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Quinta-feira, 19 de Setembro de 2002 I Série - Número 37

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE SETEMBRO DE 2002

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros, da proposta de lei n.º 24/IX, dos projectos de lei n.os 115 a 118/IX e do projecto de resolução n.º 45/IX e ainda do envio, da parte do Parlamento de Timor-Leste, de um ofício relativo a um voto de pesar, por ele aprovado, pela morte do General Paulo Guerreiro.
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Ética relativos, respectivamente, à retoma de mandato de um Deputado do PSD e à substituição de um Deputado do BE.
Depois de ter dado as boas-vindas à Assembleia após as férias parlamentares, o Sr. Presidente fez referência à visita que efectuou, em Julho, acompanhado de uma delegação parlamentar, à República de Cabo Verde e deu conta de mensagens de solidariedade que, em Agosto, enviou aos Presidentes das Câmaras dos Deputados da Alemanha, da República Checa, da Áustria e da Hungria, exprimindo o pesar da Assembleia da República pelas cheias que assolaram estes países.
Sobre o voto n.º 16/IX - De pesar pelo falecimento da mulher de cultura e da parlamentar Helena Vaz da Silva (Presidente da AR), pronunciaram-se os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Honório Novo (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Isabel Castro (Os Verdes) e o Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento).
Relativamente ao voto n.º 17/IX - De pesar pela morte do pintor Fernando de Azevedo (Presidente da AR), pronunciaram-se os Srs. Deputados Manuela Melo (PS), Luísa Mesquita (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), Teresa Patrício Gouveia (PSD), João Teixeira Lopes (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).
Sobre o voto n.º 18/IX - De pesar pela morte do jornalista António Paulouro (Presidente da AR), usaram da palavra os Srs. Deputados José Sócrates (PS), Lino de Carvalho (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Maria Elisa Domingues (PSD) e João Teixeira Lopes (BE).
Após aprovação dos três votos, a Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) defendeu a vinda ao Parlamento do Ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas, para dar explicações sobre o seu envolvimento com o caso da Universidade Moderna, criticou a Ministra da Justiça por não querer vir ao Parlamento dar explicações sobre as demissões ocorridas na Polícia Judiciária e o Governo, na pessoa do Primeiro-Ministro, por não tomar qualquer posição. Deu explicações à defesa da honra do Governo feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes) e às defesas da honra da bancada produzidas pelos Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD), em declaração política, criticou a actuação do Partido Socialista pelo estado em que os seus governos deixaram o País, e referiu-se às reformas levadas a cabo pelo Governo no Estado e na sociedade com vista à recuperação da economia.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) questionou as razões por tanto o Ministro de Estado e da Defesa Nacional como a Ministra da Justiça se recusarem a prestar ao País esclarecimentos no que respeita ao caso Moderna e às demissões ocorridas na Polícia Judiciária, e informou que o PCP iria apresentar um requerimento dirigido à Ministra das Finanças, a solicitar todos os esclarecimentos sobre a situação fiscal das empresas geridas pelo Ministro de Estado e da Defesa Nacional.

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O Sr. Deputado António Costa (PS), em declaração política, também abordou as demissões ocorridas na Polícia Judiciária, por suscitarem dúvidas sobre o empenho no combate ao crime económico e financeiro, e o «caso Moderna», por o relatório final da Polícia Judiciária levantar novas dúvidas quanto ao envolvimento do Ministro de Estado e da Defesa Nacional, exigindo destes membros do Governo um esclarecimento dos factos perante a Assembleia. No fim, respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP) - que veio depois a dar esclarecimentos a uma defesa da honra feita pelo Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues (PS) - e Guilherme Silva (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP) aproveitou a reabertura dos trabalhos parlamentares para falar dos desafios reformistas que estão lançados aos portugueses.
Por último e ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) abordou a polémica que envolve a
Universidade Moderna e o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, Paulo Portas.

Ordem do dia. - Foram apreciados conjuntamente, na generalidade, a proposta de lei n.º 19/IX - Autoriza o Governo a criar entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições - e os projectos de lei n.os 5/ IX - Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto (PCP) e 11//IX - Cria as autoridades metropolitanas de transportes (BE). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), João Teixeira Lopes (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Fernando Pedro Moutinho (PSD), Álvaro Castello-Branco (CDS-PP), Edite Estrela (PS) e Luís Rodrigues (PSD).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 7/IX - Estabelece regras de segurança no transporte colectivo de crianças (Os Verdes), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Carlos Rodrigues e Fernando Pedro Moutinho (PSD), Miguel Coelho (PS), João Teixeira Lopes (BE), Luísa Mesquita (PCP), Machado Rodrigues (PSD) e Helder Amaral (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Daniel Miguel Rebelo
Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins

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Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
No dia 3 de Agosto - ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas; aos Ministérios da Economia e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado João Cravinho; e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.
Na Comissão Permanente de 4 de Setembro - ao Ministro da Presidência e ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e José Apolinário; e ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís.

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Nos dias 6, 9 e 10 de Setembro - aos Ministérios da Educação, Obras Públicas, Transportes e Habitação e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; à Federação Portuguesa de Futebol, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr.ª Deputada Isabel Castro; e ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas.
No dia 11 de Setembro - ao Ministro da Presidência, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Faro, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministro Adjunto do Primeiro Ministro e ao Conselho de Administração da Radiotelevisão Portuguesa (RTP), formulado pelo Sr. Deputado António Galamba; à Secretaria de Estado da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; e aos Ministérios das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e Defesa Nacional, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
No dia 30 de Agosto - Sónia Fertuzinhos, Maria Santos, António Galamba, Ascenso Simões, Luísa Mesquita, Paulo Pedroso, Honório Novo, Almeida Henriques, Miguel Anacoreta Correia, Bruno Dias, João Teixeira Lopes, José Apolinário, Fernando Pedro Moutinho, José Saraiva, Duarte Pacheco, José Magalhães, Alberto Antunes, Miranda Calha e Isabel Gonçalves.
No dia 3 de Setembro - Isabel Castro, António Galamba e Luísa Mesquita.
Nos dias 4 e 5 de Setembro - Honório Novo, António Galamba, Jerónimo de Sousa, Luísa Mesquita, Carlos Alberto Gonçalves, António Filipe, José Apolinário, Francisco Louçã, Odete Santos, Bruno Vitorino, Bernardino Soares, Ana Benavente, Fernando Pedro Moutinho, Carlos Luís, Isabel Castro, João Rebelo, Alberto Antunes, Luiz Fagundes Duarte, Miguel Anacoreta Correia, Pedro Roque, Ana Manso, Fernando Cabral, Maria do Carmo Romão, António José Seguro, Manuela Melo e Lino de Carvalho.
No dia 9 de Setembro - António Galamba, Vitalino Canas, Carlos Alberto Gonçalves, Fernando Serrasqueiro, António Filipe, Zelinda Marouço Semedo, Heloísa Apolónia, Isabel Castro, José Apolinário, Manuel Oliveira, João Teixeira Lopes, José Saraiva, Ana Benavente, Miranda Calha, Bruno Dias, Rui Cunha, Jerónimo de Sousa, Alberto Antunes, Miguel Anacoreta Correia, Ricardo Fonseca de Almeida, Diogo Feio, Luís Fazenda, Fernando Pedro Moutinho, Lino de Carvalho, Honório Novo e José Vera Jardim.
No dia 11 de Setembro - António Galamba, Fernando Cabral e Honório Novo.
Foram ainda respondidos requerimentos, nos dias 30 de Agosto e 4, 5, 9 e 11 de Setembro, apresentados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro .
Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos, que baixou à 4.ª Comissão; projectos de lei n.os 115/IX - Criação do concelho da Tocha (CDS-PP), que baixou à 4.ª Comissão, 116/IX - Define as bases da estratégia de prevenção da toxicodependência e de separação entre drogas duras e drogas leves (BE), que baixou à 8.ª Comissão, 117/IX - Medidas para o controlo do consumo de ecstasy (BE), que baixou à 8.ª Comissão, e 118/IX - Cria o projecto-piloto de prescrição médica de heroína (BE), que baixou à 8.ª Comissão; e projecto de resolução n.º 45/IX - Sobre transparência nas contas públicas (PS).
A Mesa informa a Câmara que foi recebido, da parte do Parlamento de Timor-Leste, um ofício relativo a um voto de pesar, por ele aprovado, pela morte do General Paulo Guerreiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram também entrada na Mesa dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética, que necessitam de ser votados antes do início dos trabalhos.
O primeiro é do seguinte teor:

1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 11 de Setembro de 2002, pelas 12 horas, foi observada a seguinte retoma de mandato de Deputado:
Nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 3/2001), de 23 de Fevereiro:
Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata - Jorge Oliveira Godinho (Círculo Eleitoral de Aveiro), cessando Pina Marques, em 15 de Setembro corrente, inclusive
2 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
3 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A retoma de mandato em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o segundo relatório e parecer da Comissão de Ética é do seguinte teor:

1 - Em reunião da Comissão de Ética, realizada no dia 18 de Setembro de 2002, pelas 14 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de Deputado:
Substituição nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), do Estatuto dos Deputados (Lei n.° 3/2001, de 23 de Fevereiro), por um período não inferior a 50 (cinquenta) dias, com início em 18 de Setembro corrente, inclusive:
Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda - Luís Fazenda (Círculo Eleitoral de Lisboa), por Ana Isabel Drago Lobato.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que a substituta indicada é realmente a candidata não eleita que deve ser chamada ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4 - A Comissão considera a justificação apresentada motivo relevante para efeitos de ser autorizada a substituição temporária, tal como previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Deputados.
5 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

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Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Os Srs. Deputados em causa, verificados os seus poderes e aprovados os respectivos pareceres da Comissão de Ética, podem assumir as suas funções e tomar parte nos trabalhos de hoje.
Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, quero dar-vos, muito cordialmente, as boas-vindas, depois do regresso de férias, justíssimas e bem merecidas. E aqui estamos todos prontos para muito trabalho.
Quero também fazer uma referência muito breve à viagem que fiz, acompanhado de uma delegação parlamentar, na segunda quinzena do mês de Julho, à República de Cabo Verde, a convite do Presidente da Assembleia Nacional. O meu relatório já se encontra publicado, pelo que todos os Srs. Deputados poderão ter conhecimento dele.
Este diálogo com o país irmão, que tem com o nosso relações tão íntimas e tão fraternas, foi um momento realmente impressionante.
Espero que, numa oportunidade próxima, possamos discutir em conjunto as questões relacionadas com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e com a lusofonia em geral. A nossa experiência em Cabo Verde, partilhada por representantes de todos os grupos parlamentares, foi extremamente enriquecedora quanto à importância e vitalidade deste projecto da lusofonia.
Quero também dar conhecimento à Câmara de que, no mês de Agosto, enviei mensagens aos Presidentes das Câmaras dos Deputados da Alemanha, da República Checa, da Áustria e da Hungria, exprimindo o pesar da Assembleia da República pelas catastróficas cheias que assolaram estes países, tendo já recebido de alguns deles mensagens de agradecimento por esta nossa manifestação de solidariedade.
É óbvio que, numa circunstância destas, não poderíamos esperar pelo reinício dos trabalhos da Assembleia para exprimirmos aquilo que era, certamente, o pensar de todos.
Srs. Deputados, vamos, agora, por acordo de todos, apreciar alguns votos de pesar, que eu próprio subscrevo, com a anuência prévia de todos os grupos parlamentares, pelo falecimento de algumas personalidades durante a interrupção das nossas actividades.
O primeiro é o voto n.º 16/IX, de pesar pelo falecimento de Helena Vaz da Silva, que é do seguinte teor: «Helena Vaz da Silva é uma referência da cultura e da cidadania em Portugal. O seu falecimento prematuro, quando tanto tinha ainda para nos dar, deixa um vazio impossível de preencher.
Entusiasta das ideias e da inovação, da criatividade e da protecção das tradições e do património, soube estar sempre na primeira linha de acção no serviço essencial de projectar a cultura portuguesa e de tornar mais conhecida dos portugueses a nossa presença nas sete partidas do mundo.
Desde a redacção de O Tempo e o Modo e da revista Concilium até à direcção do Centro Nacional de Cultura, Helena Vaz da Silva soube congregar esforços e unir pessoas de todos os horizontes, o que lhe permitiu contribuir de um modo sério, culto, empreendedor, activo e extremamente sensível para a abertura de novas pistas e de perspectivas modernas na vida portuguesa.
Jornalista de grande competência, soube introduzir os temas da cultura e da sociedade nos órgãos de informação em que trabalhou, tendo sido pioneira: Na revista Raiz e Utopia lançou o debate sobre temas fundamentais, como os ligados à protecção ambiental, aos novos direitos humanos, à educação permanente e à cultura científica, entre tantos, outros. Na UNESCO protagonizou, ao lado de Federico Mayor, um momento único de viragem na vida da organização, que permitiu a Portugal assumir um papel muito relevante no Ano Internacional dos Oceanos. No Parlamento Europeu desenvolveu também uma actividade de grande valia, que merece ainda hoje grata recordação de todos quantos com ela trabalharam.
Foi, porém, no Centro Nacional de Cultura, cujas actividades relançou, que pôde prestar um serviço público inestimável à divulgação em Portugal e além fronteiras de marcos essenciais da nossa criação artística e da nossa afirmação cultural. Desde os «Passeios de Domingo» às múltiplas iniciativas em torno da presença portuguesa no mundo, passando pelas actividades de educação para a cidadania, de promoção da ciência, de diálogo entre culturas e saberes e de apoio a novos artistas e criadores é difícil fazer uma enumeração exaustiva de tudo quanto fez e animou, sempre na perspectiva de abrir novos espaços e novas oportunidades.
A Assembleia da República exprime, assim, o mais profundo pesar pelo falecimento da mulher de cultura e da ilustre parlamentar que foi Helena Vaz da Silva, cuja memória homenageia, enviando à sua família sentidas condolências.»
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.a e Srs. Deputados: Helena Vaz da Silva era uma personalidade que fervilhava ideias e iniciativas. Ocupou a vida a semear o futuro.
O Centro Nacional de Cultura foi a sua casa, uma casa prestigiada e com história que transformou numa associação viva que ilustra bem como é possível apoiar e dinamizar a cultura a partir das iniciativas da sociedade civil.
Intervenho em nome do meu grupo parlamentar e também em meu nome pessoal, como seu amigo de muitos anos e de muitos projectos em comum. Vêm-me à memória mil lembranças, desde O Tempo e o Modo, ao lado de António Alçada Baptista e de João Bénard da Costa. Edgar Morin falou de um grupo jovem, ardente de reflexão, talentoso, no qual se distinguia a juventude o ardor, a reflexão e o talento de Helena Vaz da Silva.
Recordamos ainda a jornalista no auge dos acontecimentos da Revolução portuguesa e a «globetrotter» a escrever sobre cultura, ideias, projectos e, sobretudo, a propósito das pessoas e da arte de viver.
Depois, veio a Raiz e Utopia, a revista que ainda hoje nos permite perceber como se semeiam muitas ideias na consciência plena de que há ideias que a História agarra e outras que o vento leva. Helena Vaz da Silva sabia como ninguém que é assim mesmo. E foi no seu projecto Raiz e Utopia que Eduardo Lourenço lançou O labirinto da saudade. Psicanálise mítica do destino português, ou que António José Saraiva demonstrou o seu visionarismo, distinguindo o essencial e o acessório.
Edgar Morin, Jean-Marie Domenacq, Gonçalo Ribeiro Teles, quantos amigos aí estiveram!
Um dia, Helena releu Davam grandes passeios aos Domingos e o Centro Nacional de Cultura tornou-se

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peripatético, andando por toda a parte, por todo o mundo e arredores, sempre sob o inesgotável curiosidade e o espírito de descoberta da sua Presidente, Centro ancorado em Lisboa, mas sempre disponível para levantar ferro, através de Portugal e do mundo. E quanto ficamos a dever a esses passeios e ao que eles permitiram de investigação e de conhecimento das nossas coisas!
A Helena era assim, e nessa medida a sua memória não pode deixar de estar bem presente.
No fim dos anos 80, participou na aventura da renovação da UNESCO, momento único em que com Frederico Mayor imaginou um novo modo de olhar a educação, a cultura, a ciência e a comunicação. A burocracia internacional foi tantas vezes mais poderosa, mas o método então lançado não poderá deixar de ser seguido contra a lógica cega dos fundamentalismos do mercado e de uma desregulação globalizada. A educação para todos e a formação ao longo da vida, o apoio à investigação e à ligação da ciência à sociedade - diálogo entre saberes -, a defesa do património e da criação cultural, eis o que não poderá ser esquecido!
Como parlamentar europeia, continuou a sua tarefa incansável de cidadã do mundo! Para além das fronteiras partidárias, Helena Vaz da Silva uniu esforços, reuniu energias, trabalhou activamente, por exemplo com Enrique Barón Crespo, no apoio ao extraordinário projecto do Maestro Menuhin, em prol da educação dos desfavorecidos e do diálogo das culturas. Foi uma cidadã exemplar!
A homenagem desta Assembleia é o reconhecimento do País. Helena Vaz da Silva partiu, mas fica o que fez e os projectos que têm de ser continuados!
Do seu entusiasmo, d seu gosto de viver, da permanente curiosidade, da inteligência, da capacidade de compreender o novo e o moderno jamais nos esquecermos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tive o privilégio pessoal e a honra de ter conhecido Helena Vaz da Silva quando ambos desempenhávamos o cargo de Deputados ao Parlamento Europeu, durante a legislatura que mediou entre 1994 e 1999.
Tive, finalmente, a oportunidade pessoal de conhecer e de privar com uma mulher que, para mim, e independentemente das diferenças de opinião, sempre constituiu uma referência de cultura e uma referência de acção e de intervenção cívica.
Tive então a oportunidade e, volto a sublinhar, a honra e o privilégio de conhecer aquela que, ao longo da sua vida, jamais se cansou de inovar e de construir e reconstruir projectos, em O Tempo e o Modo, na revista Concilium, na Raiz e Utopia, na Unesco, no jornalismo, no Centro Nacional de Cultura, enfim, num sem número de projectos a que deu corpo e a que se entregou incontornavelmente de uma forma plena e apaixonada.
O convívio fez-me confirmar que Helena Vaz da Silva era, de facto, uma mulher com uma cultura ímpar, com uma capacidade de trabalho invulgar, com uma frontalidade inflexível, mas perfeitamente e plenamente leal, enfim, uma mulher com uma capacidade de dialogar e de estabelecer pontes e ligações quase inexcedível! É esta a imagem mais rica que guardo de Helena Vaz da Silva, apesar, sublinho e repito, das dissonâncias que tivemos e que sempre assumimos da tal forma transparente mas leal.
A sua morte prematura corta definitivamente um caminho que a personalidade e a capacidade de Helena Vaz da Silva iria certamente continuar a percorrer e ao longo do qual certamente nos iria surpreender.
Por isso, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, associo-me ao voto de pesar lido pelo Sr. Presidente da Assembleia da República e exprimo o mais profundo pesar pela morte desta mulher de cultura, apresentando e endereçando à família as sentidas condolências do Partido Comunista Português.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A morte de Helena Vaz da Silva representou para o País a enorme perda de uma das suas mais ilustres cidadãs.
Persistente e criativa, dotada de uma inteligência brilhante e de um espírito crítico que exercitava com raro sentido de independência, era senhora de uma enorme energia que sempre soube colocar ao serviço da cultura portuguesa. Demonstrando uma capacidade de trabalho por todos reconhecida, possuía a qualidade notável de conseguir unir nos projectos em que se empenhava pessoas das mais diversas sensibilidades, transmitindo-lhes o entusiasmo e o dinamismo que imprimia a tudo o que fazia.
O seu modo de estar foi por muitos caracterizado, e aliás bem, por um espírito infatigável, mas sempre acompanhado pela cordialidade no trato, que aqueles que tiveram a oportunidade de a conhecer e com ela privaram puderam testemunhar.
Correspondente de línguas, jornalista, co-fundadora de várias publicações, administradora do Centro Nacional de Cultura, Vice-Presidente do Instituto Português de Cinema, membro da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, Deputada ao Parlamento Europeu, era desde 1979, Presidente do Conselho Nacional de Cultura e recentemente do Grupo de Trabalho sobre o Serviço Público de Televisão.
Não é possível, isso seria sempre redutor, escrever aqui, mesmo que resumidamente, o percurso humano e profissional desta figura incontornável da cultura portuguesa que, ao longo da vida, se envolveu em múltiplos projectos. Mas em todas estas funções e em tantas outras que desempenhou deixou marca indelével de uma personalidade humanista, rica inteligência, rigor e equilíbrio.
O Grupo Parlamentar do CDS inclina-se perante a memória de Helena Vaz da Silva, presta-lhe a sua sentida homenagem e manifesta o seu profundo pesar pela morte desta ilustre cidadã!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho de Helena Vaz da Silva a memória de uma personalidade simples, como é timbre de pessoas de grande elevação e de grande craveira, como era o seu caso.
Não é possível falar de cultura em Portugal nas últimas duas dezenas de anos sem associar, de forma muito clara, o nome de Helena Vaz da Silva.
Mas se é realmente na cultura, nas suas várias manifestações bem patenteadas nos seus projectos e nas manifestações

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a que esteve ligada, desde as revistas que já aqui foram referidas até às formas mais simples que ela foi encontrando de dinamizar a cultura em Portugal, como eram as visitas de Domingo que o Centro Nacional de Cultura realizava sob a sua liderança, a verdade é que Helena Vaz da Silva teve uma presença bem mais ampla e mais vasta do que a da cultura no sentido estrito da palavra.
Teve uma acção cívica e política importante. O PSD teve a honra de integrá-la nas suas listas para o Parlamento Europeu, onde desempenhou um papel importantíssimo, não apenas no âmbito do Grupo Parlamentar do PSD mas no âmbito de uma presença portuguesa relevante no Parlamento Europeu, onde, como não podia deixar de ser, também ela não foi indiferente.
Era timbre da personalidade de Helena Vaz da Silva exactamente esta dupla característica. Se há pessoas que passam pelo mundo sem conseguirem ser indiferentes a nada do que as rodeia, se há pessoas que passam pela vida sem que aqueles que as rodeiam ou conhecem possam ser-lhes indiferente, Helena Vaz da Silva tinha efectivamente essa conjugação.
A sua capacidade, as suas qualidades, a sua disponibilidade e a sua dádiva constante em relação a todas as coisas a que metia ombros está também patente na própria circunstância de, pouco tempo antes da sua morte - infelizmente sem que ela tivesse tido condições de dar aí também o seu contributo, que teria sido mais uma vez inestimável -, ela aceitou uma incumbência, que foi a de presidir ao grupo de trabalho que avaliaria as questões do serviço público de televisão em Portugal. Isto revela bem que, até ao último momento, ela teve a mesma disponibilidade, a mesma capacidade e, infelizmente, a morte veio e não lhe permitiu dar mais esse contributo à comunidade nacional, a todos nós.
A circunstância de termos tido o privilégio de conviver com ela mais de perto, pela sua ligação mais próxima ao PSD, leva-me a que me permita, de uma forma mais aprofundada, em meu nome pessoal, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, a associar-me a este voto de pesar e a acompanhar o Sr. Presidente da Assembleia da República na apresentação de condolências à família de Helena Vaz da Silva.

O Sr. Presidente: - Tema palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda associa-se também a este voto de pesar.
Helena Vaz da Silva foi uma personalidade marcante, polémica, enérgica, interventiva, que deixou marcas perenes no campo cultural português.
Tive ocasião de conhecê-la aquando da realização do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura e de participar em iniciativas de intercâmbio entre associações culturais do Porto e o Centro Nacional de Cultura. E percebi que Helena Vaz da Silva tinha uma noção de património que ia bem além do seu tradicional entendimento como algo de fixo ou de imutável. Tinha uma noção bem vasta desta questão e de outras, procurando sempre a vivíssima actualidade do sentido de cultura.
Por isso, homenageamos alguém para quem a cultura não era um luxo, não era algo de supérfluo, de trivial, de fútil, mas, sim, um instrumento precioso que liga indissociavelmente a reflexão e a acção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de associar-me a este voto, sublinhando três aspectos, que me parecem marcantes, da personalidade de Helena Vaz da Silva. São eles a sua marca de uma mulher permanentemente impulsionadora de projectos novos, a sua impressionante e inesgotável energia e, por último, a sua personalidade multifacetada.
E é com base nesta mistura tão rica que julgo, independentemente de Helena Vaz da Silva deixar uma marca nos muitos domínios em que se envolveu, seguramente, e do meu ponto de vista, que o Centro Nacional de Cultura é um património que não pode ser subestimado.
Nesse projecto riquíssimo, ela foi capaz de fazer com que a cultura deixasse de ser um bem consumido por elites, tornando-a próxima, desvendando-a a grupos e a pessoas que, porventura, de outro modo teriam ficado irremediavelmente afastadas da descoberta do património, da descoberta, numa perspectiva muito rica e ampla, de toda uma riqueza cultural que ela deixou na sua obra e na sua marca no Centro Nacional de Cultura.
É nessa perspectiva que me parece extremamente rica a vida de Helena Vaz da Silva e é essa riqueza de intervenção que gostaria de assinalar em relação a esta mulher que não desperdiçou, seguramente, uma dia da sua vida.
Associo-me, pois, a este voto de pesar, que gostaria de transmitir à sua família e, seguramente, aos seus muitos amigos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (Nuno Morais Sarmento): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À primeira vista, poderá parecer estranha a presença e a intervenção do Governo neste momento. A explicação é, como compreenderão, a de que, tendo tido conhecimento da apresentação deste voto de pesar, senti vontade e obrigação de estar hoje aqui convosco.
Sobre Helena Vaz da Silva, associo-me a todas as palavras que aqui foram ditas e, de entre todas, às do Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, que sei foram ditas com o sentimento de uma amizade de muitos anos e com a autoridade de uma vivência muito próxima, em muitos momentos. Soube disso através da Helena Vaz da Silva, testemunhei-o, e sei, portanto, o quanto são verdadeiras e sentidas as suas palavras, bem como todas as outras que foram proferidas, que igualmente subscrevo.
Como sabem, foi nesta Câmara que o Governo apresentou a constituição do grupo de trabalho presidido por Helena Vaz da Silva. A constituição desse grupo de trabalho correspondeu a uma vontade do Governo, mas também a um desafio que fizemos um ao outro - eu e a Helena Vaz da Silva -, e foi um percurso que fizemos desde então. Conhecia-a há muitos anos, e tratou-se de um percurso rico, tendo sido, para mim, um percurso de aprendizagem.
Helena Vaz da Silva sabia já as dificuldades que ia enfrentar quando assumiu aquela responsabilidade e, mesmo depois de doente, acompanhou até ao último momento, mesmo no hospital, os trabalhos do grupo, com a energia e a vida que aqueles que a conheceram sabem que tinha.

