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Sábado, 18 de Maio de 2002 I Série - Número 12

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MAIO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. Lino António Marques de Carvalho

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 15 minutos.
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 265/2001, de 28 de Setembro, que define o enquadramento da coordenação da administração desconcentrada do Estado [apreciação parlamentar n.º 53/VIII (PCP)]. Pronunciaram-se, a diverso título, os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Acílio Gala (CDS-PP), Vítor Reis (PSD), Alberto Martins (PS) e Luís Marques Guedes (PSD).
Entretanto, deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 4/IX.
Foi também apreciado o Decreto-Lei n.º 281/2001, de 25 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, que institui o regime de modulação aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum, prorrogando por um ano o prazo da sua entrada em vigor [apreciação parlamentar n.º 54/VIII (PCP)], tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Miguel Ginestal (PS), António Nazaré Pereira e Fernando Penha (PSD) e Luís Duque (CDS-PP).
O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos [apreciações parlamentares n.os 55/VIII (PSD) e 56/VIII (PCP)], foi também apreciado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Nazaré Pereira (PSD), Bernardino Soares (PCP), Manuel Cambra (CDS-PP) e Rosa Maria Albernaz (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Laurentino de Sousa Esteves
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Victor do Couto Cruz
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca

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Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Luís José Vieira Duque
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, vamos, então, dar início aos nossos trabalhos com a apreciação do Decreto-Lei n.º 265/2001, de 28 de Setembro, que define o enquadramento da coordenação da administração desconcentrada do Estado [apreciação parlamentar n.º 53/VIII (PCP)].
Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com alguns pretextos e alguma argumentação, de certa forma avulsa, é sabido que o governo anterior não avançou com as suas repetidas e anunciadas propostas para a descentralização administrativa.
Nesta matéria, há que reconhecer, por mais que custe, que a paralisia foi de facto extensa e profunda. Tão extensa e tão profunda que levou mesmo um destacado autarca socialista a reconhecer, ainda bastante recentemente, que a descentralização «tinha sido a grande desilusão do Governo de António Guterres». Na verdade, as opções feitas e as poucas decisões tomadas contraditaram, no fundamental, uma verdadeira política descentralizadora. Pelo contrário, acentuaram-se as medidas para um crescente controlo das políticas regionais por parte do governo e por parte das instituições desconcentradas da Administração Central.
Caso típico deste insuspeitado centralismo, ainda que com o pretexto bondoso, digamos assim, de optimizar modelos orgânicos e funcionais já existentes, é o decreto-lei que visa enquadrar a coordenação da administração desconcentrada do Estado, cuja apreciação estamos hoje a fazer.
Este texto governamental concentra algumas, embora limitadas, competências, como a articulação entre serviços e a promoção da informação sobre políticas regionais,

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entre outras, na figura dos presidentes das comissões coordenadoras e, simultaneamente, remete os seus titulares para a dependência directa do Primeiro-Ministro e promove a sua ascensão na hierarquia governamental, equiparando-os ao cargo de subsecretário de Estado. Isto é, este decreto-lei dá, de facto, origem à bizarra situação de podermos ter as comissões de coordenação regional (CCR) sob a tutela do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, segundo a actual formulação orgânica, e, ao mesmo tempo, os presidentes das CCR a responderem directamente perante o Primeiro-Ministro. Por outras palavras, este decreto-lei origina um espécie de contra-senso mais do que evidente, de difícil explicação política e ainda de menor justificação e explicação funcionais. Porém, o Decreto-lei n.º 265/2001, de 28 de Setembro, não se fica por aí na sua disfarçada, ou mal disfarçada, tendência para centralizar políticas regionais, remete os autarcas para fóruns regionais, mais ou menos assépticos e iminentemente decorativos, ao mesmo tempo que cria os conselhos coordenadores regionais, com capacidade de intervenção notória e marcadamente superior e onde não figura um único - repito, para que não haja dúvidas, onde não figura um único - dos presidentes de câmara da respectiva região. E isto não é tudo, porque, se nesses conselhos coordenadores regionais não havia assento para autarcas, já existia lugar cativo - pasme-se! - para todos os senhores governadores civis dos distritos da região, sem qualquer excepção, o que, bem entendido e independentemente de outras considerações de natureza política, cria uma nova situação bizarra: a de se saber quem, nesta estrutura, fala em nome do Estado central, se o presidente da CCR, sob tutela do Primeiro-Ministro, ou se algum dos governadores civis residentes, pois todos eles, como se sabe, são representantes do Governo! E, no caso de ser algum destes últimos a assumir a função de porta-voz desta estrutura, deste conselho coordenador regional, não se sabe bem quem vai ser designado, se o mais antigo no cargo, se o mais velho.
Assim reza, Srs. Deputados, o Decreto-Lei n.º 265/2001, de 28 de Setembro, que o PCP quer ver profundamente alterado através desta apreciação parlamentar.
Por isso, propomos as seguintes alterações: primeiro, eliminar a presença dos governadores civis da composição dos conselhos coordenadores regionais; segundo, incluir nestes órgãos alguns presidentes de câmara, escolhidos de entre os seus pares da respectiva região; terceiro, assegurar a presença de todos os restantes autarcas na composição dos fóruns regionais; quarto, manter as comissões de coordenação regional e os respectivos presidentes na dependência do ministério da tutela tradicional, no caso actual, sob a tutela do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente; quinto, manter o posicionamento originário dos presidentes das comissões de coordenação regional na hierarquia da Administração Pública, já que, em nossa opinião, nada justifica, neste contexto, a sua equiparação a subsecretário de Estado.
O PCP reafirma a sua convicção de que a descentralização exige vontade política e medidas concretas para a transferência para o poder local de novas atribuições e competências, bem como dos respectivos meios financeiros.
A descentralização exige também, e fundamentalmente, uma nova mentalidade política. Por exemplo, impõe à administração desconcentrada do Estado uma nova atitude que admita, sem desconfianças, a participação operativa, e não meramente decorativa, dos autarcas.
No caso específico das CCR exigem-se mudanças radicais de métodos, de atitudes e de comportamentos, devendo mesmo ser colocada na ordem do dia a atribuição de maiores responsabilidades aos autarcas na definição e gestão das políticas regionais e também conferir-se uma maior capacidade de intervenção aos autarcas no próprio processo da nomeação dos presidentes destas instituições de administração desconcentrada do Estado.
Como sabemos, o Governo em funções já não é aquele que avançou com este decreto-lei, havendo mesmo quem possa advogar que esta apreciação parlamentar tem pouco sentido. Nada mais errado, em nossa opinião, por três razões fundamentais.
Antes de mais, por questões meramente formais, já que a legislação em causa continua plenamente em vigor e a mudança de governo não determina qualquer revogação automática nem qualquer desrespeito pela legislação em vigor.
Em segundo lugar, porque o texto legal, se for alterado conforme as propostas hoje apresentadas pelo PCP, introduzirá, pela primeira vez na história da Administração Pública em Portugal depois do 25 de Abril, elementos profundamente inovadores na estrutura das instituições desconcentradas do Estado, como sejam, sublinho, o reforço da participação democrática dos municípios e o estabelecimento de condições para uma intervenção diferenciada e mais operativa dos autarcas ao nível das decisões das CCR.
Por último, porque o texto legal alterado, e a fazer fé em múltiplas e insistentes declarações produzidas antes e depois das eleições de Março, dá também seguimento a perspectivas defendidas quer pelo PSD quer pelo PS e pode, assim, colher o apoio largamente consensual dos diferentes grupos parlamentares, não se justificando, quanto a nós, a menos que se queira perder ainda mais tempo ou a menos que se queira dar o dito por não dito, qualquer necessidade de voltar à estaca do zero legislativo.
Srs. Deputados, em nossa opinião, não podemos perder mais tempo. Não são aceitáveis novas manobras de diversão para atrasar a descentralização e o reforço da participação democrática na desconcentração do Estado. É tempo de reformular profundamente o enquadramento legislativo existente e de avançar decididamente na descentralização.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Como não há pedidos de esclarecimentos, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Acílio Gala.

O Sr. Acílio Gala (CDS-PP): - Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para o cumprimentar, cumprimentando também todas as Sr.as e os Srs. Deputados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para melhor compreensão do que adiante vou dizer, quero, desde já, deixar claro que sou um municipalista convicto e, por isso, fui e sou contra a regionalização.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Já tive oportunidade de afirmar esta minha posição, bem como a do Grupo Parlamentar do

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CDS-PP, na intervenção que fiz em 13 de Dezembro de 1996, na Assembleia da República, aquando das comemorações dos 20 anos do poder local.
Penso que todos estamos de acordo em que é urgente que os cidadãos intervenham, cada vez mais, nas decisões que lhes dizem respeito, contribuindo, deste modo, para a criação de um novo conceito de cidadania.
Isto só é possível se tivermos a coragem política de passarmos da teoria à prática; ou seja, se descentralizarmos, vitalizando o poder local, se dermos mais poderes à administração dos municípios, mais prestígio às instituições e se reformularmos o estatuto orgânico das comissões de coordenação regional, no sentido da sua democratização, de modo a permitir a intervenção participada dos municípios no acompanhamento das suas actividades.
Tudo isto se enquadra no Programa do Governo.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Vale a pena termos presente o que o Sr. Presidente da República, com a autoridade democrática que lhe assiste, disse, nesta Câmara, por ocasião da Sessão Solene Comemorativa do XXVIII Aniversário dos 25 anos e da Abertura da IX legislatura, acerca da descentralização, e que aqui me dispenso de repetir.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Feitas estas considerações, vejamos agora o desnorte político do governo do PS, que antecedeu a publicação do Decreto-Lei n.º 265/2001, de 28 de Setembro.
A publicação do Decreto-Lei n.º 265/2001 foi um erro político, uma vez que quis «agradar a gregos e a troianos» dentro do Partido Socialista e representou um retrocesso em relação ao Decreto-Lei n.º 260/89, de 17 de Agosto, que, na parte final do seu preâmbulo, dizia: «Em síntese, a estrutura orgânica das comissões de coordenação regional, (…) obedeceu aos seguintes objectivos fundamentais: simplificação e modernização administrativas, funcionalidade e adequação às exigências próprias de cada região e contenção de encargos financeiros.».
O Programa do XIV Governo, do PS, previa uma coisa completamente diferente no que diz respeito à reforma das CCR. O compromisso assumido era o da criação, nas áreas das comissões de coordenação regional, de uma entidade equiparada a subsecretário de Estado e nomeada pelo Primeiro-Ministro, com a competência de coordenação da administração desconcentrada de âmbito regional, sobretudo nos domínios do planeamento e da articulação de políticas públicas, designadamente ao nível do III Quadro Comunitário de Apoio. Ou seja, abreviadamente, a criação de comissários regionais.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Vejamos a reacção das comissões de coordenação regional. Os seus presidentes das CCR logo manifestaram o seu descontentamento por verem os seus poderes esvaziados, nomeadamente no que respeita à gestão das verbas provenientes do QCA III, com a consequente remessa das CCR para meros órgãos de apoio técnico. Prudentemente, decidiram esperar e apelar à Sr.a Ministra - que, na altura, era a Sr.ª Deputada Maria Elisa Ferreira - para que não permitisse esta desautorização. Esta aproveitou para fazer saber, no Conselho de Ministros, que também não estava contente com o esvaziamento dos poderes das CCR e, principalmente, com o facto de os comissários regionais responderem directamente perante o Primeiro-Ministro, escapando, assim, à sua tutela.
Perante as reacções dos presidentes das CCR e da atitude da Sr.a Ministra, o Sr. Primeiro-Ministro ficou com um problema complicado para gerir: por um lado, o aparelho do PS contava com estes cinco cargos para outros tantos correligionários; e, por outro, a Sr.a Ministra recusava autorizar que o seu Ministério fosse esvaziado das competências mais importantes na gestão do QCA III.
Coube ao Sr. Ministro Alberto Martins a delicada tarefa de passar a forma de lei as preocupações da Sr.a Ministra do Planeamento e a ideia de subsecretários regionais, mantendo-se a figura dos presidentes das CCR.
Ora, de acordo com as instruções claramente definidas pelo Primeiro-Ministro, era fundamental tentar harmonizar as soluções para que ninguém ficasse em especial perda. É assim que o presente decreto-lei aparece como uma solução de compromisso em que se procurou «agradar a gregos e a troianos».
A propósito, convém referir que no debate da apreciação parlamentar n.º 1/VIII, também suscitado pelo PCP, a Sr.a Ministra do Planeamento da altura disse: «(…) não fui autora deste decreto-lei, mas tenho pena, porque subscrevo-o integralmente.». Nessa altura, o diploma em apreciação era o Decreto-Lei n.º 332/99, de 20 de Agosto, que criou os Conselhos Económicos e Sociais Regionais e que, por acaso, é precisamente o diploma que o decreto-lei, hoje em apreciação, revogou na íntegra.
Já se sabe que também não foi a Sr.ª Ministra do Planeamento do XIV Governo Constitucional a autora do decreto-lei que agora apreciamos, mas a pergunta que faria à Sr.ª Deputada Maria Elisa Ferreira, se estivesse presente, era óbvia: se ainda fosse ministra, também subscreveria integralmente o Decreto-Lei n.º 265/2001? E fá-lo-ia por solidariedade governamental?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Provavelmente!

