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Quarta-feira, 10 de Julho de 2002 I Série - Número 30

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JULHO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 108/IX e do projecto de resolução n.º 43/IX.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 245.º do Regimento da Assembleia da República, abriu o debate sobre o estado da Nação o Sr. Primeiro-Ministro (Durão Barroso).
Seguiram-se no uso da palavra, a diverso título, além daquele orador, e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), os Srs. Deputados Eduardo Ferro Rodrigues (PS), Guilherme Silva (PSD), Telmo Correia (CDS-PP), Carlos Carvalhas (PCP), Francisco Louçã (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), José Sócrates (PS), Marco António Costa (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), António Filipe (PCP), Machado Rodrigues e Clara
Carneiro (PSD) e Elisa Ferreira (PS).
No encerramento do debate, interveio o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional (Paulo Portas).
Entretanto, em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado António Costa (PS) perguntou qual era a resposta ao apelo que o Sr. Deputado do PS Eduardo Ferro Rodrigues lançou no sentido de saber se o Governo aceitava ou não que, no termo do debate na generalidade, a proposta de lei n.º 16/IX - Lei da estabilidade orçamental, que altera a Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, baixasse à comissão competente, sem votação. Sobre esta matéria, usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e daquele orador, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Francisco Louçã (BE), Bernardino Soares (PCP), João Cravinho (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Gonçalo Trigo de Morais de Albuquerque Reis
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral

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Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Santos de Magalhães
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 108/IX - Estabelece um novo regime jurídico de protecção dos animais (PS), que baixou à 1.ª Comissão, e o projecto de resolução n.º 43/IX - Comissão Parlamentar de Inquérito à Tragédia de Camarate (PSD, PS e CDS-PP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje é preenchida na íntegra pelo debate sobre o estado da Nação.
Assim, para proceder à intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que dispõe de 45 minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para sabermos para onde vamos é conveniente sabermos de onde partimos.
Ao fazer a apresentação do Programa do Governo nesta Assembleia afirmei expressamente: «Portugal atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história democrática. Vivemos uma crise de confiança, uma crise de valores, uma crise de autoridade e uma gravíssima crise orçamental e financeira. Durante anos, o País andou a viver acima das suas possibilidades, gastou o que tinha e, sobretudo o que não tinha, porque o Governo prometeu tudo a todos, sem regra e sem critério». Foi isto que vos disse aqui, no passado dia 17 de Abril. Este era, sem dúvida, o diagnóstico preocupante da situação do País, feito com verdade e assumido sem demagogias.
Um diagnóstico que, com muita frequência, entidades idóneas, credíveis e independentes - cá dentro e lá fora - vinham a confirmar e a reforçar. Um diagnóstico que, apesar dos sistemáticos sinais de alarme e das constantes chamadas de atenção, os anteriores responsáveis governativos sistematicamente desvalorizaram.

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Herdámos, assim, uma situação particularmente difícil, com um défice orçamental galopante, desequilíbrios externos incomportáveis, ausência de investimento, um Estado que se transformou num peso morto para a economia e num factor de asfixia para a livre iniciativa dos portugueses.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Governar é decidir. E não perdemos tempo a decidir. A decidir, desde logo, uma estratégia capaz de fazer frente à difícil situação do País.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Essa estratégia assentou, e assenta, em três eixos essenciais: primeiro, rigor orçamental e saneamento das finanças públicas; segundo, incentivo à produtividade e ao crescimento da economia; terceiro, realização de reformas de fundo há muito reclamadas mas sempre adiadas. Esta era, e é, a estratégia. Cumprimo-la com rigor, vamos continuar a fazê-lo com firmeza, com coragem, sempre, e, cada vez mais, com coragem e com determinação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O saneamento das finanças públicas era, e é, a prioridade mais urgente, particularmente até 2004. Portugal tem de disciplinar as suas finanças e cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento que firmou na União Europeia.
Nenhuma economia pode crescer e desenvolver-se com um Estado despesista e perdulário. O Estado tem de ser um factor de dinamismo e não um travão à iniciativa individual.
O Orçamento rectificativo, que rapidamente fizemos aprovar nesta Assembleia, foi, nesse quadro, a primeira decisão essencial para colocar verdade nas contas do Estado.
Sem contas públicas em ordem, Portugal não tem credibilidade e sem credibilidade não conseguimos ter sucesso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Credibilidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a palavra-chave para o nosso sucesso colectivo.
Estamos já a dar os primeiros passos - e sublinho «os primeiros» - para reganhar a credibilidade perdida e transmitir uma nova confiança aos investidores, nacionais e estrangeiros.
Conhecemos as dificuldades, mas não vamos abrandar o passo. O próximo ano, 2003, será o ano decisivo. Por isso, o Orçamento do Estado para 2003, já em preparação, não se desviará em nada dos princípios de rigor e de exigência que traçámos.
Os portugueses sabem bem que o País não pode viver acima das suas possibilidades, endividar-se permanentemente, gastar o que tem e o que não tem, alimentar vícios antigos e despesas supérfluas, quando faltam recursos para investir em obras essenciais e meios financeiros indispensáveis à promoção de maior justiça social.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esta orientação é essencial para construir um ambiente de confiança, porque a confiança constrói-se com atitudes sérias e decisões responsáveis, não com discursos retóricos ou inflamados. O novo ambiente de confiança que estamos a construir é essencial para Portugal ganhar produtividade e competitividade. Esta é a nossa batalha fundamental e dela não fugimos, dela não fugiremos.
Daí, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o segundo eixo da nossa estratégia governativa, apostar no aumento da produtividade e no crescimento da nossa economia.
Também aqui o Governo não perdeu tempo. Fomos céleres a aprovar o Programa para a Produtividade e o Crescimento, dirigido ao relançamento da actividade económica, ao reforço da concorrência saudável, ao fomento do investimento produtivo, à revitalização do tecido empresarial. Este programa tem vários méritos e foi, desde logo, muito bem recebido pela comunidade empresarial.
Mas há aqui uma orientação nova e essencial: incentivar as nossas empresas para o mercado das exportações.
A reserva fiscal de investimento que vai ser criada, particularmente para as empresas exportadoras, não é uma medida de circunstância. É o sinal de uma aposta séria num novo modelo de desenvolvimento, assente no investimento e no aumento das exportações, essencial para que as nossas empresas ganhem novas quotas de mercado, tornando-se mais produtivas e com maior competitividade.
Desde a adesão à Comunidade Europeia, o peso das exportações portuguesas de bens e serviços no produto interno bruto aumentou apenas de cerca de 29,5% para cerca de 32,5%. No mesmo período, aquele rácio passou, na Finlândia, de 26,5% para 41%, na Holanda, de 51% para 66% e, na Irlanda, de 51% para 95%, o que demonstra bem a necessidade de promover e estimular o investimento por parte das empresas exportadoras. Daí o acento tónico que estamos a colocar nesta área da nossa economia.
Mas também não esquecemos o contributo decisivo do investimento público, cuja retoma importa garantir sustentadamente.
Transmitimos aos agentes económicos essa mensagem de confiança e de aposta no futuro. Por isso, tive oportunidade de anunciar, há alguns dias atrás, um programa especial de obras públicas, abrangendo, por um lado, a aceleração de várias obras e, por outro, o lançamento de novos e importantes projectos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, não nos ficamos por aqui no nosso objectivo de revitalizar a economia e de modernizar o País. Daí que, já no próximo mês de Outubro, iremos proceder à apresentação de um vasto programa de investimentos em obras públicas, com particular incidência no domínio das vias de comunicação.
A nossa aposta no investimento reprodutivo é mesmo para levar a sério. Portugal precisa de crescer e de progredir, rumo este de que também não abdicaremos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O terceiro eixo da estratégia do Governo é o das reformas estruturais.
Também aqui devemos ser claros. Fomos eleitos para gerir melhor os recursos públicos, mas, sobretudo, fomos

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mandatados para ajudar a mudar estruturalmente o Estado e a sociedade portugueses.
Portugal precisa de atacar os problemas nas suas causas estruturais e não apenas minorar os seus efeitos ou consequências. Neste plano, o balanço é inequívoco - em três meses, foram aprovadas mais reformas do que nos últimos três anos. É o sinal da nova atitude reformadora que cultivamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estão neste caso a criação do rendimento social de inserção, que põe fim à lógica da subsídio-dependência que caracterizava o rendimento mínimo garantido…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

… e coloca o acento tónico na inserção social e no exercício pleno da cidadania. Queremos ajudar as pessoas a saírem da pobreza e não queremos condená-las à dependência do Estado e a manterem-se eternamente nessa mesma pobreza.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Com a proposta de lei de bases da segurança social pretende-se assegurar, nomeadamente, a sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social e a liberdade de escolha dos cidadãos, como acontece, aliás, em toda a Europa mais desenvolvida. O que não compreendo, Srs. Deputados, é como é que alguns dos Deputados da oposição falam tanto no modelo social europeu mas, depois, procuram combater o Governo quando este, ao fim e ao cabo, procura concretizar e consagrar, em Portugal, o modelo social europeu, que é o que queremos desenvolver e aprofundar no nosso país.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Ao novo sistema de gestão hospitalar presidem preocupações de rigor e de eficácia no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, que este Governo está determinado a salvar.
O regime jurídico das parcerias público/privadas na saúde é um instrumento decisivo para dotar o País de uma rede de unidades hospitalares capazes de atender à satisfação das necessidades dos doentes.
O Estatuto do Aluno do Ensino Não Superior institui mecanismos de responsabilização dos alunos e de reforço da autoridade dos professores, assim contribuindo para a indispensável estabilidade do meio escolar.
Com a Lei de Desenvolvimento e Qualidade no Ensino Superior pretende-se pôr fim à situação anárquica que se vive no ensino universitário e politécnico, garantindo o valor dos nossos diplomas, permitindo às nossas instituições e aos nossos diplomados concorrer com os seus congéneres internacionais.
A reforma da acção executiva dará um contributo essencial à normalização do funcionamento dos tribunais e ao reforço da confiança dos agentes económicos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A lei da imigração introduz critérios de rigor na admissão de novos imigrantes, garantindo, em simultâneo, condições para a sua plena integração na sociedade portuguesa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados da oposição, confessem que, em três meses, não esperavam tanta iniciativa, tanta actividade, tanta capacidade reformadora do Governo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não está nada aprovado, mas é giro! Está tudo na generalidade!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em particular Srs. Deputados da oposição, quero garantir-vos que não vamos dar-vos tempo para descansar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero anunciar hoje, perante esta Câmara, que as reformas irão continuar.

O Sr. José Magalhães (PS): - É surpreendente!

O Orador: - Assim, até ao final do corrente mês de Julho, o Governo aprovará três novas reformas essenciais no domínio do trabalho, da justiça e da organização e administração do Estado: reforma da legislação laboral, privatização do notariado e descentralização do Estado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - A reforma da legislação laboral é essencial. Portugal tem as leis laborais mais rígidas de toda a União Europeia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta rigidez não promove nem o investimento, nem a criação de emprego, nem a competitividade da economia. Mais: esta rigidez é contra o próprio interesse dos trabalhadores portugueses.

Protestos do PCP.

Srs. Deputados do Partido Comunista, os trabalhadores portugueses não comem ideologia, os trabalhadores portugueses precisam de ter um sistema mais competitivo, mais flexível para, assim, garantirem a produtividade das empresas, porque eles são os primeiros interessados na produtividade e na competitividade da nossa economia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso é conversa!

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O Orador: - Por isso, a orientação da reforma a empreender será muito clara. Ela vai abranger a flexibilidade da organização do tempo de trabalho,…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Claro!

O Orador: - … a mobilidade funcional e geográfica dos trabalhadores, o regime da isenção do horário de trabalho, a utilização de novas tecnologias, o regime de comissão de serviço, os acidentes de trabalho, o regime de férias e faltas, os contratos a prazo.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Claro!

O Orador: - Para nós, Srs. Deputados, o direito ao trabalho é correlativo do dever de trabalhar e de contribuir para o progresso do nosso país.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Há trabalhadores com os salários em atraso, como os da OGMA!

O Orador: - Sejamos claros: ao contrário do que mentirosamente dizem algumas forças da oposição, não se trata de liberalizar os despedimentos - não o faremos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já não é preciso!

O Orador: - Trata-se, sim, de criar as condições para mais e melhor trabalho, mais e melhor produtividade, mais e melhor investimento, mais e melhor emprego. Essa é a nossa aposta e dela não vamos abdicar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o paraíso social!

O Orador: - Idêntica preocupação de modernidade orientará a privatização do notariado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como dá lucro ao Estado, privatiza-se!

O Orador: - É outra reforma indispensável às pessoas e às empresas.
Portugal precisa de serviços notariais mais rápidos e mais baratos. O regime de monopólio actualmente existente perdeu sentido. Torna-se indispensável introduzir um regime concorrencial.
As ideias centrais do regime que vamos introduzir no notariado são claras. A actividade notarial passará a ser exercida em regime de profissão liberal, de forma aberta, livre e concorrencial, competindo ao Estado a função reguladora e fiscalizadora que garanta sempre o primado da legalidade e da qualidade.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Por fim, o Governo tomará, em breve, um outro vasto conjunto de decisões em matéria de descentralização, que permitirá transformar o paradigma tradicional da relação entre o Estado central e o poder local.
É um imperativo nacional combater o centralismo burocrático que dificulta a vida dos cidadãos e impede a resolução atempada dos seus problemas.
É tempo de dar combate sem tréguas às disparidades de desenvolvimento que, nos últimos anos, se agravaram progressivamente e têm a sua expressão mais dramática na desertificação de vastas zonas do interior do País.
Para inverter esta situação, o Governo porá em prática um programa ambicioso, articulado em torno de quatro eixos fundamentais.
Em primeiro lugar, promoção do surgimento de novas áreas metropolitanas capazes de impulsionar o desenvolvimento social, económico e cultural das populações abrangidas.
Em segundo lugar, democratização e agilização operacional das CCR (Comissões de Coordenação Regional), alterando a sua estrutura orgânica e alargando as respectivas atribuições.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, transferência de competências dos governadores civis para as autarquias locais, em matérias consultivas, de financiamento, de manutenção da ordem e tranquilidade públicas e de licenciamento de actividades diversas.
Em quarto lugar, atribuição de novas competências às autarquias locais, nomeadamente no domínio da saúde, da educação, do ambiente e ordenamento do território, da cultura, da habitação ou da economia.
Quero dizer-vos, Srs. Deputados, que acredito mesmo no princípio da subsidariedade e estou seguro que, com o vosso apoio, esta legislatura ficará marcada por uma das mais substanciais reformas desde o 25 de Abril, que é, de facto, a de acabarmos com o paradigma centralista, apostando na descentralização e no poder local no nosso país.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Todas estas reformas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, têm um objectivo central - o aumento da competitividade da nossa economia. Este é o objectivo central das medidas estruturais, das medidas macroeconómicas e das medidas microeconómicas.
Portugal tem de ser um país competitivo. Mas Portugal não é, ainda hoje, um país suficientemente atractivo para os investidores.
Ainda há pouco, foi editada a lista do ambiente de negócios, classificação promovida pela Economist Intelligence Unit, uma das mais prestigiadas publicações neste domínio, em que Portugal aparece em 23.º lugar, tendo atrás de nós, no quadro europeu, apenas a Grécia. Nos primeiros lugares surgem países como a Holanda, o Canadá e a Finlândia. Não é um facto surpreendente.
Já no relatório sobre a competitividade do Fórum Económico Mundial, de 2001, Portugal aparece na 31.ª primeira posição, atrás, por exemplo, da Estónia e da Hungria.
Esta tabela revela, ainda, um facto inédito: a Finlândia aparece como o país mais competitivo do mundo. A Finlândia, país que, ainda há poucos anos, estava todo virado para o mercado da ex-União Soviética e que, em poucos anos, conseguiu reestruturar fundamentalmente a sua economia. Os indicadores deste relatório permitem, aliás, concluir que aquele país tem grandes probabilidades de se manter no topo da lista nos próximos anos. Ora, isto acontece

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porquê? Porque foram implementadas políticas e reformas adequadas, levadas a cabo com persistência e determinação.
Se outros já o fizeram, também nós seremos capazes de o fazer.
Os exemplos citados comprovam, aliás, que políticas adequadas e determinação na sua aplicação podem superar desvantagens aparentes, como a dimensão do mercado ou a localização periférica. Não serão a Finlândia, a Islândia ou a própria Irlanda mais periféricas do que Portugal? Se eles conseguiram desenvolver-se, por que razão não conseguiremos nós fazer o mesmo ou melhor? Acredito que somos capazes de fazer tão bem ou melhor do que aqueles nossos parceiros.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O próximo alargamento da União Europeia ainda não foi suficientemente ponderado no nosso país. Recentemente, através de um inquérito aos empresários, constatei que a esmagadora maioria dos empresários portugueses ainda não ponderou suficientemente as consequências e as oportunidades que o alargamento da União Europeia pode trazer.
Este próximo alargamento vai colocar-nos perante um desafio decisivo. Vencer esse desafio está, ainda, nas nossas mãos. Mas, para isso, é urgente mudar o nosso modelo de desenvolvimento.
Encontramo-nos perante uma oportunidade - porventura, a última - de alterar o padrão de especialização da economia portuguesa. Este Governo aposta num modelo de produção assente na qualidade e sempre na criação de maior valor acrescentado, no abandono, gradual mas firme, do modelo tradicional de competição exclusivamente virado para o preço, assente na baixa qualificação da mão-de-obra e nos baixos salários.
Por isso, definimos, pela primeira vez, um conjunto coerente de políticas, simultaneamente nos domínios das finanças públicas, da microeconomia e das reformas estruturais, mobilizando todos os instrumentos disponíveis a nível nacional e concentrando a sua aplicação num espaço de tempo bastante curto.
As dificuldades que enfrentamos são reais e não podem ser desvalorizadas, mas a verdade é que essas dificuldades criam também uma grande oportunidade: obrigam-nos a ter sucesso. Existe, hoje, uma grande oportunidade de mudança e de recuperação do tempo perdido. Hoje, não temos alternativa que não seja a de fazer bem e depressa. Quero dizer-vos que estou certo de que vamos vencer mais este desafio, porque acredito na energia e na capacidade dos trabalhadores e dos empresários portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queremos um País mais rico para podermos ter uma sociedade mais justa. Para nós, o crescimento económico, mais do que um objectivo, é um instrumento, um instrumento para maior justiça social.
Falar de justiça social é, desde logo, falar de saúde e de solidariedade social.
A actual situação da saúde em Portugal é um flagelo. Um flagelo sobretudo para os mais pobres da nossa sociedade, para os que esperam e desesperam na busca de uma consulta ou de uma operação, para os que não encontram ainda nos serviços de saúde a resposta pronta e humanizada a que têm direito.
Temos a consciência de que esta situação não se muda de um dia para o outro. Mas temos também a certeza de que é preciso agir depressa, porque temos pressa de mudar o actual estado de coisas.
Portugal tem um problema estrutural: as intermináveis listas de espera. Ora, para um problema extraordinário, uma solução de emergência; por isso, o Governo aprovou já um programa, em dois anos, de combate às listas de espera nos nossos hospitais.
Portugal tem um problema crónico: uma gestão burocrática e despesista dos seus hospitais. Para um problema crónico, uma solução corajosa; por isso, o Governo aprovou já um novo modelo de gestão dos nossos hospitais, que vai permitir maior rapidez, prontidão e eficácia no funcionamento das nossas unidades de saúde.
Portugal tem um problema grave: a falta de hospitais e a sua desadequada distribuição. Para um problema grave, uma solução inovadora; por isso, o Governo aprovou, em regime de parceria com entidades privadas e sociais, um ambicioso programa de construção de 10 novos hospitais, cinco dos quais serão lançados já no início do próximo ano.
É assim, com decisões concretas, e não com meros discursos, que se constrói, dia-a-dia, mais justiça social.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tenho orgulho em chefiar um Governo que acaba de aprovar uma reforma de incontornável alcance social, a reforma em que o Estado assume expressamente o compromisso da convergência das pensões mínimas com o salário mínimo nacional.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É falso!

O Orador: - É um compromisso solene que se consagra na nova Lei de Bases da Segurança Social.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É falso!

O Orador: - Num prazo de quatro anos, as pensões mínimas de invalidez e velhice do regime geral passam a ser fixadas, tendo em conta as carreiras contributivas, entre 65% e 100% do salário mínimo nacional.
Estes aumentos constituem o maior esforço financeiro do Estado para melhorar as condições de vida dos reformados portugueses, depois da introdução, há mais de uma década, do 14.º mês no pagamento de pensões. A preços de 2002, este esforço representará um encargo de 77 milhões de contos.
Com esta decisão, os reformados e pensionistas portugueses, em particular os mais carenciados e vulneráveis, terão a certeza de uma forte actualização das suas pensões de reforma.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É um esforço notável de solidariedade que o Estado vai fazer para que a justiça social deixe de ser uma figura de retórica e se assuma como pressuposto e condição da dignidade da pessoa humana. Este objectivo da justiça social é, e será sempre, o mais importante objectivo da nossa acção governativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É também uma preocupação social que nos leva a ser implacáveis no combate à fraude e à evasão fiscais.

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Não vemos os impostos apenas como uma fonte - indispensável - de receita do Estado mas igualmente (para além de um factor de competitividade com o exterior) como um instrumento de justiça social, por via da sua função de redistribuição da riqueza.
Não é mais tolerável aquilo a que vimos assistindo, com muitos dos que podem a não pagar o que devem, obrigando outros a pagar o que não podem.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Governo não pactuará com esta situação. Por isso, independentemente de intervenções a nível legislativo que venham a justificar-se, foi anunciada e está já em aplicação uma operação especial de combate à fraude e à evasão fiscais. Dentro de algum tempo espero poder examinar convosco os resultados, nesta Câmara.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os esforços que hoje estamos a fazer não são esforços em vão. Eles vão traduzir-se, num prazo de dois anos, em mais emprego para os jovens, em melhores salários para os trabalhadores, em pensões mais elevadas para os reformados e numa redução da carga fiscal.
Tenho a certeza de que este é um esforço necessário, mas um esforço que tem de ser partilhado por todos - Estado e cidadãos, empresários e trabalhadores, Governo e oposição.
É este propósito, de partilha solidária de esforços e responsabilidades entre todos os sectores do Estado, que levou o Governo a apresentar a esta Câmara uma lei de estabilidade orçamental. Espero que o sentido de Estado e a noção do superior interesse do País sejam mais fortes que quaisquer interesses partidários, particulares ou corporativos.
É que está em causa não apenas o indispensável - e, sublinho, indispensável - equilíbrio das contas públicas mas igualmente a credibilidade externa, o cumprimento de compromissos internacionais que temos de honrar. E quero crer que ninguém vai querer ficar de fora deste dever patriótico de defender o nome de Portugal perante os nossos parceiros europeus.
Aquilo que está em causa, meus senhores, é a honra de Portugal e nós não podemos falhar aos compromissos que assumimos com a União Europeia. Por isso, é necessária e indispensável esta lei de estabilidade orçamental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Queremos, contudo, ir mais longe.
O Governo atribui uma particular importância à concertação social. Acredito nas virtualidades do diálogo social. Acredito que trabalhadores e empresários são os primeiros a compreender que a estabilidade social e a partilha de responsabilidades só ajudam a um processo mais rápido e mais sólido de crescimento e desenvolvimento.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas você só quer tramar uma parte!

O Orador: - Acredito que a estabilidade das expectativas constitui também um importante factor para a confiança dos agentes económicos. Neste sentido, quero aqui anunciar-vos, hoje, que o Governo vai propor a todos os parceiros sociais a celebração de um acordo social de médio prazo que abranja, designadamente, as seguintes matérias: política de rendimentos e produtividade; política de emprego e formação profissional; política fiscal e também política de segurança social.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que tal cumprir o actual?!

O Orador: - Este acordo social - com um prazo mínimo de vigência de quatro anos - permitirá estabelecer regras de partilha dos esforços que a todos são exigíveis, nestes próximos dois anos, com a certeza de que, logo nos dois anos seguintes, todos começarão a partilhar dos benefícios que, em conjunto, iremos obter.
Tenho a certeza de que os parceiros sociais, contra a opinião de alguns políticos que pensam no seu próprio interesse mas não no interesse dos trabalhadores, compreendem a justeza desta proposta e a urgência da sua concretização.
O Governo, pelo seu lado, tudo fará para que este acordo social venha a ser uma realidade.
Não receamos a conflitualidade social, mas sabemos que ela não conduz a lado algum. Nas condições actuais do nosso país, só poderia trazer-nos mais, e muito mais sérios, problemas.
O caminho é o da concertação, o caminho é o do diálogo, o caminho é o do compromisso social. Aqueles que faltarem à chamada, faltarão à chamada perante Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos que o tempo é escasso para o muito que temos de fazer. Por isso, não perdemos tempo. Temos pressa, porque também os portugueses têm pressa.
Em três meses, o País já compreendeu que este Governo tem uma nova atitude política.

Risos do PS.

Vozes do PS: - Pois já! É verdade!

O Orador: - É um Governo com desígnios, com estratégia e com vontade.

Risos do PS.

Um Governo que substituiu o adiamento pela cultura da decisão.

O Sr. José Magalhães (PS): - E da trapalhada!

O Orador: - Um Governo que não vacila face aos interesses instalados.

O Sr. António Costa (PS): - Serve-os!

O Orador: - Um Governo que não hesita nem recua perante os problemas e as dificuldades.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

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É que as dificuldades realmente existem e, ao contrário de outros, não vamos escamoteá-las.
Já há alguns anos que vínhamos alertando para as consequências negativas que a política seguida viria a ter em termos de confiança.
A interrupção da legislatura, a crise política gerada pela demissão do anterior governo, que pôs durante quase cinco meses o País entre parêntesis,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … a falta de credibilidade da anterior política orçamental, a falsidade dos dados publicamente revelados,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … tudo isso teve, naturalmente, efeitos devastadores sobre a confiança dos cidadãos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - E esta situação não pode evidentemente inverter-se de um dia para o outro.
Mas, atenção, este é o caminho! Este é o caminho: falar com verdade; decidir com coragem; executar com determinação. Este é o caminho, Sr.as e Srs. Deputados!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A propósito de confiança, a confiança não se constrói com encenações artificiais ou discursos desfasados da realidade. A credibilidade é o caminho, em linha recta, para a confiança. Não se espere de mim ou deste Governo efeitos fáceis ou declarações de mera conveniência mediática. O País já sabe os custos de uma política de ilusões e está ainda a pagar um preço muito elevado por causa dessa política de «vendedores de ilusões» e de promessas que não foram capazes de cumprir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Há que inverter este estado de coisas! Nesta ocasião, quero dizer-vos que estou seguro, absolutamente seguro, de que não há outro caminho e de que será assim que os portugueses voltarão a confiar e que Portugal será olhado com cada vez maior respeito.
O conjunto coerente e articulado de políticas que definimos dá-nos razões para encarar o futuro com esperança e confiança. Os portugueses já demonstraram que, em cada dificuldade, há também um desafio.
Deixem-me dizer-vos, Srs. Deputados, num registo pessoal, que cada crítica, justa ou injusta, só me estimula, cada dificuldade só me anima, e que a vossa oposição me dá cada vez mais força para levar a cabo este nosso programa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Ah! Assim é que é! Esse é que é o caminho! Força!

O Orador: - Este desafio que temos pela frente, que o nosso país tem pela frente, é um desafio que estimula os portugueses para novas realizações.
Esta é uma grande oportunidade, uma oportunidade que o nosso país não vai desperdiçar.
Estou certo, estou seguro, de que não podemos falhar, não falharemos. A bem de Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. Presidente: - Foram numerosos os Srs. Deputados que se inscreveram para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro. Dar-lhes-ei a palavra pela ordem estabelecida.
Em primeiro lugar, tem a palavra, por 5 minutos, o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando as notícias sobre o presente não são boas, não há nada como prometer «amanhãs que cantam». Essa é uma prática normal em várias bancadas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Esta intervenção do Sr. Primeiro-Ministro tem vários erros de facto sobre o passado, na medida em que veio aqui dizer-nos que já fizeram várias reformas de fundo, a maior parte das quais, porém, não foi sequer discutida, na especialidade, na Assembleia da República, nem alvo de qualquer votação. É assim que se vê a consideração que o Governo tem pela Assembleia da República:…

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É muito mais do que vocês tiveram!

O Orador: - … toma como reformas de fundo diplomas apenas aprovados pelo Governo como propostas de lei, que não foram aqui votadas na Assembleia da República, como é o caso do rendimento social de inserção, da lei de bases da segurança social e de várias outras aqui mencionadas.

Aplausos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, há uma coisa em que lhe dou toda a razão: em três meses, o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo fizeram mais do que nós fizemos em três anos. Fez mais trapalhadas, fez mais inconstitucionalidades e fez mais processos políticos de desprezo pelo papel dos Deputados e da Assembleia da República. Sobre isso, não há dúvidas!

Aplausos do PS.

O Sr. Primeiro-Ministro não relembrou na sua intervenção a célebre frase proferida no primeiro debate sobre o estado da Nação: «O País está de tanga!» É que foi com essa frase que os senhores trabalharam durante estes três meses para apresentar uma realidade, que, então, não correspondia àquilo que estavam a dizer dessa mesma realidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É preciso ter «lata»!

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O Orador: - O que se passou ao longo destes três meses faz com que o País, que tinha efectivamente dificuldades e uma crise orçamental, esteja à beira de uma crise económica, de que os senhores são os principais responsáveis.

Aplausos do PS.

Mais: para quem, durante tanto tempo, deste lado, falou das divergências existentes entre as projecções e as realidades, que dizer de, ao fim de dois meses, terem vindo aqui apresentar projecções, para este ano de 2002, de crescimento económico e de investimento que foram desmentidas pelo Banco de Portugal,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … desmentidas pela prática política que este Governo tem tido e que transforma problemas orçamentais numa gravíssima recessão económica, com consequências graves para Portugal e para os portugueses?

