O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 4455

Sábado, 29 de Março de 2003 I Série - Número 106

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE MARÇO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado


S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
A Câmara procedeu à discussão, conjunta e na generalidade, dos projectos de lei n.os 224/IX - Assegura a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (Altera o Código Penal Português em matéria do crime de genocídio, dos crimes contra a Humanidade e dos crimes de guerra) (PSD) e 262/IX - Altera o Código Penal, para garantia do julgamento em Portugal dos autores de crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional (PCP). Intervieram no debate os Srs. Deputados Eugénio Marinho (PSD), António Filipe (PCP), Eduardo Cabrita (PS), Narana Coissoró (CDS-PP) e Luís Fazenda (BE).
Foi também apreciado, na generalidade, o projecto de resolução n.º 82/IX - Medidas de enquadramento das praxes académicas (CDS-PP), sobre o qual se pronunciaram os Srs. Deputados João Pinho de Almeida (CDS-PP), Daniel Rebelo (PSD), Joana Amaral Dias (BE), Augusto Santos Silva (PS), Bruno Dias (PCP) e Gonçalo Capitão (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 11 horas e 40 minutos.

Página 4456

4456 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge José Varanda Pereira
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura

Página 4457

4457 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Vicente José Rosado Merendas

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, dado que hoje não há expediente, vamos entrar de imediato no período da ordem do dia, começando pela discussão conjunta do projecto de lei 224/IX, apresentado pelo PSD, e do projecto de lei n.º 262/IX, apresentado pelo PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei em apreciação, apresentado pelo grupo parlamentar do PSD, visa assegurar a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Sendo esta matéria a que hoje nos cumpre debater, não se dispensa, porém, uma análise, ainda que sucinta, às razões que motivaram a elaboração deste projecto de lei.
Como é sabido, na legislatura anterior, aprovámos para ratificação o Estatuto do Tribunal Penal Internacional através da resolução n.º 3/2002, tendo a ratificação ocorrido por Decreto de S. Ex.ª o Presidente da República, n.º 2/2002, de 18 de Janeiro. Desde então, Portugal passou a estar submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Porém, sendo, como é, um tribunal complementar das jurisdições penais nacionais, conforme resulta do artigo 1.º do Estatuto de Roma, este só intervém quando as instâncias não actuam por não pretenderem fazê-lo ou pelo facto de a sua legislação penal o não permitir. Daí a necessidade de adequar a legislação penal portuguesa à nova realidade internacional de justiça penal decorrente do Estatuto de Roma.
Permitam-me, antes, porém, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que faça um brevíssimo historial dos antecedentes do Tribunal Penal Internacional.
Ao longo de décadas, a comunidade internacional viveu sem possuir uma autoridade em matéria de justiça penal capaz de julgar os autores de crimes de genocídio, de guerra ou contra a Humanidade. Só a gravidade das atrocidades cometidas na segunda guerra mundial fizeram mobilizar a comunidade internacional para julgar, pela primeira vez, os responsáveis pela prática de tais crimes. Assim surgiram os tribunais penais internacionais ad hoc de

Página 4458

4458 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Nuremberga e Tóquio, que mais não eram do que tribunais constituídos pelos vencedores para julgar os vencidos. Posteriormente, muitos anos mais tarde, em 1993 e em 1994, foram criados os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, respectivamente. Em todos os casos, tais tribunais, com eficácia muito duvidosa, como o relativo ao Ruanda, limitaram-se a actuar em relação a um caso concreto, deixando por julgar tantos e tantos outros crimes praticados contra populações inteiras. Que o digam os timorenses que, tendo sido, como foram, vítimas de crimes de genocídio, não viram até hoje julgados, de forma firme e transparente, os seus autores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Faltava, por isso, na ordem internacional, uma instância penal de carácter universal; mas faltou sempre também uma instância que, ao invés de actuar a posteriori e pela via da repressão, actuasse preventivamente e pela via da dissuasão, e ainda que tivesse também subjacente a preocupação de reparar os lesados pela prática dos crimes de genocídio, de guerra e contra a Humanidade. Foi, pois, um passo decisivo para a comunidade internacional a criação do Tribunal Penal Internacional. E foi, para Portugal, com toda a certeza, gratificante proceder à ratificação do Estatuto de Roma. Tudo isto, no entanto, não significa que o Estado português se reduza à instância penal internacional agora instalada e a funcionar, e que não adeqúe o seu Código Penal a esta nova ordem jurídica internacional, tanto mais que, sendo Portugal um país humanista cuja preocupação primeira se centra no primado da pessoa humana, não pode encarar de ânimo leve o conteúdo da alínea b) do n.º 1 do artigo 77.º do Estatuto de Roma, que prevê a pena de prisão perpétua há muito abolida do nosso ordenamento jurídico.
Ora, por via disto, o PSD apresentou o projecto de lei n.º 224/IX, que pretende garantir a inexistência de incompetência dos tribunais portugueses em razão da matéria. Em consequência, propõe a inclusão na alínea b) do artigo 5.º do Código Penal de um novo artigo 239.º-A e do artigo 241.º com nova redacção, que se reportam aos crimes contra a Humanidade e de guerra, respectivamente, atribuindo dessa forma competência aos tribunais portugueses para julgar os autores destes crimes praticados fora do território nacional desde que os mesmos se encontrem em Portugal e não possam ser extraditados; inclui, no artigo 118.º do Código Penal a imprescritibilidade dos crimes da competência do Tribunal Penal Internacional, conforme resulta do artigo 29.º do Estatuto de Roma e ainda em resultado de outros tratados ou convenções; dá nova redacção ao artigo 239.º do Código Penal, que versa sobre os crimes de genocídio; altera o artigo 241.º do Código Penal, que, presentemente, se refere a crimes de guerra contra civis, passando a referir-se exclusivamente a crimes de guerra, e dá-lhe, em síntese, o conteúdo do artigo 8.º do Estatuto de Roma; dá ainda nova redacção ao artigo 242.º do Código Penal, que se refere à destruição de monumentos, alargando o seu âmbito de aplicação; e, por fim, cria o artigo 239.º-A que passa a versar sobre os crimes contra a Humanidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, importa, por último, referir que todos os contributos, por forma a que se assegure a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição penal internacional, são bem-vindos. Para além do projecto de lei que o grupo parlamentar do PSD apresentou, contamos já também com o projecto de lei ora apresentado pelo PCP. Sabemos ainda - e passo desde já publicamente a afirmar - que, a muito breve prazo, iremos contar com um importante contributo que o Governo nos fará chegar. E, em sede de especialidade, por certo contaremos com o empenho de todos os grupos parlamentares para que a lei que, em definitivo, viermos a aprovar, cumpra por completo os objectivos a que nos propomos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de poder apresentar com mais tempo o projecto de lei do PCP sobre esta matéria - infelizmente, o Regimento é aquele que é e verifica-se que, enquanto que uns autores dispõem de 12 minutos, nós, que também apresentamos um projecto com igual relevância, dispomos apenas de oito!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, vou procurar, apesar de tudo, expor as linhas fundamentais da nossa iniciativa legislativa.
A nossa ideia - aliás, convergimos com o projecto que foi apresentado agora pelo PSD e que tinha sido apresentado também na anterior legislatura, na sequência de iniciativa apresentada pelo PCP e que, agora, também retomamos - visa assegurar a competência plena dos tribunais portugueses em face da jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Isto é, trata-se de transpor para a ordem jurídica portuguesa todos os crimes previstos e punidos pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional, com excepção, evidentemente, daqueles que já se encontram previstos na legislação portuguesa.
Fazemo-lo, em primeiro lugar, como já foi dito pelo Sr. Deputado Eugénio Marinho, devido ao princípio da complementaridade que existe da jurisdição do Tribunal Penal Internacional relativamente à jurisdição de cada um dos Estados seus signatários. E fazemo-lo porque, designadamente em matéria de molduras penais, são conhecidas as divergências que aqui manifestámos relativamente às molduras penais previstas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional - como se sabe, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê a aplicação da prisão perpétua, que a ordem jurídica portuguesa não prevê, e nós criticámos o facto de a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional poder implicar para a ordem jurídica portuguesa uma recepção, ainda que indirecta, da prisão perpétua.
Ora bem, uma forma de assegurar que os autores de crimes contra a Humanidade, que estejam previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, sejam julgados em Portugal - caso fossem encontrados em Portugal - de acordo com os nossos princípios e não outros, é precisamente transpor todos os crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ordem jurídica portuguesa por forma a que eles possam ser julgados aqui segundo os nossos princípios.
Por outro lado, apresentámos também este projecto de lei manifestando o nosso cepticismo perante as condições reais de o Tribunal Penal Internacional, tal como foi configurado no Estatuto de Roma, poder julgar de forma independente, de forma imparcial e "doa a quem doer".

