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4470 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Eu e alguns colegas merecemos, desde logo, a atenção de um grupo de praxistas, que incluía, curiosamente, um destacado presidente da Associação Académica - veio a sê-lo - e que foi depois um trunfo, digamos assim, na política de "aquisições" do Partido Socialista, António Vigário. E aí começaram, devo dizer, os tempos mais divertidos e mais interessantes da minha vida de estudante.
Com o meu padrinho de praxe e com os seus companheiros, reforcei o sentido de camaradagem e de entreajuda, senti a solidariedade e a responsabilidade de quem estuda numa academia secular; o fado passou a ecoar de outra maneira; e apoiar a Académica, além do gosto que já tinha pelo futebol, passou a ser quase uma religião. Havia fins-de-semana em que o mais adequado seria talvez estudar para os exames, mas a minha "Briosa" impunha-me outra coisa.
Foi também com esse grupo que aprendi algumas dicas fundamentais sobre os professores mais exigentes, sobre as sebentas mais intragáveis, sobre os funcionários mais respeitáveis, sobre os exames que deveria fazer por frequência e, claro, a apreciar as festas académicas com outro sentimento, da recepção ao caloiro à Latada, passando pela Queima das Fitas.
Pelo caminho, claro que houve "partes gagas", claro que respeitei uma hierarquia, claro que desfilei na Latada em obediência aos doutores até ser baptizado com a água do "Basófias", o Mondego. Mas nunca com humilhação.
Faz-me, por isso, impressão que se seja contra a praxe quando ela é boa. Os casos de que falam não são praxe, são barbárie, são selvajaria, até são crime.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas sejamos metódicos e vamos então às "baterias" antipraxe.
Primeiro argumento antipraxe: a legislação é anacrónica.
Está já previsto um projecto, organizado pelo CRUP e pelo CSISP, e ainda bem. Porém, sublinho que já o Código Civil e o Código Penal previam maneiras de obviar a estes excessos. Por outro lado, um estatuto não pode ser mais do que um enquadramento disciplinar do que a lei já acautela. Obrigar a práticas humilhantes é coação, agressões são ofensas corporais em qualquer lado. Por isso, ser contra a praxe pura e simples quando ela é boa será uma relativa hipocrisia se não assumirmos, de facto, uma guerra deliberada e ideológica à tradição.
Segundo argumento: a praxe é uma tradição anacrónica.
Cito aqui o actual Dux Veteranorum da Academia de Coimbra, João Luís de Jesus: "A praxe é uma evolução ao longo dos tempos, tendo sempre presente a sociedade em que está inserida. A adaptação dos cerimoniais às novas realidades, mantendo as ideias e os princípios que lhes deram origem, é necessária."
Há 20 anos ainda havia a pastada e o canelão, hoje já não há. Depois, a questão é filosófica. Obviamente que se formos antipraxe, antitradição, deterministas, anarquistas ou se quisermos aproveitar o momento mediático, rejeitamos a tradição, refugiamo-nos no racionalismo à outrance, e aí não há nada a fazer, temos, de facto, a discussão encerrada.
Terceiro argumento: a praxe é hierárquica.
Certo! Bingo! Nem é preciso estudar em Coimbra para reconhecê-lo! Porém, a democracia - vide Robert Dahl e outros teóricos - subsiste e subsistirá, ela própria, com hierarquia. O Presidente da Assembleia da República é a segunda figura do Estado, há directores-gerais, há presidentes e vice-presidentes de bancada parlamentar, há delegados de turma, há delegados sindicais e até há coordenadores de manifestações! Portanto, não é por aí…! Muito menos quando a hierarquia é renunciável numa praxe, que é apenas, e bem, uma parte das tradições académicas.
Quarto argumento: a praxe é humilhante e violenta.
Eis-nos chegados, de facto, a um argumento que eu reputo de tomo de quem é contra a praxe. Há práticas, de facto, inaceitáveis: poses e gritos sexuais não são praxe, são tara; excrementos de animais não é praxe, é atraso mental; tortura física não é praxe, é vandalismo; exibição de roupa interior não é praxe, é "voyeurismo"; insultos à família não é praxe, é imbecilidade e estupidez.
Quinto e último argumento: a praxe obriga a dizer que não se quer a praxe e, por outro lado, não é democrática.
Dizer "não" é um acto comum; da publicidade electrónica à mais comum oferta para contratar, da doação de órgãos pós-morte à mais romântica das abordagens nocturnas.
Em muitas situações na vida temos de dizer "não", e o mundo não cai por causa disso. É sempre possível dizer "não" à praxe. Por exemplo, quem se sinta verdadeiramente incomodado pode, na Academia de Coimbra, recorrer ao Conselho de Veteranos e obter um salvo-conduto para jamais voltar a ser incomodado pelas trupes. Até a sanção do rapanço é hoje mais ou menos tolerada e mais ou menos combinada entre quem sanciona e quem é sancionado. Só não pode é praxar aquele que não quer ser praxado, mas pode participar nas festas académicas e pode até usar traje académico.
A praxe não é democrática?! Sempre é mais democrática do que quem visa proibir a praxe! Por uma razão muito simples: quem visa proibir a praxe usa os argumentos do "anti", que são os menos democráticos que há. Por outro lado, quem gosta da praxe, da boa praxe, deixa sair dela quem não quer ser praxado. Os contestatários não querem dar hipótese de aderir àqueles que gostam de aderir a uma praxe boa e saudável. Esta suposta democracia de "piquete" encerra em si mesma as causas do seu totalitarismo.
Vejamos se nos entendemos: a praxe, para nós, tem a ver com camaradagem, amizade, aconselhamento aos mais novos e integração, via tradição e boa disposição, sendo tudo o mais censurável e punível. Mas há que reconhecer que a massificação do ensino tem novas escolas a quererem afirmar-se, muitas vezes mal, tem algum declínio ético - é o preço a pagar pela democratização do ensino (tem custos, é óbvio) - e, por outro lado, tem práticas lamentáveis.
O PPD-PSD entende o seguinte: as medidas disciplinares que balizam as coisas numa ética que permite ver o si-mesmo como o outro é positiva se for para isso mesmo. Por outro lado, o apelo à auto-regulação das academias é, de facto, positivo, e nós acreditamos na auto-regulação.
Se assim for, digo ao CDS-PP que responderia "tudo" se me perguntassem se por vós não vai "nada, nada, nada". E, em relação à vossa proposta, é com pujança e vigor académico que deixo o nosso "Efe-Erre-Á".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

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