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Sábado, 27 de Outubro de 2001 I Série - Número 18

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. João António Gonçalves do Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
José de Almeida Cesário

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 159 e 162/VIII.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato de um Deputado do CDS-PP.
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 130-A/2001, de 23 de Abril, que estabelece a organização, o processo e o regime de funcionamento da comissão para a dissuasão da toxicodependência, a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, e regula outras matérias complementares [apreciação parlamentar n.º 45/VIII (CDS-PP)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência de Conselho de Ministros (Vitalino Canas), os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Nuno Freitas (PSD), João Sobral e Filipe Vital (PS), Natália Filipe (PCP) e Francisco Louçã (BE).
Foi igualmente apreciado o Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, que altera o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação) [apreciação parlamentar n.º 48/VIII (PCP)], tendo proferido intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Manuel Silva Pereira), os Srs. Deputados Joaquim Matias (PCP), Renato Sampaio (PS), Manuel Oliveira (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara apreciou também o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro (Altera os Decretos-Leis n.os 114/94, de 3 de Maio, e 2/98, de 3 de Janeiro, bem como o Código da Estrada, e revoga os Decretos-Leis n.os 162/2001, de 22 de Maio, e 178-A/2001, de 12 de Junho) [apreciações parlamentares n.os 51/VIII (PSD) e 52/VIII (CDS-PP)]. Usaram da palavra, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães) e da Administração Interna (Rui Carlos Pereira), os Srs. Deputados João Maçãs (PSD), Rosado Fernandes (CDS-PP), Agostinho Lopes (PCP), Basílio Horta (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Ana Catarina Mendonça (PS), António Martinho (PS) - ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 81.º do Regimento -, Castro de Almeida (PSD), Alves Pereira (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
A Câmara apreciou, ainda, o relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios, tendo feito intervenções os Srs. Deputados Castro de Almeida (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Honório Novo (PCP), António Nazaré Pereira (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco Louçã (BE) e Dias Baptista (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 14 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos José Gonçalves Vieira de Matos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Cardona Gomes Cravinho
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
Domingos Duarte Lima
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Feliciano José Barreiras Duarte

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Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima
António Manuel Alves Pereira
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís José de Mello e Castro Guedes
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de dois diplomas que deram entrada na Mesa e de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de resolução n.os 159/VIII - Cria uma comissão parlamentar de controlo da execução do Orçamento do Estado (PS) e 162/VIII - Relativo à remessa de documentos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o Rio Douro em Entre-os-Rios à Procuradoria-Geral da República (apresentado pela Comissão).
Srs. Deputados, em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 25 de Outubro de 2001, pelas 17 horas, foi observada a retoma de mandato do Sr. Alves Pereira (CDS-PP), cessando José Pires da Silva, em 26 de Outubro corrente, inclusive.
O parecer é do seguinte teor: «A retoma de mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais».

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos, então, iniciar os nossos trabalhos com a apreciação do Decreto-Lei n.º 130-A/2001, de 23 de Abril, que estabelece a organização, o processo e o regime de funcionamento da comissão para a dissuasão da toxicodependência, a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, e regula outras matérias complementares [apreciação parlamentar n.º 45/VIII (CDS-PP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS-PP pediu a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 130-A/2001 por, independentemente da análise que se possa fazer do novo regime que o Governo apresentou em relação à questão da droga e da toxicodependência, considerar em certa medida que ele tem algumas deficiências que nos parecem graves.
Sublinhamos que, à partida, não concordámos com este regime e que, por isso, assumimos em relação a ele uma posição muito crítica. Fizemo-lo por considerarmos (como dissemos na altura e voltamos a reafirmar) que existe uma desgraduação, uma desvalorização do consumo de droga como comportamento negativo e por considerarmos que a lei anterior, do nosso ponto de vista, era mais eficiente

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nessa matéria, já que, não implicando necessariamente penas de prisão, garantia que os consumidores e os jovens nessa situação pudessem ser reencaminhados para um processo de tratamento. Todavia e independentemente disso, pensamos que o actual sistema só será verdadeiramente eficaz se garantir que aqueles que estejam nesta situação possam efectivamente ser remetidos para uma situação de tratamento.
Neste sentido, preocupa-nos que no decreto-lei, designadamente nos artigos 25.º e 13.º, não exista nenhuma sanção para as situações em que não há comparência perante a comissão. Ou seja, a não comparência perante a comissão pode permitir o alargamento do prazo, pode permitir a tomada de diligências junto das entidades para que essa comparência se faça, mas é uma situação que, pelo que está disposto no decreto-lei, se pode prolongar por um longo período. Ora, isto parece-nos preocupante, não propriamente porque queiramos ter aqui uma visão estritamente sancionatória, mas, bem pelo contrário, porque se temos um sistema que encaminha para uma comissão, para que essa comissão possa encaminhar para um processo de tratamento, torna-se necessário que essa comparência e essa possibilidade de estar perante a comissão efectivamente se concretize.
Por outro lado, findo o processo - e este processo segue, essencialmente, o modelo do processo sumário ou sumaríssimo -, era, do nosso ponto de vista, fundamental que a comissão tomasse uma decisão num prazo relativamente curto. Não se pode, num processo de encaminhamento para tratamento que pretende ser rápido e eficaz, permitir que a comissão não tome uma decisão durante um período relativamente longo. De resto, a própria alteração da coima pela possibilidade de prestação de serviços à comunidade é facultativa, depende do consentimento e, portanto, é fundamental que essas situações sejam definidas num prazo relativamente curto e que este processo seja um processo efectivo.
Há alguns dias, no âmbito de uma comunicação que o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros nos quis dirigir, perguntei-lhe qual era a avaliação que fazia deste processo até agora, ou seja, da constituição das comissões e de todo o desenvolvimento que lhes diz respeito. Fi-lo porque se está a criar aqui a ideia de que substituímos um modelo que previa o crime e a possibilidade de detenção, ainda que não fosse aplicada, e que tinha um sistema alternativo de reencaminhamento para tratamento ou para sanções alternativas (que, pura e simplesmente, foi sempre esquecido) por um modelo que é mais flexível, que, na linguagem oficial e no discurso do Governo, se diz um sistema mais humano e mais correcto porque encaminha para tratamento, mas que, nos casos em que não há comparência perante a comissão, nos casos em que a comissão tem de proferir decisão e nos casos em que é necessário tornar este processo efectivo e expedito, permite que, pura e simplesmente, não haja comparência ou que a decisão tarde, pelo que não há encaminhamento para tratamento de espécie alguma.
Pode, portanto, criar-se aqui a ideia de que, se houver falhas neste processo e neste funcionamento, não há detenção, não há sanção e, em suma, passe a expressão em castelhano, «No pasa nada!». Noutros termos, o que se passa é que havendo um consumidor em relação ao qual a sociedade tem uma responsabilidade, pelo que tem de fazer alguma coisa, a forma como o mecanismo está composto na lei leva a que, como me sugeriu agora o meu colega Luís Nobre Guedes num aparte, pior do que não se passar nada, tudo se possa passar nesse mesmo período, não sendo o sistema eficaz.
Basicamente, são estas as razões do nosso pedido de apreciação parlamentar, já que esta é uma matéria que nos preocupa. Não quereria limitar esta discussão a uma repetição das críticas que fizemos a este mesmo sistema, críticas que poderíamos manter, mas, porque este é o sistema que temos e que está em vigor, o nosso propósito é o de garantir que ele tenha um mínimo de eficácia e de utilidade em relação ao nosso objectivo, que é o de assegurar a capacidade de tratamento daqueles que estão nesta situação, acompanhando-os e apoiando-os, fundamento que é essencialmente humanista.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Vitalino Canas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Telmo Correia, confesso que estava curioso sobre a forma como o CDS-PP iria abordar hoje este debate. Estava curioso porque o CDS-PP nos tem habituado, sempre que há um debate sobre estes temas da droga e da toxicodependência, a uma posição de ilusão, procurando normalmente subterfúgios para não se pronunciar sobre as questões concretas que estão em discussão.
Recordo aqui que quando houve o debate sobre a descriminalização o CDS falou do referendo; quando houve um debate sobre políticas de redução de riscos o CDS falou do referendo; quando houve intervenções sobre o plano nacional de luta contra a droga o CDS voltou a falar do referendo e quando aqui fiz, recentemente, uma intervenção sobre prevenção primária, a que o Sr. Deputado Telmo Correia fez referência, o CDS, vá-se lá saber porquê, já não falou do referendo mas, sim, da sua preocupação pelo facto de nunca mais aparecerem as salas de injecção assistida. Portanto, normalmente, o CDS-PP, nesta área, fala daquilo que não está em discussão.
Felizmente, não foi essa a atitude que o CDS-PP assumiu a propósito desta apreciação parlamentar e eu desejava saudar esta postura finalmente construtiva e positiva. Uma atitude com a qual se procura melhorar, mesmo que eventualmente não haja nada a melhorar, é positiva e é por essa intenção de melhorar o que já está em vigor e está a ser feito que quero saudar o CDS-PP. Só por causa dessa mudança, já seria importante para o Governo manifestar abertura em relação à possibilidade de se fazer um trabalho sério em comissão, procurando encontrar alguns aspectos de pormenor em que possamos fazer ainda melhor do que até agora.
O Sr. Deputado Telmo Correia, em nome do seu partido, referiu dois aspectos. Em primeiro lugar, referiu que não há nenhuma sanção específica para o caso em que não haja comparência do indiciado perante a comissão de dissuasão, após ele ter sido convocado para comparecer. Em termos jurídicos, tal não é rigorosamente verdade, uma vez que ainda resta, nesse caso, a possibilidade de ser acusado de crime de desobediência. É certo que há quem o defenda, mas devo dizer-lhe que adoptar essa solução me faz alguma impressão. Como tal, aquilo que o Sr. Deputado suscita, a possibilidade de encontrarmos vias de obrigar, forçar ou pressionar o indiciado a comparecer perante a comissão de dissuasão de toxicodependência, é um domínio em que poderemos procurar outras soluções.

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Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Governo, quando fez o decreto-lei, pensou nesse aspecto e devo, aliás, assinalar que estamos aqui perante um decreto-lei e não uma portaria, como poderia ter acontecido. Na realidade, o Governo entendeu que deveria fazer esta regulamentação por decreto-lei e não através de portaria, como estava previsto na lei, o que significa, logo à partida, que nos colocámos à disposição da Assembleia para ter aqui este debate.
Por outro lado, quando o Governo elaborou este decreto-lei pensou na possibilidade de criar mecanismos que pudessem levar a que quando o indiciado não comparecesse a uma primeira ou segunda notificação pudesse haver um mandado de condução. Entendemos, contudo, que não tínhamos competência para o fazer e que, portanto, não deveríamos introduzir esse mecanismo através de decreto-lei. Se a Assembleia, que tem outras competências, quiser pensar - através do Grupo Parlamentar do CDS-PP, juntamente com o Governo e com os demais grupos parlamentares - na possibilidade de introduzir neste decreto-lei algum mecanismo que seja facilitador desse eventual mandado de condução ou qualquer outro mecanismo, estamos plenamente disponíveis para o fazer.
Devo dizer-lhe, contudo, que este não é, neste momento, nas circunstâncias de funcionamento das comissões de dissuasão, um aspecto extremamente importante. Sendo certo que ainda não há indicadores, visto que estamos a funcionar há apenas quatro meses, o nível de não comparências, embora exista uma percentagem, não me parece mais elevado do que o que já sucedia no âmbito do sistema criminal.
O Sr. Deputado saberá seguramente que, face às normas anteriores, já eram frequentes as não comparências dos indiciados nos tribunais e que, às vezes, quando apareciam e eram condenados não cumpriam as penas. Já havia, de facto, um indicador relativamente importante nesse sentido e admito que se mantenha. Todavia, não creio e não tenho neste momento indícios de que tal indicador se tenha agravado. De qualquer modo, vamos trabalhar nesse aspecto e vamos procurar encontrar, no quadro das competências da Assembleia que o Governo não tem, algum mecanismo para melhorar esse aspecto.
Falou também o Sr. Deputado da necessidade de a decisão ser tomada num prazo curto, não havendo para tal qualquer prazo. Chamo, contudo, a sua atenção para o facto de existirem prazos previstos neste decreto-lei. Existe um prazo máximo para a realização de uma audição e existe também uma norma a dizer que, esgotado esse prazo máximo de 35 dias, deve haver decisão imediatamente a seguir.
Devo dizer-lhe, no entanto, Sr. Deputado, que daquilo que sei do funcionamento destas comissões, este prazo fica normalmente muito longe de ser esgotado, sendo esta, aliás, uma das virtudes da nova lei. Ou seja, não se cria aqui o sentimento de impunidade que por vezes se pode criar quando entre o facto ilícito e o julgamento medeiam alguns meses ou alguns anos. Aquilo que sei do funcionamento das comissões é que é muito frequente, e é talvez até a regra geral, decidirem num prazo de duas ou três semanas, e nunca mais do que isso. Ou seja, entre o momento em que a pessoa é encontrada a consumir e o momento em que sabe aquilo que lhe vai suceder, de acordo com esta nova legislação, medeiam normalmente, em média, duas semanas ou pouco mais do que isso.
Admitirá, Sr. Deputado Telmo Correia, que é uma das vantagens da lei e fico satisfeito por verificar que o CDS-PP, apesar das dúvidas que teve no início, repito, apesar disso, tem alguma evolução na forma como a encara. E penso que o faz com toda a razão. As comissões para a dissuasão da toxicodependência, ao contrário do que muitos vaticinavam - alguns da bancada de V. Ex.ª -, entrou em vigor com toda a tranquilidade, com toda a serenidade, não houve qualquer perturbação pública, ninguém sentiu que esta reforma prejudicasse o seu dia-a-dia, não há qualquer indício de menor atenção ou menor pressão da sociedade em relação à droga.
Portanto, neste momento, não sendo ainda a altura para fazer qualquer tipo de balanço (e não o faremos enquanto não for essa altura), posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que os quase 1500 casos que já passaram ou estão a passar pelas comissões para a dissuasão da toxicodependência, ao nível nacional, mostram que tínhamos razão quando fizemos esta reforma, quando este Parlamento votou a lei sobre a descriminalização do consumo.
A atenção que nos tem sido dispensada, no estrangeiro, por agentes políticos, por órgãos de comunicação social, pela sociedade civil de outros países, mostram que esta «terceira via» que procurámos em Portugal, neste campo da droga, naturalmente, é algo que pode consistir num exemplo para outras latitudes, que acompanham com atenção aquilo que vamos fazendo, o que, segundo nos parece, nos dignifica a todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, não posso deixar de fazer-lhe duas referências iniciais, sendo a primeira para lhe dizer que o facto de outros países e, designadamente, a comunicação social de outros países - e eu sei que assim é! - estar muito interessada na matéria, não significa forçosamente que o projecto seja bom ou que seja um grande sucesso. A comunicação social, normalmente, como sabe, procura até aquilo que pode ser polémico, controverso ou inovador.
Quanto a esta lei ser inovadora, podemos reconhecer que seja, mas não significa forçosamente que seja boa, porque eu próprio fui procurado por órgãos de comunicação social estrangeiros (certamente os mesmos que procuraram o Sr. Secretário de Estado) que estavam muito interessados em ouvir uma opinião crítica em relação à sua política e às suas opiniões.

Protestos do PS.

Portanto, quanto muito, admitamos que a comunicação social no estrangeiro terá dito «Que coisa rara; vamos ouvir opiniões sobre estas ideias do Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas», procurando ouvir uma e outra opinião.

Risos do PCP.

Em relação às críticas que nos faz de não discutirmos o assunto do dia, Sr. Secretário de Estado, isso não é justo! Deixe-me só fazer-lhe este pequeno reparo, porque penso que não é justo.
O Sr. Secretário de Estado disse que falámos noutras questões, no cumprimento da anterior lei, e é evidente que defendíamos outra solução e outro modelo. Disse também que, quando fez estas propostas, nós defendemos o

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referendo. É evidente! Mas defendemos o referendo depois de termos sido contra, de termos explicado porquê e de termos defendido claramente que entendíamos que este processo era demasiado vanguardista, no nosso ponto de vista, em relação àquilo que a opinião pública e os portugueses quereriam ou estariam dispostos a aceitar. Por isso, apelámos a uma consulta aos portugueses e apelámos ao referendo. Mas apelámos ao referendo tendo definido uma posição primeiro, antes de apelar a esse mesmo referendo. Portanto, estávamos dentro da matéria, não estávamos fora da matéria, Sr. Secretário de Estado.
Em terceiro lugar, disse que, no outro dia, quando aqui veio discutir medidas de prevenção, falámos de «salas de chuto». Não é verdade, o nosso grupo falou de vários assuntos e fui só eu quem lhe fez essa pergunta. Aliás, tenho imensa pena mas fiz-lhe essa pergunta porque o Sr. Secretário de Estado anunciou as «salas de chuto» como uma grande medida, uma grande iniciativa...

Protestos do PS.

... e nós dissemos que tínhamos algumas reservas mas que podia ser uma solução; demo-nos até ao trabalho de ver o que é que foi feito em Espanha, por exemplo, aceitando que podia ser uma solução de humanização nalguns casos. Depois, o senhor «deixa cair» completamente esta questão e, assim, estamos no nosso direito de lhe perguntar o que é que aconteceu!
O Sr. Secretário de Estado, às vezes, tem de falar das coisas de que nós queremos que fale e não só daquelas que lhe agrada a si falar. Peço-lhe desculpa por isso!
Em relação a esta questão concreta, nós somos um partido legalista, sempre o fomos, e, portanto, perante decisões que estão em vigor, que foram tomadas pela Assembleia, que foram tomadas com legitimidade, não vamos, pura e simplesmente, transformarmo-nos em «partido de protesto»…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - … e ir para a rua dizer que não queremos esta mesma solução. Nós respeitamo-la mas, como Deputados e como membros de um partido político, temos outros meios ao nosso alcance para procurar uma solução.
Obviamente que temos uma posição de princípio e se fossemos governo não seria assim. Porém, uma vez que assim é, uma vez que é este o regime, vamos tentar, obviamente, melhorá-lo dentro do possível.
Termino com essa referência, Sr. Secretário de Estado, dizendo-lhe que, sem a certeza de que seja a melhor, nós seguimos uma solução que pensamos que está dentro do espírito da lei e que é a de uma sanção pecuniária compulsória para tentar essa mesma comparência, mas com um mandado compulsivo.
O Sr. Secretário de Estado disse que este pode ser um caminho e podem existir outros ainda; assim, faremos a entrega na Mesa de duas propostas de alteração, deixando uma proposta, que não queremos absoluta nem definitiva nesta matéria, no sentido de um prazo de cinco dias para a comissão tomar a decisão. Portanto, as nossa propostas são no sentido de uma sanção pecuniária compulsória e um prazo de cinco dias para que a decisão final seja proferida, ficando para já abertos a outras melhorias…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - … que certamente o Sr. Secretário de Estado, que tem dados de avaliação destas comissões que nós não temos, poderá completar, sendo mais rigoroso.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Telmo Correia, ultrapassou o tempo de que dispunha para formular o seu pedido de esclarecimentos e ficou sem tempo nenhum.
Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, sobre a comunicação social estrangeira, pedia-lhe que não confundisse dois tipos de comunicação social que se pronunciaram sobre o caso português.
Houve dezenas de órgãos de comunicação social que se pronunciaram sobre o caso português e que o fizeram de uma forma equilibrada, objectiva, procurando avaliar o que estamos a fazer, o que pode ser bom, o que pode ser duvidoso, o que pode ser mau. E houve dois ou três órgãos de comunicação social estrangeiros que foram «incendiados» por alguns responsáveis portugueses. Houve mesmo um responsável português que disse que, a partir da descriminalização, haveria o sol, as praias e as drogas que se quisessem, em Portugal. Obviamente, este tipo de afirmações não são de molde a sossegar a comunicação social estrangeira!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quem disse isso?

O Orador: - O líder do seu partido, Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Isso não é verdade!

O Orador: - Tenho os recortes dos jornais, que terei todo o gosto em lhe enviar, nomeadamente do Sunday Times.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Essa agora! Se ele disse isso estava a brincar consigo!

Risos do PS, do PCP e do BE.

O Orador: - Estava a brincar?! Ó Sr. Deputado, não sei se se pode brincar com estas coisas. Mas tomo nota que se brinca com estas coisas na bancada de V. Ex.ª.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Estou surpreendido!

O Orador: - Quanto à questão das «salas de chuto», é verdade que não falaram apenas de «salas de chuto», quando aqui vim falar de prevenção primária, falaram também do álcool.
Em relação às «salas de chuto» - vejo que o Sr. Deputado está preocupado -, terei todo o gosto em ver uma proposta do seu partido no sentido de o Governo passar a ser autorizado a criar «salas de chuto». Tomaremos uma posição sobre isso. Desde já lhe digo que será o primeiro país e o primeiro governo a ter competência para o fazer. Em todos os outros países, na Europa, onde há salas de injecção assistida, elas foram criadas por autarquias locais.

O Sr. Luís Nobre Guedes (CDS-PP): - E bem!

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O Orador: - Mas se o Sr. Deputado está tão preocupado com isso, terei todo o gosto, em nome do Governo, em me pronunciar sobre alguma proposta que faça nesse campo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agora, são «chutos» à Sala!

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Tira a água do capote!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Responsabilidades é que não…

O Orador: - Quanto à proposta que aqui nos apresenta, nomeadamente de atribuir ou poder atribuir competência à comissão para sancionar através de medidas pecuniárias compulsórias, para obrigar o indiciado a comparecer, tenho algumas dúvidas que devamos ir por aí. Neste caso, em que muitas vezes os indiciados são pessoas desestruturadas e desinseridas, com problemas de natureza económica, não me parece que devamos ir por aí. Mas podemos pensar noutras alternativas e seguramente que o Governo irá pensar na possibilidade de fazer outras propostas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra ao Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: Deixe-me começar por salientar três perplexidades que a sua intervenção me causou.
Em primeiro lugar, disse o Sr. Secretário de Estado que ninguém se sentiu prejudicado com a instalação das comissões para a dissuasão da toxicodependência, mas a questão não é propriamente saber se não houve perturbação e ninguém se sentiu prejudicado, é saber se alguém se sentiu favorecido, se alguém sentiu que era uma melhoria.
A segunda perplexidade é a que se refere a não ser ainda o momento para fazermos uma avaliação quando o artigo 37.º do decreto-lei que estamos aqui a apreciar impõe que, trimestralmente, o IPDT (Instituto Português da Droga e da Toxicodependência) já tenha informações das comissões para a dissuasão, designadamente em relação às coimas. E, já agora, agradecemos esses dados.
A terceira nota tem que ver com aquilo que acaba de referir sobre as comissões para a dissuasão da toxicodependência, que abordarei na breve intervenção que farei a seguir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Três motivos essenciais sustentam esta e mesmo outra qualquer apreciação parlamentar sobre o novo edifício legislativo relativo ao consumo de drogas. A circunstância será tanto mais pertinente quanto o Orçamento do Estado para 2002 revela, tristemente, do incumprimento do Governo quanto à meta que ele próprio se tinha proposto - duplicação, no tempo de uma legislatura, das verbas atribuídas à luta contra as toxicodependências.
Ainda assim, recordamos, tem gozado o Governo de um sólido consenso por parte do PSD quanto a diversos objectivos e matérias desta luta. E registamos que, crescentemente, vem o Governo aproximando a sua trajectória, algo errática nas prioridades, de uma linha de rumo proposta pelo PSD para vidas livres de droga.
O primeiro sólido motivo de apreciação parlamentar resulta da ausência de referendo nacional sobre a descriminalização do consumo de estupefacientes e outras drogas. Esse «pecado original» condiciona não a legitimidade formal da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, mas fere de dúvida, de conscencialização nacional e de destino, esse caminho legal.
Reiteramos, sem incómodo e ainda que cause alguns arrepios àquelas «esquerdas» cheias de verdades definitivas, que o recurso ao referendo nacional sobre a descriminalização do consumo - e mesmo de outras medidas relativas às toxicodependências - certamente propiciaria outro debate público, outro consenso e outro desígnio.
Salientamos, em segundo lugar, o percurso sinuoso e remendado das sucessivas propostas, dos debates e dos decretos da Assembleia da República, nesta matéria maior que não passa indiferente a qualquer família portuguesa. Não está em causa, como nunca poderia estar, o fundamento democrático de livre expressão de posições e de acerto possível de soluções. O que se assistiu, recordemos, foi a uma atabalhoada e precipitada sucessão de emendas à lei, numa fuga ao referendo mas, sobretudo, na evasão a um registo prudencial, de maior consensualidade e de maior clareza de princípios. E é assim que ainda hoje, provavelmente, ouviremos versões, do humanismo ao socialismo e ao utilitarismo, a sufragar a mesma lei final da descriminalização das drogas.
Por último e em traços breves, que o tempo impõe, sublinhamos o pressuposto de maior avaliação e fiscalização desta linha legal a que já aludia o Sr. Presidente da República na mensagem de veto entretanto exarada a este propósito. De facto, a incerteza relativa nesta matéria, constante também dessa missiva, obriga a uma fiscalização apertada da Assembleia da República e a uma avaliação constante de todas as consequências dessa lei de descriminalização de drogas.
Por isso, volvidos mais de três meses sobre a institucionalização das comissões para a dissuasão da toxicodependência, vale saber das informações constantes da lei, da implantação efectiva, da colaboração com as entidades policiais, das portarias dos Ministérios (por exemplo, da Saúde) e dos resultados genéricos alcançados. Só assim se poderá mais correctamente inferir da relação com os consumos de drogas, das respostas terapêuticas disponíveis na comunidade nacional e, latamente, do acerto humanista do percurso escolhido.
Fazemos, assim, notar uma dissensão mais funda sobre o enquadramento legal destas comissões para a dissuasão. Resta assim saber, para lá das dúvidas do artigo 19.º ou 30.º do decreto-lei em causa, dos resultados últimos da propalada dissuasão. E quanto a esses resultados, só poderemos ser muito exigentes.
Fez bem, assim, o CDS-PP nesta apreciação parlamentar, e faremos bem todos na avaliação constante, serena e exigente dessas comissões. Oxalá contribuam para a diminuição do consumo de drogas em Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Sobral.

