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Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2004 I Série - Número 38

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JANEIRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de resolução n.º 56/IX, dos projectos de lei n.os 395 a 399/IX, da apreciação parlamentar n.º 68/IX e dos projectos de resolução n.os 200 e 201/IX, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Ética, um relativo à retoma de mandato de um Deputado do PSD e outro autorizando o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) a integrar a Comissão de Avaliação Externa dos Cursos de Ciência Política e Relações Internacionais, na qualidade de perito.
Em declaração política, o Sr. Deputado Honório Novo (PCP), referindo à deslocação no passado fim-de-semana do Sr. Primeiro-Ministro e de membros do Governo à região do Porto, insurgiu-se contra os anúncios feitos pelo Sr. Primeiro-Ministro e acusou-o de se alhear dos problemas reais da região.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Marco António Costa (PSD) lembrou a visita do Sr. Primeiro-Ministro ao norte do País e congratulou-se com a forma como ela decorreu. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Renato Sampaio (PS), Honório Novo (PCP) e Diogo Feio (CDS-PP).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) elogiou a reforma na justiça levada a cabo pelo Governo e respondeu, no final, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lacão (PS) e António Montalvão Machado (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Ascenso Simões (PS) criticou as políticas do Governo com vista à descentralização e defesa do interior do País. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Nazaré (PSD).
O Sr. Presidente leu uma mensagem do Sr. Presidente da República à Assembleia acerca da situação financeira, económica e social do País, propondo à Câmara a adopção de uma nova metodologia orçamental e fazendo um apelo a que se retome o processo relativo à resolução aprovada pela Assembleia sobre a revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2003-2006.

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Em seguida, em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes (PSD) solicitou a abertura imediata de um debate sobre a mensagem, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados António Costa (PS), Telmo Correia (CDS), Bernardino Soares (PCP), Francisco Louçã (BE) e Isabel Castro (Os Verdes).

Ordem do dia. - Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 81/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica. Além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência (Feliciano Barreiras Duarte), usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isilda Pegado (PSD), Celeste Correia (PS), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE), Isabel Castro (Os Verdes), Natália Carrascalão (PSD) e Miguel Paiva (CDS-PP).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, o projecto de lei n.º 366/IX - Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais (PSD e CDS-PP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Vitalino Canas (PS) - também na qualidade de relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, José Augusto de Carvalho e José Saraiva (PS), António Filipe (PCP) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
Por último, a Câmara apreciou o projecto de resolução n.º 42/IX - Suspensão da cobrança ou redução do valor de portagens em casos especiais (PSD), sobre o qual intervieram os Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD), João Teixeira Lopes (BE), Helder Amaral (CDS-PP), Bruno Dias (PCP) e Luís Miranda (PS).
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro

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José Luís Ribeiro dos Santos
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos

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Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

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Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Helder do Amaral
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 56/IX - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada transnacional, o Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, e o Protocolo Adicional contra o tráfico ilícito de migrantes por via terrestre, marítima e aérea, adoptados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de Novembro de 2000, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 395/IX - Garante o porte pago aos órgãos de imprensa regional e as publicações especializadas (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, 396/IX - Institui o conselho nacional de saúde (PS), que baixou à 8.ª Comissão, 397/IX - Cria o provedor da saúde (PS), que baixou às 1.ª e 8.ª

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Comissões, 398/IX - Lei das Associações de Defesa dos Utentes de Saúde (PS), que baixou às 4.ª e 8.ª Comissões, e 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, Lei de Bases de Saúde (PS), que baixou à 8.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 68/IX (PS) - Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, que cria a entidade reguladora da saúde; projectos de resolução n.os 200/IX - Cria uma comissão eventual de acompanhamento das medidas de combate às listas de espera (PS) e 201/IX - Sobre a realização de um estudo de âmbito nacional sobre as listas de espera (PS).
Foram também apresentados na Mesa os requerimentos seguintes: No dia 6 e na reunião plenária de 7 de Janeiro - ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Cabral; aos Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Habitação, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e à Secretaria de Estado da Administração Local, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Honório Novo; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; à Secretaria de Estado da Juventude e Desportos, formulado pelo Sr. Deputado Bruno Dias; à Ministra de Estado e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Por sua vez, foi respondido, no dia 7 de Janeiro, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Oliveira.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo, ainda, a dar conta de um relatório e parecer e de um parecer da Comissão de Ética, que devem ser apreciados de imediato.
O primeiro refere-se à retoma de mandato da Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar (PSD) (Círculo Eleitoral Fora da Europa), cessando Gonçalo Nuno Santos, a partir de 7 de Janeiro corrente, inclusive.
O parecer da Comissão de Ética é no sentido de que a retoma de mandato em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em reunião realizada no dia 14 de Janeiro de 2004, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) a integrar a Comissão de Avaliação Externa dos Cursos de Ciência Política e Relações Internacionais, na qualidade de perito, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 21.º do Estado dos Deputados, com anotação no respectivo registo de interesses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, há uma mensagem presidencial para comunicar à Câmara, mas julgo que faz todo o sentido lê-la numa altura em que haja um maior número de Srs. Deputados presentes.
Por isso mesmo, dou agora a palavra ao Sr. Deputado Honório Novo para uma declaração política.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À falta de melhor, o Governo e o Primeiro-Ministro insistem em organizar pretensas deslocações ao País real, numa fórmula que, aliás, já baptizaram de "governação aberta".
Há uma marca bem típica destes périplos em que o Primeiro-Ministro está cada vez mais a especializar-se. Em vez de tentar ouvir as pessoas, de contactar com os problemas reais, de inventariar os constrangimentos existentes, de procurar dar voz aos sectores e actividades em risco, as "governações abertas" do Governo do PSD/CDS ou preferem cortar fitas, mesmo que o que houver para inaugurar seja obra alheia, ou querem organizar operações mediáticas para anunciar, e sempre que possível voltar a anunciar, obras e projectos que um dia, não se sabe bem quando, serão concretizados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É verdade!

O Orador: - Foi o que aconteceu em Tomar, em Fronteira e no Porto. Foi isso que, mais uma vez, sucedeu com a deslocação do Sr. Primeiro-Ministro e de mais alguns membros do Governo, neste último fim-de-semana prolongado.
Fim-de-semana que também serviu, en passant, para tentar calar algumas vozes discordantes e incómodas e para tentar fazer as pazes entre alguns protagonistas locais cujas ambições não se medem pela distância que separa as duas margens do Douro.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Fim-de-semana que também mostrou ao País que as oposições, pelos vistos, não têm razão, pois Amílcar Theias continua afinal a ser titular do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Na verdade, lá apareceu o Ministro ao lado de Durão Barroso; até parece ter respondido, em almoço à porta fechada, às dúvidas levantadas sobre a exiguidade dos investimentos governamentais previstos em sede de PIDDAC. Ao menos este fim-de-semana prolongado parece ter servido para mostrar que se Amílcar Theias não tem vindo aqui explicar (se fosse possível…) as políticas do seu Ministério, isso sucede apenas porque, pelos vistos, é a maioria parlamentar do PSD e do CDS que não o aprecia muito, que não gosta muito de o ver por cá.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, de forma avulsa e sistemática, como ontem se viu, aliás, mais uma vez, impede o exercício legítimo das competências fiscalizadoras que competem à Assembleia da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: À semelhança do Conselho de Ministros de Julho passado, o fim-de-semana prolongado que o Primeiro-Ministro e alguns membros do seu Governo passaram na região do Porto repetiu muitas ilusões, mas pode certamente vir a colher uma tempestade de frustrações. O que, diga-se, nem será novo nem inédito para populações que, infelizmente, já começaram a habituar-se e a desvalorizar operações mediáticas desta natureza.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Vamos aos exemplos do que afirmo.
Quanto à rede de alta velocidade pretendeu fazer-se, no Porto, um remake da Cimeira da Figueira da Foz, sem a presença de Aznar. Novidades, nem uma só! Apenas a confirmação de que a rede nacional se submeteu no fundamental à estratégia espanhola, que a ligação do Norte a Madrid se vai fazer por Lisboa, já que a ligação por Salamanca, mesmo que esteja no papel, tem todas as condições para poder "saltar para o tinteiro". Aliás, basta ler o que o insuspeito ex-Deputado do CDS-PP Manuel Queiró escreveu sobre o assunto. Já percebemos todos quanto o Governo cedeu e quanto alienou interesses estratégicos de Portugal nas decisões relativas a um instrumento fundamental para o desenvolvimento do País a médio prazo.
Quanto à rede viária, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou o lançamento de concursos para vias rodoviárias rebaptizadas. O IC24 passou a chamar-se A41 e o IC2 passou a chamar-se A32.
A par do fecho do IP4 e do IC23, em Gaia, todas estas vias, sem excepção, deveriam já estar a ser construídas, algumas mesmo em vias de conclusão, a ser verdade o que Valente de Oliveira e este Governo (não o governo anterior, mas este!) aqui nos disseram há pouco menos de um ano e meio.
Estes anéis viários fazem, aliás, parte do Plano Rodoviário Nacional há quase uma dúzia de anos, e já no tempo de Cavaco Silva a sua construção imediata foi manchete de jornais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas no que o Primeiro-Ministro não falou, ou se falou foi demasiado baixinho para alguém ouvir, foi que as vias agora rebaptizadas têm novo nome para que o Governo lhes possa colocar portagens, alterando tudo o que aí estava previsto, comprometendo as funções de descongestionamento para que esta rede foi projectada. O que o Sr. Primeiro-Ministro esqueceu foi de referir a oposição generalizada dos autarcas e das populações à introdução de portagens em vias suburbanas de desvio de fluxos de trânsito nas quais a circulação era, e deveria continuar a ser, livre.
Mas o fim-de-semana teve também o condão de nos revelar o conceito de descentralização tutelada que este Governo tem.
Por exemplo, na Área Metropolitana de Transportes com a futura administração formada por uma maioria nomeada pelo Governo, sem autonomia financeira e mesmo em fase de instalação, ameaçando já com o aumento generalizado dos preços dos transportes públicos.
Por exemplo, com a transformação da Associação de Municípios do Vale do Sousa numa nova forma de associativismo onde só o poder local participa com financiamentos claros e a delegação universal de

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competências, reservando o Governo para si, caso a caso, as decisões de entregar meios e poderes apenas e só quando entender conveniente.
Por exemplo, finalmente, "fazendo ouvidos de mercador" à necessidade tão insistentemente reclamada pelo PCP, e rejeitada pelo PSD e pelo CDS, de conferir legitimidade democrática às Áreas Metropolitanas, através de eleição directa dos seus órgãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas o que o vasto programa de "itinerância" deste fim-de-semana não previu foi o contacto com a realidade dramática que se vive na região.
Em Julho, quando do Conselho de Ministros no Porto, havia no distrito 95 000 desempregados. Hoje, há no distrito 104 000 inscritos no Fundo de Desemprego, números oficiais, traduzindo, certamente por defeito, a realidade dramática. Em Julho, o Governo responde a este drama com o anúncio de quatro medidas requentadas já previstas no Programa de Incentivos à Modernização da Economia e no Programa de Emprego e Protecção Social. Ao drama do desemprego o Governo respondeu em Julho com uma mão cheia de nada; ao drama do desemprego responde em Janeiro, nesse fim-de-semana, com um silêncio ensurdecedor.
Foi pena que o Sr. Primeiro Ministro não tivesse aproveitado o fim-de-semana para conhecer a realidade autêntica da região. Foi pena que logo na segunda-feira não tivesse ido à FINEX, na Maia, em fase de desmembramento, ou à Brax Portuguesa, em Gaia, tudo concelhos por onde passou. Foi pena que na segunda-feira, em vez de perder tempo em voltar a anunciar o TGV Porto/Salamanca lá para 2015, o Sr. Primeiro-Ministro não tivesse tido tempo para falar com as mais de 450 trabalhadoras ameaçadas com o desemprego na Brax, que não tivesse tempo para ir a Serzedo, em Gaia, dizer à administração desta multinacional que em Portugal não é permitido o lock-out e que não aceitamos deslocalizações beduínas. Ou será que este Governo as aceita?
Foi pena Sr. Primeiro-Ministro, que não tivesse aproveitado o fim-de-semana. Porque se tivesse aproveitado o fim-de-semana, ele teria sido muito mais útil.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Várias são as formas de poder interpretar-se os mesmos factos. Mas factos são factos, independentemente do prisma por que são analisados.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E é exactamente na factualidade que devemos assentar a análise daquilo que se passou nos últimos quatro dias no Norte do País.
Terminaram ontem mesmo quatro dias de visita do Sr. Primeiro-Ministro ao Norte do País, que a comunicação social convencionou chamar "governo aberto". Também nós assim vamos convencionar chamar.
Estes quatro dias de "governo aberto" revelaram um País real empenhado e determinado em ultrapassar as dificuldades que ainda se lhe apresentam, apesar de já ter passado os seus momentos mais difíceis.
Mas estes quatro dias revelam, ainda, um Governo activo, um Governo não acomodado e a trabalhar empenhadamente na coesão nacional. É à luz desta imagem que devem ser interpretados os factos. É verdade que, desde logo, estes quatro dias de "governo aberto" revelaram uma convergência institucional entre os temas que o Governo pretende ver tratados na agenda política e também a iniciativa do Sr. Presidente da República.
Foi o ambiente o primeiro dos temas que o Governo, nestes quatro dias, tratou, tendo lançado sobre ele um olhar bastante atento. Mas cabe-nos também saudar aqui a intervenção do Sr. Presidente da República, bem como a intenção demonstrada de olhar pormenorizadamente este tema. Tal como no passado, o Sr. Presidente da República, em iniciativas desta natureza, assumiu sempre uma postura construtiva e positiva. É disto que o País precisa: de uma postura construtiva e positiva!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Caros Srs. Deputados, permitam-me, ainda, que vos diga, através dos factos, o que é que, na nossa óptica, estes quatro dias revelaram.
Revelaram um Governo comprometido com a coesão nacional e com o investimento público. É verdade, e é um facto, que durante vários anos a Circular Regional Externa ao Porto foi uma promessa de vários governos, mas também é verdade, e é um facto, que só na passada segunda-feira é que foi publicado o anúncio para o concurso público para a construção dos troços que faltam da Circular Regional Externa ao Porto. Isto é um facto. E um facto indesmentível!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, também é um facto que este é um Governo comprometido com a descentralização. Apesar das críticas que possam ser lançadas, a verdade é que, depois de ter falhado a regionalização, por vontade dos portugueses, nada foi feito até este Governo assumir funções.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Foi este Governo que aprovou o novo conceito de descentralização para Portugal. Foi este Governo que criou o conceito de comunidades urbanas e foram os municípios que, associando-se livremente, perante este conceito, criaram a primeira comunidade urbana do País: a Comunidade Urbana do Vale do Sousa. Isto é um facto!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas também é um facto que este modelo tem uma outra virtude: não é alicerçado no princípio da imposição de cima para baixo mas, sim, do movimento de baixo para cima, de vontade activa dos municípios. Também se trata de um conceito que assenta na contratualização entre o poder central e o poder local, no princípio do respeito mútuo entre os diferentes níveis do poder mas, igualmente, no respeito pela autonomia do pode local. E isto também é um facto!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo também se mostrou comprometido com o princípio da desconcentração. E, se já era um facto que a Agência Portuguesa para o Investimento se fixou no Porto, contrariando décadas de perda de importância e de saída de instituições e de centros de decisão da região Norte, também é verdade que o Primeiro-Ministro anunciou que a GabLogis vai abandonar Lisboa e fixar-se na Maia e que a REFER terá no Norte um novo centro de decisão. São factos inegáveis e indesmentíveis!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, é um outro facto que, durante vários anos, o Norte não teve um tribunal administrativo central; agora tem o Tribunal Central Administrativo Norte. A desconcentração até à justiça chegou no Norte!
Falando da Autoridade Metropolitana de Transportes - tantos e tantos discursos foram proferidos nesta Câmara, tantas promessas e tantos governos disseram que a iriam criar! -, é um facto que já existe uma comissão instaladora e que Autoridade Metropolitana de Transportes está a dar os seus passos rumo a criar uma maior coordenação dos transportes públicos e, por essa via, dar mais qualidade de vida na região do Porto. Isto é um facto. E um facto indesmentível!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o passado fim-de-semana revelou-nos, novamente, um Governo que fala verdade ao País, que não esconde as dificuldades e afirma que ainda temos algumas pela frente, mas também revelou-nos uma sociedade portuguesa mobilizada, como comprovou o Minho com a assinatura do Pacto de Desenvolvimento Regional. A Universidade do Minho, a Associação Industrial do Minho, mais de 18 municípios, representando mais de 1 milhão de portugueses, e mais de 20% das exportações portuguesas associaram-se numa vontade, férrea e determinada, de adoptarem uma postura construtiva, que é o que o País precisa: uma postura verdadeiramente empenhada no desenvolvimento e na parceria responsável e construtiva.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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Sabemos as dificuldades que o País atravessa. E o primeiro a falar verdade ao País sobre as dificuldades foi este Governo, o Primeiro-Ministro de Portugal, que não escondeu dos portugueses as dificuldades que o País atravessava. Também é verdade que quando era oposição, neste Parlamento, o PSD alertou várias vezes o anterior governo de que as soluções e a concepção de política económica preconizadas conduziriam o País para uma situação de grande dificuldade. Este é mais um facto inegável!
Outro facto: quando da tomada de posse, este Governo disse que iria levar dois anos a tentar pôr as contas públicas em ordem e a tentar restituir a confiança ao País - e o relatório do Banco de Portugal fala por si.

