de curto prazo, de médio prazo e de longo prazo e estou perfeitamente convicta que pelo menos as de curto prazo terão imediatamente condições para arrancarem.
Relativamente ao registo de resíduos, tenho de lhe dizer que, de facto, houve uma avalanche de respostas este ano, como nunca tinha havido. De tal maneira, que esgotaram os impressos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - É inacreditável!

A Oradora: - Houve mais de 6000 empresas que fizeram o seu registo pela primeira vez, coisa que nunca tinha acontecido até agora. Portanto, está em curso uma mudança de atitude.
Sr. Deputado Silva Marques, não tenho de responder a essa questão, porque o processo está suspenso. Agora, a legitimidade é a da Assembleia. A Assembleia suspendeu e, naturalmente, está suspenso!
Quanto à questão do projecto de requalificação e à colaboração do Sr. Arquitecto Gonçalo Byrne ser um «cavalo de Tróia», penso que não. Penso que ele tem uma sensibilidade grande para a área, porque a conhece desde criança, e tem muito gosto em contribuir para melhorar a situação da terra onde nasceu. Não há aí qualquer jogo «obseuro».
Também registo, com muito agrado, que tenha dito que o País precisa de co-incineração. Penso que é importante que o tenha referido e lamento que na discussão pública sobre esta matéria - que foi, como a lei obriga, de 60 dias úteis, com grandes manifestações públicas -, o Sr. Deputado não tenha feito valer, na altura, pelo menos, o seu direito de cidadão para registar a sua opinião. Percebo que só acordou para o assunto, como muitos outros, quando «calhou» na sua terra, embora concorde que o País precisa da co-incineração.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, com tempo concedido pelo PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Gostaria de sublinhar alguns aspectos no final deste debate de urgência solicitado pelo Partido Ecologista Os Verdes.
Em primeiro lugar, a requalificação ambiental é um pagamento muito antigo de uma dívida que, primeiro que tudo, é das cimenteiras e vai ser paga pela sociedade, porque o Primeiro-Ministro entendeu que era altura, ao fim de três anos de o Partido Socialista estar no Governo, de pôr fim à impunidade com que elas estavam a funcionar no nosso país.
Em segundo lugar, com este debate - e julgo que a Sr.ª Ministra do Ambiente, na sua intervenção final, deu o melhor esclarecimento para aquilo que nos preocupava e nos trouxe a debate -, viemos provar que o Governo não tem uma política para os resíduos industriais por uma coisa tão simples quanto isto: não tem o conhecimento da realidade!
A Sr.ª Ministra do Ambiente deu o exemplo mais claro quando explicou que a falta de noção do Governo sobre a realidade é tão grande que até os impressos esgotaram! Nem o próprio Ministério tem capacidade de ter a noção e de avaliar a quantidade de coisas que existem no seu País, porque não tem fiscalização, não tem conhecimento e é precisamente sobre o desconhecimento que constrói, neste caso, não a resolução do problema dos resíduos mas o negócio de 5% dos resíduos, porque os outros não foram sequer ponderados.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Bem lembrado!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, terminado o debate passemos às declarações de assuntos de interesse político relevante.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, Exmos. Srs. e Sr.ªs Deputados:
Praticamente no fim desta legislatura, considero que se aproxima o final da minha vida política activa, assim como o meu mandato de Deputado, para o qual não tenciono recandidatar-me. Por isso, gostaria de me dirigir a esta Câmara para vos transmitir os meus sentimentos como homem, cidadão e político após cerca de quase 24 anos de política ao serviço da minha região e do meu País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estou desgostoso por tudo aquilo que tem acontecido na vida política portuguesa nos últimos anos, em que o nosso País tem sido dirigido por um Governo que não governa e por uma oposição que, até há pouco tempo, se deixou adormecer e emparedar por um Partido Socialista dividido, pouco activo, arrogante e ao

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mesmo tempo enleante, que tem adormecido os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sejamos claros: apesar da situação económica excepcional que herdaram e que, devido à conjuntura internacional, se tem mantido, o Governo socialista do Sr. Eng.º António Guterres pouco mais tem feito do que dar continuidade às obras e iniciativas do anterior governo, que estavam projectadas, a maioria iniciadas e que, felizmente, com maiores ou menores dificuldades, se vão acabando e inaugurando com pompa e circunstância.
Onde estão as novas obras de raíz, quais as iniciativas que foram tomadas e as reformas realizadas por este Governo? No capítulo da capacidade de decidir, as questões ainda têm sido mais graves. Pouco ou nada se decide porque há o receio da impopularidade ou há mesmo a incapacidade generalizada dos nossos governantes!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Criam-se milhentas comissões e grupos de trabalho, promete-se tudo e nada se faz!
Alguns sectores da nossa população parecem anestesiados, mas já se vai notando que muitos milhares de portugueses estão acordando desta letargia em que tem estado mergulhado o nosso País.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - É a cassete!

O Orador: - Estou, de facto, desgostoso com a política e com muitos políticos e isto leva-me a abandonar a vida política activa, pois nem temos sido capazes de dignificar a Assembleia da República e os seus Deputados, que, perante a opinião pública, não são respeitados, por nossa culpa e, principalmente, por culpa deste Governo, que, quando as coisas correm mal ou não funcionam, se desculpa totalmente com a Assembleia da República, com a oposição e com os Deputados!...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Não é nada disso!

O Orador: - Ainda ontem isto se viu nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Nada disso!

O Orador: - Estou, de facto, farto, mas, antes de me despedir dos Srs. Deputados e de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nesta minha mais que provável última intervenção na Assembleia da República, gostaria de lembrar ao Governo e lamentar o que se tem passado com o meu Algarve, que me elegeu e a quem devo uma palavra de lamento e de revolta pela situação a que se chegou nestes últimos quatro anos.
É um facto que o Governo anterior não fez tudo o que o Algarve merecia, mas fez, pela primeira vez, justiça a uma região que gera, por ano, centenas de milhões de contos em divisas para Portugal, riqueza que se reflecte positivamente em todo o País.
Até 1985, repito, até 1985, o Algarve estava habituado a que os Srs. Membros do Governo visitassem a região, fizessem muitas promessas e, depois de passarem a serra do Caldeirão ou chegando aos seus gabinetes, tudo esqueciam e nada ou pouco realizavam. De 1985 a 1995, foram os anos de ouro do Algarve. Em investimento público, com apoio ou não da Comunidade, o distrito de Faro passou do tradicional 3.º ou 4.º lugar a contar do último para o 3º ou 4.º lugar a contar do primeiro, em verbas do PIDDAC e comunitárias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Arrancámos com importantes obras estruturais, algumas das quais ainda hoje estão em curso (abastecimento de água ao Barlavento e Sotavento, a universidade e o hospital do Barlavento), estando outras, infelizmente, quase paradas (caso Via do Infante), mas que criaram as condições para um desenvolvimento sustentado da região.
Hoje, temos um Ministro que no Algarve é conhecido pelo Sr. Eng.º João «Promessas», que já disse que a auto-estrada para o Algarve estava pronta em 1999, depois em 2000, depois em 2002,... mas, por este andar, não estará pronta antes de 2005 a 2006.
Há poucos dias, foi posto a concurso um troço de pouco mais de 30 km para construir em 21 meses, que, gastando mais 9 ou 10 meses para aprovação das propostas, análise das mesmas, adjudicação, visto do Tribunal de Contas, etc., etc., não estará pronto antes 2002 ou 2003. E os restantes 90 km que ainda vão faltar e que são os mais complicados em termos de construção? Serão mais seis anos para os construir?
E o SCUT para a Via do Infante, Alcantarilha/Lagos? Quando é o concurso? Quando avançam as obras? Como se resolvem os problemas ambientais pendentes? Onde está a vontade política deste Governo? O Algarve, realmente, sofre!...
Na área da saúde, ou seja, da Sr.ª Dr.ª Maria «Sorrisos», o caos é .total. Ninguém se entende! Os centros de saúde funcionam mal, o Hospital Distrital de Faro já mudou de administrações e vai de mal a pior! O novo hospital do Barlavento está aparentemente pronto mas não avança, e à noite, para enganar o pagode, está devidamente iluminado - até parece que está a funcionar!...
Um amigo meu, turista inglês de muitos anos, há poucos. dias encontrou-me e disse-me: «Parabéns, Cabrita Neto, finalmente, há um grande hospital, bonito e belo, em Portimão. Só há uma coisa que estranho: é que está iluminado, parece que está a funcionar, mas não vejo automóveis a não ser os da segurança. Será que têm um estacionamento subterrâneo, que evite a estadia de automóveis à superfície e ao lado do hospital?».
Na área do ambiente, ou melhor, no sector dirigido pela Dr.ª Elisa «Verde», as coisas vão de mal a pior, tendo o Algarve perdido milhões de contos que estavam destinados à recuperação da ria Formosa e a diversos concelhos

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do Algarve - e não só concelhos do Partido Social Democrata mas também para os concelhos do Partido Socialista.
As obras de abastecimento de água ao Sotavento, felizmente, não pararam, pois já estavam muito adiantadas, mas, no Barlavento, para quando a vontade política para arrancar com a construção da barragem de Odelouca, que poderá concretizar definitivamente este projecto?
Não vou falar da situação da justiça, da falta de segurança, da reforma da segurança social, etc., etc.
Para desabafo já chega, pois se formos falar nos «jobs for the boys», nos saneamentos e afastamentos por motivos políticos - falta do «cartão rosa» -, ocuparemos todo o tempo disponível para o período de antes da ordem do dia! Muito mais haveria para dizer, mas por hoje chega!
Na vida, como na política, nunca digas nunca. Sem ressentimentos, com vontade de continuar a trabalhar pelo Algarve, apoiando a nova liderança do Partido Social Democrata, mais determinada e decidida, mas fora da política activa, despeço-me, deixando a todos os meus colegas Deputados e ao Sr. Presidente da Assembleia da República o meu até sempre.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Pedro Feist.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para um pedido de esclarecimento, inscreveu-se o Sr. Deputado Jorge Valente.
Em todo o caso, se o Sr. Deputado me permitir, sendo a primeira vez que estou sentado neste lugar, gostava de cumprimentar V. Ex.ª , Sr.ªs e Srs. Deputados, e agradecer a confiança que em mim depositaram, esperando não a desmerecer. A todos os meus cumprimentos e agradecimentos.

Aplausos gerais.

Sr. Deputado Jorge Valente, tem a palavra.

O Sr. Jorge Valente (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Deputado Cabrita Neto, em primeiro lugar, gostaria de o felicitar e desejar boa sorte para o resto de toda a sua vida, uma vez que nos vai abandonar.
Gostaria de o felicitar por uma razão que tem a ver comigo próprio. Somos algarvios e hoje tive a felicidade de, pela primeira vez desde que aqui estou, ouvir V. Ex.ª pugnar, ou, pelo menos, tentar pugnar, daquela tribuna, em defesa das coisas do Algarve.
V. Ex.ª disse que entre 1985 e 1995 decorreram os anos de ouro, em termos de acção governativa, do Algarve. Não sei se V. Ex.ª estaria a pensar na auto-estrada do sul, que, no primeiro dia em que tomei assento neste Parlamento, tive de percorrer por fora, à falta da sua existência, fazendo quatro vezes mais quilómetros do que aqueles que hoje percorro. Dito de outra maneira, hoje temos quatro vezes mais quilómetros do que aqueles que os senhores nos deixaram na auto-estrada do sul, apesar dos 10 anos de ouro de acção governativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria, ainda, de lembrar V. Ex.ª que a via do Infante está definitivamente desbloqueada.

Protestos do PSD.

E V. Ex.ª, com esse ouro de acção governativa, bem podiam, ao tempo, sem as dificuldades ao nível dos impactes ambientais, tê-la feito 100% em vez dos meros 50% que nos legaram.
Mas queria ainda lembrar a V. Ex.ª a situação, à beira da falência, em que nos legaram o Matadouro Regional do Algarve, hoje revitalizado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Gostava de lembrar a V. Ex.ª a situação vergonhosa em que nos deixaram a fortaleza de Sagres, problema, hoje, definitivamente resolvido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado! Muito bem!

O Orador: - Gostaria de lembrar a V. Ex.ª que, apesar de reconhecemos com alguma humildade que não vamos conseguir fazer tudo aquilo que prometemos, a vontade que tínhamos de construir a auto-estrada para o Algarve era tanta que hoje nos sentimos, em relação à auto-estrada, na postura daquele aluno que prometeu aos pais passar com 20 valores e está a sentir que vai passar apenas com 15. Mas qual é o pai que não fica contente com um filho que passa com 15 valores?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, gostaria ainda de lembrar o seguinte: quem é que deu o grande arranque, em termos de construção de obras, com investimentos da ordem dos 30 milhões de contos nos sistemas de abastecimento de água do Sotavento e Barlavento, que são preocupações actuais, e ao nível das comunicações? Quem é que deu o grande arranque e concluiu o sistema de recolha dos resíduos sólidos e o aterro sanitário do Barlavento? E quanto ao do Sotavento, que está em curso, Sr. Deputado? Quem é que construiu o hospital do Barlavento, onde os senhores nem uma só pedra deixaram, porque das três que lá colocaram - as três primeiras pedras que lançaram -, quando fomos começar a obra, já não restava uma?
E, Sr. Deputado, no plano da educação, não tem pena de não ter sido o seu governo a humanizar as escolas da região como hoje estão a ser humanizadas, com novas bibliotecas, com 17 novos pavilhões desportivos e com a construção de 12 novas escolas, que são hoje, sim, a segunda casa na vida dos novos jovens e não os depósitos em aulas que os senhores nos legaram?

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O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Eram estas as dúvidas que queria colocar a V. Ex.ª
V. Ex.ª vai-se embora. Que vá e que tenha boa sorte, mas reconheça que tem pena que o seu governo não tenha feito tantas coisas e tão boas pelo Algarve como o meu tem feito em menos de metade do tempo que o seu teve para fazer as coisas que não fez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Valente, muito obrigado pelas palavras que me dirigiu. Se calhar, não sou o único que me vou embora desta Assembleia. É preciso que isto fique bem claro, mas tenho a coragem de o assumir. Portanto, se calhar, não serei o único...
Gostaria de começar pela auto-estrada do Algarve. Já agora, quem projectou, programou e adjudicou, até Grândola, a auto-estrada do Algarve foi o governo do Prof. Aníbal Cavaco Silva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A ponte de Alcácer do Sal demorou, porque este Governo, quando assumiu funções, achou que não devia ficar naquele local. Mas depois teve de aceitar, tendo tido uma polémica muito grande com a Câmara Municipal e com as forças vivas de Alcácer do Sal.
Relativamente à Via do Infante, quando o Governo do Prof. Aníbal Cavaco Silva deixou o poder, estava já adjudicado o troço da Via do Infante que hoje está em construção, a 10 m por dia, ou seja, os 7 km entre Ferreiras e Alcantarilha. O governo anterior deixou o projecto adjudicado e só não o consignou por falta de visto do Tribunal de Contas.
O actual Governo, com o Sr. Eng.º João «Promessas», assim que assumiu funções, o que fez foi suspender a adjudicação; mais tarde, veio a abrir novo concurso, que está agora em curso e que não vai estar pronto a tempo para ser inaugurado pelo Sr. Eng.º Guterres.
Quanto ao Matadouro do Algarve, uma grande obra, era gerido pelos agricultores, pelos homens que, de facto, o realizaram; teve problemas financeiros, que foram resolvidos. Mas, Sr. Deputado, não foi uma obra deste Governo. Foram os agricultores que, com muita luta e perseverança, ultrapassaram as dificuldades no Matadouro do Algarve.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto à barragem e ao abastecimento de águas do Barlavento e do Sotavento, os senhores do anterior governo deixaram a barragem do Beliche feita, mas era só um tanque de água, sem qualquer utilidade. Fez-se a barragem de Odeleite, construiu-se e projectou-se toda a obra do Sotavento, desde Odeleite até ao concelho de Loulé, e pôs-se a funcionar o Beliche, que se ligou a Odeleite. No Barlavento, arrancou-se com as obras e só o problema de Odelouca não está resolvido, estando no mesmo ponto em que estava há quatro anos, pois os senhores não têm tido vontade política para ultrapassar essas dificuldades e resolver o problema.

Protestos do PS.

Quanto ao hospital do Barlavento, ele estava adjudicado, só não estava consignado. Aliás, foi necessário este cidadão, que está à sua frente, andar com o presidente da Administração Regional de Saúde do Sul da altura à procura terreno para construir o hospital do Barlavento,...

O Sr: Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - ... porque a câmara de então não deu qualquer apoio na procura de terreno para essa construção.
Sr. Deputado, quanto às escolas, 12 escolas em quatro anos é muito pouco. Nós fizemos 60 escolas e ainda ficaram muitas por fazer e problemas por resolver. O Algarve teve os anos de ouro, mas os quatro últimos anos nem de ferro nem de bronze foram e foi pena que não se tivesse aproveitado e se tivesse perdido tanto tempo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - O Sr. Deputado Jorge Valente pediu a palavra, para que efeito?

O Sr. Jorge Valente (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Se me disser que vai mesmo fazer uma interpelação à Mesa, faça favor.

O Sr. Azevedo Soares (PSD). - Está «na cara» de que não vai fazer uma interpelação!

O Sr. Jorge Valente (PS): - Sr. Presidente, fiquei espantado com a ligeireza com que foram abordadas, pelo meu colega Cabrita Neto, algumas questões no plano do respeito pelo ambiente que hoje importa ter.
Em relação à Barragem de Odelouca, à Via do Infante e ao traçado da auto-estrada, Sr. Presidente, vi o meu colega Cabrita Neto assumir uma postura que julgava que hoje, em termos de respeito pelo ambiente, um Deputado já não podia, rigorosamente, assumir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, com todo o respeito e amizade, devo dizer-lhe que não fez uma interpelação, pelo que, de futuro, gostaria que se mantivesse o maior rigor no uso desta figura regimental.

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O Sr. Deputado Cabrita Neto pediu também a palavra. Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer uma interpelação precisamente igual e do mesmo teor da do Sr. Deputado...

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr. Deputado, não me ponha o problema dessa maneira, porque se não tenho de usar aquilo que regimentalmente...

O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, é, de facto, uma interpelação, para dizer que tudo o que afirmei há pouco nesta Câmara é uma réplica àquilo que o Sr. Deputado Jorge Valente acabou de afirmar, com todo o sentido de responsabilidade, com o sentido de um algarvio que sente os problemas do Algarve, sente que ainda há muita coisa por fazer e se sente confortado porque, durante os governos do Prof. Aníbal Cavaco Silva, o Algarve teve, pelo menos, alguma justiça. Não teve toda, mas com o Governo do Sr. Eng.º António Guterres, infelizmente, teve muito a perder.
Sr. Presidente, agradecia que mandasse ver em que lugar é que está, hoje, o distrito de Faro, em termos de investimento, do PIDDAC, comparativamente a 1995.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só isto é suficiente para lhe responder.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi no dia 28 de Junho de 1996 que, com muito mais pompa e circunstância, que tanto criticavam os governos anteriores, o Sr. Primeiro-Ministro Eng.º António Guterres visitou o distrito de Viana do Castelo. Chegou com um saco cheio de promessas, dialogou com a sociedade civil, com os Exmos. Srs. Presidentes de câmara do distrito, falou à direita e à esquerda, prometeu tudo a todos! Eram 110 milhões de contos para estradas, eram apoios à lavoura, era a «varinha mágica» da resolução dos problemas, a maneira fácil, a maneira socialista de prometer tudo e não fazer nada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foram três dias de Governo em diálogo, foram três dias e já lá vão três anos. Três dias onde afirmou categoricamente que o IP 9/IC 28 (Viana do Castelo/Ponte de Lima/Ponte da Barca/Arcos/Lindoso) ficaria com o traçado definido em 1996 e as obras arrancariam em 1997. Três anos, 1095 dias passados, traçado definitivo não existe e obras não começaram.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - É verdade! Bem lembrado!