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E se muitas vezes prestamos testemunho às ideias, as ideias seguem caminho por si; se muitas vezes prestamos testemunho às obras, as obras também continuam quando são grandes, e algumas das obras que ela deixa continuarão o seu caminho.
Uso da palavra principalmente para deixar um testemunho à pessoa, e essa não estará mais senão na nossa memória. E tenho, para mim, que o maior património que somamos na vida é o das vivências que colhemos ao longo da vida, é o das amizades que fazemos ao longo da vida. Helena Vaz da Silva foi uma pessoa que me marcou e queria, por isso, em meu nome pessoal e do Governo, associar-me a este voto.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, sobre esta matéria, gostava de acrescentar, relativamente ao texto do voto que eu próprio subscrevi e apresentei, que a Mesa se associa às palavras sentidas proferidas por todas as bancadas sobre Helena Vaz da Silva, de quem admirei a capacidade de cidadania e a grande energia, e que também tenho o gosto de me contar entre os seus amigos.
Srs. Deputados, segue-se o voto n.º 17/IX, de pesar pela morte do pintor Fernando de Azevedo, que passo a ler: «A Assembleia da República, reunida em Plenário pela primeira vez depois da morte do pintor Fernando de Azevedo, quer manifestar publicamente o seu pesar e associar-se à homenagem devida a uma figura singular da cultura portuguesa contemporânea.
O pintor Fernando de Azevedo - que foi membro fundador do movimento surrealista português - manifestou as suas qualidades e o seu talento artístico através de uma actividade multifacetada no campo da arte contemporânea, como criador, como crítico e como divulgador, através de numerosas iniciativas que afirmaram a arte portuguesa entre nós e no estrangeiro.
Durante as últimas décadas foi Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes. Essa permanência atesta bem o respeito e a consideração que, dos mais diversos quadrantes políticos e estéticos, Fernando de Azevedo mereceu.
Nesse exercício, como aliás ao longo de toda a sua vida, Fernando de Azevedo, a par da sua própria obra - que justificará um maior reconhecimento e divulgação -, dedicou-se, com grande sensibilidade e generosidade, a divulgar e aprofundar a obra dos seus contemporâneos, através de uma notável produção teórica e crítica de que poderemos constantemente beneficiar.
À família enlutada, endereça a Assembleia da República sentidas condolências.»
Para intervir sobre este voto de pesar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Lembramos hoje, brevemente, Fernando de Azevedo, que nos deixou quase octogenário, mas com as mesmas capacidades de criação, de crítica e de intervenção que marcaram a sua vida de pintor e ensaísta.
Foi com colegas de curso da Escola António Arroio, como Pomar e Vespeira, que começou a mostrar, pública e insolitamente, com uma exposição no atelier forrado de páginas do Diário da Manhã, a sua decisiva contribuição para o movimento surrealista em Portugal.
A criação do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947, a que pertenciam também Cesariny, Dacosta, António Pedro e Alexandre O'Neil marcou o seu trajecto de «pintor sabendo pintar com o saber ver que os outros pintavam», como disse dele José Augusto França.
Há em Fernando de Azevedo três facetas de trabalho criativo e de intervenção cultural igualmente importantes: o artista plástico de grande sensibilidade; o cultivador do insólito e do onírico, do carácter ilusionista, conseguidos pela mistura de métodos tradicionais de representação com elemento novos, utilizando técnicas como a colagem, a incisão, a ocultação de partes de imagens pré-existentes.
Tão importante como o artista plástico é o Fernando de Azevedo ensaísta, crítico de arte, o pensador que tanto reflectiu e esclareceu sobre o surrealismo e a sua importância em Portugal.
E foi também o organizador, o dinamizador de projectos no Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, que dirigiu, mas também no seu grupo de bailado, na Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), na Colóquio Artes, na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Foi ilustrador, foi cenógrafo, foi cúmplice de muitos artistas da sua e das novas gerações, concretizador de intenções e de projectos com uma abertura assinalável.
Como ele próprio escreveu, «As ortodoxias de grupo são concebidas como casulos para acabarem como mausoléus. Ora, um casulo não é isto, o casulo é uma casa sua que um bicho qualquer faz só com o propósito de por ela sair transformado».
É por tudo isto, Sr. Presidente, e por muito que fica por dizer de Fernando de Azevedo, que o Grupo Parlamentar do PS acompanha sentidamente o voto de pesar formulado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Fernando de Azevedo, Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes desde 1979, mas vive o pintor das ocultações, da dialéctica que oculta e desvenda, como ele próprio afirmava, na procura de um sentido na vida e na arte.
Estudante de um processo de ensino profissionalizante que se inicia na Escola de Artes Decorativas António Arroio e termina na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, Fernando de Azevedo é um nome incontornável do surrealismo português.
Foi um dos fundadores do Projecto Surrealista de Lisboa, de 1947. A sua produção, toda ela, da escrita à pintura, à crítica, liberta a imaginação para uma busca sem fronteiras, ultrapassando sempre circunstancialismos históricos.
A instabilidade e mesmo a efemeridade do movimento surrealista terão determinado, provavelmente, outros importantes percursos artísticos de Fernando de Azevedo: o mundo da ilustração, o teatro, a ópera, o bailado e tantos outros.
Mas não menos importante foi a sua intervenção na divulgação da arte portuguesa e estrangeira, mesmo no espaço da crítica artística, onde a observação e a construção discursiva era inúmeras vezes a desconstrução acessível do bem simbólico.
Fernando de Azevedo, o artista e o cidadão, convergiam sempre na arte e na vida. Foram ambos membros activos do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, encontraram-se ambos no colectivo de 48 artistas que, em

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1974, celebraram, pela arte e com a arte, a Revolução de Abril.
O património cultural, o Museu Nacional de Arte Moderna do Porto, o primeiro conselho nacional da cultura pós-Abril, a Fundação Calouste Gulbenkian, foram só alguns dos inúmeros espaços de manifestação estética do homem e do artista, a suscitar, como ele também sempre afirmava, tão-só caminhos do futuro.
Diz Mário Gonçalves, o amigo, o crítico: «Homem de cultura integral, assumindo lúcida e corajosamente responsabilidades associativas, poucas pessoas sabem o que ele fez por muitas outras pessoas e pelo próprio País, mas eu vos digo: foi imenso.»
O Partido Comunista Português associa-se a este voto de pesar e à família enlutada apresenta as suas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto apresentado pelo Sr. Presidente já seria suficiente visto que nele nos revemos.
É verdade que o pintor, o artista, o ensaísta, o intelectual Fernando de Azevedo foi um homem discreto. Por isso mesmo, a sua obra merece grande divulgação, que não teve por certo, como merecia, durante a sua vida.
Já aqui foi realçado o papel que desempenhou como fundador do movimento surrealista, as exposições colectivas e individuais que fez e a sua participação durante a Revolução do 25 de Abril, através de quadros colectivos e da fundação de movimentos de artistas plásticos. Mas é como director da prestigiadíssima revista Colóquio-Artes, da Fundação Calouste Gulbenkian, e como colaborador da mesma Fundação Calouste Gulbenkian na divulgação da pintura e da arte que Fernando de Azevedo é mais conhecido da juventude e daqueles que sabem apreciar os seus trabalhos.
Fernando de Azevedo foi também membro do conselho geral da comissão nacional da UNESCO, foi Presidente da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte.
Em 2001, o Museu do Chiado apresentou a exposição O Surrealismo em Portugal, onde Fernando de Azevedo apresentou as suas Ocultações.
Além disso, foi galardoado com muitos prémios: menção honrosa na Bienal de São Paulo, em 1957, medalha de prata no pavilhão português da Exposição Internacional de Bruxelas, com o primeiro prémio da II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1962, e com o Prémio Consagração, atribuído extraconcurso pelo júri do Prémio Sousa Cardoso, em 1999.
Fernando de Azevedo era um grande português, um grande cidadão a quem esta Câmara rende justamente uma homenagem à sua vida e à sua obra.
À sua família apresentamos os nossos votos de pesar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o Partido Social-Democrata quer associar-se a este voto de pesar.
O pintor Fernando de Azevedo foi, de facto, uma personalidade singular no campo da cultura contemporânea portuguesa. Teve muitos talentos, uma grande generosidade pessoal e um papel importante, como aqui foi sublinhado, como fundador do Grupo Surrealista de Lisboa, e a sua obra merece, certamente, uma maior divulgação do que aquela que tem hoje.
Foi também generoso na divulgação da obra dos artistas seus contemporâneos, como aqui foi sublinhado.
Desempenhou, por outro lado, um papel liderante no pensamento crítico e teórico referente à criação artística do seu tempo.
Era grande a sua informação, a sua cultura geral e aliava, num casamento raro, sensibilidade e inteligência, que tornaram ainda mais acutilante o seu entendimento e o seu discurso sobre a arte contemporânea.
Poucos souberam tão bem como ele ver, e menos ainda dar a ver como ele fez, através de uma das escritas mais luminosas que se ocuparam da criação e da arte contemporânea.
Mas gostava, agora, de recordar Fernando de Azevedo como cidadão.
Várias foram as situações e as causas que, nas últimas décadas, foram suscitadas no campo cultural para as quais sempre se recorria à ajuda e ao impulsionamento de Fernando de Azevedo, porque era grande o respeito que de todos ele merecia em razão da sua grande autoridade intelectual e da sua coerência cívica.
Hoje, eu queria sobretudo sublinhar as qualidade humanas de Fernando de Azevedo. Poucos se equipararam a ele na escrita, poucos se equipararam a ele na actividade crítica, mas talvez quase nenhum tenha ombreado com ele na sua qualidade humana, na sua afabilidade, na invulgar elegância da sua personalidade.
Fernando de Azevedo era das pessoas com maior qualidade humana que conheci, e também nessa mesma medida ele nos faz falta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Homenageamos o Mestre Fernando de Azevedo. Alguém que marcou a sua obra pela constante procura da expansão dos limites dessa própria obra. Alguém para quem a arte era sempre estar e ir mais além. Alguém que cruzou, de forma insólita e original, géneros artísticos. Alguém que fez explodir limites tradicionais dentro da própria arte. Alguém para quem a arte não era uma redoma mas que podia e devia sair para o espaço público em defesa de causas nobres. Alguém que nunca deixou de se pensar a si mesmo, a arte enquanto processo, a arte que criava, a arte que o transformava e a arte que nos transformava. Associamo-nos, por isto, a este voto de pesar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordando com muito do que foi dito em relação a Fernando de Azevedo, como pintor, como crítico, como ensaísta, como um divulgador da cultura, como um homem generoso e civicamente empenhado, penso que, porventura, aquilo que, na sua ausência, fará mais sentido que seja o envolvimento e a homenagem do Parlamento é a divulgação da sua obra.

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Foi recordada a sua ligação e o seu impulso ao nascimento do surrealismo em Portugal e foi lembrado o facto de a sua obra ter estado exposta no Chiado não há muito tempo.
Neste momento, Fernando Azevedo preparava uma exposição e eu penso que dar continuidade a essa exposição e tornar pública a sua obra é, porventura, para aqueles que o não conheceram, a melhor homenagem que hoje lhe podemos prestar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a apreciação do voto n.º 17/IX, passamos a apreciar o voto n.º 18/IX, de pesar pela morte do jornalista António Paulouro, que é do seguinte teor: «Beirão, jornalista, 87 anos de idade. Assim podia iniciar-se uma biografia de António Paulouro, o fundador do Jornal do Fundão, desaparecido a 29 de Agosto de 2002.
Ao criar o Jornal do Fundão, em 1946, Paulouro sabia que ia utilizar a arma que melhor dominava - a palavra - para, através do ofício de jornalista, arrancar a sua Beira natal do atraso económico e social a que o interior parecia condenado. A sua generosa ambição e inteligência fizeram-no ultrapassar, porventura, as suas próprias expectativas.
Mas foi nas grandes causas sociais que António Paulouro mais se notabilizou como jornalista: da sua denúncia das miseráveis condições de vida dos mineiros nasceu um texto memorável, O romance de António Castanheira, que Arnaldo Saraiva havia de incluir, e bem, na sua Antologia de Escritores da Beira Baixa.
As mesmas preocupações sociais o levaram a organizar, em 1977, o I Encontro de Emigrantes e, entre 1984 e 1990, as três Jornadas da Beira Interior, cujo acervo documental constitui material indispensável a quem se preocupa com os problemas da região.
Apaixonado pela política, lutou intransigentemente contra a censura e não hesitou em enaltecer, em 1965, a atribuição do prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira mesmo prevendo, decerto, as consequências para o jornal, suspenso por seis meses. Foi militante do Partido Socialista e, mais tarde, eleito Deputado pelo círculo de Castelo Branco pelo PRD.
A Assembleia da República presta homenagem à sua memória e endereça à família enlutada e ao Jornal do Fundão as suas condolências.».
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Paulouro teve uma vida nobre, nobre no melhor sentido, desde logo numa constante procura da excelência, de superar as dificuldades, de encontrar sempre a melhor forma para ir mais além, potenciando aquilo que ele considerava ser a excelência da sua terra e da sua região e lutando também pelo seu País.
Teve uma vida nobre dedicada também à causa pública. António Paulouro exerceu funções públicas muito relevantes, sempre com mérito, com zelo, com competência e com um brilho unanimemente reconhecidos.
Mas António Paulouro foi fundamentalmente e essencialmente um jornalista. E julgo que se pode dizer, sem exagero, que António Paulouro foi o rosto do jornalismo regional em Portugal. Ao fundar o Jornal do Fundão, dando-lhe a identidade e o carácter que veio a assumir, António Paulouro libertou o jornalismo regional da sua condição de jornalismo de segunda, de jornalismo de campanário, dando-lhe um estatuto, um prestígio e uma credibilidade que o jornalismo regional nunca teve.
O Jornal do Fundão foi sempre um jornal dirigido com grandes preocupações culturais. Pelas suas páginas passou o melhor que havia e há nas letras portuguesas. Mas o Jornal do Fundão foi, essencialmente, um jornal que teve sempre uma preocupação de um jornalismo de causas, de causas regionais, de causas ligadas à região e à terra. Foi nesse sentido que o Jornal do Fundão se afirmou nacionalmente, dando voz àqueles que nunca a tiveram, como os mineiros da Panasqueira, às causas regionais, à eliminação do foco da doença do bócio, endémica naquela zona, na luta que empreendeu pela realização de algumas das infra-estruturas mais importantes para a Beira Interior, como é, por exemplo, o caso do regadio da Cova da Beira ou o Túnel da Gardunha. Foram essas causas regionais que afirmaram o Jornal do Fundão e, afirmando o Jornal do Fundão, afirmaram também o jornalismo regional.
António Paulouro foi essencialmente um jornalista e um homem com uma vida pública que deve ser lembrada e evocada como uma vida que enobreceu o País e muito contribuiu para dar mais prestígio à actividade e ao exercício do jornalismo regional.
Tive a sorte de ser seu amigo e conterrâneo. Por isso me é particularmente grato, neste momento, em meu nome e em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, poder evocar o seu nome e a sua memória e também honrar a obra que nos deixa.
Para o Grupo Parlamentar e os Deputados do Partido Socialista o nome e a obra de António Paulouro são um orgulho, certamente para a região da Beira Interior mas em muito contribuem também para o prestígio de Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conheci António Paulouro no início dos anos 70, no quadro da luta da oposição democrática contra a ditadura e no quadro do empenhamento comum para o lançamento de um semanário que não chegou, aliás, a ver a luz do dia, por ter sido proibido, à nascença, pela censura.
Desses tempos guardo gratas recordações de António Paulouro, como homem de defesa da cidadania e da liberdade e empenhado na intervenção social. Mas é sobretudo com o Jornal do Fundão que António Paulouro se destaca na vida portuguesa, desde logo porque procurou fazer, e fez, do Jornal do Fundão um símbolo do que deveria ser uma imprensa regional de qualidade, simultaneamente envolvida nos problemas da região onde se inseria, mas sem perder a dimensão da qualidade e da sua envolvência com os problemas de âmbito nacional.
O Jornal do Fundão acabou por ser, na vida de António Paulouro, quase tudo, a que ele dedicou toda a sua longa passagem entre nós. E teve, como já foi aqui recordado, uma fortíssima intervenção. Fez dele um instrumento de intervenção social e cultural na chamada de atenção para os problemas do interior do País e, em particular, para os problemas do interior beirão. Foi com António Paulouro e a partir do Jornal do Fundão que foram feitas as Jornadas da Beira Interior e que foram desencadeados tantos colóquios e seminários a chamar a atenção para os problemas dos desequilíbrios regionais e,

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em particular, para as necessidades de desenvolvimento da Beira Interior.
Nesse quadro, penso que o melhor que podemos hoje aqui deixar é fazer votos para que o Jornal do Fundão continue a ser, no seu futuro, um instrumento e um órgão que dignifique e valorize a comunicação social regional, um órgão que continue empenhado na chamada de atenção para os problemas da região beirã.
Por isso, também o PCP se quer associar neste voto e na transmissão das nossas mais sentidas condolências à família de António Paulouro e ao Jornal do Fundão.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu António Paulouro, homem das letras, que dedicou os melhores anos da sua vida à imprensa regional.
Através do Jornal do Fundão, António Paulouro prestou, desde 1946, um serviço inestimável à sua Beira natal. Através da sua pena, foi dada voz à sua comunidade, foram denunciadas as suas carências, foram anunciadas as suas reivindicações.
Com o seu empenho, António Paulouro deu voz a um interior quase sempre esquecido e preterido, substituindo-se mesmo, muitas vezes, a um poder político que, em primeira instância, devia defendê-lo e não o fez.
Foi um jornalista de causas e convicções. A sua morte traduz uma perda irreparável não apenas para a sua região, antes, sim, para todo o País.
Por isso, nesta hora, prestamos justa homenagem à sua memória e associamo-nos à dor dos seus familiares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues.

A Sr.ª Maria Elisa Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentarei não repetir as palavras que o Sr. Presidente já utilizou a respeito de António Paulouro e com as quais, naturalmente, me identifico plenamente.
Caberá, talvez, acrescentar que, para a minha geração de jornalistas, António Paulouro, que tive o prazer de entrevistar, por diversas vezes, para a RTP, constituiu uma referência ímpar, porque teve a coragem de lutar contra diferentes e poderosas adversidades: as políticas, já que, cedo, na sua trajectória, se opôs ao Estado Novo, mas também as culturais e as geográficas, posto que foi inquebrantável a sua determinação em ultrapassar o tremendo isolamento a que a Beira estava sujeita.
A sua ambição e a sua inteligência fizeram-no antecipar uma concepção do mundo já globalizado muito antes de a expressão vir a estar na moda. Alguém poderia, com efeito, imaginar que Juscelino Kubitscheck aceitaria o desafio de António Paulouro para conhecer a Beira Interior em 1963? Não o concebiam sobretudo as autoridades portuguesas, que tudo fizeram para o impedir, assim como a projectada visita de Robert Kennedy, que só a morte impediu de honrar o compromisso assumido com Paulouro.
Do mesmo modo, ele fez passar pelo Jornal do Fundão vultos ímpares da cultura portuguesa: João Cabral de Melo Neto, Érico Veríssimo, Odilo Blanco foram visitantes ilustres, assim como Alves Redol, Eduardo Lourenço, José Régio, Saramago, Óscar Lopes, Eugénio de Andrade e tantos outros.
A José Cardoso Pires e Victor Silva Tavares encarregou de conceber um suplemento literário que se chamou & Etc., e que cedo alcançaria impacto nacional, tal como já antes fizera com Alexandre Pinheiro Torres.
Pela descentralização cultural, que o irmanou numa cumplicidade única com António José Saraiva, havia de passar à afirmação da Beira, à ruptura com a macrocefalia da capital que lhe consumiu boa parte do tempo.
O seu compromisso com as causas sociais, em particular as da sua região, esse, ficou registado de forma particularmente acutilante e, como já aqui foi dito, nos milhares de páginas do Jornal do Fundão publicadas sob a sua direcção.
Já foi também comentada a sua paixão pela política, que o levou a aderir ao Partido Socialista, desde a sua fundação, e mais tarde a candidatar-se a Deputado, pelo círculo de Castelo Branco, pelo PRD. Muitos antigos companheiros não lhe terão perdoado a mudança de rumo. Com a sua fina ironia, Paulouro terá pensado, como Pessoa, o único que, para ele, se libertou da morte: «As coisas que a sorte deu/Levou-as ela consigo/Mas as coisas que sou eu/Guardei-as todas comigo».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: António Paulouro foi um mestre do jornalismo, de um jornalismo de causas e com causas, mas foi, além do mais, um democrata e um antifascista insigne, alguém que conheceu como ninguém a interioridade, a estrutura social da sua região e como ela vitimava milhares e milhares de mulheres e de homens, condenando-os ao fracasso, ao desânimo, à miséria, ao esquecimento, ao isolamento. António Paulouro foi alguém que se bateu sempre pela descentralização, alguém que fez da imprensa regional algo de novo, alguém que reinventou a imprensa regional.
Como já aqui foi dito, pelo Jornal do Fundão passaram contributos dos mais prestigiados personagens da cultura portuguesa. Por isso mesmo, e esse é talvez o melhor tributo de António Paulouro, aquele que fica, aquele que jamais se apagará, o Jornal do Fundão foi e é hoje, simultaneamente, um jornal beirão, um jornal português, um jornal do mundo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, estamos em condições de proceder à votação destes três votos, a qual vai ser realizada em separado, uma vez que estão em causa textos diferentes e de personalidades diferentes.
Vamos votar, em primeiro lugar, o voto n.º 16/IX - De pesar pelo falecimento da mulher de cultura e da parlamentar Helena Vaz da Silva (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos, agora, votar o voto n.º 17/IX - De pesar pela morte do pintor Fernando de Azevedo (Presidente da AR).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Finalmente, vamos votar o voto n.º 18/IX - De pesar pela morte do jornalista António Paulouro (Presidente da AR).

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Oportunamente, os textos que acabámos de votar serão enviados às famílias e às demais entidades envolvidas.
Peço agora a todos que se levantem e que guardemos, em respeitosa homenagem às personagens que homenageámos, um sentido minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Vamos, agora, passar ao período destinado às declarações políticas, que é outro dos temas compreendidos no período de antes da ordem do dia da nossa sessão de hoje.
Antes de dar a palavra aos diversos oradores inscritos, devo dizer que vamos, com certeza, ultrapassar o tempo regimental do período antes da ordem do dia, mas apelo a que, se a Câmara não se opuser, se permita que todos os partidos façam as suas declarações políticas.
De qualquer modo, agradeço que o debate não se estenda exageradamente, por forma a cumprirmos esta nossa tarefa e a respeitarmos também os temas da ordem do dia, que são do maior interesse, e que é nossa obrigação cumprir.
Para uma intervenção política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, a quem lembro que, como é da praxe, dispõe de 10 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há duas semanas, na primeira sessão pública do Bloco de Esquerda depois do mês de Agosto, tomou o movimento posição face a factos novos, não previamente conhecidos dos portugueses, sobre o «caso Moderna», que justificavam - e justificam - que o Ministro de Estado e da Defesa fizesse uma escolha: ou esclarecer a verdade ao País ou demitir-se e abandonar o Governo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem.

O Orador: - Perante a Assembleia da República, que reúne hoje pela primeira vez após a interrupção dos seus trabalhos para férias, e em particular perante a maioria que apoia este Governo e que lhe deu os votos e a confiança, cumpre-me, naturalmente, a obrigação de explicar os argumentos desta tomada de posição. Não deixarei, no entanto, de dizer que, hoje, era aqui que devia estar o Ministro da Defesa.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem.

O Orador: - O Ministro da Defesa devia estar presente no Parlamento que o apoiou para responder e para tomar posição, visto que hoje é censurado. E é censurado porque o silêncio envergonhado é uma vergonha, e é censurado, sobretudo, porque só a verdade protege e fundamenta a democracia.
Referir-me-ei, portanto, aos dois grandes problemas que se entrelaçam nesta questão: o «Modernagate» e a tentativa de decapitar o combate ao crime económico em Portugal, não deixando de sublinhar que, nos dois, o que se apresenta é um pântano que os portugueses conhecem e reconhecem, um pântano que não aceita que a justiça chegue aos poderosos, um pântano que faz com que o dinheiro passe de um bolso para outro bolso sem prestar contas nem assumir responsabilidades. E esse pântano protege-se com o silêncio, com as cumplicidades. Quando alguns querem tudo menos a verdade, aqueles que querem toda a verdade têm a obrigação de usar da palavra.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem.

O Orador: - O «Modernagate», dizem-nos, é só um caso jurídico. É certo que é um caso jurídico; os tribunais responderão, os tribunais decidirão. E não pode ser de outra forma num Estado de direito!
Mas é incompatível com a compreensão que aqui defendemos - e que outros têm também tomado a palavra para defender - a insinuação de que tudo se resume a uma cabala ou até a uma conspiração. E é absolutamente inaceitável que um líder parlamentar da maioria venha dizer que o Procurador-Geral da República se comporta como um criado ou como um moço de recados. É totalmente inaceitável este tipo de atitude.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há princípios, e é justamente em nome dos princípios que aqui tomamos posição. O direito à defesa, o direito ao bom nome e o direito à protecção jurídica é o que queremos, em primeiro lugar, para os nossos adversários. E nenhuma outra atitude é admissível, de forma alguma, num país democrático.
Por isso mesmo, registamos o comunicado do Procurador-Geral da República, que sobre esta matéria, com toda a ponderação e escolhendo as palavras, disse que «(…) não foi ainda ordenada a extracção de certidão com vista à instauração de inquérito autónomo.»
Mas também sabemos que todos os direitos são compatíveis com deveres, e essa é a questão política que aqui temos. Na altura em que era director de um jornal, o actual Ministro da Defesa escrevia o seguinte: «A moralidade oficial de quem manda é uma questão de opinião pública, como sempre acontece na vida. A política ficará obrigatoriamente mais limpa no dia em que tudo for contado.»
Por isso mesmo, não pode dizer hoje «não me lembro», não pode dizer, quando os tribunais insistem, «não me lembro». O País não aceita faltas de memória, o País quer a verdade e a ela tem direito. Não aceita o «não me lembro» e o «não sei» à pergunta sobre como foram utilizadas despesas políticas facturadas à Dinensino, da Moderna, o «não me lembro» e o «não sei» às despesas não justificadas contabilisticamente, de milhares de contos, o «não me lembro» e o «não sei» aos honorários pagos a Braga Gonçalves pelas empresas Amostra e Boas Festas e de que pelo menos um cheque terminou - não podia deixar de ser - numa empresa fantasma, a Dominor, num off-shore.
Responder sobre tudo isto e sobre tudo o que está no debate político, público, Sr.as e Srs. Deputados, é uma questão de carácter e de coerência. E a coerência é a democracia.
Se o Sr. Ministro de Estado e da Defesa nos disser que é tudo mentira, se nos disser que as despesas que lhe pagaram foram devidamente declaradas em IRS, como têm de ser, e que todos os financiamentos foram devidamente contabilizados em IRC, como têm de ser, então nada haverá a criticar, nada haverá a discutir politicamente. Se assim for, o assunto termina hoje, aqui.
Mas o silêncio, esse, é insuportável. E com o silêncio o Ministro da Defesa perde as condições para ser Governo. Não pode ser ministro quem foge às responsabilidades!

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Não pode ser ministro quem ameaça os jornais! Não pode ser ministro quem compactua com os insultos à Procuradoria-Geral da República! Não pode ser ministro quem se refugia atrás destes «biombos» para não dizer o que é sua obrigação: explicar a este país que quer saber a verdade!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - E tanto mais grave é esta situação quanto ela é contemporânea com a decapitação da capacidade da polícia portuguesa no combate ao crime económico.
Pode tentar-se separar todas as questões, como se não fosse o pântano que aqui se vive numa e noutra faceta. Mas o que sabemos é que, no último ano e meio, os poderosos se fartaram de ver a justiça a entrar-lhes pela porta dentro e de os interesses económicos, nunca tocados em Portugal - esse pântano vivo, que lucra, que paga, que corrompe -, serem atingidos. E esse pântano foi atingido por investigações de magistrados acima de toda a suspeita, que se expõem ao veredicto dos tribunais, que são controlados pelas instâncias próprias e que dão orgulho ao que é o direito num Estado de direito.
Ora, sabe-se hoje que a Ministra da Justiça tudo fez para decapitar esta unidade da Polícia Judiciária. O Director terá convidado Pedro Cunha Lopes, entretanto nomeado como Director Nacional Adjunto, para o cargo de Maria José Morgado e, diz-nos a imprensa de referência, também o actual subdirector do Centro de Estudos Judiciários. Convidou quem pôde para interromper, como agora está interrompida, esta capacidade de combate ao crime económico. Mas sobre isto há um facto extraordinário: um Director Nacional em conflito público com um ex-Director Nacional Adjunto por ele nomeado, e a Ministra fica calada! A imprensa discute; no Parlamento, políticos tomam posição, e a Ministra fica calada!
O gabinete do Director Nacional faz sair, no jornal que, no passado, foi dirigido pelo actual Ministro da Defesa Nacional, acusações infames à capacidade de combate ao crime económico e à actuação desta unidade da Polícia Judiciária. São precisos cinco dias para que, com a Ministra calada, a Direcção Nacional da Polícia Judiciária venha desmentir as fontes do Director Nacional. E é extraordinário que, nesta circunstância, não queira, mantendo-se calada, vir ao Parlamento no momento próprio para dar as respostas que temos de lhe exigir.
Temos, portanto, um governo silencioso; silencioso, mas não tanto. Hoje de manhã, o Primeiro-Ministro entendeu explicar que não se pronunciava sobre estes assuntos por eles serem casos do passado, como se, porventura, em algum momento, o direito ou a política se pudessem pronunciar sobre factos do futuro. São factos do passado! Mas, ao dizê-lo, este Governo provou não querer tomar qualquer posição.
Não sei o que o Primeiro-Ministro sabe. Não sei o que o Ministro da Defesa Nacional sabe do que o Primeiro-Ministro sabe. Mas sei que o Ministro da Defesa Nacional sabe, e sei que o País tem o direito de saber. Mas, ao tomar esta posição, o Primeiro-Ministro deixou claro que ninguém no Governo arrisca um cabelo pelo Ministro da Defesa Nacional, e é por isto que a direita está nesta balbúrdia, patética, em que não se pronuncia sobre aquilo que a democracia exige que se torne claro.
Não se pronunciam os principais agentes da justiça. Não toma palavra o Sr. Bastonário. Não tomam palavra os Ministros, a não ser insinuando insinuações, dizendo que é uma campanha do Expresso, de Marcelo Rebelo de Sousa, dos serviços secretos franceses, da esquerda…, talvez do Coronel Kadafi ou dos dirigentes actuais do Iraque.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
O País quer saber a verdade, e tem o direito, Sr.as e Srs. Deputados, de saber a verdade. O País já sabe que este «pântano» se reforça desta forma, mas, hoje, perante o silêncio do Ministro da Defesa Nacional, perante o silêncio da Ministra da Justiça e perante a defesa, que não defende, do Primeiro-Ministro, o País só precisa de saber se tem um governo que se respeita ou se tem uma família que se protege.

Aplausos do BE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para exercer o direito regimental da defesa da honra do Governo, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, e, o das respectivas bancadas, os Srs. Deputados Telmo Correia e Guilherme Silva.
Por ordem de inscrição, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a intervenção que V. Ex.ª acaba de produzir não é em nada diferente das que, ao longo das últimas semanas, toda a oposição - do Bloco de Esquerda ao Partido Socialista - tem feito sobre a questão da Universidade Moderna e a Polícia Judiciária. E, todavia, sobre estas matérias, o que vemos?
Quanto à Universidade Moderna, vemos opiniões, comentários, insinuações, suspeições. Factos?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Zero!

O Orador: - O único facto relevante num Estado de direito democrático é o de que o Dr. Paulo Portas, por factos antigos, foi investigado e não foi acusado. Este é o único facto relevante num Estado de direito democrático.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à Polícia Judiciária, o que vemos? Duas demissões na Polícia Judiciária, naturalmente sempre desagradáveis mas que ocorrem na vida das instituições, no passado, no presente e no futuro. Nenhuma alteração de política. Nenhum abrandamento no combate ao crime, à corrupção e à criminalidade.
Mais: vemos opiniões, suspeições e insinuações. Quanto a factos, vemos um comportamento impecável da Sr.ª Ministra da Justiça quer no esclarecimento perante o Parlamento quer, sobretudo e fundamentalmente, na defesa do prestígio e da eficácia da Polícia Judiciária.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estes são os factos! Tudo o resto são opiniões, insinuações, suspeições.

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Num Estado de direito democrático os factos contam. E por isso vale a pena perguntar: perante estes factos, porquê tanto alarido?

Vozes do CDS-PP: - Exacto!

O Orador: - Porquê uma campanha política tão intensa, do Bloco de Esquerda ao Partido Socialista? A resposta é muito clara:…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - … há dois objectivos claros por detrás de toda esta campanha dos partidos da oposição, ao longo das últimas semanas.
O primeiro objectivo é de natureza instrumental, mas muito claro: fazer pressão sobre a justiça; tentar condicionar, pela via da política, a independência dos tribunais.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É próprio daqueles que, porventura, têm saudades dos julgamentos populares e dos julgamentos da praça pública, mas isto é absolutamente inaceitável num Estado de direito democrático.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O segundo objectivo, porventura o principal - vamos ser claros, vamos directos ao assunto -, é político. Do Bloco de Esquerda ao Partido Socialista, o objectivo é tudo fazer para tentar derrubar o Governo e precipitar o País numa crise política, que seria absolutamente inaceitável.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Este é o grande objectivo! É o objectivo da oposição e, em particular, do Partido Socialista, o qual ainda não se conformou com os resultados eleitorais e a derrota que teve nas últimas eleições.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir. Peço-lhe só um pouco mais de tolerância. Não roubarei muito tempo.

O Sr. Presidente: - A tolerância, Sr. Ministro, é a do Regimento: são 3 minutos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Este é o objectivo, só que não têm coragem de o assumir com clareza. Em política as questões colocam-se desta maneira.
Se querem tentar derrubar o Governo, se querem precipitar o País numa crise política, em democracia há um instrumento parlamentar adequado, que se chama «moção de censura».

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Esse instrumento não é a intriga, não são as questiúnculas, não são os métodos ínvios, enviesados e inaceitáveis que estão a utilizar. Por isso, a questão coloca-se com esta clareza: na incapacidade de atacar as políticas, atacam as pessoas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E termino, por isso mesmo, com esta questão: aqui chegados, o Bloco de Esquerda e, em particular, o Partido Socialista…

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, o seu tempo esgotou-se. Tem mesmo de concluir, porque senão sou obrigado a cortar-lhe a palavra.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, o Bloco de Esquerda e, em particular, o Partido Socialista, aqui chegados, ou têm a coragem de recorrer à apresentação de uma moção de censura ou, então, fica claro perante o País que nada disto passa de mais do que uma companha de ataque pessoal e de chicana político-partidária.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, Governo e maioria, estaremos aqui, como estivemos no passado, unidos, coesos e solidários para cumprir o mandato popular, para governar Portugal, para resolver os problemas dos portugueses!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, dispondo do mesmo tempo de que dispôs o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares teve uma boa oportunidade para, finalmente, se pronunciar, visto que o faz em nome do Governo, e, sobretudo, ultrapassar este conjunto labiríntico de frases elípticas, vagas, resvaladiças…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As suas!

