Página 2573
Sexta-feira, 29 de Novembro de 2002 I Série - Número 61
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE NOVEMBRO DE 2002
Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral
Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado
S U M Á R I O
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre a gestão das áreas protegidas, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território (Ferreira de Almeida), os Srs. Deputados Luís Rodrigues (PSD), Renato Sampaio (PS), João Teixeira Lopes (BE), Pedro Silva Pereira (PS), Isabel Gonçalves (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Honório Novo (PCP).
A propósito de uma interpelação à Mesa, feita pela Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues (PSD), sobre os horários em que as televisões têm difundido as notícias relativas aos actos criminosos de que foram vítimas crianças e jovens da Casa Pia, usaram da palavra os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Lino de Carvalho (PCP), Francisco Louçã (BE), Telmo Correia (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 37 a 46 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 21/IX - Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos e 22/IX - Altera o artigo 169.º do Código Penal e adita novo artigo nas matérias referentes ao tráfico de pessoas (apresentados pelo BE), que foram rejeitados. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Ana Drago (BE), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Fernando Negrão (PSD), Odete Santos (PCP) e Osvaldo Castro (PS).
A Câmara procedeu à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 131/IX - Atribui às autarquias locais e às pessoas colectivas de utilidade pública direitos preferenciais na aquisição de imóveis do Estado (PCP), que foi rejeitado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), Rosário Cardoso Águas (PSD), Eduardo Cabrita (PS), João Teixeira Lopes (BE), Miguel Paiva (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
O Sr. Deputado João Soares (PS) apresentou o voto n.º 28/IX - De pesar pela morte do pintor Rolando Sá Nogueira (PS), que foi aprovado. No fim, a Câmara guardou um minuto de silêncio em sua homenagem.
Foi também aprovado o voto n.º 31/IX - Sobre o desastre ecológico com o petroleiro Prestige (CDS-PP, PSD e BE), tendo intervindo os Srs. Deputados António Nazaré Pereira (PSD), Francisco Louçã (BE), Pedro Silva Pereira (PS), Telmo Correia (CDS-PP), Honório Novo (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi rejeitado o projecto de resolução n.º 63/IX - Cessação da vigência, por recusa de apreciação parlamentar, do Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de Setembro (PCP) Apreciação parlamentar n.º 4/IX (PCP) , e, em votação global, foram aprovadas as propostas de resolução n.os 6/IX - Aprova, para ratificação, o Convénio Internacional do Café de 2001, aprovado pelo Conselho Internacional do Café, em 28 de Setembro de 2000, 7/IX - Aprova a Convenção Consular entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia, assinada em Moscovo, em 26 de Outubro de 2001, e 9/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.
Foi também aprovado um requerimento, apresentado pelo PSD e CDS-PP, de baixa à 8.ª Comissão, para efeitos de nova apreciação, pelo prazo de 45 dias, dos projectos de lei n.os 48/IX - Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência (PS), 160/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde (Os Verdes), 162/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (BE), 166/IX - Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência (PCP) e 167/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (CDS-PP). Sobre este assunto, em interpelação à Mesa, usaram da palavra os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Bernardino Soares (PCP), Isabel
Castro (Os Verdes) e José Magalhães (PS).
A proposta de lei n.º 23/IX - Autoriza o Governo a tipificar, como ilícito de mera ordenação social, determinadas infracções à legislação da actividade seguradora, foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global.
A Câmara aprovou, ainda, dois pareceres da Comissão de Ética, autorizando dois Deputados do PS a prestarem depoimento em tribunal.
O Sr. Presidente anunciou o resultado da eleição de quatro juízes para o Tribunal Constitucional, tendo sido proclamados eleitos os candidatos Juiz Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, Juiz Conselheiro Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Licenciado em Direito Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão e Juiz Conselheiro Mário José de Araújo Torres.
A sessão foi encerrada pelo Sr. Presidente eram 19 horas e 20 minutos.
Página 2574
2574 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João António Pistacchini Calhau
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Página 2575
2575 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo
Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos
Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa por vir um pouco atrasado, mas estive na abertura da Convenção dos Jovens Portugueses sobre o Futuro da Europa, que decorre na Sala do Senado entre hoje e amanhã.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa diversos requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 20 e 21 de Novembro - ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulados pelos Srs. Deputados António Galamba e Carlos Carvalhas; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Pina Moura; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Maximiano Martins; ao Ministério das Obras Públicas Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Rui Cunha; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Cultura e da Educação e à Secretaria de Estado da Segurança Social e do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; e ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Mota Andrade.
Na reunião plenária de 22 de Novembro - ao Ministério da Segurança Social e do Trabalho, formulado pelo
Página 2576
2576 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Tadeu Morgado; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Luís; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e Pescas e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Pina Moura; aos Ministérios da Saúde e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado José Saraiva; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação, formulado pelo Sr. Deputado José Junqueiro; aos Ministérios da Administração Interna e da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado João Rebelo; e ao Governo, a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado da Segurança Social e do Trabalho, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
Entretanto, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 21, 22 e 25 de Outubro - Ascenso Simões, Heloísa Apolónia e Honório Novo, Isabel Castro, Miguel Anacoreta Correia, António Galamba, Osvaldo Castro, Luísa Mesquita, José Apolinário, Francisco Louçã, Fernando Pedro Moutinho, Fernando Cabral, Nelson Correia, Bernardino Soares, Herculano Gonçalves, João Teixeira Lopes e José Magalhães.
Foram ainda respondidos outros requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados.
Nos dias 21, 22 e 25 de Novembro - Isabel Castro e António Galamba.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 171/IX - Elevação de Custóias à categoria de vila (PCP), que baixou à 4.ª Comissão, e 172/IX - Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (Altera a Lei n.º 5/93, de 1 de Março) (BE), que baixou à 1.ª Comissão; e os projectos de resolução n.os 64/IX - Sobre a informação, avaliação e disciplina na actividade de extracção de areias em meio hídrico (Os Verdes), 65/IX - Melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais (PCP) e 66/IX - Estabelece a criação de uma comissão eventual para a reforma da Administração do Território (PS).
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, devo assinalar que faz parte da ordem do dia de hoje a eleição de quatro juízes para o Tribunal Constitucional. Vejo, aliás, um grupo numeroso de Srs. Deputados que estão ansiosos para exercer o seu direito de voto.
As urnas vão ser abertas imediatamente e vão ser mantidas pelo menos até às 18 horas e 30 minutos, embora possamos considerar necessário proceder a algum prolongamento, portanto não é necessário fazer um grande ajuntamento, para não perturbar o andamento dos nossos trabalhos.
Srs. Deputados, vamos proceder a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre a gestão das áreas protegidas.
Para apresentar este debate de urgência, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.
O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram 7 anos desde que foi aprovado o último plano de ordenamento de uma área protegida em Portugal; essa aprovação ocorreu em Dezembro de 1995.
Ao fim de tanto tempo de Governo, o Partido Socialista deixou a maioria das áreas protegidas sem planos de ordenamento eficazes. Este facto demonstra claramente o empenho, ou a falta dele, a que os dois últimos governos votaram o património ambiental nacional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Esta inoperância, esta incapacidade, tem rostos e nomes, que se encontram sentados neste Hemiciclo, na bancada do Partido Socialista, sendo um dos principais o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Será que os senhores não quiseram ou não puderam? Será que não os deixaram? Será não tiveram coragem ou capacidade, engenho e arte para avançar com a concretização dos planos fundamentais para a gestão do território das áreas protegidas?
Sabemos que é difícil enfrentar os interesses instalados. Sabemos que é difícil tomar medidas que, sendo positivas para a preservação do ambiente, encontram diversos obstáculos que podem prejudicar, no imediato, a imagem dos governos e dos governantes, mas que pretendem, no fundo, salvaguardar o futuro de todos nós.
O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sabemos que é mais fácil deixar andar, não decidir, não afrontar lobbies e apostar em acções de propaganda puramente mediáticas, muitas vezes sem outros efeitos práticos que não sejam o de desperdiçar dinheiros públicos, o de fazer perder tempo aos jornalistas e, finalmente, aos cidadãos que lêem jornais, vêem televisão ou ouvem rádio.
Só para refrescar algumas memórias, vou referir mais uma vez, neste Plenário, um exemplo do tipo de actuação dos governos do Partido Socialista em matéria ambiental.
Em Agosto de 1997, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente da altura, Eng.º José Sócrates, muito preocupado com uma situação grave existente na península de Setúbal, mais concretamente no concelho do Seixal, deslocou-se a um antigo areeiro, em Vale Milhaços, onde se encontravam depositados ilegalmente resíduos tóxicos de natureza diversa e afirmou, solenemente, perante a larga comitiva de jornalistas, que aquele problema iria ser resolvido a partir daquele dia. Perante as câmaras de televisão, mostrou os equipamentos que iriam iniciar os trabalhos de remoção dos resíduos e disse que eles já não iriam parar. Só que, para espanto de todos, no dia seguinte já lá não estavam nem equipamentos, nem funcionários, apenas se mantinham os resíduos intactos no seu habitat, penetrando no subsolo, afectando um dos melhores aquíferos do País e da Península Ibérica. Até hoje! Digo até hoje, Sr. Secretário de Estado, porque espero que este problema seja resolvido o mais rapidamente possível.
Página 2577
2577 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
As intervenções no litoral não tiveram melhor sorte. Para não variar, a política do espectáculo, a política da implosão foi a regra.
A "decisão" de demolir as Torres de Ofir, construídas há largos anos, foi amplamente noticiada. Esta "medida emblemática" de reposição das condições naturais na costa atlântica, infelizmente, não foi igual para todos. Não se percebe como foi possível deixar construir um enorme edifício em plena duna primária, junto ao Hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo, concelho de Vila Real de Santo António, cuja câmara é presidida também por um militante do Partido Socialista.
Aplausos do PSD.
Como é que foi possível consentir a construção daquele edifício? Terá sido por incapacidade? Terá sido por interesses desconhecidos? O que é um facto é que o prédio está lá e os poderes autárquico e central da altura deram cobertura, por acção ou omissão, ao aparecimento de mais aquele atentado na costa algarvia, já de si tão degradada em diversos locais. São eles os responsáveis!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Sr.ª Rosa Maria Albernaz (PS): - Foram vocês! Já se esqueceram!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que hoje se pode observar em diversos parques e reservas naturais é a todos os títulos lamentável. Começando na ria Formosa, passando pelo Sudoeste Alentejano, continuando por Sintra-Cascais e acabando no litoral de Esposende, a situação é alarmante e degradante; envergonha-nos como País da União Europeia.
O caso do Parque Natural da Arrábida é o espelho da atitude política do Partido Socialista perante o ambiente: a atribuição do processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos à cimenteira do Outão foi o expoente máximo da manutenção de uma situação que todos entendem ser negativa para uma área protegida como é a Arrábida.
Os governos do PS não quiseram aprovar o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (PNA) que deveria ter sido feito até Outubro 2001, correndo o Estado o sério risco de "legalizar" o ilegal e de apoiar quem prevaricou.
Mas, meus senhores e minhas senhoras, os exemplos multiplicam-se.
Como é possível gastar centenas de milhar de contos no Parque Ambiental do Alambre e este estar ao abandono, sem qualquer utilização, há anos?!
Como é possível estar em construção, junto a Casais da Serra, uma urbanização com dezenas de habitações, mesmo no núcleo do Parque Natural da Arrábida (PNA)?!
O Sr. José Magalhães (PS): - Boa pergunta!
O Orador: - Como é possível esta inacção, permitindo-se tudo: construções privadas em terrenos públicos, construções com áreas muito superiores e com fins diferentes dos autorizados e investimentos desperdiçados?!
Como foi possível aparecerem na Arrábida, como em Sintra-Cascais, sumptuosas mansões para usufruto só de alguns privilegiados?
O Sr. José Magalhães (PS): - Responda!
O Orador: - Como escreveu George Orwell, "somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros".
Vozes do PS: - Isso é verdade!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As áreas protegidas com maiores pressões (ria Formosa, Sudoeste Alentejano, Arrábida e Sintra-Cascais) foram aquelas onde se verificou o maior descalabro. Estas áreas, às quais deveria ser dada maior atenção, foram as mais vulneráveis, foram as que mais atentados sofreram.
A baixa taxa de execução dos orçamentos das áreas protegidas é o espelho da inactividade e do desinteresse dos governos do Partido Socialista na conservação da natureza.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, sabemos hoje que a definição da Rede Natura nacional não teve na sua génese nenhum estudo técnico. É urgente acabar com uma Rede Natura virtual, com uma Rede Natura de papel, é indispensável criar a Rede Natura com base em estudos sólidos assentes em bases solidamente científicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A conservação da natureza concretiza-se com as populações e não contra elas; a conservação da natureza executa-se com as autarquias locais e não afastando-as do centro de decisão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Pretendemos que brevemente esta ambição seja efectivada e que, de facto, os interesses locais sejam assegurados, envolvendo a população e as autarquias na gestão dessas áreas sensíveis do nosso território.
A população tem de sentir que vale a pena viver numa área protegida, tem de sentir que as suas raízes serão preservadas. É esta a prática que pretendemos implementar, através de uma actuação dinâmica da Administração ao lado da população.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Perderam-se sete anos; sete anos é tempo demais para destruir, mas implica muito mais tempo para regenerar, para repor as condições naturais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Durante a vigência dos dois últimos governos do Partido Socialista, os atropelos ao ambiente, ao ordenamento e à conservação da natureza foram a regra e não a excepção. Alguns dos atentados permitidos vão manter-se durante gerações; o Partido Socialista hipotecou o futuro, nalguns casos irremediavelmente, para as gerações vindouras.
O interesse público e o bem comum não se prendem com "pirotecnias" verbais, estratégias de relações públicas ou encenações políticas que se esgotam em si mesmas,
Página 2578
2578 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
consumindo recursos finitos e arrastando, a longo prazo, as instituições ao descrédito a troco dos minutos de fama a que alguns julgam ter direito.
Ao contrário do que nos tentaram fazer crer, a concepção de verdadeiras políticas de preservação e promoção ambiental, assente numa estratégia válida do uso dos solos, não é uma questão esotérica ou um luxo de país rico. Trata-se, antes de mais, de uma garantia, para hoje e para o futuro, de que será possível dispor de um dos mais escassos e valiosos recursos de que dispomos, neste caso, o território que nos deu o ser e nos sustenta, enquanto País, Estado e Nação.
Não ter compreendido isto foi apenas mais um sintoma do divórcio há muito instalado entre o anterior executivo e os portugueses.
Saber escutar os anseios do País e corresponder com propostas viáveis e sérias para a recuperação do futuro nacional é o desafio incontornável com que o actual Governo está confrontado, é um desafio que todos temos de vencer.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.
O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Rodrigues, este debate é já um acto falhado da maioria, porque todos percebem que o único objectivo era o de criar uma imagem de credibilidade a um ministro desconsiderado e ausente no caso Prestige.
Além disso, a importância que o Governo atribui às áreas protegidas e à conservação da natureza é bem demonstrada pela ausência do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente neste debate, procurando mesmo desvalorizá-lo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O caminho, Sr. Deputado, não é fazer oposição ao anterior governo, como o senhor veio aqui fazer hoje, mas, sim, apresentar propostas claras para a conservação da natureza e das áreas protegidas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - E essas propostas não podem ser a do corte cego nos investimentos da conservação da natureza e das áreas protegidas; nem a da desresponsabilização do Governo na sua gestão; nem a da reabertura do projecto do golfe da Lagoa da Vela, na Figueira da Foz, em plena Rede Natura; nem a da alteração do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Sintra-Sado, só para consagrar mais um campo de golfe na mata de São João da Caparica; nem a da redução da área de protecção das arribas no POOC de Vilamoura-Vila Real de Santo António, que enche de satisfação os agentes imobiliários algarvios. E já não quero falar do único plano de ordenamento de áreas protegidas que os governos do PSD elaboraram, que foi o do Parque Natural Sintra-Cascais, que permitiu a construção do aldeamento do Abano.
Sr. Deputado, a única política de protecção que conhecemos ao Governo e ao PSD é exactamente a da protecção das Torres de Ofir e do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo.
Mas, Sr. Deputado, quero deixar duas perguntas muito claras, sendo a primeira se o Sr. Deputado leu o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 204/2002, elaborado pelo seu Governo, sobre os estudos de elaboração dos planos de ordenamento e das áreas protegidas que lá estão expressas.
Por outro lado, Sr. Deputado, também quero pedir-lhe uma explicação. Como é que o Sr. Deputado explica que a primeira medida que o Governo tomou em relação ao Parque Natural da Arrábida tenha sido a de anunciar a manutenção da laboração da SECIL no Parque Natural por mais 20 anos, aliás, em perfeita dessintonia com o que o PSD muitas vezes prometeu aqui, na Assembleia, e na campanha eleitoral.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Rodrigues, ainda vão fazer-lhe um outro pedido de esclarecimento. Pretende responder individualmente ou em conjunto?
O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Rodrigues, V. Ex.ª referiu casos de gestão ou de intervenção danosa em áreas protegidas por parte de autarcas do PS, mas diz o povo, com a sabedoria e o bom-senso comum que se lhe conhece, que "quem tem telhados de vidro não atira pedras ao vizinho".
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - São os afilhados do PS!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - "Mãe-galinha"!
O Orador: - Por isso, exigia-se que o PSD tivesse um pouco de pudor em relação a esta matéria, porque se fizéssemos aqui um elenco dos autarcas que cometem essas violações certamente que o PSD também não ficaria muito bem visto.
Por outro lado, da intervenção que fez não consigo retirar uma única ideia positiva para o futuro, apenas consigo ver críticas ao passado e uma total amnésia do que são oito meses de gestão da nova coligação no poder. Aliás, utilizou até a seguinte frase: até ao momento, nada foi feito neste e naquele domínio.
Por isso, gostava de saber, por um lado, como avalia a política de ambiente seguida pelo actual Governo e, já que propuseram um debate de urgência, o que é que trazem de novo, quais são as propostas que têm para apresentar o País, porque, de facto, isso é o importante. Tanto mais que, como sabe, em sede de Orçamento do Estado, foram feitos cortes de investimento nas áreas protegidas, investimento que poderia melhorar as infra-estruturas e os serviços nas áreas do turismo, da floresta, da agricultura, do património, dos produtos tradicionais, das acessibilidades, contrariando o subdesenvolvimento destas áreas, que é verdadeiramente o seu grande problema.
Página 2579
2579 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
rtanto, como é que o Sr. Deputado é capaz de nos explicar a posição do PSD nesta teia de contradições.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de um tempo máximo de 5 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.
O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira Lopes, V. Ex.ª veio aqui ajudar o Partido Socialista na defesa daquilo que o Partido Socialista não consegue explicar, ao fim de tantos anos de governação. O Partido Socialista tem, com certeza, uma boa "muleta" no Bloco de Esquerda para o apoiar nestas posições.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Está enganado!
O Orador: - Mas também quero dizer-vos o seguinte: o Partido Socialista habituou-nos, durante muitos anos, a que o sinónimo de gastar mais fosse fazer mais. Era isso o que diziam mas não era o que, de facto, acontecia, porque gastar mais pode ser sinónimo de mais desperdício, e eu, há pouco, assim o referi.
Portanto, aquilo que está, neste momento, no PIDDAC e no Orçamento do Estado é o rigor e a eficácia e foi a isso que o País, nestes últimos anos, não esteve habituado.
Muito sinceramente, Srs. Deputados da oposição, agradeço imenso as vossas palavras mas vamos ver se não será agora, com o rigor, a eficiência e a eficácia dos planos, da gestão, das pessoas, que Portugal vai entrar no caminho, também nestas áreas protegidas, que é o que nós, neste momento, ansiamos.
Relativamente ao Parque Natural da Arrábida, acho muito interessante virem agora com o Parque Natural da Arrábida e o POOC de Sintra-Sado. Como é que pode haver alteração a um POOC, se o mesmo ainda não existe?!
O Sr. Renato Sampaio (PS): - Não existe?!
O Orador: - Realmente, Sr. Deputado Renato Sampaio, o POOC não existe. Como é que vem, neste momento, dizer que o Governo de coligação está a alterar um POOC?! Eu não conheço nenhum POOC eficaz. Muito sinceramente, nunca, que eu saiba, o POOC de Sintra-Sado foi eficaz e, portanto, não há aqui qualquer tipo de alteração.
Tenho, por convicção, que alguns dos reptos que foram lançados ao Governo, já em anteriores intervenções, aqui, no Parlamento, na área do ambiente, vão ser contemplados a breve prazo.
Pela minha parte, também lancei, há pouco, alguns reptos ao Sr. Secretário de Estado e espero que essas medidas, nomeadamente, como já referi numa anterior intervenção, o aumento da área do Parque Natural da Arrábida - e este é um aspecto fundamental na península de Setúbal, no distrito de Setúbal, para, de facto, preservar e ampliar a defesa do ambiente -, venham a ser contempladas.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate de urgência, solicitado pelo PSD, em concertação, naturalmente, com o Governo, tem um objectivo político claro: atacar o governo anterior, lançando uma "cortina de fumo" sobre a falta de iniciativa política deste Governo em matéria de política ambiental e de política de conservação da natureza.
Porventura, não compreendeu o Governo, na área do ambiente, aquilo que alguns ministros começam a compreender: que, ao fim de oito meses de governo, não basta apenas ao novo Executivo atacar o governo anterior, tem de apresentar medidas e acções concretas no terreno para fazer valer a novidade da sua política.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Governo, na área do ambiente e, em especial, na área da conservação da natureza, tem três imagens de marca que são, já hoje, muito claras.
A primeira imagem de marca é o desinvestimento financeiro, de que o Orçamento do Estado é sinal, o qual se junta às sucessivas cativações que os fundos e serviços autónomos, particularmente o Instituto da Conservação da Natureza, têm vindo a servir.
O Sr. Secretário de Estado, que está aqui hoje, neste Parlamento, poderá, provavelmente, apresentar-nos o necessário plano de emergência para que a gestão das áreas protegidas não seja prejudicada pelos sucessivos cortes orçamentais que a Sr.ª Ministra das Finanças tem aplicado ao Instituto da Conservação da Natureza.
A segunda imagem de marca é a desvalorização das áreas protegidas. Hoje, com as medidas legislativas deste Governo, a direcção das áreas protegidas deixa de ser resultado de um concurso público, passando a ser de nomeação do Governo, com parecer vinculativo das câmaras municipais. O que se diria do governo do Partido Socialista se substituísse o mecanismo do concurso público pelo mecanismo da nomeação política? Seriam, provavelmente, jobs for the boys mas o que sucede é que, agora, é o Governo da maioria que apresenta esta proposta e acaba com os concursos públicos na nomeação dos directores das áreas protegidas, com a agravante da sua subordinação às autarquias e, em especial, aos autarcas. Não está em causa a cooperação com as autarquias locais, que é muito necessária, mas isso é muito diferente da subordinação dos directores das áreas protegidas às autarquias locais.
Uma terceira imagem de marca que também é notória é a do recuo sucessivo em várias medidas de protecção ambiental. E, nessa matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os governos do Partido Socialista não recebem lições. Conhecem todos o rigor e a firmeza dos governos do Partido Socialista a propósito de muitos empreendimentos que se tornaram, na nossa história de política ambiental, casos emblemáticos: a Aldeia do Meco, a Lagoa da Vela - que o Sr. Secretário de Estado reabriu, para reapreciação, de modo a poder considerar um campo de golfe dentro da Rede Natura - e outros, incluindo o Parque Natural de Sintra-Cascais. Talvez o Sr. Secretário de Estado nos possa
Página 2580
2580 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
aqui anunciar que, na revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, não vai autorizar a existência de um empreendimento turístico no Cabo Raso, tal como estava previsto no plano de ordenamento anteriormente feito pelo Partido Social Democrata.