Aplausos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, agora, o seu Governo transformou-se num governo de políticas especiais - é uma espécie de «Governo especial» cheio de ideias gerais! Apresentou um programa especial de obras públicas, uma acção especial de combate à fraude e evasão fiscais. Antes convinha que cumprissem o que estava aprovado, tanto do lado do investimento público como do lado do combate à fraude e evasão fiscais. Isso seria bastante melhor do que essas operações «especiais» que são meras mistificações!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

«Mais rentável para os políticos é a apresentação de novos projectos e o lançamento de grandes obras públicas, o que, certamente, é publicitado pelos meios de comunicação social, do que promover a execução e a administração eficientes de programas públicos, o que não atrai a atenção dos jornalistas». Quem o disse, e muito bem, foi o Prof. Cavaco Silva. E, como se está a demonstrar, o «aluno» seguiu o «mestre»!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Em relação ao combate à fraude fiscal, pergunto se os senhores estão dispostos a agendar, para amanhã, o projecto de lei do PS sobre eficácia fiscal, já que impediram que o mesmo fosse debatido nesta Assembleia. É muito mais importante aprovar esse projecto de lei do que realizar 50 000 operações especiais, dirigidas pelo Ministério das Finanças!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à lei da estabilidade orçamental, nós queremos uma boa lei, uma lei que permita uma solidariedade nacional no combate ao défice mas que se traduza também no arranque do crescimento e do desenvolvimento; queremos uma lei de estabilidade orçamental com diferenciação positiva, em que não possam ser castigadas regiões que estão atrasadas e que enfrentam grandes problemas de ultraperiferia, como a Região Autónoma dos Açores ou regiões atrasadas do próprio continente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar, dizendo o seguinte: estamos disponíveis para, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, desenvolver um trabalho sério e aprofundar, com o Governo, o debate de uma lei de estabilidade orçamental, mas não estaremos disponíveis para votar ou pactuar com uma lei que contenha qualquer inconstitucionalidade.
Queria perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se está certo, se assegura que a proposta de lei da estabilidade orçamental, que será discutida amanhã na Assembleia da República, não contém qualquer inconstitucionalidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, de facto, é extraordinário! Direi que há aqui uma grande desfaçatez da sua parte, Sr. Deputado…

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - Como é possível vir agora, ainda o actual Governo não tem três meses sobre a data em que foi investido por esta Assembleia, procurar atirar para cima dele a responsabilidade por todos os últimos desenvolvimentos?! Como é possível, Sr. Deputado?! Sempre que enfrentavam uma dificuldade, VV. Ex.as andaram, durante seis anos, a atirar as culpas para os governos de Cavaco Silva e, em três meses, já se esqueceram do governo do Engenheiro Guterres!?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

V. Ex.ª, com certeza, ainda não se esqueceu do Engenheiro António Guterres?!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Já, já!

O Orador: - O seu partido não se esqueceu do governo do Engenheiro António Guterres?

Protestos do PS.

O seu partido lembra-se que havia um governo chefiado pelo Engenheiro António Guterres, no qual estava o Ministro Ferro Rodrigues?!

O Sr. Rui Vieira (PS): - Não lhe chega aos calcanhares!

O Orador: - O seu partido lembra-se que houve um governo que calculou que o défice do Orçamento do Estado

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seria, em 2001, de 1,1%?! E sabe, ou imagina, qual é o défice que vamos encontrar? Pensa V. Ex.ª que isto não tem consequências em termos de confiança, do ponto de vista interno e externo?!

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Não, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, aqueles aspectos negativos que caracterizam - e são sérios - a actual conjuntura não derivam deste ou daquele meu discurso, derivam ainda da vossa acção e da vossa omissão enquanto foram governo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Não, não!

O Orador: - V. Ex.ª referiu-se ao facto de as medidas que tomámos ainda não estarem concretizadas. Pois é, apresentámo-las à Assembleia da República, fizemos a nossa parte e esperamos a vossa resposta nesta sede.
Mas, em termos de respeito pela Assembleia da República, o Sr. Deputado sabe quantas vezes já aqui estive, nestes três meses, comparando com o meu antecessor? O meu antecessor, em igual período, deslocou-se a esta Assembleia duas vezes, enquanto que eu, com esta, é a sexta vez que aqui estou, desde que assumi funções.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

V. Ex.ª sabe quantas vezes os membros do seu governo vieram a esta Assembleia e às comissões, em idêntico período, em 1995 e em 1999? Eu digo-lhe: 11 vezes em 1995 e 11 vezes em 1999. Nestes dias, com este Governo, os seus membros vieram às comissões 43 vezes, …

O Sr. José Magalhães (PS): - É falso!

O Orador: - … assim mostrando o nosso respeito pela Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Por isso, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, a nossa vontade é, obviamente, a de dialogar no âmbito da Assembleia da República, mas não prescindimos da maioria e do projecto que a anima.

O Sr. José Magalhães (PS): - E as inconstitucionalidades?

O Orador: - Em relação à questão concreta que coloca sobre a lei da estabilidade orçamental, gostaria de dizer o seguinte: estamos disponíveis para eliminar quaisquer normas que suscitem dúvidas quanto à inconstitucionalidade; estamos disponíveis para chegar imediatamente a consenso convosco, desde que VV. Ex. as estejam disponíveis para viabilizar uma lei de estabilidade orçamental, que deveria ser uma das vossas prioridades,…

Vozes do PS: - E é!

O Orador: - … porque foi um governo vosso que assinou o Pacto de Estabilidade e Crescimento com a União Europeia e o País não entenderia que agora, perante esta situação, o Partido Socialista, que teve responsabilidades nela, fugisse dela e não procurasse alargar, em Portugal, os consensos necessários para a credibilidade da política económica e para a nossa sustentação perante o exterior. Espero, por isso, da vossa parte - da minha parte, farei o possível -, que não esqueçam as responsabilidades que assumiram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, nós anunciamos obras, VV. Ex.as criticam; nós anunciamos o combate à fraude e à evasão fiscais, VV. Ex.as criticam; nós falamos de um acordo de concertação social, ponto que V. Ex.ª nem sequer referiu. Mas espero que também se juntem a nós naquela que é uma necessidade patriótica: a de voltar a trabalhar para o futuro de Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a minha primeira palavra vai, exactamente, no sentido de saudar V. Ex.ª e os membros do Governo pela forma como se têm relacionado com a Assembleia da República.
V. Ex.ª referiu já alguns números em matéria de presenças do Sr. Primeiro-Ministro e dos membros do Governo nas comissões. A essa informação posso ainda acrescentar que, neste período, para além da presença do Sr. Primeiro-Ministro, incluindo as vezes que aqui se deslocaram para acompanhar o Governo em debates gerais mas sem incluir a presença normal do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, registaram-se em Plenário 86 presenças de membros do Governo, enquanto que, em igual período, na legislatura anterior, os membros do governo deslocaram-se ao Plenário 17 vezes. E na VII Legislatura estiveram presentes 18 membros do governo em período igual.
Vejam VV. Ex.as a diferença! E se tivermos presente que o Sr. Eng.º Guterres criticava o Prof. Cavaco Silva e os seus governos por virem pouco à Assembleia da República,…

O Sr. José Magalhães (PS): - E bem!

O Orador: - … proclamando ele «aos sete ventos» que viria cá todos os meses, que os membros do seu governo viriam cá as vezes que fossem necessárias! A comparação dos números fala por si.
Bem haja, Sr. Primeiro-Ministro, bem hajam os membros do Governo por terem esta postura de cooperação institucional com a Assembleia da República.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, vem seguindo o Governo os passos certos para as exigências do quadro nacional em que nos encontramos: saneámos as finanças públicas, e continuamos nesse esforço com a lei da estabilidade orçamental; apresentou-se ao País um programa de estímulo à produtividade

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e à economia; durante estes três meses, apresentaram-se na Assembleia da República 19 propostas de lei e, dessas 19 propostas de lei, 12 referem-se a reformas estruturantes que foram, durante seis anos, sistematicamente adiadas! Foi V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, que, em três meses, fez mais do que os governos socialistas em três anos.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso já tinha sido dito!

O Orador: - Vejam lá o que é, realmente, o empenho nas reformas e o trazer à Assembleia da República leis fundamentais - algumas delas, porventura, nem teriam de por cá passar, mas V. Ex.ª fez questão que a Assembleia da República partilhasse esta preocupação e este esforço de recuperar o País e de o colocar no caminho da modernização.
Sr. Primeiro-Ministro, a questão que lhe quero colocar tem a ver, um pouco, com algo que já foi abordado na sua intervenção, isto é, com o facto de se ter desenvolvido muito a ideia de que a verdade que se tem revelado ao País, a verdade sobre a situação difícil em que o País foi deixado, é um mau serviço, que essa forma de expor ao País a realidade dura e crua em que se encontra tem efeitos negativos nos agentes económicos e é a causa das situações de recessão e de menor crescimento que, eventualmente, se estão agora a verificar.
A minha pergunta é esta: entende V. Ex.ª que devia ter continuado a política do «faz de conta»? Que era essa a forma de, efectivamente, garantir um avanço na vida económica, garantir os passos que temos de dar para vencer os desafios que se nos colocam, continuando a mentir e a ocultar aos portugueses esta situação?
Entende V. Ex.ª que tem razão o líder do maior partido da oposição, depois de termos ouvido as declarações do Governador do Banco de Portugal - que, aliás, faz afirmações que não são novas, já em documentos do Banco de Portugal de Março último se registava esta ideia da recessão, esta ideia de reservas relativamente ao crescimento? V. Ex.ª considera que, efectivamente, a actuação deste Governo, nestes três meses, tem dado mostras de reformar, tem dado mostras de dar passos importantes na evolução do País? Entende que é essa a causa dos receios de recessão, dos indícios de recessão, que é essa a causa de algumas reservas quanto ao crescimento, ou que, pelo contrário, são essas as medidas que vão fazer inverter, que vão combater a situação de desgoverno que herdámos de seis anos socialistas?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa pergunta é o que se chama «dar graxa ao cágado»!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Guilherme Silva, em primeiro lugar, quero agradecer as palavras de apoio e de estímulo que quis dirigir ao Governo.
Em relação à cooperação institucional com a Assembleia da República, quero dizer mais uma vez perante esta Câmara que, para nós, esse é um princípio de que não abdicamos. Achamos que é essencial um clima de boa cooperação institucional, que temos vindo a manter com a Assembleia da República e também com o Presidente da República, se calhar surpreendendo alguns que não gostariam que houvesse esse entendimento e essa cooperação institucional.

O Sr. José Sócrates (PS): - Francamente!

O Orador: - Mas há uma coisa de que não prescindimos, que é a firmeza em relação aos nossos objectivos e da maioria que temos nesta Assembleia. Por isso, queremos manter essa cooperação institucional. Seremos impecáveis no respeito por esses princípios porque entendemos que só assim é que se valorizam as nossas instituições democráticas.
Em relação à sua pergunta concreta, Sr. Deputado Guilherme Silva, só se surpreendeu com os números do Banco de Portugal quem não ouviu os repetidos avisos que nós tínhamos vindo a fazer. Eu próprio, nesta Assembleia, em sucessivos debates sobre o estado na Nação, na altura como líder da oposição, a então Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, actual Ministra de Estado e das Finanças, o Sr. Deputado Tavares Moreira fizemos tantos avisos de que isto iria acontecer! Nós próprios alertámos tantas vezes para a situação, bem como economistas independentes e instituições internacionais. Mas a verdade é que nada se fez. E a questão que agora se coloca é esta: o que é que deve fazer o Governo? Deve continuar a atirar o lixo para debaixo do tapete, pretendendo que está tudo bem, procurando fazer uma encenação de optimismo artificial? Ou deve, pelo contrário, expor a verdade ao público em geral, expor a verdade aos eleitores e também aos agentes económicos nacionais e externos?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não pode! Não consegue!

O Orador: - Sr. Deputado, eu só acredito na estratégia da verdade e da credibilidade. Penso que a credibilidade é o caminho mais curto para a confiança e que esta não se ganha com a criação artificial de efeitos mediáticos, com encenações. Não esperem de mim «faroladas» mediáticas, esperem sim trabalho, muito trabalho, credibilidade, consistência, sempre a bem de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, a primeira constatação que eu quereria fazer hoje é a de que só é possível analisar ou pensar o estado da Nação ou o estado da economia comparativamente. Esse é o primeiro dado. Quero registar, nesta primeira análise, que não sei se o Sr. Primeiro-Ministro não se terá equivocado. O Sr. Primeiro-Ministro disse que este Governo tinha tomado mais iniciativas em três meses do que em três anos de governo do PS. Não sei se não se enganou, Sr. Primeiro-Ministro, penso que, se calhar, foi mesmo em seis anos de governo do PS.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Provavelmente, este Governo já tomou mais iniciativas do que o governo do Partido Socialista em seis anos!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, já podem ir embora!

O Sr. José Magalhães (PS): - É excitante essa perspectiva!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, dei-lhe a palavra para dialogar com o Sr. Primeiro-Ministro, não com o Sr. Deputado José Magalhães!

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é verdade, Sr. Presidente. Tem razão!

O Orador: - Sr. Presidente, peço imensa desculpa mas se o Sr. Deputado José Magalhães me interromper e me interpelar sucessivamente ou lhe respondo ou não consigo usar da palavra. O Sr. Presidente terá de compreender.

O Sr. Presidente: - Terei, então, de apelar ao Sr. Deputado José Magalhães para que não interrompa o orador.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, queria recordar o debate do estado da Nação de há um ano atrás, que foi um debate marcado por duas frases essenciais que vinham de dias antes desse debate; uma, do Sr. Deputado Jorge Coelho: «quem se mete com o PS, leva!» - a frase é conhecida e ainda nos lembramos dela; outra, do ex-Primeiro-Ministro António Guterres: «eu vou às fuças da direita!» - era connosco, Sr. Primeiro-Ministro, era connosco!
Ora, o que é que aconteceu comparativamente? O Sr. Primeiro-Ministro não foi «às fuças» a ninguém, antes pelo contrário foi para casa! O PS parece continuar enervado e a ameaçar que vai dar em alguém mas, realmente, nem deu nem tem capacidade de dar em ninguém!

Risos do CDS-PP.

E o centro-direita, a tal direita que era suposto «levar nas fuças», está no poder, está com mérito, está bem e está para mudar o País. Esse é um dado fundamental.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Ainda em relação a esse debate, Srs. Deputados do PS, queria recordar-vos que os números anunciados na altura em relação ao défice do Estado eram, de facto, de 1,1%. Nessa altura, o então Deputado Paulo Portas dizia aqui numa intervenção: «cuidado, porque o défice do Estado pode ser o dobro ou pode ser o triplo». Sr. Ministro da Defesa, enganou-se, não era o triplo, era o quádruplo, porque, segundo os dados de que hoje dispomos, é de 3,9%. Nós não tínhamos os números mas, se nos enganámos e se errámos, foi por defeito - na altura, a situação económica era muito pior do que nós dissemos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Queria ainda recordar - e faço-o por uma razão que já explicarei - uma intervenção, proferida aquando desse debate, que vou referir textualmente, em que uma Deputada dizia: «os senhores não resolvam o problema do défice do Estado e vão ver qual é o resultado!». Quem o dizia era a agora Sr.ª Ministra das Finanças, então Deputada Manuela Ferreira Leite, hoje acusada, numa linguagem inaceitável, pelo líder parlamentar do PS, de enorme incompetência. O que é que mudou? O que mudou foi que esta Sr.ª Deputada - que, na bancada do PSD, foi a primeira a alertar com esta clareza para o problema - é hoje a Ministra das Finanças, está a resolver o problema do défice e tem integral confiança desta maioria.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A análise que os senhores faziam da situação económica faz-me lembrar, Srs. Deputados do PS e Sr. Primeiro-Ministro, uma história que costuma contar um amigo meu: é um bocado como quem olha para um cadáver que tem os pés num frigorífico e a cabeça num forno, e que, olhando para ele próprio, diz que está óptimo porque a temperatura média é de 37º.

Risos.

É mais ou menos esta a análise que o PS fazia desta mesma matéria.
Vou terminar, Sr. Primeiro-Ministro, deixando-lhe duas questões concretas. Peço-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, se pode adiantar algo mais em relação à reforma da legislação laboral, designadamente em matéria de negociação colectiva, em matéria de flexibilidade e de mobilidade.
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe se nos pode adiantar algo - porque menos burocracia também é base da confiança - em relação à privatização dos notários.
Trata-se de matérias fundamentais, matérias para levar a cabo, matérias para levar a cabo em quatro anos com total confiança e com total apoio da nossa parte.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, agradeço as suas palavras de apoio ao nosso Governo.
Queria referir uma questão que me parece importante: se não tivesse sido a intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, insinuando que a actual situação resultava de algumas declarações minhas, fugindo assim à responsabilidade própria do seu partido enquanto foi governo, eu não tinha trazido aqui mais questões em relação ao passado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Não tinha?! Por amor de Deus! Não seja cínico!

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O Orador: - Aliás, de uma forma geral, penso que hoje já estamos de acordo com o diagnóstico feito em relação ao passado. Aquilo que aqui trouxe hoje e aquilo em que eu gostava que nos concentrássemos é o que se refere ao futuro, às medidas que estamos a tomar em termos de correcção do desequilíbrio macroeconómico (tenho de o referir porque é inevitável referi-lo, Sr. Deputado), às medidas microeconómicas de apoio às nossas empresas, ao fomento da produtividade e das exportações, e também, obviamente, às reformas estruturais. É isso que estamos a fazer e é nessa linha que vamos.
E se, de vez em quando, temos de chamar a atenção para o passado, fazêmo-lo não por qualquer prazer especial que nos dê ver o PS em dificuldades, mas porque o povo português tem de entender a dimensão do desafio, e o desafio que temos pela frente é, de facto, um grande desafio. Por isso, é que hoje vos anunciei que queremos propor um acordo de concertação social, porque achamos que é possível, se houver cedências e compromissos do lado dos empresários, por um lado, e do lado dos trabalhadores, por outro, chegar a uma situação em que poderemos dizer que vamos suportar alguns esforços durante algum tempo mas que vai haver uma saída, porque eu acredito que vai haver uma saída.
E as medidas que agora anunciámos, nomeadamente a flexibilização da legislação laboral, têm apenas em vista colocar Portugal em situação idêntica à de outros países, como a Alemanha, que, hoje em dia, está a ser governado por um governo socialista e que tem uma legislação laboral bem mais flexível do que a nossa. A questão que se coloca é esta, Srs. Deputados: se não garantirmos condições de competitividade semelhantes às dos nossos parceiros europeus…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E as diferenças dos salários?

O Orador: - … temos não apenas muito investimento que poderá deixar de vir para Portugal como investimento que está aqui e que pode fugir. Esta é a verdade, e tem de ser dita! Tem de ser dita a verdade para o País entender a magnitude do desafio que tem pela frente!
Vem aí um alargamento da União Europeia que está a alterar radicalmente as condições da nossa competitividade, e é sobre estas questões que eu gostava que o País reflectisse e que esta Assembleia da República também falasse e não, como tem acontecido tantas vezes no debate político, sobre questões incidentais, que até podem ter a sua importância mas que é uma importância relativa. Bem sei que, do ponto de vista mediático, é mais fácil pegar neste ou naquele acontecimento, neste ou naquele epifenómeno, que é mais interessante, que dá para mais alguns calembours ou para mais alguns trocadilhos. Mas, do ponto de vista do País, como é que se resolvem os problemas?!
A verdade é que, até agora, Sr. Deputado, se já reparou, no fundo não houve ainda críticas sérias nem fundamentadas às propostas essenciais. Alguém está contra o princípio da convergência das pensões mínimas com o salário mínimo nacional?! Não!

O Sr. António Costa (PS): - Mas isso já está em vigor!

O Orador: - Então, vamos aprovar! Contamos com o vosso voto para apoiar a reforma que o governo apresentou nesta Assembleia da República!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Costa (PS): - Mas já está em vigor!

O Orador: - Alguém está contra a introdução de maior rigor, maior flexibilidade na gestão dos hospitais?! Alguém está contra pôr alguma ordem no desenvolvimento anárquico do nosso sistema de ensino superior e que se dê valor aos nossos diplomas, por forma a que os nossos jovens não sofram na concorrência internacional?! Alguém está contra uma política de imigração séria, responsável, uma política que seja firme no controlo mas acolhedora e generosa na integração?! Alguém está contra estabelecer parcerias público-privadas, por exemplo, para criar novos hospitais, assegurar o seu funcionamento e também (não o referi há pouco) não apenas com o sector privado mas com o sector social, com as Misericórdias, para criarmos hospitais e centros de saúde de cuidados continuados para os mais idosos ou doentes em situação terminal?! Eram estas as questões que eu gostava de ouvir e saber se a oposição está contra, se está a favor ou se se abstém. Mas o debate político tem sido dominado por questões incidentais e eu gostava que o debate político se centrasse naquilo que tem a ver com o futuro do País porque estou convicto - desculpem, Srs. Deputados, mas tenho a certeza - de que é este o caminho e de que os senhores se arrependerão se não estiverem connosco no caminho para desenvolver Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, afirmou que quando chegou ao Governo havia em Portugal um clima de pessimismo. Hoje o clima é de optimismo, de confiança, de felicidade… Aliás, os trabalhadores das OGMA, que estiveram agora à sua porta, traduziram isso mesmo: confiança, felicidade, estado de grande satisfação por terem os salários em atraso...

O Sr. Honório Novo (PCP): - Foi uma manifestação de apoio.

O Orador: - Aquando do debate sobre o orçamento rectificativo dissemos-lhe que a sua política ia levar à estagnação e, muito provavelmente, a uma recessão.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Hoje os dados estão aí: infelizmente, prossegue-se uma política de submissão ao Pacto de Estabilidade, da responsabilidade do PS e também do PSD, como é sabido.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - As declarações catastróficas que fez de que o País estava de tanga levaram a maior desconfiança, ao pessimismo, tudo isso para aplainar o caminho, para apertar o cinto aos mesmos de sempre, e hoje temos as dificuldades que temos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - O que é que nos diz o Banco de Portugal? Diz que podemos chegar ao fim do ano com um crescimento zero, que estamos em estagnação. Eu avanço mais: corremos o grande risco de entrar em recessão,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … com o cortejo das falências, do desemprego e da conflitualidade social, que são da responsabilidade do Governo.

Aplausos do PCP.

É uma evidência que o Governo não inverteu as tendências negativas que vinham do passado, estando hoje o País pior do que estava há três meses - veja todos os indicadores de confiança, todos, mesmo os que foram publicados hoje!
Também lhe digo, hoje, Sr. Primeiro-Ministro, que a quebra do crescimento vai reflectir-se nas receitas do Orçamento e que a política abrupta, cega da Dr.ª Manuela Ferreira Leite para cumprir o Pacto de Estabilidade vai criar mais dificuldades às empresas, às famílias e ao nosso país. Mas, mais: com o sobreendividamento, vamos correr o risco de muitos activos de empresas importantes caírem nas mãos do estrangeiro, de um dia para o outro, o que aliás está já a acontecer também com a política irresponsável e antinacional das privatizações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro gaba-se de ter feito muito, mas tem muita pressa e procurou fugir ao debate profundo na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas a pressa que teve foi para quê?!
Interessou-se em dinamizar o investimento produtivo? Interessou-se com as empresas que estão em deslocalização e em vias de encerramento? Interessou-se pelas dificuldades dos reformados, dos trabalhadores, sobretudo daqueles que têm salários mais magros e que estão a ser «comidos» pela inflação?
A pressa do Governo e a sua preocupação foi a de dar satisfação aos grandes interesses: a contra-reforma fiscal foi para dar satisfação aos banqueiros e aos especuladores; a contra-revolução da segurança social foi para dar satisfação às seguradoras privadas; e joga-se com a saúde dos portugueses para fazer negócio. É isto que está em causa, concretizando-se a política defendida no passado por um Deputado do PSD: «quem quer saúde que a pague!».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, a desvalorização da escola pública, o corte dos juros bonificados e o facto de se procurar levar à roleta da bolsa os milhões da segurança social fazem parte de uma política iníqua e injusta.
O que se passou com grandes empresas, como a NROM, a WorldCom, a Vivendi, bem como o que se está a passar com o afundamento da Bolsa portuguesa é um dedo acusador àqueles que querem colocar na roleta da Bolsa, trocando o certo pelo incerto, as poupanças dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, os grandes interesses têm no seu Governo um Governo aberto, por isso sabem que podem contar com V. Ex.ª e com os seus ministros para dobrarem a parada, para exigirem mais desregulamentação, mexida das leis laborais... Até as multinacionais alemãs tiveram a desfaçatez de, em público, fazer uma chantagem!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - É evidente que o Sr. Ministro da propaganda…, perdão, o Sr. Ministro da Segurança Social, que está ali sentado na bancada do Governo, disse logo, muito alto e bom som, que em Portugal quem manda são os portugueses. Mas o Conselho de Ministro reuniu-se e logo a seguir tivemos o anúncio de que o Governo ia, de uma forma célere, rever a lei laboral,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - E muito bem!

O Orador: - … não deixando pedra sobre pedra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o seu tempo esgotou-se, pelo que terá de concluir.

O Orador: - E, se bem o disse, melhor o fez!
Sr. Primeiro-Ministro, aconselho-o a olhar também para as empresas, para as OGMA, para a Vestis, para ex-Quimigal, para as indústrias cerâmica e têxtil e para os requerimentos que fizemos e que até agora não tiveram qualquer resposta.
O Sr. Primeiro-Ministro está muito contente, mas certamente que os profissionais da RTP, os reformados, os trabalhadores e muitos pequenos e médios empresários não seguem esse contentamento.
Pode dizer-se que três meses é pouco na vida de um governo e muito menos na vida de um país. Mas os golpes que já foram feitos aos interesses dos portugueses e aquilo que foi anunciado colocam na ordem do dia uma resistência para a qual convidamos todas as forças de esquerda. Connosco pode contar, essa resistência tê-la-á todos os dias!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, se os problemas dos trabalhadores portugueses, por exemplo os problemas dos trabalhadores das OGMA, se resolvessem com ideologia, V. Ex.ª já os teria resolvido com certeza há muito tempo!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Com o aumento dos salários!

O Orador: - No caso concreto das OGMA, a responsabilidade é do meu Governo?!

O Sr. Honório Novo (PCP): - Do meu é que não é!

O Orador: - É do meu Governo essa responsabilidade?!

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Passo a referir a verdade sobre a situação que herdámos do anterior governo: de 1996 a 2000, houve prejuízos nas OGMA de 6 milhões de contos; em 2001, houve prejuízos no valor de 8 milhões de contos; o endividamento de curto prazo foi de 9 milhões de contos; o passivo total das OGMA é de 32 milhões de contos; a percentagem dos salários em relação ao volume dos negócios já era de mais de 50% e, mesmo assim, o anterior governo achou por bem admitir mais 600 trabalhadores numa empresa que já tinha esta situação!
Pergunto: a responsabilidade é minha?! Estou disponível para assumir todas responsabilidades, mas penso que não é justo atribuírem-me uma responsabilidade como esta.
Digo-vos que estamos a tentar encontrar a solução, é para isso que estamos a trabalhar, e por isso mesmo foi desbloqueada uma verba que permite pagar os salários de Junho e um mês de férias. Estamos a trabalhar com a banca, estamos à procura de encontrar uma solução, porque verdadeiramente nos interessa o futuro dos trabalhadores. Mas não é com ideologia nem com declarações como as do Sr. Deputado Carlos Carvalhas que se resolve qualquer problema dos trabalhadores. Pelo contrário, são declarações como as suas que afastam o investimento em Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado critica o actual modelo de economia prevalecente no nosso país. Fala, aliás, de algumas crises no actual sistema capitalista. Mas esqueceu-se de referir a crise mais profunda que atingiu o ex-sistema comunista ou socialista…

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - Mas, qual é o seu modelo, Sr. Deputado? A questão é esta: qual é a alternativa? Qual é o seu modelo?
Em termos concretos, o que é que V. Ex.ª quer? Como é que V. Ex.ª gostava que fosse o nosso país? Com empresas privadas, ou não? Com concorrência, ou não?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Se me está a fazer uma pergunta, deixe-me responder-lhe!

O Orador: - É que a questão é extremamente séria, Sr. Deputado! Nós estamos, neste momento, com problemas de competitividade gravíssimos ao nível europeu. Se não garantirmos condições de competitividade à nossa economia não virá para Portugal investimento externo e muito investimento interno irá para fora do nosso país. Esta é que é a questão! Por isso, temos de enfrentar o problema. De nada serve falar contra as multinacionais alemãs. V. Ex.ª obriga, contra a sua vontade, uma multinacional a ficar em Portugal?! Como é que faz?! Como é que V. Ex.ª faz?! Ou V. Ex.ª propõe que Portugal saia da União Europeia?! Da zona euro?! Do sistema de economia de mercado?! Do sistema de livre concorrência?! Qual é o seu modelo?! Esta é a questão que temos que discutir com os portugueses, em particular com os trabalhadores, porque tenho a certeza de que ninguém mais do que os trabalhadores está interessado na concertação social.
Deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que não é fomentando a instabilidade social, não é procurando ganhar nas ruas com greves e com manifestações aquilo que não conseguiu ganhar através do voto democrático que se consegue dar credibilidade e confiança à economia e melhorar o futuro dos trabalhadores portugueses!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, escolheu entreter o debate com algumas banalidades sobre confiança, logo reforçadas por graças cadavéricas de uma das bancadas que o apoiam, anunciando algumas decisões requentadas e tentando polvilhar tudo isto com anúncios espampanantes. A verdade é que o País já conhece este Governo e ao fim de 100 dias bem sabemos que este Governo é ultraliberal em economia e ultraconservador em questões sociais.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Este Governo deixa uma mensagem ao País: esteja de «tanga» ou de «fraque», salve-se quem puder!
Fala-nos de credibilidade - é a palavra-chave -, diz-nos que o Governo é de decidir. Este Governo decidiu, mas fê-lo mal. Queria baixar os impostos, mas aumentou-os - decidiu mal; queria diminuir os benefícios fiscais injustificados, mas aumentou-os - decidiu mal; queria melhorar os serviços de saúde, mas temos as portas abertas para o Grupo Mello e outros interessados na privatização de 35 hospitais - decidiu mal! Este Governo, perante qualquer dificuldade, decidiu sempre mal.
Queixaram-se os produtores de vinho que os condutores se comportam mal porque bebem pouco e o Governo decidiu imediatamente, como se sabe!
Dizem-se, sempre com demagogia, contra os salários opulentos na RTP, mas, naturalmente, desde que não seja o de um Deputado do PSD!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Disse-nos o Sr. Primeiro-Ministro que agora não deixará descansar a Assembleia. Há-de nos explicar como é que as bancadas que o apoiam querem o fim-de-semana dos quatro dias!

Aplausos do BE.

Em tudo isto, sistematicamente, sempre, Sr. Primeiro-Ministro, o Governo decidiu mal!
O Governo tenta usar a política de assustar o País para assim governar. Diziam que iam pôr em causa 50 000 postos na função pública, depois eram 10 000..., não, afinal já diz que são 4600!.... Não se sabe! A Ministra das Finanças logo decidirá, escolhendo a próxima vítima.
Em todas estas matérias não podemos acusar o Governo de não ter decidido, acusamo-lo de ter decidido mal, de estar mal preparado, de não saber o que quer, de não saber o que faz e de não saber o que vem a seguir.
Sr. Primeiro-Ministro, não nos pode falar de credibilidade quando os seus ministros, um após outro, demostram uma total falta de preparação. O Sr. Ministro da Saúde vem ao Parlamento declarar-se aborrecido, enfastiado com aquele princípio de «a trabalho igual salário igual» - não leu a Constituição!