O Sr. João Sobral (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Freitas, o Governo tem tido uma política, na área da prevenção, do tratamento e da reinserção social dos toxicodependentes absolutamente coerente e fundamentada, baseada num consenso nacional que é por demais evidente.

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O Sr. Deputado Nuno Freitas veio fazer aqui uma pergunta acerca de uma pretensa deficiência na resposta que o Governo tem dado a estas matérias, e referiu, por diversas vezes, o referendo.
Antes de mais, tenho de saudar o nível da intervenção do CDS-PP, como já foi salientado pelo Sr. Secretário de Estado, porque, de facto, nestas matérias, não é demais procurarmos todos pôr-nos de acordo. Temos de reconhecer que, em matérias como estas - virgens e não conhecidas noutros países -, todos teremos a lucrar com o diálogo e o aperfeiçoamento que pudermos introduzir nos instrumentos que utilizamos neste combate, sendo certo que pensávamos que a questão do referendo estaria ultrapassada, porque agora trata-se do tratamento dos toxicodependentes.
Já agora, por falar em referendo, pergunto ao Sr. Deputado Nuno Freitas onde é que estão os cartazes, qual o tipo de pergunta que gostaria de fazer nesses cartazes e quais são os diversos promotores do dito referendo. Penso que foi algo que correu suficientemente mal. Lembro-me de cartazes nas ruas, patrocinados pelo PSD, que diziam «Droga - Exija o Referendo».

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Tem boa memória!

O Orador: - Que referendo? Que pergunta? Pensa o Sr. Deputado que é nessa fase que estamos ou teremos já evoluído para uma fase mais adiantada?
Não esquecemos a posição que têm tomado. Pensamos que nesta matéria, a exemplo de outros partidos, devem ter uma atitude bastante mais construtiva.
Recordo ao Sr. Deputado que não referiu aqui dificuldades do Governo no tratamento, na reinserção e na prevenção e que, no fundo, a política articulada que tem sido seguida não foi criticada por V. Ex.ª.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Sobral, a questão colocada por V. Ex.ª é muito interessante, porque revela várias coisas, e revela, desde logo, o mesmo desconforto que o Sr. Secretário de Estado demonstrou sobre as salas de injecção assistida. No fundo, uma grande parangona política que, depois, deu em nada e, neste momento, já se fala na responsabilidade não do Governo mas das autarquias. E não é curioso que, a nível nacional, não tenha havido nenhuma autarquia a querer avançar com as salas de injecção assistida?!
Aquilo que o Governo e a bancada do Partido Socialista sabem é que, de facto, quanto mais perto esta decisão estiver das pessoas e das comunidades locais menos vai haver este tipo de medidas.

O Sr. João Sobral (PS): - Não conhecem! Não sabem!

O Orador: - O vosso medo, no fundo, é a resposta popular; daí o medo sobre o referendo em relação à descriminalização das drogas. Se chamarmos as pessoas e até as autarquias para se pronunciarem sobre algumas das medidas mais polémicas, designadamente neste caminho da descriminalização, a resposta vai ser contrária a essa linha vanguardista, experimentalista e que talvez traga prejuízos à comunidade nacional e aos mais jovens, que são os mais afectados pelo fenómeno da toxicodependência. É esse medo essencial que está aí presente.
O Sr. Deputado, em todo o caso, fez mal, porque, ao fazer esta pergunta, revelou alguma ignorância sobre o próprio funcionamento da Assembleia da República, o que não abona em seu favor. É que, de facto, entrou nesta Assembleia um projecto, assinado por vários Deputados, precisamente sobre um referendo nacional sobre questões de droga, em que se falava não só da descriminalização de algumas substâncias, designadamente da tabela 1-C, como também de outras medidas, como, por exemplo, prescrição terapêutica de heroína. Se for ao acervo de documentos da Assembleia da República relativos a esta Legislatura, a mesma em que o senhor é Deputado, consta um projecto, subscrito por vários Deputados desta Câmara, nesse sentido.
Portanto, se quer saber quais são as perguntas e informar-se sobre a matéria, leia, por exemplo, o acervo de documentos da Assembleia da República e da subcomissão de que o Sr. Deputado faz parte.
Já agora, aproveito para voltar à questão essencial do referendo. Falámos aqui do referendo, mas poderíamos não falar, poderíamos falar apenas deste decreto-lei que está em apreciação; no entanto, quisemos falar de uma dissenção mais funda sobre a descriminalização das drogas. Talvez seja incómodo, mas assiste-nos esse direito! Assiste-nos o direito de não postergar uma convicção essencial. Dará jeito? Diz o Sr. Deputado: «Estamos numa fase seguinte». Porquê uma fase seguinte? Estamos sempre a tempo de discutir, e vários outros países da União Europeia - ainda há pouco se falava da comunicação social internacional - têm vindo a fazer consultas públicas, algumas delas até locais, até focalizadas, sobre matérias em relação à toxicodependência.
Ora essa?! A que propósito é que o referendo estaria postergado e estaríamos numa fase seguinte ao referendo!? O que é uma fase seguinte ao referendo? Não há qualquer fase seguinte, o que há e se mantém são questões essenciais, em relação às quais, curiosamente, o Sr. Secretário de Estado também não trouxe aqui novidades, designadamente - e foi isso que perguntámos - quais os resultados deste caminho.
Quando o próprio Presidente da República alude, no seu veto, à incerteza relativa sobre estas matérias,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - … à necessidade de reforço da fiscalização e da avaliação desta lei, o Sr. Deputado vem dizer: «Não! Este é o caminho, já não há referendo nem possibilidade de discussão, e também não há dados; enfim, temos simplesmente de viver com o melhor caminho possível, porque foi aquele que o Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas entendeu que era o melhor para o País». Isso não é aceitável por parte de um partido responsável como o PSD.
Foi isso que lhe quisemos dizer e terei todo o gosto em dar-lhe os três pontos que sustentam, quanto a nós, esta apreciação parlamentar, que resguardam esta dissenção mais funda sobre os caminhos da descriminalização de drogas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão, na tribuna do Corpo Diplomático, dois Srs. Deputados da Assembleia Nacional de

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S. Tomé e Príncipe, que são membros do seu Conselho de Administração, acompanhados pelo Secretário-Geral da mesma, a quem cumprimentamos e desejamos boa estada entre nós.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Vital.

O Sr. Filipe Vital (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Com a apreciação parlamentar n.º 45/VIII, apresentada pelo CDS-PP, temos, mais uma vez, oportunidade de, nesta Assembleia, discutir a política delineada e posta em prática por este Governo em matéria de droga e toxicodependência, política esta que sempre procurou ir ao encontro do que, nesta matéria tão sensível, eram as ambições e os anseios dos portugueses.
Privilegiando consensos na sociedade e no Parlamento, o Governo soube, paulatinamente, dar os passos seguros que alteraram, quer a nível legislativo, quer social, a imagem que hoje temos do toxicodependente e da toxicodependência.
Com um reforço de verbas muito significativo, que corresponde à prioridade política que o Governo deu a esta área, soubemos inovar, ver mais longe, ir mais além. E, neste esforço, sempre foi o Governo acompanhado pelo Partido Socialista e pelo seu grupo parlamentar e, tenhamos a humildade de reconhecê-lo, por outros grupos parlamentares desta Câmara, sobretudo aqueles que se situam à nossa esquerda. Parece que agora chegou a vez do CDS-PP dar o seu contributo, o que não posso deixar de saudar aqui, hoje.
Muito foi já feito. A nossa visão da necessidade de uma forte articulação e coordenação interdepartamental na política de luta contra a droga tem feito o seu caminho e dado os seus frutos. Não se descurou nenhuma das vertentes que estão inerentes a este combate.
Investimos na prevenção primária; investimos no tratamento e na reinserção do toxicodependente; investimos nas questões sociais inerentes à entrada no mundo da droga e investimos no combate ao tráfico, e aqui com resultados sem paralelo no corrente ano.
Esta apreciação parlamentar prende-se apenas com um dos aspectos de uma política muito mais vasta, porventura um dos aspectos menos relevantes do ponto de vista da acção do Governo. No entanto, não escamoteamos a relevância social que a entrada em funcionamento das comissões de dissuação da toxicodependência têm, sobretudo porque, para que tal fosse possível, houve que derrubar preconceitos obsoletos, que nada tinham a ver com a visão humanista que todos nesta Câmara reclamamos possuir.
O longo debate sobre se um toxicodependente deve ser visto como um criminoso ou um doente, pelo simples facto de consumir, parece agora definitivamente encerrado. O consenso geral conseguido nesta matéria é, de facto, uma das grandes vitórias obtidas por este Governo.
Por vezes, a falta de notícias é por si só uma boa notícia. Este parece ser um desses casos. A serenidade que pudemos observar por parte de todos os agentes da sociedade, nomeadamente a comunicação social, aquando da entrada em funcionamento das comissões de dissuação, é bem demonstrativa de que esta era uma medida que, apesar de inovadora, merecia o aplauso da maioria dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - O silêncio equivale ao aplauso?!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar de ainda ser muito cedo para se fazer uma avaliação séria do trabalho das comissões, podemos, desde já, constatar que quem fez previsões catastróficas sobre o aumento em flecha do número de toxicodependentes ou de que nos tornaríamos um paraíso para os consumidores, enganou-se redondamente.
Temos consciência de que é sempre possível fazer mais e melhor, portanto, desde já, manifesto a nossa disponibilidade para, em sede de especialidade, aperfeiçoar e melhorar o diploma em análise, corrigindo eventuais lacunas, não desvirtuando os seus princípios orientadores e, sobretudo, sem causarmos perturbações desnecessárias, que devemos, a todo o custo, evitar. Estamos, por isso, receptivos na procura de um consenso o mais amplo possível para aceitar, por exemplo, a inclusão na lei de mecanismos que permitam a condução compulsiva dos toxicodependentes às comissões de dissuação.
Sr. Presidente, S.as e Srs. Deputados: Temos consciência de que a luta contra a toxicodependência não pode ser reduzida a uma batalha ideológica entre a esquerda e a direita, porque essa era uma batalha em que os únicos a perder seriam os toxicodependentes e as suas famílias. O Partido Socialista estará sempre empenhado para, em conjunto com todos os que o desejem, concorrer para resolver o flagelo da toxicodependência ou, pelo menos, contribuir para a sua resolução.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Filipe.

A Sr.ª Natália Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português, no início do actual Legislatura, com o objectivo de honrar os compromissos assumidos, apresentou um conjunto de projectos de lei que abordavam a despenalização do consumo de drogas, para além de outras vertentes essenciais no combate à droga e à toxicodependência, que vão desde o alargamento da rede pública de atendimento, do tratamento e reinserção social do toxicodependente, ao reforço do combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento de capitais que lhe está associado.
Considerando que todos os toxicodependentes, independentemente da droga ou das drogas que consomem, têm o direito a ser tratados e recuperados e que ao Estado cabe a responsabilidade de contribuir para que tal se verifique, o PCP tomou a iniciativa e participou activamente com todos os partidos na discussão dos alterações propostas à chamada «Lei da Droga», que reputamos de determinantes no combate à toxicodependência.
A Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica, veio, finalmente, consagrar a despenalização do consumo de drogas e reconhecer o toxicodependente como um doente.
Mantendo a proibição do consumo ilícito de drogas sem prescrição médica, a despenalização tem por principal objectivo deixar de considerar crime o mero consumo de

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drogas e, em colaboração com os serviços de saúde, encaminhar o toxicodependente para soluções de tratamento e de reinserção social. Os toxicodependentes deixaram, assim, de estar sujeitos, só pelo facto de consumirem, à aplicação de penas de prisão.
A Lei n.º 30/2000 entrou em vigor em todo o território nacional, como sabemos, no dia 1 de Julho de 2001 e criou as comissões para a dissuação da toxicodependência, cuja organização, processo e regime de funcionamento foram definidos no Decreto-Lei n.º 130-A/2001, de 23 de Abril.
O CDS-PP requereu a apreciação parlamentar que hoje discutimos a pretexto de «entenderem útil e necessária a apreciação do diploma em causa, dada, nomeadamente, a falta de consagração de regras destinadas a motivar a presença do consumidor na comissão e de regras que garantam o depósito das drogas em segurança.»
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP a preocupação da Assembleia da República deve centrar-se no acompanhamento da aplicação da regulamentação e da sua concretização e implementação.
O diploma que apreciamos coloca ao PCP preocupações que aproveitamos para evidenciar.
Ao contrário do que está expresso, de forma errónea, nos fundamentos da apreciação parlamentar, não é competência das comissões para a dissuação da toxicodependência armazenar quaisquer tipo de drogas. As principais competências das comissões são as de processar as contra-ordenações previstas e decidir sobre a aplicação das respectivas sanções estabelecidas na lei, encaminhando o toxicodependente para o tratamento nos serviços de saúde competentes o mais rapidamente possível.
Da leitura do articulado, em nosso entender, sobressaem, essencialmente, os aspectos burocrático-administrativos que envolvem o trabalho a desenvolver pelas comissões para a dissuação.
Face à particularidade destes doentes, naquilo que diz respeito ao toxicodependente e ao seu encaminhamento para os serviços de saúde, temos preocupações quanto a eficácia, na medida em que o período que decorre desde a ocorrência até à determinação da decisão da comissão pode levar mais de 30 dias, e realçamos que os 30 dias não contemplam o facto de o toxicodependente, no momento da ocorrência, poder necessitar de cuidados de saúde urgentes.
Sendo certo que o funcionamento eficaz de quaisquer estruturas não depende exclusivamente de aspectos consagrados nos diplomas legais, e não estando nós, de maneira nenhuma, a pôr em causa a competência técnica dos dirigentes que as integram, não deixa de ser evidente que a recuperação do toxicodependente para hábitos de vida saudáveis dependerá, e muito, da sensibilidade, do empenho, da articulação e da coordenação de todos aqueles que terão de lidar com a situação.
Legitimamente, o PCP está preocupado quanto é eficácia da actuação das comissões para a dissuação, que não se pode perder nos aspectos burocrático-administrativos.
É fundamental que o Governo também assegure o financiamento para o seu pleno funcionamento, dê resposta às necessidades de formação adequada a todos os agentes envolvidos nos processos, desde as forças policiais aos profissionais de saúde, e desenvolva os mecanismos necessários e indispensáveis de proximidade entre as comissões e o toxicodependente, de forma a tornar mais eficaz o objectivo final. Não é de menor importância o reforço necessário e exigível de recursos humanos em todos as áreas de intervenção, que permitam a resposta cabal ao toxicodependente e a sua família.
O PCP e o seu grupo parlamentar está e estará empenhado no acompanhamento do trabalho que foi iniciado, na análise dos seus resultados e numa discussão que venha a ocorrer posteriormente que procure melhorar o quadro legislativo existente.
E não deixaremos de estar empenhados também no combate à droga e à toxicodependência, com todas as suas consequências sociais e humanas, mantendo uma forte aposta no papel do Estado na prevenção desta doença, na promoção da saúde, no tratamento e na reinserção social dos toxicodependentes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate é muito útil. Sob esta forma de apreciação parlamentar, ou outra - um debate de urgência, uma declaração política, perguntas ao Governo -, é necessário que o Parlamento acompanhe a legislação que foi aprovada, discuta a sua aplicação e comente os dados que lhe permitam corrigir ou desenvolver o caminho que foi seguido (e correctamente, na nossa opinião) na descriminalização do consumo da droga, no combate e na prevenção primária em relação à toxicodependência e noutras medidas que continuam a ser fundamentais. Por isso, parece-me que este debate é muito importante.
Este debate tem uma história, e ela foi lembrada. É certo que, quando se discutiu pela primeira vez, aqui, na primavera de 2000, uma política de descriminalização, foi-nos anunciada «a idade das trevas», foi-nos dito que vinham aí Sodoma e Gomorra e que Portugal se transformaria num paraíso do tráfico e do consumo das drogas; por isso, e nesse contexto, surgiu o debate sobre o referendo.
Mas quero lembrar, aqui, que o referendo foi rejeitado por dois motivos e não por um único.
Em primeiro lugar, foi rejeitado porque uma maioria, na Assembleia da República, estava convencida da importância, da urgência, da sensibilidade desta matéria e da inoportunidade política do referendo, e assumiu essa responsabilidade.
Em segundo lugar, foi rejeitado porque, tendo havido quem propusesse a iniciativa popular do referendo - se não estou em erro, nas Caldas da Rainha, em Junho do ano 2000, o então candidato presidencial do CDS-PP, Dr. Basílio Horta, e, mais tarde, o candidato presidencial do PSD, Eng.º Ferreira do Amaral, assumiram uma iniciativa popular -, isso nunca se traduziu em assinaturas suficientes.
Quero lembrar que estes dois partidos representam 30%, 35%, talvez mais, do eleitorado português, que o número dos seus aderentes é francamente superior ao de 75 000 cidadãos, número necessário para motivar a petição popular para um referendo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nós não mandamos as pessoas assinar! As coisas não funcionam assim!

O Orador: - O balanço concreto a fazer é de que a segunda razão pela qual não houve referendo resulta do facto de não ter havido apoio político satisfatório entre os partidos da direita, pelo qual são responsáveis os partidos da direita, porque o seu eleitorado, porventura os seus apoiantes, seguramente os seus aderentes, não quiseram assinar a favor do referendo.

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Por isso, passado um ano e meio, nunca existiram as assinaturas suficientes para suscitar este debate. Porquê? Porque a maioria da sociedade portuguesa entendeu que o caminho que estava a ser seguido - provam este facto as sondagens de opinião e a demonstração do debate na comunidade científica, nas comunidades terapêuticas - era responsável, e humanamente responsável.
Aliás, a este respeito, quero saudar a declaração que o Deputado Telmo Correia fez, quando nos disse que reconhecia haver uma solução de humanização noutra medida que foi discutida sequencialmente, que é a das «casas de chuto». Isto é verdade e é importante que este reconhecimento seja feito, porque foi com base no entendimento do toxicodependente como um doente que se construiu o consenso maioritário que iniciou este processo legislativo. E esse entendimento deve continuar a desenvolver-se neste processo legislativo, nomeadamente na observação dos dados da experiência concreta de todos aqueles e aquelas que, no terreno da prevenção, do combate à toxicodependência, do tratamento dos toxicodependentes, estão envolvidos na intervenção terapêutica ou preventiva. Naturalmente, é com esses dados que devemos ir reapreciando as bases legislativas e corrigindo aquilo que for necessário.
O BE, que se associou a esta vontade maioritária, tem entendido, e continua a entender, que a lei de descriminalização é correcta, que a iniciativa do decreto-lei que a regulamenta é correcta e que ele deve ser mantido nos seus traços gerais. É nesse sentido que discutiremos, na Comissão, propostas de alteração concretas, estas ou outras que venham a ser apresentadas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Dispõe de tempo que lhe foi cedido pelo PS.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que estava a ficar admirado pelo facto de, depois de o referendo ter «engolido» dois líderes partidários, dois candidatos a Presidente da República, personalidades várias da nossa vida política, só ser o Governo a falar do referendo, uma vez que parece que o CDS-PP também já abandonou essas referências. Mas, felizmente, isso não aconteceu, porque o PSD veio, aqui, dizer-nos que a única proposta que continua a ter nesta área da droga e da toxicodependência é a realização de um referendo.
Fico satisfeito pelo facto de o PSD ser congruente pelo menos nisto, já que não o é em outras coisas, nomeadamente no que respeita às salas de injecção assistida. Lembro-me do Sr. Deputado Nuno Freitas a intervir sobre esse tema e a manifestar abertura para isso, mas pareceu-me, aqui, que essa abertura desapareceu.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Não leu a minha intervenção!

O Orador: - Então, de quem é o desconforto? É do Governo que continua a fazer exactamente aquilo que disse que ia fazer - e se o Sr. Deputado ler o Diário da Assembleia da República assim verificará -, ou é do PSD, que não sabe bem o que fazer sobre nada, incluindo sobre isto?
Quanto aos resultados, queria também dizer ao Sr. Deputado que eles serão analisados a seu tempo. O IPDT tem, efectivamente, dados, e isso não sucede de três em três meses mas, sim, todos os dias, Sr. Deputado Nuno Freitas. Sabemos exactamente aquilo que se passa.
Sr.ª Deputada Natália Filipe, queria só dizer-lhe que o facto de haver 30 ou 35 dias para se tomar uma decisão, ou para fazer-se a audiência, não significa que já antes disso não haja acompanhamento e até resposta terapêutica em relação aos toxicodependentes, mas estamos prontos a analisar as soluções que estão previstas na lei.
Em relação a esta legislação, quero solicitar aos Srs. Deputados que o trabalho seja célere. Não convém desestabilizar o funcionamento das comissões de dissuasão da toxicodependência, porque este é um instrumento legislativo importante, que deve estar consolidado o mais rapidamente possível. Portanto, solicito que possibilitem que o trabalho seja feito com alguma celeridade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, faça o favor de me dizer qual foi o incidente que provocou essa ofensa da honra.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado acusou o CDS-PP de ter mudado de opinião.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, quero só dizer-lhe que, de facto, nós mudamos de opinião em muitas matérias e estamos dispostos a fazê-lo sempre que assim o entendermos, só que neste caso isso não é verdade e é por isso que, nalguma medida, usamos esta figura regimental de defesa da honra da bancada.
O que disse não é verdade, porque nós mantemos exactamente a mesma opinião: consideramos que a política do Governo nesta matéria é errada e que o referendo seria útil, necessário e desejável,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … só que, simplesmente - e o Sr. Deputado Francisco Louçã também compreenderá -, não somos um partido autocrático que diga a uns supostos eleitores, que se calhar nem sequer temos de saber quem são, «agora vão assinar todos, para que haja um referendo».

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é um privilégio da esquerda snob!

O Orador: - Nós não funcionamos assim! Nós dissemos que considerávamos desejável que houvesse referendo e continuamos a considerar desejável. Continuamos a considerar a política do Governo errada, não mudámos de opinião. Só que tendo a lei que temos não deixamos de procurar melhorá-la, e há, obviamente, pontos em que estamos de acordo e pontos em que estamos em desacordo, mas não é verdade que tenhamos «engolido» dirigentes, presidentes, e não sei que mais, e mudado de opinião.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, lamento muito que a bancada do CDS-PP se sinta desonrada por eu ter constatado um facto político, pelo menos no que diz respeito ao PSD, e folgo em saber que o CDS-PP, também nesta matéria, erradamente, continua vinculado à questão de referendo.
Apesar de tudo, gostaria de continuar informado sobre o que se passa relativamente ao referendo, já que deixámos de ouvir falar sobre esse tema há uns meses atrás. De facto, há uns tempos, houve um grande investimento da parte do CDS-PP e do PSD nesta área do referendo, a qual, depois, começou a ser objecto de um certo desinvestimento.
Há pouco, o Sr. Deputado Nuno Freitas dizia que estávamos a desinvestir na política da droga, o que, obviamente não é verdade, mas aqui há um desinvestimento na questão do referendo. Eu até gostava de saber o que é que fizeram às assinaturas que já existiam.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Nada!

O Orador: - Será que as meteram na gaveta? Gostava de saber o que é que sucede em relação a isso.
Sr. Deputado, não houve, da minha parte, qualquer intenção de ofender o CDS-PP.
Folgo em saber que são congruentes com esta iniciativa, mas desejo dizer-vos que me parece extremamente ridículo que, passados quase dois anos de se ter dito que iria haver uma iniciativa popular patrocinada pelos dois maiores partidos da oposição de direita, essa iniciativa ainda não tenha qualquer consequência e que as assinaturas ainda não existam.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Freitas.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei brevíssimo, uma vez que só tenho 55 segundos, mas não posso deixar comentar alguns aspectos.
O Dr. Francisco Louçã, e pelos vistos também o Dr. Vitalino Canas, têm um certo gozo em não ter havido referendo. Quanto ao Dr. Francisco Louçã, essa posição compreende-se, porque, provavelmente, a única oportunidade que tem para ganhar um referendo, em Portugal, é não haver referendo; já relativamente ao Dr. Vitalino Canas essa posição não se percebe bem, porque ela só seria satisfatória se hoje me trouxesse dados dizendo que o fenómeno da droga havia diminuído, em Portugal.
Como sabe, infelizmente, esse fenómeno não está a diminuir, em Portugal; como sabe, na União Europeia, segundo diz o próprio Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, somos o único país com consumos crescentes em relação a diversos tipos de drogas, designadamente às mais perigosas.