O Orador: - Como não está presente, alguém poderá responder.
Analisemos, agora, com mais pormenor, o Decreto-Lei n.º 265/2001. No seu preâmbulo, a palavra «desconcentração» foi utilizada 10 vezes, enquanto que a palavra «descentralização» apenas quatro vezes. É um pormenor que vale a pena corrigir.
Afirma-se, peremptoriamente, que serão mantidas as comissões de coordenação regional enquanto serviços técnicos desconcentrados do Ministro do Planeamento e que os respectivos presidentes, no âmbito das suas funções, ficam na directa dependência do Primeiro-Ministro, enquanto não for possível a criação de comissários regionais ou de subsecretários de Estado.
Como é possível que, no século XXI, o Partido Socialista ainda esteja «amarrado» a uma concepção centralista e burocrática e que, decorridos 28 anos sobre o 25 de Abril, ainda não tenha cortado definitivamente o cordão umbilical com o passado que tanto contesta?!
Vamos, agora, analisar o interesse do decreto-lei.
No que respeita à importância deste diploma para a descentralização administrativa, nomeadamente no que respeita à transferência de atribuições e competências para a administração local, ela é nula. Aliás, tal como bem se refere no pedido de apreciação, continua a ser negado ao poder local qualquer papel significativo de intervenção na definição e articulação das políticas de desenvolvimento

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regional. Além disso, é um diploma com algumas originalidades, das quais se destaca o facto da estrutura orgânica das áreas correspondentes às NUTE II terem dois órgãos consultivos nos conselhos coordenadores regionais e os fóruns regionais, sem que se descortine a utilidade de qualquer um deles.
É evidente que este decreto-lei é uma aberração e uma inutilidade, e, por isso, não contará com o apoio do CDS-PP para a sua alteração. Entendemos que o seu destino tem de ser a sua revogação imediata, dado que o Programa do XV Governo Constitucional prevê a fusão entre as direcções regionais do Ambiente e Ordenamento do Território e a redefinição das comissões de coordenação regional, o que obrigará a uma reformulação destas estruturas e do seu funcionamento - solução que colhe o nosso apoio.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado Acílio Gala, já ultrapassou o seu tempo. Agradeço que termine, por favor.

O Orador: - Finalmente, gostaria, no entanto, de dizer que o novo decreto-lei que venha a redefinir a estrutura e o funcionamento das CCR tenha em linha de conta, pelo menos, estas duas ideias: primeiro, devem ser os presidentes de câmaras a apresentarem ao Sr. Ministro da tutela três cidadãos de reputada capacidade técnica e com perfil adequado para o exercício da presidência das CCR, cabendo ao Sr. Ministro nomear um de entre os três que lhe foram apresentados; segundo, deve ser considerada a participação do sector privado, designadamente através das associações empresariais da área das CCR, no seio do conselho da região, na medida em que a representação das associações pode ajudar a introduzir uma nova dinâmica, própria do sector empresarial.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Reis.

O Sr. Vítor Reis (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Até ao referendo sobre a regionalização, o Partido Socialista, entusiasmado com aquilo a que chamava a «reforma do século» e a pretexto desta, adiou todas as medidas relativas ao processo de descentralização administrativa.
Confrontados com o resultado deste referendo, que rejeitou claramente aquela regionalização, foi assumido pelos mais altos responsáveis do Partido Socialista que - e cito - «nada ficaria como antes».
O anterior governo e o Partido Socialista prometeram a descentralização e a desconcentração administrativa. Fizeram projectos, discursos, seminários, debates, declarações, brochuras, livros, panfletos, enfim, de tudo um pouco. Foi um tema em que o Partido Socialista e os seus mais altos dirigentes se desdobraram em iniciativas.
Passaram mais três anos e nada aconteceu. Ou, melhor, aconteceu um evento verdadeiramente extraordinário.
Reunidos em Fevereiro deste ano, no Centro Cultural de Belém, divulgaram projectos para o reforço da descentralização. Pelo que existe hoje, devem ter tratado do reforço, mas esqueceram-se da descentralização. Perante tão insólita habilidade - e perdoem-me, Srs. Deputados -, até poderíamos imaginar que o Partido Socialista seria capaz de inventar um pente para carecas…
O País, os municípios e os portugueses assistiram a esta farsa; a farsa de quem nunca quis descentralizar e não foi capaz de assumir os seus verdadeiros propósitos. Tal como nas contas públicas, na questão da RTP e em muitos outros problemas com que o País se confronta, o PS prometeu, prometeu, prometeu e nada fez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD assumiu, nas últimas eleições legislativas, o compromisso de levar por diante o processo de descentralização. É uma das nossas prioridades, claramente identificada e explicitada no Programa do Governo, apresentado e aprovado por esta Câmara.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares anunciou aqui, na semana passada, o propósito do Governo de, ainda antes do Verão, apresentar a esta Assembleia as propostas de diploma relativas a esta matéria. Por isso, brevemente, iremos ter a oportunidade de debater a descentralização e a desconcentração administrativas.
Sobre o diploma em apreciação, queremos deixar clara a nossa posição.
Este diploma aborda um aspecto que é essencial no processo de descentralização e desconcentração - as comissões de coordenação regional (CCR).
Na anterior legislatura, o PSD apresentou um projecto de lei para a democratização das CCR. O Partido Socialista, e só o Partido Socialista, inviabilizou a aprovação deste projecto de lei - e recordo o que se passou nesta Câmara, em 8 de Junho de 2000.
Mais de um ano depois, o anterior governo publicou o decreto-lei agora em apreciação, pomposamente designado por «enquadramento da coordenação da administração desconcentrada do Estado». As medidas introduzidas por este diploma eram tão relevantes e tinham um tal alcance que um qualquer baile de máscaras mereceria certamente mais destaque.
Vejamos: os presidentes das CCR ficavam equiparados a subsecretários de Estado e passavam a depender do primeiro-ministro.
Depois de terem tentado impor os comissários políticos regionais, o anterior governo e o PS procuraram dissimular tão notável figura nos presidentes das CCR. Mas tal disfarce não era suficiente, era preciso que a nobreza da função tivesse igual estatuto.
Num governo em que, em vez de o Primeiro-Ministro distribuir tarefas aos seus ministros, estes dedicavam-se a criar-lhe problemas, o PS arranjou um verdadeiro «ovo de Colombo»: os presidentes das CCR passaram a depender do Primeiro-Ministro. Só faltou mesmo dar-lhes assento no Conselho de Ministros… A isto o Partido Socialista chamou «descentralização e desconcentração administrativas», certamente um processo autofágico que devorou a sua própria substância.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O diploma em apreciação já nasceu morto e o processo de democratização das CCR, que em breve se iniciará, já lhe traçou um destino - o caixote do lixo!
Temos de democratizar a definição e o acompanhamento das políticas de incidência regional. Temos de chamar os municípios a participar neste processo, todos os municípios e não só os partidariamente convenientes. Temos de reforçar o papel dos eleitos locais na gestão e no acompanhamento das CCR.
Queremos uma descentralização a sério, porque é essencial aproximar a Administração das populações. Queremos uma desconcentração para valer, porque é fundamental

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fazer evoluir o nosso sistema democrático. É uma questão de maturidade, de credibilidade e de modernidade da nossa democracia. É o modelo que escolhemos.
Uma escolha por órgãos regionais livres, apartidários e mais controlados pelos eleitos locais foi o que propusemos aos portugueses. Foi a escolha que os portugueses sufragaram no passado dia 17 de Março. É o que iremos cumprir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vítor Reis, acabo de o ouvir com toda a atenção e, salvo alguma transcrição menos correcta, o Sr. Deputado acaba de exprimir três ideias que, no fundo, vêm rigorosamente na linha do que eu próprio disse na minha intervenção e na do texto que fundamenta a apreciação parlamentar pedida pelo PCP.
O PSD também está de acordo em que se chamem os municípios a participar na estrutura desconcentrada da Administração Central. O PSD também está de acordo em que se deve reforçar a participação dos municípios na gestão e no acompanhamento das políticas regionais. O PSD também está de acordo com o PCP, neste caso concreto, quanto à realização de uma desconcentração para valer.
Sr. Deputado, se bem ouviu a minha intervenção, e, quando tiver oportunidade, verifique as minhas propostas, é rigorosamente isto que o PCP propõe no conjunto de propostas que entregou na Mesa.
Assim, naturalmente, o PSD vai estar de acordo com as propostas do PCP, vai aproveitar o trabalho já feito e vamos partir não do zero, porque a história, Sr. Deputado Vítor Reis, não começa no momento em que entramos como actores - começou antes de nós e há-de prosseguir depois de nós, e, portanto, não tenham a veleidade de pensar que a história só começou quando os senhores chegaram -, mas aproveitar esta iniciativa a fim de não voltarmos atrás, para não voltarmos à «estaca zero».
Estão dispostos a colaborar neste sentido ou a fazer uma outra coisa, eventualmente a dar o dito por não dito?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Reis.

O Sr. Vítor Reis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, é conveniente que não se gere o equívoco de pensar que estamos na linha do seu pensamento. Na verdade, estamos na linha do pensamento que vimos defendendo, coerentemente, nas várias iniciativas legislativas que tomámos nesta Assembleia,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o senhor sabe disso!

O Orador: - … como, por exemplo, quando apresentámos o projecto de lei para a democratização das CCR, aliás, na mesma altura em que aqui foi discutido o projecto de lei do PCP no sentido da criação dos institutos regionais, ao qual, como se recordará, nos associámos.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Está enganado!

