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1311 | I Série - Número 032 | 12 de Julho de 2002

 

é certamente difícil defender que a lei do País as considere do mero interesse dos barranquenhos. Nesse sentido, a festa de Barrancos acaba por ser vítima da sua força e da sua notoriedade.
Estes argumentos de princípio são coadjuvados por outros de natureza política. Com a devida vénia, peço emprestadas as palavras de um Deputado desta Casa para os resumir: «Esta iniciativa legislativa só tem uma explicação: o Governo é incapaz de fazer cumprir a lei vigente». E este mesmo Deputado acrescentava pouco depois, sobre o diploma em discussão naquela altura, que ele vinha «contra a maré e contra a universalização do combate a cenas de violência e espectáculos de violência sobre os animais que é uma conquista da nossa civilização».

A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Estas palavras só merecem duas notas: foram injustas, no momento em que foram aqui proferidas, e referiam-se a uma proposta do XIV Governo. Hoje seriam totalmente justas, mas tudo leva a crer que não serão retomadas pelo seu autor, o Sr. Deputado Guilherme Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além destas objecções de carácter geral, o projecto resiste mal a um olhar mais atento. Por exemplo: quem consegue explicar que o único e exclusivo requisito para alguém poder ver reconhecido o privilégio de realizar espectáculos com touros de morte (e atente-se em que se fala de espectáculo e não de evento cultural ou tradicional) seja a prova de que violou a lei ininterruptamente por um período de 50 anos?
Estou mesmo a ver a frase final do requerimento do promotor do espectáculo: «Mais protestam os signatários que violaram a lei, consistente e ininterruptamente, nos últimos 50 anos. Pedem deferimento».
Faz isto sentido? É aceitável e dignificante dos arquétipos de Estado de direito e da autoridade democrática do Estado uma lei da República exigir como requisito para obter um privilégio a violação ininterrupta da lei, ainda que em nome da tradição?
E porquê só quando a violação da lei se iniciou em 1952? O que é que houve de transcendente em 1952, Srs. Deputados? Por que não exigir uma tradição com 20, 30 ou 40 anos? E por que é que, se houver uma tradição hoje com 48 anos e que complete os 50 em 2004, não pode ser também considerada? Há alguém que possa apresentar uma boa resposta a isto?
Olhemos para a intervenção das câmaras. Alguém sabe verdadeiramente o que lhes vai ser pedido?
A câmara, diz o diploma, é consultada. Quer isto dizer que a câmara só diz se concorda ou discorda, ou também tem de apresentar ou avaliar provas da tradição ininterrupta? E é a ela que cabe a prova? É a ela que cabe a certificação da tradição ininterrupta? Se sim, o que sucede quando a posição da câmara suscita dúvidas? Se não, quais os instrumentos de que a Inspecção-Geral das Actividades Culturais dispõe para fazer a prova e instruir o processo em 15 dias?
Aliás, os 15 dias suscitam outra perplexidade: será realmente possível que a Inspecção abra o processo, promova a consulta à edilidade, recolha todos os elementos de prova para aquilatar do preenchimento dos requisitos legais e ainda dê tempo para todas as reclamações e recursos graciosos a que as decisões estão sujeitas, com a respectiva tramitação, tudo isto em 15 dias? E se, em vez de um só requerimento, do tal requerimento em que todos estamos a pensar, houver 32? Ou houver 308? Ou houver 500? Não vai sobressaltar, por um minuto, a dúvida?
As fragilidades do diploma em apreço são imensas, mas os seus proponentes acham que ele vai resolver um problema: o problema de Barrancos.
Há algo que tem de ser dito aqui: este projecto de lei tem todos os condimentos para funcionar como uma verdadeira «caixa de Pandora».

Aplausos do PS.

Em troco de um problema resolvido, podem surgir 31 potenciais problemas por resolver. Aliás, eles têm nome, já os conhecemos! Chamam-se: Alcácer do Sal, Alcochete, Alijó, Almeirim, Alter do Chão, Angra do Heroísmo, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Benavente, Calheta (Açores), Cartaxo, Fronteira, Golegã, Lagoa (Algarve), Lisboa,…

Vozes do CDS-PP: - Lisboa?!

O Orador: - Escutem, agora, Srs. Deputados, para, depois, não dizerem que não foram avisados!
Continuando a enumeração dos potenciais problemas: Moita, Monforte, Moura, Pinhel, Pombal, Póvoa do Varzim, Santarém, Setúbal, Tavira, Vagos, Velas, Viana do Alentejo, Vila Franca de Xira, Vila Nova da Barquinha, Vila Nova de Poiares e Montijo.
Estes são os nomes dos potenciais e já anunciados novos problemas. Todos eles membros da secção de municípios com actividade tauromáquica da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Todos eles, pelo que se tem dito, interessados em que o privilégio de Barrancos lhes seja concedido.
Aliás, a propósito de Associação Nacional de Municípios, vale a pena assinalar que, no trânsito dos dois projectos autónomos, o do PSD e do CDS-PP e o do PCP, para o projecto comum que hoje aqui discutimos PSD/CDS-PP/PCP, se aproveitou para retirar aos municípios o poder de autorização conjunta, brindando-os, em contrapartida, com o valioso direito de serem consultados. Uma evolução centralizadora, exactamente inversa da que os municípios, aliás, pretendem! Mais uma pequena dessincronização entre o discurso descentralizador do Governo e da maioria e a prática, que não escapará aos municípios!

O Sr. António Filipe (PCP): - Em que é que ficamos?!

O Orador: - Estas novas competências dos organismos do Ministério da Cultura, e, em última análise, do próprio Ministro da Cultura (que não deixará de ser chamado a dar instruções e a resolver recursos hierárquicos), suscitam um derradeiro comentário.
Que prodigiosa ironia, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que seja no Sr. Ministro da Cultura que se deposite toda a responsabilidade de evitar que o PSD e o CDS-PP tenham de engolir tudo aquilo que andaram a dizer sobre a quebra da autoridade do Estado, em Barrancos!
Que prodigiosa ironia caber a um homem de cultura reconhecer que é uma tradição ancestral e ininterrupta e

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