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Orador: - Já agora, alerto para o aumento do consumo de drogas sintéticas, em Portugal, que já tem sido falado por vários especialistas este ano.
Portanto, não posso deixá-lo com essa satisfação por não haver referendo. Se tivesse havido um referendo, talvez houvesse maior consciencialização nacional, maior clareza de princípios e não existisse uma lei sinuosa, torta,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … que, provavelmente, vai trazer consequências negativas para o consumo de drogas, em Portugal!
Já agora, deixe-me dizer-lhe que o desinvestimento do Governo nesta área, que este Orçamento do Estado comprova, acaba com a meta de duplicação das verbas em relação à luta contra a toxicodependência no espaço de uma legislatura, que os vocês próprios haviam proposto.
Mais, Sr. Secretário de Estado: o senhor fala em congruência mas nós é que fizemos aprovar, para o Orçamento do Estado de 2001, verbas para a prevenção primária escolar, que os senhores este ano vêm trazer como bandeira política, e isso nada demonstra de congruente,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … demonstra, sim, que o PSD tem tido uma linha de rumo à qual o senhor entretanto vai chegando, e ainda bem que assim é!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É difícil perceber a estratégia da direita neste debate. O CDS-PP sugeriu um debate sobre o decreto-lei, insistindo em enquadrar-se no contexto do mesmo; o PSD, nada tendo a ganhar nem a perder, veio invocar que teve sempre razão.
Sr. Deputado Nuno Freitas, repare bem que o senhor veio, aqui, defender a ideia abstracta de um referendo, que era o único denominador comum da sua bancada, porque a sua própria proposta de perguntas para o referendo era rejeitada pela sua bancada, …

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Mas existiu!

O Orador: - … e no dia em que ela, porventura, fosse votada, o senhor votaria a favor e toda a sua bancada contra!
Portanto, é em nome da contradição que procura criar, aqui, um debate paradoxal sobre nada, porque a única verdade política é que os senhores não quiseram esse referendo, não quiseram bater-se por ele, ou, se se bateram por ele, têm de tirar a conclusão política de que foram derrotados. Seria mais honesto terem dito: «quisemos o referendo, mas ninguém nos ligou e, por isso, não há referendo», porque essa é a verdade política dos factos.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Vão ter uma surpresa!

O Orador: - Mas de uma coisa o senhor não se exime, é do debate sobre a política concreta para combater a toxicodependência, nomeadamente sobre a distribuição medicamente assistida de heroína, pois ela é necessária. E muitas outras medidas são necessárias, além deste grande

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sinal que foi a descriminalização, portanto, na base do respeito pelo toxicodependente e da procura de um tratamento terapêuticamente adequado e não criminalmente inadequado.
Mas é a partir desse ponto de vista que começa esse caminho. Os senhores nem o quiseram começar e, pelos vistos, nada aprenderam com isso.

O Sr. Nuno Freitas (PSD): - Isso não consta da sua proposta, mas da nossa!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Em relação a esta apreciação parlamentar, não há qualquer pedido de recusa de ratificação; há, sim, algumas propostas de alteração apresentadas pelo CDS-PP. Nos termos regimentais, o processo baixa à 8.ª Comissão, a Comissão de Saúde e Toxicodependência, para apreciação e votação das propostas de alteração.
Encerrado este ponto da ordem de trabalhos, passamos ao ponto seguinte, que consta da apreciação do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, que altera o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação) [apreciação parlamentar n.º 48/VIII (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Srs. Deputados: O regime jurídico da urbanização e da edificação, melhor, a versão alterada, quase dois anos depois, do regime jurídico da urbanização e da edificação, cuja apreciação parlamentar estamos a fazer por requerimento do nosso grupo parlamentar, é um diploma que tem merecido do PCP grande atenção, em consonância, aliás, com a sua real importância.
De facto, este diploma, que estabelece as relações entre as câmaras municipais e a actividade privada da construção, deve assumir um importante papel no incentivo à melhoria da qualidade de vida urbana.
No entanto, o Partido Socialista, movido sabe-se lá por que interesses, numa atitude de completo autismo político, rejeitou todas as contribuições que, oportunamente, o PCP pretendeu dar, contribuições que eram o resultado de um amplo trabalho de estudo e reflexão da nossa realidade, da auscultação atenta dos anseios das populações, mas também das autarquias e dos agentes promotores de loteamentos e construções.
Tratando-se de matéria de exclusiva competência da Assembleia da República, o Governo e o Partido Socialista preferiram retirá-la do seu lugar próprio, através de autorizações legislativas, transformando a publicação do diploma numa autêntica odisseia.
A primeira autorização legislativa data de Junho de 1999 e teve, desde logo, a nossa oposição, amplamente justificada, por não estar de acordo com os objectivos que se pretendem para o urbanismo, com vista à salvaguarda e reabilitação dos nossos espaços urbanos, rurais, agrícolas e florestais, paisagísticos e ambientais. Aprovada por esta Assembleia, apesar disso, deu origem ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
Ignorando as justas e fundamentadas críticas do Provedor de Justiça e da Associação Nacional de Municípios Portugueses, o Governo fez o diploma entrar em vigor na data que quis, mas teve de suspendê-lo logo a seguir, com nova autorização legislativa, criando, então, o insólito facto de proporcionar no País construções simultâneas, submetidas a regimes jurídicos diferentes. Pretendeu o Governo suspender o decreto até ao fim do ano de 2000, só que errou os cálculos em cerca de um ano.
Entretanto, o PCP apresentou um projecto de lei, o projecto de lei n.º 331/VIII, com vista a estabelecer o regime jurídico dos loteamentos e construções, defendendo três princípios essenciais: o respeito integral pelos instrumentos de planeamento e gestão territorial; a clarificação, simplificação e desburocratização das relações entre câmaras e promotores de loteamentos e construções, tornando-as expeditas num quadro de transparência, com salvaguarda do respeito pela legalidade, e a melhoria da qualidade de construção no nosso país.
Apesar da nossa abertura em confrontar, sem reservas, a nossa proposta com todas as ideias e da disponibilidade para trabalhar com celeridade, o Partido Socialista preferiu, mais uma vez, rejeitar o nosso projecto de lei e conceder ao Governo nova autorização legislativa, levando mais um ano para produzir as alterações necessárias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma que resultou do Decreto-Lei n.º 555/99, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, é bem mais pobre em objectivos, menos clarificador no articulado e muito menos inovador na clarificação e desburocratização processual do que o já referido projecto de lei do PCP.
Utiliza uma técnica legislativa que abusa de remissões, tornando o diploma de difícil manuseamento e de difícil leitura por não técnicos, em nada contribuindo para a pretendida simplificação na óptica dos particulares. Por outro lado, prima pela ausência de explicitação de alguns conceitos fundamentais.
Este nosso pedido de apreciação parlamentar visa, em todo o caso, contribuir para melhorar este diploma, clarificando e desburocratizando o processo de construção. Para o efeito, entregámos na Mesa 11 propostas de alteração e duas propostas de aditamento, com oito objectivos precisos e bem definidos.
Primeiro, aumentar as possibilidades de delegação da câmara municipal, ou do seu presidente, nos vereadores e, destes, nos serviços, para procedimentos administrativos ou de consulta de entidades externas, em situações previamente definidas.
Segundo, não isentar os serviços públicos e os organismos do poder central do parecer favorável da câmara, ou do seu presidente, para as obras a realizar. Parece-nos indispensável tal procedimento como garantia da afirmação da autonomia do poder local e respeito pelo princípio da subsidiariedade consagrado na Lei de Bases do Ordenamento do Território, sendo ainda indispensável no sentido prático do registo cadastral, incluindo o espaço aéreo e o subsolo.
Terceiro, exigir que todos os interessados em informações prévias sobre viabilidade informem os proprietários legítimos, ao invés de colocar essa responsabilidade na câmara municipal, por vezes impraticável nos prazos legalmente estipulados para fornecer a informação requerida.
Quarto, aumentar o prazo de 30 para 40 dias para as câmaras municipais proferirem a decisão final apenas nas operações de loteamento.
Quinto, determinar que a ocupação da via pública para obras parta de proposta do construtor, mas seja definida pela câmara municipal.
Sexto, tornar a vistoria final das construções obrigatória, sempre que, por vistoria anterior ou por registo no livro

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de obra, haja indícios de não terem sido respeitados os projectos aprovados.
Sétimo, simplificar o processo administrativo do embargo da obra, por forma a ter efeitos imediatos e evitando «expedientes» que visam impor a teoria dos factos consumados.
Oitavo, definir os direitos e deveres dos técnicos autores de projecto e directores técnicos de obra, considerando-os agentes processuais e responsabilizando-os pela conformidade dos trabalhos com os projectos aprovados, o que terá necessariamente reflexos positivos na qualidade do produtos final.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas propostas são mais uma contribuição positiva do PCP para a melhoria de uma lei, cujo objectivo, antes de mais, deverá ser a correcta qualificação e requalificação, tão necessária, dos nossos meios urbanos.
Já não temos muito mais tempo, nem espaço, para salvaguardar o que resta do nosso património e garantir a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida das nossas populações, bem como das gerações futuras.
Por isso, dirigimo-nos a todos os Deputados, e em particular aos Deputados do Partido Socialista, para que, por uma vez, reflictam e analisem as contribuições que pretendem melhorar, e apenas melhorar, este aspecto tão sensível da nossa vida quotidiana.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O instrumento legislativo que foi o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, teve a maior importância no sentido de criar as condições fundamentais de uma boa gestão do território.
Nós consideramos que a estabilidade legislativa é um valor fundamental, no sentido de todos os agentes económicos saberem exactamente quais as regras do jogo que é necessário estabelecer.
Contudo, não podemos ser cegos e, por isso, o Governo resolveu alterar este decreto-lei, apresentando o Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, que tem como objectivos fundamentais, por um lado, adaptar este decreto-lei à própria estrutura orgânica do Governo, por outro, introduzir pequenas alterações, no sentido da clarificação das situações, nomeadamente o que é autorização e processos de loteamento, e, por último, alterar também alguns prazos, no sentido da clarificação e da simplificação dos processos de licenciamento.
Não pode, porém, a simplificação ser um elemento fundamental e único, porque, se simplificarmos demasiado, tornamos inútil a legislação existente.
No entanto, o PS e o Governo não estão completamente fechados a estas pequenas alterações que possam vir introduzir-se. Aliás, nós próprios apresentamos uma alteração de prazo, que vai exactamente no sentido de que, no processo autárquico que está a decorrer, havendo eleições em 16 de Dezembro e por considerarmos que o primeiro semestre de 2002 não seria um prazo razoável para a apresentação dos regulamentos municipais, o prazo seja alargado para um ano, de modo a permitir que a prioridade, no primeiro semestre dos novos autarcas eleitos, não seja este regulamento, mas, obviamente, a preparação dos quatro anos de gestão.
Por isso, estamos abertos a pequenas alterações, mas já não àquelas que desvirtuem completamente o que está hoje em causa.
Assim, em sede de comissão, estamos dispostos a, com o Governo e com os partidos da oposição, acolher pequenas alterações, se não desvirtuarem completamente um instrumento de gestão, que é fundamental que seja de estabilidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Oliveira.

O Sr. Manuel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Srs. Deputados: O regime jurídico da urbanização e da edificação, com o Governo socialista, tem andado pelas ruas da amargura. O Governo tem muita dificuldade em acertar.
Senão vejamos: depois de uma autorização legislativa, fez publicar, em Dezembro de 1999, um decreto-lei, o Decreto-Lei n.º 555/99, que estabelecia o regime jurídico da urbanização e da edificação.
O Governo justificava este diploma com o facto de a revisão do regime jurídico do licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização, bem como de obras particulares, constituir uma necessidade, já que não tinha conseguido compatibilizar as exigências de salvaguarda do interesse público com a eficiência administrativa a que legitimamente aspiram os cidadãos.
Dizia, mais, que os regimes que regiam a realização destas operações urbanísticas se encontravam em dois diplomas legais, nem sempre coerentes entre si, e que o procedimento administrativo neles desenhado era excessivamente complexo, determinando tempos de espera, na obtenção de uma licença de loteamento ou de construção, que ultrapassavam largamente os limites do razoável.
Dizia, ainda mais, que, neste domínio, a administração se move num tempo que não tem correspondência com a vida real, impondo um sacrifício desproporcional aos direitos e interesses dos particulares.
Recordo-vos, Srs. Deputados, que estávamos em Dezembro de 1999.
Passados praticamente seis meses, ou seja, em 25 de Maio de 2000, estávamos neste Plenário a discutir uma proposta de lei apresentada pelo Governo que nem mais nem menos visava a suspensão da eficácia do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. Nesse debate já dissemos que o Governo legislou mal e que, depois, demorou a reconhecer o seu erro, deixando a situação arrastar-se até se tornar insustentável a manutenção do Decreto-Lei, daí solicitar a suspensão da sua eficácia.
Nessa altura também defendemos que, no que toca ao regime de urbanização e edificação, fossem consagrados os seguintes princípios: reconhecimento do nível adequado de controlo público que garantisse o respeito dos interesses públicos urbanísticos e ambientais; defesa e preservação da estética das povoações; adequada inserção urbana e o aspecto exterior das edificações, sujeitando-se a licenciamento municipal, e não a mera autorização, as obras de construção quando não estivessem explicitados os condicionalismos específicos referentes à forma e ao conteúdo arquitectónico, cores e materiais; defesa da autonomia das autarquias locais, eliminando o regime de

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isenção de licenciamentos e autorizações de operações urbanísticas promovidas pelo Estado, pelos institutos públicos, pelas administrações portuárias, entre outros.
Nessa altura afirmámos que o caminho era claro e simples: devia o Governo revogar o decreto-lei, repristinar a legislação anterior e salvaguardar expressamente os actos entretanto praticados pelos municípios.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Depois disto, desejavelmente num espaço curto, deveria voltar a apresentar à Assembleia da República uma proposta capaz, competente e exequível. Porém, em 6 de Dezembro de 2000, voltámos aqui a discutir uma proposta de lei através da qual o Governo solicitava autorização para alterar o Decreto-Lei n.º 555/99.
Nessa sessão, o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, em nome do Governo, informou a Câmara da extensão das alterações a introduzir: minorar ou desfazer dúvidas sobre algumas alegadas inconstitucionalidades que se materializaram apenas em reproduzir disposições já existentes no Decreto-Lei n.º 555/99; clarificar algumas disposições do diploma; introduzir medidas mais substanciais, particularmente as relativas à adopção de um regime procedimental simplificado, o de autorização apenas nas circunstâncias em que a existência de um instrumento de gestão territorial prévio fornecesse de facto garantias que justificassem esse regime procedimental mais simplificado e correspondesse à figura da autorização administrativa. Sugeria ainda a clarificação das condições em que é possível a dispensa de prévia discussão pública nas operações de loteamento.
Nesse debate dissemos que o Governo apresentava uma autorização legislativa para dar nova redacção a mais de 60 artigos e que sobre matéria de urbanização e edificação o PSD reiterava os princípios que sempre nortearam a sua posição. Esses princípios são os seguintes: o reconhecimento de um nível adequado de controlo público que garanta o respeito inabalável dos interesses públicos urbanísticos e ambientais; a defesa e preservação da estética das povoações; a adequada inserção urbana e do aspecto exterior das edificações; sujeição das obras de construção a licenciamento municipal quando não estejam explicitados os condicionalismos específicos referentes à forma e conteúdo arquitectónicos, cores e materiais; amenização dos casos em que os procedimentos de licenciamento e autorização têm de ser obrigatoriamente suspensos aquando da elaboração ou revisão de planos; redução dos prazos a que as operações de loteamento ficam sujeitas para discussão pública, sem pôr em causa o direito de participação plena das populações; finalmente, a responsabilização de quem executa as peças processuais e faz o acompanhamento das obras.
Tudo visto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, somos chegados à apreciação parlamentar que hoje nos ocupa.
Verificamos que a opção de criar dois procedimentos - licença e autorização - tinha por base o pressuposto de que o território estaria, ou viria a estar a curto prazo, coberto por planos municipais de ordenamento do território de menor escala, designadamente planos de pormenor.
Só nessa pressuposição será de admitir, a nosso ver, a utilização do procedimento de autorização administrativa. Ora, se atendermos à tramitação imposta no novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, tal situação não se afigura previsível a curto prazo.
Por isso, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, sejamos realistas: neste quadro factual e legal o procedimento de autorização será, a maioria das vezes, automaticamente afastado.
No regime jurídico em apreciação assiste-se a uma oneração do procedimento de licença administrativa relativamente aos licenciamentos instituídos ao abrigo dos anteriores quadros legais, pelo que, em termos práticos, o particular e a entidade competente para proceder ao licenciamento terão de suportar uma modalidade de licenciamento mais demorada.
Consideramos, por isso, pertinente este debate sobre matéria tão sensível para a administração autárquica e para os particulares. Com esta apreciação parlamentar, estamos certos, produzir-se-á um diploma mais claro e exequível para uma maior segurança e certeza jurídicas.
Estou certo que se encontrará forma de acolher aquilo que foi escrito no preâmbulo do diploma em apreciação, ou seja, simplificação e celeridade administrativa, o que de todo ainda não foi conseguido. Daí que o PSD tenha apresentado propostas de alteração que permitam um debate em comissão com o objectivo de clarificar alguns preceitos e de explicitar procedimentos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Oliveira, atentei às propostas de alteração que o PSD apresentou e, sinceramente, no que respeita à alínea h) do n.º 4 do artigo 44.º, há algo que me escapa.
Coloca-se a hipótese de não haver necessidade de ceder à autarquia qualquer espaço para efeitos de domínio público, ainda assim obrigando-se o munícipe a pagar à câmara municipal uma compensação. Ora, se nada há que ceder ao domínio público para espaços verdes ou para outro fim, por que há-de o munícipe ter de pagar à autarquia uma compensação?
De facto, julgo que não alcancei o fim exacto desta alteração. Nessa medida, até para efeitos do nosso sentido de voto, gostaria que me esclarecesse.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Oliveira.

O Sr. Manuel Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, a questão que coloca prende-se com as cedências ao domínio público em sede de loteamentos. Como sabe, há loteamentos feitos em áreas onde os equipamentos já foram realizados pela própria autarquia. Ora, para acautelar os casos em que os equipamentos públicos já existam, o loteador ou o particular terá de suportar uma espécie de indemnização para com a autarquia.
Creio, no entanto, que, em sede de especialidade, ao aprofundarmos melhor este debate, teremos oportunidade de chegar a um acordo.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Dirigindo-me

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directamente ao Sr. Secretário de Estado e à bancada do PS, quero dizer que nos parece que as alterações propostas ficam muito aquém das expectativas criadas em matéria de celeridade, simplificação e desburocratização dos procedimentos, desde o início apregoadas como as principais virtualidades do novo regime jurídico.
Vou dar alguns exemplos, porque o tempo, infelizmente, escasseia e não dá para mais.
Em primeiro lugar, são circunscritas as situações que legitimam o recurso ao procedimento simplificado de autorização legislativa, que só poderá ter lugar ao abrigo de instrumentos de gestão do território cujo conteúdo apresente grau de concretização suficiente e nos casos em que seja efectivamente possível dispensar a intervenção de entidades exteriores ao município.
Em segundo lugar, o ónus de apurar se o plano de pormenor contém ou não as menções legalmente previstas no diploma que regula os instrumentos de gestão do território é do requerente do procedimento, o que, obviamente, não faz sentido.
Em terceiro lugar, foi alargado o prazo de deliberação sobre o pedido de informação prévia e delimitado o valor de informação prévia favorável face a subsequentes pedidos formulados.
Em quarto lugar, não foi salvaguardada a necessária compatibilização do regime de licenciamento com as várias legislações específicas em vigor, nomeadamente no que respeita aos projectos das especialidades, com inegáveis consequências não só ao nível da instrução dos pedidos de licenciamento, mas também da passagem das respectivas licenças.
Em quinto lugar, perdeu-se a oportunidade de incentivar o mercado de reabilitação do património construído, prevendo-se um tratamento particular com tramitações e regras específicas mais céleres e simplificadas para os processos destinados à aprovação das intervenções do património edificado.
Face ao exposto, permitimo-nos concluir que o diploma em apreço encontra-se maioritariamente elaborado na perspectiva de acautelar os interesses das entidades licenciadoras, nada acrescentando ao desejável equilíbrio dos interesses de todas as entidades intervenientes no processo, contendo aspectos específicos que se nos afiguram gravosos para os requerentes dos procedimentos relativos a operações urbanísticas e que acarretarão consequências negativas para a actividade da construção civil.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Quem haveria de dizer!

O Orador: - Vou agora fazer referência a algumas disposições.
Quanto à suspensão do procedimento, prevista no artigo 13.º, por que não se reviu o regime de suspensão dos procedimentos da informação prévia - licenciamento ou autorização que estejam a decorrer em áreas a abranger por novas regras urbanísticas - durante o respectivo período de discussão pública e até à entrada em vigor do instrumento de ordenamento em aprovação, salvo nas condições em que houve viabilidade com resposta favorável, sendo que, em sede própria, fui alertado para que a aplicação de tal regime pode conduzir a uma quase paralisação da actividade da construção?

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Grandes preocupações!

O Orador: - São várias, Sr. Deputado!
No que respeita à discussão pública, não obstante se reconhecer a clarificação do preceito em análise - V. Ex.ª terá certamente em conta o artigo 22.º -, quer ao nível procedimental quer no que respeita às condições conducentes à dispensa de obrigatoriedade prévia de discussão pública, a manutenção de tal princípio apenas vem dificultar e burocratizar de forma incompreensível o processo sem que se vislumbrem quaisquer mais-valias daí resultantes para a gestão e ordenamento do território, justificando-se a sua eliminação.
VV. Ex.as, por um lado, querem desburocratizar, querem conferir celeridade, mas no fundo acabam sempre por complicar - e não acontece só nesta matéria, é por regra em todas. Com isto VV. Ex.as não conferem celeridade a coisa nenhuma, só complicam o que já de si era muito complicado. No entanto, quem lê o preâmbulo fica com a sensação do contrário.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Os construtores!

O Orador: - Um outro aspecto perfeitamente incompreensível, relativo ao artigo 48.º, tem a ver com a possibilidade de a autarquia, a todo o tempo, poder alterar as condições da licença ou autorização da operação de loteamento das obras de urbanização sempre que tal alteração se mostre necessária à execução de instrumentos de ordenamento do território. Numa palavra, qualquer Sr. Autarca que de repente tenha qualquer diferendo particular ou outro com um Sr. Construtor Civil a quem tenha aprovado uma operação de loteamento a todo o tempo pode alterar as condições do mesmo, com prejuízo para este ou para qualquer outra pessoa que tenha requerido esse loteamento.
Parece-nos que isto viola qualquer princípio de justiça, de igualdade, de boa-fé e, principalmente, de segurança jurídica. O que faria sentido era, no mínimo, durante o prazo x, a determinar, não ser permitido à autarquia alterar as condições que levaram à concessão do licenciamento de loteamento, como é evidente. Não faz sentido hoje autorizar-se o loteamento, pagar-se tudo aquilo que há a pagar por essa autorização e amanhã, se for caso disso, alterar-se as condições, já não podendo a pessoa construir nos termos em que o requereu. Como é evidente, isto também não faz sentido.
Muito mais haveria a referir, mas como certamente o Sr. Deputado Casimiro Ramos vai querer dizer mais qualquer «coisinha» para complicar aquilo que já complicou com o diploma em apreço, vou dar-lhe tempo…

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Já está embaraçado com a resposta!