O Orador: - A nossa linha de pensamento consta, também, das propostas que apresentámos em termos eleitorais e, ainda, do que está no Programa do Governo.
Porém, Sr. Deputado, a questão aqui é a de saber se este decreto-lei é passível de ser remendado. Em nossa opinião, não é,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … embora não estejamos aqui a dizer que não concordamos com as medidas que os senhores propõem. O problema é que não queremos voltar à «estaca zero», nem fazer um remendo; queremos mesmo dar vários passos em frente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O decreto-lei que estamos a apreciar é um diploma legal do anterior governo e destinava-se essencialmente a tratar da desconcentração territorial da administração do Estado. Apontava, desde logo, no seu preâmbulo, a ideia nuclear de que, enquanto não for concretizada a regionalização constitucionalmente consagrada, se impunha dar passos no sentido da descentralização e da desconcentração.
Todos sabemos que a descentralização remete para uma devolução de poderes a órgãos electivos, mas não é disso que trata este diploma. Este diploma, que, a meu ver, é estrategicamente o mais importante diploma elaborado depois do 25 de Abril sobre a desconcentração territorial da administração do Estado, tendo assim sido saudado pelo Sr. Presidente da República, trata tão-só de definir quem vai «pilotar» a desconcentração territorial da administração do Estado.
Sabemos que existem hoje, ou existiam, ao nível dos diversos ministérios, 32 modelos diversos de desconcentração territorial. O que se pretendia neste diploma era dar o prazo de um ano para a desconcentração territorial, que era «pilotada» pelos presidentes das comissões de coordenação regional (CCR).
A quem é que podia ter sido atribuída essa função de desconcentração territorial? A um comissário regional, a um subsecretário de Estado ou ao presidente da comissão de coordenação regional, todos eles, em quaisquer circunstâncias, dependentes do Governo, porque órgãos desconcentrados? Não haja dúvidas: o presidente da comissão de coordenação regional não é mais do que um director-geral do Ministério do Planeamento de então; é um órgão que está na directa dependência do Governo. Ora, o que fizemos foi encontrar uma solução sui generis, suportada constitucionalmente.
Devo informar os Srs. Deputados de que este diploma emergiu de um trabalho de uma Comissão específica para esta matéria e foi redigido por uma pessoa com preocupações constitucionais indiscutíveis, o Prof. Gomes Canotilho. O objectivo deste diploma era a desconcentração territorial

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da administração do Estado - e tão-só! - e, para isso, tinha dois órgãos consultivos, dois conselhos: o conselho dos altos dirigentes da Administração Pública, naturalmente, e outro, integrando representantes da sociedade civil. No conselho dos altos dirigentes da Administração Pública pusemos também (e tínhamos de pôr) o representante do Governo nos distritos, o governador civil, que também é um órgão desconcentrado do Governo - há que ter rigor nos conceitos, Srs. Deputados! Portanto, nesse sentido, este diploma é sobre a desconcentração. E no outro conselho, abríamos à sociedade civil, como órgão consultivo, aos agentes económicos e aos municípios. Portanto, não havia aqui qualquer função deliberativa.
Entendamo-nos: este era um órgão para ajudar o primeiro-ministro a, no prazo de um ano, reorganizar a máquina governativa. Por isso, encontrou-se uma solução que foi a de atribuir a estes órgãos competências, na directa dependência do primeiro-ministro, equiparando-os a subsecretários de Estado, o mais alto titular para esta função, estando acima de todos os outros. Não há, pois, dúvida de que só quem leu desatentamente o diploma é que não sabe que eles estavam à frente dos governadores civis. E tinham, ao mesmo tempo, as funções originárias: mais ligação à organização territorial, desde logo, à distribuição, direcção e organização das verbas do Quadro Comunitário de Apoio, que cabem às comissões de coordenação regional.
Por isso, a questão é muito simples: é um passo apenas, essencial e fundamental, na desconcentração territorial da administração do Estado. Não haja equívocos sobre esta matéria: não está aqui em causa a descentralização.
É por isso que, deixando esta questão política para as leituras apressadas, quero dar um esclarecimento último sobre a questão jurídica. Esta matéria é da exclusiva competência do Governo, a Assembleia da República não tem competência para apreciar este decreto-lei, é, material e constitucionalmente, incompetente para o fazer. Aliás, se dúvidas houvesse quanto a este entendimento, que é o entendimento do Governo de então e do Sr. Presidente da República, este decreto-lei foi aprovado ao abrigo - e di-lo expressamente - do n.º 2 do artigo 198.º da Constituição e foi promulgado pelo Sr. Presidente da República. Ora, este n.º 2 do artigo 198.º da Constituição, ao abrigo do qual, repito, este diploma foi aprovado e promulgado, é muito claro, ao dizer que «É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento». E o artigo 169.º da Constituição, que me dispenso de ler, diz que não é possível sujeitarmos à apreciação estas matérias, como os Srs. Deputados sabem.
Assim sendo, Sr. Presidente, considero, com boa doutrina, em bom juízo e com esta citação, que esta matéria é insusceptível de apreciação pela Assembleia da República, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, ouvi com atenção a última parte da sua intervenção e, sem prejuízo de uma melhor ponderação dos seus argumentos, permito-me, em todo o caso, sublinhar dois aspectos: em primeiro lugar, há antecedentes nesta matéria, na última Legislatura, de apreciação de decretos-lei ligados à organização do Governo e à sua estrutura orgânica; em segundo lugar, em todo o caso, o Sr. Presidente da Assembleia, ouvida a Conferência de Líderes, fixou a ordem do dia e não houve qualquer recurso, pelo que, em nome das disposições regimentais nessa matéria e da garantia da estabilidade da ordem do dia, é evidente que o debate tem todas as condições para prosseguir, sem prejuízo obviamente de, depois, o processo legislativo prosseguir, se houver que prosseguir.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, concordo com a orientação de V. Ex.ª. Chamo apenas atenção para que este decreto-lei foi aprovado e promulgado, explicitamente - isso é dito no decreto-lei, não é qualquer interpretação analítica da minha autoria -, nos termos do n.º 2 do artigo 198.º da Constituição. Foi assim que foi aprovado e promulgado. O Sr. Presidente da República entendeu - não é só o meu entendimento, nem foi só o do governo de então - e promulgou, nesses respectivos, directos e precisos termos.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Obrigado, Sr. Deputado. Em todo o caso, chamo também a atenção para os artigos 55.º e 57.º do Regimento, em matéria de fixação e de garantia de estabilidade da ordem do dia, fixação essa que não foi posta em causa por qualquer bancada parlamentar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para esse feito, dar-lha-ei depois, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alberto Martins, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo, a quem foram cedidos 2 minutos pelo Partido Ecologista «Os Verdes».

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, ouvi-o com atenção e registei, logo no início, o tempo verbal usado: o Sr. Deputado fala no passado, mas não tem legitimidade para o fazer, na minha opinião, porque este decreto-lei continua em vigor, não foi revogado.
O Sr. Deputado Alberto Martins diz que este decreto-lei se destina a «pilotar», durante um ano, uma espécie de uma experiência. Embora não tenha lido em lado algum do decreto-lei que o prazo de validade do mesmo é de um ano - provavelmente li-o apressadamente, mas julgo que não! -, o que agora podemos concluir é que o que se pretendia com ele era adiar, mais uma vez, medidas concretas e eficazes na desconcentração, isto segundo a opinião agora expressa pelo Sr. Deputado Alberto Martins. Mas eu não penso assim, porque creio que nem do ponto de vista constitucional nem do ponto de vista material este

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decreto-lei era inocente quanto à perspectiva do ex-governo em matéria de desconcentração e de estruturas desconcentradas.
A este propósito, percebe-se, mais uma vez, a bondade e a justificação do Presidente da Câmara Municipal da Cidade de Braga, quando recentemente afirmou (veio publicado nos jornais) que a grande desilusão, para ele, autarca, do governo de António Guterres tinha sido a total ausência de medidas concretas na descentralização.
Sr. Deputado Alberto Martins, gostava que nos explicasse e que explicasse aos portugueses como é que uma instituição desconcentrada da administração do Estado, fundamentalmente virada para as políticas regionais - e não estou a falar de um qualquer serviço desconcentrado, de um qualquer governador civil mas, sim, desta estrutura especificamente vocacionada para este fim -, pode atirar para órgãos eminente e exclusivamente decorativos os autarcas, retirando-lhes a participação na única estrutura interna com alguma capacidade operativa, mantendo aí, contraditoriamente, todos os governadores civis!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Como é possível falar em política regional sem as autarquias, Sr. Deputado Alberto Martins?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, devo dizer que tenho alguma dificuldade em responder-lhe, porque uma pessoa fala em «alhos» e V. Ex.ª - permita-me a expressão popular - fala em «bugalhos». Nós estamos aqui a tratar da desconcentração territorial da administração do Estado. Uma coisa é descentralização administrativa, que é questão outra, outra coisa é a desconcentração territorial da administração do Estado
O que se pretende é que haja um modelo único para a organização territorial do Estado, isto é, que os Ministérios da Saúde, da Educação, da Justiça tenham um padrão único. Nesse sentido, frami aprovados este diploma e uma resolução do Conselho de Ministros, que são dois documentos complementares (como sabe, uma resolução do Conselho de Ministros tem força política vinculativa). Portanto, o objectivo é pegarmos na «máquina» do Estado - que todos dizem ser uma «máquina» gigante, distorcida, concentrada, dispersa, irracional, e é-o! - e fazer com que os 32 modelos se convertam num só.
Se o Sr. Deputado não quer atender ao que foi dito, ficará com a sua posição, mas não é essa a questão que está em jogo nem em debate, nem foi isso que este diploma procurou alcançar.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em termos muito breves, gostaria de assinalar três pontos.
Em primeiro lugar, a bancada parlamentar do PSD revê-se e está completamente de acordo com a interpretação do Sr. Presidente quanto àquele que foi o procedimento adoptado pelo Presidente da Assembleia da República e pela Conferência de Líderes quanto ao agendamento desta matéria para o dia de hoje. Tudo se passou exactamente como o Sr. Presidente relatou e estranho que o Partido Socialista, não se tendo socorrido das normas regimentais para, eventualmente, recorrer, nem em sede da Conferência de Líderes nem posteriormente, como referiu o Sr. Presidente, venha agora colocar esta questão em Plenário.
Em segundo lugar, quanto à intervenção do Sr. Presidente da República, gostava de dizer o seguinte: desde logo, o Sr. Presidente da República, como todos os órgãos em democracia, não está imune ao erro. Portanto, se o Sr. Presidente da República - vá-se lá saber porquê, mas presumo que «empurrado» pelo governo da altura - quis promulgar, ao abrigo do artigo 198.º da Constituição, fê-lo apenas com base num artifício que lhe foi colocado pelo Governo!
No fundo, politicamente este diploma tem a ver com a Administração Pública, com a sua organização interna, com a organização da administração central do Estado em si próprio, como o Sr. Deputado já aqui confessou várias vezes - e nem era preciso fazê-lo, porque basta ler o diploma. Ora, nos termos da Constituição, manifestamente, essa não é uma matéria da reserva de lei do Governo. Portanto, mal andou o Sr. Presidente da República se, porventura, indo atrás do que lhe foi sugerido pelo governo na altura, entendeu que este diploma se reconduzia à competência exclusiva do Governo.
O que se passa é que o Governo, eventualmente, criou esse artifício para tentar blindar eventuais alterações, pela Assembleia da República, nesta matéria, ou seja, colocou neste diploma uma equiparação a subsecretários de Estado, criando a ficção de que ele era de alargamento do elenco governamental. Mas se o fez na letra do que enviou para o Sr. Presidente da República, não teve a coragem de o fazer de igual modo para o País, esclarecendo o País de que abandonava a ideia dos comissários regionais e que se tratava de uma mera reorganização dos mecanismos de organização da administração do Estado, neste caso da administração desconcentrada do Estado.
Portanto, manifestamente, em termos constitucionais, não estamos perante matéria que deva merecer a qualificação de reserva de lei do Governo, porque essa reserva de lei destina-se exclusivamente à organização interna do órgão de soberania Governo, que não é o que está em causa nesta legislação.
Em terceiro lugar, e por último, quanto à dicotomia desconcentração/descentralização, o Sr. Deputado Alberto Martins tem toda a razão. De facto, do que este diploma trata é de desconcentração, mas o PSD e, pelo que ouvi do Sr. Deputado Honório Novo, também o PCP sempre pugnaram que esta matéria das CCR fosse tratada não apenas no plano da desconcentração mas com um compromisso e um passo para a descentralização, passo que nós queremos dar e que o Partido Comunista disse também querer dar, mas que o governo de então, de que o Sr. Deputado era ministro, sempre se recusou, nunca aceitando que se transformasse esta medida de pura desconcentração numa medida de descentralização.
Felizmente, Sr. Deputado, os portugueses já votaram, o Governo já mudou, as intenções e o programa também se alteraram, por isso o que vai acontecer com as CCR é

