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0252 | I Série - Número 09 | 06 de Outubro de 2001

 

Rever a Constituição, assumir poderes constituintes, é, sem dúvida, o acto mais importante e sensível do Parlamento. Trata-se de alterar a Lei Fundamental, elemento fundador e integrador da comunidade política nacional. A Constituição, a lei das leis, sedimenta em si o consenso do povo sobre a sociedade em que deseja viver, titula os direitos, liberdades e garantias fundamentais de todos os cidadãos, legítima o poder democrático e as traves-mestras do Estado de direito. Por isso é altamente desejável a estabilidade constitucional como garante da estabilidade da comunidade política.
Não se compadece a Constituição com constantes revisões e muito menos com revisões fundamentadas em circunstâncias não essenciais para o projecto político nacional que ela incorpora e garante. Por isso, a própria Constituição contém os mecanismos necessários à defesa da sua própria estabilidade, exigindo consensos de alteração suficientemente expressivos para a assegurar.
Só se justifica, a meu ver, a revisão extraordinária quando a exijam ou compromissos internacionais essenciais e urgentes que criem obrigações incompatíveis com o sistema constitucional vigente ou aperfeiçoamentos derivados de novas condições da vida em sociedade que constituam questão constitucional face ao articulado da mesma e cuja resolução seja manifestamente urgente.
Esta revisão teve a sua génese mais próxima na primeira daquelas ordens de razões. A ordem jurídica internacional, quer no quadro da União Europeia, quer no que respeita à criação duma jurisdição penal internacional, traz exigências a Portugal não totalmente harmonizáveis com alguns preceitos constitucionais, não tanto pela contradição clara entre uns e outros mas, sobretudo, pelas lacunas de referência a quadros jurídicos novos, a exigir novas previsões.
Um novo ordenamento penal internacional está em construção, como exigência, a meu ver inteiramente justificada, face a formas de criminalidade até agora sem resposta adequada por parte dos Estados e das organizações internacionais.
O tratado que institui o TPI (Tribunal Penal Internacional) é uma exigência de civilização e um real progresso face a trágicas experiências de crimes cometidos contra os povos e que tantas e tantas vezes ao longo da História, e da mais recente, ficaram impunes, muitas vezes por simples razões de real politik ou de pretendida reconciliação nacional.
Portugal não poderia, por inexistência de previsão constitucional, ficar à margem deste movimento de justiça que percorre a comunidade das nações que comungam dos ideais de defesa das liberdades e direitos fundamentais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como também não seria aceitável que pudéssemos ser obstáculo às exigências da cooperação judiciária na União Europeia, como fundamento de um espaço de liberdade, segurança e justiça.
A construção europeia traz consigo a necessidade não só de construção de um espaço económico único com vista à realização da coesão económica e social como também desse espaço de liberdade, segurança e justiça entre os Estados que comungam duma mesma matriz de direitos e que se encontram hoje confrontados com novas formas de criminalidade transfronteiriça a exigir cooperação e repressão criminal, até agora compartimentadas no estrito exercício da soberania dos Estados.
Finalmente, e ainda no plano das relações internacionais, a revisão preencheu um vazio no que respeita à criação das bases de uma verdadeira cidadania lusófona, conseguindo assim mais uma etapa, e esta bem essencial, à construção desse espaço a que tanto sentimento nos liga e que representava, aliás, em relação ao Brasil o cumprimento do dever estrito de reciprocidade face à Constituição brasileira.
O consenso alargou-se ainda a duas outras matérias. Uma delas é a que permite finalmente, e independentemente da opinião dos vários partidos sobre a necessidade de revisão neste domínio, a legitimação constitucional dos sindicatos de polícia, com expressa exclusão do direito à greve. Era também urgente criar condições para cumprir este compromisso arrastado por vários anos e confirmado por todas as bancadas parlamentares.
A outra matéria respeita à alteração das condições para a entrada em domicílio no período nocturno. Também aqui se tratou de fazer face a exigências colocadas por condições de vida bem diferentes das existentes há um quarto século e também a novas e sofisticadas formas de organização criminosa a que temos hoje de fazer frente, isto sem perda das garantias dos cidadãos que à Constituição cumpre assegurar.
Não estamos, com esta alteração, a construir uma sociedade securitária, estamos, assegurando as garantias, a contribuir para uma luta contra a alta criminalidade organizada, esta, sim, atentando gravemente contra os fundamentos das sociedades democráticas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estas as matérias em que foi possível na Comissão gerar o consenso constitucionalmente exigido para a revisão extraordinária.
Foi, como não podia deixar de ser, uma revisão limitada ao estritamente necessário. Nem por isso ela é menos importante ao criar as condições para podermos agora cumprir compromissos inadiáveis e urgentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi para mim, pessoalmente, uma honra poder presidir aos trabalhos da Comissão. A tarefa foi, aliás, facilitada pelo clima de cooperação e cordialidade entre todos os Srs. Deputados que dela fizeram parte.
Foi também para todos nós - estou certo poder afirmá-lo - uma experiência enriquecedora e marcante pelo nível e profundidade do debate, como também pelo contributo altamente positivo dado por todas as entidades que connosco colaboraram nas muitas audições que tiveram lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua a sua intervenção.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Penso que todos nós, eleitos, temos a consciência de ter cumprido o mandato que nos foi cometido. A palavra e a deliberação é agora do Plenário, para, na assunção plena dos seus poderes constituintes, poder criar as condições necessárias à aprovação da V Revisão Constitucional.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

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