O Orador: - Todos estamos ansiosos por ouvi-lo. Aliás, como sempre, ouvimo-lo com prazer, às vezes a dizer disparates na Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente. Certamente aqui teremos ocasião de o ouvir uma vez mais.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Mesmo assim não consigo igualá-lo!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma vez mais,

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e de algum modo de forma recorrente, o Decreto-Lei n.º 555/99 volta à discussão no Plenário. Se isso acontece, significa que o referido diploma, que não nasceu bem, continua a mostrar dificuldades em conseguir encontrar uma lógica e uma coerência que manifestamente não tem.
Sendo à partida propósitos deste diploma, os quais nos parecem importantes, por um lado, disciplinar o regime jurídico de urbanização e edificação no sentido da salvaguarda do interesse público, da disciplina e da clarificação do papel dos diferentes agentes que no território intervêm nesta matéria e, por outro lado, criar condições para a facilitação processual, a verdade é que, como todos se recordam, este diploma foi travado, em primeiro lugar a pretexto da dificuldade dos municípios em terem condições para o pôr em funcionamento. Mas foi travado também - é bom que não tenhamos ilusões - pela pressão dos construtores civis afectados pelo diploma.
Parece-nos que do conjunto destes avanços e retrocessos há, uma vez mais, aspectos do diploma que estamos a apreciar, o Decreto-Lei n.º 177/2001, que devem ser reconsiderados. Referir-me-ia, porque outros aspectos foram já abordados, a dois artigos que não tiveram menção mas que são para nós graves.
Refiro-me, concretamente, ao artigo 22.º, relativo à discussão pública. Para nós, as questões da discussão pública e da transparência não são menores nem de forma, são questões politicamente relevantes. Dizia o anterior diploma, o Decreto-Lei n.º 555/99, que só eram dispensadas de discussão pública as alterações aos loteamentos de reduzida dimensão. Pois bem, agora o Governo entende que pode isentar-se dessa discussão pública casos, por exemplo, de 100 fogos. Seguramente, esta é uma porta aberta que do nosso ponto de vista é inaceitável.
Outro aspecto que nos parece extremamente gravoso neste diploma e que não foi referido tem a ver com o artigo 27.º. Tratava-se de uma inovação do diploma que tinha sido publicado, em termos de defesa dos direitos das pessoas que compram, por exemplo, uma casa, a proibição de alteração do alvará de loteamento nos três primeiros anos. Pois bem, essa inovação, importante para as pessoas que fazem uma compra e que têm uma determinada expectativa em relação a uma casa localizada num determinado sítio, portanto, paisagisticamente enquadrada de uma determinada forma, a impossibilidade de durante três anos se alterar o alvará pura e simplesmente desaparece.
Portanto, através do n.º 2 do artigo 27.º, a alteração do alvará pode acontecer a qualquer momento desde que seja precedida de discussão pública, ou seja, desaparece um dos elementos mais inovadores e importantes do ponto de vista da garantia dos direitos dos cidadãos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza (Manuel Silva Pereira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo intervém neste processo de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, referente ao regime jurídico de urbanização e edificação, para responder pelo diploma que elaborou, fazendo-o com toda a tranquilidade, por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque o Decreto-Lei que o Governo emitiu foi produzido no escrupuloso cumprimento de uma autorização legislativa concedida por este Parlamento. De resto, não foi suscitada essa questão ao longo desta apreciação parlamentar.
Em segundo lugar, porque o Governo legislou bem, sendo que o novo regime da urbanização e da edificação alcança um melhor e mais justo equilíbrio entre os diferentes interesses em presença numa área de grande complexidade. E não sou eu que o digo, nem é o Governo que o diz, porque aqui poderia ser juiz em causa própria. Todos nos recordamos da grande polémica que o Decreto-Lei n.º 555/99 suscitou, de toda a problemática que houve à volta do novo regime jurídico da urbanização e da edificação. Aliás, ouvimos mesmo vozes pedindo a suspensão da entrada em vigor desse diploma. Que vozes eram essas? Eram vozes de diferentes entidades, tais como do Sr. Provedor de Justiça, da Associação Nacional de Municípios Portugueses, em representação dos autarcas, e dos agentes económicos do sector.
Qual é o resultado da intervenção legislativa produzida pelo Governo por via deste Decreto-Lei, hoje submetido à apreciação parlamentar?
O Sr. Provedor de Justiça teve a ocasião de dirigir ao Sr. Primeiro-Ministro uma carta, dizendo-lhe ter decidido arquivar este processo, considerando que, no essencial, as sugestões por si formuladas foram acolhidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, distinguindo mesmo a cooperação que o Governo estabeleceu no acolhimento das suas recomendações.
O que fizeram os autarcas portugueses através da associação que os representa?
Também eles tiveram ocasião de dirigir ao Governo uma carta - tenho-a aqui - em que exprimem, por deliberação do Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses, o seu apreço pela cooperação, que consideraram exemplar, entre as administrações central e local. Os autarcas dizem mesmo que os interesses comuns estiveram em cima da mesa, que este espírito de cooperação deve seguir noutras temáticas relevantes e consideram o resultado final alcançado muito positivo.
Por sua vez, os agentes económicos do sector, que anteriormente pediam a suspensão da entrada em vigor do diploma, hoje - e já estamos a falar algumas semanas depois de o novo regime jurídico da urbanização e da edificação ter entrado em vigor - o que fazem é adaptar-se à aplicação do diploma, quando anteriormente pediam a suspensão da sua entrada em vigor.
Isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não aconteceu por acaso, aconteceu porque o Decreto-Lei n.º 177/2001 consubstancia uma intervenção legislativa equilibrada, que alcança uma melhor e mais justa composição dos interesses em presença. De outra forma isto não poderia ter acontecido. Não é, certamente, fruto do acaso.
E quando nós sabemos que as vicissitudes legislativas nesta área trouxeram, necessariamente, alguma perturbação ao sector, o pior que poderia acontecer - e é essa a mensagem política que o Governo traz a este procedimento de apreciação parlamentar - era que este justo equilíbrio entre os interesses em presença, que conduziu a uma maior pacificação da discussão em torno do regime jurídico da urbanização e da edificação, viesse agora a ser perturbado por intervenções legislativas adicionais e precipitadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Vejam lá!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a posição do Governo que aqui transmito é a de que, no

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procedimento da apreciação parlamentar, quaisquer alterações ao regime jurídico agora estabelecido devem ser apreciadas com a maior contenção.
Compreendo a sugestão feita pelo Sr. Deputado Renato Sampaio no que diz respeito a uma questão, que é marginal ao próprio regime jurídico, que tem que ver com a confirmação dos regulamentos municipais que estão neste momento em vigor e compreendo que, em período eleitoral, e sobretudo de instalação de novos órgãos autárquicos que decorrerá das próximas eleições autárquicas, a necessidade dessa confirmação, precedida de discussão pública num prazo de seis meses, é complexa e, portanto, esse calendário estrito pode justificar uma alteração do diploma. Mas aí estamos a falar à margem da substância do regime jurídico da urbanização e da edificação.
E não deixo de notar que as sugestões de alteração que aqui foram feitas revelam uma grande desproporção entre as propostas propriamente ditas e a avaliação global do diploma. Depois de ouvir as considerações que alguns dos Srs. Deputados fizeram sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação, não posso deixar de ficar surpreendido com as propostas de alteração que depois, em concreto, foram submetidas à consideração desta Assembleia.

O Sr. Casimiro Ramos (PS): - Não sabiam o que diziam!

O Orador: - Na verdade, o que vemos é que muitas destas propostas de alteração dizem respeito a questões relativamente menores do regime jurídico da urbanização e da edificação. E, sobre esse ponto de vista, deixaria aqui um alerta: o que, justamente, devemos evitar é a precipitação, ou seja, que, cada vez que alguém pensa que uma alínea de um artigo deve ser alterada, se corra precipitadamente para o Diário da República a fim de introduzir alterações legislativas adicionais.
Verifico que, em muitos dos casos, é isso que resulta de várias propostas que aqui foram apresentadas. Já para não falar de uma contradição entre as várias intervenções que aqui foram formuladas: a Sr.ª Deputada Isabel Castro, por exemplo, disse que a suspensão do Decreto-Lei n.º 555/99 ficou a dever-se à pressão dos construtores civis, que pretendiam travar a entrada em vigor do diploma; ao contrário, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo veio aqui dizer-nos, pela bancada do Partido Popular, que o objectivo é exactamente o contrário, visto que o novo diploma veio prejudicar a simplificação dos procedimentos que interessam certamente também aos construtores civis.
Apetecia-me promover uma acareação, para procurarmos determinar, exactamente, quais os interesses que aqui estão em presença.
O que se passa é simplesmente isto: o Decreto-Lei n.º 177/2001, o novo diploma, permitiu, de facto, restringir a aplicação da figura da autorização administrativa e, portanto, a consequente simplificação dos procedimentos nos casos em que o regime dos planos de pormenor não tinha a suficiente determinação de conteúdos que pudesse justificar essa simplificação.
Foi essa preocupação que dominou a elaboração do Decreto-Lei n.º 177/2001, representando uma intervenção legislativa que assegura uma composição dos interesses em presença. E não é certo dizer, como fez o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que esses interesses em presença podem ser rotulados de interesses das entidades licenciadoras, porque os interesses das entidades licenciadoras não são, neste caso, outra coisa senão os interesses públicos: os interesses públicos de quem licencia, que são as autarquias locais; os interesses públicos de urbanismo e de ordenamento do território, que certamente o Governo deve tutelar. Ora bem, esses são os interesses públicos que as entidades licenciadoras preservam na sua intervenção neste domínio.
Srs. Deputados, estou convencido que a intervenção legislativa que tivemos a ocasião de fazer assegura, portanto, uma suficiente e adequada composição dos interesses, incluindo os dos agentes económicos do sector, até porque não eliminou a figura da autorização administrava nem veio alargar os prazos de decisão administrativa, como alguns pretendiam. E noto, a esse propósito, que o Sr. Deputado Joaquim Matias deu conta de algumas alterações que eu, mais uma vez, rotulo de pormenor nalguns casos. Refiro, por exemplo, a questão das delegações de competências, que a nova versão do Decreto-Lei n.º 177/2001 já consagra. Depois, a questão do adiamento dos prazos de decisão sobre as operações de loteamento passaria de 30 para 40 dias. Chamaria a atenção do Sr. Deputado para o facto de a proposta que o Partido Comunista apresentou sobre essa matéria, quando aqui discutimos a questão do Decreto-Lei n.º 555/99, não propor 45 dias para apreciação das operações de loteamento. A apreciação das operações de loteamento por parte das autarquias locais, na proposta que o Partido Comunista aqui apresentou, podia ir para dois meses úteis, no caso de operações de loteamento enquadradas pelo plano de pormenor, para quatro meses úteis, no caso de operações de loteamento enquadradas pelo plano de urbanização e para nove meses úteis no caso de operações de loteamento, na ausência de plano director municipal.
Recordo isto apenas porque o Sr. Deputado estranhou que as contribuições então apresentadas pelo Partido Comunista não tivessem merecido acolhimento. Com certeza que não podiam! Então como é que um procedimento legislativo que viesse consagrar o arrastar dos procedimentos administrativos ao ponto de, em alguns casos, as operações de loteamento poderem ser decididas no prazo de nove meses, podia ter tido o acolhimento desta Câmara?! Certamente que não teve! E, em meu juízo, devo dizer-lhe, a Câmara fez muito bem em rejeitar esse procedimento, que, aliás, pretendia verdadeiramente enxertar uma lei material naquele que era um procedimento legislativo que dizia respeito à aprovação de uma autorização legislativa.
As questões que aqui foram colocadas por vários Srs. Deputados são vastas e dizem respeito a vários problemas. Não podendo ater-me a todas, gostaria de responder a algumas delas em pormenor, como, por exemplo, à da dispensa de discussão pública. A esse respeito, gostava de dizer que o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 177/2001 apenas introduziu regras para a dispensa de discussão pública, que, caso contrário, ficavam ao livre critério dos regulamentos municipais. Portanto, o que fez esse Decreto-Lei foi introduzir critérios, aliás por recomendação que nos chegou de vários participantes no processo de elaboração do diploma.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro referiu a proibição de alteração dos alvarás nos primeiro três anos, mas esqueceu-se de referir que o decreto-lei anterior previa que, para lá desses três anos, a alteração dos alvarás pudesse acontecer a todo o tempo e sem a possibilidade de intervenção dos particulares. Portanto, essa garantia dos particulares existia, de facto, nos primeiros três anos, mas desaparecia magicamente no final desse prazo. Ora, o que

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que o Decreto-Lei n.º 177/2001 faz, também aí, é uma mais justa composição dos interesses, exigindo que essas alterações do alvará dependam de acordo de uma determinada maioria dos atingidos e, portanto, também dos particulares atingidos por essa decisão.
O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo referiu a questão da suspensão dos procedimentos quando esteja pendente a elaboração de instrumento de gestão territorial já em discussão pública. Trata-se também de uma questão recorrente nesta Câmara, vinda da bancada do Partido Popular.
O que é que está aqui em causa verdadeiramente? É que quando a administração, no caso as autarquias locais, promove a elaboração de um novo plano municipal e propõe novas regras de gestão territorial a pior coisa que pode acontecer ao nosso urbanismo é consentir que, nessas circunstâncias, se consolidem direitos adquiridos contra as novas regras urbanísticas, que já são conhecidas, que já estão propostas, que já estão em discussão pública, porque isso significa que quando elas entrarem em vigor já não têm nenhum efeito. E no combate contra os chamados direitos adquiridos não há dúvida de que o mais importante é impedir que eles se adquiram indevidamente. É por isso que a suspensão destes procedimentos existe nessas circunstâncias, mas apenas existe nos casos em que as novas regras urbanísticas são, de facto, incompatíveis com o pedido.
Isso significa, portanto, que não há, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo sugere, uma paralisação dos procedimentos administrativos de uma autarquia local só porque se iniciou um procedimento de revisão dos instrumentos de gestão territorial.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, julgo que muitas das questão que foram aqui suscitadas relevam de equívocos na interpretação do diploma e que outras relevam de alterações de pormenor que se pretendem introduzir. De todo, não justificam as impressões gerais que aqui fomos ouvindo sobre esta intervenção legislativa e uma coisa me parece clara: comparando com a turbulência que marcava as semanas que antecediam a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, a tranquilidade que marca estas semanas fala melhor sobre qualquer outra coisa: sobre o bom senso, sobre o rigor com que o Governo interveio nesta matéria, por via do decreto-lei que é agora submetido a apreciação parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, beneficiou de 2 minutos que o Partido Socialista lhe cedeu.
Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Joaquim Matias, mas o Governo só dispõe de 13 segundos para responder. No entanto, como esse tempo, com a tolerância da Mesa, é capaz de ser suficiente, tem a palavra, Sr. Deputado Joaquim Matias.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado trouxe aqui uma autêntica novidade. Então a Assembleia da República não pode discutir, não pode legislar nem alterar coisas que são da sua estrita responsabilidade?! Essa é boa, Sr. Secretário de Estado! E, ainda por cima, disse que, com a autoridade que o Governo tem nesta matéria, produziu um diploma - o Decreto-Lei n.º 555/99 - que teve de suspender depois porque era inexequível, não se conseguia aplicar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Isso aconteceu porque o Governo fez ouvidos de mercador às questões que lhe foram colocadas pela Assembleia da República, pelo Provedor de Justiça e pela Associação Nacional de Municípios Portugueses. Teimou, e depois teve de retirá-lo. E a seguir pede a sua suspensão até ao fim do ano 2000 e leva até ao fim do ano 2001 a alteração do diploma!.
O Sr. Secretário de Estado continua a não entender o que de essencial está em discussão nesta matéria!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão: a seguir, menosprezando o trabalho da Assembleia da República, diz o Sr. Secretário de Estado que as propostas são de menor importância.
Ó Sr. Secretário de Estado, é de menor importância obrigar os serviços públicos portuários, ferroviários, de telefones, de gás, de electricidade a precisarem de uma autorização - não estamos a falar de pagamento de taxas - dos municípios para fazerem essas obras?! Isto é de menor importância?! Então, a autonomia do poder local, o princípio da subsidariedade da Lei de Bases do Ordenamento do Território, que obriga a que sejam os municípios a pronunciarem-se sobre a matéria, é de menor importância?!
Ó Sr. Secretário de Estado, francamente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza. Para tal, dispõe de mais 2 minutos que o Partido Socialista lhe cedeu.

O Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Joaquim Matias, estou em condições de respondeu pelo diploma que o Governo produziu, o Decreto-Lei n.º 177/2001, estou em condições de responder pelo que afirmei nesta Assembleia, mas não estou em condições de responder por aquilo que o Sr. Deputado diz que eu disse.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é do Governo do PS?!

O Orador: - Eu não disse que esta Assembleia da República não podia legislar sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação! Conheço bem a distribuição de competências legislativas e sei bem que quando o Governo pediu uma autorização legislativa ao Parlamento estava a reconhecer que havia questões que diziam respeito à competência desta Assembleia e sobre as quais só podia legislar com essa autorização!
Portanto, não está em causa que esta Assembleia possa legislar, já que esta Assembleia tem competência constitucional e legal para intervir nesta matéria! Agora o que o Sr. Deputado tem de aceitar é que o Governo, chamado a participar sobre a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 177/2001, possa exprimir o seu juízo político sobre a conveniência dessas alterações!
O que lhe devo dizer é que estas alterações que os Srs. Deputados aqui propõem - algumas dizem respeito ao

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funcionamento dos serviços municipais, outras à preservação daquilo que alguns entendem que são as esferas de competências próprias das autarquias locais - foram muito ponderadas ao longo deste procedimento legislativo e que a Associação Nacional de Municípios Portugueses, em representação dos autarcas, disse o que aqui tive ocasião de transmitir, ou seja, que considera que as soluções introduzidas pelo Governo são globalmente positivas.
Quando disse que as alterações propostas pelo Partido Comunista não eram soluções que pudessem justificar a apreciação global tenebrosa que faziam sobre o regime jurídico da urbanização e da edificação estava-me a referir não tanto a estas - porque estas, de facto, já foram objecto de discussão no Parlamento e de ponderação por parte do Governo -, mas às que dizem respeito a alterações dos prazos de 30 para 40 dias e outras coisas que tais, que, sendo úteis e podendo merecer consideração, certamente não são aquelas que justificam uma intervenção legislativa sobre um procedimento que já foi muito complexo e já teve importantes vicissitudes e, em relação ao actual, julgo que deve haver alguma contenção no que diz respeito a novas precipitações de intervenções legislativas nessa matéria.
Sr. Deputado, fique tranquilo pois reconheço a competência legislativa do Parlamento, de outro modo não poderia ser. Agora, uma coisa é certa: o Governo tem, sobre esta matéria, uma opinião que foi consolidada…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem de concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - … através de discussão pública com os parceiros interessados, que se exprimiram favoravelmente em relação ao decreto-lei do Governo. É aí que se baseia, afinal de contas, o entendimento do Governo de que intervenções legislativas adicionais nesta matéria devem ser consideradas com a maior contenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por concluído este ponto da ordem do dia.
Entretanto, em relação a esta apreciação parlamentar, deram entrada na Mesa propostas apresentadas pelo PCP, pelo PS e pelo PSD, que baixam à Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente para discussão e votação.
Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que consta da apreciação do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, que altera os Decretos-Leis n.os 114/94, de 3 de Maio, e 2/98, de 3 de Janeiro, bem como o Código da Estrada, e revoga os Decretos-Leis n.os 162/2001, de 22 de Maio, e 178-A/2001, de 12 de Junho [apreciações parlamentares n.os 51/VIII (PSD) e 52/VIII (CDS-PP)].
Tem a palavra, para apresentar o pedido de apreciação parlamentar do PSD, o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, a apreciação parlamentar n.º 51/VIII, da autoria do Partido Social Democrata, relacionada com o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, bem como o pedido de apreciação parlamentar que o Partido Popular apresentou posteriormente sobre o mesmo Decreto-Lei.
Pretende-se, desta forma, analisar os fundamentos científicos que conduziram às recentes alterações legislativas relacionadas com os efeitos do TAS (teor de álcool no sangue), nomeadamente o constante do artigo 81.º do mencionado Decreto-Lei. No seu ponto 1, proíbe-se a condução sob influência do álcool e, no ponto 2, explicita-se que assim se considera o condutor que apresente um TAS superior a 0,2 g/l.
É sobre esta matéria e suas consequências que passarei a ocupar-me.
Desde já, desejo tornar muito claro que o Partido Social Democrata apoia todas as medidas que, de forma estruturada, racional, equilibrada e fundamentada, concorram para a redução da sinistralidade e aumento da segurança rodoviária.

Aplausos do PSD.

Todavia, sejamos igualmente claros neste ponto: não aceitamos medidas desgarradas, isoladas e mal avaliadas, resultantes da precipitação de um ou mais membros do Governo e da aprovação polémica do Conselho de Ministros.
Por isso, solicitámos a apreciação parlamentar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Tratando-se de uma questão muito séria, partilhámos, em sede de comissão especializada, da necessidade de requerermos ao Governo os estudos que serviram de suporte à redução do TAS de 0,5 para 0,2g/l; igualmente, concluímos pela conveniência que adviria de ouvir organizações e personalidades da comunidade científica que contribuíssem para percebermos o seu alcance e as suas consequências.
Os estudos solicitados ao Governo não apareceram, certamente por não existirem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma vergonha!

O Orador: - Em sua substituição, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, na ausência dos Srs. Ministros da Administração Interna e da Agricultura, que não se dignaram comparecer aquando da reunião com a Comissão de Agricultura, na passada 4ª feira, entregou vários papers contendo informação dispersa, pareceres que os próprios autores não reconhecem como tais e opiniões soltas de individualidades ligadas ao combate ao alcoolismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo devia saber que o assunto que está em discussão nada tem a ver com o alcoolismo.
Através das muitas audições, obtivemos informações que nos levaram a concluir pela inexistência de qualquer estudo sério e que a redução de 0,5 para 0,2 g/l de álcool no sangue não tem qualquer fundamento quanto ao objectivo visado, que é a redução da sinistralidade. Ao contrário, ficou a certeza de que tal medida causará graves prejuízos para a economia nacional.
A própria Comissão Europeia, na sua Recomendação de 17 de Janeiro deste ano, sugere que todos os Estados-membros adoptem um limite legal máximo de teor de álcool no sangue de 0,5 g/l. Pretende, assim, uma uniformidade em torno deste valor que proporcione uma referência mais clara para todos os condutores da União Europeia e para a fiscalização por parte das autoridades dos diversos Estados-membros.

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Permitam-me, ainda, que recorde que dos quinze Estados-membros, 3 ainda mantêm uma taxa de alcoolémia de 0,8, 10 de 0,5 e só nós, Portugal, acompanhamos a Suécia com 0,2 e não será, com certeza, Srs. Deputados, por afinidades culturais.
Vale isto para dizer que o Governo assumiu posição fundamentalista nesta matéria contra a corrente. Veja-se como o Reino Unido reduziu o número de condutores sob o efeito do álcool, nos últimos 20 anos, em cerca de 76%, combinando fiscalização, sanções e campanhas regulares de publicidade em torno do TAS de 0,8, que mantém desde 1967.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo optou pela solução mais fácil. Não teve em atenção factores que, esses sim, contribuem decisivamente para a elevada sinistralidade que, sem dúvida, possuímos.
Ignora a educação cívica, a fadiga, o péssimo estado de algumas estradas, a escassa, deficiente e inadequada sinalização que nem respeita as normas europeias, a falta de fiscalização a condutores e ao estado dos veículos, a ausência de campanhas de sensibilização, a falta de rigor na atribuição das cartas de condução e, sobretudo, o excesso de velocidade e as manobras perigosas.
Caberá aqui referir os elementos estatísticos da Guarda Nacional Republicana e da Direcção-Geral de Viação respeitantes aos anos de 1999 e 2000, que apontam, entre outras, como causas da sinistralidade a velocidade excessiva em 39% dos acidentes, enquanto que a taxa de alcoolémia superior ao permitido por lei é responsável por 2%, nos quais mais de 60% dos condutores apresentavam mais de 1,2 g/l de álcool no sangue.
Em suma, o Governo legislou sobre o joelho. Olhou para a árvore e ignorou a floresta. Foi incauto e foi irresponsável. Nem sequer procedeu à análise cuidada dos elementos estatísticos de que dispõe.
Esta lei não constitui um factor de moderação mas, sim, de proibição. Não fomenta a cultura da responsabilidade cívica do consumo moderado, antes, suscita revolta, já que, na prática, se traduz numa proibição do consumo - refira-se - com gravosas consequências para a economia nacional.
O PSD entende que o combate à sinistralidade rodoviária é uma prioridade nacional. Há muito que o defendemos, quando outros calavam essa tragédia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, esse combate deve ser estribado num conjunto harmonioso, articulado e sustentado de medidas que, séria e proficientemente, levem a bom porto essa ingente tarefa. Não em medidas avulsas, atrabiliárias e não fundamentadas, que apenas visam, de forma demagógica e populista, lançar o ónus da inacção governativa sobre os condutores.
Daí que o Partido Social Democrata esteja convicto da acuidade, justificação e oportunidade desta apreciação parlamentar que tivemos a iniciativa de apresentar.
Em consequência da intervenção que acabo de fazer, seja-me permitida, Sr. Presidente, a entrega na Mesa de uma proposta do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, a qual visa alterar o artigo 81.º do Decreto Lei n.º 265-A/2001, em que passa a considerar sob influência do álcool o condutor que apresente um TAS superior a 0,5 g/l e, simultaneamente, se agravam as coimas a aplicar em caso de infracção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes para justificar o pedido de apreciação parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, Sr.as e Srs. Deputados: Quero deixar um pensamento para aqueles que estão lá fora à espera de que este Parlamento defenda pelo menos alguma contenção de comportamento e algum bom senso neste «pobre povo».
«Se conduzir, não beba»! - é este o lema do meu sermão. E à guisa de sermão, que significam estas palavras retiradas da bíblia do bom comportamento cívico? Significam, simplesmente, em português de lei: não beba em demasia! E porquê? Porque, tal como o nosso povo bem sabe, quando se diz que, por exemplo, um membro deste Parlamento bebe, significa, simplesmente, que ele é alcoólico.
É, pois, possível manipular os significados perante a indiferença dos que votam. Quem é que liga à língua?! Uns, mais «talibânicos», interpretam esta «sura», capítulo do Corão, como sendo proibido beber; sendo defensores da liberalização da droga, são proibicionistas no que diz respeito às grandes massas populares que tanto gostariam de dominar.
Como sempre, o Governo fez da frase uma interpretação de meias-tintas, forma hábil de convencer os mais crédulos e de não aplicar uma lei moderada. Ao contrário do que se pensa, mesmo em democracia, pode ter-se uma veiazinha totalitária.