A política de conservação da natureza do anterior governo não recebe lições de um Governo que não tem uma política para apresentar. Era uma indigente política de conservação da natureza, parente pobre da política ambiental, e os anteriores governos do Partido Socialista transformaram-na numa política central da política de ambiente: com a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, que os anteriores governos do Partido Social Democrata jamais foram capazes de aprovar; com a conclusão do processo da Rede Natura, aumentando as áreas protegidas e classificadas no nosso território, que eram de 6,6% e passaram para 21,7%; com a duplicação do investimento financeiro em matéria de conservação da natureza; com as medidas de que vos falei e que são sinais de rigor da nossa política ambiental.
Por outro lado, o Sr. Deputado Luís Rodrigues está muito mal informado. Referiu-se aqui a um empreendimento em Monte Gordo mas talvez o Sr. Deputado devesse informar-se melhor, porque verificaria que esse empreendimento - Mogal -, bem conhecido, foi não apenas votado favoravelmente na câmara municipal, por todas as formações políticas, inclusive pela sua, pelo Partido Social Democrata, mas também autorizado, em 1992, por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Nunes Liberato. Portanto, trata-se de um projecto viabilizado pelos anteriores governos do PSD e não do Partido Socialista.
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - E mais lhe digo, a propósito da sua afirmação de que não houve estudos técnicos para a aprovação da Rede Natura: é bom que saiba, Sr. Deputado, que esse é exactamente o argumento dos produtores imobiliários. Sempre que se impõem restrições, em nome dos valores ambientais, eles sustentam que não estão tecnicamente bem fundados. Foram feitos muitos estudos, apelando à mobilização das universidades, e foi isso que sustentou a conclusão do processo da Rede Natura que hoje existe no nosso país e que é uma conquista muito importante para a protecção dos nossos mais significativos valores ambientais.
Era, portanto, aconselhável que este debate de urgência servisse não apenas para atacar os governos do Partido Socialista, sobretudo, injustamente,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Injustamente?!
O Orador: - … mas também para que o Governo pudesse vir aqui apresentar medidas concretas e dizer, por exemplo, por que é que ainda não pôs nenhum dos planos de ordenamento de áreas protegidas em discussão pública, mesmo aqueles que estavam prontos no momento da transição de pastas,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem perguntado!
O Orador: - … por que é que não cumpriu ainda nenhuma das metas calendarizadas da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e, finalmente, por que é que não teve ainda ocasião de aprovar, sequer, o decreto-lei de transposição da directiva relativa à Rede Natura, o qual estava concluído e agendado para Conselho de Ministros no tempo do anterior governo e que, ao fim de oito meses, este Governo não teve ainda oportunidade de aprovar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Outra boa pergunta!
O Orador: - É sobre o futuro que nós queremos falar neste debate, mas não recusamos também, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, um debate sobre a prestação dos governos do Partido Socialista em matéria de política ambiental, nem tememos qualquer comparação com este Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.
A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje aqui reunidos para debater um assunto de extrema importância para o país, para o futuro deste país, como disse o Sr. Deputado, relacionado com o tema do ambiente mas relacionado, sobretudo, com o tema do ordenamento do território.
Temos, em Portugal, áreas de grande dimensão e importância, como sejam o Parque Natural da Serra da Estrela, o Parque Natural do Douro Internacional, o Parque Natural de Montesinho, o Parque Natural da Arrábida. Acontece que a gestão das áreas protegidas só é possível se as ditas áreas protegidas se encontrarem devidamente ordenadas.
Ora, não fomos nós nem o Governo actual, foi o Instituto da Conservação da Natureza que, recentemente, afirmou publicamente que todas as áreas protegidas portuguesas carecem de um plano de ordenamento. Mais: o referido Instituto declarou ainda que alguns parques naturais chegam a estar à espera, desde há 20 anos, pela conclusão desses mesmos instrumentos de ordenamento.
Segundo o Instituto, algumas das 29 áreas protegidas do País já têm um plano de ordenamento elaborado mas que ainda não entrou em vigor por falta de discussão pública e, destas 29 áreas protegidas, 13 já viram ultrapassados os prazos legais para a implementação dos planos de ordenamento.
Até à tomada de posse do actual Governo, a inacção e a inoperância do anterior executivo permitiram que estas áreas protegidas fossem parques de sucata, onde proliferavam casas clandestinas, unidades industriais não licenciadas e outros atentados, determinando e permitindo a devastação da flora e fauna e de relevantes recursos. O que se descreve sucedia, por exemplo, no Parque Natural de Sintra-Cascais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por essa razão, em 21 de Junho de 2002, o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente declarou aqui, perante nós, que este Governo veio encontrar uma situação insustentável, no que respeita aos regimes de protecção de parques e áreas protegidas.
Página 2581
2581 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
No caso dos parques e áreas protegidas, os planos de ordenamento que os anteriores responsáveis governamentais do Ministério do Ambiente anunciaram ficaram na gaveta, continuando, portanto, estas intoleráveis agressões ambientais impunes e politicamente consentidas.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - O actual Governo, na pessoa do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, prometeu quebrar a inacção e o torpor em que decaíram os serviços da Administração Pública responsáveis pela gestão das áreas protegidas.
O actual Governo prometeu retirar das gavetas os planos e estudos de ordenamento dos parques e áreas protegidas.
Porque quer cumprir as promessas, o actual Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente determinou a conclusão urgente dos planos de ordenamento dos parques e áreas protegidas.
Deste modo, pretende o Ministro não voltar a comprometer o regime de classificação e inerente protecção ambiental dessas áreas do território.
Já várias pessoas desta Câmara o afirmaram mas vale a pena recordar que o problema do estado do ambiente, em Portugal, não reside na falta de legislação ou em má legislação ambiental.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - O problema reside na circunstância de essa legislação existente não ter sido cumprida até ao momento…
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
… e não ter sido interiorizada a regra de que só haverá uma política de ambiente sustentada se existir ordenamento do território.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Um dos problemas do anterior Ministério do Ambiente foi o das dificuldades de relacionamento dos seus serviços com aqueles que integravam o antigo Ministério do Planeamento. As comissões de coordenação regional (CCR) e as direcções regionais do ambiente e do ordenamento do território (DRAOT) viviam, não lhe chamaria guerra mas em desacordo permanente.
Em resultado disso, os planos de ordenamento de parques e outras áreas protegidas não foram concluídos ou adoptados. Nunca houve uma metodologia de elaboração desses planos de conservação da natureza.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Exactamente!
A Oradora: - Mais: deve afirmar-se, com frontalidade, que o anterior governo desvalorizou essa questão.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - E de tal forma a desvalorizou que nem envolveu todos os organismos administrativos interessados: muitas câmaras não foram auscultadas, aquando da preparação de alguns dos planos. O Instituto da Conservação da Natureza (ICN), o Instituto da Água (INAG), as DRAOT, as CCR, as câmaras municipais, todos, devem participar na elaboração dos planos.
Tem sido amplamente divulgado, nos meios de comunicação social, que, à luz de um diploma de Janeiro de 1993, a classificação de cada área protegida caducou por não terem sido cumpridos os prazos de elaboração do respectivo plano de ordenamento, o qual visa a definição de regras de construção e ocupação nessas zonas.
O anterior governo socialista aprovou várias resoluções, em Conselho de Ministros, no sentido de prorrogar os prazos para a aprovação dos instrumentos de ordenamento de cada área protegida - o que fizeram até um dado momento -, mas foi o actual Governo, através de um decreto-lei aprovado e publicado em 1 de Outubro do corrente ano, que evitou que fossem desclassificadas as áreas protegidas. Com efeito, apesar de algumas áreas terem ultrapassado os prazos para fazer entrar em vigor o plano de ordenamento, o Governo, com a sua intervenção legislativa, pretendeu, e bem, manter em vigor, retroactivamente, todas as áreas protegidas, isto é, este Governo evitou a desclassificação das áreas protegidas não ordenadas.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O regime jurídico da rede nacional de áreas protegidas, contido no Decreto-Lei n.º 19/93, cuja redacção foi alterada por decretos-lei posteriores, estabelece que a classificação das áreas protegidas é efectuada por decreto regulamentar. Tal decreto regulamentar fixa o prazo de elaboração do plano de ordenamento e respectivo regulamento. Dispõe ainda o mesmo decreto-lei que a classificação caduca pelo não cumprimento do prazo fixado para elaboração de tal plano especial de ordenamento do território.
Logo que tomou posse, o XV Governo Constitucional procedeu a uma apreciação exaustiva dos procedimentos de elaboração e de revisão dos planos de ordenamento das áreas protegidas. Após a análise, concluiu o Governo que se encontra em curso a maior parte daqueles procedimentos e muitos deles ainda numa fase inicial. Mas, de todos os procedimentos em curso, apenas cinco estão em condições de se proceder à abertura do período de discussão pública.
Ora, decorridos os prazos para elaboração dos planos de ordenamento, o governo anterior optou, em determinados casos, por prorrogá-los, por meio de resolução do Conselho de Ministros, como forma de obstar às consequências legais da inércia verificada em muitos daqueles procedimentos, e fizeram-no fundamentando a prorrogação no disposto no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 380/99, para disciplinar o processo de elaboração dos instrumentos de gestão territorial.
De todo o modo, também alguns dos prazos fixados por aqueles instrumentos regulamentares já expiraram ou o seu termo encontra-se iminente, pelo que urgia adoptar medidas que salvaguardassem de imediato as componentes ambientais naturais.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Termino, repetindo a seguinte ideia: o problema da gestão das áreas protegidas, em Portugal,
Página 2582
2582 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
reside na circunstância de a legislação ambiental existente não ter sido cumprida até ao momento e, ainda, de não ter sido interiorizada a regra de que só haverá uma política de ambiente sustentada se existir realmente uma política de ordenamento do território.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitos são os problemas com que se debatem as áreas protegidas. De resto, para termos uma ideia de alguns deles, basta referir que, no ano que decorre, arderam mais de 8000 ha nas referidas áreas protegidas. Mas há mais problemas: de contaminação de aquíferos; de erosão; de aumento das zonas ameaçadas por cheias; de construção nas dunas litorais, dunas primárias, nalguns casos; de degradação de arribas costeiras; de construção cada vez mais próxima de lagoas e albufeiras; de destruição de zonas húmidas.
Coloca-se, por isso mesmo, a questão da gestão das áreas protegidas. Ora, essa gestão implica que não se actue em cima do acontecimento, depois de ocorrerem os problemas, mas, sim, de forma continuada, integrada e tendo em conta que estas áreas potenciam usos múltiplos no território, que ora são complementares ora são conflituais. Assim, parece-nos essencial que se consagrem alguns princípios absolutamente fundamentais, como sejam os princípios da precaução, da prevenção, do equilíbrio, da existência de uma rede pública de informação, da participação das populações - é fundamental que elas tenham uma palavra a dizer na gestão das áreas protegidas, não só através dos mecanismo de acção popular mas também através da participação em conselhos consultivos -, da recuperação e da responsabilização.
É por tudo isto que vemos com alguma preocupação a alteração que o Governo fez ao Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, na medida em que transfere para as autarquias - as quais estão, muitas vezes, envolvidas nestes usos conflituais do território -, numa atitude não propriamente de subsidiariedade mas muito mais de desresponsabilização, responsabilidades que deveriam ser do Estado central, porque este tem, à partida, uma capacidade de maior distanciamento e de menor envolvimento nas questões locais.
Sabemos também como as autarquias estão ainda muito dependentes das receitas provenientes da construção civil e dos empreendimentos imobiliários. Por isso mesmo, temos uma grande preocupação nesta matéria e vemos o aumento das responsabilidades das autarquias neste âmbito como uma espécie de fuga às suas responsabilidades por parte do Estado central.
É, assim, importante que a legislação seja clara, que a definição do interesse público - porque estamos a falar de bens públicos - seja cristalina e que os limites à discricionariedade dos órgãos deliberativos ligados à gestão das áreas protegidas tenha contrapartidas, fiscalização e participação das populações. Pensamos, por isso, que há que actuar neste sentido.
Gostava também de realçar que, como há pouco referi, importa que a informação técnica circule e que as pessoas sejam capazes de apropriar-se dessa informação. Para isso, é fundamental a existência activa de um observatório do ambiente e do ordenamento do território, capaz, inclusivamente, de resolver questões, que todos conhecemos, no que diz respeito à prioridade dos diferentes planos de ordenamento, capaz, enfim, de fazer a própria monitorização destas áreas protegidas, uma vez mais numa óptica de acesso à informação e não de secretismo ou de poder discricionário.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Confesso que quando ouvi a proposta do PSD de realização de um debate de urgência sobre a gestão das áreas protegidas fiquei surpreendida. Este Governo já anunciou e tomou tantas medidas negativas para as áreas protegidas que não percebi exactamente qual era o objectivo do PSD em relação a este debate. Agora já percebi, já ficou claro para mim que pretendem recuar na discussão e tentar rediscutir aquilo que acontecia de há oito meses para trás.
Srs. Deputados, creio que o passado não deve ser esquecido. Aliás, Os Verdes dirigiram as críticas que entenderam dirigir ao anterior governo relativamente à forma como geria e entendia a conservação da natureza em Portugal, mas esse governo foi julgado pelos portugueses. Agora, quem está no Governo, há já alguns meses, é o PSD e o CDS-PP, que têm, neste momento, de responder pela gestão das áreas protegidas. É por isso que eu gostava que, neste debate, o Governo ou a maioria representada na Assembleia da República trouxesse um conjunto de respostas para a resolução do estado, muitas vezes caótico, em que se encontram as nossas áreas protegidas.
Recordo-me perfeitamente de ter ouvido o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente referir, relativamente à questão do Parque Natural da Arrábida, que com o seu governo não faltaria um tostão para inviabilizar as construções clandestinas nas áreas protegidas. Srs. Deputados, relembrando aquilo a que pudemos assistir na discussão do Orçamento do Estado para 2003, a situação é muito, mas muito, preocupante, pois os cortes orçamentais na área da conservação da natureza foram sobremaneira significativos e as áreas protegidas vão confrontar-se com muito sérios problemas, já num futuro próximo, pela falta de meios para a sua gestão.
Assim, vamos percorrer o País, vamos ver as diferentes áreas protegidas e novamente não vamos encontrar nenhuma solução para a questão da falta de meios humanos de actuação, para a falta dos meios necessários de fiscalização, para questões tão básicas como aquelas que aconteciam no passado e que continuam a persistir depois de oito meses de Governo da maioria PSD/CDS-PP, como, por exemplo, a inexistência do dinheiro necessário para pagamento da gasolina dos transportes imprescindíveis à fiscalização das áreas protegidas, para os telefones, etc., ou seja, para o funcionamento diário das zonas protegidas.
Portanto, os senhores não apresentaram nenhuma solução para o estado caótico em que as áreas protegidas se
Página 2583
2583 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
encontram. Muito pelo contrário, com o Orçamento do Estado para 2003 vieram precisamente agravar o problema com que se confrontarão as áreas protegidas nos próximos tempos por falta de meios financeiros de actuação.
Por outro lado, há ainda a sublinhar a questão, já aqui referida e, na altura, de imediato denunciado pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, de os presidentes das comissões directivas das áreas protegidas deixarem de ser recrutados por concurso e passarem a ser nomeados directamente pelo Governo. Quero registar, neste debate, que se trata de um diploma muito mal feito, não só pela intenção política mas também pela forma como está elaborado. Os Verdes solicitaram a apreciação parlamentar desse diploma, que esperamos ver agendada e discutida em breve na Assembleia da República, com a presença do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Consideramos inadmissível o princípio da troca da competência técnica e profissional que o cargo exige pela confiança partidária!
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
A Oradora: - É evidente que isto tem de relacionar-se com a medida dos cortes orçamentais na conservação da natureza. Os senhores, de facto, querem retirar poder de reivindicação aos directores das áreas protegidas, pois, dessa forma, tudo ficará bem nas vossas consciências, mas só nas vossas consciências, porque em termos práticos as áreas protegidas vão sofrer sobremaneira com esta vossa política.
Por outro lado, ainda relativamente à questão da nomeação dos directores das áreas protegidas, os senhores integram esta medida num pretenso e falso pacote de descentralização, porque consideram que esta é a forma de as autarquias locais poderem estar mais envolvidas na gestão das áreas protegidas.
Sr. Secretário de Estado, se o envolvimento das autarquias locais passa só pela nomeação dos directores, se é essa a vossa proposta para um maior envolvimento, peço desculpa, mas discordamos radicalmente! Trata-se até de um falso envolvimento, mesmo que o consideremos assim, porque, de facto, para um primeiro nome as autarquias locais terão um parecer vinculativo; caso esse parecer seja negativo, o Governo apresenta um segundo nome e as autarquias já não têm direito a parecer vinculativo, pelo que o Governo escolhe e nomeia sozinho, absolutamente sozinho! Portanto, trata-se de uma falsa descentralização, que não tem nada de sério, na nossa perspectiva.
Queremos também contestar uma das medidas já anunciadas por este Governo, ou seja, a integração da gestão das áreas protegidas mais pequenas na gestão das maiores áreas. Esse princípio já deu frutos muito negativos em Portugal - lembremo-nos da Reserva Natural do Estuário do Sado e do Parque Natural da Arrábida. Os sucessivos directores destas áreas protegidas têm contestado a junção da gestão destas duas áreas protegidas e, de facto, ambas têm sido prejudicadas com este princípio.
Para terminar, Sr. Presidente, quero referir que já deu para perceber que este Governo não tem uma ideia diferente de áreas protegidas e que muitas vão continuar, como Luísa Schmit teve oportunidade de escrever, ainda este mês, sobre a matéria: "não fossem umas placas de lata no meio dos entulhos despejados para as bermas e ninguém acreditaria que era ali a área protegida"!
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A verdade, custe a quem custar, é que a lei é bem clara e que, tendo em conta aquilo que impõe, sem planos de ordenamento, as áreas protegidas nacionais, independentemente da sua natureza e estatuto, não deveriam poder continuar a funcionar legalmente.
Registe-se e sublinhe-se, porque é importante, que a lei obriga a aprovar os planos de ordenamento das áreas protegidas, sejam parques naturais, reservas naturais ou áreas de paisagem protegida, datando o diploma a que me refiro de Janeiro de 1993. Isto é, ao longo de quase 10 anos muito poucas áreas protegidas portuguesas aprovaram planos de ordenamento.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Parque Natural de Sintra-Cascais e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina são as únicas três áreas protegidas com planos de ordenamento aprovados, neste momento. Há, é certo, algumas outras, muito poucas, caso do Parque Natural da Ria Formosa, Parque Natural da Serra da Estrela, Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que já tiveram planos de ordenamento, mas que a lei aprovada em 1993 fez caducar legalmente.
A verdade é que as restantes 19 áreas protegidas portuguesas nunca tiveram plano de ordenamento, nem antes nem depois de 1993, nem antes nem depois da Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro, Sr. Deputado Luís Rodrigues, com as responsabilidades a terem de ser repartidas irmãmente por diversos, sucessivos e diferentes governos, como é bom de ver.
Há casos de áreas protegidas, Sr. Deputado Luís Rodrigues, que nunca tiveram planos de ordenamento, apesar de existirem há mais de 20 anos. É o caso das áreas protegidas do Parque Natural da Arrábida, do Parque Natural de Montesinho, da Reserva Natural do Estuário do Tejo, dos Sapais de Castro Marim e Vila Real de Santo António e da Reserva Natural do Estuário do Sado, todas elas com mais de 20 anos.
Só esta constatação verdadeiramente inaceitável confirma a responsabilidade que pesa sobre governos anteriores e mostra também como era absolutamente incontornável e inevitável a prorrogação dos prazos legais estipulados para a elaboração dos diferentes planos de ordenamento recentemente decidida pelo Governo.
Umas vezes não se fizeram planos de ordenamento por se estar à espera dos planos directores municipais, outras vezes pretextou-se com a falta de planos regionais de ordenamento, mais tarde, pretextou-se com o facto de estar-se a definir a Rede Natura, outras vezes, ainda, adiou-se a pretexto de nada. Sr.as e Srs. Deputados, os pretextos, no fundo, escondem a total ausência de vontade política para vencer interesses instalados e para fazer dotar as áreas protegidas dos meios humanos que pudessem, com rapidez e eficácia, elaborar diagnósticos, motivar a participação
Página 2584
2584 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
das populações, das associações de interesses económicos e das organizações de defesa da natureza e ambientalistas na elaboração dos planos de ordenamento das áreas protegidas em Portugal.
O desenvolvimento das áreas protegidas tem de motivar as populações residentes no seu interior, as quais deverão reconhecer nas mesmas oportunidades para aumentar a sua qualidade de vida em vez de se sentirem postergadas e relegadas para a causa do desenvolvimento civilizacional. Isto só é possível com a participação empenhada das populações, isto só se consegue com uma gestão que sirva e defenda a natureza, mas que não esqueça a qualidade de vida dos homens e mulheres que aí vivem e trabalham!
Sr.as e Srs. Deputados, as áreas protegidas não podem continuar a ser áreas desprotegidas pelo poder político. E o que este Governo anuncia não augura, desde já, nada de bom. É que a pedra de toque que mostra como está a ser encarado o futuro revela-se no próprio Orçamento do Estado, no investimento que o Governo prevê para o conjunto da Rede Nacional das Áreas Protegidas. E contra factos, Sr.as e Srs. Deputados, não há argumentos.
A verdade é que os números não enganam, são como o algodão, e traduzem opções políticas bem nítidas. E a opção política deste Governo parece ser o estrangulamento e o esclerosamento das áreas protegidas.
O investimento global vai diminuir mais de 12 milhões de euros, vai ser 65% daquilo que se investiu e executou este ano, segundo números do próprio Governo. Há casos em que a diminuição supera os 50%: em Montesinho, a diminuição é superior a 60 pontos percentuais; na Malcata, nas dunas de S. Jacinto, na lagoa de Santo André, a redução supera os 70 pontos percentuais.
E se na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e em Vila Real de Santo António a diminuição é "apenas" de 67 pontos percentuais, o caso mais violento, porventura mais mediático, de estrangulamento abrange o Parque Natural de Sintra-Cascais, aqui perto, onde o investimento vai cair quase 90 pontos percentuais.
Era sobre isto, Sr.as e Srs. Deputados, que julgávamos que o Sr. Deputado Luís Rodrigues ia intervir. Mas, pelos vistos, o PSD optou por fazer aqui uma intervenção de costas voltadas para o futuro e de cara voltada para o passado. E não se entende, de facto, que razões levaram o PSD, com a sua intervenção passadista, a solicitar hoje este debate de urgência.
É que, Sr.as e Srs. Deputados, o estrangulamento financeiro não é a única nuvem negra que o PSD faz pairar sobre o futuro das áreas protegidas em Portugal. O Governo quer, simultaneamente, que os directores das áreas protegidas não protestem e permaneçam caladinhos. Vai daí, os directores das áreas protegidas e das respectivas comissões directivas passam a ser novamente nomeados pelo próprio ministro e pelo Instituto de Conservação da Natureza (ICN), isto é, pessoas absolutamente responsáveis passam a estar dependentes do Governo e a ser por ele nomeadas, quando, como sabem, em 1999, ficou estipulado que eram nomeadas após um processo de concurso público.
Sr.as e Srs. Deputados, os amigos podem ficar descansados: há mais lugares disponíveis para ocupar.
A competência funcional, que estava prevista na lei de 1999, vai de novo ser substituída pela competência política e partidária. E aqui resta saber quantos directores serão nomeados pelo PSD e quantos directores serão nomeados pelo CDS-PP.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A única exigência, Sr.as e Srs. Deputados, que provavelmente se fará aos futuros directores é que permaneçam mudos e calados perante o quadro negro que se anuncia e que poderá vir a comprometer, já não direi a capacidade de intervenção, mas, seguramente, a própria sobrevivência da Rede Nacional de Áreas Protegidas em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território (Ferreira de Almeida): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma primeira palavra para saudar a iniciativa deste debate, certamente oportuno e importante.
Na verdade, é oportuno e importante falar-se das áreas protegidas, porque nelas reside, não tenho dúvida em afirmá-lo, parte daquilo que orgulha o País: a Rede Ecológica Nacional.