Página 4459

4459 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Entendemos que a jurisdição internacional assenta num princípio generoso, um princípio de combate à impunidade, mas essa justiça internacional só será justiça se for igual para todos - não é aceitável que haja uma justiça contra os mais fracos, contra os menos poderosos, contra os vencidos e que haja uma impunidade dos vencedores, uma impunidade dos mais fortes. Isso não é justiça, isso é lei da selva e uma jurisdição internacional que aceite esse estado de coisas não será mais do que um simulacro de jurisdição.
Nós, perante esse cepticismo, achámos que era importante que o Estado português desse um sinal de que não aceita a impunidade dos autores de crimes contra a Humanidade que possam ser encontrados em Portugal e, para assegurar isso, faça o que fizer o Tribunal Penal Internacional, o importante é que os tribunais portugueses possam estar habilitados com as normas de competência para cumprir o seu dever nessa matéria e não deixar impune quem não deva ficar impune.
Portanto, a regra básica desta iniciativa legislativa é essa. Isto é, não há qualquer crime que seja punido pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional que não seja também punido directamente pela ordem jurídica portuguesa. Nesse sentido, propomos que o Código Penal seja densificado por forma a que todos os crimes previstos no Estatuto de Roma estejam também directamente previstos pelo Código Penal português e possam ser julgados em Portugal e os seus autores possam ser punidos em Portugal segundo os princípios do nosso Direito Penal e Processual Penal. Isto porque o estado actual do Tribunal Penal Internacional nos suscita também as maiores apreensões, e isso só reforça a importância de estas iniciativas legislativas serem discutidas e aprovadas agora.
De facto, estão a confirmar-se, de alguma forma, os nossos piores receios em relação ao Tribunal Penal Internacional. Nós bem gostaríamos de não ter razão! Bem gostaríamos de poder dizer hoje que, afinal, estávamos com preocupações desajustadas e que estávamos perante o nascimento de uma verdadeira jurisdição internacional, mas quando nós verificamos que a própria União Europeia, que tanto se bateu pela ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, vem aceitar que os seus Estados-membros possam fazer acordos bilaterais com os Estados Unidos da América por forma a isentar militares e diplomatas norte-americanos da aplicação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, então podemos dizer que a vida, infelizmente, está a dar-nos razão!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - De facto, começa a haver uma justiça para uns e impunidade para outros, e Estados que se bateram pela ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, um estatuto que não admitia reservas, estão afinal a admitir que os Estados Unidos da América possam fazer reservas e que os outros Estados o aceitem.
Como foi dito - e muito bem - pelo Dr. Mário Soares, quando foi ouvido pela Comissão para a Reforma do Sistema Político, "isto é uma pouca vergonha e o Estado português não deveria, de forma nenhuma, aceitar isto"!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Tribunal Penal Internacional está confrontado com desafios aos quais terá de responder - ou não!
Nós sabemos que os Estados Unidos da América não ratificaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional - aliás, as maiores potências mundiais não o fizeram, o que, evidente e objectivamente, limita a esfera de actuação do Tribunal Penal Internacional.
Sabemos também que o autor de mais crimes contra a Humanidade nos últimos anos, que é o Estado de Israel, também não ratificou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional - saberá por que o faz…! Mas o Tribunal Penal Internacional, ainda assim, está confrontado com um desafio: a Grã-Bretanha ratificou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional e se o Sr. Anthony Blair não for julgado, tal como já foi solicitado pelo Tribunal Penal Internacional, pelos crimes contra a Humanidade por que está a ser responsável no Iraque no dia de hoje, então aí o Tribunal Penal Internacional não estará a cumprir o seu estatuto e estará a pactuar com uma situação em que, efectivamente, a justiça não é para todos e, não sendo para todos, não é justiça.
Nós vamos ver o que vai acontecer nessa matéria.
De qualquer forma, aquilo que estamos a discutir hoje é assegurar que, em Portugal, não haverá impunidade para nenhum autor de crimes contra a Humanidade que possa ser perseguido e encontrado em Portugal - e isso, para nós, é que é a questão fundamental.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que hoje estamos a fazer em torno das adaptações à lei penal interna visando o pleno exercício de jurisdição relativamente a indivíduos acusados da prática dos crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional corresponde a um passo adicional no sentido da adequação da ordem jurídica portuguesa aos compromissos assumidos de consolidação da legalidade internacional em matéria penal.
A preocupação da comunidade internacional acerca da necessidade de garantir a incriminação dos crimes de maior gravidade, mesmo quando cometidos por responsáveis políticos ou por forças militares em quadro de guerra, está intimamente associada à criação da ordem internacional emergente da tragédia humana que constituiu a segunda guerra mundial.
Logo em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu a necessidade de um tribunal penal internacional para julgar crimes como o do genocídio. Foi, contudo, necessário esperar até ao fim da guerra fria para que a legalidade internacional se afirmasse criando as condições necessárias para a constituição de um órgão de justiça penal internacional de carácter permanente.
Os tribunais penais internacionais ad hoc constituídos para julgar os crimes cometidos na ex-Jugoslávia e no Ruanda, criados com base em deliberações do Conselho de Segurança demonstraram igualmente que a limpeza étnica, o genocídio, os crimes de guerra e os crimes contra a Humanidade não são indiferentes ao Direito internacional - e este não pode basear-se na lei do mais forte nem rescindir das garantias de defesa dos acusados.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

Página 4460

4460 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

O Orador: - A aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional constitui um ponto de viragem na construção da legalidade penal internacional. Foi aprovado por 120 Estados em torno da ideia da universalidade do repúdio suscitado por crimes como o genocídio, a tortura, as violações graves do direito humanitário, no quadro de uma exigência de solidariedade internacional e de responsabilidade partilhada pelos Estados na prevenção e repressão dos crimes mais graves com alcance internacional.
Foi surpreendente para os críticos, bem como para os cépticos da legalidade internacional, que, apesar de todas as reservas das tiranias e da campanha contra a justiça internacional movida pelos Estados Unidos desde a eleição do Presidente Bush, o Tribunal Penal Internacional tenha atingido, em Abril de 2002, as 60 ratificações necessárias à sua entrada em vigor. Hoje o Estatuto está já ratificado por 89 países. Foram já escolhidos os 18 juízes e reunido o consenso em torno da designação do procurador.
Desde Julho de 2002, os crimes cometidos com relevância internacional poderão ser já julgados por esta nova jurisdição internacional de carácter permanente.
Portugal participou activamente na redacção do Estatuto de Roma. Esteve entre os 60 Estados fundadores que permitiram a entrada em funcionamento do TPI em conjunto com todos os Países-membros da União Europeia.
A ratificação do Estatuto de Roma esteve na origem de um processo de revisão constitucional extraordinário, visando adaptar a Constituição, no respeito pela nossa tradição penal, a este Tribunal Penal Internacional.
A Resolução da Assembleia da República que aprovou, para ratificação, o Estatuto do TPI manifestou a intenção de Portugal exercer poder de jurisdição sobre as pessoas encontradas em território nacional indiciadas pelos crimes previstos no Estatuto com observância da nossa tradição penal, de acordo com as regras constitucionais e a lei penal interna.
Os projectos de lei hoje em debate visam, ao alterar o elenco de crimes previstos no Código Penal e ao alargar o princípio da aplicação territorial da lei penal portuguesa, com fundamentos contraditórios, dar resposta à mesma questão jurídica.
A plenitude da jurisdição é justificada pelo PSD pelo objectivo de garantir a inexistência de situações de incompetência dos tribunais portugueses em razão da matéria. Por seu lado, o PCP justifica-a com base nas reservas que sempre teve relativamente à legalidade penal internacional, designadamente relativamente à criação do TPI.
Isto é, concordando com o princípio da plena competência da lei penal portuguesa na prevenção e repressão dos atentados aos direitos humanos, designadamente dos crimes contra a Humanidade, julgamos que a prioridade dada pelos projectos à afirmação do nacionalismo jurídico-penal torna manifestamente incompleta a necessária consagração de mecanismos de articulação entre os tribunais penais portugueses e o Tribunal Penal Internacional.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem observado!

O Orador: - Esqueceu-se a necessidade da definição de regras de cooperação com o TPI, quando essas regras já existem relativamente à cooperação com os Tribunais Penais ad hoc para a ex-Jugoslávia e o Ruanda e outras estão em discussão neste momento no âmbito da transposição da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu, sem falar já nos termos gerais previstos na lei de cooperação judiciária internacional.
Ao adaptar mecanicamente o Estatuto do TPI à lei penal interna consagra-se a aplicação analógica de leis incriminatórias e a consagração de tipos penais com carácter vago e indeterminado. Não é manifestamente adequado aos nossos princípios jurídico-penais a incriminação por um tipo como o de "acto desumano análogo aos referidos nas alíneas anteriores", como consta do projecto de lei do PSD, ou pela prática de "qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável", como se lê no projecto do PCP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Finalmente, não existem regras de adaptação do processo penal nacional às regras do novo Direito Processual Penal internacional. Isto é, estamos totalmente de acordo com os princípios que justificaram a criação do TPI, bem com o princípio da plenitude de jurisdição dos tribunais portugueses, mas a metodologia assente exclusivamente na nacionalização do Direito Penal internacional é apressada na redacção, incompleta no objecto e geradora de potenciais incertezas na futura aplicação, tanto do Direito Penal substantivo como do Direito Processual Penal.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos, assim, que na especialidade sejam encontradas as soluções que assegurem o pleno exercício da jurisdição dos tribunais portugueses no quadro da afirmação, de acordo com o princípio da subsidiariedade, do princípio da legalidade penal internacional no respeito pelos direitos humanos e na repressão dos crimes de guerra e dos crimes contra a Humanidade.
Finalmente, não podemos deixar de saudar o PSD, neste momento - em que o vosso Governo arrasta o País no apoio para uma guerra que tem como dano imediato a maior crise da legalidade internacional desde a criação das Nações Unidas -, por esta manifestação de adesão à consolidação da justiça penal internacional tão vilipendiada pela actuação do vosso amigo americano, que anulou a assinatura do Estatuto de Roma feita pelo Presidente Clinton e tudo tem feito para impedir a entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, em que americanos, britânicos e iraquianos morrem numa guerra contrária à legalidade internacional, é fundamental a consolidação deste Estatuto, que assegura um órgão permanente de justiça penal internacional.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discute-se, hoje, a adaptação da legislação penal nacional ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Já aqui foi feito o debate sobre o próprio Tribunal Penal Internacional e, como é natural, todos estão de acordo

Página 4461

4461 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

com o facto de que a criação deste tribunal permanente - e não de um tribunal ad hoc - para julgar os crimes mais graves que a Humanidade enfrenta é um grande passo civilizacional e uma das conquistas do nosso século.
Não é o facto de determinados Estados, mesmo que muito fortes, se recusarem a ratificar esse Estatuto - como acontece com os Estados Unidos da América, o que lamentamos, ou como Israel ou ainda como quaisquer outras potências, a Índia e a China, por exemplo - que retira importância ou valor à existência do Tribunal Penal Internacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nem ao Conselho de Segurança!