Risos do CDS-PP.

É a forma muito sua de apresentar serviço. Arvorando o símbolo do álcool, reparem, evita sempre nomear o vinho, que pertence à nossa cultura, e, ao invés de manter os 0,5 g/l, sujeitando o infractor a penas agravadas, como acabaram de fazer as Cortes espanholas que prevêem a retenção da carta, introduziu uma medida que levou a que os próprios espanhóis considerem que, em Portugal, vigora a «lei seca» - e fê-lo com grande prazer -, porque os turistas preferirão, certamente, uma lei mais moderada.
Junta-se, assim, o nosso país às ex-ditaduras soviéticas, à Suécia e à Noruega - de facto, na Noruega e na Suécia, ao domingo, não há carros, porque está tudo bêbado - que adoptaram…

Risos.

É verdade! Basta irem à Reiterbahn, a Sampali, a Hamburgo para como é que os ferries circulam, a quantidade de pessoas que desembarcam…
Mas, como eu estava a dizer, o nosso país junta-se às ex-ditaduras soviéticas, à Suécia e à Noruega, países que adoptaram 0,2 g/l como limite - muito embora a medida sueca em nada tenha alterado a sinistralidade rodoviária -, contrariando o que vigora em todos os países da Europa, mediterrânicos ou não, porque isto de dizer só «mediterrânicos» é um argumento em nosso desfavor, e é mentira. É mentira porque a Dinamarca e a Finlândia têm 0,5 g/l e estão longe de ser países mediterrânicos, não são é parvos!

Risos do CDS-PP e do PSD.

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Como muito bem afirmou o Deputado Agostinho Lopes, na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, a anterior diminuição do limite de alcoolemia, de 0,8 g/l, como, actualmente, vigora na Inglaterra, no Luxemburgo e na Itália, para 0,5 g/l, em nada contribuiu para a diminuição do número de sinistros de viação em Portugal.
No parecer dado pelo Catedrático de Medicina Legal da Universidade de Coimbra, Professor Duarte Nuno Vieira, embora se acolha o limite de 0,2 g/l, não se põe em causa os 0,5 g/l, que o autor desse mesmo parecer afirma ser aceitável e que, honestamente, disse - e, por isso, lhe presto homenagem - que não acreditava que o abaixamento proposto viesse a alterar favoravelmente o estado das coisas. Obedeceu o Professor da prestigiosa Universidade de Coimbra (eu, que sou um olisiponense, digo isto com grande dificuldade) a um princípio científico importante: em ciência não é possível admitir a nulidade do risco.
É, portanto, falaciosa - qualquer jesuíta o diria - a tese defendida pela mente jurídica e autorizada, porque sei que é um bom jurista, do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna. Em primeiro lugar, porque esconde importantes indicadores que seriam de considerar, nomeadamente, o de a percentagem dos casos detectados pela GNR de alcoolemia verdadeira, de verdadeiro alcoolismo, não ultrapassar os 2%; e, em segundo lugar, por não distinguir, nos 24% de mortos examinados nos institutos de medicina legal, aqueles que eram condutores daqueles que eram conduzidos. E há uma grande diferença neste facto. Julgo que tem esses elementos, mas não nos forneceu.
A este propósito, convém salientar que é mínima a percentagem, ainda que seja sempre de considerar, de respeitar e de evitar, dos óbitos em acidentes de viação com taxas de alcoolemia entre 0,0 g/l e 0,5 g/l - é apenas de 5%.
Não é, por isso, lícito justificar, com estes números, a medida tomada. Nada prova que tenha sido o álcool e não outras infracções, como o excesso de velocidade ou manobras perigosas, a causa dos acidentes em que estiveram implicados. Isto para não falarmos dos restantes 76%, que não tinham qualquer nível de álcool no sangue.
Vem esta medida juntar-se a tantas outras que estão a contribuir para a destruição da cultura portuguesa; vem na linha de medidas defendidas pelos extremistas lusitanos, que, como é tradicional nesses políticos peregrinos, odeiam a própria cultura, odeiam o mundo ocidental que os gerou, não se atrevendo, contudo, a combatê-lo frontalmente com medo que lhes façam dói-dói e, então, batem-lhe sub-repticiamente.
Proíbe-se a secular tradição dos touros de morte na pequena vila de Barrancos - proibição que os barranquenhos vencem, dizem as más-línguas, à custa do Ministro da Administração Interna manter os 0,2 g/l; proíbe-se o consumo culto e moderado do vinho e liberaliza-se o consumo de droga, abrindo o caminho à instalação de confortáveis salas de chuto,…

Aplausos do CDS-PP.

… que, não fora o «chuto» dado pelas populações, já há muito estariam instaladas.
Esperamos, com a Coca-Cola e a Pepsi ao nosso lado (não podemos ter melhores companheiros nem mais bem pagantes), passar à moda da comida sucata, da junk food (já que aqui se emprega tanto o inglês, e a junk food é bem conhecida).
Esperamos, os que de nós ainda se não drogam e que gostam de beber um copo de bom vinho às refeições e fumar um cigarro depois das mesmas, passar a ser apontados a dedo nas ruas e vir a pagar uma coima por tal perversão.

Risos do CDS-PP.

Chegou a altura de terminarmos e de reiterar o interesse da nossa bancada em lutar contra as elevadas taxas de sinistralidade que se verificam nas nossas estradas e de tudo fazer para que se tomem todas as medidas de melhoria das suas infra-estruturas rodoviárias e da sua sinalização, todas as medidas pedagógicas, legais e punitivas para o conseguirmos.
Para isso, necessitávamos que o Governo desse voz e liberdade de voto ao partido que o apoia e no qual gente muito boa poderia, por motivos patrióticos, alinhar.
Bem sei que ter um novo sexto ou sétimo Ministro da Administração Interna não seria muito agradável para o PS - reconheço! Mas também não vejo qualquer razão para haver um novo ministro, se o actual tomasse, durante a sua actividade política, uma medida que revelasse apenas bom senso. Só não muda o «burro»! Portanto, há qualquer coisa na sabedoria popular que pode levar alguém a mudar de opinião, e isso não significa que seja excluído da governação; deveria até ser louvado. Em qualquer país civilizado, como por exemplo, na América, que pode não ser muito civilizada para certos lugares aqui do Parlamento,…

Risos do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se atrapalhe!

O Orador: - Mas os políticos têm a possibilidade de dizerem que se enganaram, o que é uma coisa que fica bem a um político.
De qualquer maneira, não é nossa intenção salvar o mundo. É, sim, com a proposta que fazemos e que entregámos na Mesa, defender a nossa cultura, respeitando a segurança que se impõe, respeitando os esforço desenvolvido nos últimos anos por 300 000 viticultores, respeitando o futuro de 500 000 trabalhadores do sector da restauração e milhares de outros nos sectores do vidro e da cortiça e, finalmente, respeitando a liberdade individual relativa ao comportamento do cidadão, a qual pressupõe uma maior responsabilização e que, nas ditaduras jacobinas sob capa de democracias, é retirada a todos em nome de princípios abstractos e que não são comprováveis na realidade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Rosado Fernandes, deixei-o exceder o tempo em 32 segundos para que não me considerasse pouco civilizado.

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes para uma intervenção.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É o PCP por um forte combate à sinistralidade rodoviária, considerando, naturalmente, que não há interesses económicos que valham a vida humana, e critica a insuficiência das medidas governamentais. É o PCP pelo combate ao flagelo do alcoolismo, e critica o atraso e a inoperância da intervenção do Governo.

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Mas temos sérias dúvidas, pela forma como foi tomada, que decisões como a que hoje aqui discutimos contribuam para combater a elevada e mortal sinistralidade nas estradas portuguesas, e que, claramente, não é um elemento do combate ao alcoolismo.
Atente-se.
Em Maio de 1999, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/99, determina a constituição de uma comissão interministerial «(…) para analisar e integrar os múltiplos aspectos associados à luta contra o alcoolismo (…)», comissão ampla, que integrava, entre outros, representantes do Ministério da Saúde, que presidiu, dos Ministérios da Educação, da Administração Interna, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, da Justiça, da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, etc.
Em 2 de Novembro de 2000, passado um ano sobre a entrega, pela comissão interministerial, do seu trabalho, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000 o Governo decide: «1 - Aprovar o Plano de Acção contra o Alcoolismo anexo à presente Resolução e que dela faz parte integrante.
2 - Incumbir os membros do Governo competentes em razão da matéria de propor os actos normativos necessários à execução das medidas previstas no Plano.»
No Capítulo II desse plano - Orientações de Actuação e Medidas a Tomar -, estabelece-se, com grande precisão e rigor, as medidas a tomar em matéria de sinistralidade rodoviária: taxas máximas de 0,0 g/l e 0,3 g/l para determinado tipo de condutores.
Um dos participantes na referida comissão interministerial, ouvido em audição da Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, afirmou que tal decisão foi pacífica e que ninguém levantou o problema da passagem da taxa de alcoolemia de 0,5 g/l para 0,2 g/l.
Ultrapassando os estritos limites que a comissão propôs e a Resolução do Conselho de Ministros de Novembro acolheu, o Conselho de Ministros de 12 de Abril de 2001 alarga a todos os condutores a exigência de uma taxa máxima de 0,2 g/l e, a 22 de Maio, é publicado o consequente decreto-lei que, por razões técnicas, segundo o Governo, não chegou a entrar em vigor, sendo revogado e absorvido pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, que hoje está em apreciação.
Questão central não esclarecida neste imbróglio político criado pelo Governo é a de saber qual a sustentação técnica, científica, médica que levou o Governo a alterar a proposta que ele próprio tinha aceite como boa em sede da sua própria Resolução de 2 de Novembro.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Que motivos explicam que o Governo tenha passado de uma abordagem interministerial, inteiramente justificada pelos múltiplos aspectos associados ao problema, para uma decisão suportada pelo Ministério da Administração Interna?
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna veio, segunda-feira, a esta Assembleia entregar um dossier sobre o álcool e a segurança rodoviária. Ora, é possível verificar que quer os pareceres médicos quer o parecer da Direcção-Geral de Viação, segundo me parece, dada a forma como está organizado o dossier, se limitam a transmitir um parecer do Observatório de Segurança Rodoviária, reportando-se, todos, às datas de 5, 6, 7 e 8 de Setembro. Isto é, o Governo tomou a decisão em Abril, fez o decreto-lei em Maio e pediu os pareceres para sustentar a sua decisão, em Setembro!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Convenhamos, Srs. Deputados, que é um processo no mínimo esquisito!

Vozes do PCP: - É evidente!

O Orador: - No referido dossier, no parecer, que deveria ser nuclear, do Observatório de Segurança Rodoviária escrevem-se coisas como estas: «O trabalho agora apresentado tenta, malgrado a escassa informação disponível, contribuir para (…). A circunstância de o Observatório não se encontrar dotado de meios próprios de investigação científica determina que o parecer agora formulado resulta essencialmente de uma consulta bibliográfica (…). Refira-se, a este propósito, a escassez de bibliografia disponível resultante de estudos no patamar de 0,2 g/l a 0,5 g/l de TAS (…)» - e não estou a falar de nenhum estudo elaborado por uma qualquer organização vinícola mas, sim, de um estudo do Observatório de Segurança Rodoviária, dependente do Ministério da Administração Interna!

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Vou concluir.
A partir do dossier do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, apesar de todos os pareceres médicos, poder-se-ia partir para a aceitação de 0,2 g/l.
Na audição realizada na Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, com outra largueza de participação, incluindo a do Sr. Secretário de Estado, poder-se-ia concluir não ser justificável a decisão de passar de 0,5 g/l para 0,2 g/l. Isto é, se não ficamos seguros da inocuidade do TAS naquele intervalo, consideramos também não ter ficado demonstrada a bondade da descida para 0,2 g/l. E não nos julgamos em condições de arbitrar politicamente, neste momento, nestas circunstâncias e nesta sede, por uma opção final e definitiva.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas há duas conclusões que tirámos: primeira, o erro do procedimento do Governo; segunda, a incontornável necessidade de uma base interministerial e multidisciplinar para suportar a decisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Base que, logicamente, suportou a Resolução do Conselho de Ministros de Novembro de 2000; base necessária para atender aos múltiplos factores, problemas, sensibilidades e culturas que estão em jogo e que rigorosamente devem ser tidas em conta; base essencial, e é o mais importante, para que a norma legal possa intervir com eficácia e eficiência no combate à sinistralidade rodoviária,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … e não seja, pelo contrário, mais uma daquelas decisões que descredibilizam e banalizam a violação da lei.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Base interministerial e multidisciplinar, aliás defendida por um dos peritos médicos, como consta do dossier que o Sr. Secretário de Estado nos trouxe.
Ora, isto não fez o Governo com o decreto-lei em causa.
Em conclusão, consideramos dever o Governo desenvolver, com carácter de urgência, todos os esforços na recomposição da base interministerial de tratamento do problema, e, dessa abordagem, ou resulta a consolidação com suficiente fundamentação técnica e científica para a imposição de um TAS máximo admissível de 0,2 g/l, justificando uma alteração à Resolução do Conselho de Ministros, ou, no caso de não, o Governo deve «dar a mão à palmatória» e recuar na decisão tomada.
Como há propostas de alteração ao decreto-lei em causa, de onde decorre a correspondente baixa à 1.ª Comissão, deve esta procurar com o Governo esse mesmo esclarecimento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, em nossa opinião, está irremediavelmente perturbado o tratamento deste importante problema na sociedade portuguesa, pela ignorância, pela irresponsabilidade e pela ligeireza do Governo no tratamento de uma questão como esta no País que temos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Se for para uma interpelação à Mesa em sentido técnico sou obrigado a deixar,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Com certeza que é.

O Sr. Presidente (João Amaral): - … se for para interpelar a Mesa em sentido impróprio nem com balão…

Risos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - V. Ex.ª sabe que não costumo usar figuras regimentais em sentido impróprio e muito menos…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Conheço a elegância de V. Ex.ª quanto a essas coisas, portanto, faça favor.

Risos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Essa não é das Rua dos Fanqueiros!

Risos.

Sr. Presidente, através de V. Ex.ª, quero interpelar o Governo, pois estamos aqui a discutir uma matéria que em tudo tem a ver com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e gostaria de saber se o Sr. Ministro vem ou não a este debate. É que a sua presença é fundamental. Estamos a discutir matérias que se prendem com a agricultura e não está cá o Ministro da tutela…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, já percebemos o sentido da sua interpelação,…

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Mas queremos saber se vem ou não!

O Sr. Presidente (João Amaral): - … pelo que darei oportunidade ao Governo de responder a essa questão, agora ou mais tarde, quando intervir. O Governo escolherá o momento oportuno para o fazer.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado, e peço-lhe que seja sucinto.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, pretendo, aliás, corresponder ao apelo que V. Ex.ª implicitamente acabou de fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Basílio Horta em especial, julgo que neste debate, como nos anteriores, o Governo utilizou o critério que sempre utiliza em matérias similares.
Quando há uma pluralidade de responsabilidades e não havendo possibilidade de, nos processos de apreciação parlamentar, devido ao tempo de que o Governo usualmente dispõe, que é 10 minutos, fazer repartição de tempos ou de intervenção coral, conjunta, o Governo adopta o critério de fazer-se representar pela entidade que preparou directamente a legislação que está sujeita a apreciação parlamentar. Neste caso concreto, o Ministério da Administração Interna está representado pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, nos termos correntes e adequados que em nada contrastam com a prática que temos adoptado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Estão lá fora milhares de trabalhadores da agricultura e não está presente o Ministro!

O Orador: - É este o critério e não há aí senão o cumprimento de um código que tem funcionado exemplarmente entre nós.

Protestos do Deputado do CDS-PP Basílio Horta.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.
Sr. Deputado Francisco Louçã, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois do voto unânime desta Assembleia sobre o sentido das alterações ao Código da Estrada, importa sublinhar a responsabilidade que determinou essa unanimidade e recuperar, nessa responsabilidade, o sentido que deve orientar a política de prevenção e de combate à sinistralidade.
No entanto, abriu-se uma espécie de «caixa de Pandora» em que ministros, no jornal, vêm declarar a sua oposição à política do Governo, em que um Deputado da «maioria», Daniel Campelo,…

Risos do PSD e do PCP.

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… vem fazer disso condição para ser da maioria e em que tantas vozes se vão confrontando sobre esta matéria.
Importa, portanto, esclarecer que orientação deve ser adoptada. Creio que isso deve ser feito combatendo duas trapalhadas.
Primeiro, a do Governo. É certo que a fundamentação para os 0,2 g/l é escassa, é tardia e é, porventura, insuficiente. É certo, também, que as comparações internacionais merecem mais atenção do que aquela que perpassou pelo debate nesta Câmara.
É que, quando se considera a política internacionalmente assumida e nacionalmente executada nos países da Comunidade, não é verdade que tenha vindo a ser adoptada uma taxa única de referência, de 0,5 g/l ou de 0,8 g/l. Pelo contrário, os vários países de que temos indicação utilizaram taxas diferenciadas, políticas diferenciadas para melhor efeito de dissuasão da sinistralidade rodoviária. Ora, essa comparação merece atenção para produzir melhor legislação.
Fundamentalmente, o que está em causa, Sr.as e Srs. Deputados, é saber se temos tido, nos últimos anos, e se temos, agora, com esta medida, um plano de combate à sinistralidade que seja eficaz, continuado e coerente. Isso implica pensar na educação e nas escolas de condução, onde tantos negócios sobrelevam da necessidade de impor regras de condução que sejam satisfatórias; implica discutir o balanço das políticas educativas; implica discutir a sinalização ou o estado das estradas.
Ora, é certamente verdade que uma boa fiscalização, com a imposição de um TAS de 0,5 g/l, é muito mais eficiente do que nenhuma ou uma má fiscalização, com a imposição de 0,2 g/l.
É esse plano de combate à sinistralidade rodoviária que nos obriga a tomar medidas de fundo e que obriga a considerar projectos, programas educativos e até instituições, que a isso se dedicaram por mandato governamental ou por dever de Estado, como absolutamente insuficientes no que têm produzido até hoje.
Neste sentido, o esforço desta Câmara para produzir uma iniciativa legislativa, uma concentração de esforços que dê origem a um plano coerente de combate à sinistralidade será certamente bem-vinda, porque é necessária. Mas neste combate é preciso estratégia e não remendos. Por isso, o Bloco de Esquerda opõe-se à teoria do que tem vindo a ser defendida aqui e por tantos novos arautos desta política facilitista, que é a do «poucochinhismo». «Poucochinho» é quase nada, não é estratégia!
Nesta matéria, como noutras, é preciso dar um sinal absolutamente claro: sob nenhuma influência do álcool, de qualquer substância psicotrópica, de qualquer droga leve ou pesada deve um condutor de transportes públicos, de transportes pesados ou um qualquer outro condutor permitir-se pôr em causa a vida e o direito à vida de outras pessoas.
Por isso, se nos orientarmos para uma nova iniciativa legislativa, neste campo, devemos necessariamente combater uma outra trapalhada e dizer honestamente aos milhares de pessoas, que pensam que a elevação deste limite é condição para a sua sobrevivência económica, que é preciso distinguir - e nós o faremos, temos a obrigação de o fazer! - as razões económicas do sector vinícola, em Portugal, das razões nacionais do combate à sinistralidade.
Segundo, é preciso escolher uma estratégia. Se, hoje, as federações e os produtores vinícolas nos dizem que estão em situação de catástrofe económica, e que até caiu 30% a venda do seu produto, é preciso responder que isso faz reconhecer a importância e mesmo a correcção desta medida, porque prova, pelo menos, o efeito dissuasor dramático que ela teria obtido e que esse consumo era de automobilistas. Acho esta objecção inverosímil, aliás, mas decorre de uma estratégia não tanto de combate a esta medida mas de recurso a subsídios posteriores.
Mas há que escolher. Se o sector vinícola pensa que pode viver de subsídios temos e devemos dizer, honestamente, que assim não acontecerá. Pelo contrário, o sector pode, e tem de viver, da qualidade do vinho português, da sua capacidade competitiva nos mercados internos e externos. É por isso que o investimento em tecnologia, em conhecimento, em desenvolvimento é o garante da sua sobrevivência, e não tanto a sua maior capacidade de venda aos automobilistas.
É totalmente irrazoável, é até irresponsável argumentar que é a diminuição da venda aos automobilistas que pode influenciar, salvar ou prejudicar o sector vinícola em Portugal. Este argumento não pode ser aceite! Por isso, esta não é uma discussão sobre agricultura. A discussão sobre agricultura coloca-se num outro terreno, e importante, mas, hoje, esta é uma discussão sobre sinistralidade e o sentido político profundo e coerente sobre a consequência, o desenvolvimento e a continuidade das medidas que nos permitam construir nesta Câmara um consenso, se possível, para dizer ao País que este Parlamento contribuirá, em todo o seu poder, para diminuir a sinistralidade rodoviária em Portugal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É sempre mais fácil tomar uma medida que seja aceite por todos, que não dê polémica, e decidir ao sabor da opinião pública e publicada.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso mesmo, o PSD e o PP apresentam hoje a esta Assembleia um pedido de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 256-A/2001, que introduz alterações ao Código da Estrada e que, entre outras medidas, apresenta, também, o firme combate à sinistralidade rodoviária, com a baixa da taxa de alcoolemia de 0,5g/l para 0,2g/l.
A medida, hoje, não é pacífica em alguns sectores, mas foi tomada na convicção, apoiada em estudos, de que é necessária para que o drama da sinistralidade nas estradas portuguesas possa ser cada vez menor, porque a vida é um valor fundamental que deve ser defendido sem hesitações.
Na mesma época em que tudo isto se decidiu, os líderes do PSD, do CDS-PP e do PCP consideraram as medidas, estas e outras, insuficientes no novo Código da Estrada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bom lembrar os debates parlamentares travados no último ano, nesta Câmara, desde o debate sobre a sinistralidade rodoviária aos sucessivos debates sobre o alcoolismo e os seus efeitos na sociedade portuguesa, nomeadamente nas camadas mais jovens, a sinistralidade rodoviária é considerada a primeira causa de morte não natural, em Portugal, constituindo um grave problema de segurança interna, de saúde pública e de economia nacional.