Dá-se até uma circunstância feliz: é aí que também se baseia parte do nosso desenvolvimento sustentável.
E a circunstância feliz de a este debate estarem a assistir tantos jovens significa que temos a oportunidade de transmitir, não só a eles mas também ao País, quão importante é a preservação das nossas áreas protegidas e da biodiversidade.
Gostaria de comentar algumas das intervenções dos Srs. Deputados, em particular dos Srs. Deputados da oposição.
O Sr. José Sócrates (PS): - O Governo não tem nada a dizer?!
O Orador: - O Sr. Deputado Renato Sampaio já me habituou a um registo de comentário que tem a ver com aquilo que lê nos jornais. O Sr. Deputado comenta aqui o que leu nos jornais.
O Sr. José Magalhães (PS): - E faz bem!
O Orador: - Só que, naturalmente, comenta mal, porque fala de notícias sobre processos que estão em elaboração como se fossem decisões do Governo. Pois bem, o Governo não decidiu sobre nenhum processo da Lagoa da Vela, não deu caução política sobre o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, não decidiu sobre o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura-Vila Real de Santo António nem decidiu manter a Secil por 20 anos… Está V. Ex.ª muito enganado! Mas posso dizer-lhe o que o Governo fez.
Em matéria de Lagoa da Vela, o Governo, pura e simplesmente, aceitou uma pretensão da Câmara Municipal da Figueira da Foz,…
Página 2585
2585 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Vozes do PS: - Ah!
O Sr. José Sócrates (PS): - Sempre fez qualquer coisa!
O Orador: - … a de reapreciar, serenamente, um processo que, para efeitos mediáticos, o governo anterior quis enterrar. E sobre esta matéria quero dizer-lhe, Sr. Deputado, uma coisa muito simples: a Reserva Ecológica Nacional, a Rede Natura 2000, as áreas protegidas, não são, para este Governo, reservas integrais.
O desenvolvimento do País passa pelos usos sustentáveis de todas estas áreas. Só assim as populações se reconhecerão nas áreas protegidas de que dispomos. E temos todos de procurar - esperava que dos senhores houvesse essa cooperação - a definição, designadamente normativa, e o consenso político necessários para encontrar o que não foi feito até hoje e que é uma definição de usos compatíveis com todos estes regimes de classificação.
Sr. Deputado Renato Sampaio, relativamente aos POOC Sintra-Sado e Vilamoura-Vila Real de Santo António, o que aconteceu foi que este Governo tirou-os da gaveta,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Estava distraído.
O Orador: - … porque ninguém tinha ouvido, até hoje, falar nestes planos de ordenamento da orla costeira. Mais: tirando os números mediáticos relativos às torres de Ofir e quejandos, poucos portugueses tinham sentido até hoje uma preocupação política séria sobre a necessidade de defender e valorizar a costa em Portugal.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Também posso dizer-lhe a verdade, Sr. Deputado Renato Sampaio, sobre os planos de ordenamento das áreas protegidas. Nesta área, o Governo fez aquilo que é público e notório, …
O Sr. Renato Sampaio (PS): - Vem nos jornais!
O Orador: - …ou seja, pôs em marcha os processos que, na maioria dos casos, estavam paralisados nas áreas protegidas e isso resiste a qualquer evidência em contrário - está demonstrado, por razões várias que já aqui foram elencadas e que não me interessa desenvolver.
É óbvio que tem sido este Governo a fazer um esforço enorme no sentido de recuperar muitos anos de atraso. E deixo aqui apenas um dado: alguns planos de ordenamento de áreas protegidas foram mandados elaborar em 1996! E estamos em 2002!
Sr. Deputado João Teixeira Lopes, julgo que se comete para com os autarcas uma injustiça quando, ainda que subentendidamente, se considera que a sua participação na gestão das áreas protegidas significa uma rendição a interesses que são contrários aos interesses conservacionistas e à protecção da biodiversidade. É, repito, uma injustiça que se comete para com os autarcas.
E, a propósito desta matéria, aproveito para responder a todos os Srs. Deputados que consideram que o Governo tem reserva mental no que respeita à reforma que fez quanto à nomeação, ou à alteração do regime de nomeação, dos presidentes das comissões directivas das áreas protegidas. Não atribuo isso a desconhecimento, atribuo-o antes, muito provavelmente, a uma conveniente ignorância.
Srs. Deputados, convido-os a lerem uma lei desta Casa, que enquadra a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, que, no seu artigo 26.º, n.º 2, alínea f) - estou a referir-me, naturalmente, à Lei n.º 159/99 -, obriga o Governo a transferir para as autarquias locais a participação dos órgãos municipais na gestão das áreas protegidas de interesse regional e nacional, de forma a torná-la efectiva.
Estranho muito que uma lei tão importante e até consensual desta Casa, que definiu o quadro normativo de transferência das atribuições e competências, tenha sido esquecida, quando o Governo não fez mais, nesta matéria, do que concretizar algo que já consta deste quadro legal. Acho isto estranhíssimo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E devo dizer que me espanta muito que, não tendo havido ainda nomeações no novo quadro legal mas tendo já havido nomeações de directores de áreas protegidas, VV. Ex.as não tivessem tido a preocupação de verificar se as substituições feitas nas áreas protegidas, nas presidências das comissões directivas tiveram por base razões de competência técnica ou razões, como VV. Ex.as injustamente imputam a este Governo, de preferência partidária.
O Sr. José Sócrates (PS): - E quanto às políticas do Governo, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Já lá vamos, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Pedro Silva Pereira perguntou-me o que é que o Governo está a fazer em matéria de áreas protegidas. Para poupar tempo, poderia dizer que está a fazer tudo aquilo que o Governo a que V. Ex.ª pertenceu não fez.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas que bela resposta!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o PSD requereu um debate de urgência, e sobre o futuro, sobre as políticas de ambiente para as áreas protegidas disse zero. O Sr. Secretário de Estado falou e não há uma ideia, uma pista ou uma estratégia! Absolutamente nada!
Daí a minha pergunta: Sr. Secretário de Estado, diga-nos, por favor, qual é a política do Governo para este domínio, porque, até agora, o vazio e o deserto têm sido, como é óbvio e visível, a nota dominante.
Vozes do BE e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território.
Página 2586
2586 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território: - Sr. Deputado João Teixeira Lopes, provavelmente aquilo que o Governo está a fazer não tem sido suficientemente publicitado, porque a este Governo interessa menos a mediatização e, porventura, mais o trabalho.
Vozes do BE e do PS: - Ah!
O Orador: - Mas tem havido nota pública daquilo que o Governo está a fazer. É público o que o Governo fez na Arrábida! Este Governo, corajosamente, fez aquilo que outros não fizeram: deu cumprimento a sentenças judiciais que impunham a demolição; o Sr. Ministro anunciou, e este Governo cumprirá, a renaturalização das zonas de costa onde esse trabalho é necessário; vai anunciar, muito brevemente, um "programa Finisterra", de que VV. Ex.as já têm conhecimento, porque certamente perceberam a alocação de meios no Orçamento relativamente ao combate à erosão da costa e à valorização da orla costeira.
VV. Ex.as têm notícia do esforço que o Governo está a fazer, no que diz respeito à recuperação dos atrasos relativamente aos planos de ordenamento da orla costeira e em matéria de envolvimento das populações. VV. Ex.as têm consciência, ou deviam tê-la, do esforço que este Governo está a fazer para recuperar os atrasos relativamente ao plano sectorial da Rede Natura, que o governo anterior deixou no zero.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Muito bem!
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Este Governo retirou meios às áreas protegidas!
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esperávamos tudo deste debate, menos que o Governo viesse aqui sem nada ter que dizer à Assembleia sobre a sua política de conservação da natureza.
Aplausos do PS.
O Sr. Secretário de Estado veio aqui comentar as intervenções dos Deputados da oposição, como se fosse um comentador e, mais, como se fosse também um historiador. É a nova figura do governante-historiador, que pretende reescrever a história à sua maneira.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Secretário de Estado, alguém escreverá a história da política de conservação da natureza, a dos governos do Partido Social Democrata e a dos governos do Partido Socialista. Preocupe-se antes, Sr. Secretário de Estado, como governante, em governar, em apresentar medidas concretas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Dessas, não ouvimos falar aqui, ao longo deste debate.
Aplausos do PS.
Ouvimos falar, isso sim, de recuos da política de conservação da natureza, como é o caso da Lagoa da Vela, ouvimos falar de recuos em relação a planos de ordenamento da orla costeira postos a discussão pública, relativamente aos quais o Sr. Secretário de Estado pretende desresponsabilizar-se.
Vozes do PS: - Zero!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, o Governo aprovou um decreto-lei, a propósito da reclassificação retroactiva das áreas protegidas,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Incrível!
O Orador: - … onde se diz, no seu preâmbulo, que recebeu cinco planos de ordenamento de áreas protegidas em condições de se proceder à abertura do período de discussão pública.
A pergunta que lhe faço é muito simples, Sr. Secretário de Estado: por que é que o Governo, que recebeu estes planos prontos, ainda não os pôs à discussão pública? Ao menos isso, Sr. Secretário de Estado!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A história será feita e, então, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, veremos o saldo daquilo que será a actuação deste Governo e daquilo que foi a actuação do governo de que V. Ex.ª foi um dos responsáveis.
Relativamente ao decreto-lei retroactivo, muitos gostariam que ele não existisse, designadamente aqueles que se aproveitariam da circunstância de que os planos de ordenamento das áreas protegidas tivessem caducado. Mas este Governo, corajosamente, enfrentou esses interesses, como está a enfrentar outros.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!
O Orador: - Relativamente aos cinco planos que o Governo encontrou em condições de submeter a audição pública, devo dizer-lhe que eles estavam, de facto, preparados tecnicamente, mas não resistiram, designadamente, à concertação com as autarquias locais.
O Sr. José Sócrates (PS): - Concertação?!
O Orador: - Desloque-se V. Ex.ª à Câmara Municipal de Almada, à Câmara Municipal de Sesimbra, à Câmara Municipal de Setúbal e veja se esses planos mereciam aceitação, sendo certo que V. Ex.ª deveria saber que
Página 2587
2587 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
plano que não tem aceitação pública e que não tem aceitação pelos actores públicos que os têm de executar é um plano falhado, como foram todos os planos até aqui.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Onde é que estão?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre a gestão das áreas protegidas, está encerrado.
Tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, a Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues.
A Sr.ª Maria Elisa Domingues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a recente revelação pública de práticas pedófilas na Casa Pia de Lisboa e de uma possível rede organizada com vista a utilizar crianças para a prática desses crimes tem merecido uma ampla cobertura por parte da comunicação social, que, aliás, havia já publicado informações nesse sentido, há data em que - pensa-se hoje - se iniciaram os factos, isto é, em 1982.
Infelizmente, essa denúncia não teve, então, como consequência, por parte dos poderes constituídos, a investigação sistemática e aprofundada que, a ter existido, poderia, pelo menos, evitar que os abusos sexuais se prolongassem por um tempo que ainda não é possível contabilizar.
Este Parlamento expressou ontem o seu repúdio unânime por esses crimes repugnantes e o Governo tomou medidas que se impunham, garantindo que será apurada toda a verdade, custe o que custar, doa a quem doer, e também - o que é da maior importância - constituindo equipas de apoio psicológico às crianças, às suas famílias, aos educadores e aos ex-alunos da Casa Pia.
O papel dos ex-alunos tem sido determinante. Abusados sexualmente no passado, ainda crianças ou no princípio da adolescência - idade crítica em que a fragilidade é máxima, em que a normal latência da sexualidade costuma ser vivida de forma saudável, apenas através da componente imaginária… Essas crianças, esses adolescentes viveram um rito de iniciação sexual não através do amor livre e consentido que os tornaria em cidadãos responsáveis, mas sofrendo uma ruptura brutal com a agravante de ela ser perpetrada por alguém próximo, em quem confiavam, um condutor de carrinha, um preceptor, outro qualquer adulto de uma instituição que os acolhia e que devia, na medida do possível, suprir a falta do pai, da mãe ou de ambos.
Além do sentimento de perda, esses meninos passaram a viver com uma sexualidade organizada a partir dos abusos, da violência, da humilhação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
Vozes do PCP: - Isto é uma interpelação à Mesa?!
A Oradora: - Como diz o pedopsiquiatra Pedro Strecht no livro Crescer Vazio, quando estas crianças crescem e entram na adolescência, a compulsão à repetição pode levá-las à eternização da humilhação e dos desapontamentos da infância, agora mais facilmente traduzidos em comportamentos sexualmente agidos.
Os homens que hoje vêm testemunhar esconderam durante 10 ou 20 anos a sua vergonha, sentimento que acompanha estes processos traumáticos, em que cada menino abusado tem tendência a pensar que é o único a quem aquilo aconteceu.
Françoise Dolto, a célebre psicanalista francesa, compara, aliás,…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues, quer esclarecer o conteúdo da sua interpelação à Mesa?
A Oradora: - Sr. Presidente, creio que este assunto é demasiadamente importante - o que, aliás, ficou ontem provado pelo voto aqui expresso - pelo que gostaria que o Sr. Presidente me deixasse concluir para que possa ser escutado pelos meus colegas.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o que acontece é que ontem tivemos um debate sobre esta matéria.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isto não pode ser! Temos um Regimento!
A Oradora: - Sr. Presidente, penso que aquilo que vou dizer a seguir, e que tem a ver, fundamentalmente, com o comportamento dos media neste caso, ainda não foi objecto de discussão neste Parlamento.
O Sr. Presidente: - Então, Sr.ª Deputada, vou dar-lhe a palavra, mas peço-lhe para abordar essa questão em concreto e para não fazer divagações sobre a matéria.
A Oradora: - Vou ser breve, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É que tenho de respeitar o Regimento, Sr.ª Deputada, e os seus colegas das diferentes bancadas não estão nada satisfeitos com a presente situação.
A Oradora: - Sr. Presidente, penso que os meus colegas também estão sensibilizados para esta matéria.
O Sr. Presidente: - Não dão sinais disso, infelizmente.
A Oradora: - Vou ser muito breve, Sr. Presidente.
Só queria lembrar que até Françoise Dolto, que é uma célebre psicanalista francesa que tem estudado estes casos, compara esse período da adolescência à lagosta que perde a sua carapaça: ela esconde-se, então, debaixo dos rochedos até segregar uma nova carapaça que lhe devolva as defesas.
Se, enquanto são mais indefesos, os meninos são violentados sexualmente, ficam feridos para sempre. Uma carapaça poderá cobrir as feridas, mas não as apagará jamais.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues,…
A Oradora: - Vou já entrar no assunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Eu pedia-lhe, talvez, que saísse…
Risos.
Página 2588
2588 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Que saísse do tema, que concretizasse a questão que quer colocar, porque tenho de respeitar o Regimento, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Sr. Presidente, o que ia dizer é que esses homens que temos ouvido vêm pedir que se faça justiça - a mesma justiça que todos exigimos. Mas uma coisa é o papel da justiça, a quem compete ouvir tantas testemunhas quantas for necessário para apurar toda a verdade, por mais tenebrosa que ela seja; outra coisa é o papel dos media.
E os media, no seu desejo de informar, têm, porventura, nos últimos dias, confundido a sua missão com a da justiça. Falo, especialmente, das televisões.
Com efeito, nos principais telejornais, às 20 horas, as diversas televisões têm denunciado o nome de cidadãos que poderão, ou não, fazer parte da lista dos abusadores e divulgado numerosos depoimentos com pormenores dos actos praticados, que não creio serem indispensáveis ao esclarecimento da verdade e que podem, pelo contrário, alimentar um "voyeurismo" mórbido.
Ora, se é imperativo punir os que abusaram os meninos da Casa Pia ou outras instituições semelhantes - e não será difícil imaginar que, depois deste caso, outros homens violentados no passado, noutras instituições, sentirão o mesmo apelo de consciência para testemunhar -, é também imperativo respeitar as centenas de milhares de crianças e de adolescentes que, às 20 horas, assistem aos telejornais, muitas vezes sozinhas diante do seu televisor e que não têm capacidade para apreender ou compreender certos vocábulos, mas têm, sim, sensibilidade e intuição para apreender o horror.
O pesadelo que estamos a viver não pode sobrepor-se à responsabilidade colectiva que temos não só perante os meninos da Casa Pia, mas perante todos os meninos deste país. Não podemos permitir que a relação de confiança desses meninos com os seus professores, com os funcionários das escolas, com os vizinhos se transforme em relação de medo. Não podemos transformar cada adulto num suspeito.
As televisões sabem que, pela força que têm, as imagens e a palavra brutal dita em directo sem a mediação da escrita têm uma responsabilidade única e muito pesada. Sabem que é possível…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues, desculpe, mas não posso continuar a permitir-lhe o uso da palavra.
Se não terminar imediatamente, terei de lhe retirar a palavra.
A Oradora: - Sr. Presidente, para concluir, queria pedir às televisões se não seria possível transmitir as informações mais chocantes, que certamente continuarão a surgir a propósito deste e de outros casos, em horários mais apropriados.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues, se, porventura, tivesse centrado a sua intervenção sobre o último ponto a que se referiu, ela não teria causado o incómodo que causou nas diferentes bancadas e não me obrigaria até a ter de pedir desculpa a todos os Srs. Deputados, porque, perante o facto de, efectivamente, eu não estar a respeitar o Regimento - pelo que peço desculpa -, disse não estarem a mostrar interesse por este assunto, o que não é verdade. Ainda ontem, todas as bancadas manifestaram o seu interesse e o seu repúdio pela situação a que a Sr.ª Deputada fez hoje referência.
Quanto ao tema que a Sr.ª Deputada hoje nos trouxe, relativo ao modo como os media estão a tratar este assunto, penso que é, de facto, relevante e espero que a sua observação não caia em "ouvidos de mercador" por parte dos responsáveis mediáticos.
Entretanto, vários Srs. Deputados pediram a palavra.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pedi para usar da palavra, porque, de facto, nos apercebemos - não por insensibilidade, mas pelo contrário -, como o Sr. Presidente agora sublinhou, de que a Sr.ª Deputada trazia à Câmara uma questão muito relevante.
Essa questão deve ser discutida. Muitas das asserções que a Sr.ª Deputada Maria Elisa fez são de equilíbrio e prudentes, mas outras, numa troca de impressão na direcção da bancada, parecem-nos excessivas e até inapropriadas, uma vez que a comunicação social tem desempenhado, nesta matéria, um papel de absoluto contributo e de grande utilidade para, por um lado, trazer ao centro da agenda decisional questões que não estavam lá e deviam estar e, por outro lado, permitir uma discussão democrática sobre um tema que é melindroso mas não pode ser tabu.
Isso quer dizer, Sr. Presidente, que podemos discutir essa questão. Nenhuma questão deve ser tabu na Assembleia da República. No entanto, devemos cumprir as regras de debate plural, que presidem ao funcionamento desta Câmara.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É evidente!
O Orador: - Pela nossa parte, gostaríamos, não sob a forma de uma interpelação, de nos referir a este tema pela boca do Deputado que escolheremos. E estamos completamente disponíveis para fazer esse debate de imediato.
A ordem do dia de hoje não é muito longa. Julgo que os partidos que têm inscritos temas na ordem do dia estariam disponíveis para comprimir ligeiramente o debate desses temas, que são importantes, a favor da introdução desta questão.
É que se a Assembleia da República vai apelar alguma coisa aos media portugueses, bom é que o faça a várias vozes e não apenas a uma, por mais respeito que eu e a minha bancada tenhamos- e temos - pela contribuição da Sr.ª Deputada Maria Elisa.
Portanto, Sr. Presidente, em suma, proponho que atinjamos um consenso para, nos próximos minutos, sem grande gasto de tempo, cruzarmos opiniões e, porventura, convergirmos em algum apelo a que tudo se continue a fazer como se deve fazer, mas em condições que todos possamos dizer criativamente quais devam ser.
É esta a nossa proposta.
Página 2589
2589 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. Registo a sua proposta e talvez seja possível atender ao que propõe.
Quanto à substância das opiniões da Sr.ª Deputada Maria Elisa Domingues, é óbvio que são opiniões subscritas pela própria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que as questões aqui trazidas pela Sr.ª Deputada Maria Elisa são importantes, que, como o Sr. Presidente teve oportunidade de reafirmar, preocupam todos nós e merecem seguramente um debate alargado sobre um tema que não é simples, é complexo, delicado e sobre o qual há ponderações diferenciadas. Tal como disse o Deputado José Magalhães, há questões que a Sr.ª Deputada aqui trouxe que merecerão o nosso acordo, enquanto há outras que não o merecem pela forma como foram tratadas.
Em todo o caso, a questão não é esta, é a de que todos os Srs. Deputados conhecem ou têm obrigação de conhecer o Regimento e nenhum Sr. Deputado, por mais que atribua a si próprio alguma relevância excepcional no plano social ou no plano público, pode introduzir uma matéria à margem e contra o próprio Regimento que, aliás, a Mesa está obrigada a observar.
Pela nossa parte, estamos disponíveis para o debate, no momento em que for considerado apropriado, nos termos regimentais que permitam intervir todos os grupos parlamentares e todos os Deputados que o queiram, de forma atempada, igual e ponderada sobre um tema de tão grande complexidade. Mas, sob esta forma, não, Sr. Presidente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, foi com alguma surpresa que ouvimos uma interpelação, escrita e lida durante 6 minutos, sobre esta matéria. Discutimo-la ontem, fizemo-lo bem.
Pela nossa parte - e estou certo que é a atitude de todas as bancadas -, estamos disponíveis para discutir este problema em qualquer dia de Plenário, em todos os dias de Plenário, para acompanhar, com a sensibilidade e a sensatez necessárias, um dos crimes mais bárbaros de que Portugal teve conhecimento. Estamos disponíveis para fazê-lo, mas nas condições próprias do debate político plural que exclui métodos expeditivos à margem do Regimento, aos quais, portanto, não nos associamos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Evidentemente!
O Orador: - Contudo, manifestamos obviamente todo o acordo - e repito, Sr. Presidente - para que, em todas circunstâncias, todos os dias até que se faça justiça, todos os dias até que o País esteja convencido que o sistema de justiça não se cala como fez no passado durante os últimos 20 anos. Para que possamos contribuir positivamente para a solução deste problema.
Naturalmente, acompanhamos a preocupação sobre a presunção da inocência, sobre a protecção das vítimas e, em particular, sobre a protecção das crianças ou dos que hoje são adultos e vêm testemunhar em relação às violências de que foram vítimas.
No entanto, Sr. Presidente, também quero deixar muito claro que a nossa bancada não se associará, em nenhuma circunstância, a qualquer ponto de vista censório ou proto-censório. O que dizemos aos órgãos de comunicação social, e as regras que queremos impor a quem tem responsabilidades públicas de qualquer tipo, é que este princípio elementar de presunção da inocência vigora às 8 horas da noite como vigora às 11 horas da noite, não tem horários que diferenciem a obrigação de dizer a verdade, a obrigação de proteger as vítimas, a obrigação de proteger a privacidade.
Por isso mesmo, não há, não deve haver, não devemos contribuir para que haja nenhuma limitação à obrigação que a comunicação social tem, como temos todos, de contribuir para o esclarecimento da verdade, de contribuir para que se faça justiça em relação a todos os culpados. Não quero deixar de o dizer, porque essa é a substância do assunto para o qual fomos agora convocados.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, interpelo V. Ex.ª no sentido de dizer que, obviamente, da minha parte, não há nenhuma crítica à tolerância com que V. Ex.ª permitiu que os vários grupos parlamentares se pronunciassem nesta circunstância.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não?!
O Orador: - Vai ver que concordo consigo, Sr. Deputado Lino de Carvalho!
Devo dizer que este tema suscitado pela Sr.ª Deputada Maria Elisa preocupa a minha bancada. Inclusive, hoje, numa eleição que decorre no seio do meu grupo parlamentar, eu próprio coloquei como primeiro tema para debate esta preocupação com a violência nos media que, de resto, foi um tema fundamental das nossas jornadas parlamentares, para as quais estava convidada a Sr.ª Deputada Maria Elisa, que não esteve presente por se encontrar ausente no estrangeiro.