O Orador: - … com que o Primeiro-Ministro, sempre tarde e a más horas, se tem pronunciado sobre esta questão.
O Sr. Ministro sabe - e o Sr. Ministro da Defesa Nacional sabe tão bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares - que tudo o que não diz hoje os jornais irão dizer amanhã e que a escolha é só dele e do Governo: ou tem a defesa da verdade, ou é o único responsável pela sua queda. E assume esta responsabilidade perante o Parlamento.
Quem arrasta o País pela lama é quem quer interromper a capacidade de actuação da Polícia Judiciária no combate ao crime económico, em nome de necessidades políticas, e é, sobretudo, quem está disposto a precipitar uma crise, a arrastar a crise, à espera de que, assobiando para o ar, venha uma bem-dita guerra com o Iraque para deixarmos de falar das coisas que interessam ao País.

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O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

Vozes do CDS-PP: - Que disparate!

O Orador: - E, por isso mesmo, aquilo que aqui viemos dizer foi exactamente o que tantos outros disseram.
Devo, aliás, lembrar que a tese repescada «da esquerda que quer criticar o Governo» é frágil, Sr. Ministro. Já lhe ouvi muito melhor. O Partido Popular, que, naturalmente, tem «pé leve» nesta matéria, diz que a culpa é do Expresso e que é uma cabala da imprensa, de que, envolvidos num grande negócio militar, todos os outros seriam pequenos factótuns. E, por isso, cito o mais importante deles todos: Marcelo Rebelo de Sousa dizia-lhe, a si e ao Governo, que «Paulo Portas, sozinho ou com o Governo, dentro ou fora do Parlamento, tem que falar aos portugueses e cingir-se aos factos. É muito simples -…», mas é mesmo muito simples, «… deve afirmar que, depois de ser líder do PP, não recebeu um 'tostão', directa ou indirectamente da Universidade Moderna ou, se o fez, explicar que pagou os impostos devidos. E o PP, ou não recebeu o dinheiro, ou recebeu nos seguintes termos…». Conclui o Professor Marcelo Rebelo de Sousa: «Tudo esmiuçado pode-se explicar em dez minutos.».
Por que é que o senhores não tomam 10 minutos da agenda atarefada do Ministro da Defesa Nacional para que ele explique tudo ao País? Por que é que ele se coloca sob a situação de ter editoriais, muitas vezes até de uma imprensa que não lhe é hostil por definição, a dizer «Portas tem de sair»?
O único instrumento de clarificação está nas mãos do Governo, e o Governo não o quer utilizar. E não o quer utilizar pela razão que o Primeiro-Ministro deu hoje: «são coisas do passado». Mas um político não é responsável pelas coisas do passado?!
Sr. Ministro, não farei a crueldade de lhe citar sucessivas declarações do Ministro da Defesa Nacional quando era director de um jornal a respeito do papel da imprensa e da opinião pública.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Dir-lhe-ei só isto, porque todos o sabemos: qualquer responsável político, e em particular um Ministro de Estado, não pode cometer a indecência de se colocar sob suspeita quando uma imprensa insuspeita o vem criticar. E, por isso mesmo, pode resolver este assunto no mesmo dia, em 10 minutos! Pode e tem a obrigação de tomar uma posição. Por que é que não o faz? É o único mistério que temos na política portuguesa, e este mistério é a vergonha deste Governo.

Aplausos do BE.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, devo dizer-lhe que o seu discurso é aviltante mas que, ainda assim, não nos faz perder a serenidade.
É aviltante, porque o senhor põe esse seu tom mais ou menos moralista, mais ou menos jesuítico e faz acusações…

Risos do PS, do PCP e do BE.

Mais ou menos jesuítico, disse bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, permita-me que lhe solicite a substituição desse adjectivo, porque ele envolve uma instituição extremamente respeitável.

O Orador: - Se for melhor, Sr. Presidente, substituo-o por «mais ou menos mefistofélico».

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Aí Mefistófeles não se preocupa.

Risos.

O Orador: - Então, mais ou menos mefistofélico, Deputado Francisco Louçã.
O senhor faz acusações que sustentam uma campanha que é juridicamente inaceitável e politicamente infame. Sustenta uma campanha que, repito, é juridicamente inaceitável e politicamente infame.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E porquê? Porque o senhor conhece, o senhor também conhece o conteúdo dos dois comunicados da Procuradoria-Geral da República sobre esta matéria.

Vozes do CDS-PP: - Exacto!

O Orador: - O senhor sabe, tal como todos nesta Câmara sabemos, que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional e Presidente do CDS-PP não é réu, não é acusado, não é suspeito, é, única e simplesmente, testemunha neste mesmo processo. O senhor sabe isso.
Assim, Dr. Francisco Louçã, pergunto-lhe, defendendo a honra do meu partido e da minha bancada: qual é a acusação? Se tem uma acusação, faça-a!

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Houve crime? Qual é o crime, Dr. Francisco Louçã? Agora, parece que é de natureza fiscal, mas o senhor sabe - pode não saber muito de Direito, mas tem obrigação de saber isso - que, em matéria fiscal, não é o senhor que tem de levantar essa acusação. Mesmo que a levante…
O Dr. Paulo Portas fez todas as declarações. Se o senhor sabe de alguma coisa que nós próprios não sabemos,…

Vozes do CDS-PP: - Diga! Prove!

O Orador: - … se tem uma acusação para fazer, faça-a e prove-a,…

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

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O Orador: - … porque, tanto quanto sabemos, tudo foi esclarecido e tudo foi provado.
Sabe qual é o crime, Dr. Francisco Louçã? O crime é o facto de o centro-direita ter ganho as eleições. O crime é o facto de o centro-direita estar a governar Portugal. O crime é, ainda, o facto de o Ministro Paulo Portas ter-se destacado neste Governo e não ceder a lobbies ou a pressões. Este é, para si, o crime, e não há outro.
Termino, Dr. Francisco Louçã, dizendo que, pela nossa parte, prestaremos todos os esclarecimentos, falaremos sempre sobre tudo o que o senhor quiser, mas não aceitamos que o senhor, num Estado de direito democrático, se substitua aos tribunais, à justiça, à Procuradoria-Geral da República…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … e, como se fosse um qualquer grande inquisidor do proletariado, queira sujeitar-nos a um julgamento popular.
O senhor é, de facto, um peão de interesses, a que nós não cedemos e perante os quais nunca recuaremos. Fique a sabê-lo, em nosso nome e em nome da maioria!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Já perdeu a santidade!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, devo dizer que, na minha declaração de interesses, não registo qualquer acções de uma qualquer empresa de venda de armamento. Mas alguém nessa situação estaria certamente contente com o Dr. Paulo Portas que já conseguiu, no Orçamento do Estado rectificativo, a inscrição de mais 40 milhões para esses negócios e que promete conseguir mais 150 milhões com a revisão da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, não acuse falsamente.
Aliás, devo dizer-lhe que me preocupa a sua vontade de perseguir o passado do Primeiro-Ministro. Não fica bem na coligação. O grande inquisidor eram as frases que o actual Primeiro-Ministro escrevia pelas paredes, às quais, na altura como hoje, me oponho com a mesma veemência. Não há grandes educadores! Percebi isto desde criança; pelos vistos, o senhor não o percebe agora em relação ao seu líder político.

Aplausos do BE.

Há algo que quero dizer-lhe, olhos nos olhos, Sr. Deputado, a propósito do «aviltante». Quero recordar-lhe que, no passado, o Dr. Paulo Portas foi objecto de uma campanha infame, pessoal, de insinuações e acusações sobre a sua vida privada. E, a agravar a infâmia, essa campanha foi feita em nome de alguém que se dizia de esquerda.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agora podem ter sido os mesmos!

O Orador: - Eu tomei palavra contra essa campanha,…

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - … dizendo que não a admitia, não a admito em nenhuma circunstância, pelo respeito que tenho para com o Dr. Paulo Portas. Fá-lo-ia sempre, em todas as circunstâncias, e ninguém pode acusar-me de ter dois critérios.

Vozes do CDS-PP: - Quais são os factos?

O Orador: - Não aceito nenhuma campanha pessoal, nem nenhuma calúnia contra nenhum dos meus adversários. Respeito o Dr. Paulo Portas pela figura que tem na direita e neste Governo.

Vozes do CDS-PP: - Qual é a acusação?

O Orador: - Mas quero dizer-lhe que o que aqui está em causa é o comportamento público de uma figura de Estado.
Se o senhor acha que lhe basta esperar o tempo de um processo judiciário em que é testemunha, interrogado e inquirido pela segunda vez pelos juízes, o Ministro da Defesa Nacional, então, não compreende aquilo que ele fazia quando era director de jornal.
O tempo próprio da verdade é o do debate político, no que diz respeito ao debate político.

Vozes do CDS-PP: - Sobre quê?!

O Orador: - O Sr. Deputado não compreendeu o mais importante, que é o preço do seu silêncio.
O País está enojado.

Protestos do CDS-PP.

O País tem nojo desta política que não se expõe e que não apresenta as suas justificações. É totalmente inaceitável.
Os senhores não têm capacidade para defender o silêncio, porque o silêncio vos compromete, porque o silêncio envergonha, porque o silêncio é a vossa única arma de defesa.
Como dizia um outro comentador, há demasiados «mísseis perdidos» na balbúrdia que hoje é a direita portuguesa. Convinha saberem que a única forma de os «mísseis perdidos» não atingirem a honorabilidade do vosso Governo é apenas fazerem o que é necessário: dizer a verdade. Está nas vossas mãos o encerramento deste processo, agora. É fácil - são 10 minutos: explicações, olhos nos olhos, com o País. Só nos perguntamos por que é que, com a habilidade política, com o engenho do Ministro da Defesa Nacional, ele não o quer fazer e foge disto «como o Diabo da Cruz».

Aplausos do BE.

Protestos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva também para exercer o direito regimental da defesa da honra da sua bancada, para o que dispõe de 3 minutos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, se eu tivesse alguma dúvida quanto às deturpações montadas por V. Ex.ª e por toda essa frente de esquerda que V. Ex.ª lidera,…

Risos do BE, do PS e do PCP.

… se eu tivesse algumas dúvidas quanto à deturpação dos factos relativamente ao Sr. Ministro da Defesa Nacional para montar a cabala que V. Ex.ª aqui traz, deixaria de as ter totalmente perante a afirmação de V. Ex.ª, a de me imputar uma afirmação, que não fiz, relativamente ao Sr. Procurador-Geral da República.
O que eu disse - e repito aqui - foi que não é legítimo, nem aceitável, que o Partido Socialista tente fazer do Sr. Procurador-Geral da República, arrastando-o para uma querela político-partidária, moço de recados ou criado do Partido Socialista.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Disse, mantenho e repito. Mas disse mais.
Disse que até compreendia a incomodidade do Sr. Procurador-Geral da República e que, em nome da educação, pudesse responder ao Partido Socialista, dando satisfação ao pedido que o Partido Socialista lhe tinha feito.
Portanto, isto é exactamente o contrário daquilo que V. Ex.ª disse e me imputou, ofendendo não só a mim como toda esta bancada que lidero.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Naturalmente, o País já percebeu que não temos oposição. O País já percebeu que não há uma alternativa a este Governo.
Quando, no reinício dos trabalhos da sessão legislativa, vemos esta frente, numa cabala contra um membro do Governo, com ataques pessoais a um membro do Governo numa matéria que, repito, foi objecto de avaliação do Ministério Público, de avaliação judicial, conclui-se que VV. Ex.as estão a prestar um péssimo serviço ao País. VV. Ex.as estão a prestar um péssimo serviço ao Estado de direito. VV. Ex.as estão a prestar um péssimo serviço à democracia.
Esta Casa deve ser a primeira a dar o exemplo de respeito pela separação de poderes e da não pressão sobre o poder judicial.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E VV. Ex.as teimam em pressionar o poder judicial para uma questão, relativamente à qual o Sr. Ministro da Defesa Nacional não tem de vir a público fazer declarações,…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… que está afecta a um processo que envolve vários arguidos. Numa democracia ocidental, nenhum membro do governo vem para a praça pública, muito menos arrastado por adversários políticos, fazer declarações que podem ser prejudiciais, podem influenciar a isenção de um julgamento que todos queremos independente e digno.
VV. Ex.as não sabem honrar a democracia, não sabem honrar o Estado de direito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã, dispondo igualmente de 3 minutos.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, os seus agravos são tremendos.
Acusa-me, e a quem defende a mesma posição, de não compreender a separação de poderes.
Deu uma justificação extraordinária para as suas palavras, referindo-se ao «moço de recados». Cito-lhe a sua frase, publicada na edição de hoje do Diário Económico: «(…) 'ou a consulta do documento…» - Guilherme Silva dixit - «… é de acesso livre (…), e aí o Procurador torna-se um criado e um moço de recados do PS, ou então não é (…), e o PS não pode pressionar o Procurador (…)'».
Comparar o Procurador-Geral a um moço de recados ou a um criado não é, obviamente, pressioná-lo. Compreendo. V. Ex.ª, à medida que vai amadurecendo com os anos, vai-se parecendo mais com Alberto João Jardim,…

Risos do BE, do PS e do PCP.

… e, portanto, tudo lhe é possível quando faz declarações.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Mas, Sr. Deputado, o que aqui está realmente em causa são duas incompreensões, para as quais me vai permitir que chame a sua atenção.
O Sr. Deputado não compreende o que é a política moderna. O que aqui estamos a discutir não são factos velhos; estamos a discutir como, depois de terminado o período de segredo de justiça, um órgão de referência e outros órgãos de comunicação social em Portugal revelaram factos indicados no processo que está a ser julgado, factos esses que exigem um esclarecimento político, para além dos que se entenda fazer seguir pela via judiciária. Tais factos têm a ver com a coerência e a capacidade de actuação de um homem de Estado, e, quanto a isto, há uma parte importantíssima da opinião pública que não aceita este silêncio.
O senhor pode dizer que nada há a dizer, e, mais uma vez, perde a oportunidade de explicar por que é que o seu partido e o seu primeiro-ministro nunca se pronunciam sobre esta matéria. Não é, obviamente, por uma questão jurídica, porque o que ele fez foi dizer que, politicamente, isto não é relevante por ser do passado distante.
Ora, a honra política que está em causa, a coerência na gestão dos dinheiros, a consistência da actuação de um homem público exige este esclarecimento. Os senhores, fugindo a ele, colocam-se no único lugar onde o Governo não pode estar, o de não ser aceite como um governo decente.
Disse-nos que há muitos pontos que o País tem de discutir. É certo que sim. Da nossa parte, terá a oposição mais frontal à política laboral, à política económica, à

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política social que este Governo entender desenvolver e, se entendermos oportuno, transformá-la-emos numa moção de censura, se acharmos que é necessário fazê-lo. Mas o que hoje está em discussão é saber se este Governo se respeita a si próprio, ou se vai colocando «biombos de silêncio», à espera que passe o tempo de ser tempo de dizer a verdade aos portugueses. E isto é vossa culpa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, dispondo de 10 minutos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Permitam-me que, apesar da crispação deste reinício da sessão legislativa, cumprimente, na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, os Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares e a todos deseje o melhor desempenho no exercício do seu mandato. Faço-o com toda a sinceridade e convicção, pois, para o Grupo Parlamentar do PSD, acima das querelas político-partidárias, está a preocupação de dignificar o Parlamento.
Era suposto que, nesta primeira reunião plenária, que marca o reinício do ano parlamentar, cada partido representado na Assembleia da República apresentasse as linhas dos seus projectos, das suas alternativas, do seu programa de trabalhos para a sessão legislativa que ora se reinicia.
No entanto, pela intervenção a que já aqui assistimos e pelo prenúncio de que a comunicação social nos dá eco, não é isto que vamos ouvir, neste período de antes da ordem do dia, por parte dos grupos parlamentares da oposição e, lamentavelmente, também do maior grupo parlamentar da oposição, em relação ao qual se coloca, de forma mais premente, a exigência de apresentação de alternativas aos projectos e às propostas da maioria de Governo.
Estamos certos de que é isto que se espera do maior partido da oposição: que aspire a ser alternativa credível de Governo. Aguardamos para ver se continuamos ou não, e, porventura, agora de forma ainda mais acentuada, perante um frentismo da oposição, cada vez mais radicalizado, sempre liderado pelo Bloco de Esquerda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vive a nossa democracia um curioso quadro que me permito destacar.
Foi possível, felizmente, através das eleições de 17 de Março último, ultrapassar a grave crise de governo que o País atravessava mercê da incapacidade dos socialistas.
Hoje, curiosamente, debatemo-nos, sim, com uma crise de oposição, o que não é bom para a nossa democracia.
Na verdade, o Partido Socialista, que, tradicionalmente, nunca se acomodou bem no exercício do poder e sempre foi desastroso a governar, sabia fazer oposição. Nos últimos seis anos, confirmou, mais uma vez, a sua inaptidão para governar, mas desabituou-se do exercício da oposição.
Por outro lado, digeriu mal a derrota eleitoral, divide-se na imputação de culpas e ainda não reencontrou o registo certo, próprio e adequado ao papel que era suposto desempenhar, e não outros com bem menor representação eleitoral.
Afastado por mau governo, o Partido Socialista, desabituado de fazer oposição, anda à deriva e elege o ataque pessoal e a perseguição política a membros do Governo como opção principal da sua acção pública e parlamentar, nada mais tendo a apresentar ao País, enquanto maior partido da oposição.
Enquanto isto, o Governo marca a agenda política dos próximos tempos e programa a calendarização de uma nova fase da acção governativa, caracterizada pelo reforço da relação de confiança entre a coligação e os portugueses, que não se deixam iludir por manobras de diversão que, à partida, e desde logo, perdem toda a credibilidade, pelo frentismo táctico e convergente com que artificialmente se apresentam. E não deixa de ser significativo que, passados apenas cinco meses sobre o início das suas funções, seja possível falar já em nova fase da acção governativa e também sentir resultados concretos e positivos em tão curto espaço de tempo de mandato do actual Executivo.
Aí está uma nova atitude política, que em tudo nos diferencia dos governos socialistas. Compreende-se, assim, a dificuldade e a incapacidade que os partidos da oposição têm revelado para acompanhar o ritmo do Governo.
Estou certo de que não foram em vão os sacrifícios que foi necessário pedir aos portugueses, mercê da dificílima situação financeira e económica em que os socialistas deixaram o País, com a maior desordem nas contas públicas, grosseiramente manipuladas, e a economia em estagnação completa.
Era imperativo e elementar pôr as contas públicas em ordem e introduzir práticas de rigor e de transparência, em sede de execução orçamental, indispensáveis à recuperação das finanças públicas, ao relançamento da economia e ao restabelecimento da credibilidade de Portugal junto das instituições europeias.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E é preciso que se diga que, nesta matéria, não são necessárias mais leis, nem resoluções, como pretendem os socialistas, numa tentativa de desviar a atenção do que lhes é incómodo. Importa, sim, a observância escrupulosa das regras em matéria orçamental e da contabilidade pública, sem manipulações, subavaliação de despesas ou empolamento de previsões de receitas, que não se arrecadam ou se dão por recebidas, sem o terem sido, como foi prática generalizada da governação, ou, melhor, do desgoverno socialista.
Valeu a pena o esforço, a coragem e a frontalidade das medidas que se adoptaram nos últimos cinco meses, mesmo que elas suscitem perseguições pessoais e políticas de membros do Governo.
O Estado controla, agora, as suas contas e as metas propostas serão atingidas. Cortar no supérfluo e ser rigoroso na gestão dos recursos públicos é indispensável para libertar meios para o que é essencial.
O próximo Orçamento, tal qual já referiu o Primeiro-Ministro, será de rigor, mas também de recuperação e de estímulo à economia e aos agentes económicos.
A credibilidade não se ganha com a mentira; ganha-se mostrando que se decide, que não se cede perante interesses e perante lobbies.
Somos um Estado de direito e, como tal, o direito de manifestação, o direito à greve ou outras formas de protesto serão respeitadas, no quadro da observância da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tudo faremos para, conscientes das dificuldades e identificados com o interesse nacional, lograr obter um

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acordo social. Porém, o diálogo e a concertação não são, para nós, um fim; são um meio, que desejamos determinadamente alcançar, face à difícil situação em que o País foi deixado e a uma conjuntura internacional desfavorável.
Consideramos, contudo, que não há obrigação democrática maior do que a de cumprir os compromissos assumidos para com os portugueses. Por isso, essa obrigação prevalecerá no quadro das nossas decisões e opções, não sendo pensável que, à margem dos mecanismos eleitorais e institucionais, o Governo possa ser impedido de executar o seu Programa. E não são apenas os compromissos assumidos para com os portugueses que estão em causa. É que as reformas que temos de prosseguir e concretizar são indispensáveis para inverter o caminho de degradação e de retrocesso que o País levava com os governos socialistas. Na saúde, com a construção de 10 novos hospitais; na gestão hospitalar; na mudança da política do medicamento, sem cedências a campanhas e a interesses, por mais poderosos que eles sejam; e, finalmente, um empenho e reforço no combate à fraude e à evasão fiscais. Sobre esta questão vital, importa referir que os governos socialistas deixaram à beira da prescrição cerca de 650 milhões de euros por cobrar.
Era bom que, numa altura em que o Governo vai alterar a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, conferindo-lhe competência no combate à fraude fiscal, não se atentasse contra o prestígio e a dignidade de uma instituição a que o País, acima e para além dos governos, tanto deve, na prevenção e no combate à criminalidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes cinco meses de governo e as linhas de actuação e de firmeza que o Primeiro-Ministro, em sintonia com o nosso parceiro de coligação, vem traçando e executando, confirmam que o País reconquistou o clima de credibilidade e de confiança, indispensável ao prosseguimento da caminhada que encetámos há cinco meses.
Vivemos uma conjuntura económica internacional particularmente difícil.
Por outro lado, as ameaças do terrorismo internacional e o combate que tem de lhe ser feito exigem o empenho de todos, em particular quando obriga a recorrer a acções militares, legitimadas pelo direito de ingerência, mercê do sistemático desrespeito das resoluções das Nações Unidas e da constante violação dos direitos humanos.
O Governo tem assegurado, felizmente, uma posição clara e solidária de Portugal neste combate, que, sendo de toda a comunidade internacional, é também de todos e de cada um de nós.
Como já disse, o ano parlamentar que começa é o ano de saneamento das finanças públicas, o ano da recuperação da economia, o ano da realização de importantes reformas no Estado e na sociedade.
São estes os objectivos que o País persegue. Portugal precisa de ordem onde antes havia desordem. Os portugueses querem tranquilidade, progresso e confiança no futuro.
São estes, também, os propósitos do Governo e da maioria que o apoia. Este Governo foi eleito para governar. Portugal precisava e precisa de um governo que governe. Os portugueses estavam fartos da cultura da facilidade, do adiamento e da indecisão que conduziu o País ao estado a que chegámos.
É este, igualmente, o espírito que anima a coligação que apoia o Governo. Estamos aqui para defender a estabilidade contra os que teimam em semear a instabilidade. Estamos aqui para ajudar a resolver os problemas do País contra os que só sabem alimentar-se da guerrilha, da suspeita, da insinuação e da perfídia. Estamos aqui, unidos, coesos e solidários, para cumprir o mandato popular e para fazer uma legislatura de progresso, de justiça e de desenvolvimento.
Nestes primeiros meses de mandato, o Governo deixou já uma clara impressão digital; deixou a marca de um Governo decidido, determinado e corajoso.
Por isso, os resultados começam a surgir: as finanças públicas estão em recuperação; os sinais da execução orçamental, até ao momento, são francamente animadores - por muito que custe, o défice vai ficar abaixo dos 3%, no próximo ano.
A economia vai começar a recuperar. Os empresários já começaram a perceber que há, finalmente, credibilidade nas políticas, rigor nas atitudes, seriedade nos comportamentos do Governo. A partir do segundo semestre do próximo ano, seguramente que vamos sentir os efeitos desta política.
Mas ainda mais importante: temos, finalmente, um Governo que reforma e não um Governo que faz navegação à vista. Temos, finalmente, um Governo que ataca os problemas nas suas causas e não um Governo que olha impotente para as consequências dos problemas que outros não resolveram e sempre adiaram.
Nos últimos cinco meses, aprovaram-se mais reformas do que nos últimos cinco anos.
O País já percebeu que tem um Governo responsável e que vai ultrapassar as dificuldades. O País já percebeu o caos em que o Governo anterior o deixou.
Talvez, por isso, o sentimento das oposições é o que se vê: é desespero permanente, é incomodidade constante, é incapacidade de se conformar com os resultados eleitorais, é mau perder, é desejo de tudo fazer para que o Governo não governe, não decida, não reforme e não trabalhe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que conclua.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Nunca, em tão pouco tempo, se viu uma coisa destas: uma oposição socialista tão frenética a destruir, tão incompetente a propor, tão irresponsável a agir. Os socialistas são, hoje, os campeões da incompetência, da irresponsabilidade, da falta de escrúpulos e de seriedade política e intelectual.
Ainda a procissão vai no adro, mas, pelo andar da carruagem e pelo caminho que levam, os socialistas não merecem apenas estar na oposição; pior, vão mesmo estar anos e anos na oposição. É o resultado de tanta incompetência, de tamanha irresponsabilidade e de tão grande desonestidade política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estamos aqui para alimentar querelas que não conduzem a lado nenhum. Estamos aqui com espírito construtivo. Mas, ao sentimento destrutivo da oposição, responderemos com determinação, sem medos e sem hesitações. Somos sérios, mas não somos ingénuos. Estamos aqui para servir Portugal. Não estamos, nem estaremos nunca, para pactuar com manobras, intimidações ou condicionantes, artificialmente concebidas.

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E, acima de tudo, não pactuaremos com manobras de diversão, que desviem a atenção, em especial a nossa atenção, dos verdadeiros problemas dos portugueses e das soluções que lhes queremos assegurar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo realmente esgotou-se.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Renovado o empenho no saneamento das finanças públicas e consolidada uma nova atitude política, reforçada está a confiança dos portugueses no Governo, o que basta, para que, para além e acima de ruídos de fundo, prossigamos as reformas e a recuperação económica do País e, dessa forma, façamos sair Portugal da cauda da Europa e o coloquemos, como é nosso inabalável propósito, ao lado dos países mais avançados da União Europeia.
Está reforçada a confiança dos portugueses no Governo. O Governo confia nos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Até quando? - é a pergunta que insistentemente surge na cabeça de muitos portugueses. Até quando o Ministro Paulo Portas vai recusar-se a prestar ao País os esclarecimentos que todos aguardam e que são indispensáveis para a clarificação política da sua situação pessoal?

Aplausos do PCP.

É cada vez mais difícil encontrar explicações para a ausência desse esclarecimento. Não esclarece por quê? Porque não tem de estar sempre a esclarecer - dizem os seus correligionários.
Mas quando esclareceu os factos que sucessivamente vão agora sendo divulgados? As respostas já estão no processo, que é público - alvitram os mesmos defensores e o próprio. Só que as explicações que se conhecem são manifestamente insuficientes, o que só reforça a necessidade de explicação de Paulo Portas. Trata-se de uma cabala montada pelos interesses com que se confronta na Defesa - dizem também. Mas é também por dirigir um sector tão delicado e importante que mais se exigem esclarecimentos que afastem qualquer suspeita e comprovem publicamente a sua idoneidade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A não ser que não seja possível esclarecer, ou que o esclarecimento seja pior do que a falta dele.
Escusa a maioria de nos relembrar pela enésima vez que o Dr. Paulo Portas não foi constituído arguido no «caso Moderna» e que é apenas testemunha. O processo judicial segue o seu curso e nele não nos devemos imiscuir. Já sabemos que o Ministro Portas não foi acusado e também que o Ministério Público afirmou em comunicado que não foi ainda ordenada a extracção de certidão com vista à instauração de inquérito a Paulo Portas, dizendo também que o Ministério Público estará atento a factos que possam alterar o seu juízo.
Certamente que o julgamento em causa e os factos aí revelados estão a ser acompanhados com toda a atenção pelo Ministério Público e pela própria Polícia Judiciária, com vista a eventuais novas investigações. O contrário é que seria de estranhar.
A maioria apela, agora, a altas instâncias, dizendo que quem exige legitimamente esclarecimentos está a tentar influenciar o poder judicial. Sobre isto, quero fazer dois comentários.
O primeiro para dizer que tais afirmações demonstram uma falta de confiança no poder judicial, que não partilhamos de todo. Não cremos que o poder judicial se deixe influenciar pelas exigências de esclarecimentos, que são políticas.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - O segundo para afirmar que o que manifestamente é uma forma de pressão sobre as magistraturas e as polícias é a repetida afirmação peremptória de que tudo está encerrado em relação a Paulo Portas para o presente e para o futuro.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Na verdade, do que se trata aqui não é da questão judicial mas da política. Como política foi, no passado, a demissão de titulares de cargos públicos e até de membros do governo, face a suspeitas, por exemplo, sobre a sua conduta perante o fisco.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - É, aliás, essencial que se apure a situação fiscal das empresas dirigidas por Paulo Portas. Seria inaceitável que um Governo que se afirma empenhado em combater a fraude fiscal e em evitar a prescrição de situações irregulares, ou de incumprimento de obrigações fiscais, não tivesse essa atitude neste caso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, o PCP apresentará imediatamente um requerimento dirigido à Sr.ª Ministra das Finanças, solicitando todos os esclarecimentos sobre a situação fiscal das empresas geridas por Paulo Portas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E a esse requerimento anexaremos um conjunto de documentos que anonimamente chegou ao nosso grupo parlamentar e que nos parece revestir a maior gravidade e merecer o mais urgente esclarecimento da parte do Governo e do Ministério das Finanças.

Aplausos do PCP.

Esperamos que, ao contrário do que faz o Ministro de Estado e da Defesa Nacional, a Ministra de Estado e das Finanças nos responda com a urgência que o caso merece.
É política a questão, como é profundamente significativa em termos políticos a recusa de esclarecimentos dos sucessivos e graves factos revelados. Como também tem um significado político a reacção suave e ao retardador do Primeiro-Ministro ao intenso debate que se tem travado.