O Orador: - Mas, afinal, o que é que existe? Publicidade paga por todos nós, em todos os jornais diários, da «concessão SCUT do Norte Litoral», ou seja, construímos estradas e pagamos durante 30 anos, incluindo a manutenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Mas lendo, com atenção, o prazo de validade das propostas, afirma-se que estas serão válidas pelo prazo de 18 meses. Dezoito meses quer dizer que, na melhor dás hipóteses, só daqui a dois anos começará a obra. Repito, daqui a dois anos começará a obra. Publicitam hoje para começar daqui a dois anos! É, de facto, «lata» a mais! Sabe-se que nem existe, em alguns casos, projectos definitivos das estradas nem estudos de impacte ambiental. Prometeram tudo e, em quatro anos de gestão socialista, nada fizeram.
Já sei que os Srs. Deputados de Viana do Castelo do Partido Socialista vão dizer: «e a auto-estrada Braga/Valença e o IC 1 Porto/Viana?». Bom, reafirmo o que já lhes disse de forma clara: São estradas projectadas, concursadas e com início da obra nos governos do PSD. Se não fosse assim, tenho a certeza que ainda hoje se estudava e nada se decidia, o que quer dizer que nada se fazia.
Foi o que aconteceu com estes quatro anos de gestão socialista no Alto Minho. E agora, a cinco meses de eleições, inundam os jornais de obras a fazer, que não começarão nunca antes do fim do ano de 2001. E o plano de investimento do Governo no Alto Minho? Sempre a descer! De 12 milhões de contos, em 1995, passou para 7 milhões, em 1999. E números são números!
E a linha férrea, a aposta estruturante deste Governo de «rosa a murchar» onde está? No distrito de Viana do Castelo nada foi feito. Era a ligação à Galiza, era a rapidez para' chegar ao Porto. Tudo era, porque aquilo é, é zero!
E a ligação rápida da auto-estrada a Paredes de Coura? E os apoios à criação de empresas? E a faculdade de medicina, fundamental para o Alto Minho? Obviamente, para Braga. E a ligação rodoferroviária ao porto de Viana?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmei, numa intervenção feita em Abril de 1998, e vou repetir, o seguinte: «É necessário reforçar a iniciativa empresarial, ou seja, atrair um recurso que é escasso e que tem grande mobilidade: os empresários. Por isso, achamos que tem de ter aqui um papel determinante o sistema fiscal, pois se o Alto Minho é uma área menos favorecida, com baixos índices de desenvolvimento, precisa de uma discriminação fiscal positiva. Como? Utilizando o artigo 32.º do Orçamento do Estado, que autoriza o Governo a legislar no sentido de definir um sistema de incentivos às micro, pequenas e médias empresas, bem como aos jovens empresários, como forma de promover a convergência económica e social com o restante território nacional».
Na altura da discussão do Orçamento do Estado* para 1999, o PSD apresentou uma proposta nesse sentido, proposta essa que foi retirada a favor de uma proposta

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conjunta de todos os partidos. Já lá vão quatro meses! É altura de legislar no sentido de criar incentivos à criação de empregos estáveis, legislar sobre o IRC, reduzindo a sua taxa a 20% durante os cinco primeiros exercícios de actividade, e também criar um conjunto de incentivos fiscais a vigorar por um período de três anos, dirigido à promoção do autofinanciamento, do reforço de capitais próprios e do fomento do investimento produtivo. Já lá vão 18 meses e, até agora, nada foi feito, apesar de aprovada nesta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, alto-minhotos, somos gente humilde mas trabalhadora, gente de carne e osso, capaz de potenciar os seus próprios recursos, mas é fundamental que o Governo perceba que temos fortes contrastes ao nível dos indicadores sócio-económicos, quer com a região Norte quer dentro do próprio Alto Minho, entre o interior-litoral e o rural urbano, relembrando, por exemplo, que o tecido empresarial é composto essencialmente por micro e pequenas empresas (84% das empresas têm menos de 10 trabalhadores). Por isso, consideramos fundamental dinamizar o tecido empresarial, atrair novos empresários, atrair pessoas, fixar os alto-minhotos, a sua juventude, os jovens quadros. Daí, a urgência destas medidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Tavares.

O Sr. José Carlos Tavares (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, lembro-lhe que quando o Sr. Primeiro-Ministro passou no distrito, em termos de trabalho, três dias, foi para inteirar-se do estado em que o meu distrito estava e propor obras para se fazerem durante este quadriénio.
Curiosamente, o meu distrito não tinha verdadeiramente um défice democrático, mas tinha - e foi o que aqui veio fazer o Sr. Deputado Carvalho Martins - uma auto-projecção de um défice de execução. E isto é que tem sido colmatado ao longo do tempo, nestes últimos três anos e meio.
Por isso, pergunto-lhe: o que é que os senhores tinham, em termos de A3? Era a ponte internacional de Valença, com 4 km, e hoje está feita a auto-estrada até Braga. A IP 9 não existia e hoje está praticamente concluída, entre Viana do Castelo e Ponte de Lima, e será uma auto-estrada, em termos de SCUT, gratuita. O IC 28, que não existia, nem sequer no papel, está hoje no PIDDAC e com execução imediata. A IC 1 estava parada, tinham-nos oferecido o estrangulamento de Fão e Esposende, e, hoje, está concretizada até Viana do Castelo e com a projecção até Caminha, para depois seguir para Valença.
Quanto às ferrovias, foi assinado ainda ontem, pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Eng.º João Cravinho, em Vigo, um acordo internacional para se fazer a electrificação do caminho de ferro do Porto a Vigo e, mais, a ligação ao porto de Viana de Castelo.
Aliás, o porto de Viana do Castelo, que estava estrangulado por VV. Ex.ªs, foi aumentado, em termos de costeagem e do quebrantamento da rocha num metro, o que possibilita maior calado nas embarcações que demandam esse porto.
O ensino, desde o pré-escolar - e VV. Ex.ªs nem sequer tinham pensado nisso - até ao profissional; o instituto de emprego e formação profissional, com o centro de formação profissional; o ensino superior extensível a Valença, a Viana do Castelo e a Ponte de Lima; o ensino superior privado, com a Universidade Fernando Pessoa e a Escola Superior Gallaecia; a saúde, com a redimensionação do hospital de Viana do Castelo e de Ponte de Lima, de onde V. Ex.ª é natural, com novos centros de saúde criados; o ambiente, com a abertura dos dois aterros sanitários, que VV. Ex.ªs tinham impedido e que agora está concretizado; o rendimento mínimo garantido para toda a gente - VV. Ex.ªs nem sequer pensaram nisso, tendo-se até alarmado, dando a sensação de que deitávamos o País à ruína por dar alguma coisa aos nossos irmãos pobres, que, porventura, tinham tido uma grande cidadania convosco; o apoio e constituição de pólos industriais; o RIME (Regime de Incentivos às Microempresa), que foi de aplicação extensiva a Viana do Castelo, pedido precisamente por mim e por Deputados do Partido Socialista para aplicação concreta em Viana do Castelo; o turismo, que aumentou; a
segurança, com a GNR e a PSP, que, como sabe, VV. Ex.ªs queriam suprimir em Ponte de Lima e também em Riba de Mouro, numa zona fronteiriça, e que nós não só não suprimimos como aumentámos todas as esquadras, deixando ficar estas e, mais, com o Acordo de Schengen, propusemos uma cooperação transfronteiriça entre Valença e Tuy. Se tudo isto não chega, ainda posso dizer-lhe mais. Por exemplo, em termos de fogos florestais e relativamente ao problema de protecção do ambiente, temos tido uma grande intervenção.
Para terminar, tenho também a dizer que projectámos uma proposta de Tuy e Valença a património da humanidade, entre muitas outras coisas relativamente às quais, porventura, o Sr. Deputado Carvalho Martins tem estado distraído nestes últimos três anos, como esteve totalmente ausente nos anteriores 10 anos da sua governação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins, para responder.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Carlos Tavares, de facto, pensei que V. Ex.ª vinha aqui trazer aquele plano mágico que vocês tanto prometem, o tal PDI. Aliás, estou à espera que o Sr. Deputado Rui Solheiro vá falar sobre ele, mas pensava que V. Ex.ª iria trazê-lo aqui, ou seja, as promessas fáceis de um plano de marketing para os próximos 3/4 anos, relativamente ao qual poderia já adiantar alguma coisa.
Penso que, de facto, a minha realidade é diferente da sua: ou eu não ando no mesmo distrito ou V. Ex.ª, provavelmente, anda mais no distrito de Braga, pois não encontro rigorosamente nada daquilo que o Sr. Deputado disse!
No que se refere ao ensino superior, ao instituto politécnico, diga-me qual foi a escola criada no distrito de Viana do Castelo.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nenhuma!

O Orador: - Zero? Nem uma única!
Como sabe, a Universidade Fernando Pessoa foi criada no distrito de Viana do Castelo, em Ponte de Lima, durante o governo do PSD; depois, vocês só acrescentaram uns cursos. Aliás, poderíamos falar disso, ou seja, por que é que acrescentaram ou não os cursos, era uma questão interessante, mas não vou agora perder tempo com ela.
No que se refere à segurança, reconheço que V. Ex.ª pegue em alguns indicadores que são interessantes, mas quero dizer-lhe que, ainda ontem, um vianense, que, por acaso, me deu boleia de Viana do Castelo, o qual é um responsável, não político, mas empresarial do distrito, me dizia que nunca se assaltaram tantas ourivesarias em Viana como hoje.
Em relação às estradas, queria que me dissesse qual é o quilómetro de estrada construído durante este Governo em Viana do Castelo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Zero!

O Orador: - Um só quilómetro!...
Já sei que fala da auto-estrada, mas o IP 9 não existe. Não existe sequer um quilómetro!
E deixe-me dizer que o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que as SCUT que estão prometidas para o distrito de Viana não vão começar, na melhor da hipóteses, se não no prazo de dois anos e meio. Não temos sequer a obra começada, o que quer dizer que, se o PSD for governo em Outubro, teremos a obra concluída mais cedo; se for o PS, demorará, no mínimo, 5/6 anos.
Mas vou esperar agora pela intervenção do seu colega Rui Solheiro para que possamos discutir o plano de marketing para os próximos 4 anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, tomei agora conhecimento que nas votações que se estão a realizar na sala D. Maria não está a ser efectuada a eleição para a Alta Autoridade para a Comunicação Social, conforme foi definido em Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares.
Gostaria de recordar que a actual Alta Autoridade para a Comunicação Social terminou o seu mandato no dia 1 de Abril e que o Partido Socialista, como sabe, requereu que essa votação se realizasse no dia 8 de Abril. Depois, foi adiada porque, entretanto, se ia realizar o Congresso do PSD e, acerca de oito dias atrás, na penúltima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, foi definido, após vários adiamentos, que hoje se faria a eleição para a Alta Autoridade da Comunicação Social, tendo sido também determinado que não haveria lugar a mais nenhum adiamento.
Somos agora surpreendidos com pelo facto de não estar a realizar-se essa eleição para a Alta Autoridade da Comunicação Social, conforme foi definido, pelo que pedia à Mesa o favor de esclarecer a razão de tal facto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Acácio Barreiros, a razão é a de sempre: é frequente os partidos, de um modo geral - uns de uma vez e outros de outra -, atrasarem-se na indicação dos candidatos.
Neste caso, foi solicitado que, pela última vez - visto que este é o último adiamento que se faz desta eleição -, se aguardasse a indicação de Deputados de um dos partido, que ainda o não fez, pelo que a eleição ficaria para a próxima semana.

O Sr. José Magalhães (PS): - O PSD?

O Sr. Presidente: - Como calcula, o método de Hondt implica que haja boa vontade e algum consenso neste domínio, sob pena de esse partido ficar sem candidatos na Alta Autoridade para a Comunicação Social, o que também não seria desejável.
Esta é a explicação. Supunha que o Sr. Deputado Acácio Barreiros tinha conhecimento desta situação, mas vejo que não.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa por insistir, mas só queria recordar que estas eleições estão adiadas praticamente há dois meses, à espera que apareça uma outra lista, o que corresponde, de facto, ao exercício de um direito de veto à realização das eleições. Se o critério é o de enquanto não houver outro partido a apresentar uma lista não há eleição, o Sr. Presidente compreenderá que estamos numa posição verdadeiramente insustentável.
De mais a mais, como o Sr. Presidente sabe - peço desculpa por estar a insistir -, já apresentámos a lista do Partido Socialista há largo tempo e já há 15 dias nos foi dito que, pela última vez, a eleição era adiada 8 dias. Portanto, foi adiada para esta semana pela última vez.
Dizem-me, agora, que será adiada, uma vez mais, pela última vez. Mas, na verdade, estamos há 2 meses a adiar de semana para semana pela última vez!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Acácio Barreiros, não me recordo a quem, mas suponho que dei conhecimento deste adiamento a alguém do seu partido.
O que se quis foi não criar o problema, que seria grave, de um partido que tem direito a ter representação nesse órgão não a ter. De qualquer modo, tenho a garantia de que as eleições realizar-se-ão na próxima semana. Portanto, o adiamento é de apenas mais oito dias.
Quero dizer-lhe que não há qualquer partido que esteja isento do pecado de ter demorado a indicar os seus candidatos para eleições; desta vez foi o PSD, mas já tem sido o PS, como outros partidos. É normal!

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Neste caso, diria que esta demora sucessiva se justificou ou se explicou - talvez não diga que se justificou, mas, sim, que se explicou - pela circunstância de o PSD estar em mudança de direcção, que foi o argumento invocado.
Respeitei esse argumento e suponho que dei essa explicação a alguém da direcção do Grupo Parlamentar do PS, embora não me lembre a quem. De qualquer modo, se o não fiz, peço imensa desculpa e assumo a responsabilidade pelo que aconteceu.
Srs. Deputados, ia dar por concluído o período antes da ordem do dia, mas o Sr. Deputado Rui Solheiro acaba de dizer que pretende intervir ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento.
Sr. Deputado Rui Solheiro, como sabe, em princípio, só pode haver intervenções nesses termos no período antes da ordem do dia, mas não tinha chegado até mim o conhecimento de que queria exercer esse direito, o que até costuma ser feito por escrito.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, queria pedir compreensão. A culpa deste caso é minha, porque devia ter apresentado um requerimento à Mesa.

O Sr. Presidente: - Cada um de nós vai repartindo as culpas!...

O Orador: - Como o Sr. Deputado Rui Solheiro vai interromper, outra vez, o seu mandato e não terá oportunidade para intervir, pedia ao Sr. Presidente compreensão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Acácio Barreiros, têm a minha compreensão, mas só posso permitir que o Sr. Deputado Rui Solheiro intervenha porque, de facto, ainda não iniciámos a ordem do dia.
Então, para uma intervenção ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Solheiro, que vai deixar o Parlamento.

O Sr. Rui Solheiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O distrito de Viana do Castelo é uma região com especificidades muito próprias tanto do ponto de vista geográfico como nos campos económico, social e cultural. É também específica a sua estratégica posição transfronteiriça de articulação com a vizinha Galiza num contexto de crescente cooperação. O Alto Minho assemelha-se às regiões do interior pelo seu dinamismo demográfico e pela sua estrutura económica.
Após 10 anos de abandono pelo governo PSD, o distrito de Viana do Castelo vê renascer a esperança com o actual Governo, que tem feito um esforço enorme para preencher as graves carências infra-estruturais, criando condições para que a região atinja níveis de desenvolvimento de acordo com as suas potencialidades.
Permitam-me que faça um breve balanço deste período de forte cooperação entre a administração central e local, referindo os investimentos de maior dimensão realizados no distrito de Viana do Castelo nos últimos três anos e meio de governação do PS.
Sempre considerámos as acessibilidades e os transportes para o Alto Minho condição indispensável para a captação de investimentos que melhorem a qualidade de vida e criem riqueza ajudando a fixar a população. Aqui está uma área onde se está a fazer uma autêntica revolução!
Senão, vejamos: a A3 (Braga/Valença) veio abrir novas perspectivas de desenvolvimento económico, possibilitando o aprofundamento das relações económicas, sociais e culturais com a Galiza.
O IC 1 (Porto/Viana do Castelo) veio criar grandes facilidades de comunicação entre a capital de distrito e a área metropolitana do Porto.
A ponte internacional Peso/Arbo, em Melgaço, é mais uma porta de comunicação com a Galiza, contribuindo fortemente para o «desencravamento» geográfico do concelho mais setentrional do País.
O IC 1 (Viana do Castelo/Caminha) e o IP 9 (Viana do Castelo/Ponte de Lima), auto-estradas sem portagens, estando o concurso já a decorrer, são duas vias de importância vital para o desenvolvimento equilibrado do distrito, reforçando a «capitalidade» de Viana do Castelo.
Mas permitam-me dar mais alguns exemplos de sectores onde o Governo, com clareza, demonstrou estar apostado em fazer justiça à nossa região.
Considerando a qualidade ambiental um dos principais patrimónios do Alto Minho, apraz-me registar o esforço que está a ser feito na defesa do ambiente na nossa região.
Vou dar três exemplos que me parecem ser suficientemente elucidativos: a recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e a barragem de Sela.
Como é do conhecimento público, as associações de municípios dos vales do Minho e Lima pretenderam avançar com a construção de aterros sanitários para cobrir todo o distrito; contudo, o governo do PSD inviabilizou essa pretensão.
Com o actual Governo, o financiamento foi assumido e já estão construídos e a funcionar os dois aterros, um investimento de 8 milhões de contos que permitiu o encerramento e recuperação de todas as lixeiras existentes no distrito.
Também com este Governo, foi possível estabelecer um protocolo entre as câmaras municipais da área do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o próprio Parque e o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) que garantiu um investimento de 2,5 milhões de contos visando a preservação ambiental e cultural e a melhoria da qualidade de vida das populações da área do único parque nacional existente em Portugal.
Ainda na temática ambiental, não posso deixar de fazer uma referência elogiosa à forma como está a ser conduzido o processo da barragem de Sela.
Foi um processo que esteve adormecido durante décadas, mas este Governo decidiu, e bem, realizar uma consulta pública sobre o estudo de impacto ambiental, permitin-

