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Quarta-feira, 20 de Junho de 2001 I Série - Número 97

DIÁRIO da Assembleia da República

VIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE JUNHO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 85 e 86/VIII, das propostas de resolução n.os 62 e 63/VIII, dos projectos de resolução n.os 144 e 145/VIII e da apreciação parlamentar n.º 46/VIII, bem como de requerimentos e da respostas a alguns outros.
A Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos (PS) falou no lugar que o idoso deve ter na sociedade e chamou a atenção para o dever de o dignificar, individual, colectiva e institucionalmente.
O Sr. Deputado José Macedo Abrantes (PSD) enalteceu a gestão autárquica do concelho de Cantanhede e criticou o poder central por estar a fazer uma política de distribuição e investimento desigual, tendo, no fim, respondido aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queiró (CDS-PP) e Maria do Céu Lourenço (PS).
A Sr.ª Deputada Luísa Mesquita (PCP) condenou o Governo por, ao querer poupar nas despesas, pôr em causa o apoio a milhares de crianças e jovens portadores de deficiências ao reduzir os professores e educadores, impedindo, assim, um ensino público de qualidade e uma educação para todos. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Braga (PS), David Justino (PSD) e António Pinho (CDS-PP).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 75/VIII - Autoriza o Governo a atribuir e transferir competências relativamente a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público, as conservatórias de registo civil, predial, comercial e automóvel e os cartórios notariais. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), Odete Santos (PCP), António Montalvão Machado (PSD), Fernando Rosas (BE) e Cláudio Monteiro (PS).
A Câmara deu assentimento às viagens de carácter oficial do Sr. Presidente da República aos Estados Unidos da América e à República Checa, respectivamente de 23 a 28 de Junho e de 9 a 12 de Julho.
O projecto de lei n.º 445/VIII - Exercício do direito de reversão e de indemnização quanto às expropriações realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/71, de 19 de Junho (CDS-PP) foi apreciado na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Manuel Baganha), os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Lucília Ferra (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Helena Ribeiro (PS).
De seguida, procedeu-se à discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 322/VIII - Altera o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca (Lei n.º 15/97, de 31 de Maio) (BE), tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Carlos Alberto (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Armando Vieira (PSD) e Honório Novo (PCP).
Por último, foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 244/VIII - Estatuto do voluntariado jovem (PS), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (Miguel Fontes), os Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça (PS), António Pinho (CDS-PP), Ricardo Fonseca de Almeida (PSD), João Pedro Correia (PS), Margarida
Botelho (PCP) e Rosado Fernandes (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carla Maria Nunes Tavares Gaspar
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Emanuel Silva Martins
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco José Pinto Camilo
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Isabel Maria Soares Pinto Zacarias
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel António dos Santos
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Vidal do Rosário Campos
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Ofélia Maria Lapo Guerreiro
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Durão Barroso
José Manuel Macedo Abrantes
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Nuno Miguel Sancho Cruz Ramos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Octávio Augusto Teixeira
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de iniciarmos os nossos trabalhos, quero apresentar as minhas desculpas por estarmos a começar excepcionalmente tarde, mas estivemos a cumprir uma formalidade, aliás, a assistir a um acontecimento notável, à Filarmónica Frazoeirense, de Ferreira do Zêzere, que, no dia do seu 160.º aniversário, quis homenagear os autores da música e da letra do Hino Nacional com a sua execução no nosso Salão Nobre. Foi um momento comovente, até porque todos sentimos que temos de valorizar, ou revalorizar, se assim o entenderem, o nosso Hino Nacional. Por isso, está justificado este ligeiro atraso no início dos nossos trabalhos de hoje.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 85/VIII - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público, que baixou à 1.ª Comissão, e 86/VIII - Autoriza o Governo a aprovar um novo código de justiça militar e a revogar a legislação existente sobre a matéria; propostas de resolução n.os 62/VIII - Aprova, para ratificação, o Acordo interno entre os representantes dos Governos dos Estados-membros, reunidos no Conselho, relativo às medidas a adoptar e aos procedimentos a seguir para a execução do Acordo de Parceria ACP-CE, assinado em 18 de Setembro de 2000, em Bruxelas, baixa às 2.ª e 10.ª Comissões, e 63/VIII - Aprova, para ratificação, o Acordo de parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico e a Comunidade Europeia e seus Estados-membros, bem como os seus Anexos, Protocolo e Acta Final, assinados em Cotonou, em 23 de Junho de 2000, baixa à 2.ª e 10.ª Comissões; projectos de resolução n.os 144/VIII - Agência Europeia de Segurança Marítima em debate (PS), e 145/VIII - Sobre a adopção dos dispositivos legais que permitam a aplicação das alterações no âmbito da ecofiscalidade, aprovadas pela Lei n.º 30-C/2000, designadamente a revogação do n.º 2 do artigo 80.º-L, do Código do IRS (PS); e apreciação parlamentar n.º 46/

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VIII (CDS-PP) - Do Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de Maio (Regulamenta a Lei n.º 34/98, de 18 de Julho, que estabeleceu um regime excepcional de apoio aos prisioneiros de guerra nas ex-colónias).
Foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes:
Na reunião plenária de 6 de Junho de 2001: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado David Justino; ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pedro Pimentel; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Mota Amaral e Maria Eduarda Azevedo; aos Ministérios do Equipamento Social e do Ambiente e do Ordenamento do Território, formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Matias; ao Ministro da Presidência, ao Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas e ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Margarida Botelho; ao Ministério da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Natália Filipe; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e à Direcção-Geral dos Impostos, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona; aos Ministérios da Juventude e Desporto e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Rosas; aos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade e dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda; e ao Ministério da Saúde e à Câmara Municipal de Almeirim, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
No dia 6 de Junho de 2001: Francisco Louçã, nos dias 27 de Novembro e 18 de Janeiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 2 de Março e 7 de Fevereiro; Fernando Pésinho, na sessão de 30 de Março; Bruno Vitorino, nas sessões de 25 de Maio e 20 de Abril; Paulo Fonseca, na sessão de 14 de Junho; Agostinho Lopes e Heloísa Apolónia, nas sessões de 26 de Julho e 16 de Maio; Francisco Amaral, na sessão de 6 de Novembro; Arménio Santos, no dia 19 de Dezembro; António Nazaré Pereira, na sessão de 20 de Dezembro; Carlos Santos e Cândido Capela, na sessão de 21 de Dezembro; Honório Novo e Manuel Oliveira, nas sessões de 3 e 17 de Janeiro, 21 de Março e 3 de Maio; José Eduardo Martins, Helena Neves, Maria Manuela Aguiar e Manuel Queiró, nas sessões de 19 e 24 de Janeiro e 18 de Abril; Manuel Alegre, na sessão de 31 de Janeiro; Alves Pereira, no dia 6 de Março; Octávio Teixeira, na sessão de 7 de Março; Miguel Miranda Relvas, na sessão de 8 de Março; Manuela Ferreira Leite, no dia 19 de Março; Pedro Mota Soares, na sessão de 28 de Março; José Cesário e Nuno de Freitas, na sessão de 29 de Março; Lucília Ferra, no dia 17 de Abril; Fernando Rosas, na sessão de 2 de Maio; e João Amaral, no dia 15 de Maio.
No dia 11 de Junho de 2001: António Nazaré Pereira, no dia 13 de Março; Manuel Moreira, no dia 4 de Abril; Eugénio Marinho e Rodeia Machado, nas sessões de 28 de Junho e 29 de Março; João Amaral, na sessão de 30 de Junho; Ricardo Fonseca de Almeida, na sessão de 6 de Julho; Bernardino Soares, no dia 19 de Julho; Maria Manuela Aguiar, Carlos Luís e Luísa Mesquita, nos dias 13 de Setembro, 16 de Novembro, nas sessões de 23 de Março e 18 de Abril; Miguel Macedo, no dia 14 de Novembro; Natália Filipe, na sessão de 6 de Dezembro; António Pinho, na sessão de 15 de Dezembro; Machado Rodrigues, na sessão de 5 e no dia 16 de Janeiro; Isabel Castro, Miguel Ginestal e Agostinho Lopes, nas sessões de 7 e 15 de Fevereiro, 14 e 28 de Março; Fernando Pereira Marques, na sessão de 22 de Fevereiro; António Filipe, na sessão de 15 de Março; Luís Cirilo, na sessão de 21 de Março; Herculano Gonçalves, no dia 3 de Abril; Ana Narciso e José Cesário, na sessão de 4 de Abril; Lucília Ferra, na sessão de 6 de Abril; e Rosado Fernandes, na sessão de 2 de Maio.
Foi respondido o requerimento apresentado pelo seguinte Sr. Deputado:
No dia 11 de Junho de 2001: Telmo Antunes, na sessão de 7 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Informo que se encontram inscritos, para intervenções sobre assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados Luísa Vasconcelos, José Macedo Abrantes e Luísa Mesquita.
Tem a palavra Sr.ª Deputada Luísa Vasconcelos.

A Sr.ª Luísa Vasconcelos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Partilho convosco a responsabilidade da informação que me chega: encontraram-na ao terceiro dia de coma diabético; primeiro, os vizinhos estranharam; a família só chegou depois.
Estaremos condenados a um processo contínuo de diluição de deveres individuais e colectivos? Como é possível que o primeiro círculo social que aconchega o indivíduo fracasse perante quem deu vida e a vida? Como é possível deixar que os valores que nos estruturam no essencial, tenham os seus emissários no círculo seguinte? Qualquer dia, já nem os vizinhos estranharão.
Mas quem é a minha amiga Amélia? É cidadã inteira; pertence àquele grande grupo de cabelo encanecido que «passa da juventude à velhice numa insensível transição». Faz parte dos que contribuíram para o cofre social, dos que formaram os inscritos na nossa sociedade, dos que lhe deram futuro, dos que lhe guardam a tradição. Só será cidadã inteira até ao fim se a soubermos dignificar. Contudo, só a encontraram ao terceiro dia.
Pergunto: onde está aqui a dimensão humana do envelhecimento? Não se trata da enumeração do muito que temos feito pelos nossos idosos, cumprindo os nossos deveres de solidariedade colectiva. Aliás, não mais do que a expressão da nossa identidade socialista e, também por isso, não mais do que a nossa obrigação. Não se trata, tão-pouco, do tratamento algébrico das importantes e imediatas questões demográficas ou económicas do envelhecimento, ao nível da sustentabilidade das finanças públicas ou do desenvolvimento regional e nacional. O que pretendo é o reconhecimento vivo e consequente de uma nova realidade social, onde as verdadeiras alterações se encontram na erosão dos valores do indivíduo, hoje particularmente seduzido pela hecatombe televisiva, inebriado pela tribo do futebol, extraviado nos clãs cibernautas que fazem equivaler «extensões artificiais do corpo» à produção de relações sociais.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Nesta sociedade que se desumaniza ao arrepiante ritmo da pataca, é necessário tornarmo-nos mais gregários, menos pseudo-auto-suficientes e, só assim, mais indivíduos. Mas tornarmo-nos mais gregários, mais família, em nada significa retomar os tradicionais deveres burgueses que tantas vezes desperdiçam a vida do indivíduo, ao esvaziá-lo dos seus direitos de sujeito livre. Não se trata de recuperar o dever da união uniforme e perene, mesmo que desajustada ou caduca. Trata-se de acalentar a insti

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tuição nascida do direito à união livre, multiforme, mais verdadeira porque desligada de qualquer «dimensão impessoal ou doutrinária». É esta família que reconhecemos como promotora das concretizações importantes para a sociedade.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - É esta família, tardiamente convertida em «instituição emocional e flexível», que reconhecemos como meio integrado e privilegiado de formação humanista e embrião de solidariedade. É nesta família que o idoso deve ter o seu lugar. É, por fim, nesta família que deve continuar a mudança de mentalidade, a aprendizagem do envelhecimento não como diminuição mas como um direito, o direito à metamorfose para outros papéis sociais, autênticos, enciclopédicos e merecidos.
Diz-nos a estatisticamente idosa Agustina que «antes do meio século, meus amigos, ninguém tem história. Aos quinze tem-se um futuro, aos vinte e cinco um problema, aos quarenta uma experiência; mas antes do meio século não se tem verdadeiramente uma história».

Aplausos do PS.

É no idoso que encontramos essa história. Em Portugal, corremos o risco de perder essa mesma história.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciámos este novo século com mais de 2 milhões de portugueses acima dos 60 anos; mais de 1,5 milhões acima dos 65 anos. No breve período de apenas cinco legislaturas, por cada 100 jovens existirão 127 portugueses com mais de 65 anos de idade. Por essa altura, lamento lembrar, a maioria dos Srs. Deputados fará já parte, em pleno, desta estatística. Mas o que é relevante não é a inclusão dos Srs. Deputados nesta desactualizada dimensão terminológica - idosos. O que é relevante é que não quererão fazer parte dela. O que é relevante é que não se sentirão como fazendo parte dela! Não existe essa verdade, de sermos idosos.
Com efeito, não se é idoso! Têm-se comportamentos idosos… ou não se têm! Aliás, não se envelhece, vai-se envelhecendo e de maneira diferente e progressivamente diferente, consoante se é «explorado ou explorador», se é homem ou mulher, se vive ou não só, se tem ou não filhos, se habita nos meios urbanos ou rurais, se é saudável ou doente, se é iletrado ou doutor… enfim. O nosso idoso é ainda maioritariamente analfabeto, pobre ou remediado, limitado pelas exigências físicas de um modo de produção fabril e incapaz de lidar com uma sociedade em transformação. Num futuro próximo, teremos um idoso progressivamente alfabetizado, experiente e capaz de manusear o conhecimento. Em qualquer dos casos, ele representa uma experiência e memória colectiva da Nação.
Está Portugal disposto a permitir um desperdício desumano e bestial, da ciência e valor útil destes idosos? Como é que se faz a necessária correcção? Promovendo uma vivência mais baseada na actividade do que na idade; promovendo a solidariedade intergerações, sem comiseração ou assistencialismo; continuando a acompanhar o cidadão fisicamente debilitado, procurando garantir-lhe auto-suficiência e qualidade de vida. Mas, aceitando e promovendo o seu conhecimento e iniciativa na sociedade civil; colocando-o ao serviço da comunidade; aceitando a continuidade da sua contribuição como voluntário e prestador de cuidados; continuando a apostar numa lógica de transversalidade e protagonizando respostas focalizadas a problemas diferenciados, de isolamento, violência, suicídio, doença, mas também de vitalidade, conhecimento, experiência e utilidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «O homem e o mundo espelham-se mutuamente». Os portugueses parecem, por vezes, esquecer olhar esse espelho.
Encontraram-na só ao terceiro dia! Os idosos são parte insubstituível da nossa memória. Devemos, também por isso dignificá-los, individual, colectiva e institucionalmente. Devemos continuar a melhorar os nossos trabalhos de secretaria, no que concerne aos deveres do Estado no apoio à terceira idade.
Peço desculpa pelas notas pessoais.

Aplausos do PS, do BE e do Sr. Deputado do PCP Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Macedo Abrantes.

O Sr. José Macedo Abrantes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Venho hoje aqui abordar alguns assuntos que reputo de interesse e de actualidade. Ainda que em concreto me refira a uma região, a região centro, a um distrito, o de Coimbra, e a um concelho, o de Cantanhede, tal abordagem pretenderá sempre extrapolar conceitos, ideias e práticas para o nosso universo nacional.
Em boa verdade, o concelho de Cantanhede e a sua cidade, a cidade do Marquês de Marialva, não são reféns de uma região ou de um distrito, integrando múltiplas regiões - da Gândara e da Bairrada - e também associações intermunicipais, estendendo e acolhendo a sua influência desde o mar à serra, entre o Vouga e o Mondego, assumindo a sua marca e presença no centro do triângulo de três das mais belas e tradicionais cidades: Coimbra, Aveiro e Figueira da Foz. Terra da vinha, do leite, das areias e do barro, das pastagens e da floresta, dos emigrantes e agricultores, de ourives e artesãos da pedra macia de Ançã, cada vez mais virada para o futuro e para o desenvolvimento.
Tal como o País, também esta parcela concelhia é rica e multifacetada, de paisagem variada, onde convive harmoniosamente a tradição e a modernidade, a ruralidade e a urbe, a arte xávega e a indústria, o operário e o empresário. Terras de bons costumes, de afamada gastronomia, de gente pacífica, humilde, trabalhadora e corajosa, que sabe procurar e porfiar com sacrifício o seu futuro e interpretar com clarividência, sabedoria, serenidade e oportunidade os novos e os velhos tempos.
Tais qualidades também se reflectem na sua tradicional escolha política. É à social-democracia e ao PSD que a população tem confiado insistentemente a gestão pública dos seus destinos e das suas autarquias. Certamente não apenas pela cor partidária, mas também pela convicção de que são o melhor garante da defesa da liberdade e dos valores e que melhor defendem a dignidade e iniciativa humanas. E é também com os militantes, simpatizantes e representantes do PSD que a população em regra se identifica, mesmo quando, como agora, o Governo ainda é socialista. A gestão camarária do PSD tem sabido corresponder a tal confiança e anseios da sua população, mesmo ultrapassando grandes obstáculos e dificuldades, que passam pela tentação hegemónica do poder central de estender localmente a sua influência através de uma política de distribuição e investimento escandalosamente de

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sigual. Por um lado, são silenciados os protagonistas distritais que reduzem ao quase anonimato um distrito como Coimbra, abdicando do poder do seu passado glorioso, calando escandalosamente tragédias como a co-incineração ou a gestão danosa e ruinosa das cheias do Mondego e não dando voz aos mais singelos direitos e anseios dos seus concidadãos.
Poderia frisar inúmeras dificuldades do meu concelho e região que se manifestam no atraso da concretização de infra-estruturas básicas, nas deficientes acessibilidades, no desrespeito e desprezo pelos mais humildes e que mais dificuldades têm de fazer ouvir a sua voz, como são o caso dos agricultores e dos produtores de leite. É, aliás, habitual o desrespeito que o Governo socialista tem por aqueles que têm fracas possibilidades para produzir «buzinões» incómodos.
Cantanhede, tal como a região, são vítimas do centralismo de Lisboa e Porto e da discriminação negativa na distribuição de verbas do PIDDAC. De nada vale anunciar verbas se os anos passam e a execução é adiada. Os cerca de 300 000 contos atribuídos este ano ao concelho de Cantanhede têm de novo, em 2001, execução praticamente nula, e não é por falta de projectos, porque a Via Regional de Cantanhede ao IC1/Tocha, com projecto há vários anos à custa do município, está longe de ter início, não tendo ainda sequer sido aberto concurso. Também o Hospital de Rovisco Pais, na Tocha, o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro, com verbas atribuídas pelo PIDDAC desde 1996, cinco anos após a nomeação da Comissão Instaladora, continua paralisado. O requerimento que fiz, eu próprio, ao Governo há um ano ainda não obteve resposta. Certamente porque o Governo não pode e não sabe, ou não quer que se saiba, quais as obras que foram realizadas, quantos funcionários já foram admitidos e quais as suas funções ou ocupações. Mas eu poderei dizer que estão a decorrer obras, mas na residência existente no complexo destinada ao administrador delegado - talvez para dormir umas sestas! Como se entende que a EN335, entre Cantanhede e Aveiro, tenha só agora obtido um projecto de requalificação e alargamento? Estrada da vergonha, que definha há mais de quatro décadas. E como classificar a atitude subtil e criteriosamente posta em prática para o «estrangulamento e morte» da linha ferroviária da Beira Alta, entre Pampilhosa e Figueira da Foz, ou a irresponsabilidade do adiamento do PROCOM, do II Quadro Comunitário de Apoio, para o URBCOM, do III Quadro Comunitário de Apoio, provocando desistências e fazendo perigar candidaturas e investimentos na cidade de Cantanhede? Por que é que Cantanhede tem uma exígua capitação de efectivos da GNR, lutando com uma atroz falta de meios humanos e materiais? Por que é que o Instituto de Conservação da Natureza está incomunicável e não responde à Câmara Municipal de Cantanhede, boicotando por via da Rede Natura 2000 a sua intervenção e bloqueando o Plano de Urbanização da Praia da Tocha? Quando é que fica pronto, na Direcção Regional da Beira Litoral, o levantamento das ordenhas privadas e públicas, e por que é que não é aplicado a este caso o eixo III do POC na promoção de ETAR colectivas, para agrupamentos de produtores, tal como, por exemplo, os lagares que usufruem de linhas de apoio próprias?
Muitas questões poderia colocar. Porém, Cantanhede não pode nem vai ficar à espera de medidas justas e acertadas de um governo central que não descentraliza ou da capital distrital que não lidera, não desconcentra nem divide solidariamente pelos vizinhos as suas instituições, como sejam o hospital ou a universidade. A gestão do PSD de Cantanhede não espera, antes: zela pelos mais necessitados, promovendo projectos de luta contra a pobreza; recupera património arquitectónico em Cantanhede e em Ançã; cria o GTL, perspectivando que Ançã seja outra Óbidos, não com muralhas mas com cursos de água, com vida própria e habitantes verdadeiros; promove o turismo com a abertura de postos de atendimento e a hotelaria em Cantanhede e praia da Tocha; disciplina e ordena o território com planos de urbanização em Ançã, Febres, Tocha e praia da Tocha; desenvolve actividades culturais, desportivas e associativas, que, curiosamente, a oposição socialista local acha em demasia; consegue atrair mais de 12 milhões de contos de investimento e 1250 postos de trabalho nas quatro zonas industriais criadas, de uma forma ambiental e tecnologicamente seleccionada; cuida do ambiente, preservando e requalificando cursos de água, lagoas, nascentes e espaços verdes, por todo o concelho, correspondendo a um plano ambicioso de desenvolvimento estratégico, que traz qualidade de vida e torna o concelho atractivo. Atractivo para as indústrias, para o regresso dos emigrantes (de fora e de dentro do País) e para novos residentes, atingindo o final de um ciclo virtuoso com a concretização futura do parque tecnológico, que atrairá também «massa cinzenta».
Cantanhede conseguiu, devido ao seu arrojo e iniciativa, uma verba, irrecusável pelo Governo, de 100 000 contos, que corresponde a um apoio de 100% no âmbito das medidas voluntaristas do PEDIP e que se destina aos estudos da definição estratégica e projectos do futuro parque tecnológico.
Este processo de desenvolvimento não pode, de modo algum, sofrer agora um revés do Governo, com o risco de arrefecer a motivação da Associação Beira Atlântico Parque, projecto inédito centrado em Cantanhede, mas solidariamente desconcentrado, para já, nos concelhos vizinhos, quer do distrito de Coimbra, como é o caso de Mira, quer do distrito de Aveiro, como é o caso de Vagos, Mealhada e Oliveira do Bairro.
Cantanhede dá, assim, exemplos - que deviam vir de cima - de dispersão e de desconcentração, com a visão das vantagens de incentivar a integração regional, com a visão estratégica dos ganhos de escala em troca de processos de desenvolvimento isolados, substituindo o papel de charneira, que caberia talvez a Coimbra.
Aliás, a manutenção de alguns protagonistas de barba, pêra ou gravata branca tem retirado a Coimbra algum do seu encanto. Com o seu autismo e altivez, vivendo de um passado cada vez mais distante, em vez de promoverem a união de esforços na região centro, solidificando uma nova e inédita centralidade nacional, alienam a imagem solidária e sábia de Coimbra perante as cidades vizinhas, que, felizmente para elas, olham Coimbra com alguma desconfiança, emancipando-se, criando os seus próprios rumos e ultrapassando até Coimbra nos mais variados sectores.
Pelo contrário, a gestão do PSD no concelho de Cantanhede tem conseguido o mais alto e significativo dos objectivos: o orgulho e a auto-estima dos cantanhedenses.
Tal como referi no início, oxalá pudéssemos extrapolar para os nossos universos distrital, regional e nacional tais reconfortantes sentimentos de auto-estima.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

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O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Macedo Abrantes, começo por felicitá-lo por nos ter trazido aqui uma explanação dos interesses do concelho de Cantanhede e é sobre isso que quero questioná-lo.
Cantanhede é um dos concelhos mais extensos do nosso país (tem uma área muito importante), é um concelho essencialmente rural e comercial, mas cujo futuro está dependente do desenvolvimento dos serviços e da indústria. Por outro lado, tem uma parte muito importante, que já não é só a Bairrada, que é a parte da Gândara, centrada na freguesia da Tocha e na vila da Tocha e para a qual as políticas ambientais assumem uma importância desmedida, porque essa vila está implantada no seio de uma enorme mancha florestal, à beira-mar, que está em vias de classificação na Rede Natura 2000.
Ora, acontece que essa parte desse concelho tem uma dinâmica de desenvolvimento própria, senão mesmo autónoma, centrada naquela vila, em que a aposta na dinâmica industrial e nos serviços é também um factor muito importante.
O Sr. Deputado tem conhecimento - e esta é a questão que quero colocar-lhe - de que a autarquia dessa freguesia conseguiu a implantação de uma zona industrial, legalizada e que tem servido de suporte físico para a implantação de novas indústrias e de mais emprego, para a fixação das gentes na Gândara à beira-mar e em torno da Tocha, naquela zona do concelho de Cantanhede, e de que essa zona industrial está, hoje, em risco de ver colocada em causa a sua desclassificação como zona florestal pelos mecanismos da Rede Natura 2000, que foram devidamente contestados dentro do figurino posto à disposição para todos os interessados, mas que, ainda assim, posteriormente à desclassificação daquela área, daqueles poucos hectares para a implantação de indústrias, essa desclassificação e essa autorização para a fixação da actividade industrial continua a poder vir a estar em risco.
Gostava de ouvir a sua opinião, enquanto Deputado representante daquela área, porque caberá aos representantes políticos daquela área veicularem a contestação política atempada para que essa agressão aos direitos ao desenvolvimento da Gândara e da Tocha não possa ir para a frente por esta via enviesada. Com certeza, encontrará nesta bancada todo o apoio para as diligências políticas para que essa agressão ao desenvolvimento não vá para a frente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Macedo Abrantes.

O Sr. José Macedo Abrantes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, ilustre visitante e amigo da nossa região, particularmente da Tocha, agradeço-lhe as suas palavras. Tanto quanto sei, posso informá-lo de que, atempadamente, a Câmara Municipal de Cantanhede envidou todos os esforços no sentido de contestar algum fundamentalismo na definição dos perímetros e das imposições da Rede Natura 2000, fundamentalismo ambiental esse também devido ao facto de Portugal ter sido um dos primeiros a definir a Rede Natura 2000. Tanto quanto sei, está em risco, ou pelo menos em algum risco, a consolidação e ampliação da zona industrial, desconhecendo-se concretamente, até hoje, que eu saiba, qual é o grau de intervenção da Rede Natura 2000, que, para já, está a pôr em causa não só a zona industrial mas essencialmente um plano de urbanização da praia da Tocha, que permitirá uma revolução e um desenvolvimento dentro de todos os figurinos ambientais que os nossos dias, hoje, impõem e aconselham e a que os autarcas de Cantanhede também já deram mostras de estar sensíveis.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Lourenço.

A Sr.ª Maria do Céu Lourenço (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Macedo Abrantes, saúdo a sua intervenção, só lamento que seja tão tardia. Como o Sr. Deputado bem sabe, a situação do concelho de Cantanhede não é tão deprimente.
Lembro-lhe que o Partido Socialista nunca esqueceu o nosso concelho. Lembro-lhe as grandes obras feitas nos quatro anos da presidência socialista da câmara, que mudaram radicalmente a face do concelho, como, por exemplo, a Praça Marquês de Marialva ou a nova conduta de água, da Fervença a Cantanhede, esta para obviar ao facto, que o Sr. Deputado bem conhece, de todos os anos ficarmos sem água. Essa obra era uma das principais a realizar no nosso concelho e só com a câmara socialista conseguimos que ela fosse feita.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Lembro-lhe também as variantes que foram feitas, como a variante Miguel Torga e a variante da Pocariça, que proporcionaram o grande desenvolvimento industrial a ter lugar neste momento.
Lembro-lhe também a estrada Pocariça/Bolho e as estruturas de saneamento feitas, como, por exemplo, as estações de tratamento de Cantanhede e de Febres, que tão necessárias eram, como sabe.
Tudo isto no tempo da câmara socialista!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É óbvio!

A Oradora: - E ajudados por quem? Nos últimos dois anos da câmara socialista, pelo Governo socialista!

Vozes do PS: - Bem lembrado!

A Oradora: - Por isso, não é verdade aquilo que o Sr. Deputado aqui mencionou, ao descrever uma situação tão deprimente do nosso concelho. Não é verdade!
O Sr. Deputado referiu-se ainda ao PIDDAC. Ora, é lógico que o PIDDAC não tem tido grande execução, mas, como o senhor também bem sabe, actualmente, o PIDDAC não é o único instrumento financeiro. E também sabe que, actualmente, o nosso concelho tem muitos e muitos projectos aprovados, cujas obras já orçam em 2 milhões de contos. E isto no governo de quem? No Governo do Partido Socialista!

Aplausos de Deputados do PS.

Termino, perguntando-lhe: o que fez o PSD, no nosso concelho, durante os 10 anos em que foi governo?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Macedo Abrantes.

O Sr. José Macedo Abrantes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Céu Lourenço, não era minha in

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tenção fomentar aqui, com a minha intervenção, amiga em relação à região que me viu nascer, crescer e trabalhar, este tipo de polémicas, mais próprias do nosso bairro do que de uma assembleia nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E a razão por que a minha intervenção é tão tardia é esta: como sabe, sendo eu um Deputado que substitui outros, as minhas intervenções aqui são feitas à custa da solidariedade de colegas da minha bancada e, hoje, deram-me essa possibilidade - por mim, há muito que queria fazê-lo.
Sr.ª Deputada, de acordo com as suas palavras, parece que vivemos num oásis - não é um concelho deprimente, é um oásis.
Lembro-lhe só o seguinte: as suas palavras e essas tão grandes e vultuosas obras que o Partido Socialista tem feito em Cantanhede não têm sido sentidas pela população. E não o têm sido ao ponto de, por uma mera circunstância o Partido Socialista ter ganho, uma vez, a Câmara Municipal de Cantanhede, logo passados quatro anos e apesar de todas essas obras e das visitas insistentes do Primeiro-Ministro e dos vários ministros, o eleitorado e a população de Cantanhede, mesmo assim, terem achado por bem correr com o Partido Socialista da sua autarquia…

Protestos do PS.