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Secretária de Estado da Educação diz que, porventura, enfim, Salazar não teria tido razão ao não consagrar um princípio de religião oficial de Estado - não leu a Constituição!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Essas é que são banalidades!

O Orador: - Cada linha que o Sr. Ministro Morais Sarmento escreve de uma proposta de lei viola a Constituição! E viola sistematicamente a Constituição, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Primeiro-Ministro dizia que não tínhamos razão, mas, como bem se viu, o Tribunal Constitucional e o Presidente deram-nos razão.
Digo-lhe a esse respeito, aliás, que se não for hoje que retira a pasta da RTP à tutela do Ministro Morais Sarmento será daqui a um mês. Algum dia terá que ser, porque terá que acabar a política incendiária em relação à RTP. É tempo de acabar essa política incendiária!
Mas este Governo não decidiu em relação ao que era importante decidir. Mudou muito, mas o que é que mudou de essencial? O que é que nos prepara para 2004? O que é que nos faz combater o endividamento? O que é que nos faz combater a desqualificação? O que é que nos faz combater a falta de produtividade, a falta de emprego, a precariedade do trabalho? Aí, o Governo não tem medidas!
Bem nos pode dizer que este é o caminho, mas sobre isso, Sr. Primeiro-Ministro, o que lhe quero dizer é que, na nossa opinião, um bom governo é aquele que toma quatro decisões: uma reforma fiscal que permita recolher pelo menos 1000 milhões de contos do que é roubado todos os anos; uma política de criação de emprego para 1 milhão de trabalhadores e de trabalhadoras em situação precária, que estão a recibo verde e que não têm garantias em Portugal; uma política de desenvolvimento dos serviços públicos que qualifique os mais de 300 centros de saúde como a primeira prioridade na garantia da qualidade da prestação dos serviços; por último, mais Europa, melhor Europa, mais coordenada, mais democrática e mais capaz de respeitar os princípios essenciais do desenvolvimento de cada país e do conjunto que somos.
É nestas quatro matérias - emprego, serviços públicos, reforma fiscal e Europa - que se tem de constituir um bom governo. E o seu, que é o pior dos governos que esta Assembleia da República tem vindo a discutir e a analisar ao longo dos últimos muitos anos, não tem respostas em nenhuma destas matérias. Agrava os problemas, esconde-os, oculta-os, pensa que o tempo passa e entretém-nos, mas 2004 está à nossa frente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Terá de concluir.

O Orador: - Para isso, é preciso uma decisão de um governo que governe, de uma maioria que tenha escolhas e de uma estratégia que seja vencedora. E essa será também a nossa intervenção, Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, trazia o número já preparado. Na realidade, não se colocam verdadeiras questões nem interpelações à nossa política.
Só queria dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado: não seja tão categórico, tão definitivo! Eu também era assim quando era novo!

Risos.

Não seja! Não seja!
V. Ex.ª faz juízos definitivos, categóricos, de que este é o pior Governo, que o Governo não está preparado… Bom, o País ficaria tranquilo se fosse o Sr. Deputado Francisco Louçã a governar e a tomar conta das finanças públicas e dos nossos impostos?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não me compare consigo!

O Orador: - Sr. Deputado, tenho uma certa simpatia por si. Identifico-me! É uma imagem da minha juventude!

Risos.

Mas não deve ser assim tão categórico e tão definitivo!
De resto, o que nos afasta, do ponto de vista das ideias, fica demonstrado quando V. Ex.ª nos critica. Cada crítica que faz, por mais dura e severa que seja, é a confirmação de que, provavelmente, estamos no caminho certo, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É verdade!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Que belo argumento!

O Orador: - Eu não espero o apoio do vosso respeitável grupo parlamentar. Aliás, devo dizer que até acharia estranho se o vosso grupo parlamentar apoiasse a nossa orientação em matéria de política económica, em matéria de política fiscal, em matéria de política europeia, em matéria de sinais de estímulo e de crescimento para a nossa economia. Só que nós não somos tão categóricos e tão definitivos e tão arrogantes no julgamento das pessoas!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Não são arrogantes?!

O Orador: - Nós não dizemos, como VV. Ex.as às vezes dizem, e como disse há pouco o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que estamos ao serviço de interesses. Mas desculpo-vos isso!

Vozes do PCP: - Ah!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Não tem poder para nos desculpar!

O Orador: - Desculpo, porque os senhores estão cegos pela vossa posição ideológica. Mas só por isso é que posso desculpar uma acusação que não é séria e que, caso VV. Ex.as quisessem, de facto, significar isso, atingiria a honra das pessoas que fazem parte deste Governo, que têm

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uma ideologia própria, ideias e valores próprios, mas, apenas, ao serviço de Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, em primeiro lugar, deixo uma palavra de solidariedade de Os Verdes para com os trabalhadores das OGMA, que hoje estiveram concentrados na exigência do pagamento dos seus salários em atraso e na defesa do seu trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Uma palavra de solidariedade para todos os que neste País lutam pelos seus direitos e pela garantia de direitos das gerações futuras. É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que nos preocupa muito que V. Ex.ª caracterize estas acções como formas de fomentar a instabilidade social. Na nossa perspectiva, vai pelo mau caminho!
Sr. Primeiro-Ministro, desde a situação dos trabalhadores das OGMA e da situação de muitos outros trabalhadores de outras empresas do País até à situação em que se encontra, neste momento, por exemplo, o rio Arunca, vítima de uma descarga de efluentes tóxicos..., assim vai o estado da Nação! Vai mal! Vai muito mal, Sr. Primeiro-Ministro!
O Governo, como já hoje ouvimos, repetidamente, nesta Casa, tem insistido regularmente na ideia de que em três meses fez mais do que outros governos em três anos. O que não percebo é, se se reclama como um Governo de acção, afinal do que está à espera para tomar medidas em relação a algumas situações gravíssimas, que põem em causa a segurança das pessoas e constituem verdadeiros crimes e atentados à saúde pública. Pergunto: porque será que sobre essas matérias o Governo anda calado?
Dou um primeiro exemplo, que tem a ver com a extracção de areias em meio hídrico. Em relação às inúmeras iniciativas que Os Verdes lançaram na Legislatura passada, o então porta-voz do ambiente do PSD e actual Secretário de Estado do Ambiente subscrevia todas as nossas preocupações, que exigiam acção pronta, que exigiam acção imediata! Mas agora calam-se, não apresentam soluções para a regulação de uma actividade que funciona exclusivamente no interesse dos areeiros e que tem delapidado os nossos rios, as suas margens e que tem posto em risco estruturas que sobre elas assentam.
Todos nos lembramos, Sr. Primeiro-Ministro, das consequências da extracção de inertes no drama de Entre-os-Rios. Por isso, pergunto: de que é que o Governo está à espera para pôr cobro a esta fúria e a esta ânsia de extracção de areia em meio hídrico? De que estão à espera para impedir este crime, que não tem outro nome? De que estão à espera para regularizar esta actividade? Este absurdo, Sr. Primeiro-Ministro, não se compadece com mais demoras!
O segundo exemplo que quero dar constitui um atentado à saúde pública, que está a tomar proporções verdadeiramente preocupantes. Refiro-me às toneladas de farinha de aves e bovinos que estão armazenadas e depositadas em condições profundamente inadequadas por esse País fora, algumas em grave estado de contaminação e de putrefacção, constituindo já verdadeiros riscos de contaminação dos nossos solos. Continuamos, Sr. Primeiro-Ministro, à espera de uma solução!
Durante a presente Legislatura, já tive a possibilidade de, em sede de Comissão, questionar quer o Sr. Ministro da Agricultura quer o Sr. Ministro do Ambiente sobre esta matéria. A resposta que tive foi «zero» em termos de acção e de medidas a tomar pelo Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por conseguinte, Sr. Primeiro-Ministro, quero deixar-lhe esta preocupação: os armazéns estão a esgotar a sua capacidade, uma vez que são depositadas cerca de 200 toneladas dessas farinhas por dia em aterros de resíduos sólidos urbanos. A verdade é que todos consideram que esta é uma solução profundamente inadequada. Sr. Primeiro-Ministro, de que é que estão à espera para que sejam tomadas medidas relativamente a esta questão?
Sr. Primeiro-Ministro, a inacção do Governo em relação às matérias que acabo de referir permite o agravamento destas situações, tornando as suas proporções e consequências ainda mais dramáticas. Este Governo, ao fim de três meses, incompreensivelmente, nada fez! Mas tem que responder a estas questões, por estes atentados. É precisamente isso que gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro fizesse de seguida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que esperava uma palavra de congratulação pelo facto de o Governo, em menos de três meses, ter feito aquilo que o governo anterior não fez nos últimos anos.

O Sr. José Magalhães (PS): - É o vosso mantra!

O Orador: - O Governo apresentou a estratégia nacional do desenvolvimento sustentável, para discussão nacional e debate público, sobre a qual seria útil conhecer o pensamento da Assembleia e do País.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - A verdade é que tivemos de dedicarmo-nos a esse objectivo num prazo extremamente curto. Até porque, como sabe, tivemos de dar o nosso contributo para a estratégia europeia, que será defendida na Cimeira de Joanesburgo.
Quanto aos problemas concretos que a Sr.ª Deputada colocou, e que são problemas reais, devo dizer-lhe que estão, todos eles, a ser enfrentados, nomeadamente o problema das farinhas contaminadas e tudo aquilo que representa de perigo para a saúde pública, estando a ser preparada uma decisão sobre o problema da extracção de inertes, que preocupava (e preocupa ainda) o Deputado do PSD que se dedicava a essa matéria e que actualmente ocupa o cargo de Secretário de Estado do Ambiente, e ainda o que a Sr. Deputada referiu em relação aos resíduos sólidos urbanos.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, como V. Ex.ª deve compreender, o Governo assumiu funções há três meses pelo que tem de preparar as decisões com alguma cautela e com alguma ponderação. Esse é o sentido da nossa acção!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - A situação não se compadece com mais demoras, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - V. Ex.ª, estou certo, não ficará desiludida com os resultados que o Governo irá mostrar em termos de política de ambiente!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É preciso é saber quando!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
Assinalo que, nesta segunda volta de questões, cada orador dispõe apenas de 3 minutos.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, nada minou mais a confiança dos portugueses na sua economia e nas suas instituições políticas do que a fraude eleitoral cometida pelo seu Governo!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nada alterou mais a relação de confiança do que um governo que prometeu baixar os impostos e os aumentou!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Isso contribuiu para deprimir o País, para afastar os portugueses da sua relação de confiança e de optimismo de um Governo que entrava em funções e foi fatídico para atingir os indicadores de confiança nos seus corações.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas não apenas isso! Nada afectou mais a confiança dos portugueses do que o discurso negativista, pessimista e deprimente feito pelo Sr. Primeiro-Ministro quando apresentou, aqui, o Programa do Governo.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se calhar deviam ter dito que estava tudo bem!…

O Orador: - Foram estes os dois erros capitais cometidos pelo seu Governo, Sr. Primeiro-Ministro.
Neste debate do estado da Nação não pode escapar aquilo que é essencial: uma avaliação política destes três meses do seu Governo.
Os dois erros capitais que referi contribuíram para que as previsões do Banco de Portugal fossem previsões negras, que apontam para uma estagnação económica como há muito tempo não se via!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, a Sr.ª Ministra das Finanças, que está sentada ao seu lado, previu um cenário macroeconómico que nos apresentou aqui aquando do Orçamento rectificativo. Dizia a Sr.ª Ministra das Finanças que Portugal ia crescer este ano de 1% a 1,5%. O Banco de Portugal vem dizer que só vamos crescer entre 0% e 1%!
No que diz respeito ao investimento, a Sr.ª Ministra das Finanças disse que ía ser de -3% a 1,5%. O Banco de Portugal diz que, afinal, o investimento se vai comportar com uma taxa de evolução de -5% a -3%!

O Sr. António Costa (PS): - Exactamente!

O Orador: - A Sr.ª Ministra das Finanças disse que a inflação ia situar-se entre 3,2% e 3,6%. O Banco de Portugal vem dizer que a inflação vai ficar entre 3,5% e 4,5%!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - E as vossas previsões?

O Orador: - Os senhores não acertam uma!

Aplausos do PS.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Olha quem fala!

O Orador: - Para quem passou a vida a dizer o que os senhores disseram, para quem tantas vezes chamou a atenção dos anteriores governos para o rigor das previsões, o que se pedia era que não falhassem logo à primeira! E se a Sr.ª Ministra das Finanças chamava incompetentes aos outros porque as suas previsões não eram correctas, o que é que achará das suas próprias previsões?
Sr. Primeiro-Ministro, a definição de um quadro macroeconómico no Orçamento rectificativo que aqui foi apresentado, tão desfasado da previsões do Banco de Portugal, é contra a credibilidade da economia e afecta a confiança dos portugueses na condução da política macroeconómica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir!

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
A verdade é que nada foi mais devastador para a confiança dos portugueses do que a acção deste Governo.
De facto, Sr. Primeiro-Ministro, pode gabar-se de ter feito mais em três meses do que nós fizemos em três anos, mas está com certeza a referir-se a asneiras, porque nunca o anterior governo fez asneiras como os senhores têm feito, pondo o País à beira da uma estagnação e de uma recessão económica.
O que os senhores não podem evitar é o tom categórico com que os portugueses fazem o balanço destes três meses.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir. O seu tempo está esgotado.

O Orador: - O que aconteceu é que estes três meses foram um desastre total e os portugueses têm bem consciência

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disso! Estes três meses de governo foram um falhanço rotundo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, V. Ex.ª parece estar a querer ganhar a «camisola amarela» na volta política à demagogia e à falta de honestidade intelectual.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O seu discurso, Sr. Deputado, é marcado apenas pelo ressentimento e pelo mau perder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há da sua parte qualquer esforço, por mínimo que seja, de objectividade, de racionalidade e de atenção aos dados, à memória e aos factos. V. Ex.ª começa por dizer que a responsabilidade da actual situação é minha, por causa dos meus discursos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - É verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, se a questão fosse os discursos, VV. Ex.as ainda estavam no poder! Se a questão fosse os discursos, VV. Ex.as ainda não tinham saído do Governo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, se a situação estava boa, por que razão é que se foram embora? Se a situação era assim tão excelente, por que razão é que o ex-primeiro-ministro fugiu e não cumpriu a legislatura até ao fim?!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

V. Ex.ª apresenta os dados do Banco de Portugal e diz: «Mas que escândalo! Há uma contradição entre os dados do Banco de Portugal…» - previsões, refiro - «… e aquilo que está no Orçamento rectificativo».

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois claro!

O Orador: - Sr. Deputado, então muito maior contradição há entre esses dados e aquilo que estava no Orçamento do Estado que VV. Ex.as fizeram! Porque, então, sim, o Orçamento do Estado para 2002 seria completamente surrealista, completamente fora da realidade! E V. Ex.ª não diz isto?! V. Ex.ª não reconhece isto?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Esse argumento é suicida!

O Orador: - Sr. Deputado, uma coisa é a luta política, a natural divergência, mas tem de haver um mínimo de racionalidade no debate, um mínimo de honestidade intelectual, porque, senão, perde-se completamente o sentido do equilíbrio e da proporção!
É por isso que vejo constantemente o seu discurso como um discurso marcado pelo ressentimento e, se calhar, pela ambição, que é legítima, mas digo-lhe, Sr. Deputado, que não é assim que constrói a sua própria credibilidade.
A verdade é que temos hoje uma situação difícil, que não queremos escamotear. O problema da confiança começou bem antes.
E, já agora, lembro-lhe também, por uma questão de rigor, o que disse o ex-primeiro-ministro, o ex-líder do seu partido, no debate sobre o estado da Nação há um ano, em Junho de 2001, porque, honra lhe seja, apesar de tudo era intelectualmente mais honesto do que alguns Srs. Deputados: «Reconheço que há portugueses, como trabalhadores, como consumidores, como empresários, com uma quebra de confiança em relação ao que acontecia há tempos atrás». E continuava o Eng.º Guterres: «Quebra de confiança que não tem muitas vezes nada a ver com a situação em concreto de cada um». A verdade é que ele já reconhecia, há um ano atrás, em Junho de 2001, que estávamos numa trajectória de quebra de confiança. Isto são dados indesmentíveis e factuais!

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, por maior que seja a divergência política, tem de haver um mínimo de seriedade e de honestidade intelectual quando se debate para se poder debater com um espírito construtivo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, qual é o motivo do agravo?

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro referiu-se à falta de honestidade com que nos portámos no anterior governo e insistiu neste facto,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… por isso peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para me conceder a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Dispõe, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, içar a voz crispado e zangado é próprio de quem não tem razão e, pior, de quem está a perder o debate.

Aplausos do PS.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Primeiro-Ministro não gostou de ouvir, pois não?!

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Mas sabe, Sr. Primeiro-Ministro, quanto a honestidade, entre mim e si há uma diferença, é que eu nunca prometi em campanha eleitoral uma coisa e, depois de estar em funções executivas, fiz outra. Isso eu nunca fiz!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não pode dizer o mesmo. Ter honestidade política é sermos fiéis à nossa palavra. O Sr. Primeiro-Ministro, infelizmente, em matéria dos impostos, não pode dizer isso. E, quanto à honestidade, estamos conversados.

Aplausos do PS.

O Sr. Primeiro-Ministro não pode iludir as consequências para a economia que o discurso político tem. Um Primeiro-Ministro tem de medir as suas palavras e os senhores, todos os membros do Governo, não tiveram consciência dos efeitos negativos, dos efeitos deprimentes do discurso político negativista. E isso é da vossa inteira responsabilidade! E basta olhar para os indicadores de confiança, num momento, aliás, em que eles subiam na Europa e desciam em Portugal.

O Sr. António Costa (PS): - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro não gostou que eu lhe referisse a discrepância entre as previsões do Banco de Portugal e as previsões da Sr.ª Ministra das Finanças?! Mas porquê, se os senhores sempre criticaram essa divergência?! Aliás, recordo-me de uma frase sua, Sr. Primeiro-Ministro, proferida aqui na Assembleia: «Não façam mais previsões, fiquem-se com as previsões do Banco de Portugal!»

Aplausos do PS.

Ora, aqui está um bom conselho que o Sr. Primeiro-Ministro podia seguir.
E a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, que, aliás, está ali tão caladinha, porque é que não se explica?! Porque é que não explica esta enorme divergência?

Protestos do PSD.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Expliquem vocês!

O Orador: - Agora já não acha que há incompetência, Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças?!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PSD, agradeço que deixem o orador falar.

O Orador: - Ou acha que é mais difícil fazer previsões?! É que não existe qualquer razão para a divergência, porque a informação de que o Governo dispunha era a mesma do Banco de Portugal. Poderíamos aceitar se, entretanto, a situação tivesse evoluído e o Banco de Portugal tivesse mais informação do que o Governo, mas tal não aconteceu. A informação é exactamente a mesma, são dados de Maio, que estavam já na posse do Governo.
Esta discrepância de previsões afecta ainda mais e mina a confiança dos agentes económicos. Esta é uma questão política relevante. E necessário dizer-lhe isto, Sr. Primeiro-Ministro, para que V. Ex.ª perceba que os senhores são responsáveis pelo afundamento dos indicadores de confiança, e essa é uma das razões que explicam a actual situação de estagnação económica.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não fuja a essa responsabilidade, Sr. Primeiro-Ministro, porque isso é feio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, dispondo, para o efeito, também de 3 minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, compreendo que V. Ex.ª queira falar bem alto, por razões que têm a ver com o seu próprio partido, mas deixe-me dizer-lhe o seguinte: quando chegámos ao Governo, não sabíamos que o défice deste ano, do ano de 2002, seria, se nada fizéssemos em contrário, cerca de 4,5%. Confesso que, de facto, não o antecipávamos; não o prevíamos, nem nós, nem o Banco de Portugal! E VV. Ex.as também nunca disseram que era dessa ordem a pesada herança que deixavam ao novo governo. Esta é a única razão pela qual tivemos de rever determinadas opções. Esta é a verdadeira razão.
Mas, o que mais me surpreende no seu discurso, Sr. Deputado, é que V. Ex.ª tem a desfaçatez e a falta de pudor de estar a querer dar lições de economia e de finanças à Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,…

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - E as suas previsões!?

O Orador: - … quando VV. Ex.as são responsáveis por um défice que é cerca de quatro vezes superior àquele que tinham apresentado.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Como é possível os senhores quererem apagar completamente o passado tão recente?! Não estamos a falar de algo que se passou há 20, 10 ou 5 anos, estamos a falar de algo que ocorreu há alguns meses atrás, de algo que os senhores apresentaram não como previsão mas como objectivo, como Orçamento, de um défice do Estado de 1,1%, e, neste momento, estamos em risco…

O Sr. José Sócrates (PS): - De descer menos que a União Europeia!

O Orador: - … de ter um défice que é quatro vezes superior e que nos envergonha perante a Europa e perante nós próprios. A questão é esta, Sr. Deputado!
Depois, V. Ex.ª diz: «É o seu discurso…!». Extraordinária visão a sua! Então, o problema está no discurso de quem denuncia a situação ou de quem criou a situação? E quem criou a situação foi o governo irresponsável de que V. Ex.ª fez parte, e, por isso, também tem culpa na situação pesada que este Governo herdou.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É por isso, Sr. Deputado, que aquilo que me indigna é, de facto, a falta de honestidade intelectual e política…

Vozes do PS: - Na resposta está a repetir a ofensa!

O Orador: - … que V. Ex.ª demonstra em quase todas as suas intervenções.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é com algum espanto que hoje, na primeira vez que me dirijo a esta Câmara, assisto a um debate sobre o estado da Nação cujo centro tem sido localizado nas questões económicas e financeiras do País e vejo sentados tranquilamente na bancada do Partido Socialista os dois dirigentes que, nos últimos anos, tiveram a responsabilidade das contas públicas em Portugal, designadamente os Srs. Deputados Joaquim Pina Moura e Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Esses estão calados!

O Orador: - E espanta-me que tenha de ser o Sr. Deputado José Sócrates, que teve a responsabilidade do pelouro do ambiente no governo que cessou funções há três meses - não há três anos mas, sim, há três meses -, a vir pedir explicações à Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças sobre a situação financeira do País.
De facto, estamos perante uma situação, nunca vista,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Bizarra!

O Orador: - … de rever e de branquear a história e de afastamento, de que não há memória na vida política portuguesa, por parte de um grupo parlamentar e de um grupo de ex-governantes, da sua responsabilidade política relativamente ao estado do País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É com manifesta apreensão, Sr. Primeiro-Ministro, que ontem assisti a uma conferência de imprensa do Partido Socialista, que introduziu uma inovação na vida política portuguesa, a de pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação…

O Sr. José Magalhães (PS): - E muito bem!

O Orador: - … por ele fazer, por ele mandar executar e por ele dizer que é para realizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma fraude!

O Orador: - Aliás, sobre esta matéria, permita-me, Sr. Primeiro-Ministro, que marque a diferença relativamente ao passado, é que o senhor não anunciou obras só para uma região do País, o senhor anunciou um pacote de obras para todo o País, com sentido de equilíbrio e de coesão nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Lamento que hoje, nesta Câmara, tenha ouvido falar no debate de urgência acerca da lei de eficácia fiscal. Pergunto: onde estava o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues nos últimos seis anos? Onde estavam os senhores Deputados do Partido Socialista nos últimos seis anos para não terem tido a oportunidade de, nesta Câmara, apresentar as propostas políticas que agora, com urgência, querem debater?

Vozes do PS: - Faça as perguntas ao Primeiro-Ministro!

O Orador: - E pergunto ainda: onde estava o Partido Socialista, Sr. Primeiro-Ministro, e onde estavam os responsáveis máximos do Partido Socialista enquanto a televisão pública se afundava e eles nada faziam para resolver a situação?
Estas são as questões que o povo português quer ver respondidas antes de nós, PSD, começarmos a prestar contas daquilo que é a nossa acção política.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, seria importante que, hoje e aqui, o Partido Socialista, no primeiro debate sobre o estado da Nação após a sua saída do governo, viesse explicar a esta Câmara como deixou o País, para que, depois, todos nós pudéssemos entender aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro, com grande clareza, aqui nos disse, ou seja, o que estamos a fazer, nestes três meses, para tirar o País do «buraco» em que o PS o deixou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-Ministro anunciou a criação da agência portuguesa de investimento, mas esta mensagem não passou, porque, nessa altura, mais uma vez, a bancada da oposição criou um facto político para impedir que ela passasse. Por isso, pergunto-lhe, muito concretamente, em que consiste a agência portuguesa de investimento e porquê a sua localização no norte do País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Primeiro-Ministro informou a Mesa que responderá a bloco de 3 pedidos de esclarecimentos,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!… Agora, respondem em bloco!

O Sr. Presidente: - … porque tem de gerir o tempo atribuído ao Governo, que já é escasso.
Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É sabido como a minha bancada combateu a regionalização. Também é sabido, como, em referendo, vencemos, nomeadamente ao Partido Socialista, esta batalha.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Venceram o quê?!

O Orador: - Mas combatemos a regionalização no pressuposto de que, na sequência da vitória, se seguiria o necessário processo de descentralização.
O Partido Socialista, derrotado, aceitou a derrota, como lhe competia, de resto, e prometeu, desde logo, essa descentralização. Só que a verdade é que, à imagem do que sempre faz, nunca a cumpriu, nunca a promoveu, nem no primeiro mandato do Engenheiro António Guterres, após o referendo da regionalização, nem no segundo mandato do Engenheiro António Guterres, apesar de, com grande pompa e circunstância, a anunciarem no respectivo programa eleitoral, de que, certamente, estarão lembrados, porque faziam parte da equipa.

Protestos do PS.

Pois bem, Sr. Primeiro-Ministro, também no Governo a que V. Ex.ª preside, melhor - é certo! - do que o do Engenheiro António Guterres, prometeu cumprir a descentralização política, administrativa e financeira. Também isto consta do Programa do XV Governo Constitucional.
Deste mesmo Programa consta igualmente uma série de medidas essenciais que passam pela transferência de novas atribuições e competências às autarquias locais, pelo reforço das competências das associações de municípios,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … por várias medidas no domínio do abastecimento público, no plano do ordenamento do território e mesmo de criação de novas áreas metropolitanas, de que, de resto, V. Ex.ª levantou, hoje e aqui, o véu.
Na verdade, hoje, V. Ex.ª confirmou a intenção descentralizadora deste Governo, com a apresentação de medidas concretas - medidas que, naturalmente, por as desejarmos e por as termos prometido, saudamos!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E saudamos, porque é nos respectivos municípios que melhor se conhecem os problemas das populações!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É nos respectivos municípios que se resolvem os problemas das populações!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É nos respectivos municípios que melhor se prestam contas, caso sejam ou não resolvidos os problemas dessas mesmas populações!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - É isso mesmo!

O Orador: - Em todo o caso, Sr. Primeiro-Ministro - e com isto termino -, importa esclarecer alguns aspectos que nos parecem particularmente importantes.
Desde logo, no tempo, porque de tempo se trata: para quando podemos esperar, em concreto, as medidas que V. Ex.ª, hoje, aqui anunciou e, porventura, outras?
Outro aspecto importante é o de saber se o Governo estará a ponderar…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, se me conceder mais alguns segundos, vou terminar.
Sr. Primeiro-Ministro, está a ser ponderada a necessidade de se transferirem para as autarquias não apenas mais competências, que, de resto, de certo modo são desejadas, mas também meios, ou seja, competências políticas e administrativas e também competências financeiras.
Finalmente, pergunto se este processo descentralizador implicará em algum momento um aumento da despesa global, ou se, pelo contrário, implicará, como é desejável, uma maior racionalização dessa mesma despesa. Numa palavra, Sr. Primeiro-Ministro: podemos contar com a verdadeira descentralização política, administrativa e financeira?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o Governo decidiu, como uma das suas primeiras orientações, decretar a instabilidade dos trabalhadores e das suas famílias nas suas vidas. E fê-lo em concreto, em primeiro lugar, em relação aos trabalhadores da Administração Pública, anunciando dezenas de milhares de despedimentos, pela não renovação de contratos, criando um quadro de supranumerários, de excedentários, em que quer colocar muitos milhares de trabalhadores da Administração Pública, ameaçando com a licença forçada, sem vencimento, para os trabalhadores que não queiram cumprir determinados ditames, e dizendo até que, se ao fim de 90 dias não houver colocação dos que estão neste quadro de supranumerários, imediatamente se lhes reduzirá o seu vencimento em um sexto.
O Governo decretou, com isto, a instabilidade da vida destes trabalhadores e, com esta matéria, faz um dos mais poderosos ataques à vida dos trabalhadores da Administração Pública, aos seus direitos, com consequências graves para a sua vida e para os próprios serviços públicos,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … que, em tantos casos, deles precisam, como se está a verificar em muitos pontos da Administração Pública.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - Mas não só! O Governo quer generalizar esta instabilidade a todos os trabalhadores do sector privado, para além dos baixos salários, em contraste com o aumento do custo de vida, para além das reformas degradadas, designadamente, na função pública. O Governo

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quer alargar a precariedade no sector privado, quer, dizendo que não há liberalização dos despedimentos, fazer tudo o resto: alterar os horários, o trabalho a tempo parcial, os vínculos, precarizando-os, dando, desta forma, resposta a todas as reivindicações do patronato, seja ele português ou de qualquer outra nacionalidade. O que o Governo propõe é mais instabilidade, e decreta-a!
O Sr. Primeiro-Ministro invoca a necessidade de mais competitividade para justificar estas medidas. Mas é ou não verdade que, durante décadas, temos tido este modelo de baixos salários, a exploração da mão-de-obra e que este modelo é um incentivo à não modernização das empresas, à não inovação tecnológica, e que a manutenção deste modelo não tirará o País deste atraso no desenvolvimento. Aliás, bem poderíamos diminuir mais os salários, por essa ordem de ideias! Até poderíamos criar um salário máximo nacional, para que não houvesse falta de competitividade nessa matéria, porque o que estaríamos a fazer seria a criar uma miséria competitiva dos trabalhadores, que é aquilo para que o seu Governo quer empurrar a sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - De resto, Sr. Primeiro-Ministro, se fala das multinacionais, lembre-se de que, quando era Deputado do PSD, aprovou, nesta Assembleia, um projecto de resolução, da nossa iniciativa,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - … que previa medidas de controlo para aquilo que as multinacionais fazem quando se deslocalizam do nosso País,…

Vozes do PCP: - Já se esqueceu?!