Partilho a preocupação da Sr.ª Deputada, penso que este é um tema importante, essencial, que poderemos discutir no futuro. No entanto, tem um registo chocante que vai mais além do que a suspeita. Creio que a protecção principal deve ser dada às crianças cujas imagens por vezes são utilizadas e tenho as maiores dúvidas acerca da utilização que é feita.
Portanto, há que ter preocupação sobre a importância do tema e dos debates que faremos no futuro.
No entanto, Sr. Presidente, concordando com o Sr. Deputado Lino de Carvalho, em função do cumprimento do Regimento e até da possibilidade de os grupos parlamentares se prepararem com tempo para um debate sobre esta matéria, creio que o mesmo deverá ser feito em momento próprio, cumprindo o Regimento e os direitos de agendamento de cada um dos grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Página 2590
2590 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é óbvio que, nesta Câmara, todos os partidos sem excepção estão preocupados com a questão que abalou a opinião pública portuguesa, que chocou o País, e todos os partidos sem excepção manifestaram unanimidade em torno desta matéria, designadamente no modo como, ontem, tomaram posição sobre o assunto.
Tal não merece qualquer dúvida da parte de ninguém, como não há nenhuma dúvida sobre a possibilidade de o assunto suscitar um outro conjunto muito vasto de questões que podem ter a ver com o modo como a comunicação social aborda ou não a questão, com a violência, com a reinserção social, enfim, um vastíssimo conjunto de questões suscitadas por este problema.
Coisa bem diversa, contudo, é a forma como a questão aqui foi tratada hoje. É que, Srs. Deputados, não está em causa se o assunto merece ou não atenção. É óbvio para toda a gente que a merece, é óbvio que suscitou debate e participação, como aconteceu ontem. É igualmente óbvio que algumas questões, designadamente o papel da comunicação social, têm de ser tratadas com cuidado, não significando isso alguma forma de censura, na medida em que, nestes casos mais delicados, o bom senso que tem de pautar a intervenção da comunicação social não dispensa o seu papel na abordagem de questões que significaram sofrimento silenciado durante demasiados anos.
O respeito que nos merece o assunto, o respeito que nos merecem essas crianças, o respeito que nos merecem todos os interventores no processo, designadamente a comunicação social, pensamos que também o merece esta Câmara por parte de todos os Deputados sem excepção. Ora, a forma utilizada não é seguramente, Sr.ª Deputada do PSD, sinal de respeito por esta Câmara.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Lino de Carvalho (PCFP): - Não há nenhuma estrela de cinema neste Plenário! Há Deputados, todos com direitos iguais!
O Sr. Presidente: - Penso que não vale a pena enveredarmos por esse debate. Todas as bancadas puderam exprimir-se.
Do que aqui foi dito, julgo que pode extrair-se que o tema que, no final da sua intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Elisa trouxe à consideração do Parlamento merece ser reflectido e bem poderá ser objecto de um debate de urgência a agendar posteriormente. Quanto ao modus faciendi - eu próprio me penitencio e certamente também a Sr.ª Deputada Maria Elisa -, efectivamente não respeitámos o Regimento. A minha obrigação é fazê-lo respeitar e respeitá-lo eu próprio.
Uma vez mais quero deixar claro que toda a Câmara acompanha com a maior preocupação o andamento deste assunto, o que, aliás, foi expresso no voto apresentado ontem e que aprovámos por unanimidade.
Se a questão voltar a ser suscitada por iniciativa de um grupo parlamentar, voltaremos a ela, mas, hoje, creio que não valerá a pena prolongar a discussão.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 50 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 37 a 46 do Diário.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Aproveito para voltar a chamar a atenção da Câmara para a eleição dos juízes do Tribunal Constitucional que ainda decorre.
Vamos passar à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 21/IX - Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos (BE) e 22/IX - Altera o artigo 169.º do Código Penal e adita novo artigo nas matérias referentes ao tráfico de pessoas (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda procura utilizar os instrumentos regimentais para fazer valer as suas preocupações nesta Câmara. Nesse sentido, apresentamos estes dois projectos de lei para discussão conjunta.
O tráfico de pessoas é, em nosso entendimento - e penso que todos partilham esta posição -, um dos fenómenos mais chocantes dos nossos tempos e das nossas sociedades. Como sabemos, são fenómenos que se inserem no que têm sido mecanismos de recomposição e de transformação que têm decorrido nas últimas décadas sobre os processos de migração internacional que ocorrem num contexto de fechamento e de implementação de políticas de imigração zero que têm vindo a ser gizadas nas sociedades afluentes do norte da Europa.
De facto, as sociedades do hemisfério norte têm-se transformado crescentemente em sociedades barricadas contra as expectativas legítimas dos migrantes do Sul no sentido de melhorarem as suas vidas, migrantes esses que fogem da guerra, da miséria e da fome e de países que, às vezes, pura e simplesmente não têm saídas de emergência para que eles possam melhorar as suas vidas.
Quando falamos de tráfico de pessoas, falamos de novos tipos de criminalidade organizada e falamos de redes criminosas que têm uma capacidade de acção que é crescentemente transnacional. Serão estas, talvez, as redes de tráfico e exploração de pessoas que mais nos chocam e indignam porque são as que tiram proveito da vulnerabilidade e das expectativas dos candidatos à migração nos países do Sul e de Leste e porque, durante este processo, exercem níveis de coacção, de violência e de exploração que vêm desafiar as imaginações mais pessimistas quanto à violência que pode ser exercida sobre seres humanos.
Os projectos de lei que o Bloco de Esquerda hoje propõe para discussão nesta Câmara procuram exactamente dotar Portugal e o Estado português dos instrumentos legislativos que possam permitir responder a estes aspectos humanos mais dramáticos, mediante a aplicação de um conjunto de medidas no sentido de proteger as vítimas de tráfico de pessoas.
O segundo projecto de lei que apresentamos para discussão conjunta propõe que se proceda a uma clarificação e a uma especificação do que são as tipologias legais inscritas no Código Penal, de modo a responder à forma como a exploração de vítimas de tráfico de pessoas se processa actualmente no nosso país.
Página 2591
2591 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Assim, o projecto de lei n.º 21/IX, o primeiro que apresentamos, pretende, no essencial, definir o tal conjunto de medidas que permita corrigir o que nos parece ser uma matriz eminentemente repressiva no actual modelo de controlo de fronteiras em Portugal, modelo esse que, no essencial, tende a negligenciar o que nos parece fundamental, ou seja, tende a negligenciar a criminalização da exploração de imigrantes e que, normalmente, se esquece de atender à necessidade de proteger as vítimas destas redes. Isto porque sabemos que existe um vazio absoluto na legislação portuguesa no que toca às medidas de protecção à vítima do tráfico de pessoas.
Estas vítimas, quando apanhadas pelas instituições judiciais, tendem a ser consideradas infractores e, nesta medida, são expulsas do País em razão de se encontrarem em situação irregular.
É verdade que, nesta matéria, há legislação que dispensa a posse de visto de residência ou de permanência àqueles que colaborarem nos processos de justiça que levem a procedimentos criminais, mas convenhamos que, no essencial, esta parece-nos ser uma medida avulsa e que, acima de tudo, só premeia a colaboração com o processo judicial e não cuida do que nos parece dever ser a necessária protecção à vítima destas redes.
Assim, no sentido de colmatar o que nos parece ser uma lacuna grave na legislação portuguesa, propomos um conjunto de medidas, essencialmente seis.
Uma das medidas propostas pretende criar gabinetes de apoio jurídico que sejam coadjuvados por linhas de apoio telefónico que possam dar informação jurídica e fazer o encaminhamento a estas vítimas das redes de tráfico de pessoas.
Em segundo lugar, pretende-se assegurar às vítimas do tráfico de pessoas a permanência no País durante as diligências relativas aos processos em que estão implicadas ou que tenham acesso a autorização de residência nos termos da lei.
Em terceiro lugar, parece-nos importante dar assistência jurídica a estas vítimas no sentido de garantir todos os seus direitos e as suas liberdades e, assim, poderem constituir-se como assistentes no processo criminal e, também, como parte no processo cível.
Em quarto lugar, propomos que sejam garantidas as possibilidades de indemnização e reparação de danos que estas vítimas sofreram às mãos da rede de tráfico de pessoas.
Em quinto lugar, pretende-se garantir a assistência de um tradutor durante o processo, o que permite quebrar o isolamento das vítimas quando embrenhadas nas redes de tráfico de pessoas.
Também a nível institucional, o Bloco de Esquerda propõe, no essencial, duas medidas, que nos parecem fundamentais e urgentes, de modo a que as entidades estatais que lidam com estas pessoas possam dar uma resposta adequada. Assim, defendemos a promoção de acções de formação sobre as dimensões dos processos de tráfico de pessoas para os profissionais, técnicos de saúde, polícias e inspectores do trabalho, que lidam ou que podem deparar-se com estas situações e, em segundo lugar, a criação da bolsa nacional de tradutores de apoio.
Todas estas medidas que acabo de elencar, se calhar de uma forma um pouco alongada, partem, a nosso ver, de uma constatação óbvia: quanto menos forem os direitos e os apoios dados às vítimas das redes de tráfico de pessoas mais vulneráveis ficam estas pessoas perante os processos de violência, coação e exploração, que são absolutamente inaceitáveis. Portanto, a nosso ver, trata-se de dar maior densidade e sustentação ao que é nada mais nada menos do que um combate em nome da protecção dos direitos humanos.
No que toca à segunda iniciativa legislativa que aqui trazemos, o projecto de lei relativo à alteração do artigo 169.º do Código Penal e ao aditamento de um artigo, o Bloco de Esquerda pretende, no essencial, dar uma relevância penal às especificidades e características das formas de exploração referentes ao tráfico de pessoas. E assim, tão simples quanto isto, pretendemos distinguir os processos de tráfico de pessoas com vista à exploração sexual, com toda a gravidade que estes processos, em geral, assumem, de um crime de tráfico, de um cariz mais geral, que não está definido na nossa legislação e que nos parece ser necessário desagregar daquilo que está já lá inscrito.
Ora, é perante os casos de exploração e de escravatura, que se multiplicam nos últimos tempos nos nossos jornais, que é necessário, a nosso ver, providenciar ao Estado português este conjunto de instrumentos legislativos, porque está na altura, pensamos, de o Estado assumir as medidas necessárias e urgentes que aqui advogamos.
É apenas este, e só, o desafio que o Bloco de Esquerda deixa hoje a esta Câmara.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, tendo em conta o vosso projecto de lei n.º 22/IX, gostava de colocar-lhe uma questão, que tem a ver com a alteração do artigo 5.º do Código Penal.
O actual artigo 5.º do Código Penal, na sua alínea b), prevê uma afloração do princípio da aplicação universal da lei penal ou o princípio do direito mundial ou o princípio da pluralidade da prática do crime, de acordo com o qual o Estado pune todos os crimes cometidos segundo o seu próprio direito, independentemente do lugar onde tenham sido praticados, de quem os cometeu ou de quem é ofendido e ainda independentemente do facto de ser igualmente punível pela legislação do local onde o facto foi praticado.
Sucede que o Bloco de Esquerda, agora, pretende introduzir uma alteração a esta alínea b) do artigo 5.º, integrando nesta alínea b) o artigo 160.º-A, que, por sua vez, seria incluído no Código Penal. Ora, pergunto: porquê? Não percebo, Sr.ª Deputada. É que o n.º 3 do artigo 160.º-A, tal como VV. Ex.as o redigem, já considera o tráfico de pessoas como ocorrido no país de origem, de trânsito ou de destino. E, tendo em conta que o artigo 5.º do Código Penal é uma norma de aplicação territorial da lei penal, pergunto: o que é que pretendem? É que, de duas, uma: ou é redundante, porque estão a inscrever no Código Penal aquilo que já está previsto; ou, não sendo redundante, estão a estabelecer
Página 2592
2592 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
uma nova norma de aplicação territorial da lei penal e, aí, é contraditória.
É este o esclarecimento que pretendia, Sr.ª Deputada.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, não há mais pedidos de esclarecimento?
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, posso pedir-lhe esclarecimentos, mas isso não está previsto no Regimento.
A Oradora: - Não, não, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Além disso, hoje, o Regimento já foi suficientemente "atropelado", inclusivamente por mim próprio.
A Oradora: - Prometo não voltar a invocar o Regimento durante esta tarde, ele já foi suficientemente discutido.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, obrigado pela sua pergunta.
O que pretendemos, essencialmente, com o aditamento deste artigo e com a nossa proposta é, apesar de haver matérias já legisladas e já contidas no Código Penal, fazer aqui uma especificação que possa criar uma densidade jurídica que permita, numa série de penalizações e de crimes já previstos, adequá-lo àquilo que é uma realidade da sociedade portuguesa. Ou seja, o que nós sabemos é que a rede de tráfico de pessoas está a actuar em Portugal (sabemo-lo pelos jornais) e, nesta medida, achamos ser necessário dotar a legislação penal portuguesa daquilo que é uma especificação face a novos fenómenos que estão a surgir.
Vozes do BE: - Muito bem!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, certamente por lapso, a Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda respondeu-me quanto à substância do projecto de lei, ou seja, principalmente em relação aos artigos 160.º-A e 169.º, quando eu me referi ao artigo 5.º do Código Penal, que nada tem a ver com o crime em si, que o Bloco de Esquerda pretende consagrar, mas, sim, com o local da prática do crime. Ora, como em relação a isso a Sr.ª Deputada nada disse nada, seria bom que esclarecesse a Câmara.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A Sr.ª Deputada respondeu como muito bem entendeu!
O Sr. Presidente: - Bom, eu posso fazer de núncio, transmitindo a pergunta do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, para o caso de a Sr.ª Deputada Ana Drago pretender responder quanto ao artigo 5.º. Mas o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo colocou uma questão um pouco especiosa…
Pausa.
Então, já que a Sr.ª Deputada não pretende responder, pergunto ao Sr. Deputado Relator se, porventura, quer apresentar o relatório elaborado na 1.ª Comissão sobre estes dois projectos de lei. Uma vez que está prevista no Regimento a possibilidade de o relator da comissão apresentar o relatório e que estes projectos de lei foram objecto de um relatório em sede de 1.ª Comissão, o relator poderá fazê-lo.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): - Fá-lo-ei na minha intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. De qualquer modo, chamo a atenção da Câmara para que, relativamente a estes dois projectos de lei, existe um relatório e parecer da comissão competente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a debater, por iniciativa do Bloco de Esquerda, questões jurídicas de alguma complexidade. São elas a adopção de medidas para a protecção das vítimas de tráfico de seres humanos, a alteração do artigo 169.° do Código Penal, a fim de nele consagrar novas formas para a prática do respectivo crime, e ainda o aditamento de um novo tipo legal de crime, que, para além da exploração sexual, consagraria também a forma da prática deste crime, sob o ponto de vista da exploração do trabalho.
Estas são as questões jurídicas. Mas nenhuma questão jurídica, designadamente na área do processo penal, pode deixar de assentar em questões de relevo social.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E estas assentam em questões de grande e profundo relevo social. São elas, naturalmente, as que dizem respeito à imigração e às pessoas que, à procura de melhores condições de vida, caem nas malhas de redes internacionais de alta criminalidade.
Isto porque, conforme refere a Organização Internacional para as Migrações, 4 milhões de pessoas caem anualmente em redes desta natureza, ao comprarem documentos falsos ou vistos de entrada em países terceiros.
Mais recentemente, o relatório anual americano do Departamento de Estado para combater o tráfico de pessoas, tornado público em 5 de Junho de 2002, refere que entre 700 000 e 4 milhões de pessoas foram vítimas do comércio de seres humanos durante o ano passado, tendo por destino a prostituição forçada, a escravatura ou o ingresso de crianças nas forças armadas.
Ao nível da União Europeia, já em 1997, o Conselho adoptou uma acção comum contra o tráfico de seres humanos e exploração sexual de crianças - a Acção Comum 97/154/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 1997.
Página 2593
2593 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Salienta-se ainda o Tratado de Amesterdão e o Plano de Acção de Viena, de 1998, que vieram proporcionar uma base sólida para as acções contra o tráfico de seres humanos.
Ainda de acordo com o Parecer do Comité Económico Social Europeu sobre a política de Comunidade em matéria de imigração, aprovado na reunião plenária de 11 a 12 de Julho de 2001, é manifestada a preocupação de que é necessário lutar contra as organizações de tráfico de seres humanos.
De sublinhar que as conclusões da Presidência, adoptadas no Conselho Europeu de Sevilha, de 21 a 22 de Junho de 2002, foram no sentido de prosseguir a luta contra o tráfico de seres humanos, recomendando-se que as medidas tomadas a curto e médio prazo para a gestão conjunta dos fluxos migratórios devam respeitar um bom equilíbrio entre, por um lado, uma política de integração dos imigrantes legalmente estabelecidos e uma política de asilo que respeite as convenções internacionais, principalmente a Convenção de Genebra de 1951, e, por outro lado, uma luta determinada contra a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos.
Decisivo no âmbito deste plano, o Conselho Europeu de Sevilha lançou um apelo ao Conselho e à Comissão, para que conferissem "absoluta prioridade" às medidas previstas nesse plano, entre as quais se incluía a aprovação formal da decisão-quadro relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, sendo que nesta o tráfico de seres humanos é encarado como um crime contra a pessoa humana, sob dois aspectos distintos desse tráfico (e isto vem ao encontro da iniciativa do Bloco de Esquerda): a exploração sexual e a exploração de mão-de-obra.
Os direitos das vítimas de crime foram incluídos no referido Plano de Acção sobre Liberdade, Segurança e Justiça da Comissão Europeia e Conselho de Ministros da União Europeia, em Viena, em Dezembro de 1998. Na sequência, a Comissão Europeia adoptou, em 14 de Julho de 1999, uma Comunicação do Parlamento Europeu ao Conselho e ao Comité Económico Social sobre Vítimas de Crime na União Europeia, com vista ao estabelecimento de acções e padrões de actuação e reflexão.
Em Portugal, a situação factual vem bem descrita no Relatório de Segurança Interna de 2001, onde se diz que, nesse ano, se verificou um aumento da criminalidade organizada associada à imigração, que se traduz na falsificação de documentos, subtracção de documentos, burlas relativas ao trabalho e emprego, lenocínio, tráfico de pessoas, extorsão e roubo, sequestro, rapto, coacção, ofensa à integridade física graves e mesmo o próprio homicídio.
Perante esta realidade, que, por si própria e pelas proporções que atinge, a todos nos deve indignar e determinar a agir, cabe salientar que, no contexto europeu, não se encontra legislação nacional que proteja especificamente as vítimas de tráfico de seres humanos.
Em Portugal, com vista a colmatar a inexistência de qualquer estrutura de apoio às vítimas de crime, foi criada, em 25 de Junho de 1990, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, de cujas finalidades e actividades distinguiria as seguintes: a promoção e defesa dos direitos e interesses das vítimas de crimes e suas famílias; a prestação de serviços, gratuitos, confidenciais, personalizados e adequados de aconselhamento e apoio emocional, jurídico, psicológico e social aos cidadãos vítimas de crime; atendimento personalizado e encaminhamento adequados aos cidadãos vítimas de crime; promoção e manutenção da rede nacional de voluntariado social; cooperação internacional e interinstitucional com entidades públicas e privadas, designadamente, com as polícias, os tribunais, segurança social, centros de saúde e hospitais, instituições particulares de solidariedade social e outras entidades com competência no apoio às vítimas de crimes e suas famílias; contribuição para a adopção de medidas legislativas e administrativas de defesa dos direitos e interesses das vítimas de crimes e seus familiares; sensibilização e formação de técnicos institucionais, estudantes, forças policiais e outros grupos socioprofissionais na área da vitimologia e do apoio à vítima do crime.
Daqui se retira a óbvia conclusão de que nas vítimas de crimes, a quem cabe todo o apoio acabado de descrever, se incluem naturalmente as do crime de tráfico de seres humanos.
Existindo, por isso, já uma estrutura que, podendo embora não dar toda a resposta ao agora pretendido, tem a flexibilidade necessária na área das suas diversas competências para o poder fazer. Isto, para já não falar na Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para a protecção de testemunhas em processo penal; no Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que prevê o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos, disciplinando a concessão de indemnização, por parte do Estado, a essas vítimas; no Código Civil que, no seu artigo 403.º e seguintes, consagra o regime de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos; e no Código de Processo Penal, nomeadamente os artigos 69.º e 74.°, que consagram, respectivamente, o direito de constituição de assistente e a legitimidade para deduzir pedido de indemnização cível.
Já quanto à pretendida alteração do artigo 169.° do Código Penal, por via do alargamento do seu tipo, bem como do aditamento de um novo tipo legal do crime de tráfico de pessoas, agora enunciado sob o ponto de vista da exploração do trabalho, cabe referir as sucessivas alterações que o mesmo tem sofrido desde 1982 - designadamente através do Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março, da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, e da Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto -, por forma a alargar o seu âmbito, adaptando-o às novas e sucessivas realidades.
Por esta realidade ter vindo a sofrer novas alterações, o Governo apresentou na Assembleia da República, em 11 de Junho do corrente ano, a proposta de lei n.º 10/IX, que consubstancia um pedido de autorização legislativa para alterar o regime que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, previsto no Decreto-lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, sendo que no seu artigo 2.° se prevê o aperfeiçoamento do respectivo regime sancionatório das infracções criminais, a tipificação das medidas acessórias e a criação e o alargamento dos mecanismos de responsabilização de pessoas colectivas e equiparados.
Na concretização destas prerrogativas, o Governo elaborou já um projecto de alteração ao Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, cujo Capítulo X, sob a epígrafe "Disposições Penais", prevê, entre outras disposições, a responsabilidade penal e civil das pessoas colectivas e equiparadas
Página 2594
2594 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
(artigo 134.°), o auxílio à imigração ilegal (artigo 135.°), entrada, permanência e trânsito ilegais (artigo 136.°), a violação da medida de interdição de entrada (artigo 136.°-A) e o auxílio à investigação (artigo 137.°-B).
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino dizendo que a bondade do projecto de lei relativo à protecção das vítimas de tráfico de seres humanos tem já consagração legal, da qual se poderá, e deverá, tirar todo o partido no sentido de apoiar todos aqueles que, à procura de melhores condições de vida, caem nas mãos de organizações criminosas internacionais,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - … e, ainda, que a bondade do projecto de lei que pretende ver alterado o artigo 169.° do Código Penal e a ele ser aditado um novo tipo legal está a fazer o seu caminho, que será breve, devendo, assim, evitar-se a nossa tão particular tendência para a duplicação e, por vezes, incoerência legislativa.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Quanto ao objecto da presente discussão conjunta, ele é, obviamente, da maior importância e, no que toca à oportunidade, também me parece que tem toda a actualidade. Diferente é saber se as soluções propostas pelo Bloco de Esquerda são as ideais no sentido da conciliação da necessidade de protecção das vítimas de tráfico de seres humanos e da punição de quem promove este tráfico com a lógica transnacional no tratamento da questão e, dentro desta, com a estratégia do Estado português.
Começa o Bloco de Esquerda, na fundamentação do projecto de lei n.º 21/IX, por afirmar que, de entre 20 a 30 milhões de imigrantes clandestinos que se estima haver no mundo, é difícil calcular quantos são vítimas de tráfico. Aparentemente não será bem assim, a avaliar pelo que diz o Instituto de Investigação Criminal Inter-regional das Nações Unidas; ou seja, segundo este Instituto, calcula-se em cerca de 4 milhões/ano as pessoas que são traficadas, e, por seu lado, a Organização Internacional para as Migrações calcula que o número de mulheres traficadas para a Europa Ocidental seja de, pelo menos, 500 000.
De todo o modo, face à dimensão da tragédia, o número será, porventura, o menos relevante; importa, isso sim, combater esta tragédia, mas eficazmente. E, quando se diz que o combate tem de ser eficaz, significa fazê-lo sem demagogias e aproveitamentos políticos.
