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Quinta-feira, 4 de Outubrode 2001 I Série - Número 8

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado
António José Carlos Pinho

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 101/VIII e dos projectos de lei n.os 491 e 492/VIII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara de uma mensagem do Sr. Presidente da República anunciando uma viagem de carácter particular a Milão, entre os dias 21 e 23 de Outubro p.f.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD), a propósito da sua recente eleição para Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, referiu a necessidade de alteração de alguns aspectos da vida parlamentar com vista a um maior prestígio da Assembleia da República, após o que os Srs. Deputados Francisco de Assis (PS), Bernardino Soares (PCP), Basílio Horta (CDS-PP), Fernando Rosas (BE) e Isabel Castro (Os Verdes), a título de pedido de esclarecimento, se congratularam pela sua eleição.
O Sr. Deputado Vicente Merendas (PCP) criticou a destruição do tecido produtivo que ameaça postos de trabalho e exigiu do Governo a uma definição de uma política económica que corrija a situação. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José António Silva (PSD), Basílio Horta (CDS-PP) e Barbosa de Oliveira (PS).
Foi debatido um recurso para o Plenário, apresentado pelo PSD, pelo PCP, pelo CDS-PP, por Os Verdes e pelo BE, do Despacho n.º 106/VIII/PAR, sobre a conclusão dos trabalhos da Comissão parlamentar de inquérito aos actos do Governo e da Administração no processo da Fundação para a Prevenção e Segurança, tendo sido rejeitado após se ter verificado um empate em duas votações sucessivas, conforme o artigo 107.º do Regimento. Intervieram, além do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), que o fundamentou, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), António Filipe (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Laurentino Dias (PS) e Miguel Macedo (PSD), que deu ainda explicações a propósito do direito de defesa da honra exercido pelo Sr. Deputado Laurentino Dias e de defesa da consideração da bancada exercido pelo Sr. Deputado António Braga (PS).

Ordem do dia.- Foram aprovados os n.os 82 a 105 do Diário.
A Câmara debateu, conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.os 464/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PS) e 404/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Reis (PS), Fernando Rosas (BE), António Filipe e Bruno Ramos Dias (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Fernando Seara (PSD), Isabel Castro (Os Verdes) e José Saraiva (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José de Mello e Castro Guedes
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 101/VIII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de propriedade industrial; projectos de lei n.os 491/VIII - Lei de Bases da Saúde (CDS-PP), que baixou à 8.ª Comissão, e 492/VIII - Restringe a aplicação do regime de liberdade condicional nos casos de crimes contra a vida, a liberdade e a segurança das pessoas e de outros crimes violentos (PSD), que baixou à 1.ª Comissão.
Foram também apresentados diversos requerimentos.
No dia 18 de Setembro - ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Hugo Velosa; ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; aos Ministérios da Administração Interna, da Reforma do Estado e da Administração Pública, das Finanças e da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado João Rebelo; ao Centro Regional de Segurança Social de Sintra, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Vicente Merendas; aos Ministérios do Equipamento Social e da Cultura e à Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, formulado pelo Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

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Na reunião plenária de 19 de Setembro - à Secretaria de Estado das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Luís Patrão; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Mário Albuquerque; ao Ministério da Saúde, formulados pelas Sr.as Deputadas Lucília Ferra e Natália Filipe; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Planeamento, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Direcção-Geral das Alfândegas, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Cardona; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes; à Câmara Municipal de Valongo, formulado pelo Sr. Deputado José Saraiva.
Nas reuniões plenárias de 20 e 21 de Setembro - ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Martins, Victor Moura e Vieira de Castro; aos Ministérios da Economia e da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes; ao Ministério da Juventude e Desporto, formulado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan; à Secretaria de Estado da Administração Local, formulado pelo Sr. Deputado Renato Sampaio; ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Margarida Rocha Gariso; ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Saraiva; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Eugénio Marinho; aos Ministérios da Administração Interna e da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Luís Cirilo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Virgílio Costa.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 24 de Setembro - Agostinho Lopes, nos dias 23 de Fevereiro, 10 de Agosto e nas sessões de 28 e 29 de Junho; Mota Amaral, na sessão de 14 de Março; Nuno Freitas, no dia 13 de Setembro; Maria Celeste Cardona, no dia 15 de Novembro; Telmo Correia, nas sessões de 26 de Janeiro e 26 de Junho; Ana Manso, na sessão de 21 de Fevereiro; Carlos Encarnação, no dia 13 de Março; Mário Albuquerque e Honório Novo, na sessão de 22 de Março; Ricardo Castanheira, no dia 17 de Abril; Gil França, na sessão de 10 de Maio; Miguel Macedo, na sessão de 17 de Maio; Heloísa Apolónia, na sessão de 18 de Maio e no dia 4 de Julho; Maria Eduarda Azevedo, na sessão de 30 de Maio; Herculano Gonçalves, no dia 18 de Junho; Isabel Castro, no dia 11 de Julho; Maria Manuela Aguiar, na sessão de 17 de Julho; Paulo Portas, na Comissão Permanente de 24 de Julho; Miguel Miranda Relvas, no dia 30 de Agosto.
No dia 25 de Setembro - Maria Celeste Cardona, no dia 21 de Dezembro e na sessão de 14 de Abril; Natália Filipe, Honório Novo e Odete Santos, nas sessões de 2 de Fevereiro, 23 de Março, 24 de Maio e 22 de Junho; Pedro Mota Soares, no dia 8 de Fevereiro; Machado Rodrigues, na sessão de 7 de Abril; Margarida Botelho, na sessão de 28 de Abril; e Lino de Carvalho, no dia 10 de Julho.
Foram ainda respondidos requerimentos, no dia 19 de Setembro, apresentados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, na sessão de 20 de Junho.
Em matéria de expediente é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, vou dar-vos conta de uma mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, que é do seguinte teor: «Tencionando deslocar-me a Milão em viagem de carácter particular, entre os dias 21 e 23 do corrente mês de Outubro, venho, nos termos do artigo 129.º, n.º 2, da Constituição, dela dar prévio conhecimento à Assembleia da República».
Fica dado o conhecimento previsto na Constituição.
Inscreveu-se, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite. Antes de dar-lhe a palavra, é meu privilégio felicitá-la pela distinção que recebeu dos seus colegas, elegendo-a para sua líder parlamentar. Desejo-lhe as maiores felicidades no exercício do seu novo cargo.

Aplausos gerais.

Sr.ª Deputada, nessa nova qualidade, tem a palavra para proferir a sua declaração política.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer a simpatia das suas palavras, bem como por agradecer aos meus colegas que me elegeram líder da bancada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a primeira vez que falo nesta Assembleia na qualidade de Presidente do Grupo Parlamentar do PSD. Devo dizer que encaro esta função como a mais importante tarefa política de entre todas as que já exerci.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Espero que o meu trabalho possa de alguma forma contribuir para a cada vez maior afirmação do PSD. Nessa medida, devo confessar que a minha maior ambição é a de vir a ser a última líder parlamentar do PSD na oposição.

Aplausos do PSD.

Mas também desejo sinceramente poder ajudar à dignificação do Parlamento, uma vez que estou consciente que a sua imagem pública não é de forma alguma compatível com a importância decisiva do seu papel na vida das instituições democráticas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Nessa medida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a primeira questão por que lutarei será a da alteração das nossas normas de funcionamento. A desactualização dessas regras e o seu desajustamento à realidade em muito tem contribuído para o alheamento a que têm sido votados os trabalhos que aqui se realizam. Não tenho dúvidas de que foi essa consciência que esteve na origem da iniciativa de alterar o Regimento da Assembleia da República. Essa alteração é um passo que considero decisivo para a melhoria e maior eficácia dos nossos trabalhos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - E a verdade é que já tudo está, há muito tempo, pensado, repensado e ultimado: foi constituído um grupo de trabalho que finalizou a tarefa que lhe foi atribuída; a 1ª Comissão dedicou longas reuniões e conseguiu importantes aproximações de posições.

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Agora, Srs. Deputados do Partido Socialista, não há mais ponderações a fazer, não há mais análises a aprofundar, não há mais temas a consensualizar; o trabalho preparatório está todo feito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há já muito que chegou a hora de avançar com uma proposta concreta, de a votar e de a pôr em execução. Já estão esgotadas todas as razões objectivas para adiar por mais tempo a sua concretização. Ninguém compreende o permanente deslizar de decisões sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - A partir de agora, Srs. Deputados do Partido Socialista, ou VV. Ex.as permitem que este projecto avance e se concretize, ou terão de assumir publicamente que o não querem fazer e por que o não querem, carregando com o ónus - mais um - de nada querer mudar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Por mim, farei o que estiver ao meu alcance para que a situação tenha uma boa solução.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a dignificação do Parlamento e da classe política não passa só pelos Deputados, passa também pela forma como o Governo se relaciona connosco. Ora, vamos entrar agora numa ocasião soberana para testar a forma como o Governo nos encara. Essa ocasião é a apresentação do Orçamento do Estado para o próximo ano. Trata-se da altura em que o Parlamento é chamado a intervir no desempenho da sua mais nobre função: a aprovação do Orçamento do Estado.
Ora, nos últimos anos, o Governo tem-nos tratado com o maior dos desprezos…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

A Oradora: - … porque, no fundo, na prática, tem pedido aos Deputados para votarem orçamentos que não contêm toda a verdade, porque encobre realidades que devíamos conhecer, porque assume encargos que não autorizámos, porque hipoteca recursos no futuro de que não sabe se algum dia o País disporá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ora, quando o Governo pede aos Deputados para votar orçamentos com estas características, está a pedir-lhes que se demitam dos seus mais elementares deveres.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Está mesmo a pedir-lhes que finjam que não percebem que estão a ser enganados. Está a pedir-lhes que aceitem ser joguetes nas mãos do Governo para que este possa tranquilamente continuar a seguir o caminho da irresponsabilidade, sem que lhe sejam levantados quaisquer obstáculos.
Se se quer credibilizar o Parlamento, tem de se começar por nele debater a realidade concreta, não a ficção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O Parlamento não pode aceitar participar numa prática política em que se pretende esconder os sintomas porque não se quer, ou não se sabe, tratar do mal. Só que o mal está à vista: a inflação a fazer perigar a nossa competitividade e um nível de endividamento externo sem paralelo nos restantes países europeus. E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é uma doença resultante do trágico dia 11 de Setembro, é um mal que já estava instalado e a minar a nossa credibilidade e possibilidade de nos aproximarmos da Europa.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - É verdade que estamos hoje envolvidos por uma onda de pessimismo, mas também é certo que nós próprios já nos tínhamos afundado.
É verdade que hoje estamos a ser rodeados por um ambiente de incerteza, mas também é certo que nós próprios já tínhamos perdido qualquer sentimento de confiança no futuro.
É verdade que hoje estamos atingidos por perspectivas de abrandamento económico, mas também é certo que nós próprios já estávamos a construi-lo.
Agora, perante um novo cenário internacional negativo, podem tomar-se dois tipos de atitudes: uma delas será a posição realista de nos tornarmos mais exigentes quanto aos nossos objectivos, reforçando as medidas necessárias à correcção dos nossos desequilíbrios; outra é a da irresponsabilidade, ou seja, a propósito do conflito internacional branquearmos os problemas internos, minimizarmos a urgência das reformas e cairmos na tentação de explicar o que está mal através de causas que nos são estranhas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Se assim for, pagaremos uma factura redobrada que, somada à crise internacional, terá o efeito de desastre interno. É que se já antes não havia tempo a perder, qualquer demora hoje torna-se num mal irremediável que apenas reforçará a responsabilidade de quem não actuar como deve.
Receio bem que o Governo venha a procurar nesta crise o alibi para as suas falhas. Se o fizer, rapidamente perceberá que há certos alibis que não têm como consequência provar a inocência de quem os invoca mas, em vez disso, precipitar a sua condenação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Este será um deles, o que nem seria grave se recaísse apenas sobre quem merece ser condenado.
O PSD tudo fará para que os portugueses não paguem os custos de uma tal irresponsabilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Francisco de Assis, Bernardino Soares, Basílio Horta, Fernando Rosas e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, mais do que para

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solicitar qualquer esclarecimento uso da palavra para a saudar. Mas permita-me que, em primeiro lugar, saúde o Sr. Deputado António Capucho, que até à semana passada exerceu funções de liderança parlamentar no seu partido, e que o saúde pela forma muito elevada como desempenhou as suas funções, pela nobreza de carácter, pelo invulgar sentido de Estado que em muitas circunstâncias manifestou.
Sr. Deputado António Capucho, estou certo que contribuiu fortemente, nestes dois anos, para prestigiar a Assembleia da República. Não posso, neste momento, deixar de salientar o contributo que, como líder parlamentar do maior partido da oposição, deu para a resolução de alguns problemas complexos que se arrastavam há algum tempo na Assembleia e para cuja resolução era essencial a contribuição dos dois principais partidos. Foi possível, devido à sua intervenção, resolver esses problemas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, quero saudá-la, naturalmente, pela eleição para a liderança da bancada do Partido Social Democrata e desejar-lhe as maiores felicidades.
De resto, a Sr.ª Deputada começou por afirmar que gostaria de ser a última líder parlamentar do PSD na oposição, o que de certa maneira é uma manifestação de fé na longevidade no exercício dessa função.

Risos do PS.

Portanto, Sr.ª Deputada, desejo-lhe muitos anos de vida como líder parlamentar do PSD. Mas devo dizer-lhe também que é uma das Deputadas mais prestigiadas da nossa Assembleia, por isso, naturalmente, é para todos nós, e para mim, como líder parlamentar do maior partido, uma honra tê-la hoje como colega no exercício dessas funções. Estou certo que também vai contribuir, tal como o seu antecessor, para que possamos manter uma relação serena e leal entre os nossos dois partidos, que são absolutamente estruturantes na vida política portuguesa e do nosso sistema partidário.
Quanto às questões que colocou, naturalmente, não quero hoje enfatizar as nossas divergências, pois teremos muitas vezes oportunidade de o fazer. Dentro de dias vamos discutir, no Parlamento, o Orçamento do Estado e, então, teremos oportunidade, uns e outros, com a presença do Governo, de aduzir os argumentos que sustentam as nossas diferentes perspectivas em relação ao assunto.
Quanto à questão do Regimento, devo dizer que da parte do PS há, naturalmente, como sempre houve, o maior empenhamento no sentido de garantir uma resolução do assunto em tempo útil.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esperemos!

O Orador: - Não o faremos, naturalmente, sob nenhum tipo de ameaça, nem parece que essa seja a forma mais adequada de nos entendermos; aliás, foi precisamente porque não seguimos por esse caminho nos últimos dois anos que conseguimos resolver muitas situações complicadas. Desse ponto de vista, a Sr.ª Líder Parlamentar do PSD tem apenas de inspirar-se no exemplo de quem a antecedeu no exercício das funções. Precisamente porque preferiu a serenidade à ameaça contribuiu para que os problemas com que estávamos confrontados fossem resolvidos.
Quanto ao resto, Sr.ª Deputada, uma vez mais, as minhas felicitações e esta manifestação de confiança de que conjuntamente venhamos a contribuir para dignificar e prestigiar a Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, agradeço-lhe sinceramente as suas palavra e aproveito a sua deixa para dizer que não esqueço as lideranças anteriores deste grupo parlamentar.
Desde que estou na Assembleia, conheci dois líderes parlamentares, o Dr. Marques Mendes e o Dr. António Capucho. Nessas circunstâncias, considero que não é fácil suceder-lhes, penso apenas honestamente contribuir com o meu empenho para que o PSD se afirme cada vez mais como o grande partido que é.
Quanto à longevidade, Sr. Deputado Francisco de Assis, já não sou tão nova quanto desejaria quando fez essa afirmação,…

Risos do PSD.

Protestos do PS.

… e, mesmo que fosse, devo dizer que se me conhecesse talvez soubesse que não gosto de estar muito tempo nas mesmas funções. Não porque seja propriamente irrequieta, mas porque penso que as funções são para ser desempenhadas com determinado objecto. O objectivo que tenho, neste momento, é exactamente levar a que o Partido Social Democrata chegue ao poder muito brevemente.

Aplausos do PSD.