O Orador: - … que permitia e propunha o controlo dos dinheiros públicos que lhes são dados, que permitia e propunha multas quando as contratualizações por eles assumidas não fossem cumpridas…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se, tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Por tudo isto, Sr. Primeiro-Ministro, esta situação não pode passar em claro. E digo-lhe, não em tom intimista, como aquele com que o Sr. Primeiro-Ministro nos brindou, nem sou capaz de preparar o espontâneo encostar de cotovelo à tribuna, mas com frontalidade, que se o Sr. Primeiro-Ministro diz que «temos de saber de onde vimos para saber para onde vamos», nós dizemos que sabemos de onde o Governo vem e sabemos para onde vai, e que o País não pode ir por aí!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos que lhe foram formulados pelos Srs. Deputados Marco António Costa, Nuno Teixeira de Melo e Bernardino Soares, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António Costa, agradeço as suas palavras e aproveito para dizer que essa agência portuguesa para o investimento, que estamos a preparar, é um dos instrumentos com o qual mais contamos para fomentar o investimento, quer externo, quer interno. Neste momento, estamos a preparar os estatutos, em moldes inovadores.
Pensamos que é, exactamente, no fomento do investimento e das exportações que está a chave para encontrar um novo modelo de desenvolvimento, para evitar o tal modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e na não qualificação da nossa produção. E estamos a preparar com cuidado, com extremo rigor essa agência portuguesa para o investimento, reestruturando toda a nossa diplomacia económica e procurando também unir essa agência portuguesa de investimento à acção que actualmente é desenvolvida pelo ICEP, procurando ligar a acção interna à acção também que é desenvolvida através dos nossos postos e missões no estrangeiro para a promoção da imagem de Portugal e a captação de investimento estrangeiro.
A razão pela qual decidimos que a sede dessa agência fosse no Porto tem a ver com a minha convicção de que o País não é só Lisboa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não estamos neste momento em fase de criar muitos institutos ou agências, pelo contrário.

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - De qualquer forma, já dei indicações no sentido de aqueles institutos que forem criados, como este, através da reestruturação de outros já existentes, serem sediados fora de Lisboa. E penso que aqui também há uma homenagem ao Porto, às gentes do norte, à iniciativa empresarial, ao trabalho, quando decidimos - e bem! - sediar a agência portuguesa para o investimento naquela que é uma das cidades mais dinâmicas do País, porque acredito e entendo que Portugal, enquanto estiver sacrificado à macrocefalia de Lisboa, não será um País plenamente desenvolvido, como queremos que ele seja!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, agradeço-lhe as questões que colocou e devo dizer-lhe que acredito na descentralização.
É curioso que o anterior governo falava tanto na própria regionalização, mas, uma vez «chumbada» essa regionalização, pela vontade dos portugueses, não apresentou qualquer projecto de verdadeira descentralização ou desconcentração, pelo contrário. Lembram-se da ideia? A memória, de facto, é curta, mas não pode ser tão curta assim! A ideia foi a de criar os tais comissários regionais, directamente dependentes do Primeiro-Ministro.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Exacto!

O Orador: - A nossa proposta é exactamente a contrária: que os responsáveis das comissões de coordenação regional sejam eleitos pelos presidentes de câmara.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Exacto!

Risos do PS.

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Nós acreditamos na liberdade, na iniciativa e num poder mais plural.

Aplausos do PSD e do CDS-PP:

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, fui informado de que dispunha de 5 minutos, para poder responder aos três pedidos de esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Primeiro-Ministro. Peço desculpa.
Faça favor de prosseguir.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Em relação à descentralização, com certeza que aquilo que aqui vos anunciei em linhas gerais, e que vai ser concretizado em termos de diplomas, aprovados em Conselho de Ministros, ainda durante este mês, fica sujeito à cooperação, pelo menos em grande parte, naquilo que diz respeito às autarquias, da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Este é um desafio que também lançamos ao poder local, que queremos com mais competências, mas com os recursos financeiros, com a «mochila» financeira…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … para levar a cabo essas competências. Estou seguro de que, se for esta a vontade das autarquias portuguesas, faremos, ao longo desta Legislatura, uma «revolução silenciosa», que vai alterar muito sensivelmente as questões da relação entre poder central e poder local, no nosso País.
Sr. Deputado Bernardino Soares, se, por falta de competitividade da nossa economia, houver trabalhadores no desemprego, a quem eles irão pedir contas não é ao senhor mas a mim!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso é que vou tomar todas as medidas, como Chefe do Governo, para garantir a Portugal melhores condições de competitividade. Se seguisse a sua via, aumentaria drasticamente o desemprego; se eu procurasse promover a rigidez da legislação do trabalho, então aumentaria drasticamente o desemprego, afastaríamos todos os investidores privados.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A nossa discordância, neste ponto, é total e absoluta. Não há qualquer hipótese de concordarmos nessa via!

Protestos do PCP.

Não há emprego sem empresas! Não há futuro para os trabalhadores sem empresas saudáveis! E VV. Ex.as ainda continuam a pensar em termos do modelo clássico, do conflito de classes na empresa, entre patrões e empregados,…

Protestos do Deputado do PCP Jerónimo de Sousa.

… quando aquilo que nos interessa, a todos nós, é que haja de facto uma cooperação entre empregadores e trabalhadores,…

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … porque só assim é que teremos empresas saudáveis e só assim é que poderemos garantir melhores condições aos trabalhadores portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vai perder! Vai perder a maioria, como Cavaco Silva e outros perderam! Já tiveram maiores maiorias e perderam!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda, que dispõe, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, reparei na forma como se dirigiu às várias bancadas da oposição: umas vezes, com ameaças veladas;…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - … outras vezes, com sobranceria;…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… outras, ainda, com uma pseudocondescendência.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Vi, até, como, a partir deste Parlamento, fez também ameaças veladas…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Oh!…

O Orador: - … à resistência social, legal e constitucional,…

Risos do PSD e do CDS-PP.

… e isto permite-me identificar alguns traços da sua conduta e do seu Governo.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Agora é psicanalista!

O Orador: - Em primeiro lugar, um Governo de confronto, que sempre o assumiu e para o qual estávamos preparados. Mantém-se nesse desígnio, de um Governo de confronto!
Em segundo lugar, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, no que à minha bancada concerne, que não tem nem estatura moral,…

Protestos do PSD.

… nem estatura política, nem percurso coerente, para nos deixar lições sobre a nossa actividade política.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E muito menos, e esta talvez seja uma terceira condição - e talvez não a dissesse se não fosse o seu estilo do debate… Nos últimos dias, o Sr. Primeiro-Ministro fez uma confissão, que raramente um político faz e que, seguramente, um político com experiência não deveria fazer, a de que não sabe explicar as medidas que toma.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quer mais explicado ainda?! Só se for com um desenho!

O Orador: - Esta é, de facto, uma confissão extraordinária. E vem o Sr. Primeiro-Ministro, aqui, procurar dar algumas explicações… Sr. Primeiro-Ministro, não aceitamos explicações do explicador que, reconhecidamente, falhou na explicação das suas medidas.
A dificuldade que o povo português tem em entender as suas medidas, apesar de todos os seus esforços propagandísticos, resulta do facto de realmente não se coadunarem nem com as promessas eleitorais nem com o ambiente de confiança que era suposto ser gerado no País, de acordo com as expectativas que a maioria de direita quis trazer ao debate político.
Sr. Primeiro-Ministro, faço duas perguntas muito claras e incisivas.
O Sr. Primeiro-Ministro disse-nos hoje, aqui, no seu discurso - e foi a novidade do dia -, que vai propor um pacto social. Este pacto social, ao que se percebe, traz como cabeçalho a exigência da liberalização da legislação laboral, por parte das confederações patronais e das multinacionais, que já a estão a exigir publicamente.
Como não é crível que consiga obter nesta matéria uma concertação de todas as partes, porque aquilo que traz é, à partida, a cedência em relação à legislação laboral, à estabilidade no emprego da maior parte dos trabalhadores portugueses, devo concluir - dir-me-á se «sim» ou «não» - que, falando de números, o debate político ainda não passou, por enquanto, de um número, para que as dificuldades de constituir uma maioria orçamental para o Orçamento do ano que vem não sejam tão visíveis na opinião pública e no debate político. Será, ou não, também um número político?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Para terminar, o Sr. Primeiro-Ministro também nos falou da lei de imigração como uma reforma. Esta lei «empurra» para uma política de expulsões dezenas de milhar de imigrantes. O «espectro» do lado esquerdo do Parlamento contesta essa expulsão de imigrantes, a Igreja católica também. O Sr. Ministro da Administração Interna tem-nos dito coisas contraditórias.
Sr. Primeiro-Ministro, vai expulsar imigrantes ou vai encontrar uma forma de regularização extraordinária dessa imigração?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, enquanto os senhores estiveram na oposição, os partidos da actual maioria, ambos, mostraram-se muito preocupados com os problemas da segurança e da autoridade do Estado, tratava-se mesmo uma grande «bandeira» eleitoral de ambos os partidos.
Sr. Primeiro-Ministro, qual é a situação actual em matéria de segurança dos cidadãos?
É certo que os problemas da segurança estão menos mediatizados, mas também é certo que eles não desapareceram. É verdade que os problemas estão menos mediatizados não por se terem alterado mas, fundamentalmente, por os senhores, que usavam e abusavam de um discurso demagógico em torno dos problemas da segurança, deixaram de o fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por esta razão que os problemas estão menos mediatizados.
O discurso do PSD e do CDS-PP, partidos que faziam eco de uma certa histeria securitária, deu lugar a um silêncio absoluto da vossa parte, acerca dos problemas da segurança. Os senhores agitaram esses problemas até à exaustão e agora, pura e simplesmente, fazem de conta que eles não existem - não vimos uma única referência a estes problemas na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O CDS-PP nem fala!

O Orador: - Em matéria de autoridade do Estado, as notícias recentes que tivemos não são brilhantes e preocupam-nos. Não fazemos juízos precipitados sobre actuações policiais recentes, entendemos que tudo deve ser esclarecido - o Governo prometeu-nos esses esclarecimentos e aguardamos serenamente pelos mesmos. Nós não condenamos ninguém antecipadamente,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Fazem muito bem!

O Orador: - … mas ficamos preocupados. E nós, que não gerimos as nossas preocupações em função de ciclos eleitorais, como os senhores fazem, temos consciência de que os cidadãos têm preocupações justas em relação à sua segurança.
Temos consciência de que os níveis de insegurança não diminuíram - todos os estudos sobre as preocupações dos cidadãos apontam neste sentido -, e o Governo calou-se e não tomou uma única medida positiva para melhorar as condições de segurança dos cidadãos portugueses. Pelo contrário, o Governo, em vez de prosseguir uma política de combate à droga, que é necessária, tem a intenção de poupar dinheiro com a fusão do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT) e do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência (IPDT), sem demonstrar como é que isso se faz e sem ter consciência das eventuais consequências negativas que essa opção poderá ter no combate à droga.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores, em vez de uma política de legalização e de inserção social dos imigrantes, apresentam uma proposta de lei que lançará mais imigrantes na

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ilegalidade e na marginalidade - é isto que vemos por parte do Governo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador. - Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, que medidas é que o seu Governo tomou para melhorar a segurança dos cidadãos. Onde é que está o célebre subsídio de risco? V. Ex.ª já se esqueceu de que, aquando do assassinato de um agente da PSP na Damaia, altura em o senhor estava na oposição, se indignou por o governo da altura ter recusado o subsídio de risco que o PSD propôs, dizendo que se fosse pelo PSD já havia subsídio de risco?!

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe novamente: onde está o subsídio de risco, cuja falta tanto lamentou?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Já se esqueceu!

O Orador: - Que medidas é que estão previstas, Sr. Primeiro-Ministro, para alterar o dispositivo policial, adaptando-o às necessidades de prevenção da criminalidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir, pois o seu tempo já se esgotou.

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, até à data, não vimos absolutamente nada e, de duas, uma: ou Governo não faz, porque entende que está tudo feito e que não é preciso fazer mais nada nesta matéria, ou o Governo não faz, porque, apesar de tudo o que andou a dizer, não tem capacidade para pôr em prática uma política capaz de melhorar as condições de segurança e de tranquilidade dos cidadãos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Fazenda destacou, e bem, como sendo muito importante nas minhas propostas, o acordo social. Há, de facto, uma diferença entre nós em relação ao acordo social: V. Ex.ª não acredita nas virtudes da concertação social, eu acredito nas virtudes da concertação social.
O Governo quer promover a concertação social. O Governo vai fazer os possíveis, aquilo que estiver ao seu alcance, para que haja compromissos do lado dos trabalhadores e dos empresários, porque entendemos que é útil para o País que se aceitem alguns esforços, durante algum tempo, na certeza de que eles serão recompensados na fase seguinte. E aquilo que oferecemos aos trabalhadores portugueses e, em geral, a todos os agentes económicos é precisamente a possibilidade de um acordo plurianual. Não vamos, como acontecia no passado, apresentar em cada ano valores irrealistas para a inflação e propor salários abaixo daquilo que virá a ser a inflação; pelo contrário, vamos assumir, durante algum tempo, alguns esforços, na certeza de que esses esforços serão compensados a médio prazo.
Portanto, aqui temos uma diferença, que é a nossa filosofia: o ponto de partida em relação às virtudes da concertação social. Quero assegurar-lhe de que o Governo irá de boa fé para esse exercício de concertação social e fará aquilo que depende de si próprio - não foge às suas responsabilidades!
Depois, V. Ex.ª disse que este é um Governo de confronto. Eu até preferia que dissesse mesmo que é um Governo de combate.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Somos um Governo de combate às dificuldades, de combate aos bloqueios, de combate aos interesses instalados! Sabemos que quando se procura fazer reformas num país há sempre movimentos de contra-reforma, e VV. Ex.as estão do lado da contra-reforma, estão do lado daqueles que não querem as reformas que podem bulir contra factores de rigidez no tecido económico, contra algumas corporações instaladas. Sempre que há vontade reformadora no País surgem, com os argumentos mais diversos, com as desculpas mais díspares, aqueles que querem, a todo o custo, opor-se à reforma, sobretudo quando esta toca em determinados interesses instalados e procura reduzir a despesa pública.
Somos, pois, um Governo de combate às dificuldades, ao atraso, à miséria no nosso país! Mas não confunda a nossa firmeza e a nossa convicção, a firmeza e a convicção do Governo e da maioria que o apoia, com arrogância ou falta de respeito institucional! Pelo contrário, e já aqui o demonstrámos, somos o Governo que tem mostrado mais respeito por esta Assembleia da República, que tem feito tudo para assegurar uma boa cooperação institucional com a Assembleia da República, com o Presidente da República e com todos os outros órgãos de soberania! VV. Ex.as pensam que isto nos levaria ter menor firmeza e determinação no nosso combate, e não é este o caso.
O Sr. Deputado António Filipe poderia ser a minha melhor testemunha nesta questão. Li com muita atenção o seu livro sobre os trabalhos parlamentares - é talvez o melhor livro publicado, em Portugal, sobre a evolução nas relações governo/oposição -, e tenho a certeza de que se o Sr. Deputado António Filipe fizer uma nova edição, vai chegar à conclusão extraordinária de que, desde o 25 da Abril até hoje, o governo com mais presença, mais participação e mais cooperação com a Assembleia da República é este Governo, é o Governo desta maioria.

Risos do PS e do PCP.

Por isso é que o Sr. Deputado António Filipe, que é um especialista de Ciência Política, que já escreveu sobre estas coisas, não tocou neste assunto, porque sabe que nesta matéria não podia criticar o Governo, e foi buscar a questão da polícia.
Sr. Deputado, deste Governo nunca irá ouvir uma palavra a desautorizar a polícia. Sem autoridade (autoridade democrática, claro!) não há exercício da liberdade, e nós apoiamos a polícia nas suas tarefas de defesa da ordem pública. Se há, ou houve, algum erro ou excesso, apure-se o responsável. Mas, em geral, este Governo está por detrás da sua polícia, acreditando nela, que é uma instituição ao serviço do Portugal democrático, e deste discurso não abdicamos.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PCP: - E o subsídio de risco?

O Orador: - É a autoridade que garante a segurança dos cidadãos, e é essa segurança que queremos promover. Por isso, o Governo tem, quanto a isto, a posição, equilibrada e séria, que se exige a um governo responsável: fazer os inquéritos que são necessários fazer, se houver algumas queixas, mas também apurar as responsabilidades, sem pôr em causa as instituições.
Eu quero só dizer-vos (e termino já, Sr. Presidente) que, em relação a um caso que foi muito noticiado pela comunicação social, o da Costa da Caparica, que ele está a ser investigado pelas entidades competentes.

Vozes do PCP: - Responda à questão dos subsídios de risco!

O Orador: - Ouvi muitas pessoas a falar dos excessos (a comunicação social deu, naturalmente, cobertura a isso), mas não ouvi ainda falar, por exemplo, das centenas de assinaturas que nos chegaram, de anónimos, de comerciantes, de homens, de mulheres e de crianças, dizendo que apoiam a intervenção da polícia e agradecendo aquilo que ela fez para garantir a sua segurança!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Quanto ao subsídio de risco disse «zero»!

O Sr. Presidente: - A lista dos oradores inscritos, para formularem pedidos de esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, está esgotada.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa, porque, provavelmente por lapso, o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu à questão que formulei sobre o subsídio de risco para a polícia.

Risos do PCP.

Vozes do PS: - Foi um lapso!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Primeiro-Ministro respondeu e o Sr. Deputado tira as conclusões.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, a questão é clara: temos um programa de legislatura. Está no Programa do Governo, e será cumprido esse compromisso que temos para com os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Vai ser cumprido a 15 dias das próximas eleições!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Existe uma generalizada convicção na sociedade portuguesa de que o nosso país atravessa uma situação difícil; uma situação difícil que possui várias expressões concretas.
Em primeiro lugar, ameaça-nos o risco de uma recessão económica, cuja profundidade, intensidade e consequências são dificilmente previsíveis.
Em segundo lugar, defrontamos uma conjuntura internacional adversa, onde tardam a surgir os sinais claros de recuperação económica num mundo ameaçado, igualmente, por focos de tensão política de grande sensibilidade para essa mesma recuperação económica.
Em terceiro lugar, temos perante nós uma exigente agenda de compromissos no domínio europeu, seja no plano do equilíbrio orçamental, seja no da aplicação dos fundos estruturais, seja no da reforma da política agrícola, que só serão superados por uma mobilização nacional clara e decidida.
Finalmente, registamos índices de desconfiança nos agentes económicos e sociais de uma gravidade sem paralelo, índices de desconfiança e de desalento que, precisamente, são o maior inimigo dessa necessária mobilização do melhor do nosso esforço colectivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de, apesar deste quadro realista de enorme preocupação, afirmar claramente a minha convicção de que o nosso País tem forças e agentes económicos capazes de ultrapassar estas dificuldades, como já no passado o fizemos ao defrontar situações de crise.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Possuímos, em todos os sectores de actividade, empresas que se souberam modernizar e competir de igual para igual nos mercados mais competitivos.
Saem hoje das nossas universidades dezenas de milhares de jovens que, ainda que com défices de formação e desajustamentos face às necessidades do mercado, constituem um capital de mudança, de que nunca dispusemos no passado.
Realizámos investimentos no nosso sistema de ciência e tecnologia que esperam por ser devidamente valorizados pelo conjunto da nossa sociedade.
O País modernizou e moderniza a sua rede de acessibilidades, de uma forma que pode despertar para o progresso regiões que se vinham afundando num ciclo de empobrecimento relativo.
Mas, para que estas forças de mudança possam ser valorizadas, é necessário vencer o clima de desânimo que se instalou profundamente na nossa sociedade, especialmente nos últimos meses, é necessário inverter rapidamente os índices de desconfiança que caíram para os seus níveis mais baixos de há muito a esta parte. É necessário recuperar a esperança.

Aplausos do PS.

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Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente, não posso afirmar que o impulso para essa recuperação da esperança venha de onde, em primeiro lugar, ele deve vir: do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - São já muitos os portugueses, muito provavelmente uma considerável maioria, que consideram que o vosso Governo, a vossa maioria, a vossa liderança, Sr. Primeiro-Ministro, não estão à altura dos desafios que Portugal enfrenta.

Aplausos do PS.

Assumo, sem qualquer dúvida, que está o País e está o Governo perante problemas difíceis, que a consolidação orçamental é exigente e que a conjuntura externa não nos favorece. Mas também é verdade que o Sr. Primeiro-Ministro tinha condições muito positivas para a governação: pela primeira vez, em muitos anos, uma maioria clara nesta Câmara, uma indiscutível lealdade e colaboração institucional do Sr. Presidente da República, uma postura construtiva do maior partido da oposição…

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não seja ridículo!

O Orador: - … e a expectativa do eleitorado, sempre generosa quando se forma um novo governo.

Aplausos do PS.

E foi esta expectativa positiva, elemento essencial para o êxito de qualquer política, que o Sr. Primeiro-Ministro desbaratou a uma velocidade e com uma profundidade verdadeiramente invulgares.

Aplausos do PS.

Tenho afirmado, e gostaria de hoje o deixar de novo bem expresso, que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, tinha dois caminhos possíveis para lançar as bases da sua governação, tinha duas tácticas ao seu dispor: procurar consensos alargados, na sociedade portuguesa e no Parlamento, para algumas das áreas mais sensíveis da governação, consensos mínimos que dessem ao País um sinal de mobilização para responder a difíceis exigências conjunturais e estruturais; ou, então, seguir uma política de confronto sistemático, de ser mais oposição a um Governo que já não existe do que a um efectivo Governo da Nação, de governar contra os socialistas, culpabilizando-os pelo passado, pelo presente e pelo futuro, como preocupação principal e obsessiva da sua táctica política.

Aplausos do PS.

Foi este o caminho escolhido, e não creio que tenha sido o melhor caminho.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também por isso, o País vive hoje um clima de desnecessária crispação, de desalento, de desconfiança, porque a política que o Governo começou por tentar concretizar tem hoje profundas responsabilidades pelo agravamento da situação económica e social e, especialmente, pelo clima negativo que vivemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Optou inicialmente o Governo por uma dramatização da situação do País tão claramente excessiva que, se se pretendia, como foi claro, prolongar a oposição ao PS e criar o clima para medidas políticas impopulares, apenas foi capaz de conduzir o País à descrença e a um perigoso estado de anemia.

Aplausos do PS.

Mas o que mais fortemente contribuiu para descredibilizar a actuação do Governo de V. Ex.ª foi a precipitação da grande maioria das iniciativas políticas e legislativas, a sua inconsistência e fragilidade.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi a forma como o Governo se relacionou, desde o primeiro momento, com a Administração Pública, que quebrou um laço de confiança fundamental para bem gerir; foi a forma arrogante e precipitada como procurou gerir o caso RTP, que mostrou que o Governo não estava, excessivas vezes, à altura da postura de Estado que se lhe exige.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como não o estava, quando afastou de funções públicas, sem respeito e sem decoro, personalidades que apenas cometeram o pecado de não apoiar a actual maioria.

Protestos dos Deputados do PSD Fernando Pedro Moutinho e Guilherme Silva.

Foram as opções económica e socialmente erradas, que marcaram o estilo do Governo desde o seu primeiro momento, como o aumento do IVA ou o corte na bonificação do crédito à habitação, que transmitiram a ideia de ausência de rumo e de inconsistência das políticas.
Ainda hoje alguém acredita que a mudança da política de crédito à habitação, da forma como foi feita, trouxe algo de significativamente positivo para as contas públicas, para o clima económico ou para as expectativas sociais?! Ainda hoje há alguém que defenda isto?!

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Já estão a descer os preços!

O Orador: - Foi também a perigosa imagem de descoordenação e de falta de verdade que a acção governativa transmitiu, em momentos como as alterações à lei da televisão, a polémica em torno das dívidas fiscais ou os incidentes na fronteira espanhola, que deram deste Governo mais uma imagem de cansaço e envelhecimento

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do que de determinação e vontade. Só, aliás, assim se compreende a diferença de idades entre o Primeiro-Ministro e o Deputado Francisco Louçã. É a única forma de compreender isto!

Aplausos do PS.

Risos do BE.

Mas, se os sinais dados pelos primeiros meses de Governo se foram rapidamente traduzindo no agravamento das expectativas e do nível de confiança dos portugueses, é justo dizer que o Governo se deu conta dessa realidade, provavelmente alertado pelas preocupações publicamente expressas por tantos dos seus apoiantes. No entanto, também aqui não podemos dizer que a resposta esteve melhor do que o problema. Dois exemplos emblemáticos.
À crise de confiança empresarial respondeu o Governo com um programa desconexo de apoio às empresas que tarda demais em concretizar-se em algo de palpável, que se traduziu até agora numa simples realidade, que foi a paralisia do Programa Operacional da Economia,…

Vozes do PS: - É verdade!

Protestos do PSD.

… e que revela uma enorme falta de sensibilidade para os problemas reais das pequenas e médias empresas da indústria e dos serviços. E, já agora, aproveito para relembrar dois factos singelos.
O Sr. Ministro da Economia, em conferência de imprensa, disse que, até 30 de Junho de 2002, haveria a revisão do modelo do POE - procedimentos e instrumentos, financiamento convertível, capital de risco, protocolo com instituições pré-qualificadas. Já passaram algumas semanas e não se viu absolutamente nada!

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Zero!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à criação do Fundo de Garantia e Titularização de Créditos, «zero»!
Quanto à criação do Fundo de Aquisição e Sindicação de Participações, «zero»!
No entanto, na mesma conferência de imprensa, o que é que prometeu o Sr. Ministro da Economia até 30 de Junho de 2002? Exactamente aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui hoje, já em meados de Julho, anunciar, ou seja, a aprovação do regime de privatização do notariado e a apresentação da revisão das leis do trabalho. Não está mal coordenado o Governo!

Aplausos do PS.

Aliás, ao mesmo tempo, responsáveis do Ministério da Economia produzem afirmações de desprezo pelo apoio aos factores imateriais de promoção da competitividade, que são essenciais ao nosso tecido empresarial, enquanto estruturas importantes para o apoio à nossa competitividade externa, como, por exemplo, o ICEP, são paralisadas inexplicavelmente.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - O ICEP está inexplicavelmente paralisado, com gravíssimas consequências para o investimento externo e para o turismo em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Já estava paralisado!

O Orador: - Por outro lado, ao clima de pessimismo generalizado no sector da construção e obras públicas, responde o Governo com a criação de um número mediático de regresso à «política dos pacotes», ao invés de afirmar, de forma serena e esclarecedora, como está a prosseguir, no curto prazo, o esforço de investimento que ao Estado compete garantir e como pretende, no médio prazo, concretizar novas áreas de investimento. É que - reparem no seguinte -, no PIDDAC, havia muitíssimos mais milhões de euros para investimentos em infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias do que aqueles que foram anunciados no sábado, no final do Conselho de Ministros de balanço dos três meses, pelo Sr. Primeiro-Ministro. Portanto, a sensação que dá, como muito bem foi salientado pela Deputada Elisa Ferreira, é que tentaram apresentar, como um programa de relançamento das obras públicas, um programa que é um verdadeiro corte nas obras que tinham sido aprovadas em PIDDAC.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Fernando Pedro Moutinho.

O que o País precisa de saber, o que as empresas precisam de saber são os compromissos reais e quantificados do investimento público e não apresentações de pacotes compostos de investimentos já programados, a par de promessas de investimentos insuficientemente preparados.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Já vi escrito e também já ouvi hoje, dito, que é o PS, que está em minoria no Parlamento, o responsável pela ineficácia das iniciativas governativas. Não existe uma ponta de verdade nessa afirmação. Para além de colaborarmos na viabilização da agenda legislativa do Governo, por vezes aceitando, para além do razoável, prazos de agendamento de carácter extraordinário, dispusemo-nos de todas as formas a colaborar na busca de soluções.

O Sr. António Costa (PS): - É verdade!

O Orador: - E continuaremos a trabalhar na mesma perspectiva. Desafiamos o Governo e a maioria a responder positivamente a esta disponibilidade.
Temos as nossas prioridades, aquelas que consideramos essenciais para a resposta aos problemas do País. Em algumas delas existem consensos alargados, que importa valorizar, noutras, divergências saudáveis e necessárias, que podem contribuir para enriquecer a capacidade do País em assumir os seus combates.
Deixo, neste ponto, 10 áreas onde julgo essencial trabalhar, na Assembleia da República e no País, para

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construirmos as respostas de que os portugueses necessitam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Primeiro área: a questão europeia. Esta é uma área onde existe um largo potencial de consenso na sociedade portuguesa. Importa, no entanto, que, quando estão em debate questões essenciais para o nosso futuro, como o alargamento da União Europeia, a sua reforma institucional, a reforma da política agrícola comum ou a avaliação intercalar do Quadro Comunitário de Apoio, se aprofunde o debate no nosso país e na Assembleia da República.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos disponíveis para esse debate e para apoiar, a todos os níveis, a actuação do Governo na defesa dos interesses nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Até que enfim!

O Orador: - Importa que Portugal mantenha a sua capacidade de actuação e peso nas decisões institucionais da União, importa que se prepare, desde já, o pós-2006, numa perspectiva de que a coesão económica e social na União Europeia tem de se continuar a fazer sentir e, em alguns domínios, terá até de se acentuar.

Aplausos do PS.

Segunda área: as políticas de saúde.
O PS considera que é possível construir respostas a muitos dos problemas que os portugueses sentem nesta área, desde que, para tal, as políticas prosseguidas consigam compatibilizar o grande objectivo de aprofundar os ganhos de saúde com uma modernização efectiva dos modelos de gestão do Serviço Nacional de Saúde.
Terceira área: as políticas de apoio ao desenvolvimento da competitividade empresarial.
Em primeiro lugar, é essencial que se ultrapassem os bloqueios que estão a paralisar as políticas activas de apoio ao relançamento económico. Precisamos de, urgentemente, traduzir em acção, no plano económico, uma linha de rumo global clara e uma atenção particular aos estrangulamentos que afectam hoje, especialmente no plano financeiro, as pequenas e médias empresas - a economia portuguesa está hoje a viver bem abaixo do seu potencial produtivo. Este é um factor que permite um relançamento do crescimento sem custos excessivos de novos investimentos, devendo as políticas públicas favorecer a retoma dos níveis de confiança do sector empresarial.
Quarta área, onde importa construir dinâmicas de convergência em toda a sociedade portuguesa: o esforço para a melhoria da empregabilidade da nossa população activa e dos nossos jovens.
É essencial que, para tal, se intensifique o esforço de requalificação da população activa empregada.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma área onde Portugal não tem sabido aproveitar plenamente os recursos de que tem disposto.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sabemos porquê!