Queremos crer que não foi nesta lógica que o Bloco de Esquerda se motivou na elaboração dos seus projectos de lei. De todo o modo, o que se verifica é uma indisfarçável carga ideológica no que toca ao seu radicalismo.
Comecemos pelo projecto de lei n.º 21/IX, onde tal é visível, desde logo, no diagnóstico, porquanto o Bloco de Esquerda se apressa em definir e apontar uma causa para todos os males. Qual é essa causa? É a ordem económica mundial dominada pela globalização neoliberal.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Pelo capitalismo!
O Orador: - Esquece, assim, o Bloco de Esquerda que as causas desta tragédia vão muito para além disso; esquece, por exemplo, questões sociais, humanitárias, tragédias naturais e até erros de regime, ignorando, por exemplo, que grande parte do fluxo populacional que hoje se verifica decorre precisamente do atrofiamento causado, durante anos, por regimes ditatoriais comunistas…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … a muitos e muitos povos que são hoje aqueles que mais procuram no estrangeiro a resolução dos seus problemas - e, quanto a estes, nada; quanto à globalização, tudo!
É, portanto, visível este radicalismo, este erro no conceito.
Naturalmente, também é vontade do Bloco de Esquerda incluir nesta discussão a política de imigração definida pelo Governo e que reconduz, quase em exclusivo, à fundamentação do seu projecto de lei n.º 21/IX. Veja-se bem que, no que toca à fundamentação, ela tem a ver quase só com a imigração clandestina, e, com isso, o Bloco de Esquerda ignora, por exemplo, o que a comunidade internacional já acordou consensualmente, desde logo numa convenção que Portugal subscreveu: a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
Desta Convenção decorre expressamente, como na mesma se adverte e como também se pode ler nos trabalhos preparatórios, que o tráfico de seres humanos é um grave problema internacional que transcende, em muito, a ideia redutora que o reconduz à mera introdução ilegal de imigrantes em países que não os da sua origem. O problema do tráfico de seres humanos vai muito para além desta questão.
Assim sendo, falhando necessariamente no conceito e no diagnóstico, o Bloco de Esquerda teria de falhar na solução do seu projecto de lei, o qual começa por ser contraditório em si mesmo, pois não se pode argumentar contra a globalização e, ao mesmo tempo, criticar restrições do Estado em matéria de imigração - isto não é conciliável.
O Bloco de Esquerda que combate a inevitável globalização é o mesmo que participa em manifestações com cidadãos de todo o mundo - curiosamente -, e muitas vezes com prejuízos conhecidos para pessoas e bens desses mesmos lugares por onde passam.
Protestos do BE.
O Bloco de Esquerda que combate a inevitável globalização é precisamente o mesmo que quer abrir fronteiras à imigração de cidadãos de todo o mundo. Também não nos parece que faça muito sentido.
Como não faz sentido que o Bloco de Esquerda critique, por exemplo, na fundamentação do projecto de lei n.º 21/IX, que o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, na alínea f) do artigo 87.º, proteja imigrantes que colaborem com a justiça ao nível da criminalidade organizada e, ao mesmo tempo, no projecto de lei n.º 22/IX, que também está em discussão, invoque a Acção Comum do Conselho da União Europeia relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, sendo que desta Acção Comum decorre expressamente que
Página 2595
2595 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
cada Estado-membro deve assegurar - o quê? - protecção adequada às testemunhas que prestem informações. Ou seja, o BE, num projecto de lei, invoca uma Acção Comum e, no outro, critica uma solução legislativa portuguesa que tem em conta, precisamente, essa Acção Comum. É claro que tal também se pode dever ao facto de o Bloco de Esquerda citar esta Acção Comum, que é, posso dizê-lo porque não cita o número, a Acção Comum 97/154/JAI, de 24 de Fevereiro de 1997, mas desconhecer a Decisão-Quadro 2002/629/JAI, que alterou a dita Acção Comum. Porventura, como não viu a decisão-quadro, desconhece a alteração.
Por outro lado, o Bloco de Esquerda também esquece o óbvio, que esta matéria não pode ser considerada sem uma conciliação com a lei de imigração em vigor e que o Governo já anunciou a pretensão de a alterar expressamente, desde logo em algumas matérias conexas. Alterações que surgirão brevemente, de acordo com a lógica do Governo, ou da maioria, e não com a do Bloco de Esquerda, no tempo do Governo, ou da maioria, e não no do Bloco de Esquerda e, principalmente, com uma visão transnacional moderna e inevitável para o Governo e a maioria e não com uma falsa visão fechada, de quem teve de esquecer, mais ou menos apressadamente, uma internacionalização que, ainda há bem pouco tempo, apregoavam, muito embora por outras razões - e melhor seria que tivesse ficado "perdida" algures, atrás de um Muro, que, por sua vez, também já caiu.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Veja lá se não lhe caem os dentes com a graça!
O Orador: - Para terminar, a propósito do projecto de lei n.º 22/IX, apenas podemos dizer que mais não é do que uma tremenda trapalhada, uma grande confusão. E dizemos porquê, porque o Bloco de Esquerda tenta introduzir no Código Penal um novo artigo, constituindo um novo crime que mais não é do que uma mistura de vários outros crimes que já estão previstos,…
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - … com o inconveniente, óbvio e imediato, o de que teríamos, no mesmo diploma, várias disposições a regularem exactamente a mesma situação.
Esquece, naturalmente, o Bloco de Esquerda os crimes de ameaça, de coacção, de coacção grave, de sequestro, de escravidão, de rapto, de burla, de associação criminosa que, em momento algum, são alterados no seu projecto de lei e que regulam também as situações que pretendem acautelar. E, depois, qual seria o regime a aplicar? Seria, naturalmente, uma grande trapalhada.
Ou seja, com a solução do Bloco de Esquerda teríamos, por um lado, normas que não alteram as que já vigoram e, por outro, um novo artigo a regular, concomitantemente, esta situação.
Concluo, abreviando e esquecendo o muito mais que teria para dizer, porque o tempo já se esgotou, dizendo que estes projectos de lei do Bloco de Esquerda foram feitos apressadamente, foram pouco estudados e pouco trabalhados. Logo, não merecerão a nossa aprovação.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que foi no ano de 2001 que o PCP apresentou um projecto de lei de alteração do artigo 169.º do Código Penal (facto que vem citado no relatório do Sr. Deputado Fernando Negrão). Nessa altura, fê-lo com base numa resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre crime transnacional organizado, que tem um anexo relativo à questão do tráfico de seres humanos, sobretudo mulheres e crianças.
Por acaso, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, em abono da verdade, devo dizer que li os trabalhos preparatórios do comité de peritos e não vi apontadas as causas que o Sr. Deputado referiu.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Elas estão lá! Se quiser eu mostro-lhas, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Não vi, não vi! Mas tenho de aceitar a sua interpretação, e, nesse caso, terei de dizer que o culpado do tráfico de droga é o Estado, que permite que, no seu espaço, seja feita a preparação, através de substâncias químicas, de droga vinda da Colômbia - e, no acaso, o Estado são os Estados Unidos da América! Então, temos de deitar-lhe as culpas do tráfico de droga que nos assola.
Mas, dizia eu, efectivamente, nessa altura, foi feito um estudo sobre o artigo 169.º do Código Penal, que teve a colaboração, em sede de especialidade, na 1.ª Comissão, das associações dos magistrados judiciais e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, no sentido de se encontrar uma redacção para esse mesmo artigo que cobrisse, de facto, algumas situações que pudessem estar a descoberto e permitisse uma melhor perseguição penal em certos casos. E daí surgiu a redacção que hoje temos.
Porém, em relação ao artigo 169.º do Código Penal, o projecto de lei do Bloco de Esquerda não melhora a redacção em vigor quanto às situações de vulnerabilidade da vítima, porque, por exemplo, uma das situações em que a vítima se encontra vulnerável é a da pobreza e esta não estava coberta pela anterior redacção do artigo 169.º. E a "situação de vulnerabilidade" cobre até as situações de exploração na prostituição, que, segundo alguns, nos adultos pode ser voluntária e, nesse caso, não ser crime para quem explora a prostituta. Portanto, com a expressão "situação de vulnerabilidade" cobriu-se essas situações.
Ora, o que o Bloco de Esquerda propõe para o artigo 169.º é redutor, porque, por exemplo, a servidão por dívidas - e percebo por que a mencionam, porque se prevê situações de outros países, em que haja servidão por dívidas, e que poderão ser julgadas aqui - é muito menos do que "situação de vulnerabilidade"; "situação de vulnerabilidade" é, efectivamente, muito mais.
Deste modo, não estou de acordo com o que é proposto para o artigo 169.ºdo Código Penal, pois penso que não melhora a actual redacção, e mesmo o uso da expressão "abusos de autoridade", por exemplo, é muito equívoco e pode levar o intérprete a entender que são necessários muitos abusos. Portanto, prefiro a actual redacção do artigo 169.º do Código Penal.
Página 2596
2596 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Quero, no entanto, dizer que, há pouco, na pergunta que formulou, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo não tinha razão, e vou explicar porquê. O facto de se considerar que o crime foi cometido aqui, ali ou acolá nada tem a ver com a extraterritorialidade, porque Portugal pode ser o país onde nem sequer se iniciou o tráfico, pode até nem ser o país de trânsito ou de destino, e o agente estar cá.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu estava a falar da inclusão do 160.º-A no artigo 5.º do Código Penal!
A Oradora: - Exacto, Sr. Deputado, mas estou a dar-lhe a explicação!
De facto, não é preciso incluir no artigo 169.º do Código Penal que a tentativa é punível, porque já o é pela parte geral, uma vez que a medida da pena é superior a três anos - o máximo. Portanto, como já é punível, seria uma redundância.
No entanto, em relação à questão da protecção das vítimas de crimes, embora haja medidas que já constam de outros diplomas, nomeadamente uma lei de 1991, relativa apenas às mulheres, protegendo-as contra crimes violentos com o gabinete SOS, os gabinetes específicos nas esquadras de polícia, etc., seria favorável a que se aprovasse um estatuto que reunisse as medidas de protecção.
Portanto, o PCP entende que, em sede de especialidade, poderíamos travar um debate sobre estas questões no sentido de melhorar o sistema legal de protecção das vítimas do tráfico.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção não vai ser tão exegética - vai mais no sentido de procurar demonstrar a oportunidade, a urgência e a bondade das propostas hoje em discussão. Desde a adopção da Acção Comum 97/154/JAE do Conselho, relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças, que as acções e iniciativas contra o tráfico de seres humanos têm vindo a desenvolver-se de forma considerável, em termos tanto quantitativos como qualitativos, a nível da União Europeia e também a nível local, regional e internacional num contexto mais amplo.
A Comissão considera que o facto de existirem dois protocolos distintos das Nações Unidas, um sobre o tráfico de seres humanos e outro mais especificamente sobre o tráfico de migrantes, realça a complexidade das diversas formas de movimentações ilícitas de pessoas promovidas pelas organizações criminosas internacionais. Enquanto se pode considerar que o tráfico de migrantes constitui um crime contra o Estado, que envolve frequentemente um interesse mútuo entre o traficante e a pessoa que é introduzida clandestinamente, o tráfico de seres humanos constitui um crime contra a pessoa e implica um objectivo de exploração.
O artigo 1.º da proposta de decisão-quadro, relativo à luta contra o tráfico de seres humanos, fornece a definição de tráfico de seres humanos para fins de exploração da sua força de trabalho. Nestes termos, os Estados-membros deverão punir todas as formas de recrutamento, transporte, transferência ou alojamento de pessoa privada dos seus direitos fundamentais. O artigo 2.º define tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, utilizando elementos, categorias e estruturas idênticos aos do artigo 1.º.
Acresce que a Conferência de Viena sublinhou o quanto importa sensibilizar os funcionários dos serviços de emigração, sobretudo os das embaixadas e consulados encarregados de emitir vistos, por forma a que possam detectar os casos suspeitos antes da emissão de vistos às potenciais vítimas.
Na sequência da Conferência Europeia de Viena, do Congresso Mundial de Estocolmo e dos terríveis acontecimentos que ocorreram na Bélgica, em Agosto de 1996, foram conseguidos progressos consideráveis na luta contra o tráfico de seres humanos. Não somente este assunto passou a fazer parte integrante da agenda política europeia mas igualmente uma série de iniciativas foram tomadas ao nível da União Europeia, em particular no domínio da cooperação policial e judiciária penal e no domínio da imigração e de asilo.
Saliente-se, a propósito, que, entre os pontos positivos introduzidos pelo Tratado de Amesterdão, há que evidenciar a maior eficácia dos instrumentos à disposição em matéria de imigração, de asilo e de cooperação policial e judiciária. De ora em diante os instrumentos comunitários, tais como a directiva ou o regulamento, estarão disponíveis para as problemáticas ligadas ao asilo e à imigração; quanto à cooperação policial e judiciária penal, novos instrumentos surgem, designadamente a decisão e a decisão-quadro.
É indubitável que o Tratado de Amesterdão dá uma nova dimensão às questões que relevam da justiça através de uma dupla ligação desta, por um lado, às noções de liberdade e segurança no plano temático e, por outro, à polícia no plano institucional. Esta dupla ligação faz-se expressamente no artigo 2.º que define os objectivos da União.
O alcance simbólico da tríade liberdade, segurança e justiça é sublinhado por uma repetição, certamente deliberada. Por sua vez, o seu alcance ideológico é manifesto - é a ligação liberdade/segurança que se afirma e que não resultava por si justificada na tradição liberal. A principal ambição, afinal, do Tratado de Amesterdão é sincronizar, de maneira progressiva, o espaço jurídico-judiciário com o espaço de mercado, fazer com que o exclusivo judiciário, especialmente penal, corte o passo a certas formas de criminalidade, também ela sem fronteiras.
No espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia não espanta que o tráfico de seres humanos surja como um dos domínios específicos a privilegiar na luta contra a criminalidade mediante o reforço da cooperação policial e judiciária. É também por isso que o Plano de Acção de Viena permite dar um impulso à aplicação das disposições do Tratado de Amesterdão que reflectem a preocupação de realizar a livre circulação das pessoas em segurança, através de uma calendarização detalhada de acordo com objectivos de curto prazo que darão concretização àquelas disposições.
O Conselho Europeu reunido em Tampere, em 1999, reafirmou o seu empenho no desenvolvimento da União
Página 2597
2597 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Europeia enquanto espaço de liberdade, segurança e justiça. Assim, em matéria de luta contra a criminalidade a nível da União, a política reafirmada em Tampere é da intensificação da cooperação, porque o Conselho Europeu "apela à criação, como primeira medida e o mais rapidamente possível, de equipas de investigação conjuntas, tal como previstas no Tratado, para combater o tráfico de droga e de seres humanos". É, por isso, vital que as acções visando a luta contra o tráfico de seres humanos no interior da União Europeia encontrem apoio nas iniciativas viradas para o exterior. A este respeito é essencial que a União Europeia coopere com as numerosas organizações internacionais, como as Nações Unidas, ou outras organizações regionais, como o Conselho da Europa.
A eficácia real das iniciativas desenvolvidas e colocadas em prática no quadro da União Europeia está em grande parte subordinada à existência de uma cooperação estreita com os países terceiros, em particular os países de origem do tráfico, o que significa, essencialmente, os países em vias de desenvolvimento, os países candidatos da Europa central e oriental, bem como os novos Estados independentes. Aliás, como se sublinha no relatório da 1.ª Comissão, muito douto por sinal, o parecer do Comité Económico e Social Europeu, em matéria de política de imigração, é inequívoco em reiterar que "é necessário lutar contra as organizações de tráfico de seres humanos". E as conclusões da Presidência, adoptadas no Conselho Europeu de Sevilha, em Junho de 2002, reafirmaram uma vez mais a necessidade de uma "luta determinada contra a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos", e lançou até um apelo "à absoluta prioridade" das medidas relativas à luta contra o tráfico de seres humanos, designadamente fazendo valer tais valores e princípios na decisão-quadro a aprovar no próximo Conselho de Justiça e Administração Interna.
As iniciativas apresentadas pelo BE, ora em discussão, vêm, aliás, na linha do que preconizam as instâncias internacionais ao consubstanciarem a luta contra o tráfico de seres humanos e ao incidirem sobre duas vertentes: a penal, ao alterar o artigo 169.º de Código Penal, e a enquadradora do tema, que reflecte as propostas da decisão-quadro, já referida.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Daí que sustentemos o carácter meritório das iniciativas, sem prejuízo da sua aprovação na generalidade, coisa que aqui parece não ir suceder, mas, de todo o modo, parece-nos que pelo menos estas propostas deveriam subir a Plenário sem votação, Srs. Deputados da maioria. Eu sei que os senhores querem pôr lá o nome da Ministra da Justiça por baixo, mas isso não é correcto! Numa coisa que decorre de instrumentos internacionais e que, naturalmente - e nós também o dizemos -, carece de benfeitorias, mas estas não desmerecem e de modo algum justificam aquilo que são os votos rejeitativos liminares que VV. Ex.as aqui já anunciaram, o mais importante seria obter um consenso na Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Daí que sustentemos o carácter meritório das iniciativas, sem prejuízo da sua aprovação na generalidade, que preconizamos, não obstante entendermos que as formulações a adoptar deverão ser, como é, aliás, curial, afinadas em sede de especialidade.
Salvo melhor opinião, na proposta n.º 21/IX, há um tom demasiado proclamatório que nem sempre se compagina com a mais adequada técnica jurídica, e na proposta n.º 22/IX, a que aludiu a Sr.ª Deputada Odete Santos, há igualmente benfeitorias a fazer. No entanto, são coisas que podem ser melhoradas em sede de especialidade, e estou seguro de que os promotores a isso acederão.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando o BE apresentou estes dois projectos de lei pretendia fazer duas coisas, uma delas era estabelecer aquilo que seriam medidas de protecção à vida de tráfico de pessoas.
Ouvi o Sr. Deputado Fernando Negrão e constatei o estudo e o interesse sério que colocou nesta matéria, e agradeço-lhe a sua contribuição e a sua participação, contudo, os vários diplomas que os Sr. Deputado foi aqui enumerando como já existindo e fazendo parte da legislação portuguesa não fornecem, de facto, aquilo que, a nosso ver, é uma resposta social fundamental para apoiar estas pessoas que são vítimas de formas de exploração, de coacção e de violência que nos parece absolutamente inaceitáveis. E é nesta medida que propomos - e elenquei-as na minha primeira intervenção - as tais seis medidas que nos parecem essenciais para que esse apoio seja real.
A segunda coisa que, com estas iniciativas legislativas, pretendíamos fazer era uma especificação penal que permitisse densificar aquilo que é uma série de tipologias criminais espalhadas pelo Código Penal ou que não estão claramente definidas quanto aos novos fenómenos de tráfico de pessoas, especialmente no que toca à exploração de mão-de-obra na área das relações laborais.
É a partir daqui que pergunto ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo se, como dizia, a repetição de configurações criminais no Código Penal não será excessiva. Não sei se podemos considerar uma tortura como uma sucessão de agressões contra a autodeterminação física dos indivíduos; há aqui uma diferença de grau que importa, a nosso ver, valorar. E aquilo que fazemos é pegar numa série de tipologias criminais e densificá-las num conceito, que nos parece responder àquilo que é a realidade do tráfico de pessoas em Portugal. A tudo isto acresce que o proposto ao nível da nova legislação para a imigração e que se refere a crimes relativos ao auxílio à imigração ilegal, claramente, não responde a uma diferença entre transportar alguém, numa camioneta, pela quantia de 30 contos para a fazer entrar num país e aquilo que é a servidão por dívidas, como a exploração sexual e a escravatura no trabalho. É neste sentido que procurámos densificar o tal conceito criminal e o apresentamos à Câmara.
Por aquilo que conhecemos pelos meios de comunicação social, pensamos que a sociedade portuguesa tem, nesta matéria, uma acrescida responsabilidade de dar respostas legislativas. É este o desafio que deixamos às outras bancadas.
Página 2598
2598 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate conjunto dos projectos de lei n.os 21 e 22/IX, cuja votação, na generalidade, será feita ainda hoje.
Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 131/IX - Atribui às autarquias locais e às pessoas colectivas de utilidade pública direitos preferenciais na aquisição de imóveis do Estado (PCP).
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP submete hoje a discussão nesta Assembleia diz respeito ao modo de alienação de imóveis pertencentes ao Estado ou a pessoas colectivas públicas. Presentemente, como é sabido, a regra geral para a alienação de imóveis do Estado é a hasta pública - é esta a regra que, em princípio, é seguida. É certo que, na legislação em vigor, existem possibilidades de não ser assim, como são os casos de a hasta pública ficar deserta, de se tratar de um imóvel com significativo valor arquitectónico ou cultural ou com especial aptidão funcional, desde que o adquirente seja uma pessoa colectiva de direito público, ou ainda de imóveis onerados com encargos que não possam ser cumpridos pelo Estado. Portanto, são estes as únicas situações em que, de acordo com a regulamentação vigente, os imóveis do Estado não serão alienados em hasta pública.
Em Outubro deste ano, o Governo lançou um processo de alienação de um conjunto muito significativo de imóveis do Estado. E é de salientar que, neste processo, o Governo não seguiu o disposto no despacho normativo que actualmente vigora sobre esta matéria, que tem sido regulada, em termos legislativos, através das últimas leis do Orçamento do Estado. Acontece que foi posta em circulação e amplamente publicitada uma lista de imóveis à venda que não tinha em conta nenhuma destas circunstâncias - isto é, não tinha em conta o valor cultural, o valor arquitectónico, as aptidões funcionais de edifícios. E, portanto, colocou indistintamente à venda um conjunto muito valioso de património público sem que, designadamente, as autarquias locais tivessem a possibilidade de fazer valer expectativas entretanto criadas em torno desses imóveis. Lembro que o Estado lançou em hasta pública, no passado mês de Outubro, nada mais, nada menos, do que 173 imóveis pertencentes ao Estado, dos quais 66 eram prédios rústicos, 55 prédios urbanos, 16 postos fiscais, mais umas escolas, 3 casas de cantoneiros e 7 imóveis de valor significativo. E após a publicitação dessa extensa lista de bens imóveis a alienar por parte do Estado gerou-se uma compreensível confusão, na medida em que foi posto à venda um terreno que estava destinado, desde há muitos anos, à construção de uma residência universitária na cidade do Porto, um edifício onde funcionou a reitoria da universidade do Porto, sem que a própria universidade disso tivesse conhecimento (foi alertada para o facto pela comunicação social), o Quartel da Bela Vista, na cidade do Porto, que pertenceu à GNR e que agora está afecto à PSP (e a PSP, que ocupa as instalações, de nada sabia quando contactada por um jornal diário),…
O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!
O Orador: - … um edifício na Damaia, nos arredores de Lisboa, que se situa no trajecto da CRIL, e se o Governo o vendesse, daqui a uns meses ou a uns anos, teria de expropriar o adquirente, porque é por ali que a CRIL vai passar. E, pior do que isto, o imóvel mais significativo que o Governo pôs à venda é uma quinta do Estado situada no concelho da Amadora, na freguesia da Falagueira, relativamente à qual foi celebrado um protocolo para a construção de um palácio da justiça. Quem for ao tribunal provisório da Amadora vê uma placa onde se diz que o tribunal tem instalações provisórias até Setembro de 2003, porque se prevê que nessa data esteja concluído, pelo Ministério da Justiça, o palácio da justiça precisamente na Quinta da Falagueira. Ninguém compreende como é possível que o Ministério da Justiça celebre um protocolo para a construção de um tribunal e que, depois, o Ministério das Finanças ponha o terreno para essa construção à venda.
Não sei se o Governo estava a pensar voltar a comprar o terreno ao adquirente para finalmente construir o tribunal!
O Sr. Francisco Louçã (BE): - E a seguir vender o tribunal!
O Orador: - Ora, o facto de a obra estar atrasada não pode servir de pretexto para o Governo decidir vender o terreno com o qual se comprometeu para construir o tribunal, além de também estarem previstas para aquela área uma estação de metro e outras construções de interesse público.