… e regressar aos tempos do rigor da gestão, da capacidade e da competência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A matéria que trazemos hoje a Plenário evidencia, mais uma vez, as águas, cada vez mais conturbadas em que o Governo do Partido Socialista insiste em navegar.
Se a paixão pela educação e pela saúde foi aquilo que se viu, a obsessão economicista e mercantilista destas prestações sociais, quer da educação quer da saúde, ganha progressivamente os favores do Governo do Partido Socialista. Mesmo quando se trata de direitos constitucionalmente garantidos; mesmo quando se trata de compromissos assumidos internacionalmente; mesmo quando se trata de crianças e de jovens portadores de deficiência.
Apesar de o texto constitucional obrigar o Estado a realizar uma política nacional de prevenção e tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência, apesar de o texto constitucional obrigar o Estado a apoiar as famílias e a desenvolver uma pedagogia capaz de sensibilizar a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com estes cidadãos, o Governo do Partido Socialista, está a pôr em causa o apoio a milhares de crianças e jovens, impedindo-os de frequentar o sistema educativo regular.
Apesar de Portugal ser um dos subscritores da Declaração de Salamanca, aprovada na Conferência Mundial da UNESCO sobre Necessidades Educativas Especiais, onde se afirma que «as escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras» e que «neste conceito devem incluir-se crianças com deficiência ou sobredotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças das populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais», o Governo do Partido Socialista resolveu reduzir drasticamente os lugares de docentes para a educação especial nas escolas portuguesas.
À medida que cresce o consenso mundial em defesa da inclusão, nas estruturas educativas destinadas à maioria, de crianças e de jovens com estas necessidades educativas, o Governo do Partido Socialista opta pela marginalização, pela guetização das crianças e dos jovens com dificuldades de aprendizagem e de integração no ensino regular.
Enquanto que as novas correntes pedagógicas consideram urgente que a escola seja cada vez mais inclusiva, centrada na criança e no jovem, capaz de educar todos com sucesso, incluindo os que apresentam graves incapacidades, o Governo do Partido Socialista opta por diminuir as condições de sucesso destas crianças e destes jovens, retirando-lhes o apoio especial e acrescido a que têm tido direito.
Mas não é só o texto constitucional ou a Declaração de Salamanca que o Governo do Partido Socialista não cumpre. Também a Lei de Bases do Sistema Educativo deixa claro que a educação especial se organiza «preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico e com apoio de educadores especializados» e acrescenta que, «quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do educando», «a educação especial processar-se-á também em instituições específicas».
Mas o Partido Socialista transformou as excepções em regra e quer entregar às famílias a responsabilidade de garantirem, em instituições privadas, as únicas que existem, a educação destas crianças e destes jovens.
O Governo do Partido Socialista possui, desde o ano lectivo de 1998/99, dados que demonstram a insuficiente resposta que tem sido dada às crianças e aos jovens com necessidades educativas especiais. Em nenhuma região do País a resposta dada pelo Ministério da Educação chegava, nesta altura, aos 50% das necessidades das famílias, e no Alentejo a situação era caótica, ficava-se exclusivamente pelos 4%. E é perante este desolador quadro que o Governo do Partido Socialista e particularmente o Ministério da Educação tomam a decisão de poupar recursos à custa dos apoios educativos àqueles e àquelas que mais deles necessitam.
É difícil encontrar adjectivação que qualifique esta medida. É difícil imaginar que um ministro da Educação viabilize esta decisão. É difícil compreender que ainda se encontrem razões para justificar estes procedimentos governativos.
No ano lectivo de 2000/2001, os professores destacados para o ensino especial eram, nas cinco regiões do País, 6740. O Governo do Partido Socialista pretende reduzir, neste momento, em 3714 o número de docentes em todo o País, com cortes que vão desde os 45,5%, na região norte, aos 69,6%, no Alentejo, viabilizando, portanto, uma quota total de 3026 docentes destacados para o ensino especial.
As reduções mais significativas acontecem ao nível da Educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, onde se encontra o maior número de crianças com necessidades educativas especiais. Por exemplo, na região centro

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havia, em 2000/2001, 1050 lugares e agora o Governo decidiu que, para 2001/2002, chegam 334 docentes - são menos 718 docentes.
Os resultados imediatos destas medidas, já para o próximo ano lectivo, são preocupantes: milhares de alunos deixarão de ter o apoio que tinham; outros nem nunca o virão a ter, apesar dele necessitarem; crianças e jovens que integravam turmas de 20 alunos, no máximo, passarão, a partir do próximo ano lectivo, a integrar turmas de 25 alunos. Mas o Governo atinge o que pretende: poupar despesas com professores, poupar despesas com educadores, impedir um ensino público de qualidade e impedir a educação para todos.
Como chegou o Governo a estes novos e falaciosos números? De uma forma muito simples: ignorando a realidade, ficando cego e surdo diante dos estudos conhecidos e, finalmente, criando um quadro inexistente.
Enquanto o Conselho Nacional de Educação apontava para uma incidência de 12,5% de crianças com necessidades educativas especiais no 1.º ciclo do ensino básico, taxa que o próprio Conselho considerava moderada, tendo em conta as recomendações internacionais, o Ministério da Educação ignorou esta análise e passou a considerar que esta incidência seria agora de 2%, e, com esta inqualificável alteração de 10,5%, propõe a drástica redução dos lugares dos respectivos docentes!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas medidas estão a pôr em causa a escola inclusiva, que tem de estar disponível para a heterogeneidade das crianças e dos jovens que a frequentam.
Muitas destas crianças e jovens poderão, a partir de Setembro, ter de regressar a casa ou a instituições específicas na procura de aprendizagens segregadas.
Muitos professores ficarão obrigados a darem respostas educativas especiais sem terem condições para o fazer.
O sistema educativo e o País ficarão mais pobres, porque estas medidas saem sempre muito caras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Braga, David Justino e António Pinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, em primeiro lugar, gostava de salientar a premissa errada com a qual fez aqui um discurso, que é: o Governo abandonou o ensino especial. Esta é uma premissa errada, e vou dizer-lhe porquê!
Em primeiro lugar, é preciso que assentemos em ideias claras sobre este assunto. É firme política deste Governo ter uma acção inclusiva nas escolas portuguesas e não uma acção de guetização ou de criação de grupos excluídos ou para-excluídos com escolas exclusivamente dirigidas a alunos com diminuição ou deficiência. Esta é uma política definida.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr.ª Deputada, a diminuição dos destacamentos e das requisições deveria alegrá-la, porque, pela primeira vez, este Governo vai fazer um concurso para a colocação de docentes, que já temos, em Portugal, muitos e bem formados quer nas várias escolas superiores quer em cursos de actualização. Esta é uma norma que deve ser instituída daqui para a frente, e só não se procede de imediato à extinção do mecanismo do destacamento e da requisição, porque há, no terreno, um conjunto de acções que estão a ser desenvolvidas, e não podemos, quanto a alterar a referência de colocação de professores, passar do «80 para o 0» de um dia para o outro.
Se a sua preocupação é justa? Devo dizer-lhe que, substantivamente, ela é justa e que também a acompanhámos. No entanto, a Sr.ª Deputada parte de uma premissa errada, porque não há uma alteração da política substantivamente considerada, há, isso sim, uma alteração do modelo da colocação de professores, que deveria dar, a nós Deputados, garantias de que é assim que deve ser: a colocação deve ser por concurso.
Como a Sr.ª Deputada bem sabe, e falo com toda a abertura nesta matéria, o destacamento ou a requisição têm por detrás uma discricionariedade quase total…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … na indicação ou na colocação de professores. E, como bem sabe, o concurso, apesar de tudo, é, tal como a democracia, o melhor dos sistemas para termos referências de colocação e do acerto da justiça na colocação de professores. Ora, é disto que se trata, Sr.ª Deputada!
Por isso, devo dizer-lhe que, sendo esta matéria do ensino especial importante e preocupante para todos nós, não a devemos abordar com base na ideia do «incendiário» ou do «bombeiro incendiário» que, simultaneamente, quer lançar o fogo e tem soluções para o problema. E é nesta medida que lhe digo, Sr.ª Deputada, que esta matéria tem de ser curada com o maior cuidado, e sei que a sua informação resulta também de reacções corporativas - e, com isto, não estou a dizer que ela, por ser corporativa, seja negativa por si, mas são reacções corporativas - de alguns interesses que, neste momento, por via da extinção da colocação por destacamento ou requisição, podem estar a surgir.
Agora, uma coisa lhe digo, Sr.ª Deputada, a sua preocupação não é maior do que a nossa, mas a sua premissa está errada: o ensino especial tem atenção e vai ter um melhor mecanismo de colocação de professores.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O Deputado António Braga é que é o «bombeiro» de serviço!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado David Justino.

O Sr. David Justino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, o meu pedido de esclarecimento tem a ver com a interpretação que faço das suas palavras.

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A propósito da defesa, quer constitucional quer ética, das crianças portadoras de deficiência ou das crianças com necessidades educativas especiais, a Sr.ª Deputada veio, no fundo, colocar aqui duas preocupações centrais.
Primeira preocupação: o facto de haver uma redução de lugares de docentes e uma contestação relativamente ao concurso. A sua preocupação é o problema sindical e não o problema das crianças com deficiência.
Segunda preocupação: reconhece que são as instituições privadas que têm maiores competências para tratar uma grande parte deste tipo de situações, porque diz que são as únicas que existem; como se isso fosse um grande mal. Ou seja, se por acaso a escola pública não tem capacidade para responder quer com meios financeiros quer com meios humanos a este problema e responde de forma, eu diria, ineficiente, por que é que não hão-de ser as instituições privadas a fazê-lo? Será que isto vai contra a sua concepção monopolista de escola pública?
Uma outra questão, que penso ser interessante, é a de saber como é que, por exemplo, o Conselho Nacional de Educação chega à percentagem de 12,5% sobre, digamos, as necessidades educativas especiais, e eu também não sei como é que o Ministério chega aos 3% ou aos 4% - devo confessá-lo -, porque, que eu saiba, não há nenhum estudo avalizado sobre isso. Mas o que eu sei é que, pela geografia das necessidades educativas especiais, há algumas regiões do País em que são mais os alunos com necessidades educativas especiais do que os alunos ditos normais. Logo, há aqui qualquer coisa que não está bem. E é neste sentido que eu gostaria de saber se reconhece ou não que o estatuto que é conferido a algumas escolas para poderem abrir turmas especiais confere situações de alguma perversidade.
Neste sentido, penso que não podemos ignorar aquilo que a própria geografia nos diz, pois não acredito que, em algumas regiões do País, sejam mais os alunos com dificuldades de aprendizagem do que aqueles que as não têm! Eu não aceito isto! E, nesta perspectiva, gostava de a ouvir para se perceber, de uma vez por todas, o que está aqui em causa: se é precisamente a defesa da escola pública, se é a defesa de lugares do quadro ou se é, na verdade, a defesa do ensino para crianças com necessidades educativas especiais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, não entrando muito em pormenores da sua intervenção, sobre as questões sindicalistas dos professores, ou não, e falando mais com base na experiência que tenho do ensino e de trabalhar e falar regularmente com os vários agentes do ensino, desde as direcções das escolas, públicas ou privadas, passando obviamente por colegas professores, por associações de pais, e, acima de tudo, da experiência que tenho de trabalhar com alunos destas áreas, a sua intervenção é muito fácil de compreender e, obviamente, de saudar.
A ideia que tenho, da minha experiência, do contacto que tive no ensino, é a de que a presença dos professores do ensino especial nas escolas, sejam elas públicas ou privadas (e trabalhei em ambas), só pecava por ser escassa. Esta ideia era reconhecida por todos, desde os professores do dito ensino regular aos professores do ensino especial e às direcções das escolas com as quais trabalhei. O único defeito que se apontava ao ensino especial, às equipas de colaboração, nomeadamente no colégio onde trabalhei, era só o de as horas serem insuficientes, o de os profissionais dessa área serem poucos e de não haver meios para se ter esses profissionais durante mais tempo.
Ora, eu não percebo, sinceramente, o que leva constantemente o Governo - e, se calhar, a pessoa mais indicada para responder a esta pergunta não é, certamente, a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita - a fazer (é o que parece) o contrário daquilo que lhe é pedido. Não percebo, sinceramente, se da nossa conversa com os pais e com os professores e da nossa experiência com os alunos verificamos que as necessidades são exactamente as opostas àquilo que está agora a ser concretizado!
Se os números são mais 1%, menos 10%,… O que se verifica é que as expressões simpáticas e politicamente correctas, como a escola inclusiva, igualdade de oportunidades para todos, etc., chocam completamente com a realidade.
Por exemplo, se, num colégio, temos, num ano, duas turmas de 20 alunos, porque há um ou dois casos de alunos de currículo alternativo, etc., e se, no ano seguinte, é negado a esta escola a possibilidade de constituir mais uma turma, isto vai fazer com que as duas turmas se fundam numa só, sobrando meia dúzia de alunos para outras turmas. Ora, este é exactamente o caminho oposto àquele que deveria ser seguido e que é considerado por todos como positivo.
Sinceramente, não percebo - e falo mais pela experiência e pelo contacto que tenho com o ensino do que pelo conhecimento dos números ou das leis sindicais, etc. - como é que algo que era bom, e que era apenas insuficiente, é agora reduzido.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, porque as questões levantadas pelo Sr. Deputado António Braga também foram, de algum modo, levantadas pelo Sr. Deputado David Justino, penso que poderei responder aos dois em simultâneo, e depois referirei, particularmente, a intervenção do Sr. Deputado António Pinho.
No que toca às questões colocadas pelos Srs. Deputados quer do PS quer do PSD, gostaria de dizer que não foi dito na intervenção do PCP, que eu assumi daquela tribuna, que o que estava em causa era uma alteração relativamente à leitura que o Partido Socialista faz da escola inclusiva.
Como o Sr. Deputado António Pinho disse, e muito bem, quanto ao discurso não há qualquer problema. O Partido Socialista continua a assumir que defende a escola inclusiva e a educação para todos. Também era melhor que não o fizesse, dado que está escrito no texto constitucional, na Lei de Bases do Sistema Educativo e que o Governo subscreveu a Declaração de Salamanca!

Protestos do Deputado do PS António Braga.

Era demasiado escandaloso chegar tão longe! Naturalmente, os tempos futuros dirão até onde é que o PS é capaz de chegar!
Mas vamos àquilo que nos interessa, que é a acção governativa! Aqui é que o escândalo é tamanho!
Quanto ao discurso, estamos clarificados!
Quanto à acção governativa, é assim: a escola é para todos, mas não há professores; todas as crianças têm di

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reito ao sucesso, mas as crianças com necessidades educativas especiais não têm direito à escola no ensino regular; todas as famílias têm direito a apoio, mas são elas que pagam as instituições privadas de segurança social para que as suas crianças com deficiências profundas tenham acesso ao ensino especial, porque o Estado não tem escolas públicas para crianças com necessidades educativas profundas, só tem - e o Sr. Deputado David Justino conhece esta matéria - para as que não são deficientes profundas!
Portanto, aquilo que o PS faz, na prática, é exactamente contrário daquilo que diz defender! Por conseguinte, o que está, efectivamente, em causa, com a acção governativa do PS, é todo o apoio dado a estas crianças, é a escola inclusiva, que, inclusivamente, já não é novidade no PS, porque, com a decisão que tomou na anterior Legislatura, de aprovar os currículos alternativos, era de esperar que mais dia menos dia isto acontecesse!
Agora, que o PS e que o PSD já nem sequer suportem que discutamos este assunto no espaço da Assembleia, onde representamos as vozes dos milhares de eleitores que nos elegeram e também, como é natural, aqueles que são dirigentes sindicais e aqueles que estão sindicalizados nos respectivos sindicatos das estruturas dos professores, é de lamentar, Srs. Deputados!
Então, só poderemos discutir aqui aquelas questões que uma estrutura sindical, fundamentalmente da área docente, nunca tenha levantado?! O PCP não tem problemas desta natureza, Srs. Deputados David Justino e António Braga! Aquilo que nos interessa aqui discutir são os direitos constitucionais das crianças portadoras de deficiência com necessidades educativas especiais, e tudo faremos para que em Setembro de 2001 estas crianças não deixem de ter o apoio a que têm direito, direito esse que está constitucionalmente consagrado, quer o PS queira ou não!
Aquilo que está em marcha, por decisão da Secretária de Estado da Administração Educativa, e que esta fez chegar às direcções regionais de educação das respectivas regiões do País - e daí a confusão com os sindicatos feita pelo Sr. Deputado David Justino -, são decréscimos na ordem dos 50%, 60% e 70%.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Se isto se confirmar, não vai haver apoio para as crianças portadoras de deficiência, o que é, de facto, um crime e é lamentável.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado António Pinho, só posso agradecer-lha, porque, estando mais perto da realidade, já que mais tarde veio para esta Casa e deu aulas tão recentemente, conhece, na prática, aquilo que alguns Srs. Deputados já esqueceram e que, por isso, criam quadros virtuais, tal qual o Ministro da Educação, que não lhes permite encontrar medidas legislativas e governativas sérias e rigorosas para atacar os problemas que a realidade demonstra no dia-a-dia, para quem conhece as escolas e não anda cego e mudo pelos caminhos deste país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 75/VIII - Autoriza o Governo a atribuir e transferir competências relativamente a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público, as conservatórias de registo civil, predial, comercial e automóvel e os cartórios notariais.
Para introduzir o debate, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Logo no início da Legislatura, apresentámos a esta Assembleia as prioridades da Nova Agenda da Justiça e definimos, com muita clareza, a estratégia que prosseguiríamos. A prioridade número um da Nova Agenda da Justiça é o combate à morosidade processual, é assegurar o cumprimento do direito fundamental a uma decisão judicial em tempo útil, num prazo razoável.
A estratégia que adoptámos é conhecida e visa a questão central do sistema de justiça: o desequilíbrio estrutural entre a capacidade de resposta e a procura crescente dos serviços do sistema judicial para a resolução dos litígios. É uma estratégia que exige, obviamente, mais meios e, por isso, temos vindo a aumentá-los.
Durante o ano 2000, entraram ao serviço mais 1632 oficiais de justiça e os primeiros 55 assessores judiciais. Em resultado das medidas extraordinárias de recrutamento de magistrados adoptadas pela Assembleia da República, entraram ao serviço, no último ano, 250 novos magistrados judiciais e do Ministério Público por via do encurtamento dos respectivos estágios, regressaram ao serviço 8 magistrados jubilados e entrarão ao serviço até Setembro, e pelo período de quatro anos, mais 40 juízes de Direito recrutados extraordinariamente pelo Conselho Superior da Magistratura.
Permita-se-me aqui, porque é de justiça, fazer uma referência especial ao notável trabalho realizado pelo pequeno núcleo de magistrados que, sob a coordenação do Sr. Conselheiro Eliseu Figueira, tem apoiado as varas cíveis de Lisboa e que, em alguns meses de trabalho, concluiu os 2425 processos que lhe haviam sido distribuídos.
Este reforço de meios humanos permitiu a instalação de 6 novas comarcas e de 58 novos tribunais em comarcas já existentes. Mas, para vencermos o desequilíbrio estrutural do sistema, não é possível investirmos só em mais meios, sempre em mais e mais meios, é preciso fazer diferente. Fazer diferente a montante, pela prevenção e resolução alternativa de litígios, como os julgados de paz, a mediação e a arbitragem.
Mas é também necessário fazer diferente no próprio sistema judicial. Fazer diferente com melhores meios, como os que já resultam do sistema de vídeoconferência, que permitiu, até ao final de Maio, a realização de 1862 inquisições de testemunhas e como os que resultarão do processo de informatização integral do sistema judicial até ao final deste ano. Estão já instaladas 104 das 326 redes locais, em Agosto estarão 168, em Setembro 267 e as últimas 59 estarão concluídas em Outubro. Até Setembro concluir-se-á a substituição de todos os equipamentos anteriores à geração Pentium e decorrerão 130 acções de formação extraordinária dirigidas aos oficiais de justiça.
Estão concluídas e instaladas as aplicações relativas aos processos cíveis, de família, dos tribunais de comércio e do inquérito nos DIAP. Estão já em teste real as aplica

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ções relativas ao processo de trabalho e à fase de julgamento do processo penal, só estando ainda em desenvolvimento a aplicação relativa ao inquérito fora dos DIAP.
Fazer diferente, também, por uma melhor gestão dos meios; daí a prioridade que demos à regulamentação da figura do administrador dos tribunais e à reforma do próprio Ministério.
Recordam-se, com certeza, dos 116 000 processos que estavam paralisados no DIAP de Lisboa, dos 22 000 processos pendentes no Laboratório de Polícia Científica, dos 7616 exames em atraso nos institutos de medicina legal. Com uma gestão adequada dos meios existentes foi já possível concluir os 116 000 processos que estavam pendentes no DIAP, reduzir as pendências no Laboratório de Polícia Científica para metade, para 10 626, e nos institutos de medicina legal para 4323, quase metade.
Mas é preciso prosseguir. Não estamos satisfeitos, queremos mais e queremos melhor. Não será possível vencer esta batalha sem prosseguirmos, com toda a determinação, um programa de simplificação das regras processuais, sem o qual o direito fundamental dos cidadãos a uma decisão em tempo útil não é assegurado.
Temos de assumir que é possível alcançar este objectivo. Veja-se como foi possível criar um processo expedito para a fixação das indemnizações devidas aos familiares das vítimas da tragédia de Castelo de Paiva, sendo que, em cerca de três meses após a tragédia, a comissão já decidiu os sete processos que lhe foram presentes. É, pois, possível e necessário fazer diferente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei insere-se, assim, na estratégia global de superar o desequilíbrio estrutural entre a capacidade de resposta do sistema judicial e a crescente procura dos seus serviços.
Esta proposta assenta num princípio fundamental da subsidariedade do sistema judicial, que determina a devolução para meio não jurisdicional de todos os procedimentos que não têm natureza jurisdicional e, por maioria de razão, dos que não pressupõem sequer a preexistência de um litígio. Foi o que já fizemos com o incidente de apoio judiciário, o que evitou que entrassem em tribunal 45 827 pedidos, que já foram decididos pelos serviços da segurança social entre Janeiro e Maio, e que, antes, teriam corrido em tribunal.
É o que faremos na reforma da acção executiva, nos termos da proposta de lei que os Srs. Deputados terão ao vosso dispor para debate em Setembro. É o que aqui e agora nos propomos fazer com um conjunto de processos de jurisdição voluntária e de acções relativas a actos notariais e registrais.
A proposta não vale pelo universo processual envolvido - …

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah…! Era isso!

O Orador: - … no total, 14 161 processos, em 1999, e 15 792, em 2000 -, vale, sim, pelo princípio e também pelas pessoas que dela beneficiarão.

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - A proposta abrange três conjuntos fundamentais de processos. Um primeiro visa possibilitar a transferência da competência decisória, em processos cuja principal ratio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, dos tribunais para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, nomeadamente no respeitante a acções de suprimento do consentimento, de autorização para a prática de actos ou de confirmação de actos já praticados.
Propõe-se ainda, num segundo conjunto, a transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares: a atribuição de alimentos a filhos maiores ou emancipados e da casa de morada de família, a privação e autorização de apelidos do actual e anterior cônjuge, a conversão da separação em divórcio, a reconciliação de cônjuges separados, a dispensa de prazo internupcial e a separação e divórcio por mútuo consentimento de casais ainda com filhos menores e o poder paternal por regular em que se verifique, como condição, ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição inconciliável de qualquer dos interessado.
A atribuição de competência decisória respeitante à separação e divórcio por mútuo consentimento de casais com filhos menores, cujo poder paternal não se encontre regulado, é acompanhada da garantia da tutela dos interesses dos menores através da participação activa do Ministério Público.
Por fim, a presente proposta de lei prevê também a transferência, dos tribunais judiciais para os conservadores e notários, de competências em processos de carácter eminentemente registral e notarial, nomeadamente nos processos de justificação e rectificação de registos e de sanação dos vícios de actos notariais, e simplifica também determinados procedimentos, de entre os quais se destaca a eliminação da obrigatoriedade de decisão judicial em processo de afastamento da presunção da paternidade para o registo da paternidade quando a mulher casada declare que o filho não é do marido, caso em que passará a ser admitida a imediata perfilhação por terceiro, se aquele não se opuser.

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estas situações correspondem, em geral, a um conjunto de processos cuja instrução era já efectuada pelas entidades que ora adquirem competência para os decidir, garantindo-se em todos os casos a possibilidade de recurso judicial.
Esta proposta é o resultado do debate público que abrimos em Janeiro último.
O estatuto consolidado do Ministério Público na representação legal dos interesses de incapazes e ausentes permite a atribuição de competência plena no conjunto de processos de suprimento do consentimento ou de autorização de actos relativos a incapazes e ausentes.
De especial relevância se afigura - insiste-se - a intervenção do Ministério Público na regulação do poder paternal em processo de separação ou divórcio por mútuo consentimento que envolva a regulação do poder paternal.
Ao invés, no que respeita ao reforço das competências de notários e conservadores dos registos, o processo em curso de informatização integral dos serviços até final de 2002 e os trabalhos de simplificação dos respectivos procedimentos recomendam prudência na atribuição imediata de novas competências.

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Deste modo, será possível, no início de 2003, proceder a uma avaliação dos resultados deste primeiro pacote de transferência de competências, no momento em que já poderemos também contar com as primeiras indicações dos ganhos de eficiência obtidos com a informatização e a simplificação dos procedimentos registrais.
Será também, então, o momento adequado para suscitar nova ponderação sobre a desjudicialização de outros processos para os cartórios notariais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, José Luís Ferreira e Odete Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é sempre um gosto vê-lo aqui nesse seu frenesim de combater, por todos os meios, a chamada morosidade da justiça. Sucede, porém, que, ao querer tapar de um lado, V. Ex.ª destapa do outro; isto é, agora quer, pura e simplesmente, transferir a morosidade dos tribunais para as conservatórias.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª cedeu ao lobby dos notários. Entre as intenções e aquilo que nos traz a proposta de lei não há uma linha sobre os notários; ganharam os notários, e bem!
Em segundo lugar, V. Ex.ª não ouviu a parte principal dos pareceres que pediu. Por exemplo, os conservadores dos registos disseram que «acresce um regime de responsabilidade dos actos por nós praticados. Se o juiz não é civilmente responsável pelas suas decisões e, por isso, decide com inteira liberdade, nós não gozamos de idêntica protecção. Na nova repartição de competências, o conservador sentir-se-á duplamente atingido, porque à sua quota parte de tarefas somar-se-ão as relativas aos oficiais, que, tendo nula preparação e escassa responsabilidade, farão a carga recair, na sua quase totalidade, nos ombros do conservador».
Para além disso, V. Ex.ª sabe que o conservador não pode notificar ninguém sob cominação, não tem este poder, que tem, por exemplo, o juiz.
Sobre a transferência das competências jurisdicionais para o Ministério Público, o próprio Conselho Superior da Magistratura foi chamando a atenção de V. Ex.ª, mas parece que fez disso tábua rasa. Disse o Conselho Superior da Magistratura o seguinte: «Não nos parece boa solução a desjudicialização dos actos cuja competência passaria a ser atribuída ao Ministério Público. Visto de outro modo, poderíamos mesmo falar de judicialização das decisões do Ministério Público».
Em terceiro lugar, é preciso chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de, em muitas das pequenas comarcas disseminadas pelo País, os conservadores poderem advogar, e frequentemente são advogados das partes. Imagine V. Ex.ª um advogado de parte tendo, ao mesmo tempo, as funções que lhe são atribuídas neste diploma! E não há, na proposta de lei, uma palavra para evitar isso! Como é possível que o advogado de uma das partes tenha, ao mesmo tempo, o poder que V. Ex.ª pretende dar aos conservadores?
Em quarto lugar, gostaria de chamar a atenção para o seguinte: basta uma das partes dizer que não quer o acordo para o processo ser logo transferido para o tribunal.
No fundo, para fazer aquilo que o juiz leva 15 minutos, passa o conservador a levar muito mais tempo, porque não está preparado para isso, e onde geralmente não a há acordo, V. Ex.ª, com esta proposta de lei, aumenta a morosidade, porque…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não fui eu quem cortou o som do seu microfone. V. Ex.ª é que, sem querer, o desligou.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, não tenho a certeza de ser capaz de responder à última parte da sua quarta pergunta, porque não a ouvi, mas quanto às três primeiras creio poder responder-lhe

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - A pergunta refere-se à transferência do processo do conservador para o tribunal.

O Orador: - A primeira questão do Sr. Deputado refere-se a uma possível transferência de morosidade. O princípio do diploma em debate não é o de transferir morosidade, aliás, quisemos evitá-lo, por isso fomos muito prudentes no universo de processos que nos propomos transferir dos tribunais para as conservatórias.
Disse expressamente na minha intervenção, como, aliás, consta da «Exposição de motivos» do diploma, que em 2003 revisitaremos o tema. Em 2003 porquê? Porque na altura já beneficiaremos, quer da conclusão do processo de informatização, que obterá ganhos de produtividade evidentes no funcionamento das conservatórias - pelo menos, assim se deseja -, quer da simplificação dos próprios procedimentos dentro das conservatórias.
Portanto, transferimos um conjunto de actos que não tem um volume de trabalho significativo, salvo os processos de divórcio por mútuo consentimento que envolvam a regulação do poder paternal. Estamos a falar de 12 000 processos por ano, Sr. Deputado!
Assim, não se trata de transferir a morosidade de um local para o outro, trata-se de evitar que as pessoas sofram a morosidade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o que dizem os conservadores! É o que diz quem sabe!