O Orador: - Cabe à sociedade, e nomeadamente às empresas, um papel fundamental neste domínio, mas importa afirmar que não tenho sentido do Governo a suficiente atenção ao papel das políticas activas de apoio à empregabilidade. Como cabe ao Estado melhorar a racionalidade do nosso sistema de ensino e favorecer a profissionalização dos jovens, particularmente em ambientes empresariais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quinta área: o reforço do combate ao desemprego.
Sabemos que existem já sinais preocupantes, mas sabemos também que, neste domínio, os problemas mais graves estão para vir, em função do abrandamento e da crise económica.
É essencial uma atitude precoce e preventiva face ao impacto social de agravamento do desemprego. E, aqui, as políticas activas de emprego têm um papel insubstituível. Esperamos que o Governo possa manter o grau de cobertura que os desempregados hoje têm por políticas activas destinadas a facilitar a sua reinserção profissional. Sem este esforço, poder-se-ão desenvolver fracturas sociais que penalizarão a política social e a própria recuperação económica.

Aplausos do PS.

Uma sexta área, em que o PS entende que o Parlamento deve intensificar a sua acção e que exige um debate construtivo, mas permanente, diz respeito ao acompanhamento da execução do Quadro Comunitário de Apoio. Aproximamo-nos de um momento crítico na execução deste QCA e a ausência de responsabilidade política explícita e autónoma, ao nível desta área, no actual Governo, depois da liquidação, pura e simples, do Ministério do Planeamento, é um sinal muito inquietante para o exigente cumprimento dos nossos compromissos nesta área.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Uma sétima área, que eu gostaria de realçar, diz respeito à nossa vontade de contribuir para a produção de consensos em torno dos grandes investimentos estruturantes da nossa inserção geoeconómica. Eles continuam a ser essenciais para a afirmação competitiva do País e não deverão ser penalizados por uma visão excessivamente conjuntural ou localista destes problemas.
É a visão estratégica e a sua concretização em programas de médio prazo que dá segurança a investidores e que garante o retorno dos investimentos concretizados.

Aplausos do PS.

Oitava área: a reforma da Administração Pública. Esta é - todos o sabemos - uma reforma necessária ainda que difícil.

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O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Tanta coisa que deixaram por fazer...!

O Orador: - Estamos disponíveis para, sobre ela, procurar consensos, mas é imperativo que a política até agora seguida pelo Governo, de medidas isoladas, incoerentes e mal preparadas, seja substituída pela disponibilidade para a abordagem integrada e estratégica do futuro da Administração Pública.

Aplausos do PS.

Uma nona área de alcance maior para o presente e o futuro de Portugal: a política de imigração. Esta é uma área onde não podemos aceitar que se aprofundem fracturas sociais cujos efeitos serão de difícil reversão. E devo dizer, Sr. Primeiro-Ministro - não o posso dizer olhos nos olhos, porque está de costas e também não o posso obrigar a fazer ginástica... -, que não gostei nada de o ouvir dizer que tinha havido um abaixo-assinado de tanta gente na Costa da Caparica. É que não sei até que ponto se trata de um abaixo-assinado a favor da polícia ou se tem alguma coisa a ver com a separação de comunidades na Costa da Caparica... E nós não podemos aceitar esse tipo de lógica!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional (Paulo Portas): - Ó Sr. Deputado Ferro Rodrigues!…

O Orador: - Nós não podemos aceitar esse tipo de lógica, temos de a saber combater!
Defendemos uma política activa de imigração séria, justa e aplicável.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Não parece!

O Orador: - Daremos os passos necessários para que ela possa ser construída, se encontrarmos quem os dê connosco.
Finalmente, neste elenco de áreas-chave, importa valorizar a reforma do sistema político. A Assembleia da República tem-na como uma das suas prioridades da Legislatura. Como já fizemos recentemente, continuaremos a contribuir para a sua valorização.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Existem neste momento, no debate político e na situação do País, questões que estão a preocupar diversos sectores da sociedade. Quero deixar bem claras as posições do PS sobre essas questões.
Em primeiro lugar, as políticas com particular incidência sobre os jovens. Aqui, tem o Governo cometido alguns dos seus maiores erros. É imperioso que o Governo e o Primeiro-Ministro revejam a sua política para os jovens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é verdade que o corte do crédito bonificado possua um significado social irrelevante. Ao contrário, ele é decisivo em muitas regiões do nosso País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Repor este apoio para novos contratos é possível, bem como é possível que o custo de tal medida seja compensado, com vantagem, por um rigor reforçado às bonificações agora existentes e pela reanimação económica que daí irá derivar.
Este é um combate que assumimos como simbólico para o futuro da nossa juventude e do qual não estamos dispostos a renunciar.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, apoiamos claramente o reforço da consolidação orçamental, nomeadamente através da aprovação de uma boa lei de estabilidade orçamental. Mas, naturalmente, só o poderemos fazer em face de uma iniciativa legislativa que não sofra da tendência, que se repete, de legislar não cumprindo a Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como consideramos fundamental que a futura lei de estabilidade orçamental contenha dispositivos de diferenciação positiva em diferentes áreas da administração do Estado. Não é justo nem aceitável tratar de forma idêntica realidades distintas. Isto é verdade quando falamos das regiões autónomas - a Região Autónoma dos Açores tem problemas muito mais graves do que a Região Autónoma da Madeira -,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o que faz a diferença entre os sociais democratas e os socialistas!

O Orador: - … mas também é verdade quando falamos dos municípios. Há assimetrias de desenvolvimento que têm de ser levadas em conta no esforço de consolidação orçamental.

Aplausos do PS.

Uma lei de estabilidade orçamental sem cheques em branco à acção discricionária e com diferenciação positiva obrigatória a favor das regiões mais carenciadas é um instrumento essencial para a eficácia e a equidade da consolidação orçamental. E peço-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que não insista em fazer votar esta lei, na generalidade, que permita que ela passe, sem votação, para a especialidade, porque nós, Partido Socialista, não estamos disponíveis para pactuar, nem mediante uma abstenção, com uma lei que sofra de qualquer inconstitucionalidade e estamos interessados em trabalhar com todos os grupos parlamentares para termos uma boa lei de estabilidade orçamental.

Aplausos do PS.

Está, igualmente, o Governo a legislar em matéria de Lei de Bases da Segurança Social. Tem-no feito de forma precipitada, com avanços e recuos - muito do que veio em títulos de jornais parece já ter desaparecido -, e chega ao ponto de apresentar uma lei de bases para debate, na generalidade, cerca de uma semana depois de ela ter entrado na Assembleia.
Como já foi dito várias vezes, é uma proposta de lei desnecessária e que introduz como tema fundamental os

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limites contributivos, questão que não é central para uma gestão reformista da Segurança Social.
Não estamos com esta forma de legislar, não estaremos com propostas que, prometendo o céu na terra, oferecendo futuros grandiosos a custo de quase nada, se arriscam a abrir portas a aventuras bem perigosas para a sustentabilidade da Segurança Social em Portugal.
Não partilhamos qualquer responsabilidade para um recuo «assistencialista» perante direitos sociais de cidadania que muito respeitamos!

Aplausos do PS.

O Governo fica, assim, a saber claramente onde e como pode contar connosco e quais são os limites dessa cooperação. Nunca alinharemos no «bota-abaixismo» permanente com que fomos brindados pela actual maioria, então na oposição.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nunca alinharemos numa conciliação política que ponha em causa os princípios e valores pelos quais sucessivas gerações de socialistas se bateram e batem.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não temos a primeira nem a última palavra: essas cabem ao Governo!
Assumam as vossas responsabilidades; nós assumiremos as nossas!

Aplausos do PS, de pé.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Diogo Feio e Machado Rodrigues.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, quero começar por saudá-lo, desde logo por uma intervenção que não me parece ter tido elementos muito entusiasmantes, sequer inovadores, mas que demonstrou uma determinada posição pela positiva, bem diferente daquela a que assistimos há pouco na sua bancada por parte do Sr. Deputado José Sócrates.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Continuo, então, a saudá-lo, porque tem à sua frente uma difícil tarefa: a de liderar um partido que demonstra uma instabilidade tremenda, um partido - e fala um Deputado que dá os primeiros passos nesta Assembleia - que parece ter-se especializado em duas coisas, por um lado, em defesas da honra da bancada e, por outro lado, em levantar questões de natureza procedimental.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, gostaria de referir directamente a questão da estabilização orçamental. A sua intervenção relembrou-me ensinamentos dos livros de Finanças Públicas, a importância que têm estas políticas para o equilíbrio, para um crescimento sustentável, sendo que para isso é obviamente necessário, como V. Ex.ª sabe, coordenar os vários sectores do sector público administrativo.
Parece-me, aliás, esta medida tão positiva que no Programa de Reforma da Despesa Pública, na oitava medida, estava proposta a aprovação de uma lei de estabilidade orçamental, que nas características ali referidas tem muito que ver com a actual proposta de lei.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero falar também de um relatório que VV. Ex.as pediram e cuja elaboração foi liderada pelo Sr. Prof. Sousa Franco, o qual refere, desde logo, a necessidade desta política para a contenção da despesa pública e que refere também, a páginas 48 e 49, a necessidade de cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Por isso, gostaria de fazer-lhe uma pergunta muito directa e concreta: Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, quer V. Ex.ª contribuir para que Portugal cumpra o Pacto de Estabilidade e Crescimento? Quer V. Ex.ª contribuir, votando positivamente a proposta lei de estabilidade orçamental, para que possamos alcançar esse desiderato? A resposta é «sim» ou «não» - é uma resposta muito rápida.
Sr. Deputado, quero falar-lhe ainda da crise orçamental. Sei que esta questão cria algumas dissonâncias dentro do seu grupo parlamentar. Por exemplo, o líder da bancada do PS disse em tempos que o problema do seu partido foi decretar a existência de uma crise orçamental. Ora, se não a vivemos, qual será, para o Deputado António Costa, o conceito de crise orçamental?
Sr. Deputado, gostaria também de pedir-lhe que dissesse em concreto duas ou três medidas para a contenção da despesa pública que V. Ex.ª tomaria.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, pois já esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Será que definitivamente VV. Ex.as pretendem ter um comportamento positivo como partido da oposição? É que se assim não for vamos chegar rapidamente a uma conclusão e será possível dizer o seguinte: o governo do PS, que tanto se preocupou com as sondagens, «afundou», a oposição do PS, que tanto continua a preocupar-se com as sondagens, definhou.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, só lhe peço um esclarecimento porque reiteradamente, depois de ontem o seu partido ter dado uma conferência de imprensa intempestiva, hoje também, V. Ex.ª, na sua intervenção,

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voltou a mencionar o assunto dos anúncios feitos quanto a investimentos nas obras públicas, parecendo que há alguma confusão, quando não há confusão alguma!
Os senhores aproveitaram os números para lançar uma confusão...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Publicidade enganosa!

O Orador: - Como o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues sabe, e a Sr.ª Deputada Maria Elisa Ferreira sabe ainda melhor, o PIDDAC para 2002 previa exactamente 1019 milhões de euros na rubrica Transportes e Comunicações, para os programas Construção, Conservação, Segurança e Requalificação, Despesas Comuns e Concessões. De toda esta verba, diz respeito a Construção 433 milhões de euros, sendo que dentro desta estão alocados ao EURO 2004 - feliz ou infelizmente - 41 milhões de euros,...

Vozes do PS: - O Sr. Deputado é contra o EURO 2004?!

O Orador: - ... estão alocados às estradas nacionais (IP e IC) 370 milhões de euros.

O Sr. António Costa (PS): - Podia fazer um pedido de esclarecimento directamente ao Sr. Primeiro-Ministro, que era mais simples! Escusava de ter intermediário!

O Orador: - Estou a pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues!
Está dito que o investimento será de 355 milhões de euros, o que é uma demonstração da confiança que o Governo tem na recuperação das finanças públicas, de molde a poder manter o nível de investimento público, a fim de que o apoio ou suporte do desenvolvimento da economia e o seu relançamento possa manter-se constante.
Por isso, digo-lhe, Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues, que não vale a pena continuar a mexer e a brincar com os números,…

Vozes do PS: - Ah!!

O Orador: - … nem andar a marcar à pressa conferências de imprensa para lançar a confusão, porque tudo é muito claro, transparente e explicável, conforme acabei de fazer!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Para responder, no tempo regimental máximo de 5 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, agradeço a sua pergunta. Efectivamente, escusava de ter lido tantas referências sobre a proposta de lei de estabilidade orçamental, pois bastava ler o programa com que o PS se apresentou às eleições,…

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Exactamente!

O Orador: - … em que esse diploma é um aspecto essencial e constitutivo da política do PS em matéria de despesa pública.
Assim, à pergunta que me fez respondo-lhe com um «sim». Mas o «sim» não pode permitir que alinhemos em inconstitucionalidades, que já foram admitidas hoje, em comissão, por vários protagonistas de diferentes partidos, inclusivamente que apoiam o Governo.
Portanto, a única coisa que faz sentido neste momento - e apelei directamente ao Sr. Primeiro-Ministro - é haver uma passagem directa do diploma para a comissão para poder trabalhar-se em concreto, «varrer» as inconstitucionalidades e aprovar uma boa lei de estabilidade orçamental.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Podem fazê-lo na especialidade!

O Orador: - Porém, sermos «encostados à parede», no sentido de dizerem «ou votam algo que é inconstitucional ou não querem participar no esforço nacional», não entramos neste jogo, não faz sentido!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, uma coisa que não faríamos de certeza era aumentar a despesa corrente para controlar a Despesa, como os senhores fizeram no orçamento rectificativo!

Vozes do PSD: - Foi o que fizeram sempre!

O Orador: - Sr. Deputado Machado Rodrigues, penso que fez alguma confusão com os números, que lhe chegaram à última hora...

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Os senhores é que baralham os números!

O Orador: - Como o mundo seria bom sem conferências de imprensa do PS e, se possível, se o PS não falasse!... Mas infelizmente tem de ouvir-nos, em conferências de imprensa e aqui!…
Sr. Deputado, o que quero dizer-lhe, também pela consideração que tenho por si, é que, como sabe, o PIDDAC foi cortado em cerca de 17% no Orçamento rectificativo. Isso vai atingir de forma muito dura alguns dos principais institutos que empreendem na área da rodovia, da ferrovia, bem como noutras áreas. Portanto, os senhores estão a querer esconder um corte muitíssimo maior com a apresentação de um tal programa especial. Como eu disse há bocado, este Governo está a especializar-se em especialidades, mas não passa de um discurso muito generalista!

Aplausos do PS.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - O valor é o mesmo do PIDDAC!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Qual o aspecto da ordem de trabalhos a que se refere a interpelação, Sr. Deputado?

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero mencionar que, certamente por lapso, o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues não respondeu à pergunta que lhe coloquei quanto às medidas em concreto que tomaria para a contenção da despesa pública.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não sabe responder!

O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): - Como sabe, cada Deputado é livre de responder nos termos que entender.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que inicie esta minha intervenção salientando um registo que me parece particularmente significativo e formulando um voto que encerra a mais sentida preocupação de dignificar a Assembleia da República e de valorizar os debates parlamentares. O registo é o de que nunca anteriormente, na história da nossa democracia, em três meses de exercício de funções, qualquer outro Primeiro-Ministro e um tão elevado número de Membros do Governo se deslocaram tantas vezes à Assembleia da República, quer ao Plenário quer às comissões.

O Sr. António Costa (PS): - E o Ministro Morais Sarmento ainda volta cá!

O Orador: - Bem-hajam, pois, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, e os demais Membros do Governo, pelo respeito e pela consideração que o Parlamento vos merece e pelo elevado sentido de cooperação institucional que vêm tendo para com a Assembleia da República.
O voto ou desejo que pretendo formular, e a que fiz inicialmente referência, é quase também um apelo ou desafio que daqui quero fazer aos partidos da oposição.
O País tem os olhos postos em nós e quer, naturalmente, rever-se nos seus eleitos. Impõe-se, pois, e é de todo exigível, que estas oportunidades de debate com o Governo sejam aproveitadas por todos para uma discussão séria e aprofundada das grandes questões nacionais.
É importante que, com a riqueza própria da diversidade de opiniões que representamos, nos ocupemos da substância, do cerne, dos principais problemas que interessam aos portugueses e não de questões menores, de fait-divers ou da mera espuma das coisas. Digo isto porquanto, ainda recentemente, o último debate mensal que aqui tivemos com o Sr. Primeiro-Ministro, lamentavelmente, e no que à oposição diz respeito, foi mais uma oportunidade perdida.
Na verdade, naquele debate, por parte dos partidos da oposição, tudo se resumiu aos incidentes que haviam ocorrido, a propósito da Cimeira de Sevilha, na fronteira espanhola e à questão da transferência de um embaixador, efectuada no âmbito de um normal movimento diplomático, cujo currículo o líder do maior partido da oposição, qual biógrafo oficioso das «Necessidades», entendeu, então, ler-nos longa e exaustivamente.

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - E era bom!

O Orador: - Compreende-se, pois, que face a precedente recente tão elucidativo expresse aqui a minha mais profunda preocupação e o desejo de que, desta vez, a oposição discuta o fundo das questões, a substância dos problemas nacionais e as suas soluções, dignificando o debate e o Parlamento.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes três meses que o Executivo leva de exercício do seu mandato revelam bem que estamos perante um Governo totalmente diferente dos governos socialistas, que estiveram à frente do País até Março último.
Desde logo, este Governo assenta a sua acção política numa estratégia de verdade, entendendo não dever ocultar ao País a realidade da grave situação em que os socialistas deixaram as finanças públicas e a nossa economia. Não se trata de procurar culpados pelo estado a que a Nação chegou. Na verdade, o Governo está, acima de tudo, preocupado com o futuro dos Portugueses. Quanto ao passado, sabe que a História, com o distanciamento que lhe é próprio, não deixará de atribuir a seu tempo, sem qualquer desvirtuamento conjuntural, as responsabilidades a quem efectivamente as tem.
O Governo tem deixado claro que não perfilha nem aceita o estilo de governação que imperou nos últimos seis anos, em que se ocultou a verdade aos portugueses e se simulou que tudo ia bem para, de repente, se passar de um «mar de rosas» para «o pântano» em que nos deixaram.
Não é possível restabelecer o clima de confiança indispensável à retoma económica nem mobilizar os portugueses para o esforço colectivo que lhes é exigido sem lhes dizer a verdade. É natural, pois, que os que sempre pensaram e agiram de forma diversa, ou seja, os que durante anos mentiram aos portugueses, se tenham agora incomodado por se haver revelado ao País a indicação do Banco Central Europeu de que o défice de 2001 se situa em 3,9%.
Não deixa de ser curioso, mas também significativo, vê-los inventar argumentos para persistirem na ocultação da verdade aos portugueses. A verdade que lhes dói e que impede o branqueamento, que tanto desejam, do desastre do desgoverno dos últimos seis anos. Argumentos esses que vão desde a falsa confidencialidade de tais informações até à alegada repercussão negativa que essa divulgação, bem como a de outros dados económicos e financeiros, teria junto dos agentes económicos. Porém, as reais razões e a conveniência dessa estratégia de ocultação e manipulação da verdade em que os socialistas persistem vieram rapidamente ao de cima, como se verá.
Como é sabido, o Governador do Banco de Portugal declarou recentemente indiciarem-se sinais de recessão, tendo adiantado algumas reservas quanto ao crescimento económico. Tanto bastou para que logo o líder do maior partido da oposição tivesse deixado ficar bem patente as razões do seu incómodo pela revelação aos portugueses da verdade da situação em que os governos a que pertenceu conduziram o País.
Apressou-se o líder do Partido Socialista, com o maior despudor e como se nada tivesse que ver com os erros da governação em que participou, a proclamar que os sinais de recessão e algumas reservas quanto ao crescimento económico imediato se ficavam a dever - imagine-se! - aos três meses de mandato do actual Governo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Confirma-se, assim, que os socialistas (e eles são os mesmos), depois de se terem habituado a governar mentindo aos portugueses, continuam agora a fazer oposição afinando pelo mesmo diapasão, ou seja, continuam a faltar à verdade.
Bem-haja, pois, Sr. Primeiro-Ministro, por optar pela diferença e fazer questão de assentar intransigentemente a sua relação, e a do seu Governo, com os portugueses na verdade.
Há ainda uma outra característica que distingue bem este Governo daqueles que tivemos nos últimos seis anos. Refiro-me à sua coragem política:
Coragem para assumir, sem hesitação, as medidas necessárias para o saneamento das finanças públicas e para atingirmos as metas europeias em matéria de défice. Apesar de penosas e de não serem facilmente compreendidas e aceites, como aconteceu com o aumento da taxa do IVA, o Governo não hesitou em fazê-lo.
Coragem ainda para fundir e extinguir serviços e institutos que proliferaram nos últimos seis anos como verdadeiras agências de colocação clientelar e fonte de elevado desperdício de dinheiros públicos.
Coragem também para levar por diante inadiáveis medidas de racionalização e mobilidade na função pública.
Agigantar a Administração Pública, multiplicar os institutos, as comissões e os grupos de trabalho, duplicando estruturas e aumentando desmesuradamente as despesas correntes foi o rumo seguido nos últimos seis anos, que o actual Governo não hesitou em travar e mesmo inverter.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A par de uma estratégia política assente na verdade, aliada a uma coragem política para adopção de medidas indispensáveis para travar o descalabro com que se deparou, o Governo revelou, nestes três meses de mandato, que se distingue e caracteriza ainda por um profundo propósito reformador.
O impulso reformador do Governo é algo que o marca e o diferencia, de forma particular, dos Governos anteriores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O tempo do adiamento das reformas, das hesitações, das cedências aos lobbies, às corporações e aos interesses instalados, do recuo face às pressões, às manifestações de rua e aos que se apresentam com maior poder reivindicativo, com preterição dos mais fracos e dos que não têm voz, acabou definitivamente.
O impulso reformador do Governo está bem patente na circunstância de, em apenas três meses, ter levado a cabo mais reformas do que os socialistas em três anos.
São já tantas as leis estruturantes que o Governo apresentou na Assembleia da República que não é possível deter-me e ocupar-me de todas elas. Em todo o caso, permitam-me que refira, pela sua importância, pelos sectores sensíveis em que se inserem, pela urgência de que se revestem e pelo seu profundo alcance, três ou quatro das reformas em causa.
Refiro-me à Lei de Bases da Segurança Social, à Lei da Gestão Hospitalar, às reformas da educação, tanto a nível do ensino superior como do ensino secundário e, ainda, à Lei da Imigração, questão da maior premência, que esteve tão justificadamente presente na recente Cimeira de Sevilha.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não é mais possível, nos dias de hoje, manter do Estado uma visão fechada e estanque, fazendo-o prosseguir anquilosado nos seus métodos, lento nas suas decisões e perdulário na sua gestão.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Por isso defendemos um sistema de segurança social que, sem perda de direitos, permita o recurso voluntário a novas vias de protecção e de reforma, como defendemos uma gestão hospitalar aberta a formas privadas de intervenção e a parcerias.
A dialéctica entre público e privado perde sentido quando tal constitui um travão à adopção de medidas que se traduzam em melhoria da qualidade, da eficiência e da economia de meios na prestação de serviços que a comunidade tem de assegurar aos cidadãos.
O Estado não deve abdicar do seu papel regulador e fiscalizador, mas tem a obrigação de ceder espaço à sociedade civil e de se abrir a formas privadas de intervenção e de gestão que assegurem uma melhor realização dos serviços a que todos têm direito.
As reformas na educação aí estão, sem que tenham sido necessários anúncios pomposos ou a exaltação de paixões frustradas ou traídas.
Com serenidade e firmeza, começa a introduzir-se uma cultura de qualidade, de rigor, de exigência e de responsabilidade, que têm andado arredados de muitos sectores e áreas do nosso ensino.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que paraíso!…

O Orador: - É fundamental que a escola transmita conhecimentos, mas também valores e princípios.
É indispensável assegurar a avaliação regular e idónea dos nossos estabelecimentos de ensino, a todos os níveis,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - … fazendo do aluno o principal centro das nossas preocupações e mobilizando os agentes educativos, incluindo os pais e as famílias, para uma tarefa que é de todos.
Foi com este sentido e com preocupações de assegurar a igualdade de oportunidades, fomentar a cidadania, garantir o acesso à inovação, às mais modernas tecnologias, combatendo, ao mesmo tempo, os desperdícios, que o Governo apresentou, nas últimas semanas, um importante conjunto de diplomas, na área da educação, à Assembleia da República.
Igualmente da maior relevância e urgência é a reforma introduzida pela nova lei que regula a entrada e permanência de imigrantes, que, sem pôr em causa a nossa tradição humanista, não pode deixar de introduzir regras e de fixar exigências indispensáveis à protecção dos imigrantes.
O laxismo, o facilitismo e a permissividade em matéria de imigração tornam os próprios imigrantes as primeiras vítimas dessa política de «fechar de olhos» e de «deixa andar».

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - No Boletim de Maio de 2001 do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, lia-se, como notícia oficial: «Estrangeiros vendidos em Portugal como escravos».
Que fizeram os Governos anteriores para combater as mafias e os patrões sem escrúpulos? Nada, absolutamente nada!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eram, pois, urgentes medidas de carácter social, já que a integração das comunidades imigrantes é um imperativo nacional com que estamos confrontados e que se não pode deixar agravar, permitindo que se alastrem focos de criminalidade e fenómenos de xenofobia e de exclusão social, que mais do que combater é necessário prevenir e evitar.
O laxismo é tão prejudicial à sociedade portuguesa como aos imigrantes que nos demandam, se responsavelmente e, por consequência, com peso e medida, não lhes proporcionarmos as condições de integração e de dignidade humana a que têm direito.
A este estado de coisas contrapomos uma política de imigração controlada, rigorosa, responsável e solidária.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Ciente da situação a que se deixou chegar a nossa economia, a par de uma conjuntura europeia e mundial preocupante, o Governo, ao mesmo tempo que vem adoptando as reformas já referidas, aprovou um programa para a produtividade e o crescimento da economia, que está a ser implementado e que visa constituir um estímulo aos agentes económicos e criar condições de competitividade às nossas empresas.
É preciso assegurar maior produtividade, é preciso aumentar as nossas exportações.
Passados três meses de Governo da actual coligação no poder, na sequência das eleições de 17 de Março, e porque estamos num debate sobre o estado da Nação, pareceu-me interessante reproduzir aqui o depoimento do Prof. Freitas do Amaral à revista Visão, sobre o estado em que os socialistas receberam o País, em 1995, e a situação em que o deixaram, em Março último. E passo a citar: «Quando o Eng.º António Guterres iniciou as funções de Primeiro-Ministro, em Outubro de 1995, recebeu das mãos de Cavaco Silva uma boa herança: Portugal, apesar dos seus atrasos estruturais e dos seus problemas crónicos, estava numa boa situação económica e financeira e a autoridade do Estado era respeitada no interior do País e na comunidade internacional.»
Seis anos depois, não podemos deixar de verificar, com mágoa e apreensão, que a herança foi desbaratada: há uma crise de autoridade do Estado (por exemplo, a insegurança nas ruas, a indisciplina nas escolas e os homicídios e suicídios nas prisões), há um grave desequilíbrio orçamental, há uma economia quase estagnada, há fugas de capitais e salários em atraso e quase todos os grandes serviços públicos - as Forças Armadas, a Justiça, a Educação, a Saúde e a Administração Pública, sem falar já na grave crise financeira das grandes empresas do Estado, tais como a RTP, a TAP e a CP - estão no «vermelho».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É um verdadeiro descalabro!…
A Comissão Europeia não se equivocou quando detectou os sinais de crise na economia portuguesa e emitiu um «alerta rápido» em direcção a Portugal.
Porque, no fundo, a crise económica e financeira existe, tal como a Comissão Europeia a detectou: «com ou sem condenação formal, o diagnóstico estava certo e o doente não vai poder escapar à terapêutica adequada».
Apesar de ser assim e das responsabilidades que cabem aos socialistas, qual tem sido o comportamento do PS até agora, como maior partido da oposição?
Pois bem, enquanto, de um lado, temos um Governo que faz, que decide, corajoso e com manifesto ímpeto reformador, do outro lado temos uma oposição que procura, por todos os meios, destruir a acção do Governo e «obstaculizar» a adopção de medidas, mesmo as mais urgentes…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… e indispensáveis para corrigir e reparar o mal que fizeram enquanto Governo.
Se tivermos presente o que tem sido a actuação do Partido Socialista nestes três meses de oposição, deparamos com um partido errático, sem identidade, que tem feito da chicana política a sua principal arma e a sua actuação predilecta.
O PS tem sido o verdadeiro campeão dos incidentes regimentais e dos expedientes dilatórios, atolado nas questões processuais e de forma, mas totalmente ausente nas questões de substância.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Num frentismo subordinado à estratégia de um pequeno partido, que era suposto estar à sua esquerda, o Partido Socialista não tem iniciativa, não tem uma ideia e demite-se de constituir uma alternativa minimamente credível.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Li algures que o Sr. Deputado Augusto Santos Silva está incumbido de redigir um documento que constituirá a «cartilha» dos novos princípios do PS.

Protestos do PS.

Talvez agora se compreenda melhor as actuais dificuldades do Partido Socialista!… Procura descartar-se dos velhos princípios e ainda não encontrou os novos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Augusto Santos Silva, a bem da democracia, apresse o seu trabalho e veja se impede que, mais uma vez, o seu partido chegue tarde, demasiadamente tarde, à História.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Sr.as e Srs. Deputados, o País, felizmente, tem agora o que lhe faltou durante demasiado tempo: um Governo que não hesita em enfrentar os lobbies e os interesses instalados, um Governo com coragem, um Governo que não adia, um Governo que reforma, um Governo que decide, um Governo que governa.

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Ao País falta, agora, uma oposição séria, responsável, capaz de dar um contributo construtivo ao Estado democrático.
Naturalmente, como é próprio de quem prefere a acção ao imobilismo, de quem opta por decidir em vez de adiar, tem o Governo cometido algumas falhas, que responsavelmente assumimos, sem a menor quebra de solidariedade.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, no estado em que os socialistas deixaram o País não poderia haver falha ou erro maior do que continuar a adiar as reformas e a protelar as decisões. E esse erro o Governo não cometeu e os três meses que leva de exercício confirmam bem que jamais o cometerá.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Primeiro-Ministro, afirmou V. Ex.ª nesta Assembleia, aquando da apresentação do Programa do Governo: «não propomos o caminho mais fácil, mas o caminho mais seguro», «não vendemos ilusões, mas garantimos solidez e confiança», «estamos preparados para tomar medidas difíceis que há muito deveriam ser tomadas».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Disse V. Ex.ª a verdade aos portugueses e não lhes ocultou as dificuldades e os sacrifícios. Mas o certo é que V. Ex.ª e o seu Governo, com as medidas já adoptadas e com as que vem anunciando, transmite-lhes também confiança e esperança.
De uma coisa estamos certos: por mais sondagens, pressões mediáticas ou outras que se registem, este Governo continuará a subordinar a sua acção e as suas decisões exclusivamente ao interesse nacional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que termine salientando uma diferença fundamental deste Governo relativamente aos governos das duas anteriores legislaturas.
É que este Governo tem outro Primeiro-Ministro: tem um Primeiro-Ministro que cumpre os compromissos assumidos, um Primeiro-Ministro que não abdica das suas responsabilidades, um Primeiro-Ministro que não volta costas às dificuldades, um Primeiro-Ministro que não se põe em fuga perante as contrariedades!
Os portugueses podem contar com este Primeiro-Ministro e com este Governo.
Daqui a quatro anos, para além e acima das sondagens de percurso, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, verá, no momento próprio, que também conta com os portugueses!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por registar, nas reflexões que gostaria de fazer, o dado curioso de o Sr. Deputado José Sócrates, naquela que terá sido a tirada com mais graça de toda a tarde, ter dito há pouco que o Partido Socialista tinha ganho este debate.
Esse foi, certamente, o momento mais hilariante de toda a tarde.