Quanto ao Regimento, Sr. Deputado Francisco de Assis, não tenho dúvidas de que o seu discurso é aquele que lhe fica bem e que esperava de si, mas vou também esperar de si um pouco mais além das palavras, a acção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, pedi a palavra para saudá-la pela sua eleição, desejar-lhe felicidades no desempenho das funções que agora assume e garantir-lhe que desta bancada continuará a ter a relação institucional e de cooperação, que, aliás, já tínhamos também na presidência do Sr. Deputado António Capucho, que ajude a aumentar o prestígio da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, ilustre e recém eleito

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presidente da bancada do PCP, ainda bem que as palavras que o Sr. Deputado Francisco de Assis me dirigiu não o atingiram a si, porque então é que seria realmente aterrador pensar-se que o Sr. Deputado teria ainda tantos anos assim na oposição.

Risos do PSD.

Agradeço-lhe sinceramente as suas palavras e espero que mantenhamos as nossas relações institucionais dentro do quadro democrático em que estamos habituados a conviver.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta, para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, permita-me que antes de me dirigir a si me dirija ao Sr. Deputado António Capucho, para o saudar de uma maneira muito amiga e cordial.
Sr. Deputado António Capucho, quero dizer-lhe que foi um privilégio trabalhar consigo. O senhor é um homem de palavra e um político com quem foi útil, para o País, para o centro e para a direita, trabalhar durante este período. Desejo-lhe, nos seus novos desafios, as maiores felicidades.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, estamos unidos nesse mesmo desafio.
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, como já tive a ocasião de lhe dizer, entendo que a Assembleia se prestigiou com a sua eleição. Pelas suas qualidades, pelo seu passado, pela forma como encara a política, nós todos estamos de parabéns, mesmo aqueles que, aqui ou ali, estão em divergência consigo.
Estamos, realmente, de parabéns e nós entendemos, tal como disse no congresso onde voltei à política profissional, que duas oposições que dialogam é sempre melhor do que duas oposições que se digladiam.
Até agora tem sido esta a regra, as nossas duas oposições têm sempre dialogado; esperamos, sinceramente, que esse diálogo não só continue como se aprofunde e aperfeiçoe.
V. Ex.ª também referiu aqui que o seu partido quer ser alternativa a este poder. Como eu a compreendo!… E como só quero que isso não nos divida, chamo a sua atenção para o facto de que essa alternativa a este poder não pode ser feita sem os democratas-cristãos e muito menos contra eles. Pensar o contrário é atrasar o País muitos anos. Espero que V. Ex.ª o não faça, que não cometa esse erro.
De outra forma, se não for assim, estamos seguramente de acordo e, na construção dessa alternativa, também teremos um longo e útil caminho a percorrer.
Desejo-lhe, Sr.ª Deputada, Minha Senhora, as maiores felicidades e os maiores êxitos nas suas novas funções.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Basílio Horta, agradeço, a si e à sua bancada, a simpatia com que sempre me têm distinguido, tenha ou não o Sr. Deputado dúvidas quanto à lealdade e à boa colaboração que a minha bancada vai continuar a manter com a sua. Não estou aqui, com certeza, para me digladiar com ninguém para além do Partido Socialista, mas não lhe nego também que estou aqui, Sr. Deputado, para reforçar o PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permita-me, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que, no momento em que toma a cargo a liderança do Grupo Parlamentar do PSD, lhe dirija uma saudação; permita que, de um grupo parlamentar que ideologicamente está longe do seu, venha uma palavra de homenagem e de respeito pela sua competência, pelo seu rigor, pela sua frieza, pelo seu brilho de parlamentar ilustre, tanto mais que é uma parlamentar que tem honrado a estirpe de grandes parlamentares do liberalismo português que a antecederam nessa função. Permita também que saliente o facto de ser uma mulher a assumir a liderança do Grupo Parlamentar do PSD. Tal ocorrendo num partido onde, digamos, a problemática do género não é um «prato forte» nem uma opção principal, isso mais reforça o seu mérito específico e particular.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas: Agradeço sinceramente as palavras simpáticas que me dirigiu e que penso mesmo terem sido excessivas. O único ponto em que seria capaz de ter algumas divergências consigo, para além daquelas que não foram aqui explicitadas, é sobre o facto de eu ser mulher.
Como sabe, não faço parte do grupo das pessoas que define esse tipo de critério para a escolha seja do que for, mas, em todo o caso, também não posso deixar de reconhecer, a todas aquelas mulheres que entendem que isso é um facto importante, que me sinto orgulhosa de, a essas, poder dar alguma satisfação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Pode crer!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite: Inscrevi-me porque, mais do que analisar o conteúdo da sua intervenção, não ficaria bem comigo se não a saudasse no momento em que assume aquela que considera ser a mais complexa tarefa que terá de desempenhar.
É realmente uma tarefa de grande exigência, é uma tarefa dura, mas, independentemente das enormes divergências que temos e que seguramente reconhece, todos lhe reconhecemos frontalidade, respeito e um grande rigor. Ora, essas são características extremamente importantes, são seguramente valores preciosos para, num espaço onde, mais do que a ambiguidade de consensos, a luta deve ser

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pautada pelo respeito mútuo, nortear a relação com os outros partidos.
Assim, quero saudá-la e desejar-lhe vivamente que desempenhe bem a tarefa mais difícil que julga ter pela frente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente , Sr.ª Deputada Isabel Castro: Não tenho palavras para agradecer a simpatia com que teve a amabilidade de se me dirigir e espero que possamos ter - e com certeza teremos - relações institucionais muito correctas, já que a nível pessoal julgo que elas já são mais do que correctas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, naturalmente, acompanho as referências elogiosas que foram feitas ao Sr. Deputado António Capucho. Ele sabe quanto o aprecio e estimo e não quero deixar passar esta oportunidade sem me juntar a essas mesmas referências.
Para tratamento de assunto político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores portugueses partiram pessimistas para férias e o seu regresso foi marcado por um forte abanão no contacto com a realidade.
Os trabalhadores estão a confrontar-se com uma onda violentamente neoliberal sem precedentes em áreas vitais da nossa economia.
Os sinais são cada vez mais preocupantes: a destruição do aparelho produtivo, a privatização a todo o custo, sem a preocupação de dinamizar as empresas.
O Governo tem sido mais vulnerável a lobbies financeiros, que querem sacar fundos ao Estado, do que a organizações que apresentam propostas concretas de desenvolvimento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nos últimos seis meses, mais de 900 empresas encerraram as suas portas.
A derrapagem da economia, que obriga os portugueses a apertar o cinto, está a provocar uma sangria no tecido empresarial. A banca está também a criar enormes restrições ao crédito, em particular asfixiando financeiramente as empresas com menos recursos.
O Governo estimula e privilegia os interesses dos grandes grupos económicos em detrimento dos pequenos empresários.
As falências das empresas sucedem-se com toda a impunidade, sem que ninguém seja chamado à responsabilidade. Há empresas que encerram e reabrem uns quilómetros depois, com as mesmas máquinas mas com outros trabalhadores, deixando um rasto de miséria e sofrimento. Muitas delas fecharam as suas portas sem assumirem as dívidas para com os trabalhadores.
Só no distrito de Lisboa, 112 empresas, representativas de 13 sectores da actividade económica, não honraram os seus compromissos com os trabalhadores. Entre salários em atraso e indemnizações, a soma ultrapassa os 22 milhões de contos. Mas o mesmo se passa um pouco por todo o país. Desde o início do ano, já foram destruídos mais de 8000 postos de trabalho, destacando-se os casos recentes da Goela, em Vila das Aves, com 1600 trabalhadores, e da Samsung, com 1200 trabalhadores.
Mas o ano em curso ameaça trazer mais surpresas desagradáveis, já que milhares de trabalhadores de vários sectores de actividade têm os seus postos de trabalho ameaçados.
Nos últimos dias, declararam falência a Confélis, com 160 trabalhadores, empresa pioneira no pronto-a-vestir masculino, apontada pelo seu sócio gerente, em entrevista ao JN, há oito meses atrás, como exemplo dos êxitos e pioneira no pronto-a-vestir.
Declarou falência a Norporte, com cerca de 500 trabalhadores; empresa equipada com moderna tecnologia, encerrou apesar das promessas eleitorais do PS.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ontem estiveram concentrados junto ao Ministério da Economia os trabalhadores da Molin, uma empresa viável, que facturava 1,7 milhões de contos, com 160 trabalhadores. Fabricava material de desenho de alta precisão e material escolar, constituindo uma referência cultural. Milhões de portugueses escreveram as suas primeiras letras e fizeram os seus primeiros desenhos com material escolar da Molin, que agora também declarou falência.
Mas ontem estiveram também concentrados em frente à residência oficial do Primeiro-Ministro e desta Assembleia os trabalhadores das empresas Mandata e Mortensen. Os cerca de 400 trabalhadores das duas empresas encontram-se numa situação laboral e social dramática: os trabalhadores da Mortensen estão há três meses sem receber salários; os da Mandata apenas vão receber 40% do salário de Setembro; sobre os trabalhadores das duas empresas paira o espectro do desemprego, com todas as consequências para quatro centenas de famílias da Marinha Grande.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a viver uma situação em que quase todos os dias os anúncios de falência de empresas fazem títulos da comunicação social.
A crise económico-social desenvolve-se por todo o País, parecendo não haver sector que escape. Há razões para que os trabalhadores lutem e estejam preocupados e há um sentimento de insegurança que se apossa dos trabalhadores em vários sectores e em várias regiões do País.
O País está a perder o seu tecido industrial, estamos a perder aquilo que sabemos fazer. Ora, não há, na história, país que seja desenvolvido e que destrua o seu tecido produtivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando o Estado, como empregador, não é um exemplo na efectivação das leis e dos direitos, quando o Sr. Ministro da Economia considera que um estudo elaborado por uma associação empresarial, que aponta para o despedimento de 150 000 funcionários públicos, constitui ideia excelente, mostrando abertura à discussão da solução avançada, está tudo dito!
O Governo está a contribuir para uma sociedade baseada na instabilidade e na incerteza do amanhã. Muitos são os discursos para consumo de propaganda sobre a saúde da economia portuguesa, mas poucas são as medidas efectivas que promovam essa saída e, sobretudo, que protejam e valorizem o recurso mais precioso, que são os trabalhadores e os seus direitos.

Aplausos do PCP.

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Os trabalhadores já o perceberam e é exactamente por isso que as suas lutas são a clara e positiva demonstração de que não se resignam, não se intimidam com a repressão policial e não aceitam de braços caídos esta cruzada contra os seus direitos e os seus postos de trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Desafiamos o Governo a reconhecer que existe um problema grave no País com o encerramento de empresas.
Desafiamos o Governo a reconhecer que esta situação constitui um factor de debilidade da economia portuguesa.
Desafiamos o Governo a não ficar impassível perante a degradação social de milhares de trabalhadores e com as legítimas apreensões que manifestam quanto ao seu futuro.
Ao lançarmos este desafio pretendemos confrontar o Governo com as suas responsabilidades ou, melhor, com a sua irresponsabilidade, face aos erros de política económica que, por acção ou omissão, está a cometer. Queremos impedir o Governo de continuar a escamotear a verdade, pintando-a de tons cor-de-rosa.
Mais do que isso, queremos dar a nossa contribuição para obrigar o Governo a definir e a aplicar uma política económica que corrija os atentados contra os trabalhadores e o País.
É neste sentido que apresentámos hoje, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, um pedido de audição com o Sr. Ministro, para discutir a política que está a ser seguida em relação ao conjunto de empresas que se encontram em processo de falência.
Ainda recentemente, como estamos lembrados, aprovámos aqui, por iniciativa do PCP, legislação que melhorou os direitos dos trabalhadores em caso de falência das empresas, procurando diminuir o número de anos à espera das correspondentes indemnizações. Mas é preciso ir mais longe, é preciso ir-se às raízes do problema e estas têm a ver com a política económica e laboral que tem sido seguida pelo Governo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o País carece de uma efectiva mudança de rumo no plano da política económica social. Exige-o a resolução dos problemas com que se defrontam o País e os trabalhadores portugueses.

Aplausos do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vicente Merendas, os Srs. Deputados José António Silva, Basílio Horta e Barbosa de Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado José António Silva.

O Sr. José António Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas: Obrigado por, na sua intervenção, ter chamado a atenção para a grave crise económica que existe no distrito de Leiria, nomeadamente na indústria vidreira da Marinha Grande.
Efectivamente, a contestação subiu de tom na Marinha Grande. A «Capital do Vidro» mobiliza-se pelas piores razões. Os trabalhadores da Mandata e da Mortensen estão sem receber os seus ordenados há alguns meses e têm os seus postos de trabalho em risco. O PSD está preocupado e manifesta a sua solidariedade aos trabalhadores das empresas Mandata e Mortensen, da Marinha Grande e aceita o recurso à manifestação como forma de fazer valer os seus direitos, mas já não concorda com os métodos usados.
Certamente, também o Sr. Deputado está preocupado com a situação destes trabalhadores; certamente, o Sr. Deputado concorda com o recurso à manifestação e à greve, que eu também aceito, para fazerem valer os seus valores. Mas hoje, na nossa opinião, não é aceitável nem aconselhável o regresso aos métodos antigos de luta, ocupando e impedindo o normal funcionamento das instituições. O PSD não pode concordar com este tipo de acções por parte dos trabalhadores, pois entende que eles têm outras maneiras para fazer as suas reivindicações. Pensamos que eles devem antes exigir do Governo - e nessa luta estamos sempre ao lado dos trabalhadores - medidas concretas para atacar esta crise.
Sr. Presidente e Sr. Deputado, o Partido Socialista, quando era oposição, tinha soluções para todas estas crises, sabia resolvê-las. Aliás, nomeadamente o seu Secretário-Geral, Eng.º António Guterres, disse que com o Partido Socialista no governo os problemas dos trabalhadores da Marinha Grande acabavam, que não haveria mais despedimentos, salários em atraso ou cortes de estradas. Infelizmente - e nós temos vindo a alertar para o facto - estes trabalhadores estão cada vez pior.
Nesse sentido, gostaríamos de saber qual é a posição do Partido Comunista e se, efectivamente, concorda com as preocupações que também defendemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Vicente Merendas vai responder conjuntamente aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas, no CDS-PP estamos verdadeiramente preocupados com esta situação. No entanto, queremos que fique claro que nos recusamos a usar os trabalhadores e as desgraças pelas quais estão a passar como elemento de luta partidária ou eleitoralista. A questão é muito mais séria do que isso e repugna-nos, verdadeiramente, tentar utilizar, de qualquer forma, a desgraça alheia para aquilo que se entende ser benefício próprio.
Preocupa-nos a situação da Marinha Grande, mas preocupa-nos mais a maneira de a ultrapassar e resolver. E não é só na Marinha Grande, como não é só na Sotima. Ainda este fim-de-semana estive no distrito de Castelo Branco, em Proença, e vi a fábrica da Sotima parada, com mais de 200 trabalhadores sem receber salários nem subsídios há quatro meses (estive a falar com eles e com as administrações, evidentemente). Aquilo que nos preocupa, verdadeiramente, é como ultrapassar esta situação de existirem, novamente, salários em atraso e um ambiente social que se vai adensando.
Estamos completamente de acordo em chamar o Ministro da Economia à respectiva comissão, mas creio, Sr. Deputado, que não devemos ficar por aí. O Ministro do Trabalho deve ir também à comissão respectiva e o Presidente da Galp também deve ir à comissão dar explicações sobre o que se está a passar no que diz respeito às decisões que são denunciadas por muitos trabalhadores dessa empresa.