O Sr. António Costa (PS): - Fala, fala…

O Orador: - Foram dois anos de trabalho, foram dois anos de dificuldade.
Mas não é tempo de fazer recriminações relativamente ao passado, é tempo de sabermos interpretar os factos e os sinais. E os sinais que a sociedade do Norte deu ao País nestes quatro dias foram os de que o País, o Norte em particular, não está adormecido mas, sim, bem acordado, não está de braços cruzados mas, sim, a trabalhar! Deram-nos sinais de que temos uma sociedade no Norte e um Governo que tem o País em acção e que não se deixa ficar paralisado pelas dificuldades. É com políticas concretas e com factos que se vencem as dificuldades!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É desta forma que se mostra ao País que se governa com factos e com responsabilidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António, há seis meses, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou no Porto um conjunto de medidas que, provavelmente, se esfumaram nos incêndios que lavravam no País nessa altura, porque, até hoje, o Governo nada mais disse sobre essa matéria!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

No passado fim-de-semana, o Sr. Primeiro-Ministro foi ao Porto anunciar um conjunto de concursos, nomeadamente no IC24 - aliás, todos eles preparados pelos governos do Partido Socialista e anunciados com dois anos de atraso. E nem uma palavra foi dita sobre a adjudicação do IC25, que já estava preparada.
Sr. Deputado, essa visita teve como objectivo único fazer esquecer ao Porto e ao Norte o "embarrilamento" em que este Governo deixou o Porto em termos de rede de alta velocidade.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Gostava que o Sr. Deputado nos falasse (bem como o Sr. Primeiro-Ministro) sobre os tribunais civis cujos concursos foram deixados preparados há dois anos e que este Governo, até hoje, nada fez. Também para os tribunais de família e criminal estão disponíveis os terrenos e preparados os concursos, mas sobre isso este Governo disse "zero"! No entanto, foi lá instalar os tribunais administrativos, preparados pelo anterior governo, pelo então Sr. Ministro da Justiça, António Costa,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - … e anunciar 100 km de auto-estrada, quando nós deixámos 1300 km!
Sr. Deputado Marco António, gostava que nos dissesse se concorda com uma afirmação feita pelo PSD na anterior legislatura, a propósito da rede de transportes de alta velocidade, em que este dizia que jamais aceitaria que a primeira prioridade não fosse Aveiro-Salamanca. Dizia então o PSD que, com este projecto - projecto posto à discussão pública pelo anterior governo -, "o que nós não aceitamos é esse logro que se está a querer impingir à população do Centro e do Norte do País". Ou seja, esta rede de TGV é um logro para o Porto e para o Norte e o que o Sr. Primeiro-Ministro fez foi tentar lançar areia para os olhos da população do Norte, para nos fazer esquecer o "embarrilamento" que é hoje a rede de alta velocidade,

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que os senhores puseram em discussão e que aprovaram.
Gostava de saber se o Sr. Deputado concorda ou não com as posições assumidas anteriormente pelo PSD nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marco António Costa, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Renato Sampaio, agradeço a questão que colocou.
Permita-me que comece por dizer que, como sempre, sobre o TGV, o Partido Socialista continua a arrastar uma discussão que já não faz sentido. A decisão está tomada, é preciso avançar com a obra e não ficar preso a discussões conceptuais; é preciso que a obra avance, que é o que este Governo está a procurar fazer neste momento.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Permita-me, ainda, que não fuja a duas questões que me parecem essenciais, a dos problemas sociais e a relativa aos tribunais, de que o Sr. Deputado falou.
Em matéria de tribunais, o que lhe quero dizer é que este Governo responde com factos: inaugurou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o Tribunal Central Administrativo Norte e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel. Estas são factos, e o resto não!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às questões relacionadas com a área social e os problemas da região, ouvi vários Srs. Deputados do Partido Socialista do distrito do Porto dizerem que iriam apresentar na Assembleia da República um plano integrado de desenvolvimento para o distrito do Porto. Já ouvi várias vezes isso e hoje, na rádio, voltei a ouvir uma intervenção nesse sentido. Srs. Deputados, decidam-se: ou apresentam ou não apresentam!

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Apresentámos!

O Orador: - É mais uma promessa que VV. Ex.as fazem mas que nunca mais se decidem a realizar, nem na oposição!
Sr. Deputado Renato Sampaio, também sei que o emprego é uma questão importante e da qual não devemos fugir. Para nós, cada pessoa que viva numa situação de dificuldade fruto da circunstância do desemprego é importante. Sabe o Sr. Deputado que de Janeiro de 2001 a Janeiro de 2002 os requerimentos a solicitar subsídio de desemprego na segurança social do distrito do Porto aumentaram 71,2%? Como se recorda, só em Abril de 2002 é que o PSD e o PP assumiram funções governativas em Portugal! E aumentaram 71,2% sabe porquê, Sr. Deputado? Porque os sinais da crise já vinham de 2000, quando o PIB caiu mais de 2%, quando o consumo privado caiu 1,9% e quando a situação do investimento global caiu de 4,9%, em 2000, para 0,3%, em 2001.
A crise estava anunciada e foi essa crise anunciada que fez com que os senhores, em determinado momento, tivessem preferido o caminho mais simples: o de não enfrentar a crise e, porventura, vir para esta Assembleia criticar quem está a realizar trabalho, a apresentar factos na governação do País para ultrapassar a crise.
O passado fim-de-semana serve de exemplo para todos os políticos pela forma construtiva e positiva como a sociedade a Norte se organizou.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para interpelar a Mesa. Qual é o tema da interpelação, Sr. Deputado?

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O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente quero intervir em defesa da honra e da consideração não sei se do Dr. Rui Machete se do Dr. Mário Raposo, que, em 1985, criaram o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, em substituição da velha auditoria administrativa do Porto, e que, naturalmente, se sentiriam desconsiderados pelas palavras agora proferidas pelo Sr. Deputado Marco António.

Aplausos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Há que repor a história!

O Sr. Presidente: - Tratou-se, portanto, de um esclarecimento sobre a matéria em discussão.
Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Marco António, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António, começo por registar que o seu silêncio perante a intervenção que fiz sobre a digressão do Sr. Primeiro-Ministro ao Porto significa, naturalmente, uma concordância absoluta com o que proferi da tribuna.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Só pode ser!

O Orador: - Não tenho outra explicação para o facto de não ter discordado em nada do que referi.
Da intervenção que o Sr. Deputado fez, há um ponto com o qual estou de acordo: o Porto é uma óptima região para se passar o fim-de-semana; o Porto e a região do Porto têm óptimas potencialidades turísticas. Só não sabia que também tem capacidades - fiquei a saber depois do que disse - para criar guiões de filmes, porventura do tipo Alice no País das Maravilhas… Com efeito, o que o Sr. Deputado acabou de fazer da tribuna foi um guião para um novo filme, mas um filme que, de facto, nada tem a ver com a realidade. Tem mais a ver com a sétima arte, um filme para crianças porventura, mais do género Alice no País das Maravilhas.
O Sr. Deputado Marco António sabe bem que o Sr. Primeiro-Ministro se limitou a anunciar: anunciou, anunciou e voltou a anunciar medidas não se sabe bem para quando nem o quê!
Quanto ao TGV, confirmou apenas o que todos já sabem, a começar pelo ex-Deputado Manuel Queiró, da bancada do CDS-PP, e a acabar na comunicação social. Ou seja, confirmou que a estratégia foi a da submissão a Aznar e que a ligação do Porto a Salamanca, se acontecer - não temos bem a certeza -, vai ficar para as calendas gregas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Novidades: "zero"!

O Orador: - Sr. Deputado Marco António, se as decisões quanto ao TGV estão tomadas - mas estão mal tomadas, deixe-me corrigi-lo, porque defendem apenas partes substanciais, mas não o País como um todo -, a verdade é que os senhores deram no passado fim-de-semana uma imagem bonita do que é a descentralização tutelada por vós. Basta ver o que é a Autoridade Metropolitana de Transportes: a maioria é formada por membros do Governo; a autonomia financeira ficou "no tinteiro"; os preços dos bilhetes, antes mesmo de a Autoridade começar a funcionar, já estão anunciados.
Sr. Deputado Marco António, por que razão o Sr. Primeiro-Ministro não aproveitou, por exemplo, para além do caso da Brax, que já referi, para falar com os 150 trabalhadores do Hospital de São João…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Por que razão o Sr. Primeiro-Ministro não aproveitou para falar com os 150 trabalhadores do Hospital de São João, que trabalham de borla porque a administração assim os obriga para terem, eventualmente daqui a uns meses, um contrato incerto?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir, se não ser-lhe-á desligado o microfone.

O Orador: - Por que é que o Sr. Primeiro-Ministro não se dignou a falar com estes trabalhadores…

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O Sr. Presidente: - Como já tinha alertado, o tempo de que dispunha terminou.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, muito obrigado pelas suas questões.
Gostaria de começar por lhe dizer que, obviamente, faz parte da vida democrática a divergência de opiniões e de pontos de vista.
Nesse sentido, quando o Sr. Deputado considera que vale a pena continuar a discutir as questões do TGV para tentar alterar uma decisão tomada por um Governo legitimamente em funções e democraticamente eleito, eu continuo a pensar que vale a pena apoiar a decisão do Governo, uma decisão que olha o País no seu todo e que defende, na nossa óptica, os interesses da região Norte, nomeadamente porque torna uma prioridade absoluta a ligação entre o Porto e a Galiza, criando, assim, uma condição competitiva para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, de que os senhores tantas vezes falam, mas depressa esquecem quando precisam de fazer outra abordagem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, permita-me também que lhe diga que é um pouco de mau gosto a análise que fez da intervenção que apresentei. Tenho a mesma legitimidade que o senhor a uma visão sobre os factos - aliás, a minha visão é alicerçada nos factos em si mesmo e se não o interpelei foi por uma mera opção que tem a ver com a razão de eu ter intervindo de imediato.
Sr. Deputado, há uma questão que é essencial. O Sr. Deputado poderá sempre adjectivar as intervenções e as nossas visões da forma que bem entender, mas há factos que não consegue ultrapassar, ainda que diga que se trata de uma descentralização tutelada. É que a Autoridade Metropolitana de Transportes que os senhores tanto defendiam existe. Como os senhores já não têm o argumento de que a Autoridade não existe, agora vêm com o argumento de que é uma entidade tutelada. Perderam o argumento de que não existe uma Autoridade Metropolitana de Transportes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma dificuldade que vão ter para o futuro. Lamento, Sr. Deputado.
É verdade que o Sr. Primeiro-Ministro esteve no Porto e que anunciou a criação da REFER norte e eu não ouvi uma única palavra sua sobre essa matéria. É verdade que o Sr. Primeiro-Ministro esteve no Porto e anunciou que a GabLogis sairia de Lisboa para ser instalada na Maia. É um facto. É uma verdade inegável!
O Sr. Deputado prefere sempre terminar as suas intervenções com alguns factos para fazer alguma mise-en-scéne em volta da sua intervenção.