O Orador: - Ao contrário do que o Sr. Deputado julga, ou assim fez parecer, os juízes não decidem em 15 dias os processos de divórcio. O tempo de resolução de um processo de divórcio por mútuo consentimento, mesmo quando estão todos de acordo e não há nada a decidir por parte do juiz, a não ser homologar o acordo das partes, é de um ano.
O que queremos evitar é que as partes, quando estão de acordo, tenham de estar à espera do tempo necessário para o tribunal decidir aquele caso no meio do conjunto de casos que tem de decidir. Mas temos aqui um princípio de fundo, que se prende com a segunda questão que colocou: não transferimos competências jurisdicionais,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ninguém disse isso!

O Orador: - … o que transferimos são aqueles processos, que hoje já são de jurisdição voluntária, que não envolvem nem pressupõem a existência de um litígio e que estão, por força da lei, atribuídos a um juiz. Ora, os juízes

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devem ser reservados para o exercício da função que lhe é própria, ou seja, a função jurisdicional.
Quando um casal que está separado acorda em reconciliar-se, faz sentido ir a juiz?! Por que não se reconciliam directamente na conservatória?!
Se um casal entende que deve separar-se, por que é necessário fazer intervir o juiz, se eles estão de acordo?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Porque atrasa o serviço das conservatórias!

O Orador: - Por que é mais rápido nas conservatórias? Por duas razões fundamentais: primeiro, porque nos libertamos do Código de Processo Civil e passamos a estar sujeitos às regras do Código de Registo Civil. A segunda vantagem enorme é que descentralizamos a competência, isto é, teremos muito mais entidades com competência para decidir estes casos do que as que hoje a têm.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E há uma vantagem acrescida: esta transferência liberta os tribunais de família, que hoje consomem muito do seu tempo na resolução dos divórcios por mútuo consentimento, para a resolução daquilo que efectivamente tem de ser sua competência, ou seja, os divórcios litigiosos e a regulação litigiosa do poder paternal, casos que o tribunal tem de decidir com grande urgência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Os Verdes também reconhecem que o desequilíbrio entre a capacidade de resposta e a crescente procura dos serviços por parte dos cidadãos e das empresas representa uma das causas centrais da actual crise do sistema na justiça portuguesa.
Sabemos que existem factores de bloqueamento ao normal andamento dos processos nas suas várias fases, mas, existindo seguramente estudos que identificam as causas da longa duração e da pouca eficiência na administração da justiça, começo por perguntar ao Sr. Ministro se o Governo está ou não na posse de estudos que permitam concluir que os processos que agora pretende passar de mãos são significativos ao ponto de constituírem um factor relevante do excesso indesejável de litígios e de atraso ou pendência nos tribunais, ou seja, se os estudos indiciam ou não que são estes os processos que actualmente entravam os tribunais e descredibilizam a justiça portuguesa.
Por outro lado, Sr. Ministro, considerando que a proposta que hoje discutimos vai no sentido da jurisdicionalização de uma magistratura com outra natureza e finalidades, considerou ou não o Governo a necessidade de tomar medidas relativamente à qualificação orgânica e funcional do Ministério Público face às novas funções e competências que esta proposta prevê e que, portanto, lhe pretende atribuir?

O Sr. Presidente: - Para responder, se quiser fazê-lo desde já, tem a palavra o Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, duas questões.
Em primeiro lugar, eu disse que esta proposta de lei não vale pelo volume processual mas pelo princípio. Os processos de que aqui estamos a falar foram, no seu conjunto, 14 000, em 1999, e 15 000, em 2000, sendo que destes os mais significativos são os divórcios por mútuo consentimento, que representam cerca de 12 000.
Estes processos não saem dos tribunais com o objectivo de, por essa via, os libertar, eles saem dos tribunais porque, com igual garantia de segurança e com ganhos de eficiência, podem ser decididos noutro local. Isto prende-se, designadamente, com a questão que colocou relativamente ao Ministério Público. Os processos de que transferimos a competência decisória para o Ministério Público são processos em que hoje o Ministério Público já intervém necessariamente, só que o faz limitando-se a emitir parecer para o juiz decidir.
Se o Sr. Deputado não se importa, aproveito para responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, dando como referência um caso exemplar, o de um processo para suprimento do consentimento de um menor, em que tem de ser requerida a autorização ao juiz e em que o Ministério Público, nos termos da Constituição e da lei, representa os interesses do menor. Se o Ministério Público concorda com o consentimento, se o curador, o pai ou a mãe, enfim quem representa o menor, também estão de acordo, se não há nenhuma divergência, se não há nenhum conflito, é totalmente inútil fazer intervir um juiz. Portanto, neste caso, o que dizemos é que basta a decisão do Ministério Público ser concordante para o processo estar encerrado e suprido o consentimento.
Dá mais trabalho ao Ministério Público? Não dá. O Ministério Público fará rigorosamente o mesmo que hoje já faz, só que, em vez de se limitar a dar um parecer para o juiz, passa a tomar a decisão no processo, e essa decisão, por si só, supre o consentimento.
Quando é que o juiz tem de intervir? Quando houver uma discordância entre o requerente (o curador, o pai ou a mãe, quem pede o suprimento do consentimento) e o Ministério Público, quando este, em representação da leitura que faz dos interesses do menor, diz: não autorizo, porque essa venda é altamente prejudicial aos interesses do menor. Aí, sim, temos duas posições discordantes e ou o requerente se conforma com a posição do Ministério Público ou não se conforma e então, sim, o juiz terá de decidir.
Assim, a lógica e o princípio fundamental da proposta de lei n.º 75/VIII é a de que onde não há litígio o juiz não tem de ser chamado a intervir. É essa a lógica que adoptamos neste primeiro pacote e que desejamos adoptar relativamente ao vasto conjunto de processos especiais e de jurisdição voluntária que enunciámos no debate público que abrimos em Janeiro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, quando cheguei aqui e ouvi o início da sua intervenção, julguei que alguém tinha marcado uma interpelação ao Governo sobre a política de justiça, na medida em que começou por dela fazer um balanço. Embora esse balanço tenha de ser feito, ele não é assim

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um «mar de rosas» tão grande. Aliás, nem é um «mar de rosas». Devo dizer-lhe que, por exemplo, quanto às notificações, há processos que estão parados porque as pessoas não têm caixa de correio e o funcionário procura, aflitíssimo, a maneira de fazer a notificação.
E quanto ao apoio judiciário, Sr. Ministro, a lei tem de ser revista, porque ela tem sido a causa de dificuldades para os cidadãos carenciados. V. Ex.ª já viu os problemas do cidadão que, não dispondo de dinheiro para pagar a um advogado ou a um solicitador, tem de pegar naquele grande «lençol» com não sei quantas perguntas e responder àquilo? V. Ex.ª já viu que tem sido negado apoio judiciário a entidades que, de facto, deveriam ter direito a ele?
Sobre esta matéria, penso que a solução devia ser outra, porque trata-se da garantia de um direito fundamental e a decisão da concessão do pedido de apoio judiciário deve pertencer ao poder judicial. E não há necessidade de atrasar o processo. O processo corre, independentemente da altura em que chegue o resultado. Tinha aí, Sr. Ministro, uma solução bastante mais fácil do que colocar isto na segurança social. Aliás, devo dizer que a segurança social está a tornar-se um megaministério, que, ultimamente, dá para tudo.
Ora, eu sou daquelas que entendem que há coisas que não se resolvem na segurança social, como, por exemplo, garantir este direito fundamental do acesso ao direito. Mas não era sobre isto que eu queria questioná-lo.
Em relação a uma pergunta que eu queria fazer-lhe, o Sr. Ministro já respondeu. De facto, não é muito grande o número de processos abrangidos por esta medida, o que já se adivinhava.
Sr. Ministro, devo dizer que estou de acordo em muitas coisas com a proposta de lei em debate. Só não estou de acordo que venha aqui com um pedido de autorização legislativa, porque a complexidade deste tema mereceria, sem dúvida, alguma análise e algum debate relativamente a certas soluções. Mas quando eu fizer a minha intervenção, direi com o que é que estou de acordo de uma maneira geral.
A pergunta que quero fazer-lhe, porque essa dúvida…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, agradeço que a faça rapidamente.

A Oradora: - Sr. Presidente, vou já terminar. É que é mesmo uma dúvida que tenho.
Sr. Ministro, pela redacção dos anexos dos diplomas que vão executar a autorização legislativa, não fiquei a perceber se, no divórcio por mútuo consentimento, vai haver duas conferências ou uma só, porque num sítio diz-se que se aplica o artigo 1423.º do Código de Processo Civil e depois, no final, diz-se que fica revogado.
Gostava que respondesse a esta pergunta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em relação à pergunta que me fez que diz respeito à proposta de lei em debate, a minha resposta é a de que haverá uma única conferência, que corresponde, aliás, ao que já resultava de uma iniciativa do Bloco de Esquerda, creio, apresentada na Assembleia da República.
De qualquer forma, aproveito a ocasião para procurar responder às outras duas questões que colocou.
Primeiro, sobre as citações, quero dizer-lhe que, quando não há caixa de correio, nos termos da lei, não pode ser feita a citação.

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - E muitíssimo bem! Aliás, tanto quanto me recordo, um dos receios que os Srs. Deputados aqui colocavam era o de que iriam ser consideradas citadas pessoas que nem caixa de correio tinham.
Ora, o que ficou expressamente na lei - e consta, aliás, do próprio envelope para o carteiro não poder enganar-se - foi que quando não houvesse caixa de correio, quando a caixa de correio estivesse avariada ou quando a caixa de correio estivesse cheia, a carta terá de ser devolvida aos autos e a citação não pode ser considerada como feita. E, evidentemente, é isso que se passa. Mas devo dizer-lhe que o processo pararia também no regime anterior, porque, não havendo caixa de correio, também não havia local onde depositar o aviso de recepção.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É óbvio!

O Orador: - O que lhe posso dizer, Sr.ª Deputada - e estes são números que mensalmente recebo dos CTT - é que de Janeiro a Maio foram realizadas 300 000 citações, repito 30 000 citações, por via postal simples e delas só se frustraram 1,3%. Portanto, já estamos muitíssimo longe daquele universo de 40% de frustrações que se verificavam nas citações por carta com aviso de recepção.
A segunda pergunta que fez foi sobre o apoio judiciário. Sr.ª Deputada Odete Santos, foram presentes à segurança social, desde Janeiro até Maio, 45 827 pedidos e a segurança social está a decidir sobre eles, nos termos da lei, no prazo de 30 dias. A prova disso é o facto de, durante estes cinco meses, só ter havido 334 deferimentos tácitos. Isso significa que, mesmo quando os serviços da segurança social se atrasam, tal atraso corre em benefício do próprio requerente, porque, se ao fim de 30 dias não tiver havido uma decisão, forma-se deferimento tácito. Certamente que conhece os números do Observatório da Justiça Portuguesa sobre a demora nas decisões aos pedidos de apoio judiciário. Eram seis meses!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu dei-lhe a solução!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, esse é um caso em que, tipicamente, não deve, diria mais, não pode, ser o tribunal a decidir, porque o apoio judiciário é uma prestação social, como todas as outras.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é!

O Orador: - É.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É a garantia de um direito fundamental.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu direito de uso da palavra terminou há já 3 minutos.

O Orador: - Como o rendimento mínimo é a garantia de um direito fundamental, a pensão de sobrevivência é a garantia de um direito fundamental e todos são decididos pela Administração.

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O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, também tem de terminar.

O Orador: - O tribunal só intervém - e com isto termino, Sr. Presidente - quando há um divergência insanável entre o particular e a Administração. E o particular tem de fazer recurso para o próprio juiz e não para os tribunais administrativos, como a Sr.ª Deputada sabe.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão, na Tribuna dos Embaixadores, uma delegação parlamentar da República Popular de Moçambique, para quem peço uma saudação calorosa e amiga.

Aplausos gerais, de pé.

Estão em vossa casa!
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei pretende-se dar competências aos conservadores para a prática de certos actos que, neste momento, são da competência exclusiva dos tribunais.
A minha primeira objecção, de carácter geral e que eu já formulei no período dos pedidos de esclarecimento, sem resposta, é a de ainda existirem no País conservadores que exercem cumulativamente a profissão de advogados. Desde logo fica prejudicada a isenção quando - e isso acontece com alguma frequência em meios mais pequenos - são advogados da parte contrária. Esta promiscuidade pode pôr em crise a isenção e o cumprimento atempado dos actos que lhes possam a ser cometidos.
Outra objecção geral prende-se com o facto de os serviços de notariado e conservatórias não estarem preparados, como dizem os próprios conservadores, nem mesmo mentalizados e sensibilizados para o exercício destas novas competências.
Quem tem de utilizar os serviços notariais e registrais sabe perfeitamente como é um autêntico suplício realizar escrituras em tempo razoável, bem como conseguir a efectivação de registos, sobretudo prediais, em prazos inferiores a três meses, mesmo com pedidos de urgência.
Por outro lado, com conservatórias a funcionarem entre as 9 e as 14 horas, nitidamente com quebras de produtividade a partir do meio-dia, porque os funcionários se ausentam rotativamente para almoçar, sabe que a concretização destas competências não irá fazer-se sem dificuldades acrescidas quer para os funcionários destes serviços e respectivos responsáveis máximos quer, sobretudo, para os particulares que a eles terão de recorrer.
Haveria, pois, que dotar tais serviços de meios técnicos e humanos capazes de enfrentar estes desafios. Haveria, também, que disciplinar o sector, de modo a que a arbitrariedade dos conservadores pudesse ser controlada, introduzindo-se princípios de responsabilização dos conservadores. Compreende-se a preocupação do Ministério da Justiça em aliviar as pendências dos tribunais a qualquer preço, mas também é verdade que daqui não se vislumbra um grande contributo para melhoria dos serviços.
Também aqui, portanto, tem de haver uma nova ponderação sobre a atribuição das competências aos conservadores e o serviço das conservatórias.
No entanto, é agora altura para se fazer um ponto de situação quanto ao efeito que algumas das medidas de combate à morosidade (que lhe são paralelas e já vêm de trás), que entraram em vigor no dia 1 de Janeiro, têm surtido. Socorro-me do artigo de Edgar Valle no Diário de Notícias.
Proclamou-se o fim dos adiamentos dos julgamentos,…

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito bem!

O Orador: - … dizendo que nenhuma testemunha vai deixar de ser ouvida porque alguém faltou.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - O resultado desta propaganda do Ministério da Justiça é o de que os juízes têm dificuldade em explicar às testemunhas que o julgamento se não pode fazer por outros motivos, como a falta de salas de audiência, o aparelho de videoconferência que não funciona, a falta de um advogado ou de uma testemunha de que se não prescinde. Para atenuar a compreensão de quem fica à espera de algo que não se realizou, os magistrados vêem-se agora forçados a chamar pessoalmente as testemunhas para lhes agradecerem a sua comparência e lhes explicar as razões por que a audiência é adiada, porque é adiada na mesma.

O Sr. Ministro da Justiça: - E muito bem! É uma questão de educação!

O Orador: - No que respeita à inquirição por videoconferência, V. Ex.ª - e o Sr. Primeiro-Ministro - viu que, no dia do arranque, falhou.
O resultado é o de que os problemas ditos «técnicos» estão sempre na base da não realização da diligência e do seu adiamento. Acresce que a conjugação de agendas entre os tribunais que vão intervir na inquirição é uma verdadeira proeza.
E V. Ex.ª tem aqui hoje o «recadinho» em todos os jornais: o chamado pré-aviso de greve dos funcionários que deviam fazer videoconferências. Vem mesmo a propósito.

O Sr. Ministro da Justiça: - Também está com a greve?!

O Orador: - Quanto à marcação de audiências, multiplicam-se os despachos em que os meritíssimos juízes determinam que, por impossibilidade de agenda nos próximos três meses, os processos lhes sejam apresentados daí a quatro meses, para marcação do julgamento.

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito bem!

O Orador: - Também há aqueles meritíssimos juízes que, pura e simplesmente, violam a lei e marcam as audiências para datas disponíveis, nem que sejam daí a um ano. Tenho um despacho para Novembro.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Eu tenho para Fevereiro!

O Orador: - Já tem para Fevereiro do ano que vem. Está com sorte.

O Sr. Ministro da Justiça: - Aí é que está mal! É contra a lei!

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O Orador: - No que respeita às citações, não se registaram acelerações. Uma coisa é fazer a citação, outra coisa é, por causa disso, o processo ficar acelerado. Não! Possibilitou-se a citação por carta simples nas obrigações pecuniárias emergentes de contratos reduzidos a escrito, mas a verdade é que a maioria dos processos emerge de facturas ou títulos de crédito, não havendo contrato reduzido a escrito.
A consulta às bases de dados para determinação da morada do citando revela-se morosa, sendo frequente que o autor seja notificado para fornecer elementos de identificação, dado o risco de confusão nas pessoas a citar.

O Sr. Ministro da Justiça: - E bem!

O Orador: - As notificações entre os mandatários das partes não facilitaram o trabalho das secretarias, que agora se deparam com dificuldades acrescidas em gerir os prazos.
Há mandatários que fazem notificações por fax, sendo frequentes os casos de transmissões incompletas, com a necessidade de repetições e problemas na contagem de prazos.
Os processos no tribunal transformam-se num autêntico amontoado de papel, com repetição de peças, visto que muitos advogados, além da junção de documentos, juntam outras coisas desnecessárias. E a secretaria tem de «separar o trigo do joio».

O Sr. Ministro da Justiça: - De acordo!

O Orador: - O resultado é que os mandatários têm de voltar a ser notificados pelas secretarias, numa correição permanente do processo a que os juízes ficam sujeitos. Nem queremos sequer pensar no que se passará a partir de 2003, quando a notificação por correio electrónico passar a ser obrigatória.
Salva-se o regime de pagamento antecipado da taxa de justiça, que é uma boa medida. E honra seja feita ao Sr. Ministro que alguma coisa boa havia de fazer. Este regime evita o anterior trabalho de verificar a distribuição e o levantamento das guias.
Teria sido preferível, Sr. Ministro, nestes casos das conservatórias, das citações, das notificações pelos próprios mandatários, um período de adaptação com formação adequada dos funcionários e a dotação logística necessária. A forma como estas medidas foram anunciadas criou expectativas difíceis de gerir, obrigando os operadores judiciários a esforços suplementares e, na sua maior parte, inglórios. Talvez por aí se possa compreender o pré-aviso de greve do Sindicato dos Funcionários Judiciais publicado hoje, cujos pontos V. Ex.ª certamente leu e vai aqui dizer como é que os vai resolver.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, se for da sua vontade que esta autorização legislativa seja trabalhada na especialidade, muita coisa terá de ser aí trabalhada.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo pede autorização à Assembleia da República para aprovar legislação sobre a competência dos tribunais e do Ministério Público.
No fundo, e em síntese (já aqui o ouvimos), o Governo prepara-se para retirar algumas acções da competência dos tribunais judiciais - acções em que, diz, não há um verdadeiro litígio -, remetendo-as ora para o Ministério Público, ora para os conservadores dos registos, ora para os notários.
O objectivo subjacente à iniciativa, apesar de formalmente poderem ser utilizados outros argumentos, é - à evidência - tentar desafogar os tribunais judiciais portugueses do verdadeiro pântano para o qual foram, claramente, «empurrados».
Sejamos, antes de mais, claros. A maioria das medidas propostas não contribui de forma relevante para atenuar, e muito menos para melhorar, o degradante estado a que chegou a justiça portuguesa.
Por um lado (já aqui hoje foi dito por vários Srs. Deputados), porque não são as acções sobre que versa este pedido de autorização legislativa que entopem o serviço judiciário. Segura e obviamente que não são! Não são as atribuições das casas de morada de família, as autorizações para uso de apelidos ou outras questões do género as responsáveis pela crise generalizada da justiça.
Por outro lado, a iniciativa pode não só não ajudar como até prejudicar (também já aqui foi dito), na medida em que, ao prever a reclamação ou o recurso para o tribunal no caso de inexistência de consenso, estão a criar-se dois patamares autónomos e distintos nos procedimentos, o que é manifestamente contrário à desejada eficácia e proficuidade processuais.
Finalmente (também já aqui foi alertado), porque a solução preconizada pelo Governo pode redundar numa mera transferência de funções e competências dos tribunais para os cartórios notariais e conservatórias, transferência essa que pode ajudar a entravar e a enredar o já difícil desempenho de tais serviços públicos do Ministério da Justiça.
Por isso, basta, até, verificar qual foi a reacção das associações sindicais, quer dos conservadores dos registos quer dos notários, à iniciativa que agora nos é proposta. Tal reacção, apesar de construtiva, foi genericamente negativa.
No entanto, não pretendendo ser crítico por tendência, colaboremos reciprocamente e analisemos o que nos é proposto.
Fui eu que li mal ou na «Exposição de motivos» da proposta de lei alude-se à importante participação dos solicitadores e, depois, nos conteúdos normativos dos diplomas a aprovar, em lado algum se vislumbra tal participação? Fui eu que li mal, certamente.
Fui eu que li mal ou o legislador governamental utiliza expressões que o mais básico processualista repudia, como uma «petição de recurso» (é coisa que não conheço) ou, ainda, a «causa do pedido»? Como todos sabemos, uma coisa é o pedido outra a causa de pedir e «causa do pedido» nunca tinha ouvido falar… Mas é original.
Fui eu que li mal ou o legislador governamental imaginou que os julgados de paz têm uma competência diferente daquela que realmente têm?
Com efeito, na lei que esta Câmara votou bem recentemente, por unanimidade, não se reconheceu aos julgados de paz competência em sede de direito de família. E na proposta de lei que estamos agora a apreciar alude-se à possível remessa de determinadas acções dessa precisa

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área jurídica das conservatórias para os julgados de paz. Também devo ter sido eu que li mal.
E se lermos os decretos-leis que se pretendem aprovar, ainda é pior. Três ou quatro exemplos, rapidamente.
No n.º 1 do artigo 3.º do primeiro desses decretos alude-se, por três vezes, ao «representante», sendo que numa delas o representante é, afinal, do Ministério Publico e nas outras duas o representante é, afinal, do incapaz. Isto presta-se, no mínimo, a confusões.
Nada se refere, ainda que por exemplo, a propósito da oficiosidade, ou não, da violação das regras de competência territorial previstas nos artigos 6.º e 12.º desse primeiro decreto. Não se sabe se são violações de conhecimento oficioso, se não são. E, sendo declarada a incompetência, o que sucede? Também não está lá dito.
Em múltiplos artigos - agora, dos dois decretos - o Governo volta a cometer um erro que já cometera nos julgados de paz, imaginando, sempre, a existência de tribunais de comarca em todas as comarcas, para os quais hão-de remeter-se os processos, em determinadas situações. Ora, isso não é verdade. Há comarcas, como todos sabemos, dotadas de tribunais de competência específica, os quais não são, evidentemente, tribunais de comarca. Há comarcas em que não há o tradicional tribunal de comarca.
Será compreensível ou até admissível que o Ministério da Justiça não saiba da existência dos tribunais de competência específica?
E tudo isto, salvo o devido respeito, para já não falar de uma - perdoe-se-me o à-vontade - medíocre terminologia sistematicamente utilizada na proposta de diploma e, até, nos decretos-leis, que me abstenho de enunciar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num País em que (já aqui foi dito) uma carta precatória dirigida de uma comarca para outra imediatamente vizinha demora 15 espantosos meses; num País em que uma qualquer diligência judicial é requerida a meados de 2000 e se aponta como data para a sua materialização meados ou finais de 2001; num País em que os próprios tribunais, como que pedindo desculpas ao cidadão, por notificação, anunciam que, por terem só quatro ou cinco funcionários, tem 3000, noutros casos 13 000, diligências para cumprir, e que, por isso - repare bem! -, não é possível, sequer, por notificação, prever a data da realização de determinado acto judicial - tenho todos estes elementos aqui, se for necessário mostrar, em documentos e notificações, que corroboram inteiramente a veracidade destas afirmações -; num País que gasta o dinheiro dos portugueses em publicidade não verdadeira, dizendo que a justiça agora é mais rápida e mais barata,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Publicidade enganosa!

O Orador: - … quando, por exemplo, no caso de haver lugar à tal teleconferência, a parte tem logo de pagar um preparo para despesas de 20 contos - tenho aqui um papel, que lhe posso enviar, que diz: «para despesas de teleconferência, 20 contos», e depois quanto é o valor da quantia que está em discussão -; num País com este cadastro judicial, que outros sentimentos podem ter os portugueses senão os da insegurança, da impotência do Estado e de autêntica e verdadeira carência de protecção?
O Sr. Ministro da Justiça não gosta que se refira isto. Costuma dizer, aliás, que não alinha neste «choradinho»…
Noutras circunstâncias de tempo, a propósito destas e de outras verdades, o meu amigo e Sr. Deputado Joaquim Sarmento referiu, até, que eu estava a ser alarmista e que tinha uma visão apocalíptica da situação.
De facto, a este propósito há, na verdade, duas opções: ou esconder os problemas ou enfrentá-los.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Meter para debaixo do tapete!

O Orador: - O Governo socialista opta pela primeira hipótese, pagando, com o dinheiro dos portugueses, publicidade inverdadeira para o efeito e apresentando propostas aligeiradas, como aquela que, hoje, aqui discutimos.
O Partido Social Democrata optará claramente pela segunda hipótese da firmeza, da eficácia e da determinação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tenho, como sabem, a maior consideração pessoal, e amizade até, pelos responsáveis pela justiça hoje aqui presentes, mas não posso deixar de reconhecer que este Ministério, que muito prometia, revelou-se uma verdadeira e indiscutível desilusão.
Nesse aspecto, acompanha o resto do Governo, incrédulo em si próprio e, sobretudo, desacreditado junto dos portugueses.
Chegou, pois, a sua hora.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do Bloco de Esquerda face a esta proposta de lei não decorre de nenhuma abordagem de técnica jurídica em relação a alguns dos seus detalhes mas de uma abordagem política acerca da situação do direito de acesso à justiça, que é, no nosso país e na nossa democracia, daqueles valores que estão mais longe de estar cumpridos. E sem isso não parece haver uma verdadeira democracia.
O problema desta propostas de lei, em concreto, é o de saber como facilitar o acesso à justiça através de medidas de alívio burocrático dos tribunais, para além de medidas de simples reforços de meios.
A resposta que se pretende dar é esta: não basta reforçar os meios, é preciso, a montante e a jusante, ver o que podemos tirar dos tribunais, sem ofensa dos direitos dos cidadãos, com a melhoria dos serviços e sem ofensa dos direitos de quem neles trabalha.
Devo dizer que, de uma forma geral, estamos de acordo com a proposta apresentada. Concordamos que é preciso actuar a montante e a jusante, esvaziando os tribunais daquilo que podem ser aliviados, designadamente das questões não litigiosas e dos procedimentos que não tenham natureza jurisdicional. Sobretudo, se se assegurarem duas questões que parecem essenciais: em primeiro lugar, tal ser feito de uma forma progressiva e conjugada com a informatização dos serviços e a melhoria da sua produtividade, pelo que pensamos que é realmente prudente que se comece por se fazer em sectores dos serviços onde se possa assegurar uma experiência proveitosa; e, em segundo lugar, com respeito pelos direitos e expectativas dos trabalhadores desses serviços. Infelizmente, quanto a este segundo aspecto, pelos avisos e pré-avisos de greve que

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são tornados públicos, não temos a certeza se está a ser feito o que deve ser para ser assegurado.
Se assim for - e é o que aqui se discute em concreto, nesta proposta de lei -, atingir o objectivo de libertar os tribunais de certa carga sem ofensa dos direitos dos cidadãos, desburocratizar a justiça sem diminuição desses direitos, pensamos que isso é uma boa política e que esta proposta de lei, na sua generalidade, adopta uma escolha que nos merece simpatia e aprovação.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o debate tem revelado, até agora, a necessidade (e eu concordo com isso) de, na especialidade, se poder discutir calmamente algumas soluções apresentadas.
Como há pouco disse, e repito, estou de acordo com o diploma, muito embora não esteja de acordo com algumas coisas que foram ditas. Os números estatísticos não revelam tudo; os números são uma coisa, a realidade é outra.
A questão do apoio judiciário tem trazido, na área dos trabalhadores e do Direito do Trabalho - e tenho estado a par disso -, graves perturbações.
A própria questão da taxa de justiça que é paga no multibanco tem graves repercussões, porque não estão contempladas as reduções da taxa de justiça, pelo que as pessoas pagam mais e depois ficam à espera pelo estorno. Enquanto o estorno vem ou não vem, as «costas» é que pagam!
Portanto, há correcções a fazer, e o Sr. Ministro da Justiça deveria reconhecê-lo.
No entanto, quero dizer que penso que, no fundamental, o que está nesta proposta de lei - e já foi reconhecido que não é através dela que vai combater-se a morosidade da justiça, que não é de hoje mas vem de há muitos anos… E também me queixo dos cartazes que estão no tribunal, nos quais aparecem umas testemunhas com ar de muito aborrecidas e, depois, muito satisfeitas… Mas cartazes sobre a justiça já os vejo nos tribunais há muitos anos.
Como dizia, penso que, de facto, é necessário corrigir algumas coisas em sede de especialidade. No entanto, no fundamental, concordo com alguns aspectos.
Por exemplo, concordo em que o casamento é um contrato feito entre duas pessoas e o conservador é uma simples testemunha. Não é o conservador que celebra o casamento, as duas pessoas é que o celebram e o conservador é uma testemunha qualificada. Portanto, se assim é, excepto, como é óbvio, quando se trata de um divórcio litigioso, então, é junto do conservador que as pessoas devem formalizar, uma perante a outra e tendo uma testemunha, que já não estão interessadas em continuar casadas. Portanto, nesse aspecto estou absolutamente de acordo, tal como no que diz respeito à reconciliação das pessoas e à questão dos apelidos.
Por outro lado, já não poderei estar de acordo em relação a uma outra questão que se levanta e está relacionada com aquela. Isto é, o acordo sobre os menores é submetido ao Ministério Público e este último, se entender que o dito acordo não respeita o interesse dos menores, manda-o para trás. Mas como é que o Ministério Público pode verificar isso? Não tem as pessoas perante si!