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Há um conjunto de soluções que temos de encarar com objectividade, sem demagogias, não utilizando a desgraça dos outros em benefício partidário.
Na defesa dos interesses dos trabalhadores não há exclusivos, não há partidos que se possam reivindicar em exclusividade. Quando há um trabalhador sem salário, quando voltam os salários em atraso, creio que é nosso dever preocuparmo-nos seriamente, eventualmente com soluções e com propostas diferentes, no sentido dessas situações não se voltarem a repetir.
Por isso, Sr. Deputado Vicente Merendas, comungamos da sua preocupação, vamos votar a favor da proposta apresentada, consideramos que o Ministro da Economia tem de vir à respectiva comissão dizer o que é que está a pensar fazer - como é que vai fomentar o investimento, como é que vai dar garantias, qual é o papel do Estado e dos privados nesse domínio, o que é que se passa na administração de algumas empresas, por que é que elas não têm crédito - e que o Ministro do Trabalho também tem de vir dizer que mecanismos é que o Governo está a pensar aplicar para ultrapassar estas dificuldades.
No entanto, volto a dizer, não é fácil. Vivemos com mecanismos legais perfeitamente assentes, há um mercado que funciona, mas para além disso há uma solidariedade humana que não podemos deixar «cair em saco roto». Para isso, pode contar connosco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vicente Merendas, o PCP pode estar, e é legítimo que esteja, preocupado com os problemas que se colocam hoje aos trabalhadores portugueses, mas o Partido Socialista não está menos, ou seja, o PCP não está, seguramente, mais preocupado do que o PS.
Porém, não podemos aceitar discursos da natureza daqueles que recorrentemente o Sr. Deputado aqui faz, nos quais traça um cenário negro com um único responsável; mesmo que esse não seja o responsável, o Sr. Deputado tem de o erigir como responsável: é o Governo e só o Governo.
Sr. Deputado Vicente Merendas - e, simultaneamente, aproveito para esclarecer o Sr. Deputado do PSD eleito pelo círculo de Leiria -, as coisas não estão hoje piores, no distrito de Leiria ou no País, do que estavam quando o PSD era governo. Não estão hoje piores, nem pouco mais ou menos. Muitos problemas que se verificaram no sector vidreiro e noutros foram resolvidos, quer na Marinha Grande quer na generalidade do País.
Agora, há ainda muito que fazer, sobretudo no campo social, em que é preciso avançar com mais e melhores mecanismos de protecção social dos trabalhadores. Infelizmente, a economia é feita de êxitos e de inêxitos, de muitas situações em que a falência, por vezes, é inevitável, lamentavelmente, mas é inevitável, e ninguém a lastima mais do que o PS.
No entanto, é preciso também saber fazer uma análise correcta da situação do emprego e da situação social do País. O emprego, hoje, é mais e melhor do que era, embora ainda existam muitas situações como estas e é necessário e importante que, serenamente, as saibamos analisar, para encontrar as melhores soluções. Mas serenamente, Sr. Deputado, e não procurando erigir, aqui, um bode expiatório, que nem é expiatório nem é o responsável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder conjuntamente aos três pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Vicente Merendas.

O Sr. Vicente Merendas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José António Silva começou por dizer que está preocupado, que manifesta toda a sua solidariedade para com os trabalhadores da Marinha Grande, mas depois referiu que não está de acordo com os métodos e que considera que voltámos aos métodos antigos. No entanto, Sr. Deputado, também voltámos às situações antigas dos salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Logicamente que, para as soluções antigas, os métodos terão de ser os mesmos. Aliás, os trabalhadores não têm outro método senão lutar.
O Sr. Deputado certamente aceitará isto numa situação grave como a que se está a viver na Marinha Grande, em que há trabalhadores sem salários, um conjunto de trabalhadores hospitalizados, trabalhadores que se suicidaram, casais de trabalhadores com problemas gravíssimos familiares, que tiveram que retirar os seus filhos da escola… Então, estes homens e mulheres não têm direito à revolta?! Claro que têm, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, não se surpreenda com as atitudes. Surpreenda-se, sim, com as medidas que não foram tomadas até agora e que poderiam ter sido tomadas para evitar este tipo de problemas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, surpreenda-se na raiz do problema.

Aplausos do PCP.

Sr. Deputado Basílio Horta, de facto, não referi aqui todas as empresas. Aliás, não me chegaria o tempo, com a lista que tenho. Como referi na minha intervenção, são mais de 900 empresas e não há nenhum distrito deste país, neste momento, que escape ao conjunto de falências das empresas. De facto, a lista é enorme.
Sr. Deputado, o PCP, além de tudo, está sempre preocupado em apresentar soluções, não vai atrás das desgraças, e é sempre o primeiro partido a apresentar soluções para evitar que estas situações se verifiquem. E fizemo-lo quanto às empresas da Marinha Grande e a outras, atempadamente, questionando e chamando a atenção do próprio Governo, prevendo que estas situações se iriam complicar. E, em muitas situações, a resposta do Governo foi zero!
Congratulamo-nos com o facto de o CDS-PP estar de acordo com a vinda do Sr. Ministro da Economia para abordarmos todas estas questões. No entanto, Sr. Deputado Basílio Horta, não percebemos a posição do CDS-PP quando está de acordo com um estudo que aponta para o despedimento de 150 000 funcionários públicos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - O que é que temos a ver com isso?

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O Orador: - Sr. Deputado Barbosa de Oliveira, começou por dizer que está preocupado. Aliás, começou por dizer que nós não estamos mais preocupados do que os senhores.

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Seguramente que não!

O Orador: - Sabe que uma coisa são as palavras, outra coisa são os actos. E a questão concreta?
Vou dar-lhe um exemplo, Sr. Deputado: ontem, os representantes dos trabalhadores das empresas Mandata e Mortensen, que estiveram concentrados praticamente todo o dia em frente da residência oficial do Primeiro-Ministro e em frente desta Assembleia, foram recebidos por todos os grupos parlamentares menos pelo Grupo Parlamentar do PS. Que grande preocupação, Sr. Deputado! É uma demonstração de como estão muito preocupados com estes problemas!

O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): - Não tive conhecimento de nenhum pedido de audiência, Sr. Deputado!

O Orador: - Para terminar, Sr. Deputado, em relação aos problemas dos vidreiros da Marinha Grande, a questão é que eles poderiam ter sido ultrapassados. O Governo tem grandes responsabilidades perante esta situação, pois tutelou e acompanhou esse processo de restruturação mas não desbloqueou atempadamente as verbas para evitar que esta situação acontecesse e foi chamado à atenção em relação a isso. Eu próprio questionei o Governo, a 17 de Junho, e não obtive qualquer resposta. Com certeza que se tivesse havido resposta, se tivesse havido intervenção,…

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - … hoje a situação seria completamente diferente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi interposto recurso para o Plenário de um despacho do Presidente da Assembleia da República, o qual teremos de apreciar e votar.
O Sr. Secretário vai dar conta do despacho e do requerimento de interposição de recurso, para que todos os Srs. Deputados saibam a matéria sobre a qual têm de pronunciar-se.
Tem a palavra o Sr. Secretário da Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Despacho n.º 106/VIII, do Sr. Presidente da Assembleia da República, sobre a conclusão dos trabalhos da Comissão, é do seguinte teor:

«A Comissão de Inquérito Parlamentar aos Actos do Governo e da Administração no processo da Fundação para a Prevenção e Segurança extinguiu-se sem ter aprovado relatório conclusivo das investigações efectuadas.
As razões da inconclusividade dos trabalhos constam de informação do Presidente da Comissão, elaborada nos termos do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, e que me foi dirigida.
De acordo com o regime jurídico dos inquéritos parlamentares, não há lugar à publicação daquela informação no Diário da Assembleia da República, nem à sua apresentação ao Plenário.
Não tendo sido apurado qualquer facto com relevância jurídico-criminal, nada devo promover, na actual situação, até porque corre na Procuradoria-Geral da República processo de inquérito relativo ao mesmo assunto, sem que, até este momento, tenha sido solicitado à Assembleia da República o envio de quaisquer documentos.
Compete-me, porém, nos termos da alínea c) artigo 18.º do Regimento, dar oportuno conhecimento à Assembleia das informações que me são dirigidas. Tenho restringido o cumprimento desta norma às informações com interesse relevante. Julgo ser esse o caso.
Assim sendo, determino:
1 - O envio, por fotocópia, às direcções dos grupos parlamentares e ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares da informação, e documentos anexos, do Sr. Presidente da Comissão de Inquérito Parlamentar aos Actos do Governo e da Administração no Processo da Fundação para a Prevenção e Segurança;
2 - O arquivamento de todo o expediente relacionado com os trabalhos daquela Comissão Parlamentar de Inquérito.
Registe-se, notifique-se e publique-se.
Palácio de São Bento, 24 de Setembro de 2001. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.»

O recurso para o Plenário, apresentado pelo PSD, pelo CDS-PP, pelo PCP, por Os Verdes e pelo BE, do Despacho n.º 106/VIII/PAR, sobre a conclusão dos trabalhos da Comissão parlamentar de inquérito aos actos do Governo e da Administração no processo da Fundação para a Prevenção e Segurança, é do seguinte teor:

«Os Deputados abaixo assinados, tendo tomado conhecimento do teor do Despacho n.º 106/VIII/PAR de 24 de Setembro de 2001, que recaiu sobre a informação elaborada em cumprimento do n.º 3 do artigo 11.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Maio, relativa à Comissão de Inquérito para os Actos do Governo e da Administração no Processo da Fundação para a Prevenção e Segurança, vêm, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, do Regimento, recorrer daquele despacho para o Plenário da Assembleia da República.»

O Sr. Presidente: - O Regimento concede a um dos subscritores a faculdade de usar da palavra por 3 minutos.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Presidente, salvo o devido respeito por V. Ex.ª, que é muito, como bem sabe, e salvo melhor opinião, a decisão constante deste douto despacho recorrido, através do qual V. Ex.ª recusou a publicação do relatório final levado a votação e «chumbado» na Comissão de Inquérito, merece forte censura. Isto por várias razões que vou procurar resumir no curto tempo de que disponho.
Em primeiro lugar, não se pode considerar como sendo um relatório apenas aquele documento que é aprovado em sede de comissão de inquérito.

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O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É a própria lei que, antes mesmo da votação e independentemente do resultado dessa votação, designa o documento que a ela vai ser sujeito como «relatório final». Apenas a título de exemplo, chamo a atenção para o artigo 11.º, n.º 2, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares.
Relatório final é, assim, o documento final que vai ser levado a votação e não apenas o documento final que foi aprovado nessa votação, o que é coisa bem diversa.
Em segundo lugar, o Regime Jurídico dos Regimes Parlamentares é claro quando, no artigo 20.º, impõe que o relatório contendo o sentido de voto de cada membro da comissão seja publicado no Diário da Assembleia da República. Como tal, verifica-se que o artigo 20.º deste diploma não refere em nenhum momento - nem poderia referir - que só pode ser publicado um relatório final que seja aprovado.
O artigo 20.º impõe, em primeiro lugar, isso sim, que seja publicado o relatório final, isto é, o documento final levado a votação; impõe, em segundo lugar, que seja feita menção ao sentido de voto dos Deputados e, como é evidente, existe sentido de voto expresso pelos Deputados quer o documento tenha sido aprovado quer o não tenha sido. Consequentemente, Sr. Presidente da Assembleia da República, a única interpretação possível que a lei concede é no sentido de que deverá ser publicado o relatório tenha o documento sido aprovado ou não, sempre com menção do sentido de voto de cada um dos Deputados membros da comissão de inquérito.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, Sr. Presidente, não se entender assim o regime legal vigente equivale a dizer que os Deputados membros de uma comissão de inquérito não são obrigados a prestar contas do resultado final do seu trabalho a todos os outros Deputados de quem receberam o mandato. Assim, para que não tenham de prestar contas aos Deputados de quem receberam o mandato, bastará apenas que não aprovem o relatório final, e isso é inaceitável.
De resto, se os membros de uma comissão de inquérito são obrigados a prestar contas quando aprovarem um relatório final, ou seja, quando sobre esse documento se tenha gerado maior consenso, razões acrescidas haverá para que prestem essas mesmas contas quando não o aprovem, ou seja, precisamente quando o documento tenha gerado maior polémica. De outra forma, Sr. Presidente, os Deputados que conferiram mandato aos seus pares, membros de uma comissão de inquérito…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chegou ao fim do seu tempo, pelo que terá de terminar.

O Orador: - Sim, Sr. Presidente. Se V. Ex.ª me conceder mais 30 segundos, terminarei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é usual conceder mais tempo, mas faça favor, atendendo ao que se trata.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Atendendo a que o «réu do crime» sou eu próprio, faça favor.

Risos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Como dizia, de outra forma, os Deputados que conferiram mandato aos seus pares, membros de uma comissão de inquérito, apenas poderão saber o que nela se passou através da comunicação social.
Em quarto lugar, o entendimento que V. Ex.ª firmar, se não for alterado, vai ferir de morte o futuro de todas as comissões de inquérito.
Com a publicação dos relatórios contendo a menção dos votos expressos e, como tal, a indicação de terem sido aprovados ou não, os Deputados e o povo português viam, como razão acrescida de utilidade para as comissões de inquérito, o registo no Diário da Assembleia da República do resultado dos respectivos trabalhos, para consulta das gerações presentes e futuras. Já com a decisão de V. Ex.ª acentua-se um entendimento meramente político do funcionamento das comissões de inquérito.
Por último, Sr. Presidente - e parece-me particularmente importante este motivo -, no seu despacho, V. Ex.ª não se limitou a uma análise jurídica da pretensão dos recorrentes, violando até uma característica que lhe vínhamos reconhecendo e que era a de inteira independência em relação a todos os grupos parlamentares.
É que V. Ex.ª refere o seguinte: «Não tendo sido apurado qualquer facto com relevância jurídico-criminal, nada devo promover». Só que, Sr. Presidente, muito foi apurado com relevância jurídica e jurídico-criminal.
Sr. Presidente, uma coisa é não haver relatório aprovado, não ter havido acordo quanto aos termos da sua redacção, outra coisa é não ter sido apurado qualquer facto com relevância jurídico-criminal. E muita coisa com relevância jurídica e jurídico-criminal foi apurada, desde financiamentos ilegais, a falsas declarações, a conclusões da própria Procuradoria, até a uma conclusão que nós próprios defendíamos que era a da declaração de nulidade do próprio acto constitutivo própria Fundação.

O Sr. Presidente: - Eu não tencionava dizer sequer uma palavra, o que, inclusivamente, é meu dever, mas o Sr. Deputado, embora correctamente, pôs em causa a minha isenção e não posso permitir-lhe isso.
Agi na convicção de que, não havendo relatório, não há publicação do que não existe. É a minha convicção - errada ou certa, os senhores dirão -, mas, por amor de Deus, não ponham em causa a minha isenção e a minha independência! Isso, de maneira nenhuma! Creio que o meu passado responde por mim!
De acordo com o Regimento, cada grupo parlamentar tem direito a usar da palavra por 3 minutos, para o que se inscreveram os Srs. Deputados Telmo Correia, António Filipe e Isabel Castro.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia para uma intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero deixar claro, por parte da bancada do CDS-PP, que não questionamos a independência de V. Ex.ª e muito menos nos passaria pela cabeça pôr em causa a sua dignidade. Por isso, a missão que me incumbe, com o respeito por V. Ex.ª que sempre tenho tido ocasião de