Protestos do PCP.

Sr. Deputado, estou muito preocupado com os trabalhadores do Hospital de São João.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Não estamos no tempo da escravatura!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado sabia que, em 1996, o Instituto de Emprego e Formação Profissional do Porto tinha 386 funcionários? Note bem: o Instituto de Emprego e Formação Profissional da região Norte, instalado no Porto, tinha 386 funcionários, em 1996. Sabe quantos funcionários tinha em 2001? Eu digo-lhe:…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Faça favor de concluir.

O Orador: - … 931 funcionários. Esta é a lógica de emprego que o governo que nos antecedeu tinha relativamente ao País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António, começo por felicitá-lo pelo tema que aqui trouxe neste período antes da ordem do dia, na medida em que a visita que o Sr. Primeiro-Ministro fez aos distritos do Porto e de Braga foi importante para que se falasse e se decidisse em relação à descentralização, em relação aos transportes, em relação à justiça, em relação à acção social.
Quando temos partidos da oposição sempre muito activos na crítica, sempre muito activos porque há omissões, pergunto se ouviu algum comentário de algum representante de um partido da oposição, no Porto ou em Braga, em relação às notícias que o Sr. Primeiro-Ministro levou para estas duas importantes regiões do nosso país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Já agora, quanto à questão da alta velocidade, é preciso que se veja que, quando estiver terminada toda a obra, a viagem de comboio entre o Porto e Madrid, que, neste momento, demora oito horas e meia, vai passar a demorar menos três horas.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - É mentira! É mentira!

O Orador: - É preciso que se veja que, em relação ao transporte de mercadorias, que neste momento se faz a 10 km/hora, vai deixar de se fazer a esta velocidade.
É importante que se veja que, com certeza, o porto de Leixões, o porto de Aveiro e o Aeroporto Francisco Sá Carneiro se enquadrarão numa perspectiva intermodal.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Também é relevante que se veja que este é um enormíssimo incremento quanto à importância que o Porto pode ter na zona do noroeste peninsular.
É importante que se veja que a agência da REFER vai funcionar no Porto.
Qual é a sua opinião em relação a todos estes assuntos?
Numa altura em que se faz um discurso de esperança, um discurso virado para o futuro, gostaria também de saber se não considera estranho ouvirmos uma oposição que, quando se pronuncia, apenas fala em depressão e em aspectos que traça de negro.
É que o passado fim-de-semana foi demonstrativo de algo: normalmente, quando se fala do Porto com optimismo, fala-se de desporto ou de futebol. Manteve-se também esse optimismo quando se falou de desporto ou de futebol no passado fim-de-semana, mas ganhou-se, para além de mais, um optimismo em relação às matérias essenciais para que aquela região se assuma como o grande centro do noroeste peninsular.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, começo por agradecer o seu pedido de esclarecimento.
De facto, é notório, pelo tom das intervenções que foram proferidas neste Parlamento pela oposição, que a visita do Sr. Primeiro-Ministro, nestes quatro dias ao Norte, foi um sucesso. Está comprovado esse sucesso pelo tom das intervenções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Até estranhei - e por isso aguardei pelo fim dos pedidos de esclarecimentos - que não tivessem referido o programa Porto Feliz, questão que, recorrentemente, tem sido trazida ao Parlamento. O Sr. Primeiro-Ministro inteirou-se deste programa e verificou que, das 506 pessoas que iniciaram aquele programa, 460 estão, neste momento, a ser submetidas ao programa de recuperação e de reabilitação pessoal e social e dessas 460 pessoas, 55 já estão integradas na vida activa. Isto são factos,…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - … são números que representam pessoas que sentem, finalmente, que têm uma oportunidade na vida, como nunca ninguém lhes deu. Efectivamente, estranhei que a oposição de esquerda não

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falasse nesse assunto.
Assim como estranhei que não tivessem referido a habitação social, o compromisso deste Governo de alterar a legislação relativamente ao Programa Especial de Realojamento, o qual permite a recuperação de casas de habitação social que estejam degradadas. É que mais do que construir habitação social, é preciso recuperar muita da habitação social que foi construída nos anos 80 e 90 e dar-lhes, novamente, as condições de habitabilidade indispensáveis para que as pessoas possam viver com dignidade. Também a esse nível, não ouvi uma única palavra por parte da oposição de esquerda.
Quanto à questão da alta velocidade, é verdade o que o Sr. Deputado afirmou, mas também é verdade que com a ligação Porto/Vigo o Porto não fica a ser o ponto terminal de nenhuma outra ligação, passa a estar no centro de várias ligações. E a ligação Porto/Aveiro/Salamanca é essencial para a economia da região do Minho, de todo o norte de Portugal, que precisa desta ligação por causa do transporte de mercadorias.
Sr. Deputado, temos ouvido falar, tantas vezes, os partidos da oposição do Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Desta vez, esqueceram que a ligação de TGV Porto/Vigo é essencial para dar ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro a dimensão regional, de forma a transformá-lo num pólo de atracção para o transporte aéreo. Todavia, os Srs. Deputados da oposição também se esqueceram disso.
Para além desse aspecto, esqueceram-se que, finalmente, a ligação entre Porto e Lisboa está calendarizada, está prevista e estamos certos de que vai avançar. Tantos e tantos anos perdemos nessa discussão! Tantos e tantos anos perdemos relativamente ao TGV! Não é hora para discussão, não é hora para discursos pessimistas. É, sim, hora, para cerramos fileiras e para todos, em conjunto, nos empenharmos…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se.

O Orador: - … para que o desenvolvimento do País seja uma realidade com a participação de todos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Renato Sampaio pediu a palavra para interpelar a Mesa. Qual é a matéria da sua interpelação, Sr. Deputado.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Marco António afirmou que o Partido Socialista só fazia promessas em relação a uma operação integrada de desenvolvimento do distrito do Porto.
Queria dizer ao Sr. Presidente que apresentaremos, para juntar à Acta desta sessão, a proposta que apresentámos na Comissão de Economia e Finanças durante a discussão do Orçamento do Estado e que o PSD inviabilizou.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, entendi a intervenção de V. Ex.ª como um requerimento para a junção de um documento à Acta dos trabalhos de hoje.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr. Presidente, é para informar a Mesa que hoje mesmo, quando me deslocava do Porto para Lisboa, ouvi na rádio, mais uma vez, o Sr. Deputado Francisco Assis, do Partido Socialista, anunciar que iria apresentar o dito plano integrado de desenvolvimento.

O Sr. Presidente: - Pelos vistos, é este documento.

O Orador: - Mas, então, é recorrente.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A justiça é, para o tempo da Legislatura, uma prioridade deste Governo. Isto pela razão óbvia de que muitos e diversos eram também os problemas que afectavam a justiça em Portugal.
Hoje, podemos afirmar com alguma segurança, decorrida que está cerca de metade da Legislatura, e constatando com isenção, que muita coisa mudou e que a justiça está melhor.
Tal como fez o Sr. Primeiro-Ministro, também nós reafirmamos a confiança no poder judicial. Num poder judicial onde as várias profissões judiciárias que o integram se esforçam muito, todos os dias, para dar resposta às exigências dos cidadãos. Num poder judicial que tem e vê no Ministério da Justiça e no Governo uma entidade competente, conhecedora e empenhada na mudança e na resolução dos seus problemas. Isto também pela razão óbvia de que muito tem sido feito desde o início da presente legislatura e muito mais se perspectiva até ao seu final.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - As áreas de intervenção do Ministério da Justiça e, por via do Ministério da Justiça, do Governo têm sido muito diversas. Tem havido uma preocupação de combater o atraso na justiça e de melhorar o seu funcionamento.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Exemplo disso são a reforma do contencioso administrativo, a criação de novos julgados de paz e o alargamento da sua competência, a reforma da acção executiva, o alargamento do recurso à injunção, o código das custas judiciais.
Tem havido a preocupação de garantir o efectivo acesso à justiça. Exemplos disso são o diploma, também já discutido, sobre o acesso ao direito ou a lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado, cuja proposta de lei está integrada na reforma da Administração Pública em curso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tem havido a preocupação de garantir o melhor funcionamento de serviços essenciais para os cidadãos. Exemplo disso são a reforma do notariado e a criação de novas instalações da Conservatória do Registo Comercial e Civil de Lisboa.
Tem havido a preocupação de apoiar a investigação criminal. Exemplo disso são a nova sede da Polícia Judiciária e a colocação de cerca de 300 novos inspectores.
Tem havido a preocupação de garantir que o Estado, quando impõe o cumprimento de penas aos cidadãos, se esforce, efectivamente, com a sua posterior reintegração. Exemplo disso foram a criação da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, cujo trabalho deverá resultar numa lei-quadro para a reforma do sistema prisional, mas também o alargamento do sistema de vigilância electrónica a 17 comarcas do Grande Porto, como, de resto, recentemente foi anunciado.
Mais preocupações temos verificado existirem como aquela que tem a ver com a agilização da justiça nas áreas que interagem com as empresas e, através delas, com a economia. Exemplo disso é o novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a respectiva legislação complementar.
Tem havido a preocupação de garantir o crescimento no âmbito familiar a todas as crianças que dele não beneficiem. Exemplo disso foram também as alterações ao Regime Jurídico da Adopção.
Portanto, como se vê, muito tem sido feito, com efeitos imediatos ou em curso, em matéria de justiça, até agora.
Mas diga-se também que já muito se perspectiva para 2004. Vai ser grande o esforço no desenvolvimento de alternativas ao sistema formal de justiça, introduzindo-se medidas de reorganização e de gestão dos tribunais, alargando-se mais as competências dos julgados de paz em razão da matéria e do valor e valorizando-se a mediação e a arbitragem e a resposta aos litígios sociais que não exigem a intervenção dos tribunais.
Vai ser visível a concretização da privatização do notariado, atribuindo-se as primeiras licenças e entrando em funcionamento os primeiros cartórios notariais privados.
Vai ocorrer uma calma e muito ponderada revisão da legislação penal e processual penal em matérias

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tão diversas como as relativas aos crimes ambientais, aos crimes rodoviários, ao segredo de justiça, à prisão preventiva e às escutas telefónicas.
Vai continuar a forte aposta na reforma do sistema prisional com a revisão da Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e da Lei de Execução de Penas.
Vai ser concretizada a preocupação de garantir a formação de cada vez melhores magistrados, revendo-se a lei que regula e estrutura o funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, na sequência do trabalho de uma comissão composta por representantes dos conselhos superiores.
Vai ser reorganizado o mapa judiciário. E muito mais vai ser feito…
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Certamente poderá até ser exaustiva e, porventura, maçuda esta exposição que acabei de fazer, mas impunha-se e era necessária, porque, infelizmente, a questão da justiça não tem sido discutida, desde logo pelos principais representantes e responsáveis pelos partidos da oposição.
Quase sempre a discussão dos grandes temas da justiça tem sido para a oposição resumida a um episódio. Mas para a maioria os problemas da justiça são muito mais do que isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quisemos hoje recentrar o debate e demonstrar nesta Assembleia da República que o debate vai muito para além de um episódio. E se, na oposição, quiserem discutir os problemas da justiça em Portugal falarão disto e de muito mais que eu poderia anunciar, porque, infelizmente, a justiça, nos últimos tempos, tem sido, ela própria, transformada em protagonista do imenso palco mediático que estabelece as prioridades noticiosas. E esse facto, perturbando e interferindo com o que por natureza deve ser discreto, tem também distraído muitos agentes políticos, principalmente da oposição, do essencial. Ou seja, esquecem-se esses agentes da política que a justiça em Portugal não se resume a um único processo em curso, que a justiça em Portugal precisa que os políticos, todos, se concentrem nela, muito para além desse processo.
Daí a intervenção, para que todos percebam as reformas e, querendo, as discutam; para que debatamos a justiça na base do que ela precisa e nos exige a todos, enquanto Deputados; para que todos nos sintamos satisfeitos pelo muito que em favor dela tem sido feito, ainda que pouco falado; finalmente, para que os portugueses saibam que, por detrás do palco mediático, a maioria e o Governo só estão preocupados com o essencial: trabalhar para que a justiça vá melhorando, como tem vindo a melhorar todos os dias em Portugal, na certeza de que, no que nos toca, estamos a cumprir com o compromisso assumido enquanto titulares responsáveis de um órgão de soberania fundamental da democracia portuguesa, que pensa e age no estrito cumprimento das suas competências e em respeito pelo princípio basilar da separação de poderes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Fazemo-lo em favor da Assembleia da República, naturalmente, mas também em favor da justiça e de Portugal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Lacão e António Montalvão Machado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, por ironia da vida, o Sr. Deputado veio hoje à Câmara fazer esta intervenção sobre justiça quando, numa reunião realizada esta manhã em sede da 1.ª Comissão, eu próprio tive ocasião de voltar a suscitar à presidência daquela comissão o facto absolutamente insustentável de há muitos meses, praticamente desde o Verão passado, termos pendente uma reunião de trabalho e de avaliação global das reformas na área da justiça que implica, necessariamente, a presença da Sr.ª Ministra da Justiça, a qual, até ao momento, ainda não encontrou na sua agenda disponibilidade para essa reunião com o Parlamento. Portanto, em matéria de prioridade e de sensibilidade à relevância das reformas da justiça, podíamos ficar conversados.
Mas, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, aquelas reformas decisivas para a modernização do sistema judiciário, em particular a da acção executiva e a do contencioso administrativo, que, como sabem, foram ambas essencialmente preparadas no quadro da legislatura anterior, com o Partido Socialista responsável pelo Ministério da Justiça, entraram em vigor, depois de sucessivos atrasos provocados pelo seu

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Governo, apenas no início deste ano e, ainda assim, com sérios problemas de adaptação, como é de todo visível, relativamente aos inúmeros problemas da acção executiva.
É esta a dinâmica do Ministério da Justiça? Então, em nome dessa dinâmica, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, gostaria que, finalmente, nos desse um calendário apurado, por exemplo, para a razão do atraso pelo qual o Governo já anunciou sucessivas vezes (e sucessivas vezes adiou) a alteração à lei que regula a formação de magistrados judiciais.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Afinal, quando é que a iniciativa é apresentada nesta Assembleia?