O Sr. Ministro da Justiça: - Chama-as!

A Oradora: - Mas isso vai atrasar o processo! Penso que a solução deveria ser outra: as partes cumpriram um dos requisitos, apresentaram o seu acordo o qual é enviado ao tribunal; o processo de divórcio por mútuo consentimento continua e, depois, no tribunal é que tratam do assunto da regulação do poder paternal. Penso que isto aceleraria o processo sem trazer qualquer prejuízo para as crianças.
Em relação a outras das soluções que constam da proposta de lei, creio que foi habilmente contornada uma questão que já tinha sido posta noutra ocasião e, dessa vez, abstivemo-nos - e refiro-me à proposta de lei que transferia para as conservatórias, não a questão dos divórcios, mas outras -, porque pensamos que a mesma não respeitava os limites da Constituição em relação à função jurisdicional. No caso desta proposta de lei, penso que esse problema está habilmente contornado e mesmo havendo os tais riscos apontados pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que esta proposta de lei não traz problemas constitucionais de maior.
Creio, no entanto, que, não obstante a intervenção do Sr. Deputado Montalvão Machado, que, efectivamente, é um expert nesta matéria e «passa tudo a pente fino» - e penso que tem razão no que disse, nomeadamente em relação aos julgados de paz -, prometemos trabalhar depressa em sede de especialidade, Sr. Ministro da Justiça, mas penso que devemos analisar este problema na comissão.
Por fim, repito: o apoio judiciário não é uma prestação de carácter social, é uma garantia de um direito fundamental. Não pode ficar nas mãos do poder executivo a decisão de conceder ou não aos cidadãos a garantia de um direito fundamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Se me permitem, começarei por um pequeno aparte em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tinha de ser!

O Orador: - Salvo o devido respeito, a circunstância de se tratar de uma garantia de um direito fundamental não transforma necessariamente aquela prestação numa prestação que só pode ser concedida por um acto do poder judicial.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, pois não…! O dinheiro sai do poder executivo que, depois diz «Fechem a torneira!»

O Orador: - Sr.ª Deputada, em rigor, estamos aqui a tratar de matéria que, no limite, tem a ver com matéria de separação de poderes. Ora, como sabe, quer o poder administrativo quer o poder judicial são ambos poderes subordinados ao poder legislativo, são poderes de execução e de aplicação da lei ao caso concreto. A diferença fundamental é entre a posição de imparcialidade em que está colocado o poder judicial perante os interesses em discussão e a posição de parcialidade em que está colocada a Administração porque lhe compete prosseguir o interesse público.

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Nesta situação que estamos a discutir, incluindo essa do apoio judiciário que não está em discussão neste caso concreto,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o Sr. Ministro é que falou disso na intervenção que fez!

O Orador: - … a Administração não está numa posição de parcialidade porque não é parte no litígio, quando há litígio, nem, sobretudo, é parte interessada na discussão. A menos que queira convencer-me que a Administração concederá o benefício de apoio judiciário em função das disponibilidades do Orçamento…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Que, agora, está na ordem do dia!

O Orador: - … e não em função do que devem ser os quesitos e os critérios legais. Como deve imaginar, não é por aí que vai fazer-se a economia da despesa pública, não é certamente essa a despesa pública que nos preocupa a todos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não é!

O Orador: - E, como sabe, há vários direitos fundamentais… Por exemplo, o direito de antena é concedido por um tribunal, ou não seja ele também a garantia do exercício de um direito fundamental, no caso da liberdade de expressão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não estou a falar em termos formais, estou a falar em termos políticos. Não reduza isto a meras questões técnicas!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, não pode falar ao mesmo tempo que o orador a quem concedi a palavra! Tenha paciência, mas não pode!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um aparte, Sr. Presidente!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Este desvio em relação ao debate também revela o que julgo ser fundamental salientar e que, percorridas todas as intervenções, parece ser óbvio concluir: é que não há objecções de fundo em relação à proposta de lei.
Tal como a Sr.ª Deputada Odete Santos disse que estranhou o intróito da intervenção do Sr. Ministro, pensando tratar-se de um balanço que não que tinha que ver com o objecto da discussão, facto é que quer os pedidos de esclarecimentos formulados quer as intervenções que fui ouvindo raramente tocaram em matéria da proposta de lei, com excepção da Sr.ª Deputada Odete Santos que foi ao detalhe, e todas, particularmente a do Sr. Deputado Narana Coissoró, enveredaram pelo que é uma matéria de balanço das várias medidas que têm sido tomadas no âmbito da reforma do sistema de justiça.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quer matéria de fundo maior do que essa?

O Orador: - De facto, como, aliás, foi reconhecido pelo próprio Ministro, esta é, sobretudo, uma medida simbólica porque tem que ver com a ideia de que não é por via do aumento da oferta de justiça que se resolve o problema do funcionamento dos tribunais nem o da morosidade dos processos judiciais. Aliás - e os especialistas em matérias económicas sabem-no melhor do que eu próprio -, há uma regra segundo a qual o excessivo aumento da oferta também induz a um aumento da procura. Portanto, tal leva-nos à conclusão de que não é necessariamente através do aumento dos meios do sistema judicial que vai resolver-se o problema da capacidade de resposta à procura que existe neste momento.
Ora, facto é que tem de se começar por separar aquilo que tem de ser separado. Isto é, tem de se começar por separar o que é próprio do poder judicial do que é próprio do poder administrativo.
Durante muito tempo - e, hoje em dia, ainda há vários exemplos disso no nosso ordenamento jurídico -, criou-se a convicção de que apenas os magistrados judiciais podiam estar numa situação de imparcialidade quando esta última era um requisito fundamental para determinado procedimento. Por essa razão, houve, como ainda hoje existe, uma tendência exagerada para levar ao poder judicial um conjunto de processos ou procedimentos em que essa posição de imparcialidade é exigida sem que, nesses casos, haja verdadeiramente um litígio ou uma matéria controvertida.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nisso estou de acordo consigo!

O Orador: - Donde, é preciso ter a noção de que chegou o momento em que é necessário deixar aos tribunais apenas o que é próprio da função judicial. É óbvio que é preciso discutir quanto a cada caso concreto e em relação a cada uma das propostas de alteração - e esse trabalho de especialidade tem de ser feito necessariamente -, designadamente para acautelar a possibilidade de, eventualmente, existir um ou outro caso em que possa haver um litígio que se manifeste ainda que de forma pouco evidente. Mas tal não afasta o princípio geral - e é do que estamos a tratar neste debate na generalidade -, que é o de que chegou o momento de «enxugar», por assim dizer, os tribunais no sentido de os libertar para as tarefas que verdadeiramente importam: a definição do direito quando essa definição é controvertida pelos interessados. Esta, aliás, tem sido uma marca, não apenas desta proposta de lei como de várias outras.
Já aqui falámos na questão do apoio judiciário a que haveremos de voltar certamente, porque o debate público está em curso, nomeadamente quando discutirmos a matéria do processo executivo. Aí, se calhar, iremos encontrar matéria para que a participação dos solicitadores no processo de justiça possa, porventura, ser mais interessante e mais influente do que é hoje - e isto para responder à preocupação do Sr. Deputado Montalvão Machado.
Sr. Presidente, em jeito de conclusão, direi que julgo que, nesta fase do debate, o que é importante salientar é que o balanço não está feito porque ainda não é o momento próprio para fazê-lo em relação a todas as reformas que têm sido encetadas. Obviamente, pode é ser feito o acompanhamento como tem sido feito, não só pelos actores políticos como até pelo Observatório da Justiça. Digamos que estamos num processo de reforma que é um processo constante e gradual, não é revolucionário. Não é por efeito da pena do legislador que vai resolver-se o problema dos tribunais, do respectivo funcionamento e da justiça em geral.
Neste caso concreto, trata-se é de mandatar o Governo para tomar medidas que, sendo pontuais, são de um enor

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me carácter simbólico e que, de uma forma gradual mas certa, vão contribuir para um melhor funcionamento do sistema de justiça.
Obviamente, é preciso analisar na especialidade as medidas agora propostas, mas a questão fundamental que, julgo, é preciso reter neste momento é a de que, face às intervenções que foram feitas no Plenário, não creio verdadeiramente haver qualquer oposição expressa ou concreta a todas e a cada uma das mesmas. Portanto, o que temos de fazer é aprovar esta proposta de lei na generalidade e avançar rapidamente com o posterior trabalho na especialidade para que possamos esperar que, no início do próximo ano judicial, a 15 de Setembro, os tribunais possam estar um pouco mais ágeis do que estão neste momento.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é com esta medida! Passou o tempo a dizer que era simbólica e, agora, termina assim?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Montalvão Machado e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de facto, apreciei muito a sua intervenção, sobretudo em dois pontos: quando acabou por classificar a proposta da mesma forma que o Sr. Ministro o fez, sem querer fazê-lo - estamos perante uma medida simbólica. O problema é que, porventura, estamos a gastar milhares numa medida meramente simbólica e não sei se não haverá melhor destino a dar-lhes do que para serem utilizados numa medida simbólica.
No que todos estamos de acordo é que estas acções representam um número mínimo, reduzidíssimo, dos processos em tribunal e, por consequência, em nada vão melhorar a situação degradante a que chegou a justiça portuguesa.
Passo agora às perguntas que queria fazer.
V. Ex.ª disse que respondeu à minha preocupação sobre a intervenção dos solicitadores, mas creio que não respondeu nada, antes perguntou novamente a si próprio. Onde é que, nesta proposta de lei, está a regulamentação da participação dos solicitadores? A não ser que, na «Exposição de motivos», esteja dito algo que diz respeito a um outro diploma que há-de vir a ser apresentado daqui por uns meses. Portanto, queria que me desse uma resposta.
Em segundo lugar, gostava de ouvir os proponentes e até o partido que suporta o Governo sobre uma ideia. O Sr. Deputado Cláudio Monteiro já reflectiu, já meditou sobre o tema, por exemplo, de ser o Ministério Público a julgar um processo em que representa uma das partes?

O Sr. Ministro da Justiça: - Não julga!

O Orador: - Como sabe, se lermos a «Exposição de motivos», verificamos que se transfere para o Ministério Público as competências dos tribunais, «nomeadamente no respeitante a acções de suprimento do consentimento dos respectivos representantes, de autorização para a prática de actos pelos mesmos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização.» Ou seja, o Ministério Público pode estar numa situação, que há pouco alguém aflorou, de poder ser juiz em causa própria.
Gostava de ver satisfeitos estes dois curtos esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, em primeiro lugar, como dizia há pouco a Sr.ª Deputada Odete Santos, as estatísticas não revelam tudo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Concorda comigo? Ainda bem!

O Orador: - A questão fundamental é esta: a proposta de lei em debate vai certamente resolver o problema das 15 000 partes (ou das 30 000 se houver duas partes em cada um dos processos) envolvidas nos 15 000 processos que este ano seriam abrangidos por essas medidas. Isso, por si só, parece-me motivo suficiente para avançar com essas propostas, na medida em que estas medidas são para os cidadãos, não são apenas para o funcionamento do sistema, enquanto sistema de agentes e de corporações - é preciso ter isso sempre em conta. Portanto, desse ponto de vista, isso parece-me fundamental.
Em relação à preocupação que tem quanto ao Ministério Público, não vejo que seja relevante. É que, como sabe, o Ministério Público só actua como parte em relação a determinado tipo de processos, em que ele é advogado do Estado ou representa o interesse público, como são os processos de natureza criminal e, também, alguns processos de natureza administrativa.
Nos processos de família, o Ministério Público tutela a legalidade, sendo que, neste caso concreto, estamos a falar de matéria em que não há direito controvertido, isto é, não há litígio. Estamos a falar do suprimento do consentimento, que não é, tanto quanto eu saiba, um acto jurisdicional, é um acto de jurisdição voluntária e, portanto, por definição, um acto meramente administrativo. Julgo que isto responde à sua pergunta.
Quanto à preocupação que tem sobre os solicitadores, se ler bem o preâmbulo da proposta de lei, verifica que não diz lá que os solicitadores têm uma intervenção nas alterações que estão propostas neste diploma. O que o preâmbulo diz é que deve «alargar-se o debate de modo a procurar identificar o contributo que outros elementos do sistema da justiça, como os solicitadores (…) podem propiciar (…)». O debate está em curso. E o debate, como sabe, não se resume a esta proposta de lei,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … o debate vai continuar e há-de chegar o momento em que vai esclarecer qual é o papel fundamental dos solicitadores.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Que surpresa!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, esta medida parece ser sim

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bólica e pontual para 12 000 ou 15 000 processos. Então, valerá a pena gastar tanto dinheiro da Assembleia da República e uma tarde inteira por uma coisa tão pontual e simbólica?
No entanto, o problema é que para evitar a morosidade dos tribunais, por causa destas pequenas coisas, vai aumentar-se a morosidade administrativa das conservatórias. Ou seja, as conservatórias, que levam três ou quatro meses para registar uma hipoteca, com esta sobrecarga, quanto mais tempo vão levar? Quer dizer, tapa-se a morosidade do tribunal para propaganda, porque afinal, como V. Ex.ª disse, é propaganda, é simbólico, é pontual, mas aumenta-se materialmente a morosidade de todos os actos das conservatórias. Então, pergunto-lhe: porquê aumentar a morosidade das conservatórias?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso é verdade! Há propaganda!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, eu, tal como o Sr. Deputado, também sou advogado e até aproveito para lhe responder ao comentário que há pouco fez na sua intervenção sobre a propaganda nos tribunais e sobre a questão das testemunhas e do atraso nos tribunais.
Sr. Deputado, eu já fui a um julgamento que, apesar de as testemunhas estarem todas presentes, por uma razão estranha às mesmas, não se pôde realizar. Sabe o que fez o juiz? Pediu-me a mim e ao advogado da outra parte que esperássemos no gabinete dele e mandou chamar as testemunhas para lhes explicar pessoalmente porque é que o julgamento não se iria realizar, apesar de elas terem comparecido.
Ora, é esta a diferença do actual sistema em relação ao anterior: no sistema anterior, ia o oficial de justiça ao corredor mandar as testemunhas embora à espera de voltarem a ser notificadas; agora, o juiz, por causa da publicidade, sentiu a obrigação de dar uma satisfação, aliás, é um dever que ele tem, aos interessados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não eram todos, mas, antes, já havia juízes que faziam isso!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, eu não lhe dei a palavra.

O Orador: - Em relação à questão de saber se compensa ou não, eu pensava que iria perguntar se compensava gastar o dinheiro do erário público na implementação destas medidas, mas, afinal, falou-me no dinheiro que a Assembleia da República gasta. Não sei qual é o preço por hora do debate durante uma tarde na Assembleia, mas julgo que, apesar de tudo, a Assembleia não ficará mais pobre, pelo contrário ficará certamente mais rica em espírito, por fazer esta discussão.
No entanto, a questão fundamental é que V. Ex.ª está a esquecer-se dos actos que foram retirados aos notários e às conservatórias, isto é, está também a esquecer-se…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Das fotocópias!

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, posso dizer-lhe quanto é que os 2 milhões de fotocópias custam em tempo, assim como lhe posso dizer quantas notificações judiciais, quantos divórcios por mútuo consentimento e quantas rectificações de registo poderão fazer os notários e os conservadores, que deixam de fazer as fotocópias e que deixam de dar fé pública a um conjunto de contratos que, em rigor, são documentos particulares e como tal podem continuar.
Se a questão é a de transferir um conjunto de matérias dos tribunais para os notários, ela está resolvida, na medida em que também está a actuar-se no sentido de retirar dos notários e dos conservadores aquilo que não é matéria dos notários e dos conservadores e que pode ser feito directamente pelas próprias partes.
Assim, o que está agora a fazer-se é a optimizar a função dos notários e dos conservadores, permitindo-lhes que eles façam algo que, essa sim, é matéria que, não sendo controvertida, apesar de tudo, exige imparcialidade e fé pública.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - De repente, fez-se luz!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quanto à ideia de a proposta de lei baixar à comissão para aperfeiçoamento, não vejo qualquer problema, desde que o Sr. Deputado Narana Coissoró não debite ao Ministério da Justiça os encargos que faremos incorrer nas despesas da Assembleia da República!

Risos da Deputada do PCP Odete Santos.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que o Ministério Público não julga.
O que consta do diploma em discussão é o seguinte: a pessoa que pretende obter o suprimento do consentimento ou autorização para a prática de um acto requer ao Ministério Público e este, nos termos da lei, tem a função da representação dos interesses dos incapazes e dos ausentes. Se o Ministério Público concordar com o pedido, não há litígio e está suprido o consentimento ou concedida a autorização, pelo não é necessário fazer intervir um juiz.
Quando é que o juiz tem de intervir? Quando alguém pede ao Ministério Público o suprimento do consentimento ou a autorização para a prática de um acto e o Ministério Público diz «não», porque entende que os interesses do incapaz ou do ausente são incompatíveis com esse negócio. Nesse caso, há, de facto, uma divergência de posições que requer a intervenção do juiz, porque aí, sim, temos uma questão jurisdicional. Antes disto, não temos uma questão jurisdicional.
É o que se passa, Sr.ª Deputada Odete Santos, relativamente à regulação do poder paternal. Hoje em dia, já é possível proceder ao divórcio por mútuo consentimento directamente nas conservatórias, desde que não haja regulação do poder paternal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu não estou contra!

O Orador: - Agora, se marido e mulher estão de acordo em divorciar-se, se estão de acordo quanto à regulação de todos os aspectos materiais do casamento, ou seja,

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os carros, as casas, a estante, a televisão, tudo, se estão de acordo sobre a melhor forma de regular o poder paternal dos filhos, o que, apesar de tudo, já é de presumir que pai e mãe não se mancomunem para inventar uma regulação do poder paternal a fim de prejudicar os filhos, ainda assim, reconheço que convém prevenir esse risco fazendo intervir um terceiro imparcial que, nos termos da lei, já hoje em dia, no próprio processo de divórcio, tem o dever de intervir em representação e na defesa da protecção dos interesses do menor e, então, aí, sim, fazemos intervir o Ministério Público.
O Ministério Público tem de ouvir pessoas? Com certeza, se é necessário, manda-as ouvir. Demora mais tempo? Não! Demora menos tempo, porque se mandar para o tribunal, o Ministério Público tem de fazer rigorosamente o mesmo e a acrescer à intervenção do Ministério Pública tem de acrescer a intervenção do juiz e a acrescer a isto tudo tem o facto de esse processo ser tramitado no meios das «montanhas» de processos que o tribunal tem de resolver e onde, efectivamente, tem de ser ele a decidir, como os casos do divórcio litigioso ou de regulação do poder paternal litigioso, cuja urgência de resolução todos temos consciência de que é necessário e essencial acelerar.
Sr.ª Deputada Odete Santos, conheço uma pessoa da minha família que se queria divorciar. Ela e o marido tinham-se entendido quanto a tudo, inclusive sobre a regulação do poder paternal, e aguardaram dois anos para lhes ser homologado o divórcio. Durante dois anos, não tiveram a situação da filha resolvida e tiveram tudo o resto da sua vida dependente da resolução deste problema, pois não podiam comprar casa, porque ainda existia o casamento. Nós temos o direito de andar a contribuir para complicar a vida de todos, sem que qualquer razão o justifique?
Sr.ª Deputada Odete Santos, temos de dar este passo, como já demos, e bem, na legislatura anterior, ou seja, temos de dar a possibilidade de o divórcio por mútuo consentimento ser feito nas conservatórias.
Permitam-me, ainda, duas notas gerais.
Primeira nota: Sr. Deputado Narana Coissoró, uma coisa que me impressiona sempre muito é a facilidade com que os Srs. Deputados costumam apontar uns aos outros reciprocamente e todos relativamente ao Governo…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Nem todos!

O Orador: - … a cedência aos interesses corporativos. Porém, cada vez que vimos aqui mostrar discordância com as resistências corporativas os senhores zurzem o Governo, porque, dizem, este não se ateve àquilo que disse o conselho «não sei de quê», a associação sindical «não sei que mais», a associação dos conservadores «não sei de onde». Entendamo-nos sobre quem é que deve ouvir e comportar-se de acordo com os interesses corporativos!
Nessa matéria, temos uma política muito clara: ouvimos sempre todos os parceiros, facultamos sempre à Assembleia da República todos os pareceres que recebemos. Mas há uma coisa a que não renunciamos: é que quem exerce o poder político somos nós e são os senhores. Portanto, temos o dever de os ouvir para podermos decidir bem, mas depois a decisão compete-nos a nós, se bem que ponderando o que nos foi dito e também o interesse do cidadão.
Foi isso que se fez. E foi por isso que de um conjunto muito vasto de matérias a transferir para as conservatórias fomos sensíveis a parte daquilo que a associação dos conservadores e também os Srs. Deputados do Bloco de Esquerda disseram, de que o processo devia ser gradual. Agora, há matérias relativamente às quais é possível fazer já, sem aumento de custos e sem ter de aceitar toda a argumentação que nos é proposta.
Sr. Deputado Narana Coissoró, hoje, li no jornal que foi apresentada uma tese de um ilustre académico do Porto sobre a questão da irresponsabilidade dos juízes. O Sr. Deputado quer também a irresponsabilidade dos conservadores? Mas desde quando é que é preciso ser irresponsável para poder decidir com liberdade? Todos os dias tenho de decidir as mais diversas matérias, sinto-me a decidir em total liberdade e sou sempre responsável. Sou responsável civilmente, financeiramente, enfim, sou responsável, e não é isso que sacrifica a minha liberdade.
Portanto, a irresponsabilidade própria dos magistrados judiciais justifica-se pela característica específica do poder judicial, se bem que não se deva aplicá-la a qualquer outro funcionário ou a qualquer outro agente do Estado.
Segunda nota: gostaria de recordar que, sobre as medidas que entraram em vigor no passado dia 1 de Janeiro, contratámos com o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa a monitorização e a avaliação daquelas propostas. O relatório preliminar chegará no próximo mês e muito serenamente aguardaremos pela avaliação.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Se algum grupo parlamentar tivesse a gentileza de me ceder os 30 segundos que me faltam para concluir, agradecia.
Agora, há uma coisa que gostaria de dizer aos Srs. Deputados: a publicidade que foi feita sobre os adiamentos e as marcações dos julgamentos não é uma publicidade enganosa. Ela resulta escrupulosamente daquilo que o Governo e a Assembleia da República legislaram. Não é pela falta de uma pessoa que há adiamento. O que acontece - e receio bem que sim - é que, como é denunciado no artigo do Dr. Edgar Valle, que o Sr. Deputado Narana Coissoró teve oportunidade de nos ler aqui, há Srs. Magistrados que não cumprem o que está disposto na lei. E o que é grave é que a comunidade judiciária e os Srs. Advogados não se sintam chocados pelas pessoas continuarem a ser convocadas para irem a tribunal, sob pena de pagarem a multa, e serem mandadas embora porque não é assegurado o direito que a lei hoje confere às testemunhas de serem ouvidas, querendo, sempre que estejam presentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, é esse direito das testemunhas que me preocupa, não é saber se se cumpre, e ainda bem que se cumpre, o mínimo dever de educação de, ao menos, explicar às pessoas por que é que elas não são ouvidas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado pediu a palavra para fazer um pedido de esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, mas ele não dispõe de tempo para responder. O Sr. Deputado divide metade do seu tempo com o Sr. Ministro da Justiça?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - O Grupo Parlamentar do PSD cede tempo ao Sr. Ministro.

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O Sr. Presidente: - Muito bem.
Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro começou por dizer, na sua última intervenção, que o Ministério Público nunca decide.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não julga!

O Orador: - Ora, isso não é verdade. Se V. Ex.ª ler o artigo 3.º, n.º 4, do anexo I à proposta de lei, verifica que a frase começa: «O Ministério Público decide (…)». Mais: se bem verificar, no capítulo II do anexo I à proposta de lei, estão previstas acções em que são visados incapazes ou ausentes.
Como sabe, quando o representante do incapaz ou do ausente não os representa, nos termos do artigo 15.º do Código de Processo Civil, quem os representa é o Ministério Público. Assim, neste caso concreto, temos o Ministério Público a representar o visado e temos o Ministério Público a julgar.

O Sr. Ministro da Justiça: - Não!

O Orador: - Está no artigo 3.º, n.º 4. Não tenho quaisquer dúvidas disso.
Portanto, aquilo que V. Ex.ª afirmou não corresponde exactamente à verdade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, verdadeiramente fui traído pela admiração que tenho por si, porque o Sr. Deputado habituou-nos a um enorme rigor terminológico.
O que o Sr. Deputado disse há pouco foi que esta proposta de lei põe o Ministério Público a julgar, e o que eu disse foi que o Ministério Público não julga. O Sr. Deputado agora vem dizer que leu que o Ministério Público decide. Ora, fui traído. É que nunca me passou pela cabeça que o Sr. Deputado prescindisse um segundo do seu rigor terminológico e utilizasse a palavra «julgar» como sinonímia de «decidir». Eu nunca me consentiria isso e, sobretudo, nunca me consentiria pensar que o Sr. Deputado teria a ligeireza terminológica de utilizar a palavra «julgar» como sinonímia de «decidir».
Efectivamente, o Ministério Público decide, mas não julga. E não julga pela precisa razão que o Sr. Deputado acabou de enunciar. É que, nessas circunstâncias, a manifestação de vontade do Ministério Público, que é o representante dos interesses do menor, é uma manifestação de concordância, portanto, verdadeiramente, a decisão do Ministério Público forma uma vontade consensual entre quem requer e quem decide, que é o Ministério Público.
Portanto, o Ministério Público não julga, mas é verdade que decide, e aí tem toda a razão, Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ainda bem que me resta cerca de 1 minuto para esclarecer uma questão.
Já percebi porque é que o Sr. Ministro não me ouviu. É que devia estar num estado de êxtase perante as palavras do Sr. Deputado Montalvão Machado...

Risos.

V. Ex.ª voltou-se para mim como se eu aqui tivesse feito uma intervenção a dizer que os divórcios por mútuo consentimento deviam ir para os tribunais quando tivesse de haver regulação do poder paternal! Eu não disse nada disso! Eu defendi aqui que os divórcios por acordo - porque o casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas - se deveriam dissolver no registo civil.

O Sr. Ministro da Justiça: - Muito bem!

A Oradora: - O que eu disse é que relativamente à solução de o acordo da regulação do poder paternal ir para o Ministério Público, de este convocar as pessoas e depois de as mandar para trás porque não está bem e de as pessoas se recusarem a emendar o acordo e irem todos de «charola» - peço desculpa pela expressão, mas em fim de sessão legislativa já não sabemos o que dizemos - para o tribunal, talvez fosse preferível ponderar se não ficarão de igual maneira acautelados os interesses dos menores se as pessoas fizerem o acordo e o conservador o mandar imediatamente para o tribunal para se resolver o divórcio. Então, depois, no tribunal, o Ministério Público chama as pessoas e pondera se está bem e caso não esteja instaura-se o processo de regulação do poder paternal. Penso que assim se aceleram os processos.