Importa referir até que, na última campanha eleitoral, todas as forças políticas se comprometeram a fazer uma utilização daquele terreno para equipamentos colectivos; é ali, por exemplo, que vai situar-se o futuro terminal do metropolitano, é para ali que se prevê a construção dos futuros paços do concelho. Há um conjunto de equipamentos colectivos que, há muitos anos, estão prometidos à população da Amadora, e esta tem criado expectativas relativamente a esse terreno, visto ser uma quinta do Estado e, estando quase no centro de uma cidade, ter os dias contados.
Entendemos que o património público não pode ser alienado de qualquer maneira. Não temos qualquer problema de princípio quanto à alienação de imóveis do Estado que se revelem excedentários, mesmo que essa venda seja feita a privados, mas consideramos que existem determinados valores que não podem ser sacrificados, e, havendo um interesse público na utilização, por parte de entidades públicas, de determinados bens públicos, as expectativas devem ser tidas em conta antes que seja feita uma venda em hasta pública.
Portanto, com esta iniciativa legislativa, propomos que, havendo um interesse por parte das autarquias onde se situem imóveis do Estado a alienar, o mesmo seja considerado, sendo dada possibilidade às autarquias de adquirir esses imóveis por ajuste directo. Se esse interesse não existir, então, o Estado, se quiser vender os imóveis, pode recorrer à hasta pública, mas parece-nos que haveria vantagem para a comunidade no seu conjunto se fosse atribuído um direito de opção em hasta pública às pessoas colectivas de utilidade pública que os quisessem adquirir para os afectar à prossecução da
Página 2599
2599 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
sua actividade estatutária, isto é, afinal de contas, ao serviço da comunidade.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma proposta sensata!
O Orador: - Ou seja, tratando-se de bens públicos, deveria ser dada prioridade à sua futura afectação para o bem público e só depois, caso essa possibilidade não fosse aproveitada, seria feita a venda em hasta pública em condições normais.
Parece-nos uma proposta sensata, sendo as populações, que é quem tem expectativas relativamente à utilização colectiva de determinados bens do Estado, as únicas a beneficiar, além de que, a nosso ver, seria mais coerente do que vender ao desbarato e sem qualquer sentido bens que, afinal de contas, são património do povo português.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, de facto, parece-me que tudo o que se diga de verdade sobre a maneira absurda como o actual Governo tem vendido - não digo ao desbarato, porque não consegue desbaratar - o património do Estado…
O Sr. António da Silva Preto (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Orador: - A nossa quota já está aqui garantida.
Risos do PS.
O Sr. António da Silva Preto (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Orador: - Depois de eu falar, se o Deputado António da Silva Preto quiser interrogar-me, estarei disponível.
Qual é a questão a colocar neste domínio? As vendas, tal como foram feitas, são completamente absurdas, sendo que uma parte delas nem sequer foi realizada. O exemplo da quinta da Amadora é um entre vários no que diz respeito à instalação de serviços públicos comprometidas com municípios. Há aqui de facto um problema de base, que é o de saber como se planeiam estas vendas sem haver uma articulação com os municípios, com os instrumentos de planeamento municipal. O que diria o Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, que ainda por cima foi socialista alguns anos (uns 20 anos, só!) sobre coisas deste tipo?! Isto não faz qualquer sentido!
Há duas questões que eu gostaria de colocar, independentemente de reconhecer também o bom senso dos agentes económicos quando não se apresentam à compra de algo, cujo valor não conhecem.
Sr. Deputado, será que a proposta de ajuste directo vem resolver o problema no seu âmago, ou vem criar uma outra possibilidade de distorção? A hipótese de preferência, numa hasta pública que fixe o valor, não poderá resolver o problema? O ajuste directo não tenderá a criar uma distorção no próprio sistema, criando algumas dificuldades?
A segunda questão é mais de carácter jurídico e formal, do qual V. Ex.ª tem, obviamente, um conhecimento profundo.
Como expressámos no debate em comissão, independentemente de considerarmos, ou não, correcta a forma estipulada para este ajuste directo, temos sérias dúvidas de que esta seja a forma juridicamente mais adequada para fazer esta alteração da legislação, mas esta é uma questão formal, que poderia, eventualmente, ser suprida, e, na reunião da comissão, foram aventadas algumas ideias neste sentido.
Esta questão jurídico-formal é importante para que "não se deite fora o bebé com a água do banho", ou seja para que este argumento jurídico-formal não impeça a resolução de uma outra questão: para nós, é essencial que, num projecto deste tipo, os municípios tenham uma intervenção neste processo, e temos sérias dúvidas de que o "salto" para o ajuste directo seja o adequado. Temos ainda mais fundadas dúvidas sobre a forma como, do ponto de vista jurídico-formal, este projecto de lei foi apresentado - esta última dúvida, apesar de tudo, parece-nos ser a mais fácil de resolver.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, agradeço as questões pertinentes que colocou e às quais procurarei dar resposta.
Relativamente ao ajuste directo, começo por dizer que não fomos nós que introduzimos esta figura, embora, se fosse necessário, também o faríamos. Mas no despacho normativo que rege actualmente esta matéria já se prevê que possa haver ajuste directo em determinadas circunstâncias, designadamente em função do tipo de imóvel, da aptidão funcional e do valor cultural e patrimonial. Ora, o que pensamos é que essa possibilidade de ajuste directo deveria ser utilizada, independentemente dessas características, quando houvesse um interesse do município em causa na aquisição do imóvel, porque, havendo esse interesse, havendo uma expectativa criada às populações de que a sua autarquia pode utilizar aquele imóvel para aquilo que entender (para um serviço público, autárquico, seja para o que for, desde que seja de interesse municipal), não nos parece justo que o município tenha de concorrer em pé de igualdade com os particulares. Tratando-se da alienação de um bem público, haverá toda a vantagem para o interesse público em que ele possa ser directamente alienado para uma entidade pública, como é a autarquia local, pelo que, a nosso ver, se justifica não apenas um direito de opção mas, no caso das autarquias, um direito à existência do ajuste directo.
Relativamente à forma da alteração, esta matéria tem vindo a ser regulada através dos Orçamentos do Estado. Agora, parece-nos, primeiro, que esta não é uma matéria substancialmente orçamental - seria desejável, do nosso ponto de vista, que, em vez de haver alterações anuais em
Página 2600
2600 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
sede de Orçamento, houvesse um diploma legislativo que regulasse esta matéria, o qual seria depois regulamentado - e, segundo, que o facto de se ter aprovado recentemente uma lei de Orçamento não conflitua com este projecto de lei, na medida em que não propomos qualquer alteração à lei do Orçamento, propomos, isso sim, um aditamento no sentido de se criar um regime especial para autarquias e pessoas colectivas de utilidade pública.
Portanto, a nosso ver, este debate continua a ter utilidade, e seria perfeitamente possível e pertinente que a Assembleia da República aprovasse este regime, que não conflitua com que o que já está regulado mas que acrescenta algo à nossa ordem jurídica.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas.
A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados do Partido Comunista Português: Julgo que o projecto de lei n.º 131/IX, que aqui apresentam e que visa atribuir às autarquias e às pessoas colectivas de utilidade pública direitos preferenciais na aquisição dos imóveis do Estado, merece uma análise em duas vertentes distintas: o aspecto formal e jurídico e o aspecto substancial.
Da leitura que fiz do relatório da Comissão de Economia e Finanças, elaborado, ao que sei, pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, percebo que o aspecto formal abordado em sede de Comissão prende-se com questões como sejam a vigência, ou não, da lei que aprovou o Orçamento do Estado de 2001, o ser ou não correcto o facto de a matéria em causa estar legislada em leis orçamentais e regulamentada por despachos normativos, colocando ainda em causa o conhecimento, ou não, por parte dos proponentes, de que a lei do Orçamento do Estado de 2001 tenha sido em certa medida derrogada pela lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2002, uma vez que o texto desta já contempla exactamente algumas das medidas agora propostas.
Porque esta vertente formal já foi devidamente debatida e porque também me habituei a respeitar o profissionalismo dos Deputados do PCP no debate das questões que escolhem, vou limitar-me a fazer algumas considerações de ordem substancial.
Ora vejamos: o PCP propõe, por causa do interesse muito significativo que determinados equipamentos de interesse colectivo têm para as autarquias e para as populações, que os bens imóveis do Estado, que sejam de interesse municipal, possam ser adquiridos por ajuste directo pelas autarquias locais no território em que se localizem. Acontece que a legislação em vigor e aquela que é citada no projecto de lei do PCP refere a Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, onde está previsto que as alienações de imóveis dos serviços do Estado e dos serviços dotados de autonomia financeira se processem preferencialmente por hasta pública, e o Despacho Normativo n.º 29/2002, que esclarece, no seu artigo 10.º, que os imóveis podem ser alienados por ajuste directo, não só quando a hasta pública tenha ficado deserta, mas também quando se trate de um imóvel com significativo valor arquitectónico ou cultural ou com especial aptidão funcional - e nesta figura muita coisa cabe -, desde que o adquirente seja uma pessoa colectiva de direito público.
Ora, pelo exposto se conclui que as autarquias, ao abrigo desta legislação em vigor, podem recorrer à figura do ajuste directo quando se trate de imóveis com significativo valor arquitectónico ou cultural ou com especial aptidão funcional. É nosso entendimento que esta abertura salvaguarda amplamente os interesses dos nossos municípios.
A segunda proposta do PCP é no sentido de dotar as pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa do direito de opção na aquisição de bens imóveis do Estado.
Ora, acontece que as pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa, que estão regulamentadas pelo Decreto-Lei n.º 460/77, e ainda as instituições particulares de solidariedade social, que estão regulamentadas pelo Decreto-Lei n.º 119/83, possuem já amplas prerrogativas e direitos, decorrentes do seu estatuto especial, como sejam, isenções de taxas, isenções fiscais e, nomeadamente, serem consideradas urgentes as expropriações necessárias para que essas pessoas colectivas prossigam os seus fins estatutários.
Entendemos, pois, que a legislação em vigor contempla as necessárias condições para o exercício destas actividades, que foram susceptíveis da atribuição do estatuto de utilidade pública.
É importante ter presente que, quando estamos a falar nestas pessoas colectivas de utilidade pública, estamos a falar num universo muitíssimo amplo de instituições, associações e fundações, que reúnem interesses e objectos sociais tão amplos, como o desporto, a cultura, o entretenimento, a saúde, o apoio aos idosos, às crianças, à segurança dos cidadãos, etc., mas também é preciso reconhecer que, existindo actualmente em Portugal cerca de 37 353 associações e fundações, ninguém pode ter dúvidas de que, mesmo dentro das que estão reconhecidas com o estatuto de utilidade pública, não é plausível que todas tenham a mesma gradação de importância, seja do ponto de vista qualitativo, seja do ponto de vista da quantidade, seja do ponto de vista do timo de serviço que prestam.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Por isso, o Grupo Parlamentar que aqui represento tem as maiores dúvidas de que a atribuição de um direito de opção à totalidade das pessoas colectivas de utilidade pública, a este universo tão lato, seria a melhor forma de defender o interesse público, especialmente quando a lei já lhe confere um amplo conjunto de prerrogativas.
O poder político, todos nós, temos de estar muito reconhecidos a estas instituições particulares de utilidade pública pelo papel relevantíssimo que desempenham, suprindo todas as falhas e lacunas do Estado na satisfação das necessidades colectivas e substituindo-se ao Estado naquelas que são as suas obrigações e no prosseguimento de tarefas de interesse geral, numa base voluntária e altruísta.
Mas estas instituições, embora com interesses tendencialmente coincidentes com o interesse público, não deixam de ter também interesses particulares, sejam eles
Página 2601
2601 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
pessoais, de carácter político, altruístas, filantrópicos, científicos ou humanitários.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O espírito que esteve subjacente aos despachos normativos elaborados no tempo do Partido Socialista e à escolha da figura de hasta pública como figura preferencial da alienação do património público teve, naturalmente, a preocupação de maximizar o interesse público, dotando, no entanto, as pessoas colectivas de direito público de vantagens especiais.
Cabe ao poder político, cabe-nos a nós encontrar a solução e a solução é, no nosso entender, um equilíbrio certo, um equilíbrio de bom senso, uma situação bem ponderada entre uma forma que garanta que a alienação do património se faça nas melhores condições e os mecanismos necessários para garantir o fomento do associativismo, através de condições especiais, para que as pessoas colectivas de utilidade pública prossigam os seus fins estatutários da melhor forma.
Por entendermos que estes decretos-leis que regulam o estatuto das pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa e as instituições particulares de solidariedade social definem já um amplo conjunto de regalias e que as mesmas garantem o cumprimento das suas missões e, no que se refere às autarquias, por estarmos convictos de que, até do ponto de vista da relação institucional, o ajuste directo é a melhor figura que pode regulamentar as relações entre o poder central e o poder local, o Grupo Parlamentar do PSD, que aqui represento, não encontra no projecto de lei do Partido Comunista vantagens acrescidas para o interesse colectivo global mas, antes, entende que o actual quadro legal protege melhor os interesses da comunidade.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Depurada Rosário Cardoso Águas, segui com bastante atenção a sua intervenção relativamente a esta iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP porque, tendo já o Partido Socialista, aquando da apresentação do projecto de lei, através do meu Colega de bancada Joel Hasse Ferreira, feito a distinção entre aspectos formais, em que reconhecemos que o projecto de lei não é inteiramente feliz e que carece de alguma adequação, e o aspecto de fundo, que tem a ver com a discussão de qual a forma de gestão do património público considerado disponível, não essencial para a prossecução dos fins públicos aos quais está ou esteve, em tempos, afecto, o que justifica a sua detenção por entidades públicas…
Estamos de acordo que é legítima uma política de alienação, com níveis de rentabilização que revertem a favor do interesse público, que justificaram não só as normas aqui referidas introduzidas em vários orçamentos do Estado como também uma estratégia que visou criar mecanismos especiais de alienação de património público em domínios em que há património público significativo e que deve ser rentabilizado a favor desses interesses. Isso foi seguido pelos governos do Partido Socialista, quer na Defesa quer na Justiça, e reconhecemos como positivo o facto de, no Orçamento do Estado para 2003, não terem alterado essas estratégias relativamente à alienação do património nas áreas da Defesa e da Justiça.
Agora, há aqui uma questão com a qual - confesso - fiquei surpreendido e que foi suscitada na sua intervenção inicial, que tem a ver com uma estratégia de venda atrabiliária, sem sentido, de delapidação do património público, em torno de uma prioridade que é a de, a qualquer fim, por qualquer meio, atingir os objectivos em matéria de contenção do défice orçamental, face ao descalabro dos objectivos de política fiscal estabelecidos no Orçamento rectificativo.
Face ao descalabro da estratégia de alienações, esta lista, que foi recentemente constituída, tem tido, por um lado, resultados desastrosos, já reconhecidos pela Sr.ª Ministra das Finanças, casos gravíssimos de alienação de bens que ainda são necessários à prossecução do interesse público e também situações escandalosas, como é o caso do bem de maior relevância aí referido, a chamada Quinta do Estado, na Falagueira, que valia, só a ela, quase 10% das alienações pretendidas, pondo em causa não só o Palácio da Justiça, os próprios Paços do Concelho da Amadora e a estação do Metro para aí prevista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Aquilo que está em causa é saber qual é, afinal, o modelo de relação entre o Estado e os outros entes públicos, devendo, certamente, considerar nesta relação os interesses do mercado - daí o princípio da hasta pública - mas também uma preocupação de salvaguarda dos interesses públicos considerados, designadamente, do interesse municipal.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas.
A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Cabrita, comecei por não perceber a sua pergunta, mas no fim consegui percebê-la, no entanto parece-me desenquadrada deste debate.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Bem lembrado!
A Oradora: - Ó Sr. Deputado, nós estamos aqui a debater um projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português em relação ao qual parece que há consenso quanto às fragilidades da forma e quanto à oportunidade de momento para ela se fazer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Eu falei sobre a essência deste documento e o Sr. Deputado Eduardo Cabrita está agora a pedir-me contas sobre o resultado das hastas públicas realizadas. Mas devo dizer-lhe, em primeiro lugar, Sr. Deputado, que o Governo que está em funções não foi o primeiro a pôr estes terrenos em hasta pública; e, em segundo
Página 2602
2602 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
lugar, não foi o Partido Social-Democrata o responsável pela situação financeira a que o País chegou,…
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PS: - Oh!…
O Sr. José Magalhães (PS): - É o argumento que faltava!
A Oradora: - … que fez com que o actual Governo, contrariamente àquilo que poderia ser a sua política de longo prazo em relação ao património do Estado… Todos nós sabemos que, há muitos anos, o Orçamento do Estado anda a ser financiado, inclusivamente nas suas despesas correntes, através da venda de património, e o património é finito e não é para financiar despesas correntes. E se a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças teve de optar por esta solução foi porque era a única medida que tínhamos para pôr cobro a este descalabro.
Portanto, Sr. Deputado, primeiro, acho que não é oportuno estar a pedir contas sobre o resultado destas hastas públicas, que o senhor bem conhece, conhecendo ainda melhor as causas que levaram a esta situação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso entre todas as bancadas para que as votações sejam feitas no fim deste debate, que se aproxima do seu final.
Quero também informar a Câmara de que ainda se encontram abertas as urnas para a eleição dos juízes do Tribunal Constitucional. Portanto, peço aos Srs. Deputados que ainda não votaram, o favor de o fazerem, para se preencherem os requisitos legais e constitucionais desta eleição.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.
O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual não foi o meu espanto e o espanto de outros colegas meus da Universidade do Porto quando chegámos à conclusão de que se estava a preparar uma venda em hasta pública de uma série de imóveis, nomeadamente um edifício onde funciona uma Faculdade e alguns terrenos onde iriam ser construídas cantinas e residências universitárias.
Pois bem, este projecto de lei do Partido Comunista Português evita que situações como estas, que claramente defraudam as expectativas legítimas das populações sobre o uso de determinados edifícios, que sempre foram imóveis públicos, voltem a acontecer; que as expectativas sejam defraudadas. Aliás, este projecto de lei permitirá mais do que um mero direito de opção em relação às autarquias, porque hoje as autarquias, concorrendo em igualdade de circunstâncias com os outros interessados, ficam meramente remetidas a esse direito de opção, que não lhes garante, de forma nenhuma, a aquisição desse imóvel, que, em muitos casos, faz parte daquilo que é o património, a identidade de uma determinada população, que esta sempre se habituou a ver como seu.
Por isso mesmo, porque não queremos a delapidação do património do Estado, muito menos daqueles imóveis que são absolutamente essenciais para a vida das populações, votaremos favoravelmente este projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Paiva.
O Sr. Manuel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei ora em análise confere às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa o direito de aquisição preferencial na alienação de bens imóveis do Estado, sob a condição de os afectar à prossecução das suas finalidades estatutárias. Tal desiderato afigura-se, à primeira vista, de uma bondade inquestionável. A verdade, porém, é que a consagração legal de um direito de preferência a favor das mencionadas entidades públicas faz perigar objectivos - importantes, essenciais - que foram tidos em vista com a aplicação da medida de alienação.
Dito de um modo mais comum: este projecto de lei, a ser aceite, "deixará entrar pela janela o que se fez sair pela porta".
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Não faço juízos de valor sobre a intenção dos proponentes, para além do que consta do próprio texto. Acredito, mesmo, na sinceridade das preocupações e na boa intenção da proposta. Não obstante, a verdade é que este projecto de lei contraria, de modo inelutável, os propósitos da lei que estabelece a alienação de imóveis do Estado.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, sejamos claros: não é possível aceitar uma coisa e o seu contrário; tomar uma opção e defender medidas com ela inconciliáveis. Ou - atentos os argumentos invocados e as razões subjacentes - se aceita a alienação dos imóveis do Estado ou, repudiando tal princípio, se preconiza um esquema, que, embora "adocicado", cura de manter esses bens no domínio público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alienação de imóveis afectos aos serviços do Estado e aos serviços dotados de autonomia financeira e com personalidade jurídica é uma medida de carácter excepcional e tomada num contexto de grandes constrangimentos financeiros.
O objectivo da venda pelo Estado de parte do seu património é o de equilibrar as contas públicas e esta é uma batalha que de modo algum pode deixar de ser travada - e ganha! É um verdadeiro desígnio nacional!!
Ora, ao manter esses imóveis no domínio público (nos casos em que isso viesse a ocorrer) frustrar-se-iam as expectativas que levaram à aplicação da medida.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Estamos a falar, recordo, da aquisição onerosa de bens imóveis por parte de autarquias e serviços do Estado que não têm grande autonomia financeira e que, como é sabido, dependem largamente do Orçamento do Estado. Estabelecer esta preferência é, de certo modo, incentivá-los, aliciá-los a gastar dinheiro.
Página 2603
2603 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Certo!
O Orador: - Por outro lado, este projecto de lei assenta num sofisma ou, se preferirem, num pressuposto que não se verifica: o de que esses imóveis ou a maioria deles possuem particular interesse para as autarquias e as populações onde se situam.
A verdade, porém, é que a maioria dos imóveis de relevante interesse para as autarquias locais foram já por estas adquiridos ou, de qualquer outro modo, foi já resolvida a questão da sua titularidade ou assegurada a respectiva gestão e utilização em prol da comunidade circundante.
É o caso, por exemplo, constante do Decreto n.° 28/2002, de 30 de Agosto, através do qual o Governo, a pedido da Câmara Municipal de Lisboa, lhe concede direito de preferência nas transmissões a título oneroso, entre particulares, de terrenos ou edifícios situados no Bairro da Liberdade - mesmo assim, pelo prazo de três anos e com a incumbência de o município promover acções de recuperação e reconversão urbanística dessa área.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Se casos ainda há em que os municípios respectivos manifestaram interesse na sua aquisição, com certeza que tal facto não deixará de ser considerado na decisão e no próprio processo de alienação.
Admito que, pontualmente, possam existir alguns edifícios com interesse para as autarquias locais, só que isso não justifica criar-se um instituto geral para todas as vendas do património do Estado, sobretudo no actual contexto de contenção económica e equilíbrio das contas públicas.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, a alienação ocorre, também, pelo facto de os imóveis não estarem a ser devidamente rentabilizados ou plenamente aproveitados nas suas potencialidades,…
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Certo!
O Orador: - … porque o Estado entende que esse património já não satisfaz o interesse público.
Depois, Sr.as e Srs. Deputados, estes imóveis não vão ser deslocalizados, não vão sair do local onde estão implantados e a alienação irá possibilitar (estou certo de que em muitas situações) a sua efectiva utilização e colocação ao serviço das populações envolventes.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Exactamente!
Protestos do PCP.
O Orador: - Paralelamente, convém relembrar que a alienação é, em muitos casos, a melhor - senão a única! - solução para garantir a sustação do processo de degradação dos imóveis e a sua rápida recuperação e rentabilização.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Numa outra vertente, também se dirá que o direito de preferência irá introduzir distorções no processo de alienação, afastando potenciais interessados e, consequentemente, contribuindo para a redução dos proventos financeiros do Estado com a operação de alienação. Nenhum interessado recolherá informações, nem promoverá avaliações, enfim, não gastará energias e recursos quando houver a possibilidade de ser preterido pelo mero exercício de uma preferência por parte de quem (eventualmente) nada fez: nenhum interesse revelou anteriormente; nenhuma intervenção teve, no decurso do processo; e nenhum esforço prévio fez para encontrar soluções alternativas.
Ora, isto afectaria todo e qualquer processo de alienação, independentemente do exercício ou não da preferência pelos respectivos titulares. De facto, não é aqui admissível a renúncia antecipada ao direito por parte das pessoas colectivas de utilidade pública e utilidade pública administrativa, uma vez que a venda se faz "preferencialmente em hasta pública" e, como tal, só aí se conhecem os elementos essenciais da alienação, como é o caso do preço.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Convém também referir que o instituto da preferência legal não é um regime usado com frequência na medida em que se considera que o mesmo altera as regras de livre escolha do co-contratante e, portanto, limita a liberdade contratual.