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E nem sequer se diga que se está a proceder a uma condenação antecipada na praça pública. O que não se aceita é uma ilibação política automática de Paulo Portas, escudada num silêncio comprometedor. E se há direito ao bom nome, como há, ninguém mais do que Paulo Portas estará interessado no pleno esclarecimento, para preservar o seu bom nome. Nem venha o Governo e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares com a chantagem da crise política, para tentar tapar a gravidade dos factos revelados com tal chantagem inaceitável, do nosso ponto de vista.
Não é demais reafirmar, neste momento, a importância da independência das polícias e do aparelho judiciário perante o poder político, designadamente o Governo. Reafirmar este princípio é simultaneamente rejeitar quaisquer tentativas de instrumentalização destas instituições. Em qualquer Estado democrático, e também no nosso, a vigilância permanente destas regras é indispensável.
Em Itália, Berlusconi usa o poder político para se tentar eximir às suas responsabilidades judiciais. Não queremos que coisas semelhantes se passem alguma vez no nosso país.
No que toca à Polícia Judiciária, é particularmente importante preservar o prestígio e a capacidade de acção desta instituição, decisiva no combate à criminalidade, designadamente aos chamados crimes de «colarinho branco».
Mas, ao contrário do que afirma candidamente o Sr. Primeiro-Ministro, não são os que legitimamente exigem explicações claras sobre os factos divulgados no «caso Moderna» relativos ao Ministro Paulo Portas, ou sobre as sucessivas demissões na Polícia Judiciária, quem prejudica esta instituição. O que verdadeiramente prejudica a imagem e o prestígio da Polícia Judiciária é a demissão de dois altos responsáveis, três meses depois de terem sido nomeados. Quem verdadeiramente prejudica a Polícia Judiciária é quem se mostra incapaz de alinhar uma explicação plausível para tais demissões. Quem verdadeiramente prejudica a Polícia Judiciária é quem não esclarece a contradição entre o Director actual e antigos responsáveis, designadamente no que respeita a pressões políticas.
Não fomos nós mas, sim, o Sr. Primeiro-Ministro e a maioria que, mesmo sabendo que decorria o julgamento do «caso Moderna», em que Paulo Portas participa na condição de testemunha, aceitaram que a pasta da Justiça fosse entregue a alguém por ele nomeado. O prestígio da acção e das instituições exige a completa ausência de suspeição e o Governo não a acautelou.
Em todo este caso, jogam-se importantes questões do regime democrático e do seu funcionamento. O País só pode aceitar a política da verdade e do esclarecimento total e não a política da fuga e da ocultação. Como «quem não deve não teme», o País não compreende que não se esclareçam os graves factos revelados, nem compreenderá a continuação do silêncio de Paulo Portas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta primeira sessão dos trabalhos parlamentares, quero, antes de mais, e em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, dirigir a V. Ex.ª e a todas e todos os colegas cordiais e sinceras saudações democráticas.
A reabertura dos trabalhos parlamentares ocorre num momento marcado por duas questões graves, que ameaçam a credibilidade das instituições e que a Assembleia da República não pode ignorar.
Por um lado, a crise directiva na Polícia Judiciária veio suscitar dúvidas sobre o empenho e determinação deste Governo no combate ao crime económico e financeiro, à fraude e evasão fiscais.
Por outro lado, a recente divulgação à opinião pública de trechos do relatório final da Polícia Judiciária sobre o «caso Moderna» suscita novas dúvidas sobre o envolvimento do actual Ministro de Estado e da Defesa Nacional neste escândalo.
A democracia é o regime da transparência e convive mal com suspeições, ou com dúvidas, sobre a idoneidade dos que a servem. A defesa das instituições democráticas exige-nos, por isso, frontalidade e urgência no apuramento da verdade.
A gravidade destas questões exige muita serenidade e a máxima responsabilidade. Recusamos a realização de um inquérito parlamentar à Polícia Judiciária e consideramos prematuro decidir da realização de um inquérito parlamentar à actuação do Governo neste caso.
A Sr.ª Ministra da Justiça deve ter a oportunidade de se explicar, tem de fazê-lo com urgência e dissipar as dúvidas, todas as dúvidas, que só adensa com o seu silêncio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É também urgente o cabal esclarecimento do envolvimento do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional no escândalo da Universidade Moderna.
Antes do início desta sessão, fiz entrega ao Sr. Presidente, ao Governo e aos demais líderes parlamentares de cópia integral do relatório da Polícia Judiciária que me foi enviado pelo Sr. Procurador-Geral da República, em resposta à solicitação que oportunamente lhe dirigi.
Com prudência e responsabilidade, o Partido Socialista aguardou esta resposta oficial para se pronunciar sobre esta questão. A leitura do relatório configura um quadro novo, da maior gravidade, que não era possível descortinar nas referências esparsas, publicadas, até agora, na comunicação social.
O relatório confirma os factos já noticiados, de receitas ou despesas duvidosas e não justificadas, indicia a utilização de bens sociais para fins pessoais e suscita diversas questões de natureza fiscal. Mas o relatório coloca, sobretudo, uma questão central e de fundo, expressa com muita clareza nas conclusões da Polícia Judiciária e que passo a citar: «Concluímos, nesta parte, que quer a Amostra quer a Boas Festas mais não representavam que extensões financeiras da Dinensino, concebidas pelo José Braga Gonçalves para, utilizando terceiros, dar origem a saídas financeiras da cooperativa e justificar pagamentos para a sua (do José Braga Gonçalves) esfera privada. Isto é, entre a Dinensino e a sua própria pessoa, o José Braga Gonçalves limita-se a colocar a Amostra e a Boas Festas, visando criar aparências de uma circulação legítima do dinheiro.».
Não estamos, pois, perante meras operações casuísticas, cuja explicação suscita dúvidas. O que resulta do relatório é muito mais do que isso, o que resulta é esta ideia central, que as empresas geridas, pessoal e exclusivamente, pelo actual Ministro de Estado e da Defesa Nacional eram

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instrumento, elemento integrante, do esquema engendrado, para subtrair dinheiro da cooperativa Dinensino.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Explica, ainda, a Polícia Judiciária: «Encontrando-se largamente dependente da boa vontade do José Braga Gonçalves para libertar as verbas de financiamento, a Amostra encontrava-se também constrangida a corresponder às solicitações do José Braga Gonçalves no sentido de lhe serem disponibilizadas quantias para fins menos claros.». O relatório consubstancia, pormenorizada e documentalmente, estas conclusões.
As sociedades Amostra e Boas Festas foram constituídas em Setembro e Outubro de 1997 - a primeira com sede na Universidade Moderna; a segunda com sede no próprio escritório do Dr. José Braga Gonçalves. Ambas as sociedades foram constituídas por sócios de favor, a pedido do actual Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, que, não sendo sócio, assume em exclusivo a gerência, que só abandona em Dezembro de 1998, meses depois de assumir a liderança do CDS-PP.
Estas sociedades revelam-se negócios ruinosos. Só vivem do financiamento desviado da Dinensino, financiamento que prossegue, mesmo depois da cessação da actividade, em mais de 15 000 contos!
Em contrapartida, através da Amostra e das Boas Festas, são transferidos para o José Braga Gonçalves largos milhares de contos - só entre Outubro de 1997 e Março de 1998, 16 350 contos, por cheques emitidos, e assinados, pelo actual Ministro de Estado e da Defesa Nacional.
Segundo o relatório da Polícia Judiciária, «O José Braga Gonçalves invocava falsamente a exigência de honorários, que o Dr. Paulo Portas pagava sem discutir».
Acrescenta a Polícia Judiciária: «A inexistência de justificativo para as transferências de dinheiro da Dinensino para a Amostra e a circunstância de o José Braga Gonçalves ser o beneficiário de algumas das saídas de dinheiro da mesma Amostra, fazem admitir a existência de um acordo visando tal circulação de dinheiro: o José Braga Gonçalves apenas libertava o dinheiro da Dinensino se tivesse garantido que o mesmo também pudesse ser encaminhado para suportar as suas despesas pessoais.».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não citei recortes de jornal, não dei voz à suspeição infundada, citei, embora resumidamente, o relatório final da investigação da Polícia Judiciária. Fi-lo porque, estou certo, a gravidade dos factos e o grau de envolvimento do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional surpreende V. Ex.ª tanto, ou pelo menos tanto, como eu próprio me surpreendi ao ler o relatório.
Num Estado de direito, existe uma diferença fundamental entre, por um lado, a responsabilidade cível, fiscal ou criminal, que se afere pela adequação de um dado comportamento à lei e que só às autoridades judiciárias cabe apurar e, por outro, a responsabilidade política, que afere da idoneidade e credibilidade para o exercício de cargos políticos e que a esta Assembleia cabe apurar quanto a quem exerce funções governativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma confusão pode existir entre estes dois tipos de responsabilidade. Pode haver ilícitos, até penais, que não desqualificam para o exercício de cargos governativos. Há comportamentos que, ainda que não sejam ilícitos, afectam a credibilidade para o exercício de cargos políticos.

Aplausos do PS.

Temos total confiança no sistema de justiça para apurar eventuais responsabilidades cíveis, fiscais ou penais. Não podemos, nem devemos, renunciar ao exercício das nossas próprias competências.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - No caso concreto, aliás, não tendo estes factos sido objecto de acusação, não são, consequentemente, objecto do julgamento que está em curso, pelo que não se coloca, sequer, a questão de saber se devemos aguardar pela sua conclusão.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional entendeu não ser seu dever apresentar a sua demissão ao Sr. Primeiro-Ministro. Não nos arrogamos de superioridade moral, nem pretendemos dar lições de moral aos outros, mas é nosso dever recordar ao actual Ministro de Estado e da Defesa Nacional as suas próprias lições de moral. Não! Não o acompanhamos nos julgamentos sumários e sem direito de defesa. Somos gente de bem e não nos anima o espírito de talião, mas já o acompanhamos na exigência da verdade, em nome da dignidade das instituições. Como leccionou o próprio Dr. Paulo Portas: «Não é digno, nem prudente, manter sem explicação um conjunto de actos da maior gravidade. A dignidade não pode ficar em suspeita».
Sejamos muito claros. Tão ou mais preocupante que os actos praticados na gestão da Amostra e da Boas Festas é o actual Ministro de Estado e da Defesa Nacional não ter clara consciência da gravidade destes actos, nem ter clara consciência da premência de dar cabal e público esclarecimento sobre estes factos perante a Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O tempo oportuno passou, mas resta, ainda, ao Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional diligenciar com urgência a sua comparência na Assembleia da República, no Plenário, ou em comissão, ou até mesmo na Conferência de Líderes, como em tempos fez o Professor Braga de Macedo, para prestar aqui, perante a Assembleia da República, todos os esclarecimentos que se impõem.
Manter o silêncio só pode significar a confissão de que, nas suas próprias palavras, «O facto de (…) achar que não tem nada a dizer é o sinal mais infeliz de que tem algo a esconder».

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Costa, inscreveram-se os Srs. Deputados Telmo Correia e Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, não nos surpreendeu, há pouco, o discurso do Sr. Deputado Francisco Louçã, no entanto, devo dizer-lhe que me surpreende que o Partido Socialista, com a história e o passado que tem, esteja reduzido a isto.

Vozes do PS: - O quê?!

O Orador: - Surpreende-me que o Partido Socialista esteja reduzido a insinuações e acusações.
Nós conhecíamos as insinuações, não comprovadas, de um Sr. Deputado do seu partido, o Deputado Eduardo Cabrita. Ouvimo-lo a si, várias vezes, fazer essas insinuações e apetece-me mesmo perguntar-lhe, Dr. António Costa, se se lembra do Dr. António Costa Ministro da Justiça.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - Se se lembrar, recordando-se dessa sua função, pergunto-lhe se não acha que num Estado de direito democrático temos de respeitar o princípio da separação de poderes. E, assim, o que é dos tribunais é dos tribunais; o que é da Procuradoria-Geral da República é da Procuradoria-Geral da República; e o que é da política é da política. Esta é a pergunta que lhe faço.

Protestos do PS e de alguns Deputados do PCP.

No limite, Sr. Deputado António Costa, em que país queremos viver? Onde um cidadão, que não é mais do que testemunha num processo, pode estar sujeito a todas as acusações, a todas as insinuações, mesmo quando elas não são prováveis, nem comprováveis?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - É uma vergonha!

O Orador: - O senhor não trouxe nada de novo.

Vozes do CDS-PP: - Não tem!

Protestos do PS.

O Orador: - O senhor traz um relatório com dois anos, que respeita a factos com quatro anos, que, após concluído, houve uma acusação, e o senhor não está, certamente, a tentar pressionar de novo, ou os tribunais, ou a Procuradoria-Geral da República, para dizer que outra deveria ter sido a acusação e que outros deveriam ter sido os acusados.

Vozes do CDS-PP: - Esse é o problema!

Protestos do PS e do PCP e contraprotestos do CDS-PP e do PSD.

O Orador: - Não creio que o senhor o possa fazer, não creio que seja admissível que o faça.
Mas, Dr. António Costa, nós ouvimo-lo a si e ouvimos o Secretário-Geral do seu partido, porque agora já não é a extrema-esquerda, agora já não são duas ou três vozes isoladas, agora é o PS institucional que aqui faz esta acusação grave.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - E é ao PS institucional e ao Secretário-Geral do Partido Socialista que, serenamente, quero dizer o seguinte: se os senhores respeitam o que está nos tribunais, se os senhores respeitam o processo que está a decorrer e onde existem arguidos, se os senhores respeitam tudo isto, o que é que sobra? Sobra a honra e a dignidade do Dr. Paulo Portas. E eu, pessoalmente, não posso responder-vos, ainda que não tenha qualquer dúvida sobre a sua honra, a sua credibilidade e todas as explicações que foram dadas, tostão a tostão, em última análise é, de facto, o Dr. Paulo Portas quem tem de vos responder.

Aplausos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Eu fui o primeiro a dizer-lhe que às calúnias se responde com silêncio. Porém, se os senhores querem uma resposta, estou mandatado pelo Dr. Paulo Portas, e escolhi este momento, para lhe dizer, Sr. Dr. Eduardo Ferro Rodrigues,… O senhor tem muita arrogância,…

Vozes do PS: - Oh!…

O Orador: - … tem muitas insinuações, o seu partido vem aqui de uma forma muito arrogante. Mas, se há dúvidas, se os senhores querem um esclarecimento, vamos esclarecer perante os portugueses,…

Vozes do PCP: - Até que enfim!

O Orador: - … e, repito, estou mandatado para o desafiar a discutir, hoje à noite, se quiser, em qualquer televisão,…

Vozes do PCP: - Aqui! Aqui!

O Orador: - … em qualquer órgão de comunicação social nacional,…

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É um desrespeito para com a Assembleia.

Vozes do PS e do PCP: - Aqui, aqui!

O Orador: -… frente a frente, cara a cara, com o Dr. Paulo Portas, e estou certo de que não fugirá, e, assim, os portugueses ficarão a saber de quem é a verdade, se é a nossa ou se é a vossa, e acabarão as vossas mentiras.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, gostaria de dizer-lhe três coisas.
Primeiro, quanto à história do meu partido, é com grande orgulho que posso dizer-lhe que, desde o tempo em que o Engenheiro Walter Rosa entendeu apresentar a demissão ao então Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares, os ministros do Partido Socialista têm exercido as funções com alto grau de exigência ética, relativamente à sua própria responsabilidade política, e não têm contribuído para degradar as instituições e o seu prestígio.

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Aplausos do PS.

Quero, também, dizer-lhe, Sr. Deputado, que não esperava de si a grosseira confusão entre o que é o exercício das funções de responsabilização política pela Assembleia da República e o que ocorre com outro tipo de responsabilização que só às autoridades judiciárias cumpre indagar. Recuso-me liminarmente, e falo por mim, a admitir acusações sobre interferências ou pressões sobre o funcionamento do poder judicial.
Aliás, como o Sr. Deputado bem sabe, os senhores têm andado a querer fazer a rábula perante a opinião pública, ao dizerem: «a matéria está em julgamento, aguardemos pelo julgamento». Mas, como o Sr. Deputado bem sabe e várias vezes, aliás, o tem recordado, não tendo havido acusação, não há julgamento. Estes factos sobre o Dr. Paulo Portas não são sequer objecto de julgamento.

Vozes do CDS-PP: - Mas vocês estão a pressionar para que haja!

O Orador: - No entanto, há uma diferença muito clara, e vou dar-lhe um exemplo que, a meu ver, deve ser bem claro para si. Qual é a diferença entre a responsabilidade penal e a responsabilidade política?
Por exemplo: o Dr. Paulo Portas já foi dezenas de vezes acusado em processos-crime, tem várias condenações em processos-crime, como autor do crime de abuso de liberdade de imprensa, e nunca, até agora, alguém entendeu que essas condenações penais do Dr. Paulo Portas o desqualificavam para o exercício de funções políticas.
Porém, há outras situações. Por exemplo: alguém que, como gerente de uma empresa, desvia bens da empresa para seu benefício pessoal, para, nomeadamente, obras na sua própria casa, pode merecer o perdão dos sócios dessa empresa e não ser objecto de procedimento criminal, mas este comportamento não pode deixar de relevar no momento em que essa mesma pessoa como Ministro de Estado e da Defesa Nacional tem a seu cargo a gestão de milhões de contos que os contribuintes lhe confiaram para o serviço do bem público.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

Este é um exemplo que creio claro e que diz respeito ao próprio Dr. Paulo Portas, apesar de já ter sido condenado por crimes cometidos, nunca ninguém considerou que os crimes que ele cometeu o desqualificavam para o exercício de funções públicas. Porventura, agora, não haverá crime, mas são factos que têm de ser considerados para sabermos se tem ou não idoneidade, se tem ou não credibilidade para o exercício de funções públicas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de terminar, pois já esgotou o tempo.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Telmo Correia, certamente para si é a mesma coisa responder perante a televisão ou responder perante a Assembleia da República, mas nesta sua confusão reside toda uma doutrina, a qual recusamos, de desrespeito pelas instituições democráticas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, parece-me interessante a sua preocupação institucional final e tenho pena de que ela não esteja mais viva e mais presente, relativamente à separação de poderes e à não pressão do poder judicial - e V. Ex.ª foi Ministro da Justiça, é jurista e tem responsabilidades acrescidas nesse tipo de conduta e de actuação.
Na verdade, V. Ex.ª veio colocar aqui aquilo a que chamou de factos novos, porventura novos no seu conhecimento, não novos na sua ocorrência, porquanto são factos velhos de quatro anos. Mas há uma coisa que V. Ex.ª não consegue ultrapassar, e que é esta questão muito simples: em primeiro lugar, V. Ex.ª faz aqui um exercício inaceitável, que é o de truncar esses factos, esses relatos, de excertos e retirá-los do seu contexto. Isto é o pior que há em matérias que têm de ser tratadas com seriedade e com transparência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - VV. Ex.as não podem estar a exigir transparência e actuar com esta trapalhada e este atropelo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: - Em segundo lugar, as questões que o senhor colocou e da forma como o fez, independentemente de constituir ou não ilícito criminal, sempre constituiriam - a ser como V. Ex.ª as coloca - outro tipo de ilícito. O que V. Ex.ª está a dizer é que o Ministério Público tem tanta obrigação de proceder em relação ao ilícito criminal como em relação aos outros ilícitos, nem que seja solicitando a intervenção de outras entidades, e que não o fez. Se não o fez é porque avaliou não haver razões para isso. O que V. Ex.ª está aqui a fazer é pôr em causa a actuação do Ministério Público, neste caso.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!

O Orador: - V. Ex.ª não se livra de se ter metido por um caminho em que está a pôr em causa a idoneidade e a correcção da actuação do Ministério Público.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma realidade ineludível!
Mas se a questão é política - e V. Ex.ª já sabe, porque é pública, da solidariedade do Sr. Primeiro-Ministro para com o Sr. Ministro da Defesa Nacional - responda (teve oportunidade de responder e não o fez) ou desafie o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para apresentar uma moção de censura nesta Assembleia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, penso que não será necessário tanto tempo.

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Sr. Deputado Guilherme Silva, tenho de fazer um reconhecimento à bancada do PSD: o PSD mantém, nesta matéria, a doutrina que manteve durante os 10 anos do período cavaquista. É a doutrina que sempre manteve, tenho de reconhecer isto, outros terão outros problemas.
Mas quero recordar ao Sr. Deputado Guilherme Silva que, mesmo nos tempos em que o PSD tinha a maioria absoluta, e quando, por exemplo, o Dr. Paulo Portas lançou n' O Independente uma campanha que suscitou na opinião pública dúvidas sérias sobre a idoneidade do então ministro Braga de Macedo (que até era tido como um homem arrogante e pesporrento), mesmo nessa altura, repito, ele dispôs-se a vir à Assembleia da República e, em Conferência de Líderes, perante o Presidente da Assembleia da República e os líderes parlamentares, foi ouvido, deu explicações e prestou esclarecimentos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Era diferente, porque não havia um processo judicial sobre o assunto!

O Orador: - Pergunto, Sr. Deputado Guilherme Silva: de que é que os senhores têm tanto medo? Por que é que o Dr. Paulo Portas não vem à Assembleia da República prestar os esclarecimentos que toda a gente sabe que tem de prestar?

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Guilherme Silva, surgiram várias notícias no Expresso e no Público, relatando factos novos para a opinião pública - que foram novos para mim e, presumo, também para si. Claro que podíamos, irresponsavelmente - há alguns exemplos e tradições nesta Câmara, é certo, mas essa não é a nossa tradição e não será o nosso futuro -, desde logo exigir a demissão do Sr. Ministro Paulo Portas. Não o fizemos.
Na carta de que tanto fala, que lhe enviei hoje, o que digo ao Sr. Procurador-Geral da República é o seguinte: «Como V. Ex.ª compreenderá, estando em causa a honra e o bom nome de um cidadão que actualmente exerce as funções de Ministro de Estado e da Defesa Nacional, não gostaríamos de retirar qualquer ilação ou tomar qualquer iniciativa parlamentar sem cuidar previamente da confirmação da autenticidade da fonte destas notícias». Isto não é pressionar o poder judicial mas, sim, agir de modo responsável, não atirando «lama» para cima do nome do Dr. Paulo Portas sem cuidarmos de saber, previamente, se estávamos perante meras notícias de jornais ou se essas notícias de jornais - como se veio a comprovar - reproduziam o relatório da Polícia Judiciária.
Sr. Deputado Guilherme Silva, a Polícia Judiciária não lhe diz nada? Não lhe inspira respeito? Não é uma instituição credível? É um instrumento de uma cabala, de uma conspiração? Ou é nosso dever, perante um documento oficial, interrogarmo-nos e confrontarmos o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, dizendo simplesmente que tem de explicar-se, que tem de responder perante estas acusações que constam deste documento?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quais acusações?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se, agradeço-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir.
É verdade que o Dr. Paulo Portas foi ouvido no processo - claro que foi!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - E é verdade que não há acusação!

O Orador: - Até foi ouvido pela própria Polícia Judiciária, entidade que, por diversas vezes, conclui - quiçá em erro - que o Dr. Paulo Portas mentiu! E eu não quero tirar ilações exclusivamente com base num relatório, sem dar oportunidade de ouvir o próprio Dr. Paulo Portas, porque eu próprio quero e tenho de ter um juízo responsável para poder dizer se ele deve ou não demitir-se; tenho de saber se ele efectivamente mentiu, como diz a Polícia Judiciária, ou se, porventura, o Dr. Paulo Portas diz uma verdade razoável. Por essa razão, é do interesse de todos, incluindo do próprio Dr. Paulo Portas, que venha a esta Assembleia.
Devo dizer-vos, Srs. Deputados da maioria, que os senhores poderão impedir o Dr. Paulo Portas de responder perante esta Assembleia, mas com isso apenas conseguirão reacender o murmúrio, a dúvida, a inquietação sobre a sua idoneidade e credibilidade para o exercício das altas funções que exerce como Ministro de Estado e da Defesa Nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Telmo Correia pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é o motivo do agravo, Sr. Deputado?

Vozes do CDS-PP: - É óbvio!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Costa acaba de me acusar, e aos Deputados da maioria, de querer impedir que fosse dado um esclarecimento necessário e indispensável perante um determinado relatório.

Vozes do CDS-PP: - O que é mentira!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Serei breve, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Costa, queria apenas dizer-lhe, com a mesma serenidade de sempre, que o senhor sabe efectivamente - e disse-o - que o cidadão Paulo Portas foi ouvido inúmeras vezes sobre estes factos (de resto, V. Ex.ª era Ministro da Justiça na altura, durante a maior parte do tempo em que decorreram estes procedimentos). Foi ouvido. Esclareceu.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Não há acusação alguma, nem criminal nem fiscal. Desse relatório foi extraída uma acusação, que o senhor também conhece. Mas o senhor descobriu agora o relatório,…

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - O relatório tem anos!

O Orador: - … ou alguém descobriu agora esse mesmo relatório e apareceu a falar sobre ele. O relatório é antigo, não é novo!
O senhor quer ouvir explicações no Parlamento e nós dizemos: sim, senhor, no Parlamento. O Sr. Ministro da Defesa Nacional não se furtará a vir ao Parlamento falar de tudo sobre a sua acção enquanto membro do Governo. Mas os senhores sabem que não é disso que estamos a falar!
Ouvi-o hoje, no Parlamento - os senhores já falaram desta questão em todo o lado, em todos os órgãos de comunicação social -, e dessa mesma forma, repito e reitero o desafio: nós queremos esclarecer os portugueses; não só os líderes parlamentares mas os portugueses! Os portugueses têm direito a um esclarecimento sobre a honorabilidade de uma pessoa que é Ministro de Estado e queremos esclarecê-los em confronto com a acusação.
Sr. Secretário-Geral do PS, venha! Não tenha medo, não fuja deste desafio, nós queremos a acusação e estamos dispostos a responder.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Telmo Correia, em primeiro lugar gostaria de dizer a V. Ex.ª que, pela nossa parte, nada temos a opor que a audição do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, nesta Casa, seja transmitida em directo pelo Canal Parlamento.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado Telmo Correia não deve saber bem - espero que não saiba bem - o que são as relações do Ministério da Justiça com a Polícia Judiciária e o Ministério Público.

O Sr. José Magalhães (PS): - O que é inquietante!

O Orador: - Sabe, no meu tempo - e espero que tal se mantenha -, os relatórios da Polícia Judiciária não iam a visto prévio do Ministro da Justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de dizer-lhe que a questão de fundo de toda esta história, bem como da história da Polícia Judiciária, é a «anemia» ética em que tudo isto vai degenerescendo.
Há uns dias, um ilustre professor da Faculdade de Direito de Lisboa, escreveu - preto no branco! - num jornal, não propriamente num pasquim, mas no Expresso, que a Dr.ª Celeste Cardona foi nomeada Ministra da Justiça única e exclusivamente para controlar que o processo do «caso Moderna» não afectaria o Dr. Paulo Portas. E isso foi escrito, preto no branco.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E provou-o?

O Orador: - O que é espantoso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é que, passado quase 15 dias, nem a Ministra foi demitida nem o autor desta prosa foi processado!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Com base numa notícia de jornal?

O Orador: - Esta degenerescência é que é preocupante porque, pelos vistos, a ideia que os senhores têm e querem impor como doutrina oficial é a de que tudo é possível: qualquer um pode escrever sobre um membro do Governo não importa o quê, porque o membro do Governo nem se ofende o suficiente para o processar, para responder ou reagir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado Telmo Correia - e já nem falo por mim -, tenho a certeza de que se alguém tivesse escrito sobre si o que o Prof. Doutor José Luís Saldanha Sanches escreveu sobre a actual Ministra da Justiça, o senhor não se tinha ficado. E isto é grave, porque mina a confiança dos cidadãos nas instituições.
É preciso não ter medo da verdade. Por que é que o senhor tem medo que a verdade lhe doa? A verdade vai doer-lhe, Sr. Deputado Telmo Correia? Não posso acreditar nisso! Então, por que é que o senhor tem medo que se apure a verdade? Por que é que tem medo que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional venha aqui, à Assembleia da República, prestar esclarecimentos? Por que é que tem medo que o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional fale? De que é que VV. Ex.as têm medo? Esta é a grande interrogação com que saio deste debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Fizeram saber à Mesa que desejam usar da palavra os Srs. Deputados Ferro Rodrigues e Telmo Correia. Gostava de saber qual é o objectivo das suas intervenções para ver se as consigo enquadrar dentro do debate que consta da nossa ordem de trabalhos.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, faça favor.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, embora não tenha intervindo neste debate, o meu nome foi citado aqui várias vezes e, portanto, gostaria de responder ao Sr. Deputado Telmo Correia. Em todo o caso, se o Sr. Deputado se inscreveu outra vez, é preferível ser ele o primeiro a falar, pois certamente será para repetir aquilo a que chamou um desafio.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Telmo Correia pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado António Costa fez várias afirmações que são novas neste debate e, mais uma vez, têm a ver com a honra da Sr.ª Ministra da Justiça, queria dizer apenas que não revelarei nenhuma conversa que possa ter tido sobre essa matéria com a Dr.ª Celeste Cardona, mas não percebo como é que o senhor pode afirmar, peremptoriamente, que sabe que não há processo crime, porque se a Sr.ª Ministra resolveu ou não processar quem escreveu essas palavras não tinha obrigação alguma de lhe escrever a dizê-lo, como é evidente!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, já que o seu esclarecimento pode contribuir para o andamento dos nossos trabalhos.

O Sr. Eduardo Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já há algumas semanas atrás, desde o início deste processo, que foi visível o extremo cuidado, a extrema ponderação e responsabilidade com que o Partido Socialista tratou todos estes temas. A tentativa de nos puxarem para o folclore político ou para o populismo (o que hoje, aliás, teve aqui lugar, em várias intervenções em que fomos citados, antes da intervenção do Deputado António Costa), não obteve qualquer resultado.
Sei que o Dr. Paulo Portas é, muitas vezes, um perito na transformação da vida política numa chamada «telenovela da vida real». Mas o que está em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é algo de muito grave e foi suficientemente expresso hoje, nesta Assembleia, ao logo da tarde, por várias bancadas parlamentares, em particular pela bancada do PS através do Deputado António Costa.
Digo que aceito esse repto desde que o Dr. Paulo Portas venha aqui, à Assembleia da República, e estarei toda a tarde à espera. Aliás, nesta Assembleia, há uma maioria do PSD e do CDS-PP, pelo que terá uma maioria de pessoas a aplaudi-lo. Esperarei o tempo que for necessário se ele vier aqui explicar-se, mas não alinho em qualquer «telenovela da vida real»!