O Sr. Presidente: - Chegámos ao fim do debate desta proposta de lei.
Como se reveste de alguma urgência votarmos um pedido de assentimento para uma deslocação do Sr. Presidente da República, vou proceder à leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que é do seguinte teor: «A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, relativa à sua deslocação aos Estados Unidos da América, entre os dias 23 e 28 de Junho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido».
Srs. Deputados, vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Embora sem a mesma urgência, há também outro parecer e proposta de resolução da Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação relativo a uma deslocação do Sr. Presidente da República à República Checa, de onde acabo hoje mesmo de regressar, após uma visita muitíssimo interessante.
É do seguinte teor: «A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, relativa à sua deslocação à República Checa, entre os dias 9 e 12 do próximo mês de

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Julho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido».
Srs. Deputados, vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 445/VIII - Exercício do direito de reversão e de indemnização quanto às expropriações realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/71, de 19 de Junho (CDS-PP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-lei n.º 270/71, de 19 de Junho, criou o Gabinete dos Planos da Área de Sines (vulgo, Gabinete da Área de Sines - GAS), entidade dotada de autonomia e competência executiva, à qual incumbia dar execução a um ambicioso projecto que visava, globalmente, alterar a fisionomia do País com base na fileira industrial derivada do petróleo e produtos afins, aliada ao sector portuário e à indústria de construção e reparação naval com destaque para os megapetroleiros.
Este projecto exigiu uma considerável área para a implantação de toda uma série de infra-estruturas e equipamentos de suporte às instalações de indústria pesada que o projecto compreendia.
Deste modo, o Gabinete da Área de Sines iniciou um rápido processo de expropriações que conduziu, no espaço de um ano, à expropriação de 27 000 ha, mais de metade da área prevista para o complexo industrial. O processo de expropriações decorreu até 1985, saldando-se num total aproximado de 40 900 ha, dos quais apenas 40% se podiam considerar enquadrados no projecto.
Os concelhos de Sines e Santiago do Cacém, onde o projecto se concretizaria, integravam-se, à época, numa região onde a actividade agrícola era a predominante. Daí, que a grande maioria dos expropriados tivessem sido indivíduos ou famílias que herdaram dos seus antepassados a agricultura como profissão e forma de vida. São pessoas cujos terrenos eram a única garantia da subsistência familiar, representando também o principal elo de ligação entre o passado e aquilo que ambicionavam legar aos seus filhos.
Essas pessoas esperavam a chegada da malha industrial que representaria para elas uma nova oportunidade de trabalho e de sustento das respectivas famílias. Mas, para muitos, essa esperança foi defraudada e a expectativa de uma vida nova assente nos altos salários das novas tecnologias em breve se transformou numa desilusão.
Com efeito, concretizado parcialmente o objectivo que determinou a criação do GAS, e demonstrada a inviabilidade do seu desenvolvimento em consequência de alterações estruturais e conjunturais determinadas por factores internos e externos, cedo se concluiu tratar-se de um projecto desajustado da realidade nacional e sobredimensionado. Esta foi a fundamentação invocada pelo Governo para proceder à extinção do Gabinete, operada pelo Decreto-Lei n.º 228/89, de 17 de Julho, e, consequentemente, ao findar de um sonho que, como o Sr. Eng.º António Guterres bem deve saber - à data trabalhava no Gabinete -, já há muito se transformara num pesadelo.
A verdade é que, embora a emergência da crise petrolífera de 1973 e a independência das ex-colónias fossem circunstâncias que apontavam, desde cedo, para a inviabilidade do projecto tal como fora concebido, as expropriações continuaram durante cerca de 11 anos mais.
Seria de esperar, todavia, que o Estado - e o próprio Gabinete - tivessem tomado na devida conta estas realidades e não tivessem levado avante muitas das expropriações. No mínimo, seria de esperar que os particulares expropriados fossem devolvidos à sua propriedade a partir do momento em que se tornou óbvia a falência do projecto.
Na verdade, com a extinção do GAS, os expropriados tiveram esperança de reaver os seus terrenos, particularmente aqueles que nunca tiveram qualquer utilização - repito, que nunca tiveram utilização. Contudo, 60% dos prédios rústicos e urbanos, através da legislação promulgada, foram afectos a várias entidades completamente alheias ao propósito da expropriação.
O Gabinete celebrou protocolos com os municípios de Sines e de Santiago do Cacém com vista à transferência do seu património, subsequente à sua extinção, e o próprio Estado afectou parte importante deste património a organismos integrados na administração estadual, com suporte na redistribuição a estes organismos de competências e pessoal que pertenciam ao Gabinete.
A Direcção Regional de Agricultura recebeu em «herança» cerca de 11 000 ha de floresta e terreno agrícola, e o restante foi distribuído pela ENATUR - Pousadas de Portugal e pelas Câmaras Municipais de Sines e Santiago do Cacém.
Para além do património em si mesmo, estas entidades usufruem da venda de eucalipto, cortiça, resina e pinho. Esta direcção regional declara arrecadar em rendimentos anuais cerca de cerca de 160 000 contos, podendo alcançar os 250 000 contos com a comercialização da cortiça.
As câmaras municipais obtêm benefícios através da venda ou arrendamento de terrenos a particulares e a empresas privadas. É sobejamente conhecido, por aquelas bandas, o caso do terreno que a Câmara Municipal de Sines vendeu a uma empresa de supermercados: este terreno, expropriado pelo valor de 185 contos, foi vendido por 156 000contos, direitinhos para os cofres da edilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 28 anos depois do início das expropriações, verifica-se que os actuais possuidores dos terrenos privilegiam as actividades de lucro fácil. A limpeza de matas, pinhais, eucaliptais e montados não é feita ou não é feita convenientemente.
A actividade agrícola, por outro lado, é desprezada, com excepção daqueles casos em que os antigos donos, agora rendeiros dos prédios, a praticam.
Avolumam-se os casos em que tudo o que sobra está entregue ao abandono. As casas em ruínas, os campos descultivados, não existindo quaisquer intenções de recuperação ou planificação para essas áreas.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (a anterior Lei das Expropriações), muitos particulares viram aberta a possibilidade de peticionarem a reversão dos bens imóveis expropriados, dada a sua não afectação ao fim para o qual tinham sido expropriados.
Muitas famílias, nessa altura, reivindicaram a reversão dos terrenos junto dos tribunais. Outras houve que, por desconhecerem esta alteração da lei, nunca o fizeram.

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Este projecto de lei pretende dar a essas pessoas uma segunda oportunidade de exporem o seu caso perante o Governo e perante os tribunais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do direito de reversão, relativamente às expropriações realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/71, já deu origem a vária jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Numa breve pesquisa, contam-se 13 acórdãos.
De acordo com a jurisprudência dominante, o direito de reversão deve ser regulado pela lei vigente à data do seu exercício, razão pela qual o presente projecto de lei prevê que os expropriados pelo Gabinete exerçam o seu direito de reversão ao abrigo da actual lei das expropriações.
Ora, o direito de reversão foi consagrado inequivocamente, pela primeira vez, com o Decreto-Lei n.º 438/91, que previa o direito de reversão se o bem não fosse aplicado ao fim determinante da expropriação no prazo de 2 anos.
Como tal prazo se encontra esgotado, e existem particulares que deixaram passar a oportunidade para exercer esse direito, cria-se agora um prazo excepcional de um ano para o exercício do mesmo.
Isto porque se nota alguma indefinição sobre qual o facto determinante da contagem do prazo para o exercício do direito de reversão: se o momento a partir do qual se torna claro que o bem expropriado não será afectado ao interesse público determinante da expropriação, se o momento a partir do qual o direito de reversão é inequivocamente consagrado na lei.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciou sobre esta matéria, existem acórdãos que consideram que esses dois anos se contam a partir da data da entrada em vigor do anterior Código das Expropriações, enquanto outros acórdãos, embora minoritários, entendem que a Administração dispunha de dois anos para aplicar os prédios expropriados ao fim determinante da expropriação a partir da entrada em vigor desse diploma, e os particulares disporiam de mais dois anos, a partir do termo desse prazo, para exercerem o direito de reversão.
Quanto a nós, parece-nos que o momento determinante será quando se dá a extinção do Gabinete pelo Decreto-Lei n.º 228/89, de 17 de Julho, razão suficiente para se concluir que os bens expropriados, que não tivessem ainda sido aplicados àquele fim, já o não poderiam ser. Por este motivo, incluímos a disposição do artigo 3.º do actual projecto de lei.
Existem, no entanto, alguns bens que foram aplicados aos fins determinantes da expropriação antes da extinção do Gabinete, em 1989, ou seja, que foram adjudicados antes dessa data.
Ora, com a extinção do GAS, passou a ser óbvio que os fins determinantes da expropriação cessaram, o que legitimaria a reversão desses bens. Sucede que, em alguns casos, já terão decorrido mais de 20 anos sobre a data da adjudicação; mas não deixa de ser verdade que, com a extinção do GAS e consequente cessação do fim determinante da expropriação, se verificou uma nova adjudicação dos mesmos bens. Como os proprietários nesta situação merecem o mesmo tratamento dos outros, estabeleceu-se no n.º 3 do artigo 2.º que o prazo de 20 anos se contará a partir da última adjudicação.
Nesta matéria é necessário ter algum cuidado, dado tratar-se de uma matéria juridicamente muito sensível. No nosso projecto não prevemos, obviamente, que os bens que foram afectados e onde estão indústrias sejam revertidos. Nada disso - isso que fique claro!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas abrem essa possibilidade!

O Orador: - Não pretendemos isso.
Mas também não pretendemos que o tribunal se veja impossibilitado de apreciar esses casos. Os bens que estão ocupados não podem ser revertidos; só estão em causa os que o não foram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei pretende ser mais um contributo dos democratas-cristãos para a construção do Estado de direito em que todos devemos ambicionar viver. Estado ético respeitador dos princípios da igualdade e da proporcionalidade de que tantas vezes, nos tempos que correm, nos sentimos tão afastados. Porém, o CDS-PP tem a clara consciência de que a autoridade do Estado assenta na sua legitimidade, a qual é sempre tributária do respeito que quem manda demonstre ter pelos legítimos interesses dos administrados.
Eis o quadro de valores em que, neste e noutros casos semelhantes que surjam, como pode vir a ser a extinção da Siderurgia Nacional, o CDS-PP se movimenta. Adopta hoje e adoptará no futuro as iniciativas apropriadas a adequar o interesse público aos direitos dos cidadãos, que não podem ser limitados ou mesmo postergados para a consecução de fins particulares bem diferentes dos invocados para justificar as expropriações.
O bom nome do Estado que postula o acatamento da legalidade e da proporcionalidade exige das instituições esta opção.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, gostaria de lhe perguntar qual é a reacção da sua bancada relativamente ao parecer da 1.ª Comissão, que considera existirem duas ilegalidades no projecto de lei. Uma, porque se trata de um projecto com implicações financeiras e económicas, que só podem produzir efeitos com a aprovação do próximo Orçamento do Estado, não consagrando qualquer norma a salvaguardar a questão, o que fere, aparentemente, o projecto de inconstitucionalidade; outra, relativa ao prazo de entrada em vigor da lei, uma vez que o projecto diz que «(...) entra imediatamente em vigor», o que também parece não consagrar a legislação vigente.
Gostava, pois, de saber a opinião do Sr. Deputado Basílio Horta acerca deste parecer da 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, nós não concordamos com esse parecer. Aliás, o projecto de lei é uma lei e, como tal, não pode conter ilegalidades. Pode haver inconstitucionalidades, mas não é o caso.
O exercício do direito de indemnização é uma coisa e a aplicação e a entrega da indemnização é outra. Obviamente que, havendo aumento de despesa, esses casos só poderão produzir efeitos no próximo orçamento. Qualquer lei que esta Assembleia faça e que acarrete aumentos de despesas só poderá vigorar na lei orçamental subsequente.
Não vemos, pois, que o nosso projecto de lei contenha qualquer inconstitucionalidade, e ilegalidade ainda muito

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menos, porque essa não seria uma ilegalidade, mas uma inconstitucionalidade, que o nosso projecto não contempla.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (Manuel Baganha): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Basílio Horta mencionou que este era um intrincado problema jurídico. Eu não sou jurista, mas, já agora, permitia-me chamar a atenção para alguns aspectos do projecto de lei.
Em primeiro lugar, logo no preâmbulo, refere que o Gabinete da Área de Sines foi a entidade dotada de competência exclusiva para a execução de um projecto que visava, entre outros objectivos, a instalação de paióis para o apoio militar à guerra em África. Ora, que se saiba, e pelas informações existentes no Ministério da Defesa Nacional, nunca tal foi objectivo do Gabinete da Área de Sines, mas sim uma ideia de criação de pólos de desenvolvimento. De acordo com os estudos existentes na altura relativamente à utilização desses pólos, Sines seria o terceiro pólo de desenvolvimento a criar, para além das zonas de Lisboa e Porto.
Também no preâmbulo do projecto de lei se refere que foram expropriados 27 000 ha. Lamento, mas devo dizer-lhe que foram expropriados apenas 18 800 ha, dos quais 10 850 foram por comum acordo entre o Gabinete e os proprietários dos terrenos. E também lhe digo que, desses 18 800 ha, 2800 foram para a implantação de zona de indústria pesada, 2400 para a instalação do porto, 600 para o núcleo urbano de Santo André, 400 para a expansão do centro urbano de Santiago do Cacém, 1000 para instalações rodoviárias, ferroviárias e saneamento básico e 11 600 para área florestada e a florestar. Foi para estes fins que foram utilizados esses terrenos.
Não vou entrar em detalhes quanto ao articulado do projecto de lei, mas quero chamar a atenção para o seguinte: é referido, no artigo 2.º que é aplicável ao exercício do direito de reversão o disposto na Lei n.º 167/99. Lamento dizer que a Lei n.º 167/99 se refere ao acesso à actividade e ao mercado dos transportes de táxi - não sei o que é que isto tem a ver com o assunto em discussão! E o mesmo se diga em relação à citada Lei n.º 165/99, que tem a ver com áreas urbanas de génese ilegal. Presumo, e é nesse pressuposto que vou continuar a falar, que se pretendiam referir à Lei n.º 168/99, relativa ao Código das Expropriações.
Como o Sr. Deputado disse, a jurisprudência defende que a lei a aplicar é a que vigorava no momento da expropriação, o que significa que a lei que deveria ser aplicada era a que então existia e não nenhuma lei posterior. Por conseguinte, creio que, de acordo com os princípios da certeza e da segurança jurídica, não faz sentido vir agora alterar este aspecto.
Mas ainda quero chamar a atenção para um outro ponto, que tem a ver com o aspecto substancial do seu argumento. O seu argumento é o de que os terrenos expropriados foram utilizados para fins diferentes daqueles a que se destinavam e que a expropriação, em termos de reversão, se deveria reportar a 1989, data em que, tendo sido extinto o Gabinete da Área de Sines, todos esses terrenos não poderiam ser aplicados a outros fins.
Quanto a este aspecto, quero chamar a atenção para o facto de o Decreto-Lei n.º 487/80, de 17 de Outubro - altura em que, penso, o Sr. Deputado era membro do governo -, ter vindo alterar a filosofia da criação de um pólo de desenvolvimento urbano e industrial alternativo às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Este decreto-lei veio alterar o Gabinete da Área de Sines no sentido de passar a ser, essencialmente, um elemento de coordenação.
O facto é que, no artigo 4.º, n.º 5, desse decreto-lei se diz o seguinte: «O GAS promoverá a transferência para outras entidades dos empreendimentos que venham a exorbitar do desempenho das suas atribuições.». Em relação à competência do GAS, diz-se no artigo 5.º: «n) Proceder à aquisição dos terrenos e outros imóveis necessários à realização de trabalhos, bem como à execução dos planos, promovendo a respectiva expropriação, quando necessária; o) Proceder à cedência, de acordo com os regimes previstos na lei, dos terrenos necessários para os empreendimentos e actividades cuja execução ou iniciativa não fique a seu cargo;».
Por conseguinte, neste decreto-lei, que altera o funcionamento do Gabinete da Área de Sines, está expressamente consagrada a possibilidade de passagem dos terrenos do Gabinete para outras entidades, dados os objectivos em causa. Assim, penso que, face a este decreto-lei, e tendo em conta os princípios da segurança e da certeza jurídica, a questão da reversão não fará sentido.
Quero ainda referir, por exemplo - e vou apenas dar um exemplo, pois não terei tempo para os mencionar todos -, o caso das transferências de imobiliário que foram efectuadas para o IAPMEI. No Decreto-Lei n.º 6/90, de 3 de Janeiro, relativamente ao IAPMEI, está expressamente consignado que os prédios transmitidos nos termos do artigo 2.º (que se refere ao que é transmitido do ex-Gabinete da Área de Sines), devem continuar afectos à instalação de unidades industriais e ao estabelecimento de infra-estruturas e equipamentos de apoio. Ou seja, toda esta legislação vem apontar no sentido de que a questão substancial de os terrenos não estarem a ser utilizados para os fins a que se destinavam tem sido mantida em toda a legislação que permite a passagem para outras entidades.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, quero dizer-lhe que, de facto, há uma gralha no nosso projecto de lei, mas, se é só essa a sua argumentação, é a única coisa em que tem razão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E é muito pobre!

O Orador: - A argumentação é pobre, pois é a única coisa em que tem razão!
Realmente, é verdade, há um erro material: onde se diz «Lei n.º 167», deveria dizer-se «Lei n.º 168». Mas emenda-se já!
Em relação ao problema da instalação de paióis para militares, não vamos entrar por aí, mas poderíamos ir longe neste domínio, como noutros.
Só queria dizer…

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - E o Decreto-Lei n.º 487/80?!

O Orador: - O Decreto-Lei n.º 487/80?! Com certeza! Aí é que a sua confusão é grave! O Decreto-lei n.º 487/80 diz

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que podem ser transferidas para outras entidades as áreas que foram usadas para o fim em vista, não outras! O Decreto-Lei n.º 487/80 não podia consentir que um terreno expropriado por 185 contos fosse vendido por 150 000, nem podia consentir que um terreno expropriado para criar um acesso a uma fábrica de polímeros fosse, em vez disso, utilizado para fins turísticos! Tal não é possível!
O que está em causa, volto a repetir, não são os casos que foram resolvidos, mesmo os que o foram por consenso. É que o consenso pode ser dado para que aqueles terrenos sejam afectados aos fins que estavam em vista! Posso dar o meu consentimento, por um preço, se houver uma expropriação para um fim de utilidade pública; agora, se o fim não é de utilidade pública, mas de interesse particular, qual é a legitimidade do Estado?!
É só sobre isto que estamos a falar! Não queremos mexer nos terrenos que foram afectados, e bem, aos objectivos do Gabinete da Área de Sines - esses, estão fora de causa! -, mas sim aos que foram afectados a fins especulativos, pois isso é uma imoralidade!
Sr. Secretário de Estado, não se prenda com erros materiais, vá ao fundo das questões! Não se prenda com erros materiais, pois essa é uma posição extremamente negativa!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, não me estou a prender a erros puramente materiais, e quando lhe falei do Decreto-Lei de 1980 disse que me ia referir à substância.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Há vias de comunicação que transitaram! Isso está bem!

O Orador: - No entanto, a questão fundamental, a que também me referi, é a da certeza jurídica; a questão dos direitos de reversão também já passou e, inclusivamente, já houve, em determinado momento, um regime de excepção para os terrenos expropriados naquela área. Ou seja, as pessoas que eram titulares de terrenos na zona do Gabinete da Área de Sines já tiveram aquilo que a generalidade dos detentores de terrenos expropriados não têm: um regime excepcional!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Não é excepcional!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.

A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Junho de 1971, por acto legislativo, foi criado o Gabinete dos Planos da Área de Sines, entidade vocacionada para projectar e implementar a criação de uma plataforma industrial ligada a um novo terminal oceânico que funcionaria como alternativa aos pólos de desenvolvimento de Lisboa e do Porto.
O projecto em causa visava, fundamentalmente, a recepção e transformação de matérias-primas, essencialmente o petróleo, proveniente das ex-colónias e de outros países africanos e latino-americanos, bem como a instalação de paióis para apoio militar à guerra em África.
A dimensão do projecto, assente numa perspectiva irrealista, como mais tarde se veio a comprovar, exigia uma considerável área geográfica para a sua implantação, dado ser necessário instalar indústria pesada, infra-estruturas e equipamentos de apoio.
Assim, em 1972, o Gabinete da Área de Sines avançou com um rápido processo de expropriações nos concelhos de Sines e Santiago do Cacém. Alegando a utilidade pública e o interesse nacional, em menos de um ano haviam já sido expropriados 27 000 ha, o correspondente a cerca de metade da área necessária à instalação do complexo industrial. Com a revolução de Abril e, consequentemente, a independência das colónias a conjuntura nacional alterou-se substancialmente.
Porém, ao invés do necessário redimensionamento do projecto e da ponderação da viabilidade económica e política do investimento, as expropriações prosseguiram, sendo que, em 1985, atingiam um total de 40 000 ha, dos quais apenas uma parte (40%) se integrava nos objectivos propostos.
Em 1989, através do Decreto-Lei n.º 229/89, de 17 de Julho, o governo extinguiu o Gabinete da Área de Sines, reconhecendo a inviabilidade parcial do projecto, por força das alterações conjunturais e estruturais, determinadas por factores de ordem interna e externa.
O GAS era então considerado um organismo desajustado da realidade nacional, sobredimensionado e com competências que deveriam ser cometidas a outras entidades, públicas ou privadas; era um Estado dentro do Estado.
Contudo, previamente à extinção legal do Gabinete, havia já o governo reconhecido a inviabilidade do projecto e procedido a uma reafectação parcial do património a favor da administração central e local, o que logrou prosseguir sem considerar os particulares que, em nome do interesse público e de um fim determinado, haviam sido despojados dos seus bens.
Para além da circunstância de se terem promovido expropriações quando era já clara a falência do projecto, o reconhecimento público da insustentabilidade do mesmo, ao invés de reparar as injustiças criadas, serviu para que essas mesmas injustiças se tornassem cada vez mais gritantes.
Desde bens afectos a fins ou actividades que nada tinham em comum com os objectivos a prosseguir pelo GAS a património devotado ao abandono, de tudo um pouco aconteceu na triste história de um projecto de regime que havia sido apresentado como um desígnio nacional.
Com a aprovação do Código das Expropriações de 1991, muitos particulares viram consagrada na lei a possibilidade de exercerem o direito de reversão sobre o património expropriado e não afecto ao fim previsto ou invocado.
Todavia, o deferimento para o ano de 1992 da entrada em vigor do diploma veio introduzir alguma perplexidade interpretativa, suscitando-se dúvidas de aplicação, nomeadamente no que concerne ao início da contagem do prazo para o exercício do direito de reversão.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Este imbróglio legislativo, acrescido do facto de aos particulares lesados não ter sido dada qualquer informação ou prestado qualquer esclarecimento, levou a que a esmagadora maioria dos cidadãos expropriados ao abrigo dos interesses subjacentes à criação do GAS não exercesse os seus direitos.
Assim, reconhecendo a existência de facto de uma situação para a qual a mais elementar justiça recomenda reparação, o Partido Popular apresentou hoje o projecto de lei n.º 445/VIII, que estabelece um novo quadro legal para

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o exercício do direito de reversão e de indemnização quanto às expropriações realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/71, de 19 de Junho.
Os subscritores do projecto de lei em discussão propõem a consagração de um prazo excepcional para o exercício do direito de reversão quanto às expropriações efectuadas ao abrigo do diploma legal que criou o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, bem como a possibilidade de novação do direito à indemnização nas circunstâncias previstas no referido projecto de diploma.
Não obstante a justeza da iniciativa, torna-se necessário, em sede de especialidade, introduzir alguns aperfeiçoamentos e corrigir alguns erros de que o projecto enferma, bem como ultrapassar as dúvidas, aliás pertinentes, suscitadas quanto à constitucionalidade do mesmo.
É que os autores do projecto de lei, ao disporem, no artigo 5.º, a entrada imediata em vigor do normativo em discussão, não respeitaram a denominada lei-travão que impede a aprovação de iniciativas legislativas que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas previstas no Orçamento do Estado.
Quanto à outra questão suscitada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República no seu despacho de admissibilidade, a entrada imediata em vigor, encontra-se prejudicada pela questão da constitucionalidade, sendo certo que nenhum diploma pode entrar em vigor antes do dia imediato ao da sua publicação, salvo circunstâncias muito excepcionais de aplicação retroactiva.
Não obstante o carácter excepcional do diploma, de aplicação a uma situação específica e a um número determinado de destinatários, há que reconhecer que a lei deve também reparar erros do passado que o tempo e a evolução do Direito evidenciaram.
Assim, a esta situação excepcional pode e deve corresponder um tratamento excepcional que, afinal, visa repor a credibilidade do Estado como pessoa de bem, ressarcindo os particulares lesados que se viram despojados dos seus bens em nome de interesses públicos que não se concretizaram.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O PSD viabilizará a presente iniciativa legislativa, na convicção de que, ao fazer-se justiça, se restabelecerá a confiança dos cidadãos nos poderes públicos, contribuindo assim para o fortalecimento do Estado de direito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão que o CDS-PP aqui nos traz refere-se a um problema que tem três décadas: o dos expropriados do Gabinete da Área de Sines.
Esta questão, que tem três décadas, não se coloca só em relação ao universo daqueles que foram eventualmente afectados por uma utilização indevida dos bens expropriados para fins diferentes daqueles por que foram objecto de expropriação. Todos temos memória histórica e todos nos recordamos da intensa polémica que houve, na altura, em que muitos pequenos proprietários, por exemplo, se viram forçados, a troco de indemnizações pagas a «rastos de barato», a entregar os seus terrenos para o futuro Gabinete da Área de Sines, no quadro das decisões que o então governo de Marcelo Caetano tomou.
Como tal, as injustiças, a haver - e existem, seguramente -, não se confinam somente a este grupo de entidades e de pessoas que o CDS quer representar, com este projecto de lei, sendo, sim, um problema mais vasto e mais profundo.
Embora não seja jurista, devo dizer que não contestamos o facto de, em muitos dos casos das pessoas afectadas pelas expropriações do Gabinete da Área de Sines (seja pelas condições em que as expropriações forma efectuadas na época, seja pelo facto de, entretanto, como aliás é público e notório, algum desse património ter sido utilizado para fins diferentes daqueles de que foram objecto de expropriação), haver fonte e matéria de injustiça que mereceria reparação e que nenhum governo, ao longo destes 25 anos, incluindo aqueles em que o Sr. Deputado Basílio Horta participou, enquanto titular, resolveu na altura oportuna.
Portanto, a questão que agora se coloca não é a de um mero problema jurídico, até porque, em minha opinião, a Assembleia da República não pode funcionar como instância de recurso dos tribunais. Se há aqui problemas de ordem jurídica, eles devem ser resolvidos nas instâncias judiciais, e não ao nível da decisão política.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em minha opinião, o problema que, neste momento, se coloca aqui é outro: é que muitos destes prédios, deste património para o qual se pretende abrir um novo período extraordinário para solicitar a reversão, já faz parte da ordem patrimonial, da ordem jurídica das entidades que estão envolvidas.
Por muito que o Sr. Deputado Basílio Horta tenha, num aparte à sua intervenção, afirmado que não quer pôr em causa os terrenos que, neste momento, estão afectos à indústria, a planos directores municipais, a planos de urbanização, a verdade é que o vosso projecto de lei, a ser aprovado e cumprido, poria em causa isso mesmo. Portanto, lançaria o caos em toda uma segurança que está estabelecida, em todo um património que está consolidado, seja para a indústria, seja para as autarquias, seja para outras entidades.
O projecto de lei do CDS-PP, que, de facto, contém vários erros que já foram aqui apontados, abriria este caminho de instabilidade que, seguramente, não serviria a ninguém, designadamente nem aos próprios cidadãos que, neste momento, ainda se sentem lesados pela utilização do património para fins diferentes daquele para que foram expropriados.
É por isso, Sr. Deputado Basílio Horta que, da nossa parte, não podemos acompanhar o vosso projecto de lei. Mas sugerimos uma outra via, que é a via da negociação com o Governo, da negociação directa entre as estruturas representativas das pessoas afectadas e o Governo, e ainda, eventualmente, a do recurso às instâncias judiciais que seja possível para resolver uma questão que, a ser resolvida pela via que o projecto de lei do CDS-PP aqui traz, por certo lançaria completamente o caos em todo um património que está consolidado, em toda uma segurança jurídica que está adquirida pelas entidades que, em rela

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ção a essas áreas e a esse património, entretanto adquiriram direitos.
É esta a nossa posição.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta para pedir esclarecimentos. Dispõe de 2 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, imaginaria que o Partido Comunista Português não acompanharia este projecto de lei,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Imaginaria, mas nada tinha que imaginar!

O Orador: - ... mas que o não faça, Sr. Deputado Lino de Carvalho, por essas razões!
Se me permite, queria apenas esclarecê-lo do seguinte: os governos a que pertenci foram os governos de 1978 até 1983, com o Partido Socialista, e, nessa altura, a lei anterior ao Código das Expropriações aprovado em 1991 não tinha dado aos particulares a possibilidade de exercerem o direito de reversão. Só a partir desse momento é que a possibilidade de exercício desse direito ficou consagrada na esfera privada de cada pessoa, o que, antes disso, não era possível.
Segundo aspecto: há treze acórdãos, que tenho aqui comigo e que terei muito gosto em lhe facultar, que dão e concedem o direito de reversão, mesmo de reversão de algumas grandes áreas. Não me parece que tivesse havido perturbação no Gabinete da Área de Sines pelo cumprimento desses acórdãos. O que está em causa, Sr. Deputado Lino de Carvalho - e peço a sua atenção para isso -, não são grandes áreas de terreno, porque essas, é verdade, em grande medida, estão resolvidas. O que está em causa são centenas de pequenos proprietários, de alguns que estão a explorar a terra como rendeiros (que ficaram sem terras, embora, anteriormente, fossem seus proprietários) e que não tiveram acesso à lei... E é para esses que queremos dar um prazo de um ano.
Não estamos a ver em que é que esses casos, que os tribunais apreciarão caso a caso (não é automático), poderão afectar essa área. Se houver algum caso em que exista essa perturbação, o tribunal arbitrará uma indemnização; se houver casos em que os terrenos estejam abandonados - como estão muitos (o Sr. Deputado bem sabe que assim é) - serão devolvidos a quem tiver sido o seu antigo proprietário. Se existirem casos de terrenos, como há pouco referi, expropriados por 185 contos e depois vendidos por 150 000 contos, haverá lugar à indemnização respectiva. Quer dizer, o que é imoral - e o Sr. Deputado compreenderá que é - é essas pessoas, que foram desapossadas dos seus bens para um fim de interesse público, verem os bens afectos a fins particulares, alguns de natureza privada, puramente privada, sem nada poderem fazer!
Se este projecto de lei estiver errado, nós mudamos! Introduzimos as alterações que entenderem! Mas vejam a quem é que se está a fazer justiça! Se não for assim, permaneceremos numa situação de imoralidade que, seguramente, o Sr. Deputado, se bem o conheço, não pode acompanhar!
Portanto, Sr. Deputado, pode inviabilizar este projecto, mas, dessa forma, não resolve situações que carecem efectivamente de tutela. Poderá inviabilizar, mas, parece-me, não pelas razões que apontou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, o CDS-PP nada tinha que «suspeitar» sobre o tipo de intervenção que nós iríamos aqui fazer.
Não está em causa nenhuma questão de princípio. Inclusivamente, comecei por dizer que reconhecemos poder haver, neste processo - e há seguramente! -, casos de injustiça e de cidadãos maltratados e prejudicados. Não só estes, mas, como disse, aqueles que foram expropriados, eu diria quase à força, há 30 anos, e indemnizados, como sabe, a valores a «rastos de barato», como disse há pouco,...