É usado - deverá ser usado - ante razões ponderosas e, neste particular, se verdadeiramente o interesse público o justificar.
Pelas razões expostas, entendemos não ser esta a situação em causa.
Em suma, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei em discussão afigura-se-nos injustificado, desnecessário e contraproducente.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Não merecerá, pois, a nossa aprovação ou, dito com mais rigor, consideramos que deve ser reprovado e, como tal, votaremos contra.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, como é conhecido, o projecto em discussão é suscitado pela febre, de certo modo devastadora, com que se tem vindo a fazer o processo de alienação do património do Estado, tendo vindo a fazer-se por razões, que, a maioria pretende - abundantemente, aliás - justificar pela necessidade de obter receitas.
Em nossa opinião a necessidade de obter receitas não pode ser vista deste modo simplista - não se entende que seja positivo, do ponto de vista, designadamente, do interesse
Página 2604
2604 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
público, do interesse das comunidades, do ordenamento do território e do ambiente, que os municípios tenham, tão-só, direito de opção, mas não um direito preferencial.
Não é seguramente indiferente o facto - são muitos os exemplos e alguns deles foram já dados - de terem sido criadas expectativas em comunidades de virem alguns destes edifícios a ser reconvertidos e a beneficiarem essas comunidades. Isto sucedeu na Universidade do Porto e também na Universidade de Lisboa, mas há exemplos que se somam um pouco por todo o lado.
Por isso, este projecto de lei, quanto a nós, independentemente de melhorias pontuais que pudesse vir a ter, faz sentido e vamos apoiá-lo na generalidade.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, depois deste debate, das intervenções dos representantes da maioria parlamentar, não nos restam quaisquer dúvidas de que o Governo está solidamente apoiado pela maioria parlamentar, na sua política de "venda ao desbarato" do património público.
Vozes do PS: - É um facto!
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Ah!…
O Orador: - Este Governo não tem política alguma de venda do património e há mesmo Deputados da maioria, nomeadamente do CDS, que entendem que só se deve vender o património quando há uma situação financeira orçamental difícil. Não é isso: o Estado tem o direito de ter uma política de gestão do seu património, de vendas de aquisições, de acordo com o projecto que teria para a Administração Pública.
Só que, como este Governo não tem projecto para a Administração Pública, o único projecto que têm para a venda do património é "desbaratar" esse património…
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas desbarata-o mal! Segundo os dados de que dispomos - que a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas não pode confirmar ou não o quer fazer -, nas hastas públicas feitas até agora, na primeira hasta pública, os 200 milhões de euros de venda chegaram a cerca de 19,5 milhões de euros. É, portanto, um fiasco monumental que a Sr.ª Ministra das Finanças aqui reconheceu...
Sr. Presidente, Srs. Deputados, se temos algumas dúvidas, já aqui expressas, quer em comissão quer em Plenário, quanto à forma e ao alcance da generalização do alargamento das condições da aquisição e ajuste directo pelas autarquias - direito que não pomos em causa, contrariamente aos pseudo-municipalistas que se sentam nas bancadas da direita - se temos, pois, algumas dúvidas quanto a alguns aspectos do projecto, não temos quaisquer dúvidas quanto ao completo descalabro da política governamental de venda do património.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, com a maior brevidade.
Ouvíamos os Srs. Deputados Eduardo Cabrita e Joel Hasse Ferreira, há bem pouco tempo, falar de "venda ao desbarato" levada a cabo pelo actual Governo. Isso suscitou-nos uma intervenção que tem muito de interrogativo, não a qualquer Deputado em particular mas, porventura, à Câmara.
Assim, interrogamo-nos se, quando o Sr. Deputado falou em "venda ao desbarato", se referiu aos valores que resultaram de venda de 31 imóveis, no ano 2002, que renderam o que o Sr. Deputado sabe ou se estaria, porventura, a referir-se aos 100 imóveis vendidos em 1998 que renderam 3,619 442 milhões de euros e 19 cêntimos...!
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Portanto, menos de 1/3 para o triplo dos prédios vendidos em 2002!
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ou se, porventura, se referia aos 40 imóveis vendidos em 1997 que renderam 987 949 euros e quatro cêntimos? "Mais euros, mais prédios"..., mas o que aconteceu foi praticamente o dobro dos prédios vendidos e muito menos dinheiro entrado em caixa!
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - É verdade! É uma vergonha!
O Orador: - Sr. Deputado, temos de ser sérios: quando o Sr. Deputado falava em "venda ao desbarato", certamente referia-se, por lapso, à venda feita por este Governo e, sendo assim, estamos de acordo consigo: o anterior governo vendeu várias vezes "ao desbarato".
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Ou então, porventura, quis usar, diria eu, de alguma desonestidade intelectual e, neste caso, Sr. Deputado, essa expressão, a declaração que acabou de fazer, fica com quem a fez, ou seja, com VV. Ex.as, sendo que todos nós sabemos que não corresponde minimamente à verdade.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta última intervenção demonstra, relativamente a esta matéria, de alguma forma, o desnorte que, pela maioria, vai grassando,…
Risos do PSD e do CDS-PP.
… porque, de facto, o que está em causa não é isso. Ora, a referência feita a que a qualidade de uma política patrimonial
Página 2605
2605 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
tem a ver com o número de prédios vendidos ou com uma qualificação das suas receitas, demonstra que, realmente, não há a mínima ideia do que é gestão patrimonial do património público disponível.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Na verdade, aquilo que marca a diferença é que, como foi dito aqui pela Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas, foi no Orçamento para 2000 que se introduziram regras de transparência na alienação do património público disponível, estabelecendo como regra, como princípio: a hasta pública. Foi também aí que se estabeleceu como regra, tendo ficado no Orçamento para 2003, que, por exemplo, na alienação do património público disponível na área da Justiça, a sua finalidade exclusiva seria a capitalização, a afectação ao fundo de garantia financeira da justiça.
O que é que nós temos com este Governo? Em Maio, foi apresentado, aqui, um Orçamento rectificativo que estabeleceu os objectivos de gestão financeira e orçamental já da inteira responsabilidade deste Governo e, neste momento, face ao erro e ao completo descalabro em matéria de receitas fiscais, temos uma política desesperada que começou com a tentativa de vender ao desbarato o património público: quiseram vender 200 milhões, venderam - e mal! - 19,5 milhões de euros... Temos, neste momento, o prémio ao incumpridor, o prémio a quem não pagou impostos, uma escandalosa política de perdão fiscal…
Protestos do PSD e do CDS-PP.
… de arrecadar receitas, privilegiando, oferecendo perdão de juros a quem não pagou impostos, em tempo, enquanto se aumentam os impostos àqueles que atempadamente pagaram! São estes os sinais do desespero de quem não sabe, de quem mostra a sua incapacidade de gestão orçamental.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra de alguma forma para rebater alguns argumentos que foram utilizados ao longo deste debate.
Assim, começo por assinalar que os Srs. Deputados da maioria falam como se este processo de alienação de bens imóveis do Estado tivesse sido um sucesso. Não foi! Foi - como já foi reconhecido por membros do Governo - um monumental fiasco!
Portanto, isso de os senhores dizerem: "- Adoptámos esta regulamentação porque o Estado português precisa de dinheiro"... Mas os senhores ignoram que, pela forma como o processo foi desenvolvido, o Estado não arrecadou esse dinheiro?!... Os senhores já pensaram por que é que a hasta pública para a venda da Quinta do Estado ficou deserta? Deviam pensar nisso!!
É evidente, imagino: nenhum particular quererá adquirir uma quinta daquelas, naquele local, em conflito com a população e com a autarquia! Nem em conflito com o Plano Director Municipal!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas é óbvio que se os senhores tivessem negociado com a autarquia, desde o princípio, poderiam até ter já vendido aquela quinta por ajuste directo. Como insistem nesta regulamentação, ficam com a hasta pública deserta!
Portanto, os senhores deveriam reflectir sobre as opções em que se obstinam.
Uma segunda ordem de argumentações: disse a Sr.ª Deputada Rosário Cardoso Águas que a lei já permite que haja ajustes directos, em determinadas circunstâncias - o caos dos imóveis com o valor patrimonial, cultural, etc., havendo, portanto, uma larga margem para a articulação entre várias entidades.
Sr.ª Deputada, até posso concordar consigo: de facto, há uma larga margem de articulação. Mas o Governo nem sequer foi capaz de articular o Ministério das Finanças com o da Justiça!... Se o Ministério das Finanças pôs à venda um terreno onde o Ministério da Justiça já se tinha comprometido a fazer um tribunal, se pôs à venda um terreno onde vai passar a CRIL... Portanto, também não a soube articular com o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação!
Nestas condições, como é evidente, a articulação é teoricamente possível, mas, de facto, não houve qualquer articulação, nem entre o Governo e outras entidades, nem sequer entre vários Ministérios - que, ainda por cima, ficam a escassas centenas de metros uns dos outros...!
Mas os Srs. Deputados da maioria, interpelados sobre qual é a lógica de seguirem este sistema, usaram aquela resposta que se tem vindo a tornar habitual - e que, aliás, suscita fortes aplausos entre os Deputados da maioria -, que é dizerem: "- O que é que querem, o País está numa situação que não fomos nós que criámos!...".
Vozes do CDS-PP: - E é mentira?!
O Orador: - Portanto, o PSD, agora, responde a tudo com "o discurso da tanga"! Isto é, veio o Sr. Primeiro-Ministro e disse que "o País está de tanga" e passou a ser este "o discurso" da maioria.
Aqui há uns anos, o Ministro, o ex-Ministro Braga de Macedo introduziu "o discurso do oásis", dizendo que "o País é um oásis" - agora os Srs. Deputados respondem a tudo com o "discurso da tanga"! As opções são más, mas o que é que os senhores querem, se 'o País está de tanga'?!"
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - "De tanga"... está bem para o "oásis"!...
Risos.
O Orador: - Um terceiro argumento utilizado foi o de que as pessoas colectivas de utilidade pública já têm muito direitos. Ora, as pessoas colectivas de utilidade pública têm alguns direitos, têm, é verdade, mas, em nosso entender, deveriam ter muitos mais do que aqueles que efectivamente têm!
Acontece que não têm este direito que estamos a propor, em concreto, e que não é muito - é um direito de opção!
Página 2606
2606 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
A Sr.ª Deputada dizia: "- Mas há 30 000 pessoas colectivas de utilidade pública, como é que vamos atribuir este direito a todas?".
Bom, Sr.ª Deputada, qualquer cidadão pode concorrer a hasta pública; não são só essas 30 000 entidades que podem concorrer para adquirir um daqueles imóveis; também o podem fazer 8 milhões de portugueses e muitos biliões de cidadãos por esse mundo fora...!
Portanto, o que se propõe não é atribuir o direito indistintamente mas, sim, que haja possibilidade de haver um direito de opção em condições de igualdade para uma pessoa colectiva de utilidade pública, tendo em conta a finalidade social que ela desenvolve.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É apenas isso que se propõe, não é nada mais do que isso.
Os Srs. Deputados referem que não se deve proceder ao ajuste directo, porque não é a forma correcta de se proceder à alienação de imóveis do Estado, dado que distorce a concorrência, mas esquecem que, em determinadas situações, o ajuste directo já está previsto. O que nós propomos é que o ajuste directo que já está previsto na lei possa ser alargado a outras situações.
Os Srs. Deputados dizem ainda que também não devem existir direitos de opção, porque isso distorce a concorrência, mas a lei também já prevê a existência do direito de opção. O que nós propomos é que esse direito de opção também seja utilizado para as pessoas colectivas de utilidade pública.
Conclusão: quando são os Srs. Deputados a propor pensam que está muito bem, quando são os Deputados da oposição a propor pensam que está muito mal.
Vozes do PCP: - Exactamente!
O Orador: - Portanto, os senhores tomam uma posição não em função do conteúdo das propostas mas, sim, em função da origem das propostas: se vêm da oposição são para chumbar.
Eu sei que os senhores não têm primado por medidas favoráveis às autarquias - pelo contrário! - nem às pessoas colectivas de utilidade pública.
Os senhores deveriam atentar no inestimável serviço que as pessoas colectivas de utilidade pública prestam a este país e ter melhor consideração pelas finalidades que elas desenvolvem, por forma a não tomarem medidas cegas, que são injustas e que não têm em conta a realidade social portuguesa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Cabrita, se este debate não tem que ver com vendas, então por que é que V. Ex.ª tão insistentemente falou em vendas feitas ao desbarato por este Governo?
Se este debate não tem que ver com vendas, então por que é que o Sr. Deputado tão insistentemente se referiu a insucessos nas vendas?
Vozes do CDS-PP: - Aí é que está! Baralhou-se!
O Orador: - Se este debate não tem que ver com vendas, então por que é que V. Ex.ª se esqueceu daquelas vezes em que o Partido Socialista vendeu o triplo dos prédios que este Governo vendeu, tendo-lhe rendido menos de 1/3 do valor que este Governo encaixou?
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exactamente!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, para terminar, porque não tenho tempo, fique sabendo que a intervenção de V. Ex.ª só não me espanta por uma razão, e é precisamente por ser apenas mais uma intervenção de V. Ex.ª: nada de novo traz; é "mais do mesmo" - diz mal, diz mal, diz mal e tem pouca seriedade na discussão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é ofensivo! Aprenda a ter modos!
O Orador: - Mas, Sr. Deputado, nós sabemos bem o que o traz aqui e também, exactamente, aquilo que sucede e que pretende atingir.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer ao Partido Ecologista Os Verdes a cedência de tempo que nos fez.
Quero dizer o seguinte: não me surpreende nada a intervenção do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo nesta Legislatura, que deve ter bebido algum elixir maravilhoso que o transformou de um correcto Deputado da oposição num arruaceiro Deputado da maioria.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Por outro lado, todos nós sabemos que as comparações de vendas de património não se fazem através do número de prédios vendidos mas, sim, através de outros critérios, nomeadamente as áreas, o material, a localização... Tudo isso está estudado e visto, é só questão de tratar os assuntos com seriedade ou de estudá-los.
Nós temos várias dúvidas, quer formais quer de conteúdo, quanto ao projecto de lei do PCP, mas não temos quaisquer dúvidas de que nesta questão não só se verificou o descalabro das hastas públicas como também o descalabro político da maioria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para defesa da sua honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Artur Penedos (PS): - Qual foi a ofensa?
Página 2607
2607 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, com toda a consideração que tenho por si - e sabe que tenho - e que lhe é devida por um Deputado que tanto é da maioria como da oposição, devo dizer-lhe que não tem razão, salvo o devido respeito.
O Sr. Deputado verificará que na minha intervenção limitei-me a invocar números que demonstravam que o Sr. Deputado Eduardo Cabrita, na sua intervenção, não tinha usado da honestidade intelectual devida a um Deputado numa discussão desta importância, sendo que, julgo eu, a expressão desonestidade intelectual cabe no léxico parlamentar e é usada frequentes vezes por Deputados de todas as bancadas, sem que em nenhuma circunstância isso lhes tenha merecido o epíteto de "Deputados arruaceiros", fosse da maioria fosse da oposição.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
Mas, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, convirá V. Ex.ª que quando um Sr. Deputado do Partido Socialista, acusando e atacando um Governo que este partido apoia, afirma que esse Governo vendeu ao desbarato um determinado número de prédios,…
O Sr. José Magalhães (PS): - A questão é que vendeu mal!
O Orador: - … e nós temos elementos precisos que demonstram que um governo presidido e liderado por um primeiro-ministro socialista vendeu o triplo dos prédios encaixando menos de 1/3 da receita, eu terei de trazer esse facto à discussão.
Eu sei, Sr. Deputado, que essa é uma verdade que dói, que essa é uma verdade que não convinha ao Sr. Deputado Cabrita referir na sua intervenção, para que não fosse conhecida, mas saiba que nós não estamos aqui para fazer "fretes" ao Sr. Deputado Cabrita mas, sim, para intervir e debater em consciência, naturalmente também na defesa de um Governo que apoiamos, por muito que isso vos custe e que custe, em particular, ao Sr. Deputado Cabrita. E se cada vez que o fizer V. Ex.ª entender que eu sou um "Deputado arruaceiro da maioria", então saiba que fico bem com a minha consciência, porque tenho a sensação de que ainda assim fico com o dever cumprido.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, "Sr. Deputado Melo",…
Risos do PS.
… nas referências que fez ao Sr. Deputado Eduardo Cabrita, quero agradecer a consideração que V. Ex.ª manifestou por mim e clarificar vários pontos.
Ponto um: o descalabro de que aqui se falou tem exactamente que ver com uma previsão de receitas que foi cumprida em 10% e não com uma avaliação de preços. Há outros mecanismos para se conseguir chegar lá - a hasta pública é um mecanismo de mercado.
A Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças reconheceu, neste Hemiciclo, que a hasta pública foi um fiasco - a palavra descalabro nem sequer é mais forte.
Ponto dois: quanto à questão das teorias do valor (ainda vou ver em que conceito se enquadra a sua teoria), o senhor não pode somar palácios com fogos, com uma barraca de um guarda fiscal, com edifícios para sem-abrigo, com um terreno onde nada está construído, mas onde poderá vir a estar um centro comercial.
Ó "Sr. Deputado Melo", não pode somar isso! Eu só não lhe digo para fazer um curso com o Professor Patinha Antão porque ele ficaria um bocado incomodado com isso, visto que já tem muitos alunos...!
Risos do PS.
Mas o senhor sabe que isso não é assim! E "o senhor sabe que eu sei" - parafraseando uma antiga dirigente sua - que isso não é assim!
Para terminar, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que há um ponto em que teria razão, mas que teve a delicadeza de não referir.
Há bocado, empreguei um termo, sobre o qual não fui chamado a atenção.
O Sr. Presidente: - Mas vai ser!
Risos.
O Orador: - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua benevolência.
Eu referia-me à postura intelectual: eu poderia ter dito que V. Ex.ª estava a comportar-se como um arruaceiro intelectual, que, aliás, sei que não é.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, de facto, gostaria que a palavra arruaceiro não fosse aplicada nem aos Deputados da maioria nem aos da oposição.
Aplausos de alguns Deputados do CDS-PP.
Sr.as e Srs. Deputados, terminámos o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 131/IX - Atribui às autarquias locais e às pessoas colectivas de utilidade pública direitos preferenciais na aquisição de imóveis do Estado (PCP). Estamos em condições de votar este diploma, na generalidade, no final das votações.
Srs. Deputados, vamos iniciar o período das votações.
A Mesa fez a verificação habitual sobre o quórum de votação, sendo que estão presentes 91 Deputados do PSD, 53 do PS, 12 do CDS-PP, 8 do PCP, 3 do BE e 2 de Os Verdes, portanto, temos um quórum mais do que suficiente.
Srs. Deputados, vamos começar por apreciar o voto n.º 28/IX - De pesar pela morte do pintor Rolando Sá Nogueira (PS).
Ficou acordado em conferência de líderes que a apresentação deste voto seria feita pelo Sr. Deputado João Soares. Assim sendo, tem a palavra, Sr. Deputado.
Página 2608
2608 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. João Soares (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós gostávamos que este voto, que é, obviamente, um voto de pesar, também fosse entendido como um voto de saudade.
Trata-se, obviamente, de um voto de homenagem, mas também deve ser entendido como um voto de profunda gratidão para com uma das figuras mais marcantes na arte portuguesa do século XX.
Rolando Sá Nogueira era um homem com uma obra profundamente diversificada, que se demarcou na nossa pintura como um grande pintor, que está representado em inúmeras colecções privadas e na maior parte dos nossos museus nacionais. Mas uma parte da sua obra também é pública: lembro a estação de metro das Laranjeiras, as duas telas lindíssimas que estão no edifício dos Paços do Concelho da cidade de Lisboa, pós-reconstrução, depois do incêndio trágico de Novembro de 1996, e o painel de azulejos que está no prolongamento da Avenida dos Estados Unidos da América, em Lisboa.
Rolando Sá Nogueira era um homem de grande talento, porque fez tapeçaria, gravura, pintura, cerâmica e, nomeadamente, azulejo, como já referi, mas conciliava este grande talento, o que nem sempre acontece, com as qualidades de um homem bom. Era um homem civicamente comprometido - lembro a sua participação no célebre painel colectivo, que foi feito no desaparecido Mercado do Povo imediatamente a seguir ao 25 de Abril, no qual teve uma iniciativa e uma participação muito significativa - e, sobretudo, um homem extremamente generoso, simples e extremamente bom em termos humanos.
Portanto, espero que com a aprovação unânime, por esta Câmara, deste voto de pesar também se possa sugerir ao Sr. Presidente que solicite ao antigo Museu Nacional de Arte Contemporânea, Museu do Chiado, uma tela de Rolando Sá Nogueira, para que figure no edifício do Parlamento, onde, aliás, o acervo tem vindo a ser enriquecido ao longo dos últimos anos. Estou certo de que o Sr. Presidente será sensível a essa sugestão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado João Soares, é uma bela ideia e não deixarei de dar-lhe seguimento.
Srs. Deputados, conforme acordado, vamos proceder à votação do voto que acabámos de apreciar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
É o seguinte:
Voto n.º 28/IX
De pesar pelo falecimento do Pintor Rolando Sá Nogueira
No passado dia 18 de Novembro faleceu em Lisboa, cidade onde tinha nascido há 81 anos, o pintor Rolando Sá Nogueira.
Sá Nogueira é seguramente uma das figuras mais marcantes da pintura portuguesa do último século. A exposição retrospectiva que se realizou, há dois anos, no Museu do Chiado fez a prova da importância incontornável do talento da sua obra.
Rolando Sá Nogueira está representado em praticamente todos os museus nacionais.
A sua obra pública, que passou por pinturas murais e pela participação no painel colectivo, realizado imediatamente a seguir ao 25 de Abril, no desaparecido Mercado do Povo, são disso testemunho, bem como do seu comprometimento cívico.
Rolando Sá Nogueira trabalhou de perto com o Arquitecto Conceição Silva e junto com Carlos Botelho, Maria Keil, Lagoa Henriques e outros, e tem obra em espaço público na Av. Infante Santo, em Lisboa. É igualmente co-autor, com Almada Negreiros, da intervenção que figura na Cantina Velha da Cidade Universitária.
As suas obras públicas mais recentes são os dois óleos que, a convite da Câmara Municipal de Lisboa, realizou para os Paços do Concelho (na sequência do trágico incêndio de Novembro de 1996) e que figuram na Sala de Sessões Públicas do Município de Lisboa e o lindíssimo painel com motivos de borboletas no prolongamento da Av. dos Estados Unidos da América. É igualmente o autor do arranjo da Estação de Metropolitano das Laranjeiras.
Rolando Sá Nogueira dedicou uma boa parte da sua vida, especialmente os últimos anos, à docência. Grande pedagogo, professor de desenho, marcou sucessivas gerações.
Rolando Sá Nogueira era um homem bom. amigo de seu amigo, "de bem com a vida".
No momento do seu desaparecimento, o Grupo Parlamentar do PS presta-lhe a mais sentida homenagem, testemunha aos seus familiares o sentimento de perda que os socialistas portugueses sentiram pela sua morte e exprime a sua saudade.
A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Srs. Deputados, o voto de pesar será transmitido aos familiares do pintor Rolando Sá Nogueira.
Srs. Deputados, seguia-se a apreciação e votação dos votos n.os 27/IX - Sobre o acidente do petroleiro Prestige (BE) e 30/IX - Sobre o desastre com o petroleiro Prestige (PSD e CDS-PP), que foram retirados em benefício do voto n.º 31/IX - Sobre o desastre ecológico com o petroleiro Prestige (CDS-PP, PSD e BE).
Antes de dar a palavra para procedermos à apreciação deste voto, chamo a atenção das Sr.as e dos Srs. Deputados, uma vez mais, para a votação destinada a eleger os juízes do Tribunal Constitucional.
Se algum dos Srs. Deputados ainda não votou poderá fazê-lo agora.