O Orador: - Efectivamente, o Tribunal Penal Internacional é a luz, o farol, e não são estes países que poderão eventualmente dar passos atrás.
É pena que a União Europeia tenha autorizado que os seus Estados-membros assinassem tratados bilaterais com os Estados Unidos da América ou outros países para isentar os seus cidadãos de julgamentos por práticas de crimes hediondos. Isto é também um crime contra a Civilização, porque efectivamente não se pode admitir que determinados países que são os que mais podem praticar esses crimes sejam efectivamente aqueles que querem ver-se afastados da jurisdição do Tribunal Penal Internacional e outros que nunca praticarão esses crimes, porque não têm meios para praticar essas acções, sejam os primeiros a ratificar esse Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Por isso mesmo, é com grande honra e satisfação que Portugal se enfileira entre os países que assinaram e ratificaram o Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
O problema que aqui se coloca entre os dois diplomas hoje em debate tem a ver com uma opção política.
Devido aos seus compromissos anteriores, o Partido Comunista Português o que quer é criar uma alternativa ao Tribunal Penal Internacional. Isto é, passando por cima do princípio de que o Tribunal Penal Internacional é complementar do tribunal penal nacional, o projecto de lei do Partido Comunista Português quer esquecer por completo a sua existência e trazer para a legislação nacional tudo o quanto está ou poderia estar no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de modo a que, em qualquer caso, nunca haja para os portugueses nem para aqueles que se encontrem em Portugal, e que tenham praticado os crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a entrega a esse tribunal.
Trata-se de uma atitude que está de acordo com aquilo que o PCP defende: não haver um Tribunal Penal Internacional. Agora, porque ele já existe, o Partido Comunista Português vem, apressadamente, enriquecer o nosso Código Penal,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E onde está a confiança nos nossos tribunais?

O Orador: - … o que mostra uma opção política que, aliás, não me choca, desde que esses crimes sejam julgados - porque é sempre bom que não fiquem impunes, seja de uma forma ou de outra.
O projecto de lei do PSD está conforme com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Isto é, prevê que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional seja uma legislação complementar, mas resguardando, em nome da nossa soberania, em homenagem aos nossos tribunais, respeitando as nossas tradições culturais, que esses crimes possam e devam ser julgados em primeira mão em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Isto está de acordo com a nossa tradição e, efectivamente, os crimes que o Tribunal Penal Internacional prevê não são crimes estranhos aos nossos; pode haver, como se diz no preâmbulo do diploma, algumas dissemelhanças, algumas redacções de artigos que não sejam absolutamente coincidentes, o que pode suscitar uma margem para dúvidas na invocação da incompetência do tribunais portugueses para julgar determinados crimes. Isto é, o Tribunal Penal Internacional não perde - ao contrário do que sucede no projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português - a sua vocação e a sua jurisdição para julgar todos os crimes que estão previstos no seu Estatuto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portugal, em nome da soberania, isto é, para garantir o primado dos nossos órgãos de soberania em face dos outros, para que diminuam o mais possível as diferenças entre a nossa legislação nacional e a legislação do Tribunal Penal Internacional, faz um esforço para que essa invocação de incompetência que porventura possa ter sucesso, para que a redacção do articulado das leis não seja um fundamento para entregarmos ao Tribunal Penal Internacional os nossos cidadãos e aqueles que, encontrando-se no País, tenham praticado os crimes e não possam ser extraditados e sejam julgados pelos juízes portugueses. Esse é o nosso dever. É essa a confiança que temos na nossa justiça, é a confiança que temos nos nossos tribunais e, além de tudo o mais, é o princípio da garantia da nossa soberania.
Os dois diplomas merecem o debate na especialidade. Naturalmente que estamos mais perto do projecto de lei do PSD, por não ser uma alternativa, porque presta serviço à legislação nacional e porque defende a nossa filosofia política, pois nós também somos coerentes como o PCP. Para o PCP não devia existir o Tribunal Penal Internacional. Nós respeitamos o Tribunal Penal Internacional e, portanto, é muito natural que estejamos com daqueles que contam com ele do que daqueles que defendem que ele não deve existir. É essa a diferença que saliento: a da filosofia política, não a da diferença dos diplomas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Chamo a atenção dos Srs. Deputados de que assistem hoje aos nossos trabalhos um grupo de 13 alunos da Escola Profissional Almirante Domingos Tasso Figueiredo, de Lisboa, e um grupo de 115 alunos do Colégio Moderno de Lisboa.
Para todos eles, peço a saudação da Assembleia da República.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

Página 4462

4462 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda quer sublinhar o mérito destas iniciativas do Partido Comunista Português e do Partido Social-Democrata. Pensamos que é uma mais-valia para o aperfeiçoamento da lei penal portuguesa o enfoque acerca dos crimes contra a Humanidade. Parece-nos positivo que seja assegurada uma plena competência aos tribunais portugueses para o julgamento de tudo aquilo que possa vir a ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional. Isso enobrece a justiça portuguesa e confere-lhe uma outra dimensão.
Para aqueles que são "TPI entusiastas" e para aqueles que são "TPI cépticos", isso criará não apenas uma melhor moldura penal mas também uma outra atitude da parte do Estado português. Na cena internacional Portugal terá o recorte directo daquilo que estará ao melhor nível da moldura penal internacional.
Creio que há aqui uma ambivalência para aqueles que são entusiastas do TPI e para aqueles que eventualmente possam ser cépticos. Mas, seja como for, há um nivelar por cima que é sempre favorável e desejável.
Não nos parece que seja incompatível com este processo legislativo o encontro complementar dos mecanismos de cooperação com o Tribunal Penal Internacional. Creio que as duas coisas não se excluem e não é o mérito desta iniciativa autónoma que pode prejudicar um outro processo de evolução.
Nesta oportunidade, gostaria também de sublinhar, Sr. Presidente, que iremos votar favoravelmente as duas iniciativas e esperamos que, em sede de especialidade, também se possam fazer algumas clarificações de alguns conceitos que estão pouco tipificados, que são um pouco latos. Conviria, pois, fazer uma precisão no esculpir de alguns dos conceitos que aqui nos são presentes. Em sede de especialidade, creio que será possível uma evolução e uma densificação muito mais precisas destes textos e caminharmos para um consenso muitíssimo alargado, senão mesmo a unanimidade, nesta Câmara em relação a esta matéria.
Para terminar, gostava ainda de dizer que não deixa de ser irónico que, estando nós, na esteira destas duas iniciativas, a aperfeiçoar a lei penal portuguesa, o TPI esteja numa evidente crise. Não vale a pena agarrar-nos ao Estatuto de Roma como o náufrago que se agarra a uma bóia, porque, na verdade, em relação ao TPI, não partilhamos nenhuma tese soberanista, aceitamos perfeitamente uma jurisdição internacional. Só que não pode haver tribunais diminuídos e desiguais, os tribunais têm de ser plenos e equitativos. Na actual situação, com as principais potências fora do TPI e com a crise das próprias Nações Unidas, é óbvio que não nos basta assinalar que foram escolhidos os 18 juízes e que avançou este ou aquele método processual - o Tribunal está, obviamente, diminuído.
Na verdade, essa jurisdição internacional passa por uma crise. Não sei se a persistência em torno do Estatuto de Roma e de toda esta caminhada é o método para uma jurisdição internacional. Provavelmente, ela terá de ter uma outra ruptura em algum ponto, terá de encontrar um outro caminho, que não apenas aquele que se seguiu nas Nações Unidas e que levou à criação deste Tribunal Penal Internacional, porque ele passa por uma evidente crise e não pode ser sustentado quando os Estados Unidos, a China, a Índia e mais não sei quantas outras potências estão, pura e simplesmente, fora dele, um Tribunal que já de si e nos seus mecanismos constitutivos tinha todo um conjunto de lesões, porque eram discriminantes do princípio da igualdade. Daí sermos cépticos em relação a este TPI e assinalarmos neste momento que ele está, obviamente, em crise.
Mas isso também não nos diminui na ideia de uma jurisdição internacional e muito menos naquilo que é o "coração" destas iniciativas, ou seja, aperfeiçoar a lei penal portuguesa. Em relação a isto, estaremos inteiramente de acordo.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.

O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois de ter ouvido as intervenções que se seguiram à minha, designadamente a do Sr. Deputado Eduardo Cabrita, confesso que elas motivaram esta minha segunda intervenção.
Primeiro, porque entendo que não nos cabe a nós, no âmbito do debate destes dois projectos de lei, que visam apenas adequar a legislação penal portuguesa à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, estarmos aqui a fazer debates sobre aquilo que será o futuro próximo ou a longo prazo do Tribunal Penal Internacional.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Folclore de guerra!

O Orador: - Devo dizer que registei, com algum desagrado, mais uma vez, este oportunismo de anti-americanismo puro do Sr. Deputado Eduardo Cabrita, que, até nesta matéria, não deixou de acentuar aquilo que diz ser os "nossos amigos americanos", tratando-os da forma como trata. De facto, não entendo que isso seja correcto.
Há uma outra questão que me interesse analisar e que tem a ver com as novas soluções ora apresentadas pelo Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Deputado - devo confessar - tem andado, decerto, distraído nesta matéria. E digo isto porque, na legislatura anterior, mais concretamente quando apreciámos diplomas do género daqueles que hoje estão em debate, subscritos pelo PSD e pelo PCP, o Sr. Deputado Eduardo Cabrita, na altura Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, fez uma intervenção e, pela análise dos textos desse debate, podemos verificar que não houve uma única palavra relativamente à adequação da lei penal portuguesa à jurisdição do TPI.
Por outro lado, decorrido todo esse tempo, desde 20 de Dezembro de 2001 até à data de hoje, isto é, até Março de 2003, também não conhecemos qualquer projecto de lei do Partido Socialista que possa contrariar as nossas posições.
Diz-se que o projecto de lei do PSD não densifica algumas das normas, designadamente aquelas que se reportam aos crimes contra a humanidade, e que há outro tipo de soluções, designadamente aquelas que foram utilizadas, pelos vistos, pelo Direito alemão, que tem mais a ver com as questões relativas à cooperação com o TPI.
A concluir, quero deixar ao Partido Socialista, mais uma vez, a posição que expressei no final da minha intervenção: esperamos que o Partido Socialista, na fase de discussão na especialidade, tenha uma postura diferente e traga propostas concretas que possam ajudar, em definitivo, a que a legislação penal portuguesa se adeqúe à necessidade emergente da jurisdição do TPI.