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tornar público, é a de discordar da sua posição quanto a esta matéria. Discordo, sublinhando que me parece particularmente grave tudo o que aconteceu em relação a esta situação e a esta Fundação.
Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que o Partido Socialista, ainda em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, começou por não querer discutir este assunto, por negá-lo e por desvalorizar toda esta matéria.
Recordo-me - e confesso que me dá vontade de sorrir, se não mesmo de rir - de os Srs. Deputados do Partido Socialista que integram a 1.ª Comissão dizerem que «a montanha pariu um rato». Disseram-nos isto dezenas de vezes, até ter chegado o Deputado Fernando Gomes que começou a contar a história toda e, aí, foi «o rato» que começou «a parir uma montanha», porque a questão inverteu-se completamente.
Depois, o Partido Socialista passou da fase de negação e de desvalorização para uma segunda fase, que foi a de tentar colocar todos os obstáculos a que a comissão de inquérito funcionasse, a que fossem feitas acareações,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - … a que fossem feitas audições, a que a verdade fosse apurada, tendo chegado ao ponto de o Presidente da Comissão, Deputado do Partido Socialista, ter abandonado os trabalhos para que a Comissão não funcionasse.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, é particularmente grave, Sr. Presidente, que agora se conclua que o trabalho de meses, traduzido em horas e horas de reuniões, e o trabalho dos relatores - sejam eles o Sr. Deputado António Filipe, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o Sr. Deputado Fernando Seara ou a Sr.ª Deputada Maria de Belém -, que nalguns casos mereceu consenso e noutros não, seja pura e simplesmente apagado, não ficando qualquer registo do mesmo.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Do nosso ponto de vista, a decisão é errada, Sr. Presidente. Temos este entendimento porque a decisão é errada perante a lei, como explicou o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, é errada do ponto de vista político, porque estamos a apagar o trabalho de muitas horas e de muitos meses, um trabalho sério e fundamental, é errada do ponto de vista da prudência, porque creio sinceramente que este caso da «Fundação PS» é um caso histórico e exemplar, pelas consequências que teve e pela importância de moralização que deveria ter na vida pública portuguesa. É ainda errada a decisão porque vai deixar que sejam apagados os registos daquilo que, do nosso ponto de vista, é um caso histórico e exemplar.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para uma intervenção.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que é pertinente a apresentação deste recurso da decisão que V. Ex.ª tomou. Isto porque os inquéritos parlamentares passam por três fases distintas: a primeira, a da deliberação quanto à sua constituição - a comissão de inquérito pode ser criada ao abrigo de um direito potestativo ou por deliberação do Plenário; a segunda, a do funcionamento da comissão propriamente dita; e a terceira, fundamental, a do debate e das tomadas de decisão em Plenário, não sobre o relatório, porque, em qualquer circunstância, este último é exclusivamente votado em comissão, mas outras decisões relacionadas com o inquérito e, designadamente, uma eventual decisão quanto à publicação da documentação e das actas relativas ao inquérito.
Neste quadro, entendemos que, do ponto de vista regimental, não é possível fugir a esta terceira fase, a da discussão em Plenário.
Aliás, todo o Regimento da Assembleia e o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares foram pensados para uma situação normal, que é a de uma comissão aprovar um relatório. Mas mesmo no caso em que não existam conclusões, em local algum do Regimento ou da lei está escrito que não há lugar a debate em Plenário. O que se diz é que é comunicado ao Presidente da Assembleia da República que não houve uma conclusão apurada na comissão, por uma qualquer razão, designadamente por esta, a de não ter sido possível obter uma maioria de aprovação de um relatório. Mas, repito, em local algum é dito que o Plenário não procede ao debate do relatório e dos trabalhos realizados pela comissão de inquérito.
É que o Plenário não vota o relatório mas pode tomar outras deliberações. Ora, naturalmente, se não houver debate em Plenário, pergunta-se como é que poderão ser tomadas essas eventuais deliberações.
Assim sendo, pelo facto de não haver um relatório aprovado e de haver um arquivamento, não sendo, portanto, dado nenhum seguimento ao processo, qualquer maioria poderia tomar um caminho simplicíssimo para inviabilizar qualquer publicação, qualquer documento relativo a uma comissão de inquérito, bastando-lhe para tal inviabilizar o relatório. Ou seja, nomeando-se relator um Deputado de um partido minoritário, a maioria pura e simplesmente votava contra, inviabilizando-o, e, a partir daí, não havia debate em Plenário nem publicação da actas e, portanto, tudo ficaria por ali.
Parece-nos, pois, que isto conduz a um precedente que, do nosso ponto de vista, não é admissível no que toca ao prestígio dos inquéritos parlamentares e do funcionamento da própria Assembleia.
Entendemos que este processo deve ser conduzido com toda a transparência e que há um elemento para garanti-la, que, neste caso, é a publicação da documentação e das actas relativas ao inquérito que foi realizado, embora a Comissão não tenha aprovado qualquer relatório.
É, pois, nosso entendimento que o debate em Plenário deveria ser realizado, pelo que votamos favoravelmente o recurso que foi interposto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subscrevemos este recurso, é

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nosso entendimento que o mesmo se justifica plenamente e que, sobre esta matéria, é importante não abrir uma situação de excepção que, quanto a nós, constituiria um precedente extremamente grave.
Consideramos isto que seria um precedente extremamente grave que iria desprestigiar e descredibilizar a figura dos inquéritos parlamentares, descredibilizar a Assembleia da República e a sua obrigação e responsabilidade de prestar contas aos cidadãos portugueses que elegeram todos os que estão nesta Câmara. Além do mais, tal equivaleria a considerar que não houve matéria com relevância justificativa do objecto do inquérito, que o mesmo seria dizer que não houve relevância nos factos apurados, e, no fundo, equivaleria a deitar fora, a concluindo pela nulidade total, horas e horas de trabalho de Deputados dos diferentes grupos parlamentares, equivaleria a anular o exercício de um instrumento fiscalizador que é fundamental para a saúde da democracia.
Parece-nos, portanto, que este recurso tem toda a validade, como tem todo o sentido que, sobre esta matéria, não se abra um caminho de excepção, que, do nosso ponto de vista, poderia ser francamente negativo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda apoia também o sentido e os fundamentos do recurso apresentado.
Apesar de, pessoalmente, não ter acompanhado os trabalhos dessa Comissão, mas sim o meu colega Luís Fazenda, que, neste momento, não está a exercer as funções de Deputado, pude acompanhar indirectamente a sua evolução e devo dizer que me impressionou, apesar de ter uma curtíssima experiência parlamentar, até por comparação com os trabalhos de outras comissões, a «blindagem», a fuga ao apuramento da verdade, o artifício com que o partido do Governo tentou, por todas as maneiras, evitar um claro esclarecimento desta situação, inclusivamente inviabilizando qualquer ponto, qualquer consenso e qualquer entendimento razoável sobre esta matéria, sendo de entender que com essa «blindagem», que exerce arrogantemente o voto maioritário, compensa, em termos do apuramento das coisas, aceitar que o processo fique onde está.
Nesse sentido, aprovamos, quer materialmente quer do ponto de vista dos argumentos legais, o recurso apresentado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votará contra este recurso, concordando integralmente com o despacho de Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Invocarei a favor desta nossa posição uma razão linear: os inquéritos parlamentares têm uma lei que conhecemos e que votámos, e essa lei, no que respeita ao final das comissões de inquérito, é, a nosso ver, clara - clara para este, clara para os anteriores e clara para os futuros inquéritos parlamentares.
Há um momento do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, o artigo 20.º, que os senhores conhecem, que diz o que se faz quando há relatório final: deve ser discutido e votado, deve ser publicado no Diário da Assembleia da República e, depois, discutido em Plenário.
Há um artigo nessa mesma lei, o artigo 11.º, n.º 3, que diz o seguinte: «Quando a comissão não tiver aprovado um relatório conclusivo das investigações (…), o Presidente da comissão enviará ao Presidente da Assembleia da República uma informação relatando as diligências realizadas e as razões da inconclusividade dos trabalhos.» Isto é absolutamente claro, ou seja, é público que a Comissão de Inquérito se desenvolveu ao longo de seis meses, que fez o trabalho que fez, à vista e com pleno conhecimento de todos os Srs. Deputados da comissão, dos outros e do público em geral, por via da comunicação social, e é igualmente público que, no final, não houve consenso para votar um relatório.
Meus senhores, podemos todos pensar de forma igual ou de forma diferente; agora, os senhores não tenham a veleidade de me obrigar a pensar como os senhores pensam, olhando para tudo quanto foram os factos apurados naquele relatório. Não tenham a veleidade de me obrigar a pensar igual!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, se tivéssemos outra interpretação, provavelmente chegaríamos a uma conclusão - é essa a conclusão a que me leva a interpretação deste requerimento -, que seria: «mesmo não havendo relatório, o 'não-relatório' deve ser publicado e discutido». Assim, quase me apetece perguntar o seguinte: então, se vamos em frente, todas as propostas ou projectos de lei aqui discutidos e não aprovados serão mandados para o Diário da República, para que o povo leia aquilo que discutimos e acabámos por não aprovar?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Veja o artigo 11.º!

O Orador: - Não faz qualquer sentido!

Protestos do PCP e do CDS-PP.

Já agora, perdoem-me que vos diga o seguinte: deixem de agitar o «espantalho» do veto, o «espantalho» de esconder factos, porque os factos foram discutidos e apurados à vista de toda a gente! E aqueles que neste recurso se manifestam tão ofendidos, aqueles que dizem que isto é uma ofensa ao Parlamento, à democracia, à verdade, permitam-me só ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira terminar.

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente, despendendo, talvez, também mais 1 minuto e 52 segundos, que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo usou…

O Sr. Presidente: - Não se pode invocar o paralelismo, nestes casos. Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, concluindo, eu diria o seguinte: a propósito de uma comissão de inquérito e de uma fundação, no ano passado, o indignado recorrente CDS-PP, no Parlamento da Madeira, requereu uma comissão de

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inquérito para apurar as relações da actividade pública e do poder público com a Fundação Social Democrata da Madeira. O indignado recorrido, PSD, nem sequer deixou que esse requerimento passasse do gabinete do Sr. Presidente dessa Assembleia!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Nem sequer deixou! E sabe o que é que se pedia?

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Pedia-se que fossem averiguadas isenções de sisa, incompatibilidade pública, muitas e muitas irregularidades que os senhores nem sequer deixaram…

Protestos do PSD e do CDS-PP:

Não ensinem democracia, não ensinem verdade ao Partido Socialista! Reflictam sobre este facto passado no Parlamento Regional da Madeira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por salientar duas situações que me parecem sintomáticas do debate que aqui estamos a fazer. A primeira é que o Partido Socialista tenha optado pelo Deputado Laurentino Dias para fazer a intervenção neste debate.
O Deputado Laurentino Dias, como todos sabemos, especializou-se nesta Comissão da «Fundação PS» por ser uma espécie de «cutelo da verdade»…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Por dizer «não»!

O Orador: - … em nome do Partido Socialista, à medida que as investigações iam avançando.
Em segundo lugar, não deixa também de ser sintomático que o Sr. Presidente da Comissão da «Fundação PS» não esteja aqui neste momento. Não vejo na sala o Sr. Deputado José Barros Moura, o que também não deixa de ser sintomático…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a esta matéria, só queria dizer duas coisas: já todos percebemos que, por uma razão de prevenção e segurança, o Partido Socialista, embora tendo sido confrontado com muitas verdades, muitas ilegalidades, muitas faltas à verdade no decurso dos trabalhos da «Fundação PS», quis, por uma questão de prevenção e segurança - uma vez mais repito -, evitar a todo o custo que as conclusões saíssem «preto no branco» daquela Comissão de Inquérito. No entanto, não pôde evitar uma coisa: que a verdade saísse cá para fora, como abundantemente ficou registado quer nas actas da Comissão da «Fundação PS» quer naquilo que foi, ao longo do tempo, publicado na comunicação social.
Portanto, aquilo que os senhores querem fazer em relação a esta matéria é cumprir as ordens que receberam: «esta Comissão de Inquérito à 'Fundação PS' tem de acabar os seus trabalhos até às férias de Verão, não convém, politicamente, que esta 'Fundação PS' continue a aprofundar a verdade dos factos que se registaram em relação a esta matéria e, portanto, acabe-se de qualquer maneira e, sobretudo, não se publique e não se registe a verdade sobre esta questão.»

Vozes do PSD - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, a propósito desta matéria, queria dizer o seguinte: o Sr. Deputado Laurentino Dias veio aqui invocar o Regimento. Mas eu pergunto ao Sr. Deputado Laurentino Dias e ao Partido Socialista: onde é que no Regimento ou na lei que regula esta matéria das comissões de inquérito está dito que, quando não há resultados em termos de relatório final aprovado pela maioria de uma comissão de inquérito, esses resultados são comunicados a cada um dos grupos parlamentares? Então, não é verdade que as comissões de inquérito são constituídas potestativamente ou, então, por deliberação do Plenário da Assembleia da República?
Não é verdade, também, que quem está nas comissões de inquérito responde individualmente pelo seu voto e pelas opiniões que aí expressa, não em nome de um grupo parlamentar?!
Então, não é verdade que este Plenário da Assembleia da República representa a Assembleia da República?!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Como é que prestamos contas?!

O Orador: - Como explicam, então, os senhores que o resultado daquilo que foi o trabalho da Comissão de Inquérito seja comunicado aos grupos parlamentares e não a este Plenário?! Ao menos isso!
Ora, é nesse sentido que estamos aqui a recorrer! Ao menos o Plenário, por respeito ao órgão máximo da Assembleia da República - com todo o respeito por Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República -, devia ser informado daquilo que foi o acervo do trabalho feito na Comissão de Inquérito,…

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … daquilo que foi o trabalho das audições, dos documentos, de tudo aquilo que fizemos ao longo de meses na Comissão de Inquérito. É ao Plenário que a todos compete responder, porque todos aqueles que estivemos na Comissão de Inquérito tínhamos um mandato da Assembleia da República e respondemos, individualmente, perante a Assembleia da República e perante o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

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O Sr. António Braga (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com que fundamento, Sr. Deputado?

O Sr. António Braga (PS): - Uma insinuação que o Sr. Deputado Miguel Macedo deixou ficar sobre a ausência do meu camarada José Barros Moura, que está em serviço…

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, não é matéria da ordem de trabalhos.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, então, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tenho de lha dar, Sr. Deputado, se me disser qual é a matéria ofensiva.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, por ter sido insinuado que a ausência do meu camarada José Barros Moura, nesta sessão plenária, não seria clara.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não foi insinuado, foi dito!

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou usar esta figura - não tive outra - porque nestes debates devemos ser todos rigorosos e ter, também, um comportamento e uma postura inatacáveis. Ora, o Sr. Deputado Miguel Macedo não foi, desse ponto de vista, correcto, pois quis insinuar que a ausência do Sr. Deputado José Barros Moura neste Plenário não teria razões claras e seria, eventualmente, por motivos mal compreendidos ou incompreensíveis pelo Plenário.
O Sr. Deputado José Barros Moura está em missão da Assembleia da República, em Bruxelas, numa reunião da COSAC.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estive agora com ele! Como é que ele está na COSAC?!

O Sr. António Braga (PS): - Está a caminho, saiu agora!

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Acalmem-se, Srs. Deputados.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, também tive oportunidade de ver o Sr. Deputado José Barros Moura, hoje, na Assembleia. Não sei se, entretanto, foi para Bruxelas e apenas me limitei a constatar o facto de o Sr. Deputado José Barros Moura não estar na sala no momento em que estávamos a falar sobre esta matéria, ocorrendo a circunstância do Sr. Deputado José Barros Moura ter sido o Presidente da Comissão de Inquérito da «Fundação PS».
Já agora, gostaria de dizer ao meu amigo António Braga que registo o facto de ter tido a preocupação de salvaguardar a situação do Sr. Deputado José Barros Moura, não tendo tido igual preocupação em desmentir aqui aquilo que eu disse do Sr. Deputado Laurentino Dias, com toda a amizade, ou seja, que ele foi, durante os trabalhos da Comissão de Inquérito para a «Fundação PS», uma espécie de «cutelo da verdade» ao serviço do Partido Socialista.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Para defesa da honra, talvez, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual delas, Sr. Deputado?

Risos.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - O Sr. Presidente ouviu como eu, pela segunda vez, a expressão do Sr. Deputado Miguel Macedo, altamente ofensiva, de que eu funcionei como um «cutelo da verdade» nesta Comissão.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o Sr. Deputado Miguel Macedo quando disse isso não o sentiu, porque somos amigos, trabalhámos nessa Comissão e ele percebeu o trabalho aturado que eu e ele fizemos na procura da verdade. Isso saiu-lhe, como podia sair a qualquer outro na eminência de perceber que as suas alegações não têm acolhimento. O Sr. Deputado Miguel Macedo está perdoado por ter dito isso.
Lamento que o Sr. Presidente Barros Moura não esteja presente pelas razões que foram aqui ditas, como também lamento que o Sr. Deputado Guilherme Silva, que tanto contribuiu ao longo destes meses para o trabalho desta Comissão de Inquérito, não participasse neste debate, tanto mais que ele tem um bom conhecimento do funcionamento das fundações, como aquela que há pouco referi…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, se quiser «embainhar o cutelo», faça favor.

Risos.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, penso que o facto de dizermos o que dizemos aqui no Plenário não impede que o façamos de uma forma relativamente leve, sobretudo quando há relações pessoais que são evidentes entre nós.
Queria dizer ao Sr. Deputado Laurentino Dias e à Câmara que quando usei a expressão «cutelo da verdade» estava, sobretudo, a pensar de uma forma preventiva - e por razões de segurança - no trabalho que de imediato vou ter de fazer com o Deputado Laurentino Dias para concluirmos o relatório de segurança interna relativo ao ano de 2000. Espero que o Deputado Laurentino Dias, nesse trabalho que vamos ter de fazer conjuntamente para apresentar na próxima quarta-feira, não seja mais uma vez

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espécie de «cutelo da verdade» em relação àquilo que se passa, também, em matéria de segurança e que ficou registado no relatório de segurança interna do ano 2000.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou o momento de votar o recurso para o Plenário, apresentado pelo PSD, pelo PCP, pelo CDS-PP, por Os Verdes e pelo BE, do Despacho n.º 106/VIII/PAR, sobre a conclusão dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito aos actos do Governo e da Administração no processo da Fundação para a Prevenção e Segurança.

