O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3562 | I Série - Número 084 | 07 de Fevereiro de 2003

 

com o que dele dizia a crítica, com o que dele diziam os produtores, com o que pensava o público. Não se preocuparia, mesmo, com o que dele disséssemos aqui, hoje.
Com a morte de César Monteiro, morreu uma parte da liberdade. Morreu João de Deus, um louco, como César Monteiro, um génio, como ele. E os génios, já se sabe, nunca têm de se explicar.
Com a morte de César Monteiro, perdeu-se um dos melhores cineastas da história portuguesa. Podia dizer-se que deu a conhecer, em todo o mundo, a cinematografia portuguesa. Podia dizer-se que manteve níveis de produção pouco habituais. Podia dizer-se que foi responsável por muitas polémicas que ajudaram a trazer para a praça púbica o debate sobre a criação artística. Podia até falar-se das dezenas de prémios que recebeu, apesar da incompreensão com que o País o brindava com frequência.
Mas o mais importante ficaria por dizer: César Monteiro fez-nos sentir vivos. E isso vale mais do que tudo.
À Flor do Mar, O Último Mergulho, A Bacia de John Wayne, Recordações da Casa Amarela, Comédia de Deus ou As Bodas de Deus são só alguns dos muitos filmes de César Monteiro.
César Monteiro disse um dia sobre outro realizador, com o humor corrosivo que lhe era habitual, que "este país descobriu que tem um cineasta maior do que ele próprio. Como não é possível alargar o País, encolhe-se o cineasta". Felizmente, César Monteiro ficou sempre grande. Mesmo quando o País não deu por isso.
Com a morte de César Monteiro, os ecrãs de muitos cinemas ficaram negros. Ele teria gostado.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto n.º 38/IX.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos ao voto n.º 39/IX - De pesar pelo falecimento de José Craveirinha (PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes).
Para proceder à leitura do voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires de Lima.

A Sr.ª Isabel Pires de Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Para Moçambique, a perda de José Craveirinha não é apenas a perda de uma voz maior da literatura moçambicana, é a perda de uma das vozes fundadoras de uma identidade literária moçambicana, a qual atravessou o século XX e que, portanto, empreendeu a caminhada que o povo moçambicano e a sua literatura percorreram no sentido da afirmação da independência.
Depois de 80 intensos anos de vida, em que foi sobretudo poeta, mas também atleta, e jornalista, e revisor, e contista, e ensaísta, e "cidadão de uma nação que ainda não existe", como ele proclamou no seu livro de estreia Xigubo, editado em Lisboa, em 1964, pela Casa dos Estudantes do Império, Craveirinha deixa-nos, mas não sem antes nos ter contemplado, em 1995, com uma espécie de testamento, a que chamou Poema de José Craveirinha num dia em que estava todo negro e onde diz:
"Olhem José Craveirinha que vai
vestido de negro passando
no luto calmo de si mesmo. (…)
Olhem José Craveirinha que leva o autêntico cerne
(…) do signo romântico das aves que cantam
na fatal paisagem de um continente
e nos poemas subversivos que o poeta não inventou. (…)
Olhem José Craveirinha que vai
No fatalismo atávico dos tambores rongas
Passando vestido de negro
No luto de si mesmo."
E, nestes versos, Craveirinha diz-se inteiro naquilo que constituiu o essencial da sua poesia, da sua prática da cidadania, da sua vida: a afirmação de uma identidade moçambicana construída
- por um lado, num discurso literário que, como lembra Rui Knopfli, "transporta em si, profundamente arreigadas, as sementes de revolta, a denúncia frontal de uma exacerbada condição de injustiça, o amor e a raiva, temperados no lume obstinado da compaixão e solidariedade" - e basta lembrar alguns versos do famoso poema Grito negro:
"Eu sou carvão.
Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha
Combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão."
- por outro lado, (uma identidade moçambicana) feita de um ideal de mestiçagem harmoniosa, que de resto o marca biologicamente, filho que foi de pai algarvio branco e de mãe ronga negra, mestiçagem cultural espelhada no célebre poema A fraternidade das palavras, que termina assim:
"E eis que num espasmo
de harmonia como todas as coisas
palavras rongas e algarvias ganguissam
neste satanhoco papel
e recombinam o poema."
Craveirinha iniciou a sua actividade quer como jornalista, quer como poeta, nos anos 50, no jornal moçambicano Brado Africano, jornal pelo qual lutou com todas as suas forças, tendo publicado depois em revistas africanas, portuguesas, como Mensagem, e brasileiras, sobretudo, embora hoje seja um poeta traduzido em inúmeras línguas. Ele é, de resto, um escritor muito premiado nacional e internacionalmente, tendo sido prémio Camões, em 1991.
Para além do já referido Xigubo, logo apreendido pela PIDE, que o usou como prova no processo de que foi vítima durante o período em que esteve preso, entre 1965 e 1969, Craveirinha tem inúmeros títulos publicados, de que destaco Karingana ua Karingana, Cela 1, Maria. Foi um embaixador da literatura moçambicana

Páginas Relacionadas
Página 3563:
3563 | I Série - Número 084 | 07 de Fevereiro de 2003   no mundo e foi o prim
Pág.Página 3563