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que elas vão ser, verdadeiramente, um veículo descentralizador dos poderes do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há uma nota que vale a pena deixar bem vincada. Nós defendemos a descentralização administrativa, mas há diversas dimensões dentro dela, designadamente a regionalização, a municipalização e uma sobremunicipalização, se quisermos. Nós somos firmemente pela regionalização, pela necessidade de órgãos intermédios entre os municípios e a administração central. E também entendemos que os municípios devem ter competências específicas, devendo ser reforçada a descentralização para estes. Que fique, pois, clara esta posição.
Questão outra é a matéria da competência da Assembleia da República. Nós estamos de acordo - eu próprio tive a gentileza (e merecia correspondente gentileza), Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício, de lhe dar nota que tinha uma questão de fundo que não quis colocar como questão prévia, não pondo assim em causa a estabilidade dos trabalhos. Ponho em causa, sim, a substância das competências da Assembleia da República.
Entendo que há aqui duas matérias: o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que é entendido nestas matérias e que ouço sempre com muita atenção, apreço e proveito, só ouviu uma parte do que eu disse. Eu disse que era matéria de reserva do Governo e citei explicitamente o artigo que trata dessa matéria. E disse mais: que era também matéria de reserva de administração - essa não ouviu - e que pode haver decretos-leis, como sabe a boa doutrina di-lo, que expressem actos administrativos.
Ou seja, do que se trata aqui é de matéria do Governo na equiparação a subsecretários de Estado e da organização interna do próprio Governo, dado que os presidentes das Comissões de Coordenação Regional são apenas serviços desconcentrados de um Ministério específico, no caso do Ministério do Planeamento.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, dado que não há mais intervenções, terminou o debate desta apreciação parlamentar.
Tendo dado entrada na Mesa várias propostas de alteração ao diploma que estamos a apreciar, nos termos do artigo 208.º do Regimento, essas propostas de alteração baixam à 4.ª Comissão.
Dou agora a palavra ao Sr. Secretário da Mesa para anunciar um diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 4/IX - Altera a Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Vamos passar ao segundo ponto da ordem de trabalhos, a apreciação parlamentar n.º 54/VIII (PCP) - Decreto-Lei n.º 281/2001, de 25 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, que institui o regime de modulação aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum, prorrogando por um ano o prazo da sua entrada em vigor.
Para intervir e apresentar a apreciação parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Cimeira de Berlim introduziu, embora de forma mitigada, a possibilidade de os Estados membros da União Europeia instituírem um regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores, isto é, a aplicação de um tecto nas ajudas ao rendimento com o objectivo de por esta via procurar a começar a alterar-se o escândalo que constituía e constitui a enorme concentração de ajudas nas maiores explorações agrícolas e nos maiores agricultores.
Esta é uma matéria que praticamente desde a adesão tem merecido a atenção do PCP, que sempre sublinhou o insólito de, em Portugal, 42% das ajudas serem atribuídas a apenas 1% dos agricultores.
A introdução do princípio da modulação permitiria assim, com os excedentes daí resultantes, reforçar as políticas de apoio aos pequenos agricultores, designadamente por via das indemnizações compensatórias.
Aconteceu que a Cimeira de Berlim, no entanto, por pressão dos interesses instalados, decidiu pela não obrigatoriedade da medida, deixando-a à discricionariedade de cada Estado membro.
O Governo português decidiu, e bem, aplicar a Portugal o respectivo regulamento, aprovado no Conselho de Ministros de 17 de Maio de 1999. Mas decidiu-se posteriormente, e mal, e depois de várias versões e de acordo com as pressões dos grandes proprietários e da sua organização, a CAP, por uma solução minimalista. Se na versão inicial dos estudos do Ministério da Agricultura era estimada em cerca de 8 milhões de contos por ano a redistribuição que a definição dos primeiros escalões permitiria, a versão final do Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, ficou-se pelos 3,5 milhões de contos, abrangendo unicamente 2500 agricultores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Cá está o ziguezague!...

O Orador: - Medidas mínimas face à grandeza da questão, mas, em todo o caso, sempre se poderia dizer, parafraseando o ditado, «mais vale pouco que nada». Só que mesmo este pouco tardou a ser posto em execução, novamente por pressão da organização dos grandes beneficiados.
Adiando, adiando, o governo do Partido Socialista acabou, com o diploma que temos hoje em apreciação, por adiar por um ano a entrada em vigor do regime das modulações, de Janeiro de 2002 para Janeiro de 2003. Na prática, suspendeu o diploma. Algo parecido com o regime de tributação das mais-valias!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Quando se tocam os grandes interessados instalados, o melhor é recuar e suspender!
A data em que estamos a discutir esta apreciação torna, por isso, inviável a possibilidade de regressarmos à data original de entrada em vigor das modulações.
Mas, apesar de tudo, estando as condições técnicas asseguradas como estão ao nível das entidades pagadoras, então há que fazer um esforço para, tão rapidamente quanto possível, aquele tímido novo regime de ajudas entre em

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vigor e não continuarmos a defraudar mais as expectativas dos agricultores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que propomos uma alteração, que entregaremos na Mesa, a esse único aspecto do diploma em apreciação: a alteração da data da sua entrada em vigor de 1 de Janeiro de 2002 para 15 de Junho próximo.
Só que, Srs. Deputados, estávamos nós neste processo de apreciação parlamentar quando, há dois dias, o actual Governo, pela voz do Ministro da Agricultura, declarou, em Elvas, que na próxima reunião do Conselho de Ministros iria propor a revogação pura e simples do regime das modulações. É também aqui a repetição da «novela» das mais-valias. O PS suspende, o PSD e o CDS-PP revogam. Se um faz mal, o outro pior faz.
Ora, esta atitude do Ministro da Agricultura, se não inviabiliza esta apreciação - porque não inviabiliza -, não pode deixar, contudo, de ter uma séria reflexão e condenação política da nossa parte. É um escândalo que, reconhecendo todas as instâncias oficiais a existência de um sério problema e de injustiça na redistribuição dos apoios ao rendimento, com repercussões sérias no próprio tecido social agrícola, se elimine o único mecanismo, mesmo por mais limitado que ele seja, que poderia «abrir a porta» a alguma redistribuição das ajudas ao rendimento e com isso algum apoio suplementar à pequena agricultura e ao desenvolvimento do mundo rural.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Ministro da Agricultura começa mal! Com tantos problemas estruturais que agricultura portuguesa tem, a sua primeira medida é para satisfazer os amigos, os grandes proprietários fundiários, as estruturas agro-alimentares e a sua organização.
É inaceitável e desde já declaramos que chamaremos igualmente à apreciação parlamentar, logo que publicado, o decreto-lei de revogação do regime das modulações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A apreciação parlamentar n.º 54/VIII, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 281/2001, de 25 de Outubro, acaba por ser oportuna não pelas razões que levaram o PCP a agendá-la mas pelas recentes declarações do Sr. Ministro da Agricultura anunciando a revogação desse diploma. É dessa decisão e suas implicações que queremos hoje aqui falar.
É aceite por todos, a começar pelo PSD e pelo PCP, que a PAC é injusta para os interesses nacionais. É unânime considerar que a PAC agravou ainda mais o fosso entre os pequenos e grandes produtores agrícolas. Bastaria dizer que 20% dos agricultores do espaço da União recebem 80% das verbas disponibilizadas pela PAC.
Em Portugal, é ainda pior, pois, dos 258 000 agricultores que recebem ajudas directas ao rendimento, apenas cerca de 1600 recebem mais de 7500 contos/ano, ou seja, em média, cerca 17 000 contos/ano, o que dá 1400 contos por mês. Os restantes 256 000 recebem, em média, 203 contos/ano, o que dá, por mês, pouco mais de 16 contos.
São as regras imposta por uma PAC que promove o mercado e desvaloriza o desenvolvimento rural.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A modulação, mecanismo consagrado no Acordo de Berlim, no âmbito da Agenda 2000, visa justamente permitir a cada um dos Estados-membros proceder a uma redistribuição mais justa dessas verbas.
As poupanças daí decorrentes seriam canalizadas para o reforço das medidas previstas no Plano de Desenvolvimento Rural, nomeadamente através das medidas agro-ambientais e as indemnizações compensatórias para as regiões desfavorecidas, beneficiando assim essencialmente os pequenos e médios agricultores que pouco ou nada recebem da PAC.
Esta foi uma reforma corajosa, pioneira no plano europeu, uma reforma com profundo significado social.
Esta foi, também, uma forma de mostrar ao País que, com o PS, os pequenos agricultores, os que fazem a tradicional agricultura familiar e de subsistência - que os governos do PSD sempre ignoraram - passaram a contar, como o demonstram as diversas medidas postas em aplicação e a eles dirigidos, com os domínios do apoio ao investimento ou da segurança social.
Sempre dissemos que a modulação não era a «varinha mágica» da agricultura portuguesa, mas era um compromisso político, juntamente com outras iniciativas, designadamente do QCA III, para permitir o aumento do número de beneficiários dos fundos comunitários.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo do PSD e do CDS-PP, ao revogar o regime da modulação, comete um erro grave tanto a nível interno como a nível da nossa política externa. Internamente, dá um sinal claro de cedência aos grandes e poderosos, mas que representam apenas 0,6% dos agricultores portugueses, e revela uma total insensibilidade social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os restantes 99,4% - e gostaria de deixar isto claro -, mais de 255 000 pequenos e médios produtores agrícolas, ficam a saber que vão continuar «a ver por um canudo» os milhões que o País recebe para a agricultura e que contam, de novo, com um Ministério da Agricultura que os ignora por completo.
Tanta conversa sobre os lavradores, os mais pequenos e sempre esquecidos, e a primeira medida assumida pelo novo Governo vem precisamente em seu prejuízo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este Governo começa, pois, da pior maneira: anula um mecanismo dirigido à esmagadora maioria dos agricultores portugueses que não encontram na PAC um aliado, antes um adversário feroz, e protege os mais fortes e os mais ricos.
É um erro grave porque assim o Governo reduz o pouco espaço que a PAC atribuiu a cada Estado-membro para introduzir maior justiça e equilíbrio na distribuição das ajudas directas.
Não vale a pena vir argumentar que esta medida retiraria competitividade ao sector, porque não só não é verdade uma vez que os sectores mais competitivos da agricultura portuguesa são os que menos recebem das ajudas