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do que, nas audiências públicas, debates e manifestações realizadas durante a consulta pública fosse inequívoco o grande consenso entre instituições das duas margens do rio Minho (autarquias, associações profissionais e ambientalistas e a própria população) na oposição à construção da barragem de Sela.
Tenho conhecimento que a comissão luso-espanhola para regular o uso a aproveitamento dos rios internacionais nas suas zonas fronteiriças já deu parecer desfavorável à construção da barragem, recomendando mesmo que a zona deve ser especialmente afectada para a conservação do património natural e histórico, atendendo aos elevados valores ambientais identificados.
Estou seguro de que a decisão do Governo português será em consonância com este parecer e que as populações das duas margens do rio Minho podem acreditar num futuro em que o rio terá um papel relevante na sua vida e continuará a constituir um enorme património natural e cultural daquela região e do próprio País.
Muito resumidamente, passo a referir o esforço que tem vindo a ser feito em sectores diversos.
Na justiça, construindo os Palácios da Justiça de Ponte de Lima e Vila Nova de Cerveira; na solidariedade social, com projectos de luta contra a pobreza em todos os concelhos do distrito; na dinamização económica, apoiando a instalação de parques industriais e disponibilizando apoios excepcionais à modernização do comércio tradicional em todos os centros urbanos; no desenvolvimento rural, com o reforço do programa LEADER do Vale do Lima e com um novo LEADER para o Vale do Minho, abrangendo, assim, todos os concelhos da região. É hoje claro para os alto minhotos que a actuação deste Governo é largamente positiva para a região.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos, no entanto, plena consciência de que muito ainda falta fazer para que o distrito de Viana do Castelo atinja os níveis de desenvolvimento a que a população aspira e as potencialidades justificam.
O III Quadro Comunitário de Apoio aparece como uma oportunidade única para dar o salto qualitativo que o Alto Minho precisa. Impõe-se, por isso, um esforço acrescido de investimento público e de mobilização da sociedade civil visando alcançar um estádio superior de investimento público e privado.
Foi de acordo com estes princípios que iniciámos junto do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território um processo de sensibilização com o objectivo de institucionalizar um novo instrumento de planeamento e investimento na região, um plano de desenvolvimento integrado (PDI), garantindo uma maior coerência das acções de desenvolvimento do Alto Minho numa política de parceria entre a administração central, o poder local e a sociedade civil.
É indispensável que no âmbito do PDI do Alto Minho se seleccionem três ou quadro sectores como prioritários e se assumam compromissos com investimentos devidamente calendarizados e com garantias de financiamento em áreas determinantes para o desenvolvimento equilibrado do distrito.
Permitam-me apresentar os domínios onde entendo que o PDI tem de apostar com mais incidência: acessibilidades/transportes; educação/formação; desenvolvimento económico; e ambiente/património cultural.
No que respeita à rede de transportes rodoviários para a região, tem de constar do PDI um compromisso devidamente calendarizado e com garantias de financiamento no que concerne à execução de vias estruturantes, como o IP 9 (Viana/Ponte de Lima), com concurso a decorrer, o IC 1 (Viana/Caminha/Valença), parte dele já a concurso, o IC 28, até à fronteira do Lindoso, a transversal Vila Nova de Cerveira/Paredes de Coura/Arcos de Valdevez e a ponte internacional de Vila Nova de Cerveira/Goyan.
Ainda nesta área, considero fundamental o investimento no eixo ferroviário Porto/Viana/Valença/Vigo, que será importante para aumentar a atractividade das zonas de implantação industrial dos vales do Minho e Lima e que potenciará um melhor aproveitamento do porto de Viana do Castelo:
Ainda no domínio dos transportes, é necessário garantir a requalificação do aeródromo do vale do Minho, que assumirá uma grande importância em toda a região, apoiando o desenvolvimento económico, a prevenção e combate a fogos florestais e a componente desportiva.
A educação e a formação como aposta na qualificação pessoal e profissional das pessoas é o melhor investimento no futuro. Importa, por isso, que o Plano de Desenvolvimento Integrado do Alto Minho aposte forte neste sector.
Continuando o esforço que o Governo está a desenvolver, é imperioso levar a educação pré-escolar a todos as crianças do distrito. No que respeita ao ensino básico, fruto da diminuição da taxa de natalidade, é urgente reordenar a rede escolar, implicando grandes investimentos que têm de estar devidamente previstos no plano de desenvolvimento.
Sem esquecer os outros níveis de ensino, tem de se dar uma atenção especial à formação profissional e ao ensino superior.
Na formação profissional, constitui primeira prioridade o apoio à criação de infra-estruturas que permitam a consolidação das escolas profissionais existentes e é indispensável alargar a formação a todos os concelhos, formando solidamente a juventude em áreas com saída profissional na região.
Considero a descentralização do ensino superior um dos instrumentos mais importantes no combate à desertificação e promotor de um desenvolvimento mais equilibrado do País.
O Governo, em consonância com este princípio, vai de encontro a esta nossa preocupação, criando, recentemente, a Escola Superior de Gestão Empresarial de Valença, que vai dar apoio ao interior do distrito, aumentando significativamente a oferta do ensino superior público sediado em Viana do Castelo, Ponte de Lima e Valença, cobrindo satisfatoriamente o Alto Minho.
Impõe-se agora que o PDI assuma a instalação daquela escola superior garantindo o financiamento das instalações,
Relativamente ao desenvolvimento económico, o Alto Minho é a única área de fronteira portuguesa verdadeiramente humanizada. A barreira económica e social que a

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fronteira constituiu tem vindo a ser ultrapassada. Na prática, esta evolução traduz-se no desbloqueamento das infra-estruturas de atravessamento e na interpenetração dos mercados económico e social.
No espaço alargado norte de Portugal/Galiza, no grande eixo Corunha/Aveiro, o Alto Minho constitui um ponto intermédio de encontro de regiões. É necessário dar resposta à dinâmica do desenvolvimento para a qual a região apresenta já condições geográficas e de acessibilidade muito positivas.
Uma das principais condições para atrair o investimento através do acolhimento industrial é a disponibilidade de zonas empresariais devidamente estruturadas com boas acessibilidades.
Assim, é indispensável avançar com a criação de uma área de grande dimensão, a localizar entre Valença e Vila Nova de Cerveira, na confluência do IP 1 e do IC 1, e de outra grande área industrial, entre Ponte de Lima e Viana do Castelo, aproveitando os nós do IP 1.
Estes projectos têm de ser apostas que mobilizem a administração central, o poder local e a iniciativa privada, com a certeza de que só com esta política de parceria será possível criar riqueza e fixar a população do Alto Minho.
Como complemento destas acções de natureza material toma-se imperiosa a criação de incentivos ao investidor.
Mas o Alto Minho tem de assentar o seu desenvolvimento na preservação e recuperação do seu património histórico, cultural e ambiental.
A defesa dos nossos recursos naturais, apostando na dinamização das zonas termais, a preservação do património construído, revitalizando os centros históricos, a promoção do desenvolvimento rural e a criação de infra-estruturas de animação e alojamento turístico têm de constituir preocupações centrais do PDI do Alto Minho.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em suma, o Alto Minho está a fazer um grande esforço para recuperar o atraso de muitas décadas. Não obstante ainda existirem diversos estrangulamentos, há, no entanto, enormes potencialidades a estimular e a desenvolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 670/VII - Confere aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social em empresas concessionárias da exploração e gestão de sistemas multimunicipais (PSD).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República um projecto de lei que tem por objecto reconhecer aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social em empresas concessionárias da exploração e gestão de sistemas multimunicipais.
No sentido de permitir o acesso de capitais privados às actividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos, o Decreto-Lei n.º 379/93 definiu o regime legal da gestão e exploração de sistemas que tenham por objecto aquelas actividades.
O referido diploma estabeleceu uma distinção entre sistemas multimunicipais e sistemas municipais, considerando os primeiros como os sistemas em «alta», de importância estratégica, que abranjam a área de, pelo menos, dois municípios e exijam um investimento predominante do Estado, e os segundos, todos os restantes, independentemente de a sua gestão poder ser municipal ou intermunicipal.
Relativamente aos sistemas multimunicipais, consagrou-se o princípio geral de que a exploração e gestão desses sistemas poderia ser efectuada pelo Estado ou atribuída, em regime de concessão, a entidade pública de natureza empresarial ou a empresa que resultasse da associação de entidades públicas, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social, com entidades privadas, atendendo ao volume de investimento público necessário.
Foram, assim, criados, por decreto-lei, diversos sistemas multimunicipais, mediante a constituição de sociedades concessionárias entre os municípios utilizadores e outras entidades do sector público.
Estes diplomas prevêem, nos termos legais, a detenção, por entidades públicas, da maioria do capital social das empresas concessionárias, constatando-se que, por opção do actual Governo, apontaram sempre para soluções que afastaram de tal maioria de capital os municípios utilizadores, concentrando-a sistematicamente em entidades directa ou indirectamente dependentes do poder central.
É mais uma demonstração do tão apregoado apego socialista à descentralização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na verdade, praticamente, todos os diplomas criadores de sistemas multimunicipais repartiram o capital social das respectivas empresas concessionárias por forma a que a participação do sector público empresarial atingisse, sempre, 51% da participação pública.
Esta situação transforma os municípios utilizadores dos sistemas que lhes são privativos em meros financiadores de empresas dominadas, directa ou indirectamente, pelo poder central.
Ora, as realidades sobre as quais os sistemas multimunicipais incidem, e que consistem em actividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos, dirigem-se à satisfação das necessidades de bem-estar das populações, competência que, claramente, se inscreve nas atribuições fundamentais dos municípios portugueses.

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E é, precisamente, devido a esta característica dos serviços prestados pelos sistemas multimunicipais que se justifica que a sua gestão seja suficientemente próxima das populações que servem, subordinando-se e adaptando-se permanentemente às necessidades e à evolução registada nas comunidades locais.
Tal desiderato apenas pode ser conseguido com segurança se o Estado, ao invés de manter a distância actualmente existente entre os responsáveis pelas decisões que respeitam aos sistemas multimunicipais é os destinatários dos serviços prestados por esses sistemas - afinal, as populações -, optar por conferir a estas últimas, através dos seus legítimos representantes, a possibilidade de assumirem, efectivamente, a gestão daqueles sistemas.
É que são esses eleitos locais aqueles que, mais directamente, se encontram inseridos na vida da sua região, que, consequentemente, têm uma visão mais concreta dos interesses das comunidades que servem e, afinal, aqueles que, mais directamente, respondem, democraticamente, perante as populações servidas pelos sistemas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por estas razões, é hoje cada vez menos compreensível a política governamental de preponderância, directa ou indirecta, do Estado no capital social das empresas concessionárias dos referidos sistemas multimunicipais.
Pelo contrário, toma-se crescentemente evidente que se deve oferecer aos municípios, através dos seus órgãos próprios, a possibilidade de assumirem, se assim o entenderem, a maioria do capital social das empresas concessionárias dos sistemas multimunicipais que os servem.
Não o fazer, como tem sido política deste Governo, é sinónimo, não só de ter reservas em relação à capacidade de gestão e competência dos nossos autarcas, como de recusar o sempre desejável aprofundamento de uma efectiva descentralização administrativa territorial.
Aliás, se é certo que a transferência de funções para a administração local é um seguro contributo para o aumento da eficiência e qualidade dos serviços prestados às populações, pelo estímulo das energias locais, não podem os Deputados desta Câmara, seis meses decorridos sobre o referendo que recusou a regionalização proposta pelo Governo e pelo Partido Socialista, recusar ao povo português os seus inalienáveis direitos de participação e de decisão nas matérias que respeitam, antes de mais, à sua vida local.
Importa, pois, dar aos municípios a faculdade legal de gestão efectiva das empresas concessionárias de sistemas multimunicipais de que são utilizadores, abrindo-lhes a possibilidade de detenção maioritária do respectivo capital social, por via da aquisição de participações já detidas pelo sector público.
A manifesta falta de vontade política deste Governo em fazê-lo leva-nos a ter de consagrar legislativamente esse caminho.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em suma, o presente projecto de lei mais não pretende do que contribuir para o reforço da importância do papel das autarquias locais na prossecução dos interesses públicos que lhes são próprios, reforçando e concretizando a sua autonomia na resolução dos problemas com que as populações se defrontam.
Dar aos municípios a faculdade legal da gestão efectiva das empresas concessionárias de sistemas multimunicipais de que são utilizadores, abrindo-lhes a possibilidade de detenção maioritária do respectivo capital social, por via da aquisição de participações já detidas pelo sector público, é um passo importante nesse sentido.
A grande maturidade e efectiva capacidade de que os municípios portugueses têm dado sobejas provas, nos mais de 20 anos que já levam de poder local democrático, são um aval seguro e uma garantia para o sucesso desta opção.
É com iniciativas legislativas como esta que, sem rodeios nem falsas loas ao trabalho das autarquias locais, se «separam as águas» entre aqueles que verdadeiramente acreditam e apostam no municipalismo e os que só o usam e o manipulam para satisfação dos seus interesses partidários.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PSD, sem hesitações, acredita e aposta, com convicção e determinação, no municipalismo ao serviço das populações.
Assinalando-se hoje o Dia da Autonomia do Poder Local, aproveito a oportunidade para, em nome do PSD, mais uma vez, saudar efusivamente todos os autarcas portugueses que têm prestado relevantes serviços ao desenvolvimento das suas comunidades locais e que muito têm contribuído para o progresso e desenvolvimento de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, começo por dizer que certamente não desconhece que, neste aspecto que acabou de referir, a legislação actualmente em vigor é semelhante à que foi produzida anteriormente pelo seu governo.
Mas, sobretudo, gostava de colocar-lhe uma questão.
Até agora, os sistemas multimunicipais resultam de sociedades concessionárias que foram constituídas livremente pelos municípios que entenderam fazê-lo nas condições vigentes, isto é, sendo sempre 51% a participação do sector público empresarial, do IPE, no capital social das empresas, ou seja, garantindo sempre a detenção, pelo IPE, da maioria do capital. Portanto, trata-se de associações livremente assumidas pelos municípios.
Aliás, neste projecto de lei do PSD, de que o Sr. Deputado é o primeiro subscritor, admite-se que, no futuro, estas empresas continuem a constituir-se da mesma forma, se os municípios assim o entenderem. Diz-se que, se os municípios o entenderem, podem continuar a constituir sociedades deste tipo, mesmo ficando em minoria.

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Ora, as empresas que foram constituídas existem porque os municípios assim o entenderam. E, agora, o Sr. Deputado pretende, por lei, dar um prazo de 90 dias para os municípios voltarem a pronunciar-se sobre um acordo de empresa que assumiram livremente no passado?
O Sr. Deputado pretende, ao fim e ao cabo, fazer, digamos, uma «nacionalização municipalizada» das empresas que foram livremente assumidas? É que ninguém obrigou os municípios a assumirem essas responsabilidades e esses acordos!
Como é que o Sr. Deputado justifica isto, quando o PSD defendia este mesmo esquema no passado, aliás, contrariando as propostas que o Partido Comunista apresentou na altura em que o PSD era governo, nas quais defendeu uma proposta semelhante à que os senhores vêm propor agora? E, no essencial, esta vossa proposta é igual à que o PCP apresentou naquela altura, contra a qual os senhores votaram, e muito bem.
Então, há um acordo estabelecido entre os municípios e o IPE e o senhor quer vir estipular, por lei, que este último é obrigado a vender aos primeiros uma parte do capital que detém? Isto, perante um acordo que foi assumido pelos municípios?! O Sr. Deputado está a passar um atestado de menoridade aos municípios que assinaram esses acordos? Sr. Deputado, a sua posição é incompreensível!
No entanto, o que sobretudo, quero destacar é o facto de estarmos a ver o PSD, agora na oposição, a apresentar a proposta que o Partido Comunista apresentou naquela altura! É algo de espantoso!
O Sr. Deputado considera que passar este atestado de menoridade aos municípios é reforçar a regionalização?
No fundo, nem sequer é proibir que os municípios estejam em minoria neste tipo de empresas, é dizer que os que o fizeram no passado, se se arrependerem agora, podem mudar, no prazo de 90 dias, a sua posição e os compromissos que assumiram!
Sr. Deputado, sinceramente, gostava que esclarecesse isto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Acácio Barreiros, de facto, está muito desatento às intervenções dos seus colegas nesta Câmara, na medida em que tive oportunidade de referir que a nossa iniciativa legislativa reporta-se a um decreto-lei que ainda está em vigor, o qual tivemos o gosto e a honra de fazer publicar, quando éramos governo. Trata-se do Decreto-Lei n.º 379/93, que ainda não foi alterado e, portanto, mantém-se em vigor.
Só que, infelizmente, o actual Governo, como é habitual, tem feito uma má aplicação deste decreto-lei, na medida em que toda a sua filosofia, o articulado do diploma permite exactamente que, caso manifestem vontade nesse sentido. os municípios possam participar maioritariamente no capital social destas empresas, mas o actual Governo tem imposto a participação maioritária do Estado.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É que, como sabe, estes sistemas multimunicipais, estas empresas, não podem ser constituídos apenas através da manifestação da vontade dos municípios, mas sim, por decreto-lei. Ora, o actual Governo, socialista, dentro do seu objectivo estatizante - e isto é verdade, pois a política do Governo continua a ter laivos de estatização em alguns aspectos! -, continua a querer que seja o Estado, através do IPE e de outros organismos, a deter a maioria do capital, 51% destes sistemas multimunicipais.
Repare, Sr. Deputado, que, há vários destes sistemas que já estão criados, nomeadamente alguns para o tratamento de resíduos sólidos urbanos, como, por exemplo, um da Zona Centro, o ERSUC, o qual integra 32 municípios mas que estão em minoria! Veja se isto é compreensível, se é aceitável!?
Ora, de acordo com a nossa própria experiência - e penso que nós, os legisladores, temos de tentar aprender com a experiência da própria aplicação da legislação -, verificámos que este Governo não tem procedido da melhor forma. Assim, pretendemos conseguir obrigar o Governo a fazer o que já estava na própria génese do Decreto-Lei n.º 379/93, da iniciativa do governo do Prof. Cavaco Silva, por forma a conceder aos municípios a faculdade de assumirem a maioria do capital social destes sistemas multimunicipais. É este o nosso objectivo.
Já que, ao contrário do que seria desejável, os senhores não tentam aplicar correctamente o decreto-lei, em toda a sua amplitude, então, através da apresentação deste projecto de lei - e espero que tenha a aquiescência desta Câmara de modo a vir a ser viabilizado em votação final global, embora admitamos, certamente, que, em sede de especialidade, possa vir a ser introduzido algum aperfeiçoamento a estes dois artigos que propomos -, nós iremos permitir que isso aconteça.
Devo dizer que o PSD tomou esta iniciativa porque muitos municípios, de várias cores políticas - alguns também do seu partido, Sr. Deputado! -, vieram dizer-nos que era importante obrigar este Governo a cumprir o espírito do actual decreto-lei no sentido que agora propomos, naturalmente através de uma clarificação, por forma a tentar obrigar o Governo a permitir que os municípios possam assumir a maioria do capital social destas empresas.
No fundo, é esse o sentido geral deste projecto de lei. Quanto ao resto, são faits divers, daí eu ter feito a intervenção que fiz.
De facto, os senhores continuam, por um lado, a fazer um discurso dizendo que são a favor da descentralização, mas, por outro, continuam a ter uma acção altamente centralista e que, de algum modo, põe em causa o poder local.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan para uma intervenção.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O diploma sobre o qual nos é pedida a apreciação consagra dois princípios que são, para o Partido Popular, desde há muito tempo, defendidos.

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Primeiro, o de uma melhor e mais eficiente gestão empresarial; segundo - e tão ou mais importante do que o anterior - o da aproximação, digo mesmo da descentralização para o nível municipal de competências que, em primeiro lugar, dizem respeito aos municípios.
Quem conhece a realidade sabe que a possibilidade de os sistemas multimunicipais terem capitais maioritariamente detidos pelos municípios é o corolário lógico de todos quantos dizem defender a descentralização, em suma, a aproximação dos centros de decisão dos visados pelas decisões.
É decisivo dar aos municípios a possibilidade de participação na gestão das empresas concessionárias destes sistemas multimunicipais.
É decisivo, numa primeira análise, porque não faz sentido que, directa ou indirectamente, o poder central possa continuar com a actual situação de ter os mesmos gestores - e repito «os mesmos gestores» - nomeados para empresas que nada têm a ver entre si e sobre as quais muitos nada percebem...