O Sr. José Magalhães (PS): - Está em estudo…!

O Orador: - Relativamente aos julgados de paz, o Sr. Deputado Nuno Melo tem ideia do tempo que já passou e das sucessivas garantias da parte do Governo de alteração da formulação inicial, apresentada a título experimental, da lei que regula o funcionamento e as competências dos julgados de paz? Qual a razão do atraso? Qual o momento para a apreciação da actualização relativamente aos julgados de paz?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, matéria que está pendente em comissão para discussão na especialidade, o Sr. Deputado Nuno Melo pode dizer à Câmara quantos meses de atraso existem. Eu digo: mais de um ano, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Mais de um ano de atraso relativamente à apreciação desse diploma fundamental quanto à regulação das relações entre os administrados e a Administração.
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, perante estes sinais evidentes de inércia, de inibição…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Uma vez mais lhe peço para concluir.

O Orador: - … e, até, de incapacidade, como é que o Sr. Deputado justifica os atrasos e qual o calendário que nos propõe, preto no branco?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, vou ser muito breve, porque, infelizmente, não disponho de muito tempo, mas julgo que conseguirei responder ao essencial.
Devo dizer, desde logo, Sr. Deputado, que, como sabe, a Sr.ª Ministra da Justiça tem sido, porventura um dos membros do Governo que mais presenças têm tido no Parlamento, uma vez que tem estado no Parlamento a propósito das comissões de inquérito, tem estado na 1.ª Comissão e neste Plenário em defesa de muitas das propostas de lei, que, por essa via, aqui defende.
Portanto, sei bem, Sr. Deputado, que a Sr.ª Ministra da Justiça não constitui, nem no Governo nem na mente dos Srs. Deputados do Partido Socialista, razão de queixa, porque efectivamente tem estado sempre presente.
No mais, deixe-me que lhe diga o seguinte: afirmou o Sr. Deputado, nomeadamente no que toca à reforma executiva, que se tratou de uma reforma do Partido Socialista. Mas disse imediatamente que era uma reforma que tem apresentado problemas. Só se esqueceu de concluir o raciocínio, dizendo, porventura, que, então, a razão desses problemas era a reforma do Partido Socialista. Por que é que não o fez, Sr. Deputado? O Sr. Deputado só chama a si aquilo que é bom e esquece o mal?!
Devo dizer que também não cometeria a injustiça de fazer esse raciocínio. É evidente que a reforma da acção executiva teve o impulso inicial do governo do Partido Socialista, teve uma forte colaboração de todas as bancadas parlamentares na Assembleia da República e, uma vez posta em execução, apresenta

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pontualmente aspectos que funcionam melhor, outros que funcionam pior e que têm de vir a ser aperfeiçoados a todo o momento.
Assim será também com os julgados de paz e com todas as outras iniciativas, que, destinando-se a reformar a justiça em Portugal, têm a todo o momento que vir a ser adequadas e aperfeiçoadas em razão do seu funcionamento.
Quanto aos julgados de paz, deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que verificará que, para além do bom exemplo que têm constituído nas reformas dos governos de Portugal, também já em 2004 verá alargado o seu âmbito e verá, por essa forma, saírem dos tribunais acções que neste momento são razão constitutiva de uma grande morosidade.
Mas, Sr. Deputado, aguarde pelo fim da Legislatura, porque, como lhe disse também, a justiça é uma prioridade para a Legislatura, não é uma prioridade de ontem, nem sequer só para 2004, e verificará que no final tudo estará muito melhor.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, antes de mais, deixe-me dar-lhe conta do seguinte: V. Ex.ª disse que a sua intervenção seria porventura exaustiva e maçuda; deixe-me dizer-lhe que são poucas as vezes em que estamos em desacordo, mas nesta questão estamos. É que a sua intervenção não foi nem exaustiva nem maçuda, foi uma intervenção lúcida, real e verdadeira.

Risos do PCP e de Os Verdes.

E é por isso mesmo que a sua intervenção não foi do agrado do Sr. Deputado Jorge Lacão nem dos restantes Srs. Deputados do Partido Socialista.
Deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª fez um balanço, um balanço positivo da acção do Ministério da Justiça. Falou da reforma do contencioso administrativo, que passou relativamente à margem da comunicação social mas que é extremamente importante, da reforma da acção executiva, da nova lei do apoio judiciário, da privatização do notariado e do novo código da insolvência. Isto são, Srs. Deputados, aquilo a que chamo verdadeiras rupturas, são aquilo a que chamo verdadeiras reformas importantes para a melhoria do estado da justiça em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que aquilo que hoje o Sr. Deputado Jorge Lacão disse a propósito da reunião da 1.ª Comissão é uma pura falácia. O que o Partido Socialista pediu, em Julho, foi uma reunião com a Ministra da Justiça a propósito do impacto da entrada em vigor da reforma da acção executiva, que só haveria de entrar em vigor em 15 de Setembro seguinte. Quer dizer, queriam fazer uma diligência absolutamente inútil como realizar uma reunião em Julho a propósito do balanço da entrada em vigor de uma reforma dois meses depois.
E, permita-me que o corrija, Sr. Deputado Jorge Lacão, porque não sabe: disse que a reforma da acção executiva tinha entrado em vigor no dia 1 de Janeiro, o que é um puro lapso, para não dizer uma ignorância, porque a reforma da acção executiva entrou em vigor em 15 de Janeiro próximo passado, o que é uma mera diferença.

O Sr. José Magalhães (PS): - Em 15 de Setembro!

O Orador: - 15 de Setembro próximo passado só há um, sabe!? Há outro para trás…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, o Sr. Deputado disse 15 de Janeiro!

O Orador: - O Sr. Deputado também não sabe?! Agora é 15 de Janeiro! Não é nem 1 nem 15 de Janeiro, é 15 de Setembro próximo passado!
Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, deixei para o fim as perguntas mais concretas que lhe queria dirigir porque não há nada de mais injusto do que aquilo que aqui se ouviu a propósito do atraso da instalação dos julgados de paz.

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Tivemos, nesta Legislatura, o aumento (e de que maneira!) do número de julgados de paz, mas, sobretudo, o aumento (e de que maneira!) das zonas de influência e de jurisdição territorial dos julgados de paz. Basta ver o que se verifica com o Julgado de Paz de Lisboa, que hoje abrange todas as freguesias de Lisboa. Basta ver o que aconteceu ontem com o protocolo da instalação do julgado de paz do Porto. Isto é absolutamente fundamental!
Pergunto ao Sr. Deputado se acredita, de facto, no sucesso dos julgados de paz e na adesão dos portugueses a este novo sistema de resolução dos conflitos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente, com a formulação de duas perguntas que não demoram 10 segundos.
V. Ex.ª admite como possível que a competência civil dos julgados de paz seja alargada e aumentada quanto ao valor?
Finalmente, V. Ex.ª admite que das decisões proferidas pelos julgados de paz se possa e deva recorrer directamente para a Relação, e não para a 1.ª instância, só assim se assumindo verdadeiramente os julgados de paz como verdadeiros tribunais, como a Constituição da República o determina?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Montalvão Machado, agradeço-lhe as referências que fez e gostava de dizer o seguinte: é evidente que, para nós, e infelizmente para o PS, a incomodidade do PS é quase sempre o melhor barómetro que nos aponta que vamos no caminho certo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quase sempre, quanto mais incomodada a bancada do Partido Socialista, mais depressa verificamos que, efectivamente, isso resulta da certeza das nossas apostas noutras matérias e também na da justiça.
De facto, a verdade é que há hoje, em matéria de justiça, uma diferença, que é também de estilo relativamente ao anterior governo: é que, hoje em dia, em Portugal, em matéria de justiça, governa-se com discrição, governa-se para resolver os problemas dos portugueses com reformas que, porventura, não perpassam tanto na comunicação social mas que se vão verificando todos os dias nos tribunais e que os agentes judiciários todos os dias testemunham, para regozijo dos próprios mas também, obviamente, dos portugueses.
Todas aquelas reformas ou medidas que anunciei e que, repito, do ponto de vista do debate estritamente político/partidário poderão ser maçudas, representam iniciativas concretas de um governo que sabe e está preocupado em mudar a justiça em Portugal. Por isso, ele mesmo, não tem sido razão de polémica, o que não deixa de ser significativo.
O Sr. Deputado António Montalvão Machado perguntou-me concretamente se os julgados de paz são uma aposta em que esta bancada acredite e, nomeadamente, se as alterações que suscita nos fazem algum sentido. Sr. Deputado, naturalmente que em ambas as questões lhe respondo que sim.
Como se recordará, os julgados de paz foram implementados na sequência de um debate que mereceu um amplo consenso nesta Câmara e, portanto, também das nossas bancadas. De resto, anunciámos desde logo que depositávamos uma grande esperança nos julgados de paz e que, de certa forma, funcionariam como uma amostra daquilo que seria possível fazer no futuro.
Ora, decorrido o tempo que decorreu desde que esta experiência foi implementada, verificamos que os julgados de paz, na sua ainda residual competência, têm tido uma actuação muito favorável. Portanto, é tempo de dar um passo em frente, alargando a sua competência e dando-lhes também dignidade, um alargamento da sua competência através das matérias que poderão passar a estar sujeitas ao âmbito da sua actuação, e da sua dignidade através da apreciação pelos tribunais que, em sede de recurso, possam analisar as reclamações dos cidadãos.
Sr. Deputado, assim sendo, certamente como ontem, quando aprovámos a reforma, estaremos amanhã com a aprovação que o Governo entenda fazer passar nesta Assembleia quanto ao alargamento das competências e ao aperfeiçoamento do regime jurídico que trata dos julgados de paz em Portugal.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Descentralização e defesa do interior são as palavras mais usadas, nos últimos dias, pelo Sr. Primeiro-Ministro, e são estas as palavras que o Governo deveria estar proibido de usar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Falar em descentralização é um embuste; falar em defesa do interior é uma provocação.

Aplausos do PS.

O Governo está em funções há quase dois anos, tempo suficiente para mostrar o que vale, e vale muito pouco no que se refere às políticas para o interior do País.
Se olharmos o investimento público concretizado nos últimos dois anos constatamos que, para além do decréscimo no todo nacional, os distritos do interior foram duplamente prejudicados - mais 17% de diminuição relativamente à média.
Se atentarmos nas estatísticas relativas às falências de empresas no ano que terminou, é notório que este flagelo atingiu, em primeiro lugar, as zonas mais deprimidas; se olharmos para as políticas de valorização da capacidade competitiva dos municípios com maiores debilidades, é visível a sua inexistência; se repararmos no número e na qualidade das parcerias entre entidades públicas e empresas privadas com vista à deslocalização de unidades de produção para território desfavorecido, é fácil observar o desnorte e a falta de respostas, e se analisarmos as fusões e aglomerações de serviços da administração directa e indirecta do Estado é fácil verificar que muitos dos departamentos situados no interior foram eliminados, regressando-se a um processo desenvolvido, em outra encarnação "laranja", de concentração em restritos espaços de decisão política.
É este o panorama! Mas é também interessante verificar o desleixo e até o abandono de muitos projectos estruturantes que foram prejudicados pelo actual Governo.

O Sr. António Costa (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Aponto 12 exemplos - só 12! - a que poderíamos somar centenas: primeiro, a Escola Superior de Ciências Empresariais de Valença deixou de ser prioridade; segundo, o termo do IP4 aguarda concretização rápida; terceiro, as bibliotecas de Terras do Bouro e Vieira do Minho, como dezenas de outras espalhadas pelo país, ficam à espera; quarto, o pacto para o Alto Tâmega não teve no Governo quem o defendesse; quinto, o desenvolvimento agrícola, aposta que poderia ser concretizada com melhores instalações para a formação, viu a Escola Superior Agrária de Viseu, como que por magia, retirada dos mapas de investimento; sexto, foi completamente abandonada a política de apoio às redes sociais (só no distrito da Guarda há mais de 40 iniciativas em lista de espera); sétimo, o emparcelamento do Baixo Mondego está à espera de melhores dias; oitavo, a Acção Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior está em letargia, sem comando e sem recursos; nono, a Companhia das Lezírias deixa de ter importância como espaço de desenvolvimento rural e dá lugar às obsessões urbanísticas especulativas por parte de pessoas influentes; décimo, a valorização do aeroporto de Beja espera que o Governo se entenda dentro de si e encontre um caminho; décimo primeiro, o Hospital de Santiago do Cacém, pronto há dois anos, aguardou, até hoje, por um mero e insignificante concurso para um posto de transformação de energia; décimo segundo, a ponte internacional entre Alcoutim e Sãn Lucar desapareceu do Interreg ao mesmo tempo que se eclipsou das preocupações governamentais. Estes são exemplos do País! Esta é a dura realidade!

Aplausos do PS.

E como podem o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro contar tantas vezes a mentira da defesa do interior? É tempo de ter vergonha! Este Governo abandonou o interior aos seus próprios destinos!

Aplausos do PS.

Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a falta de vergonha vai mais longe: a maioria aprovou

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aqui, nesta Assembleia da República, um conjunto desconexo de diplomas que está a provocar a maior desorganização do território e está a criar as condições para uma maior desestruturação das políticas públicas.
Primeiro, faz uma alteração de NUT que fez caducar realidades antigas, pôs em crise projectos estruturantes, desligou parcerias entre municípios, em suma, o Governo criou uma enorme complicação para que urge encontrar saída.
Depois, fez nascer as chamadas comunidades urbanas e comunidades intermunicipais que, da forma como vieram à luz do dia, não são nem nunca serão entidades credíveis de compatibilização de interesses, de determinação de investimentos estruturantes, de melhor aproveitamento dos recursos. As novas entidades são outras - sabe-se lá o que são! -, associações de municípios que sofrerão dos males das que agora falecem.
Este novo modelo não tem um único defensor no campo das personalidades que pensam o território, não suscita um único apoio nos desapaixonados académicos que estudam economia regional, não recruta simpatias no universo das forças vivas locais. Este novo modelo é um brinquedo nas mãos de gente incompetente que trará a Portugal novos problemas e descredibilizará a política e as instituições.
Sr.as e Srs. Deputados, há quem diga, neste Governo de "pés-de-barro", que estamos, com estas áreas metropolitanas e novas comunidades, perante um exemplo descentralizador. Mais uma falsidade! Este modelo não nos diz quais são as competências e os meios adstritos que permitam às novas entidades saberem com o que contam. O que este Governo quer é uma divisão de atribuições e de recursos por protocolo, por contrato, premiando os mais cordatos e limitando a acção dos mais reivindicativos, em suma, desvirtuando o papel do poder local onde o tratamento igual e com justiça é imperativo da Constituição de Abril.
A infantilidade que está associada a este processo, a falta de sustentação e o controlo que este Governo quer impor às novas comunidades não pode deixar de nos obrigar à reivindicação de um novo paradigma.
Queremos áreas metropolitanas e comunidades com legitimidade política, com responsabilização perante os objectivos, com capacidade para determinar políticas territoriais que não sejam a mera soma de vontades desencontradas; queremos comunidades e áreas metropolitanas que não façam o País andar a várias velocidades, que tenham território e gente para se imporem e orçamentos que lhe permitam capacidade reivindicativa, queremos, portanto, uma coisa completamente diferente deste "monstro" político que se quer fazer nascer.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a falta de respeito pelo interior e o controlo político do poder local significam o mais gritante tempo de centralização. As políticas económicas de hoje e as que se projectam no futuro farão com que o País seja, cada vez mais, "litoralizado". A subserviência que este poder quer impor aos autarcas portugueses é a marca do Governo mais centralizador dos últimos 30 anos.
Pelo interior e pelo poder local democrático precisamos de pôr termo a esta política, mas para que isso aconteça temos que por termo a este Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ascenso Simões, entendo o incómodo do Partido Socialista com as transformações que estão a decorrer no País.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais?

O Orador: - De facto, Sr. Deputado, traduzem o incómodo de V. Ex.ª e do Partido Socialista por aquilo que foram incapazes de fazer, ou seja, uma transformação na forma de organização administrativa do País que prepare para Portugal para os desafios que já tem vindo a enfrentar, e continuará a enfrentar, no quadro da União Europeia.
Sr. Deputado, tal afirmação é tão mais verdadeira quanto, de facto, depois do referendo sobre um processo centralizadamente decidido de descentralização ou de regionalização, como lhe chamavam, o governo que o Sr. Deputado apoiava nada fez pelo interior do País, nada fez pelo desenvolvimento de Portugal.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, Sr. Deputado, o Partido Socialista não tem o mínimo de autoridade para, daquela tribuna, afirmar o que quer, porque se o Partido Socialista quisesse o que anunciou, tinha-o feito e não o fez.
Sr. Deputado, há uma enorme confusão nas suas palavra e nas suas intervenções. O Sr. Deputado, mais uma vez, afirmou que não há académicos que concordem com modelo. Ora, isto traduz uma ideia arreigada no seu partido, a dos estudos, dos estudos e dos estudos, para mais uma vez nada fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado desconhece o apoio que os autarcas têm dado ao processo, desconhece que o processo é, por ele mesmo, um processo descentralizado de decisão e só por isso, Sr. Deputado, os autarcas e os cidadãos do interior deviam ter, como têm demonstrado, um profundo envolvimento em toda esta decisão.
O Sr. Deputado esquece-se que este processo é, já de si, o primeiro passo no efectivo processo de descentralização. Os autarcas são chamados a decidir, as assembleias municipais são chamadas a tomar uma decisão sobre o futuro das suas comunidades, e esse envolvimento foi exactamente aquilo que o Partido Socialista nunca conseguiu obter com o seu processo de regionalização.
Mas, Sr. Deputado, permita-me ainda colocar-lhe mais uma questão a propósito da sua intervenção. Gostava de saber se o Sr. Deputado e o Partido Socialista se opõem a um processo de descentralização em que a sociedade portuguesa está a ser ouvida.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ascenso Simões.

O Sr. Ascenso Simões (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Nazaré Pereira, antes de mais, uma nota pessoal: sendo V. Ex.ª um professor catedrático da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, habituado, há dezenas de anos, a fazer estudos, a pensar o futuro estruturado em estudos, pessoalmente, não gostei de o ver aqui aduzir a razão da desnecessidade de estudos para sustentar decisões políticas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito estranho!

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Não foi isso que ele disse!

O Orador: - Parece-me estranho, Sr. Deputado, que V. Ex.ª traga aqui esse argumento, que me parece pouco acertado para este debate parlamentar.
Sr. Deputado António Nazaré Pereira, deixe-me começar por lhe dizer que a regionalização foi um momento principal de audição dos portugueses, foi um momento participado pelos portugueses. Houve um referendo e, nesse momento, tivemos a descentralização total da discussão política. V. Ex.ª tem que ver no refendo a participação dos cidadãos e a decisão do seu futuro.
Ora, este modelo que agora se quer implementar é tudo menos a audição dos portugueses, é tudo menos a participação dos portugueses, é, única e simplesmente, uma visão centralista de uma decisão importante para os portugueses e para os municípios, que é desenvolver-se um processo de aglutinação, de reunião dos municípios sem se ouvirem os portugueses.
Ou seja, VV. Ex.as querem fazer "tábua rasa" da Constituição da República, inventando um outro modelo, que é um "monstro", que é um nado-morto, mas, de qualquer forma, estão a introduzir na discussão política e na gestão dos municípios enormes dificuldades.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Mas digo-lhe também, Sr. Deputado, porque, necessariamente, tem acompanhado esta questão, que os autarcas estão ansiosos e estão ainda à espera de ver o que é que o Governo lhes propõe. Diga-me, Sr. Deputado, porque não encontro resposta, quais são as competências, as atribuições e os meios para esta nova criação das comunidades urbanas e das comunidades intermunicipais?
Sr. Deputado, a única coisa que o Governo quer é fazer comunidades urbanas e comunidades intermunicipais que possa controlar.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É esse o grande objectivo do Governo! O Governo não quer descentralizar, quer, sim, controlar estas novas entidades, e com esta sua nova actuação não podemos estar de acordo. Não concordamos com esta vossa forma de controlar o poder local.
Mas, Sr. Deputado, também me referi às questões da interioridade, e por essas V. Ex.ª não passou. Dei aqui vários exemplos e V. Ex.ª não tocou em qualquer deles. Aliás, a um Deputado que, nesta Assembleia, durante dois anos, foi um maldizente do governo anterior, fica-lhe mal não dizer aqui que este Governo está a ser pior do que todos os que já passaram pela democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme anunciei no início da sessão, recebi esta manhã a mensagem do Sr. Presidente da República, assinada com data de hoje, que passo a ler:
"Srs. Deputados: Os últimos anos têm sido dominados, do ponto de vista do Orçamento do Estado, pelo debate em torno do défice público. A persistência desse debate, que atravessa vários governos, demonstra que a eficácia das medidas que têm sido tomadas é insuficiente para debelar o problema com que o País se confronta. Mas, pior do que isso, é prova de que um conjunto de problemas estruturais das finanças públicas portuguesas continua por resolver.
Uma análise serena e rigorosa desta realidade não pode deixar de confrontar o País, os seus governantes, os partidos políticos e os parceiros sociais com a necessidade de procurar um programa de trabalho e uma metodologia de intervenção que inverta algumas tendências instaladas.
A situação de desequilíbrio estrutural das finanças públicas, sendo reconhecidamente grave, coloca ao regime democrático um dos seus mais difíceis desafios. Enquanto responsáveis - que somos todos - pelo futuro do País, teremos de saber responder-lhe. Para tanto, há que mobilizar as competências e os conhecimentos disponíveis, trazendo-as para um debate sério e aprofundado sobre os problemas de fundo da economia e sociedade portuguesas.
Nesse debate reflectir-se-ão, naturalmente, posicionamentos político-ideológicos distintos. Para que ele ganhe elevação e encontre eco efectivo na opinião pública, importa, todavia, evitar que o confronto de pontos de vista, tão importante para esclarecer as complexas dimensões dos problemas, acabe por se esgotar num conjunto de recriminações recíprocas ou de picardias inúteis.
O desequilíbrio estrutural das finanças públicas portuguesas tem de ser corrigido, de forma gradual e sustentada, não só por motivos de ordem externa, que quase têm monopolizado a discussão sobre o tema, mas também, e sobretudo, por razões de ordem interna.
Entre estas, há que referir, desde logo, a necessidade de aumentar a margem de manobra da política de estabilização macroeconómica, sem o que continuaremos, no futuro, a ter dificuldades em lidar com conjunturas económicas nacionais e internacionais desfavoráveis.
Numa fase de crescente interdependência concorrencial dos mercados, que multiplica oportunidades de crescimento, mas que, por ausência de mecanismos de regulação supranacional justos e eficazes, também intensifica riscos e expõe as economias abertas mais vulneráveis a crises imprevistas, assumir o objectivo de rigor orçamental deve, por isso, ser muito mais do que uma intenção política conjuntural - impõe-se que seja uma orientação estratégica, quase diria uma atitude, incorporada por princípio e como princípio nas práticas da governação.
Mas a solidez das finanças públicas justifica-se ainda pela necessidade de dar continuidade e coerência à construção de um sistema de protecção social capaz de atenuar grandes vulnerabilidades e riscos de exclusão em amplas camadas da sociedade portuguesa. Sem querer entrar em detalhes, sempre referirei, a este propósito, todo o conjunto de novas exigências de protecção social decorrentes do envelhecimento, cada vez mais evidente, da população portuguesa. Não se trata apenas, neste caso, de garantir a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. Trata-se também de preparar o sistema de saúde para enfrentar novos e complexos problemas na prestação de serviços aos mais idosos, assim como prover equipamentos e qualificações profissionais adequadas para apoiar com sentido humanitário uma população física e psicologicamente fragilizada e potencialmente muito desprotegida.
Reflectir sobre a situação orçamental portuguesa conduz quase inevitavelmente a aludir à recente decisão do Conselho ECOFIN de rejeitar as recomendações da Comissão Europeia relativamente ao incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento por parte da França e da Alemanha.
Defendi, há mais de um ano, a necessidade de uma adequada revisão do Pacto, justamente para evitar situações como a que foi agora criada. Referiria hoje e apenas que, em termos internos, o tratamento agora conferido àqueles dois países pode tornar menos necessário recorrer a medidas orçamentais

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extraordinárias; e que, por outro lado, a União Económica e Monetária precisa de reforçar a coordenação das políticas económicas dos seus Estados-membros, designadamente as políticas orçamentais nacionais, o que também implica, entre outros aspectos, a necessidade de um continuado rigor e disciplina orçamentais.
Srs. Deputados: Promulguei, recentemente, legislação com incidência orçamental, incluindo a Lei e o Decreto-Lei que autorizam o Governo a ceder créditos do Estado e da Segurança Social para efeitos de titularização.
Ninguém espera, naturalmente, que medidas de contenção da despesa corrente de natureza transitória e receitas extraordinárias, que, por definição, não podem ser recorrentes, possam apoiar uma consolidação orçamental duradoura e consequente. Não se deve confundir despesa reprimida com despesa controlada, nem receita regular com receita irrepetível.
O Presidente da República compreende que, uma vez estipulada uma meta quantitativa rígida para o défice do Orçamento de Estado, se tenha tornado necessário recorrer àquele tipo de medidas. Mas não pode deixar de tornar claro que uma consolidação orçamental comprometida com o futuro do País, com desígnios básicos de justiça social e com o bem estar das gerações vindouras requer, essencialmente, medidas de política sustentáveis e fundamentadas em termos estratégicos. Como também requer, seguramente, um orçamento de base plurianual, coerentemente articulado com a evolução previsível da economia a médio prazo, tendo em vista a gestão e o equilíbrio do orçamento ao longo do ciclo económico.
Para baixar efectivamente o défice público, sacrificando o menos possível despesas sociais indispensáveis e os investimentos públicos produtivos necessários ao desenvolvimento do País, impõe-se eliminar despesas supérfluas e racionalizar as restantes em todas as Administrações Públicas e, em simultâneo, combater a fraude e a evasão fiscais.
A contenção da despesa pública - primeiro vector do processo de consolidação orçamental - não deve ser efectuada através de cortes sem sentido estruturante, mas, sim, através de uma gestão criteriosa das despesas correntes e do investimento, que permita racionalizar serviços e seleccionar projectos, evitando, tanto quanto possível, que, no movimento de controle da despesa, se sacrifiquem critérios elementares de justiça social ou se tomem medidas penalizadoras da própria qualidade da Administração Pública.
Quanto ao aumento da eficiência fiscal - o outro vector de uma genuína consolidação orçamental -, impõe-se reforçar (e faço questão de dizer que esse reforço é inadiável) a Administração Fiscal, de forma a combater eficazmente a fraude e a fuga ao fisco. Pôr fim à actual situação de perda continuada de receitas é um imperativo básico de racionalidade económica e de equidade social. Não é aceitável pactuar com o agravamento da carga fiscal sobre os contribuintes cumpridores; não é aceitável continuar a permitir uma distorção ostensiva das regras da concorrência leal. É preciso pôr fim a um quadro de incumprimento fiscal tão flagrantemente injusto e arbitrário que acaba por corroer predisposições cívicas e laços elementares de co-responsabilização e confiança recíproca, sem os quais nenhuma sociedade é capaz de se mobilizar e desenvolver.
Srs. Deputados: Já disse que não dissocio o desígnio de consolidação orçamental da necessidade de manutenção de responsabilidades por parte do Estado, quer na área da protecção social, quer em termos de investimento público.
Dei como exemplo do primeiro tipo de intervenção a exigência de reforço da contribuição financeira do Estado em matéria de protecção das gerações mais velhas. Convém, no entanto, não ignorar que, numa sociedade como a portuguesa, que arrancou tão tarde para a organização de serviços de bem-estar, continuamos a ter, noutros domínios, prestações e serviços de protecção social insuficientemente dotados.
As comparações estatísticas de âmbito europeu continuam a revelar, nesta matéria, atrasos significativos do País relativamente aos valores médios da União Europeia. Mas também indicam que alguma convergência entretanto alcançada em termos de esforço financeiro do Estado tem produzido efeitos positivos.
A diminuição da incidência da pobreza, sobretudo da pobreza extrema, resultante de medidas de apoio e integração social desenhadas a partir da segunda metade da década de 90, é um elemento informativo objectivo sobre que vale a pena meditar, já que nos põe perante um exemplo de como uma intervenção do Estado pode contribuir para melhorar os níveis de coesão social no País.
Ora, há outros sectores onde, em nome de exigências de solidariedade mínimas, essa intervenção faz todo o sentido: na atenuação dos efeitos da doença, da incapacitação física, da deficiência, do desemprego, entre outros. Assim sendo, não pode o Orçamento do Estado deixar de reflectir, com suficiente clareza, este tipo de preocupações.
Mas as responsabilidades do Estado nas sociedades contemporâneas vão muito para além do domínio da protecção social, estendendo-se a importantes funções de regulação e de sustentação estratégica da economia.