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A redução da taxa de alcoolemia de 0,5g/l para 0,2g/l não é neste quadro uma medida desgarrada, antes aparece na política global e integrada do Governo, uma política desenvolvida num programa entre vários ministérios, desde as medidas relativas ao reforço da fiscalização da velocidade média nas estradas até às da condução sobre o efeito de estupefacientes e consumo de álcool.
Srs. Deputados, assumir o combate à sinistralidade é um dever de todos nós, de toda a sociedade, pelos nossos comportamentos, pelas nossas leis, pela maior fiscalização das medidas agora em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em Março último, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna apresentou, nesta Câmara, aquando do debate sobre segurança rodoviária, várias medidas que estavam em prática e outras que pretendia levar a cabo, tendo como objectivo reduzir o número de mortes nas estradas portuguesas.
Nesta altura, o Sr. Secretário de Estado informou a Câmara que era sua intenção reduzir a taxa legal de álcool para os condutores. Foi nesta mesma altura - é bom relembrar - que ninguém se pronunciou contra, porque todos tínhamos um objectivo comum: o combate à sinistralidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O PS e o Governo não mudaram de opinião; o PS e o Governo continuam, como ontem, a defender uma lei que pretende salvar vidas; o PS e o Governo não proíbem ninguém de beber quando quer. A máxima «se conduzir, não beba» continua a ser inalterável, mas reduz-se, isso sim, a taxa do teor de álcool no sangue permitida.
Esta medida tem uma finalidade preventiva e formativa, visa suscitar desde a adolescência à juventude, a faixa etária mais sacrificada, uma cidadania responsável e solidária.
Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, o PS está consciente que, nesta matéria, não pode, nem deve, haver demagogias mas, sim, responsabilidade. É necessário separar os interesses sectoriais legítimos que hoje se opõem a esta medida do interesse nacional no combate à sinistralidade rodoviária, porque é disto que se trata neste debate, através de uma política integrada de que faz parte a redução da taxa de alcoolemia.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A vitivinicultura é uma actividade crucial na economia portuguesa, razão pela qual o Governo tem sabido - e continuará a saber - assumir as suas responsabilidades, perante um sector que já é uma «história de sucesso» na União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É por tudo isto que devemos assumir a defesa do interesse geral, o combate à sinistralidade, o fim das famílias destruídas vítimas dos acidentes de viação.
Reitero que esta não é uma medida contra o consumo de álcool em geral, mas só para quem conduz e quando conduz; não interdita qualquer consumo; não é uma medida contra um sector económico e muito menos contra a chamada «cultura do vinho». Os respectivos interesses são, e serão, apoiados noutros domínios da actividade governativa, através de medidas apropriadas.
O PS está, por isso, disponível para discutir os efeitos da implementação desta medida, propondo, portanto, que seja acrescentado um novo número ao artigo Código da Estrada, no sentido de criar uma comissão de avaliação e acompanhamento destas medidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A Oradora: - Cá estaremos para discutir, afinal, quais as conclusões e agiremos sempre com determinação e firmeza, mas sem dogmatismos.
Move-nos a vontade, inquebrantável, de combater uma das maiores tragédias que afecta o nosso país: a exagerada sinistralidade nas estradas.
Move-nos o propósito firme de contribuir para uma cidadania responsável e uma maior cultura cívica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, ao abrigo do n.os 2 e 3 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Somos hoje convocados para, em apreciação parlamentar, debatermos o Decreto-lei n.º 265-A/2001, que altera o Código da Estrada.
De facto, somos convocados para debater os novos limites da taxa de alcoolemia no sangue e a relação entre esta e a sinistralidade rodoviária. Já sintetizei esta questão na pergunta: até que ponto se pode fazer do consumo moderado de álcool ou de vinho a causa principal da sinistralidade rodoviária em Portugal?
Este assunto foi objecto de uma audição na Comissão Parlamentar de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e tem constituído objecto de análise e de reflexão, tão aprofundada quanto possível, nessa Comissão, desde os meados de Setembro, quando uma instituição associativa do sector quis manifestar-nos as suas preocupações decorrentes da então hipotética entrada em vigor desse diploma, facto que viria a concretizar-se no passado dia 1 de Outubro, com o decreto-lei hoje em apreciação.
Com esta minha intervenção, a título pessoal, mas que também traduz o sentir de outros meus camaradas, pretendo trazer a Plenário a minha reflexão sobre esta problemática e considero ser imprescindível fazê-lo numa dupla perspectiva: a da importância do sector vitivinícola para o País e a da necessidade urgente de reduzir a sinistralidade rodoviária em Portugal.
Mas, Srs. Deputados, perseguir o objectivo de um sector vitivinícola forte não é incompatível com o reforço de medidas de combate à sinistralidade rodoviária. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, preocupados com os elevados níveis de sinistralidade todos estamos, naturalmente, e é importante que estejamos.
Nós parlamentares, eleitos também pelos milhares de agricultores que hoje se dirigiram a esta Assembleia e pelos que aqui não vieram, nós, que somos utentes das estradas, boas e menos boas, porque também temos de tudo, todos

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nós, que somos condutores ou viajamos de automóvel, que temos familiares, filhos, pais ou parentes mais ou menos próximos que, por este ou aquele motivo, se encontram a viajar, sentimos preocupação com a sinistralidade rodoviária - reconheçamo-lo -, e também os vitivinicultores portugueses a sentem, e, através das suas organizações, testemunharam esse estado de espírito na audição já referida. E não é correcto que alguém se considere, por este ou aquele motivo, como único detentor da preocupação com acidentes rodoviários.

Vozes de Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actual disposição legal hoje em debate, designadamente, o n.º 2 do artigo 81.º do actual Código da Estrada, mostra-se, quanto a mim, excessiva e passível de discordância no que respeita à sua fundamentação técnico-científica e algo desajustada da realidade socioeconómica e cultural portuguesa.

Vozes de Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Antes de mais, ela é excessiva, já que passamos a ser o único país do Sul da União Europeia com este limite da taxa de alcoolemia admitida aos condutores. Só a Suécia tem igual valor, mas os países mediterrânicos continuam com um TAS de 0,5 g/l ou superior, o que vai, como se sabe, muito além da Recomendação da Comissão Europeia, que preconiza o TAS de 0,5 g/l como limite máximo.

Vozes de Deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - No país que tem igual taxa, todos reconhecem que os hábitos alimentares são muito diferentes dos nossos.
Em segundo lugar, é passível de discordância no que respeita à fundamentação técnico-científica. Efectivamente, se é verdade que há individualidades do mundo académico e da ciência que se pronunciaram no sentido da importância desta medida para diminuir o número de acidentes rodoviários, também não é menos verdade que ilustres académicos ou cientistas, de reconhecido mérito, consideram, de forma fundamentada, que não se pode estabelecer uma relação causa/efeito entre taxa de alcoolemia no sangue de 0,3 g/l ou 0,5 g/l e a sinistralidade nas estradas.
Tanto assim é que, em documento escrito remetido a esta Assembleia, o Professor Dr. Francisco Monteiro, afirma não existir nenhum estudo com rigor científico e técnico que fundamente a necessidade do abaixamento do TAS de 0,5 g/l para 0,2 g/l. E constata que o Reino Unido, mantendo o limite de 0,8 g/l, estabelecido em 1967, conseguiu diminuir drasticamente a sinistralidade rodoviária com base numa maior fiscalização e acções de sensibilização. E, em declarações na audição que já referi, apresentando dados concretos, evidenciou que só se poderá estabelecer uma relação causa/efeito a partir de 0,8 g/l, considerando 0,5 g/l já uma precaução. Também na audição afirmou que o Departamento de Transportes dos Estados Unidos da América considera que o limite devia ser de 0,8 g/l.
Por sua vez, o Professor Daniel Serrão, convencido de que está da necessidade de um estudo tão aprofundado quanto possível sobre esta matéria, deixou o apelo a que se mandasse elaborar os estudos necessários para se fazer a demonstração de que os condutores com níveis entre 0,0 g/l e 0,5 g/l são realmente perigosos, isto é, se têm uma incidência maior de acidentes e se são os grandes causadores da sinistralidade nas estradas de Portugal.
Em terceiro lugar, ela é algo desajustada à nossa realidade socioeconómica e cultural.
País mediterrânico, onde a cultura da vinha tem raízes históricas profundas, talvez com origem nas invasões dos fenícios, mas que seguramente os romanos expandiram e a independência consolidou; País onde o vinho faz parte, com toda a naturalidade, da refeição, quer entrando na confecção dos alimentos, quer acompanhando-os. O vinho integra, assim, a gastronomia portuguesa, desde o ano passado considerada, e muito justamente, como património nacional, devendo, pois, ser também considerado um produto alimentar e não uma droga.

Aplausos de Deputados do PS.

Eis porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto a mim, não nos podemos alhear da perspectiva socioeconómica que, sem constituir o cerne da questão, deve também merecer a nossa preocupação, e, nesta perspectiva, fazer incidir a nossa atenção no produto «vinho». Por motivos óbvios, antes de mais, porque é este sector que, mais uma vez, se mostra o mais vulnerável, o mais desprotegido; porque importa trazer ao debate a coincidência - a coincidência, repito - de Portugal ter de aumentar no próximo ano a taxa do IVA por imposição comunitária, é um facto, na prossecução da harmonização; porque já se fez constar, lá em Bruxelas, que, pela dita harmonização, se pensa fazer aplicar ao vinho uma taxa de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), superior à actual, que é zero, em Portugal; porque - e aqui pode falar-se com precisão de linguagem -, em coincidência, a situação internacional que se vive hoje pode, naturalmente, perspectivar uma retracção nas exportações, também deste produto.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é precisamente com vista a melhorar este produto que se tem vindo a fazer uma grande esforço, um grande investimento, por parte dos produtores, dos agentes económicos da fileira, mas também, indiscutivelmente, pelo Governo, através do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, com o objectivo, dizia, de produzir mais e com melhor qualidade. Basta lembrar, entre outros, os ganhos obtidos nas negociações da Agenda 2000, designadamente, relacionados com novos direitos de plantio, recuperação de outros, perdidos, e autorização para a reestruturação de vinhas existentes.
Um sector que tem vindo a aumentar o seu peso nas exportações, que representa cerca de 30% do produto bruto agrícola, que representa 20% do valor acrescentado líquido a preço de mercado, gerado pelas exportações agrícolas, não pode ficar esquecido quando se legisla.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Governar é decidir, buscando sempre o bem comum, e estou convicto de que foi neste quadro que o Governo tomou esta medida, mas a prossecução do bem comum pode aceitar, aceita mesmo, o aprofundamento e a busca constante de soluções para o conseguir.
Por isso mesmo, e a partir da análise que constitui o meu contributo para este debate, que expandi nesta minha intervenção, julgo ser possível, mantendo a lei em vigor, aprofundar esta questão através dos estudos que se

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mostrarem necessários. A proposta do PS, que também subscrevo, aponta neste sentido; é, pois, positiva, mas melhor segurança rodoviária consegue-se, também, implementando e continuando a implementar outras medidas com vista ao combate à sinistralidade.
Estou absolutamente convencido de que beneficiaria o País, no seu todo.

Aplausos de Deputados do PS, de pé.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Rui Carlos Pereira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 15 de Março e 26 de Maio de 2001, compareci perante VV. Ex.as e dei conta dos projectos do Governo em matéria de sinistralidade rodoviária.
Convirá recordar que existia então uma compreensível preocupação com este fenómeno que, por exemplo, conduziu o líder do maior partido da oposição a identificar o problema como uma «guerra civil» nas estradas, apelando à tomada de medidas enérgicas e eficazes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em ambas as circunstâncias, tive a oportunidade de identificar, entre as medidas de alteração ao Código Penal e ao Código da Estrada, preconizadas pelo Governo, a diminuição do grau de alcoolemia permitido para 0,2 g/l.
Esse anúncio foi acompanhado de explicações pormenorizadas, incluindo a referência a que o sancionamento só valeria para taxas superiores, isto é para 0,3 g/l, do esclarecimento que aos condutores detectados com uma taxa de alcoolemia inferior a 0,5 g/l seriam aplicáveis as coimas correspondentes a uma contra-ordenação leve e da indicação de que este critério era seguido, na Europa, pela Suécia.
Nem em 15 de Março, nem em 26 de Maio de 2001, se ergueu uma única voz discordante, tendo até sucedido que o líder do maior partido da oposição, em entrevistas à imprensa - veja-se, por exemplo, a sua declaração ao Correio da Manhã, de 17 de Abril de 2001 -, considerou as medidas positivas, acrescentando que elas pecavam por tardias.
As medidas então apresentadas pelo Governo, recorde-se, compreenderam uma proposta de alteração ao Código Penal, que agravou a pena acessória de proibição de conduzir, modificou a tipificação do crime de condução perigosa e introduziu um crime de condução sob a influência da droga e também várias alterações ao Código da Estrada, que, partindo da caracterização das causas mais relevantes da sinistralidade - excesso de velocidade, condução perigosa e abuso do álcool -, contemplaram as correspondentes soluções: reforço da fiscalização da velocidade e da condução sob a influência da droga, diminuição da taxa de alcoolemia permitida para 0,2 g/l, simplificação das notificações e criação de mecanismos de coercividade tendentes a garantir o cumprimento das sanções.
Todas estas medidas foram ditadas pelo diagnóstico que então se traçou e uniu todas as bancadas da Assembleia. Apesar de o número de mortos e feridos graves na estrada ter diminuído sensivelmente entre 1995 e 2000 (em 1995, houve 2085 mortos e, em 2000, 1632; em 1995, houve 11 229 feridos graves e, em 2000, houve 6 922), ainda hoje as estradas portuguesas registam mais do dobro de mortos e feridos graves do que a média da União Europeia e mais do quádruplo do que países nórdicos, como, por exemplo, a Suécia, país onde, mesmo assim, a diminuição da taxa de alcoolemia para 0,2 g/l determinou, segundo estatísticas oficiais, uma redução de 8% do número de mortos e de 7% do número de infracções ao respectivo Código da Estrada.
A sinistralidade rodoviária é a primeira causa de morte não natural em Portugal, constituindo um gravíssimo problema de segurança, saúde pública e economia nacional. Sendo certo que as principais causas da sinistralidade são, isolada ou conjugadamente, o excesso de velocidade, as manobras perigosas e o abuso do álcool, é necessário tomar medidas enérgicas e eficazes relativamente a todas elas que se orientem no sentido da educação do condutor e da prevenção de comportamentos perigosos, do melhoramento da sinalização e das vias, do reforço da fiscalização e dos procedimentos contra-ordenacionais, mas também, indubitavelmente, no sentido do apuramento das próprias soluções legais.
Sendo causa relevante da sinistralidade, o abuso do álcool está seguramente na origem de um número não subestimável de mortos e feridos graves nas estradas portuguesas. Para o indiciar basta referir a percentagem de mortos submetidos a autópsia na sequência de acidentes rodoviários: 24%. Esta percentagem, referente a 1998, elevou-se para 35%, em 2000, considerando apenas o número de mortos que apresentam taxas de alcoolemia iguais ou superiores a 0,5 g/l. O aumento de mortos que apresentavam álcool no sangue em quantidades inferiores, que ascende a 20%, faz subir a percentagem para mais de 50%. Estes dados são essencialmente coincidentes com os dados oficiais apresentados por vários países europeus, com taxas de alcoolemia proibidas a partir de 0,5 g/l, que indicam como causa de mais de 20% de óbitos na estrada o consumo excessivo de álcool.

Vozes do PSD: - E o Reino Unido!

O Orador: - Em países como os Estados Unidos da América, em que a taxa de alcoolemia só é proibida a partir de 0,8 g/l, a taxa ascende a 41%; pelo contrário, em países como a Suécia e a Noruega, em que a taxa máxima permitida é de 0,2 g/l, a percentagem baixou para níveis inferiores a 10%.

Vozes do PSD: - E o Reino Unido!

O Orador: - Também no plano médico todos os pareceres, dos cinco nacionais que possuímos aos estrangeiros, apontam para uma diminuição das capacidades do condutor quando a taxa de alcoolemia ultrapassa 0,2 g/l. Verifica-se uma diminuição da acuidade visual e dos reflexos, da capacidade de concentração e de reacção a estímulos diversificados e o álcool funciona como factor desinibidor e de dissimulação do cansaço.
Segundo um conhecido e profundo estudo norte-americano, de Moskowitz e Zador, esta diminuição da capacidade do condutor acarreta um aumento do risco de acidente estimado em 140%, quando o grau de alcoolemia se situa entre 0,2 g/l e 0,5 g/l.
Um estudo médico português, que confirma esta conclusão, indica que uma diminuição da taxa de alcoolemia permitida para 0,2 g/l pode poupar, anualmente, entre 100 e 200 vidas de portugueses com menos de 35 anos de idade,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

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… sendo até mais optimista que um estudo idêntico do EUROSTAT, que estima em 6000 o número de vidas de jovens que seriam poupadas na União Europeia, se a medida da Suécia fosse generalizada.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A bondade de uma medida legislativa depende da sua conformidade com as convicções éticas dominantes, depende da sua utilidade e também da sua aceitabilidade.
Ora, esta medida de diminuição da alcoolemia tem sido compreendida pela opinião pública, como o revelaram os estudos de opinião feitos na União Europeia no âmbito do projecto Sartre e também à escala nacional. E a aceitação desta medida resulta de a generalidade das pessoas compreender que ela não se dirige contra o consumo do álcool, ou de qualquer bebida em particular, mas contra o consumo do álcool por quem vai conduzir.
Ainda assim, embora seja correcta a orientação dada aos condutores de que não devem beber se forem conduzir, esta medida não é fundamentalista…

Protestos do PSD.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - É, sim senhor!

O Orador: - … permitindo, de acordo com a nossa tradição mediterrânica, o acompanhamento das refeições por quantidades moderadas de vinho. Isto mesmo foi demonstrado, no plano empírico, por experiências realizadas por vários órgãos da comunicação social, do Diário de Notícias à Visão, uma da quais envolveu mesmo o líder do CDS-PP.
À escala europeia, três países adoptam já a taxa máxima de 0,2 g/l - a Polónia, a Noruega e a Suécia -, havendo mesmo outros, como a República Checa, a Hungria e a Eslováquia, que consagram uma taxa de 0,0 g/l, o que se afigura incorrecto na medida em que o processo de fermentação de alimentos pode revelar níveis mínimos de alcoolemia.
Importa também referir que, ao contrário do que às vezes se pretende, a Recomendação da Comissão, de 17 de Janeiro de 2001, prescreve que todos os Estados-membros devem adoptar um limite legal máximo de teor de álcool no sangue de 0,5 g/l, ou inferior, para condutores de todos os veículos a motor. A Recomendação acrescenta que todos os Estados-membros devem adoptar um limite legal máximo de 0,2 g/l, ou inferior, para condutores inexperientes, para motociclistas, para condutores de pesados e para condutores de mercadorias perigosas. Isto é, ao adoptar uma taxa máxima admitida de 0,2 g/l para todos os condutores, o Estado português não viola, antes cumpre rigorosamente a Recomendação da União Europeia.
Por que razão, no entanto, não adoptou o Governo taxas de alcoolemia diferenciadas de acordo com as classes de condutores? Não o fez porque: em primeiro lugar, atendendo à taxa de sinistralidade elevada, temos de concluir que não faz sentido distinguir classes de risco em Portugal.
Em segundo lugar, na circulação rodoviária vale um paradigma igualitário, pelo qual se considera que todos estão igualmente obrigados a cumprir as regras, independentemente da sua perícia ou das características dos veículos que conduzem, sendo responsáveis pelos acidentes em que intervenham de acordo com esse mesmo paradigma de igualdade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, por que é que o Código Penal penaliza mais uns do que outros?!

O Orador: - Em terceiro lugar, admitindo taxas de alcoolemia diferenciadas, seria absurdo concluir - e teria de se concluir isso mesmo - que num acidente em que interviesse um condutor com uma taxa de alcoolemia de 0,4 g/l e um outro com uma taxa de 0,3 g/l seria este presumivelmente o culpado, desde que fosse inferior para ele o limite vigente, o que até é duvidosamente compatível com o princípio constitucional da igualdade.
Em quarto lugar, porque o estabelecimento de um limite de 0,2 g/l para alguns condutores assenta, inexoravelmente, no reconhecimento científico de que essa taxa de álcool diminui as capacidades requeridas para a condução, o que não pode deixar de ser extensivo a todos os outros condutores.
Finalmente, em quinto lugar, porque na circulação rodoviária um condutor, ainda que sozinho no seu automóvel, pode sempre causar perigos a outras pessoas, sejam crianças, adultos ou velhos, porque se cruza com eles.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A correcção de uma lei também se afere pelos resultados da sua aplicação. Passados 20 dias de vigência desta medida, foram fiscalizados 61 560 condutores. Deste universo, 60 599 respeitavam o novo limite de alcoolemia e apenas 961, isto é, 1,56%, apresentaram resultados positivos. De entre os que apresentaram resultados positivos, cerca de 30% apresentavam uma taxa de alcoolemia superior a 1,2 g/l, 16% igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l, 24% igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l e 30% superior a 0,2 g/l e inferior a 0,5 g/l.
Assim, pode concluir-se que é diminuto o número de cidadãos que não respeita o limite de alcoolemia e que o novo regime demonstra a sua eficácia preventiva.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Está a ver-se!

O Orador: - Por outro lado, o número de mortos em acidentes rodoviários tem diminuído ao longo de 2001 e a diminuição acentuou-se sensivelmente desde que as medidas de alteração ao Código Penal e ao Código da Estrada foram anunciadas: em Janeiro, o número de mortos diminuiu em 8 em relação ao período homólogo do ano anterior; em Fevereiro, em 19; em Março, em 8; em Abril, em 9; em Maio, em 31; em Junho, em 13; em Julho, em 47; em Agosto, em 36.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E em Outubro?!

O Orador: - Esta evolução demonstra que é fundada a política de prevenção rodoviária do Governo, que aposta, de forma conjugada, na prevenção, na fiscalização e na repressão.
No domínio da prevenção, é importante sublinhar que está a ser preparada pela Prevenção Rodoviária Portuguesa e pela Direcção-Geral de Viação, desde há cerca de 2 meses, uma forte campanha de sensibilização dos condutores, que em breve surgirá nos órgãos de comunicação social.
No plano da fiscalização, cabe sublinhar que tem havido um sensível reforço de meios no âmbito do Plano Integrado de Segurança Rodoviária.

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Simultaneamente, foi concluído pela Direcção-Geral de Viação o novo regulamento de sinalização e continua a ser feita uma auditoria a 2500 km de estradas. Até ao final do ano, estarão concluídos 18 parques de manobras. Este ano foi transferido para as autarquias 1 milhão de contos, ao abrigo de protocolos para a celebração de pequenas obras para a eliminação de pontos de acumulação de acidentes.
É através desta política integrada de segurança rodoviária que o Governo, estou certo, continuará a defender a liberdade e a segurança dos portugueses que circulam nas estradas, diminuindo os índices de sinistralidade.
O Governo acredita na sua política de segurança rodoviária. No entanto, sem prejuízo da vigência das medidas adoptadas, estamos dispostos a avaliar o seu impacto e por isso saudamos a iniciativa tomada nesse sentido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Castro de Almeida, Agostinho Lopes e Alves Pereira.
Apesar de alguns partidos não disporem de tempo, há consenso para utilizarem algum tempo que a Mesa cederá e, depois, o Sr. Secretário de Estado responderá ao conjunto dos pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª começou a intervenção citando o líder do meu partido e a reacção que ele teve a propósito destas medidas.
Quero dizer-lhe que o Dr. Durão Barroso foi o primeiro e o único líder partidário que se empenhou activa, forte e consistentemente na apresentação de um programa global e coerente de combate à sinistralidade em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado há-de reconhecer que o Dr. Durão Barroso subscreveu, em primeiro lugar, quatro iniciativas legislativas, que apresentámos nesta Assembleia, contendo 32 medidas concretas de combate à sinistralidade. Ninguém, como ele, se empenhou nesta matéria. Não era justo que V. Ex.ª viesse aqui dizer que o Dr. Durão Barroso tinha considerado que era pouco quando o Governo tomou a medida que agora está em análise! Claro que é pouco! Pois se apresentámos 32 medidas e V. Ex.ª toma uma, naturalmente que a reacção do Dr. Durão Barroso é dizer «isto não chega para nada! Estas medidas do Governo não resolvem o problema!»

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, queria ainda dizer-lhe que, nos quatro diplomas que aqui apresentámos, tínhamos uma estratégia clara, objectivos ambiciosos e timing definidos para o combate à criminalidade e nessa estratégia que apresentámos não constava qualquer diminuição da taxa de alcoolemia para 0,2 g/l.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Dessas 32 medidas, em nenhuma delas constava a diminuição de alcoolemia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E porquê, Sr. Secretário de Estado? Nós seguimos um raciocínio muito simples. Portugal tem uma taxa de sinistralidade de 50% acima da média comunitária. O nosso objectivo foi o de ver o que se faz na Comunidade Europeia, quais são as orientações, o que está a ser feito pelos outros países que estão melhores do que nós e, com base nisso, apresentámos medidas para ficarmos ao nível do que se faz na média da Comunidade. E em matéria de alcoolemia a nossa posição é muito clara: queremos que seja proibida a condução sob o efeito de álcool a partir da taxa em que o álcool afecte as capacidades do condutor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nenhum de nós aqui é técnico para saber se essa taxa é a partir de 0,2, de 0,3 ou de 0,5 g/l. Nós seguimos a orientação da União Europeia, que diz que é 0,5 g/l.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - É essa a orientação que seguimos…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … e é nessa que nos mantemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, da nossa parte, e desde o princípio, há sobre esta matéria uma total coerência. Nós propusemos os 0,5 g/l - aliás, recordo que foram governos do PSD que passaram a taxa de alcoolemia de 0,8 g/l para 0,5 g/l.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Secretário de estado, nós também tivemos uma taxa de 0,8 g/l, mas, seguindo a orientação comunitária, passámos para 0,5 g/l e esta taxa afigura-se-me aceitável, compreensível pelos condutores. Nós preferimos ter uma taxa que seja compreensível, razoável e aceitável e que, depois, seja efectivamente fiscalizada, porque esse é que é o problema,…

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - … do que avançar para uma taxa excessiva, que é incompreensível para os condutores e que acabará por cair em desuso, porque as próprias forças da autoridade, como já sei que existe, não se conformam com essa taxa e acabam por tomar uma posição de apatia e de laxismo no combate à alcoolemia excessiva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Secretário de Estado, se quer mesmo combater a sinistralidade, se quer mesmo reduzir os efeitos do álcool na estrada, tem uma forma muito simples: invista fortemente no reforço da fiscalização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse é o contributo que o Governo pode dar, se quer, de facto, combater a sinistralidade.