O Sr. Rui Pedrosa de Moura (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - E é decisivo porque os novos tempos, de maior eficácia, de maior eficiência, de maior competitividade, exigem também, cada vez mais, maior rigor e maior transparência, mas também, Srs. Deputados, maior proximidade e conhecimento das realidades em causa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Dar aos municípios interessados o direito de adquirirem participações maioritárias nas sociedades concessionárias do sistema é, a nosso ver, a melhor forma de cumprir muito do discurso político que alguns dizem ter, mas poucos gostam de praticar.
Devo, no entanto, dizer, em nome do Partido Popular, que, em sede de especialidade, temos algumas dúvidas no que diz respeito ao n.º 5 do artigo 2.º, nomeadamente quanto aos prazos e aos termos em que os actuais concelhos de administração possam vir a fazê-lo.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Já têm esse direito agora!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, defender a descentralização não pode nem deve ser apenas discurso político; defender a municipalização, o reforço dos seus poderes e o âmbito das suas competências não pode nem deve ser apenas um slogan conjuntural.
Por estas razões tão simples, mas para nós tão importantes, porque o nosso discurso é igual à nossa prática, vemos como positivo o presente projecto de lei, que confere aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social em empresas concessionárias da exploração e gestão de sistemas multimunicipais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. - e Srs. Deputados: A gestão e exploração dos sistemas de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos são, desde há muitos anos, de acordo com a delimitação de atribuições entre a administração central e a administração local em vigor, actividades da competência das câmaras municipais.
Com a alteração da lei de delimitação dos sectores público e privado e a abertura do acesso de capitais privados a este sector de actividade, o anterior governo, do PSD, criou as condições para que os municípios fossem, na prática, expropriados destas competências contra a sua própria vontade.
Neste contexto, a publicação do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, significou o aumento da escalada contra os serviços públicos geridos pelas câmaras municipais, pondo em causa a autonomia do poder local e ameaçando as competências dos municípios e os interesses dos cidadãos; obrigou os municípios a entregar às empresas concessionárias da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais, «por tuta e meia», um valioso património municipal, sobre o qual deixaram de ter controlo, face à sua posição minoritária no respectivo capital social; retirou aos municípios o controlo sobre os preços e taxas cobradas às populações servidas por estes serviços públicos, que são vitais para o seu bem-estar social e para a melhoria da sua qualidade de vida, e pôs em marcha a entrega de um sector estratégico para o desenvolvimento sustentado do nosso país aos grandes grupos multinacionais que dominam a indústria do ambiente, depois de sacados (para usar uma expressão muito em voga) os vultuosos subsídios recebidos do Fundo de Coesão.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao insistirmos nestes pontos, não é nossa pretensão reeditar os debates realizados quando da autorização legislativa que originou o diploma que alterou a lei de delimitação dos sectores e da apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 379/93, ocorridos nesta Câmara em 1993 e 1994.
Queremos, tão-só, lembrar a todos os Srs. Deputados que hoje, tal como em 1993, o Decreto-Lei n.º 379/93 continua a ser uma má lei. Não é pelo facto de o Partido Socialista ser hoje Governo que as normas legais que contém melhoraram.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Estranhamos, por isso, que o PS, que nessa altura nos acompanhou na contestação àquele diploma legal, nos quase quatro anos que leva de governação nada tenha feito para expurgar do Decreto-Lei n.º 379/93 os muitos aspectos negativos que contém.
Em contrapartida, o PSD percebeu finalmente, ao fim de cinco anos, que pelo menos num aspecto nós tínhamos razão: é necessário garantir aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social das empresas concessionárias dos sistemas multimunicipais, devolvendo-lhes a

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gestão e o controlo sobre o património e a política de preços e taxas praticados.
Como diz o nosso povo, «mais vale tarde do que nunca».

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, é com agrado que o Grupo Parlamentar do PCP regista a iniciativa legislativa do PSD, que estamos a discutir e para a qual contribuiremos, sem qualquer margem para dúvida, com o nosso voto favorável.
É que, ao contrário do PS e do PSD, não alteramos a nossa posição sobre este assunto. Estamos certos que estas mudanças de posição do PS e do PSD, que alternam entre o contra e o a favor, consoante estão na oposição ou no governo, escapam seguramente à compreensão dos portugueses e das portuguesas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Conhecemos a forma arrogante e prepotente como o Governo, enquanto accionista maioritário, através do IPE, da Águas de Portugal, tem imposto aos municípios formas de funcionamento e a política de preços e taxas cobradas pelas empresas concessionárias. Conhecemos o centralismo que tem presidido a medidas que visam espoliar os municípios dos investimentos que fizeram. Defendemos, por isso, a devolução plena das competências que foram subtraídas aos municípios e defendemos que os municípios não podem continuar a ser meros financiadores e utilizadores dos sistemas multimunicipais, com as empresas concessionárias a serem dominadas, directa ou indirectamente, pela administração central.
Entendemos, por conseguinte, que o Decreto-Lei n.º 379/93 deve sofrer alterações mais profundas, tanto mais que, entretanto, o nosso ordenamento legislativo já contempla a existência de empresas intermunicipais que podem gerir e explorar os diversos sistemas multimunicipais existentes.
Com esta iniciativa é dado um passo positivo. Continuaremos a lutar, conjuntamente com outras forças políticas, para que outros passos sejam possíveis.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, depois da leitura do conteúdo do projecto de lei n.º 670/VII, agora em discussão, gostaria de dizer que me surpreendeu o facto de este diploma vir de quem vem, ou seja, do PSD, porque o Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, é da autoria do PSD, quando foi maioria absoluta. Portanto, o sistema e a lógica de exploração e gestão de sistemas multimunicipais nele previstos são da autoria do PSD.
Foi o PSD que impediu os municípios de terem maioria de capital, quer na legislação, quer na prática que sempre defenderam, e foi o PSD que diluiu a participação dos municípios, identificando-os até como utilizadores. Hoje, o PSD muda de opinião e apresenta esta iniciativa legislativa. Como aqui já foi referido, «mais vale tarde do que nunca».
Hoje será o PS a inviabilizar esta prática em Portugal e, se assim for, será a prova provada que, de facto, seguem a mesma orientação política, será a prova provada que não vivem de convicções, que vivem apenas de estratégias políticas consoante estão no governo ou consoante estão na oposição, o que é, de facto, uma degradação absoluta do nosso sistema político.
Gostava de referir que o PSD até foi, na altura, muito pouco honesto na forma como colocou as questões, na medida em que, por detrás da aparência da lei, estava a intenção de privatizar o sector dos resíduos e da água, ao que Os Verdes sempre se opuseram, tendo até chantageado os municípios por causa dos fundos de coesão, argumento que o PS, depois, também soube repetir, nomeadamente quanto aos resíduos sólidos urbanos. O Sr. Deputado Acácio Barreiros falou hoje da vontade de os municípios se organizarem desta forma, mas a livre vontade, Sr. Deputado, nunca foi apanágio deste processo, e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente.
Relativamente à nossa posição nesta matéria ela é conhecida: por princípio, parece-nos muito bem que os municípios possam deter a maioria do capital social na exploração e gestão de sistemas multimunicipais. É positivo atribuir esta capacidade às autarquias, seguramente com melhor capacidade para gerir em função dos interesses dos munícipes, mais conhecedores e também mais próximos das suas necessidades.
O sector da saúde pública, como a área dos resíduos e da água, não pode ser visto numa perspectiva simplista do lucro dos grandes grupos económicos, mas sim numa perspectiva de boa gestão, de boa qualidade e de bom serviço às populações. Este deve ser o grande objectivo e deve ser um direito garantido a toda a população.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martim Gracias.

O Sr. Martim Gracias (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD, ao apresentar este projecto de lei, esqueceu-se da posição que tinha assumido anteriormente, quando fez aprovar o Decreto-Lei n.º 379/93. No entanto, já se passaram alguns anos, e nós habituámo-nos a considerar as autarquias locais como instituições que atingiram a maioridade, como instituições que, através das acções desenvolvidas de norte a sul do País, conseguiram granjear do público, do povo a quem servem, respeito e consideração.
O facto é que este projecto de lei, ao propor aos municípios «vocês têm 90 dias para mostrar o que valem; ou aceitam ou não aceitam», faz lembrar o «pai tirano» que diz ao seu filho: «Tens 30 minutos para decorar a tabuada dos quatro».

Risos do Deputado do PSD, Manuel Moreira.

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Ora, isto admite-se de um «pai tirano» para com o filho, mas já não se pode admitir de uma lei para com os municípios.
Os municípios têm o direito de determinar aquilo que mais lhes convém e quando é que lhes convém. Os municípios não podem, pura e simplesmente, ser relegados daquilo que, em seu entendimento, é um direito de autonomia municipal.
Também nos parece estranho que no projecto apresentado se imponha aos proponentes que «A transmissão de participações referidas no número anterior deve ser realizada até ao fim do presente ano económico, (...)» - cá está, novamente, uma limitação do tempo «(...) pelo respectivo valor nominal, (...)» - não se discute isso «(...) com dispensa do consentimento das assembleias gerais respectivas.». Ora, é nas assembleias gerais que estão representados os municípios, indo-se, assim, coarctar o direito aos municípios de, em assembleia geral, dizerem sim ou não a um método de transferência ou de acordo com data ou a possibilidade de transferência desse direito.
Parece-nos que os municípios já atingiram a maioridade. E esta proposta mais parece querer passar aos municípios um atestado de menoridade, porque, assim, têm de ter o «pai tirano» a dizer: «Tens tanto tempo para fazer isto, e tens de fazer isto desta, desta e desta maneira...».
Espero bem que a Associação Nacional de Municípios Portugueses, ao pronunciar-se, também entenda que há aqui alguns pontos em que os municípios merecem mais respeito.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pimenta Dias.

O Sr. Pimenta Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martins Gracias, recentemente, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, o Sr. Agostinho Fernandes, em declarações à imprensa, queixava-se do facto de o Governo, através do IPE, da Águas de Portugal, tentar retirar às câmaras municipais uma maior intervenção nos sistemas multimunicipais. Queria perguntar-lhe se esta é a forma de conseguir o objectivo que o Sr. Deputado referiu acerca da maioridade das câmaras municipais.
Por outro lado, Sr. Deputado, aquando do debate, aqui em Plenário, da autorização legislativa que deu origem à alteração da lei de delimitação dos sectores, um colega seu, na altura o Deputado José Sócrates, disse que o PSD, com as iniciativas legislativas que tomou na altura, queria retirar competências às câmaras municipais. A questão que lhe coloco é se V. Ex.ª partilha da opinião do então Sr. Deputado José Sócrates ou se neste momento considera que, afinal de contas, isso já não é importante.

O Sr. Joaquim fatias (PCP): - Bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Martim Gracias.

O Sr. Martim Gracias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço a questão que colocou, mas parece-me ser mais grave retirar aos municípios que já estão associados o direito de se pronunciarem no caso de quererem obter a maioria do capital, tal como diz o projecto de lei, ou seja, «com dispensa do consentimento das assembleias gerais respectivas.».

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso não é verdade! Senão nunca mais autorizavam!

O Orador: - Isso quer dizer que o Sr. Deputado não confia na gestão das assembleias gerais dos municípios?! É isso mesmo! Já sabemos que o que vocês querem é não confiar nos municípios e espartilhá-los cada vez mais no tempo e nas decisões!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Confiamos! O senhor está a fazer uma grande confusão!

O Orador: - Os municípios têm todo o direito de decidir quando e onde querem tomar as posições, pelo que não me parece conveniente a inclusão neste diploma dos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, que me parecem um excesso em relação aos direitos dos municípios.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão deste projecto de lei, vamos passar às votações regimentais.
Informo-vos que a maioria dos Srs. Deputados ainda não foi votar na eleição que decorre na Sala D.3 Maria. A eleição prolonga-se até às 19 horas, pelo que sugiro que, no fim das votações, os que ainda não votaram cumpram esse dever, pois é absolutamente necessário que o façam.
Srs. Deputados, vamos, pois, dar início às votações, começando por votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 255/VII - Altera a Lei n.º 7/92, de 12 de Maio, que regula a objecção de consciência.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

A proposta de lei que acabámos de votar baixa à 1.ª Comissão.
Vamos agora votar um requerimento, apresentado pelo PS, PSD e CDS-PP, de baixa, sem votação, à Comissão de Economia, Finanças e Plano, para apreciação, pelo prazo de uma semana, da proposta de lei n.º 259/VII - Altera a Lei n.º 46/98, de 7 de Agosto (Lei-quadro das Leis de Programação Militar), no sentido de acomodar a locação e outros contratos de investimento no âmbito do Equipamento das Forças Armadas.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, relativo à proposta de lei n.º 165/VII (ALRA) - Regime jurídico de criação de freguesias na Região Autónoma dos Açores.

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Os Srs. Deputados do PCP propõem que se vote o texto, na sua globalidade.
Como ninguém se opõe, vamos, então, votar, na especialidade, todo o articulado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos passar à votação final global do referido texto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Informam-me que o texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, relativo ao projecto de lei n.º 356/VII (CDS-PP) - Criação do Museu Nacional da Floresta, foi retirado, pelo que não será votado hoje.
Passamos, então, à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão da Educação, Ciência e Cultura, relativo ao projecto de lei n.º 380/VII - Define as condições de acesso e exercício da actividade de intérprete de língua gestual(PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, suponho que há consenso na Câmara para que se vote, desde já, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 232/VII - Altera a Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que estabelece medidas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 244/VII - Estabelece a licença especial para, o exercício transitório de funções de magistrado judicial ou do Ministério Público na Região Administrativa Especial de Macau.
Esta é uma iniciativa de natureza urgente mas, infelizmente, o processo de urgência demorou mais do que a apreciação normal de uma qualquer lei.

Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 244/VIL Lembro que há pequenas correcções a introduzir no texto da proposta de lei, pelo que é necessário que baixe à comissão para redacção final.
Creio que há consenso da Câmara para que se proceda à votação da globalidade da proposta de lei, com excepção do n.º 2 do artigo 6.º, já que o Grupo Parlamentar do PSD requereu a sua votação em separado.
Vamos, então, votar, na especialidade, a proposta de lei n.º 244/VII, à excepção do n.º2 do artigo 6.º.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos agora votar o n.º 2 do artigo 6.º.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

É o seguinte:

2 - O disposto no artigo 4.º é aplicável aos magistrados em exercício de funções no território de Macau que se encontrem nomeados em regime de comissão de serviço, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto, independentemente da licença especial referida no artigo 1.º.

O Sr. Presidente: - Como já devem ter reparado, falta no texto deste diploma a nota de que o mesmo deve ser publicado no Boletim Oficial de Macau. Espero que. em sede de comissão, na redacção final, não falte esta menção.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global desta mesma proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Uma vez terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 670/VII - Confere aos municípios o direito à detenção da maioria do capital social em empresas concessionárias da exploração e gestão de sistemas multimunicipais (PSD), é regimental que se proceda, desde já, à votação, na generalidade, do diploma.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.

O projecto de lei baixa à 4.ª Comissão.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às Denúncias de Corrupção na Junta Autónoma de Estradas, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PSD) a prestar declarações no âmbito do pedido formulado pela referida Comissão Eventual de Inquérito.

O Sr. Presidente: - Está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PSD) a prestar declarações no âmbito do pedido formulado pelo juiz instrutor do inquérito em apreço.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar este parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Terminadas as votações, faço uma última recomendação para que os Srs. Deputados não deixem de passar pela Sala D. Maria, para votar, como é nosso dever.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 627/VII -Altera a Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, alargando a capacidade de fiscalização do exercício da função accionista do Estado (CDS-PP).
Antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Moura e Silva, peço ao Sr. Vice-Presidente Pedro Feist o favor de me substituir, uma vez que se encontram na Assembleia da República os Presidentes dos Parlamentos da União Europeia, a fim de participarem numa cimeira de dois dias.
Tem a palavra, Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não é preciso recuar muito no tempo para encontrar exemplos concretos da política, levada a cabo por este Governo, de desorçamentação de encargos públicos do Estado e de não cumprimento das exigências de fiscalização jurisdicional e política da legalidade e da eficiência económica das despesas públicas.
Dois exemplos apenas: primeiro, o caso Partest, ou da transformação contabilística de uma receita de natureza extraordinária numa fonte de financiamento de despesas correntes, ou, ainda, de como se consegue incumprir a lei com um sorriso nos lábios e um relatório do Eurostat na «gaveta»; segundo, o Orçamento do Estado para 1999, ou de como se percorre uma proposta de lei «à lupa» sem se descobrir onde estão contabilizados os financiamentos de empresas públicas deficitárias com acções de outras empresas públicas em fase de privatização.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo não se pode nunca esquecer que a gestão dos dinheiros públicos deve ser efectuada com a diligência de um gestor criterioso e de acordo com as regras próprias da contabilidade pública.
O projecto de lei que trazemos hoje à discussão da Assembleia da República não carece, por isso, de explicação exaustiva, tão óbvios são os seus pressupostos de facto. Com este projecto de lei, pretende o CDS-PP dotar a Assembleia da República, e através dela o Tribunal de Contas, de um meio de fiscalização que incidirá sobre actos e processos em que esteja em causa o exercício da função accionista do Estado.
Tomou-se por base uma lei à qual se chegou com um consenso substancialmente alargado, a Lei n.º 14/96, com o intuito de lhe introduzir as precisões necessárias a abranger nela a fiscalização de situações como as que são potenciadas pelo despacho conjunto, de 31 de Dezembro do ano passado, referido na exposição de motivos do projecto de lei.
Através deste despacho, o Governo determina o aumento do capital social da CP em 120 milhões de contos, aumento este a realizar em numerário ou espécie no prazo de um ano.
Percorrido o Orçamento do Estado para 1999, nada ali se encontrou no que respeita a transferências de verbas do Orçamento do Estado para esta empresa pública, o que tanto mais se justificaria quanto é certo que esta verba se aproxima do montante global orçamentado para o Ministério da Justiça.
De onde é que virá esse dinheiro? A resposta é simples, e veio plasmada na imprensa especializada, nos termos que passo a citar: «(...). Esta operação será concretizada através da entrega pelo Estado de acções de empresas públicas. Apesar de a origem das acções ainda não estar definida, é provável que sejam transferidas participações de empresas a privatizar este ano, permitindo assim à CP converter em dinheiro fresco esses activos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação do nosso projecto de lei impedirá doravante o Governo de utilizar processos desta natureza, através dos quais se eximia à justificação de tais actos de gestão de dinheiros públicos, e que passarão a estar sujeitos a uma fiscalização suplementar: a do Tribunal de Contas.
E a uma fiscalização com uma sanção adequada ao caso: quando no decurso da auditoria realizada, o Tribunal de Contas conclua que as operações de administração dos activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da função accionista do Estado deveriam ter sido previamente inscritas em sede orçamental, elas serão consideradas ineficazes.
Alguém disse que o nosso projecto constituía a assunção de que só o Tribunal de Contas tem a missão de fiscalizar a actuação do Estado, sendo totalmente esquecida a competência da Assembleia da República nesta matéria. Lamentamos ter de dizer que esta posição é tão desacertada hoje como o seria se expressa aquando da discussão das iniciativas legislativas que deram origem, precisamente, à Lei n.º 14/96.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É que o intuito é precisamente o contrário: alargam-se os poderes de fiscalização do Tribunal de Contas, nomeadamente de fiscalização, a solicitação de um décimo dos Deputados a Assembleia da República.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Já se exige isso!

O Orador: - Temos todos consciência da crescente necessidade de flexibilização da intervenção pública que a vida económica e social exige, flexibilização essa pouco compatível com burocracias ou com os rituais clássicos que animam a vida do Parlamento.
Reconhecemos que o controlo que o Parlamento hoje desenvolve sobre a legalidade financeira e sobre a eficiência do gasto público carece de uma intervenção especializada mais significativa, e que esse controlo, ao contrário daquilo que se pretende, é cada vez menos lesto e, por isso, cada vez menos eficaz.