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pela hipercompetitividade internacional, para se perceber quão decisiva pode ser a intervenção reguladora do Estado no tecido económico nacional.
Se tivermos em conta, por outro lado, as necessidades de investimento em infra-estruturas básicas, na criação de condições de sustentabilidade das actividades de investigação científica viradas para a inovação tecnológica e organizacional, na ultrapassagem de assimetrias regionais de desenvolvimento repetidamente diagnosticadas, na formação escolar de nível secundário e superior, no combate ao insucesso e à saída prematura de tantos jovens do sistema de ensino básico, na formação contínua dos activos, sejam eles simples assalariados, quadros, dirigentes ou empresários - se tivermos em conta todos estes domínios em torno dos quais se concentram, reconhecidamente, graves bloqueamentos ao desenvolvimento e fontes persistentes de desigualdades, pobreza e exclusão, então fica à vista quão arriscado será, em Portugal, fazer recuar o Estado na vida económica e social. É bom não esquecer, aliás, que, mesmo em países com limitações incomparavelmente menores do que as nossas, continua a ser o Estado a garantir os grandes aperfeiçoamentos nas áreas indicadas.
Srs. Deputados: A Resolução sobre a Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2003-2006, aprovada por larga maioria pela Assembleia da República, em 9 de Janeiro de 2003, foi o primeiro passo para um entendimento e cooperação na área das finanças públicas. Incentivei esse passo, por entender que ele era imprescindível para iniciar o difícil caminho do equilíbrio orçamental.
Infelizmente, o acordo que suportou a Resolução não teve a continuidade desejada e o Programa de Orientação da Despesa Pública, apresentado pelo Governo e discutido pela Assembleia da República em Maio último, não consubstanciou o início de um processo orçamental plurianual, conforme a finalidade e nos termos que se supunha serem os admitidos no acordo subjacente à referida Resolução de Janeiro.
Respeitou apenas a letra da Lei de Enquadramento e Estabilidade Orçamental, mas não lançou os instrumentos de concretização necessários.
Julgo que a referida Resolução da Assembleia da República mantém plena validade como base de trabalho para a solução dos problemas das finanças públicas, já que estabelece princípios e orientações largamente aceites e teve o acordo de uma larguíssima maioria parlamentar, onde estão incluídos os dois maiores partidos nacionais.
Um dos objectivos da mensagem que, nos termos constitucionais, dirijo a este órgão de soberania é o de deixar claro o meu apelo a que se retome esse processo, já que, sem ele, dificilmente poderemos chegar, em tempo útil e sem custos sociais muito gravosos, ao equilíbrio correcto e sólido das finanças públicas.
Estou certo de que este é um bom caminho.
As recriminações partidárias recíprocas sobre a gestão orçamental passada e presente, para além de gerarem falta de confiança e expectativas negativas que em nada ajudam a economia e as empresas, contribuem para deteriorar o ambiente propício à discussão dos problemas de fundo da economia portuguesa e para reduzir as possibilidades de concertação e de algum entendimento entre forças políticas quanto às medidas apropriadas e quanto à sua durabilidade para além dos ciclos eleitorais. Sem uma tal concertação, não será fácil encontrar solução para alguns problemas importantes.
Como já disse, também me parece conveniente repensar e reformular o processo de elaboração e de controlo do orçamento, por forma a que a política e a gestão orçamental sirvam melhor os objectivos do crescimento e da estabilidade macroeconómica.
Assim, o Orçamento do Estado deveria ter uma base plurianual e ser elaborado, discutido e aprovado em duas fases. A primeira, na Primavera, ocupar-se-ia do cenário macroeconómico, da orientação da política económica, em geral, e da orçamental, em particular, e da evolução dos grandes agregados da receita e da despesa públicas. A segunda, no Outono, encarregar-se-ia do orçamento anual detalhado, em conformidade com o enquadramento plurianual antes aprovado.
A estruturação do Orçamento do Estado por programas, na linha já iniciada e exigida pela Lei de Enquadramento e Estabilidade Orçamental, também permitiria uma melhor apreciação da articulação entre os objectivos e missões a desempenhar pelo Estado e fundos que lhe são afectos e, portanto, da própria qualidade da despesa pública.
A orçamentação por programas e a planificação orçamental a médio prazo são instrumentos essenciais para a racionalização das despesas públicas e da estrutura fiscal em função dos objectivos a atingir, sejam eles as metas para o saldo orçamental ao longo do ciclo económico, ou as finalidades últimas da política económica e social. Procedendo do modo indicado, seria possível dispor de um quadro mais informativo e coerente de política económica a médio prazo, o que, por um lado, facilitaria a informação e a tomada de decisões por parte dos agentes económicos e, por outro lado, dificultaria junto dos responsáveis pela política económica uma gestão orçamental pró-cíclica, com medidas expansionistas em conjunturas favoráveis

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e medidas restritivas em conjunturas desfavoráveis.
Srs. Deputados: Tenho razões para acreditar nas virtualidades da economia portuguesa e na capacidade empreendedora dos meus concidadãos. Continuo, por isso, a olhar para o futuro com optimismo. Procuro conhecer o País o melhor possível, não escondendo aos portugueses a avaliação que faço dos problemas existentes, nem a opinião que formei para a sua solução.
Mas fiz sempre questão, também, de assinalar, valorizar e dar voz ao que de muito bom se faz em Portugal, não sem reconhecer ainda as excelentes capacidades já instaladas nos mais diversos domínios. Faço-o com convicção, por reconhecer que dispomos de reais capacidades para enfrentar o futuro. Faço-o porque acredito que importa dar aos portugueses confiança no nosso futuro colectivo. Faço-o ainda porque existem efectivamente, hoje, condições para assegurar aos portugueses e às gerações vindouras melhores condições de vida.
A recuperação e a modernização da economia portuguesa requerem algumas mudanças difíceis, designadamente na área da administração e das finanças públicas, que podem e devem fazer-se com o mínimo de custos económicos e sociais. Penso que a revisão e a alteração do processo orçamental com a finalidade e o sentido atrás expostos e a integração da política de consolidação orçamental numa estratégia que privilegie a qualidade da despesa pública de funcionamento e de investimento e promova a eficiência fiscal pode contribuir significativamente para uma economia mais competitiva e uma sociedade mais desenvolvida e solidária.
É esta a minha convicção que, com esta mensagem quero transmitir a Vossas Excelências.
Jorge Sampaio, 14 de Janeiro."

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa, para poder tecer algumas considerações sobre a enorme relevância dessa mensagem que o Sr. Presidente acaba de ler à Assembleia.

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estive a analisar os precedentes e verifiquei não ser usual abrir-se debate sobre as mensagens presidenciais. Não faz parte das praxes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Porém, é evidente que uma mensagem com este conteúdo, naturalmente, suscita comentários da parte dos membros do Parlamento, mas não quero quebrar a praxe, a tradição. Prefiro remeter as para amanhã, no período de antes da ordem do dia, as inscrições para intervenções sobre as matérias aqui tratadas.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite…

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com a devida vénia, penso que o Sr. Presidente tem razão quando diz que não é habitual. Mas também não é habitual a Assembleia da República receber uma mensagem da parte do Sr. Presidente da República com um teor tão relevante como este, sobre uma matéria tão oportuna.

Vozes do PS: - E bem! Foi um grande "puxão de orelhas"!

O Orador: - Portanto, parece-me evidente que a Assembleia da República não pode fingir que não ouviu o que o Sr. Presidente da República acabou de dizer. E penso que mesmo a oposição, podendo não ter gostado de algumas coisas,…

Risos do PS.

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Protestos do PCP e do BE.

… há-de concordar comigo em que foi muitíssimo importante o teor da mensagem presidencial.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não há acordo, nunca foi assim em relação às mensagens do Sr. Presidente da República!
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não manda nisto!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não quero cortar a palavra a V. Ex.ª, não é o meu costume. Aliás, a minha função é a de não retirar a palavra seja a quem for. A seguir ao uso da palavra por V. Ex.ª, darei a palavra também aos representantes dos outros grupos parlamentares.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza.

O Sr. Presidente: - Então, a seguir a esta interpelação, darei a palavra aos demais representantes dos grupos parlamentares pelo tempo de 3 minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não há acordo, nunca foi assim!

O Sr. Presidente: - De facto, isso é verdade, foi o que eu disse. Mas também não gosto de retirar a palavra a quem quer que seja, e portanto…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Não há acordo sobre essa matéria. Peço desculpa, Sr. Deputado, não lhe dou a palavra. Amanhã dar-lhe-ei a palavra, em intervenção no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, parece que a oposição "está com as orelhas a arder", porque de facto quer impor "a lei da rolha" ao Parlamento!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PCP, do BE e de Os Verdes.

Risos do PS.

O Sr. António Costa (PS): - Então, não se oponham, aceitem, corroborem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É ridículo, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe o favor de aceitar a minha sugestão, amanhã dar-lhe-ei a palavra. Considere-se desde já inscrito para falar amanhã, mas hoje prefiro que não haja intervenções sobre essa matéria, para mantermos a praxe antiga que existe nesta Casa. Peço-lhe as minhas desculpas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com certeza.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Costa tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, o meu pedido já está prejudicado. Era só para deixar claro que, pela nossa parte, não nos oporíamos a que o Sr. Sr. Deputado Luís Marques Guedes interviesse já…

Protestos do PSD.

Querem calar-se?

Protestos do PSD e do CDS-PP.

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Já tinha pedido a palavra, há pouco, para transmitir à Mesa que, da nossa parte, não nos opomos a que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e todos os Srs. Deputados que o queiram fazer intervenham neste momento. Compreendemos, aliás, bem, a necessidade que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem de falar de imediato.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, respondo a V. Ex.ª nos mesmos termos em que o fiz ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes. A praxe antiga não é nesse sentido e é natural até que todos os Srs. Deputados desejem ler directamente a mensagem do Sr. Presidente da República. Procurei fazê-lo o melhor possível, mas, enfim, uma coisa é ouvir e outra é ler directamente. Farei imediatamente circular esta mensagem por todos os grupos parlamentares. Amanhã haverá inscrições no período de antes da ordem do dia, pois o nosso tempo de hoje já está terminado. Inscrever-se-á quem quiser e darei a palavra livremente. Assim farei.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa, nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, aceitando a deliberação de V. Ex.ª nesta matéria, da nossa parte também não haveria qualquer inconveniente a que esta questão pudesse ser discutida, como é evidente. Mas se a regra é a do consenso e se há grupos parlamentares que não dão esse consenso, ficará como V. Ex.ª disse e amanhã discutiremos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Já está a falar!

O Orador: - No entanto, Sr. Presidente, queria assinalar um facto que me parece relevante, do meu ponto de vista: é que não é normal, numa discussão e numa interpelação deste tipo, que haja um Deputado desta Câmara que se dirija a outro usando expressões do tipo "querem calar-se".

Protestos do PS.

Não é aceitável, Sr. Presidente! V. Ex.ª tem chamado à atenção muitas vezes e devia tê-lo feito agora, também, quanto ao que foi feito pelo Sr. Deputado António Costa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, registo o seu protesto, que terá talvez fundamento numa observação que me passou.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é de facto para interpelar a Mesa no sentido de dizer que, pela nossa parte, entendemos como muito relevante o conteúdo da mensagem que foi lida,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não estamos numa RGA!

O Orador: - … que merece releitura atenta, e que o debate sobre essa mensagem deve ser feito em momento próprio, com toda a dignidade e não sob a forma de interpelação,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Marco António Costa (PSD): - É a vossa especialidade!

O Orador: - … que, penso, não é o modo adequado para a relevância desta mensagem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã .

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, quero corroborar intervenções anteriores.
Esta Assembleia não tem de se dividir sobre a apreciação da relevância da mensagem do Presidente da República e muito mau exemplo daria ao tratar do fundamento das questões aqui suscitadas se se entretivesse num debate procedimental, que é absolutamente irrelevante, quando o Presidente da República nos apela a um debate fundamental.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, a importância desta mensagem e o seu conteúdo justificam, seguramente, a sua apreciação pelo Parlamento, mas não justificam, do nosso ponto de vista, que se estabeleça uma ruptura com a prática e se procure, de uma forma espartilhada, fazer uma leitura de um documento com esta importância, que seria, seguramente, superficial.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que as intervenções vão no sentido de corroborar a minha decisão, que, aliás, também foi aceite pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, é também para uma interpelação à Mesa sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, creio que talvez fosse mais avisado que V. Ex.ª promovesse a reunião de uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, tendo em vista formatar-se um debate para amanhã em período de antes da ordem do dia. Creio que nos poderíamos inspirar no modelo estabelecido para o debate sobre matérias de interesse relevante, classificação que certamente merece esta mensagem Sua Ex.ª o Sr. Presidente da República, e que deveria ser ajustado à relevância do tema.
Portanto, talvez em Conferência de Líderes pudéssemos ajustar o modelo adequado a este debate, que poderíamos realizar, conforme sugerido por V. Ex.ª, amanhã mesmo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, registo a sugestão de V. Ex.ª e pensarei sobre ela. Se for necessário, convocarei a Conferência de Líderes; se não for necessário, não a convocarei.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 81/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, tendo por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica.
Para apresentar a proposta de lei, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência (Feliciano Barreiras Duarte): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, ao iniciar a minha intervenção, apresente a todos os Srs. Deputados, na pessoa do Sr. Presidente, os melhores cumprimentos e os votos sinceros de bons trabalhos parlamentares durante o ano de 2004.