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o recurso foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 82 a 105 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 16, 17, 18, 23, 24, 25, 30 e 31 de Maio, 1, 5, 6, 7, 8, ,11, 12, 19, 20, 21, 22, 26, 27, 28 e 29 de Junho e 17 de Julho de 2001.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.

Srs. Deputados, vamos agora dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 464/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PS) e 404/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PCP).
Para introduzir o debate, em representação do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Chegou finalmente a hora de procedermos à regulação de um direito fundamental dos jornalistas portugueses, consagrado em termos genéricos no Estatuto do Jornalista, aprovado por esta Assembleia há quase três anos, e insuficientemente protegido no Código do Direito de Autor em vigor.
Ao fazê-lo agora, temos plena consciência, diria mesmo má consciência, do atraso com que nós, legisladores, nos dispusemos a intervir num domínio de extrema importância ética e jurídica, mas também de inegável delicadeza e melindre na arbitragem de interesses conflituais. Com efeito, fomos nós próprios, parlamentares de todos os partidos de então, que consentimos na introdução, na proposta de lei oriunda do Governo, de uma disposição final e transitória que nos obrigava a aprovar a definição legal da protecção dos direitos de autor dos jornalistas no prazo de 120 dias, precedendo audição das associações representativas dos jornalistas e das empresas de comunicação social interessadas.
Demasiado voluntariosos, logo fomos confrontados com a dura realidade da dificuldade de avaliar todas as condicionantes da concretização de tão ambicioso objectivo em tão curto prazo de tempo, apesar, e talvez mesmo em consequência, das primeiras audições que iniciámos ainda no final da passada Legislatura.
Entre essas condicionantes figurou naturalmente o complexo processo de inovação tecnológica em curso na comunicação social, com o recurso, nomeadamente, aos meios electrónicos, aos canais por cabo e aos futuros canais digitais, que nestes últimos anos vem colocando novos desafios às empresas e novas exigências aos jornalistas.
Entre o temor dos riscos assumidos por umas (as empresas) e o receio pela usurpação dos legítimos direitos dos outros (os jornalistas), não era fácil encontrar uma solução equilibrada e sensata que serenasse e satisfizesse ambas as partes.
O tempo entretanto transcorrido teve, porém, uma vantagem: permitiu-nos aferir as experiências contratuais em curso de forma a, pelo menos, aprendermos aquilo que, neste domínio, deve ser firmemente evitado. Algumas dessas experiências são, porém, já suficientemente inquietantes para nos impelirem a pôr de lado hesitações e a avançarmos de imediato com soluções legislativas, cuja urgência é hoje inquestionável. Foi-se mesmo ao ponto de um canal temático com programas de arquivo de uma estação privada de televisão - a SIC Gold - ter decidido retransmitir programas da autoria de dois conhecidos jornalistas sem a sua autorização, nem o pagamento dos respectivos direitos, numa manifestação de ostensivo desprezo pelo seu trabalho criativo e de legalidade mais do que duvidosa, mesmo ao abrigo da legislação vigente.
Num outro caso, porém, vem-se adiando, por comum acordo entre empresa e jornalistas, a resolução do problema para o momento da aprovação da lei na Assembleia da República, prescindindo, até lá, os jornalistas de qualquer remuneração adicional pela utilização dos seus textos no site do órgão em que trabalham, como aconteceu em Março deste ano na Visão.
Uma razão acrescida, pois, para não perdermos mais tempo. E precisamente para não perdermos mais tempo, resolveu o Grupo Parlamentar do Partido Socialista recorrer à figura regimental do agendamento potestativo para apressar a discussão e aprovação do seu projecto de lei nesta matéria, permitindo, ao mesmo tempo, o agendamento do projecto de lei do PCP, em reconhecimento, aliás, do mérito que lhe coube de ter sido o primeiro a ser apresentado na Mesa da Assembleia da República.
Permitam-me agora, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que vos dê conta das linhas essenciais do nosso projecto de lei, nesta matéria.
Devo esclarecer, desde já, que foi nossa preocupação partir do actual Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), que já estabelece um quadro de protecção genérica dos direitos autorais dos jornalistas. Importava, porém, não só conferir maior visibilidade, sistematização e transparência ao normativo actualmente vigente, como introduzir algumas precisões e mesmo alterações que, à luz da experiência entretanto transcorrida, protegessem de forma mais eficaz a parte contratual mais fraca - o jornalista. E foi isto que tentámos fazer, na perspectiva de que compete à lei estabelecer garantias e balizas, mas não propriamente substituir-se por inteiro à necessária e desejável negociação entre as partes.

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Insistimos, assim, na disposição já contida no CDADC que exclui da protecção do direito de autor as obras ou criações intelectuais dos jornalistas que careçam de originalidade, nomeadamente as notícias do dia e os relatos de quaisquer acontecimentos com carácter de simples informações. Tal exclusão resulta, aliás, directamente do disposto no artigo 2.º da Convenção de Berna, cujo n.º 8 estabelece que a protecção conferida por esta Convenção não se aplica às notícias diárias ou ao relato de factos que têm o carácter de simples informações de imprensa.
Estabelece-se depois, de forma insofismável, que, independentemente da natureza da relação jurídica mantida pelo jornalista com determinado órgão de comunicação social, a titularidade sobre obra protegida nasce na esfera jurídica do seu autor, desde que identificável. Ou seja, retoma-se o princípio geral de que o titular originário da obra é o seu criador intelectual, a quem se reconhece a faculdade de dispor sobre o uso a conferir à obra protegida, nomeadamente no que toca à disposição dos direitos patrimoniais que lhe são inerentes.
Por outro lado, estende-se o regime especialmente adoptado no CDADC quanto às publicações periódicas a todos os meios de comunicação social, uma vez que também para eles se mantêm incólumes as razões subjacentes a tal regulação Assim, a obra protegida criada para uma determinada utilização, que deve estar prevista contratualmente, só pode ser comunicada ao público em separado pelo seu autor após três meses sobre a data da sua comunicação no órgão respectivo.
Ponto fulcral do nosso projecto é o elenco de cláusulas contratuais proibidas constante do artigo 6.º, que tem como pressuposto a necessidade de a matéria relativa ao direito de autor se encontrar expressamente prevista por escrito em sede contratual.
Resultante da sistematização e junção de algumas disposições dispersas de protecção do direito de autor já vigentes no nosso ordenamento, reduz, no entanto, o tempo pelo qual se admite a disposição antecipada do direito sobre obras futuras de 10 para 2 anos, o que significa, na prática, que ao jornalista passa a assistir o direito de rever as cláusulas contratuais relativas a direitos de autor decorridos dois anos sobre aquela celebração.
Pretende-se com isto atenuar as consequências de eventuais e infelizmente cada vez mais frequentes situações de precariedade laboral do jornalista aquando da assinatura do contrato, repondo o equilíbrio negocial desejável. Além disso, proíbem-se agora, de forma clara e insofismável, cláusulas que visem obter o consentimento do autor para utilizações da sua obra em órgãos de comunicação social indeterminados, ainda que detidos, total ou parcialmente, por empresas participadas ou que integrem o mesmo grupo económico das especificamente identificadas no contrato como beneficiárias das obras protegidas pelo direito de autor - previnem-se, assim, situações cada vez mais frequentes, em consequência do processo em curso de concentração em grandes grupos empresariais.
Mantém-se, entretanto, a proibição de cláusulas que excluam ou limitem o direito de o jornalista assinar ou fazer identificar as obras da sua autoria, qualquer que seja o modo da sua comunicação ao público, ou confiram à entidade para a qual os trabalhos são produzidos, ou a terceiros, a faculdade de alterar a estrutura ou o sentido da obra protegida ou de introduzir quaisquer modificações que a desvirtuem ou possam afectar o bom nome e reputação do autor.
Do mesmo modo, continuarão a ser proibidas cláusulas que estabeleçam indiscriminadamente as formas e respectivas condições de utilização das obras protegidas ou incluam modos de exploração não conhecidos na altura da celebração do contrato, bem como as que visem obter o consentimento do autor para a comunicação da sua obra em qualquer suporte, incluindo o digital, que não esteja especificamente previsto no contrato, e ainda as que excluam o direito a uma remuneração especial ou à obtenção de uma compensação suplementar em determinadas condições.
Este conjunto de cláusulas tem, pois, o mérito de conferir aos jornalistas um maior peso à sua posição em sede de negociação contratual, defendendo-os dos abusos que se têm vindo a praticar, mas preservando ao mesmo tempo a margem necessária à fixação de diferentes e variadas formas de remuneração adequadas à multiplicidade das situações concretas em causa.
Por seu turno, a sanção estabelecida no artigo 7.º destina-se a compelir a entidade patronal ao cumprimento do quadro negocial acordado, compensando directamente o autor pela utilização abusiva das obras protegidas pelo direito de autor.
No artigo 8.º, mais uma vez, é clara a intenção de remeter, em primeira linha, para o acordo das partes a fixação das remunerações especiais ou complementares a que se refere o CDADC ou de resolver qualquer diferendo relativo a montantes devidos com recurso a entidades por elas designadas.
Por último, o artigo 9.º constitui um apelo à regularização de situações preexistentes, em nada beliscando as que se constituíram validamente, de acordo com a lei então vigente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Serão estas disposições suficientes para proteger com eficácia os direitos autorais dos jornalistas? Poderíamos e, sobretudo, deveríamos ter optado por outra via, como a consubstanciada no projecto de lei do PCP, na linha, aliás, do que nos foi proposto pelo Sindicato dos Jornalistas, cuja preocupação com esta matéria tem sido constante e é de realçar?
Não o cremos. Em primeiro lugar, não vemos razão para a inexistência, no projecto de lei do PCP, de uma disposição que clarifique a exclusão da protecção dos direitos autorais dos trabalhos jornalísticos que careçam de originalidade, permitindo assim a leitura, para nós inaceitável, de que tudo, e absolutamente tudo, o que o jornalista escreve ou edita é obra criativa. Em segundo lugar, porque se nos afigura totalmente irrealista fixar por lei o valor das retribuições adicionais pela cedência da obra a terceiros ou a empresas participadas por aquela a cujo quadro redactorial o autor pertence, ou que integrem o mesmo grupo económico, ou ainda pela sua divulgação em suporte diferente do originalmente utilizado, com absoluto desprezo pelas virtualidades da negociação em sede contratual.
Com efeito, e como oportunamente lembrou José Magalhães, em artigo publicado no jornal A Capital, de 22 de Junho de 2001, «não se conhece sítio algum na nossa galáxia em que se tenha seguido tal via, talvez porque não há soluções simples para realidades complexas e diversificadas». De facto, a existência de vários tipos de jornalismo (imprensa, rádio, televisão, multimédia), os diferentes modos de exercício da profissão, os diversos tipos de participação e função no processo de criação da obra, que pode não se reduzir ao estrito labor do jornalista, com as consequentes dificuldades de delimitação, em certos casos,

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da cadeia de autorias, constituem, como sublinhou José Magalhães, no mesmo artigo, um «dédalo de circunstâncias concretas» que recomendam «que o legislador não invente tabelas nem se substitua à contratualização», já que «só ela pode ajustar-se à complexidade do real».
Um tal excesso de proteccionismo estatal poderia, além do mais, produzir indesejáveis efeitos perversos nas políticas de contratação das empresas, doravante tentadas a substituírem a contratação para o quadro, a tempo inteiro, pela contratação à peça, como também advertiu o Presidente da Confederação dos Meios de Comunicação Social.
Por isso, não podemos concordar com o projecto de lei do PCP, que, embora animado das melhores intenções, consagra soluções substancialmente diferentes das nossas, além de perigosas. Mas também não estaremos dispostos a ceder a quaisquer pressões patronais que pretendam reivindicar para o empregador os direitos de autor patrimoniais das obras criadas sob contrato de trabalho, como vem sendo cada vez mais frequente nos contratos celebrados nestes últimos dois anos.
Com efeito, a obra criativa, aliás a única protegida pelo direito de autor, não é produzida em função da relação de subordinação típica do contrato de trabalho. Se assim fosse, o jornalista-autor converter-se-ia num «jornalista-robot», sem personalidade própria, mera ferramenta do processo de «produção de conteúdos» - expressão esta tão ao gosto dos dirigentes empresariais de hoje -, a juntar a todas as outras ferramentas materiais.
Cremos, pois, que o nosso projecto consagra as soluções mais equilibradas e realistas para resolver uma situação típica de acentuado conflito de interesses, no respeito pelos direitos fundamentais dos jornalistas e sem comprometer a viabilidade económica das empresas de comunicação social, tantas vezes injustamente invocada como tampão contra a protecção mais elementar daqueles direitos.
Não quero com isto dizer que não estejamos dispostos a encarar a possibilidade de melhorar pontualmente o projecto ora apresentado. Estamos mesmo convictos de que a sua discussão na especialidade e as audições do sindicato e das associações do sector, a que teremos de proceder, de acordo com a lei e com o que é prática corrente nesta Casa, permitirão aperfeiçoar algumas das disposições constantes do articulado, sem prejuízo, porém, das grandes balizas e da orientação de fundo que presidiu à elaboração deste projecto.
Fazemos, por isso, votos para que, daqui até ao final do ano, se trabalhe com seriedade e celeridade para dotar os jornalistas portugueses de um quadro protector dos seus direitos autorais efectivamente respeitador da sua dignidade. Com isso, beneficiaremos todos nós, cidadãos, e a comunicação social no seu conjunto, que só tem a lucrar com o incentivo à melhoria de qualidade do trabalho jornalístico que este novo quadro legal certamente proporcionará.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Fernando Rosas e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, na realidade, esta discussão decorre aqui sobre o paradigma do projecto apresentado atempadamente pelo Sindicato dos Jornalistas, em Maio de 2000, projecto esse que o Partido Comunista Português segue, em larga medida, na sua proposta e do qual o Partido Socialista se desvia em dois ou três pontos, sobre os quais a minha questão incide.
Terei oportunidade de me pronunciar brevemente sobre a importância do problema, mas quero perguntar-lhe o seguinte: o Sr. Deputado acredita que direitos de autoria tão importantes como estes que aqui se contemplam possam ficar dependentes, como fonte primeira, de relações contratuais tão pesadamente desiguais como as que neste momento se estabelecem nos órgãos de informação?
O Sr. Deputado teve seguramente acesso às cópias dos contratos de trabalho que o Sindicato distribuiu por todas as bancadas. É que são a verdadeira pirataria dos direitos de autor e até dos direitos de trabalho! São contratos que, na sua maioria, passarão a ser ilegais após a aprovação de qualquer destes projectos de lei!
Como tal, o Sindicato dos Jornalistas segue o critério de, numa situação em que o equilíbrio de forças na contratação é extremamente desigual… É que, como sabe, trata-se de jovens licenciados nos cursos de comunicação social ou de jornalistas que estão desempregados, que têm pela frente empresas poderosíssimas, que querem arranjar trabalho de qualquer maneira e que estão dispostos a assinar qualquer coisa! Ou seja, aqui, a relação contratual, como fonte primeira da protecção de direitos de autoria, parece-me particularmente desadequada. Assim, percebo muito bem a preocupação do Sindicato em não deixar que esta seja a fonte primeira da garantia destes direitos.
Uma segunda observação sobre a qual gostaria de o ouvir tem a ver com o artigo 3.º do vosso projecto de lei, referente à exclusão da protecção ao trabalho jornalístico corrente. É claro - e compreendo o seu ponto de vista - que proteger tudo pode ser inoperacional. De facto, como é que vamos proteger os direitos de autoria de um boletim meteorológico ou de uma notícia corrente? Agora, a formulação de não proteger nada do noticiário corrente pode acarretar também a não protecção de assuntos que são relativamente importantes, porque, no noticiário corrente, podem incluir-se questões que sejam editorialmente relevantes.
Como tal, não me parece que nem a vossa formulação, que exclui uma gama de assuntos muito importantes, nem, provavelmente, a adopção por inteiro sejam satisfatórias, pelo que terá de ser encontrada uma solução de equilíbrio, em sede de especialidade. Em todo o caso, parece-me que a vossa exclusão total de protecção ao trabalho jornalístico corrente também tem perigos, que são, pelo menos, comparáveis aos de uma medida excessiva de protecção de tudo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, é com o maior gosto que respondo às dúvidas que colocou.
Em primeiro lugar, quanto à questão da dependência de relações contratuais, devo dizer que todos sabemos que elas são manifestamente desiguais; aliás, como eu próprio reconheci na minha intervenção, o jornalista representa sempre a parte mais fraca nessas relações contratuais, pelo que se impunha estabelecer na lei um conjunto de normas que defendessem essa parte mais fraca.