Aplausos do PS e do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Presidente: - Para proferir uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio, que dispõe de 10 minutos para o efeito.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de iniciar esta intervenção saudando-o, Sr. Presidente, e assim, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, cumprimento toda a Câmara, desejando que este ano parlamentar seja proveitoso e decorra da melhor forma possível.
Se a Assembleia da República der o exemplo, cumprindo as funções expressamente consagradas na Constituição, se for assumida como um fórum de discussão de políticas e não de factos laterais, com toda a certeza que a dignificação do Parlamento sairá amplamente reforçada.
Infelizmente, o debate a que estamos hoje a assistir, com a confusão de planos inconfundíveis e cheio de insinuações, não é o melhor indício. Esperamos que o futuro venha a contrariar esta tendência sazonal, e condições não faltam para isso, após o novo ciclo que se iniciou.
Para esse efeito, recordo até as palavras do líder parlamentar do Partido Socialista - que não está presente na Sala e, possivelmente, participa, neste momento, numa qualquer «novela da vida real» - que, referindo-se ao Governo e à maioria que o sustenta, dizia: «Escolheram o vosso caminho. Boa viagem!». Tem toda a razão, o caminho é e continuará a ser o nosso: o do trabalho e do reformismo! O desejo de um bom percurso será cumprido a bem de todos os portugueses, incluindo, obviamente, os socialistas.
Será assim até porque, para o próximo ano, começará a ser cumprido o objectivo expresso no Programa do XV Governo Constitucional de reiniciar o desenvolvimento da nossa economia. Como disse recentemente o nosso Primeiro-Ministro, os primeiros sinais de recuperação já são - já são, repito, porque tal parecia, até há pouco, imprevisível - visíveis no segundo semestre de 2003 e, em 2004, estaremos num ciclo claramente ascendente.
Para isso, é necessário dar uma palavra de incentivo e de confiança aos portugueses. Estão a ser criadas as condições para a nossa recuperação. Invistam agora porque no futuro poderão colher os frutos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portugal deve passar, também no plano económico, a ser um país de todos - dos empresários que geram riqueza e dos trabalhadores por quem a mesma é distribuída. Portugal tem de ser um país em que seja possível apoiar o investimento e a poupança, a consolidação do tecido empresarial e o aumento da competitividade.
Defendemos o Governo quanto à necessária aplicação do Programa para a Produtividade e o Crescimento da Economia, mas também nas medidas fiscais de claro apoio e incentivo ao investimento.
Todos nós ficaremos a ganhar com o sucesso dessas escolhas.
O tempo de depressão colectiva já terminou há muito.
Finalmente, existe uma linha de rumo e objectivos de médio e longo prazos.
Tudo isto está também intimamente relacionado com a política de rigor que se sente fundamentalmente nas finanças públicas. Mas não serão criadas falsas expectativas, pretendemos que se continue a falar verdade.
Não há tempo - nem sequer paciência - para malabarismos orçamentais, até porque as dificuldades de hoje serão as facilidades de um amanhã cada vez mas próximo. Terminou, felizmente, o tempo da festança em que irresponsavelmente vivemos até agora.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sobre a questão orçamental, mantemos aquilo que sempre defendemos.
Seguimos o Sr. Governador do Banco de Portugal que no início do ano de 2001 dizia «a economia não pode continuar indefinidamente com níveis de despesa muito acima do que produz.» Não resisto a uma pergunta: ainda se lembram de quem estava no Governo à altura? Eram precisamente aqueles que iam manter a situação.
No nosso programa eleitoral assumimos como prioridade a necessidade de controlar a despesa pública.
Lemos por isso com satisfação a posição do Deputado Pina Moura, na qual transparece de uma forma muito clara que o problema das Finanças Públicas está essencialmente na rigidez e na qualidade da despesa.
Consideramos que essa é a principal via estrutural para resolver o problema orçamental.
Esperamos que o principal partido da oposição definitivamente o entenda. Esperamos que compreendam que essa é uma matéria susceptível de um pacto de regime e assumam a atitude responsável e apoiem o Governo na sua defesa do interesse nacional. Atendam às posições responsáveis de alguns Deputados dessa bancada. Já chega de andarem a «enterrar a cabeça».

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também será nossa prioridade auxiliar o Governo no seu objectivo de combate à evasão e à fraude fiscais. Este terá um sucesso equivalente à vontade política que o Executivo ponha na sua assunção. A nossa realidade dramaticamente o demonstra.
Bem sabemos como também o assume o já citado Deputado Pina Moura: «o combate à fraude fiscal é muito importante, mas não é aí que se vão ganhar os acréscimos de receita que resolvam o problema orçamental».
Esta é uma prioridade quanto à defesa da moral pública e da justiça, valores que defendemos de forma intransigente.
Por isso, sublinhamos a necessidade de uma enorme energia do Governo quanto às necessárias medidas administrativas a implantar, pois essa tem de ser a prioridade, até porque o sistema legislativo está genericamente adequado.
Depois de uma profunda omissão, essencial é a vontade política do Governo e nós desde já a reforçamos.
Outra das nossas prioridades será ajudar Portugal a possuir uma legislação laboral moderna e adequada às nossas necessidades.
A nossa aposta é a da polivalência e da mobilidade, mas também a da transparência na relação laboral.
É já tempo de terminar não só com a confusão legislativa que ainda existe como também de modificar uma das leis de trabalho mais conservadoras das União Europeia.
Estamos abertos ao contributo de todos que desejem melhorar o projecto que está em cima da mesa, mas defenderemos sempre aqueles que são os traços essenciais desta reforma.
Neste campo, cumpriremos o nosso dever perante os portugueses. Temos as nossas opções, não cederemos perante todo o tipo de chantagens ou ameaças mais ou menos veladas.
Afirmaremos que a democracia não é património de alguns contra outros. O nosso lema é, agora e sempre, trabalho geral para desenvolvimento geral!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste ano que agora se inicia, estaremos inequivocamente ao lado da vontade reformista deste novo Governo.
Essa intenção estará acima de todo e qualquer interesse parcial, o nosso rumo está já bem marcado.
Na segurança social, será aprovada a legislação demonstrativa de uma nova filosofia na relação entre público e privado.
Na saúde, defenderemos a nova forma de gestão hospitalar e a inserção definitiva dos genéricos.
A educação será agora e cada vez mais a raiz de um futuro em que os portugueses suplantarão os inaceitáveis problemas de formação.
A defesa terá um moderno conceito estratégico, bem adequado às realidades actuais.
Na justiça, a celeridade será cada vez maior, pelo que é essencial a privatização dos notários.
Na reforma do sistema político, desejamos que todos nós possamos dar um bom exemplo e afirmamos o total empenhamento do CDS-PP no sucesso dos trabalhos da comissão eventual. Por esta razão, não aceitaremos, em circunstância nenhuma, condições infundadas que possam criar obstáculos ao nosso fim: aproximar de facto os portugueses à política.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Na defesa do direito à vida, seremos uma «rocha» que respeita esse valor fundamental, mas também outros como a vontade dos portugueses expressa em referendos que não podem ser adulterados por meras armas de arremesso político.
Uma palavra agora para a oposição. Pretendemos que todos sem excepção possam concorrer para este nosso projecto. Sabemos que a esperança é a última coisa a morrer. No entanto, temo que esta oposição até a esperança consiga defraudar.
Nós seguiremos sempre a nossa viagem. Uma viagem de trabalho, reformas, confiança e firmeza.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Findo um Verão que provou taxativamente, mesmo aos olhos dos mais cépticos, que a perturbação está instalada num clima que constitui uma ameaça, um facto que não se pode ocultar e impõe sem mais adiamentos uma resposta rápida, também no regresso à actividade política e à rotina parlamentar outra perturbação grave, que marca o quotidiano, está instalada na opinião pública e na sociedade portuguesa com o caso da Universidade Moderna, que compromete directamente um dos seus Ministros, o Ministro da Defesa Nacional, Paulo Portas.
É uma polémica incontornável, um caso que não vale a pena tentar ocultar, uma questão que reclama, sem mais adiamentos, respostas frontais e, por parte do próprio envolvido, quebra do mutismo face a novos factos explosivos publicamente relatados.
Do que se trata não é tanto de analisar, no caso da Universidade Moderna, a questão na óptica da coerência pessoal do cidadão Paulo Portas.
Dessa coerência, que nos dispensamos de caracterizar, fala com eloquência o próprio, na condição de editorialista de um semanário, O Independente, que durante longo tempo dirigiu, através de uma prosa bem conhecida.
Aliás, dessa condição deu-nos conta, no semanário Expresso, na última edição, o ex-Deputado Duarte Lima, avivando a memória num eloquente e inspirado artigo.
Nesse artigo, e partindo de Garcia Marquez e da sua conhecida obra O General no seu Labirinto, Duarte Lima relembrou que «não há nada mais perigoso do que a memória escrita» e desse modo fez uma retrospectiva dessa época.
Ora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não é dessa época e dessa condição de jornalista que para a generalidade dos observadores, dos portugueses, do Parlamento, a questão hoje se coloca. Enquanto jornalista, Paulo Portas pode muito facilmente ser avaliado. O mesmo já não se pode dizer, e continua por esclarecer, na esfera que releva para o exercício das suas actuais funções, enquanto titular de um cargo público, enquanto Ministro de Estado.
E é, pois, nessa qualidade e enquanto tal, como Ministro da República, sendo embora tardia esta discussão, apesar de, lamentavelmente o tempo ter passado sem termos aqui connosco o Sr. Ministro da Defesa, a verdade é que não deixa de ser grave que num Estado de direito democrático

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se mantenha um silêncio pesado, como neste caso, em torno de uma polémica que envolve um membro do Governo. É, pois, essa polémica e a própria credibilidade das instituições democráticas que ela envolve que reclama esclarecimento público, respostas directas, sem dramatismos, como é salutar numa democracia que cuida de si própria. Respostas essas que não são, como é evidente - e todos perceberam -, do domínio da responsabilidade criminal. Essa, é aos tribunais que cabe investigar - esperemos, aliás, que sem pressões -, mas a responsabilidade que nos interessa é, como é óbvio, de outro foro.
Há perguntas pertinentes que implicam saber se Paulo Portas enquanto líder de um partido político, enquanto titular de um cargo público, enquanto Ministro da República considera ou não normal que um partido possa ser financiado por uma empresa de sondagens.
Importa saber se Paulo Portas enquanto titular de um cargo público, enquanto dirigente de um partido político, enquanto Ministro da República aceita ou não como normal que obras na sede de um partido sejam, de forma opaca, pagas por uma Universidade a que está ligado.
Importa saber se Paulo Portas considera ou não normal que sejam feitos pagamentos sem suporte legal, isto é, protagonizados por si e fugindo ao fisco.
Há um mundo de questões que exigem respostas e se situam no terreno da responsabilidade política a que ninguém, muito em particular uma direita que se reivindica moralista e com exclusivo de valores, pode escapar.
Há perguntas várias que, a não serem com transparência respondidas, revelam uma falta de ética de todo inaceitável.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito particularmente, Deputados da maioria: É, pois, tempo de pensar.
Pelas perplexidades dos cidadãos portugueses, dos contribuintes, pela própria credibilidade das instituições exige-se que o Ministro da Defesa, Paulo Portas, recupere rapidamente a memória.
Exige-se que quem disse no passado «quem não deve não teme» venha publicamente informar que não deve, que não teme e prestar, de uma vez por todas, os esclarecimentos em falta! Até porque, neste caso, Sr.as e Srs. Deputados da maioria de direita, este atraso pode revelar-se fatal.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, antes de passarmos ao período da ordem do dia, quero convocar a Conferência de Líderes para uma brevíssima reunião, amanhã, às 14 horas e 30 minutos, na Sala D. Maria II, a fim de acertarmos um problema que se suscitou relativamente ao modo de discussão e votação da revisão do Regimento agendada para sexta-feira. Peço a presença de todos e aos Srs. Deputados cujos presidentes dos grupos parlamentares não estejam presentes peço-lhes o favor de transmitirem o recado para que estejamos todos, sem falta, a fim de acertarmos esse pormenor.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

Peço agora ao Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró para me substituir na Mesa e ele dará a palavra aos oradores inscritos.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco Louçã pede a palavra para que efeito?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa sobre o ponto que se vai discutir agora na ordem do dia.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, vamos considerar uma proposta de lei apresentada pelo Governo, que é uma proposta de autorização legislativa, além de dois projectos de lei apresentados por grupos de oposição.
O Sr. Presidente sabe, e o Governo também, que não sendo de lei nem de força do Regimento é, no entanto, de praxe estabelecida e solidamente organizada nesta Assembleia - assim vigorou quando os actuais partidos do Governo foram oposição - que um pedido de autorização legislativa quando é discutido é necessariamente acompanhado por um texto de um anteprojecto de decreto-lei que é divulgado com antecipação.
Acontece, Sr. Presidente, que insistimos junto do Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares para ter esse documento e só o obtivemos ontem ao fim da tarde, o que limita e prejudica a clareza da discussão que se pretende aqui.
Consideraremos depois, a seu tempo, as implicações que isso pode ter para o trabalho em sede de comissão, mas não queria deixar de o registar, para, com o espírito de colaboração e de franqueza perante a Assembleia, apelando em particular ao Governo, que é o agente destes casos, para que não se repita um conflito deste tipo e seja garantido que os textos dos anteprojectos de decretos-leis sejam apresentados atempadamente, ou seja, uns dias antes de serem aqui discutidos porque, creio, de outra forma é prejudicado o espírito deste acordo que, pelos vistos, ninguém quer pôr em causa - e muito bem, aliás - nesta Assembleia.
Queria deixar este registo, Sr. Presidente, para que o Governo, noutras ocasiões, não fique submetido e não submeta a Assembleia à dificuldade que decorre desta precipitação da apresentação do texto poucas horas antes da sua discussão.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Fica registado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é uma brevíssima interpelação sobre esta questão suscitada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã e só para dizer duas coisas: a primeira é que esta prática ou praxe parlamentar foi cumprida, obviamente, porventura, um pouco em cima da hora; a segunda é que o Governo já tinha intenção - e por isso aqui o comunico -, justamente em obediência a esse princípio, de não fazer questão de votar amanhã a autorização legislativa, aceitando que possa baixar, por uns dias, à respectiva comissão parlamentar, justamente para permitir a análise do anteprojecto que se propõe elaborar.

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Julgo, portanto, que, em obediência a estes princípios, está totalmente respeitado o princípio de a Assembleia conhecer as intenções do Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 19/IX - Autoriza o Governo a criar entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições - e dos projectos de lei n.os 5/ IX - Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto (PCP) e 11/IX - Cria as autoridades metropolitanas de transportes (BE).
Para uma intervenção inicial tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A mobilidade dos habitantes das cidades e, especialmente, das áreas metropolitanas tem crescido muito. As razões para que tal aconteça são diversas: as famílias têm fixado a sua residência cada vez mais longe do seu local de trabalho; as mulheres têm vindo a integrar-se progressivamente no mercado de trabalho, aumentando desse modo o número daqueles que têm de se deslocar todos os dias; os jovens permanecem mais tempo no sistema educativo, frequentando estabelecimentos de ensino cada vez mais afastados das suas casas à medida que prosseguem na carreira; há mais motivos para viajar, em todas as idades.
Só para ilustrar quantificadamente a evolução da situação na Área Metropolitana de Lisboa, referem-se os seguintes números: a população, entre 1973 e 1998, cresceu 17,7%; a taxa de motorização cresceu, nesse período, 92,4%; o número de viagens internas à própria área cresceu 144,3% na margem norte e 111,4% na margem sul; o número das viagens motorizadas por habitante e por dia aumentou 16,7%; as viagens em transporte público diminuíram em 2,6% .
O que mudou radicalmente foi a parcela de movimentos feitos em automóvel privado. Isso prende-se com o tipo de povoamento, progressivamente mais disperso e cristalizado em zonas suburbanas, que torna praticamente cativos do automóvel muitos passageiros. Aquela dispersão de povoamento raras vezes é feita tendo em mente a instalação de transportes públicos viáveis e, por outro lado, em relação aos transportes públicos existentes poucas vezes é tida em linha de conta a construção de parques de estacionamento ou a adopção de outros mecanismos de atracção de passageiros para o transporte público e, por conseguinte, de dissuasão do recurso ao automóvel privado.
Os números referidos têm equivalentes próximos na Área Metropolitana do Porto.
Por outro lado, os diversos sistemas de transportes públicos que foram sendo instalados ao longo do tempo não tiveram a preocupação de se coordenar entre si. Basta citar o exemplo da CP e do Metro em Lisboa. Só agora é que se estão a articular algumas linhas dos dois modos de transporte, de maneira a facilitar a vida ao passageiro que é o ente cujas necessidades deveriam presidir à concepção e exploração do sistema de transportes, no seu conjunto.
As chamadas correspondências ou interfaces, quando se trata de modos de transporte diversos, têm de passar a merecer a maior atenção para não imporem graus de atrito insuportáveis ou, pelo menos, dissuasores do recurso ao transporte público.
Impõe-se fazer muito para facilitar o movimento dos passageiros, correspondendo à sua crescente vontade de deslocação. Isso tem de começar por uma reflexão profunda e por uma actuação firme em matéria de ocupação do território. As viagens têm sempre uma origem e um destino; se qualquer deles for fixado sem critério não devemos ficar admirados por daí decorrer um mapa desordenado de movimentos. Por isso, o primeiro esforço de racionalização passa por um ordenamento do território que repouse em estratégias claras que atendam, na sua génese, às consequências em matéria de movimentos e, por conseguinte, de transportes, das propostas feitas e das decisões tomadas.
Mas tanto para esse efeito como para a resolução de índole curativa de que tão urgentemente necessitamos, impõe-se agora tomar medidas concertadas que abarquem todos os modos de transporte existentes, orientando a operação de cada um deles para os campos que sejam da sua vocação própria. No centro das preocupações têm de estar sempre o passageiro e as suas necessidades de segurança e conforto.
Dado o exagero do recurso ao automóvel privado, surge como propósito maior o desenho de soluções que o contrariem por via do incremento das condições de atracção do sistema de transportes públicos tomado na sua globalidade.
As decisões não devem subir de escalão em relação àqueles em que encontrem uma resposta adequada. O princípio da subsidiariedade aplica-se também aqui. Aquilo que as instâncias municipais estiverem em posição de resolver não deve subir para uma instância metropolitana, até porque esta tem de estar livre para exercer as duas actividades que mais difíceis de praticar se revelam: a coordenação dos modos existentes e o desenho estratégico das redes futuras.
A coordenação é difícil, em quaisquer circunstâncias. Ela torna-se, contudo, um exercício muito exigente quando as entidades a coordenar são grandes e antigas empresas, com culturas empresariais muito marcadas e com uma longa tradição de autonomia.
Sucede, ainda, que não é suficiente a mera articulação entre empresas de transportes, porque elas prestam serviços de natureza sectorial a uma população que tem necessidades e propósitos integrados, sendo os eleitos locais quem as representa, na primeira linha, e o Governo quem tem de assegurar a prosperidade do conjunto, nomeadamente das duas áreas metropolitanas que constituem os seus dois principais motores.
Quer dizer, a instância de articulação não pode ser um simples fórum técnico. Tem, além disso, de constituir uma charneira entre responsáveis políticos e gestores técnicos, unidos pelo propósito maior de organizar a oferta de transportes que mais convenha a populações que têm de se movimentar todos os dias e que se movimentam cada vez mais.
A capacidade de atracção de passageiros para os transportes públicos irá representar um dos indicadores mais imediatos do sucesso do exercício dessa tarefa de coordenação. Isso será o resultado da integração de alguns outros indicadores como o encurtamento do tempo das viagens, a segurança e o conforto e, naturalmente, o seu custo.
O exercício bem sucedido da coordenação reclama numerosas inovações em domínios como a bilhética, a articulação de horários, a localização junto das estações de transportes ditos pesados, de parques de estacionamento,

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mas também a transformação das próprias estações em centros de serviços que beneficiem da passagem de importantes fluxos de viajantes que são também clientes de muitos outros serviços.
Toda esta actividade de coordenação tem de se exercer sobre as infra-estruturas e o material que já existem. Os transportes, rodoviários ou ferroviários, processam-se em cima de infra-estruturas que, pela natureza das coisas, têm de ser de longa duração. Elas são custosas e, portanto, muito difíceis de mudar de um momento para o outro. Há, assim, uma grande inércia, neste domínio. Ela tem de ser contrabalançada por uma grande agilidade no aproveitamento das virtualidades do material circulante - habitualmente mais adaptável porque de mais curta vida - e, especialmente, por uma grande criatividade em matéria de organização. É neste campo que as grandes mudanças têm de ocorrer, para se sentirem, a curto prazo, os benefícios da coordenação.
Em paralelo com o exercício competente das funções de coordenação, é indispensável pensar o futuro à distância e proceder a duas coisas: por um lado, incorporar toda a informação relevante que possa influenciar as decisões em matéria de transportes; por outro, alertar os decisores políticos, especialmente aqueles que tiverem responsabilidades no domínio do ordenamento do território, para as consequências das deliberações que tomarem e dos modelos que adoptarem para a expansão ou para a reconversão urbanas.
Na convergência da acção dos responsáveis pela ocupação dos solos e pelos transportes reside uma larga parte do sucesso do funcionamento das cidades e, especialmente, das áreas metropolitanas. Por isso, o quadro estratégico do desenvolvimento das redes de transportes não pode ser feito à margem das decisões das instâncias locais ou metropolitanas, em matéria de ordenamento do território. Essa é, no fundo, a razão para promover formas de associação entre os responsáveis pelas duas ordens de decisões.
Face a esta necessidade urgente de melhorar o quadro de vida nas nossas duas áreas metropolitanas, actuando sobre os seus sistemas de transportes, o Governo propões-se criar Autoridades Metropolitanas de Transportes, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Estamos já a trabalhar nas adaptações necessárias à aplicação dos mesmos princípios e à criação de instâncias com propósitos semelhantes noutros âmbitos espaciais mais restritos. Começamos pelas partes do território onde os problemas são mais severos. A seu tempo, actuaremos sobre os outros.
As funções de coordenação da acção levam a que devam estar associados responsáveis da Administração Central e das Autarquias. Os sistemas de transportes pesados que herdámos, dominantemente radiais, e o peso dos núcleos centrais das Áreas Metropolitanas, como destinos da maior parte das viagens diárias, aconselham a que seja reservado um lugar de destaque, na Autoridade a criar, às Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto. Mas o sentido prospectivo e estratégico que queremos dar à actuação das Autoridades impõe o envolvimento das instâncias metropolitanas já existentes, na certeza de que a sua intervenção será crescente nos assuntos que dizem respeito aos Concelhos que integram as duas Áreas Metropolitanas. Não se extinguirá nenhuma das entidades responsáveis pelos diversos modos de transporte. O que se há-de impor, através das Autoridades Metropolitanas de Transportes, é uma articulação profícua entre elas, fazendo com que seja o passageiro a ocupar sempre o lugar central das preocupações de quem o deve servir.
Pretendemos transferir para as Autoridades a criar, além das responsabilidades pela coordenação entre modos de transporte, competências em domínios como o planeamento, o investimento e a realização de grandes infra-estruturas. É o reflexo da vertente de orientação estratégica a que antes aludi. Não pretendemos criar grandes aparatos institucionais. Para assegurar a eficácia da acção, terá de haver, obviamente, um órgão executivo ou de administração, com poder de iniciativa para propor e para realizar. Deverá estar assegurado o envolvimento, em termos de consulta mas também, para alguns dos consultados, em termos de realização das orientações definidas, de um vasto leque de agentes que vai dos operadores responsáveis pelos diversos modos até aos representantes dos sectores secantes e, naturalmente, aos representantes dos utentes. Todos devem sentir-se obrigados a fazer sugestões inovadoras. Os operadores deverão dar seguimento ao que for sendo decidido como o melhor para o conjunto.
É evidente que tudo isto vai ter as mais diversas implicações financeiras, tanto no que respeita aos investimentos e às fontes para os poder realizar como, especialmente, aos regimes tarifários que não podem introduzir distorções, injustiças ou enviesamentos espaciais ou entre grupos. Pôr-se-ão questões interessantes mas complexas no que respeita à distribuição de encargos porque haverá que conciliar os benefícios das partes com os do conjunto. A inovação requerida, e em que insisti, não é somente de natureza tecnológica. Numa grande extensão, ela será administrativa e gestionária.
Espera-se que as Autoridades Metropolitanas de Transportes actuem sempre de forma a que o público, em geral, entenda a razão de ser das suas opções e que os diversos operadores aceitem e cumpram as orientações que forem julgadas como as mais adequadas para o conjunto dos sistemas de transportes.
Se posso enunciar em poucas palavras o travejamento de organização e de acção que temos em mente, elas são: coordenação, estratégia, subsidiariedade, participação, inovação, transparência e comunicação. Elas são todas indispensáveis para assegurar a circulação, em moldes eficazes, nas nossas duas áreas metropolitanas que representam os pontos de ancoragem dos esforços de desenvolvimento que hão-de arrastar todo o País.
É para isso que solicitamos a autorização legislativa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro Valente de Oliveira, a importância da matéria que está em apreço justificaria, no nosso entender, e justifica transparência, clareza e abertura no processo legislativo e no debate político. Ora, esta questão que o Sr. Ministro acaba de levantar, no final da sua intervenção, da autorização legislativa, que é o que enforma esta iniciativa da parte do Governo, por razões manifestas de incompatibilidade de processo legislativo, irá, previsivelmente, inviabilizar os dois projectos de lei já apresentados e que lançaram este debate nesta legislatura, e não só - o que é uma preocupação que é imperativo colocar.
De resto, o Governo decidiu há meses uma matéria cujo anteprojecto de decreto-lei concreto apareceu ontem, 20 horas antes do debate em Plenário. A questão já foi abordada

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pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares - em todo o caso, isto é reduzir o debate, mesmo que involuntariamente. O que é certo é que o debate podia acontecer hoje em melhores condições. Esperamos que, na especialidade, esta matéria seja aprofundada, viabilizando a discussão aberta das várias propostas que estão em presença.
Já agora, no tocante a uma abordagem mais concreta sobre o diploma que o Sr. Ministro nos traz, do anteprojecto que ontem chegou ao princípio da noite, sendo as autoridades, de acordo com o artigo 8.º, 9.º e 12.º do anteprojecto, entidades públicas empresariais com conselhos de administração e contrato individual de trabalho, é ou não verdade, Sr. Ministro, que o regime destas entidades é, afinal e simplesmente, o do um instituto? O tal modelo que o Governo elegeu como alvo primordial de ataque na administração pública, está ou não a ser retomado na criação destas entidades? Sr. Ministro, que novidades tem o Governo para tomar agora como boa esta solução? É a contratação individual, são os processos de decisão? Que motivos para uma decisão deste género?
Para terminar, Sr. Ministro, tem V. Ex.ª presente que o artigo 28.º, n.º 3, alínea d), da Lei de Bases dos Transportes Terrestres, estabelece a representação dos trabalhadores nos órgãos das autoridades metropolitanas de transportes, tal como haviam de ser criadas? E tem em conta, Sr. Ministro, que o anteprojecto do Governo não diz uma única palavra sobre esta matéria? Fala de todos os agentes, menos dos trabalhadores? Gostaria de ouvir da parte do Sr. Ministro uma explicação sobre esta inexistência, sobre esta ausência de referência apenas dos trabalhadores. Gostava que nos desse alguma explicação para isto.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, finalmente, estamos a discutir esta questão. A Lei de Bases dos Transportes Terrestres, que já previa a criação de entidades metropolitanas para a coordenação dos sistemas de transportes, foi aprovada em 1990. É, pois, com 12 anos de atraso que estamos aqui a discutir este assunto, com grave prejuízo para o quotidiano de centenas de milhares de pessoas - antes tarde que nunca, todavia!
Subscrevemos boa parte do diagnóstico feito no anteprojecto apresentado pelo Governo e temos também alguns pontos de acordo no que diz respeito à própria proposta de estruturação, em concreto, das autoridades metropolitanas de transportes. No entanto, não posso deixar também de reiterar o que já aqui foi afirmado pelo Sr. Deputado Bruno Dias: parece-nos incorrecta a utilização da figura da autorização legislativa do ponto de vista do debate democrático; pensamos que, ao ser aprovada essa proposta de autorização legislativa, ficarão prejudicados os projectos de lei que aqui estão em discussão e que, decerto o Sr. Ministro o reconhecerá, trarão e trazem, certamente, contributos que poderiam ser integrados num resultado final melhor.
Permita-me que lhe diga, Sr. Ministro - e eu farei a pergunta em concreto - que acho que há aqui alguns aspectos que são vagos, e merecem ser esclarecidos, no anteprojecto apresentado pelo Governo. Um deles prende-se concretamente com o sistema de financiamento, que é fulcral para a exequibilidade das autoridades metropolitanas de transportes: é dito no artigo 10.º que esse financiamento terá uma parcela que será transferida da administração central e uma parcela que será oriunda das receitas dos municípios, nomeadamente de receitas tarifárias - é vago! Que receitas tarifárias, Sr. Ministro? Que critérios estarão na base das transferências por parte da administração central? Não teria sido melhor apresentar, como nós fizemos, um modelo de financiamento concreto, explícito?
Aliás, terei ocasião de, na intervenção que farei ainda nesta sessão, explanar esse modelo de financiamento que, como terá lido, é baseado numa percentagem sobre o imposto sobre produtos petrolíferos e em receitas de estacionamento - pensamos que essa é uma possibilidade a explorar, como terei ocasião de defender.
Mas por que razão este carácter vago no que diz respeito ao modelo de financiamento?
Já agora, está o Sr. Ministro em condições de garantir que este anteprojecto terá como linha norteadora o financiamento público dos sistemas de transporte? Esta parece-me ser também uma questão essencial.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, há aqui um aspecto que já foi referido: estamos a falar dos transportes, e os transportes têm, naturalmente, uma importância nevrálgica para a sustentabilidade do desenvolvimento e têm um significado maior num país como o nosso, em que, por razões várias, algumas das quais elencou, outras não, e pela ausência de um sistema de transportes de qualidade, tem havido uma perda gradual de utilizadores - perda essa que significa, entre muitas outras coisas, que temos um problema económico, que temos um problema energético, que temos um problema ambiental gravíssimo.
Parece-nos, do nosso ponto de vista, que não se pode discutir isto sem discutir três coisas: sistema de financiamento com grande clareza - em que medida é que esse sistema garante e favorece a promoção do transporte público, tornando mais atractivo como alternativa para os cidadãos o uso do transporte público; a segunda questão são os aspectos energéticos e uma terceira o ordenamento do território.
O Sr. Ministro falou das questões do planeamento e da ocupação do território, e do ordenamento, mas eu não vejo - confesso - na proposta, no texto que chegou à Assembleia (porventura porque chegou tarde e talvez seja deficiente leitura minha), que essa questão esteja contemplada. Não vejo como é que um sistema de transportes tem eficácia se não se ligar intimamente ao território e, concretamente, aos instrumentos de planeamento da região. Julgo que essa questão não foi considerada e queria que me esclarecesse.
Quanto à questão da energia, não é indiferente o tipo de transporte que se vai promover e privilegiar. Não me parece, de modo nenhum, que essa questão esteja contemplada nem mesmo naquilo que poderia ser em matéria de organização do mercado. O Governo poderia entender, por exemplo, privilegiar na concessão alguns aspectos e definir desde logo regras ambientais. Portanto, do ponto de vista energético, penso que - e esta é uma questão-chave - ficou esse aspecto de fora.
O terceiro aspecto é o do financiamento: nós defendemos anteriormente - e o PS, na altura, não era favorável

