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1144 | I Série - Número 029 | 20 de Dezembro de 2001

 

cultura portuguesa encontra nos Açores o mesmo refinamento e a mesma reflexão sobre si própria que a cultura alexandrina produziu em relação à cultura grega. Ou seja, uma reflexão sobre os próprios valores que se tornam, assim, valores não apenas repetidos e difundidos mas valores próprios; uma reflexão sobre a língua, que se torna, assim, não apenas a língua que todos nós falamos mas uma língua pensada para reflectir, escolhendo as palavras e o modo de as juntar.
Nessa perspectiva, ninguém como Vitorino Nemésio nos poderia ter dado a lição do que poderá ser a cultura portuguesa traduzida em açoriano. Foi um homem que entendeu o que havia de universal nos Açores - é, aliás, um açoriano universal. Foi um terceirense que estudou no Faial, foi um açoriano que triunfou em Coimbra e em Lisboa na literatura portuguesa e que teve um entendimento cosmopolita que o levou a compreender também a cultura francesa e a cultura brasileira.
Como tal, todos nos revemos no homem de cultura e também - por que não dizê-lo? - no homem de empenhamento político em circunstâncias excepcionais, um homem de formação republicana que teve de arcar com a convivência numa longa ditadura.
É também necessário dizer que essa longa convivência com uma longa ditadura deve ter levado a um movimento de introspecção sobre si próprio, uma forma de se guardar e de se resguardar que o levou muitas vezes também a procurar fora das fronteiras portuguesas o alimento da liberdade, como em França e no Brasil.
Esse mesmo homem, Vitorino Nemésio, teve a sensação percursora de que o saber erudito não é um saber de elites e conseguiu, através da novidade absoluta, que era a televisão em Portugal, transmitir aos portugueses a sedução das ideias, a sedução das palavras e só depois a sedução das imagens. Só por isto ele vale o preito da nossa homenagem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Açoriano e português, poeta e contista, comunicador de primeira água, Vitorino Nemésio fica, sem dúvida, na história da nossa literatura e da vida intelectual portuguesa do século XX. E, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Rosado Fernandes, não me surpreende que os Açores tenham produzido esta figura de intelectual e de cidadão, como produziu outras, na ciência, na literatura e na vida intelectual, e como felizmente continua a produzir hoje.
Os Açores e os açorianos, mas também Portugal e os portugueses, têm, sem dúvida, temos todos orgulho de, na nossa memória colectiva, contarmos com Vitorino Nemésio, com este açoriano, com este português, como uma das figuras de primeira linha da vida intelectual e da vida literária de Portugal do século XX.

Aplausos do Deputado do PSD Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não gostaria de deixar passar esta circunstância sem celebrar e saudar o facto de a Assembleia da República ter assinalado esta efeméride.
Recordo, da minha experiência pessoal, com uma particular emoção Vitorino Nemésio, porque ele foi para pessoas como eu, que na altura passava a dura travessia da juventude, alguém que trazia uma postura, um apelo de sedução e uma profundíssima cultura que nos seduzia e nos levava a pensar que Portugal, talvez algum dia, pudesse viver num quadro e num regime em que uma voz assim pudesse exprimir-se plenamente e nos pudesse dar aquilo que apenas antevíamos na sua infinita bonomia, na sua forma encantadora de comunicar e também na forma como quebrava alguns dos tabus que as hierarquias académicas de então erguiam como sendo o símbolo e o expoente máximo da forma de ser poder catedrático. Ele era um outro poder, ele era o poder catedrático, que, assente no saber, apresentava não apenas uma face humana mas uma mão aberta e, como bem sublinhou o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, uma outra forma de ser e de ser comunicador, num momento em que era tão radical a distinção entre as chamadas elites e o povo, a quem era dada uma vulgata condenada a uma versão degradada do fado e dos outros famosos ff que ensandeceram a vida política portuguesa e que tornaram Portugal um País triste e sombrio.
Ele contrastava com essa tristeza e com essa sombra e, na comunicação das suas charlas inesquecíveis, sem mais do que a palavra, sem o tal apoio da centelha, da cintilação, do video clip, na era em que não havia nem se sonhava que houvesse qualquer coisa como as redes electrónicas, a Internet, a centelha cintilante, «multicrómica» do audiovisual, ele, a preto e branco, num instante nos obrigava a estudar, a ler. A mim, obrigou-me francamente a ler, e a fazê-lo com prazer, o que escreveu e mais ainda, a imaginar como seria o viver ilhéu, que eu soberanamente ignorava, fechado na cidade do Porto, longe da multidão e longe também dessa existência, desse «mau tempo nesse canal». De tudo isto nos livrámos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, resta-nos que Nemésio tenha sempre aquilo que merece, não apenas a uma memória serena, saudosa, porventura um pouco melosa e justamente lacrimejante, mas a uma memória que celebre com publicação, com edição, como agora se está a fazer - e julgo que bem -, para que os portugueses saibam quem ele é e quem será.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para rectificar ou esclarecer algum ponto da sua intervenção?

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Não quero rectificar, Sr. Presidente, quero apenas dizer que o Sr. Deputado Lino de Carvalho, com a maldade que o caracteriza, tentou pôr-me contra os Açores. É evidente que ainda sei que Antero de Quental era de lá e que Teófilo Braga também,…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Natália Correia também era!

O Orador: - … mas o que eu disse era só para «meter uma farpa» no Dr. Mota Amaral. Já não se pode ser alarve… E ele, que está tanto tempo em Évora, sabe bem que é uma das características dizer-se de vez em quando

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