Página 4463

4463 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Esperamos, sinceramente, que o Partido Socialista possa ajudar, de forma séria e correcta, a que esta Assembleia produza legislação o mais favorável possível para que os tribunais portugueses possam gerir da forma que entendam conveniente esta matéria que está na jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O que estamos hoje a afirmar aqui - felizmente, com um larguíssimo consenso nesta Câmara - é a reunião em torno daquilo que é um ponto decisivo na afirmação de 50 anos de paz na Europa e de afirmação da legalidade internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A necessidade de uma jurisdição penal internacional foi, pela primeira vez, afirmada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 para prevenir crimes de genocídio como os verificados durante a II Guerra Mundial.
Portugal, pela voz do governo do Partido Socialista, teve um papel activo na negociação do Estatuto de Roma. Portugal teve uma posição construtiva e apresentou, através da sua delegação, o que levou, aliás, a que um jurista português viesse a integrar, pela primeira vez, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, propostas que vieram a ter repercussão no texto final do Estatuto de Roma. Portugal esteve entre os 60 Estados que ratificaram o Estatuto, permitindo, assim, a entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional.
Nessa altura, estive aqui, com particular orgulho, em representação do governo de Portugal, a defender a ratificação do Estatuto, tal como numa outra ocasião defendi os mecanismos de cooperação de Portugal com os tribunais penais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda.
O Partido Socialista é coerente na afirmação da legalidade internacional,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … no combate pelos direitos humanos. Não aceitamos aqueles que à quarta-feira estão aqui a defender a guerra, a pôr em causa a legalidade internacional, e à sexta-feira vêm aqui defender a justiça internacional.

Aplausos do PS e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 224 e 262/IX.
Vamos passar à discussão do projecto de resolução n.º 82/IX - Medidas de enquadramento das praxes académicas (CDS-PP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de dar início à apresentação do projecto de resolução, permitam-me uma pequena introdução, porque há coisas que se ouvem e perante as quais, obviamente, não nos podemos calar. É que nem às quartas-feiras nem em dia nenhum há, nesta Assembleia, alguém que defenda qualquer guerra;…

Protestos do PS, do PCP e do BE.

… há, sim, pessoas que têm interpretações diferentes sobre a resolução de conflitos internacionais.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Portanto, em nome da juventude que se senta nas bancadas do CDS-PP e do PSD, direi que estamos contra esta ou qualquer outra guerra, mas, acima de tudo, contra a guerra que Saddam Hussein, durante mais de metade das nossas vidas, declarou ao seu próprio povo!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PS, do PCP e do BE.

Nós opomo-nos, isso sim, à guerra que Saddam faz há mais de metade dos anos de vida dos jovens que se sentam nas bancadas do CDS-PP e do PSD!

Protestos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado João Pinho de Almeida, pediu a palavra para apresentar o projecto de resolução n.º 82/IX.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tinha o direito de intervir sob a forma de interpelação à Mesa, de defesa da honra ou qualquer outra figura regimental. Não o tendo feito na altura própria, faça favor de se cingir agora ao tema em discussão.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Como o Sr. Presidente saberá melhor do que ninguém, há alturas em que não nos podemos calar!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, eu estou aqui para garantir e aplicar o Regimento. O Sr. Deputado tinha outras formas de intervir. Neste momento, faça favor de se cingir ao tema em discussão.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente. Não está em causa a sua autoridade.
Comemorando-se, hoje, o Dia da Juventude quero, em primeiro lugar, saudar todas as juventudes representadas nesta Assembleia da República, todas sem excepção. Democraticamente, faço-o, porque não há juventudes de 1.ª ou de 2.ª categorias nesta Assembleia da República. Há juventudes que defendem valores diferentes e, portanto, são todas igualmente respeitáveis.
Quero, naturalmente (faz todo o sentido que o faça), saudar de uma forma especial a Juventude Social Democrata.

Página 4464

4464 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Temos partilhado um projecto de Governo, um projecto de futuro que, acreditamos, é o projecto certo para o nosso país, é o projecto que vai permitir que o nosso país seja daqui a uns anos bem melhor do que é hoje. Temos, certamente, diferenças, mas são essas diferenças que têm feito com que a resposta desta solução governativa seja atractiva para a juventude e permita a muitos milhares de jovens neste país sentirem-se representados na política, mas também na maioria que constitui este Governo.
Quero saudar, também, os milhares de jovens que por este país defendem e lutam pela bandeira da Juventude Popular, a bandeira que aqui represento.

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares e do Deputado do BE João Teixeira Lopes.

É uma bandeira que não é de conveniência, muitas vezes é uma bandeira de inconveniência, porque não é fácil lutar por esses valores e por essa bandeira. Lutamos por valores que consideramos indisponíveis, como é o valor do direito à vida; lutamos por liberdades que consideramos imprescindíveis, como é a liberdade de educação; lutamos por simples soluções que consideramos inadiáveis, como a solução que aqui hoje apresentamos e outras que apresentaremos ao longo da presente Legislatura.
Muitos nos dirão que não são estes os valores certos para a juventude e que não são estas as liberdades por que a juventude deve lutar. Mas nós acreditamos que são e ainda assim, contra a vontade de muitos e contra a acção de outros, temos crescido, e isso é, naturalmente, razão de orgulho.
Somos diferentes de outras juventudes que aqui estavam a apoiar outros governos. Somos diferentes, porque confiamos no Governo que apoiamos, porque acreditamos que o caminho que este Governo trilha é o caminho certo. É por isso que não nos afirmamos por sermos do contra ou por, eventualmente, estarmos contra certas posições do nosso Governo. Evidenciar-nos-emos no apoio que damos à solução que acreditamos que é a melhor para o nosso país e pela complementaridade que as nossas ideias podem ter junto da maioria em que nos incluímos e que, necessariamente, apoiamos.
Não somos a favor de um sindicalismo de jovens, não abanamos bandeiras esporadicamente em nome de uma geração. Queremos que esta geração tenha um futuro consistente, coerente e com sustentabilidade e não que consiga certas coisas esporádicas, que, no futuro, nada nos trarão de positivo.
Mas hoje, por intermédio do Grupo Parlamentar do CDS-PP, a Juventude Popular traz a esta Assembleia da República um tema importante para a juventude portuguesa - o das praxes académicas. Trata-se de um tema que tem sido mediatizado, que tem merecido da nossa opinião pública preocupação e que também merece da nossa parte preocupação.
Todos temos tomado conhecimento de casos verdadeiramente inadmissíveis, como aquele que aconteceu em Macedo de Cavaleiros, em que uma estudante foi obrigada a práticas perfeitamente hediondas e inaceitáveis, ou como aquele que aconteceu em Santarém, em que uma outra estudante foi também obrigada a práticas também elas perfeitamente inaceitáveis.
Mas será que esta é uma questão dos dias de hoje? Será que esta questão apareceu, única e exclusivamente, neste ano lectivo? Infelizmente, a resposta é um rotundo "não". E há um passado em relação a esta matéria.
Entre 1997 e 2000, entraram no Ministério da Educação - que, na altura, tutelava o ensino superior - nove queixas de praxes violentas, e todas elas foram arquivadas. Não se fez absolutamente nada, nem em relação a estas nove pessoas que se queixaram nem em relação a um problema que proliferava pelo País inteiro em várias instituições do ensino superior.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É inaceitável que nada se tenha feito e que tenhamos chegado a este ponto em que é preciso a opinião pública indignar-se para que haja uma consciência mais generalizada deste problema!
Mas, em relação ao Governo, não foi preciso que a opinião pública levantasse o problema. A primeira queixa que chegou ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior motivou da parte do Sr. Ministro uma acção imediata junto, por exemplo, de quem é responsável por promover a elaboração de um estatuto do aluno do ensino superior, junto do CRUP, junto do CCISP, junto da APESP e junto dos representantes dos estudantes, para que, rapidamente, apresentassem um projecto de estatuto do aluno do ensino superior que permitisse estabelecer um quadro de direitos e de deveres que enquadrasse a presença desses alunos no nosso ensino superior. Por outro lado, foi imediatamente ordenado à Inspecção-Geral de Educação que tomasse as medidas convenientes para avaliar este tipo de situações.
Neste momento, já há uma resposta do CRUP e um estatuto do aluno do ensino superior para aprovar. Isto decorre da lei da autonomia universitária. Não foi nada que o Sr. Ministro da Ciência e do Ensino Superior tenha inventado agora. Era algo que, anteriormente, muitos ministros podiam ter concretizado se quisessem e se se tivessem empenhado nisso.
Em pouco tempo, este Governo fez muito mais do que fizeram todos os governos que tiveram responsabilidades nesta área, desde que a lei da autonomia universitária foi aprovada.
Mas é preciso ir mais longe. É preciso - e defendemo-lo no projecto de resolução que hoje apresentamos - que haja uma tramitação célere deste projecto de estatuto do aluno do ensino superior para que, tão depressa quanto possível, este quadro de direitos e deveres dos alunos do ensino superior esteja com forma de lei.
Mas também é preciso fazer um levantamento nacional sobre o que é esta realidade das praxes académicas, instituição por instituição do ensino superior, saber o que acontece: se há praxes, se não há praxes, se há código de praxes, se houve abusos, se, havendo-os, foi ou não feita denúncia. É preciso que todos saibamos o que, de facto, existe no terreno. Temos uma noção mediática do problema, é preciso que tenhamos a noção concreta para podermos aplicar a solução adequada.
Depois, é preciso continuar o caminho. É preciso seguir um caminho de regulamentação para que em cada estabelecimento de ensino superior haja um código de praxes escrito que permita enquadrar todas estas matérias, matérias que devem ter princípios. Sem interferir na autonomia de cada estabelecimento, parece-nos, no entanto, que há princípios que devem presidir a todos estes códigos.