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O alargamento da jurisdição do Tribunal de Contas a toda a utilização de recursos públicos, tenha ela ou não tradução orçamental, em nada contende com as competências do Parlamento, antes as reforça com a eficácia e a especialização dos novos instrumentos de intervenção que caracterizam o sistema financeiro moderno. Eficácia e especialização essas que tanto mais necessárias se tomam quanto mais acuidade ganha a tendência do Governo em se mostrar criativo e imaginativo na contabilização dos gastos públicos, face às limitações impostas pelos critérios de convergência nominal.
Quando o Governo tomou a opção de dotar a CP, em 1999, com 120 milhões de contos de acções de empresas em privatização, em vez de aplicar, por exemplo, 40 milhões de contos, nesse mesmo ano, com um plano de convergência das pensões sociais mais degradadas, com o salário mínimo nacional, poderia tê-lo feito de duas maneiras: ou contabilizando essa verba no Orçamento do Estado, sujeitando-se lealmente à discussão política e à sua aprovação ou rejeição pela Assembleia da República, ou utilizando este expediente de transferir acções da Direcção-Geral do Tesouro para a empresa pública CP, à margem do Orçamento do Estado e, portanto, de qualquer apreciação pelos representantes legitimamente eleitos pelo povo português.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Como optou por esta segunda via, tem o Governo de sujeitar-se a uma fiscalização a posteriori, e às consequências dessa fiscalização: ou está tudo legal do ponto de vista orçamental, ou não está e a operação será considerada ineficaz.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não termino sem realçar que o papel fiscalizado! da Assembleia da República, nesta matéria como noutras, continua a ter uma importância fundamental.
Quanto ao Tribunal de Contas, verá este as suas competências alargadas à fiscalização de operações que envolvam o exercício da função accionista do Estado e reforçadas com o poder/dever de fazer recomendações e propostas de acção quando se evidenciarem desvios a critérios e princípios de boa gestão orçamental.
Mas é sobre os «ombros» do Governo que repousa a principal responsabilidade decorrente deste projecto de diploma, que é a responsabilidade de se sujeitar ao escrutínio parlamentar, quando estão em jogo opções políticas que envolvem o dispêndio de dinheiros públicos.
Em sede de Orçamento do Estado, o CDS-Partido Popular aceita discutir todas as políticas. Já demonstrámos que somos um partido responsável e de iniciativa, com uma ideia clara daquilo que quer para Portugal e de como obtê-lo. O Orçamento do Estado é o único instrumento de que o Governo dispõe para realizar as políticas económicas e financeiras e, através delas, a justiça social e o bem-estar que é obrigação do Estado proporcionar aos cidadãos.
Recomendamos ao Governo que resista à crescente tendência de desorçamentação e contabilização criativa dos gastos públicos que tem vindo a demonstrar, pois se o fizer é a própria lei que aqui propomos hoje que rapidamente se tornará obsoleta.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Pedro Feist.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como há pouco dizia o Sr. Deputado Moura e Silva, de facto, sobre as razões e a justificação da apresentação deste projecto de lei está praticamente tudo dito.
Há uma situação que se tem vindo a manter e, em alguns casos, até a agravar, por parte do Governo, que é a prática de uma política de desorçamentação, quer em termos de receitas, quer em termos de despesas.
Por conseguinte, essa situação tem, necessariamente, de ser travada de alguma forma e, se o Governo, depois de todos os alertas e de todas as posições que os grupos parlamentares da oposição foram assumindo ao longo dos tempos, não resolve alterar a sua prática, é natural que se imponha uma alteração através de lei. Aliás, foi aqui referido o caso do aumento de capital de uma determinada empresa mas, em termos de aumentos de capital, julgo saber que há várias outras empresas em causa e que este processo até já terá sido utilizado, inclusivamente, embora neste caso concreto não tenha a confirmação absoluta. para pagamento das chamadas indemnizações compensatórias,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É a «bandalheira» orçamental!

O Orador: - ... o que leva ainda mais longe aquilo que se pode chamar o exagero com o que o Governo está a recorrer a estas operações.

Do nosso ponto de vista, poderíamos suscitar a questão de saber se aquilo que é proposto neste projecto de lei seria absolutamente necessário, em face da lei existente. E julgo que se trata de uma dúvida legítima. Mas, com toda a sinceridade e por aquilo que referi inicialmente, mal é que não vem ao mundo pelo facto de se fazer a explicitação de que também nestas situações o Governo tem de cumprir aquilo que está legislado.
Nesse sentido, não temos qualquer dúvida em votar favoravelmente, na generalidade, este projecto de lei, com o compromisso que já existe, aliás, não se trata de um compromisso mas de uma decisão em sede de comissão, de que, antes da votação na especialidade, se ouça o próprio Tribunal de Contas. E, pela nossa parte, a questão suscita-se fundamentalmente em relação ao artigo 2.º do projecto de lei, pois temos de ter atenção e, por conseguinte, precaução com a amplitude de efeitos que podem, eventualmente, surgir com a ineficácia dos actos anteriormente praticados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, ressalvando esta questão, que será debatida e analisada por nós em sede de especialidade, e com audição do próprio Tribunal de Contas, agora, sim, temos tudo dito sobre esta matéria, justifica-se esta explicitação na lei, pelo que terá o nosso voto favorável.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ontem, era a Partest. Ontem, era o contornar da Lei-Quadro das Privatizações, contabilizando receitas das privatizações como receitas correntes, quer em 1997, quer em 1998, ao receber cerca de 200 milhões de contos dos dividendos da Partest, através das mais-valias realizadas pela holding pública.
Ontem, foi possível colocar na mão da Partest acções a um determinado valor contabilístico e vendê-las nas privatizações a um preço superior, gerando significativas mais-valias que não são mais do que receitas das privatizações e que não foram canalizadas quer para a amortização da dívida, pública, quer para a amortização da dívida do sector empresarial do Estado, quer para serviço da dívida resultante de nacionalizações ou novas aplicações de capital no sector produtivo, que era, e ainda é, o destino das receitas provenientes das reprivatizações. Sem isto, o défice do sector público administrativo, em 1997 e em 1998, seria superior ao valor anunciado.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Hoje, para evitar mais uma «montagem» de uma operação de puríssima engenharia financeira, o CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 627/VII, alargando a capacidade de fiscalização do exercício da função accionista do Estado, o qual tem a ver, conforme é relatado na «Exposição de motivos», com o aumento de capital estatutário da empresa pública CP, previsto no Despacho Conjunto n.º 927-A/98.
Estamos de acordo nos princípios não só pelo que se passou ontem com a Partest como, por exemplo, com a CP, que «encaixou» uma mais-valia de 25 milhões de contos pela venda de 4,6% das acções da EDP, mercê de um aumento de capital de 152 milhões de contos, dos quais apenas 60 milhões de contos passaram pelo Orçamento do Estado. E «mais vale prevenir que remediar», como diz o povo.
Hoje, prevenir implica, de uma vez por todas, reforçar a capacidade de fiscalização política desta Assembleia da República, com a intermediação do Tribunal de Contas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, urge legislar, apertar o controlo para que, de uma vez por todas, se evite a desorçamentação permanente.
São as despesas do Serviço Nacional de Saúde colocadas à margem do Orçamento e que dessa forma não afectam o défice.
São as estradas construídas sem verba e pagas a longo prazo, incluindo a manutenção, com as amortizações baptizadas com o curioso nome de «portagens virtuais».
São as mais-valias da Partest, enganando a verdade do défice português.
É a peregrina e dispendiosa ideia do leasing militar.
É a fuga às indemnizações compensatórias pela via habilidosa de passar acções de empresas a privatizar, a preços inferiores aos de mercado, para o activo financeiro de empresas que deveriam receber estas mesmas indemnizações compensatórias.
Estamos de acordo com os princípios deste projecto de lei. Estamos abertos a debater, em sede de especialidade, a forma de atingir o objectivo de evitar mais desorçamentação. aperfeiçoando o diploma em apreço.
Chega de contínuas desorçamentações que desvirtuam a verdade orçamental, que mais não visam do que esconder a incapacidade deste Governo para evitar o acelerado crescimento das despesas públicas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Ramos.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 627/VII, do PP, na sua «Exposição de motivos», questiona «a correcção e a imparcialidade da avaliação, bem como a obediência aos critérios de boa gestão financeira de operações que envolvam o exercício da função accionista do Estado.»
Baseando-se nesta dúvida, propõe um projecto de lei que, a ser aprovado, através do seu artigo 1.º, alteraria os artigos 3.º e 5.º da Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, diploma que veio alargar a fiscalização financeira do Tribunal de Contas, sendo de realçar que só com este Governo foi possível promover a fiscalização de empresas públicas e dos processos de privatização pelo Tribunal de Contas.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em concreto, que proposta de reforço das funções do Tribunal de Contas apresenta o PP com este projecto de lei?
Através da alteração do artigo 3.º, pretende alargar o âmbito das auditorias do Tribunal de Contas «às operações de transferência de activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da sua função accionista.»
Pela alteração do artigo 5.º, o projecto de lei do PP pretende que o relatório anual do Tribunal de Contas inclua uma síntese relevante das acções de controlo das «operações de administração de activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da sua função accionista» e, ainda, que nesse relatório constem «as propostas de acção e de correcção de procedimentos que se mostrem necessárias, quando as acções de controlo evidenciarem (...) desvios a critérios de boa gestão financeira ou orçamental.»
Quanto ao artigo 2.º do projecto de lei n.º 627/VII, pretende estabelecer um regime sancionatório que tornaria ineficazes os actos ou negócios jurídicos de operações de transferência de activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da sua função accionista, quando, da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas, se conclua que as mesmas deveriam ter sido previamente enquadradas em Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Relativamente à primeira questão, alargamento das auditorias do Tribunal

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de Contas «às operações de transferência de activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da sua função accionista», tal competência já está prevista no n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 14/96, de 20 de Abril, ao prever que «no exercício da sua função de fiscalização, compete ao Tribunal de Contas fiscalizar a alienação de participações sociais, tendo em vista a salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado.»

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a obrigação do Estado de facultar todos os elementos necessários a um cabal esclarecimento decorre do dever geral de colaboração com os tribunais e, no caso do Tribunal de Contas, também já está previsto, nomeadamente no artigo 12.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
No que respeita à segunda questão, inclusão no relatório anual do Tribunal de Contas de uma síntese relevante das acções de controlo das operações em causa e ainda propostas de acção e de correcção de procedimentos, convém salientar que, sem prejuízo de a actual legislação poder carecer de melhor explicitação, tal prática tem sido assumida até hoje pelo Tribunal de Contas, como se pode verificar através da análise dos seus relatórios anuais.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Até aqui, nada de novo.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Resta, portanto, a proposta do PP para tornar ineficazes os actos ou negócios jurídicos de operações de transferência de activos financeiros do Estado que envolvam o exercício da sua função accionista, quando, da auditoria realizada, se conclua que as mesmas deveriam ter sido previamente enquadradas em Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As empresas participadas pelo Estado e constituídas como sociedades anónimas actuam no mercado de acordo com a legislação e as regras em vigor.
A sua actuação ao nível dos mercados financeiros é efectuada da mesma forma que a de qualquer outra empresa, procurando, através da sua gestão, encontrar formas de potenciar as posições dos seus accionistas.
As participações do Estado em diversas empresas estão tituladas por acções, cuja inscrição orçamental consta em activos financeiros que estão devidamente explicitados no Orçamento do Estado.
Se algumas das empresas participadas pelo Estado efectuam aumentos de capital e possibilitam a sua realização em espécie, a sua efectivação através de acções de outras empresas é perfeitamente legal, coerente e demonstradamente com bons resultados para o seu accionista, neste caso, o Estado.
De acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental em vigor, é um completo absurdo limitar a possibilidade de o Estado utilizar um procedimento tecnicamente correcto e financeiramente justificável.
A inscrição das participações do Estado em activos financeiros já consta no Orçamento do Estado e, segundo as normas de contabilidade pública, bem. Outro tipo de contabilização seria inédito. E, então, o PP poderia aproveitar para apresentar uma proposta desta natureza também no Parlamento Europeu, para que, nesta situação, Portugal não ficasse «orgulhosamente só».
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, propor um regime sancionatório a aplicar pelo Tribunal de Contas nesta matéria é um assombro.
Desconhece o PP que a auditoria não é um instrumento adequado para desencadear a sanção da ineficácia e que, não tendo o Tribunal de Contas funções injuntivas, lhe cabe apenas emitir relatório ou parecer?
Propor que só o Tribunal de Contas tenha uma missão de fiscalização da actuação do Estado significa endossar a competência da Assembleia da República nessa matéria, nomeadamente na apreciação que é realizada ao relatório anual e às auditorias do Tribunal de Contas.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): Estudou o que está a dizer?!

O Orador: - Ignora o PP que os visados na auditoria, que pretende julgativa, têm como única defesa o direito ao contraditório, não havendo recurso para instância superior?
Com a proposta de ineficácia dos actos ou negócios jurídicos de operações de transferência de activos financeiros do Estado, o PP nem sequer acautela os interesses e direitos de terceiros, sejam adquirentes de títulos que estiveram na base das operações financeiras ou parceiros de actividade com as entidades envolvidas.
Seria, assim, criado um total clima de insegurança, dado que só passado um período de tempo bastante alargado se poderiam ter como efectivas algumas operações, nomeadamente os aumentos de capital.
Com a eventual aprovação da norma, qualquer futura operação de privatização decorreria sempre em clima de suspeição sobre o seu carácter definitivo, resultando em objectivas perdas financeiras para o Estado e perda de credibilidade do mercado de capitais.
O artigo 2.º, proposto pelo PP, é verdadeiramente inaceitável, distorce as funções do Tribunal de Contas e da Assembleia da República, põe em causa todos os processos de privatização ou capitalização de empresas públicas, introduz instabilidade nos negócios das empresas envolvidas na transferência dos activos financeiros do Estado e obstaculiza a sua actuação.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP):Já percebemos que a verdade dói!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Para mais, é nosso entendimento que se trata de uma perversão pretender alargar, de forma gratuita, as competências do Tribunal de Contas e nem sequer cuidar de dar cabal satisfação às prerrogativas que aquele organismo já hoje tem.
Queremos, com isto, salientar que, pela sua lei orgânica, compete ao Tribunal de Contas emitir parecer, a pedido do Governo ou da Assembleia da República, sobre projectos legislativos com matéria financeira.

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Em consequência, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, propomos que, de acordo com o estabelecido na Comissão de Economia, Finanças e Plano, o projecto de lei n.º 627/VII seja enviado ao Tribunal de Contas com solicitação de parecer e baixe à 5.ª Comissão sem votação, de forma a que estejam reunidas todas as condições para que esta Assembleia possa assumir, de forma consciente, as suas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra, pelo que dou por terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 627/VII. Nos termos regimentais, este diploma será votado na próxima quinta-feira.
Vamos agora proceder à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 265/VII - Aprova a lei de protecção das crianças e jovens em perigo, 266/VII - Aprova a lei tutelar educativa e 267/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, em matéria de processos tutelares civis.
Para uma intervenção de apresentação das propostas, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As propostas de lei de protecção de crianças e jovens em perigo e a lei tutelar educativa que o Governo apresenta a esta Assembleia, intrinsecamente ligadas entre si, constituem os textos fundamentais da reforma do direito de menores que urge levar a cabo no nosso país.
A experiência e avaliação do funcionamento do sistema de intervenção do Estado junto das crianças e dos jovens, os estudos levados a efeito e as diversas perspectivas de análise convergem unanimemente quanto à necessidade de uma profunda intervenção legislativa neste domínio.
É uma reforma absolutamente necessária e justificada quer do ponto de vista constitucional quer do ponto de vista de aplicação prática.
O sistema de direito e de justiça de menores vigente em Portugal tem a sua fonte basicamente na Organização Tutelar de Menores, aprovada na década de 60 e alterada posteriormente em 1978.
Representa um modelo ultrapassado, inspirado pelo ideário da época, desfasado da Constituição e de normas de direito internacional em vigor no nosso país e incapaz de dar resposta aos problemas actuais, no quadro de um Estado de direito democrático quer no que se refere, às crianças e jovens que carecem de protecção quer no que respeita a menores que praticam factos qualificados por lei como crime.
Assiste-se, assim, a uma situação em que menores infractores e menores carecidos de protecção social são tratados da mesma forma e, sendo caso disso, internados nas mesmas instituições, o que não permite atingir satisfatoriamente nenhum dos objectivos: nem educar os menores que praticam factos qualificados como crimes, nem proteger as crianças que carecem de protecção.
A ideia central da reforma assenta, assim, num eixo fundamental: diferenciar e aprofundar o tratamento de situações diferentes, para garantir a realização de finalidades diferentes - educar e proteger -, mas sem se esquecer que, muitas vezes, os menores que praticam infracções são também menores carecidos de protecção, pelo que se assegura a ligação entre os dois regimes.
As propostas de lei correspondem a estes dois tipos de intervenção: a lei tutelar educativa visa regular a intervenção do Estado nas situações em que os menores praticam factos qualificados pela lei como crime, a cargo do sistema de justiça; a lei de protecção de crianças e jovens em perigo visa regular a intervenção social do Estado e da comunidade nas situações de menores em perigo, carecidos de protecção.
Apresenta-se, ainda, uma terceira proposta que altera alguns aspectos do regime dos processos tutelares cíveis, unicamente com o objectivo de o adaptar às modificações resultantes das outras duas propostas, sem prejuízo de ter de se encarar a necessidade de uma mais profunda revisão que igualmente se mostra necessária.
A reforma leva em conta o disposto na Constituição e em convenções e recomendações internacionais que vinculam Portugal, entre as quais avulta a Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas.
O processo de reforma iniciou-se em Dezembro de 1995, com a designação de uma comissão encarregada de avaliar a situação e de propor medidas que deram origem às propostas de lei - propostas que foram precedidas e seguidas de ampla discussão pública, num processo amplamente participado em que intervierem os mais variados conhecimentos, saberes e entidades - acompanhada de um diagnóstico exaustivo da situação e de uma profunda acção conjunta entre os Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade.
Neste processo, destaco, em especial, a Resolução do Conselho de Ministros de 3 de Outubro de 1997, que definiu o processo interministerial e interinstitucional de reforma e que criou a rede nacional dos centros de acolhimento temporário e de emergência e a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, a revisão do regime da adopção, com vista a tomar o processo de adopção mais simples e expedito e a evitar a manutenção das crianças por tempo desnecessário nas instituições de acolhimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, a intervenção do Estado em relação a menores orienta-se, ainda hoje, pelo chamado modelo de protecção. Todo o menor-problema, isto é, numa situação desviante relativamente aos padrões de normalidade de vida e desenvolvimento do tecido social, é considerado carecido de protecção. E, por essa simples razão, o Estado considera-se legitimado para o tomar a seu cargo.
A desatenção a que o sistema vota alguns direitos fundamentais do menor - factor que põe em causa a legitimidade da intervenção - e a incapacidade de dar resposta aos problemas levantados pelo menor que pratica condutas socialmente danosas - factor que põe em cau-