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - … e que, portanto, se viram prejudicados.
A questão que coloquei é muito simples: é que uma parte de todo este património, mesmo se o património a que o CDS-PP se queira referir seja o pequeno património, o património de excepção, não é o que o vosso projecto de lei contempla…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É exactamente esse!

O Orador: - O vosso projecto de lei abre todo um dossier para todo o património que está já consolidado e é essa instabilidade que seria lançada nos planos directores municipais, no património sobre o qual estão fixadas indústrias, que nós entendemos ser um mau caminho, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Se quer emendar, emende!

O Orador: - Se esse era o caminho que queriam seguir, então o vosso projecto de lei deveria ter sido redigido de maneira mais cuidadosa e mais rigorosa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, vou cingir-me, até porque tenho pouco tempo, à objectividade dos factos, tal como a entendo.
Em primeiro lugar, durante o período do governo de Marcelo Caetano, realizaram-se uma série de expropriações atrabiliárias e discricionárias, incidindo sobretudo sobre pequenos proprietários pagos a «tuta e meia» para o projecto de Sines e, muitas vezes, pagos sem critério claro: os mais pobres e os mais fracos, a qualquer preço e os mais ricos, mesmo com critérios diferentes, a preços superiores.
Isto liquidou as hortas de Santiago de Cacém, que abasteciam aquela zona urbana, criou dramas pessoais tremendos em muitos pequenos proprietários da zona, com os quais tive a oportunidade de conversar durante a campanha presidencial. O que acontece é que muitas das propriedades expropriadas não foram utilizadas com qualquer

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fim de utilidade pública, ou seja, muitas delas estão hoje completamente ao abandono e muitas delas foram protocoladas com autarquias para fins que nada têm de utilidade pública e, pelo contrário, consubstanciam, por vezes, grandes negócios privados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - Portanto, o que se passa é que, à luz desta situação, existe, indiscutivelmente, por parte dos expropriados, ou dos familiares, herdeiros dos expropriados, uma expectativa legítima de justiça relativamente a propriedades, muitas delas pequenas propriedades, que foram retiradas e expropriadas atrabiliariamente e que hoje ou não têm utilidade alguma ou se preparam para ser utilizadas com fins inteiramente alheios, não só ao projecto da área de Sines, é a qualquer finalidade de utilidade pública.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, parece-nos que existe, sim, por parte dessas pessoas, o direito de reversão e o direito de novação da indemnização. Não reconhecer a existência desse direito, numa situação dessas, seria consagrar uma situação de grave injustiça relativamente ao passado.
Do nosso ponto de vista, o limite a este direito é, no entanto, claro: tem que se tratar de propriedades que não estão de maneira alguma afectas a finalidades de utilidade pública…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Tem toda a razão!

O Orador: - … e isso tem que ser absolutamente claro, sob pena de, naturalmente, estar-se aqui a estabelecer uma situação de grave confusão.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Vemos isso na especialidade!

O Orador: - Quem falou com as pessoas de lá e quem andou por lá também sabe que o Decreto-lei n.º 438/91, de 9 Novembro, foi um decreto-lei clandestino…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro, é verdade isso!

O Orador: - … destinado a que ninguém pudesse usar, realmente, do direito de reversão e de novação da indemnização: ninguém conheceu, os pequenos proprietários não conheciam, as pessoas do campo não sabiam,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Quem sabia, recebeu o dinheiro!

O Orador: - … ninguém lhes disse coisa alguma. Nna realidade, foram objectivamente enganados por esse diploma legal.
É, pois, claro que para se exercer justiça nesta questão também é preciso proceder à modificação dos prazos para que esses direitos possam ser exercidos. Nesse sentido, entendemos que existe um direito de cidadania, um direito social a ser reparado…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Só peço a mesma generosidade que, há pouco, foi concedida ao CDS-PP, um pequeno tempo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesta matéria não há o direito de exigir igualdade! Um abuso não justifica outro.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Não peço igualdade, peço só para terminar.

O Sr. Presidente: - Claro! Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Entendo, só para terminar, que há três importantes ambiguidades neste projecto de lei:…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muda-se!

O Orador: - … é inconstitucional; do ponto de vista do prazo de entrada em vigor, tem ilegalidades já suscitadas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República; e é ambíguo, como foi aqui dito, relativamente ao âmbito com que quer aplicar-se. Estes três problemas, do ponto de vista da nossa bancada, não impedirão, no entanto, uma aprovação deste projecto de lei na generalidade, com vista a proteger os direitos que são mais importantes - os direitos das pessoas, há muitos anos abusadas.
Nesse sentido, inclinar-nos-íamos por uma aprovação, na generalidade, do projecto de lei e por, posteriormente, se proceder a correcções na especialidade.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Com certeza!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças: - Sr. Presidente, queria apenas fazer alguns comentários.
Em primeiro lugar, gostava de sublinhar a estranha falta de memória do PSD relativamente à questão do Gabinete da Área de Sines e à questão dos respectivos terrenos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não se preocupe!

O Orador: - Preocupo, preocupo!
Por exemplo, em 1988, foi decidido pelo Decreto-lei n.º 134/88, de 21 de Abril, a transmissão para o domínio privado do Estado de toda uma série de habitações que estavam integradas no Gabinete da Área de Sines. Concretamente, foram afectas à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais do Ministério da Justiça para instalação dos funcionários do Estabelecimento Prisional Central de Pinheiro da Cruz.
Que eu creia, esse estabelecimento prisional não estava nos planos do Gabinete da Área de Sines e, por conseguinte, eventualmente, a aplicação do direito de reversão levanta-se também neste caso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vê-se logo que não é jurista!

O Orador: - Não sei porque é que é tão evidente que não sou jurista. O Sr. Deputado Basílio Horta disse que era

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para aplicações que não estavam de acordo com o que inicialmente... É o que está escrito no preâmbulo do projecto de lei, Sr. Deputado.
Mas gostava ainda de chamar a atenção para um aspecto muito importante, que tem a ver com o seguinte: o projecto de lei apresentado pelo CDS-PP abre a criação de um grave precedente para todas as situações. Por outro lado, há um aspecto para o qual eu queria chamar a atenção e de que ninguém aqui falou: é que, aquando da extinção do Gabinete da Área de Sines, existia uma dívida de 110 milhões de contos que foi transferida para a Direcção-Geral do Tesouro, ou seja, que o Estado assumiu, recebendo, em contrapartida, o património do Gabinete da Área de Sines, ou, nos casos como, por exemplo, o que acabei de referir, dos edifícios do…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pinheiro da Cruz!

O Orador: - … Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, o pagamento de rendas relativamente a essa utilização. Isto é, não podemos esquecer-nos de que o encerramento do Gabinete da Área de Sines, a alteração radical daquele que era o projecto de Sines, independentemente dos erros que possam ter estado no seu lançamento, acarretou para a Direcção-Geral do Tesouro, para o Estado, a assunção de uma dívida de 110 milhões de contos que, por conseguinte, teve como contrapartida o património que lhe estava afecto. É preciso não nos esquecermos disso!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, peço-lhe desculpa, porque lhe devia ter dado a palavra antes de a dar ao Sr. Secretário de Estado, mas, enfim, estou incluído naqueles que erram.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É uma grande virtude, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 445/VIII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do CDS-PP, que hoje está em discussão nesta Câmara, versa sobre o exercício do direito de reversão e de indemnização quanto às expropriações realizadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 270/71, de 19 de Junho.
O presente projecto de lei tem por escopo a consagração de um prazo excepcional para o exercício do direito de reversão quanto às expropriações em cuja declaração de utilidade pública tenha sido invocado qualquer um dos fins previstos no Decreto-Lei n.º 270/71, diploma que criou o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, destinado a promover o desenvolvimento urbano-industrial da respectiva zona, bem como, para certas situações, a novação do direito à percepção de uma indemnização.
Os proponentes pretendem atribuir aos particulares expropriados, a coberto do diploma supra referenciado, o direito ao exercício da reversão, dentro do prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente diploma, bem como salvaguardar o direito dos titulares de direitos inerentes a bens imóveis afectados por expropriação para qualquer dos fins ou objectivos mencionados no citado Decreto-Lei, de exercerem o direito de indemnização, nos termos gerais, quando os mesmos tenham sido novamente adjudicados a outras entidades públicas, desde que a adjudicação não tenha sido precedida de declaração de utilidade pública, validamente ratificada nos dois anos seguintes à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 228/89, diploma que extinguiu aquele Gabinete.
Com a extinção do Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, parte do património deste instituto público foi transferido para os municípios de Sines e de Santiago do Cacém e outra parte afectada pelo Estado a organismos integrados na administração estadual.
Entendem os autores do presente projecto de lei que o Estado português, uma vez extinto este Gabinete, devia ter procedido à restituição, aos seus primitivos proprietários, de todos os bens expropriados que não foram comprometidos na execução dos objectivos que presidiram ao acto de expropriação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Remonta ao tempo da fundação do Estado liberal de direito a garantia do direito de propriedade como direito fundamental do cidadão e já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão se consignava que «A propriedade sendo um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser privado dela, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada, o exigir de uma maneira clara e sob a condição de uma justa e prévia indemnização».
Entre nós, também a Constituição de 1820, no seu artigo 6.º, reconhecia que «(…) a propriedade é um direito sagrado e inviolável, que tem qualquer português de dispor à sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis (…)».
Hoje, o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa garante a todos o direito de propriedade privada, configurando-o como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, submetido ao regime do artigo 18.º. Isto não significa, porém, que este direito goze de uma protecção constitucional em termos absolutos, estando garantido apenas um direito a não se ser arbitrariamente privado da propriedade e a perceber uma indemnização em caso de desapropriação. Daí que o próprio texto constitucional preveja a possibilidade do recurso à expropriação, medida de ablação da propriedade de imóveis e dos direitos a ela inerentes.
Com o aparecimento do Estado social de direito, mais vocacionado para a realização de grandes empreendimentos públicos, o recurso ao mecanismo da expropriação por utilidade pública intensificou-se e daí a necessidade crescentemente sentida de um regime jurídico das expropriações ajustado a uma efectiva tutela das garantias dos expropriados. Isto, como emanação do Estado de direito decorrente da consideração da propriedade como direito fundamental dos cidadãos e de uma ideia de justiça que perfilhamos e que constitui para nós, socialistas, um valor referencial.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - As expropriações efectuadas para a prossecução dos objectivos previstos no já mencionado Decreto-Lei n.º 270/71 tiveram lugar quando vigorava, no nosso ordenamento jurídico, o Decreto-Lei n.º 845/76, que apenas permitia o direito de reversão quando o expropriado fosse uma autarquia local e a entidade expropriante fosse de direito público, o que deixava os particulares sem possibilidade aparente de recorrer à reversão.
Este diploma foi revogado com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 438/91, que consagrou a possibilidade de

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os particulares expropriados poderem exercer o seu direito de reversão, nos casos em que a Administração tenha dado uma outra finalidade aos bens expropriados que não a prevista na declaração de utilidade pública ou em que tenha cessado a aplicação a esse fim. Reconheceu-se, então, que a tutela do direito de propriedade exigia a consagração do direito de reversão a favor dos primitivos proprietários, se os bens não tivessem sido utilizados ou aplicados para o fim que esteve presente na declaração de utilidade pública justificativa da expropriação durante um lapso de tempo razoável.
Os titulares de direitos inerentes a bens imóveis afectados por expropriação para qualquer dos fins ou objectivos previstos no Decreto-Lei n.º 270/71, passaram, então, nessa altura, a dispor do direito à reversão nas condições previstas no artigo 5.º desse diploma, que entrou em vigor em 7 de Fevereiro de 1992.
Competia, então, aos expropriados requerer a reversão dos bens, dentro das condições estabelecidas no artigo 5.º daquele diploma, designadamente dentro do prazo de dois anos a contar da ocorrência do facto que a originou, sob pena de caducidade.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é que não!

A Oradora: - Está expressamente previsto no diploma!
Se não o fizeram, não é legalmente admissível que se pretenda agora, a posteriori, acautelar quem, por inércia, ignorância ou qualquer outra razão, não agiu como lhe era imposto e deixou caducar um eventual direito.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente! Acontece em muitos casos!

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Então, e o ouro nazi?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É como o Plano Mateus!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É isto o socialismo!

A Oradora: - Conforme se consagra no artigo 6.º do Código Civil «A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas». Isto aplica-se a qualquer cidadão deste País, por mais humilde que seja! A entender-se de outra forma, estaríamos a criar um precedente perigoso para o interesse da segurança jurídica, tido como um dos fins ou valores do direito, e a contribuir para situações de flagrante injustiça relativa.
Porque não, então, conceder-se também uma nova possibilidade aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho de reclamarem o direito a uma pensão que só não peticionaram por desconhecimento das normas jurídicas que lhe impunham um prazo para efectivar esse direito?!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por exemplo!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É uma situação diferente!

A Oradora: - Acresce que o facto de o património do extinto Gabinete do Plano para o Desenvolvimento da Área de Sines ter sido afecto a outras entidades da Administração Pública estadual ou transferido para os municípios de Sines ou de Santiago do Cacém não pode, por si só, significar que a destinação de utilidade pública que tais bens tinham, enquanto adstritos ao Gabinete, se tenha alterado.
A «mera sucessão de pessoas colectivas públicas na titularidade ou usufruição» dos bens expropriados «não implica necessariamente a mutação da destinação de tais imóveis - podendo perfeitamente a afectação destes a um determinado fim/objectivo de utilidade pública manter-se apesar da alteração subjectiva da entidade pública a cuja fruição os imóveis estão afectos».
Pelas razões enunciadas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a que pertenço, vai votar contra esta iniciativa legislativa, e fá-lo em nome da justiça e da afirmação do Estado de direito.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E da segurança jurídica, como é evidente! Muito bem!

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Senão, haveria uma nova instância de recurso, como disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado Basílio Horta?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, pretendo fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, se o Partido Socialista me conceder 30 segundos do tempo de que dispõe.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, concede 30 segundos do tempo de que dispõe ao Sr. Deputado Basílio Horta?

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, não está a ver que se trata de duas situações diferentes? É que, nesse caso, do indivíduo que tem um acidente de trabalho e deixa prescrever o prazo, é óbvio que… E digo-lhe o seguinte: para mim, há direitos pessoais imprescritíveis, mas essa é uma discussão que nos levaria longe.
Mas, mesmo nesse caso, a pessoa sabe que tem direito a pedir a indemnização! Agora, neste caso da expropriação, a pessoa está de boa fé, porque entende que a razão por que lhe tiraram a propriedade foi um fim de interesse público! A pessoa confia que o Estado é pessoa de bem e que quando lhe tira a propriedade é para um fim de interesse colectivo! A pessoa não pensa, não sonha que o Estado lhe tira a propriedade para um fim de interesse colectivo e depois a entrega a um supermercado ou…

Protestos do Deputado do PS Barbosa de Oliveira.

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É verdade! E acha bem? Isso é um Estado de direito?!
O que está aqui em causa é que há duas interpretações em relação ao prazo e não apenas uma, e o que este projecto de lei pretende é dar mais um ano de prazo para que as pessoas que não souberam, que são pequenos proprietários, alguns dos quais nem sabem ler, possam exercer o seu direito.
É que é completamente diferente a situação do trabalhador que sente que tem o direito e que deixa passar um prazo, pois tem um mau advogado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E isso também deve ter sido estudado por maus advogados!

O Orador: - Aliás, nesse caso, nem o Ministério Público actua bem, porque o deve fazer em sua substituição.
Agora, os pequenos agricultores que tinham um campo, que foram expropriados, que saíram dali, alguns dos quais são rendeiros e continuam a trabalhar lá… Quer comparar uma coisa com a outra?! Não é comparável! Era para isso que este diploma servia, não era para outra coisa! Mas não compare aquilo que é incomparável! É que, num caso,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
É que, num caso, estamos em presença do instituto da boa fé e o outro é controverso a todos os níveis.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa, mas tem mesmo de terminar, porque já utilizou o dobro do tempo de que dispunha.

O Orador: - Terminei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Ribeiro.

A Sr.ª Helena Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, antes de mais, os meus agradecimentos pela questão que me colocou.
Sr. Deputado, obviamente, tendo o direito de propriedade a tutela constitucional que tem e sendo equiparado a um direito análogo a um direito fundamental, competia já aos proprietários que foram expropriados, independentemente da entrada em vigor ou não do Decreto-Lei n.º 438/91, que veio expressamente consagrar o direito à reversão, terem pedido a declaração de inconstitucionalidade do anterior Código de Expropriações, que vedava a possibilidade do direito de reversão.

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vocês estão a brincar!

A Oradora: - Poderiam tê-lo feito! O Sr. Deputado sabe perfeitamente, tal como eu, que existem decisões do Tribunal Constitucional que declararam essas normas do anterior Código de Expropriações inconstitucionais. O que acontece é que nenhum dos proprietários expropriados se manifestou, não obstante esta situação da não afectação dos bens aos fins de utilidade pública que presidiram à expropriação já se tivesse verificado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 438/91. Por que não o fizeram? Por que não reagiram?
Por outro lado, Sr. Deputado Basílio Horta, não percebo o porquê do estatuto de favor que devemos conceder à ignorância desses pequenos proprietários e não relativamente a um miserável trabalhador, que ganha apenas 50 000$…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas é diferente!

A Oradora: - … e que, muitas vezes, nem sequer tem a consciência, tal como, se calhar, esses proprietários não a tiveram, de que tem um prazo-limite dentro do qual tem de procurar um advogado para exercer o seu direito.
Aquilo que aqui se coloca, independentemente das questões de justiça ou injustiça,…

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - … é uma questão de segurança jurídica, que é também um valor essencial à ordem jurídica. Portanto, trata-se de situações que estão estabilizadas, trata-se de situações relativamente às quais decorreram já prazos superiores aos prazos de usucapião e só agora é que se lembraram de vir peticionar o direito à reversão, quando já tiveram oportunidade de o fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª já não dispõe de tempo. Como é que vamos resolver este problema?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, também quero fazer uma pergunta à Sr.ª Deputada Helena Ribeiro, mas tenho de contar com a generosidade de alguém para o efeito, caso contrário…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a generosidade, normalmente, aplica-se em relação ao direito de resposta e não ao direito de formular esclarecimentos, porque, senão, nunca mais acabaríamos, uma vez que todos pediriam a palavra para mais um pedido de esclarecimento.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se não há ninguém que lhe ceda o resto do tempo de que ainda dispõe… Por exemplo, o PCP tem 17 segundos…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, não estou a pedir nenhuma… Se ninguém me cede tempo, não falo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não me leve a mal, mas terá de ser assim.
Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão do projecto de lei n.º 445/VIII.
Vamos agora proceder à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 322/VIII - Altera o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca (Lei n.º 15/97, de 31 de Maio) (BE).

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, ao apresentar este projecto de lei, visando alterar o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, tem como objectivo precisar e garantir os direitos que a própria legislação já consagrou.
Com efeito, a aprovação da Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, foi um avanço extremamente importante para os trabalhadores da pesca, porque, anteriormente, não havia uma lei que se aplicasse especificamente ao trabalho a bordo, estando, por isso, os pescadores sujeitos ao Regulamento de Inscrição Marítima (RIM), em alguns casos mais repressivo do que o próprio Regulamento de Disciplina Militar (RDM).
A Organização Internacional do Trabalho, por várias vezes, nas suas conferências, «emboçou» leis que fossem mais favoráveis para os trabalhadores da pesca, devido ao trabalho desgastante e penoso desta actividade.
Os armadores, mesmo com a aprovação do regime jurídico do contrato individual, tudo fazem para o não aplicar. A inspecção pouco ou nada intervém! Os tribunais não estão ainda preparados para os problemas deste sector.
O sector da pesca é ainda muito importante para a economia do País e a sua importância não é medida pelo produto interno bruto, pelo seu concurso para esse produto, mas pela persistência de uma tradição a montante de muitas outras actividades económicas e também concorrente para um sector alimentar que, quando se alterar uma filosofia produtivista e se orientar por critérios de desenvolvimento, terá ainda um espaço de maior expansão em Portugal.
Todos temos consciência da situação dos recursos pesqueiros, sabemos, à partida, que são um bem escasso, limitado e vulnerável, e não foi por se ter abatido, desenfreadamente, uma parte da frota, nos 10 anos de cavaquismo, que houve diminuição do esforço de pesca. Sucedeu precisamente o contrário: menos embarcações mas mais artes de pesca, mais dias de pesca intensiva e melhor tecnologia.
A defesa dos recursos está, assim, muito ligada aos problemas sociais dos trabalhadores da pesca. Isto, porque os homens do mar têm o seu salário em função daquilo que pescam e estão sujeitos ao mercado livre. Assim, é difícil a defesa dos recursos e a sobrecaptura é uma necessidade.
Também por esta razão, é necessário e urgente dignificar a vida do trabalhador da pesca. Este não pode continuar a ser considerado como um trabalhador de terceira, marginalizado e esquecido, só lembrado quando naufraga.
Se queremos que os jovens se sintam atraídos por esta actividade, temos de lhes garantir direitos sociais e de higiene e segurança no trabalho. Se não, teremos de perguntar onde estão os milhares de jovens que o FORPESCAS tem vindo a formar.
Os armadores dizem que têm falta de mão-de-obra, o que não é verdade. Dêem-lhes condições de trabalho dignas, que os profissionais aparecem!
A Lei n.º 15/97 não consagra o direito ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, remetendo-os para a contratação colectiva, sabendo-se que mais de 75% dos trabalhadores não estão abrangidos pela contratação colectiva mas apenas por contratos individuais de matrícula e, mesmo estes, quando existem! Estes trabalhadores não devem ficar em desigualdade em relação aos restantes trabalhadores deste País. Um exemplo: que subsídio de férias e de Natal ganham os trabalhadores de terra das empresas de pesca? Será de metade da sua remuneração? Estão sujeitos, como os pescadores, a uma parte fixa e a uma outra variável em função da percentagem do pescado? É claro que não!
No que se refere às questões relacionadas com a retribuição, e este é um segundo ponto das precisões que queremos fazer à lei aprovada em 1997, embora a lei estabeleça os parâmetros que deverão regular a sua definição, a sua aplicação em concreto carece de transparência para salvaguardar os direitos do trabalho face ao montante apurado nas vendas de cada navio. De facto, a prática tem revelado, infelizmente com alguma frequência, que existe uma discrepância entre o que o trabalhador recebe e o montante global das verbas apuradas pelo navio na quinzena ou no mês em causa. O que se passa é que o armador devia inscrever, na folha a entregar ao trabalhador, como é que calculou o apuramento da sua remuneração, tudo aquilo que a embarcação apurou no período respectivo, quer no que se refere à primeira venda em lota, quer no que diz respeito ao pescado congelado, cuja venda, crescentemente, é tratada directamente entre o armador ou o seu representante e o intermediário grossista.
Esta questão da transparência e clarificação dos contratos impõe igualmente que se altere o disposto na lei relativamente ao seguro por acidentes de trabalho. Trata-se, neste caso, da diferença declarada pelo armador entre aquilo que o trabalhador recebe efectivamente e aquilo que é comunicado à seguradora sobre a sua retribuição normal. Nesta situação, é claro que, em caso de acidente, quem pode sair prejudicado é o trabalhador, porque o seguro, necessariamente, apenas poderá repor a parte que é declarada como correspondendo à sua retribuição normal.
Por isso, entendemos que é de toda a justiça que os profissionais do mar, nomeadamente os da pesca, tenham os mesmos direitos que a generalidade dos trabalhadores deste País. Daí a apresentação das alterações que ora propomos e para as quais pedimos a vossa aprovação.
Há que clarificar, precisar e tornar realmente efectivos os direitos que foram consagrados pela lei de 1997, trazer dignidade, capacidade social e, inclusivamente, meios para ajudar ao desenvolvimento das comunidades piscatórias, para ajudar ao desenvolvimento daquilo a que, modernamente, chamamos o eco-desenvolvimento e que não está, de forma nenhuma, divorciado da aplicação de uma legislação de trabalho mais progressiva, mais avançada e, sobretudo, igualitária, formal e materialmente, em relação àqueles que são os direitos da generalidade dos trabalhadores portugueses.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto.

O Sr. Carlos Alberto (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 322/VIII, que se encontra em apreciação, apresentado pelos Deputados do Bloco de Esquerda, tem como principal objectivo «alterar o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca» (Lei n.º 15/97, de 31 de Maio), com o seguinte sentido e extensão: em primeiro lugar, consagrar, como dever do armador, a entrega mensal do recibo do salário ao marítimo, de acordo com o pre

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visto no artigo 29.º, e a obrigação de elaborar e manter actualizados os mapas de pessoal que, de acordo com a legislação em vigor, devem ser obrigatoriamente enviados às associações sindicais do sector; em segundo lugar, estabelecer que o montante a pagar pelo armador, relativamente ao período de férias e ao subsídio de Natal a que o marítimo tem direito, corresponde à manutenção prevista no artigo 27.º; em terceiro lugar, consagrar também, segundo o projecto do Bloco de Esquerda, o direito dos trabalhadores da pesca ao subsidio de férias, cujo montante é equivalente à retribuição de acordo com o disposto no artigo 27.º; em quarto lugar, estabelecer que o documento do salário a entregar ao marítimo deve mencionar, para além dos elementos indicados no artigo 29.º, o valor bruto da venda do pescado efectuado no período correspondente, na base do qual se calcula a percentagem do valor que é devido ao trabalhador; em quinto lugar, estabelecer, para o armador, a obrigação de efectuar um seguro para as situações de incapacidade temporária do trabalhador, resultante de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, com base na retribuição definida nos termos do artigo 27.º.
Prevê ainda o projecto de lei do Bloco de Esquerda que, sempre que a seguradora não cubra a totalidade da retribuição do trabalhador, equivalente à retribuição normal auferida pelos restantes trabalhadores, seja o armador a cobrir o restante em falta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda reconhece que a aprovação do regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca «Foi um passo muito importante para os trabalhadores da pesca, porque não havia uma lei que se aplicasse especificamente ao trabalho a bordo, (…)» e que «(…) mais de 75% dos trabalhadores não tinha direito a férias, (…) subsídio de Natal. Mesmo hoje (…) a maioria dos trabalhadores da pesca não está abrangida pela contratação colectiva, mas apenas por contratos individuais (…)». Sustenta o Bloco de Esquerda, para a apresentação deste projecto de lei, que existem «(…) algumas imprecisões que a prática tem revelado e que urge corrigir por forma a garantir plenamente os direitos que a própria legislação veio a consagrar».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Decreto-Lei n.º 49408/69, de 24 de Novembro, que estabelece o regime jurídico do contrato individual de trabalho - a chamada lei geral de trabalho -, não se aplica ao trabalho a bordo de embarcações de pesca, dispondo expressamente no artigo 8.º que «o contrato de trabalho a bordo fica subordinado a legislação especial».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao remeter para a legislação especial a regulamentação do trabalho a bordo das embarcações de pesca, o legislador veio reconhecer de forma expressa a especificidade que envolve a prestação de trabalho no sector da pesca. Nestes termos, foi aprovada a Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, que estabelece um regime especial aplicável ao contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca. O citado diploma legal estabelece as disposições normativas atinentes à prestação de trabalho a bordo das embarcações, nomeadamente quanto à definição do contrato de trabalho nos seus mais diversos artigos, que se inicia com a duração e formalidades a que deve obedecer este contrato de trabalho, terminando com as sanções aplicáveis por violações da lei.
No que concerne às matérias focadas pelo projecto de lei n.º 322/VIII, do BE, importa ter presente que as mesmas constam da disciplina jurídica aplicável ao contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca. Assim, no artigo 24.º da Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, reconhece-se expressamente aos trabalhadores da pesca o direito a um período anual de 22 dias úteis de férias com direito a remuneração, cujo montante é fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho. Já no artigo 28.º, o citado diploma legal confere ao trabalhador o direito ao subsídio de Natal, cujo montante é fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato individual de trabalho, não podendo ser inferior ao salário mínimo nacional.
Por último, atendendo aos riscos especiais da actividade piscatória, o artigo 33.º veio consagrar, sem prejuízo do seguro por acidentes de trabalho, que é obrigatório por lei, a obrigatoriedade do armador efectuar um seguro para os casos de morte ou desaparecimento no mar ou incapacidade absoluta permanente a favor do tripulante. O artigo 29.º, por seu turno, consagra que no acto do pagamento da retribuição deve ser entregue ao marítimo um documento onde constem o seu nome completo, o número de inscrição marítima, o número de beneficiário da segurança social e de contribuinte, o período a que corresponde o valor da remuneração, a importância recebida e os descontos e deduções efectuadas, assim como o montante líquido a receber.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face ao exposto, não se justificam as alterações que o Bloco de Esquerda pretende implementar com o projecto de lei n.º 322/VIII. Esta discussão permite-nos, no entanto, abordar uma temática já recorrente na Assembleia da República. Durante muito tempo, mais de três décadas para sermos rigorosos, os trabalhadores da pesca laboraram sob a égide de um edifício jurídico lacunoso, omisso e penalizador dos mais elementares direitos, situação que só com o Governo do Partido Socialista foi possível inverter.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Reconhecendo as especificidades, dificuldades e perigos inerentes ao desenvolvimento da actividade da pesca, o Governo do Partido Socialista assumiu, desde o primeiro momento, o compromisso de, no quadro de uma nova política para as pescas, promover a melhoria das condições de trabalho e segurança, a bordo e em terra, dos pescadores.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este compromisso, assumido e plasmado no programa eleitoral de 1995, seria concretizado em 1997 com a aprovação da Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, que instituiu o novo regime jurídico para os pescadores. Trata-se, pois, de um diploma legal que corresponde às justas e legítimas aspirações dos trabalhadores da pesca e suas organizações representativas e que constitui, hoje, um marco histórico na promoção e defesa dos seus direitos laborais, na justa medida em que, pela primeira vez, tiveram acesso a um vasto acervo de direitos que até aqui não tinham tido.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A consagração do dia 31 de Maio como o Dia do Pescador,

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enquanto data histórica da luta dos pescadores portugueses por melhores condições de trabalho e numa claríssima alusão à data da publicação da Lei n.º 15/97, é, por si só, reveladora do impacto que esta legislação teve junto das comunidades piscatórias portuguesas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelos motivos atrás aduzidos, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista rejeita liminarmente o projecto de lei n.º 322/VIII do Bloco de Esquerda, porquanto o mesmo, não partindo da necessidade de conciliar os interesses dos trabalhadores da pesca com os interesses do sector e das empresas, visa somente ferir de morte a paz social que actualmente reina no sector, com o objectivo de daí retirar dividendos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Alberto, o exercício algo romântico de auto-elogio socialista só lhe fica bem. No entanto, irei à substância daquilo que aqui nos trouxe.
De facto, não basta remeter-nos para a legislação toda, conhecemo-la, mas é preciso salvaguardar aqui aspectos da aplicação da lei que foi aprovada e que, inegavelmente, é justa e positiva. Sobre isto já estávamos conversados.
Em relação ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, ele é remetido para a contratação colectiva, e esta, neste momento, só atinge 25% dos trabalhadores do sector,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Menos!