Página 4465

4465 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

O primeiro é o de que todos os estudantes têm direito à dignidade humana e, naturalmente, à sua integridade física. O segundo é o de que todos os estudantes têm direito ao respeito pelas suas opções, devendo ser informados, sem margem para dúvidas, sobre que é seu direito não se submeterem a qualquer tipo de praxe, ou ritual académico, imposto por outros estudantes, pois a sua participação tem de ser consciente e não motivada pela dúvida, nem pelo medo de represálias. Este é o espírito que, julgamos, deve presidir às praxes.
Mas há mais princípios que entendemos fundamentais. O princípio de que a praxe académica é uma tradição que existe nas nossas academias e que personifica uma cultura única, singular, em cada academia, devendo, naturalmente, ser, como tal, preservada. Nos estabelecimentos de ensino superior vigora o mesmo ordenamento jurídico que no resto do território nacional. Os estabelecimentos do ensino superior não são "ilhas" dentro do Estado de direito, onde não se aplicam normas fundamentais que enformam a nossa sociedade. Tanto os órgãos responsáveis pela gestão dos estabelecimentos como as associações dos estudantes deverão denunciar às autoridades competentes eventuais abusos ou práticas susceptíveis de enquadramento penal, sempre que deles tomem conhecimento. O princípio de que deve haver um código de praxes escrito em cada universidade. Só assim todos os alunos saberão quais são os seus direitos e os seus deveres e poderão participar de uma forma saudável nesta tradição.
Podemos encarar esta realidade de duas maneiras: ou numa lógica neo-marxista, em que há aqui uma luta entre os veteranos e os caloiros, ou seja, uma lógica que entende que os caloiros têm que se insurgir contra os veteranos…

Risos do PCP, do BE e de Deputados do PS.

… (não são os proletários, são os caloiros!), porque são subjugados ao grande poder dos veteranos, ignorando essa lógica que os caloiros de hoje serão os veteranos de amanhã e que é exactamente esta integração e esta progressão que deve ser feita de uma forma saudável, ou, então, numa lógica positiva de valorização da tradição como forma de integração dos alunos do ensino superior nessa mesma vida, numa vida académica, que deve ser saudável e contribuir para a sua formação, não só do ponto de vista académico mas também do ponto de vista pessoal.
Defendemos aqui, hoje, uma tradição que deve continuar a ser o que era e, dentro do espírito académico saudável ao desafio que é feito nas nossas academias - e, também ele, faz parte da praxe -, se nos perguntarem: e pela praxe, não vai nada, nada, nada?, respondemos: por nós, vai tudo!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Rebelo.

O Sr. Daniel Rebelo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Almeida, permita-me, em primeiro lugar, que retribua o cumprimento que endereçou à minha bancada e, muito em especial, aos jovens da minha bancada. De facto, são esses os princípios que nos orientam e nos unem, hoje, num projecto comum.
Permita-me, também, que o cumprimente pelo tema que V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar trazem hoje ao Plenário da Assembleia da República. De facto, o propósito deste projecto de resolução de iniciar um processo de enquadramento administrativo da praxe e da sua prática merece a nossa maior atenção, sobretudo na sequência de recentes acontecimentos polémicos relacionados com a praxe e com excessos cometidos na prática da praxe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A praxe académica é o resultado de um conjunto de tradições académicas que são fruto de uma vivência específica que deve servir, ela própria, como elo de ligação e de camaradagem que assume características muito especiais.
A praxe é tradição viva e dinâmica. Tem vindo a adaptar-se a novos tempos, novas mentalidades, numa evolução própria de uma tradição que se quer moderna, reflexo de novas realidades da sociedade e, em particular, do ensino superior.
Hoje, regra geral, a praxe já não assume algumas práticas fundamentalistas de outrora. Resume-se, quase exclusivamente, à mobilização e integração dos novos alunos no início de cada ano lectivo, promovendo o espírito académico.
Durante séculos, esta actividade foi-se auto-regulando, através de regulamentos internos e de códigos de praxe. Concelhos de veteranos e comissões de praxe assumiram, perante a praxe e perante a comunidade académica, uma responsabilidade hierárquica que servia, ela própria, como garante em relação à boa prática.
Hoje, a democratização do ensino superior, a mudança da forma de se encarar a frequência universitária e a proliferação de estabelecimentos de ensino superior um pouco por todo o País colocam em causa estes pilares onde assentava a boa prática da praxe, com bom senso e respeito pela tradição, pelos alunos e, sobretudo, pela instituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com a abertura de novos estabelecimentos e de novos sítios, onde não existe relação profunda com a tradição e as práticas académicas, mas onde estas estão adaptadas a novas realidades e, por vezes, aplicadas de forma muito própria, a praxe funciona, muitas vezes, não como elemento de integração e camaradagem mas como elemento motivador, incentivador de sentimentos de vingança associados à praxe académica, o que, naturalmente, não se coaduna com o verdadeiro espírito e tradição académica.
Assim, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, a pergunta que lhe coloco é se não concorda com a ideia de que a nova realidade do ensino superior em Portugal tornou insuficientes os mecanismos que regulavam a praxe e que assentavam, sobretudo, no bom senso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Daniel Rebelo, a questão que me coloca vai exactamente no sentido daquilo que aqui apresentámos.

Página 4466

4466 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Infelizmente, o bom senso já não é suficiente para que as praxes académicas sejam, única e exclusivamente, praxes académicas integradoras e saudáveis.
Referiu um dos principais problemas que contribuiu para que se chegasse a esta situação. O estabelecimento de uma rede nacional dispersa de estabelecimentos de ensino superior…

Protestos do BE.

… e a democratização do acesso ao ensino superior, obviamente que permitiram que houvesse, hoje em dia, uma quantidade de realidades que são diferentes e que, hoje, a realidade do ensino superior não se cinja a duas, três ou quatro academias tradicionais que tinham a sua própria forma de funcionamento e o seu próprio enquadramento desta realidade. Mas esse tipo de estabelecimentos também tem direito a criar a sua própria praxe.

Protestos do BE.

A praxe não é só um ritual de recepção ao aluno. Ela passa por toda uma vivência do mundo académico que tem a ver com as Queimas das Fitas, com as semanas académicas, com uma quantidade de actividades que são desenvolvidas no meio académico e que servem para integrar os alunos. É este o espírito que, julgamos, deve presidir a um novo enquadramento regulamentar desta matéria.
O facto de haver, hoje em dia, estabelecimentos de ensino superior dispersos pelo País deve fazer com que a praxe tenha, por exemplo, o papel de receber esses alunos numa nova realidade geográfica em que eles estão inseridos, abrir a sociedade local para esses alunos. É esse o grande desafio. O desafio de se conseguir que a praxe seja uma tradição verdadeira e séria, mas que tenha regras e que ninguém possa ser prejudicado por essa tradição.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, peço o aplauso do Plenário para um grupo de 80 alunos do Centro Social e Paroquial de Colares, os quais acabaram de chegar.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado João Pinho de Almeida: O projecto de resolução apresentado pelo CDS-PP tem alguns aspectos que nos parecem importantes. Entre estes, destaco o apuramento e a investigação sobre a prática das praxes académicas e a verificação sobre até que ponto muitas destas praxes se têm consubstanciado em abusos graves e sérios. Menciono, ainda, a elaboração da legislação sobre o regime disciplinar dos estudantes do ensino superior, se bem que aqui tenhamos de dizer que concordamos com este regime, desde que, obviamente, sejam salvaguardados os direitos dos alunos e estes sejam devidamente ouvidos e também possam participar.
Contudo, no preâmbulo do projecto de resolução do CDS-PP, bem como em relação a uma série de considerações que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida fez, há uma série de considerações com as quais não concordamos e que gostaríamos de aproveitar esta oportunidade para o sublinhar. Nomeadamente, que a praxe é um conjunto de tradições seculares, devendo ser, de alguma maneira, protegidas e, se calhar, até estimuladas.
Não podemos deixar de relembrar que a praxe, de que houve um ressurgimentos importante nos anos 80, tem sido, sobretudo, desde há muitas décadas, um mecanismo de exclusão, de discriminação, de ostracização, com conteúdos racistas, homofóbicos, sexistas, extremamente complicados e ao arrepio do que consideramos ser o respeito e a dignidade de qualquer ser humano e o respeito, mesmo, por alguns direitos fundamentais, muitas vezes com intuitos claramente sádicos e de humilhação.
Diz o Sr. Deputado que alguns destes aspectos, os menos graves, podem ser vistos à luz do que chama, no projecto de resolução, "irreverência própria da vida académica". Pensamos que a irreverência da vida académica nada tem a ver com este tipo de práticas. Ela terá, de certeza, a ver com tudo menos com sanções, castigos ou o estímulo à obediência servil!
E, já que o Sr. Deputado João Pinho de Almeida invoca aqui claramente dois dos casos mais mediatizados ultimamente, não poderíamos deixar de lembrar, a propósito do que têm sido os abusos da praxe, as declarações (que nos parecem extremamente infelizes e que representam bem o que têm sido muitas das declarações, das práticas e das posturas de muitas das pessoas que defendem as praxes académicas) do Presidente do Conselho Directivo da Escola Agrária de Santarém, Henrique Cruz, onde surgiu e da qual partiu uma destas queixas. Aliás, esta aluna foi vítima de vários abusos, como o Sr. Deputado sabe, nomeadamente, um deles foi ter sido coberta com bosta e estrume de porco e abandonada numa quinta, num acto de extrema violência e de humilhação, correndo óbvios riscos à sua integridade psicológica, moral e física. Mas as declarações do Presidente do Conselho Directivo da Escola Agrária de Santarém são, contudo, estas: "Aqui, as brincadeiras envolvem pôr bosta na cara. Se eu estiver a examinar uma vaca que faz retenção de secundinas ou a assistir ao parto de uma porca, encosto-me ao rabo do animal, apanho com grandes borradas na cara. Até tenho de cuspir e tudo. Não é nada que nos meta impressão. Se metesse, tinha ido para maestro e para uma escola de música. Sempre foi assim. Esta escola é feita de muita tradição e de muita alma. Há é gente que não a sente." Penso que a gente que não sente é a gente que pratica estes actos de extrema brutalidade!
Também gostávamos de perguntar ao Sr. Deputado João Pinho de Almeida como é possível que o CDS-PP, que concorda, nomeadamente, com o conceito de "estudante elegível", tendo feito uma série de declarações a propósito da discussão que tem decorrido em torno do ensino superior, pode defender este tipo de hierarquização, que inclui os veteranos e o código da praxe. O código da praxe, do ponto de vista legal, não tem qualquer valor, como o Sr. Deputado saberá, e, como é evidente, não pode ser tomado à letra, para além de que muitos destes abusos que têm sido cometidos estão já contemplados na legislação e, por isso, devem ser vistos a essa luz. E o Sr. Deputado saberá, com certeza, que muitas das pessoas que não fazem queixa, que não fazem queixa de imediato ou que não fazem queixa de todo, são pessoas que foram submetidas a um enorme processo de coacção, sofreram ameaças no caso de denunciarem as situações a que foram expostas.