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sã a eficácia da intervenção - levaram decididamente à crise deste modelo. Mas não só.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, é a própria legitimidade da intervenção do Estado que está em causa. Implicando restrições a direitos do menor - como o direito à liberdade e à autodeterminação pessoal - e a direitos dos progenitores - como o direito à manutenção e educação dos filhos -, tal intervenção, atendendo ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, não pode deixar de ser vista como excepcional e sujeita aos princípios da necessidade e proporcionalidade daí decorrentes.
O actual sistema de menores, desde logo por não assentar em fundamentos com clara conformidade constitucional, não tem um desempenho eficaz.
O menor desadaptado, abandonado ou em perigo e o menor agente de crime correspondem a categorias que não devem ser confundidas. Um modelo monolítico, guiado pela ideia de que é possível responder do mesmo modo e com o mesmo objectivo a problemas tão diversos condenou-se por si próprio.
Eixo fundamental da reforma é, por tudo isto, a distinção entre a intervenção tutelar de protecção e a intervenção tutelar educativa.
Quando o gozo ou o exercício de direitos cívicos, sociais, económicos ou culturais do menor são ameaçados por factores exteriores - incúria, exclusão social ou maus tratos -, justifica-se a intervenção do Estado com uma finalidade protectora.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A razão de ser da intervenção tutelar educativa é outra. Quando é o próprio menor a pôr em causa, através do seu comportamento, os valores jurídicos essenciais da comunidade traduzidos nas normas penais, justifica-se, então, a intervenção do Estado com a finalidade de o educar para o direito e para os valores fundamentais da vida em sociedade, por forma a que ele interiorize aqueles valores e normas básicas essenciais a essa vida.
Neste contexto, pressuposto da intervenção tutelar é não só a prática de um facto considerado pela lei penal como crime mas também a concreta necessidade de educação do menor para o direito evidenciada pela prática daquele facto, que no momento da aplicação da medida ainda subsista.
O que tudo mostra como a intervenção se afasta do direito penal e é primacialmente ordenada ao interesse do menor: interesse fundado no seu direito à realização de condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável.
No plano dos princípios, a intervenção tutelar educativa orienta-se pelo princípio da mínima intervenção. Nele se consubstancia o inarredável respeito pelo direito do menor à liberdade e à autodeterminação e o de, por regra, evoluir no seu ambiente sócio-familiar normal, sem constrangimentos por parte de outrem ou do Estado.
Destaca-se, ainda, que, seguindo a nossa tradição cultural e jurídica, se manteve o limite etário da imputabilidade penal nos 16 anos e se fixou, como idade mínima para a intervenção tutelar educativa, os 12 anos, A barreira dos 16 anos à intervenção penal encontra o seu sentido político-criminal na protecção do indivíduo contra a mais gravosa das intervenções estaduais e a consequente sujeição precoce a um sistema fortemente repressivo, carregado de simbolismo social. Decisiva na fixação do limite dos 12 anos foi a consideração de que, abaixo desta idade, não faz sentido uma educação para o direito que o menor dificilmente poderia apreender.
Note-se que a prática de um facto qualificado pela lei penal como crime por menores com idade inferior a 12 anos. na medida em que se prenda com situações familiares anómalas, pode constituir um indício de que o Estado deve intervir. Mas deve, então, tratar-se sempre de uma intervenção de tipo diferente, de cariz puramente protector, que se processará nos quadros da intervenção social ou, sendo caso disso, através dos tribunais, quando estiverem presentes os pressupostos requeridos pela lei civil.
Reconhece-se, como não podia deixar de ser. que as duas formas de intervenção preconizadas, embora distintas, devem ser devidamente articuladas, prevendo-se «pontes de passagem» de uma para a outra, uma vez que a natureza necessariamente incindível de uma correcta «política de menoridade» não pode conceber-se em compartimentos estanques. Assim, em qualquer fase do processo tutelar educativo, nomeadamente em caso de arquivamento, o Ministério Público participa às entidades competentes a situação do menor que careça de protecção social, toma as iniciativas processuais que se justificarem relativamente ao exercício ou ao suprimento do poder paternal e está habilitado para desencadear iniciativas com vista a assegurar a protecção social do menor.
A nova perspectiva por que se encara a legitimação e os fins da intervenção tutelar educativa reflectem-se necessariamente no processo tutelar, que, estritamente por razões garantísticas, vai colher ao processo penal princípios tão importantes como o da legalidade processual, da audição, do contraditório ou da judicialidade.
Confere-se ao menor um verdadeiro estatuto de sujeito de direitos processuais, de que é paradigmático o direito a defensor, a ser ouvido e a contraditar os factos que lhe são imputados, requerendo diligências e indicando as provas que entender por convenientes.
O processo é imbuído de um princípio de contingência adequado a uma personalidade em rápida transformação como é a do menor. Neste sentido, os prazos são reduzidos, as fases simplificadas e os procedimentos de decisão constantemente orientados para uma apreciação actualizada da situação do menor.
Quanto às medidas previstas, embora encontrando-nos num domínio em que se impõe o princípio da tipicidade. a sua enumeração é feita com alguma flexibilidade quanto ao conteúdo e modalidades de execução. Se a finalidade da intervenção é, como se disse, actuar sobre o menor, educando-o para o direito, o êxito da intervenção depende. sobretudo, da correcta selecção da medida a aplicar e da adequação da sua execução.

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Entre as medidas aplicáveis, o tribunal deve escolher a menos grave, só aplicando outra quando aquela se revelar inadequada ou insuficiente. Determinada a medida, o tribunal fixa o tipo de execução que represente a menor interferência na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e possa suscitar a sua maior adesão.
A medida de internamento em centro educativo, pela sua natureza de última ratio e pelas restrições que impõe a direitos fundamentais, é objecto de particular atenção e rodeada de especiais cautelas.
Estes, em síntese, os aspectos fundamentais e estruturantes da reforma que agora se propõe.
Temos a noção exacta de que se trata de uma reforma profunda, ampla e complexa, que exige particular atenção e consenso.
Estamos convencidos de que este processo deve ser aprofundado nesta Assembleia e que pode, naturalmente, ser melhorado na apreciação em sede de especialidade. O Governo está disponível para cooperar e participar activamente neste trabalho de forma totalmente aberta e construtiva e para facultar todos os elementos que, entretanto, foram reunidos, para além dos que já remeteu a esta Assembleia.
São as nossas crianças e os seus interesses que o exigem e é por elas que o Estado tem o dever de agir sem perder mais tempo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Secretário de Estado da Inserção Social, informo que a Sr.ª Deputada Odete Santos se inscreveu para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Inserção Social (Rui Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei da protecção das crianças e jovens em perigo privilegia a intervenção activa da sociedade, tratando de envolver toda a sociedade, em especial as entidades voltadas para a infância e juventude, nomeadamente as escolas, os serviços de saúde, a segurança social, as IPSS.
As comissões de protecção das crianças e jovens, em que a sociedade civil actua em parceria com o Estado, são a pedra de toque de todo o sistema, devendo o tribunal só intervir nos casos limites, quando não for possível remover o perigo de outra forma.
As medidas de protecção são pensadas para responder também às novas necessidades emergentes. A remoção do perigo deve operar-se, em primeira linha, no meio familiar. Assim, prevê-se: ajuda económica à família; educação parental; evolução da família nuclear para a família alargada.
Próximo ainda deste conceito está a entrega a pessoa idónea, situação em que, não havendo laços de sangue, existem relações de recíproca afectividade entre a criança ou o jovem e a pessoa que o recebe.
Um segundo grupo, o acolhimento familiar tem como novidade os lares profissionais que são constituídos por uma ou mais pessoas com formação técnica adequada. Esta resposta está vocacionada para crianças que necessitem de cuidados especiais - «crianças problema».
Por último, há as medidas de acolhimento em instituição. Pretende-se que estas medidas sejam excepcionais e de curta duração.
A palavra de ordem é desinstitucionalizar, sempre que possível e desejável.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - É de destacar a medida de apoio para autonomia de vida que consiste no apoio económico e/ou acompanhamento psico-pedagógico e social que permita ao jovem com mais de 15 anos adquirir progressivamente autonomia de vida.
Podem também beneficiar desta medida menores de 15 anos, quando sejam mães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei é boa mas, como diz o povo, «não se põe remendo novo em pano velho». Por isso, também se procede à alteração das estruturas que vão implementar estas medidas, entre as quais se destaca a que se refere às comissões de protecção das crianças e jovens, que são reestruturadas e passam a ter uma coordenação nacional que permite reunir informação capaz de fundamentar políticas nesta área e, ao mesmo tempo, apoiar as comissões locais.
O âmbito dos estabelecimentos de crianças e jovens é claramente definido: os destinados a crianças e jovens em perigo passam a ser tutelados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade; os destinados a jovens infractores são da tutela do Ministério da Justiça.

Não mais se assistirá à situação de vítima e agressor serem obrigados a conviver porque internados no mesmo estabelecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E então por que é que não resolveram isso antes?!

O Orador: - A rede nacional dos centros de acolhimento temporário, que triplicaram na presente legislatura, e as unidades de emergência criadas pelo actual Governo, a funcionarem 24 horas por dia, formam a primeira Unha de resposta às crianças e jovens que necessitam de acolhimento. Mas, logo que removido o perigo, a criança ou o jovem são encaminhados para a sua família biológica, nuclear, alargada ou de adopção, ou para outra medida já não de emergência.
Mas não é só a quantidade de respostas; é também a qualidade, levada a cabo com a avaliação, fiscalização e licenciamento dos lares, com a celeridade e adequação das respostas.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Falta alterar a legislação de forma harmónica e integrada para culminar o esforço feito e acelerar as mudanças.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência do que aqui já foi afirmado pelo Sr. Ministro da Justiça, as crianças e os jovens são os homens de amanhã; são o futuro e é no futuro que esta lei aposta. O futuro é também a aposta deste Governo e é por isso que propomos e pedimos a esta Câmara que aprove o «pacote» legislativo que aqui apresentamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, eu desejava colocar-lhe duas questões: primeira, será que todos os males de que sofre a jurisdição tutelar de menores tem de atribuir-se ao modelo de protecção? Será que o facto de conviverem menores infractores e menores que estão em risco não se deve ao facto de não terem sido feito centros de acolhimento - e não digo que seja só este Governo o responsável por isso? Não será pelo facto de as comissões de protecção são saberem onde hão-de pôr os menores que estão em perigo e que depois vão para os CAEF e para as unidades de residência autónoma? Isto, Sr. Ministro, não quer dizer que o PCP não entenda que o sistema que está hoje na organização tutelar de menores, que é o modelo de protecção, tenha de ser temperado com um sistema garantístico que aí não existe. Aliás, devo dizer que, em relação às propostas de lei n.º 265 e 267/VII, não temos reservas, merecendo-nos maior reserva a proposta de lei n.º 266/VII, que aprova a lei tutelar educativa.
Assim, pergunto se não entende que aquilo que tem havido é falta de instituições para as crianças em risco. Isto porque me parece que essas crianças foram um pouco abandonadas ao terem de conviver com as outras.
A segunda questão que gostaria de colocar tem a ver com uma parte da estrutura do processo que conta da proposta de lei n.º 267/VII. Segundo a Organização Tutelar de Menores, o Ministério Público tinha um papel bastante diferente do que passará a ter, pois o Ministério Público podia logo arquivar liminarmente um processo, se entendesse que era caso disso e não se fixava, sequer, um máximo de pena aplicável ao crime. Agora, vem proposto que isso só possa ser feito pelo juiz, já não pelo Ministério Público, desde que a pena aplicável seja até um ano de prisão. Parece-me que isto é muito pouco e vai sujeitar os menores ao processo para depois, então, mais tarde, eventualmente, haver a suspensão já durante o processo.
Ora, sabendo-se, como se sabe, que o actual Código Penal desvaloriza as penas de prisão até três anos, na medida em que se lhe pode aplicar a alternativa de multa - aliás, como sabem, uma bofetada é punível com uma pena de prisão até três anos ou, então, pena de multa; um pequeno furto é assim punível! -, não será uma medida muito escassa esta do limite que é fixado e não estarão aqui preocupações da chamada segurança da sociedade, que se sobrepõem ao objectivo da reinserção social do menor?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, nós, nestes sistemas, que são de intervenção social nunca estamos contentes com o que existe.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Mal era se o estivéssemos! E, de facto, há muitas carências. Em todo o caso, o Governo foi o primeiro a afirmá-lo e a tirar as consequências disso, quando lançou tudo o que lançou em matéria de crianças e de menores - aliás, V. Ex.ª já fez referência indirecta a isso.
De facto, nós já abrimos - e melhor do que eu o Sr. Secretário de Estado poderá elucidá-la - algumas dezenas de centros de acolhimento, que não havia em número suficiente e continua a não haver, e é intenção do Governo continuar com esta política.
Nesta matéria, os meios nunca são suficientes; temos sempre que continuar e, sobretudo, que melhorar o tipo de intervenção, pois não é só necessário criar centros mas também dotá-los de infra-estruturas, sobretudo em pessoal, uma vez que sobre essa matéria temos muitas dificuldades.
Portanto, é evidente que o que tem funcionado mal neste sistema de menores não é apenas devido ao facto de a lei ser antiga - nisso dou-lhe inteira razão -, pois nem todas as leis antigas são más. Há leis antigas que continuam a ter todas as virtualidades para responder aos problemas do presente.
Agora, sinceramente, Sr.ª Deputada, parece-me que este modelo de protecção, não só por ser antigo mas por ser um modelo que não aceita nem releva tudo aquilo que contribui para a afirmação da cidadania do menor, é um modelo que não nos serve.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nisso tem razão!

O Orador- - Nem outra posição seria de esperar do PCP e, em especial, de V. Ex.ª.
Na verdade, temos de distingir entre os menores e as crianças carecidos de protecção, porque foram abandonados, porque são crianças que foram maltratadas, que foram rejeitadas pela família, que, por vezes, nem conhecem quem é a família - isto em idades mais tenras, obviamente, que não estão aqui directamente em causa -, dos menores que cometem factos qualificados pela lei como crimes e que têm de ser objecto, a nosso ver - e suponho que V. Ex.ª também concordará com isso -, de um processo educativo para o direito, para a ordem social, para os princípios constitucionais, para o respeito do direito dos outros.
Naturalmente, Sr.3 Deputada, se V. Ex.ª me colocou uma questão, como o fez, em relação ao artigo 78.º, sobre as

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condições para o arquivamento liminar, devo dizer-lhe que essa é daquelas questões em relação às quais nós mostramos total abertura para discuti-la em sede de especialidade.
Foi uma opção que tomámos, mas não fazemos deste tipo de opções tábua rasa para a continuação de uma discussão: muito pelo contrário, como V. Ex.ª ouviu, eu, no fim da minha intervenção, disse que, em matéria de tanta sensibilidade e de tanto melindre e tratando-se, sobretudo, de uma reforma global e importante para os nossos jovens, estamos dispostos a empenhar-nos, juntamente com os Srs. Deputados de todas as bancadas, para tomá-la o melhor possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.º Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Nesta hora da reforma do direito de menores, penso que deve desmistificar-se a ideia, que muitas vezes se avantaja, de que a delinquência juvenil está em acrescimento.
Não raros exemplos importados de outros países, através de câmaras de televisão, servem de suporte a apelos para que a idade da inimputabilidade seja diminuída e se situe em idade inferior aos 16 anos.
Caso não exemplar é, por exemplo, o do Reino Unido que, na legislação mais recente - Crime and Disorder Act, de 1998 -, acabou com a presunção de inimputabilidade logo a partir dos 10 anos de idade.
Caso muito menos exemplar é até o de alguns Estados dos Estados Unidos da América que executam sentenças de morte aplicadas a crimes praticados por menores quando estes atingem a maioridade.
Regressa-se nalguns países a um modelo que visa, com as medidas aplicadas a menores, objectivos de prevenção geral e especial, sobrepondo a segurança da sociedade ao interesse do Estado na ressocialização do menor.
É forçoso afirmar, hoje, que, em Portugal, a delinquência juvenil não se encontra em expansão. Bem pelo contrário, o que se encontra em crescimento acentuado é o número de menores em risco. O número de crianças em risco deu origem, em 1989, a 1187 processos (43%) e, em 1996, a 1492 processos (51,3%).
O que se encontra em aumento é, ainda, o número de menores vítimas de crimes, passando a percentagem dos mesmos de 7,4%, em 1984, para 27%, em 1997, enquanto os menores agentes de infracção penal passaram de 50,3%, em 1984, para 30,7%, em 1997.
E os dados relativos às medidas aplicadas pela justiça tutelar são elucidativos acerca da gravidade, que é pequena, das infracções penais cometidas. Nos anos de 1989 a 1996, entre 35 a 40% dos processos foram arquivados sem aplicação de qualquer medida. A medida predominantemente aplicada pelos tribunais é a admoestação, logo seguida da entrega aos pais ou de medidas de apoio social.
Entretanto, as estatísticas também nos dizem que nas instituições destinadas a internamentos convivem menores agentes de infracções penais e menores em risco e dizem-nos que tais instituições estão «a rebentar pelas costuras» com menores a aguardar colocação.
A proposta de lei do Governo relativa à acção tutelar educativa - e é a esta que me vou referir, porque em relação às outras duas não pomos reservas - considera o modelo de protecção como pai de todos os males - isso vem na «Exposição de motivos». É o modelo de protecção que tem culpa da sobrelotação das unidades de internamento, é o modelo de protecção que não dá resposta às necessidades de prevenir a delinquência juvenil.
Mas será assim? Não se recusa a necessidade de proceder a alterações no modelo existente, por forma a introduzir o sistema de garantias exigido por instrumentos internacionais que acentuam que o menor é um sujeito de direitos.
Mas, penso, o Governo erra na pontaria na «Exposição de motivos» ao detectar as causas do bloqueamento do sistema, porque, se os menores em risco convivem nas unidades de internamento com os menores agentes da infracção penal, isso deve-se ao facto de não ter sido dada resposta à necessidade de criação, em número suficiente, de centros de acolhimento estritamente para os menores em risco.
Se aumentam os menores em risco, tal deve-se à desumanização da sociedade causada pelo modelo neoliberal, que também contribui para a desumanização das famílias, mercê da ausência dos pais junto dos menores.
Se os menores em risco não têm as necessárias respostas, isso deve-se à falta de meios do Instituto de Reinserção Social, já endémica, bem conhecida de todos os magistrados que desesperam na busca de soluções para as situações dramáticas que se lhes deparam.
Peço licença ao seu autor, que não está cá, para citar parte da sua intervenção, que me parece muito bela e que foi proferida por um juiz de Direito do Tribunal de Menores de Lisboa, em 1997: «Saio deste Tribunal algo frustrado por tão pouco se poder fazer em prol destes menores em risco ou em caminhadas vertiginosas para o crime adulto.
Recuso-me a esperar por mais meses à espera que os Centros Regionais de Segurança Social consigam encontrar uma cabal resposta para um singular problema de dois menores, a eles confiados à luz do artigo 19.º da OTM, a Marta e o Daniel (porque para mim todos eles têm nomes de preferência próprios) acorrentados em casa pelos pais, batidos selvaticamente por quem lhes deu fôlego de vida, torpedeados e titubeantes, fugidos das escolas e vivendo no lixo mundano de uma metrópole que os não compreende...
Louvo aqui o hercúleo trabalho de um IRS pequeno demais para tantas solicitações. Louvo o trabalho dos curadores de menores que, nos tribunais das Andreias e dos Ricardos, vão trabalhando horas sem fim, gerindo as urgências que todos os dias nos tombam nas secretárias e nos faxes, tentando engolir em seco, perante tanta monstruosidade, tanta pomba assassinada nos olhos de água dos meninos da rua e do lixo, tanto pai velador, tanta mãe abandónica e negligente, tanto rato a roer os pés da Joana e do Ruben, tanto álcool corroendo famílias, tanta maldita

