O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4459 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Entendemos que a jurisdição internacional assenta num princípio generoso, um princípio de combate à impunidade, mas essa justiça internacional só será justiça se for igual para todos - não é aceitável que haja uma justiça contra os mais fracos, contra os menos poderosos, contra os vencidos e que haja uma impunidade dos vencedores, uma impunidade dos mais fortes. Isso não é justiça, isso é lei da selva e uma jurisdição internacional que aceite esse estado de coisas não será mais do que um simulacro de jurisdição.
Nós, perante esse cepticismo, achámos que era importante que o Estado português desse um sinal de que não aceita a impunidade dos autores de crimes contra a Humanidade que possam ser encontrados em Portugal e, para assegurar isso, faça o que fizer o Tribunal Penal Internacional, o importante é que os tribunais portugueses possam estar habilitados com as normas de competência para cumprir o seu dever nessa matéria e não deixar impune quem não deva ficar impune.
Portanto, a regra básica desta iniciativa legislativa é essa. Isto é, não há qualquer crime que seja punido pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional que não seja também punido directamente pela ordem jurídica portuguesa. Nesse sentido, propomos que o Código Penal seja densificado por forma a que todos os crimes previstos no Estatuto de Roma estejam também directamente previstos pelo Código Penal português e possam ser julgados em Portugal e os seus autores possam ser punidos em Portugal segundo os princípios do nosso Direito Penal e Processual Penal. Isto porque o estado actual do Tribunal Penal Internacional nos suscita também as maiores apreensões, e isso só reforça a importância de estas iniciativas legislativas serem discutidas e aprovadas agora.
De facto, estão a confirmar-se, de alguma forma, os nossos piores receios em relação ao Tribunal Penal Internacional. Nós bem gostaríamos de não ter razão! Bem gostaríamos de poder dizer hoje que, afinal, estávamos com preocupações desajustadas e que estávamos perante o nascimento de uma verdadeira jurisdição internacional, mas quando nós verificamos que a própria União Europeia, que tanto se bateu pela ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, vem aceitar que os seus Estados-membros possam fazer acordos bilaterais com os Estados Unidos da América por forma a isentar militares e diplomatas norte-americanos da aplicação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, então podemos dizer que a vida, infelizmente, está a dar-nos razão!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - De facto, começa a haver uma justiça para uns e impunidade para outros, e Estados que se bateram pela ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, um estatuto que não admitia reservas, estão afinal a admitir que os Estados Unidos da América possam fazer reservas e que os outros Estados o aceitem.
Como foi dito - e muito bem - pelo Dr. Mário Soares, quando foi ouvido pela Comissão para a Reforma do Sistema Político, "isto é uma pouca vergonha e o Estado português não deveria, de forma nenhuma, aceitar isto"!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Tribunal Penal Internacional está confrontado com desafios aos quais terá de responder - ou não!
Nós sabemos que os Estados Unidos da América não ratificaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional - aliás, as maiores potências mundiais não o fizeram, o que, evidente e objectivamente, limita a esfera de actuação do Tribunal Penal Internacional.
Sabemos também que o autor de mais crimes contra a Humanidade nos últimos anos, que é o Estado de Israel, também não ratificou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional - saberá por que o faz…! Mas o Tribunal Penal Internacional, ainda assim, está confrontado com um desafio: a Grã-Bretanha ratificou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional e se o Sr. Anthony Blair não for julgado, tal como já foi solicitado pelo Tribunal Penal Internacional, pelos crimes contra a Humanidade por que está a ser responsável no Iraque no dia de hoje, então aí o Tribunal Penal Internacional não estará a cumprir o seu estatuto e estará a pactuar com uma situação em que, efectivamente, a justiça não é para todos e, não sendo para todos, não é justiça.
Nós vamos ver o que vai acontecer nessa matéria.
De qualquer forma, aquilo que estamos a discutir hoje é assegurar que, em Portugal, não haverá impunidade para nenhum autor de crimes contra a Humanidade que possa ser perseguido e encontrado em Portugal - e isso, para nós, é que é a questão fundamental.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje estamos a fazer em torno das adaptações à lei penal interna visando o pleno exercício de jurisdição relativamente a indivíduos acusados da prática dos crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional corresponde a um passo adicional no sentido da adequação da ordem jurídica portuguesa aos compromissos assumidos de consolidação da legalidade internacional em matéria penal.
A preocupação da comunidade internacional acerca da necessidade de garantir a incriminação dos crimes de maior gravidade, mesmo quando cometidos por responsáveis políticos ou por forças militares em quadro de guerra, está intimamente associada à criação da ordem internacional emergente da tragédia humana que constituiu a segunda guerra mundial.
Logo em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu a necessidade de um tribunal penal internacional para julgar crimes como o do genocídio. Foi, contudo, necessário esperar até ao fim da guerra fria para que a legalidade internacional se afirmasse criando as condições necessárias para a constituição de um órgão de justiça penal internacional de carácter permanente.
Os tribunais penais internacionais ad hoc constituídos para julgar os crimes cometidos na ex-Jugoslávia e no Ruanda, criados com base em deliberações do Conselho de Segurança demonstraram igualmente que a limpeza étnica, o genocídio, os crimes de guerra e os crimes contra a Humanidade não são indiferentes ao Direito internacional - e este não pode basear-se na lei do mais forte nem rescindir das garantias de defesa dos acusados.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!