Página 4467

4467 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As tradições não são boas nem más por serem tradições, tudo depende da forma como são constituídas, da forma como são praticadas, da forma como são propostas ou impostas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto, que acontece com todas as tradições, acontece também com as tradições académicas, com as praxes.
A praxe, tradicionalmente, tinha quatro funções essenciais: uma função de informação; uma função de protecção; uma função de integração; e uma função festiva, de festa.
Naturalmente, com a democratização da sociedade do ensino superior, com a massificação do ensino superior, com a mudança das organizações universitárias e politécnicas, de forma a respeitar melhor o papel e os direitos dos estudantes, as duas primeiras funções da praxe foram-se tornando desnecessárias. Hoje, não é preciso que o veterano informe ou proteja o caloiro para que quem entra numa escola superior possa rapidamente dar-se conta do que é a escola superior, do que são os planos curriculares, os calendários de actividades, os planos de avaliação, etc.
Portanto, hoje, são as funções de integração e de festa que perduram nas praxes académicas e são funções positivas das praxes académicas. Mas estas praxes, tal como foram constituídas e ainda são praticadas, têm também elementos profundamente negativos. E esses elementos profundamente negativos não podem ser catalogados apenas a título de excessos ou exageros. Há, na própria lógica da praxe académica e mesmo da sua tradição, dois elementos negativos que são, em grande parte, os responsáveis pelos excessos e exageros a que, por vezes, se assiste.
O primeiro elemento negativo é uma cultura de distinção, de distinguir o académico do futrica, como se dizia em Coimbra, antigamente, isto é, de procurar distinguir e investir o estudante universitário, por ser estudante universitário, de uma qualquer superioridade estatutária face à gente comum.
O segundo elemento profundamente negativo é a cultura da dominação, que, aliás, as praxes académicas têm em comum com outras praxes, como, por exemplo, as militares: a ideia de que quem chegou mais cedo ou quem está há mais tempo na instituição tem poderes arbitrários e absolutos sobre quem entra de novo, sobre quem é mais novo ou menos graduado, sobre quem está em condições de maior desapossamento.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - E esses dois elementos negativos têm de ser combatidos!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A cultura de distinção é hoje ridícula! Hoje, nada distingue, do ponto de vista estatutário, um estudante do ensino superior de qualquer outra pessoa da sua idade, independentemente da sua condição.
Portanto, essa cultura de distinção, que, aliás, é responsável por muitos dos elementos ridículos que têm, hoje, muitas praxes, é absolutamente anacrónica e só não percebe isto quem não consegue perceber o que é a democracia e o que é o processo de massificação e universalização do acesso das pessoas aos bens públicos fundamentais, entre os quais se encontra, naturalmente, o ensino superior.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por seu lado, a cultura da dominação é insuportável nas universidades, como nos quartéis, como em quaisquer outras instituições.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Orador: - É esse elemento da cultura de dominação que é responsável pela violência e pela violentação dos direitos ou da integridade das pessoas, onde quer que ele ocorra.

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, para nós, não é possível reduzir a questão da praxe à questão do controlo dos seus exageros, é preciso uma análise crítica, é preciso uma reflexão crítica, é preciso uma prática das tradições académicas que saiba valorizar os seus elementos positivos mas saiba também identificar e combater os seus elementos negativos. Aliás, se perdurarem os elementos negativos, os elementos positivos deixarão de sê-lo. A dimensão festiva ou de integração não são compatíveis com práticas ou rituais de violência. Não se integra, humilhando! É isto que é preciso ser claro para todos!

A Sr.ª Cristina Granada (PS): - Muito bem!

O Orador: - E não se é irreverente, quando a irreverência se dirige àqueles que têm menos poder, que têm menos autoridade ou que estão mais frágeis.

Aplausos do PS.

Esta deve ser a primeira mensagem essencial desta Assembleia ao discutir a questão das praxes académicas.
A segunda mensagem essencial decorre da primeira: que consequências retiramos, se esta for a nossa posição? A praxe tem de ser substituída ou mudada?
As opiniões diferem, e a minha opinião pessoal inclina-se para a necessidade de substituição da praxe académica como tal, mas aceito plenamente a opinião daqueles que entendem que é preciso, que é possível e que é vantajoso continuar com as praxes, sendo condição sine qua non civilizar as praxes.
E como é que se faz?
O projecto de resolução que o Partido Popular apresenta é muito "mole" e, em grande parte, inócuo. Propõe que se realize um estudo - sim, senhor, pode realizar-se o estudo! - e propõe que o Governo tome uma iniciativa que o Governo já tomou: consultar as instituições para se fazer um anteprojecto que possa ser discutido e que possa

Página 4468

4468 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

desencadear um projecto de lei, uma proposta de lei de estatuto disciplinar dos alunos.
Esta proposta é demasiado "mole" e, por outro lado, tem uma deriva que importaria contrariar: é demasiado "mole", porque a mensagem da Assembleia da República deve ser mais forte; tem uma deriva que importa contrariar ou contrabalançar, porque pensa apenas em termos do que se poderia chamar, pedindo alguma permissão ao léxico português, um controlo disciplinarista conduzido pelo Estado e pelo Governo.
Ora, a discussão de um estatuto disciplinar do ensino superior pode e deve fazer-se, mas tem de ser muito ponderada e muito séria, sobretudo porque é preciso considerar que o ensino superior não é a educação básica e secundária, onde faz todo o sentido haver um estatuto disciplinar próprio e um controlo, nesse domínio, por parte dos professores e das direcções, sobre os estudantes.
Em segundo lugar, os jovens que frequentam o ensino superior são adultos e, portanto, o seu estatuto disciplinar também tem de ter em conta esse ponto.
Em terceiro lugar, as leis do País não ficam à porta, do lado de fora, das instituições!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Código Civil e o Código Penal aplicam-se nas instituições de ensino superior, como se aplicam nos outros espaços da nossa cidadania.
Em quarto e decisivo lugar, as escolas de ensino superior, designadamente as escolas universitárias, são, à luz da Constituição, autónomas, e a autonomia tem de ser levada a sério em todos os domínios. Aliás, no âmbito da autonomia das instituições já muitas escolas, designadamente universitárias e também politécnicas, têm intervindo deliberadamente contra as culturas de violência ou de distinção que subjazem a algumas práticas da praxe, nomeadamente através de proibições ou interdições liminares, através da deslegitimação, por parte de reitores ou de presidentes, de certas práticas a que os estudantes se dedicam e através de serviços como as provedorias dos estudantes.
Portanto, o fundamental e o que deve ser fundamental para esta Assembleia da República é apelar à inteligência e ao sentido de liberdade das pessoas. É isso que é preciso fazer hoje e agora! Não é tanto focalizar as questões apenas do lado da disciplina mas, sobretudo, chamar a atenção para que todas as pessoas, todos nós, que somos inteligentes, e as instituições, que são também inteligentes, têm o direito e o dever da liberdade.
Nesse sentido, a nossa mensagem deve ser destinada às instituições e aos seus dirigentes, para que não pactuem, mesmo que pelo silêncio, com a violência de certas praxes académicas; a nossa mensagem deve ser destinada às associações de estudantes e às comissões estudantis para que se regulem, para que auto-regulem, para que tomem a iniciativa da regulação das praxes académicas; a nossa mensagem fundamental deve ser destinada aos jovens do ensino superior, no sentido de eles defenderem a sua própria liberdade, de não se deixarem intimidar pela cobardia daqueles que aproveitam as praxes para violentarem os direitos ou as pessoas dos seus colegas, de exercerem a sua liberdade, revoltando-se onde e quando for necessário para que os seus direitos fundamentais sejam cumpridos nas escolas superiores.
É essa a mensagem, que é politicamente muito mais forte do que o texto do projecto de resolução apresentado, que o Parlamento, do nosso ponto de vista, deve transmitir.

Aplausos do PS e do BE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, e assinalando a passagem do Dia Nacional da Juventude, quero saudar todos os jovens portugueses e registar, como positiva, a significativa novidade de o CDS-PP reconhecer o dia 28 de Março como Dia Nacional da Juventude, já que esta data representa e fica para a História como o dia em que a repressão salazarista se abateu implacavelmente sobre uma iniciativa de convívio e de protesto dos jovens do MUD-Juvenil nos anos 40 e 50.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, é importante que o CDS proporcione ao Parlamento a oportunidade de recordar esta importante data da nossa História e esta importante causa da vida do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Com muito gosto!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As situações de violência, os abusos, as humilhações e ataques à dignidade humana são circunstâncias merecedoras do mais vivo repúdio e devem ser condenadas de forma clara.
Os casos que, nos últimos tempos, têm vindo a ser noticiados na comunicação social a propósito das praxes no ensino superior levantam perturbadoras interrogações que exigem o rápido esclarecimento do que efectivamente tem estado a acontecer.
A confirmar-se o conjunto de notícias que se têm referido a estas situações e mesmo perante o rol de testemunhos que, no passado recente, ilustram o triste panorama que, em diversos casos, se nos depara, é necessário discutir e agir de modo responsável e sério. Sem aproveitamentos políticos, sem segundas intenções, sem tacticismos indignos!
Por isso, se torna necessário partir para este debate com uma questão prévia: os chocantes casos que têm vindo a público, até pela sua gravidade, não podem ser trampolim para oportunismos de nenhuma ordem. E, entretanto, cá estamos para debater as questões concretas e as propostas que este projecto de resolução avança.
Desde já, é preciso afirmar que não é aceitável que um regime disciplinar seja instaurado como suposta panaceia, à medida exacta de situações cuja mediatização e gravidade têm assumido crescentes proporções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 4469