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a essa proposta - que uma das formas de financiamento do sistema de transportes deve ser assegurada, estando nós aqui a falar de responsabilidade partilhada, através das receitas de estacionamento, através do imposto sobre os combustíveis. Pensamos, aliás, que faria sentido equacionar em que medida é que as empresas beneficiárias de um bom sistema de transportes - porque um bom sistema de transportes é sinónimo não só de qualidade de vida mas de maior produtividade - também aí participariam. Gostaria de saber como é que, com clareza, a questão do financiamento, que é importante, se explica e em que medida é que estes três aspectos são considerados: comparticipação de empresas, receitas de estacionamento e a consignação de uma verba que resulte da venda de combustíveis.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, esta autorização legislativa, surgindo em 2002, permite constatarmos que demorou 12 anos para que se fizesse um certo consenso a nível do Governo sobre esta matéria. Não posso deixar de registar que seja este Governo, com esta maioria, que consegue concretizar aquilo que muitas personalidades, partidos políticos - mas quase diria, «cada cabeça, sua sentença» - ao longo deste tempo foram proferindo relativamente à criação das autoridades metropolitanas de transportes, sobretudo também naquilo que deveriam ser as suas competências e atribuições. Não posso também deixar de registar o facto de esta discussão estar a ocorrer com a ausência de uma proposta de diploma por parte do PS - não só neste momento mas, inclusive, enquanto foram governo. Essa ausência é tanto ou mais notória quanto o PS teve responsabilidades no governo de Portugal durante mais de seis anos, mais de um mandato.
A urgência da disciplina de uma autoridade metropolitana dos transportes era algo que já era sentido e, sobretudo, reivindicado. Por isso, é importante que esta autoridade seja exactamente uma autoridade, ou seja, que possa agir, que possa concretizar um conjunto de políticas tanto na gestão como no planeamento das infra-estruturas dos transportes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Ministro, a pergunta que quero colocar-lhe tem muito a ver com esta interrogação e, sobretudo, com esta necessidade: como vamos concretizar esta ideia? Os planos estratégicos de transportes, que são referidos no anteprojecto de diploma por parte do Governo, em que é que consistem? Irão pode traduzir-se e serão efectivamente instrumentos de autoridade metropolitana? Deixo esta pergunta, que é uma questão essencial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram referidos pontos interessantes...
Efectivamente estamos, 12 anos depois, num ponto em que não podemos iludir mais as necessidades de coordenação dos transportes públicos nem tolerar mais que haja livre rédea para a entrada do automóvel privado, do transporte individual, nas cidades, especialmente nas duas áreas metropolitanas. Todos os dias de manhã ouvimos os anúncios dos atrasos com que se chega ao centro das áreas metropolitanas, de maneira que se impõe retomar o papel do transporte colectivo.
A experiência mostra, designadamente através do que se passou na Área Metropolitana de Madrid, que basta a coordenação entre os diversos meios de transporte públicos para se conseguir atrair uma percentagem muito importante dos viajantes para os transportes colectivos.
É isso que queremos de fazer, mas sabemos que esta coordenação é difícil, de maneira que não somos ambiciosos ao ponto de dizer: vamos coordenar tudo já, mesmo os planos de ordenamento do território. Mas, como estamos no seio da própria autoridade metropolitana de transportes com os representantes daqueles que são responsáveis pelos planos de ordenamento do território, quer a nível metropolitano quer a nível concelhio, temos a esperança de que, numa acção de carreamento, através das autoridades metropolitanas, para a autoridade metropolitana de transportes dos problemas estratégicos de ordenamento do território, as coisas se passem no sentido da ocupação do solo para os transportes e, em sentido recíproco, do planeamento de transportes e do ensaio sobre as redes que se fazem, as medidas que se tomam e as lubrificações que se conseguem através da organização se passe para quem tem de decidir sobre a ocupação dos solos.
A apresentação do pedido de autorização legislativa é uma figura a que podemos recorrer, pois é o exercício de um direito constitucional que cabe ao Governo. Queremos andar depressa, queremos recuperar tempo perdido, queremos que isto seja muito rapidamente feito, por isso recorremos a esta figura.
Quanto à questão dos contratos individuais de trabalho, devo dizer que é muito mais fácil fazer as coisas desta maneira, porque o grupo de funcionários que vai guarnecer esta autoridade metropolitana de transportes tem de ser pequeno para ser funcional e tem de ser muito versátil para se adaptar a todas as situações. É por isso que não «funcionalizamos» de propósito esta instituição e recorremos a técnicos que, se não provarem, podem facilmente ser removidos e chamados outros.
No que se refere à questão das receitas, parece-me muito complicado estar a definir, desde já, um modelo muito rígido das fontes de receita. Tem de se deixar toda a versatilidade e toda a capacidade à instituição para fazer, naturalmente, recurso às tarifas, recurso às receitas dos parques de estacionamento e também a taxas que as próprias autarquias queiram aplicar a este respeito e, muito provavelmente, à contracção de empréstimos, que têm de ser pagos depois por alguns meios que gerem receitas para pagar muitas das coisas que se vão fazer.
Uma enumeração, neste momento, de todas as fontes de receita tornava a instituição extremamente rígida e parece-me que seria muito inconveniente que disséssemos logo o formato, o colete, das coisas que poderão fazer-se.
Relativamente à Sr.ª Deputada Isabel Castro, que tem preocupações que são muito respeitáveis, direi que espero que, de acordo com as instruções dadas, as próprias empresas de transporte público recorram aos combustíveis mais adequados, para, naturalmente, não serem tão

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poluentes, e que sejam exigentes na maneira como o fazem. Estamos a tratar de aumentar - e já temos tomado iniciativas nesse sentido - o peso dos transportes sobre carris, com energias limpas, portanto queremos, efectivamente, valorizar o mais que pudermos esses transportes, o que significa uma melhor utilização da energia e especialmente - esta a sua preocupação - energia limpa que possa ajudar a não poluir o nosso meio urbano.
Quanto à questão dos planos estratégicos, eles têm de ser feitos nesta atitude de vaivém, sabendo o que é que os planos estratégicos de ocupação do solo têm e propõem, para que, depois, se façam os planos estratégicos de cada uma das empresas, mas articuladamente entre si - o «metro» pesado com os «metros» ligeiros e a Carris ou os STCP com os restantes transportes, de tal maneira que haja um plano estratégico que seja enformado por todas as varáveis que são precisas para chegarmos a uma solução coerente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para apresentar o projecto de lei n.º 5/IX - Criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto, em nome do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O carácter simbólico dos dias instituídos terá, provavelmente, motivado o agendamento desta discussão sobre as autoridades metropolitanas de transportes, acertando em pleno na Semana Europeia da Mobilidade, que agora se assinala, semana essa, aliás, que culminará com a passagem do Dia Europeu Sem Carros, no próximo Domingo, dia 22.
O projecto de lei que o PCP apresenta e a política de transportes que o PCP defende vão justamente no sentido de contribuir para uma situação que possibilite que todos os dias sejam dias com menos carros, o que, convenhamos, será uma transformação estruturalmente mais significativa.
É tradicional o consenso que se reúne em torno de conceitos tão importantes como a necessidade de diminuir a pressão urbanística e automobilística nas áreas metropolitanas e grandes centros urbanos a bem do equilíbrio ambiental, da saúde pública e da economia. E, no entanto, os factos demonstram claramente que não temos - há muito tempo que não temos - uma política efectivamente incentivadora da utilização do transporte colectivo.
A defesa do serviço público vai dando lugar à óptica neoliberal da maximização do lucro privado; a privatização dos transportes colectivos não trouxe para os seus utentes qualquer boa notícia.
Os transportes públicos não correspondem, em muitos casos, às exigências de qualidade, de conforto e, o que é mais grave, de segurança que se colocam a um sector tão estratégico como este para o desenvolvimento económico e para a qualidade de vida das populações.
E é assim que chegamos a esta imagem esclarecedora da mobilidade numa área metropolitana como Lisboa: a utilização do transporte individual cresceu de 49% para 62%, contra uma descida de 51% para 38% nos transportes colectivos. E, apesar de o número de veículos por mil habitantes ser mais do dobro do que era há 25 anos, a verdade é que cerca de 35% dos agregados familiares não possuem carro e estão completamente dependentes do sistema de transportes públicos que o País lhes oferece.
Refira-se a este propósito que os passageiros portugueses, com o preço dos bilhetes e passes, são, na Europa, quem paga maior percentagem dos custos dos transportes públicos. Só este ano, já duas vezes as tarifas sofreram aumentos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando realmente se pretende discutir e agir com êxito na promoção e incentivo da utilização do transporte público, certamente que o custo, o acesso a esses transportes não é uma questão menor. É nesse sentido que desejamos anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na Assembleia da República um projecto de lei que reforça o passe social, alargando o seu âmbito e dando maior liberdade de escolha aos seus utilizadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pretendemos, assim, salvaguardando a descentralização, permitir o acesso a todos os percursos efectuados por todas as empresas, em coroas mais abrangentes, reduzindo largamente os gastos das famílias com transportes e aproximando as periferias do centro, em termos de custo.
É indesmentível a importância social do passe social, importante conquista do 25 de Abril, assim como é importante a articulação, o ordenamento, de um quadro actual tão disperso que nos apresenta, por exemplo, só na Área Metropolitana de Lisboa, o extraordinário número de 456 títulos de transporte.
É essencial que se coordene a actuação das entidades que decidem do ordenamento do território, bem como dos próprios operadores. Daí que seja uma antiga reivindicação do PCP, já desde a década de 70, a criação de instituições coordenadoras dos sistemas de transportes nas áreas metropolitanas e que o PCP apresente o diploma que agora está em discussão, ou seja, o projecto de lei n.º 5/IX, propondo a criação das autoridades metropolitanas de transportes, porque é necessário tomar medidas, descentralizar os processos de decisão, trazer mais justiça aos modelos de financiamento existentes, promover a definição e a articulação de estratégias de planeamento para um desenvolvimento sustentado do sector e, desde logo, simplesmente cumprir o que se aponta na Lei de Bases dos Transportes Terrestres, que falta cumprir há 12 anos.
Por isso, com a clara abertura para acolher, em especialidade, propostas que permitam aperfeiçoar o diploma, propomos que as autoridades metropolitanas de transportes sejam entidades de gestão participada, em que o poder local tenha uma presença efectiva e representativa em organismos que contem com a intervenção do poder central, dos operadores, dos utentes e dos trabalhadores do sector dos transportes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Propomos que estas autoridades promovam, fiscalizem e actualizem os planos metropolitanos de transportes das respectivas regiões, garantindo a coordenação e execução dos investimentos e financiamentos necessários. Delas sairá a definição de uma política tarifária coerente, incrementando o serviço público de transporte, com a atribuição de competências para gerir e contratar a exploração dos transportes regulares nestas regiões, fixando as indemnizações compensatórias que devam ter lugar.
Em suma, pretendemos com este projecto de lei que sejam alcançados com eficácia o planeamento, o financiamento

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e o funcionamento de um modo sustentado dos sistemas de transportes, em articulação com o desenvolvimento urbanístico e o ordenamento do território, atribuindo uma clara prioridade ao transporte colectivo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A par do projecto de lei do PCP, dois outros diplomas estão hoje em apreciação. E se o projecto de lei n.º 11/IX, do Bloco de Esquerda, mereceu já algumas críticas e alertas quanto a insuficiências na representatividade e presença do poder local, aspectos que poderão em sede de especialidade merecer contribuições e propostas construtivas, é certo que o documento aponta para caminhos e soluções que vêm, aliás, ao encontro do essencial das nossas propostas, merecendo ser viabilizado na generalidade.
Por outro lado, a proposta de lei apresentada pelo Governo sobre esta matéria apresenta, desde logo, um problema quanto à forma, pois, sendo, afinal, um pedido de autorização legislativa, vem restringir um debate que pode e deve ser amplo e participado, ainda para mais perante propostas concretas, propostas que precedem, inclusive, no debate político e no trabalho parlamentar, a iniciativa do Governo.
Assim, antes de mais, o desafio que deixamos ao Governo e ao Sr. Ministro é este: aceite e promova uma discussão na especialidade aberta aos vários partidos e às suas propostas, até porque se justifica abordar mais em profundidade todo um conjunto de dúvidas, reservas e também críticas muito frontais que o anteprojecto do Governo nos merece.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E existem, de facto, aspectos que têm de ser esclarecidos. Primeiro, o tipo de instituição que o Governo quer criar. Estabelecido que fica na proposta de lei que as autoridades metropolitanas de transportes serão organismos independentes, desde que subordinadas à política do Governo em matéria de transportes, levantam-se outras questões.
Numa altura em que o frenesim da extinção de institutos públicos ainda vai fazendo vítimas na Administração Pública, vem agora o Governo criar aquilo que, na prática, mais não é senão um instituto disfarçado, com carácter de entidade pública empresarial, com um conselho de administração em vez de um conselho executivo e com um regime de pessoal - típico de uma empresa privada - assente no contrato individual de trabalho, negando o acesso à função pública e aos seus direitos. Basta analisar os artigos 9.º e 12.º do anteprojecto para confirmar o que dizemos.
De resto, há uma característica transversal a este diploma do Governo: o desprezo a que nele são votados os trabalhadores, tanto os que virão a trabalhar nas autoridades metropolitanas de transportes como os próprios trabalhadores do sector, a quem é negado o direito de participação nos conselhos gerais destas entidades, numa clara e grosseira violação do que é estipulado na própria Lei de Bases.
Srs. Membros do Governo, se não querem reconhecer aos trabalhadores mais e melhores direitos do que aqueles que a lei estabelece, então, o mínimo que se exige é que cumpram e façam cumprir a legislação em vigor.
E se isto é verdadeiro quanto aos trabalhadores, não é menos em relação ao poder local, nomeadamente com a incerteza com que se estabelece a composição dos órgãos executivo e deliberativo das autoridades metropolitanas de transportes.
Pois se existe uma definição concreta de um conselho fiscal, com três membros efectivos e um suplente, nomeados pela tutela e pelo Ministério das Finanças, sendo um dos efectivos e o suplente revisores oficiais de contas, então porquê esta total indefinição quanto à proporcionalidade do órgão executivo e do conselho geral?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que maiorias se poderão constituir nestes organismos? Como serão os processos de decisão em matérias determinantes para a vida dos próprios municípios?
Não podemos esquecer que o projecto do Governo, atribuindo, por um lado, às autoridades metropolitanas de transportes a pesadíssima tarefa de aplicar a prestação das indemnizações compensatórias aos operadores, pretende, por outro lado, considerar os orçamentos municipais como fontes de receita dos regimes de financiamento a aplicar, o que levantaria ao poder local esta inevitável penalização: ou esvaziava os cofres municipais ou, então, ficaria com o odioso de cobrar aos munícipes uma taxa de transportes públicos para pagar aquilo que o poder central tem a obrigação e o dever de assumir.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A alternativa é, mais uma vez, o aumento dos preços!
O poder local, as populações e o País não podem ficar neste beco sem saída. Não será assim, certamente, que o transporte público se tornará mais atractivo. A definição de receitas próprias das autoridades metropolitanas de transportes, pelo carácter decisivo que esta matéria assume, tem de ser muito clara e objectiva. A qualidade do serviço público depende das contrapartidas financeiras e as verbas do Orçamento de Estado não podem ser um elemento aleatório nesta equação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É por estas e por outras razões que se justifica plenamente a discussão desta matéria na especialidade. A orientação traçada pelo Governo para a elaboração deste diploma é preocupante e pode ser um infeliz exemplo de como uma importante e necessária medida pode ser desvirtuada até se tornar numa medida de consequências gravosas para as populações.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A manter-se e a respeitar-se o sentido que originalmente levou a apontar para a criação das autoridades metropolitanas de transportes, o que estaremos a instituir serão entidades plurais e representativas, respeitando e promovendo os direitos e os interesses mais do que legítimos dos utentes, dos trabalhadores, do poder local e de toda a população em causa. É este o sentido que o PCP invoca e defende ao apresentar este projecto de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, V. Ex.ª pediu a palavra para pedir

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esclarecimentos, mas como o Sr. Deputado Bruno Dias não tem tempo, pergunto-lhe se lhe cede tempo para que ele lhe possa responder.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - O Grupo Parlamentar do CDS-PP cede-lhe 1 minuto.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, como V. Ex.ª muito bem sabe, a Lei n.º 44/91, que instituiu as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, relativamente à Área Metropolitana do Porto, diz que a sua área geográfica é constituída pelos concelhos do Porto, Gondomar, Matosinhos, Maia, Vila Nova de Gaia, Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Espinho e Valongo.
Refiro isto porque o diploma do PCP, no seu artigo 7.º, que tem como título «Conselho Geral», diz que a autoridade metropolitana de transportes do Porto é constituída por 19 membros e, depois, ao falar na composição do Conselho Geral da autoridade metropolitana de transportes do Porto, na alínea b) do n.º 3, fala em 10 membros em representação de todas as câmaras municipais integrantes da Área Metropolitana do Porto, a designar pelas respectivas câmaras municipais. Ora, como as câmaras são apenas 9, a questão que lhe quero colocar é qual a razão dos 10 membros.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, a grande preocupação que temos na definição da composição em concreto dos conselhos gerais, que é algo que, infelizmente, da parte do Governo não apareceu, é criar e garantir a representatividade dos municípios em organismos que vão ser determinantes para o seu próprio funcionamento e para a sua própria vida. Foi por isso que quisemos salientar que havia um membro por cada município, mas garantindo uma maioria que desse aos municípios uma presença e uma força, obviamente tendo em conta os processos de decisão.
Portanto, havendo mais um representante do que o colégio, digamos assim, dos municípios, naturalmente que apontaria para a criação de uma representatividade colegial e consensual entre os municípios. Isto parece-me claro.
Em todo o caso, em relação a dúvidas como essa, Sr. Deputado, obviamente que, como acabei de dizer na minha intervenção, existe toda a abertura para explanar, abordar no concreto e aperfeiçoar em sede de especialidade. Assim VV. Ex.as e o Governo permitam que o possamos fazer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Está nas suas mãos!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para apresentar o projecto de lei da iniciativa do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, os números são brutais: as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, concentrando mais de 4 milhões de habitantes, acabam também por concentrar 5,5 milhões de viagens por dia, concentrando, igualmente, 60% das deslocações em transporte individual. E, já agora, porque isto tem importância para o que, em seguida, defenderei, 50% do combustível vendido ao nível nacional concentra-se também nestas Áreas Metropolitanas.
Estes 12 anos de perda no que diz respeito a esta discussão, de que já há pouco falámos, traduziram-se por um crescente desinvestimento no transporte público, por um aumento em flecha da suburbanização, o que se liga, evidentemente, à questão da habitação nas grandes cidades, e, obviamente, por uma objectiva deterioração dos padrões de mobilidade, um direito que, assim, se vê limitado, e por um acréscimo, de facto, ao horário de trabalho. O tempo que passamos nos transportes públicos, ou que muitas pessoas passam, representam objectivamente um acrescento ao horário de trabalho, que, juridicamente, não é tido em conta.
Por isso, o território deve ser hoje concebido não como um conjunto de fronteiras rígidas e definidas de forma administrativa mas como funcionando em rede, porque, de facto, as próprias pessoas que vivem nas áreas metropolitanas cruzam diariamente vários concelhos - já que as funções trabalho, residência, lazer estão cada vez mais separadas -, sem se aperceberem disso, o que significa que o seu próprio mapa mental é já um mapa feito de fluxos e de redes.
É fundamental, por isso, concretizar o esforço legislativo anterior, reconhecer a autonomia e a dignidade das áreas metropolitanas, promover uma efectiva descentralização e criar, então, as autoridades metropolitanas que serão instrumentos onde se poderão conciliar as dimensões económicas, sociais e ambientais, no que diz respeito à questão dos transportes.
Permitam-me que enuncie alguns traços distintivos do projecto de lei do Bloco de Esquerda.
Em primeiro lugar, como ponto essencial, temos o financiamento público do sistema de transportes - isto é para nós uma questão fulcral. Com os transportes não podemos ter lógicas de privatização nem de mercado, porque o que está em causa, como se sabe, é o conforto e a qualidade de vida das pessoas no século XXI, sabendo-se também como muitas vezes os padrões de qualidade são incompatíveis com o mercado desregulado e entregue à fúria cega de qualquer ímpeto privatizador.
Por isso mesmo, o nosso modelo de financiamento conjuga aquilo que são, evidentemente, as responsabilidades do Estado e as responsabilidade dos municípios. Assim, conjuga uma percentagem do imposto sobre produtos petrolíferos, baseando-nos no princípio de que 50% do combustível vendido a nível nacional se situa, precisamente, nas duas áreas metropolitanas. Esta percentagem, tendo como hipótese que o crescimento anual dos consumos para 2002 se situa em 3%, o que é uma estimativa razoável, e tendo em conta a manutenção, como hipótese também, do preço de venda dos combustíveis, permitiria que, se retirássemos a este imposto 10% (ou seja, 5 cêntimos por litro), teríamos uma receita considerável de 34 milhões de contos; se retirássemos a este imposto 20% (ou seja, 10 cêntimos), teríamos uma receita de 67 milhões de contos, essencial para financiar estruturas de longa duração.
Este é um modelo que, como eu disse, assegura o financiamento público e permite uma sustentabilidade do sistema de transportes e uma execução do plano de transportes.
Pensamos também que é fundamental garantir a importância que os municípios efectivamente têm. Para isso, o

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nosso projecto apresenta uma matriz de competências, para que nada fique vago, para que não haja sobreposição. Esta matriz está apresentada no projecto de lei, gráfica e esquematicamente. Dou um exemplo: se as condições de acesso ao mercado são de responsabilidade da Administração Central, o financiamento das infra-estruturas de longa duração terá, obviamente, que ser da responsabilidade tanto do Estado central, como das áreas metropolitanas, como dos municípios. Mas, por exemplo, a fiscalização do plano metropolitano de transportes já deverá caber às áreas metropolitanas.
Parece-nos que faz falta no diploma do Governo uma melhor delimitação das competências, uma matriz de delimitação das competências das diferentes áreas de intervenção do Estado - Administração Central, áreas metropolitanas e municípios.
Por outro lado, parece-nos também suficientemente contemplada a participação da sociedade civil no que diz respeito à questão dos transportes. Daí propormos um conselho consultivo onde, para além da presença de representantes da tutela e de representantes dos municípios, que têm sempre a maioria relativa nos diferentes órgãos das autoridades metropolitanas de transportes. Daí que proponhamos a presença de associações ambientalistas, de representantes da DECO, de representantes das associações de utentes, de representantes das associações sindicais e patronais, de forma a que haja um amplo debate e uma ampla monitorização, se assim quiser, sobre as decisões que vão sendo tomadas.
Parece-nos também crucial destacar aquilo que apresentamos, consubstanciado no Observatório das Infraestruturas de Transporte, enquanto órgão técnico capaz de coligir a informação estatística existente, capaz de produzir informação estatística sobre o sistema de transportes, capaz de fornecer on line informações necessárias a cada momento, até para os próprios utentes, e que também não consta no diploma do governo. É fundamental, pois, que se promova um estudo sobre transportes e este observatório técnico, em conjunto com os outros órgãos, com o conselho geral, com o conselho executivo, com o concelho consultivo, teria um papel fundamental.
Permita-me, finalmente, Sr. Ministro, que reitere o apelo de há pouco: se não vamos a votação antes da baixa a Comissão, por que razão não aproveitar esta oportunidade para, em Comissão, se chegar a uma proposta de lei final, capaz de contemplar contributos e, afinal de contas, reconhecer que, pela diversidade do que aqui está exposto, e pela consensualidade dos outros pontos, poderemos certamente obter algo melhor. É esse, afinal, o papel que cabe a esta Casa.

O Sr. Presidente (Narana Coisssoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por me congratular com a feliz coincidência de este debate coincidir com duas iniciativas de grande simbolismo e relacionadas com a temática em presença - a semana europeia da mobilidade e o dia europeu sem carros.
Em coerência com o que tem defendido e proposto, na oposição e no poder, o PS reconhece vantagens na criação de uma entidade responsável pela coordenação e planeamento dos transportes públicos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, com repartição de responsabilidades entre o poder central e o local. Nesse sentido, o PS apresentou na anterior legislatura um projecto sobre a promoção da utilização do transporte público, que deu origem à Resolução n.º 68/2000, de 28 de Outubro, em cujo n.º 3, alínea a), se recomenda ao Governo a «criação das comissões metropolitanas de transportes, dando execução ao previsto na Lei de Bases dos Transportes Terrestres».
Por seu turno, o governo, à data, apresentou e discutiu com os vários parceiros um projecto de decreto-lei que instituía as comissões metropolitanas de transportes, que estão previstas no artigo 28.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março, projecto este que acabou por não ser aprovado.
Independentemente da designação adoptada - «autoridades» ou «comissões» -, o importante, neste caso, não é a nomenclatura, mas a definição das atribuições e competências das tais «entidades coordenadoras» (de forma a obviar sobreposições e conflitos com outros organismos e, designadamente, com os municípios), bem como a identificação das fontes de financiamento, questão complexa e decisiva para o seu bom funcionamento e autonomia decisória. É aqui, aliás, que parece residir o busílis da questão e a possível explicação do atraso de uma dúzia de anos.
Como é sabido, o assunto não é novo. A organização dos transportes nas Áreas Metropolitanas tem sido, ao longo dos anos, motivo de preocupação sistemática para governantes e governados, pelos importantíssimos reflexos na qualidade de vida das populações e no funcionamento das actividades económicas.
Como a necessidade de um novo modelo organizacional se mantém e o consenso se alargou, parecem estar, finalmente, criadas as condições para que entrem em funcionamento as autoridades metropolitanas de transportes, responsáveis pela execução do plano regional de transportes, circulação, estacionamento e interfaces, tendo em conta as estratégias de ordenamento e desenvolvimento do território abrangido.
Há pouco mais de um ano, no Seminário Transportes e Mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, o Sr. Dr. Helder Oliveira, Presidente do Conselho de Administração da Companhia Carris, afirmava já a necessidade de uma «entidade pública, dotada dos meios financeiros e técnicos que lhe permitam assumir a responsabilidade de proceder à coordenação dos diferentes modos de transporte e seja responsável pelo planeamento e gestão do sistema, defina as necessidades de investimento em equipamentos e infraestruturas, identifique e quantifique fontes de financiamento e desempenhe papel relevante no estabelecimento do tarifário, da fiscalização e da informação ao público». Eis, em linhas gerais, as bases programáticas a desenvolver pela autoridade metropolitana de transportes.
O problema principal e mais grave das áreas metropolitanas é, sem dúvida, o das acessibilidades, transportes e mobilidade. Também neste domínio é preciso pensar global para agir localmente, o que pressupõe cooperação, partilha de responsabilidades e conjugação de esforços e vontades para que se passe das palavras aos actos.
Se melhorarmos significativamente o sistema de transportes, já estaremos a contribuir para garantir qualidade de vida aos cidadãos que residem, trabalham e estudam nestas vastas regiões e a facilitar, também, a mobilidade dos milhares de visitantes nacionais e estrangeiros.
É justo reconhecer o esforço desenvolvido nos últimos anos, designadamente na expansão do Metro de Lisboa e na construção do Metro do Porto e os avanços verificados no processo do Metro Sul do Tejo, o investimento na melhoria do transporte ferroviário nas linhas de Cascais,

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Sintra e Azambuja e a ligação ferroviária entre as duas margens do Tejo. É necessário adoptar soluções integradas que potenciem os investimentos e definir prioridades.
Mas no nosso País ainda se verificam carências inadiáveis no domínio da rede viária. Não se percebe, por exemplo, Sr. Ministro, que a construção dos dois eixos fundamentais como são o IC16 e o IC30 seja uma vez mais adiada, quando é sabido que dos cerca de meio milhão de veículos que diariamente se movimentam entre Lisboa e os concelhos vizinhos mais de metade circula no congestionado IC19, única via de ligação entre os dois maiores concelhos do País. A construção do IC16 é determinante; sem essa via estruturante, não haverá sistema de transportes públicos que resista, com ela será possível reservar uma faixa do IC19 para os transportes públicos e o transporte privado com, pelo menos, 3 passageiros, o que funcionará como factor de dissuasão para os mais renitentes.
São precisas mais e melhores vias e, sobretudo, mais e melhores transportes públicos. Para que os cidadãos alterem os seus hábitos é necessário que sintam que a mudança os beneficia. Tal só acontecerá se o transporte público for atractivo e se os indicadores de qualidade - como conforto, segurança, tempos de espera e de percurso - forem reconhecidos pelos destinatários.
Por razões de natureza ambiental é também necessário e urgente que se tomem medidas conducentes à substituição progressiva do transporte privado individual pelo transporte público.
Um inquérito realizado em 1999 pela Comissão Europeia revela que 70% dos europeus estão agora mais preocupados com a qualidade do ar do que estavam em 1994. A qualidade do ar encontra-se, pois, à cabeça das preocupações ambientais e o trânsito rodoviário é a principal razão de descontentamento.
Presentemente, em Portugal, o automóvel ainda é soberano, ao contrário de outros países, onde se verifica uma inversão a favor dos transportes públicos. O apego dos portugueses ao seu carro é compreensível, tendo em conta que acederam mais tardiamente a este bem de consumo e, por isso, ainda estão na fase do encantamento em que só se vêem as qualidades do objecto de culto e não se notam os defeitos. Além de que muitos ainda acreditam que ter um bom carro, uma «máquina», lhes confere status.
Sr.as e Srs. Deputados, já aqui foi levantado, pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, o problema relativo ao facto de não termos recebido em tempo útil o projecto de decreto-lei que vai suceder a este pedido de autorização legislativa. Ainda hoje de manhã, em sede da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, nenhum Deputado tinha conhecimento desse diploma.
De qualquer maneira, o PS não vai inviabilizar nenhuma destas iniciativas, uma vez que qualquer delas pretende dar resposta a um problema que existe, mas gostaríamos que baixassem à Comissão, para serem analisadas e para que daí resultasse, de facto, uma lei que servisse as necessidades e correspondesse às expectativas.
Aliás, gostaria também de recomendar ao Governo que, neste processo, entre a autorização legislativa e a publicação do decreto-lei, auscultasse todos os parceiros envolvidos nesta concertação, para que o resultado corresponda, de facto, às necessidades.
Também é necessário, Sr. Ministro, que o Governo tenha em conta o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses, emitido em 3 de Julho de 2001, mas de inquestionável actualidade, no qual se defende que «a discussão desta matéria...» - atribuições e competências de estruturas supramunicipais, de génese autárquica ou outra - «... não poderá ser discutida de forma isolada, isto é, deverá fazer parte de um pacote onde, a par da clarificação e transferência de competências para os municípios, se equacionem também as atribuições de estruturas como as comissões de coordenação regional, governos civis, associações de municípios, áreas metropolitanas», etc., porque tudo está ligado e porque é desejável que se construa um edifício legislativo integrado em vez de se proceder a remendos que, isoladamente, podem fazer sentido mas que o perdem quando considerados no conjunto.
Estamos perante um desafio à qualidade do sistema de transportes e ao bom senso dos decisores políticos. Ambos têm de ser ganhos para que os resultados compensem.
Como é sabido, em política, as intenções não contam, só os resultados. Aguardam-se, pois, com natural expectativa, os resultados. Oxalá sejam bons!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Desde há muito, que o CDS-PP, publicamente, defende a urgência na criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto.
É para nós clara a necessidade de integrar no domínio dos transportes a acção dos municípios e das empresas de transporte nas Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa.
Todos somos conhecedores da essencialidade dos serviços de transportes nas grandes cidades, dada a grande densidade de pessoas que aí trabalham.
O melhor meio para satisfazer as necessidades de mobilidade nestas zonas é a utilização do transporte público, pois trata-se do meio de transporte mais eficaz, em termos de consumo e espaço, por viajante.
Mas, para que o objectivo de uma eficaz mobilidade seja uma realidade, é necessário que os transportes sejam integrados dentro da área geográfica em que ela pendularmente se verifica.
Esta necessidade de integração, a que a criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto vem dar expressão, corporiza um sentimento antigo de autarcas, de profissionais do sector e de utentes, que vêem nelas a solução eficaz para este já velho problema. Solução que, de resto, se mostra eficaz desde há longos anos em diversos países europeus como, por exemplo, em Inglaterra, onde este sistema vigora desde 1986, ou na Alemanha, onde o sistema foi também implementado na década de 80, ou em França, que aderiu a este modelo em 1981.
Não posso, pois, deixar de realçar a decisão do Governo em criar a autoridade metropolitana de transportes de Lisboa e Porto, numa atitude que é seu timbre e que o distingue marcadamente do anterior Governo: é que este Governo não promete, faz!
Em fins de 1999, princípios de 2000, num debate informal com a comunicação social, dizia o então Ministro do Equipamento Social, Dr. Jorge Coelho, que era sua intenção propor a breve prazo a criação de autoridades de transportes nas áreas metropolitanas.
Como não se passou das boas intenções, veio novamente o governo da altura, em Maio do ano de 2001, pela voz