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directas, como estava assegurado o prémio à criação e manutenção de emprego nas explorações agrícolas, bem como devidamente acautelada a especificidade de sectores mais sensíveis como o azeite e o tabaco.
Esta decisão unilateral e apressada do Governo é grave ainda porque esquece que o apoio a esses pequenos agricultores é uma alavanca essencial para valorizar a multifuncionalidade da agricultura portuguesa como elemento estruturante da nossa sociedade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é também uma decisão errada ao nível da nossa política externa no quadro das nossas relações europeias, uma vez que, ao abandonar a posição portuguesa de aplicar internamente a modulação, o Governo deixa de ter autoridade política para reivindicar a adopção deste mecanismo, com carácter obrigatório, para o conjunto dos Estados-membros da União Europeia, como Portugal defendeu na Agenda 2000, o que permitiria, e estamos certos vai permitir no futuro, dada a evolução da posição da Comissão e de diversos Estados-membros, que as poupanças geradas revertessem para o orçamento comunitário para posterior redistribuição a favor dos países que menos têm recebido das verbas da Política Agrícola Comum, ou seja, em benefício de Portugal.
Esta pressa é, pois, incompreensível e lesiva não só dos interesses de mais de 250 000 agricultores mas também do interesse nacional.
Assim, queremos deixar clara a nossa frontal e determinada oposição a esta decisão errada do Governo e anunciar à Câmara que desenvolveremos todas as iniciativas ao nosso alcance para não só impedir que seja sumariamente varrida da agenda política uma medida que é, repito, de enorme alcance social e que colocaria pela primeira vez, desde a adesão à União Europeia, os pequenos e médios agricultores portugueses na primeira linha das preocupações e das acções concretas da política agrícola nacional, como também para denunciar com firmeza a postura socialmente injusta e de submissão aos grupos de pressão por parte de um Governo que começa a revelar a sua verdadeira face.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Nazaré Pereira e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, ouvi com muita atenção a sua intervenção e pareceu-me que se referia a um outro país, a uma outra situação e que nem sequer se referia àquela que foi a prática do governo que a bancada do Partido Socialista aqui apoiou durante muito tempo.
O Sr. Deputado referiu-se à modulação como se ela estivesse em vigor. O Sr. Deputado tem consciência de que o que aqui está em causa é um pedido de apreciação parlamentar de um processo de suspensão da legislação a que se referiu? Sabe o Sr. Deputado que o seu partido defendeu, nesta Assembleia, em sede da Comissão de Agricultura e deste Plenário, a aplicação da modulação como dando origem a uma situação que permitiria levar a cabo com melhor eficiência a atribuição das verbas e que o programa Ruris seria reforçado com o produto resultante da modulação?
Mas, Sr. Deputado, não é verdade que o programa Ruris teve uma baixíssima aplicação, ficando por utilizar cerca de 70 milhões de euros das verbas correspondentes a 2000 e a 2001? Não é verdade, Sr. Deputado, que o Partido Socialista e o seu governo permitiram que as verbas disponíveis para Portugal no âmbito do programa Ruris fossem reduzidas em cerca de 4 milhões de contos?
Sr. Deputado, de que é que estamos a falar: das ilusões que o senhor e o seu partido mantêm acerca da modulação ou da incapacidade governativa do governo que apoiou nesta Assembleia?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Dado que o Sr. Deputado Miguel Ginestal pretende responder aos dois pedidos de esclarecimento em conjunto, dou a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, suponho que já estará à espera da pergunta que lhe quero fazer.
Embora, na nossa apreciação, esta medida tenha um âmbito limitado e bastante insuficiente em relação ao que poderia fazer-se a nível da modulação das ajudas agrícolas para uma melhor redistribuição dos recursos nesta área, a pergunta que se impõe fazer ao Partido Socialista é a seguinte: se esta medida é assim tão justa e tão importante, por que é que a sua aplicação foi suspensa durante um ano? Que factores - que não são os da capacidade técnica para aplicar, porque essa está garantida, e que não são os da justiça, porque essa está mais do que comprovada - é que levaram o governo do partido a que pertence a suspender esta medida até Janeiro de 2003?
Não basta dizer agora que ela é justa, é preciso dizer por que é que não foi justo que já estivesse em vigor e a ser aplicada! A não ser que a justificação seja de tal forma que não possa ser reproduzida nesta Assembleia ou que o Sr. Deputado não o queira fazer!…
É que, se calhar, a justificação para a não aplicação desta medida é pelo facto de os grandes proprietários, aqueles que mais recebem ajudas, não quererem perder a situação de privilégio que têm no que respeita à distribuição das ajudas agrícolas e o governo do Partido Socialista ter cedido a esses interesses, suspendendo a medida para fingir que a queria aplicar, mas não o fazendo de facto!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, agradeço os dois pedidos de esclarecimento e começarei por responder ao do PCP.
Sr. Deputado Bernardino Soares, da parte do PS, não houve qualquer hesitação relativamente à implementação desta medida.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Pois não! Suspenderam-na logo, sem hesitação!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe que, na campanha anterior, o público-alvo desta medida teve prejuízos consideráveis em virtude das intempéries e, face a essa circunstância

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específica, o governo do PS considerou adiar a aplicação desta medida para o início de 2003. Esse adiamento deveu-se, pois, única e exclusivamente, a uma situação excepcional de prejuízos no sector causadas pelas intempéries.
Quanto ao princípio político - que é o que está hoje aqui em causa -, o PS decidiu fazer uma reforma corajosa, que afronta os interesses instalados. Gostaria, aliás, de adiantar à Câmara que poderia ter ido muito mais além nos números que aqui trouxe. E, se dissesse à Câmara que os produtores agrícolas que recebem mais fundos comunitários no âmbito das ajudas directas são os 160 maiores produtores e que só o que estes 160 recebem é superior ao que recebe o conjunto dos 255 000 pequenos e médios agricultores, penso que o País ficaria com o retrato exacto da realidade da agricultura portuguesa!
O que está hoje aqui em causa é saber como devemos avaliar a decisão do Governo do PSD. Houve um governo, o do PS, que decidiu implementar esta medida em Portugal - situação pioneira na Europa - e há um outro Governo que, sem ouvir rigorosamente ninguém, ao fim de 15 dias, decide bloquear a implementação desta reforma, ceder aos mais ricos, aos mais poderosos, aos que beneficiam das regras injustas da PAC e, pura e simplesmente, ignorar a realidade de um sector muito importante, uma realidade que é a matriz da agricultura portuguesa, que é constituída por 255 000 pequenos e médios agricultores que pouco ou nada têm conseguido rentabilizar de uma injusta Política Agrícola Comum.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De resto, termino, dizendo que, afinal de contas, o Governo do PSD e do CDS vem dizer que essa mesma Política Agrícola Comum está bem e deve permanecer assim, ou seja, beneficiando quem já beneficia muito e prejudicando quem está, de facto, bastante, e cada vez mais, prejudicado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, aproveito para informar que temos hoje a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 75 alunos da Escola EB n.º 2 de Santo António da Charneca, do Barreiro, um grupo de 30 alunos da Escola Superior de Educação de Portalegre e um grupo de 12 alunos do Colégio de S. José - Irmãs Dominicanas Portuguesas, de Sintra.
A todos, o nosso agradecimento por terem vindo passar connosco esta manhã.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, em primeiro lugar, me dirija ao Sr. Deputado Bernardino Soares para dizer que, de facto, pelo lado do PCP, é perfeitamente lógico e coerente o vosso pedido de apreciação parlamentar, uma vez que sempre defenderam aquilo que aqui hoje trazem a Parlamento.
Ouvi também com atenção a intervenção do Sr. Deputado Miguel Ginestal e, desde já, gostaria de dizer o seguinte: já só faltam os peixes! Porque pregador já temos!

Risos do PSD.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Temos cherne!

Risos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português apresentou o pedido de apreciação parlamentar n.º 54/VIII, visando o Decreto-Lei n.º 281/2001, de 25 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, que institui o regime de modulação aplicável aos pagamentos concedidos aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum, prorrogando por um ano o prazo da sua entrada em vigor.
A apreciação parlamentar requerida obriga-nos a recordar um já longo percurso de reflexão e debate sobre esta matéria com génese no Regulamento n.º 1259/99, do Conselho da Comunidade, de 17 de Maio, o qual estabelece a possibilidade de os Estados-membros reduzirem os montantes dos pagamentos de ajudas directas aos agricultores determinando que as verbas daí recolhidas sejam utilizadas para reforço das medidas que compõem o Programa de Desenvolvimento Rural, ou seja, indemnizações compensatórias, medidas agro-ambientais, reforma antecipada e florestação de terras agrícolas.
A Comissão e vários Estados-membros, incluindo Portugal, durante as negociações da Agenda 2000, pretenderam introduzir o sistema de «plafonamento» e modulação das ajudas da PAC como forma de atenuar as grandes diferenças de rendimento entre explorações agrícolas pertencentes aos diversos Estados-membros.
Neste contexto, Portugal surge como o País da União Europeia cujos agricultores são os que recebem menor valor de ajudas.
As negociações saldaram-se pelo insucesso para os Estados-membros defensores dessas posições, gorando-se assim a possibilidade de transferir verbas dos países que recebem maior nível de ajudas para aqueles que têm ajuda menor, contrariando os gritos de vitória do governo socialista na propalada defesa da especificidade da agricultura portuguesa no âmbito da Agenda 2000.
O Conselho Europeu não aceitou então o mecanismo de modulação a nível comunitário mas autorizou, através do Regulamento n.º 1259/99 que o mesmo fosse aplicado ao nível de cada Estado-membro e por iniciativa do próprio, dentro dos limites dos parâmetros definidos pela Comissão Europeia. Neste contexto, apenas a França e o Reino Unido levaram, de facto, à prática a modulação. Portugal avançou e recuou. Os restantes países, pura e simplesmente, não aplicaram.
A 4 de Janeiro de 2000, em reunião solicitada pela Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas desta Assembleia da República, o então Ministro da Agricultura, Dr. Capoulas Santos, confirmou uma decisão sua de aplicar a modulação em Portugal.
Após audições às organizações da lavoura, o PSD manteve as suas posições de cautela e receio pela eventual aplicação desta medida em Portugal, prevendo que a mesma iria prejudicar fortemente as explorações com capacidade de competitividade, colocando-as em risco de