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É com satisfação que hoje aqui regresso, porque considero que esta também continua a ser a minha Casa, e para tratar de uma matéria que o Governo considera muito relevante para o País e que, aliás, foi assumida como uma das suas prioridades, uma matéria que está, acima de tudo, relacionada com a imigração e com a igualdade.
É nesse sentido que o objectivo da minha presença hoje, aqui, é apresentar, em nome do Governo, a proposta de lei que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.° 2000/43/CE, do Conselho da União Europeia, de 29 de Junho de 2000.
Esta Directiva visa criar um quadro jurídico de prevenção e de repressão dos comportamentos discriminatórios em função da raça, da etnia ou da origem nacional. O conceito de raça é utilizado neste diploma numa dimensão puramente sociológica, com o objectivo de tornar operativo o combate à discriminação. Não se pretende, por isso, entrar em qualquer tipo de controvérsia acerca da definição científica de raça, até porque a Constituição da República consagra o princípio da igualdade no seu artigo 13.º.
Trata-se de uma das mais importantes vertentes do ordenamento jurídico português, porventura aquela que maior relevância material confere ao "edifício" do Estado de direito, e é nesse sentido que assume uma dimensão cultural e civilizacional, com reflexo nos direitos, liberdades e garantias enumerados no texto constitucional.
Aliás, a legislação nacional já contempla os mecanismos jurídicos de fiscalização e de sancionamento para a prevenção e punição dos actos discriminatórios, de onde destaco a Lei n.° 134/99, de 28 de Agosto, que criou a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, desenvolvida pelo Decreto-Lei n.° 111/2000, de 4 de Julho, bem como o Decreto-Lei n.º 251/2002, de 22 de Novembro, que criou o Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas.
Mas permitam-me, minhas senhoras e meus senhores, que vos diga que esta Directiva apresenta algumas mais-valias que não podíamos deixar de ter em conta.
Em primeiro lugar, apresenta o estabelecimento de medidas positivas de promoção da igualdade, para além das que estavam já previstas na legislação nacional. Cito, como exemplo, a responsabilidade de prestar às vítimas de discriminação o apoio e a informação necessários para a defesa dos seus direitos.
Em segundo lugar, apresenta a atribuição de capacidade para a intervenção das associações de defesa da igualdade em quaisquer processos.
Outro aspecto inovador prende-se com o regime do ónus da prova. Este passa a poder ser invertido, bastando a quem invoca a existência de uma discriminação a simples apresentação de indícios. Atribuímos, por isso, especial importância a este último aspecto, uma vez que, dadas as características deste tipo de discriminação, os instrumentos tradicionais de que as vítimas dispunham revelaram pouca eficácia probatória.
Em relação à Directiva n.° 2000/43, de 29 de Junho, a presente proposta de lei revela um âmbito de aplicação menos lato, nomeadamente no que diz respeito às relações laborais. Isso deve-se ao facto de ter sido aprovado e de ter entrado em vigor recentemente um novo Código do Trabalho, que em si mesmo já transpõe, no seu âmbito específico, as normas da Directiva que lhe dizem respeito.
Em relação à promoção da igualdade, o artigo 13.° da Directiva estabelece de forma clara que o apoio e a assistência às vítimas de discriminação devem ser independentes. Entendeu-se, assim, que a entidade indicada para assegurar esta função deverá ser o Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, que, ao incluir a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e o Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração, oferece garantias de uma independência na aplicação desta directiva.
Registe-se que a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial tem elementos nomeados pela Assembleia da República, pelas associações de imigrantes, pelos sindicatos, por associações anti-racistas, por representantes das associações patronais e por associações de defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, assume especial relevância não apenas de independência mas de verdadeiro controlo social.
Para se permitir uma resposta adequada às exigências de promoção da igualdade que a Directiva acarreta são consolidadas as competências do Alto-Comissariado, nomeadamente do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração e da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Assim, compete a estas entidades a promoção do diálogo entre os parceiros sociais e com as organizações não governamentais, bem como a apresentação de medidas normativas sempre que se entender necessário.
Ao reportar-se a uma matéria que julgo consensual, como é a da promoção da igualdade, este diploma enobrece o corpo legislativo português e merecerá, estou certo, aprovação por parte desta Assembleia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, primeiro, darei a palavra a todos os oradores que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, que, a seguir, responderá em conjunto, dentro do

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limite do tempo que tem disponível.
Uma vez que o Sr. Secretário de Estado não se opõe, dou em primeiro lugar a palavra à Sr.ª Deputada Isilda Pegado, que dispõe de 3 minutos para formular o seu pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Isilda Pegado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados, vem a presente iniciativa transpor para a ordem interna uma directiva comunitária que, num mundo que se pretende defensor dos direitos humanos, é de louvar. Porém, importa fazer três reflexões perante a questão da igualdade de tratamento independentemente da raça ou da etnia.
Em primeiro lugar, sobre a jurisdicionalização cada vez maior concedida à protecção dos direitos fundamentais. Longe vai o tempo em que os direitos fundamentais eram apenas declarações.
O Direito português nada deve aos mais avançados nestas matérias, mas a Directiva em apreço vai mais longe, porque tem o arrojo de alterar matéria processual, isto é, inverte o ónus da prova quando está em causa a violação do direito à não discriminação.
Em segundo lugar, importa apontar também, no quadro dos direitos fundamentais, a especificidade legislativa de carrear para letra de lei não só a protecção à não discriminação directa como ainda à indirecta, tornando mais claro e efectivo o princípio da igualdade e seus corolários, a que a jurisprudência e a doutrina já dão, e por certo continuarão a dar, tratamento.
O Homem, a sua dignidade, integridade e o respeito pela natureza constituem matéria de tamanha nobreza que, em nossa modesta opinião, à lei apenas cabe afirmá-lo e protegê-lo. Não estamos a conceder nada, estes são direitos que nascem com todos e cada um dos homens; são, por isso, um direito natural.
A terceira reflexão é sobre uma questão que já vem referida no relatório feito na 1.ª Comissão pela Sr.ª Deputada Celeste Correia - diga-se, em abono da verdade, muito completo e bem feito -, que faz uma resenha de toda a legislação conexa com esta matéria. Trata-se de um número elevado de diplomas, aos quais V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, também fez referência. É, assim, uma legislação cuja aplicação diz respeito a cidadãos que têm, em geral, dificuldades em se movimentar nos meandros burocráticos. A dispersão legislativa não ajuda à aplicação clara do estatuído, sendo certo que a experiência mostra mesmo os conflitos que daí podem advir.
No plano dos princípios, parece não existir divergências nesta Assembleia. Parecia, por isso, oportuno que se procedesse à compilação num único diploma de todo o regime jurídico aplicável à protecção e ao combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica.

O Sr. Luís Marques Guedes (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Por fim, refiro o princípio da subsidiariedade, neste diploma plasmado em dois sentidos.
Por um lado, há o reconhecimento comunitário de que as legislações nacionais podem conceder maior protecção ao princípio da não discriminação e ser, assim, melhores e mais aptas que a própria directiva.
Por outro lado, a subsidiariedade plasmada na proposta de lei reconhece o papel preferencial das organizações sociais para levar a cabo a protecção e prossecução da não discriminação. O Estado não pode nem deve fazer tudo, o Estado deve fiscalizar, a sociedade civil pode fazer mais e melhor.
No entanto, Sr. Secretário de Estado, parece redutora, no que diz respeito à tutela de direitos, a solução apontada pois obriga as associações interessadas em prestar assistência jurídica ou em intervir em processos a ter estatutariamente consagrado como fim o combate à discriminação - artigo 5.° da proposta de lei -, por isso pergunto-lhe qual a razão desta solução.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, queria começar por saudá-lo e por lhe colocar a seguinte questão: em 1982, esta Assembleia aprovou a adesão do nosso país à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que tinha sido adoptada em 1975, nas Nações Unidas. Esta adesão implica que de dois em dois anos, creio, Portugal seja obrigado a apresentar às Nações Unidas, em Genebra, e ao País, claro está, um relatório relativo à aplicação interna desta convenção.
Durante oito anos, até 1995 (altura em que chegámos ao Governo), os vossos governos não apresentaram um único relatório. Nós fizemos o nosso trabalho, como nos competia, e o vosso, porque apresentámos os relatórios referentes aos anos de 1991 a 2001. E dado que já estão no Governo há quase dois

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anos, gostaria que me dissesse em que ponto está esta situação: se já apresentaram algum relatório, se estão a elaborá-lo, qual o estado deste assunto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, é com gosto que o vemos nesta Assembleia a apresentar uma proposta de lei em matéria de combate à discriminação racial no sentido da transposição de uma directiva comunitária.
A questão que queria colocar-lhe tem que ver com a extensão desta transposição e com a opção que o Governo tomou.
O Sr. Secretário de Estado disse-nos aqui que o Governo não propõe, neste processo legislativo, a transposição da parte laboral, no que se refere ao combate à discriminação no emprego, porque o Código do Trabalho regulou muito recentemente esta matéria, mas apenas da restante matéria abrangida pela Directiva.
Importa lembrar que a parte laboral é a mais importante no contexto desta Directiva. Aliás, ela começa por aí, desenvolve mais extensamente essa matéria e depois refere-se às outras matérias, que são as que constam desta proposta de lei e que, de facto, também são relevantes.
Mas também a esse respeito nós já tínhamos uma lei que transpunha em larga medida esta Directiva, porque aprovámos a Lei n.º 134/99, que foi, aliás, motivo de orgulho para o nosso país por ter sido uma das primeiras leis antidiscriminatórias no âmbito da União Europeia, que de alguma forma antecipou a transposição da Directiva.
Os trabalhos preparatórios da Directiva eram conhecidos, portanto a aprovação dessa lei foi como que uma antecipação, por Portugal, da transposição da Directiva em aspectos essenciais, contendo também alguma matéria a nível laboral.
O Governo considera que, em matéria laboral, a transposição deve ser feita através do Código do Trabalho. E eu pergunto: porque não transpor esta Directiva introduzindo aditamentos à Lei n.º 134/99, que, aliás, foi aprovada por unanimidade nesta Assembleia.
Esta questão foi hoje, aliás, objecto de uma troca de impressões informal na 1.ª Comissão, a propósito da discussão do relatório e parecer sobre esta proposta de lei, e parece haver algum consenso, por parte de todas as bancadas, de que talvez seja possível, em vez de se aprovar uma lei que se sobreponha à Lei n.º 134/99 ou que a complemente não a revogando, trabalhar um pouco no sentido de se aprovar esta proposta de lei como aditamento à própria Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, continuando-se assim a ter um instrumento legal que contém o essencial em matéria de antidiscriminação. Em vez de passarmos a ter duas leis continuaríamos a ter uma lei, o que neste processo legislativo se traduziria em a matéria constante desta proposta de lei poder ser aprovada como alteração à Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, continuando esse a ser o nosso diploma fundamental.
Sr. Secretário de Estado, é apenas esta a questão que pretendo colocar ao Governo, ou seja, saber da sua disponibilidade para equacionarmos a metodologia que expus.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, antes de mais, quero agradecer o cumprimento que nos dirigiu.
Sr. Secretário de Estado, a minha questão radica numa perplexidade relativa à alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º da proposta de lei em debate, ou seja, o mecanismo que possibilita não considerar um tratamento desfavorável ou uma desvantagem fundada em razão étnica em circunstâncias consideradas justificáveis e determinantes. Desde logo, há uma alteração em relação ao próprio enunciado da Directiva, que nos fala de requisito genuíno e determinante. Apesar de também pensar que a expressão "genuíno" contém uma carga de subjectividade muito larga, entendendo o genuíno como o autêntico, como qualquer coisa que se evidencia por si própria, teria muito menos subjectividade do que a expressão "justificável", que é de uma vagueza enorme.
O nosso receito é que esta alínea possa ser, afinal, o alçapão pelo qual se consiga justificar o injustificável, mas talvez essa nossa perplexidade seja destituída de sentido. Assim sendo, agradecia ao Sr. Secretário

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de Estado que nos desse alguns exemplos concretos em que este tipo de requisitos- justificáveis e determinantes - de facto não constitua uma discriminação e possa ser considerado de outro modo.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, gostaria de dizer que, para Os Verdes, discutir uma lei antidiscriminação, ainda que a pretexto da transposição de uma directiva, é seguramente da maior importância. Todos temos noção que se verificam na nossa sociedade situações de desigualdade de tratamento e de racismo, sendo, portanto, preciso agir com eficácia.
Penso que é justo assinalar, não desrespeitando, assim, a própria memória, que a Assembleia da República tomou em boa medida, e há muito, nas suas mãos este problema, havendo legislação aprovada que, no essencial, a Directiva em questão acaba por aprofundar e aperfeiçoar, designadamente em termos da inversão do ónus da prova e da discriminação directa e indirecta, agora melhor tipificada.
Para Os Verdes há um grande domínio que fica de fora, aliás, o Governo reconheçe-o, que é o do trabalho. São conhecidas as desigualdades, a discriminação, o verdadeiro estado de abandono em que muitos dos trabalhadores se colocam. Ora, quando se esperaria que o Código do Trabalho, supostamente enquadrador, viesse resolver a situação, acabou o mesmo por remeter também para legislação separada a resolução deste problema.
Aquilo que gostaríamos de saber, hoje, aqui e agora, é para quando e qual o compromisso que o Governo assume de apresentar legislação que, de acordo com o texto constitucional, permita um tratamento não diferenciado destes cidadãos, que se encontram numa situação laboral de clandestinidade, de precariedade e que muitas vezes são tratados por verdadeiros exploradores, os quais se encontram numa posição de alguma impunidade. Carecem, por isso, de protecção.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, é esta a pergunta que Os Verdes gostariam de colocar neste debate.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me que procure ir ao encontro das questões que me foram colocadas, começando por responder à Sr.ª Deputada Isilda Pegado, que para além de me ter colocado uma questão em concreto teceu algumas considerações de ordem geral.
Sr.ª Deputada, o Governo está a pôr em prática a política não só de imigração mas também de igualdade assente em princípios muito claros, os quais estão na base do Programa do Governo aprovado por esta Câmara.
No que diz respeito à tutela de direitos, quero dizer-lhe que a Directiva remete para os Estados-membros a responsabilidade de estabelecer um conjunto de critérios, fixados na respectiva legislação nacional, para permitir a intervenção em processos judiciais ou administrativos de associações. As associações, tal como estabelece o artigo 5.º da proposta de lei, vão ter de possuir, do ponto de vista estatutário, uma vocação própria para isso e uma existência do ponto de vista temporal de, pelo menos, cinco anos.
De qualquer forma, trata-se de uma matéria que poderá ser lida também à luz daquilo que estabelece o artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, que já permite intervenção às associações sem carácter político ou sindical na defesa de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos.
Portanto, estamos preocupados com essa matéria e estamos, por isso mesmo, a procurar que, não só aquando da transposição desta Directiva mas também na prática que temos da execução da política de imigração e de igualdade, tudo isso esteja presente.
Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, permita-me também que a cumprimente; é sempre um gosto encontrá-la nessas funções.
Sr.ª Deputada, permita-me que lhe diga, com amizade, que deve haver da sua parte algum equívoco ao dizer "o vosso governo". Não sei se é um mal do PS estar sempre a olhar para trás e pensar que os governos do passado ainda estão em funções. Nós respondemos pelo trabalho que o XV Governo Constitucional está a realizar.
Nesse sentido, quero dizer-lhe que - aliás, penso que tem acompanhado as nossas políticas em algumas destas áreas - estamos em fase de elaboração do relatório que referiu, pois consideramo-lo relevante não só para que se cumpram os nossos compromissos internacionais mas, acima de tudo, para que o País procure ter, com o maior rigor possível, o diagnóstico destas matérias.