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Ao contrário do que tem sido dito, não defendemos a liberdade contratual ilimitada; o nosso projecto de lei estabelece limites, balizas muito precisas aos contratos a assinar entre jornalistas e empresas.
Chamo de novo a atenção para a importância do artigo 6.º do nosso projecto de lei, onde se estabelece, como tive oportunidade de dizer da tribuna, um conjunto de cláusulas que serão claramente proibidas nesses contratos.
O Sr. Deputado Fernando Rosas lembrou, muito oportunamente, os contratos que o Sindicato do Jornalistas nos fez chegar. Tive também este aspecto especialmente em atenção, na minha intervenção, porque, à luz do nosso projecto lei, uma vez aprovado, qualquer desses contratos será manifestamente ilegal. Mais: à luz da legislação actualmente vigente, no quadro do CDADC, já poderemos considerar a maior parte desses contratos, se não todos, absolutamente ilegais! É preciso é que haja recurso para os tribunais, que se proteste, que o Sindicato intervenha, etc.
Há aqui uma diferença de perspectivas, sendo que nós entendemos que não compete ao Estado substituir-se aos próprios sindicatos na defesa dos interesses dos trabalhadores. O risco do projecto de lei do PCP é o de praticamente eliminar o papel do Sindicato e da força reivindicativa dos trabalhadores jornalistas em todo este processo negocial. Por exemplo, na Alemanha, muito recentemente, os sindicatos negociaram com empresas de comunicação social direitos patrimoniais no plano autoral para os jornalistas e foram fixadas percentagens - isto foi feito em sede negocial e por via da própria força dos sindicatos, e é uma boa via, que deveríamos seguir.
Relativamente à exclusão da protecção, devo dizer que é hoje doutrina assente, pela Convenção de Berna, pelo CDADC, que nem tudo o que o jornalista produz ou edita deve ser considerado trabalho criativo de autor - esta é uma doutrina assente. Compreendo que, na prática, em determinados casos seja, por vezes, difícil distinguir trabalho jornalístico rotineiro de trabalho de autor, isto é, trabalho criativo de autor, pois há, sem dúvida, situações limites, onde haverá divergências sobre o que deve ser considerado. Mas, para isto, há o recurso a entidades arbitrais e, eventualmente, em última instância, aos próprios tribunais para apreciarem as queixas que lhe forem apresentadas neste domínio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, em primeiro lugar, quero dar as boas-vindas ao Partido Socialista, na discussão do projecto de lei que regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas e saudar este agendamento. Em nosso entender, é um agendamento oportuno, que era necessário. Já bastou o facto de o Governo não ter apresentado qualquer iniciativa legislativa, apesar de estar vinculado, aquando da aprovação do Estatuto de Jornalistas, a fazê-lo no prazo de 120 dias, o qual já passou há muito. Mas, costuma dizer-se, «mais vale tarde do que nunca!», e estamos hoje a debater esta questão.
Sr. Deputado, quero confrontá-lo com aquilo que nos parece ser um problema de fundo do projecto de lei do Partido Socialista, que é o de partir de uma realidade virtual. O que se passa, hoje, é que as empresas de comunicação social têm utilizado o trabalho jornalístico, através de diversas reutilizações, beneficiando das possibilidades tecnológicas actuais, sem que os jornalistas tenham tido ou retirado qualquer benefício ou qualquer remuneração pelo facto do seu trabalho permitir que a empresa multiplique os lucros obtidos com as várias utilizações desse seu trabalho.
Portanto, a ausência de regulação dos direitos autorais dos jornalistas tem criado uma situação em que as empresas de comunicação social podem explorar, exclusivamente, esse trabalho sem que o jornalista obtenha daí qualquer benefício, por pequeno que seja.
Bom, o projecto de lei do Partido Socialista considera que esse problema tem de ser resolvido em sede negocial, e parte do princípio de que há uma igualdade entre as partes, em sede negocial. Ora, isto é absolutamente uma ficção! Não há igualdade entre as partes! E, portanto, para nós, é uma evidência que a regulação deste direito dos jornalistas tem de implicar, naturalmente uma abdicação de lucros, do nosso ponto de vista, ilegítimos, que as empresas de comunicação social estão a usufruir neste preciso momento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, isto é absolutamente incontornável.
Como há pouco, o Sr. Deputado Fernando Rosas e mesmo V. Ex.ª fizeram aqui alusão a contratos que nos foram fornecidos pelo Sindicato dos Jornalistas, penso que vale a pena ditar para a Acta que há uma cláusula, num contrato assinado entre um grupo de comunicação social e os jornalistas, que diz que pertence à primeira outorgante, isto é, à empresa, o direito de autor sobre qualquer obra produzida na execução do presente contrato, podendo livremente alterá-la e dar-lhe toda e qualquer utilização que repute conveniente, sem que isso confira ao segundo outorgante direito a qualquer remuneração especial.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Isto faz-se?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Está escrito!

O Sr. António Reis (PS): - É uma vergonha!

O Sr. Fernando Rosas (BE): - É uma vergonha!

O Orador: - É uma coisa absolutamente espantosa!
Ora bem, o que acontece é que o projecto de lei do Partido Socialista tem um artigo sobre cláusulas proibidas, o qual, do nosso ponto de vista, proíbe muito pouco, permitindo, inclusive, que um jornalista possa dispor, antecipadamente, dos seus direitos de autor por um período de dois anos. Isto é, parece-nos que a cláusula do artigo 6.º do projecto de lei do Partido Socialista…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo regimental, pelo que agradeço que termine.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, a nosso ver, a cláusula do artigo 6.º do diploma do PS é muito vaga, proíbe muito pouco, pelo que considerámos muito importante que, em

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sede de especialidade, esta norma possa ser densificada, por forma a atribuir um conteúdo real à regulação dos direitos de autor dos jornalistas.

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, como eu disse, há pouco, ao Sr. Deputado Fernando Rosas, considero que o nosso projecto de lei não parte da ficção de que a relação contratual entre as empresas de comunicação social e os jornalistas coloca ambas as partes em situação de igualdade. Tudo, no nosso projecto de lei, e a minha intervenção foi bastante explícita a este respeito, aponta, pelo contrário, para a introdução de mecanismos que visem corrigir a situação, à partida de desigualdade, que existe entre os jornalistas e empresas de comunicação social.
Em relação ao contrato que citou, tanto à luz do nosso projecto de lei como até de algumas disposições do actual Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, esse contrato é manifestamente ilegal! E terá de ser denunciado como tal! É preciso que se usem os mecanismos do Estado de direito para, evidentemente, denunciar e invalidar contratos dessa natureza.
Agora, se, porventura, na discussão na especialidade, chegarmos à conclusão de que o elenco de cláusulas proibidas, constante do artigo 6.º do nosso diploma, não é suficiente para proteger a parte mais fraca, que são os jornalistas, estamos obviamente abertos à introdução de mais uma ou outra cláusula proibitiva que melhor proteja os interesses e os direitos dos jornalistas. É preciso é que, em sede de especialidade e nas audições a que iremos proceder, isso fique efectivamente provado. Mas haverá, da nossa parte, toda a disponibilidade neste sentido.
Agora, não partilhamos da posição de que compete ao Estado tudo fazer, digamos, fazer a papinha toda, perdoem-me a expressão, nesta matéria; seria até, a meu ver, passar um atestado de total menoridade aos jornalistas e ao seu Sindicato.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Ramos Dias.

O Sr. Bruno Ramos Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando se fala de jornalismo e de comunicação social, há ideias, conceitos e princípios, tão consensuais que nada, nem ninguém, assume voz dissonante, quando se trata da sua defesa: liberdade de expressão, liberdade de imprensa, rigor, isenção, independência, credibilidade, defesa dos direitos e deveres dos profissionais da comunicação social. Valores fundadores da democracia que queremos e que, quando se trata de os discutir, há sempre quem esteja pronto a defendê-los, firme e rapidamente.
Menos frequente, diz-nos a experiência, é a rapidez com que por vezes se passa das palavras aos actos, das intenções à sua aplicação, do discurso consensual à prática coerente, mas, tantas vezes, conflitual, perante os interesses em presença. A matéria que esta Assembleia, aqui, hoje, discute é disto exemplo flagrante.
Na anterior Legislatura, a Assembleia da República aprovou aquela que viria a ser a Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Jornalista e proclama o princípio fundamental do direito do jornalista à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis. Estabelecida desta forma, em princípio, a protecção dos direitos de autor dos jornalistas, remetia-se para aprovação posterior a definição legal desta mesma protecção, estipulando-se um prazo de 120 dias, no decorrer dos quais o Governo estava obrigado a apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria.
Hoje, a 3 de Outubro de 2001, surge finalmente a oportunidade de apreciar este nosso projecto de lei, que vem honrar o compromisso por nós assumido em programa eleitoral para as eleições legislativas de 1999.
De facto, existem motivos para compreender e saudar esta atitude do PS, em promover para hoje o agendamento potestativo desta discussão: é que se a apreciação deste nosso projecto de lei e daquele que entretanto o PS veio a apresentar se realizasse, por exemplo, na próxima semana, teriam passado 1000 dias sobre a publicação da Lei n.º 1/99, a tal que estabelece um prazo de 120 dias para esta regulamentação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em cada um dos quase 1000 dias que passaram até agora, o nosso País assistiu, muitas vezes sem o saber, ao atropelo dos direitos morais e materiais dos jornalistas portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - Perante um panorama da comunicação social de profundas alterações qualitativas, perante uma constante evolução tecnológica neste sector, perante a convergência dos meios utilizados para uma nova dimensão multimedia, em rede, em tempo real, o mercado responde com novas e poderosas dinâmicas de concentração da propriedade dos media. Grupos económicos, verdadeiros impérios da comunicação social, com uma posição dominante no mercado, ditam a sua lei e assumem candidamente a sua filosofia: as empresas servem para dar lucro, o seu negócio é a informação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Além de não podermos aceitar a estrita lógica do jornalismo como negócio lucrativo, temos de observar as condições em que esse lucro é alcançado e em prejuízo de quem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mais: temos de reflectir - e agir - relativamente aos verdadeiros atropelos cometidos, neste País, aos interesses dos jornalistas, a coberto de uma pretensa lógica empresarial, que mais não é do que uma prática arrogante e impunemente lesiva dos direitos de quem produz a informação a que os portugueses têm acesso e que por ela é responsabilizado.
Vivemos num País em que a precariedade e o desemprego são uma dramática realidade. O que muitos portugueses desconhecem, no entanto, é que a comunicação social não é excepção a este fenómeno.
Na verdade, o que a experiência nos demonstra é a subordinação de jornalistas, em situação de desemprego ou em busca de uma oportunidade de emprego, à vontade unilateral e todo-poderosa de empresários que recorrem à

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chantagem da escassez de lugares na profissão para obter a cedência, o abandono, a renúncia de direitos. O que a experiência nos demonstra são as cláusulas contratuais tantas vezes impostas aos jornalistas, considerando tranquilamente como inexistente qualquer direito, moral ou patrimonial, que seja reconhecido sobre a autoria do trabalho jornalístico prestado.
Quando se recorre a tais expedientes, é natural que se tornem altamente rentáveis e atractivos os projectos empresariais de informação multimedia. Basta pagar uma vez pelo trabalho de um jornalista, garantida que está a possibilidade - e a impunidade - de multiplicar as receitas, em vendas e publicidade, geradas pela sua publicação ou mesmo pela sua venda a terceiros.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Perante uma situação deste tipo, era só o que faltava que o Estado não assumisse as suas responsabilidades! E, no entanto, o alerta tem de ser dado: o projecto de lei apresentado pelo PS abre a porta à efectiva possibilidade dessa desresponsabilização.
Do nosso ponto de vista, é indispensável a regulação pelo Estado de relações contratuais em que a chantagem é contexto recorrente e a igualdade entre jornalistas e seus patrões é quase uma lenda. É essencial a consciência de que é uma mistificação o tal encontro de vontades ao qual supostamente conduz a liberdade contratual. É irresponsável remeter para sede negocial, entre profissionais e empresas, a resolução de um problema tão grave e tão complexo como é esta total e constante negação do direito de autor.
É inútil legislar sobre esta matéria, reconhecendo e afirmando os direitos morais e patrimoniais dos jornalistas sobre o seu trabalho, se, depois, não definirmos um enquadramento sancionatório que não permita a impunidade das empresas que os não respeitem.
Não se trata apenas de defender a retribuição adicional, que mais não é do que inteiramente justa, sobre o trabalho jornalístico cedido ou reutilizado. Trata-se, sim, de reconhecer que os deveres éticos, deontológicos e jurídicos de um jornalista não terminam na entrega de um trabalho ou na sua publicação original mas que se prolongam e ampliam na medida exacta das reutilizações que possam ser feitas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, não garantir as condições de concretização deste princípio é, pura e simplesmente, contribuir para o seu desvirtuamento e para o desvirtuamento da relação entre liberdade e responsabilidade, cuja importância, no jornalismo, é óbvia o quanto baste.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Comunista Português apresenta este projecto de lei, o primeiro apresentado sobre esta matéria; fazemo-lo numa iniciativa cujo pioneirismo político, obviamente, reivindicamos.
Baseamo-nos, em larga medida, nas propostas do Sindicato dos Jornalistas, apresentadas publicamente a 3 de Maio de 2000, na mensagem que dirigiu a todos os Deputados à Assembleia da República, a propósito da passagem do Dia da Liberdade de Imprensa - propostas estas que tiveram acolhimento no PCP não só pelo evidente mérito de que se revestiram como pela nossa concepção da liberdade de imprensa enquanto valor estruturante do regime democrático.
Também, assim, se vê o respeito de muitos pela liberdade de imprensa, quando nem sequer reconhecem os direitos morais e materiais dos jornalistas.
Manifestando total abertura para um debate, que desejamos amplo, participado e construtivo, para o acolhimento de soluções que se evidenciem como mais adequadas para a tutela dos valores em causa, afirmamos o nosso convicto propósito de pôr termo à situação imoral que actualmente vigora.
O que está em causa é a nossa obrigação (nossa, de todos nós) de reconhecer direitos que hoje não são respeitados, de repor a justiça, de cumprir a lei e de salvaguardar a liberdade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei em apreço visam colmatar uma lacuna legislativa, que diz respeito à falta de regulamentação do disposto no artigo 7.º, n.º 3, do Estatuto do Jornalista (aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro), matéria relacionada com a protecção dos direitos de autor dos jornalistas.
É de salientar, no entanto, que esta obrigação de regulamentação da matéria dos direitos de autor dos jornalistas não impende sobre o Governo, uma vez que a lei se limita a dizer que a definição legal será aprovada no prazo de 120 dias, precedendo audição das entidades como, desde logo, associações representativas de jornalistas e empresas de comunicação social interessadas.
Os dois projectos em confronto - dizemos «em confronto», porque efectivamente gizam soluções muito diferentes para a regulamentação em análise -, apesar de serem subscritos pelos grupos parlamentares apresentantes, espelham duas posições antagónicas que existem sobre esta matéria.
O projecto de lei do PCP, tal como se pode ler na exposição de motivos, baseia-se largamente na proposta apresentada publicamente pelo Sindicato dos Jornalistas, em 3 de Maio de 2000, por ocasião do Dia da Liberdade de Imprensa, ao passo que o projecto de lei do PS reproduz praticamente na íntegra a proposta alternativa àquela, formulada pela Secretaria de Estado da Comunicação Social - o que não deixa, em todo o caso, de ser relevante e sintomático, quer num projecto de lei quer no outro.
Importa, em todo o caso, pela sua curiosidade e em alguns casos, até, pela pertinência, ver aquelas que são as principais críticas que o Sindicato dos Jornalistas entendeu formular à proposta alternativa.
Assim, no que toca a remissão da protecção dos direitos de autor dos jornalistas para o regime do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, entende o Sindicato que este Código é manifestamente insuficiente e desajustado às condições actuais da utilização do trabalho jornalístico, ao que acresce serem algumas normas até passíveis de interpretações capazes de criarem incidentes jurídicos, dispensáveis, como no caso, por exemplo, das

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criações sob forma de imagens impressas, televisivas ou digitais.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, salientamos até aquilo que foi referido, e muito bem, pelo Sr. Provedor de Justiça, em comunicação dirigida aos grupos parlamentares, em 29 de Março de 2001, ou seja, a circunstância da utilização da Internet e das potencialidades daí decorrentes levantarem novas questões no âmbito do tratamento desta matéria, a que urge dar resposta urgente, e que, quer num caso, quer no outro, não serão de forma capaz.
Outra crítica tem a ver com a remissão do tratamento dos direitos do autor para a sede contratual. Invoca-se, aqui, por exemplo, a fragilidade negocial dos jornalistas, a parcimónia dos salários, o excesso de oferta de mão-de-obra, entre outras razões de crítica.
Outra crítica, ainda, tem a ver com a exclusão, no âmbito de protecção da lei, das obras ou criações que careçam de originalidade. Para o Sindicato, a proposta da Secretaria de Estado (e, agora, do PS) labora no equívoco de excluir da protecção as obras ou criações que careçam de originalidade, designadamente as notícias do dia e os relatos de quaisquer acontecimentos com carácter de simples informações. Se assim for, entende o Sindicato, então estes jornalistas também não deveriam ser criminal e civilmente responsáveis, se for caso disso, pelas notícias do dia e relatos com carácter de simples informação.
Finalmente, o Sindicato chama a atenção para o facto de muitas empresas proporem aos jornalistas contratos de trabalho através dos quais estes são forçados a ceder, genérica e definitivamente, os seus direitos morais e patrimoniais, havendo mesmo contratos que vão ao ponto de vincular a autorização da empresa até a publicação de colectâneas de trabalhos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exacto!