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viabilidade sem beneficiar, de forma minimamente aceitável, a agricultura mais desfavorecida.
O Dr. Capoulas dos Santos prometeu, e nunca chegou a entregar, os estudos que permitissem concluir que a aplicação da modulação nos termos por si propostos não inviabilizaria um número significativo de explorações agrícolas portuguesas.
Em 8 de Fevereiro de 2001, foi instituído o regime de modulação em Portugal, pelo Decreto-Lei n.º 34/2001, para entrar em execução a partir de 1 de Janeiro de 2002. E, em 25 de Outubro de 2001, passados cerca de sete meses da publicação do referido Decreto-Lei e sem que tivesse chegado a produzir efeitos, a modulação foi suspensa pelo Decreto-Lei n.º 281/2001, adiando a sua entrada em vigor para o dia 1 de Janeiro de 2003. Srs. Deputados, isto, se não é anedótico, é, pelo menos, «piadético»!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A agricultura portuguesa está amplamente desfavorecida relativamente às dos restantes países da União Europeia. Em média, as explorações agrícolas dos restantes Estados-membros recebem 4,4 vezes mais ajudas do que as portuguesas. É indispensável para Portugal reivindicar da União Europeia o reequilíbrio desta situação que lhe é desfavorável.
Aplicar a modulação em Portugal e nos termos em que o governo socialista decretou significaria, erroneamente, que afinal a parca ajuda recebida pela agricultura portuguesa até estaria além das necessidades, e isso é falso. Com a modulação, as actividades agrícolas, cuja receita bruta é constituída em grande parte pela ajuda à produção, ficam automaticamente inviabilizadas. As culturas mais dependentes de condições climatéricas, apesar das ajudas, estão muitas vezes apenas no limiar da viabilidade, ficando abaixo desse patamar se o ano for mau ou menos bom. Nessas circunstâncias, reduzir ajudas significa causar ou aumentar prejuízos. Num sistema agrícola, regra geral, nem todas as actividades são simultaneamente viáveis, havendo umas que suportam outras. Reduzir ajudas coloca o sistema em risco.
A agricultura empresarial portuguesa luta pela competitividade com as suas congéneres europeias em situação desvantajosa de ajudas; reduzi-las é aumentar-lhe as desvantagens e dificultar ou inviabilizar a nossa capacidade de competir.
A agricultura, tal como todos os outros sectores, será atractiva se trouxer benefício a quem a exercer. Retirar ajudas e eventual rendimento é uma política desincentivadora da actividade e investimento neste sector. O apoio à pequena agricultura familiar, tradicional e desfavorecida é desejável e indispensável, mas sem inviabilizar a agricultura competitiva.
Permitam-me também que vos diga que, pelo Programa de Desenvolvimento Rural propalado pelo Partido Socialista como tendo sido uma grande vitória, Programa este que seria aquele que se destinaria a dar uma forte ajuda à agricultura desfavorecida, os efeitos têm sido os seguintes: em 2000, não tendo Portugal atingido os plafonds financeiros que lhe estavam destinados, a Comunidade Europeia perdoou e não penalizou; em 2001, voltou a não se atingir os plafonds de que o País dispunha e Portugal já foi penalizado em cerca de 4 milhões de euros; em 2002, o ano em que nos encontramos, com a regulamentação aplicada pelo Partido Socialista, estando nós quase a meio do ano, a execução deste Programa é de cerca de 10%. Para quê estar a retirar às explorações competitivas para depois deitar para o lixo um programa que já existe e que tem estado a ser mal executado pela regulamentação e pela gestão do anterior governo socialista?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela modulação instituída pelo Decreto-Lei n.º 34/2001, os montantes retirados às explorações competitivas dariam uma redistribuição por cada uma das explorações mais desfavorecidas que não ultrapassaria os 15 contos por ano. Isto é, inviabilizavam-se uns sem melhorar, minimamente, os outros.
Por todas as razões expostas, rejeitamos o levantamento da suspensão do Decreto-Lei n.º 34/2001, que instituiu a modulação, desejando, por outro lado, que o mesmo venha a ser urgentemente revogado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - O Sr. Deputado Bernardino Soares inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Fernando Penha. Dado que o PSD já não dispõe de tempo, o PCP informa que dará o tempo necessário para o Sr. Deputado Fernando Penha responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, o senhor faz bem em elogiar a coerência do PCP nesta matéria. Eu é que já não estou em condições de elogiar a coerência do PSD nesta matéria! Peço desculpa, mas não vai ser possível.
Em primeiro lugar, porque a verdade é que, na campanha eleitoral, bem ouvimos, e bem ouviram os agricultores portugueses, o discurso do PSD de grande defesa dos pequenos e médios agricultores, de grande necessidade de protecção dessas explorações agrícolas, coisa que agora, depois de 15 dias de estudo por parte Sr. Ministro da Agricultura, como referem as notícias, vai por água abaixo, porque a primeira medida é a de revogar a suspensa modulação das ajudas agrícolas!
Mas a incoerência do PSD não se fica só por aí, nem é só em relação ao discurso da campanha eleitoral. Estive a ler um debate que houve aqui, na Assembleia da República, com o anterior Ministro da Agricultura, relacionado com esta questão da modulação das ajudas, em que um Deputado do PSD dizia, a dada altura: «A modulação, ao nível dos países-membros, poderia constituir um mecanismo de correcção destas disparidades, mas, infelizmente, o Governo português - esta é a verdade -, como outros governos de outros Estados, não conseguiu fazer vingar esta medida.» Repito, «(…) infelizmente, o Governo (…) não conseguiu fazer vingar esta medida.»
E, mais à frente, o mesmo Sr. Deputado concluía a intervenção, dizendo: «Sr. Ministro, nós não temos dúvidas quanto à aplicação do princípio da modulação, mas gostaríamos de ver esclarecidas, com rigor e de uma forma bastante fundamentada, as questões que acabei de colocar.»
O Sr. Deputado Fernando Penha pensa que é coerente terem defendido isto nesta Assembleia da República, em 11 de Maio de 2000, e agora a primeira medida do Governo do seu partido ser a revogação da suspensa modulação das ajudas agrícolas?
O Sr. Deputado referiu-se também à questão da baixa execução dos programas comunitários, invocando o argumento de que não é desejável retirar ajudas às explorações mais competitivas - leia-se: os grandes agrários e os detentores das grandes explorações agrícolas -, porque isso inviabilizaria

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estas e não ajudaria o suficiente as explorações mais pequenas. Mas, então, explique-me, Sr. Deputado, o seguinte: se os fundos não são suficientemente aproveitados e se eles são, na sua esmagadora maioria, atribuídos às maiores explorações, qual a razão, em termos de eficácia, para estas ajudas serem tão mal distribuídas?
Queria ainda colocar a seguinte questão: o Sr. Deputado disse, na sua intervenção, que instituir a modulação na distribuição das ajudas agrícolas significaria reconhecer que os apoios que nos são dados estão além das nossas necessidades?! Mas porquê?! Do que se trata é de, no «bolo» que está distribuído para Portugal, fazer uma repartição mais justa. É que temos de resolver esta inqualificável situação em que 42% das ajudas agrícolas são entregues a, apenas, 1% dos agricultores, sendo esta a realidade que é preciso alterar.
Também é preciso alterar a postura do Governo português na União Europeia em relação à Política Agrícola Comum. Mas nada disso esconde a injustiça desta distribuição que é feita no nosso país e que é da responsabilidade do nosso Governo. É isto que queremos alterar com esta apreciação parlamentar.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, no tempo cedido pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, reafirmo tudo aquilo que disse. De facto, o Partido Social Democrata afirmou, em campanha eleitoral, que a modulação seria para rejeitar, mas continuamos a estar de acordo com o princípio da modulação, se ele for aplicado a nível europeu - dissemo-lo aqui sempre - e se provocar reafectação de verbas dos países que recebem mais para os que recebem menos, como é o caso de Portugal.
Continuamos ainda a dizer o seguinte: para quê pôr em risco explorações agrícolas cujas ajudas são menores do que as das restantes explorações da União Europeia, mesmo estando a lutar pela competitividade, para pegar nesse dinheiro e colocá-lo num programa com o regulamento e a gestão que lhes foram dados pelo Partido Socialista, programa esse que se está a esvaziar, que não está a ser correctamente executado e cujas verbas têm estado a ser esvaídas porque já ficam nas verbas comunitárias, perdendo-se, pura e simplesmente?
Continuamos a defender o reforço das ajudas à agricultura portuguesa, como continuamos a defender o reforço do programa Ruris para a ajuda da agricultura desfavorecida. Sempre o fizemos. Mas, pelo facto de estarmos a cortar ajudas à agricultura competitiva, quando formos reivindicar à União Europeia que nos reforce as verbas para essa mesma agricultura, que está desfavorecida em relação àqueles com quem compete na Europa, vão dizer-nos, com certeza: «Mas afinal o dinheiro até era demais, porque os senhores já tinham retirado ajudas desse dinheiro». Sr. Deputado, é incoerente reivindicar quando se está a deitar para o lixo determinada verba de um programa que não foi bem aproveitado.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, que encerra este ponto da ordem de trabalhos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Duque.

O Sr. Luís Duque (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pensava que estávamos a apreciar a suspensão do regime da modulação, mas tomei conhecimento de que afinal estamos a apreciar a sua revogação, sendo esta uma medida que saudamos.
O Regulamento n.º 1259 do Conselho Europeu, de 17 de Maio, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum, veio permitir aos Estados-membros a instituição de uma penalização interna aos agricultores que recebam ajudas directas da PAC superiores ao montante a definir pelas autoridades de cada Estado da União e veio permitir ainda a utilização dessas verbas para reforço das medidas relativas ao plano de desenvolvimento rural e indemnizações compensatórias agro-ambientais, reforma antecipatória e florestação de terras agrícolas previstas no Regulamento 1257.
Considera o referido regulamento que os Estados-membros devem estabelecer regras de execução para a redução dos pagamentos com base em critérios objectivos.
Dispõe ainda, no artigo 5.º, que os Estados-membros aplicarão as referidas medidas de forma a garantirem um tratamento equitativo dos agricultores e a evitarem distorções de mercado e da concorrência. Por ser facultativa, não foram definidos critérios uniformes para a sua aplicação.
Em Portugal, ao contrário da grande parte dos países europeus, o anterior governo, através do Decreto-Lei n.º 34/2001, de 8 de Fevereiro, instituiu o regime de modulação das ajudas, pretendendo retirar parte delas às explorações maiores e transferi-las para os agricultores das zonas mais desfavorecidas, como forma de apoio às medidas agro-ambientais.
Na prática, instituiu-se um regime de efectiva retenção na fonte até 20% das ajudas directas a que os agricultores têm direito de acordo com as regras comunitárias, optando-se por uma solução que pode chegar ao montante máximo previsto no regulamento, como se a agricultura portuguesa fosse a mais produtiva da Europa. Sublinhamos que, neste momento, só dois países membros, a França e a Inglaterra, este último com uma taxa de 3,5%, aplicam a modulação.
No nosso país, para que haja penalização, basta que as ajudas directas recebidas sejam superiores a 37 450 euros e que a margem bruta total das suas explorações, calculada de forma teórica, seja também superior àquele valor.
Lembramos que o regulamento comunitário apela a critérios objectivos e vai mesmo ao bizarro pormenor de definir margem bruta padrão como o saldo entre o valor padrão de produção e o montante padrão de certos custos específicos.
Não foram considerados quaisquer tipos de critérios técnicos ou económicos para justificar tal medida. A intenção é a de tirar a uns para dar a outros, descriminando os agricultores portugueses entre si e face aos outros agricultores europeus, agravando ainda mais as diferenças de rendimento que os separam da Europa.
Numa tentativa de amenizar parcialmente a medida, foram estabelecidas bonificações por trabalhador agrícola empregue e definidos factores de ponderação relativamente a algumas actividades desenvolvidas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vai-se retirar dinheiro à agricultura, ao País, com o pretexto de beneficiar os pequenos agricultores, havendo outros mecanismos para apoiar estes últimos, e, a coberto de uma pretensa justiça social, é posta em causa a viabilidade económica

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de muitas explorações agrícolas. E para se ganhar o quê? Como disse o ex-Deputado desta bancada Prof. Rosado Fernandes, talvez um acréscimo de 0, 0001% às verbas disponíveis para a agricultura no período de 2000 a 2006.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E valerá a pena? Pensamos que não. Porque é uma medida injusta, que reduz ajudas instituídas para compensar perdas de rendimento decorrentes de decisões da União, de ajudas vindas directamente do seu orçamento, porque penaliza as explorações agrícolas bem dimensionadas, viáveis, com custos de produção reduzidos, que as tornam competitivas, conduzindo ao seu fraccionamento, numa altura em que a concentração é a palavra-chave para a competitividade. Num País em que a área média por exploração já é a mais reduzida da Europa, penaliza ainda mais o desenvolvimento da nossa agricultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País agrícola dispensa medidas demagógicas como esta, precisa, sim, de um correcto e maior aproveitamento das verbas disponibilizadas pelo orçamento da União.
O CDS-PP, sempre que o assunto foi debatido nesta Câmara, manifestou-se contra a instituição de um regime de modulações aplicável aos pagamentos concedidos directamente aos agricultores de várias produções agrícolas pela PAC, financiados pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola. Repito, o CDS-PP manifesta-se contra o regime por este ser injusto, injustificado, discriminatório e inoportuno.
O governo anterior acabaria por suspender a medida alguns meses após a sua publicação, através do Decreto-Lei n.º 281/2001, remetendo a sua entrada em vigor para 1 de Janeiro de 2003. Hoje, pretende-se repô-la, mas nós aguardamos do Governo a revogação do decreto que a instituiu.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Duque, gostaria de dizer, muito brevemente, que ficou claro que o novo Governo, concretamente o PSD, cedeu a uma posição de princípio do CDS-PP sobre esta matéria. É que, de facto, quem sempre esteve contra a aplicação, em Portugal, do regulamento da modulação foi o CDS-PP, e se hoje alguém é vencedor da tomada de posse deste Governo é o CDS-PP, porque o PSD cede claramente às teses que o CDS-PP sempre defendeu.
Mas, atenção: o CDS-PP considera que o que é injusto - e isto é que é espantoso - é retirar uma pequena parcela a 1600 agricultores e considera não ser injusto é que essa pequena parcela reverta para mais de 255 000 agricultores. Ou seja, para vós tudo está ao contrário. O que é justo é favorecer uma pequena parcela de agricultores e o que é injusto é estimular, implementar medidas de discriminação positiva da esmagadora maioria dos pequenos e médios agricultores portugueses.
Finalmente, por que é que os outros países não aplicam a modulação? A esmagadora maioria dos outros países do norte está com certeza satisfeita com esta PAC. O Grupo Parlamentar do PS fica espantado e preocupado com o facto de o Governo do PSD e do CDS-PP cederem às teses dos países do norte em claro prejuízo da agricultura, dos pequenos e médios agricultores e da realidade da agricultura portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Duque.