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do então novo ministro do equipamento social e hoje líder do Partido Socialista, Dr. Ferro Rodrigues, nesta Assembleia, durante uma interpelação sobre política de transportes da iniciativa do CDS-PP, garantir a implantação efectiva das autoridades metropolitanas de transportes, pois estas eram o imprescindível pano de fundo dos planos globais de transportes. Novamente, como era então hábito, não se passou das boas intenções.
É esta a diferença, a diferença entre um governo, este Governo, que faz o que é fundamental, que reforma e moderniza o País, e o governo anterior, que era um governo de intenções permanentemente adiadas.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, creio estar certo quando afirmo que todos estamos de acordo quanto à necessidade de criação das autoridades metropolitanas de transportes.
Creio também que todos estaremos de acordo quanto à área geográfica objecto da sua acção.
Já não estamos em sintonia, após apreciarmos o conteúdo dos projectos de lei do PCP e do Bloco de Esquerda, hoje aqui também em discussão, quanto ao modo da sua implementação, à sua futura estrutura orgânica ou ao seu financiamento.
Relativamente ao projecto de lei n.° 5/IX, do PCP, consideramo-lo desde logo insuficiente no que respeita ao financiamento das autoridades metropolitanas de transportes.
Propõe este projecto de lei, no seu artigo 5.°, quais as fontes de financiamento, mas não define o modo como esse financiamento deverá ser feito. É, pois, este diploma insuficiente neste capítulo.
Também no seu artigo 4.°, que se refere às atribuições das autoridades metropolitanas de transportes, é este projecto de lei muito redutor, pois estabelece apenas atribuições em matéria de planeamento, esquecendo atribuições que julgamos fundamentais, tais como em matéria de organização de mercado ou de investigação e desenvolvimento.
Também não define este projecto de lei o enquadramento das relações entre as autoridades metropolitanas de transportes e os organismos da administração central ou local.
No que se refere ao projecto de lei n.° 11/IX, apresentado pelo BE, e no que respeita aos órgãos que compõem as autoridades metropolitanas de transportes e às suas respectivas composições e competências, estou em crer que caso este diploma fosse aprovado jamais as autoridades metropolitanas viriam a funcionar.
Se bem que ocupando apenas quatro, mas quatro longuíssimos artigos, este diploma dedica 10 das suas 16 folhas a esta matéria, num emaranhado de órgãos e competências que contende com aquilo que pretendemos que as autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto venham a significar: competência e eficácia, a bem das populações.
Sr.as e Srs. Deputados, em virtude de tudo o que referi, entende o Grupo Parlamentar do CDS-PP viabilizar a proposta de lei n.° 19/IX, que autoriza o Governo a criar entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. Deputado dispõe de 2 minutos e o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco poupou, avisadamente, 15 segundos para lhe responder.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, certamente que tanto a minha pergunta como a resposta serão rápidas.
Gostava apenas de lembrar ao Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco que não há qualquer emaranhado de funções nos órgãos que definimos. Pelo contrário, o que existe é uma preocupação de complementaridade.
O conselho geral traça as linhas coordenadoras e políticas, o conselho executivo trata, obviamente, de lançar o plano metropolitano de transportes e de fiscalizá-lo, o conselho consultivo dá pareceres e tem a população representada, o observatório dos transportes é um órgão técnico.
Nestas questões, a economia de órgãos não significa necessariamente eficácia, pelo contrário, significa, isso sim, que o resultado final é um acréscimo na qualidade de vida das populações, porque teremos uma monitorização adequada, permitida pelo observatório técnico, porque teremos linhas políticas bem fundadas, bem discutidas, essencialmente com a participação da população.
Parece-nos que é isso que está aqui em causa. E a complementaridade não é, de forma alguma, aquilo que referiu, não tem que ver com uma embrulhada, é, pelo contrário, uma delimitação feliz e harmoniosa, porque acaba, afinal de contas, por contemplar a complexidade da realidade. A complexidade da realidade não se reduz por uma obsessão de eficácia; a eficácia, acredite, será muito melhor se as decisões forem devidamente participadas com os órgãos que nós aqui propomos.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco.

O Sr. Álvaro Castello-Branco (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, vou responder muito rapidamente, até porque não me colocou questão nenhuma, portanto não percebi que esclarecimento me pediu.
Mas já que fez uma consideração sobre o seu diploma autoriza-me que faça só uma pequena e muito rápida observação.
Eu não estou obcecado pela eficácia, mas quero-a, como o Sr. Deputado muito bem compreenderá. Isto não significa uma obsessão, é a procura do melhor, porque estamos a tratar do bem das populações.
O Sr. Deputado, que já esteve várias vezes em câmaras, sabe como é que estas questões funcionam.
Por exemplo, no caso da autoridade metropolitana de transportes do Porto - que é a nossa região, e por isso conhecêmo-la melhor -, se o Sr. Deputado somar o número de elementos para os órgãos que propõe, estamos a falar de 40 pessoas nos órgãos nomeados para gerir…

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado, já gastou o seu tempo.

O Orador: - Mas podemos continuar a conversar depois, Sr. Deputado.

Risos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues, para uma intervenção.

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O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É significativo e oportuno que o debate sobre a criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto se realize durante a Semana Europeia da Mobilidade, iniciativa da União Europeia, a que se associou o Governo português e vários municípios.
O cidadão, trabalhador, empresário, estudante, ou mesmo turista, constata no seu dia-a-dia que um dos grandes obstáculos à melhoria da qualidade de vida das famílias e ao maior desenvolvimento económico das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto é a enorme dificuldade que existe ao nível da mobilidade terrestre de pessoas e mercadorias.
Face à dimensão geográfica, demográfica e económica destes territórios, é claro para os cidadãos o baixo nível de infra-estruturação rodoviária e, principalmente, ferroviária.
As descontinuidades, as insuficientes capacidades e a deficiente hierarquização da rede viária contribuem fortemente para o congestionamento dos acessos aos centros das áreas metropolitanas.
As deficiências do actual sistema de transportes, há muito detectadas, traduzem-se também num elevado número de transbordos, muitas vezes efectuados em más condições.
Os diferentes modos de transporte do sistema regional e urbano existente nas áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto têm falta de articulação e integração a vários níveis, nomeadamente nos investimentos, na gestão e no planeamento.
Esta desarticulação implica uma deficiente oferta, ao nível quantitativo e qualitativo, do transporte colectivo, levando, por isso, ao aumento do uso do transporte individual, com todas as consequências negativas no que respeita ao elevado congestionamento de tráfego das vias rodoviárias, principalmente nas horas de ponta, à saturação do estacionamento no centro das cidades, à diminuição da velocidade comercial dos transportes colectivos rodoviários e também ao agravamento da poluição atmosférica.
A indisciplina no estacionamento, nas cargas e descargas, o desrespeito pelas regras de circulação automóvel e a deficiente logística do sistema de distribuição de mercadorias agravam fortemente a mobilidade dos cidadãos.
Vários estudos realizados no início da década de 90 consideravam que se fossem concretizados os investimentos previstos nessa altura a situação no final do século XX melhoraria significativamente. No entanto, com os atrasos verificados em muitos projectos considerados estruturantes, por exemplo o Metro do Porto e o Metro Sul do Tejo, esse benefício ainda não foi sentido pela população das áreas metropolitanas.
A coordenação e a integração dos transportes rodoferroviários com o transporte marítimo e aéreo também ainda está longe de ser satisfatória. Senão veja-se a situação caricata de em Lisboa o metropolitano não fazer a ligação ao terminal aeroportuário da Portela.
O transporte de mercadorias proveniente dos portos tem normalmente de atravessar a rede rodoviária urbana das cidades onde se localizam - Lisboa, Porto e Setúbal.
As situações apontadas têm vindo a alargar significativamente as horas de ponta nos principais itinerários das áreas metropolitanas.
A evolução da estrutura urbana destes territórios, a que não são alheias algumas autarquias locais, antes pelo contrário, também tem contribuído para agravar a circulação de pessoas.
Como se pode constatar, os obstáculos à mobilidade a que o sistema regional de transportes deve dar resposta são essencialmente problemas das relações entre o centro das áreas metropolitanas e as suas periferias, dentro dos próprios centros, e problemas nas inter-relações circulares entre os diversos pólos suburbanos.
A questão específica das barreiras físicas, que são o rio Tejo, em Lisboa, e o rio Douro, no Porto, contribuem fortemente para maximizar os conflitos.
São necessárias reformas eficazes e uma gestão articulada, para que o sistema possa suportar o inevitável aumento da taxa de motorização, passando evidentemente a solução pelo aumento da oferta qualitativa e quantitativa dos transportes públicos.
Nos governos da segunda metade da década de 90 não foi tomada nenhuma medida de alteração significativa da política de transportes nas áreas metropolitanas. A raiz dos problemas manteve-se.
A situação aponta para a necessidade de realizar uma reforma institucional no quadro dos transportes e das vias de comunicação, criando uma única entidade responsável em cada área metropolitana, sendo esta a coordenadora dos aspectos estratégicos dos sistemas de transporte respectivos, onde se incluem o planeamento de investimentos nas redes e no material circulante, a coordenação dos operadores, o financiamento, a segurança, a promoção e a divulgação e a evolução da pressão demográfica.
Deve assinalar-se que foi com um governo liderado pelo PSD que foram criadas as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto - na altura, o Sr. Ministro aqui hoje presente era Ministro do Planeamento, portanto foi também com ele que essa proposta foi apresentada - e foi necessário que o PSD voltasse a estar novamente à frente dos destinos do País para que algo de significativo e de mudança fosse implementado nestas áreas de maior dinâmica territorial, económica e social.
Este Governo está, de facto, empenhado em tomar medidas concretas de mudança que venham a afectar positivamente, no mais curto prazo, as condições de vida das populações, sem ter receio de perder poder para outros níveis da Administração Pública. As medidas já tomadas no âmbito da descentralização são um exemplo claro do espírito reformador deste executivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto vem concretizar, finalmente, uma necessidade de longa data, já apontada na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, publicada em 1990.
O Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, iniciado no princípio da década de 90, também definia a criação desta autoridade única de transportes como uma das medidas estruturantes ao nível institucional. Como se pode constatar, é uma medida consensual que só peca por tardia, não permitindo mais adiamentos.
Por outro lado, considerando o actual quadro político-administrativo e o respectivo potencial de geração de fluxos de tráfego, esta entidade coordenadora deve privilegiar uma direcção político-institucional com repartição de responsabilidades entre o ministério da tutela (Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação), a autarquia do principal centro urbano e as respectivas juntas metropolitanas.

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Tal como noutras metrópoles europeias, estas entidades têm como objectivo global promover o transporte público de passageiros, com elevada qualidade e a preços acessíveis, obtendo um serviço público com cobertura total da população.
Neste sentido, considerando este novo cenário e todos os actores do sistema (utentes, municípios, operadores e organismos da administração central com competências no âmbito das infra-estruturas, ordenamento do território e ambiente), há que estabelecer um quadro mais adequado, actualizado e consensual das atribuições e competências a conferir a estas mesmas autoridades.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apoia a proposta de lei n.º 19/XI, que autoriza o Governo a criar as autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, dou por terminada a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 19/IX e dos projectos de lei n.os 5/IX e 11/IX.
Vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 7/IX - Estabelece regras de segurança no transporte colectivo de crianças (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Uma criança de três anos sofreu um acidente quando viajava na carrinha do colégio, um ligeiro de passageiros com nove lugares, por não ir devidamente segura».
«Outra menina de três anos foi atropelada à saída da creche quando se dirigia à carrinha, estacionada do outro lado da rua».
«Noutro colégio, as crianças andam na carrinha de pé, mas só as mais velhas. Para as mais pequenas há sempre o 'cuidado' de as transportar deitadas».
Podemos encontrar estas informações num relatório da Associação para a Promoção da Segurança Infantil, de 1998.
Em Outubro de 2000, a mesma Associação informa que «em apenas 19 acidentes, envolvendo veículos que efectuam transporte escolar ou outra forma de transporte colectivo de crianças, 'registaram-se' a morte de nove crianças e ferimentos de 191, das quais 14 com gravidade».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estas informações, para além de tantas outras do mesmo género que podemos encontrar com regularidade na comunicação social, bastantes para considerarmos que é preciso fazer alguma coisa com carácter de urgência, porque cada dia que passa são vidas de crianças que se perdem ou ferimentos que se podem evitar.
Ora, este projecto de lei de Os Verdes constitui justamente um contributo para a diminuição significativa desta realidade dramática, através da definição de regras claras de segurança do transporte colectivo de crianças. Vejamos de que forma.
Na legislação dispersa sobre transportes, podemos encontrar algumas regras relativas ao transporte escolar, mas a lei é clara: este transporte abrange os estudantes, o que significa que as crianças que frequentam as creches e infantários ficam excluídas. Há, pois, que abrangê-las todas, tanto as que têm 3 meses como as que têm 12 anos.
Por outro lado, o transporte escolar é definido como o transporte que é efectuado entre o local de residência da criança e o local do estabelecimento de ensino, e vice-versa, incluindo ainda outras viagens correspondentes a finalidades integradas nos planos pedagógicos, como as famosas visitas de estudo. Deixa-se, portanto, de fora o transporte com vista a todas as excursões, visitas, deslocações de crianças no âmbito de iniciativas desportivas, culturais ou quaisquer outras associativas, promovidas pelas mais diversas entidades. Há, pois, que definir regras não apenas para o transporte escolar mas para todo e qualquer transporte colectivo de crianças, uma realidade muito mais abrangente.
Definida a abrangência deste projecto de lei, há, desde logo, que corrigir uma regra, que está actualmente definida na lei para o transporte escolar e que é o primeiro aval para ferir regras de segurança: quer a Portaria n.º 344/78 quer o Decreto-lei n.º 299/84 determinam que os estudantes têm direito a um lugar, mas, se tiverem menos de 12 anos, a cada 2 lugares corresponderão 3 crianças e a cada 3 lugares corresponderão 4 crianças, desde que se trate de bancos sem separação de lugares individuais. É a lógica de que, bem apertadinhos, cabe sempre mais um, poupando-se assim custos de transporte; é a lógica de que, bem acondicionadas, as crianças sempre podem ir todas no mesmo veículo.
Este erro legislativo deve ser corrigido, e, por isso, o projecto de lei de Os Verdes determina que, em caso algum, se pode exceder a lotação prevista para o veículo em causa.
Acrescentamos novas regras de segurança, como o facto de as crianças não poderem ser transportadas nos bancos da frente, como já hoje é regra para os veículos ligeiros, nem no lugar central do banco detrás dos veículos pesados, se este ligar directamente ao corredor do veículo.
Para além disto, o nosso projecto de lei propõe que se determine um prazo concreto de seis meses, para que todos os veículos utilizados para transporte colectivo de crianças sejam equipados com cintos de segurança em todos os lugares e que as crianças sejam transportadas preferencialmente seguras por um sistema de retenção devidamente homologado e adaptado ao seu peso e tamanho, sendo isto obrigatório para idades inferiores a três anos.
São definidas também regras de segurança relativas ao sistema de portas e janelas, bem como ao transporte de volumes no interior do veículo, de modo a preservar a integridade física dos passageiros.
Os Verdes consideram ainda que a segurança no transporte não se deve restringir à viagem no interior do veículo; ou seja, a segurança no transporte deve ser entendida desde o momento em que a criança se desloca para o veículo, passando pela sua instalação no mesmo, até à sua saída do veículo, entrega e deposição em segurança.
Por isso, determinamos, no projecto de lei, que o veículo que procede ao transporte colectivo de crianças deve parar ou estacionar em locais próprios para o efeito e que a entrada e saída de crianças deve ser feita pelo passeio, evitando-se o atravessamento de vias rodoviárias. Mas quando houver mesmo necessidade de atravessamento de ruas, então, as crianças, normalmente em grupo, devem ser acompanhadas por dois adultos, um no início e outro no final do grupo.
Não aceitamos também a norma que, hoje, o Decreto-lei n.º 959/87 estipula, em relação ao transporte escolar, no sentido de que, em deslocações para finalidades culturais

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ou de lazer integradas nos planos pedagógicos, os alunos podem ser acompanhados por professores ou pessoas encarregadas da sua vigilância. O que consideramos é que, nos veículos onde se efectua o transporte colectivo de crianças, para além do condutor, os meninos têm de ser acompanhados, objectiva e obrigatoriamente, por, pelo menos, um vigilante.
Devo ainda referir que o projecto de lei de Os Verdes tem em conta a necessidade de experiência efectiva e a necessidade de avaliação das aptidões da capacidade profissional para o exercício da profissão de condutor de transportes colectivos de crianças, estipulando, ainda, a necessidade de se promoverem cursos de formação profissional destes motoristas, de modo a sensibilizá-los para questões de segurança específica do transporte de crianças, bem como a transmitir-lhes conhecimentos sobre os comportamentos infantis, uma vez que o condutor é peça-chave para a segurança em viagem. Afinal, se os motoristas de transporte de mercadorias perigosas devem ter aptidões específicas, por que não exigir também capacidades especiais aos motoristas de transporte de «matéria preciosa» como são as crianças?!
Por fim, gostaria de frisar que prevemos um regime sancionatório com coimas que não apresentem valores tão irrisórios que determinem a opção pela violação da lei, mas entendemos que para as violações que impliquem a inacção da operadora ou da entidade proprietária do veículo deve haver um regime de sanções acessórias que passa pela proibição do exercício da actividade de transporte por um período de 3 a 6 anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria terminar esta intervenção sem, antes, saudar o trabalho que a Associação para a Promoção da Segurança Infantil tem desenvolvido, em termos de reivindicação de melhores soluções legislativas para a segurança do transporte colectivo de crianças. E não queria também deixar de saudar o trabalho que o Diário de Notícias promoveu, com a publicação de uma série de reportagens sobre a matéria, no início do mês de Julho. Todas as formas de sensibilização para a problemática da insegurança rodoviária são fundamentais e redobram esse valor quando estamos a falar de crianças.
É fundamental que deixemos de ouvir autarcas, em Portugal, a proferir afirmações como «Não estou muito desperta para esse aspecto de segurança, embora pense que é importante» ou «Devo-lhe confessar que não procedi a qualquer avaliação (…) desconheço, por isso, situações de irregularidade ou insegurança. Mas, já agora, vou passar a estar mais atento». Ou que deixemos de ouvir pais a referir: «Assumo que há uma certa transferência de competência e de confiança para o colégio» ou «Alertou-me para uma coisa para a qual eu não tinha consciência. Julgo que há que fazer qualquer coisa».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há, de facto, que fazer qualquer coisa. Essa qualquer coisa passa pela responsabilização de todos - pais, professores, escolas, associações, operadoras de transportes, etc. -, mas passa, fundamentalmente, por uma legislação adequada, que não existe em Portugal, grave lacuna que este projecto de lei de Os Verdes colmatará, ao ser aprovado.
Os Verdes acreditam que a aprovação deste projecto de lei é um contributo fundamental para a diminuição significativa de atropelamentos à entrada e saída dos veículos de transporte colectivo de crianças, bem como de acidentes, em caso de colisão ou despiste do veículo, que ponham em causa a vida e a integridade física das crianças.
Esta acção legislativa não se compadece com mais demoras e com contínuos processos de intenção que se arrastam desde os anos 80. Já chega!
A Assembleia da República tem agora, com este projecto de lei de Os Verdes, uma oportunidade para demonstrar que quer agir, para que todos os Deputados eleitos, em uníssono, zelem pela segurança e pela vida das nossas crianças.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, realçando e reconhecendo a urgência e a importância de se produzir um quadro normativo que regule esta actividade, gostaria, no entanto, de saber como pretende o Partido Ecologista «Os Verdes» resolver o caos em que vai cair o serviço que hoje é efectuado, em resultado da inexistência, neste diploma, de disposições transitórias que garantam a operacionalidade dos sistemas de transportes escolares, serviço que, hoje em dia, é imprescindível e cuja necessidade se agudiza especialmente nas regiões mais afastadas dos centros.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, tem ainda mais um pedido de esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, verificada a necessidade efectiva de uma legislação para o transporte de crianças, o projecto de lei de Os Verdes traduz essa vontade - facto que a Câmara e o Grupo Parlamentar do PSD registam -, mas no seu articulado existem, manifestamente, excessivas carências, do nosso ponto de vista, para o objectivo nobre que é legislar sobre esta matéria.
Por outro lado, não podemos deixar de referir, nesta altura, o facto de o próprio Governo estar a discutir com os parceiros sociais um diploma sobre esta matéria - tenho aqui uma notícia sobre isso - e de, nessa proposta do Governo, haver um quadro normativo muito mais alargado e muito mais exigente do que aquele que é apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» no seu projecto de lei.
Daí que queira perguntar à Sr.ª Deputada o seguinte: não fará mais sentido aproveitarmos esta circunstância para que a legislação que venha a ser produzida seja a mais completa possível?! No caso de o Partido Ecologista «Os Verdes» não ficar satisfeito com a solução encontrada, pode sempre pedir aqui a confirmação da lei, ou seja, a sua ratificação pela Assembleia da República, indo também, deste modo, ao encontro dos propósitos do Partido Ecologista «Os Verdes»?!

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer as questões colocadas pelos Srs. Deputados do PSD e começo por referir que Os Verdes estão perfeitamente abertos a encontrar, em sede de especialidade, quaisquer soluções de alteração e de aditamento a este projecto de lei que aqui apresentamos. Este é precisamente um projecto, uma base de trabalho, pelo que todos os contributos, venham eles de onde vierem, são muito bem-vindos para o complementar, para o enriquecer e para dar um sinal claro desta Câmara, no sentido de se trabalhar uma matéria que é urgente. É que, de facto, a carência legislativa tem sido uma grande culpada da realidade dramática que hoje se vive quanto aos acidentes em transportes colectivos de crianças.
Por isso, estamos perfeitamente abertos a todas as sugestões que possam enriquecer este projecto de lei, e creio que um trabalho conjunto o pode enriquecer de uma forma muito positiva.
Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, quanto àquilo que pediu, esperar mais, não! Já chega! Já esperámos tempo demais! Desde os anos 80 que existe um processo de intenção dos sucessivos governos relativamente à legislação sobre esta matéria.
Um grupo parlamentar, neste caso o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», decidiu apresentar este projecto de lei na anterior Legislatura, mas, com a interrupção da mesma, não foi possível agendá-lo, pelo que o reapresentámos logo no início desta Legislatura e procurámos agendá-lo o mais rapidamente possível, aliás, por consenso de todos os grupos parlamentares, sendo certo que ninguém suscitou a questão de se estar à espera de um anteprojecto ou projecto ou «anteanteprojecto» do Governo. O que me parece é que não vale a pena esperar mais!
Venham os contributos do Governo, façamos, em sede de especialidade, um debate alargado, com audições, sobre a matéria, façamos um trabalho sério, mas não esperemos mais. Não conheço nenhum anteprojecto do Governo, o que sei é da comunicação social, não conheço o texto, e, do que sei, parece-me algo muito similar àquilo que é apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» neste projecto de lei.
Portanto, o que digo a esta Câmara é que já chega de espera! Vamos, de facto, contribuir, urgentemente e com esta oportunidade, dada pelo Partido Ecologista «Os Verdes», nesta Câmara, para legislar sobre uma matéria em que é urgente legislar.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quero saudar esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes» que vem ao encontro de um problema concreto, real e que deve merecer, de todos nós, a melhor das atenções.
Se estamos de acordo quanto à bondade dos objectivos pretendidos por este diploma, combater as lacunas e a dispersão da actual legislação, de que é bom exemplo o facto de a mesma não abranger o transporte de crianças dos 3 meses aos 3 anos, tememos que, mais uma vez, uma boa ideia, uma boa iniciativa, possa ficar pelo caminho, que seja anulada por falta de rigor e precisão.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Na realidade, se este diploma for aprovado sem algumas alterações significativas, o mesmo verá a sua eficácia comprometida, desde já, como aqui foi referido, pela inexistência de uma norma transitória, a qual se não for introduzida provocará a desorganização e a anarquia numa área tão sensível, com elevados prejuízos imediatos para as famílias.
Torna-se também necessária uma maior exigência quanto ao exercício desta actividade, nomeadamente - e o projecto apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» não o prevê - quanto à obrigatoriedade do licenciamento para este serviço em si mesmo, ao licenciamento dos veículos utilizados, assim como à avaliação dos condutores e acompanhantes.
Também, no que se refere ao diploma agora em discussão, entendemos ser aconselhável a auscultação de entidades técnicas especializadas, uma vez que algumas dúvidas se nos oferecem quanto ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A intenção do Governo, no âmbito do processo de descentralização anunciado, em atribuir novas competências às autarquias locais, pressupõe que a matéria agora em análise poderá ser objecto de alguma alteração, pelo que nos parece também aconselhável, se não mesmo imprescindível, que se promova uma consulta prévia à Associação Nacional de Municípios Portugueses, uma vez que, como é natural, poderão vir a ser-lhes atribuídas responsabilidades acrescidas nesta área.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista está disponível - e aproveitamos a ocasião para, mais uma vez, salientar a oportunidade que nos é oferecida pelo Partido Ecologista «Os Verdes» - para dar o seu contributo a uma nova legislação que, de uma vez por todas, venha colmatar as lacunas na legislação existente e implementar novas medidas, mais impositivas e rigorosas.
Assim, apelamos ao Partido Ecologista «Os Verdes» que aceite que o projecto de lei n.º 7/IX, por si apresentado, possa baixar, sem votação, à respectiva comissão, para que, em tempo útil, se possa apresentar propostas para uma reformulação do mesmo, a fim de corresponder às preocupações por nós aqui manifestadas.
Se assim for, estou certo de que facilmente chegaremos a consenso.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está, hoje, em debate um diploma apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», que pretende regulamentar o transporte colectivo de crianças.
Antes de mais, há que realçar a premência desta matéria por tudo o que envolve e, acima de tudo, pela total ausência de um quadro normativo legal que regule esta actividade.

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É cada vez maior o número de crianças que utilizam os transportes colectivos e que, todos os dias, dependem do esforço extraordinário das autarquias locais, de associações desportivas e culturais e de outras afins. Porém, a inexistência de normas obrigatórias que regulem as condições em que esses transportes são efectuados implica que os nossos filhos dependam, unicamente, do bom senso e da criatividade das entidades que efectuam esse serviço.
É nossa opinião que a segurança e o conforto daqueles que são o nosso legado mais precioso, daqueles que construirão o nosso futuro, não podem depender, quase exclusivamente, do bom senso das pessoas e entidades que, muitas vezes com recursos reduzidos, prestam um serviço público imprescindível mas que envolve riscos consideráveis.
No passado, a abordagem desta questão passou pela tomada de medidas avulsas, as quais, resolvendo isoladamente alguns problemas, nunca produziram efeitos de alcance estruturado e realmente eficaz.
Um problema desta dimensão, que tem a ver com a maior riqueza de qualquer país, que envolve diversos actores e que depende de várias tutelas, não poderá ser tratado de ânimo leve, nem regulamentado por um diploma produzido sem qualquer preparação e que não é mais do que a agregação de algumas normas.
Quando analisamos o projecto de lei de Os Verdes temos de concordar em que as disposições apresentadas são, na íntegra, avanços necessários na constituição de regras orientadoras desta actividade, revelando boa vontade em apontar o rumo que devemos seguir, constituindo, ao fim e ao cabo, um bom ponto de partida.
No entanto, somos da opinião que não seria aceitável, e estaríamos a defraudar as expectativas de muitas pessoas, a criação de um diploma pouco abrangente, sem o grau de rigor exigido e incipiente na eficácia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Existem matérias que, pelo seu carácter universal e pela sensibilidade que nos suscita, se sobrepõem à marcação da agenda política de qualquer partido político e que, por muito atractiva que seja a vertigem do protagonismo, nos obrigam a evitar abordagens incompletas e levianas.
Urge uma resposta eficaz, de cariz imperativo, com o envolvimento de todas as partes interessadas e cuja aplicação tem de ser extremamente fiscalizada. Nesta matéria não poderão existir zonas cinzentas, não poderão haver escapatórias que permitam qualquer tipo de fuga às responsabilidades individuais e, finalmente, não poderá existir algum tipo de flexibilidade ou capacidade de manobra em relação aos prevaricadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sendo assim, pelo carácter imperativo deste quadro normativo e pela rigidez necessária à produção de resultados eficazes, somos obrigados a prepará-lo convenientemente, ouvindo todas as partes interessadas e analisando todas as implicações, por forma a termos um documento cuja aplicação seja exequível e garanta a segurança por todos desejada.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Embora a colocação de cintos, a disponibilização de vigilantes, as regras de entrada e saída dos veículos, por exemplo, sejam medidas louváveis e necessárias, teremos de ser muito mais exigentes. Somos obrigados, enquanto responsáveis pela feitura das leis, a ir mais longe.
Esta actividade tem de ser licenciada, não deve ser considerada uma qualquer subactividade, regulada por disposições gerais, sem ter em conta as especificidades inerentes.
Não basta falar em avaliação dos condutores, tem de ser obrigatório proceder à certificação dos mesmos. Os responsáveis pela condução dos veículos utilizados para este efeito serão obrigados a ter formação técnica específica e a pautar a sua conduta pelo cumprimento escrupuloso das regras do Código da Estrada e pela garantia da integridade física daqueles que transportam.
Os veículos usados no transporte colectivo de crianças têm, obrigatoriamente, de ser alvo de um regime de licenciamento e inspecção específicos. Transportar crianças tem características totalmente diversas de qualquer outro tipo de transporte e, por isso, há que haver um regime próprio, com normas específicas e perfeitamente enquadrado com esta realidade.
Um diploma desta importância deve definir criteriosamente as competências em termos da execução, supervisão e, acima de tudo, de fiscalização da sua aplicação. De que serve uma lei que visa proteger e salvaguardar as nossas crianças, quando a fiscalização não está devidamente definida? De nada! Apenas abrirá as portas à impunidade e à desresponsabilização, e, nesta matéria, conforme atrás referi, jamais poderá haver espaço de manobra para a ausência de responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, propor um diploma que não apresenta qualquer tipo de disposição transitória, que ignora completamente a realidade, significa a possibilidade de causar um problema social grave, especialmente quando não se dispõe de alternativas viáveis.
Em termos muito práticos, o diploma em análise não me descansa enquanto pai, não garante que o meu filho seja transportado de forma totalmente salvaguardada, nem assegura a responsabilização dos intervenientes. Muitas perguntas ficaram sem resposta, vários aspectos não estão contemplados e subsistem muitas indefinições.