O Orador: - Bom, feita esta análise e posta de lado a «estática» comunista presente nestas considerações do Sindicato, que acima se sumariaram, a verdade é que, no meio deste processo, ninguém conhece a posição das empresas de comunicação social interessadas, cuja audição deveria igualmente preceder a regulamentação da protecção dos direitos de autor dos jornalistas. E, como é evidente, quando há direitos que têm de ser pagos pelas empresas, o melhor seria que, ao menos, as mesmas fossem ouvidas; se o foram, nós desconhecemos, assim como em que termos.
Do nosso ponto de vista, o projecto de lei do PCP consegue, apesar de tudo, ser mais equilibrado, na medida em que define que a protecção legal se estende aos textos, imagens, impressas ou televisivas, e sons ou desenhos, o que é muito mais objectivo do que o conceito simplista de «obras jornalísticas», de que parte o projecto de lei do Partido Socialista.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Seria de acrescentar, na sequência das preocupações expressas pelo Sr. Provedor de Justiça, que tais textos, imagens, sons ou desenhos estão protegidos qualquer que seja o suporte em que os mesmos se encontrem. Isto é assim, porque é frequente os jornalistas irem, por exemplo, à Internet «picar» as fotografias encontradas em sites de jornais para as utilizarem nas suas próprias edições, sejam elas digitais ou impressas - foi, por exemplo, o que aconteceu, como estarão recordados certamente, não há muito tempo atrás, com as fotos da cerimónia comemorativa da união de facto do Sr. Professor Manuel Maria Carrilho com a jornalista Bárbara Guimarães, constantes de um site do Expresso e utilizadas por outro jornal antes da publicação por aquele, «furando», assim, o exclusivo concedido àquele semanário.

Vozes do CDS-PP: - É uma vergonha!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Um horror!

O Orador: - É óbvio que há que prever uma forma de reacção, perante situações destas.
É de referir, contudo, que o conceito de «obras jornalísticas» faz sentido naquela que é a construção socialista do projecto de lei, que exclui da protecção da lei as obras ou criações intelectuais carecidas de originalidade, nomeadamente as notícias do dia e os relatos de quaisquer acontecimentos com carácter de simples informações. De facto, quando um jornalista se limita a ler, sem tratamento jornalístico prévio, uma notícia de última hora proveniente de uma agência noticiosa, tal situação não deve ter a cobertura de direito de autor.
Esta exclusão parece-nos acertada, mas a sugestão que pode ser feita é a de, em vez de se remeter para um conceito indeterminado - «obras ou criações intelectuais carecidas de originalidade» - se indicar, precisamente, quais são as criações jornalísticas que estão excluídas do âmbito de protecção. Com isso se evitariam, certamente, muitas ambiguidades que o projecto de lei, desta forma, contém.
O projecto de lei do Partido Comunista Português também nos parece, de certo modo, mais equilibrado no aspecto das sanções, porque prevê um quadro contra-ordenacional preciso, com excepção do que consta na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º, onde se prevê uma coima de valor fixo para as infracções ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 6.º. A responsabilidade criminal, ou contra-ordenacional, no caso, define-se em função da culpa em concreto, o que implica que a pena aplicável, mesmo que de uma coima se trate, varie entre um limite mínimo e um limite máximo.
O artigo 7.º do projecto de lei do Partido Socialista, a coberto de uma alegada «sanção pecuniária» por utilização abusiva do direito de autor do jornalista, estabelece uma verdadeira punição por tal utilização abusiva, que mais não é do que uma contra-ordenação encapotada. Sendo igualmente punida em quantia fixa, valem aqui, obviamente, as considerações expostas na parte final do parágrafo antecedente.
Já o PCP propõe uma solução, no artigo 13.º, no que respeita à utilização abusiva de bens protegidos pelo direito de autor dos jornalistas, que passa pelo direito a uma reparação em valor equivalente ao triplo das retribuições adicionais ou cinco vezes o valor da retribuição adicional. O único reparo que faríamos a esta disposição é o de que limita o quantitativo do direito de indemnização, não permitindo, pelo menos na aparência, que pedidos de indemnização de valor superior a este possam ser formulados pelos jornalistas lesados. Diferentemente do PS, contudo, não prevê a possibilidade de a atribuição desta reparação ser dirimida em foro arbitral, prevendo apenas o recurso

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aos tribunais judiciais, o que nos parece também uma restrição que em nada facilita o trabalho dos Srs. Jornalistas que queiram ver rapidamente resolvidos os seus problemas.
Para finalizar, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, retoma-se o ponto, já atrás focado e que nos parece, de facto, essencial, da necessidade de audição das empresas de comunicação social interessadas, o qual, se não cumprido, poderá conduzir a dificuldades na aplicação deste novo regime legal. Do nosso ponto de vista, parece essencial que as empresas de comunicação social interessadas se pronunciem sobre a previsão, comum a ambas as iniciativas, de terem de pagar direitos de autor ao jornalista do jornal A, pela cedência de notícias ao jornal B, ambos do mesmo grupo empresarial. Entendemos que tal previsão seria justificável perante artigos de fundo, mas não, por exemplo, perante notícias do dia, resumos dos jogos de futebol, etc. - e muitos outros exemplos haveria -, pelo que, por aqui, esta questão prende-se com a da delimitação objectiva do âmbito de protecção da lei dos direitos de autor dos jornalistas a que atrás nos referimos.
Numa palavra, quer num caso, quer no outro, pensamos que há muito a fazer em relação a ambos os diplomas, muito poderá ser feito em sede de especialidade, muitas contribuições o Partido Popular estará, certamente, em condições de dar e esperamos que sejam aceites pelos vários Deputados com assento na comissão competente. Pela parte que nos toca, tudo faremos para que essa discussão continue a ser efectuada em sede própria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Seara.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas legislativas em discussão visam concretizar uma norma compromissória constante da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, que estabelecia, no seu artigo final, o artigo 21.º, que a definição legal dos direitos de autor dos jornalistas, previstos no n.º 3 do artigo 7.º, teria de ser aprovada no prazo de 120 dias, precedendo audição das associações representativas dos jornalistas e das empresas de comunicação social interessadas.
Ao longo dos últimos dois anos, e particularmente no final do primeiro semestre do presente ano, o Sindicato dos Jornalistas foi chamando à atenção para a urgência da devida subsunção jurídica dos direitos de autor dos jornalistas e chegou a divulgar, em Junho de 2001, em articulado rigoroso, o que entendia dever ser o direito ou os direitos de autor dos jornalistas.
Esta subsunção, resultando expressamente da lei, e de lei desta Assembleia da República, deriva de uma constatação de facto. É que o direito conexo, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, é, cito, «não só manifestamente insuficiente como também contém normas que são susceptíveis de abrir e prolongar incidentes jurídicos que bem se dispensariam», como, igualmente, e volto a citar, «se revela desadequado às condições actuais da utilização do trabalho jornalístico».
Estas duas iniciativas legislativas, do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, bem diferentes - é bom acentuá-lo desde já -, resultam, ao nível sistémico, daquilo a que se pode chamar a revolução da comunicação a que estamos sujeitos, desta nova democracia em linha que vivemos e desta, cada vez mais, concentrada indústria de conteúdos.
Permito-me dizer que, hoje em dia - e estão aqui quer jornalistas parlamentares quer membros da direcção do Sindicato de Jornalistas -, um jornalista é, acima de tudo, um produtor de conteúdos. E esta mutação que ocorre no sistema comunicacional é fruto, desde logo, de a maior parte ou grande número das empresas estarem a assumir um conjunto de negócios integrados e também dos fluxos que, necessariamente, decorrem das actividades múltiplas dessas empresas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me suscitar aqui quatro reflexões em relação aos projectos de lei do Partido Comunista Português e do Partido Socialista.
A primeira reflexão é de natureza normativa. É evidente que estamos a passar por um processo que, desde a Convenção de Berna, de finais do século XIX, até às novas directivas comunitárias sobre os direitos de autor, exige uma articulação e uma harmonização jurídicas entre as normas internas e as normas internacionais e, cada vez mais, as normas comunitárias sobre a protecção dos direitos de autor, particularmente a protecção dos direitos de autor na net.
Em segundo lugar, é bom não ignorarmos, nesta Assembleia da República, o conjunto da jurisprudência que resulta de questões suscitadas em tribunais estrangeiros de outros Estados, confrontados com o mesmo tipo de problemas. E cito dois exemplos.
Existe um acórdão recente, de 28 de Março do corrente ano, do Supremo Tribunal Federal Norte-americano, respeitante a um processo interposto por seis jornalistas independentes, que alterou, por completo, o quadro da análise jurídica da relação entre o direito de autor dos jornalistas e a titularidade, o conjunto dos bens patrimoniais das empresas a eles subjacentes. É um acórdão interessantíssimo do Supremo Tribunal Federal que situa e delimita a questão, fazendo aquilo que se pode chamar uma tentativa de separação e de articulação entre o direito de autor do jornalista e o conteúdo patrimonial da empresa dele titular.
Refiro ainda um outro acórdão, do ano passado, um interessante acórdão da Cour d'appel de Paris, de Maio de 2000, também respeitante a uma matéria interposta por um conjunto de jornalistas do jornal Le Figaro contra a sociedade gestora do Le Figaro, que consagrou uma vitória da posição dos jornalistas e que levou, imediatamente a seguir, em 5 de Julho do ano passado, a empresa gestora do jornal Le Figaro a concluir um acordo com o sindicato dos jornalistas para a protecção específica dos direitos de autor dos jornalistas dessa sociedade gestora.
Portanto, começamos a ver que há uma tendência jurisprudencial para consagrar o direito de autor, mas exigindo uma parceria contratual entre as empresas jornalísticas, as empresas de conteúdos e os próprios produtores de conteúdos.
Daí a necessidade, e esta é a minha terceira nota, de esta Assembleia fazer, de certa forma, aquilo a que se pode chamar uma análise comparada desta matéria. E a análise comparada deve envolver também, para lá das questões francesas - e, além do acordo entre a sociedade gestora do Le Figaro e o sindicato nacional dos jornalistas, há ainda um acordo anterior da sociedade do Le Monde, que abrange, necessariamente, o Le Monde diplomatique, a Manière de voir, etc. e o sindicato nacional dos jornalistas -, o conjunto dos outros Estados europeus. Dou três

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ou quatro exemplos nesta matéria: no Reino Unido, os direitos de autor aplicam-se apenas aos jornalistas freelancers; na Holanda, quando o trabalhador é independente, é habitual receber pagamentos extra e, no caso de pertencer aos quadros de uma empresa, essa remuneração depende do seu trabalho; na Alemanha, existe legislação sobre os direitos de autor, mas é considerada insuficiente pelos jornalistas, e, por isso, há um processo de compensações que é regulado de diferentes formas, dado que o sistema alemão de pagamento dos direitos de autor sobre o material impresso se baseia numa taxa calculada sobre as vendas de diferentes aparelhos.
Em relação aos Estados Unidos da América, para além das questões suscitadas pelo acórdão de Março que referenciei, os direitos de autor só existem para os freelancers e, nos casos dos repórteres e das empresas, fazem um acordo que especifica que direitos são cedidos e em que termos são cedidos.
Portanto, a legislação comunitária e a jurisprudência que nos chega tem, necessariamente, de ser analisada pelo legislador português, em termos da globalização da comunicação e, fundamentalmente, da susceptibilidade da deslocalização empresarial que lhe está subjacente, assim como também temos de fazer uma análise do direito e dos estatutos comparados.
A minha quarta nota tem a ver com a análise concreta dos diplomas em apreciação. E, nesta matéria, permitam-me seis breves reflexões que submeto à consideração e à meditação dos proponentes, quer do Partido Comunista Português, quer do Partido Socialista.
Primeira: entendem, VV. Ex.as, que não é possível ou, melhor, que não é desejável introduzirmos, na forma de regulamentação prevista pelo Estatuto do Jornalista, uma diferença entre os jornalistas independentes, que não têm…

Protestos do Deputado do PS José Saraiva.

V. Ex.ª é um jornalista independente, porque é um opinion maker e…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um comentador!

O Orador: - É um comentador de análise.

O Sr. António Reis (PS): - Freelancer?!