4469 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

O Orador: - Muito menos se uma tal medida é afirmada com o propósito de restaurar e recuperar determinados fenómenos, de um modo geral e abstracto.
Não se trata aqui de fazer juízos de valor generalizados nem sequer uma espécie de "manual do utilizador" que seja aparentemente (e sublinhe-se "aparentemente") destinado a preservar as praxes académicas na sua pureza original - seja lá o que isso for.
Nem nos parece que a Assembleia da República deva instituir uma apreciação como aquela que os considerandos do diploma do CDS-PP preconizam relativamente às praxes. Caso contrário, estaremos a deliberar a consagração de uma doutrina geral cuja fundamentação se arrisca a transmitir a ideia de que os estudantes do ensino superior em Portugal são uma espécie de variações de uma personagem de Vasco Santana.
A questão essencial, quando discutimos as praxes académicas, não é a salvaguarda das praxes como um fim em si mesmo. A questão essencial, comum a todas as discussões sobre casos concretos (e sobre as praxes em geral), é a indispensável salvaguarda da integridade e da dignidade humana, face à tentação da prepotência, da humilhação ou da violência física e psicológica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a questão de fundo! E se não for essa a prioridade para todos, para o PCP é, certamente, a prioridade.
Somos firme e frontalmente contra a violência e a agressão! Todas as agressões, sob todas as formas! Em Santarém, como em Macedo de Cavaleiros, o que aconteceu, a confirmarem-se as notícias vindas a público, foram actos de violência e cobardia e, perante isto, é, no mínimo, irrelevante enquadrar a discussão em qualquer moldura de supostas tradições.
Aliás, perante situações como as que têm sido denunciadas, não podemos ignorar que pode estar em causa a prática de crimes, e, inclusivamente, nalguns casos, de crimes públicos, como já foi afirmado, previstos no Código Penal e a exigir a correspondente tomada de medidas.
É preciso que fique claro que este tipo de práticas não estão a coberto de nenhuma impunidade, mesmo antes de qualquer levantamento de casos ou de qualquer regime disciplinar. E aqui entramos noutro ponto do debate.
É que esta ideia do regime disciplinar para os estudantes do ensino superior, se for entendida como uma necessidade decorrente do fenómeno das praxes, sem que mais nada se diga a este respeito,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não, não é!

O Orador: - … conduz o debate e a reflexão a uma abordagem claramente limitada e limitativa.
Aliás, qualquer abordagem a matérias de regulamentação disciplinar que tenha como ponto de partida, como motivação, como sustentação, situações concretas de violência,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não é isso!

O Orador: - … dificilmente fará um bom caminho.
Se, por outro lado, o resultado concreto desse processo de constituição de um estatuto disciplinar for uma abordagem de larga escala, na aplicação da já conhecida "doutrina texana", que o Governo e a maioria de direita já demonstraram, desde logo com o Estatuto do Aluno do Ensino Não Superior, então, tudo se torna mais preocupante, porque, nesse caso, as praxes académicas são um pretexto.
Em qualquer dos casos, fica sempre a interrogação, face a um estatuto disciplinar cuja discussão nasce desta maneira, e fica a reafirmação de que o PCP não passa "cheques em branco" às políticas do Governo, muito menos quando se trata de legislar sobre "disciplina" e menos ainda quando se conhecem as concepções da direita nesta matéria,…

Vozes do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - … com o ataque a que temos assistido à participação dos estudantes na gestão escolar e com as novas ameaças que, no horizonte, se definem.
Mas, ainda a este propósito, e para terminar, uma consideração sobre estas preocupações do CDS-PP: quando o ensino superior no nosso país está na situação que se sabe, quando a democratização e a garantia do direito à educação é cada vez mais uma miragem, quando Portugal está na cauda da Europa na formação académica da sua população, é politicamente significativo que, para a direita, neste momento, a prioridade seja o estabelecimento de um estatuto disciplinar.
Perante isto, não é preciso dizer muito mais.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, informo que se encontram a assistir à sessão plenária mais um grupo de 42 alunos da Escola EB, 2.º e 3.º Ciclos, Dr. Joaquim Magalhães, de Faro.
Peço, também para eles, a vossa saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que, obviamente, o PSD não concorda com violências e é a favor de que a submissão à praxe, mesmo quando ela é boa, seja voluntária e que por parte do aluno haja o direito de renúncia. Não somos é nem maniqueístas nem demissionistas. Queremos aproveitar o tempo em que apoiamos o Governo para fazer alguma coisa acerca dos problemas. Por isso, lamentamos os incidentes que sucederam em Santarém, em Macedo de Cavaleiros e noutros sítios, porque contêm em si um atentado à verdadeira e boa praxe.
Nasci, vivi e tirei o meu curso em Coimbra, naquela velha Universidade, e permitam-me que, com algum humor, diga que, também na tradição, Coimbra é, de facto, "uma lição".
Aliás, fui advertido pelos meus avós, que tinham participado neste mundo da praxe, que assim que chegasse à Porta Férrea, quando andasse na Via Latina e nos "Gerais" teria à minha espera estudantes mais velhos com as insígnias académicas e com os ritos da praxe. Cedo percebi que a saída à noite sem a protecção do meu padrinho de praxe ou sem a protecção de telha podia ser bem custosa para o meu património capilar. Estas foram coisas que aprendi mal cheguei à Universidade.

Página 4470

4470 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Eu e alguns colegas merecemos, desde logo, a atenção de um grupo de praxistas, que incluía, curiosamente, um destacado presidente da Associação Académica - veio a sê-lo - e que foi depois um trunfo, digamos assim, na política de "aquisições" do Partido Socialista, António Vigário. E aí começaram, devo dizer, os tempos mais divertidos e mais interessantes da minha vida de estudante.
Com o meu padrinho de praxe e com os seus companheiros, reforcei o sentido de camaradagem e de entreajuda, senti a solidariedade e a responsabilidade de quem estuda numa academia secular; o fado passou a ecoar de outra maneira; e apoiar a Académica, além do gosto que já tinha pelo futebol, passou a ser quase uma religião. Havia fins-de-semana em que o mais adequado seria talvez estudar para os exames, mas a minha "Briosa" impunha-me outra coisa.
Foi também com esse grupo que aprendi algumas dicas fundamentais sobre os professores mais exigentes, sobre as sebentas mais intragáveis, sobre os funcionários mais respeitáveis, sobre os exames que deveria fazer por frequência e, claro, a apreciar as festas académicas com outro sentimento, da recepção ao caloiro à Latada, passando pela Queima das Fitas.
Pelo caminho, claro que houve "partes gagas", claro que respeitei uma hierarquia, claro que desfilei na Latada em obediência aos doutores até ser baptizado com a água do "Basófias", o Mondego. Mas nunca com humilhação.
Faz-me, por isso, impressão que se seja contra a praxe quando ela é boa. Os casos de que falam não são praxe, são barbárie, são selvajaria, até são crime.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas sejamos metódicos e vamos então às "baterias" antipraxe.
Primeiro argumento antipraxe: a legislação é anacrónica.
Está já previsto um projecto, organizado pelo CRUP e pelo CSISP, e ainda bem. Porém, sublinho que já o Código Civil e o Código Penal previam maneiras de obviar a estes excessos. Por outro lado, um estatuto não pode ser mais do que um enquadramento disciplinar do que a lei já acautela. Obrigar a práticas humilhantes é coação, agressões são ofensas corporais em qualquer lado. Por isso, ser contra a praxe pura e simples quando ela é boa será uma relativa hipocrisia se não assumirmos, de facto, uma guerra deliberada e ideológica à tradição.
Segundo argumento: a praxe é uma tradição anacrónica.
Cito aqui o actual Dux Veteranorum da Academia de Coimbra, João Luís de Jesus: "A praxe é uma evolução ao longo dos tempos, tendo sempre presente a sociedade em que está inserida. A adaptação dos cerimoniais às novas realidades, mantendo as ideias e os princípios que lhes deram origem, é necessária."
Há 20 anos ainda havia a pastada e o canelão, hoje já não há. Depois, a questão é filosófica. Obviamente que se formos antipraxe, antitradição, deterministas, anarquistas ou se quisermos aproveitar o momento mediático, rejeitamos a tradição, refugiamo-nos no racionalismo à outrance, e aí não há nada a fazer, temos, de facto, a discussão encerrada.
Terceiro argumento: a praxe é hierárquica.
Certo! Bingo! Nem é preciso estudar em Coimbra para reconhecê-lo! Porém, a democracia - vide Robert Dahl e outros teóricos - subsiste e subsistirá, ela própria, com hierarquia. O Presidente da Assembleia da República é a segunda figura do Estado, há directores-gerais, há presidentes e vice-presidentes de bancada parlamentar, há delegados de turma, há delegados sindicais e até há coordenadores de manifestações! Portanto, não é por aí…! Muito menos quando a hierarquia é renunciável numa praxe, que é apenas, e bem, uma parte das tradições académicas.
Quarto argumento: a praxe é humilhante e violenta.
Eis-nos chegados, de facto, a um argumento que eu reputo de tomo de quem é contra a praxe. Há práticas, de facto, inaceitáveis: poses e gritos sexuais não são praxe, são tara; excrementos de animais não é praxe, é atraso mental; tortura física não é praxe, é vandalismo; exibição de roupa interior não é praxe, é "voyeurismo"; insultos à família não é praxe, é imbecilidade e estupidez.
Quinto e último argumento: a praxe obriga a dizer que não se quer a praxe e, por outro lado, não é democrática.
Dizer "não" é um acto comum; da publicidade electrónica à mais comum oferta para contratar, da doação de órgãos pós-morte à mais romântica das abordagens nocturnas.
Em muitas situações na vida temos de dizer "não", e o mundo não cai por causa disso. É sempre possível dizer "não" à praxe. Por exemplo, quem se sinta verdadeiramente incomodado pode, na Academia de Coimbra, recorrer ao Conselho de Veteranos e obter um salvo-conduto para jamais voltar a ser incomodado pelas trupes. Até a sanção do rapanço é hoje mais ou menos tolerada e mais ou menos combinada entre quem sanciona e quem é sancionado. Só não pode é praxar aquele que não quer ser praxado, mas pode participar nas festas académicas e pode até usar traje académico.
A praxe não é democrática?! Sempre é mais democrática do que quem visa proibir a praxe! Por uma razão muito simples: quem visa proibir a praxe usa os argumentos do "anti", que são os menos democráticos que há. Por outro lado, quem gosta da praxe, da boa praxe, deixa sair dela quem não quer ser praxado. Os contestatários não querem dar hipótese de aderir àqueles que gostam de aderir a uma praxe boa e saudável. Esta suposta democracia de "piquete" encerra em si mesma as causas do seu totalitarismo.
Vejamos se nos entendemos: a praxe, para nós, tem a ver com camaradagem, amizade, aconselhamento aos mais novos e integração, via tradição e boa disposição, sendo tudo o mais censurável e punível. Mas há que reconhecer que a massificação do ensino tem novas escolas a quererem afirmar-se, muitas vezes mal, tem algum declínio ético - é o preço a pagar pela democratização do ensino (tem custos, é óbvio) - e, por outro lado, tem práticas lamentáveis.
O PPD-PSD entende o seguinte: as medidas disciplinares que balizam as coisas numa ética que permite ver o si-mesmo como o outro é positiva se for para isso mesmo. Por outro lado, o apelo à auto-regulação das academias é, de facto, positivo, e nós acreditamos na auto-regulação.
Se assim for, digo ao CDS-PP que responderia "tudo" se me perguntassem se por vós não vai "nada, nada, nada". E, em relação à vossa proposta, é com pujança e vigor académico que deixo o nosso "Efe-Erre-Á".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.