O Sr. Luís Duque (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ginestal, tenho de lhe dizer que as coisas não são bem assim como V. Ex.ª disse, porque alguns países do sul da Europa, como a Espanha, não aplicaram a modulação. Além disso, dizemos que ela é injusta e que não beneficia os agricultores portugueses porque entendemos que apenas beneficiou os agricultores dos outros países.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Dos grandes países!

O Orador: - Como aqui já foi dito, nem as verbas postas à nossa disposição fomos capazes de utilizar, já tendo, inclusive, sido penalizados por isso. Aliás, quero lembrar que, se fosse aplicada, no primeiro ano, a modulação iria ter cerca 20 milhões de euros, quando nesse mesmo ano foram devolvidos, por não terem sido aproveitados, 70 milhões de euros.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Aí é que está!

O Orador: - Daí que ela seja também inoportuna.
Deixe-me lembrar-lhe, finalmente, que, numa discussão levada a cabo nesta Câmara, o então Ministro e hoje Deputado Capoulas Santos disse mesmo que não se importaria de vestir a pele do Robin dos Bosques, tirando aos pobres para dar aos ricos. No entanto, o que se fez não foi isso. Na realidade, acabou por se tirar aos pobres agricultores portugueses para dar aos ricos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Tenho a impressão de que, a dada altura, o Sr. Deputado Luís Duque citou o Robin dos Bosques ao contrário!

Risos.

O Sr. Luís Duque (CDS-PP): - Tem razão, Sr. Presidente.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - O Sr. Presidente Lino de Carvalho está sempre atento!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, está terminada a apreciação do Decreto-Lei n.º 281/2001, de 25 de Outubro, em relação ao qual deu entrada na Mesa uma proposta de alteração, do Partido Comunista Português, que baixa à 10.ª Comissão.
Srs. Deputados, passamos, então, à apreciação do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro - Estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal

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a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos [apreciações parlamentares n.os 55/VIII (PSD) e 56/VIII (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, de que o PSD e o PCP pediram a apreciação parlamentar, é o exemplo perfeito da incompetência governativa do governo que cessou funções na sequência do pedido de demissão do então Primeiro-Ministro António Guterres. Simultaneamente, o Decreto-Lei n.º 276/2001 revela bem o espírito que presidia à acção dos governantes da pasta da agricultura daqueles tempos.
De facto, vale a pena, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, recordar sucintamente os precedentes deste decreto-lei e tirar daí ilações. O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, pretende estabelecer, segundo o seu preâmbulo, um conjunto normativo que complemente a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, em vigor desde a sua ratificação pelo Estado Português, pelo Decreto-Lei n.º 13/93, de 13 de Abril.
A primeira ilação, creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente. O Partido Socialista, quando esteve no Governo, precisou de seis anos para estabelecer tal normativo. Foi obra! Acontece, porém, que o Decreto-Lei n.º 276/2001 não é um decreto regulamentar, como se desejaria. É uma construção mista em que se regulamenta a fiscalização, inspecção e contra-ordenações, no seu Capítulo X (e esta é a componente regulamentar propriamente dita), onde se discorre sobre assuntos gerais a propósito não se sabe bem de quê (o que acontece no Capítulo I e no Capítulo II, que contém normas gerais de detenção, alojamento, maneio, intervenções cirúrgicas, captura e abate, sobrepondo-se parcialmente a outros decretos-leis entretanto publicados), onde se discorre sobre normas para os alojamentos de reprodução, criação, manutenção e venda de animais de companhia (no Capítulo III), sobre os alojamentos de hospedagem sem fins lucrativos e centros de recolha (no Capítulo IV), onde se reúnem alguns princípios que devem servir de guia a uso de animais em circos, espectáculos, competições, concursos, exposições, publicidade e manifestações similares (no Capítulo VII) e até - daí o seu título - se inserem três vagos artigos sobre a detenção e o alojamento de animais selvagens ou de animais potencialmente perigosos.
E aqui, Sr. Presidente, tira-se a segunda ilação, pois é aqui que se percebe o legislador! De facto, o acompanhamento da actividade legislativa e da comunicação social na última Legislatura permite verificar que entre 1999 e 2000/2001 se sucederam, em Portugal e em outros países europeus, vários acidentes com vítimas mortais causados por animais potencialmente perigosos. Aliás, ainda recentemente a opinião pública portuguesa foi mais uma vez alertada para o mesmo problema por um órgão de informação que se referia ao estímulo de lutas de animais.
Preocupado com tal situação e face à inoperância e incapacidade do então governo apoiado pelo Partido Socialista, o Partido Social Democrata apresentou na Assembleia da República o projecto de lei n.º 269/VIII, mais tarde substituído pelo projecto de lei n.º 481/VIII, relativo ao regime de posse de animais potencialmente perigosos. Embora o anterior governo durante dois anos nada fizesse sobre este assunto, o Partido Socialista apresentou, também em 2001, um projecto de lei sobre o regime jurídico de protecção dos animais. A prática parlamentar demonstrou, porém, que ao então partido maioritário na Assembleia da República não assistia a vontade nem de viabilizar a aprovação da iniciativa do Partido Social Democrata nem de agendar a sua própria iniciativa. Sabe-se agora porquê. É que o Governo que o Partido Socialista apoiava estava a «colar» peças legislativas soltas e à procura de pretextos para legislar - mal! - sobre animais potencialmente perigosos.
Foi assim que afinal nasceu o Decreto-Lei n.º 276/2001. É uma mistura de regulamentos, uns pós de circo, soluções inconsequentes para os animais perigosos e muita, mesmo muita precipitação e desorientação técnica e política. O decreto-lei que estamos a apreciar está cheio de erros, de gralhas, de falhas, de omissões e de confusões. Afinal, à imagem da acção técnica e política de quem o subscreveu.
Como está, o Decreto-Lei n.º 276/2001 não é, em grande parte, aplicável, serve de fonte de inúmeras confusões e é, de facto, um embuste. E apesar de publicado a 17 de Outubro do ano passado e de estar reconhecidamente cheio de erros, nunca foi rectificado. Esta é a terceira ilação, prova provada de que afinal o governo de então só o publicou para tentar esvaziar politicamente a iniciativa do PSD e prova provada de que não o desejava aplicar.
Seria fastidioso enumerar aqui todos os erros, falhas, omissões e confusões do Decreto-Lei n.º 276/2001. No fim desta intervenção entregaremos na Mesa, nos termos regimentais, várias propostas de alteração. De facto, o objectivo do PSD é - que fique bem claro - a baixa do presente processo de apreciação parlamentar à comissão especializada, para que aí seja feita a sua análise cuidada, de forma a corrigi-lo no que ainda for possível corrigir. Não temos, porém, ilusões. Apesar do Decreto-Lei n.º 276/2001 poder ser melhorado e de ser nossa intenção melhorá-lo, é também intenção do PSD, através de futura iniciativa parlamentar ou apoiando futura iniciativa legislativa do Governo nesta matéria, vir a legislar sobre muitos dos aspectos incorrectamente constantes do presente decreto-lei ou nele completamente omissos. De facto, é para nós claro que, mesmo alterado, o Decreto-Lei n.º 276/2001 necessitará a tão curto prazo quanto possível de ser corrigido e, particularmente, complementado.
As propostas de alteração que apresentamos afectam quase metade dos artigos e anexos. Ficam ainda de fora, infelizmente, muitas outras alterações necessárias para que o texto legal ganhe coerência e articulação com outros dispositivos legais. Essas são, porém, as consequências inevitáveis de um processo que também nesta área o anterior governo nos deixou e que só com muito trabalho e rigor será possível corrigir.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Social Democrata está particularmente empenhado no desenvolvimento de legislação que permita uma efectiva protecção de animais.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Aleluia!

O Orador: - Estamos nomeadamente empenhados na permanente regulação e actualização de condições que garantam que animais de companhia possam ter, durante

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os seus períodos de comercialização e transporte, condições adequadas ao seu estatuto. Por outro lado, tudo faremos nesta Câmara e na actividade governativa para que sejam criadas circunstâncias legislativas que permitam condicionar o uso de animais potencialmente perigosos em vias públicas e em condições de utilização para outros fins que não os de dispor de um animal de companhia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje um decreto-lei que adapta à ordem jurídica interna uma convenção de há oito anos, pelo que é de registar o atraso numa matéria tão importante como esta. Assinalamos também que, em relação a este domínio, não foram ouvidas diversas entidades importantes para a consideração destas regras e destas normas. Refiro, a título de exemplo, a Ordem dos Médicos Veterinários ou o Sindicato dos Médicos Veterinários, entre outras associações que existem na área da defesa dos direitos dos animais e, mais especificamente, dos animais de companhia. Como tal, é desejável que o processo que naturalmente resultará da já anunciada entrega de propostas pela Mesa sobre esta matéria, provocando a baixa à comissão deste decreto-lei que estamos a apreciar, inclua a audição destas entidades, que podem trazer um contributo necessário e positivo para o melhoramento das soluções previstas neste decreto-lei.
Este diploma necessita, de facto, de ser aprimorado em termos técnicos e, nalguns casos, necessita que se lhe dê coerência, tanto externa como interna. É preciso clarificar alguns conceitos técnicos cuja definição actual pode prestar-se a confusões e até a aplicações para além do que estava na intenção do próprio legislador. É visível também que o efeito de algumas das normas presentes neste decreto-lei será desadequado em relação ao que se pretendia atingir, abrangendo situações diversas e que devem ter tratamento diverso, nalguns casos, quando se destinavam a situações particulares.
Uma última nota, aproveitando o debate sobre esta matéria, é a que me leva a manifestar a preocupação que sentimos com algumas práticas que continuam a existir no nosso país, como as lutas de cães a que o Sr. Deputado António Nazaré Pereira se referiu e que são, ao que parece, um lucrativo negócio. Penso que esta já nem é uma questão em relação à qual o legislador possa fazer algo, pelo que estas situações devem ter do Governo a atenção necessária para que sejam erradicadas e para que possamos ter, aí também, algum avanço civilizacional.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Cambra.