Risos do CDS-PP e do PSD.

Mas ainda que fosse verdade, curiosamente eu nunca tinha visto ganhar e debandar a seguir! Debandaram completamente!… Acham que ganharam, mas debandaram.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É sempre assim!…

O Orador: - Quero depois assinalar que este é um debate interessante e muito centrado nas questões económicas. E eu sublinharia, nesta matéria, um dado que me parece muito importante.
O Primeiro-Ministro deixou um programa claríssimo para o País: disse que a primeira prioridade era controlar a despesa pública, que a segunda era relançar a economia e que a terceira era realizar as reformas estruturais.
Foi muito claro quanto a isto e trouxe-nos um programa definido, claríssimo, que todos, certamente, percebemos.
A novidade veio da oposição, designadamente do maior partido da oposição. E a novidade fundamental que registei foi o facto de o Partido Socialista ter chegado a este debate com uma nova estratégia, diferente da que seguiu até agora.
Até hoje, o Partido Socialista seguiu a lógica de negar sempre, repetindo frases como «não é verdade», «não nos enganámos», «o défice não é esse», «nós não estivemos lá». O importante era negar tudo, negar as coisas mais evidentes do mundo, mas negar sempre e atacar sempre.
Agora iniciou uma segunda fase estratégica, diferente, a de dizer «agora acabou», «agora não falem mais do PS», «a partir daqui a culpa não é mais do PS, a culpa agora é deste Governo, nós já não temos nada a ver com o assunto».

O Sr. Paulo Pedroso (PS): - Pode custar, mas é verdade!…

O Orador: - Ou seja, agarram na «batata quente», a ferver, e tentam passá-la rapidamente para outras mãos.
Mas essa é uma estratégia muito pouco sustentável, logo à partida, por um questão económica e financeira. E não vou repetir-lhe os números porque sabem, tão bem como eu, que o défice de 2001 será de 3,9%.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma vergonha!…

O Orador: - Só falta fazer um desenho para que os senhores percebam o défice de 2001!…
Assim, e apesar de não ter uma grande plateia, vou apenas ler à bancada do Partido Socialista uma frase que certamente compreenderá e que vem na sequência de uma intervenção aqui feita, hoje, pelo Sr. Primeiro-Ministro. Diz

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essa frase: «Herdámos, há alguns meses, uma economia que não só estava muito degradada como também em estado de degradação.» E agora, a parte mais importante: «Como se sabe, na economia há leis e uma delas é a de que leva tempo a ver-se os efeitos da concretização das medidas».
Vou repetir, dispensando-me de fazer o desenho, para já: «Como se sabe, na economia há leis e uma delas é a de que leva tempo a ver-se os efeitos da concretização das medidas».
De quem é a frase? Foi, nem mais nem menos, proferida, no debate do estado da Nação aqui realizado há um ano atrás, pelo Eng.º António Guterres.

Vozes do CDS-PP: - Ah!...

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já se esqueceram!… Não sabem mesmo quem ele é!…

O Orador: - É claríssimo!.
Portanto, os senhores não têm qualquer legitimidade para usar esse tipo de discurso.
Porquê? Respondo-vos com uma outra pergunta: naquilo em que os senhores podem responsabilizar o Governo, quanto tempo vai de execução dessas mesmas medidas? Vai um mês no máximo!… Não são sequer três meses de governação; é um mês!…Um mês a partir da alteração orçamental!… Não há mais tempo do que esse!… É aí que os senhores podem responsabilizar. E estão à espera que num mês se inverta uma situação desta gravidade?!… É evidente que não é possível!… Os senhores sabem que não é possível e é por isso que, como foi dito - e bem! -, pelo Sr. Primeiro-Ministro o que o PS aqui hoje fez foi, claramente, um exercício de desonestidade intelectual.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Orador: - E registo também que não foram capazes de responder, designadamente ao Sr. Deputado Diogo Feio, ao desafio que vos foi feito no sentido da apresentação de uma medida de contenção da despesa pública. O vosso Secretário-Geral não referiu uma única medida!…
No entanto, temos de fazer justiça: o PS não foi sempre completamente insensível à possibilidade da contenção orçamental!… Houve pessoas no Partido Socialista que, em dado momento, perceberam que tudo ia por muito mau caminho!… O Dr. Pina Moura chegou a fazer no papel, como é hábito do Partido Socialista, um elenco detalhado de medidas de contenção orçamental!… E algumas delas até eram boas medidas!…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas ficaram todas no papel.

O Orador: - O que é que aconteceu ao Dr. Pina Moura, no Partido Socialista quando avançou com essa matéria? Perdeu, além do mais, o seu papel e ouviu o agora rejuvenescido filósofo da oposição socialista, Manuel Maria Carrilho, dizer: «O Dr. Pina Moura é o coveiro da maioria do Partido Socialista.»
Portanto, nessa matéria os senhores não têm legitimidade alguma, como não têm legitimidade em acusar o Governo ou a maioria de não proceder a reformas. Porque há dois estilos de críticas: o primeiro é o ruidoso, praticado pelo Dr. José Magalhães, que nunca se cala, que está sempre a dizer coisas, a fazer barulho, por estar convencido que fazer oposição é fazer muito barulho e muitos gestos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então calado é melhor?!…

O Orador: - O segundo é o daqueles que pensam «está bem, eles até tomam as medidas, mas não as explicam.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é o PSD, é o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa.

O Orador: - Ó Sr. Deputado José Magalhães, deixe que faça a minha intervenção!…

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Sr. Deputado José Magalhães, acredite no que vou dizer-lhe...

O Sr. José Magalhães (PS): - Vou fazer o possível.

O Orador: - Quer ouvir-me?

O Sr. José Magalhães (PS): - Quero.

O Orador: - Sr. Deputado, a melhor forma de fazer oposição não é fazendo muito ruído. Acredite, é um conselho de amigo. É um conselho e é de amigo!… Repito: não é fazendo muito ruído que se faz boa oposição.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Srs. Deputados, já aqui foram elencadas as medidas que o Governo tomou. Já falámos no rendimento mínimo - e lembram-se do que os senhores diziam na altura? -, já falámos na Lei de Bases da Segurança Social, no maior esforço de solidariedade para com os mais pobres feito desde a criação do 14.º mês, como aqui foi dito hoje à tarde - e bem! - pelo Sr. Primeiro-Ministro,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … já falámos no exemplo da educação, onde estava tudo bem, onde era tudo «tecnocratês», mas onde, a partir de agora, vai haver rigor e exigência e vai acabar-se aquele tempo em que, com o Partido Socialista de olhos fechados, era completamente normal um aluno agredir um professor. Esse tempo vai acabar e já o percebemos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Já falámos, também, em segurança dos cidadãos. Aliás, a este propósito, devo dizer que não tem razão o Sr. Deputado António Filipe, pois também esse tempo vai mudar.
É que acompanhei muitas vezes esta área, pelo que saúdo particularmente o Sr. Ministro Figueiredo Lopes que disse claramente que não permitiremos a banalização da desordem social, que o Governo, na dúvida, estará sempre ao lado das forças de segurança.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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Muito bem, Sr. Ministro! É uma mudança fundamental.
Já falámos na Administração Pública. Já falámos na imigração. Poderíamos falar também - lembram-se da história das fragatas? - na dignificação das Forças Armadas. Poderíamos falar na saúde.
A propósito da saúde, recordo que eu próprio fui candidato autárquico, num concelho perto de Lisboa. Recordo-me de que, no tempo da campanha para as eleições autárquicas em que o candidato do PS, naquele concelho, era o Dr. António Costa - não tenho bem a certeza, mas creio que foi desde essa altura -, o Partido Socialista chegou ao ponto de montar uma tenda para ilustrar o hospital de que o concelho carecia... Isto passou-se antes de o PS chegar ao poder.

Protestos do Deputado do PS António Costa.

Posso provar-lhe isso, Sr. Dr. António Costa. Não tenho a certeza se a iniciativa foi realizada por si próprio,…

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - … mas sei que o foi pelo Partido Socialista e que contou com a presença do Eng.º António Guterres. O senhor sabe que assim é, ainda que não se tenha passado consigo.
Independentemente disso, falou muito no hospital durante a campanha, inscreveu verbas no Orçamento do Estado para a construção do hospital. Ora, o que é que está lá feito? Está a primeira pedra, que foi lançada pelos senhores, e um enorme terreno vazio. É isso que lá está e mais nada! Aliás, como acontece com o novo hospital de Vila Franca de Xira e com o hospital de Cascais.
Ora, o que o Governo vai fazer é uma parceria com privados e, finalmente, vai avançar a construção de 10 hospitais que tanta falta fazem às populações. Essa é que é a questão e, quanto a isso, não há dúvidas de espécie alguma.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Falaram também - e falam sempre muito - na questão da RTP.
A este respeito, que fique claríssimo que, com ou sem alterações, com ou sem mudanças, a empresa vai ser reestruturada, vai ser saneada e a RTP vai sair do «buraco» em que o Partido Socialista indiscutivelmente a deixou. Não tenham dúvidas sobre isso.
Eu pergunto: para além das muitas críticas, onde está a tal «oposição construtiva» por parte do Partido Socialista?

Vozes do CDS-PP: - Não existe!

O Orador: - O que propôs o PS? Como é que o PS propõe resolver os problemas e fazer oposição construtiva? Nada vi!
Falam muito em questões incidentais. Levantam um problema enorme se há um qualquer Deputado que não pode participar nos trabalhos em determinado momento, mas não consideram um problema enorme a questão da saúde.
É um problema enorme a questão de uma determinada decisão em relação ao Benfica, mas não é um problema enorme o descalabro financeiro.
Parece ser um problema gigantesco a questão de uns safanões no posto fronteiriço de Rosal de la Frontera, mas não é um problema enorme a segurança dos cidadãos portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É este o estilo de oposição do PS.
Vejamos o que os senhores propuseram.
Quanto à questão da RTP, propunham a criação de uma comissão eventual. Quanto à questão da taxa de alcoolemia, propunham uma comissão «qualquer coisa»… Em relação à resolução de todas as matérias, o PS só tem uma solução que é a de criar comissões.
Concluo citando mais uma frase do debate realizado em 2001 a que já me referi: «A má consciência pode gerar ou o arrependimento ou o ruído. No vosso caso, gera o ruído». Esta frase assenta-vos que nem uma luva e, mais uma vez, é de António Guterres.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa relativamente ao andamento dos trabalhos desta sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, sei que uma das suas preocupações, de resto comungada pela generalidade das bancadas, é a do prestígio dos trabalhos parlamentares e do Parlamento.
Num debate com a relevância deste que estamos a efectuar, o Governo tem respondido com a presença em força, quer do Sr. Primeiro-Ministro quer da generalidade dos Ministros. Assim, pergunto ao Sr. Presidente se não poderá fazer alguma diligência, já não digo para «compor» a bancada do maior partido da oposição, mas, pelo menos, para que o seu líder possa participar neste debate sobre o estado da Nação, frente a frente com o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, como bem sabe, não compete ao Presidente da Assembleia da República garantir a presença de um ou outro Deputado na Sala. A sua interpelação fica registada.
Sr. Deputado António Costa, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sobre a matéria suscitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é para informar a Mesa de que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues certamente reentrará em breve na Sala, de onde se ausentou temporariamente.
Queria dizer, ainda, com toda a franqueza, que, de facto, é preciso estar um debate a correr muito mal para que uma questão de tão baixo nível seja suscitada a uma hora destas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Mesa regista a informação do Sr. Deputado António Costa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro: O prosseguimento da política de submissão ao Pacto de Estabilidade, de responsabilidade da PSD e do PS, as declarações catastrofistas acerca da situação das finanças e da economia, a dramatização com vista a criar a psicologia de crise e aplainar o caminho para o aperto do cinto aos mesmos de sempre, criaram um clima de maior pessimismo e desconfiança que, hoje, é espelhado nos diversos inquéritos, a consumidores, a empresários e a cidadãos em geral.
É uma evidência que o País não inverteu, antes acentuou, todas as tendências negativas que se vinham a manifestar na economia e que está, hoje, pior do que há três meses atrás.
O País terá este ano, segundo o Banco de Portugal, uma evolução do Produto próximo do zero, em estagnação, e está mesmo no horizonte a ameaça de uma recessão com gravíssimas repercussões no tecido produtivo nacional e social.
Portugal afasta-se da média da União Europeia, apesar de o Sr. Primeiro-Ministro ter dito aqui, hoje, como também disse durante a campanha eleitoral, que a sua preocupação e a sua grande aposta era a de inverter aquela tendência.
A quebra no crescimento vai reflectir-se, também, na quebra de receitas no Orçamento e a política orçamental contraccionista, cega e abrupta vai criar acrescidas dificuldades a muitas famílias sobreendividadas e a muitas empresas e sectores económicos, com o consequente aumento do desemprego e a diminuição do nível de vida dos trabalhadores.
Pode ter a certeza, Sr. Primeiro-Ministro, que a política orçamental e fiscal que está a ser seguida não vai contrabalançar ou estabilizar, vai, sim, intensificar todas as tendências recessivas e, com o grave endividamento externo, colocar em risco importantes activos e empresas que, de um dia para o outro, podem ficar nas mãos do estrangeiro, como tem vindo a acontecer com as privatizações.
A pressa do Governo não foi no sentido de se preocupar com o aparelho produtivo, com a dinamização do investimento, com o endividamento externo e a substituição crescente da produção nacional pela estrangeira, com a deslocalização e encerramento de empresas, com as dificuldades de milhares de reformados e de trabalhadores a perderem, dia a dia, o seu magro poder de compra com a subida dos preços.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também a forma como o Governo se tem comportado em relação ao serviço público de televisão ficará para a história como um dos exemplos mais elucidativos da sua inépcia e irresponsabilidade com o objectivo de satisfazer interesses ilegítimos.
Sem ter uma única ideia acerca do serviço público de televisão que não seja a de ceder aos que irão beneficiar com a sua destruição, o Governo, a pretexto de uma situação financeira da RTP, cuja gravidade não negamos e cuja responsabilidade é assacável tanto ao PS como ao PSD, decidiu lançar uma ofensiva insensata e sem precedentes contra este serviço público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só que, para além disso, o Governo decidiu enveredar pelo regresso à governamentalização pura e simples da RTP, procurando arredar, de uma forma inconstitucional, todos os mecanismos legais destinados a assegurar, precisamente, a independência da estrutura e o funcionamento do serviço público de televisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também a desvalorização e a subalternização da escola pública, a extinção a eito da única alternativa de ensino existente no País para o público adulto, o fim dos juros bonificados à compra de casa própria, a desresponsabilização do Estado nas suas funções sociais e a política do negócio da saúde enformam uma política que é iníqua e injusta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Governo incluiu nos objectivos da sua ofensiva anti-social a prioridade à privatização da gestão dos hospitais e das áreas potencialmente mais lucrativas da prestação de cuidados de saúde. Trata-se de uma política que convém aos interesses privados: ganhar mais dinheiro por conta e risco do erário público e com a saúde dos portugueses.
Experimente o Governo acabar com a escolha, por nomeação, da gestão e fazê-la por concurso entre equipas de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), experimente o Governo atacar os interesses dos lobbies dos medicamentos, promovendo os genéricos e a prescrição por princípio activo, experimente o Governo pôr a funcionar serviços e equipamentos públicos de saúde com toda a sua capacidade, e verá que o caminho para melhor gastar os dinheiros públicos e para garantir a saúde a todos os portugueses é o da modernização e da responsabilidade da gestão pública e não o da sua entrega a gulosos interesses privados.

Aplausos do PCP.

Daqui afirmamos que os portugueses não ouvirão do PCP nem a desvalorização dos problemas e das reais dificuldades e insuficiências do SNS, nem a desvalorização do SNS, na acentuada elevação dos índices sanitários do País, desde o 25 de Abril, e na garantia de cuidados de saúde a todos os portugueses.

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Srs. Deputados, o Governo está a confundir o estado da Nação com a situação dos privilegiados, dos senhores da alta finança e da oligarquia, «fazendo ouvidos de mercador» aos ecos que nos chegam de uma situação social agravada pelo aumento das falências, do encerramento de empresas, de deslocalizações cirúrgicas, do aumento do desemprego, dos salários em atraso, da impunidade com que se viola hoje o exercício de direitos, ameaçando de repressão trabalhadores e sindicalistas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se quiséssemos trazer aqui exemplos, eles seriam muitos: a OGMA, a Petrogal, a Vestus, a ex-Quimigal, a indústria vidreira, o vestuário, a cerâmica, exemplos estes expressos em muitos requerimentos feitos ao Governo pelo nosso grupo parlamentar, mas, até hoje, sem qualquer resposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E nestas empresas, Sr. Primeiro-Ministro, há muitas famílias e muitas mulheres que vêem os seus direitos e perspectivas ameaçados.
Mas também é necessário que se saiba que não é só no campo dos salários e dos direitos que o retrocesso está em marcha; é também no campo dos valores. A matriz política e ideológica expressa no Programa do Governo, na lei de bases da família e nas declarações do Ministro da Segurança Social e do Trabalho configuram uma tentativa de fazer retroceder importantes valores e direitos conquistados pelas mulheres com o 25 de Abril e consagrados na Constituição da República Portuguesa e em vários instrumentos existentes no domínio da igualdade de direitos das mulheres.

Aplausos do PCP.

A intervenção e luta organizada das mulheres em defesa dos seus direitos, não permitindo que importantes direitos conquistados sejam destruídos, é hoje de grande acuidade.
Este Governo também não está preocupado com o estado de inquietação de milhares de trabalhadores da Administração Pública, quando, indo ao baú das velharias do consulado cavaquista, reapresenta uma retocada proposta de lei dos disponíveis, titulada de «lei de supranumerários». Isto significa que estão em causa não apenas os trabalhadores com vínculo precário mas também milhares de professores e trabalhadores da função pública.
As preocupações do Governo são outras! Avança com uma nova Lei de Bases da Segurança Social, que, descontada que seja tal ou tal medida, apresenta como alteração nuclear a eliminação do sistema público universal e solidário para facilitar a intervenção e o lucro dos privados, particularmente das grandes seguradoras.
Trata-se, aproveitando também as ambiguidades do PS nesta matéria, de arrombar a porta da segurança social pública, por parte do Governo, ao serviço dos bancos e seguradoras para, depois da porta arrombada, levarem partes cada vez maiores para a gestão privada. Diga o Ministro da Segurança Social e do Trabalho o que disser, o que está em curso é a tentativa de iniciar um processo de privatização do sistema público de segurança social, com a redução do papel do Estado na garantia de protecção social para todos os portugueses e portuguesas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O sistema público de segurança social é um direito fundamental e uma conquista do 25 de Abril, que tem de ser defendida e consolidada. É neste sentido que se torna imperioso uma viva resposta por parte dos portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas a ofensiva não fica por aqui. Agora, anuncia, na esteira das velhas reivindicações das grandes confederações patronais, que receberam a prestimosa ajuda da chantagem de algumas multinacionais, a alteração retrógrada e radical de todo o edifício jurídico-laboral.
Não ficaria quase nada de fora! Contrato individual de trabalho, gestão e organização discricionária dos horários de trabalho, por parte das empresas, com eliminação das pausas tão duramente conquistadas, trabalho por turnos, mobilidade geográfica e funcional, levando a polivalência ao extremo, a facilitação dos despedimentos, o agravamento do lay off, a perversão do direito de contratação colectiva, as alterações da lei de greve e das comissões de trabalhadores.
Queremos dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que bem pode manifestar a sua incomodidade pelo facto de o PCP mobilizar vontades, despertar energias, alertar os trabalhadores e ser solidário com a sua luta. Fizemo-lo e fá-lo-emos sempre que estiverem em causa os direitos e interesses dos trabalhadores e das populações,…

Aplausos do PCP.

… e ao nosso lado estarão muitos, e muitos, trabalhadores (que, infelizmente, foram levados pelas suas promessas e votaram no PSD), como já têm estado. E, Sr. Primeiro-Ministro, conte naturalmente com a nossa luta, porque vai tê-la, perante uma política retrógrada e de retrocesso.

Aplausos do PCP.

O PCP nunca defendeu qualquer liberalização descontrolada dos fluxos migratórios, mas também não aceita, nem aceitará, que sejam os imigrantes as vítimas da miséria e de uma nova lei, que, em vez de resolver os problemas que se vão agravar com o desemprego, é iníqua e injusta.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O balanço desta primeira parte da actual sessão legislativa é marcado, sobretudo, pela vaga de decisões e iniciativas do Governo de direita, que ameaça seriamente o quadro político-constitucional que formata, hoje, o nosso regime democrático. Na educação, na saúde, na segurança social, na política de família, na legislação laboral, na administração pública, na política de imigração, na comunicação social pública, nas medidas económicas, financeiras e orçamentais, estão a ser postas em causa múltiplas soluções progressistas conseguidas e, apesar de tudo, mantidas ao longo das últimas duas décadas. A política neoliberal, as concepções ideológicas mais conservadoras e os interesses privatizadores saltam a cada passo da acção do PSD e do CDS-PP - e ainda a procissão vai no adro! A partir

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de Outubro, temos a ameaça de uma nova revisão constitucional. Impõe-se, por isso, uma larga mobilização social contra a descaracterização do regime democrático. Só ao Governo podem ser imputadas responsabilidades pela conflitualidade social que está a surgir e que, seguramente, se vai agravar. Neste quadro, as forças de esquerda e, em especial, as forças que se sentam à esquerda deste Hemiciclo têm igualmente a responsabilidade de não hesitar na convergência de esforços que impeçam a consumação dos objectivos da direita. E não é com o verbalismo radical, para disfarçar as sucessivas abstenções, que se dá um combate sério a esta política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A colaboração com a estratégia do Governo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha está esgotado. Peço-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A colaboração com a estratégia do Governo de liquidação de direitos sociais e de uma cada vez maior amputação das funções sociais do Estado, em nome de um pretenso pacto de regime (pacto de regime, já temos a Constituição) ou de Estado, significaria ser-se cúmplice das políticas mais gravosas deste Governo.
Da nossa parte, PCP, não nos demitiremos de intervir na defesa das políticas de progresso. Contra medidas de claro retrocesso económico e social, assumimos as nossas responsabilidades. Que cada um saiba assumir as suas!
Como já afirmei, dirão alguns que três meses são pouco na vida de um governo e ainda menos na vida de um país. Mas os golpes já dados, em três meses, pela política do Governo nos interesses de tantos portugueses e as ameaças que desenvolve para o futuro são suficientes para colocar na ordem do dia a necessidade de uma ampla e decidida resistência contra uma política de injustiça e de retrocesso social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo está descredibilizado aos olhos dos portugueses - e não me baseio em sondagens para fazer esta afirmação. Será fácil concluí-lo pelo que ouvimos, no dia-a-dia, nos transportes, no mercado, no café, na rua, nas deslocações parlamentares que efectuamos ou nas audiências que realizamos nesta Casa.
Para isso, contribuiu certamente o facto de o Governo fazer o que não disse e não fazer o que disse, como, por exemplo, quando prometeu baixar os impostos e, afinal, após a tomada de posse, uma das suas primeiras medidas foi a do aumento do IVA.
Por outro lado, parece que o Governo só não privatiza o País porque ainda não entendeu como fazê-lo. Dos meios de comunicação social, aos transportes, ao ensino, às unidades hospitalares e a sectores tão fundamentais para o desenvolvimento, como a água, o Governo quer privatizar tudo, desresponsabilizando-se de sectores estratégicos, deixando de geri-los, passando o seu controlo para os privados e passando-os para uma lógica de mercado, onde o objectivo da obtenção do lucro se sobrepõe claramente à qualidade e ao bom serviço à população e se opõe claramente a baixos custos para os utentes desses serviços.
Os Verdes consideram que, nesta lógica, o Governo está a hipotecar o futuro do País, não só com esta onda de desresponsabilização de áreas vitais para o desenvolvimento mas também comprometendo, desde logo, as gerações mais novas. Só para dar alguns exemplos: afasta os jovens da titularidade do rendimento social de inserção, mesmo aos que, com prova provada, necessitam dele; retira aos jovens o crédito bonificado à habitação, dificultando-lhes a aquisição de casa própria; retira aos, hoje, jovens garantias de reforma no futuro, quando põe em causa a estabilidade financeira da segurança social; e a resposta que dá às desigualdades de acesso e sucesso no ensino é excluir os jovens em circunstâncias diversas.
O Governo hipoteca ainda o futuro, quando parece fazer uma clara opção pela dispensabilidade da educação ambiental. É que, da fusão da Direcção-Geral de Ambiente com o IPAMB (entidade que, ainda assim, promovia acções de educação ambiental), ninguém percebeu ainda o que vai resultar. Por outro lado, a extinção do Instituto de Inovação Educativa, que, na área da educação, promovia e apoiava projectos de educação ambiental, deixa uma lacuna que o Governo ainda não explicou como ou se vai colmatar.
Esperemos que a Conferência de Joanesburgo consiga influenciar o nosso Governo, relativamente à importância da aposta na educação para prosseguir um desenvolvimento sustentável.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para falar sobre o estado da Nação, podíamos falar de como, neste país, alguns continuam a assistir, impávidos e serenos, à realidade cruel do aborto clandestino, ao qual tantas mulheres portuguesas se sujeitam.
Ou podíamos falar da opção de exclusão e de segregação, que se prossegue na política de imigração, com as quotas de imigrantes ou a restrição ao seu reagrupamento familiar.
Ou podíamos falar do desequilíbrio e da desestabilização de qualquer organização familiar, quando a iminência do desemprego e da insegurança quanto ao futuro profissional é o que resulta do quadro de disponíveis da função pública ou quando a flexibilidade é o ponto de honra de inclusão nas leis do trabalho.
Ou podíamos falar das assimetrias regionais deste país, onde dois terços da população se concentra no litoral e onde, no interior, a deslocação para as sedes de concelho se torna imperativa, porque, ainda assim, é onde existem equipamentos. E daqui podemos continuar sem perceber como é que se encerram escolas, como é que a carência de médicos no interior é tão relevante e por que é que faltam enfermeiros, faltam equipamentos e faltam transportes. E, claro, as pessoas fogem do isolamento.
Ou podíamos falar de um País cada vez mais dependente do exterior em tanta coisa, desde a energia, quando temos tantas condições climatéricas para apostar em energias alternativas, até à produção ou à alimentação, com a política agrícola comum ou a política comum de pescas, definidas por órgãos de uma União Europeia que os sucessivos governos ajudaram a construir e que hoje não os ouve e insiste em não respeitar a diversidade e a especificidade de cada país.