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cocaína nas veias erradas, tanto cansaço certo em corpos errados, tanta criança nascida da consciência e desamor.» É impossível, em nossa opinião, atribuir as culpas de tudo isto ao modelo de protecção!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Vou já terminar, Sr. Presidente. Bem pelo contrário, se tivesse tempo, falaria da chamada «modernidade» do Estado neoliberal que só conhece ficções jurídicas, como a de que o menor agente da infracção penal não é um menor em risco, ideia que está subjacente à segunda proposta de lei.
Se estamos de acordo com o sistema de garantias que se introduz no processo tutelar, já a solução global constante da segunda proposta de lei nos suscita algumas reservas, bem como algumas das justificações, que já referi, constantes da sua «Exposição de motivos». Mas não quero deixar de referir o espanto que me assaltou quando li que, na década de 1960, tinha havido uma explosão de uma revolta condenável dos menores. Bem me parecia, nessa altura, que era uma revolta saudável contra padrões estabelecidos, ocorrida nessa década,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... e que agora são tidos, na «Exposição de motivos», como comportamentos anti-sociais.
A acção tutelar educativa, embora não consagrando o modelo de justiça puro, não consegue esconder que a sorte do menor; o futuro da sua reinserção social, está condicionado, e não veladamente, por interesses de prevenção geral e especial, desde logo, a impossibilidade de o Ministério Público poder arquivar liminarmente o processo, problema a que já me referi na pergunta, motivo pelo qual não vou repeti-lo.
Por outro lado, a proposta de lei também chega a deixar transparecer, pelo menos no que tange às medidas de internamento, a finalidade de interiorização - uma interiorização/imposição - de valores sociais dominantes (vide artigo 17.º).
Uma breve análise da proposta de lei, leva à conclusão de que, apesar de alterações introduzidas nas conclusões da Comissão de Reforma da Execução de Penas e das Medidas, apesar de não estarmos perante um modelo puro de justiça, a segunda das propostas de lei não foge à crítica que tantas vezes se faz a um direito penal e processual penal dos pequeninos!
Acompanhe-se a par e passo esta proposta de lei com o Código Penal - parte geral - e com o Código de Processo Penal e verificar-se-á como se procedeu a uma adaptação daqueles códigos à justiça tutelar de menores, o que ressalta, sobretudo, no papel que é atribuído ao Ministério Público, que passa praticamente de curador a acusador. Se, em relação aos adultos, ele exerce a acção penal, em relação aos menores, passa a ser o titular da acção tutelar educativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O modelo por que o Governo optou não foge a uma ficção jurídica. Ficciona-se que, com as medidas adoptadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização individual pela aquisição de valores da sociedade.
Mas as soluções a nada levarão, se continuarmos a reconhecer actualidade na dedicatória de um livro de Soeiro Pereira Gomes: «Para os filhos dos homens que nunca foram meninos.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, devo dizer que o Partido Ecologista Os Verdes cedeu 3 minutos à Sr.ª Deputada Odete Santos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Temos aqui três propostas de lei para apreciar em conjunto. Devo dizer que, em princípio, a filosofia de fundo que enforma estes diplomas é do nosso agrado. Neles está presente toda uma filosofia de reinserção social que vem detrás - nessa parte, há uma continuidade, pelo que merece a nossa aprovação. Também a ideia de tornar clara a divisão entre crianças e jovens em risco e crianças e jovens infractores, que cometem factos desviantes dos grandes valores da comunidade e, por isso, merecem, porventura, tutela. Esta divisão tem algum sentido, mas não deixa de ser bastante académica, de algum sabor escolástico. Mesmo assim, é o que aqui temos, pelo que é isto que devemos apreciar.
A filosofia de fundo merece a nossa concordância, porque encarar o menor como uma pessoa, um sujeito de direitos, e não um mero objecto ou destinatário de normas, é, obviamente, uma afirmação de grande humanismo, de quem tem, no direito à autodeterminação, no direito à formação e ao livre desenvolvimento da personalidade, grandes princípios. Efectivamente, como alicerce e ponto de partida destas propostas de lei, a autodeterminação e a formação da personalidade do jovem, da criança, são tuteladas e desejadas, pelo que merecem a nossa aprovação.
Há, depois, aspectos, entre os quais a ideia que estrutura a lei tutelar e educativa, portanto, a proposta de lei n.º 266/VII, que, confesso, em toda a sua ossatura, se aproxima muito de um direito penal menor para menores e pouco de um direito da pessoa e, sobretudo, de um direito mais civilista. É que coerentemente com a afirmação do menor/pessoa em formação, que merece a protecção da pessoa, in fieri, a filosofia da reinserção social que lhe subjaz levaria a que a sua natureza não fosse, porventura, tão marcadamente para-penal.
Não é, para esta Câmara, o debate adequado, nem quero, obviamente, entrar aqui em distinções como a de saber se deixou de ser direito civil e passou a ser exclusivamente direito penal. Não é isso que vai merecer aqui discussão, embora me pareça que há uma grande acentuação. mesmo relativamente ao passado da lei orgânica tutelar de menores, deste aspecto penalizador e, de algum modo, «criminalizador». Sente-se que a ideia ou filosofia da segurança da sociedade como mais forte do que propriamente

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a filosofia da tutela do menor, da protecção da pessoa em formação, da educação e da reeducação.
Em terceiro lugar, ainda nesta proposta de lei tutelar educativa, o papel do Ministério Público está bem plasmado, numa linha de continuidade da Lei Orgânica do Ministério Público, de que o PSD discordou fortemente, um grande papel activíssimo do Ministério Público...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Até nesta matéria, Sr. Deputado?!

O Orador: - ... até ao ponto de o Ministério Público poder fazer, como sempre, os arquivamentos que quiser e bem entender e, em particular, sempre que se trate...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Fale das crianças!

O Orador: - Já falei o suficiente, Sr. Deputado! A não ser que o Sr. Deputado Jorge Lacão queira que fale de si próprio!

Risos do PSD.

Como ia a dizer, e exemplificando apenas, sempre que se trate de um inquérito do consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o Ministério Público procede, pura e simplesmente, ao arquivamento liminar do inquérito, encaminhando o menor, sendo caso disso, para serviços de apoio e tratamento.
Isto quer dizer que o Governo, através deste artigo 78.º, n.º 2, está a pretender fazer uma clara opção de fundo quanto à política de combate à droga, e essa política é, claramente, aqui, a ideia da despenalização do consumo de droga. Pura e simplesmente, é esta a política que o Governo aqui consagra! Não sei se é esta a política do Governo do Partido Socialista; sei, todavia, que é esta a política que estes dois Ministérios aqui consagram, no artigo 78.º, n.º 2.
Como é óbvio, esta «descriminalização»...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Despenalização!

O Orador: - ... ou melhor, despenalização; praticamente aqui consagrada, merece o nosso reparo, a nossa objecção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que estamos sempre a tempo de considerar esta matéria como tão relevante e tão importante que pode ser repensada, na especialidade. Pode acontecer que haja aqui um lapso, porventura, do autor e não do Governo, e que o Governo não se tenha dado conta do que aqui está. Mas também pode acontecer que o Governo, aqui mesmo, nos diga que não é lapso e que, pelo contrário, é uma opção deliberada, consciente, a nível de política geral de combate ao tráfico de droga. Aqui estamos para ouvir a explicação e tomarmos a devida nota.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Ouvirá! Já acabou?!

O Orador: - Já!
(O Orador reviu.)

O Sr. José Magalhães (PS): - E a alternativa?!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e. Srs. Deputados: Este conjunto de propostas que está em apreciação tem, claramente, como fundamento o conjunto significativo de crianças em situação de risco - 13 500 ao abrigo das instituições de segurança social e cerca de 1000 nos órgãos tutelados pelo Ministério da Justiça.
Tendo este facto muito claro, tendo ainda como mais claro o número que se intui que se deverá acrescer a estas crianças que estão fora do sistema tutelar e tendo claro entendimento de que o Programa do XIII Governo Constitucional e os preceitos constitucionais tudo apontam para que seja encetada esta reforma - tanto mais que o actual sistema de direito e de justiça dos menores em vigor assenta na Organização Tutelar de Menores, que é legislação da década de 1960 e que foi revista em 1978, por não permitir a separação entre crianças de risco social e crianças delinquentes ou crianças que praticaram actos classificados como crime, não permite o desenvolvimento de um modelo educativo efectivo adequado às necessidades destas crianças com características manifestamente diferentes -, eu gostaria de ressaltar, em primeiro lugar, que a ideia central desta reforma que o Governo aqui apresenta hoje assenta no eixo fundamental de autonomizar e aprofundar o tratamento das situações que são diferentes para se garantir a realização de finalidades que também são diferentes.
Sendo assim, e dado que já foram sobejamente referidas três grandes propostas e que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado fizeram o travejamento das mesmas, eu gostaria apenas de referir que as estas propostas significam o objectivo muito claro de tentar encontrar soluções adequadas a problemas que são manifestamente diferentes, apesar de sabermos que é necessário acautelar, dentro desta diferença, a circunstância de a maior parte das vezes as crianças que cometem a infracção, que praticam o acto classificado como crime, serem, elas próprias, titulares de uma situação de perigo. Portanto, deverá haver, tal como está previsto em toda a apresentação desta reforma, uma adequada articulação entre os dois regimes.
De facto, essa é uma iniciativa da maior importância. que tem o objectivo claro de corresponder às necessidades e ao sentimento generalizado da sociedade portuguesa, conhecimentos estes que resultam do amplo debate que foi iniciado pelo Governo há cerca de três anos e que entra agora numa fase terminal. E neste momento não digo que é numa fase final porque entendo que, dada a extrema complexidade e delicadeza das questões envolvidas nes-

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tes diplomas, este é. por natureza, um debate inacabado. E por ser assim eu gostaria de tecer dois tipos de considerações, uma de natureza geral e outra de natureza mais concreta.
Assim, em primeiro lugar, afigura-se-me desaconselhável - e permitam-me que o diga - o excessivo carácter regulamentador que as propostas patenteiam. Por vezes, uma excessiva padronização pode ser, ela própria, factor de risco, porque rigidificante do sistema.
Na verdade, é dado como princípio adquirido que o combate efectivo a comportamentos de perigo e potencialmente nefastos para a sociedade só podem ser combatidos através de projectos individuais e personalizados.
É, assim, manifestamente necessário aqui, na Assembleia da República, em sede de debate na especialidade, proceder a uma audição parlamentar, no sentido de habilitar os Deputados com os elementos necessários para melhor trabalharem nesta ponta final das propostas em discussão.
Por outro lado - e é esta a questão mais concreta que quero colocar -, de entre um conjunto de eventuais alterações e benfeitorias a introduzir nestas iniciativas, quero referir em particular, dada a sua importância nuclear para o novo sistema que se quer adoptar, que é vital que se opere uma alteração na proposta de lei da organização tutelar educativa, no tocante ao regime disciplinar.
Com efeito, as soluções normativas constantes nessa secção parecem, eventualmente, desrespeitar o disposto na resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1990, mediante a qual se aprovou um conjunto de regras para protecção dos jovens privados de liberdade, especificando claramente, no capítulo relativo aos procedimentos disciplinares, que medidas como as de permanência em quarto disciplinar ou as de restrições a eventuais deslocações ao meio familiar natural do menor têm de ser proibidas.
Estipula-se assim expressamente, nesse instrumento internacional, que às referidas medidas disciplinares têm de corresponder sempre a especificação dos actos que lhes dão origem, ou seja, estes actos têm de ser sempre especificados e, de facto, esta especificação não consta no texto da proposta de lei.
Nessa mesma resolução recomenda-se ainda a consagração de um sistema de inspecção composto por entidades independentes da administração, corpo de inspecção esse que confere a indispensável transparência e isenção ao sistema.
Esta ideia poderia ser acolhida na proposta governamental, até porque o espírito e a filosofia desta reforma assenta no conceito meritório de que o reforço da comunidade passa pela prevenção e protecção, o que se coaduna claramente com a solução vertida na resolução da ONU quanto à inspecção.
E, para concluir, diria que é necessário dotar a sociedade dos instrumentos que traçam o quadro legal e o enquadramento institucional das situações de risco e de marginalidade. Mas é igualmente necessário reforçar o capital social, introduzir confiança nas comunidades. E é também necessário e fundamental desencadear uma intervenção sistematicamente preventiva junto das famílias, de
todas as famílias, junto dos jovens pais, ainda mesmo antes de serem pais, junto da escola que exclui e do emprego que rejeita. Não são as crianças de risco que se excluem, é o sistema que as exclui.
Saibamos construir - se não sabemos, é necessário que aprendamos a fazê-lo - comunidades inclusas, alicerçadas em políticas sociais horizontais na sua base.
Esta é, sem dúvida, uma reforma essencial do nosso estado democrático; é-o por imperativo dos direitos da criança, é-o por imperativo da nossa coesão social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Brochado Pedras.

O Sr. António Brochado Pedras (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de mais, quero dirigir as minhas felicitações à Comissão de Reforma do Direito de Menores pelo excelente trabalho que produziu e que esteve na base da elaboração das propostas de lei que, hoje, estamos aqui a apreciar.
Estes documentos representam, efectivamente, uma autêntica refundação do sistema tutelar, implicam uma modificação profunda que não posso deixar de registar.
É facto que a incapacidade de dar resposta aos problemas reais da vida dos menores gerou cepticismo e mal--estar. Não obstante, julgo que seria injusto não lembrar aqui a boa tradição portuguesa ao nível da política legislativa de menores ao longo deste século XX. Não posso, por isso, deixar de invocar a Lei de Protecção à Infância, de 1911, e a Organização Tutelar de Menores, de 1962, posteriormente alterada, em 1967 e em 1978. Estas duas leis estiveram na vanguarda da legislação europeia referente a menores e, mais recentemente, juntou-se-lhe o Decreto-lei n.º 189/91, que regulou a criação, competência e funcionamento das comissões de protecção de menores.
Entretanto, o modelo de protecção que o Estado-Providência defendeu esteve - e está - em crise, não tanto, como dizem alguns, pelo facto de as medidas de protecção que preconiza serem aplicadas indiscriminadamente a menores vítimas, a pré ou a para-delinquentes ou a delinquentes. Foram sobretudo, como o próprio texto da exposição nos diz, questões constitucionais, como a proibição da indefesa, as garantias de defesa análogas às do processo penal, o direito à autodeterminação e outras questões de segurança da sociedade e, sobretudo, ao nível da execução das decisões, uma notória carência de recursos, uma ausência de estratégia de utilização racional dos recursos existentes.
Mas eu gostava de dizer, invocando até uma experiência que tive como delegado do Procurador-Geral da República nos meus primeiros anos de vida forense, que não basta uma lei ser boa, porque - e todos temos a noção disso - se ela não for aplicável nada vale. Ora, creio que, como dizem os ingleses, a law in books, para a distinguir depois da law in action, é, de facto, algo que

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nos deve fazer meditar um pouco. A lei que tínhamos não era má; entretanto, entrou em crise, por tudo aquilo que eu acabei de dizer, mas no plano pragmático houve sempre uma grande dificuldade.
Chegámos ao advento de um novo modelo, o chamado modelo de justiça, não na sua forma mais pura. Lembro que este modelo teve como base a assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito dás Crianças, que Portugal ratificou, e a aprovação da recomendação do Conselho da Europa, numa resolução de 1987, que vieram reforçar a importância de direitos como o direito da participação do menor, o direito de informação, o princípio da jurisdicionalidade e o apelo à participação activa da comunidade na protecção e defesa dos direitos dos menores. E tudo isto em parceria com o Estado.
Há, portanto, uma nítida deslocação do eixo do direito tutelar, da mera protecção, como era e como é actualmente, para a promoção e a protecção dos direitos das crianças e dos jovens. Esta deslocação traduziu-se, entre outras consequências, em que o menor passasse a ser visto não como mero objecto mas, sim, como um sujeito de direitos, tais como o direito de ser ouvido, de ser informado, de contraditar, de ser assistido por defensor, de lhe ser atribuído intérprete - isto para o caso de menor estrangeiro - se, porventura, dele necessitar, etc.
Tornou-se também imperiosa a necessidade de impedir diligências que invadam, desproporcionadamente, a vida privada de um menor - e eu recordo que, as mais das vezes, nestes processos tutelares o juiz ordenava às instituições ou às entidades competentes a elaboração de um relatório social. Passou a exigir-se igualmente, agora, a garantia da imparcialidade dos tribunais. A figura de um juiz que acumula funções de direcção, de instrução e de decisão é algo que se entende que não deverá mais ser permitido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é razoável!

O Orador: - Julgou-se injustificável o silenciamento da vítima. E muitos foram os processos que passaram pelos tribunais em que ao ofendido não foi dada a oportunidade de dizer uma palavra, não tanto para que ele pedisse uma indemnização mas para que se realizasse, muitas vezes, uma pacificação, que este direito deve visar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pura verdade!

O Orador: - Com estes diplomas, são também banidas as indesejáveis medidas tutelares de duração indefinida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Outro aspecto positivo!

O Orador: - Entretanto, não posso deixar de salientar aqui que o que pôs em causa tanto o anterior como o actual sistema foram, fundamentalmente, os estrangulamentos na fase da aplicação. E cito, entre outros, a incapacidade dos serviços do IRS, a falta de vagas nos estabelecimentos, a necessidade de uma maior especialização dos colégios de atendimento, a falta de regulamentação da execução de medidas tutelares, a deficiente qualificação e o insuficiente número de monitores e técnicos adjuntos do Instituto de Reinserção Social e a falta de quadros para dar formação escolar aos menores internados.
Por tudo o que acabo de dizer, parece-nos que o novo modelo para que apontam estes diplomas é positivo. A socialização ou a educação do menor para o direito é um fim que nos parece de louvar; o novo instituto da suspensão provisória do processo tutelar merece também o nosso aplauso; a introdução dos princípios do contraditório, da verdade material, da assistência do defensor, da imparcialidade do julgador, merecem-nos igualmente aprovação; retirar aos relatórios a sua função preponderante na instrução dos processos é também, por aquilo que já disse anteriormente, uma medida que nos parece acertada.
Estamos também de acordo com outras medidas, tais como a atribuição de mais meios às comissões de protecção de menores, designadamente meios humanos, o estabelecimento de um vínculo ao pessoal, a criação da comissão nacional da protecção de crianças e jovens em risco e as alterações ao nível da competência dessas comissões.
Mas, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, não posso deixar de fazer aqui esta observação: de nada valerão leis tecnicamente bem elaboradas se, no plano prático, elas não lograrem a sua aplicação.
Ora, creio que mais, melhores e mais especializados colégios de acolhimento, mais comissões de protecção de crianças e jovens, para permitir que todo o País tenha acesso a este tipo de instituições, mais técnicos e mais meios humanos, a criação de uma carreira profissional para as comissões de protecção e, depois, tudo isto associado à celeridade processual para a justiça comum mas também para esta justiça, parecem-nos questões que têm de estar na primeira ordem do dia.
Contudo e apesar destes aspectos positivos, neste momento não posso deixar de salientar uma preocupação que quero compartilhar com o Deputado Calvão da Silva:
também ao Partido Popular parece preocupante a questão da descriminalização do consumo de droga, que vemos, de alguma maneira, sub-repticiamente colocada por detrás da disposição que o Sr. Deputado, há pouco, acabou de citar.
E, neste momento, quero exprimir também a seguinte dúvida: não sei se não seria preferível termos estes três diplomas compulsados num único código. Isto porque o regime dual - um diploma versado para a parte assistencial e outros versados para a parte educativa - é algo que não me parece, em termos de sistemática jurídica, o mais adequado. No entendimento do Partido Popular, seria, por isso, mais adequado, mais facilmente manejável e mais acessível para consulta podermos dispor de um único código que consagrasse a teoria e as normas destes três diplomas que agora, de uma forma avulsa, são apresentados.
Terminaria, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, dizendo que, se as crianças e os jovens são o melhor que o País tem, e não há dúvida disso,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

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O Orador: - ... vamos aperfeiçoar o seu direito ou os seus direitos para que tenhamos também um País melhor.

Aplausos do CDS-PP. O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma intervenção sensata!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Inserção Social.