O Orador: - … o que significa que 75% dos trabalhadores se encontram fora destas condições.
Com a situação que existe numa boa parte dos armadores, não vale a pena falar em contratos individuais de trabalho. Então, porquê recusar a imperatividade da lei, se isso seria natural e normalmente transposto para contratos de individuais de trabalho. Não haveria, portanto, motivo algum para recusar, à partida, a imperatividade da lei, dando, inclusivamente, outros meios aos tribunais para estes poderem apurar das condutas dos armadores, ou seja, das entidades patronais.
Por outro lado, concordo que, em sede de especialidade, poderíamos até fazer um trabalho relativo à questão das seguradoras, porque, tecnicamente, tem até alguma complexidade. Mas não me diga que, em relação a um dever de transparência sobre o cálculo do pescado vendido, a notificação que hoje é feita é cabal, transparente e suficiente para que o pescador, a partir dali, saiba exactamente qual é a quantia a que tem direito. Essa notificação não chega, e, portanto, nesse jogo do mercado há um sector que é mais fraco e um outro que é mais forte. Há quem tenha a informação sobre o montante da venda e há quem não a tenha. É certo que pode deduzi-la, em parte, mas não tem a realidade do montante apurado e da forma como foi calculado.
Finalmente, ninguém está a pôr em causa que a legislação para este sector seja um regime especial e não ao regime geral, mas nós também não estamos a propor que se altere e se transferira esta legislação e este regime especial para o regime geral. Logo, esta crítica não tem, manifestamente, a ver com os objectivos e os propósitos deste projecto de lei do Bloco de Esquerda. Mantém-se na mesma como um regime especial; há, no entanto, que assegurar, através da imperatividade da lei, alguns dos objectivos nobres que aqui foram aprovados com a Lei n.º 15/97 e que ainda hoje não estão consumados.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto.

O Sr. Carlos Alberto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, como sabe, o sector da pesca é um sector frágil no qual jogam várias forças.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Ah!…

O Orador: - O Sr. Deputado sabe muito bem que esta é uma matéria que já vem da anterior Legislatura e que levou, de facto, à tomada de posições de força dos sindicatos e dos armadores. Houve, depois, a possibilidade de conciliar as duas parte, e, por isso, neste momento, há paz no sector, pelo que não vamos agora criar problemas onde eles não existem!

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não há qualquer razão para VV. Ex.as apresentarem este projecto de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O sector está pacificado, e o que é importante aqui, e que o vosso projecto de lei desvaloriza, é a contratação colectiva. Por isso vamos, isso sim, todos em conjunto, forçar que haja de facto acordo com base na contratação colectiva! No entanto, o vosso projecto de lei faz «tábua rasa» da contratação colectiva, e é esta a questão de fundo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora falou verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Com tanta paz ainda vai ter uma guerra!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sector das pescas é um sector tendencialmente descurado e secundarizado, o que, todavia, não significa que a sua importância não seja decisiva para a economia nacional. Com efeito, existem, só em Portugal continental, cerca de 180 comunidades piscatórias ribeirinhas que constituem, mais do que uma fonte de abastecimento alimentar, um verdadeiro sustentáculo da vida daquelas pessoas, já que, no sector das pescas, 91% do total da frota nacional é composta por embarcações de pequena pesca até aos 12 m, o que corresponde a cerca de 63% do total da população matriculada na pesca.
Por isso, é imperioso o desenvolvimento deste sector, designadamente o incremento da competitividade, para o qual se exige uma frota adaptada aos recursos disponíveis, que são cada vez mais escassos. É fundamental a reestruturação, evitando-se a proliferação desmesurada de embar

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cações, privilegiando-se a segurança destas e dos seus tripulantes, a sua eficácia e, consequentemente, garantindo-se uma melhor retribuição a todos os intervenientes no esforço da pesca.
Sabe-se que neste sector predomina o baixo nível de formação dos trabalhadores, o que é confirmado pelo estudo sobre pescas e aquicultura em Portugal, realizado pelo Instituto para a Inovação na Formação (INOFOR) e apresentado em 11 de Abril, em Matosinhos. O quadro traçado neste estudo não é, propriamente, aquele que aqui nos foi apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto como sendo o de uma paz serena.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Às vezes há uns «foguetórios», mas há paz no sector!

O Orador: - Há paz?! Sim, toda a gente dormita nesta «paz» em que o Partido Socialista nos tem colocado!

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Eu falei de paz, não falei de sono!

O Orador: - O que há é uma paz podre, Sr. Deputado!
Segundo o estudo do INOFOR, que é feito por técnicos (não sei se são ou não socialistas), as características desta «paz» são as seguintes: envelhecimento e fraca qualificação dos recursos humanos; significativa redução do volume de emprego; ausência de estratégia para o sector; a maioria das empresas com uma postura de subsistência; empresas com uma relação muito ténue com a formação profissional; mais de 50% dos activos nunca frequentou uma acção de formação; fraco investimento na consolidação das competências; o número de formandos tem vindo a diminuir de ano para ano, sem qualquer apetência por parte dos jovens; a maioria das empresas não realiza o planeamento das necessidades de mão-de-obra; o recrutamento das empresas é pouco exigente; os níveis de produtividade são muito baixos e são fracas, muito fracas, as condições de trabalho. A frase é deste estudo.
Face a este panorama pouco animador, é de extrema importância estimular a profissionalização e valorização dos trabalhadores das pescas para que estas se possam tornar mais qualificadas e cativantes, assistindo-se a um rejuvenescimento do sector. Ora, a simples alteração de algumas disposições do regime jurídico de trabalho a bordo das embarcações de pesca poderá constituir um passo importante, mas será manifestamente insuficiente para os amplos objectivos de desenvolvimento sustentado do sector e da coesão social que lhe devem estar subjacentes. Na realidade, não basta conferir alguns direitos aos trabalhadores, já que há necessidade de melhorar significativamente as condições de vida do trabalho a bordo das embarcações, preconizar uma maior segurança e acompanhá-la, inevitavelmente, de uma apertada fiscalização. A reestruturação compreenderá medidas mais abrangentes, mais amplas, que suscitem uma maior concertação, um maior diálogo social e uma articulação plena entre todos os intervenientes - privados, administração das pescas, autoridades marítimas e portuárias.
O projecto de lei do BE, como já foi dito pelo Sr. Deputado Carlos Alberto, pretende abrir portas que já estão abertas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Agora já está de acordo com eles?!

O Orador: - Isto porque, tanto na legislação geral como na legislação especial para as pescas, já há muito daquilo que o Bloco de Esquerda vem preconizar. Por isto, não podemos deixar de dar razão ao Sr. Deputado do Carlos Alberto, que demonstrou que este trabalho do BE é mais para a televisão, é mais para ir às comunidades piscatórias mostrar o interesse deste partido por essas comunidades, «caçando» aí o voto, do que propriamente para o colocar no terreno jurídico. Efectivamente, este projecto de lei é um trabalho aligeirado, já que devia tomar em consideração a legislação que existe sobre a remuneração do 13.º mês e do 14.º mês, sobre o critério que já existe para o recibo do trabalho, sobre os seguros e, em suma, sobre todos os aspectos tratados. E não se diga que é por falta de contratação colectiva ou por haver um fraco poder de reivindicação nos contratos individuais de trabalho que os pescadores deixam de receber o que merecem ou que deixam de ser contemplados por aquilo que o BE aqui nos traz.
Digo, todavia, que este projecto de lei é um esforço, e não é por falta do voto do CDS que ficará prejudicada esta iniciativa.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, gostaria de manifestar o meu apreço pela intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, que achei extraordinária.
Por um lado, está contra o Sr. Deputado do Partido Socialista,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - No geral!

O Orador: - … porque, manifestamente, o sector das pescas e os direitos sociais dos pescadores estão a ser violentados e o sector das pescas não está a ser suficientemente modernizado; e, por outro lado, está de acordo com ele em relação aos instrumentos legais.
Por um lado, diz-nos que as nossas medidas são insuficientes, assim como quem diz que por merecer um «bife», não lhe dou um «prato de sopa»; e, por outro, vem dizer-nos que o que o Bloco de Esquerda pretende é passear-se, com a televisão, junto das comunidades piscatórias. Sobre isto quero fazer apenas um breve comentário: nasci à beira de uma comunidade piscatória, há muitos anos que percorro comunidades piscatórias, e, francamente, não seria do Partido Popular, cujo líder vai, frequentemente, com as televisões para bordo das embarcações de pesca, que eu gostaria de ouvir qualquer censura ou advertência deste género.
Parece-me que o Sr. Deputado Narana Coissoró, manifestamente, se enganou no alvo e no objecto desse comentário!
Mas, verdadeiramente, Sr. Deputado, não considera que seria bom e seria possível clarificar e precisar, pela imperatividade da lei, os aspectos que hoje não são salvaguardados pelos contratos individuais de trabalho? É esta a questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, tenho a impressão de que me não foi feita nenhuma pergunta em especial, porque o Sr. Deputado Luís Fazenda sabe que não tem razão naquilo que diz. Isto porque uma coisa é a fraqueza estrutural do sector das pescas e outra coisa são

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as modificações pontuais no contrato individual de trabalho, sob o ponto de vista normativo, jurídico.
Ora, o que eu disse é que o vosso projecto de lei não faz a menor alusão à debilidade estrutural do sector piscatório e à sua importância quanto à formação, à produtividade, à competência e ao rejuvenescimento dos trabalhadores, etc. Não faz nada! O que o diploma faz é trazer quatro ou cinco aspectos que os próprios autores do projecto de lei dizem ser irregularidades, como acontece com o diploma que, hoje, discutimos sobre a transferência de competências para as conservatórias, que é uma coisa pontual e simbólica. Até parece que a Assembleia erigiu o dia de hoje como o dia das modificações pontuais e simbólicas!
Com efeito, este projecto de lei, apresentado pelo BE, não traz rigorosamente nada de novo, sob o ponto de vista jurídico, para o contrato individual de trabalho. E sobre isto, estamos conversados!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, pois já não dispõe de tempo.

O Orador: - Agora, quanto ao querer aparecer nos telejornais, estamos de acordo, pois todos nós queremos tempo de antena! Quem é que não quer?!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vieira.

O Sr. Armando Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos em apreciação o projecto de lei n.º 322/VIII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, que altera o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo de embarcações de pesca (Lei n.º 15/97, de 31 de Maio).
Neste projecto de lei é explícita a intenção de, segundo os seus autores, corrigir algumas imprecisões que o regime jurídico vigente comporta.
É nosso entendimento que o projecto de lei em análise não se limita aquele objecto, contendo mesmo alterações substanciais ao regime em vigor, as quais, como adiante se explicitará, são susceptíveis de comportar efeitos muito negativos para a armação, juntando-se estes à conjuntura fortemente restritiva no sector pela rarefacção, cada vez mais preocupante, dos recursos haliêuticos, exigindo rigorosas medidas, para as quais é fundamental o empenhamento de todos os agentes.
Algumas dessas alterações não só não clarificam o sentido preciso dos dispositivos a que se reportam como resultam antes, por contraponto ao objectivo expresso, na criação de dúvidas e no lançamento de incertezas quanto à respectiva aplicação.
Por último, dir-se-á que o texto em termos formais carece em alguns pontos de rigor, mais parecendo tratar-se de um esboço ou de um texto inacabado de projecto, em que falta, desde logo, um dispositivo com a enunciação das alterações projectadas.
Consideramos, pois, que o projecto de lei é deficiente, de sentido negativo e inaceitável, como se constata na apreciação dos seus dispositivos na especialidade, que aduziremos seguidamente.
Para o artigo 7.º da Lei n.º 15/97, cuja epígrafe é «Deveres do armador», a proposta de lei do BE adita a alínea e), onde contempla o dever de o armador entregar ao marítimo um recibo de salário, o que já está consagrado em dispositivo autónomo, para o qual esta alínea remete, estando o mesmo dever também compreendido na formulação genérica da alínea d) do referido artigo 7.º, segundo a qual o armador deve cumprir as demais obrigações decorrentes da lei.
Assim, este dispositivo do projecto de lei é redundante e consequentemente desnecessário.
Quanto à alínea f) do artigo 7.º, que a proposta de lei adita, e que é relativa à legislação geral sobre os quadros de pessoal, referimos que o Decreto-Lei n.º 332/93, de 25 de Setembro, exclui da respectiva aplicação, entre outras, as entidades patronais que exerçam actividades de pesca, salvo quanto aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. De resto, os mapas devem ser enviados ao IDICT e às entidades representativas dos trabalhadores com assento no Conselho Económico e Social.
Considera-se, em consequência, que o dispositivo projectado não é aceitável e que a matéria não deve constar da lei em questão.
Quanto ao direito a férias a que se refere o artigo 24.º da referida lei, no âmbito do regime em vigor o n.º 1 deste preceito consagra o direito à remuneração das férias, mas remete o estabelecimento do respectivo montante para a contratação colectiva ou para o contrato individual de trabalho. Ora, o dispositivo proposto pelo BE impõe que esta remuneração se apure com base na retribuição do marítimo e estabelece como limite mínimo para o respectivo montante o valor do salário mínimo nacional.
Restringe-se, assim, duplamente, a faculdade de auto-regulamentação desta matéria, subtraindo às partes a possibilidade de ajustarem a respectiva regulamentação às características específicas da actividade, o que é susceptível de comportar sérios inconvenientes e reflectir-se mesmo na economia de alguns tipo de pesca.
Convém, aliás, ter presente que o artigo 27.º da Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, admite diferenças na composição da retribuição respeitante a cada tipo de pesca, prevendo que dela façam parte prestações, em espécie. Assim, o preceito projectado é também inaceitável.
Relativamente ao que é proposto para o artigo 28.º da Lei n.º 15/97, que é relativo ao subsídio de Natal, as considerações atrás formuladas, a propósito da remuneração das férias e do estabelecimento do respectivo montante por via da contratação colectiva, são de igual pertinência. Neste caso, é verdade que o Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, veio estabelecer o valor do subsídio correspondente a um mês de retribuição. Todavia, a Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, prevê um regime especial para o trabalho a bordo das embarcações de pesca, segundo o qual o montante do subsídio de Natal é fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho, com o limite mínimo correspondente ao valor do salário mínimo nacional.
Deve, pois, manter-se o regime especial, porque as condições da actividade são também especiais.
No que diz respeito ao que é proposto para o artigo 29.º, cuja epígrafe é «Documento a entregar ao marítimo», discordamos que o recibo do salário mencione o valor bruto da venda do pescado do período a que respeita. Aliás, poderá inferir-se esse valor com base na percentagem devida ao trabalhador.
Quanto ao artigo 33.º, que é relativo ao seguro por incapacidade temporária, permanente absoluta ou morte, o n.º 3 do projecto de lei apresentado fica prejudicado pelo n.º 1 deste dispositivo, que prevê expressamente a aplicação do seguro por acidentes de trabalho, obrigatório por

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lei. No âmbito do regime correspondente, estão reguladas as situações aqui previstas. Assim, discorda-se também desta previsão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas crescentes do sector pesqueiro não se devem tão-só à escassez de recursos mas também à errada política de investimentos e estratégia de desenvolvimento do sector.
Só com uma nova política, que não confunda medidas indispensáveis de protecção social com investimento, poderemos defender o sector. Só com medidas de protecção de recursos, que não podem ser dissociadas da imperativa limpeza da costa, defenderemos a reprodução das espécies e a consequente melhoria dos recursos haliêuticos, bem como a sobrevivência, a modernização e o fortalecimento do sector.
Contudo, estas medidas carecem de coragem, e, quanto a esta, já nada podemos esperar deste Governo e desta política de pescas.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Lei n.º 15/97, de 31 de Maio, que estabelece o regime jurídico do contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca foi, como é do conhecimento público, aprovada na sequência de uma iniciativa legislativa apresentada pelo PCP, na anterior Legislatura.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Olhe que não! Foi uma proposta de lei!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado Barbosa de Oliveira! Eu não sabia que isto lhe iria causar tão grande indignação, mas trata-se do projecto de lei n.º 82/VIII, de 6 de Fevereiro de 1996. Consulte as Actas!
A importância deste novo instrumento legal foi de tal relevância, que o dia da publicação desta lei passou mesmo a ser considerado como o Dia do Pescador e, como tal, comemorado por todo o sector.
A Lei n.º 15/97, sem prejuízo de imperfeições e formulações inadequadas que, no entender do PCP, acabaram por ser contempladas, constitui de facto um marco na luta dos pescadores pela dignificação da sua profissão, na luta dos trabalhadores da pesca pela consagração de direitos e de regalias, que, para a esmagadora maioria, não tinha qualquer enquadramento legal.
Como a vida cabalmente se encarregou de demonstrar, as razões então invocadas por alguns para se oporem ao estabelecimento de um enquadramento jurídico para os pescadores não tinham o menor fundamento. Os maus presságios e maus agouros que alguns, nesta Casa, então fizeram pairar sobre o futuro do sector, particularmente sobre o sector da pesca artesanal, caso os pescadores passassem a ter, tal como a generalidade dos trabalhadores em Portugal, uma legislação de regulamentação do seu trabalho, mostraram-se totalmente infundados. E apesar de infundados, voltam a invocar tais argumentos e tais maus presságios hoje, nesta discussão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já referi, e sem prejuízo do mérito global que a sua aprovação introduziu na legislação laboral em Portugal, o texto final da Lei n.º 15/97 acabou por contemplar algumas disposições e concepções da proposta de lei que entretanto o Governo apresentara, mas cujas soluções, em muitos casos, se afastaram das propostas mais rigorosas e mais transparentes previstas no projecto de lei n.º 82/VIII, de 6 de Fevereiro de 1996, apresentado pelo PCP, as quais haviam recolhido opinião favorável dos sindicatos e de todas as organizações representativas dos pescadores portugueses.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem lembrado!

O Orador: - Assim foi o caso das férias, cujo regime o PCP propusera dever ser regulado nos mesmos termos da lei geral; assim foi, também, o caso do subsídio de Natal, cujo valor propusemos dever ser equivalente a um mês de retribuição, sendo certo que esta nunca poderia, em nossa opinião, em nenhum caso, ser inferior ao salário mínimo nacional.
A lei remeteu estes problemas para uma regulamentação colectiva e um contrato individual colectivo que, como todos o sabemos - e, meus senhores, não sejamos como Pilatos! Não queiramos lavar as mãos dos problemas! -, não existe para a maioria dos pescadores deste País.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - Assim foi, igualmente, o caso do pagamento das obrigações decorrentes de incapacidade temporária resultantes de doenças profissionais ou de acidentes de trabalho que o PCP, então, contemplava de forma extensiva no seu projecto de lei e que, tal como as supra referidas propostas relativas às férias e ao subsídio de Natal, o PS não aceitou incluir no texto final da Lei n.º 15/97.
Apesar disso, volta a sublinhar-se, a Lei n.º 15/97 constitui, sem dúvida, um grande passo em frente na melhoria dos direitos e das regalias dos pescadores, para a qual o PCP se orgulha de ter contribuído decisivamente e em tempo oportuno.
Hoje, quatro anos depois da aprovação da Lei n.º 15/97, o Bloco de Esquerda retoma, no projecto de lei n.º 322/VIII hoje em discussão, algumas das propostas atrás referidas e, então, rejeitadas pelo PS.
Considera, no caso das situações de incapacidade temporária, que a retribuição a liquidar aos trabalhadores seja alternativa e cumulativamente assegurada através da instituição de um seguro contratualizado para o efeito e especificamente destinado a cobrir situações deste tipo, o que não nos oferece dúvidas.
Retoma também as formas para a determinação da remuneração de férias e do subsídio de Natal, com a observância de mínimos não inferiores ao salário mínimo nacional, respondendo e dando seguimento às propostas que, então, tínhamos formulado.
Propõe ainda que seja explicitado e documentalmente indicado o valor bruto da venda do pescado com base no qual a legislação actual já prevê a determinação da retribuição global a liquidar a cada trabalhador. Parece porém ao PCP que esta última é uma proposta que, apesar de ser aparentemente um dever implícito do armador, pode contribuir para uma maior transparência do processo de pagamento em numerário e igualmente das obrigações que dele

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decorrem quer para a segurança social quer para a determinação do valor, futuro, das reformas dos trabalhadores.
Mais uma vez, estamos perante observações do partido maioritário nesta Casa que funciona como Pilatos, que parece esquecer a realidade de um sector e que faz de conta que não conhece a fuga a esta realidade.
Em síntese, com a baixa à comissão deste projecto de lei para discussão na especialidade, pode estar encontrada uma via para melhorar alguns aspectos da actual Lei n.º 15/97, muitos deles alvo de propostas não contempladas na altura da sua discussão em 1997. Para essa discussão e para a obtenção dos consensos necessários para essas melhorias, está o PCP, ontem como hoje, inteiramente disponível.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 322/VIII, vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 244/VIII - Estatuto do voluntariado jovem (PS).
Para apresentar o projecto de lei, em nome do seu grupo parlamentar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Voluntariado é, antes de mais, uma livre vontade sem constrangimentos, mas também uma decisão voluntária, apoiada em motivações e opções pessoais e sociais; uma forma de participação activa do cidadão na vida das comunidades; uma forma de contribuir para a melhoria da qualidade de vida, realização pessoal e uma maior solidariedade; uma forma de contribuir para dar resposta aos principais desafios da sociedade, com vista a um mundo mais justo, mais participado e mais pacífico; e uma forma de contribuir ainda para um desenvolvimento económico e social mais equilibrado e para a criação de mais empregos e novas profissões.
Este ano foi declarado pelas Nações Unidas como Ano Internacional para o Voluntariado. O projecto de lei que o PS traz hoje a esta Câmara é mais um contributo para o reconhecimento dos milhares de jovens que se dedicam ao trabalho de voluntariado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A solidariedade, enquanto partilha de direitos e deveres, deve ser assumida por cada um de nós no exercício da nossa cidadania activa. Cada cidadão é responsável pela construção de uma sociedade mais justa e solidária e colectivamente responsável pela construção de um projecto de humanidade, fundado nos valores da liberdade, da igualdade social, da dignidade humana e da paz.
A defesa e o respeito intransigente dos direitos humanos, mais do que slogan, tem-se imposto como uma acção de enorme relevância na comunidade internacional. A protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, individuais e colectivas, e a promoção dos direitos económicos, sociais e culturais não são apenas um compromisso de todos nós mas também os princípios estruturantes da actual comunidade internacional.
Por isso mesmo, o papel das organizações não governamentais na promoção, protecção e educação dos direitos e liberdades fundamentais tem sido exemplar. Hoje, mais do que no passado, as ONG são parceiros sociais indispensáveis à acção dos governos.
Este papel foi explicitamente reconhecido e realçado na Conferência Mundial de Viena sobre Direitos Humanos, cuja Declaração final afirma expressamente que a educação deve ter por objectivo o reforço do respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, cabendo aos Estados, em parceria com as ONG, desenvolver programas específicos e estratégias de divulgação e educação sobre os direitos humanos.
Em vários momentos da História mais recente da comunidade internacional e nacional, são os jovens que têm demonstrado a sua vontade em participar activamente na defesa da causa da solidariedade e na promoção dos valores e princípios, que todos ajudámos a construir nas últimas décadas.
Foi o reconhecimento do contributo que os jovens podem prestar na promoção dos direitos fundamentais que, na sequência da Conferência de Viena, os Ministros Europeus responsáveis pela Juventude consideraram como fundamental incentivar o serviço de voluntariado, recomendando «a promoção do serviço de voluntariado dos jovens, ao nível nacional e europeu, e o reconhecimento de um estatuto jurídico para os jovens voluntários que abarque a duração deste compromisso de voluntariado».
Foi também o reconhecimento do valor social imprescindível das acções de voluntariado que conduziu à Recomendação de 1994 do Conselho de Ministros do Conselho da Europa, a qual adopta o objectivo claro da promoção do voluntariado no plano nacional e internacional. É desta Recomendação que resulta, em 1995, no Luxemburgo, uma reunião de ministros europeus declarando-se a favor da existência de um estatuto do jovem voluntário e da elaboração de uma convenção sobre o exercício do voluntariado.
Em 1999, o Conselho da Europa elabora um projecto de convenção para a promoção de um serviço voluntário transnacional para os jovens.
Finalmente, já no presente ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas declara o ano de 2001 como o Ano Internacional do Voluntariado.
É, pois, para assinalar a importância desta Declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas, dando cumprimento a todas as recomendações internacionais assinaladas, que surge este projecto de lei.
Aliás, o Governo adoptou já uma série de outras iniciativas nesta matéria, das quais permitam-me que destaque apenas duas: em 1998, a aprovação da Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado - Lei n.º 71/98 -, apresentada pelo Governo; em Maio do corrente ano, a Secretaria de Estado da Juventude apresentou o site do voluntariado jovem, que, em apenas num mês, foi visitado por mais de 0,5 milhões de portugueses e mais de 3000 jovens inscreveram-se já em projectos de voluntariado.
Em consonância com a Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado e complementar às iniciativas do Governo, a apresentação do estatuto do voluntariado jovem, assente nos princípios da solidariedade, cooperação, complementaridade e gratuitidade, é um dever desta Assembleia da República.
Este projecto de lei adopta uma noção ampla de jovem voluntário, não excluindo os jovens portugueses residentes no estrangeiro, nem os jovens não nacionais residentes em Portugal, atribuindo-se, assim, uma maior importância ao desenvolvimento das acções de interesse comum da humanidade, conforme consta do seu artigo 3.º.
Confere-se ainda neste diploma um conjunto de direitos aos jovens voluntários, que visam, por um lado, asse

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gurar as condições necessárias à prestação das acções de voluntariado, conforme decorre do seu artigo 7.º, e, por outro, contribuir para uma cada vez maior adesão a este tipo de programas, conforme decorre do seu artigo 9.º.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aprovar este projecto de lei é dar um sinal claro de incentivo a que a solidariedade integre o conceito de vida das camadas mais jovens da sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, este projecto de lei, na sua globalidade, tem o nosso acordo, porque vem ajudar a regulamentar uma área fundamental na formação dos jovens. Achamos que esta participação no voluntariado faz parte de uma educação e de uma formação completa, e, portanto, este projecto de lei, mais pormenor, menos pormenor, que poderão, eventualmente, ser trabalhados em sede de comissão, merece o nosso acordo.
Mas, em relação ao artigo 7.º, n.º 2, alíneas c) e d), temos, de facto, algumas dúvidas. Quando se fala, na alínea c), na «Preferência, em igualdade de condições com outros candidatos, nos concursos de acesso à função pública para o desempenho de funções relacionadas com a formação obtida ou com as acções de voluntariado já desenvolvidas» e, na alínea d), na «Preferência, em igualdade de condições com outros candidatos, no concurso público de acesso ao ensino superior quando a duração da acção tenha sido de, pelo menos, um ano consecutivo», estes dois privilégios concedidos a quem tenha participado em acções de voluntariado poderão - e não sei se isto está ou não acautelado no projecto de lei -, colidir com outras leis já existentes, nomeadamente as que regulam os concursos públicos e o próprio acesso ao ensino superior.
Penso que a acção do voluntariado é uma actividade que enriquece o próprio curriculum ou a própria formação da pessoa que se candidata a um determinado lugar na função pública e deve ser tida em conta, obviamente, na entrevista e na sua formação e não necessariamente ser imposto como um requisito de preferência, porque pode dar lugar a uma certa tendência interesseira, que pode desvirtuar os verdadeiros pressupostos destas acções. Poderíamos correr o risco de, a certa altura, ter profissionais do voluntariado que, de uma forma perfeitamente programada, poderiam tirar benefício destas acções, prejudicando outros que, por uma razão ou outra, não tivessem essa participação.
Depois, no que se refere ao n.º 3 (por lapso, mencionado como n.º 2), se o jovem voluntário estiver no estrangeiro, esse facto pode, de alguma forma, prejudicar a sua carreira académica, mas não é referido aqui o caso do serviço voluntário ser prestado em Portugal, onde isso pode não acontecer, pois, se estiver a prestar serviço na Casal Ventoso no apoio a toxicodependentes, por exemplo, poderá continuar a sua carreira académica habitual e fazer os seus exames.
É sobretudo esta área dos direitos que queremos, de alguma forma, ver esclarecida.
E, já agora, só para concluir, o dever que está na alínea c), que fala…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Peço-lhe que conclua, pois já terminou o seu tempo e, como está inscrito para uma intervenção, não pode, no rigor do Regimento, juntar as duas figuras regimentais.