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Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que, se já estava preocupada pelo facto de um Governo que se diz tão activo nada ter feito em relação a matérias dramáticas como a extracção de inertes ou o destino de toneladas e toneladas de farinha de animais que constituem um verdadeiro perigo para a segurança e para a saúde pública, fiquei ainda mais preocupada com a sua resposta ao meu pedido de esclarecimento. Isto é, demonstrou que não têm medidas pensadas para resolver estes atentados.
Enquanto oposição, os senhores exigiam acção imediata, acção urgente, sem mais demoras, e subscreviam as preocupações e as exigências de Os Verdes sobre a extracção de inertes; actualmente, no Governo, calam-se e nada fazem! A vossa inacção nestas questões, nesta altura, já vos torna co-responsáveis por situações de risco que daí decorram e pelo agravamento da situação!
É esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma parte do estado da nossa Nação que este Governo não mudará, porque tal só aconteceria, na perspectiva de Os Verdes, se, na verdade, se alterassem políticas que, em vez de hipotecarem o futuro, trabalhassem para melhorar o presente, garantindo o futuro, um futuro com direitos adquiridos, reforçados, onde a qualidade de vida fosse uma realidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Machado Rodrigues.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os elementos divulgados recentemente sobre as contas públicas nacionais em 2001 e sobre a situação e previsões para a economia portuguesa no horizonte próximo não constituíram verdadeiramente uma completa surpresa, depois do que se foi conhecendo, ao longo deste ano de 2002, sobre como a nossa vida colectiva estava, de facto.
Nem o défice de 2001 a rondar os 4%, nem a previsão da quase estagnação do PIB em 2002 eram, desde há alguns meses, completamente impensáveis. E já em Abril passado o FMI apontava para Portugal um crescimento de 0,8% em 2002, em clara divergência com o da zona do euro.
Havia quem, com cada vez menor convicção, continuasse a recusar a realidade só porque ela não é agradável e aponta para responsáveis, e quem não hesitasse em qualificar de alarmistas os que insistiam em que se falasse verdade, já que a vida dos países não se pode construir em cima de ficções nem os problemas se resolvem só por se dizer que não existem.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entre as entidades para quem as previsões agora tornadas públicas pelo Banco de Portugal foram apenas a confirmação dos receios há muito manifestados e dos avisos sucessivamente feitos, está, certamente, o primeiro responsável dessa instituição, o seu governador.
De facto, o Governador do Banco de Portugal, já no início de 2000, sublinhava que o País tinha de «mudar de vida», porque se o não fizesse o crescimento da economia seria progressivamente menor e, em vez de nos aproximarmos do nível de vida dos outros países da União, ficaríamos progressivamente mais longe.
Nos dois anos que se seguiram a este aviso de Fevereiro de 2000, «não mudámos de vida». O governo do PS não quis ouvir ou não teve coragem para enfrentar as dificuldades que o «mudar de vida» acarreta e, em mais de dois anos de lamentável inépcia polvilhada de pretensas habilidades, conduziu o País à situação correspondente aos receios e perigos que o Governador do Banco de Portugal tinha antecipado.
A situação herdada é a de estagnação, com riscos de recessão neste ano de 2002. E isto seria dramático e sem esperança se, entretanto, não tivéssemos decidido que íamos «mudar de vida». O País decidiu mudar de Governo para poder mudar as nossas vidas para melhor.
Os responsáveis pelas dificuldades que enfrentamos estão agora sentados aqui ao lado e, tal como foram incapazes de «mudar de vida» enquanto estiveram no poder, também não se mostram capazes, na oposição, de assumir os seus erros com humildade, de distinguir o que são os interesses vitais do País das efémeras obstaculizações e buscas de oportunidades mediáticas com que tentam inutilmente fazer esquecer um passado recente de incapacidades e de erros.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas isso pouco interessa. Apenas fará consumir algum tempo adicional, tornando um pouco menos rápido o aparecimento dos resultados das acções que é necessário tomar e que estão a ser tomadas.
O que interessa, o que o País precisa é que o novo Governo continue a tomar as medidas e a equacionar e a adoptar as reformas que vão restaurar a confiança dos portugueses, dos empresários, dos investidores e dos trabalhadores, que vão fazer regressar o investimento estrangeiro, que vão propiciar o aumento da nossa produtividade e competitividade, bases essenciais para o relançamento da economia, o aumento das exportações e o equilíbrio das nossas contas externas.
O saneamento das finanças públicas, com a travagem da espiral de aumento das despesas e a limitação do défice a valores compatíveis com os compromissos perante a União Europeia e com a salvaguarda da continuação da vinda das transferências financeiras, que nos são imprescindíveis e, portanto, não podem ser postas em risco, era claramente - como o défice agora apontado de 3,9% do PIB, em 2001, veio demonstrar - não só uma prioridade como uma emergência.
Com rigor e determinação, o Governo não hesitou em tomar as medidas necessárias, algumas delas desagradáveis e até mesmo impopulares, mas indiscutivelmente indispensáveis para fazer face à dimensão do problema herdado.
A decisão anunciada pelo Governo, no fim-de-semana passado, do lançamento de um significativo programa de investimentos públicos na área das acessibilidades e a declaração da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças admitindo uma curta transitoriedade para a vigência do acréscimo de 2% na taxa do IVA são lidas por mim como sinais de optimismo e confiança no sucesso das medidas de saneamento das finanças públicas e de relançamento da nossa economia.
Mas exactamente porque leio como referi, quero deixar uma nota sobre a incidência territorial que veio a público do programa de investimentos que mencionei, nota que bem compreendida será, estou certo, Sr. Primeiro-Ministro, se mencionar que, como sabe, sou Deputado eleito

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por um dos distritos menos desenvolvidos do País, o de Bragança.
Sei que o efeito de um investimento em acessibilidades é, na altura em que é feito (principalmente este tipo de investimentos), independente da zona em que se realiza mas que, em termos de produtividade, provavelmente a produtividade induzida será maior se for feito em zonas mais populosas. Mas esse critério da produtividade não pode ser o único critério seguido quando o que está em causa é a necessidade de recuperar terríveis desequilíbrios que existem no nosso país. E as medidas a tomar não podem acentuar essas assimetrias.
As preocupações que o Sr. Primeiro-Ministro sempre tem manifestado sobre esta matéria são, para mim, a garantia de que o Governo terá sempre presentes os objectivos primordiais da coesão nacional e que esses objectivos terão tradução nas decisões.
Fechada esta nota, quero sublinhar que, no que respeita ao saneamento das contas públicas, o País já está a «mudar de vida», o rigor e a verdade voltaram e com eles a credibilidade interna e externa.
O aumento da competitividade da nossa economia é condição essencial e padrão de medida para o retomar da convergência com a União Europeia. Esse indispensável aumento da competitividade está indissociavelmente ligado às condições em que operam as empresas localizadas em Portugal e às condições que possam ser proporcionadas a investidores, nacionais e estrangeiros, que se disponham a tomar novas iniciativas em Portugal.
Sem investimento não há aumento da competitividade nem aumento de produção e, por isso, o apoio ao investimento produtivo é essencial. O País tem de ser capaz de suprir com maiores quotas de produção nacional o seu consumo interno e tem de ser capaz de ampliar as exportações.
Tem de ser capaz e vai ser capaz!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As condições em que operam as empresas localizadas e que venham a localizar-se em Portugal vão ser melhoradas; o Programa para a Produtividade e Crescimento da Economia traduz uma política determinada e realista de revitalização da actividade económica e inclui medidas que constituem um conjunto coerente e realista que vai fazer relançar o crescimento económico do País.
No decorrer da execução alguns aspectos serão certamente aprofundados. E, por mim, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro da Economia, gostaria, por um lado, que a problemática específica das PME pudesse ser mais sistematizada e identificada, dada a maior dificuldade dos destinatários em percepcionarem as vias de que podem socorrer-se para ajudar a resolver as dificuldades e a pôr em prática ideias e iniciativas, e, por outro lado, que, além do projecto «Marcas Portuguesas», se encontrasse uma fórmula indutora de os portugueses privilegiarem as marcas e os produtos portugueses, tornando claro que, ao comprarmos português, estamos a apoiar a economia portuguesa, estamos a ajudar-nos a nós próprios.
O País está, finalmente, a «mudar de vida». O Governo lançou mãos à obra e o País vai acompanhá-lo. Há dificuldades a vencer, mas o caminho está aberto para as ultrapassarmos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O País já está a mudar para melhor.
O País vai criar riqueza, para que possamos viver melhor, para que possamos distribuir melhor, para que possamos acorrer aos que mais precisam.
Queremos ter e vamos ter um Portugal mais próspero para poder ser um Portugal mais justo e mais solidário.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.

A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Estamos a discutir o futuro, quando analisamos o presente.
Um país confiante, uma população motivada e um governo firme, empenhado, rigoroso e trabalhador são os ingredientes de alma e de acção necessários ao momento presente.
A saúde é a primeira preocupação dos portugueses, à frente da educação, da segurança, da justiça e da economia - revela-nos o estudo hoje divulgado.
Como prioridade para a intervenção na sociedade portuguesa, a saúde também vem em primeiro lugar.
É com grandes críticas para as listas de espera, para os preços dos medicamentos, para o modo como são tratados e atendidos os cidadãos nos centros de saúde e hospitais que os portugueses avaliam a realidade social que os envolve.
Quero acrescentar, à lógica desta primeira preocupação dos portugueses, que a saúde não são só direitos mas também, e igualmente, deveres. Ela depende de todos nós. Os primeiros responsáveis pela nossa saúde e pela saúde da comunidade somos nós próprios.
Numa sociedade materialista e individualista como a que vivemos, a responsabilidade individual e a solidariedade colectiva são o primeiro garante à manutenção dos princípios de universalidade e de equidade, inabaláveis nesta vertente de políticas sociais.
Quanto às listas de espera, este Governo já aprovou em Conselho de Ministros uma resolução que enquadra o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, a executar em dois anos, onde é concedida prioridade a quadros clínicos considerados urgentes e onde se estabelece um regime de atendimento dos doentes em correspondência inversa dos tempos de espera.
O Governo apresentou também a nova lei de gestão hospitalar. Com ela, deixamos de ter um qualquer serviço, seja médico ou cirúrgico, governado e administrado de forma colegial e fragmentada, em que a responsabilidade está diluída e a culpa morre solteira. Com esta lei de gestão hospitalar, os profissionais vão deixar de receber o mesmo, quer trabalhem muito ou pouco, e vão passar a ter incentivos e prémios ao desempenho.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Acresce, ainda, que, com esta lei, o financiamento dos serviços será assegurado pelo trabalho efectivamente prestado, acabando, em definitivo, a velha prática do «paga-se gastando…». O sistema passa a respeitar a sua vocação de prestador de serviços ao utente,

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em vez de cumprir interesses próprios, individuais ou de estrutura.
É neste contexto que o poder da influência social da «via verde» - que hoje beneficia quem melhor se move no sistema, ou seja, os mais fortes - dá lugar a que os mais fracos e desfavorecidos tenham maior oportunidade de escolha.
Mais do que a vontade política de mudar de modelo, é o cidadão que actualmente exige que o façamos, não como uma medida isolada, mas como um passo decisivo num projecto mais vasto de mudança.
O Governo vai também responder à preocupação dos doentes com o preço dos medicamentos, garantindo que as doenças mais incapacitantes e os doentes de menores recursos tenham acesso privilegiado ao medicamento.
Na área da toxicodependência, a integração do SPTT (Serviço de Prevenção e Tratamento de Toxicodependentes) no IPDT (Instituto Português da Droga e Toxicodependência) é sinal de uma política articulada, de controlo financeiro e de resultados, de racionalização de meios e de melhor aproveitamento de recursos humanos. É uma política de implementação de indicadores e linhas de orientação em todas as áreas relacionadas com o fenómeno da toxicodependência.
Há que dar, com urgência, particular atenção aos estabelecimentos prisionais, onde os dados nos apontam para consumos elevadíssimos de estupefacientes e consequente propagação de doenças infecto-contagiosas. É urgente que em cada estabelecimento prisional se desenvolvam os núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente. É urgente uma política de saúde alargada aos estabelecimentos prisionais, sob a responsabilidade do Ministério da Saúde.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Já que não posso falar das políticas sociais, gostaria de acrescentar apenas o seguinte: este Governo não está com tempo nem com margem para errar. Este Governo não pode governar para as sondagens nem pode deixar influenciar-se por elas, sejam boas ou más. Deve, sim, ser capaz de interpretá-las. E a minha interpretação é a de que este Governo, de facto, agitou, e as sondagens mostram-no.
Se pensarmos bem, quem é que gosta de ser acordado quando está a dormir profundamente? Só quando nos apercebemos de que valeu a pena estarmos acordados é que nos passa a zanga e damos valor a quem nos acordou.
Os portugueses julgar-nos-ão!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Ferreira.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobre que matéria, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, na intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues foi feito um apelo ao Governo em matéria de lei da estabilidade orçamental.
O Sr. Presidente acaba de distribuir os dois pareceres das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, aprovados por unanimidade, que suscitam, designadamente, a questão da inconstitucionalidade da proposta de lei n.º 16/IX. Sublinho que um dos pareceres é da Assembleia Legislativa Regional da Madeira para que o Sr. Deputado Guilherme Silva não considere que é mais uma manobra do PS, porque, creio, não podemos ser suspeitos de controlar os Deputados do PSD na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que votaram favoravelmente este parecer!
Portanto, Sr. Presidente, gostaria de saber se, neste momento, está algum membro do Governo inscrito para que, ainda na fase de debate do estado da Nação, possa responder ao apelo que lançámos, visto que esta questão é determinante para saber como é que os trabalhos de amanhã poderão decorrer, tendo em conta a generalização da ideia de que estamos perante uma proposta de lei grosseiramente inconstitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É sobre a mesma matéria?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quanto à questão que o Sr. Deputado António Costa está a colocar, já é conhecida a posição do Governo.
A Sr.ª Ministra das Finanças já fez declarações no sentido de que, relativamente à lei da estabilidade orçamental, que considera da maior importância, não se discutam questões de constitucionalidade…

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é impossível!

O Orador: - … e de que há abertura para, na especialidade, ponderar-se as questões que possam ser levantadas em relação a essa matéria e introduzir-se as alterações que afastem quaisquer dúvidas de constitucionalidade. É tão simples quanto isto!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, julgo que já explanou a sua posição, que é muito clara, pelo que vou dar a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que a pediu.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista interpuseram recurso da admissão deste diploma pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. É sabido que, quando é admitido um diploma, o problema da constitucionalidade levanta-se para inconstitucionalidades que são incontornáveis, inultrapassáveis e grosseiras…

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O Sr. José Sócrates (PS): - «Incontornáveis»?!

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas é evidente que, quando as questões podem ser perfeitamente ultrapassadas e corrigidas na especialidade, é nesse sede que isso deve ser feito.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - E há total abertura, quer do Governo quer dos partidos que integram a coligação que apoia o Governo, no sentido de, na especialidade, ultrapassar essas questões. Os Srs. Deputados têm de dizer claramente ao País se o Partido Socialista está de acordo com as soluções substantivas da lei da estabilidade orçamental ou se não está, se vota a favor das questões substantivas ou se vai apelar para questões incidentais e regimentais para votar contra.
É esta questão que está em causa e não outra. Se o problema é das inconstitucionalidades, pode ser ultrapassado.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, na minha bancada não conhecemos a diferença entre inconstitucionalidades grosseiras e inconstitucionalidades subtis e o que constatamos é que o Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de colocar o Parlamento perante uma situação única: é que, estando a ser considerado um recurso sobre a admissão da proposta de lei da estabilidade orçamental por inconstitucionalidade, o Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de confirmar que a bancada maioritária considera que a lei é inconstitucional, tanto que, nessa matéria, tem de ser corrigida,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eu não disse nada disso!

O Orador: - … mas isso não é razão suficiente para que ela não seja aceite. Creio que, deste ponto de vista, este esclarecimento é precioso, porque termina qualquer debate acerca da aceitabilidade da lei, que, naturalmente, só pode ser recusada.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, V. Ex.ª sabe tão bem como eu qual é o procedimento a cumprir quando há impugnação por inconstitucionalidade. Esse procedimento está a ser cumprido, aguardamos um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e votaremos esse parecer no momento oportuno.
Vou agora dar a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que, com a sua intervenção, talvez esclareça tudo e dispense as intervenções suplementares. Chamo, contudo, a atenção da Câmara de que estamos a afastar-nos do tema do debate de hoje.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa porque a interpelação do Sr. Deputado António Costa foi dirigida ao Governo e o Governo não quereria deixar de responder, ainda que de uma forma breve.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, sobre a questão que o Sr. Deputado António Costa coloca acerca da lei da estabilidade orçamental, a posição do Governo é muito clara: o Sr. Primeiro-Ministro acabou de dizer, em resposta a uma pergunta do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, de uma forma muito simples e clara, que, se existirem dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas das disposições desta lei, o Governo dá total abertura para que, em sede de comissão, essas questões de eventuais dúvidas sejam resolvidas, designadamente pelas alterações que se tornem indispensáveis, com a condição de que essas alterações, se as dúvidas persistirem, não toquem na questão essencial, que é o conteúdo do diploma.

O Sr. José Magalhães (PS): - E como é que se faz a quadratura do círculo?!

O Orador: - Uma coisa é a questão de fundo, outra é a substância da matéria. E, a esse respeito, devemos também acrescentar o seguinte: não venham os Srs. Deputados do Partido Socialista desculpar-se com questões de natureza formal para depois, ao cabo e ao resto, pretenderem fazer alterações na substância do diploma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se trata de questões de ordem formal!

O Orador: - Se forem alterações quanto à substância do diploma, então, o Governo, desde já, tem de concluir que o que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues disse, da tribuna,…

O Sr. António Costa (PS): - Cuidado com o que diz!

O Orador: - … é um exercício de hipocrisia política. Porque uma coisa é fazer alterações para que não haja dúvidas de constitucionalidade; outra coisa, bem diferente, é alterar a substância da lei. Temos de ser sérios e coerentes! O espírito de abertura do Governo é total, mas alterar a lei, na sua substância, é um exercício de hipocrisia política, Sr. Deputado Ferro Rodrigues. É mesmo assim!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, uma última nota: como todos sabemos, qualquer lei que entra nesta Assembleia, de um modo geral, tem sempre alterações em sede de especialidade. E mesmo as questões de constitucionalidade, Sr. Deputado José Magalhães, nunca são, de um modo geral, questões líquidas, podem ser sempre discutidas e ultrapassadas em sede de comissão. O senhor está farto de saber isso!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas as inconstitucionais não podem ser admitidas!

O Orador: - Mas há uma coisa essencial, como o Sr. Deputado Ferro Rodrigues sabe: na quinta e na sexta-feiras

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próximas, há uma reunião do ECOFIN absolutamente essencial. A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, em nome do Governo, comprometeu-se, na última reunião do ECOFIN, a apresentar a lei da estabilidade orçamental. É absolutamente essencial, do ponto de vista dos compromissos de Portugal no seio da União Europeia.

Protestos do PS.

Querer agora introduzir um expediente para que esta lei não seja votada na generalidade, com este compromisso de eventuais alterações na especialidade… Srs. Deputados e Sr. Deputado Ferro Rodrigues, sejamos francos: uma questão dessa natureza não é um bom serviço prestado a Portugal, à imagem de Portugal e à credibilidade de Portugal junto da União Europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - A lista dos oradores inscritos para esta questão incidental - já cá faltava uma questão incidental para prolongar os nossos trabalhos, infelizmente! - é longa. Constam dela os Srs. Deputados António Costa, Guilherme Silva e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito ainda antes do Sr. Ministro Luís Marques Mendes para defesa da honra da minha bancada face a uma afirmação do Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, qual foi a afirmação que considera ofensiva?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Francisco Louçã imputou-me uma afirmação que eu, como líder da bancada, fiz relativamente a esta questão e que não corresponde à verdade.

O Sr. Presidente: - Bom, eu não a reputo muito ofensiva. Em todo o caso, Sr. Deputado, peço-lhe que seja breve na sua defesa da honra.
Tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, ou não esteve atento ou, intencionalmente, deturpou aquilo que eu afirmei.
Eu não fiz, em nenhuma parte da minha intervenção, a afirmação e o reconhecimento de que a lei em questão enfermava de inconstitucionalidades. Eu disse apenas duas coisas: primeira, se, eventualmente, a proposta de lei enfermar das inconstitucionalidades que lhe imputam, não é razão para procedência do recurso interposto da decisão do Sr. Presidente de a admitir (não é!);…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ai não?!

O Orador: - … segunda, se se colocarem dúvidas sobre a constitucionalidade, há abertura, quer do Governo, aqui reafirmada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, quer das bancadas da coligação que apoia o Governo, para as ponderar na especialidade e ultrapassá-las, fazendo, designadamente, se for caso disso, alterações.
São afirmações completamente distintas daquelas que V. Ex.ª referiu ao dizer que eu afirmei, e reconheci, que havia inconstitucionalidades e que, mesmo assim, estava insensível à sua solução e a ultrapassá-las. Desculpe que lhe diga, Sr. Deputado Francisco Louçã, mas não é honesto proceder desta forma.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, a quem peço também que seja curto.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, serei curto, sobretudo porque a ofensa foi muito curta! Aliás, devo dizer que, a respeito de incidentes e de multiplicação de defesas da honra sem justificação, tivemos agora o melhor exemplo que a Câmara podia ter. Eu ofendi o Sr. Deputado Guilherme Silva porque não concordei com as suas palavras e não concordei com a sua interpretação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Porque as deturpou! É bem diferente!

O Orador: - Entendo que para a sua maioria isto seja ofensivo! Aliás, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Guilherme Silva, do alto da nossa experiência de pessoas mais velhas do que o Primeiro-Ministro, que esta questão da inconstitucionalidade não pode ser tratada com leveza, e o senhor tratou-a com uma leveza extraordinária!
Apresentou-nos dois argumentos, duas declarações peremptórias: uma, é a de que, se a proposta de lei for inconstitucional, admite-se à mesma! Está errado, Sr. Deputado! Se for inconstitucional - essa é a função do Presidente e de um dispositivo regimental que passa pela audição da 1.ª Comissão -, não se admite! A segunda é a de que, se for inconstitucional, corrige-se. Voltamos exactamente ao mesmo.
O que o senhor está a dizer-nos é que não toma posição sobre a substância, apelando a uma posição sobre a substância! A Constituição é a lei das leis! E é justamente isso que, lido com atenção, diz o parecer da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, que o senhor, desta vez, também devia ler com algum cuidado.
Portanto, a correcção da inconstitucionalidade far-se-á, se a lei for aprovada, pelo Presidente da República e pelo Tribunal Constitucional. E o Parlamento tem de ter a noção muito clara que deve identificar os erros e impedir que eles se verifiquem.
É extraordinário que, ao ser adiada, na 1.ª Comissão, a discussão de hoje, a bancada do PSD tenha dado o sinal de que percebia esta inconstitucionalidade e de que o Governo a temia. Não nos queira argumentar que o vazio político de um Governo tão mal preparado, tão precário e tão demagógico sobre as questões da constitucionalidade é meritório. Porque isso é que não é, Sr. Deputado Guilherme Silva!

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, creio que coloquei uma questão muito concreta ao Governo, que era a de saber qual era a resposta ao apelo que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues lançou ao Governo. E o apelo que foi lançado era no sentido de saber se o Governo aceita ou não que, no termos do debate na generalidade, a proposta de lei n.º 16/IX baixe à comissão, sem votação, sendo esta uma questão essencial, como o Sr. Presidente e todas as pessoas compreendem.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E foi respondido!

O Orador: - É que, nos termos do Regimento, não pode ser admitida uma proposta de lei inconstitucional!
Creio que, compreendendo todos a importância desta matéria legislativa, seria possível um consenso (pelo menos, nós estaríamos disponíveis para isso) para que se fizesse o debate na generalidade desta proposta de lei com a condição de ela baixar à comissão, sem votação, para expurgo das inconstitucionalidades. Não podemos é aceitar nem associar-nos de forma alguma a um acto de votação nesta Câmara de uma proposta de lei que todas as pessoas sabem que é inconstitucional.
Portanto, manda o bom senso que, aproveitando esta disponibilidade, o Governo corresponda, aceitando que a proposta de lei baixe à comissão, sem votação, e que haja um trabalho em sede de especialidade para expurgar as inconstitucionalidades e as outras matérias de fundo que têm de ser alteradas. Caso contrário, teremos um incidente totalmente inútil, que é o de criar uma divisão artificial na Câmara quanto a uma questão de fundo, quando podemos ter um entendimento.
O Sr. Ministro Marques Mendes pode fazer os exercícios que quiser sobre hipocrisia e tentar insultar o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, mas há-de perceber que tem ainda de comer alguns bifes para conseguir fazê-lo…!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O que não faz sentido é a forma como se desvaloriza…

O Sr. Presidente: - É desejável que termine, Sr. Deputado, porque já explicou tudo o que tinha a explicar. A interpelação é devida à Mesa e já percebi perfeitamente o raciocínio de V. Ex.ª, que para mim está explicadíssimo.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente, mas permitir-me-á admitir que sei melhor como é que o meu raciocínio vai terminar do que V. Ex.ª, que o está a antecipar.
O que me parece grave é esta tendência perigosa do Governo de desvalorizar como mera formalidade o respeito pela Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Fê-lo agora o Sr. Ministro Marques Mendes, como fez hoje de manhã, na 1.ª Comissão, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que disse que a primeira preocupação do Governo não tinha sido olhar para a Constituição, mas que estava disponível para se corrigir aquilo que obviamente era inconstitucional.
Portanto, creio que, com toda a vantagem para o bom andamento dos trabalhos e para a consolidação das finanças públicas, deveria fazer-se o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 16/IX, a qual baixaria à respectiva comissão, sem votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se ainda não concluiu, eu tenho que lhe tirar a palavra.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A Sr.ª Ministra das Finanças chegaria ao ECOFIN dizendo que o processo legislativo estaria em andamento, que estaríamos já a trabalhar na especialidade, que faríamos a votação final global em Setembro, porque não poderá dizer outra coisa que não isto, na medida em que, mesmo que se vote amanhã a proposta de lei, a votação final global não será antes de Setembro.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Se assim for, ganha um argumento importante, que é o do potencial consenso parlamentar alargado relativamente a esta matéria. Caso contrário, creio que as notícias para o ECOFIN podem ser más!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Costa, devo dizer que tinha antecipado absolutamente a sua linha de raciocínio.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra para, suponho, dar uma resposta a esta pergunta que efectivamente é dirigida ao Governo e não à Mesa.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sim, Sr. Presidente, mas vou fazê-lo rapidamente.
Em primeiro lugar, gostaria de reafirmar a total abertura e disponibilidade do Governo para, existindo dúvidas quanto à questão da constitucionalidade, elas serem dissipadas em sede de comissão no debate na especialidade. A abertura foi manifestada pelo Governo nos últimos dias, designadamente a partir de ontem pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, e hoje foi, de uma forma categórica, evidenciada pelo Sr. Primeiro-Ministro.
A proposta feita pelo Governo é de uma total sensatez, tentando conciliar aquilo que é fundamental para todos, em particular para a credibilidade do Estado português perante a União Europeia, que é fazer-se, como está previsto, o debate na generalidade e a subsequente votação na generalidade e procedendo, em sede de comissão, às alterações que, eventualmente, se considerem indispensáveis para dissipar todas as dúvidas.
Mas, como ficou patente implicitamente das palavras do Sr. Deputado António Costa, sejamos também francos e directos: uma coisa são alterações para que não haja dúvidas quanto à constitucionalidade, em particular numa lei desta importância; outra coisa, bem diferente, são as alterações quanto ao conteúdo das matérias e quanto a essas não há, da nossa parte, naturalmente por razões de interesse nacional, qualquer motivo para proceder a alguma alteração.
A terceira nota que quero dar é a seguinte: com coisas sérias não se devia brincar.

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Aplausos do PS, tendo o Deputado António Costa aplaudido de pé.

Obrigado! Vou esperar também o vosso aplauso daqui a uns segundos!
Como eu estava a dizer, com coisas sérias não se devia brincar e o Srs. Deputados António Costa e Ferro Rodrigues, que já estiveram no governo, sabem muito bem, em particular o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o que são compromissos assumidos perante a União Europeia, particularmente neste momento difícil - repito, difícil - do controlo do défice orçamental.
A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças já teve ocasião de explicar, designadamente em privado, estas questões, que são absolutamente essenciais. Por isso, a votação, na generalidade, na próxima 5.ª feira, da proposta de lei, com toda a abertura para a discussão na especialidade, não é uma questão de birra, mas de defesa do interesse nacional, e isso está para nós em primeiro lugar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - É, é! É uma questão de birra!

O Sr. Presidente: - Devo pedir desculpa ao Sr. Deputado Bernardino Soares, porque estava inscrito antes do Sr. Ministro e, por lapso, não lhe dei a palavra.
Tem agora a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, estou a estranhar o que estamos a fazer neste momento,…

A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças (Manuela Ferreira Leite): - Exactamente!

O Orador: - … porque me parece que, estando inicialmente marcada para hoje, foi adiada para amanhã - por razões que desconheço, mas que certamente serão relevantes! - a análise do recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 16/IX. Se houver inconstitucionalidades, não há outro remédio que não seja não admiti-la e, portanto, o recurso segue. Penso que esta Câmara não pode tomar outra posição sobre esta matéria e, portanto, no Plenário de amanhã à tarde, teremos que aferir dessa decisão.
Não nos parece que qualquer invocação de uma reunião na União Europeia, por muito importante que seja - e certamente é! - sirva, neste momento, para justificar qualquer outra atitude que não seja a do rigoroso escrutínio da constitucionalidade, nesta como em todas as outras matérias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nem vejo como é que a eventual aprovação na generalidade, que não vincula a Assembleia da República de nenhuma forma, pode ter uma importância diferente daquela que tem no momento em que agora estamos.
Portanto, Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de continuarmos os nossos trabalhos e de amanhã dirimirmos esta questão no sentido de afastar eventuais inconstitucionalidades, e, acima de tudo, nunca fazermos «vista grossa» às inconstitucionalidades que eventualmente existam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a interpelação do Sr. Deputado Bernardino Soares vai no sentido do desejo da Mesa, isto é, de retomarmos a ordem do dia, que, manifestamente, não é a discussão desta matéria.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Cravinho (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, falo na qualidade de Presidente da Comissão de Economia e Finanças, onde, amanhã, deverá ser apreciado o relatório referente à proposta de lei ora em discussão. Como sabe, Sr. Presidente, os relatos desta natureza só são enviados para Plenário se cumprirem as condições regimentais e constitucionais para o efeito. Tanto assim que, na última página do relatório, menciona-se, sempre, especificamente, que, estando cumpridas as condições regimentais e constitucionais, o diploma está em condições de subir a Plenário da Assembleia.
Ora, dado o teor deste debate e o facto de estar agendada para amanhã às 9 horas uma reunião da Comissão - pelo que não tenho outra oportunidade senão esta para interpelar V. Ex.ª -, na minha qualidade de Presidente da Comissão de Economia e Finanças gostaria de saber o seguinte: não estando de forma alguma dirimida a questão da constitucionalidade e estando a mesma pendente da comissão competente para a matéria (que não é a Comissão de Economia e Finanças) e do próprio Plenário, posso assinar o relatório confirmando que estão cumpridas as condições regimentais e constitucionais, ficando, portanto, em manifesta contradição ou, eventualmente até, traduzindo-se numa usurpação de poderes de outras comissões competentes?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme Silva e Telmo Correia, suponho que para intervir sobre a questão agora suscitada pelo Sr. Deputado João Cravinho e contribuir, assim, para esclarecer a Câmara em relação a esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não há qualquer dúvida de que estamos aqui a tecer esta questão, por uma razão muito simples: o debate correu mal ao Partido Socialista, correu mal à oposição e, portanto, era preciso arranjar um incidente. E ele aí está!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. António Costa (PS): - É extraordinário!

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O Orador: - Vamos lá ver se nos entendemos em relação a este assunto, designadamente em relação às questões suscitadas pelo Sr. Deputado João Cravinho.
Todos sabemos que há uma norma no Regimento que refere que o Sr. Presidente da Assembleia pode não admitir propostas de lei ou projectos de lei por inconstitucionalidade. E todos sabemos também que essa prerrogativa não transforma o Sr. Presidente da Assembleia numa espécie de «tribunal constitucional prévio» e que deve ser usada com a parcimónia devida, como usava o Sr. Presidente Almeida Santos, por exemplo - e bem! -, no sentido de que a rejeição liminar de uma iniciativa legislativa só tem a ver com inconstitucionalidades perfeitamente incontornáveis, perfeitamente grosseiras, perfeitamente manifestas e incorrigíveis! Se um Deputado apresenta um projecto de lei a dizer que é proibida a greve, o Sr. Presidente tem pura e simplesmente de o rejeitar, uma vez que o diploma não tem «conserto» possível!
Agora, se eventualmente se levantam dúvidas quanto à constitucionalidade de um determinado diploma e estas podem perfeitamente ser supridas, na especialidade, ao contrário do que disse agora o Sr. Deputado João Cravinho, muitas vezes, dezenas de vezes, é o próprio relatório que chama a atenção, referindo que há dúvidas quanto à constitucionalidade e recomendando que, depois da discussão na generalidade, quando da discussão na especialidade, se tenha em atenção, se pondere, se faça e aconteça. Portanto, não há aqui qualquer impedimento à subida a Plenário.
Ora, estamos a aqui a criar uma falsa questão, estamos aqui a criar um incidente, porque o debate correu mal ao Partido Socialista e à oposição.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CSD-PP): - Sr. Presidente, de forma muito breve e no mesmo sentido da intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, para dizer que, efectivamente, este tipo de incidentes é lamentável e cansativo.
Estivemos aqui toda a tarde a discutir o estado da Nação. Gostámos do debate, foi interessante e é lamentável que os senhores venham com este incidente a esta hora, com intervenções longuíssimas, fazendo perder tempo ao Plenário e à Assembleia, sobre uma matéria que, como disse o Sr. Deputado Bernardino Soares (e aí estou de acordo com ele), tem de ser resolvida em procedimento normal da Assembleia, amanhã!
Portanto, os senhores quiseram introduzir aqui um mini-debate, que lamento e não vou «ajudar mais a esta festa!».