O Sr. Manuel Cambra (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de mais, queria cumprimentá-lo, bem como à Mesa, às Sr.as Deputadas e Srs. Deputados. Desde 1991, é a primeira vez que intervenho nesta Câmara, regressando, após 12 anos, a este grande Parlamento que muito estimo e admiro.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A intervenção que irei fazer refere-se às apreciações parlamentares n.os 55/VIII e 56/VIII, que têm por objecto o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, elaborado e aprovado pelo governo anterior e que pretende estabelecer um conjunto normativo que complemente a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia.
Na exposição de motivos feita no pedido de apreciação parlamentar n.º 55/VIII é referido que: «(…) o decreto-lei em causa extravasa o âmbito da Convenção que o fundamenta (…)», nomeadamente no que diz respeito aos regimes jurídicos de posse de animais potencialmente perigosos e de protecção dos animais.
Importa dizer que este decreto-lei é, de facto, mais abrangente do que a Convenção que o suporta. No entanto, como vem bem explícito no artigo n.º 2 da referida Convenção, o Estado português compromete-se a tomar as medidas necessárias para pôr em execução as disposições da Convenção, relativamente aos animais aí abrangidos. No que diz respeito aos animais potencialmente perigosos, pode também o Estado português, ao abrigo do mesmo artigo, aplicar as disposições da referida Convenção, complementando, assim, os normativos neste domínio.
Uma vez que estamos perante a área mais sensível desta matéria e tendo nós bem presentes os diversos casos de ataque de animais perigosos ou potencialmente perigosos, compreendemos que haja, da parte dos Srs. Deputados que requerem a apreciação parlamentar deste diploma, uma maior preocupação e cuidado com a regulamentação da matéria em apreço.
Compreendemos ainda que a matéria relativa aos animais perigosos seria de regulamentação mais fácil e mais eficaz se fosse estatuída em diploma autónomo, mas convém salientar que, não estando definido no texto da Convenção quais os animais que se incluem na categoria «animais potencialmente perigosos» (mais uma vez ao abrigo do artigo 2.º do referido diploma), talvez tenha cabimento verter num único diploma as regras para a posse e detenção deste grupo de animais.
Tem ainda conhecimento o Grupo Parlamentar do CDS-PP que este decreto-lei é um diploma abrangente, tendo participado na sua feitura a Ordem dos Médicos Veterinários e a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, entre outras entidades. Esta participação, nomeadamente no que diz respeito aos «animais potencialmente perigosos», confere a este decreto-lei uma opinião tecnicamente válida que convém não descurar.
É também base da argumentação dos requerentes desta apreciação parlamentar que a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, que trata dos licenciamentos de animais e da participação das câmaras municipais, não foi tida em conta. Muito embora estes diplomas não tenham o mesmo âmbito, parece-nos que facilmente a sua aplicação se cruza, sendo portanto importante que este decreto-lei acolha as soluções vertidas na Lei n.º 92/95, no que diz respeito aos animais de companhia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Tendo a Associação Nacional de Municípios Portugueses sido consultada aquando da elaboração deste diploma e sendo os municípios os principais «executantes» da Lei n.º 92/95, esperamos sinceramente que esta legítima preocupação de articulação e aplicação do regulamentado seja motivo de análise cuidada, quer por parte do Governo, quer por parte dos municípios portugueses.
Tendo sido autarca durante vários anos, sei que, nestas questões, o que realmente conta é a aplicação que se dá à lei. Ora, a «difícil aplicação» e «eficácia duvidosa» mencionadas pelos requerentes são, de facto, uma preocupação relevante. O que realmente importa é, na nossa opinião, a eficácia da regulamentação que nasce com este diploma e a sua aplicação.
Temos a certeza que o actual Ministro e a sua equipa estarão atentos e não deixarão que a abrangência deste decreto-lei resvale para a desresponsabilização dos agentes que participam neste processo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Srs. Deputados, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O governo anterior entendeu, e bem, que a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, aprovada através do Decreto n.º 13/93, de 13 de Abril, carecia de ser aplicada de forma efectiva no ordenamento jurídico português.
Por forma a que se pudesse cumprir tal desiderato e se cumprisse em pleno uma política de protecção animal, à semelhança do preconizado pela União Europeia e pelo Conselho da Europa, era vital tornar aplicável esta importante Convenção Europeia. Com efeito, por força do disposto no artigo 2.º da referida Convenção, as Partes Contratantes comprometem-se a tomar as medidas necessárias para pôr em execução as disposições desse instrumento normativo.
Esta Convenção partia de uma premissa, ainda hoje inteiramente válida e actual, que é a de que o Homem tem «uma obrigação moral de respeitar todas as criaturas vivas, tendo presentes os laços particulares existentes entre o homem e os animais de companhia».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para que a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia pudesse ser aplicada e exequível no território nacional, importava complementar as suas normas, definir a autoridade administrativa competente e prever o respectivo regime sancionatório.
Imbuído desse espírito, veio o governo, através do Decreto-Lei n.º 276/2001, densificar um regime jurídico onde passou a prever normas gerais sobre a detenção, alojamento, maneio, intervenções cirúrgicas, captura e abate; alojamento de reprodução, criação, manutenção e venda de animais de companhia, e tantos e tantos outros artigos necessários à legislação portuguesa.
A acção legislativa deve ser um garante, quer para a própria protecção dos animais, quer para a efectividade dos valores culturais do homem, e os sucessivos governos do Partido Socialista souberam identificar e regular as principais questões no âmbito da protecção dos animais.
Independentemente das questões de natureza jurídica e constitucional suscitadas pelos autores das duas apreciações parlamentares hoje em discussão, as quais poderão ser dissipadas em sede de especialidade se esta Câmara assim o entender, ninguém poderá questionar o mérito da iniciativa vertente, bem como os esforços desenvolvidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e pelo governo socialista, que deram passos importantes neste domínio - ao contrário daquilo que o Sr. Deputado António Nazaré Pereira aqui disse e ao contrário do que fez o Partido Social Democrata durante todos estes anos. Devo, aliás, dizer que estou extremamente contente e com grande amizade lhe digo: Aleluia!
Nesta altura, o seu companheiro, Dr. António Maria Pereira, também deve estar extremamente feliz pela abertura extraordinária que, pela primeira vez, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata demonstrou aqui. Espero que isto seja uma realidade!
Sublinhe-se ainda que, por força do disposto no artigo 2.º da Convenção, os Estados tinham total liberdade para adoptar normas mais rígidas para assegurar a protecção dos animais de companhia ou de aplicar as disposições previstas neste instrumento a categorias de animais não expressamente mencionadas no mesmo.
É certo que na anterior Legislatura foram apresentados os projectos lei n.os 440/VIII, do PS, e 481/VIII, do PSD, que incidiam sobre as matérias agora abrangidas por esse diploma. Contudo, com o término da Legislatura, tais iniciativas caducaram, pelo que teremos que ponderar, no decurso desta Legislatura, um conjunto de opções jurídico-políticas no tocante à matéria trazida hoje à colação, que é, em última instância, a política de protecção dos animais que queremos ou não ver implementada em Portugal.
Assim, sem prejuízo da reflexão própria de cada partido político sobre esta matéria, julgamos que seria ainda pertinente promover uma audição pública, em sede das comissões parlamentares competentes, para auscultar as entidades envolvidas neste sector, bem como as associações de defesa dos direitos dos animais, nacionais e estrangeiras.
Tal audição traria, sem dúvida, sugestões válidas e contributos técnicos a este Parlamento, que permitiriam que este órgão pudesse avaliar, de uma forma global, o actual quadro nacional existente e a sua compatibilização com o direito europeu e internacional, bem como a necessidade de produzir legislação adequada e de vanguarda no âmbito da protecção animal.
Em suma, o Grupo Parlamentar do PS não pode deixar de se rever no diploma aprovado pelo anterior governo, quer do ponto de vista dos seus objectivos, quer do ponto de vista do seu conteúdo, sem prejuízo de estarmos disponíveis para analisar e ponderar todas as questões que possam contribuir para melhorar ainda mais o quadro normativo em vigor, o qual, Sr. Deputado Bernardino Soares, já deu provas.
Para finalizar, gostaria de levantar aqui a seguinte questão: com o início desta Legislatura, há necessidade de continuar a discutir este tema e de produzir legislação, porque não podemos continuar indiferentes a tudo o que se passa no nosso país, nomeadamente às cenas que a comunicação social tornou públicas. São cenas de crueldades e de ilegalidades, por isso não podemos ficar indiferentes.
E não podemos ficar indiferentes porque já não se trata de discutir o bem-estar e a protecção animal, trata-se

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de discutir também a segurança das pessoas; não podemos ficar indiferentes porque tudo isto está relacionado com o mundo marginal, com o mundo das ilegalidades e com o mundo da mafia que se encontra instalada no nosso país.
Por isso, temos de, rapidamente, reabrir todo este processo. E temos de o reabrir porque tudo isto implica também gente ligada ao comércio da droga, porque agora é muito mais rentável, é muito mais seguro, infelizmente, o comércio das lutas de cães e das lutas de galos.
É pena que as autoridades, que têm provas, filmes e fotos e que sabem os locais próprios onde se praticam estes actos, não tenham ainda tomado as atitudes que deveriam tomar. Não quero que o meu país seja o caixote de actos ilegais. Espero, portanto, que, nesta Legislatura, todos os partidos políticos comecem a pensar nas propostas que se têm de apresentar aqui no sentido de modificar tudo o que se passa.
A terminar, congratulo-me com a comunicação social, com as associações de protecção dos animais e com as pessoas anónimas que colocaram em causa - e isto não é um drama! - a sua própria segurança para que se tivesse podido levantar esta questão, que, ao contrário do que muita gente pensa, a maior parte dos portugueses quer ver solucionada no nosso país.
Portanto, meu colega e caro amigo António Nazaré Pereira, fico à espera das propostas da sua bancada, porque tenho a absoluta certeza de que, depois do seu discurso, tudo irá ser diferente no nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz, estando basicamente de acordo com o discurso que fez, quero pedir-lhe esclarecimentos sobre aquilo que não estava à espera da sua parte, que é um desconhecimento da acção que os governos e o Grupo Parlamentar do PSD tiveram nesta área.
Com certeza que a Sr.ª Deputada sabe, mas esqueceu, que na VIII Legislatura, exactamente em 22 de Dezembro de 1999, deu entrada nesta Assembleia um projecto de lei sobre a protecção dos animais, assinado por Deputados do PSD, nomeadamente pelo então Presidente do seu grupo parlamentar, António Capucho!
Com certeza que a Sr.ª Deputada sabe, mas esqueceu, que a Lei n.º 13/93, que transpõe para a legislação nacional a Convenção sobre os Direitos dos Animais, é de um governo do PSD!
Com certeza que a Sr.ª Deputada sabe, mas esqueceu, que a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, onde se regula, pela primeira vez, a acção do governo no que diz respeito a violências injustificadas sobre animais, vem assinada pelo então Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva!
Com certeza que a Sr.ª Deputada sabe, mas esqueceu, que deu entrada nesta Assembleia, também na legislatura anterior, o projecto de lei n.º 269/VIII, sobre animais potencialmente perigosos, também da responsabilidade do PSD!
Sr.ª Deputada, sabendo V. Ex.ª tudo isto e também que, durante a governação do Partido Socialista, apenas este decreto-lei que estamos hoje a apreciar foi publicado, apesar de conter os erros que contém, e embora percebendo o seu incómodo, porque reconheço ter sido sempre uma lutadora pelos direitos dos animais, creio que não será em relação ao PSD que pode fazer as afirmações que fez na sua intervenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Maria Albernaz.

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Nazaré Pereira, não estou incomodada, pelo contrário, já lhe disse que estou feliz ao fim de tantos anos. E não lhe vou falar daquilo que o seu colega e companheiro Dr. António Maria Pereira, colegas meus e eu própria passámos durante todos estes anos, quando se levantaram estas questões.
O que lhe quero dizer é o seguinte: o Sr. Deputado atacou o governo socialista, mas a realidade é que os governos que o antecederam quase nada fizeram nesta área, porque, se assim não fosse, não teríamos de estar aqui, durante todos estes anos, a falar de protecção de animais, quando na totalidade dos países da União Europeia já não se fala da protecção animal mas, sim, do bem-estar animal, que é uma coisa totalmente diferente.
Foi apenas isto que eu disse, porque o que quero é que, realmente, isto se altere. E, francamente, tenho grandes esperanças que, nesta nova Legislatura, estes novos colegas que aqui estão ponham realmente em prática aquilo que foi aqui defendido por muitos colegas e por mim própria durante estes anos.
Assim sendo, não quero pecar nem fazer críticas que não sejam pela positiva, mas tive de rebater aquilo que o Sr. Deputado disse e que não corresponde à realidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Srs. Deputados, está concluída a apreciação do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro - Estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos [apreciações parlamentares n.os 55/VIII (PSD) e 56/VIII (PCP)].
Entretanto, deram entrada na Mesa várias propostas de alteração, apresentadas pelo PSD, que, nos termos regimentais, baixam à 10.ª Comissão.
Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária, sem prejuízo de eventuais alterações que a Conferência de Líderes venha a introduzir na agenda, realizar-se-á na próxima quinta-feira, dia 23, às 15 horas, tendo um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia com a discussão das propostas de lei n.os 3/IX e 99/VIII (ALRM).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados não presentes à sessão, por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

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Partido Socialista (PS):
Ana Maria Benavente da Silva Nuno

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Manuel Carvalho Cordeiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado

Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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