O Orador: - … em «Agir em conformidade com a defesa e promoção dos direitos e liberdades (…)», está subjacente à própria acção do voluntariado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Pinho, agradeço as considerações que fez a este projecto e quero, desde já, dizer-lhe o seguinte: estes direitos que foram introduzidos no n.º 2, alíneas c) e d), do artigo 7.º visam tão-só salvaguardar, de alguma forma, aqueles que se propõem a um serviço de voluntariado. Isto é, não devem ser prejudicados nos seus direitos pelo facto de estarem a participar numa acção de voluntariado, nomeadamente no que diz respeito aos direitos de acesso à sua formação e à sua educação.
De qualquer forma, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que é compromisso do Partido Socialista, obviamente em sede de comissão, poder estudar de que forma podem ficar salvaguardados os direitos dos jovens voluntários e reconhecido o estatuto e a dignidade social de quem promove um serviço desta envergadura.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Pinho.

O Sr. António Pinho (CDS-PP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discute-se hoje um projecto de lei que cria o estatuto do voluntariado jovem. Desde logo, terá de merecer da nossa parte a melhor atenção, pois, além de ir ao encontro de várias recomendações do Conselho de Ministros da União Europeia, o ano que percorremos de 2001 é o Ano Internacional do Voluntariado.
Estamos no final do mês de Junho e o que assistimos hoje é à passagem, mais uma vez, de um atestado de incompetência do Partido Socialista ao Governo. Assim, aquilo que deveria ser uma proposta de lei do Governo, nomeadamente da Secretaria de Estado da Juventude, é um projecto de lei de Deputados do Partido Socialista.
Não podemos, no entanto, deixar de reconhecer o valor do voluntariado, indo ao encontro da decisão das Nações Unidas, que consideraram o ano de 2001 como o Ano Internacional do Voluntariado. Esperava-se que, no mínimo, o nosso país se associasse, desde logo, a esta decisão, valorizando um quadro institucional mais favorável de políticas horizontais de estímulo e apoio ao voluntariado social.
O voluntariado é caracterizado pelas Nações Unidas como um serviço social, que não tem por motivação nem uma vantagem económica, nem uma remuneração pelo tra

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balho, nem uma carreira profissional e que se oferece gratuitamente a outrem.
Contra o egoísmo e o individualismo, que, infelizmente, vai caracterizando, em várias circunstâncias, a nossa sociedade, o Governo terá de fomentar a aprendizagem empírica, mas nunca descuidando o humanismo que deverá reger qualquer sociedade desenvolvida ou com pretensões a tal. O fomento do humanismo terá de ser um serviço gratuito. Mas a riqueza do voluntariado não é devidamente aproveitada - o voluntariado é uma fonte inesgotável de recursos constantemente renováveis.
No entanto, em Portugal, existem exemplos notáveis de voluntariado, como os bombeiros, os movimentos ecologistas, as associações juvenis, as associações de estudantes, entre tantos outros. Estes exemplos marcantes terão de ser a pedra de toque para o desenvolvimento do voluntariado português. Mas, ao contrário de outros países, em Portugal nem números existem sobre o voluntariado.
Assim, prova inequívoca da importância do voluntariado são os números, por exemplo, da França, onde as associações de caridade empregam 590 000 pessoas e 400 000 voluntários; na Alemanha, as associações de caridade empregam 1 milhão de cidadãos e 1,5 milhões de voluntários; na Irlanda, cerca de 35% da população adulta presta regularmente serviços de voluntariado; em Itália, existem cerca de 273 000 voluntários; na Suécia, 28% da população em cada ano presta serviço de voluntariado; em Inglaterra, as organizações voluntárias empregam 485 000 trabalhadores pagos; na Coreia do Sul, cerca de 4 milhões de pessoas contribuíram voluntariamente com 451 milhões de horas no ano de 1999 e o valor económico do seu trabalho voluntário superou os 2 biliões de dólares; e nos EUA cerca de 56% da população é ou já foi voluntária.
Mas em volta das propostas das Nações Unidas, algumas delas elencadas no projecto de lei do PS, é possível congregar um largo consenso. Espera, no entanto, o PSD, que este ano seja inequívoco do desenvolvimento do voluntariado e que o Governo, porque é da sua competência, aplique as recomendações que ele próprio presenciou em diversos encontros internacionais.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Convém lembrar! Convém lembrar!

O Orador: - Espera o PSD que o Governo não fique uma vez mais pelas comemorações.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - É o costume! É o costume!

O Orador: - No que concerne ao projecto de lei em discussão, não pode o PSD deixar de referir que 2001 é o ano que antecede a entrada da moeda única e, como tal, faz todo o sentido incluir nas acções de voluntariado acções de informação sobre o euro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedro Correia.

O Sr. João Pedro Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, de facto, é notável o esforço que VV. Ex.as têm sempre de fazer…

O Sr. António Capucho (PSD): - Não é difícil!

O Orador: - … para dizer que alguma coisa não está bem, porque fazem mesmo esforço para dizer mal.
Se V. Ex.ª visitasse o site www.voluntariadojovem.pt, aperceber-se-ia, em concreto, das iniciativas que o Governo tem sobre esta matéria, e um conjunto delas foram programadas para este anos, mas já vinham de tempos atrás.
Digo-lhe mais: temos muito prazer nesta colaboração estreita que temos com o Governo e ninguém tira iniciativas a ninguém; pura e simplesmente, há gestos de complementaridade que têm, efectivamente, a ver com a mesma política, que praticamos com muito gosto.
Eventualmente, VV. Ex.as, noutros tempos - desculpem, mas o passado deve ser chamado para estas coisas -, quando o vosso governo pôs o voluntariado também em cima da mesa, deviam ter estado atentos para o obrigar a cumprir aquilo que não cumpriu, regulamentando as leis que devia ter regulamentado. Se, nessa altura, tivessem estado atentos, eventualmente, a parceria teria sido bastante diferente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, apesar de eu ser o Deputado mais novo do PSD, lembro-me da herança que o Sr. Deputado referiu e que quem criou o IPJ foi o PSD, quem criou o serviço de voluntariado foi o PSD. Mas sei que quem acabou com os Jovens Voluntários para a Solidariedade foi o PS e o Governo do Partido Socialista, que, em 1999, a meia dúzia de dias das eleições, prometeu um largo subsídio para as associações juvenis, estas comprometeram-se com várias despesas, e, logo a seguir às eleições, o Sr. Secretário de Estado resolve requalificar o programa - e estamos em 2001 e o programa continua a não existir. Portanto, a herança será para os próximos face à vossa desastrosa governação.
Como tal, achamos, convictamente, que o PS tem todo o direito de ter iniciativa sobre esta matéria, mas cabe ao Governo - e estamos em Junho, estamos a meio do ano… Além do site que o Sr. Deputado referiu, consultei também as associações juvenis e muitas delas utilizaram uma expressão curiosa, que vou aqui reproduzir: a Secretaria de Estado da Juventude, muitas vezes, «nacionalizou» as suas iniciativas nesta área! O que eu vejo é que, em vez de a Secretaria de Estado da Juventude ter uma iniciativa própria, um calendário próprio e uma agenda própria, «nacionaliza» actividades que são de outros e, em vez de os promover, em vez de os ajudar, retira-lhes as actividades e retira-lhes a iniciativa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Botelho.

A Sr.ª Margarida Botelho (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ninguém pode ignorar que o associativismo é uma das grandes riquezas do nosso país e uma verdadeira escola de democracia. Na sua actividade parlamentar, o PCP tem apresentado um conjunto de medidas que visam estimular e apoiar as várias expressões do movimento associativo português, seja ele juvenil, local, cultural, desportivo, de solidariedade, etc. Encaramos o vo

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luntariado como uma das formas de associativismo juvenil, embora da leitura deste diploma fique claro que não é este o entendimento do PS.
A adopção de um estatuto social para o voluntariado relativamente a vários tipos de associações ou de dirigentes não é inédita. Há diversas situações que o direito português já prevê: o estatuto dos eleitos locais, dos dirigentes sindicais e das comissões de trabalhadores, dos bombeiros, dos dirigentes das federações desportivas, das associações juvenis e estudantis e, mais recentemente, existe um enquadramento jurídico do voluntariado que prevê alguns direitos aos voluntários, independentemente da idade.
Sabemos da dificuldade que existe no exercício concreto destes direitos. Ainda recentemente, numa visita da Comissão Parlamentar de Juventude e Desporto a Santarém, os dirigentes associativos juvenis da região referiam não existir nenhum jovem a usufruir deste estatuto no distrito, situação que infelizmente se repete um pouco por todo o País, com vários direitos consagrados na lei e a quem escolas, empresas e Estado colocam sucessivamente obstáculos intransponíveis.
E há, de resto, vários sinais contraditórios dados pelo Governo e pelo Partido Socialista, que, ao mesmo tempo que propõem estas vagas medidas de estímulo ao associativismo, depois, e no concreto do quotidiano, respondem, como respondeu o Ministério da Cultura à Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, que financiam apenas «a actividade cultural de âmbito profissional». Para já não falar do Ministério da Juventude e do Desporto, que tarda, através do IPJ, em entregar as tranches de apoio ao associativismo juvenil e que já avisou que haverá, no mínimo, congelamento das verbas para esta área no próximo Orçamento.
Há uma crítica mais global que tem de ser feita a este diploma e que se prende com a excessiva orientação internacional que tem. Parece-nos que orientar estes direitos dos voluntários, hoje aqui discutidos, excessivamente para determinado tipo de projectos pode ser redutor e criar hierarquias de voluntariado.
O PCP já defendeu nesta Assembleia apoios concretos ao associativismo juvenil que potenciam uma visão mais ampla do voluntariado. Recordo o projecto de lei n.º 363/VIII, do PCP, que, infelizmente, esta Câmara não viabilizou e que continha disposições prevendo que o Estado prestasse especial atenção ao associativismo juvenil desenvolvido em zonas de maiores dificuldades sociais para a juventude, nomeadamente onde existissem taxas de desemprego ou de precariedade juvenis especialmente elevadas, territórios educativos de intervenção prioritária, maior incidência de rendimento mínimo Garantido, desertificação e envelhecimento da população, concentração de cidadãos imigrantes ou de minorias étnicas, índices desiguais de desenvolvimento, etc.
Quanto aos direitos dos jovens voluntários, previstos no artigo 7.º, nomeadamente a formação e o pagamento das despesas inerentes à prestação do serviço em causa, há que tornar claro quem os suporta. Será o Estado? Se for, que fique explicitado que será uma verba saída do Orçamento do Estado. Caso contrário, e se os proponentes do projecto de lei pretendem que sejam as associações a suportar estes custos, convenhamos que estamos perante um presente um pouco envenenado.
Ainda no artigo 7.º, é necessário clarificar a que se refere a expressão «seguro de saúde». Se se referir ao voluntariado internacional, estamos de acordo; se a referência é o voluntariado em Portugal, não faz sentido promover um seguro quando existe o Serviço Nacional de Saúde…

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - … e quando a legislação já prevê que todos os trabalhadores sejam protegidos por um seguro de acidentes de trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Discordamos completamente com a preferência que é pretendida no acesso ao ensino superior. Os critérios de acesso são hoje meramente quantitativos, e parece-nos que a introdução de uma preferência deste género é, mais do que um direito, um privilégio que não podemos apoiar. Abrir esta excepção, de justificação para nós duvidosa, é abrir caminho a todo o género de pretensões. Um simples exemplo: porque é que um voluntário, que decidiu sê-lo, há-de passar à frente de um jovem que concluiu o secundário trabalhando e estudando, por motivos socioeconómicos? Não podemos ir por aqui.
Por tudo isto, o PCP decidiu abster-se neste projecto de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado jovem Rosado Fernandes.

Risos.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, visto o texto em debate, felizmente há aqui algo que diz «Agir em conformidade com a defesa e promoção dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano, e sempre no respeito pelas diferenças entre indivíduos, povos e culturas», porque (gostava de explicar isto aos meus queridos amigos do PS) voluntariado é uma coisa velha! Vários regimes totalitários utilizaram o voluntariado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E com sucesso!

O Orador: - Lembro os «balilas», lembro a Hitlerjugend! E devo dizer-vos que aqueles alemães que frequentaram a Hitlerjugend gostaram muito de lá estar: limparam florestas, andaram, muitas vezes, nus nas florestas - naquela altura também havia um grande amor pela natureza e um grande respeito pelos animais, por mais estranho que pareça! Hitler não fumava e proibia que se fumasse nas instalações do Partido Nazi! E era vegetariano! Vejam lá as imensas qualidades que ele tinha!
De facto, nesses partidos, havia depois uma preferência, em igualdade de circunstâncias com outros candidatos, nos concursos de acesso à função pública! Não há dúvida nenhuma! Isto é um processo totalmente totalitário!
Portanto, peço-vos benevolência para pensarem um pouco nisto porque isto vai criar - ao contrário do que pretende, com boas intenções, o documento - situações de desigualdade absolutamente chocantes.

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A verdade é que já tive alunos nos Estados Unidos da América que pertenciam ao Peace Corps, que de vez em quando era acusado de trabalhar intimamente com a CIA. Vejam bem que todos estes movimentos de juventude são sempre muito complicados! São sempre movimentos que, mal redigidos, mal concebidos, em geral, são interpretados como movimentos manipuladores das massas e, naturalmente, de aberturas de grandes horizontes e de grandes alvoradas para aqueles que querem fazer pouco mas que são extremamente voluntários!
Para mim, o voluntariado devia ser um movimento natural. Devia ser um movimento que surgisse da terra, quase que tónico! Em Portugal, não é, não temos tradição disso. As pessoas não gostam de trabalhar nas comunidades, as pessoas não gostam de trabalhar com os outros, as pessoas são extremamente individualistas. São! A maior parte das pessoas são! E refiro-me à generalidade das pessoas. Qualquer de vós peça ajuda a alguém e vai ver a resposta que recebe! Peçam que trabalhem convosco e verão a resposta que recebem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Os economistas ajudaram muito!

O Orador: - Peçam que se associem convosco e vão ver a resposta que recebem!
De qualquer maneira, é um documento positivo, se estiverem dispostos a modificar… Aliás, sei que a colega Ana Catarina Mendonça já disse que estaria disposta, mas pareceu-me mal que isto figurasse aqui, por escrito! Um pouco de pudor, às vezes, não fica mal a ninguém! Isto é um bocado exagerado: por ser voluntário, ter acesso à frente dos outros! Não é correcto! Embora eu não defenda o livre-cambismo nem o struggle for life como único ideal da minha vida, de qualquer modo, um pouco de mérito também tem o seu interesse!

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Só não gostei da parte dos nazis!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (Miguel Fontes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com o maior gosto que o Governo se associa a esta discussão a propósito deste diploma que, em boa hora, o Grupo Parlamentar do PS quis apresentar e que permite a esta Assembleia poder ter uma discussão extremamente relevante sobre este tema, num ano, como já foi por outros referido, em que comemoramos o Ano Internacional dos Voluntários.
Permitam-me que, de forma necessariamente breve, possa elencar aqui alguns aspectos que, a pretexto deste diploma, me parecem ser extremamente relevantes para esta discussão.
Desde logo, enquadrar do que é que estamos a falar quando falamos de voluntariado juvenil. Voluntariado é, por definição (e relembro que foi esta mesma Câmara que, em 1998, aprovou uma lei de enquadramento daquilo que se entende por voluntariado), uma actividade que não se substitui - caso contrário, seria altamente perverso - àquilo que é uma actividade remunerada, uma actividade profissional. Portanto, não estamos a falar daquilo a que alguns hoje chamam «sector social» como sector empregador.
Daí, julgo, a confusão feita há pouco pelo Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, quando, dando números do voluntariado, se referia basicamente a pessoas que estão empregadas. Ora, se estão empregadas, não são voluntárias, porque voluntariado é, na sua essência, uma actividade não remunerada. É isso que a lei, aprovada por esta mesma Câmara em 1998, define e que constitui, aliás, um consenso perfeitamente estabelecido em volta do que é o voluntariado - e o voluntariado juvenil não vai fugir a essa regra.
Mas o voluntariado tem, hoje, um papel essencial na sociedade portuguesa, nomeadamente o estímulo desse voluntariado junto dos mais jovens. Ele promove valores, que, julgo, são património de todos nesta Câmara, valores de participação e de solidariedade, valores, se quisermos, e em suma, de cidadania. Aliás, são, inclusivamente, aspectos tão relevantes que nos permitem, hoje, com grande facilidade, dizer que o facto de alguém abraçar uma experiência de voluntariado é altamente qualificante para o próprio percurso académico e formativo de quem o faz. Daí falarmos hoje da educação não formal como uma área extremamente relevante, complementar àquilo que são competências que se adquirem no sistema formal de educação e de formação.
Por isso, tudo o que venha reforçar o estímulo à participação dos jovens na sociedade portuguesa, nomeadamente uma participação voluntária, deve ser bem acarinhado, deve ser apreciado, pelo que o Governo vê obviamente com bons olhos esta iniciativa legislativa.
Mas permitam-me, até porque o Governo foi directamente interpelado nesta intervenção do Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, que possa dar alguns esclarecimentos, para não qualificar com outro adjectivo a minha intervenção.
O Sr. Deputado por certo estará um pouco desatento àquilo que tem sido uma profunda intervenção do Governo nesta área e que não começou, nem se esgotará, no Ano Internacional do Voluntariado, porque continuaremos a ser Governo por muito mais tempo e por muito que isso custe ao Sr. Deputado.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Por isso mesmo, gostava de dizer-lhe o seguinte: o Governo, neste domínio, criou, desde logo, uma comissão para a celebração do Ano Internacional do Voluntariado, presidida pela Dr.ª Maria José Rita, comissão essa que tem dinamizado, por todo o País, um conjunto de acções - e mal seria que esta Câmara a elas não se associasse e não lhes soubesse prestar o devido tributo e reconhecimento.
Por outro lado, este Governo criou um conselho nacional para a promoção do voluntariado, com acções muito concretas. Relembro que a lei de bases, já criada, já foi regulamentada pelo Governo do Partido Socialista, através de um decreto-lei de 1999, em que se definem, nomeadamente, alguns preceitos que a lei de bases já tinha anteriormente previsto.
Mas porque o Ministério da Juventude e do Desporto foi directamente interpelado, permita-me, Sr. Deputado, dizer-lhe que criámos este ano (foi lançado no dia 9 de Maio) um serviço, através das novas tecnologias - coisa a que também normalmente os Srs. Deputados, só de ouvir falar,

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têm alergia -, que se chama «www.voluntariadojovem.pt.». E para que serve este serviço? Simplesmente para pôr em contacto aqueles que, hoje, querem ser voluntários na sociedade portuguesa com aqueles que, hoje, necessitam da generosidade dessa mesma participação voluntária, os quais, muitas vezes, viviam de costas voltadas uns para os outros. Quantos de nós não conhecemos histórias de instituições que testemunham a dificuldade de ter acesso a pessoas que estejam disponíveis para essa participação desinteressada e generosa? E quantos de nós não conhecemos também muitos, nomeadamente jovens, que, tendo essa vontade de participação, muitas vezes não sabiam canalizá-la, pois desconheciam onde se dirigir?
E porque vale a pena falarmos, neste domínio, de números, permita-me, Sr. Deputado, que lhe dê apenas estes: em pouco mais de um mês, houve 1,2 milhões de visitas ao site; em pouco mais de um mês, inscreveram-se 4000 jovens como voluntários, disponíveis para essa participação; em pouco mais de um mês, já houve a integração de 800 jovens em projectos de voluntariado, de cruzamentos feitos entre essa disponibilidade para a participação cívica solidária, como se pretende com o voluntariado, e as necessidades das instituições.
Há, portanto, um grande equívoco, Sr. Deputado, ou uma grande desinformação - permita-me sem acrimónia que lho diga - na sua intervenção, ao não querer reconhecer a realidade que estes números evidenciam e testemunham.
Por isso, aquilo que gostaria de dizer, em nome do Governo, a pretexto deste diploma, é que o Governo continuará a trabalhar para promover aquela que entendemos ser uma área extremamente relevante para a promoção da integração social dos jovens, porque, ao contrário de outros, a nossa visão da promoção dessa integração social também se faz, também é possível fazê-la, assente em valores que têm a ver precisamente com a participação cívica, com a dádiva à comunidade, e não apenas em valores centrados no individualismo, no egoísmo ou numa competitividade desenfreada, que esquece o tal humanismo, a que, há pouco, o Sr. Deputado se referia.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Juventude, com todo o respeito, não posso deixar de fazer algumas referências ao seu discurso, até porque se dirigiu directamente a mim.
Já tinha ouvido o Sr. Primeiro-Ministro conotar o desenvolvimento português pelo número de telemóveis, mas ainda não tinha ouvido um governante atestar o desenvolvimento pelo número de consultas de uma página da Internet.
Sr. Secretário de Estado, nós não somos avessos às novas tecnologias; só que não nos reduzimos a elas. E se o Sr. Secretário de Estado fica satisfeito com 800 voluntários inscritos, as nossas metas estão muito além disso.
Por outro lado, ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado referiu acerca da minha intervenção, eu, além de ter referido que as associações que abraçaram o voluntariado empregam pessoas, referi também números concretos de voluntários. Repito: em França, empregam 590 000 pessoas mais 400 000 voluntários, na Alemanha, empregam 1 milhão de cidadãos mais 1,5 milhões de voluntários (quer dizer, 1,5 milhões não empregam, pelo que, no total, estamos a falar de 2,5 milhões de pessoas, na Alemanha, em torno destes programas).
Agora, o Sr. Secretário de Estado falou da profundidade destas mesmas medidas e, se calhar, o problema é esse: é que são tão profundas, tão profundas, que ninguém as vê!

Risos de Deputados do PSD.

Ora, se o Sr. Secretário de Estado se reduz a essa mesma actividade, estamos convencidos de que é pouco para a Secretaria de Estado da Juventude e, pelo menos, nós, PSD, exigimos e propomos muito mais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, quero apenas dizer-lhe - e aproveito também, porque há pouco não tive oportunidade de fazê-lo, para referir alguns aspectos relacionados com a intervenção da Sr.ª Deputada Margarida Botelho - que esta é uma área para a qual o Governo não acordou hoje.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Deve ser a única!

O Orador: - Gostava de dizer-lhe, Sr. Deputado, que, desde que somos governo, tudo o que diz respeito à participação cívica dos jovens tem uma história que é ímpar na democracia portuguesa. Por isso, o Sr. Deputado sabe que, nomeadamente, começando pela promoção do associativismo juvenil, onde, a título de exemplo, lhe digo que, hoje, apoiamos um conjunto muito significativo de associações - em 1995, eram cerca de 350 e, hoje, são 1200 -, fazemos um esforço notável para promover, apoiar e estimular a actividade dos próprios jovens. E isto, sem aquilo a que, porventura, há pouco, o Sr. Deputado se referiu incorrectamente como querendo nós (nem percebi bem a que se referia) nacionalizar as actividades das associações juvenis - não é isso o que fazemos. Apoiamo-las na sua autonomia, na sua liberdade, e aquilo que fazemos é, sobretudo, incentivar a que cada vez um maior número de jovens possa abraçar essa mesma participação cívica e social. E esta área do voluntariado é uma outra área para dar expressão a esses mesmos valores.
Por isso, estamos a lançar um conjunto de iniciativas, de que este site, gostava de dizer-lho, é, porventura, um exemplo que o Sr. Deputado não gosta de ouvir, porque é um exemplo de sucesso. É um exemplo de sucesso, porque, graças à existência deste site, há um número muito significativo de entidades que tiveram condições para o recrutamento de voluntários e um conjunto de jovens que puderam conhecer e abraçar projectos de participação cívica, que, de outro modo, teriam dificuldade em fazê-lo. Se isto não é concretizar, se isto não é fazer no concreto, não sei, então, o que será.
E é disso, com certeza, que estamos a falar quando somamos a promoção deste mesmo voluntariado com a promoção de uma política que visa, desde 1995, por parte dos Governos liderados pelo Eng.º António Guterres e pelo PS, de forma escrupulosa e sem que haja nenhum indicador em sentido contrário, o reforço do associativismo juvenil e estudantil.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para intervir, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.
A Sr.ª Deputada dispõe de 2 minutos e meio, sendo que lhe foi concedido 1 minuto pelo PCP.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, gostaria, obviamente, de começar por agradecer o tempo que me foi dispensado pelo PCP.
Queria deixar aqui duas questões muito claras.
A primeira é que a idade dá-nos uma experiência saudável,…

O Sr. António Capucho (PSD): - Nem sempre!

A Oradora: - … mas nem por isso é menos relevante o facto de eu conhecer, ou não, aspectos de voluntariado e também de ter, ou não, participado em acções de voluntariado. Foi por isso mesmo, por entendermos que há uma lacuna na legislação portuguesa quanto ao voluntariado e à promoção do voluntariado jovem, em termos de enquadramento jurídico, ainda que exista a lei que estabelece as bases do enquadramento jurídico do voluntariado, que considerámos que deveríamos apresentar um projecto para os mais jovens.
Por muito sonhadores que sejamos, como primeira subscritora do projecto de lei, congratulo-me - já o assumi nesta Câmara - que todas as bancadas tenham estado de acordo com a generalidade, essencialmente com a filosofia, do diploma. Por essa razão, poderemos, em sede de comissão, analisar as questões mais pequenas, mas não menos importantes deste diploma, para o melhorar; só que isto não invalida que estejamos todos preocupados.
Agora, há um aspecto que não quero deixar de referir neste Plenário - ainda que a esmagadora maioria dos Srs. Deputados já tenham ido embora, este é também uma espaço de cidadania - que é o seguinte: não é intenção do PS, nem da sua bancada, entrar em confronto com o Governo e muito menos disputar lugares com o Governo em matéria legislativa,…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa é uma boa notícia!

O Orador: - … porque, Sr. Deputado Carlos Encarnação, compete à Assembleia da República legislar.
Por isso mesmo, Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida, gostaria que os Srs. Deputados, quando discutem os diplomas, em vez de irem às questões transversais e às pequenas querelas fossem ao essencial da questão. E o essencial da questão é que todos concordamos que é preciso que os jovens portugueses tenham um estímulo, um incentivo e uma consciência mais solidária.
Daí que o estatuto do voluntariado jovem promova essa mesma cidadania activa e essa mesma partilha de responsabilidades por quem legisla, por quem está lá fora e promove as acções de voluntariado e por quem participa nelas. Também por essa razão, o estatuto tem uma preocupação com a dignidade social daqueles que participam e, sobretudo, uma preocupação intransigente com os valores da humanidade: a defesa dos direitos humanos.
Por isso mesmo, esta Câmara está de parabéns se aprovar este mesmo projecto de lei.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Onde é que está o sonho? Disso é que não a ouvi falar!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não a ouvi falar no Eng.º António Guterres. Olhe que o Sr. Secretário de Estado da Juventude falou nele!

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Para intervir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra Sr. Deputado. Dispõe de 1 minuto e meio.

O Sr. Ricardo Fonseca de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, serei breve, porque pretendo dizer apenas duas coisas.
Não aceito, até mesmo como cidadão, qualquer política, seja ela de um ministério, de uma Secretaria de Estado da Juventude, ou de outra qualquer, ou mesmo de uma associação, que se resuma a uma página da Internet. Julgo que é mesmo intelectualmente desonesto referir que todas as políticas de voluntariado jovem se resumem a uma página da Internet, por mais visitantes que tenha.
No que diz respeito à intervenção da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, tenho a dizer-lhe que estamos em Junho, portanto, o Governo tem capacidade para, se considerar esta matéria importante, trazê-la ao Parlamento, à respectiva Comissão, e debatê-la.
Estamos no Ano Internacional do Voluntariado, que está ser comemorado pelo Partido Socialista e pelo Governo a 19 de Junho. Obviamente, não podemos aceitar este tipo da atitude.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto: - Sr. Presidente, voltei a pedir a palavra, porque esta última intervenção do Sr. Deputado Ricardo Fonseca de Almeida merece ser respondida.
O Sr. Deputado deveria ser mais cauteloso quando presume a desonestidade intelectual dos outros, porque isso pode rapidamente ser devolvido a quem o diz. Nomeadamente, o Sr. Deputado não pode confundir aquilo que não sabe - vai-se lá saber por que razão - daquilo que o Governo fez com aquilo que o Governo não fez. Não sei se me explico:…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!

O Orador: - … o Governo fez, o Sr. Deputado é que não conhece! Mas isso não é um problema do Governo, é um problema do Sr. Deputado, que deveria - permita-me que lho diga - estar mais informado ao vir para esta discussão. Isto porque ninguém disse, e isso é que é intelectualmente desonesto, que a nossa política, neste domínio, se resumia a uma página na Internet.

Vozes do PSD: - Só falou nisso!

Página 3820

3820 | I Série - Número 97 | 20 de Junho de 2001

 

O Orador: - O que eu disse foi que o Governo apresentou a esta mesma Câmara, em 1998, uma proposta de lei que enquadra o voluntariado em Portugal e, em 1999, um decreto lei que regulamenta essa mesma expressão. Além disso, criou um Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado, que tem um conjunto de acções concretas que, pelo tempo que têm, me abstenho de as referir e uma Comissão para o Ano Internacional do Voluntariado.
Mas nós não confundimos efemérides com políticas. Nós não acordámos para o voluntariado porque, em boa hora, a Assembleia Geral das Nações Unidas quis consagrar este ano para promover o reconhecimento social. Isso é o mais importante e julgo que é aquilo que a todos une nesta Câmara e, com certeza, também o Governo: garantirmos, àqueles que estão na participação cívica desinteressada e generosa, que essa é uma participação que deve ser socialmente reconhecida e valorizada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão do projecto de lei n.º 244/VIII.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quarta-feira, com início às 15 horas, constando da ordem do dia o agendamento potestativo do projecto de lei n.º 420/VIII.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
José Carlos da Cruz Lavrador
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge Tinoco de Faria
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Rui Manuel Leal Marqueiro
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
António Paulo Martins Pereira Coelho
Domingos Duarte Lima
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José de Almeida Cesário
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
João António Gonçalves do Amaral

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
Fernando Alves Moreno
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

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