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E mais…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de começar a preparar-se para terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mais, Sr. Secretário de Estado: o Governo tem muito a fazer no combate à sinistralidade - na qualificação das nossas estradas, na formação dos condutores, na eliminação de «pontos negros», na iluminação das estradas, na verificação da forma como são dadas as cartas de condução e como são fiscalizados os veículos que são submetidos a fiscalização. O Governo tem muito para fazer!
Só que uma estratégia de combate à sinistralidade exige persistência, coragem, custa dinheiro e não pode ser disfarçada com medidas avulsas, demagógicas, pontuais, não pode ser disfarçada com as medidas que o Governo está a tomar, que não têm qualquer efeito prático. O verdadeiro combate não é esse!
VV. Ex.as estão a «atirar ao lado» do problema. O problema está no «outro lado» e está ao vosso alcance resolvê-lo, se efectivamente quiserem resolvê-lo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, em relação àquilo que reafirmei, e reitero, é simples: a medida foi anunciada de forma precisa e completamente clara nesta Assembleia e ninguém ergueu a sua voz contra ela; pelo contrário, ouviram-se aplausos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Em relação à taxa de alcoolemia, gostaria de dizer o seguinte: quando se diz que não é por haver leis mais severas que diminuem os acidentes, cai-se numa lamentável confusão. Nós também podemos dizer que o excesso de velocidade não é causa de acidentes em Portugal referindo que o nosso excesso de velocidade é determinado através de uma norma muito rígida em relação ao resto da Europa.
Claro está que é necessária a fiscalização, mas haver fiscalização não ilude a questão essencial nesta matéria, que é a de, considerando, pelos níveis de consumo de álcool por condutores, pelos níveis de acidentes, que há uma relação em que não se pode arriscar entre o consumo excessivo de álcool e os acidentes, se não deve dar um sinal claro nesta matéria e um sinal para todos os condutores. Nessa medida, como é óbvio, a única preocupação do Governo é, realmente, a de salvar vidas e evitar acidentes na estrada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começo por lhe pedir que, relativamente ao dossier que nos enviou - e faço-lhe a justiça de pensar que não o leu antes de o entregar na Assembleia, pois é um autêntico «molho de bróculos» -, fizesse o favor de mo reenviar ordenado, legível e com a integralidade dos pareceres que os peritos médicos deram.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário disse que não aceita a desigualdade em relação ao tratamentos dos condutores. Então, Sr. Secretário de Estado, por que é que o Código Penal continua a considerar de uma forma desigual os condutores?
O Sr. Secretário de Estado também empregou a expressão «todos os médicos». Um, pelo menos, o Prof. Nuno Vieira, Presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e professor catedrático na Faculdade de Medicina de Coimbra, esteve, como sabe, na Comissão de Agricultura e começou por dizer que a taxa que propunha, a taxa que achava bem, era de 0,5 g/l,….

O Sr. Armando Vieira (PSD): - Claro! Foi isso mesmo que ele disse!

O Orador: - … embora admitisse que a taxa de 0,2 g/l também poderia servir. No entanto, Sr. Secretário de Estado, ele começou por nos dizer que a taxa que propunha era de 0,5 g/l! Portanto, nem todos dizem o que o Sr. Secretário de Estado referiu aqui.
Mas a questão essencial é esta: reconhece, ou não, o Governo o conjunto de sectores que são tocados por este problema? Reconhece ou não? Será que a comissão interministerial que foi criada não tinha qualquer significado nem importância, apesar de ter juntado pessoas de tantos ministérios? Será que essas pessoas perderam tempo com uma coisa que não interessa, como, pelos vistos, aconteceu com essa comissão?

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Abandona, ou não, o Governo o tratamento multidisciplinar na abordagem deste problema? Vai, ou não, o Governo retomar a abordagem multidisciplinar que este problema, obrigatoriamente, exige, tendo em conta todas as consequências e impactos que tem na sociedade portuguesa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Uma vez que o Sr. Secretário de Estado responde conjuntamente aos restantes pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alves Pereira.

O Sr. Alves Pereira (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou procurar ser conciso nas questões que quero colocar.
Sr. Secretário de Estado, pela exposição que ouvimos, V. Ex.ª fez passar a ideia de que o álcool é o mal essencial e principal dos acidentes nas estradas portuguesas.
Porém, parece-me que teremos de concluir que o álcool poderá ser um dos motivos, em pequena percentagem, dos acidentes que se dão nas estradas portuguesas. De maneira que terá de se procurar outros bodes expiatórios, e esses ao Governo, certamente, não interessam, porque exigem outro tipo de infra-estruturas, outro tipo de obras, que custam dinheiro.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

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O Orador: - Neste caso, é só pegar num papel e legislar.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Passa-se de 0,5 g/l para 0,2 g/l… É muito simples.
Quero acrescentar que foi lamentável que o Governo, antes de tomar esta iniciativa, não tivesse tido o cuidado de aprofundar o estudo deste problema. Isto porque o Sr. Secretário de Estado falou, entre outros países, de Espanha e eu devo dizer - aliás, o Sr. Secretário de Estado deve saber isso - que o Governo espanhol, durante oito meses, consultou todos os partidos antes de tomar uma decisão. Sabe disso, com certeza!
Por outro lado, também sabe que em Espanha aplicam-se medidas duras para os que conduzem sob o efeito do álcool, mas não é crime.
Ainda ontem, o Jornal de Notícias trazia um artigo em que referia que o problema da alcoolemia não tinha feito descer os acidentes. Isto quer dizer que alguma coisa está mal. E está mal porque se legisla sem se aprofundar e sem se conhecer os problemas reais, de fundo, que estão na origem da sinistralidade portuguesa. É claro que a melhor maneira era acabar com os carros em Portugal. Se acabássemos com o trânsito, acabávamos com os sinistros. Contudo, parece que não é baixando a taxa de alcoolemia para 0,2 g/l que V. Ex.ª e o Governo vão resolver o problema!
Por outro lado ainda, V. Ex.ª está a esquecer-se de um problema que é importante para nós. Como sabe, Portugal é um país vinícola, em que milhares e milhares de agricultores vivem da exploração do vinho e V. Ex.ª teve hoje, aqui, à porta da Assembleia, a manifestação disso. Isto significa que estamos na iminência de pôr milhares e milhares de famílias portuguesas na miséria, porque não conseguem vender o seu produto, o produto de onde retiram o rendimento para as suas famílias. Assim, espremendo bem esta medida, parece-nos que ela não foi mais do que um ataque ao mundo rural, aos nossos agricultores, aos nossos viticultores que, realmente, estão a ver a sua situação em perigo.
Como já aqui foi dito, não há nenhum estudo científico que prove que o perigo é superior quando a taxa de alcoolemia é inferior a 0,5 g/l - não há! -, sendo que a própria União Europeia recomenda os 0,5 g/l.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Se estamos num país vinícola, vamos buscar ideias de países que não o são?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Orador: - Vou já concluir, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª terá de «jogar» com estes dois factores, o Governo não os pode esquecer.
Por outro lado, uma última questão…

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço desculpa, mas não pode continuar.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente, e dou por concluída a minha intervenção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, compreenderá que, apesar de irmos deixando as pessoas falar, temos de ter algum limite!
Para responder aos dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes, V. Ex.ª colocou a questão de saber por que é que o Governo deixou uma abordagem multidisplinar, passando a centrá-la na administração interna. Devo dizer-lhe que o Governo aprovou uma resolução mais ampla de combate contra o excesso de álcool, no âmbito da qual se contemplava uma medida de diminuição do grau de alcoolemia. Essa diminuição era para 0 g/l, em alguns casos, para 0,3, noutros, e mantendo os 0,5 na generalidade dos casos. Os estudos posteriores revelaram, com toda a clareza, que com um nível 0 se cometeria, para alguns condutores, um erro científico.
Assim, a decisão consciente e assumida do Governo foi a de propor uma taxa igual para todos os condutores, pelas razões que aqui enunciei e que V. Ex.ª decerto compreendeu.
V. Ex.ª colocou a seguinte objecção: por que motivo se cria, no Código Penal - que V. Ex.ª aprovou aqui, com todos os outros Deputados -, uma diferenciação? Ora, uma coisa é haver uma diferenciação em relação ao comportamento permitido (e, na minha opinião, os motoristas profissionais teriam toda a razão para protestar se o grau de alcoolemia quanto a eles fosse diferente), outra é aceitar que quem conduz crianças, por exemplo, porque tem responsabilidades especiais, no caso de causar um acidente culpavelmente, deva ter uma pena agravada. De resto, o Código Penal prevê penas agravadas para médicos, políticos, advogados, quando cometam crimes no exercício de funções - se V. Ex.ª tem dúvidas, veja!
Em relação ao Professor Duarte Nuno, é útil saber o seguinte: o que o Professor Duarte Nuno disse, como médico (porque, como cidadão, pode ter outra opinião),…

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Foi como médico que ele esteve na Comissão!

O Orador: - … foi que, com um grau de alcoolemia entre 0,2 e 0,5 g/l, há diminuição das capacidades do condutor. A questão está em saber se queremos aceitar esse risco ou não, tendo em conta que há uma diminuição da capacidade do condutor. Ao contrário de V. Ex.ª, o Governo decidiu não o aceitar.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Alves Pereira, em relação à percentagem de acidentes causados pelo álcool, devo dizer-lhe que os dados disponíveis, os quais não podem ser subestimados, do Instituto de Medicina Legal, são os seguintes: em 2000, mais de 30% dos autopsiados vítimas de acidentes de viação tinham um excesso de álcool superior a 0,5 g/l, sendo que essa percentagem aumenta para mais de 50%, se juntarmos pessoas com taxas de alcoolemia inferiores.
Claro que compreendo as questões que me foram colocadas. Não sei se alguém insinuou que eu estava aqui a esconder números, mas não o fiz! A comissão que a Assembleia se propôs criar vai, justamente, espero, aprofundar este tema, para saber a verdade.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Então, volta aos 0,5 g/l!

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O Orador: - É que só sabendo a verdade com rigor é possível chegar a uma conclusão definitiva. Entretanto, enquanto se espera, a nossa posição é a seguinte: não arriscar a vida dos portugueses que andam na estrada, pois nós não queremos correr esse risco.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Primeiro legisla e só depois estuda?!

O Orador: - Quanto à diminuição do número de acidentes, é importante referir que, por exemplo, no âmbito de todos os países em que há diminuições de taxa de alcoolemia, comprova-se uma diminuição de acidentes e do número de mortes. Citei aqui números que são iniludíveis!
Finalmente, em relação à orientação da União Europeia, gostaria de dizer o seguinte: por favor, não adulterem a orientação! A orientação diz que o limite é, para todos os condutores, de 0,5 g/l ou menos - não sou eu que o estou a dizer, é a orientação da União Europeia! Portanto, não venham dizer que, quando se estabelece um limite de 0,2, a orientação não é cumprida!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por dizer que, no nosso entendimento, o que está em discussão não pode ser equacionado como uma medida que põe em confronto regiões ou sectores. Estamos a falar de uma medida que se justifica ou não, porque há um problema nacional grave, que é o da sinistralidade.
A questão que gerou controvérsia em alguns sectores, designadamente nos vitivinicultores, é, do nosso ponto de vista, um problema que merece todo o nosso respeito, que tem de ser analisado, mas que não se situa no plano desta discussão.
Para nós, esta também não é uma discussão sobre a estratégia de combate ao alcoolismo. Essa é outra matéria e outra discussão que não cabe aqui.
Aquilo que importa hoje saber é se o abaixamento da taxa de alcoolemia proposta pelo Governo - e devemos desde já dizer que não é uma medida redutora que, isoladamente, resolve um problema tão complexo, tão grave como é o da sinistralidade no nosso país - é ou não parte integrante de um plano de acção de prevenção e segurança rodoviárias. Estamos a falar de uma medida a jusante e há um conjunto de aspectos sobre os quais falámos este ano, quando se discutiu a prevenção rodoviária, nos quais consideramos que não se tem caminhado o suficiente.
Não há medidas em relação à forma como o ensino da condução é feito, não há medidas no sentido da rectificação dos traçados e da verificação daqueles que, manifestamente, são perigosos, há problemas de sinalização, há problemas de falta de pedagogia e de sensibilização, aos mais diversos níveis, para agir diferentemente e, do nosso ponto de vista, não são medidas isoladas que constituem a panaceia para um mal tão grave quanto é o da sinistralidade rodoviária, que é a primeira causa de morte não natural no nosso país.
Dito isto, e sendo claro que, para Os Verdes, só faz sentido alimentar esta discussão e falar da mudança da taxa como parte integrante de um plano, de uma estratégia e de medidas em concreto, cabe ao Governo a responsabilidade de saber se esta medida, que é uma medida de redução e não de anulação de risco, foi ou não suficientemente sustentada, como qualquer medida em política o deve ser. Note-se que quando digo «suficientemente sustentada» não me refiro à pressão do grupo A ou B, mas, sim, ao ponto de vista técnico e médico. É lamentável que o Governo tenha feito chegar tardiamente ao Parlamento o dossier e que a sua sistematização não tenha sido suficientemente rigorosa para podermos dizer, com algum grau de segurança, que a medida proposta é a que se afigura mais razoável.
Concluindo, gostaria de dizer que não nos choca uma mudança, desde que devidamente sustentada, mas a sua avaliação não correcta e completa é uma responsabilidade do Governo. Não repudiamos medidas como parte integrante de estratégias mas, sim, medidas avulsas para, pontualmente, num determinado momento, responder a uma pressão da opinião pública, como eventualmente terá acontecido com outras mudanças no passado.
De facto, não nos parece que esta medida se possa confundir com uma outra discussão que deve ser feita, sobre o mundo rural. Não estão aqui em confronto duas visões, a do mundo rural e a urbana; o que está em discussão é, sim, um problema nacional que, do nosso ponto de vista, tem de ser tratado com razoabilidade, com firmeza e de uma forma clara.
Assim, o nosso apelo é no sentido de que o Governo considere as lacunas do que apresentou, ponha em marcha um plano de acção concreto que não parta só das consequências, mas que, de uma forma integrada, combata um problema que é seguramente da saúde pública dos cidadãos e, portanto, um problema nacional.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - E então? E daí?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminada a apreciação do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, que altera os Decretos-Leis n.os 114/94, de 3 de Maio, e 2/98, de 3 de Janeiro, bem como o Código da Estrada, e revoga os Decretos-Leis n.os 162/2001, de 22 de Maio, e 178-A/2001, de 12 de Junho [apreciações parlamentares n.os 51/VIII (PSD) e 52/VIII (CDS-PP)]. Tenho a informar que, sobre esta matéria, foram apresentadas duas propostas de alteração, uma do PSD e outra do CDS-PP, e uma proposta de aditamento do PS, as quais, nos termos regimentais, vão baixar, juntamente com o Decreto-Lei, à 1.ª Comissão, para discussão e votação.
Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, que consiste na apreciação do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios.
Nos termos da lei, o debate será introduzido por uma breve exposição do Presidente da Comissão e do Relator. Dado que a lei apenas diz que a exposição é breve, mas não especifica de quanto tempo, fixo em 3 minutos o tempo de que o Sr. Presidente da Comissão disporá, e já sou muito generoso!

Risos.

Mas é apenas em virtude do adiantado da hora, como é óbvio!
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

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O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, agradeço-lhe e espero não usar todo esse tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início deste debate, quero apenas manifestar a minha grande satisfação pelo facto de a Comissão de Inquérito ter aprovado um relatório. Este facto, por si só, é significativo, considerando que estava lançada uma onda de suspeição sobre a capacidade de as comissões de inquéritos parlamentares serem conclusivas. Por isso, empenhei-me muito para que pudesse haver um relatório, pelo que me congratulo por este facto.
Ao mesmo tempo, quero aqui reconhecer e agradecer a todos os partidos políticos e a todos os Deputados que integraram esta Comissão pelo esforço real e efectivo que fizeram para que fosse possível aprovar o relatório. Este não é o relatório de nenhum Deputado, não é o relatório de nenhum partido, constituindo, sim, o máximo denominador comum que foi possível obter na Comissão. Foi possível obter um grande consenso e esta é a segunda razão da minha satisfação.
Houve um grande consenso na Comissão de Inquérito acerca do relatório, sendo certo que - e este é o terceiro elemento de satisfação - o relatório é, efectivamente, conclusivo. Não aprovámos um conjunto de enunciados vagos, há conclusões, estão perfeitamente identificadas as causas do acidente, estão identificadas as responsabilidades políticas derivadas do mesmo e, por isso, o relatório apenas pode desiludir quem esperasse da Comissão de Inquérito mais do que ela poderia dar.
A Comissão de Inquérito não pode dar voz de prisão a ninguém, não é uma instância de investigação policial e por isso fizemos o apuramento das responsabilidades políticas, como nos competia, e esse ficou feito.
Deixem-me destacar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a relevância que atribuo às responsabilidades que estão inerentes ao processo de extracção de areias no rio Douro. Ficou claramente demonstrado que o processo de extracção de areias ao longo dos tempos foi irregular, não tendo havido qualquer tipo de fundamentação técnica ou de rigor técnico. Por isso, os cidadãos não têm razões para estar tranquilos sobre a forma como decorre a extracção de inertes nos nossos rios.
Gostava, ainda, de formular o voto de que a Procuradoria-Geral da República possa vir a chegar a bom termo nas diligências que vai com certeza efectuar para descobrir alguns factos que indiciam crimes praticados no âmbito deste processo de extracção de areias.
Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer que se nenhum de nós pode aliviar a dor e o sofrimento dos familiares das vítimas, formulo votos para que o Governo venha a seguir as recomendações feitas por esta Comissão de Inquérito. Se o Governo o fizer, não terão sido em vão os trabalhos da Comissão sobre a averiguação das responsabilidades pelas mortes de Castelo de Paiva.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para fazer intervenções, os Srs. Deputados Basílio Horta, Honório Novo, António Nazaré Pereira, Isabel Castro, Francisco Louçã e Dias Baptista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, em nome da minha bancada, gostaria de começar por felicitar o Presidente e o Relator desta Comissão, o primeiro pela forma como conduziu os trabalhos, com grande isenção e responsabilidade, e o segundo pela forma objectiva com que apresentou o seu relatório.
O CDS votou favoravelmente o relatório na clara convicção de que ele reflecte tudo aquilo que a Comissão pôde fazer no sentido de averiguar e de apurar as responsabilidades da tragédia de Entre-os-Rios. Entendemos que esta nossa posição seria a única forma de honrar a memória de quem morreu e de respeitar o luto das famílias.
Não vimos a Comissão nem os seus trabalhos como arma de arremesso partidário nem quisemos, em momento algum, deles extrair qualquer efeito egoísta.
Dito isto, convém acrescentar que daqui resultam várias conclusões e que era importante que elas fossem analisadas seriamente no sentido de impedir (ou, pelo menos, de evitar na medida do possível) que, no futuro, se repitam tragédias desta dimensão. Este é outro efeito que pode resultar dos nossos trabalhos.
Como já disse o Presidente da Comissão, há manifestamente uma primeira consequência, não tanto em relação à extracção das areias mas à forma desregrada, descontrolada como ela se fez. Chegou-se ao ponto de a tutela sobre a extracção mudar de um ministério para outro sem que os ministros tivessem intervindo ou dessem o seu acordo, ou sem que tivessem tido conhecimento da situação. Portanto, esta forma desregrada de efectuar a extracção das areias é, em larga medida, responsável por esta tragédia.
Mas não podemos dizer que é só isto. Penso que há outro tipo de responsabilidades.
Entende-se mal que uma fiscalização feita à ponte, que apontava para uma perigosidade, embora não iminente, não tivesse chegado ao conhecimento de quem decide. Entende-se mal que quem decide, isto é, o Governo, não tivesse tido conhecimento e não pudesse por isso ter uma intervenção imediata quando se sabia que havia um perigo, embora não iminente (digo eu), num dos pilares da ponte.
Entende-se ainda pior que uma Junta, que é um organismo do Estado, que tem a responsabilidade de fiscalizar a segurança deste tipo de obras de artes, não tenha possibilidade de ter um arquivo em funcionamento, que se tenham perdido as cassetes, da televisão, que filmaram a primeira inspecção, que não tenham tido possibilidade de dar qualquer tipo de elementos nessa matéria.
A Junta Autónoma de Estradas, a Administração Pública e os institutos que, posteriormente, substituíram a Junta não deram (espero que a situação agora já tenha mudado!) qualquer tipo de garantia no trabalho que executavam. Por vários motivos, que constam, aliás, do relatório.
Um outro aspecto tem de ser referido. Nunca se soube, em tempo oportuno, que efeitos é que tinha a construção das barragens na estrutura da ponte em termos dos sedimentos, que deixaram de aparecer junto aos pilares da ponte.
Portanto, há um conjunto amplo de factores, agravados pelo ano de chuvas que provocou muitas cheias.
Depois, há a responsabilidade dos governantes. Como eu disse, a responsabilidade imediata não lhes pode ser assacada, uma vez que eles em momento algum tiveram conhecimento do estado de perigosidade da ponte - pelo menos, não se provou que isso tivesse acontecido. A verdade, porém, é que, exactamente porque não tiveram conhecimento, ou não deram prioridade à construção da nova ponte ou não tiveram verbas para a construir. Este segundo aspecto resulta, com clareza, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 164/97, de 25 de Setembro,

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donde resulta que nessa altura não havia verbas possíveis para construir a ponte.
Este é, em síntese, o conjunto de factores que está na origem da tragédia.
Resta, agora, em primeiro lugar, tirar as conclusões deste relatório de forma a evitar futuras tragédias e, em segundo lugar, ou melhor, em primeiro lugar, diria, olhar para as famílias das vítimas e dar-lhes a protecção e o acompanhamento que elas merecem. Agora, fundamentalmente, há que tirar as lições do que aconteceu e cuidar dos vivos. Espero que seja isso que se faça.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Depois do que havia sucedido na Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP, em que a realidade da vida se encarregou de, rapidamente, remeter para o caixote do lixo das inverdades cada uma das conclusões que tinham sido retiradas pelo respectivo relatório; depois do que, ainda há menos tempo, tinha acontecido com a Comissão de Inquérito Parlamentar à Fundação para a Prevenção e Segurança, cujo relatório final, como sabem, esbarrou um pouco na cegueira da bancada socialista; depois de tudo isto, o Partido Socialista não podia arriscar a que a Comissão Eventual de Inquérito sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios, não terminasse de forma útil os seus trabalhos. Tanto mais que se tratava de uma comissão parlamentar destinada a apurar causas e responsabilidades políticas, ainda por cima relativas a uma catástrofe que havia ceifado algumas dezenas de vidas e que exigia, para a opinião local, regional e nacional, resultados, por mínimos que fossem.
Por isso, se arrepiou, e bem, o caminho. Depois de ter sido ensaiado o bloqueio dos trabalhos da Comissão, tentando-se, numa determinada altura (é bom que se faça a história dos trabalhos desta Comissão), impedir que ela pudesse ouvir depoimentos de actuais e ex-ministros e de outros altos responsáveis da Administração Pública, acabou-se, e bem! - sublinho, acabou-se, e bem! -, por se aceitar aquilo que toda a opinião pública exigia: que era necessário ouvir toda a gente que se considerasse adequado ao apuramento das causas e das responsabilidades políticas pela catástrofe, terminar urgentemente com os trabalhos, apurar conclusões, elaborar recomendações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, e de forma breve, importa sublinhar não só algumas das conclusões e recomendações que o relatório da Comissão acabou por produzir mas também o consenso alargado que, ainda que não tivesse sido unânime, foi quase, felizmente, acabou por se reunir em torno da busca das conclusões do relatório final da Comissão e, ainda, o empenho que acabou por reunir todos os Deputados da Comissão de Inquérito às causas do acidente de Entre-os-Rios.
Sem equívocos, o relatório acabou por afirmar que, quer na ex-JAE quer nos institutos, que a substituíram, não havia planeamento adequado de inspecção, não era efectuada de forma adequada a gestão da manutenção e da reparação de obras de arte e não havia (e continuava a não haver, à data do acidente) qualquer arquivo condigno e eficiente das obras de arte em Portugal.
Sem equívocos, o relatório constata que todas estas ineficiências tinham sido detectadas e vertidas no relatório de uma inspecção feita ao Serviço de Pontes da ex-JAE, concluída em 1994, mas cujas conclusões, remetidas apenas em Março de 1996 para a tutela política, não tiveram informação final aos serviços, tendo sido arquivadas em 1999 e apenas consideradas na decisão de reformulação dos serviços da ex-JAE, mesmo que, como se verificou - e o relatório acaba por verter isso -, após a substituição da ex-JAE pelos institutos, a situação não tivesse melhorado no que àquelas ineficiências graves dizia respeito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sem equívocos, o relatório conclui também que se frustraram as expectativas legítimas das populações, já que a construção de uma nova ponte em Entre-os-Rios, e vou citar, «ou não foi prioridade política para o investimento público ou não teve a dotação de meios financeiros para a concluir ao longo de cerca de 12 anos.»
Sem hesitações, o relatório afirma, ainda, que a extracção de areias nunca teve, ao longo dos anos, fiscalização suficiente e conclui que a prorrogação das respectivas licenças se fazia de forma automática e sem regras.
O mesmo relatório explicita, de forma lapidar, que quem emitia pareceres positivos para o respectivo licenciamento eram as câmaras e que quem licenciava - o Instituto de Navegabilidade do Douro e outros organismos públicos - lucravam financeiramente com esses pareceres e esses licenciamentos. Isto ficou expresso no relatório.
Mas o relatório diz mais. Fala de vídeos extraviados das instalações da ex-JAE, previsivelmente no final da década de 80, e que já então indiciavam claramente problemas nas fundações do famoso pilar P4. Fala de processos de multas e de contra-ordenações por extracção ilegal de areias, que desapareceram da Direcção Regional do Ambiente.
Finalmente, o relatório propõe e recomenda que a Procuradoria-Geral da República analise as conclusões e que, com total autonomia, como é óbvio, proceda de forma adequada perante estes e outros casos que a totalidade do relatório lhe venha a suscitar.