O Orador: - Não! É um freelancer lato sensu!
Mas, como eu estava a dizer, não será desejável introduzirmos uma diferença entre este tipo de jornalistas e aqueles outros que estão vinculados apenas por um contrato de trabalho? Ou seja, não é desejável que esta diferenciação se concretize no ordenamento jurídico português?
Segunda reflexão, em razão até de alguns textos citados: qual deve ser o objecto preciso do contrato de trabalho? Qual é o objecto preciso? É a própria obra jornalística? E quando é que se esgota a titularidade dessa própria obra jornalística? Esgota-se na primeira difusão ou na primeira publicação? O legislador pode ignorar esta matéria?
Terceira reflexão: não importa também salvaguardar algo que está presente, penso eu, no projecto de lei do Partido Socialista, isto é, que as empresas jornalísticas têm o direito de proteger a sua actividade e o âmbito das suas actividades? Como é, por exemplo, a questão dos ficheiros e das bases de dados! Em que termos é que uma concretização legislativa, que é uma concretização legislativo-regulamentadora, digamos assim, pode ignorar esta situação? Até para que, perante expectativas criadas em razão da Lei n.º 1/99, elas não venham a ser postas em causa.
Quarta reflexão, em relação à qual o projecto de lei do Partido Socialista - louve-se! - traz benfeitorias jurídicas relevantes: não importa delimitar rigorosamente as limitações à liberdade contratual das partes, ainda mais do que aquilo que está consagrado no projecto apresentado pelo Deputado António Reis?
Em quinto lugar, ao nível dos mecanismos sancionatórios contra-ordenacionais e das coimas, quais os elementos de repartição das coimas e para quem, para que entidades? Ou seja, o elemento contra-ordenacional e o elemento da coima implicam a sua afectação em que termos? Quais as consequências? Que delimitação? Que processo?
Em sexto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos perante a concretização normativa de matéria que não é apenas direito, liberdade e garantia fundamental. Estamos perante matéria que tem a ver com direitos dos trabalhadores e daí a necessidade de audição vinculante das entidades representativas, sob pena de inconstitucionalidade. Mas, por outro lado, a Assembleia da República deveria dar um sinal para o conjunto das partes, que são os jornalistas e as empresas, de que não quer, ela própria, regulamentar demais, quer criar as condições para mediar mais.
É esta concepção entre «Estado mais» e «fomento da mediação de menos» que nos leva, claramente, a fazer uma separação entre os projectos de lei apresentados.
O projecto do Partido Comunista Português tem uma filosofia subjacente que não pode colher a nossa aceitação, até porque, teoricamente, do meu prisma, e ao contrário do que disse o Sr. Deputado Bruno Ramos Dias, pode afectar e perturbar ainda mais a lógica do emprego e da vivência interna das empresas, ou, então, criar mecanismos jurídicos neste tempo que serão ainda mais constrangedores. Nesta perspectiva, há que diferenciar claramente este projecto de lei daquele que foi apresentado pelo Partido Socialista, tendo sempre presente algo, que é: o tempo da comunicação de hoje, é um tempo diferente. O jornalista, hoje, para além de todas as questões de criação, é ele mesmo um elemento fundamental da produção de conteúdos. E a produção de conteúdos aí está. Citemos ou não Dominique Wolton e o seu «E depois da Internet?» ou qualquer outro autor, a verdade é que situamos claramente a revolução da comunicação, e esta pressupõe uma adequação normativa relevante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute hoje, porque o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tomou a iniciativa de agendar o debate deste diploma, uma matéria que reputamos da maior importância e que, no fundo, vem colmatar uma grave lacuna que a Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, aprovada neste Parlamento, veio criar ao definir o Estatuto do Jornalista. Esta lacuna advém do facto de a lei em causa, que entendemos ser da maior importância, ter definido e ter ajudado a ordenar o território em que a actividade do jornalismo se exerce, tendo ainda definido um

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conjunto de princípios extremamente importantes, designadamente aqueles que suscitam esta discussão e a definição legal do direito de autor. No entanto, ao contrário do que a própria lei tinha definido, não foram ouvidas, no prazo de 120 dias, as entidades interessantes, ou seja, os representantes dos profissionais deste sector e as associações empresariais, não tendo sido criadas, portanto, as condições para que este direito fosse exercitado. O direito ficou no papel e foi, no fundo, fruto da pressão do Sindicato dos Jornalistas que surgiu este agendamento, acompanhado de uma iniciativa legislativa que sobre esta matéria o Partido Comunista Português anteriormente tinha apresentado.
Ora, é nosso entendimento que não se podem discutir as condições que garantam o exercício e a protecção legal do direito de autor sem atender à evolução tecnológica extremamente rápida entretanto verificada na comunicação social, no audiovisual. Daí a necessidade de encontrar o mecanismo que dê corpo à protecção do direito de autor e a necessidade de ajustar essa protecção ao que é hoje uma realidade marcada por uma verdadeira indústria do conteúdo. Parece-nos, pois, que a discussão não pode ser feita sem atender desde logo que ao falar do objecto de protecção, ou seja, do direito de autor, estamos a falar de protecção de desenhos, de textos, de sons e de imagens resultantes do acto de criação e da liberdade de expressão do jornalista.
A questão que temos perante nós é a de saber como conciliar duas visões diferentes que partem, elas próprias, de pressupostos diferentes. Entende o Partido Socialista, e esta é uma matéria discutível, que nem toda a produção de um jornalista pode ser considerada um bem ou um produto passível de protecção em termos do direito de autor. Entende ainda o Partido Socialista, e enfatiza-o muito no seu projecto de lei, que a protecção para regular esse direito deve ser remetida, antes de mais, à relação contratual que existe entre o jornalista e a empresa e confia, de uma forma que, do nosso ponto de vista, não atende à realidade, nos tribunais para dirimir conflitos de interesse. Independentemente de o Sr. Deputado António Reis reconhecer que estamos perante duas entidades que estão em desigualdade de facto perante a relação que têm, gostaria de voltar a referir o conteúdo de um dos contratos existentes para dizer que, quando o direito de autor sobre cada trabalho realizado é expresso e definitivamente atribuído à entidade contratualmente mais poderosa, estamos perante não apenas uma situação lesiva dos direitos dos trabalhadores e a possibilidade de explorar abusivamente o trabalho produzido por outrem mas algo que também é grave, que é a possibilidade de um texto ser amputado e utilizado, desvirtuando a vontade daquele que o produziu.
Parece-nos, pois, que, independentemente de algumas questões que foram colocadas relativamente ao projecto de lei do PCP, é este que dá voz ao Sindicato dos Jornalistas, tendo em conta a realidade na qual se move a protecção deste direito. Ora, é precisamente nesta realidade, e não em qualquer outra, que temos de encontrar uma plataforma comum que permita, mais do que consagrar direitos no papel, fazer com que eles tenham, de facto, uma vivência na existência e no quotidiano dos jornalistas que dele e da sua protecção estão hoje totalmente privados.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Numa outra ocasião, gostaria de poder comentar com o Sr. Deputado Fernando Seara as consequências da interessante distinção que ele estabelece entre jornalista-produtor de conteúdos e jornalista-autor. Isto porque me parece que a vertente que está aqui a ser discutida é a da protecção do direito de autoria, e não sei se o produtor de conteúdos nos leva a uma mercantilização do produto do trabalho que diminui o direito de autoria. Mas esta é uma discussão que, em sede de especialidade, provavelmente poderemos continuar.
De todo o modo, gostava de dizer que, do ponto de vista do Bloco de Esquerda, este agendamento é oportuno e importante. É, de facto, importante encontrar um consenso - foi isto, aliás, que nos pediu o Sindicato dos Jornalistas -, razão pela qual viabilizaremos os dois projectos, de forma a que, em sede de especialidade, possamos encontrar um acordo sobre matéria tão importante como esta.
Quero apenas dizer que, neste momento, salvo honrosas excepções, a situação na televisão e nos meios informáticos é de pirataria generalizada. Como tal, é preciso ter em conta que o jovem jornalista à procura do primeiro emprego ou desempregado está particularmente indefeso nesta relação, e é por isso que estamos de acordo em que questões sobre direitos essenciais como estes não devam ficar sobretudo dependentes de relações contratuais desiguais, e que, portanto, se deveria fixar critérios remuneratórios (como se faz no projecto dos jornalistas e do PCP), faltando no projecto do PS moldura contra-ordenacional.
Quanto ao artigo 3.º, renovo as reservas que há pouco tinha feito.
Dito isto, Sr. Presidente, a nossa disposição é a de viabilizar ambos os projectos de lei, para, em sede de especialidade, continuarmos uma discussão por forma a encontrar-se uma solução equilibrada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está praticamente tudo dito, mas consintam-me que conte à Câmara uma pequena história.
Há 50 anos, um jovem estudante de Direito, em Coimbra, por sugestão do Professor Antunes Varela, fazia a sua tese (no tempo em que se concluíam cursos e se faziam teses) com um trabalho sobre direitos de autor. Há sensivelmente um ano, esse já menos jovem licenciado em Direito fez uns «avisos à navegação» e, nessa altura, escreveu sobre esta questão dos direitos de autor, dizendo o seguinte: «Como recusar dar relevo específico à problemática dos direitos de autor dos jornalistas? Como desconhecer que também eles, quer quando escrevem para os jornais, quer para o noticiário radiofónico, televisivo, informático ou 'internético', produzem textos e preenchem suportes, por um lado dotados de valor patrimonial e, por outro, imbuídos de valores que reflectem as ideias, as convicções, a cultura e as categorias identitárias do autor?» Perguntava ainda esse avisador das consciências: «Por que protegemos o património ou a personalidade de um romancista, de um artista plástico, de um músico e deixaríamos sem protecção um jornalista, um fotógrafo, um programador televisivo, radiofónico ou outros?».
Este homem é o Dr. António de Almeida Santos, o autor destas palavras que citei e o jovem estudante que, há 50 anos, concluiu os seus estudos em Coimbra, por sugestão do Professor Antunes Varela, com uma tese sobre este

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tema, já que na altura era apenas o Dr. Júlio Dantas - que parece que sabia de medicina, mas que de direitos de autor sabia pouco - a tratar destes assuntos. Ora, este debate é também uma homenagem que faço, que fazemos todos, ao Dr. Almeida Santos por se ter interessado recentemente por esta matéria. Mesmo aqueles seus amigos e inimigos jornalistas ficam, assim, a saber que nos suscitou que tratássemos destas matérias muito antes de o sindicato a que pertenço se ter lembrado de nos trazer aqui esta questão que tanto tem demorado a resolver.
Penso que temos de avançar, porque esta matéria não é uma matéria doméstica. Esta questão tem estado em discussão, por exemplo, na UMS, nas discussões sobre a propriedade intelectual, e estará em debate na próxima cimeira da Organização Mundial de Comércio.
Há tendências para impedir que haja acordos sobre isto; por isso, se a Assembleia da República chegar a uma lei moderadamente progressista, será a primeira na Europa que pode vir a regulamentar os direitos de autor dos jornalistas.
Era bom que não confundíssemos tudo. Sei que todos nós somos hoje jornalistas, mas também era bom que percebêssemos que nem todos os trabalhos dos jornalistas devem merecer a protecção dos direitos de autor. Há trabalhos e trabalhos. Por exemplo, o noticiário do dia não merece, objectivamente, do meu ponto de vista - e falo com a minha experiência de 30 anos -, direitos de autoria.
Espero muito sinceramente que esta matéria venha a ser rapidamente resolvida, porque, como disse o Sr. Deputado Fernando Rosas - e muito bem! -, hoje assiste-se a uma pirataria generalizada. Mas há também que ver o outro lado da questão, que são as notícias constantes que temos. Em Portugal, existem quase 7000 jornalistas, e não sei, tenho dúvidas - e estou a falar enquanto Deputado e não enquanto jornalista -, se algumas dessas empresas não podem… Bem sei que fazem chantagem, utilizando o argumento de que desligam os fios e de que deixam de fazer os on line; sei que há muitas dificuldades em alguns casos; todos sabemos que, hoje, há despedimentos na comunicação social; sabemos que há uma verdadeira rapina ao trabalho do jornalista, a quem pagam cerca de 80 000$ desde as 9 horas até às 20 horas para fazerem tudo - e era bom que a Inspecção-Geral do Trabalho verificasse o que se passa em muitas redacções -, mas, se virem os contratos, e todos nós temos acesso àqueles que o Sindicato dos Jornalistas nos entregou, verificamos que as condições de exercício da profissão são hoje extremamente debilitadas e débeis. Isto porque, como dizia o Sr. Presidente, se o jornalista é um jornalista - perdoem-me a expressão - de categoria, ele pode contratualizar facilmente, pode fazer um contrato que lhe garanta que produto do seu trabalho não é passado ou vendido para outro lado, mas se é um jornalista que ainda não teve tempo para se afirmar, se é um jornalista que saiu há pouco dos bancos da escola, se é um jornalista que está ainda no «picanço» das notícias, que anda à procura das notícias, esse jornalista está sujeito a tudo, e está sujeito a ir para a rua. É por isso que há manipulação da informação em Portugal, porque esse jornalista, muitas vezes, sujeita-se a calar, a desviar ou a distorcer algumas notícias, mas não propositadamente. Aquele que não se sujeita a isto e que quer apresentar a verdade é um jornalista que não interessa, e, por isso, é posto de lado. Isto tem acontecido muitas vezes.
Estou em crer que, ao protegermos os direitos de autor, estamos a defender os jornalistas, e estamos, sobretudo, a defender os jornalistas consistentes.
Aquilo que penso, acho que é muito complexo, é muito difícil de verificar, e o Sr. Deputado Fernando Seara trouxe-nos aqui algumas notícias. Mas quero dizer-vos que, na Alemanha, por exemplo, se quiserem usar um texto meu na net, pagam-me 40% do salário de jornalista e na Holanda pagam 25% do desse salário para terem essa mesma possibilidade.

Protestos do Deputado do PCP António Filipe.

O Sr. Deputado não teve qualquer mérito, desculpe que lhe diga! O Partido Comunista Português limitou-se a reproduzir o texto apresentado pelo Sindicatos dos Jornalistas, que eu próprio gostaria de ter feito, devo dizer-lhe, mas não de transcrever. Os senhores vêm todos à arreata daquilo que os sindicatos lhe trazem e querem vangloriar-se disso. Isso não é mérito absolutamente nenhum! Peço-lhe imensa desculpa, mas não é mérito absolutamente nenhum! São essas e outras coisas que, normalmente, têm dado no que têm dado!

Protestos do PCP.

Fico-me por aqui, mas estou convencido de que «edificaremos» uma boa lei, e isso seria útil para os jornalistas portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe para uma intervenção, quero agradecer ao Sr. Deputado José Saraiva a invocação dos tempos em que eu era ligeiramente mais jovem. Muito obrigado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para uma intervenção, na medida em que ainda disponho de tempo, mas esta intervenção é suscitada apenas por uma observação do Sr. Deputado José Saraiva, que considero completamente despropositada.

Vozes do PCP: - Exactamente! E intolerável!

O Orador: - Acho que em bancada nenhuma desta Assembleia existe alguém que ande à arreata. Penso que é um tipo de vocabulário que não muito usual nem próprio nesta Assembleia.
Quanto à questão de fundo, quero dizer-lhe o seguinte: nós, em momento algum, enjeitámos o mérito que reconhecemos ao Sindicato dos Jornalistas relativamente à proposta que apresentou a todos os grupos parlamentares, aquando do Dia da Liberdade de Imprensa, há um ano atrás.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O nosso projecto de lei não é uma transcrição da proposta do Sindicato dos Jornalistas. Se o Sr. Deputado o tivesse lido e confrontado com a proposta do Sindicato dos Jornalistas, veria que não é uma transcrição…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Senão teria de pagar direitos de autor!

O Orador: - … e que há matérias em que nos afastamos das propostas do Sindicato.

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Agora, dizemos que este projecto de lei foi largamente baseado nas propostas que foram feitas pelo Sindicato dos Jornalistas, que, aliás, fazia um apelo aos grupos parlamentares no sentido de se associarem àquelas propostas, naquilo em que estivessem de acordo com elas,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … e nós, naquilo em que estávamos de acordo, adoptámos e propusemos as soluções apresentadas pelo Sindicato dos Jornalistas. Os senhores é que não fizeram nada disso! Ou seja: o Governo deixou passar os 120 dias,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Já lá vão 1000 dias!

O Orador: - … até hoje não apresentou qualquer proposta de lei, e alguns meses depois de termos apresentado o nosso projecto de lei o Partido Socialista apresentou o seu.
Mas, Sr. Deputado, acho que esta não é altura para estarmos com este tipo de recriminações, penso que o que temos de fazer é saudar o facto de haver duas iniciativas legislativas em discussão sobre esta matéria e esperar que do debate na especialidade destas iniciativas possa resultar uma lei que proteja os direitos legítimos dos jornalistas. Esta é que é, de facto, a questão que nos preocupa e, do nosso ponto de vista, é isto que é importante reter deste debate.

Aplausos do PCP.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. Presidente: - Está fora de tempo, Sr. Deputado, porque quem acabou de intervir foi o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Então, Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero apenas dizer que se, em relação ao projecto de lei do PCP, se nota a sombra tutelar do Sindicato dos Jornalistas, no que toca ao projecto de lei do Partido Socialista também se nota a mesma tutela, mas, neste caso, por parte da Secretaria de Estado da Comunicação Social, porquanto o seu projecto de lei reproduz quase na íntegra aquilo que dela vem.
Trata-se apenas de um aparte, não em defesa do Partido Comunista Português…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Longe de nós pensar isso!

O Sr. António Filipe (PCP): - Era o que faltava!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - … mas em abono da verdade.

O Sr. António Braga (PS): - Não teve graça!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A votação destes projectos de lei far-se-á à hora regimental no próximo dia em que houver votações, uma vez que não foi requerida a sua votação no fim dos trabalhos.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, dia 4, quinta-feira, às 11 horas, e terá como ordem de trabalhos a discussão e votação do texto emanado da Comissão Eventual de Revisão Constitucional (projectos de revisão constitucional n.º 1/VIII (PSD), 2/VIII (PS) e 3/VIII (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Jamila Barbara Madeira e Madeira
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Alves Marques Júnior
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
João Cardona Gomes Cravinho
José Aurélio da Silva Barros Moura
Júlio Francisco Miranda Calha
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Luísa Pinheiro Portugal

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Fernando Santos Pereira
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Manuel Macedo Abrantes
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Pedro Augusto Cunha Pinto

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Partido Popular (CDS-PP):
José Martins Pires da Silva

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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