O Sr. Fernando Pedro Coutinho (PSD): - Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Venham os contributos, em sede de especialidade!

O Orador: - É imperativo legislar sobre este assunto. Enquanto cidadãos conscientes e responsáveis, somos obrigados a preencher as graves lacunas existentes. E na qualidade de pai exijo, uma vez mais, que esta matéria seja tratada em toda a sua amplitude; exijo que se prevejam o máximo de imponderáveis; exijo uma lei eficaz, completa, abrangente e socialmente responsável, o que, pelas notícias vindas a público, poderá ser praticamente tudo concretizado pelo anteprojecto do Governo, que está em discussão com as entidades relevantes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda saúda o Partido Ecologista «Os Verdes» não só pela apresentação deste seu projecto de lei, que irá votar favoravelmente, como também a sua disponibilidade, já demonstrada, para, em sede de especialidade, aceitar contributos que o possam melhorar. E são precisamente alguns desses contributos que, de forma breve, eu gostaria de aqui enumerar.
Pensamos que seria útil que o seu articulado contivesse uma disposição sobre a idade dos veículos, limitando a idade do mesmo, impedindo que veículos em uso há bastante tempo possam servir para o transporte de crianças.
Também cremos ser importante a existência de limitadores automáticos de velocidade, pois consideramos fundamental que carrinhas com mais de nove lugares, quando transportam crianças, não possam circular a velocidades que lhes são permitidas por lei se não existirem esses limitadores automáticos.
Parece-nos também fundamental a existência de tacógrafos nestes veículos. Os tacógrafos são instrumentos que registam a velocidade do veículo e, quando há algum impacto ou acidente, permitem, desde logo, tirar as devidas conclusões sobre o que esteve na origem do acidente, o que é importante para avaliar das próprias condições em que o transporte é efectuado.
Finalmente, somos de opinião que importaria limitar as viagens temporalmente. Sabemos que viagens demasiado cansativas, tanto para as crianças, como para os condutores, acabam por ter efeitos perturbadores, quer do seu quadro físico e psíquico, quer, evidentemente do lado dos condutores, no que se refere às capacidades de reflexos e à própria qualidade da condução.
São estes os contributos que gostaríamos de ver incluídos aquando da discussão na especialidade, reiterando, uma vez mais, o nosso apoio ao projecto de lei n.º 7/IX, tanto mais que ele preenche uma lacuna no ordenamento jurídico existente e que é urgente colmatar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a matéria que hoje constitui objecto de análise era, aquando da sua apresentação pelo Partido Ecologista «Os Verdes», de crucial importância, estes vectores qualificativos evoluíram de forma inesperada e deveras preocupante nos últimos meses. Daí também a pertinência do seu agendamento e da sua discussão.
Naturalmente que estamos, em primeiro lugar, com a ordem e direitos consagrados e quase que se assume como paradoxal a necessidade urgente de legislar sobre a segurança das crianças em transportes colectivos. Estamos no ano de 2002 e as crianças ainda andam «ao Deus dará» dentro dos autocarros, como foi denunciado há dois meses num órgão de comunicação social nacional. Por isso, temos de nos penalizar, todos, sem excepção. A discussão só peca por tardia.
O processo de democratização do ensino, depois da revolução de Abril, consagrou direitos e, naturalmente, deveres. Uns e outros têm tido um percurso, não raras vezes, limitado e limitativo. E a razão é simples: o sistema educativo continua a centrifugar-se e a marginalizar, pondo em causa a igualdade de oportunidades e, consequentemente, o sucesso de todos aqueles que destruíram as margens e têm direito a partilhar o centro, que são os menos favorecidos - é o direito à escola pública de qualidade, é o dever de assegurar o seu acesso e o seu êxito escolar. E, neste âmbito, integram-se os transportes colectivos das crianças que frequentam o sistema, desde as creches às escolas do ensino básico. De facto, só um enorme empenhamento e esforço financeiro de todo o poder local, e mesmo do movimento associativo, viabilizaram a presença das crianças nos espaços escolares, garantindo o transporte de casa para a escola e da escola para casa. Mas não só! Algumas destas crianças só conheceram outras realidades do seu próprio país, de natureza cultural e mesmo territorial, porque, mais uma vez, o poder local e o movimento associativo assumiram responsabilidades que os diferentes governos, sem excepção, ignoraram.
Claro que o Governo transferiu as responsabilidades para o poder local. Só que esqueceu, retardou, a necessária e adequada transferência financeira. E como hoje chegámos aqui, é preciso agir e rapidamente.
Nos números apresentados pela UNICEF em 2001, Portugal está no topo, Srs. Deputados - poucas vezes nos acontece -, da insegurança infantil no palco da guerra que é a sinistralidade rodoviária. Apenas a Coreia do Sul apresenta uma taxa de mortalidade infantil, entre 1 ano e os 14 anos de idade, provocada por acidentes de estrada, superior à de Portugal. E dos poucos estudos existentes no país, verifica-se que mais de metade dos acidentes fatais com menores de 6 anos ocorre não nas auto-estradas mas, sim, dentro das localidades, a velocidades inferiores a 45 km/h, nos percursos rotineiros casa/trabalho/escola.
De facto, o transporte colectivo das crianças é uma aventura onde tudo é possível acontecer: a lotação dos autocarros é excedida frequentemente; a lei, como disse a Sr.ª Deputada, permite o transporte de três crianças em dois lugares desde que a idade seja inferior a 12 anos ou, acrescentamos nós, as crianças não sejam muito deselegantes; a partida e a chegada ocorrem, inúmeras vezes, sem as mínimas precauções e em espaços não próprios nem definidos; as crianças são entregues muitas vezes a si próprias ou ao profissional que conduz o meio de transporte; os meios de transporte utilizados são inadequados, inseguros e perigosos para as crianças, tão-só porque têm como destinatário um público adulto e não a criança; a ausência de cintos de segurança é regra - é sempre regra! - e raramente excepção; a legislação existente é dispersa e redutora, já que prevê apenas o trajecto casa/escola e escola/casa, ignorando todos os outros itinerários com crianças e jovens.
Ao longo dos anos foram-se formando grupos de trabalho, comissões, e inventariando as necessidades, mas a legislação ficou sempre por produzir. Substituíam-se os responsáveis - ministros, secretários de Estado ou coordenadores dos grupos de trabalho -, mudavam-se os governos e retomava-se o grau zero do processo.
Perdeu-se tempo, perdeu-se dinheiro, mas, mais importante do que isso, Srs. Deputados, perderam-se e mutilaram-se vidas de crianças.
Claro que há excepções, excepções que pesam nos orçamentos das famílias, excepções que evidenciam quão longe estamos ainda da igualdade de oportunidades para

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todas as crianças. E, retomando a afirmação que formulei no início desta intervenção, as medidas tomadas nos últimos meses pelo actual Governo do PSD e do CDS-PP poderão constituir um agravamento inaudito da situação existente. E gostaria de repetir esta afirmação: um agravamento inaudito da situação existente.
Como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, foram muitas as escolas do 1.º ciclo que este Governo decidiu encerrar. Muitas destas decisões foram tomadas exclusivamente na 5 de Outubro, sem conhecimento dos parceiros e sem nenhum diálogo com eles; nem com pais e encarregados de educação, nem com os professores nem com as autarquias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O resultado é claro, não fechemos os olhos: vão ser necessários mais meios de transporte, vão ser necessários mais profissionais qualificados, vai ser necessário percorrer maiores distâncias por caminhos municipais em misérrimas condições, vai ser necessário responder com mais meios de transporte ao cumprimento da lei. E dou só dois ou três exemplos: refeitórios, tempos livres e todas as outras actividades curriculares e extracurriculares, matérias, aliás, legisladas por alguns dos Srs. Deputados presentes nesta Câmara.
Naturalmente que o Governo teve um claro objectivo com esta medida: penalizar as crianças, responsabilizar o poder local pelas decisões que não tomou e pôr em causa direitos constitucionais.
Assistimos, portanto, a actividades curriculares e extracurriculares cada vez mais centralizadas e com um número cada vez mais diminuto de infra-estruturas. É a desertificação do mundo rural, Srs. Deputados, são as assimetrias regionais, é o interior sem voz, são os investimentos «litoralizados» que todos nós conhecemos. Contemplou o Governo, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP - porque conhecerão já, neste momento, o orçamento que a oposição não conhece -, em sede de Orçamento do Estado para 2003, as verbas necessárias para responder às medidas que de forma autista tomou? Terá de fazê-lo, senão estamos perante uma decisão que tem os objectivos de que há pouco falei.
Podem as crianças portuguesas estar, pelo menos, confiantes de que não continuarão a ser deixadas nas mãos do acaso, da incúria e da irresponsabilidade dos homens que têm responsabilidades?
Srs. Deputados, faço um último apelo: aprovado, na generalidade, este projecto, melhorado e alargado o seu âmbito na especialidade, viabilizado um conjunto de audições indispensáveis - e cito, como exemplos, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Portuguesa de Segurança Infantil e a CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) -, ficava bem à Assembleia dar início a este processo.
Pela nossa parte, a disponibilidade e o empenhamento são - e continuarão a ser - totais.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, o Sr. Deputado Machado Rodrigues pretende pedir-lhe esclarecimentos, mas como o seu partido não dispõe já de tempo, isso só será possível se o PSD lhe ceder tempo para a resposta.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Preciso só de 1 minuto, Sr. Deputado.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - O PSD cede 1 minuto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Machado Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.ª Deputada, como provavelmente reparou, ouvi-a com muita atenção desde o começo, como faço sempre em relação a todos os Deputados. Não tinha intenção de intervir, mas, perante algumas afirmações que a Sr.ª Deputada fez, não pude deixar de me levantar e de lhe manifestar a minha surpresa pelo processo de intenções que fez relativamente ao que estaria por trás da decisão de fechar algumas escolas e pelo seu critério quanto às respectivas consequências.
Sr.ª Deputada, efectivamente essa decisão foi tomada e devo até dizer-lhe, porque sou do interior, de um distrito onde as vias de comunicação são muito más - mesmo muito más -, que, ontem de manhã, tive a oportunidade de intervir num programa de rádio e aí manifestei a minha preocupação sobre a matéria. Disse que compreendia a medida tomada no sentido de fechar algumas escolas, porque nelas existir só um professor e um aluno não era boa maneira de estar em sítio nenhum - e digo isto já que a Sr.ª Deputada quis trazer este assunto à colação -, que era necessário proceder a esses encerramentos por razões de ensino, por razões de disponibilidade de meios para os alunos, que não podem ser isolados. Mas disse também que era preciso tomar medidas adequadas, com cuidado, principalmente nos sítios onde estas coisas são mais difíceis, no sentido de que os transportes escolares sejam feitos em condições de segurança.
E, Sr.ª Deputada, repito-lhe, compreendo que manifeste as suas preocupações, mas não compreendo que sobre assuntos destes faça processos de intenção.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, no tempo de 1 minuto que lhe foi cedido pelo PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito obrigada, Sr. Presidente, e, particularmente, muito obrigada ao PSD pela cedência deste minuto.
Sr. Deputado, muito obrigada pela questão colocada, se bem que tenha feito o favor de colocar a questão e de a ela responder. Ou seja, o Sr. Deputado fez questão de dizer que havia um processo de intenções e depois disse: afinal não há, a Sr.ª Deputada limitou-se a enunciar as consequências da medida do Governo.
É verdade, Sr. Deputado: não há qualquer processo de intenções; limitei-me a enunciar as consequências. A medida de racionalização baseada e sustentada, para questões de natureza financeira, sem audição dos interlocutores, tem exactamente as consequências que o Sr. Deputado acabou de afirmar e que eu subscrevo por inteiro.
De facto, os penalizados são o interior, as crianças e o poder local, que não tem condições económicas para responder às necessidades que lhe são exigidas, e em causa

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são postos os princípios constitucionais do direito à educação, ao ensino, e à igualdade de oportunidades.
Portanto, Sr. Deputado, fico-lhe grata pelo reconhecimento da verdade que aqui lhe trouxe e que o Sr. Deputado, que é autarca como eu, tão bem conhece e tão bem domina.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, antes de mais, como esta é a minha primeira intervenção nesta Assembleia, quero aproveitar para cumprimentar V. Ex.ª e na sua pessoa cumprimentar todos os Srs. Deputados, bem como dar conta de que é para mim uma enorme honra estar aqui.
Sr.as e Srs. Deputados, o transporte colectivo de crianças é uma verdadeira aventura para as crianças que o usam, é um pavor para os pais e tem de ser uma preocupação para todos nós antes que alguma tragédia aconteça.
O vazio legal que existe no que diz respeito a este tipo de transporte tem permitido que o mesmo se faça sem observar as mais elementares regras de segurança.
Salvo honrosas excepções, as crianças são muitas vezes obrigadas a percorrer grandes distâncias em estradas com mau piso, como acontece, por exemplo, no interior, viajando literalmente sem qualquer protecção, nomeadamente o básico cinto de segurança. Movimentam-se de um lado para o outro como se de um recreio se tratasse, em camionetas velhas, que não estão preparadas, sem ninguém que delas tome conta e excedendo muitas vezes a lotação legal dos autocarros. Estes param sempre em local mais fácil em vez de procurarem o local mais seguro.
Sr.as e Srs. Deputados, em Portugal, transportar uma criança ou um adulto, face à lei, é quase a mesma coisa. A única diferença é a de que três crianças estão legalmente autorizadas a viajar em dois lugares, desde que estes não tenham separador central. Ou seja, numa carrinha com 16 lugares «normais», podem viajar legalmente 24 crianças.
Se a dita carrinha fugir às normas, encontraremos ainda mais algumas crianças de pé ou sentadas no corredor central, porventura cantando alegremente «Sr. Condutor, ponha o pé no acelerador, se bater não faz mal vamos parar ao hospital».
Com comportamentos destes, com incumprimentos assim, estamos a comprometer a educação para a responsabilidade e segurança das novas gerações.
Somando tudo isto, rapidamente concluímos que neste tipo de transporte, naturalmente pela idade de quem o utiliza, o cuidado devia ser redobrado mas é o perigo que viaja ao lado.
No ano de 2001, segundo dados da Direcção-Geral de Viação, registaram-se 24 acidentes, que provocaram ferimentos em 44 crianças, graves em duas delas.
Em regra e até à data, estes acidentes não têm sido graves e até tem passado despercebidos. Mas é preciso actuar, é preciso mudar, é impensável continuar a espera da tragédia para regulamentar. A sorte pode, um dia, mudar.
A resposta a este problema que hoje nos é apresentada por Os Verdes tem o mérito de, mais uma vez, o denunciar a situação, mas, na nosso opinião, fica muito longe de a resolver.
Em primeiro lugar, é pouco claro quanto ao âmbito de aplicação deste articulado. Se por transporte colectivo se entender «toda e qualquer deslocação» efectuada por conta própria ou por conta de outrém, quer se trate de veículos pesados ou de veículos ligeiros, ficamos sem perceber se se pretende ou não abranger o transporte particular e/ou familiar em veículos ligeiros.
Não estão também tratadas neste diploma as condições de acesso à actividade de transporte de crianças. Aliás, no que diz respeito ao veículo, este projecto de lei peca por omissão, pois não se fixam regras e condições de licenciamento dos veículos a utilizar.
Também nos parece importante que a certificação de vigilantes e motoristas se encontre definida, coisa que este projecto de lei não faz. A formação específica e regular na área da segurança rodoviária, a experiência de condução não inferior a dois anos e a idoneidade dos condutores são exigências mínimas que importa referir.
Por último, tendo em conta as mudanças que se impõem com estas novas regras, não consagraram VV. Ex.as qualquer período de adaptação do sistema à nova realidade. Isto irá, certamente, causar um enorme constrangimento em todo o sistema, já que, não podendo cumprir, os operadores simplesmente pararão.
Sabendo que o Governo tem, neste momento, um anteprojecto de decreto-lei sobre esta matéria em fase de consulta pública, temos a certeza de que estas e outras preocupações aí serão melhor tratadas.
Para nós é possível melhorar este segmento de transportes, é perfeitamente possível torná-lo mais seguro.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em tempo cedido pelo BE.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, fiquei preocupada com esta última intervenção, porque ouvir dizer que o Governo trata melhor esta matéria, como provavelmente pensará que fará com outras, do que a Assembleia da República. E isso preocupa-me bastante, porque penso que a Assembleia da República tem todas as condições, com o contributo de todos os grupos parlamentares e não exclusivamente de uma maioria PSD/CDS-PP, para tratar uma matéria que a todos deve preocupar e a todos diz respeito.
Por outro lado, gostaria que ficasse registada a ausência do Governo deste debate. Se o Governo está tão preocupado com esta matéria e tem um anteprojecto sobre ela, deveria ter a preocupação de, sabendo do agendamento deste projecto de lei, vir à Assembleia da República discutir connosco o destino a dar a estas matérias: quer à do Governo, que ainda não existe, quer àquela que foi aqui apresentada pelo Partido Ecologista Os Verdes.
No que diz respeito à intervenção do Sr. Deputado Machado Rodrigues, gostaria de dizer que aqui ninguém está à procura de protagonismos. Somos um grupo parlamentar e temos o direito de apresentar iniciativas legislativas relativamente a matérias que consideramos fundamentais. Portanto, ninguém aqui está à procura de protagonismos.
Não percebo que protagonismo é este que querem dar ao Governo relativamente à legislação sobre esta matéria. Há uma oportunidade na Assembleia da República para legislar sobre a matéria, pois vamos aproveitá-la; vamos trabalhar nela.

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Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Isso é que considero fundamental.
O Sr. Deputado Miguel Coelho propôs que o projecto de lei descesse à comissão sem votação. Para quê? Por quanto tempo? Creio que abusamos, nesta Casa, das autorizações legislativas, assim como da figura da baixa à comissão sem votação. É a minha opinião.
Penso que esta é daquelas matérias onde a inexistência de uma votação resultaria em nada. Penso ainda que a votação na generalidade e o conhecimento da posição de todos os grupos parlamentares é um sinal claro de querermos, ou não, avançar com este trabalho e com esta legislação. Por isso, mais do que em outras matérias, considero que é fundamental que todos os grupos parlamentares manifestem, através do voto, a sua vontade de avançar, ou não, com este trabalho na Assembleia da República. Repito, com o contributo de todos, venham eles de onde vierem: do Governo, de todas as bancadas parlamentares e, naturalmente, das associações que têm trabalhado na matéria e de todos aqueles que têm responsabilidade na matéria. Considero isso fundamental.
Por outro lado, e para terminar, gostaria de dizer o seguinte: alguém referiu aqui que esta matéria não deve ser tratada de ânimo leve. Pois não! Creio que não deve ser tratado de ânimo leve o facto de vermos e lermos todos os dias na comunicação social que não sei quantas crianças morreram devido a um acidente num transporte colectivo de crianças, seja ele escolar ou não; ou que não sei quantas crianças ficaram feridas devido à inexistência de regras de segurança. Há até quem tenha já equiparado esta lacuna legislativa à questão da lacuna existente quanto ao Aqua Parque.
Espero e estou em querer que os diferentes grupos parlamentares vão votar e viabilizar esta iniciativa. Acredito nisso, depois desta discussão. Se assim não se verificar, espero que nada de grave aconteça desde a discussão deste projecto lei até à eventual discussão de um anteprojecto do Governo, proposta de lei essa que não sei para quando é que poderá vir a ser agendada, porque nesse caso alguns poderiam efectivamente assumir uma grande responsabilidade relativamente a esta matéria.
Portanto, tendo em atenção que outros países já legislaram sobre esta matéria e têm regras de segurança muito mais apertadas do que as nossas, é importante que no nosso país façamos também qualquer coisa pela segurança das nossas crianças e acabemos definitivamente ou diminuamos significativamente esta realidade dramática que hoje, aqui, foi descrita. É preciso actuar sobre ela.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Inscreveu-se para formular pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.
Para o efeito, os Grupos Parlamentares do PSD e de Os Verdes dispõem de 1 minuto cada cedidos pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, parece que estava certo quando falei em protagonismo. Ninguém pôs em causa o mérito da vossa iniciativa nem o facto de ela valer a pena. O que eu disse foi que era um bom ponto de partida. Ninguém quer protagonismo nesta situação.
O que dissemos e o que está escrito no meu relatório foi que este projecto de lei está mal feito; este projecto de lei não tem aplicação possível; este projecto de lei vai implicar que, no dia a seguir à sua eventual aprovação, várias centenas de crianças, várias centenas de jovens deste país não vão poder ir à escola, por exemplo, vai implicar que muitas crianças vão deixar de poder exercer as suas actividades extracurriculares.
Sr.ª Deputada, queremos que seja aprovada uma lei, mas uma lei que funcione.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Então, vamos trabalhar para isso!

O Orador: - Temos, desde a instauração da democracia em Portugal, uma série de leis e normas avulsas que nada resolvem.
Considero muito estranho esse seu desejo de que não aconteça nada de grave. Espero mesmo que não aconteça nada de grave. Esse assunto nunca deve ser trazido à discussão. É uma espécie de chantagem camuflada, de desejo muito, muito escondido para que depois se chamem as pessoas à responsabilidade.
O diploma que as Sr.as Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes apresentam aqui não resolveria o problema da imputação de responsabilidades...

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Terminou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Depois da aprovação do diploma que aqui apresentam, se, por acaso e infelizmente, houvesse um acidente, ninguém seria imputado como responsável, tudo ficaria na mesma.
Portanto, gostaria de lhe perguntar, de Deputado para Deputada, se considera que este diploma resolveria alguma coisa e se considera este diploma aplicável.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Claro que sim!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra para responder, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Rodrigues, é evidente que este projecto de lei é um contributo fundamental para resolver a lacuna que hoje existe relativamente à segurança do transporte colectivo de crianças. Se o Sr. Deputado não percebe isso, então, realmente…
O Sr. Deputado diz que o projecto está mal feito. Desculpe retribuir-lhe esta afirmação, mas o seu relatório está mal feito, porque não percebe a essência do nosso projecto de lei relativamente ao transporte colectivo de crianças. A essência é a salvaguarda da vida e da integridade física destas crianças e o seu relatório não traduz isso.
Por outro lado, parece-me que o Sr. Deputado desconhece, de facto, como é que decorre o processo legislativo na Assembleia da República: uma coisa é a aprovação na

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generalidade... Se o Sr. Deputado concorda com o objectivo do projecto, não percebo qual é a sua dúvida. É preciso, então, que o Sr. Deputado, com todos os contributos que já aqui referiu hoje, na discussão na especialidade dê o seu contributo para enriquecer e melhorar este projecto, no sentido de que ele tenha, de facto, eficácia prática. Então, dê o seu contributo!

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Isso é que é protagonismo!

A Oradora: - Não há aqui protagonismo algum. Queremos o protagonismo de todos os grupos parlamentares!
Portanto, para terminar, a mensagem que Os Verdes gostariam de deixar aqui é: vamos ao trabalho já! Não esperemos mais tempo!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Inscreveu-se, para formular um pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, considero estranho que, estando o Governo a consultar os parceiros - o que me parece ser do mais elementar bom senso -, tenha tanta pressa, depois de tantos anos sem se fazer uma legislação séria nesta matéria. Estamos todos de acordo que, de facto, é preciso fazer uma legislação séria nesta matéria.
Alargando o âmbito às crianças de 3 meses (que, por exemplo, está previsto neste projecto de lei), pergunto-lhe se pensa que é possível, conhecendo todas as condições das empresas que neste momento prestam este tipo de serviço, a adaptação rápida para tratar de gente que é tão frágil, que não se move por si só e que precisa de apoio e de vigilantes.
Pergunto-lhe se pensa que é possível tratar de todas estas matérias de forma tão breve e tão ligeira, querendo até criar aqui a ideia que estamos todos com pressa. Penso que a pressa é má conselheira. Qualquer solução simples e rápida para um problema normalmente é errada.
Julgo que é possível esperar pelo projecto de lei do Governo, que está a ser feito como deve ser, com todos os parceiros a dar as suas opiniões,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Copiado pelo nosso!

O Orador: - … e que, obviamente, irá ter todo o enquadramento legal que for possível: penalizar quem prevarica, dar tempo a quem quer prestar esses serviços, ter todos os serviços previstos, ter todos os autocarros com condições correctas para o normal funcionamento e para a segurança das nossas crianças.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente, sobre este assunto. Penso que é uma informação pertinente.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de comunicar a V. Ex.ª e, por seu intermédio, a toda a Câmara que o relatório que a 9.ª Comissão, a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, aprovou foi por unanimidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Tem a palavra, para responder ao Sr. Deputado Helder Amaral, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que dispõe de 1 minuto cedido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de referir que o relatório a que o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho se refere foi aprovado «por unanimidade dos Deputados presentes». É de realçar que não estavam lá todos os grupos parlamentares...!
A intervenção do Sr. Deputado tinha outro sentido, mas foi aprovado por unanimidade dos Deputados presentes na reunião e não estavam presentes todos os grupos parlamentares.
Sr. Deputado Helder Amaral, sim, temos pressa de legislar e temos pressa de concretizar. É fundamental fazê-lo! As vidas das crianças e a sua integridade física não se compadecem com essas demoras.
Consideramos que este projecto de lei é um contributo fundamental para legislar. Se não concorda com o prazo relativo à instalação dos cintos de segurança e dos sistemas de retenção, vamos a alargar o prazo para outro que os Srs. Deputados considerem que é positivo e realista para a sua implementação e para a sua concretização. Vamos trabalhar este projecto de lei em conjunto com todas as propostas e com todas as questões que temos a colocar e a acrescentar.
Gostaria de deixar claro que penso que seria fundamental que a Assembleia da República trabalhasse esta matéria e não em exclusivo o Governo. Creio que enriqueceria muito, para já, que todas as forças políticas pudessem trabalhar nesta matéria e que pudéssemos auscultar o máximo de entidades possíveis para produzir um trabalho sério, sem desprezar o trabalho que o Governo está a fazer sobre esta matéria, porque o contributo dessa legislação é também muito importante.
Mas não vamos perder mais tempo! Não vamos esperar até não sei quando...! Ninguém aqui soube informar, nomeadamente as bancadas da maioria, quando é que aparece esse anteprojecto do Governo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Um projecto fantasma!

A Oradora: - Sim, um projecto fantasma.
Ninguém soube informar quando é que aparece.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Terminou o seu tempo, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Coelho.

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1553 | I Série - Número 037 | 19 de Setembro de 2002

 

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, não contava fazer esta segunda intervenção, mas parece-me que a matéria que está aqui em análise e discussão é demasiado séria, correspondendo, aliás, a uma realidade triste do nosso país. A forma como as nossas crianças são transportadas é um assunto demasiado sério para que possa ser utilizado como arma de arremesso partidário ou para qualquer aproveitamento político.
Não estou nada interessado em que esta iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes seja chumbada de propósito para se dizer que foi uma outra parte que não a quis aprovar. Não estou nada interessado nisso.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, o bom senso levará a que a proposta que fiz em nome do Partido Socialista seja levada em consideração e que os proponentes desta proposta, Os Verdes, aceitem que a mesma baixe à Comissão sem votação, porque é talvez a única maneira de virmos ter a curto prazo legislação sobre esta matéria.
Quer-me parecer, ao ouvir agora aqui algumas manifestações de apoio a esta minha proposta, que o PSD aceitará também discutir em Comissão o melhoramento deste projecto de lei e que traga também aquilo que o Governo está a preparar, de forma a que possamos preparar uma iniciativa legislativa comum, em sede de especialidade, que salvaguarde o interesse fundamental que todos temos - muitos de nós enquanto encarregados de educação e enquanto pais - em que haja uma legislação que venha pôr ordem no caos que já existe.
Volto a dizer que seria bom que as Sr.as Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes ponderassem esta nossa proposta que é feita com a melhor das intenções. Estou convencido - pelo menos, pela nossa parte, há todo o empenho - de que, em tempo útil, poderá sair da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicação uma iniciativa legislativa que, tendo por base o vosso projecto de lei, venha enriquecida com todas as sugestões que aqui já foram feitas.
Eu próprio partilho da ideia que o projecto de lei, a ser aprovado tal como está, não tem aplicabilidade, não tem quaisquer efeitos práticos e, evidentemente, se se insiste em que seja objecto de votação, já percebi que o PSD vai votar contra…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Vai votar contra porquê?

O Orador: - … e, portanto, fica inviabilizado. A ser assim, isto não tem solução e a segurança das crianças fica sem uma legislação melhorada.
Por outro lado, também não penso que o PSD queira fazer disto uma guerra política, queira ser o único a ter protagonismo nesta matéria. Se o Governo está a trabalhar nesta matéria, então, que apresente a sua proposta. Se a Comissão está a trabalhar nesta matéria, também é um bom sinal de que pensámos todos a mesma coisa e, então, que apresente as respectivas propostas. Poderá ser que o resultado, o produto final, seja uma iniciativa legislativa comum para benefício das crianças e do País.
Portanto, volto a dizer que talvez seja mais sensato que este projecto de lei possa baixar à Comissão sem votação na generalidade porque vamos empenhar-nos no sentido de elaborar um diploma sobre esta matéria, tendo por base o vosso projecto de lei, que saudamos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É preciso que todos assumam a sua posição!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate sobre o projecto de lei n.º 7/IX.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período da ordem do dia, que constará do debate mensal com o Primeiro-Ministro sobre a situação política internacional, designadamente a questão do Iraque, a que se seguirá um debate de interesse relevante realizado ao abrigo do artigo 76.º, n.º 2, do Regimento. Haverá, ainda, lugar a votações que se realizarão à hora regimental.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Parente Antunes
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes

Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Fernandes da Silva Braga
Francisco José Pereira de Assis Miranda

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Manuel de Oliveira Godinho
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
Pedro Miguel de Azeredo Duarte

Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior

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