Ainda falta votar o Sr. Deputado Miguel Anacoreta Correia; logo a seguir à sua votação as urnas serão encerradas e proceder-se-á à contagem dos votos, o que peço que seja feito depois das votações.
Vamos, então, proceder à apreciação do voto n.º 31/IX, sendo que o primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.
O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa referir que o voto que nos é proposto, o voto n.º 31/IX, salienta a solidariedade com as populações do litoral da Galiza, que têm sido extremamente
Página 2609
2609 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
afectadas por esta catástrofe ecológica. E, a esse respeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que não estamos senão a cumprir uma obrigação com um povo irmão que, infelizmente, sem sua culpa, vê as suas condições económicas e sociais fortemente atingidas.
Mas este voto igualmente reconhece que o Governo defendeu o interesse nacional quando, pela actuação da Marinha, fez com que o barco sinistrado, ao ser rebocado, se afastasse da zona económica exclusiva portuguesa.
De facto, ao longo do debate que aqui tivemos e ao longo destes dias, em que o Governo manteve informada a Assembleia da República, como se comprometeu na conferência de líderes, tivemos oportunidade de seguir a evolução da situação e cumpre-nos manifestar que mantemos a nossa preocupação, a qual também está expressa no voto em apreciação. Essa preocupação, aliás, está reflectida na expressão da necessidade de definir uma estratégia e medidas urgentes para o combate aos crimes ambientais.
Devo salientar, Sr. Presidente, que, com este voto, estamos também, ao fim e ao cabo, a associar-nos àquilo que já está em apreciação no Parlamento Europeu e que consta de uma proposta de resolução que vai, igualmente, reunir - estou certo - o consenso dos Deputados europeus, na qual se faz referência, particularmente, à necessidade de desbloquear, com urgência, um fundo de compensação complementar de 1 milhão de euros para ajudar as populações que foram afectadas por esta situação.
Mas permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que traga ainda aqui, a propósito deste voto, uma reunião da Comissão de Ambiente, Agricultura e Poder Local do Conselho da Europa em que participei, na passada segunda-feira, em nome da Assembleia da República, e onde foi aprovada uma resolução em que se expressa a preocupação de os Estados-membros e as instituições europeias providenciarem no sentido de garantir a assistência a Espanha, a França, a Portugal e, particularmente, à região da Galiza, afectados por este desastre.
Sinto, assim, Sr. Presidente, que, com este voto, em que o Grupo Parlamentar do PSD participará positivamente, como é, necessariamente, claro, a Assembleia da República está a manifestar solidariedade ao povo galego e também justiça, em face de todas as acções que ou já foram tomadas ou serão tomadas a curto prazo, no sentido de minorar os prejuízos causados pelo desastre ecológico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto que temos presente regista algum ponto de acordo e não ignora alguns pontos de desacordo.
Os pontos de acordo fundamentais são, por um lado, o de ter sido no interesse público que as autoridades portuguesas rejeitaram a entrada do Prestige nas águas da zona económica exclusiva portuguesa, o que seria totalmente inaceitável, e, por outro, o de sublinhar, defender e propor uma solidariedade activa com as populações que, imediatamente, estão a ser vítimas desta maré negra, que é a quinta que atinge a costa da Galiza nos últimos 30 anos.
Este voto não ignora, no entanto, pontos de desacordo, que ficaram do debate que aqui tivemos, sobre o tempo que tardou até à instauração do gabinete de crise, sobre a falta de meios actuais, que importa corrigir, e sobre as relações com Espanha, acerca das quais o Primeiro-Ministro, na sequência do debate, se veio a referir como tendo registado dificuldades significativas.
Mas é sobre duas matérias que creio ser importante acrescentar agora alguma coisa ao debate que, então, tivemos.
É sabido que a França e a Espanha assinalaram a vontade de fazer um acordo internacional, de grande importância, para impedir que, a menos de 200 milhas da costa, pudessem passar barcos monocasco com mais de 15 anos e sem as devidas inspecções. É extraordinariamente importante que se caminhe para um consenso internacional, nomeadamente para a protecção dos países europeus marítimos, ao qual Portugal se deve associar. E devo lembrar que, a este respeito, várias intervenções da oposição, no debate que aqui tivemos, suscitaram o problema da homologação das inspecções, o problema das rotas que permitissem garantia de segurança marítima e, em particular, o problema das bandeiras de conveniência que vários países europeus, como, por exemplo, a Grécia, ou candidatos à adesão à União Europeia, como Malta ou Chipre, têm vindo a defender ou a permitir.
Por isso mesmo, fica do debate um conjunto de medidas em discussão acerca das quais Portugal deve tomar posição.
Em segundo lugar, importa destacar o que neste voto se diz sobre a solidariedade com a Galiza. Tendo visitado as regiões mais afectadas na Costa da Morte e ouvido os alcaides e Deputados que tomaram posição sobre esta matéria, foi com muita dor que senti o abandono a que as populações galegas foram votadas, sendo certo que, na altura, enquanto começava a maré negra nesta costa, o presidente do governo regional, com o seu ministro do ambiente, se tinha deslocado a Madrid, para uma longa caçada de uma semana...!
Por isso, é tão importante assinalar a boa vontade de Portugal em relação às vítimas desta crise e quero mesmo sugerir-lhe, Sr. Presidente, uma medida adequada e atempada, que seria a de manifestar a nossa disponibilidade para uma visita de uma delegação parlamentar portuguesa a essas regiões, para conhecerem, no terreno, o que é feito na protecção civil quanto ao combate a uma maré negra e o que pode ser feito, no futuro, para uma melhor articulação entre regiões que são fronteiriças e que podem ser vítimas de situações deste tipo. Creio que seria adequado manifestarmos, junto das autoridades e populações galegas, toda a nossa boa vontade a este respeito, como fazemos neste voto.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, de uma forma breve, pois penso que o voto é, em si mesmo, eloquente e, portanto, dispensa grandes considerações, sublinhar que deste voto resulta uma preocupação essencial e uma solidariedade com este tipo de incidentes graves, de que qualquer país marítimo, como é Portugal, Espanha e a própria França, não estará,
Página 2610
2610 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
em nenhuma circunstância, completamente a salvo e em relação aos quais é preciso pensar, é preciso reflectir e é preciso tomar atitudes.
Em segundo lugar, quero registar a nossa solidariedade para com aqueles que foram os principais atingidos com esta catástrofe, uma vez que, felizmente, neste caso concreto, o vento esteve a nosso favor. Tanto quanto sabemos, o vento esteve a nosso favor e isso terá evitado também que Portugal tivesse sido duramente atingido por esta mesma catástrofe.
Gostava de sublinhar, ainda, que este acontecimento traz sempre um factor de alerta da opinião pública, da opinião pública nacional e das instituições internacionais, para que novas medidas, novos acordos - como aquele em que estão envolvidos já o Governo francês e o Governo espanhol -, novas iniciativas possam ser tomadas e para que se pense seriamente nestes problemas de protecção do ambiente e da costa dos diferentes países.
O Deputado Francisco Louçã sublinhou, na intervenção que fez, as partes e os pontos que, na sua opinião, ficaram de divergência relativamente ao debate.
Tendo tido ocasião de discutir esta matéria ontem, no final dos trabalhos, e hoje mesmo com o Sr. Deputado Francisco Louçã, enquanto subscritores dos dois votos que são agora substituídos, gostaria de fazer a outra parte, isto é, gostaria de sublinhar os pontos de acordo.
É importante que este acordo tenha sido feito, porque, Sr. Presidente, isto tem muito a ver com uma coisa para a qual o Sr. Presidente tem muitas vezes alertado e com muita razão: o sentido de responsabilidade, o sentido de interesse nacional e o próprio prestígio da Assembleia.
Creio que, como aqui dissemos no debate, perante uma tragédia, perante uma catástrofe, é importante que todos os Deputados de todas as bancadas, que são, certamente, igualmente patriotas, consigam convergir na preocupação e na solidariedade. E mais do que convergir nesta preocupação e nesta solidariedade patriótica, que esteve, de resto, também presente na acção do Governo, importa convergir nesta preocupação e nesta solidariedade para com um povo que, eventualmente, de entre todos, é o que nos é mais próximo e, inclusivamente, fala português, que é o povo da Galiza.
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.
O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate sobre o voto relativo ao desastre ecológico com o petroleiro Prestige, quero começar por registar, com apreço, que, desde o debate de urgência que aqui promovemos na semana passada, o Governo corrigiu a rota dos seus primeiros dias quanto à prestação de informações a propósito desta crise, prestando, a partir daí, informações mais completas, através da comunicação social e, mesmo, junto do Parlamento. Tantas vezes acusámos, infelizmente, com razão, o Governo de não cumprir as suas promessas que esta promessa o Governo tem vindo a cumprir, como é sua obrigação. Fê-lo tarde, mas mais vale tarde do que nunca!
Significativo é também que o Governo, entretanto, tenha reconhecido que a coordenação luso-espanhola nesta crise não correu bem. O próprio Primeiro-Ministro o disse. Também aí o Governo tardou, mas acabou por reconhecer uma evidência!
De facto, com outra coordenação, com uma intervenção mais eficaz e mais ouvida do Governo português junto das autoridades espanholas a gestão, pelo Governo espanhol, desta crise teria de ser necessariamente outra. Aliás, o trajecto do petroleiro em direcção às águas portuguesas confirma claramente que o cenário da utilização de um porto português só foi verdadeiramente excluído quando a ordem foi comunicada ao armador e ao rebocador, no sentido de não poderem penetrar na zona económica exclusiva portuguesa. Foi, evidentemente, acertada esta decisão, porque ela implica não transferir para as águas portuguesas um problema que se gerou na zona económica exclusiva espanhola.
Mas, se é verdade que a coordenação não começou bem, também é verdade que ela não melhorou muito. Ainda hoje, vemos o Primeiro-Ministro português em Paris, pedindo para lhe mostrarem o acordo celebrado entre o Governo espanhol e o Governo francês sobre o trânsito marítimo. Trata-se de um acordo já negociado entre Espanha e França, já celebrado entre Espanha e França e que só depois de negociado é mostrado ao Governo português para que ele, agora, possa decidir se se junta ou não a essa cooperação estabelecida entre Espanha e França.
O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Isto significa que, se a coordenação entre Portugal e a Espanha - e, aliás, também a França -, a propósito desta crise, começou mal, com certeza, ainda não melhorou o suficiente.
Mas o Partido Socialista vai votar favoravelmente este voto, sobretudo porque ele expressa a solidariedade para com as populações do litoral da Galiza. É a consciência desta solidariedade, do drama económico, social e ambiental em causa que pode promover aquilo que é mais necessário perante este tipo de dramas, isto é, o sentido da urgência de medidas internacionais e europeias que garantam a segurança do tráfego marítimo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.
O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP considera perfeitamente adequado e justificado que esta Casa de representantes do povo português mostre a sua solidariedade para com as populações galegas atingidas pela maré negra, em particular as populações ribeirinhas das costas da Galiza. Considera, ainda, absolutamente adequado que essa solidariedade se expresse pelo registo e pelo apoio dado de uma forma manifesta com o envio de meios da protecção civil que possam ajudar e colaborar na limpeza da maré negra que atinge as costas galegas.
O PCP considera também adequado que a Assembleia da República suporte e apoie iniciativas junto da União Europeia para que seja aumentada a segurança nos transportes marítimos, designadamente para acelerar o processo
Página 2611
2611 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
de proibição de construção de petroleiros sem cascos duplos, para aumentar a fiscalização nas nossas costas, para evitar e impedir a utilização crescente de bandeiras de conveniência e para afastar os corredores de circulação dos navios da nossa costa.
O PCP considera, ainda, absolutamente imprescindível que, em questões de vigilância, de prevenção e de combate a catástrofes desta natureza, sejam aumentados os meios de coordenação internacional entre os diversos países.
Por isso, o PCP vai votar favoravelmente este voto. No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, não nos revemos nem partilhamos alguns dos considerandos do mesmo. Aliás, isso ficou bem patente no debate de urgência aqui ocorrido na semana passada, durante o qual tivemos oportunidade de apresentar uma proposta, que ficou sem resposta, mas sobre a qual insistimos para que fosse discutido, com urgência, um plano nacional de prevenção, vigilância e combate a catástrofes desta natureza.
Não nos revemos e não partilhamos, portanto, alguns dos considerandos deste voto de solidariedade e, em função disso, não o subscrevemos. No entanto, estaremos a votar favoravelmente a manifestação inequívoca de solidariedade activa para com as populações amigas e irmãs da Galiza.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava de começar por dizer que Os Verdes se identificam totalmente com a manifestação de solidariedade que este voto, no seu primeiro parágrafo, define e consagra em relação ao povo galego. Este povo foi abandonado pelas autoridades de Madrid perante uma catástrofe ecológica com consequências extremamente ruinosas e penalizadoras do ponto de vista ambiental e social.
Os Verdes estão também de acordo com a necessária solidariedade portuguesa relativamente a esta região e com a disponibilização de meios para tentar minimizar a crise ecológica que a mesma tem pela frente.
Os Verdes, contudo, mantêm aquilo que, há uma semana, disseram no debate sobre esta questão. Não significa isso que, para nós, o interesse nacional não esteja em primeiro lugar, mas, sim, que, no nosso entendimento, o interesse nacional não pode ficar tão-só à mercê dos ventos.
Pensamos que se algo esta catástrofe deveria fazer-nos aprender é que é preciso sermos mais exigentes. Sermos mais exigentes, desde logo, porque, na próxima semana, um navio - também ele monocasco, também ele com 26 anos, também ele chumbado numa inspecção sem credibilidade - vai, de novo, com a sua bandeira de conveniência, cruzar a nossa costa. Por isso, em nosso entendimento, o grau de exigência que este voto deveria manifestar não passa só por alguns dos aspectos que nele são referidos e que não contestamos, mas por uma exigência maior, designadamente no plano da União Europeia, que, em 6 de Dezembro próximo, vai discutir um conjunto de medidas.
Pensamos que é importante que, desde já, com clareza, a União Europeia tome medidas no sentido de antecipar a eliminação de navios monocasco no transporte de mercadorias perigosas, de reforço das sanções penais contra a poluição, de apoio inequívoco, a nível de fundos estruturais, às comunidades ribeirinhas afectadas. É neste sentido que vai a nossa proposta no plano da comunidade internacional, concretamente da União Europeia, mas esse esforço não dispensa medidas no plano nacional, que a defesa da maior zona económica exclusiva da Europa deveria determinar.
Por isso, para nós, uma defesa dos oceanos passa, em primeiro lugar, pela prevenção e por assumir, coisa que não vemos no voto em debate, o compromisso de antecipar medidas que consensualmente todos entendemos prioritárias.
A antecipação da instalação de um sistema costeiro de vigilância, o afastamento e criação de corredores ecológicos, um reboque de alto mar são, no mínimo, medidas que deviam estar referidas no voto, mas não estão. Assim, do nosso ponto de vista, não está assegurada suficientemente a lição que esta catástrofe deveria determinar e, por isso, justifica-se a nossa abstenção.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, estamos em condições de proceder à votação do voto n.º 31/IX - Sobre o desastre ecológico com o petroleiro Prestige (CDS-PP, PSD e BE).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e do BE e a abstenção de Os Verdes.
É o seguinte:
O afundamento do petroleiro Prestige, no dia 19 de Novembro, ao largo da costa galega veio provocar um desastre ecológico com consequências imprevisíveis. A maré negra devastou as praias da Galiza, ameaçando os pescadores, que foram obrigados a cessar temporariamente as suas actividades nas zonas afectadas, pondo assim em risco a subsistência de centenas de famílias e ameaçando, igualmente, os países limítrofes, podendo vir a ter consequências para Portugal.
É de salientar que, quando surgiu a iminência de perigo para Portugal, o Governo defendeu o interesse nacional ao fazer saber, com a actuação da Marinha, que não aceitaria a rota de aproximação do petroleiro à zona económica exclusiva nem permitiria que o petroleiro viesse atracar a Portugal. A Assembleia da República congratula-se com essa tomada de posição.
O Governo actuou adequadamente ao reagir ao desastre ecológico com a disponibilização de militares para operações de limpeza, caso o crude chegasse à nossa costa.
Cabe ao debate político definir uma estratégia necessária e as medidas urgentes para o combate aos crimes ambientais e para o reforço da segurança marítima, nomeadamente no âmbito do reforço ou construção de meios próprios nacionais para o combate à poluição.
A Assembleia da República exprime a sua solidariedade com as populações do litoral da Galiza e manifesta o
Página 2612
2612 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
seu apoio a todas as iniciativas nacionais e da União Europeia que possam resultar em medidas urgentes de segurança no transporte marítimo, para evitar catástrofes como a do Prestige, e para melhorar a coordenação internacional no combate aos crimes ambientais.
A Assembleia da República regista e apoia a disponibilidade manifestada pelo Governo para enviar, a curto prazo, voluntários portugueses da protecção civil para a Galiza para o auxílio na limpeza das suas praias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 63/IX - Cessação da vigência, por recusa de apreciação parlamentar, do Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de Setembro (PCP) Apreciação parlamentar n.º 4/IX (PCP) .
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Passamos à votação global da proposta de resolução n.º 6/IX - Aprova, para ratificação, o Convénio Internacional do Café de 2001, aprovado pelo Conselho Internacional do Café, em 28 de Setembro de 2000.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, do BE e de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação global da proposta de resolução n.º 7/IX - Aprova a Convenção Consular entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia, assinada em Moscovo, em 26 de Outubro de 2001.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, de seguida, passamos à votação global da proposta de resolução n.º 9/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, passamos, agora, ao requerimento, apresentado pelo PSD e CDS-PP, de baixa à 8.ª Comissão, para efeitos de nova apreciação, pelo prazo de 45 dias, dos projectos de lei n.os 48/IX - Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência (PS), 160/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde (Os Verdes), 162/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (BE), 166/IX - Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência (PCP) e 167/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (CDS-PP).
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, o requerimento que vamos votar de seguida suscitou uma discussão bastante viva ontem; no entanto, de ontem para hoje, registou-se um facto que importa assinalar, porque determina as condições desta votação. Verificou-se uma confluência, que certamente as outras bancadas registarão, no sentido de, havendo a baixa, sem votação, por 45 dias, à 8.ª Comissão para explorar o debate sobre as conexões com a matéria do trabalho, por volta do dia 15 de Janeiro, terminado este prazo, os projectos de lei voltarão ao Plenário da Assembleia.
Regista-se a intenção de votação favorável de todas as bancadas, o que permitirá aos diplomas, depois dessa votação na generalidade, descer à 1.ª Comissão para a elaboração dos trabalhos de especialidade. Sendo assim, mesmo que não fosse essa a solução que tivéssemos preferido, não nos oporemos a este requerimento.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer que registamos o compromisso e as intenções das bancadas da maioria, que propuseram este requerimento. Portanto, é nesse pressuposto e nesse sentido que vamos abster-nos na votação que vai realizar-se.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero registar a evolução positiva e o compromisso publicamente assumido pela maioria, o qual, do nosso ponto de vista, permite uma solução justa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é inteiramente evidente que participámos deste processo e, portanto, estamos de acordo com a ideia de fixar-se um horizonte temporal e de haver uma votação de aprovação na generalidade. Seria, no entanto, um pouco bizarro que o consenso fosse enunciado por um dos lados e houvesse um silêncio, suponho que por razões técnico-jurídicas. O Sr. Deputado Marques Guedes acabou de me dizer que considera que os requerimento não se discutem, mas um aceno não basta para manifestar claramente o acordo que se estabeleceu, que não é óptimo mas é razoável.
O Sr. Presidente: - Quanto à parte técnico-jurídica, o Sr. Deputado tem razão, mas não creio que estejamos a discutir o requerimento, estamos apenas a fazer uma justificação sobre a matéria, que não foi prejudicial.
Página 2613
2613 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos em condições de votar o requerimento, apresentado pelo PSD e CDS-PP, de baixa à 8.ª Comissão, para efeitos de nova apreciação, pelo prazo de 45 dias, dos projectos de lei n.os 48/IX - Previne e proíbe a discriminação com base na deficiência (PS), 160/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde (Os Verdes), 162/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (BE), 166/IX - Define medidas de prevenção e combate à discriminação com base na deficiência (PCP) e 167/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (CDS-PP).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.
Srs. Deputados, permitam-me referir que, não sei se por coincidência ou não, estreou-se a utilização, nos Passos Perdidos, de uma máquina que permite que os deficientes possam percorrer todo o andar nobre.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Até hoje, isso não era possível por causa das escadas dos Passos Perdidos, mas hoje foi instalado um elevador que permite esta locomoção.
Tenho verificado que têm aparecido alguns cidadãos portadores de deficiência nas galerias. É possível aceder-lhes pelos elevadores, mas, efectivamente, dentro das galerias, a circulação não é muito fácil, tenho de reconhecer. Não sei se haverá solução para isso, mas, de qualquer modo, deixo este registo.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 23/IX - Autoriza o Governo a tipificar, como ilícito de mera ordenação social, determinadas infracções à legislação da actividade seguradora.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
De seguida, vamos votar, na especialidade, a proposta de lei n.º 23/IX.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, resta-nos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 23/IX - Autoriza o Governo a tipificar, como ilícito de mera ordenação social, determinadas infracções à legislação da actividade seguradora.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, passamos à votação dos projectos de lei que estivemos a discutir na reunião de hoje, ou seja, os projectos de lei n.os 21 e 22/IX , apresentados pelo BE, e 131/IX, apresentado pelo PCP.
Vamos, então, votar o projecto de lei n.º 21/IX - Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verde.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 22/IX - Altera o artigo 169.º do Código Penal e adita novo artigo nas matérias referentes ao tráfico de pessoas (BE).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verde.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 131/IX - Atribui às autarquias locais e às pessoas colectivas de utilidade pública direitos preferenciais na aquisição de imóveis do Estado (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verde e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Ética.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, Processo n.º 73/1998- Secção U, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Pontes (PS) a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, 3.º Juízo, Processo n.º 120/2000, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Antunes (PS) a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo objecções, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, já estou em condições de proclamar os resultados da eleição de quatro juízes para o Tribunal Constitucional, a que se procedeu esta tarde, cuja acta é do seguinte teor: "Aos vinte e oito dias do mês de Novembro do ano de dois mil e dois, procedeu-se à eleição de quatro Juízes para o Tribunal Constitucional.
Votantes 215
Votos Lista A 196
Votos "sim"" 196
Votos brancos…..….17
Votos nulos………… 2
Página 2614
2614 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Nos termos legais aplicáveis e face ao resultado obtido, declara-se eleito os candidatos propostos na Lista A:
- Juiz Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues
- Juiz Conselheiro Carlos José Belo Pamplona de Oliveira
- Licenciado em Direito Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão
- Juiz Conselheiro Mário José de Araújo Torres.
Para se constar, se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores: Manuel Oliveira - Miguel Coelho."
Srs. Deputados, congratulo-me com a eleição destes candidatos, que assim passam a integrar o número de juízes do Tribunal Constitucional e a assegurar que este Tribunal funcione com a totalidade dos seus membros.
Antes de encerrar a sessão, lembro que voltaremos a reunir amanhã, a partir das 10 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: debate mensal de interesse relevante, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 2, do Regimento, sobre ajuda humanitária a Angola; e apreciação da petição n.º 7/IX (1.ª) - Apresentada por José António Mendes Rebelo e outros, sobre o negócio e o tráfico ilegal de armas ligeiras.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Parente Antunes
João Carlos Barreiras Duarte
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José António de Sousa e Silva
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Partido Socialista (PS):
Fernando Ribeiro Moniz
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José Apolinário Nunes Portada
Manuel Alegre de Melo Duarte
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Partido Comunista Português (PCP):
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:
Partido Social Democrata (PSD):
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social Democrata (PSD):
Eduardo Artur Neves Moreira
Hugo José Teixeira Velosa
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
João Cardona Gomes Cravinho
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
Página 2615
2615 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002
Página 2616
2616 | I Série - Número 061 | 29 de Novembro de 2002