Vozes do PCP: - Muito bem!



O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - As conclusões do relatório deveriam, na minha opinião, fazer corar de vergonha alguns responsáveis políticos, desde o final dos anos 80 até à actualidade. Deixem-me confessar que espero que esses responsáveis tenham corado, porque me recuso a admitir que já nada faça corar certas pessoas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos, hoje, de acordo com as normas regimentais, o trabalho da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar sobre as Causas, Consequências e Responsabilidades do Acidente Resultante do Desabamento da Ponte sobre o Rio Douro, em Entre-os-Rios, e o relatório final que esta Comissão discutiu e votou.
Fica, assim, demonstrada, mais uma vez, a inoportunidade de quem, com objectivos espúrios ao espírito e à forma como decorreu grande parte dos trabalhos, pretendeu noutra ocasião utilizar o relatório da Comissão para fins político-partidários.
Também em nome do PSD, saúdo o Presidente da Comissão, o Relator e, particularmente, todos os Deputados que, na Comissão, se empenharam activamente nos trabalhos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ao longo das 26 sessões de trabalho todos os Deputados do PSD se empenharam profundamente no esclarecimento dos factos, na procura das causas do acidente, na avaliação das consequências e na determinação das responsabilidades. Fizemo-lo, como era nossa obrigação e a memória das vítimas exigia, na mais estrita preocupação da procura da verdade, fosse qual fosse o resultado, fossem quais fossem as consequências. Sá Carneiro é exemplo para todos os Deputados do PSD na definição das prioridades das causas por que se batem: antes de tudo o mais está o respeito pelo Homem e os interesses de Portugal. Porque assim agimos, gostaríamos também que a lição de Sá Carneiro fosse apreendida e servisse sempre de orientação, mesmo para quem não se identifica com o PSD.
A Comissão de Inquérito elaborou e aprovou um relatório final - coisa rara nos tempos que correm neste Parlamento. Votámos favoravelmente esse relatório, porque, em nosso julgamento, ele reflecte os progressos que a Comissão foi fazendo ao longo dos seus trabalhos no esclarecimento dos factos.
O relatório contém afirmações e permite leituras parciais e tendenciosas, que rejeitamos. Dissemo-lo em Comissão e afirmamo-lo novamente aqui, porque sentimos a permanente tentação de alguns de dar relevo no relatório a conclusões que politicamente lhes interessam e omitir conclusões incómodas.
O relatório vale como um todo, é coerente e objectivo e como um todo mereceu o nosso apoio.
Não caímos, pois, na tentação de, aqui e agora, relevar esta ou aquela conclusão, de apontar o dedo a este ou àquele organismo, de insinuar esta ou aquela responsabilidade individual, utilizando o relatório da Comissão de Inquérito aprovado, sem votos contra, à nossa maneira.
O relatório contém, porém, recomendações em resultado da matéria apurada. Essas, sim, merecem a nossa análise e deverão merecer a particular atenção desta Assembleia, porque têm muito a ver com um melhor futuro para Portugal e para os portugueses.
Estou certo, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, de que a melhor forma que temos de honrar a memória dos que faleceram no trágico acidente da ponte de Entre-os-Rios é tudo fazer para que acontecimentos análogos não possam jamais acontecer no nosso país.
A Comissão entendeu recomendar que seja implementado um adequado sistema de gestão da conservação das pontes e viadutos, incluindo a elaboração de normas e o planeamento quer das inspecções periódicas, quer das intervenções de manutenção, conservação, reparação e reabilitação.
A Comissão recomenda que seja implementado um sistema de monitorização dos níveis do leito dos rios junto aos pilares das pontes, que permita identificar fácil e previamente qualquer situação que possa causar perigo.
A Comissão recomenda que os serviços responsáveis pela manutenção das pontes elaborem um plano que contemple, obrigatoriamente, a realização periódica de inspecções subaquáticas às pontes com maior potencial de risco.
A Comissão recomenda, ainda, que os institutos que gerem as obras de arte elaborem e mantenham actualizados, através de meios informáticos, os inventários históricos de todas as obras de arte.
Estas tarefas são urgentes e competem ao Governo!
Os portugueses têm o direito de saber quando passarão a funcionar estes sistemas e o PSD, enquanto partido da oposição, está determinado a não deixar que estas e as demais recomendações «fiquem numa qualquer gaveta».
Entendemos, aliás, que é obrigação do Governo, no cumprimento destas e das demais recomendações, manter a Assembleia da República informada dos progressos feitos na sua implementação ou, eventualmente, das dificuldades que possa encontrar, sem prejuízo, diga-se, do cumprimento de uma recomendação também contida no relatório para que os diversos serviços públicos e institutos que têm intervenção nestas matérias mantenham disponíveis e acessíveis das instituições públicas, designadamente câmaras municipais, todos os elementos relevantes respeitantes a obras de arte, levantamentos batimétricos, inspecções e prospecções geotécnicas, visando optimizar meios e recursos e permitir o acesso à informação.
O alcance desta recomendação, permitam-me, Sr.as e Srs. Deputados, é enorme. Uma vez cumprida esta recomendação, não mais haverá razões justificativas para, perante um erro, afirmar que o organismo A não tinha conhecimento do estudo existente no organismo B. É uma imposição de responsabilidade para todos os políticos e para todos os técnicos. Em certo sentido, não deixa de ser uma das medidas mais importantes que se quer ver adoptada, para que organismos com capacidade de intervenção sobre o mesmo território articulem melhor entre si a sua acção e ofereçam ao cidadão uma imagem e um trabalho de seriedade e de competência.
A Comissão aprovou uma recomendação para que os valores percentuais das propostas orçamentais do Instituto das Estradas de Portugal afectos às obras de conservação, manutenção e reparação de obras de arte e vias de comunicação continuem a ser reforçados durante os próximos anos. Neste caso, porém, não só a nossa atenção deve recair sobre a orçamentação mas, igualmente, sobre

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a execução, pois é bem sabido de todos os intervenientes directos no sector que ainda recentemente, já com a nova estrutura do IEP e dos institutos rodoviários que substituíram a JAE, orçamentos de conservação acabavam por ser utilizados em estudos e obras relacionados com novos empreendimentos, descurando-se, na prática, a conservação, manutenção e reparação da rede viária existente, onde hoje, porque há mais estradas e pontes, é necessário cada vez gastar mais.
A correcção das erradas práticas que estavam a ser utilizadas na extracção de inertes merece uma única recomendação no relatório. Isto é o exemplo da acção de forças que, ao longo dos trabalhos da Comissão, dificultaram a obtenção de conclusões ainda mais claras, profundas e objectivas. E não deixa de ser significativo que a recomendação adoptada vá no sentido de se exigir a observância estrita das disposições legais aplicáveis, designadamente a existência de planos específicos e estudos prévios de avaliação de impacte ambiental e monitorização.
De facto, Sr. Presidente, como é irónico que a Assembleia da República recomende ao Governo que aplique uma legislação existente desde, pelo menos, meados da década de 90 e ponha ordem no funcionamento do sector! É que a culpa não é só do sistema. Neste caso, a culpa é claramente dos «actores», que são incapazes de pôr a funcionar um sistema ou, quando o põem a funcionar, ultrapassam a lei e extravasam competências numa demonstração de Administração Pública «sem rei nem roque», em que organismos combinam entre si passar a actuar à margem da lei.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD congratula-se por ter sido concluído o trabalho da Comissão de Inquérito e elaborado um relatório final, que aprovámos.
Não queremos, porém, que a Assembleia da República, ao concluir a análise deste relatório, hoje, dê por finda a sua preocupação sobre este assunto. As recomendações da Comissão de Inquérito devem estar permanentemente na memória de todos nós, Deputados, e na memória dos portugueses. É essa a melhor maneira de honrar a memória das vítimas desta tragédia, às famílias das quais, aliás, mais uma vez, apresentamos o nosso mais profundo pesar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos, Sr. Presidente, que o relatório possa servir no que concerne à conservação, manutenção e reconstrução de obras de arte no nosso país para retomar a luta pela defesa da qualidade, tema que tão marcadamente esteve presente na nossa sociedade nos anos 90 e que, infelizmente, deixou de ser vincado como objectivo fundamental na sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute hoje as conclusões do inquérito sobre a queda da ponte Hintze-Ribeiro sobre o rio Douro.
Gostaria de começar por salientar que os trabalhos desta Comissão estiveram, até determinada fase, em risco de não serem concluídos, devido aos obstáculos que o Partido Socialista colocou, no início dos trabalhos. Recordo, neste momento em que se discutem as conclusões do relatório, que aquilo em que radica a sua existência é o apuramento de responsabilidades, directas ou indirectas, isto é, por acção ou por omissão, relativamente aos factos da tragédia ocorrida.
Em relação a este apuramento de responsabilidades, gostaria de dizer que não nos interessa a imputação nominal dos responsáveis, dado que essa tarefa, em nossa opinião, cabe às instâncias judiciais próprias. No entanto, a identificação dos responsáveis necessita - e é este, do nosso ponto de vista, o trabalho político e parlamentar - da identificação dos nódulos ou pontos negros que abrigaram o laxismo, a incompetência, a opacidade e a falta de responsabilidade.
Neste sentido, é para nós importante que, ao ser revisto o inquérito e as suas conclusões, sejam identificados um conjunto de pontos negros que, como o próprio relatório reconhece, estão intimamente ligados às duas principais causas que explicam a queda da ponte. Designadamente, a actividade de extracção de inertes no leito do rio Douro e a redução do caudal sólido provocada pela retenção nas albufeiras. São estes os dois factores que, como se reconhece, tiveram implicações e consequências directas no acidente que se verificou.
Aliás, estes factores já constavam do relatório oficial que o Governo tinha feito às causas do sinistro, pelo que, seguramente, a sua compreensão e leitura política não podem deixar de ser feitas. Estamos a falar de duas actividades - a extracção de areias e o planeamento e gestão de um rio - cuja responsabilidade e tutela directa cabe, independentemente das modificações havidas, ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.
Como resulta das conclusões do próprio relatório, constatou-se a manifesta incapacidade da máquina administrativa do Governo em garantir uma eficaz acção de responsabilização.
Constatou-se, também, o facto de não haver o cumprimento da lei por parte da própria Administração Pública. Ou seja, constatou-se que o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, por demissão, permitiu-se não acompanhar directamente um conjunto de actividades no rio Douro, actividades essas justificadas por interesses economicistas. Ora, diria eu, esse não acompanhamento directo manifestou-se no prejuízo de uma decisão que, do nosso ponto de vista, é inaceitável.
Mais: concluiu-se neste relatório que o Instituto da Navegabilidade do Douro, tal como outros institutos no País, perverteu e violou a lei, fazendo da actividade e do grande negócio da comercialização de areias formas de financiamento que manifestamente estão fora do seu âmbito e são ilegais.
Verificámos que a extracção de areias, que há muitos anos era conhecida como um problema gravíssimo no rio Douro, foi mantida nos mesmos moldes, tal como tinha sucedido no tempo do PSD. Aliás, é assumido na conclusão do relatório que as licenças concedidas se limitaram a ser automaticamente renovadas, significando isto que a lei que passou a vigorar nunca foi cumprida. Ou seja, a mudança do Governo em 1995 não operou quaisquer mudanças, e o Governo, concretamente o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, limitou-se a colocar a sua chancela automaticamente em todas as explorações que foram feitas.
Verificámos, ainda, os atrasos do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território em relação aos planos de ordenamento das albufeiras e todos nos apercebemos, pelos depoimentos técnicos, da influência que isso teve no aumento dos caudais e na erosão.

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Concluídos estes factos, entendemos que há medidas que têm de ser adoptadas. São elas as medidas que constam das conclusões e ainda mais duas, que entendemos serem imprescindíveis, não podendo ser escamoteadas.
Em primeiro lugar, a proibição, que tem de acontecer, no sentido de os institutos marítimos e portuários - e, neste caso, o Instituto da Navegabilidade do Douro - poderem levar a cabo, como forma de autofinanciamento, actividades comerciais que não estão no seu âmbito. Concretamente, a extracção de areias que só pode, de acordo com a lei, ser levada a cabo para efeitos de navegabilidade, e não quaisquer outros.
Em segundo lugar, deverá ser vista uma questão que ficou fora destas recomendações e que para nós é também fundamental: o rio Douro tem de estar sob a tutela directa do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território. Mantê-lo, como se mantém, sob a tutela do Ministério do Equipamento Social é manter um erro que se pagou trágico e que, neste momento, se deveria alterar.

O Sr. Presidente (João Amaral):- Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, alguns dos Srs. Deputados que intervieram até agora citaram casos de outras comissões de inquérito, pelo que não vou repetir nem insistir nessa argumentação.
Creio, no entanto, que resulta desta Comissão, como de outras, uma lição que importa tratar num momento em que a revisão do Regimento ou outras matérias conexas sejam abordadas, finalmente, nesta Assembleia, que é a do poder próprio e o âmbito de trabalho destas comissões.
Esforçou-se esta Comissão por inquirir, face às perguntas legitimamente colocadas no início, um conjunto de funcionários, representantes, dirigentes políticos e técnicos, que permitissem esclarecer as matérias que estavam em causa. Mas creio que, neste caso, como noutros, se revela que uma comissão de inquérito precisa de ter uma responsabilidade mais alargada do que aquela que é hoje possível, com meios de investigação próprios e de inquirição judicial.
Fez-se, no entanto, o que era possível. E chegou-se a uma conclusão, que é o relatório que será apreciado na altura em que será votado, brevemente, pela Assembleia da República e que toma conclusões muito importantes.
Queria sublinhar duas matérias em relação às quais me parece ser indispensável que haja uma resposta muito clara da Assembleia relativamente ao País.
Uma é a das responsabilidades institucionais. Encontraram-se muitos factores de irresponsabilidade e, até, indícios de criminalidade em comportamentos, por negligência, por omissão ou por acção na ex-Junta Autónoma das Estradas, em câmaras municipais, mas, sobretudo, no Instituto de Navegabilidade do Douro e no Ministério do Ambiente. Creio que isso deve ser reafirmado categoricamente, face à dimensão desta tragédia e face à importância das conclusões que dela temos de tirar.
Outra é a de que o negócio das areias, concretamente a extracção ilícita mas também a extracção lícita das mesmas, que é um negócio de milhões de contos, tem procedido através de deferimentos tácitos, de ocultações tácitas, de silêncios tácitos, de leis esburacadas e de falta de controlo. Dada a dimensão deste negócio, dada a sua capacidade corruptora, dada a sua importância no rio Douro e, certamente, em muitas outras zonas do País, a regulação e a punição de qualquer abuso nestes contextos tem de ser uma conclusão fundamental deste debate.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma última intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Baptista.

O Sr. Dias Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permita-se-me que, antes de iniciar a minha intervenção em nome do PS, trace aqui também, na minha qualidade de relator, uma homenagem e um agradecimento à forma como decorreram os trabalhos, sobretudo à forma como o Sr. Presidente da Comissão os conduziu, e, porque me parece justo salientá-lo, à colaboração que os diversos grupos parlamentares, nalguma medida, procuraram dar para que conseguíssemos aprovar um relatório.
O facto de termos conseguido aprovar um relatório é algo que já foi salientado, mas penso que deve ser mais uma vez registado, até porque, para além do mais, o relatório foi muito consensual, tendo sido aprovado por uma margem de acordo alargadíssima. Repare-se que, na Comissão, só não votaram favoravelmente o Bloco de Esquerda e Os Verdes, que, diga-se, por força da sua representação, foram os dois grupos parlamentares que menos participaram na discussão, pelo que é normal que tenham tido alguma dificuldade em aprovar as propostas, justificação que deram na altura própria e que todos nós entendemos.
Depois, gostava de salientar aqui que as conclusões que conseguimos apresentar e aprovar são conclusões que devem manifestar a satisfação da Assembleia da República. Porquê? Porque fomos capazes de ultrapassar as meras querelas e questiúnculas partidárias para colocar acima disso os superiores interesses do público, o que é muito importante, respeitando os nossos deveres enquanto Deputados. Não ficaria de bem comigo mesmo se não fizesse esta chamada de atenção, porque penso que ela é justa, devida e obrigatória.
Esta Comissão de Inquérito, recordemo-lo, foi criada por proposta do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pelo que se veio a apurar que tínhamos razão em apresentar esta proposta. Para além disso, o nosso grupo parlamentar apresentou, delineou e aprovou uma estratégia desde o primeiro minuto até ao encerramento dos trabalhos da Comissão, o que é importante dizer, porque perpassou hoje pelo Plenário, bem como por algumas das reuniões da Comissão, que o Grupo Parlamentar do PS se teria comportado de uma forma errática, fazendo avanços e recuos, o que não é verdade. Importa dizê-lo hoje e trazer este facto à colação, porque não foi assim que, manifestamente, as coisas se passaram.
Vai mal a Sr.ª Deputada Isabel Castro - que lamento já não estar presente - quando afirma que o Grupo Parlamentar do PS procurou impedir a normal discussão daquilo que era importante discutir na Comissão, porque, na realidade, delineámos uma estratégia, apresentámo-la, a estratégia foi sufragada na própria Comissão e aquilo que tínhamos dito cumpriu-se até ao final. Esta é uma questão importante porque comprovámos pelo relatório apresentado que tivemos um trabalho sério, honesto e um trabalho que possibilitou que toda a Assembleia nele se revisse. Por isto mesmo, temos de nos congratular com a aprovação destas conclusões.
Gostava de referir, como já foi dito, e muito bem, pelo Sr. Presidente da Comissão, que este não é o relatório de um Deputado individual, não é, certamente, o relatório que o PS faria sozinho, não é, certamente, o relatório que o PSD

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faria sozinho, mas é um relatório que é um somatório das vontades possíveis. Desta forma, sendo todas as conclusões importantes, é para nós importantíssimo destacar algumas delas que nos parecem dever ser realçadas de uma forma diferenciada
Assim, em primeiro lugar, destaca-se o facto de a nossa Comissão de Inquérito ter concluído que as causas e as razões apresentadas pela comissão de inquérito nomeada pelo Governo são correctas, razão pela qual não conseguimos aprovar outras, o que indicia que o trabalho apresentado por aquela comissão foi de grande qualidade. Como tal, uma das conclusões a que chegámos foi a de que não era possível apurar outras conclusões.
Uma segunda nota que nos parece muito importante salientar e registar tem a ver com o facto de ter ficado perfeitamente definido e provado que as reclamações insistentes, reiteradas e repetidas que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, ao longo dos tempos, fez em relação ao Governo sobre o problema da ponte Hintze Ribeiro estavam apenas relacionadas com a circulação rodoviária. Isto ficou provado sem a menor dúvida e, por isso, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva disse taxativamente que nunca se referiu a uma questão de estrutura, mas, tão-só, a uma questão de circulação rodoviária.
Esta é uma conclusão muito importante, sobretudo porque aquilo que, infelizmente, foi sendo dito ao longo daquela noite de 4 de Março levou a que muitos políticos exacerbassem, fazendo acusações desmesuradas e perdendo manifestamente «o pé». É preciso dizê-lo e é por isso que nos parece que esta conclusão deve ser registada e salientada.
Uma terceira conclusão muito importante tem a ver com a inspecção subaquática realizada em 1986. Provou-se que esta foi a inspecção mais profunda e importante efectuada à ponte Hintze Ribeiro e provou-se ainda que, lamentavelmente, naquela altura, os técnicos envolvidos - e foram muitos - não tiveram a percepção que deveriam ter tido, ou seja, a percepção do risco em que estava já a ponte. Ficou perfeitamente provado e demonstrado que, se tivesse havido a percepção do risco e se aqueles técnicos tivessem, designadamente, acolhido as propostas e as sugestões que foram apresentadas no sentido de serem realizadas obras urgentes de conservação, se calhar e hipoteticamente, não teria acontecido aquele infausto e terrível acontecimento.
Uma nota que ficou também perfeitamente apurada, em termos conclusivos, foi a diferença de percepção entre os técnicos da inspecção de 1986 e o Sr. Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que disse, taxativamente, sem quaisquer margens para dúvidas, que, naquela altura, já em 1986, aqueles técnicos tinham obrigação estrita de ter percebido que a ponte já estava em risco, que a ponte estava em perigo. Esta é uma matéria que importa registar, porque, manifestamente, ela põe em causa tudo aquilo que aconteceu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostava de dizer também que, ao contrário daquilo que foi sendo dito, concluiu-se - embora não possa constar do relatório, visto que não houve consenso para isso - que houve uma alteração em dois pontos que se registou e deve ser salientada, e eu queria fazê-lo aqui: Refiro-me à alteração da estrutura da JAE e à criação dos novos institutos.
Manifestamente, é injusto quando se diz que nada se alterou entre a JAE e os institutos que se lhe sucederam. E a prova de que houve uma grande alteração é que dos arquivos da JAE desapareceram - não se sabe como, ainda hoje, o que é uma coisa estranhíssima e, por isso, recomendamos que a Procuradoria-Geral da República investigue essa matéria importantíssima - as cassettes, que eram um elemento absolutamente fundamental, e não só as cassettes, também desapareceram os relatórios de suporte. E isto aconteceu na JAE!
Actualmente, com os novos institutos, aquilo que pudemos constatar - a Comissão teve a perfeita percepção disso e constatou-o, sobre essa matéria não há a mínima dúvida - foi que os institutos que se lhe sucederam estavam, e estão, neste momento, a fazer uma aplicação completamente diferente das necessidades que todos nós sentimos que havia, e há, sobre esta matéria.
Portanto, gostava de salientar que há uma diferença enorme, em termos de qualidade de trabalho - e é de qualidade que importa falar -, entre os novos institutos e a JAE. É uma coisa que ficou perfeitamente assente, embora não possa constar do relatório por razões óbvias e evidentes.
Mas, mais: também ficou saliente e provado, embora também não conste do relatório - quero expressar isso aqui -, que a aposta que foi feita na criação dos novos institutos é uma aposta correcta. Porquê? Exactamente porque foi a forma de fazer frente àquilo que estava a acontecer, a completa e total estagnação da JAE.
A JAE, como todos sabemos e foi dito - não agora mas em devido tempo -, era um instituto que sofria de gravíssimos problemas e a criação dos três novos institutos permitiu, possibilitou e deu azo a que houvesse um rejuvenescimento dos seus quadros, com novos quadros, melhores quadros e, sobretudo, melhor remunerados. Esta também é uma questão importante e foi perfeitamente salientado nesta nossa Comissão que isso aconteceu como forma, exactamente, de contrapor e contrabalançar a grande dificuldade que existia no tempo da JAE.
Quero terminar pedindo desculpa ao meu camarada Miguel Coelho, que não vai ter tempo para intervir, e dizendo que a nossa Comissão se congratula com o trabalho efectuado. Considero que demonstrámos que é possível trabalhar bem, trabalhar eficazmente, sobretudo quando temos a preocupação de trabalhar em prol dos cidadãos.
Finalizando, direi que esta Comissão, com este seu trabalho, apresenta, modestamente, um grande cumprimento à memória daqueles que faleceram e às suas famílias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, queria só assinalar para a Acta o seguinte: o relatório da Comissão contém, no conjunto de recomendações, um ponto que se refere à remessa à Procuradoria-Geral da República da documentação do Inquérito, o ponto 8, que é, materialmente, um projecto de resolução, o qual deve ser tratado nos termos da lei das comissões de inquérito, isto é, deve ser submetido à votação do Plenário.
O Sr. Presidente da Assembleia da República exarou um despacho em que chama a atenção para a fórmula utilizada pela Comissão. Em primeiro lugar, chama a atenção para o facto de não ser possível remeter a documentação à Procuradoria-Geral da República mas, sim, certidões da documentação, e também para o facto de, quanto à remessa das certidões dos depoimentos feitos em Comissão, ser necessária a autorização do próprio.

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Na sequência deste despacho, o Sr. Presidente da Comissão de Inquérito já formalizou o projecto de resolução que será votado no próximo dia, com estas alterações que resultam do despacho de Sua Excelência o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Nestes termos, este projecto de resolução foi admitido pela Mesa e será votado na próxima quarta-feira, dia em que, segundo creio, há votações regimentais.
A próxima reunião plenária realizar-se-á na próxima quarta-feira, pelas 10 horas, e terá um período da ordem do dia de que constará o debate mensal do Sr. Primeiro-Ministro com a Assembleia da República e a discussão conjunta dos projectos de resolução n.º 109/VIII (CDS-PP) e n.º 159/VIII (PS) e da proposta de resolução n.º 67/VIII. Às 15 horas, os nossos trabalhos recomeçarão com um período de antes da ordem do dia, de que constará o debate de urgência sobre a situação laboral de várias empresas em Portugal, requerido pelo CDS-PP, seguido de um período da ordem do dia de que constará a discussão conjunta das propostas de lei n.os 92, 93 e 95/VIII e dos projectos de lei n.º 289/VIII (BE) e n.º 29/VIII (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 14 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Fernando Santos Pereira
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Fernando da Silva Rio
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís Miguel Capão Filipe
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Narana Sinai Coissoró
Paulo Sacadura Cabral Portas
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas

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