O Sr. José Magalhães (PS): - Festa!?

O Orador: - Vou só dizer que já percebi, pela quarta vez, a explicação que foi dada. E agora - como dizia um presidente dos Estados Unidos -, leiam os meus lábios, se quiserem. O Governo não admitiu a existência de inconstitucionalidades. O que disse foi que, perante dúvidas, estava disposto a limar qualquer aresta em sede de especialidade. É preciso repetir? Não é! Toda a gente percebeu! E isto não devia dar lugar a uma intervenção longuíssima do Sr. Deputado António Costa, que chega ao limite de entrar na pré-linguagem de briga de rua numa questão deste tipo, incidental! É lamentável e não é aceitável!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está tudo dito sobre esta matéria. O incidente está encerrado.
Tem a palavra a Sr. Deputada Elisa Ferreira.

A Sr.ª Elisa Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Voltando ao debate que estava a decorrer, gostaria de colocar algumas questões que me parecem relevantes para o País e para esta Assembleia, neste momento.
Penso que há acordo quanto ao facto de que o País tem dois tipos de problemas fundamentais: por um lado, um problema de competitividade e, por outro, um problema de equilíbrio de contas públicas, em particular do controle do défice público. Como conciliar estes dois objectivos? Aqui reside uma questão fundamental, que julgo que é bom que fique esclarecida.

O Sr. Vicente Jorge Silva (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Para a coligação que está no Governo e, sobretudo, para o PSD, antes das eleições, durante a campanha, este problema resolvia-se claramente a favor do apoio à competitividade. De tal forma isto foi claro que a grande medida para a convergência real do País era, apesar de um défice público estimado de 5% - não era 2%, não era 3%, não era 4%, era 5%! -, o PSD, na altura, garantia que a medida emblemática da sua governação seria o choque fiscal, e havia quem defendesse, clara e afincadamente, que o efeito de relançamento da economia associado ao choque fiscal valia bem a perda de receitas que no curto prazo lhe estaria associado. Isto é, entre os dois objectivos, havia um, o principal, que era o relançamento da economia, e, juntamente com este aspecto, garantia-se uma taxa de crescimento para o País de 1,5 a 2 pontos percentuais acima da média da União Europeia.
Foi com estes propósitos que o PSD se apresentou aos eleitores e estes aceitaram, confiaram, acreditaram e votaram.
No momento em que, das promessas, se passa ao Programa do Governo, tudo muda! Tudo muda e, imediatamente, do discurso e da prática política, desapareceu tudo quanto tinha a ver com convergência real e manteve-se apenas um objectivo para o País: o controlo do défice público. Esse passou a ser o problema do País e o objectivo para o País.
Acontece que as consequências desta acção, desta actuação e desta atitude por parte do Governo são absolutamente desastrosas para o País. E são desastrosas a vários títulos: são desastrosas, primeiro, porque acabam por transformar a questão do défice - que, sendo importante, não é a questão fundamental - na questão cerne, na questão central de Portugal. Ao fazerem isto, ao não terem um Programa de Governo claro (foi aqui denunciada a existência de um não-Programa do Governo) e ao terem criado um ambiente e uma expectativa completamente desastrosos para a economia portuguesa para resolverem o défice, não só não o controlam como arruinam as perspectivas de desenvolvimento para o País.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há vários exemplos de medidas deste género. Primeiro, Sr. Primeiro-Ministro, não vale a pena criar uma agenda para o desenvolvimento se o Primeiro-Ministro de Portugal diz que o seu País está de «tanga» e à beira da catástrofe. Pergunto: quem é o investidor que investe num país de «tanga» e à beira da catástrofe?

Aplausos do PS.

Depois, não vale a pena, Sr. Primeiro-Ministro, estar preocupado com as questões de desenvolvimento quando, relativamente ao controlo do défice, os senhores não conseguem cortar nenhuma despesa e, pelo contrário, a única política que fazem é de aumento das receitas através não do controlo e fiscalização sobre os impostos mas do IVA, dos dois pontos percentuais que introduziram na economia, e isso não é despiciendo. E não é despiciendo a vários títulos, porque, de facto, a subida da taxa do IVA provoca inflação, provoca uma tendência para o acréscimo dos salários. E não é despiciendo a vários títulos, porque, de facto, a subida da taxa do IVA provoca inflação, provoca uma tendência para o acréscimo dos salários. E aqui cito apenas o que diz o relatório do Banco de Portugal, tantas vezes aqui invocado: «A não se verificar a moderação salarial incorporada nas projecções,…» - e essa moderação é acentuada pelas perspectivas de desemprego - «… o crescimento poderá ser menor,…» - menor do que aquele que está projectado, que é praticamente zero - «… por via da perda da competitividade da economia portuguesa, e a taxa de desemprego poderá vir a registar aumentos claramente mais acentuados». É isto que diz o relatório do Banco de Portugal.
Isto é, a consequência última da aposta no aumento de receita no IVA é que há pressões inflacionistas que serão corrigidas através de uma revisão em baixa dos salários portugueses, em lugar de se fazer uma revisão em alta associada a uma dinâmica de produtividade. Isto é grave internacionalmente para a posição de Portugal, é grave para a competitividade e é grave para o futuro do País numa Europa alargada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: - Quem é que disse isso?!

A Oradora: - Por último, incapazes de controlar a despesa, porque é complicado, então, vão cortar no investimento. É esse corte no investimento que está previsto do Orçamento rectificativo para este ano que foi aqui aprovado. Estão congelados, no PIDDAC, 387 milhões de euros precisamente para atacar o problema central do défice. É isso que está no Orçamento rectificativo que foi aqui aprovado pela maioria, e, num clima de pré-recessão, o Governo adopta como medida fundamental aumentar o IVA e cortar o investimento, em particular o investimento público.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, que há necessidade de haver um acordo, para que haja esse tal pacto de desenvolvimento para o País. É que o grande problema do nosso país neste momento - desculpem-me! - não é o défice; o défice é um problema, mas o grande problema para o nosso país é a divergência em relação à Europa em termos de desenvolvimento.
Sr. Primeiro-Ministro, em 2001, Portugal cresceu 1,9% e a Europa 1,5%, por isso crescemos 0,4% acima da Europa.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Vou mesmo concluir, Sr. Presidente.
Já em 2002 e em 2003 vamos divergir da Europa, porque, em 2002, vamos crescer quase 1% abaixo da média europeia e, em 2003, vamos crescer 1,1% também abaixo da média europeia.
Meus senhores, tem de inverter-se a lógica da intervenção! É a divergência e não o défice o problema nacional!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não quero deixar de fazer aqui uma breve intervenção, ainda no tempo de que o Governo dispõe para este debate, suscitada sobretudo pela intervenção da Sr.ª Deputada Elisa Ferreira.
Se a Sr.ª Deputada e os Srs. Deputados do Partido Socialista não respeitam o Governo, deviam, pelo menos, respeitar a inteligência e o bom senso dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Porque, ao fim destes meses, os portugueses podem gostar muito, pouco ou nada do Governo, podem concordar ou discordar das suas medidas e da sua acção, mas todos os portugueses já perceberam algumas evidências elementares.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Exactamente!

O Orador: - Já perceberam, por exemplo, Sr.ª Deputada, que, em 2001, no ano passado, quando V. Ex.ª pertencia ao governo, a previsão do défice orçamental era de 1,1%, no entanto, como todos os dados vindos a público hoje não deixam margem para dúvidas, infelizmente, vai ficar quase na ordem dos 4%. Um descalabro, um descontrolo desta natureza - e deixe-me que lhe diga, Sr.ª Deputada, não no plano pessoal mas, sim, no plano político -, repito, um descontrolo desta natureza é uma vergonha.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um crime!

O Orador: - Os senhores deviam, ao menos, ter um bocadinho de pudor e um pingo de vergonha para não voltar a esta situação!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas não é apenas a evidência do défice do ano passado que aqui está em questão. Nós também assistimos, no

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Parlamento e fora dele, em dois Orçamentos rectificativos e em várias declarações públicas, a este discurso do governo anterior: «Correu mal a execução orçamental de 2001, mas, finalmente, em 2002, as contas vão entrar na ordem». E o que é que aconteceu? Realidade e verdade incontornável é que a previsão do défice para 2002, que era de 1,8%, se não tivéssemos aprovado o Orçamento rectificativo, como já foi demonstrado publicamente à saciedade, sem qualquer desmentido, resultaria num défice da ordem de 4,5% ao longo deste ano.

O Sr. José Magalhães (PS): - Por que é que não fala a Ministra de Estado e das Finanças?!

O Orador: - Ou seja, os senhores não têm emenda, nem têm perdão. Depois do descontrolo em 2001 e da promessa e compromisso de colocar as contas em ordem em 2002, a execução orçamental foi esta. Isto é uma irresponsabilidade, Sr.ª Deputada!
Pasmo mesmo como é que, ao fim deste tempo, ainda têm a coragem de dizer que a questão do défice não é a questão mais importante…

O Sr. António Costa (PS): - E não é!

O Orador: - … ou ainda de vir defender aquilo que é verdadeiramente indefensável. Exigia-se um bocadinho mais de honestidade política e de honestidade intelectual.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, a grande questão é esta: não estamos a falar de números sem importância e consequência na vida das pessoas, o problema é que ter em dois anos - dois anos apenas! -, até 2004, a casa arrumada e em ordem, as finanças com rigor e as contas públicas em ordem tem sacrifícios. E hoje os portugueses sabem bem que alguns sacrifícios que são necessários têm a ver com este descalabro e com este descontrole.
Sr.ª Deputada, todos nesta Câmara estamos de acordo…

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - … de que é preciso investir mais no nosso desenvolvimento e em maior justiça social. Sem dúvida, Sr.ª Deputada! Mas, como toda a gente sabe, não se pode distribuir a riqueza que não se tem.
Primeiro é preciso ter a casa arrumada e em ordem e é por isso que, até 2004, alguns sacrifícios são necessários, mas, a partir de 2004, os portugueses vão perceber que há mais investimento, que as contas públicas estão em ordem, que a saúde vai melhorar e que há um conjunto de reformas que dão os seus frutos. Esta é a razão por que, na altura própria, os portugueses julgarão de uma forma serena e sem precipitações.
Quanto à Sr.ª Deputada - é a segunda vez que a ouço fazer este discurso nesta Câmara -, permita-me que lhe diga o seguinte:...

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino, Sr. Presidente.
Como estava a dizer e como também qualquer português de bom senso e de mediana inteligência sabe, uma mentira não é por ser repetida muitas vezes que se transforma em verdade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Elisa Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defender a honra da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

A Sr.ª Elisa Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, sobre o défice e sobre as suas projecções já hoje foi aqui dito o suficiente.
Quando, nas suas palavras, o governo português errou nas suas projecções, errou ao mesmo tempo que a maior parte dos países europeus, os Estados Unidos da América e todos os organismos internacionais, nas respectivas projecções. Mais grave e mais incompreensível é que se errem projecções quando, como acontece com o Governo actual, se arvora uma competência espantosa em matéria previsional e, em dois meses, não se apresente, através da Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças, qualquer número relativamente ao crescimento, ao défice e ao investimento, à formação bruta de capital fixo, que bata certo ou minimamente certo com aquilo que são as projecções do Banco de Portugal.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, sobre previsões, julgo que estamos conversados, e o vosso curriculum começa a ser bastante mais negro do que aquele que nos queriam atribuir.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Segunda nota, sobre o défice e sobre os compromissos para 2004: deixe-me que lhe diga, Sr. Ministro, que o défice dos países é absolutamente essencial, porque representa a credibilidade do País relativamente ao exterior. Outra coisa é o acordo político que foi feito no contexto da moeda única no espaço europeu, porque esse é um acordo político. A França - que, nomeadamente, já deu sinais nesse sentido -, a Alemanha e todos os países da União não sacrificam o seu crescimento real, que está pressuposto no compromisso do equilíbrio do défice, ao equilíbrio desse mesmo défice. Esta iniciativa já começou a ser tomada e Portugal, sendo o mais pobre de todos, é o único que considera que deve comprometer a sua convergência real para respeitar um défice politicamente acordado dentro do quadro da União Europeia.
Terceira nota sobre o défice, que também não posso deixar de lhe fazer: o grande argumento, a mais, de Portugal é que, sendo um País pobre, pode perder os fundos. Sr. Ministro, o senhor e o seu Governo vão perder os fundos comunitários, agora, em 2002, ...

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - A estratégia do PS é essa: a de prejudicar o País!

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A Oradora: - ... porque não é possível esgotar o quadro comunitário com as políticas de desorganização da administração que os senhores estão a realizar nem com os cortes efectivos que estão a fazer, em termos de investimentos em capital. Não é possível assumir a contrapartida nacional e os senhores para não perderem, em 2004, vão perder, em 2002, capacidade de investimento e, inclusivamente, fundos comunitários. Aqui estaremos todos, espero, para ver, se isso acontece ou não! Espero que não, mas tenho quase a certeza de que vai acontecer. Isto é um absurdo, para não perder fundos em 2004, quando eles já estão a acabar e quando a Europa está num processo acelerado de alargamento, perdê-los já, em 2002,…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo já se esgotou. Tem de terminar.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
É para isso que os senhores estão a caminhar, cortando investimento público, quando o País está numa fase de pré-recessão. Os senhores inverteram o problema e, ao inverterem o problema, estão a levar o País à ruína.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Que falta de sentido de Estado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço calma e silêncio, sobretudo nas bancadas de trás.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, podemos divergir, mas temos de manter a civilidade e a serenidade. É um apelo à serenidade que faço aos Srs. Deputados!
Sr.ª Deputada Elisa Ferreira, três questões muito rápidas, na sequência da sua defesa da honra para efeitos de fazer uma segunda intervenção sobre a mesma matéria.
Quanto à primeira questão, sobre o défice, a Sr.ª Deputada diz que a questão do défice não é uma das questões mais importantes, o que já tinha ficado indiciado na sua primeira intervenção, mas ouvindo, agora, esta segunda temos a certeza.

Vozes do PS: - E não é!

O Orador: - Sr.ª Deputada, algumas das considerações que fez quase poriam os cabelos em pé ao Sr. Governador do Banco de Portugal!
Mas se a Sr.ª Deputada considera que é importante, então, permita-me que reafirme o que disse, referindo o seguinte: Sr.ª Deputada, com o descontrolo de 2001 e apesar do compromisso que assumiram de que as contas entravam finalmente em ordem em 2002, chegámos praticamente ao fim de quatro meses - quatro meses, apenas! -…

O Sr. António Costa (PS): - Foi o suficiente para estragarem tudo!

O Orador: - … da vossa responsabilidade e as contas estavam descontroladas! Verdadeiramente, os portugueses já perceberam que VV. Ex.as são óptimos a falar, óptimos a projectar, óptimos a planear, só não são, de facto,…

O Sr. José Magalhães (PS): - A fazer?…

O Orador: - … minimamente competentes a realizar e a cumprir aquilo que assumem como compromissos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Deixe-me que lhe diga, Sr.ª Deputada, uma vez mais - a questão não é pessoal, mas é política - …

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... que V. Ex.ª, enquanto Ministra do Planeamento, que foi no passado, é uma grande responsável por uma quota muito elevada e significativa deste descontrolo e desta derrapagem orçamental!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

É a verdade!
Quanto à segunda questão, dos fundos comunitários e da execução do quadro comunitário de apoio, apenas duas notas, de uma forma breve, sendo a primeira é seguinte: esteja certa e segura de que o Governo vai executar a sério, recuperando…

A Sr.ª Elisa Ferreira (PS): - Recuperando?!

O Orador: - … um conjunto de atrasos significativos em matéria de execução do quadro comunitário de apoio.
Mas não deixa de ser curioso…

Vozes do PS: - Já estávamos à frente de todos!

O Orador: - Dão-me licença?

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, têm de deixar ouvir o Orador! Não pode ser assim! Sr. Deputado António Costa, Sr. Deputado José Magalhães, Sr.ª Deputada Elisa Ferreira, têm de deixar ouvir o Sr. Ministro, para ele acabar a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, espero que me desconte o tempo, estou sempre a ser interrompido!
Sei que VV. Ex.as adoram criticar, mas não suportam ser criticados. Também é uma forma de arrogância e convinha um bocadinho mais de humildade a esse respeito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sobre a questão dos fundos comunitários, não deixa de ser curioso que a Sr.ª Deputada diga «não vão executar o quadro comunitário de apoio» e ontem mesmo tenha vindo criticar o Governo - veja-se bem! - por querer acelerar...

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Vozes do PS: - Acelerar?!

O Orador: - ... um programa de obras públicas indispensável para o desenvolvimento do País! Ninguém os entende!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Sr.ª Deputada, depois de a ouvir nestas duas intervenções, permita-me que diga o seguinte: o tom que usa parece verdadeiramente de ressentimento.

Vozes do PS: - Ah, pois!

O Orador: - A esse respeito, devo dizer o seguinte: ganhar e perder eleições é a coisa mais normal em democracia. Há três meses, os portugueses votaram. Sr.ª Deputada, dê o benefício da dúvida e deixe que os portugueses na altura própria julgarão. E nós não fugiremos, não «abandonaremos o barco», assumiremos por inteiro as nossas responsabilidades!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, necessariamente breve, inscreveu-se o Sr. Deputado Francisco Louçã, que tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a sua intervenção é uma marca do Governo neste debate e, certamente, será lida com a mesma atenção pelo Sr. Ministro Paulo Portas com que foi pelos grupos de oposição.
Devo dizer-lhe que me surpreendem duas das afirmações fundamentais do Governo e tudo isso resumiria este debate: o Governo veio aqui dizer que, havendo os «suspeitos do costume», é preciso olhar para eles e desculpar aquilo que o Governo não faz ou aquilo que o Governo faz mal. Mas há dois argumentos notáveis a este respeito, que são os seguintes: que houve um défice extraordinário em 2001, para o qual o Governo convoca um texto de uma instituição europeia que é confidencial,…

Protestos do PSD.

… e sobre o qual, aliás, já foi criticado pela União Europeia, para fazer algo que eu nunca vi um governo fazer, que é, quando a Comissão considera que as contas estão consolidadas a um certo nível, insistir em que Portugal está num nível que deveria exigir alguma penalização.

O Sr. José Sócrates (PS): - É o prestígio do País!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Não peço mais do que a tolerância que deu aos outros, Sr. Presidente.
Em segundo lugar, para nos dizer que se nada fizessem, quando tomaram o Governo com as eleições de 17 Março, a situação seria muito má. Sr. Ministro, que argumento é este? Se não fizessem nada, talvez os comboios não saíssem da gare, talvez os barcos não pudessem avançar, talvez não se vendesse gasolina!… O problema é que o Governo tem de mostrar, em nove meses, aquilo que é capaz de fazer.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Em quatro meses!

O Orador: - E este Governo, que foi eleito por uma «escama», exactamente, por uma indiferença insignificante, não nos pode só dizer que «não quer abandonar o barco»!…

Protestos do PSD.

Não nos pode só dizer que «não quer abandonar o barco», tem de dizer-nos o que é que faz. E o que lhe dizemos a si é que as medidas que tomou, até hoje - aumentar o IVA, suborçamentação na saúde - prejudicam a política económica nacional, agravam a crise económica e conduzem a uma suborçamentação, que é muito grave. E é nisso que faz toda a diferença e é aí que está escolher governar ou não governar!
Este Governo veio dizer que a culpa é de todos, mas que não governa.

O Sr. Presidente: - Para encerramento do debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Já tínhamos saudades de o ouvir!

O Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo termina este debate exactamente como começou,…

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - … firme nas suas opções, porque foi eleito para corrigir, para decidir e para reformar.
O que os portugueses nos pedem é que façamos o que é necessário a Portugal, não é que façamos o que dizem as sondagens.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - Firme nas opções, moderado nos objectivos.
Foi por isso que este Governo trouxe a este debate uma proposta de consenso sobre a lei da estabilidade orçamental que nós sabemos, e os senhores sabem, ser absolutamente determinante para a credibilidade externa de Portugal.
Foi por isso que o Governo trouxe a este debate o propósito de estabelecer um acordo social que mobilize os trabalhadores e os empresários para objectivos essenciais de retoma do nosso crescimento económico e de um caminho de prosperidade para Portugal.
Ao contrário, o Partido Socialista sai deste debate pior do que começou: perplexo com a abertura do Governo ao dialogo social, que não vos suscitou nem uma interrogação nem uma saudação;…

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… incomodado com as suas próprias contradições em relação ao objectivo nacional de conseguirmos consensos para a nossa estabilidade financeira.

O Sr. José Magalhães (PS): - Com esta atitude?

O Orador: - Pode olhar-se o debate sobre o estado da Nação como um debate em que cada qual, Governo e oposição, definiu as suas posições relativamente à essência das políticas e à atitude com que encara o País.
Falemos, então, da essência das políticas.
Esteve em discussão o problema da nossa estabilidade orçamental. É preciso recordar ao Partido Socialista a imensa quota-parte de responsabilidade de que agora quer fugir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o Governo anterior se comprometeu a cumprir os critérios de convergência?
É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o Governo anterior subscreveu, em nome de Portugal, o pacto de estabilidade?

O Sr. António Costa (PS): - É!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que Portugal, durante o vosso governo, entrou em divergência profunda com os objectivos da União Europeia?

Vozes do PS: - Não!

O Sr. José Magalhães (PS): - O CDS-PP votou favoravelmente orçamentos do PS!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o PS sabe, e se não sabe tem obrigação de saber, conhece, e se não conhece tem obrigação de conhecer, a importância de atingirmos objectivos orçamentais próximos do equilíbrio no ano de 2004?

Vozes do PS: - É!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o vosso governo deixou ao País um défice do Estado que, em 2001, de acordo com previsões preliminares do Banco Central Europeu, pode atingir 3,9%,…

Vozes do PS: - Não!

Vozes do CDS-PP: - Mas é verdade!

O Orador: - … mais do triplo do que o vosso governo tinha prometido?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o descontrolo do défice do Estado, na parcela do ano que ainda é da vossa responsabilidade política, tinha atingido tais proporções que se nada fosse feito Portugal poderia terminar o ano de 2002 com um défice do Estado de 4,5% em relação ao produto?

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que…

Protestos do PS.

O Orador: - O vosso ruído não apazigua a vossa memória.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Estamos a responder!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que um documento produzido pela estrutura de coordenação para a reforma da despesa pública, o ECORDEP, apontava para medidas indispensáveis no saneamento financeiro do País, que esse documento foi pedido por vós…

Vozes do PS: - É!

O Orador: - … e que o Ministro das Finanças que o tinha solicitado acabou por ser despedido?
É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o PS sabe perfeitamente quais são as consequências que Portugal sofrerá se falharmos os objectivos de estabilidade orçamental?

Vozes do PS: - Sabemos!

O Orador: - É ou não verdade, Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, que o PS tem a obrigação de compreender que se não cumprirmos os objectivos de estabilidade orçamental o nosso país poderá sofrer multas pesadas,…

Vozes do PS: - Sim!

O Orador: - … poderá ser encaminhado para uma situação de perda de fundos comunitários, perderá credibilidade externa?
E, se tudo isto é do vosso conhecimento, como é que vos assalta uma dúvida sequer em ajudar Portugal a ultrapassar a situação financeira em que se encontra?!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PS: - Não assalta!

O Orador: - E, ainda mais, sendo do Partido Socialista e do anterior Primeiro-Ministro a inteira responsabilidade de interromper a legislatura - foram-se embora porque quiseram! -, não é por isso que deixam de ter a obrigação de saber que em 2004 Portugal tem de enfrentar um desafio difícil, que é o do equilíbrio orçamental, somado a outro desafio importante, que é o do alargamento, nomeadamente do ponto de vista económico, que a nós, portugueses, nos traz reptos fundamentais!

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Perante tudo isto, Srs. e Sr.as Deputadas do Partido Socialista, ou o PS é um partido que aspira a governar Portugal ou é um partido que aspira a satisfazer as clientelas de cada momento! Ou Partido Socialista é um partido com responsabilidade de Estado, ou, então, prefere ficar refém de uma agenda conjuntural de satisfação imediata de clientelas ou de oposições, mas que em nada beneficia o interesse de Portugal, e os senhores, pelo menos na vossa consciência, sabem que este desafio que vos fazemos é inteiramente verdadeiro!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa opção, Dr. Ferro Rodrigues, tem o senhor de a tomar,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Está tomada!

O Orador: - … na certeza de que o País também está a olhar para si.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós sabemos!

O Orador: - O País conhece a nossa disponibilidade para expurgar de qualquer indício de inconstitucionalidade uma lei que os senhores sabem que é indispensável para o futuro de Portugal.
O País conhece a disponibilidade do Governo para, nas questões estruturais, trabalhar no seio da concertação social, por forma a alcançarmos um acordo que obtenha a solidariedade de todos na partilha de responsabilidades…

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Há 25 acordos para cumprirem!

O Orador: - … e nos objectivos de retomarmos um caminho para a prosperidade.
O Sr. Deputado Ferro Rodrigues tem de decidir, provavelmente sozinho, sem o barulho que se faz da sua bancada para o condicionar,...

Protestos do PS.

... se o Partido Socialista quer ser humilde e reconhecer que a enorme derrapagem financeira do Estado português aconteceu nos vossos governos, e, sobretudo, se quer ter a elevação de compreender que o objectivo do saneamento financeiro e da estabilidade financeira não é um objectivo do Governo, é um objectivo de Portugal!
Pode V. Ex.ª responder que não à abertura e à moderação do Governo, mas saiba que perderá credibilidade interna e externa, que entrará na periferia da governabilidade e, ainda mais, que ficará refém de uma agenda que não tem a ver com o núcleo dos interesses de Portugal mas em que o Partido Socialista parecerá, nos dias ímpares, um grande «Partido Comunista» e, nos dias pares, um «Bloco de Esquerda» relevante!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É fácil e ridículo!

O Orador: - Precisarei eu de lhe lembrar, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, a propósito da generosidade em nome do interesse nacional que cada um teve em cada momento, que é verdade que, em nome do euro, o partido maioritário desta coligação votou os vossos orçamentos?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O senhor votou mais vezes! Por acaso, o PP votou mais vezes!

O Orador: - O que o País vos pede é o sentido de Estado e o sentido de responsabilidade de saberem que é importante a votação de uma lei de estabilidade orçamental, para mais conhecendo a disponibilidade do Governo em chegar aos consensos necessários.
Mas, Sr. Dr. Ferro Rodrigues, não nos peça vagar, demora, adiamento, mais adiamento. Devagar, devagarinho, convosco íamos chegando ao precipício! Este Governo não tem pressa, é apenas rigoroso...

Protestos do PS.

... e temos rigorosamente que fazer a estabilidade orçamental a que nos comprometemos, se quisermos que o nosso país volte a ser economicamente relevante.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E, ainda mais, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, num apelo que lhe faço como líder do maior partido da oposição, uma de duas: ou o Partido Socialista tem um assomo de responsabilidade, percebe o que aconteceu em termos financeiros nos seus governos e, ainda mais importante do que isso, percebe a vantagem para Portugal, o interesse e o vital que é para o nosso país conseguirmos o saneamento financeiro das finanças públicas e a estabilidade orçamental, ou, então, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, a sua política (que às vezes não parece ser a sua, mas uma política da sua bancada, sob pressão)...

Vozes do PS: - Eh!

O Orador: - ... é aquela que pretende ganhar na rua o que perde no Parlamento e que, às vezes, no Parlamento, se comporta como se estivesse na rua.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Que País quer o Partido Socialista? Um Portugal perdedor, face aos objectivos europeus, ou um Portugal vencedor, o que implica esforço, trabalho e sacrifício nos objectivos europeus que podem levar-nos, como devem, à prosperidade?
Estas reflexões são necessárias porque hoje, mais uma vez, se observou, Sr.as e Srs. Deputados do PS, que também na atitude perante o País há pelo menos dois discursos no vosso partido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Um mau e um bom?!

O Orador: - Não escapou a ninguém a diferença de discursos entre o Dr. Ferro Rodrigues e o Eng.º José Sócrates. Quando o Dr. Ferro Rodrigues ainda tenta um módico de racionalidade, depara-se logo com aquela ansiedade do PS que ontem denunciou junto dos seus camaradas, em Guimarães - não demoraram nem 24 horas a descobrir o rosto da ansiedade!

Risos do CDS-PP.

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Se o líder do PS, legitimamente, ainda hesita quanto a questões fundamentais, logo salta o Eng.º José Sócrates para o amarrar ao caminho errado, sabe Deus porquê!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Isto é que é o estado da Nação?!

O Orador: - Se o líder do PS tem de decidir, com a responsabilidade que essas decisões encerram, o posicionamento do partido relativamente a leis que aferem a credibilidade externa do Estado português logo se agita o Eng.º José Sócrates como quem diz: «Líder, se líder queres continuar a ser, faz o que as sondagens mandam, não faças o que o País precisa!»

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Eng.º José Sócrates, a sua intervenção pareceu dirigida contra o Governo, mas, na verdade, foi dirigida para o interior do seu partido. Sr. Eng.º José Sócrates, a sua intenção não foi ter razão, foi condicionar a liderança do PS!

O Sr. José Magalhães (PS): - Escreva uma carta ao Sócrates!

O Orador: - Sr. Presidente, cada qual assume as suas responsabilidades! O País tem um Governo que corrige, decide e reforma, mas não sabe se tem um principal partido da oposição responsável e com sentido de Estado. Amanhã saberemos!

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

O Sr. José Magalhães (PS): - É assim que acaba o debate sobre o estado da Nação, com uma «carta de amor!?»

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro de Estado deixou no ar uma interrogação a que posso responder dizendo apenas que da nossa ordem do dia de amanhã consta, exactamente, a discussão da proposta de lei sobre a estabilidade orçamental.
Antes, porém, conforme foi estabelecido, haverá período de antes da ordem do dia, sem prolongamento, para cumprirmos algumas inscrições que relevam da anterior sessão.
Por hoje, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Eduardo Artur Neves Moreira

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Manuel de Medeiros Ferreira
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Nelson da Cunha Correia
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Almeida Henriques
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
José Manuel Pereira da Costa
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Mário Patinha Antão

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
António Ramos Preto
Fernando Ribeiro Moniz
Jaime José Matos da Gama
João Barroso Soares
José da Conceição Saraiva
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
Luísa Pinheiro Portugal
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta

Partido Popular (CDS-PP):
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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