Página 4471

4471 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

A Sr.ª Joana Amaral Dias (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava de dizer ao Sr. Deputado Gonçalo Capitão que a intervenção que acabámos de ouvir foi um hino às praxes académicas, num tom algo saudosista e nostálgico.
O que gostaríamos de aqui ter ouvido aqui - eu também estudei em Coimbra e tenho todas as dúvidas e mais algumas se, a esse nível, Coimbra é "uma lição", pois eu própria assisti a muitos actos de repúdio e a violências extremas feitas ao abrigo da praxe - não era uma defesa quase que intransigente da praxe académica, como é feita por muitos - ainda há pouco citava o presidente do Conselho Directivo da Escola de Santarém, aliás ex-Deputado do CDS-PP -, mas sim uma posição mais crítica e mais reflectiva em vez de uma defesa e de um hino.
Aliás, o Sr. Deputado Gonçalo Capitão disse o tempo todo o que não é praxe, referindo uma série de práticas que, de facto, são condenáveis, e em altura alguma disse - se o fez, foi de maneira vaga e difusa - o que é a praxe e o que é que defende que deve ser legitimado ao abrigo das praxes.
Para que a nossa posição fique bem clara, não pode haver qualquer complacência com rituais que veiculem abusos e terror, que semeiem ódios ou visem corporativismos, justificando tais práticas com o peso da tradição.
Quanto à sua afirmação de que qualquer pessoa pode declarar-se antipraxe, isso não é verdade. As declarações antipraxe obrigam, hoje em dia, a que os estudantes assinem documentos, como se de algum acto oficial se tratasse, muitas vezes com retaliações severas, como, aliás, foram igualmente descritas nestes dois casos mediatizados, e medidas de coacção extremamente ignóbeis por parte dos estudantes veteranos e de muitos praxistas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Trata-se de uma intervenção muito curta, em final de debate, para dizer que fazia sentido esta discussão, por muito que o Sr. Deputado Augusto Santos Silva ache que o nosso projecto de resolução é "mole".
Sr. Deputado, na intervenção que aqui fiz disse tudo aquilo que o Sr. Deputado entende que é mais do que ser mole em relação ao papel dos estudantes, em relação aos valores que devem ser respeitados. Portanto, nada acrescentou em relação a isso.
Nós achamos que este deve ser um processo coerente. Portanto, se há coisas que já deviam estar feitas há muito tempo, como a aprovação do estatuto do aluno do ensino superior, então vamos começar por aí e vamos avaliar a situação.
Também concordamos que deve ser dada liberdade aos estudantes e às academias para que cada elaborem a sua própria regulamentação, pois achamos que a regulamentação é positiva.
Em relação ao facto de reconhecermos o Dia Nacional da Juventude, quero dizer ao Sr. Deputado Bruno Dias e ao PCP que a insinuação que fez não é feliz,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Qual insinuação?!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - É um facto!

O Orador: - … porque a Juventude Popular nunca teve qualquer problema quanto a isso e, pelo contrário, tem muito orgulho em defender a luta que os jovens portugueses empreenderam contra um regime opressor e ditatorial que, no século passado, esteve no poder no nosso país.
Quero dizer-lhe também que a Juventude Popular, desde a sua fundação, como Juventude Centrista, teve como grande referências Jan Palack, um jovem que, em Praga, caiu e morreu porque lutou contra a ofensiva comunista soviética.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, talvez por não estar exaltado como o Sr. Deputado João Pinho de Almeida demonstrou estar, quero tentar contribuir com alguma seriedade para este debate e, se não recordar, pelo menos informar - não sei se o Sr. Deputado sabe, mas se sabe não deve estar recordado - que é a primeira vez que o CDS, na Assembleia da República,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Na Assembleia da República ou em qualquer sítio!

O Orador: - … reconhece o 28 de Março como o Dia Nacional da Juventude. É a primeira vez que isso acontece! De facto, o CDS…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E o PSD!…

O Orador: - … e o PSD nunca o tinham reconhecido!
O vosso partido afirmava que o 28 de Março, como Dia Nacional da Juventude, era uma invenção comunista! Trata-se de afirmações do CDS no passado!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E eu limitei-me, em nome do PCP, a registar como positiva essa evolução, politicamente significativa, da parte do CDS, que felizmente evoluiu, tendo chegado à conclusão de que este é o Dia Nacional da Juventude. E saudou-o! Portanto, registámos e considerámos que devíamos valorizar esta alteração de fundo na postura do CDS-PP. Trata-se de algo de positivo, que é necessário, e por isso o contexto histórico foi aduzido nesse ponto de vista.
Foi apenas isso que nos levou a saudar a vossa intervenção no que diz respeito ao 28 de Março, Dia Nacional da Juventude.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão. Informo-o de que, a acrescentar ao tempo que lhe resta, o PCP concedeu-lhe 1 minuto.
Tem a palavra.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, agradeço o espírito democrático do PCP e o tempo que me cede

Página 4472

4472 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

para dizer apenas uma ou duas coisas à Sr.ª Deputada Joana Amaral Dias.
Aqui está o problema da democracia quando temos os media com atenção na política!
Sr.ª Deputada, como é óbvio, não estive aqui a explicar detalhadamente o que é a boa praxe. Penso que isso se inferia, mas em qualquer altura posso oferecer-lhe um código de praxe.
Por outro lado, Sr.ª Deputada, estivemos aqui a dizer mais ou menos a mesma coisa! Rejeito tudo o que a Sr.ª Deputada rejeita, mas admito que, de facto, não tenha querido concordar connosco com medo que isso desvirtuasse a sua posição de Deputada "bloquista". De vez em quando pode concordar com a maioria, que isso não a mata!
Se entramos neste diálogo de dizermos a mesma coisa e parecer que estamos a dizer coisas diferentes, apetece-me citar essa "figura grada" do jet set português que é Lili Caneças: acabamos todos a dizer que "estar vivo é o contrário de estar morto".

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, gostaria de aproveitar os minutos que me restam para deixar duas notas breves, mas importantes.
A primeira tem a ver com o sentido político da resolução aqui aprovada.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Ainda não foi aprovada!

O Orador: - Vai ser, certamente. Pelo menos, não terá a oposição do Partido Socialista para o ser.
A intervenção do Sr. Deputado João Pinho de Almeida não foi, evidentemente, nada "mole". Foi até "dura" e, se me permite, considerando o contexto, poderia dizer que foi "durona"… Até tentou começar pela guerra do Iraque…

Risos do PCP.

Contudo, a mensagem que o projecto de resolução contém - e que conta - é politicamente quase inócua.
Prefiro recomendar que a Assembleia da República chame as instituições à assunção plena da sua autonomia e os estudantes à assunção plena da sua liberdade.
Mas o ponto fundamental tem a ver com uma das causas indicadas nas intervenções, quer do Sr. Deputado Gonçalo Capitão quer do Sr. Deputado João Pinho de Almeida, para explicar alguns dos exageros das praxes.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso não tem explicação!

O Orador: - Ainda nem me ouviu, Sr. Deputado!
E refiro só o ponto que tenta ligar esses exageros à massificação do ensino superior, à democratização do ensino superior…

Vozes do PS, do PCP e do BE: - Muito bem!

O Orador: - … e à consolidação da rede nacional do ensino superior.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Não é isso!

O Orador: - Gostaria de ser inteiramente claro sobre esse aspecto para dizer que entendo precisamente o contrário.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - A democratização do ensino superior contribuiu para melhorar as condições de inserção dos estudantes no ensino superior e não o contrário.

Aplausos do PS.

Vozes do PS, do PCP e do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária terá lugar na quarta-feira, dia 2 de Abril, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia, do qual constará a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 96/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PS), 97/IX - Aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PS), 98/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PS), 156/IX - Aprova as bases gerais da justiça e disciplina militar (PCP), 257/IX - Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público (PSD e CDS-PP), 258/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (PSD e CDS-PP) e 259/IX - Aprova o novo Código de Justiça Militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (PSD e CDS-PP).
Está encerrada a sessão.

Eram 11 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Henrique José Monteiro Chaves
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Fernando Ribeiro Moniz
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Rui do Nascimento Rabaça Vieira

Partido Popular (CDS-PP):
Antonino Aurélio Vieira de Sousa

Página 4473

4473 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Paulo Martins Pereira Coelho
Eduardo Artur Neves Moreira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Manuel Pereira da Costa
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António de Almeida Santos
António Luís Santos da Costa
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Rui Gaspar de Almeida
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José da Conceição Saraiva
Luís Manuel Carvalho Carito
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 4474

4474 | I Série - Número 106 | 29 de Março de 2003

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×