O Sr. Secretário de Estado da Inserção Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero, mais uma vez, realçar a importância fundamental que o Governo atribui ao facto de não podermos continuar a assistir ao incremento da institucionalização de crianças. Pelo contrário, na medida do possível, temos de caminhar aceleradamente para a sua desinstitucionalização.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta arquitectura legislativa que hoje aqui se apresenta e que é extremamente importante, contempla em si esta filosofia, mas contempla em si também uma série de medidas que já vêm sendo desenvolvidas para prosseguir esse objectivo. Desde o programa «Ser criança», que, ao longo de 90 projectos, apoia milhares de famílias e de crianças neste país, no sentido de promover a auto-estima dessas mesmas famílias, permitindo que mantenham no seu seio as suas crianças, ou que possam voltar a acolhê-las através da família biológica nuclear ou alargada, até à criação de centros comunitários e o incremento de programas de apoio à família e à comunidade, o regresso de milhares de crianças à escola em idade escolar obrigatória, através da prestação do rendimento mínimo garantido, e a agilização do processo de adopção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em 1996, havia 19 centros de acolhimento temporário, e friso a expressão temporário, porque o desejável é que estes centros de acolhimento não sejam novos estabelecimentos para acolher definitivamente crianças. Pelo contrário, devem ser centros de alta rotatividade, onde seja, o mais rapidamente possível, encontrado um projecto de vida para cada criança.
Como dizia, em 1996 unhamos 19 centros e, actualmente, temos 55 centros a funcionar, esperando-se a abertura, em breve, de mais 20 centros. Criámos ainda 14 unidades de emergência, que não existiam neste país, sendo frequentes as queixas das autoridades judiciais e policiais, que, permanentemente, se viam a braços com situações dificílimas ocorridas durante a noite e durante o fim-de-semana, alturas em que não havia estrutura para uma resposta imediata para crianças que necessitavam de ser acolhidas.
É, no fundo, o enquadramento de todas estas medidas e de muitas outras que é necessário vir a tomar que esta arquitectura legislativa vem contemplar, tendo todos de continuar a desenvolver o esforço para prosseguir este objectivo. Portugal não pode ser o país do Conselho da Europa que, em termos comparativos, tem o maior número de crianças institucionalizadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

Pausa.

Peço desculpa, queria dizer o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, quero dizer-lhe que não lhe levo a mal o facto de me ter tratado por Ministro das Finanças.

Risos.

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Peco-lhe desculpa, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Justiça: - Está V. Ex.ª desculpado. Se fosse Ministro das Finanças, teria outras capacidades para gerir o Ministério da Justiça.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se fosse Ministro das Finanças, não tinha ouvido o Sr. Presidente!

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Se fosse Ministro das Finanças, os fundos comunitários não saiam daí!

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, não sou desse estilo de querer, tudo para mim! Deixo muitas coisas para os outros, incluindo para os Srs. Deputados, como é óbvio, pedindo sempre a sua contribuição.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Há uma coisa que não percebi neste debate...

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, peço-lhes que meu erro não se repita nos vossos erros.
O tempo do Sr. Ministro da Justiça está a ser descontado, pelo que peço à Sr.ª Deputada Odete Santos que deixe o Sr. Ministro usar da palavra.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, queria começar por agradecer a todos os Srs. Deputados das várias bancadas o contributo muito útil que deram a esta discussão. Gostaria também, se me permitem o desabafo, de lamentar um pouco que não tenhamos mais tempo não só para a Sr.ª Deputada Odete Santos continuar a dar o seu útil contributo para a discussão desta problemática, mas para todos podermos discutir estas matérias mais aprofundadamente em Plenário. De qualquer modo, as agendas parlamentares são o que são e resta-nos agora, na especialidade, aprofundar um conjunto de problemas que aqui foram trazidos por VV. Ex.ªs.

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Não vou responder, naturalmente, a tudo aquilo que foi dito, até porque, num caso ou noutro, alguns Srs. Deputados encarregaram-se de responder a outros. Foi o caso da intervenção do Sr. Deputado Calvão da Silva, a quem, em boa parte, o Sr. Deputado António Brochado Pedras, do CDS-PP, já respondeu, quando distinguiu, e muito bem, as funções do juiz e as funções do Ministério Público. Mas sabe V. Ex.ª que há tiques que não se perdem e o PSD tem este tique, que continuaremos a ver em todos os diplomas que aí vierem, porque sempre que se falar do Ministério Público o PSD terá um sobressalto, cuja razão não se percebe bem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se fosse só o PSD!...

O Orador: - De qualquer modo, é um problema do PSD, não é um problema nosso.
V. Ex.ª respondeu, e muito bem, que há que distinguir muito claramente o papel do Ministério Público no processo e o papel imparcial do juiz, nestas como noutras questões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A justiça das crianças tem de ser diferente da justiça dos adultos!

O Orador: - Sr.ª Deputada, é evidente que tem. De qualquer modo, quero dizer-lhe que não sei se vamos abrir novamente o debate!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um aparte!

O Orador: - Agradeço os seus apartes, Sr.ª Deputada.

Em relação a outras intervenções, já disse à Sr.º Deputada Odete Santos que quanto à pena que permite o arquivamento, estamos, naturalmente, disponíveis para discutir essa questão. Contudo, há uma coisa que queria dizer aos Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP. Efectivamente, não há aqui qualquer lapso. O Governo entende que, em relação a menores com idade inferior a 16 anos, o consumo de substâncias psicotrópicas, em suma, de droga, merece, sobretudo, tratamento, não merece mais coisa alguma

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Mas se VV. Ex.ªs entendem o contrário, naturalmente, estão no seu direito. Só lhes peço que afirmem claramente que querem sancionar com sanções de natureza penal, porque outras não vejo, menores de 16 anos que consumam droga. O que aqui está é: «tratamento e informação à família depois da abertura do inquérito». Ou seja, isto passa pela policia, passa pelo Ministério Público, etc. Se VV. Ex.ªs quiserem tirar as consequências da vossa intervenção, então, façam propostas para diminuir a idade da imputabilidade criminal dos menores. Vão até ao fim do vosso raciocínio!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso só por cima do meu cadáver!

O Orador: - Sr.ª Deputada, não direi isso, porque por cima do meu cadáver não sei quantas coisas passarão ainda, mas o que lhe digo é o seguinte: connosco, não! A idade da imputabilidade penal mantém-se nos 16 anos e daqui não saímos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aí, Sr.ª Deputada Odete Santos, não vamos atrás...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu estou de acordo!

O Orador: - Sim, mas estou a referir-me a outras coisas que V. Ex.ª disse. Não vamos atrás de tendências securitárias vindas não se sabe de onde! Temos um sistema que cumpre as convenções internacionais, mas não podemos perder de vista o facto de que há hoje problemas de delinquência. Não vamos discutir se são mais ou menos graves do que eram há 10 anos, mas esses problemas de delinquência merecem, da parte do Estado, um tratamento bem diferente daqueles problemas que nada têm a ver com a delinquência.
Já agora, Sr.ª Deputada, porque essa me «tocou», no que diz respeito àquilo da década de 60, V. Ex.ª não viu bem, porque nessas coisas sou um bocadinho...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas está aqui escrito!

O Orador: - Se V. Ex.ª terminar o seu aparte, eu talvez consiga ir até ao fim. Nessa altura, V. Ex.ª fará o seu aparte, que é uma figura parlamentar um pouco diferente. De qualquer modo, agradeço que me deixe terminar.
O que se diz, Sr.ª Deputada, é que, a partir desses movimentos da década de 60, terminou o argumento para tratar da mesma maneira o menor desadaptado, o menor abandonado em risco, o menor rebelde ou o menor agente de um crime. É isto que cá está!

A Sr.º Odete Santos (PCP): - Não é só isso!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Sr.ª Deputada, peço-lhe o favor de não tornar difícil o trabalho da Mesa.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é só isso que está aqui escrito. Na página 2 diz-se que..

O Orador: - Sr.ª Deputada, V. Ex.ª, que é uma Deputada ilustre, mas que, para além disso, é uma Deputada disciplinada e disciplinadora, como se costuma dizer em certas zonas da vida social, desta vez desculpar-me-á, mas, porque não teve tempo de dizer tudo o que queria, não me pode estar sempre a interromper. Vamos discutir, na especialidade, tudo isso em profundidade.
Mais uma vez, agradeço a todos as contribuições que deram.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas esta parte não leu!

O Sr. Presidente (Pedro Feist): - Srs. Deputados, está encerrado a discussão conjunta das propostas de lei n.08 265/VII - Aprova a lei de protecção das crianças e jovens em perigo, 266/VII - Aprova a lei tutelar educativa e 267/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, em matéria de processos tutelares civis.
Srs. Deputados, vou dar conta da eleição realizada para a Comissão Nacional de Eleições, cuja acta, subscrita pelos Srs. Deputados escrutinadores Rosa Maria Albernaz (PS) e Duarte Pacheco(PSD), é do seguinte teor:
«Aos vinte dias do mês de Maio de mil novecentos e noventa e nove, na Sala D. Maria da Assembleia da República, procedeu-se à eleição de um membro para a Comissão Nacional de Eleições.
O resultado obtido foi o seguinte:
Votantes, 187 - sim, 100 - brancos, 79 - nulos, 8.
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declara-se eleito para a Comissão Nacional de Eleições o candidato proposto: Ilda Maria Guedelha Ferreira.
Para constar se lavrou a presente acta que vai devidamente assinada.»
Por outro lado, realizou-se ainda a eleição dos cinco representantes para o Conselho de Opinião da RDP, cuja acta, subscrita pelos Srs. Deputados escrutinadores Rosa Maria Albernaz (PS) e Duarte Pacheco(PSD), é do seguinte teor:
«Aos vinte dias do mês de Maio de mil novecentos e noventa e nove, na Sala D. Maria da Assembleia da República, procedeu-se à eleição dos cinco representantes para o Conselho de Opinião da RDP.
O resultado obtido, foi o seguinte:
Votantes, 187
Lista A - sim, 104 - brancos, 14 - nulos, 1.
Lista B - sim, 68 - brancos, 14 - nulos, 1.
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declaram-se eleitos para a Comissão Nacional de Eleições os seguintes candidatos: Carlos Manuel Adrião Rodrigues, Maria Estrela Ramos Serrano Caleiro, Eduardo Prado Coelho, Eduardo Júlio Mignolet Oliveira da Silva e Jaime Fernandes.
Para constar se lavrou a presente acta que vai devidamente assinada.»
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, dia 21 de Maio, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão conjunta das apreciações parlamentares n.º s 86, 87, 88, 89, 90 e 91/VII.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Intervenção da Deputada do PS, Maria do Rosário Carneiro, enviada à Mesa, para publicação na íntegra, relativa à discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 265, 266 e 267/VII.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Neste ano em que se comemora o 10.º aniversário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e em nome dos direitos das crianças, nomeadamente de todas aquelas que pelas mais diversas razões correspondem ao grupo mais frágil e vulnerável de todos, composto pelas crianças de risco, afigura-se como oportuno e impõe-se de forma premente um debate alargado em torno das causas desta vulnerabilidade, da sua prevenção e do seu enquadramento legal.
As crianças de risco são reais, correspondem a quadros concretos, representam situações de exclusão e marginalidade, que não podem nunca ser tratadas como desvio padrão ou tipificação abstracta. Aliás, quanto mais se padroniza, maior a possibilidade de marginalidade, de exclusão, maior o factor risco. O debate em torno da vulnerabilidade que são as crianças em situação de perigo tem que absorver e traduzir a diversidade multifacetada e plural que compõe a vida. Porque o mundo é diverso e plural.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos que necessariamente ter presente que o número de crianças em situação de risco abrangidos pelos serviços da segurança social é já da ordem das 13500 e de pouco mais de 1000 pelos serviços tutelados do Ministério da Justiça.
Assim, tendo como adquirido que, para além destas, muitas outras se encontram em situação de extrema vulnerabilidade e carecem de enquadramento adequado, foram desencadeados por iniciativa governamental um conjunto de auditorias e estudos conduzidos por grupos de trabalho, com o objectivo de se obter a caracterização da situação das crianças e jovens em risco, bem como das respostas sociais e institucionais relativas à sua protecção.
Estas iniciativas governamentais vêm, aliás, na esteira do previsto no Programa do XIII Governo Constitucional que inscreve como uma das suas prioridades a promoção da família e a protecção das crianças e jovens em risco.
Visa-se, igualmente, com as propostas legislativas hoje em discussão, cumprir o imperativo constitucional que ressalta dos artigos 67.º, 69.º e 70.º da Constituição da República Portuguesa e que atribulem à sociedade e ao Estado o dever de proteger a família, as crianças e os jovens, com vista ao seu desenvolvimento integral com especial ênfase para os órfãos, abandonados ou por qualquer forma privados de um meio familiar normal.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O sistema de direito e de justiça de menores vigente em Portugal tem a sua fonte basicamente na Organização Tutelar de Menores, aprovada por legislação da década de 60 e alterada em 1978.
Esse sistema legal representa um modelo que, para além de desfasado da Constituição e das normas de direito internacional já em vigor no nosso país, apresenta-se como desadequado quer nas respostas às necessidades das crianças e jovens que carecem de protecção quer no enquadramento dos jovens que praticam factos tipificados por lei como crime.
De facto, o actual sistema, ao permitir, por exemplo, o internamente de menores infractores e menores carecidos de protecção social nas mesmas instituições, não permite

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nem que se eduquem os menores que praticaram actos qualificados como crimes nem que se protejam as crianças que carecem de protecção.
A ideia central da reforma que o Governo apresenta à Assembleia da República assenta num eixo fundamental, que é o de autonomizar e aprofundar o tratamento de situações diferentes para garantir a realização das finalidades diferentes, sendo claro que é assegurada a ligação entre o regime de protecção às crianças e jovens em perigo e o regime tutelar educativo, já que muitas das vezes os menores que praticam as infracções estão também, eles próprios, carecidos de protecção.
São, assim, apresentadas duas propostas de lei, que correspondem a dois tipos de intervenção: a intervenção social do Estado e da comunidade nas situações de menores em perigo carecidos de protecção, reservando-se a intervenção dos tribunais para os casos em que não há consentimento ou em que é necessário decidir sobre restrições ou regulação do exercício de direitos (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigos); e a intervenção do Estado nas situações em que os menores praticam factos qualificados pela lei como crime, a cargo do sistema de justiça (Lei Tutelar Educativa).
De uma forma muito abreviada, permito-me destacar que a proposta de lei de protecção de crianças e jovens em perigo evolui de um conceito de protecção da infância para um conceito de promoção e protecção dos direitos da criança e do jovem, sempre que esteja em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, reforça a responsabilidade da comunidade, e nesse sentido aponta para a reestruturação das comissões de protecção de menores (a designar por comissões de protecção de crianças e jovens), clarifica o conteúdo das situações de perigo, tipifica medidas de promoção e de protecção, diversifica as modalidades de acolhimento, fixa a competência dos tribunais de família e menores.
Em contrapartida, a proposta de lei da organização tutelar educativa, reformula profundamente o regime legal que regula a prática por menor entre os 12 e os 16 anos de factos qualificados pela lei como crime e a respectiva aplicação de medida tutelar educativa., tomando como ponto de partida que a intervenção do Estado assume sempre natureza excepcional, se sujeita aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, e tem uma finalidade socializadora.
A organização tutelar assenta no princípio da mínima intervenção, confere uma ampla margem de discricionariedade na utilização da mediação que se introduz pela primeira vez no nosso direito como forma de obtenção de consenso e confere ao menor um estatuto de sujeito de direitos processuais, de que é paradigmático o direito de ser ouvido e de contraditar os factos que lhe são imputados, requerendo as diligências e indicando as provas que entender convenientes.
A estas duas propostas de lei, junta-se uma terceira sobre processos tutelares cíveis que tem por objectivo proceder à harmonização legislativa, designadamente em matéria de competência de tribunais e de conexão de processos, tendo-se aproveitado esta oportunidade legislativa para, designadamente, eliminar disposições tacitamente revogados.
Por razões de coerência e actualização sistemática, introduzem-se disposições em matéria de princípios orientadores do processo tutelar cível, de mediação e de obtenção de informações e inquéritos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos, de facto, perante um conjunto de iniciativas da maior importância, que claramente procuram o cumprimento dos imperativos constitucionais e do compromisso governamental. Com o objectivo de corresponderem ao sentir e às necessidades da sociedade portuguesa foram precedidas de um amplo debate e reflectem dessa forma uma reflexão aprofundada e amadurecida sobre a situação, introduzem inovações significativas, apontam claramente para o tratamento sistematicamente diferenciado das crianças e jovens de risco e das crianças e jovens que tenham praticado típicos, ilícitos, culposos e puníveis.
No entanto, a extrema complexidade e delicadeza das questões envolvidas e por forma a enriquecer este debate, que é por natureza um debate sempre inacabado, levam-me ainda a fazer duas considerações, uma de natureza geral, outra de natureza mais concreta.
Afigura-se-me, desde logo, como desaconselhável o excessivo carácter regulamentador que as propostas patenteiam. Por vezes, uma excessiva padronização pode ser ela própria factor de risco, porque rigidificante do sistema.
Na verdade, é dado como princípio assente que o combate efectivo a comportamentos de perigo e potencialmente nefastos para a sociedade só se combate através de projectos individuais e personalizados.
E assim manifestamente essencial a realização de uma audição parlamentar prévia aos trabalhos, em sede de especialidade, no sentido de melhor habilitar a Assembleia da República a pronunciar-se sobre as propostas em discussão.
Por outro lado, e de entre um conjunto de eventuais alterações e benfeitorias a introduzir nas iniciativas vertentes, quero referir em particular, dada a sua importância nuclear para o novo sistema que se quer adoptar, que é vital que se opere uma alteração ha proposta de lei da organização tutelar educativa, no tocante ao regime disciplinar.
Com efeito, as soluções normativas constantes nessa secção parecem, eventualmente, desrespeitar o disposto na Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 14 de Dezembro de 1990, mediante a qual se aprovou um conjunto de regras para protecção dos jovens privados de liberdade, especificando claramente, no capítulo relativo aos procedimentos disciplinares, que medidas como as de permanência em quarto disciplinar ou as restrições a eventuais deslocações ao meio familiar natural do menor (previstas nos artigos 191.º, 193º e 194.º da proposta de lei n.º 266/VII) têm que ser proibidas.
Estipula-se, ainda, expressamente nesse instrumento que às referidas medidas disciplinares têm que corresponder sempre a especificarão dos actos que lhes dão origem, ou seja, que devem estar especificados os actos geradores de sanções, facto que não se observa na proposta em apreciação.
Nessa mesma resolução recomenda-se ainda a consagração de um sistema de inspecção composto por enti-

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dades independentes da Administração, corpo de inspecção esse que confere a indispensável transparência e isenção ao sistema. Essa ideia poderia ser acolhida na proposta governamental, até porque o espírito e filosofia desta reforma assenta no conceito meritório de que o reforço da comunidade passa pela prevenção e protecção, o que se coaduna com a solução vertida na resolução da ONU quanto à inspecção.
É necessário dotar a sociedade dos instrumentos que traçam o quadro legal e o enquadramento institucional das situações de risco e de marginalidade.
Mas é igualmente necessário reforçar o capital social, introduzir confiança nas comunidades.
E é também necessário, fundamental, desencadear uma intervenção sistematicamente preventiva, junto das famílias, de todas as famílias, junto dos jovens pais, ainda mesmo antes de nascerem os filhos, junto da escola que exclui e do emprego que rejeita. Não são as crianças de risco que se excluem, é o sistema que as exclui.
Saibamos construir comunidades inclusas alicerçadas em políticas sociais horizontais na sua base.
Esta é, sem dúvida, uma reforma essencial do nosso Estado democrático. É-o por imperativo dos direitos da criança, é-o por imperativo da nossa coesão social.
A Deputada do PS, Maria do Rosário Carneiro.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino.
Francisco José Pinto Camilo.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Pinto Simões.

Partido Social Democrata (PSD):

António Moreira Barbosa de Melo.
Arménio dos Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Alberto Queiroga Figueiredo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Vasco Manuel Henriques Cunha.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Almeida Figueiredo Barbosa Pombeiro.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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