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Sr. Deputado António Filipe, cumprimentando-o com amizade, quero dizer-lhe que o Governo, desde que sinta que em sede parlamentar existe uma plataforma de entendimento, está disponível para se conseguir trilhar o caminho que referiu em matéria laboral e também no que diz respeito a outras matérias, isto é, para compilar toda a legislação nestas áreas. Estamos completamente disponíveis para isso. Aliás, em momento oportuno, o Governo dará conta à Assembleia da República de algumas outras iniciativas que está a tomar nesta área.
Sr. Deputado Luís Fazenda, V. Ex.ª pediu-me para lhe referir um caso em concreto. Posso dar-lhe um exemplo genuíno: uma turma de alunos imigrantes pode exigir a contratação de docentes de nacionalidade russa ou angolana. Isso está previsto, tendo por base a proposta que hoje aqui apresentamos.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, houve matérias laborais que ficaram fora da transposição desta Directiva porque recentemente foi aprovado o novo Código do Trabalho e o Governo procedeu à sua regulamentação, pelo que não fazia sentido termos legislação coincidente mas estando em diplomas diferentes.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Carrascalão.

A Sr.ª Natália Carrascalão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de recordar perante a Câmara as origens e a composição diversificada da sociedade portuguesa.
Ao longo de séculos, tal como ficou demonstrado pelo curso da História, os portugueses souberam acarinhar o são convívio entre as diferentes raças, dando assim o exemplo de enriquecimento na vivência entre os Homens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Nunca é demais, no entanto, tomar toda e qualquer medida que evite a distinção racial ou étnica e que substancie o princípio da igualdade de tratamento das pessoas.
Qualquer faceta de discriminação atenta contra os direitos fundamentais dos cidadãos. O princípio da igualdade e a discriminação são incompatíveis, pelo que esta deve ser combatida onde quer e como quer que exista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O direito de todos à igualdade perante a lei e à protecção contra a discriminação é fundamental para o bom funcionamento das sociedades democráticas. Constitui, por isso, um direito universal reconhecido em vários instrumentos internacionais, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção das Nações Unidas Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas os Formas de Discriminação Racial, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A importância atribuída à protecção dos direitos fundamentais está subjacente ao próprio processo de construção europeia. De um nível mínimo de protecção, ou mesmo inexistente, nos tratados fundadores evoluiu-se no sentido em que o direito à igualdade de tratamento e à não discriminação é um dos princípios nucleares e um dos valores comuns ao processo de integração europeia.
Com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, concretamente com o seu artigo 13.°, a União Europeia passou a ter competência para combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual, ou seja, um leque de uma amplitude sem precedentes.
Mais recentemente, a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais no Conselho Europeu de Nice, em 7 de Dezembro de 2000, consolidou os direitos fundamentais e da não discriminação na União Europeia.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A nível interno, o princípio da igualdade tem consagração constitucional no artigo 13.º, que estipula que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
No âmbito da lei ordinária, o nosso ordenamento jurídico já contempla mecanismos jurídicos de fiscalização e de sancionamento para a prevenção e punição dos actos discriminatórios.
A Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, tem por objecto prevenir e proibir a discriminação racial sob todas as suas formas e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais

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ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais ou culturais por qualquer pessoa em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
Esta lei criou ainda a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, com competência para recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções.
O Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Julho, veio regulamentar a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, designadamente quanto ao regime sancionatório aplicável.
O Decreto-Lei n.º 251/2002, de 22 de Novembro, veio criar o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, que tem por missão promover a integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa.
A proposta de lei n.º 81/IX, que transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho, e que tem por objectivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, genericamente contempla o seguinte: aplica-se tanto ao sector público como ao privado e abrange a discriminação no domínio .da protecção social, incluindo a segurança social e os cuidados de saúde, da educação, dos benefícios sociais e do acesso e fornecimento de bens e serviços, incluindo a habitação;…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

… consagra níveis mínimos de protecção e não prejudica as disposições mais favoráveis estabelecidas noutra legislação; define os conceitos de discriminação directa e indirecta; cabe a quem alegar ter sofrido uma discriminação fundamentá-la, apresentando elementos de factos susceptíveis de a indiciarem; a prática de qualquer acto discriminatório constitui contra-ordenação punível com coima.
Pretende-se também a implementação de medidas positivas de promoção de igualdade de tratamento entre todas as pessoas, sem distinção de raça ou de etnia, o que constitui matéria especificamente atribuída ao Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, prevendo também a transposição desta Directiva medidas repressivas.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Pena é que, apesar de tantos mecanismos, continue a fazer sentir-se, em todas as latitudes e sobre qualquer ângulo, a discriminação praticada conforme os interesses políticos sociais e económicos de alguns sectores de cada país-membro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É por isso mesmo que estou perfeitamente convencida que em Portugal - país internacionalmente reconhecido pela sua hospitalidade e abertura a outros povos - se mantenha o espírito português de tolerância e se continue a tratar de igual para igual todos os cidadãos, independentemente da sua origem, cor, credo ou raça.
Os séculos da riquíssima História portuguesa, em que os laços que fomos firmando com outros povos testemunham o nosso respeito pelo ser humano, dão-me a convicção de que lutaremos pela prática dos objectivos estabelecidos nesta Directiva. Ela não representa senão o reconhecimento daquilo que sempre defendemos: a igualdade de tratamento entre as pessoas.
A proposta de lei n.º 81/IX transpõe para o direito interno a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho. Sendo Portugal um país membro, deve assumir esse compromisso internacional, pois está convicto que os princípios nela consagrados serão aplicados em pleno.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este nosso tempo é um tempo de grandes contradições e é um tempo singular, porque vemos o racismo e a xenofobia de novo em ascensão, insinuando-se no discurso político e ressurgindo um pouco por todo o lado, até entre os jovens (o medo do medo, o medo do diferente, a luta por recursos cada vez mais escassos), levantando entre gente pacífica o muro da irracionalidade.
De facto, até na União Europeia, que tem subjacente na sua identidade matricial grandes valores humanos e éticos, vemos que, mesmo aí, mesmo aqui, homens e mulheres são desrespeitados na sua dignidade como seres humanos.

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O racismo continua a ser um importante desafio para as nossas sociedades, tanto mais complexo quanto se sabe que este fenómeno se manifesta de preferência de forma subtil e encoberta porque, felizmente, é objecto de forte censura jurídica, política e social.
O racismo decreta-se - foi normativo em muitos ambientes sociais, noutros não era objecto de censura pública -, mas o anti-racismo não, este advém da educação e da formação cívicas.
A relação desenvolvida por alguns com esta norma anti-racista é complexa: alguns, poucos, assumem o preconceito de forma clara; outros rejeitam globalmente o preceito e internalizam-no; e outros ainda conformam-se à norma mas não a internalizam.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

A Oradora: - Em Portugal, a proibição da discriminação racial tem pleno acolhimento não só na nossa Constituição como na lei ordinária.
Vários artigos da Constituição da República Portuguesa proíbem expressamente as organizações racistas e postulam o primado da dignidade social e da igualdade perante a lei, nomeadamente o seu artigo 13.º, naquela que, porventura, constitui uma das mais importantes vertentes do edifício do nosso Estado de direito.
Para além do Código do Procedimento Administrativo, do Código Civil e do Código Penal, outros diplomas há que tratam especificamente a questão da discriminação, maxime da discriminação racial ou étnica, estabelecendo mecanismos jurídicos de fiscalização e de sancionamento para a prevenção e punição dos actos discriminatórios.
É o que acontece na Lei dos Partidos Políticos, onde se pode ler que não pode ser negada a admissão ou fazer-se exclusão de alguém por motivos de raça ou de sexo. Por sua vez, no Código da Publicidade é proibida toda a publicidade que contenha qualquer discriminação em relação à raça, língua, origem, religião ou sexo; no Estatuto das IPSS e na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto - Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal -, o pedido de cooperação é recusado quando houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, etc.
Eu não vou ser exaustiva, mas não posso deixar de referir também a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, que, entre outros aspectos, criou a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, e o seu decreto regulamentar, que proíbem as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, que foi aqui aprovada por unanimidade, como já foi referido, e que resultou de duas iniciativas, uma do PCP, um agendamento potestativo, e outra do PS.
O direito à igualdade perante a lei e à protecção contra a discriminação para todas as pessoas constitui um direito universal, reconhecido por várias declarações, convenções e pactos, que me abstenho de mencionar, porque são por todos conhecidos e já foram referidos pela Sr.ª Deputada Natália Carrascalão.
Na União Europeia, os Estados-membros e as suas instituições desde cedo afirmaram o seu compromisso na defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, condenando a intolerância, o racismo, a xenofobia e o anti-semitismo.
A mais recente consolidação dos direitos fundamentais e da não discriminação na União Europeia foi a proclamação da Carta dos Direitos Fundamentais no Conselho Europeu de Nice, em Dezembro de 2000, que reafirma os direitos que decorram das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, embora não estejamos ainda no melhor dos mundos. A "Alice" ainda está, nesta matéria, "do lado errado do espelho".
A iniciativa que discutimos hoje visa transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2001/43/CE, de 29 de Junho, que postula o princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica.
Há aspectos inovadores para o Direito português nesta iniciativa, outros em que há retrocessos, outros ainda em que esta proposta de lei segue a Lei n.º 134/99 e o Decreto-Lei n.º 111/2000.
Quais são os elementos inovadores? Em primeiro lugar, a definição de discriminação directa e indirecta, que a Lei n.º 134/99 já abrangia mas de forma não explícita, e que, ao normalizar as definições, estabelece maior clareza jurídica; em segundo lugar, a definição de assédio, quando ocorre um comportamento indesejado relacionado com origem racial ou temática, com o objectivo de afectar a dignidade da pessoa; em terceiro lugar, a atribuição da capacidade judiciária para a intervenção autónoma das associações de defesa dos direitos humanos e anti-racistas; em quarto lugar, a inversão do ónus da prova, pelo que basta o mero indício para a sua inversão, ou seja, cabe a quem alegar ter sofrido uma discriminação fundamentá-la, apresentando elementos susceptíveis de a indiciarem - e aqui a proposta de lei é mais clara do que a própria Directiva, pois estabelece que incumbe à outra parte provar que as diferenças de tratamento não assentam em factores discriminatórios; em quinto lugar, no que respeita ao apoio às vítimas,

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consagra-se, através do ACIME (Alto Comissariado para Imigrantes e Minorias Étnicas), o apoio e a informação necessários para a defesa dos seus direitos e estabelecem-se novas competências para o ACIME; em sexto lugar, o alargamento do âmbito de aplicabilidade das sanções acessórias.
Esta proposta de lei estipula ainda como nulo o acto retaliatório por causa do exercício do direito de queixa ou de acção em defesa do principio da igualdade de tratamento.
No entanto, a nosso ver, existem retrocessos em alguns aspectos.
A nova Lei n.º 134/99 e o decreto-lei regulamentar têm um objecto mais alargado do que a proposta de lei, abrangendo a cor e a nacionalidade.
A proposta de lei diz expressamente, no n.º 2 do seu artigo 2.º, que as diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade são excluídas do âmbito desta lei, assim como a matéria relativa à não discriminação no local de trabalho, nos contratos equiparados e na relação jurídica de emprego público, independentemente de conferir a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública, reguladas em diploma próprio.
Mas há aspectos em que a proposta de lei segue tanto a Lei n.º 134/99 como o decreto-lei regulamentar. Por exemplo, em termos sancionatórios, mantendo os limites máximos e mínimos das coimas, a agravação em caso de reincidência, a punição da tentativa e da negligência e a obrigação de cumprir o dever que deu origem à contra-ordenação quando esta resulta da omissão de um dever; mantém-se o limite máximo de duração das sanções acessórias; quanto às práticas discriminatórias, a proposta de lei limita-se a reproduzir algumas das alíneas do artigo 4.º da Lei n.º 134/99. Ao nível da aplicação de coimas e do destino destas, não há qualquer alteração.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O racismo tem muitas cores, mas tenha a cor que tiver deve ser combatido. O que não é fácil, devido aos nossos próprios fantasmas, às nossas inquietações, aos nossos medos.
Esse combate deve ser feito nas práticas sociais quotidianas, no dito e no não dito, no sentido, no pressentido e no feito, o que exige uma cada vez mais apurada formação de todos os cidadãos para a cidadania, mas que, por igual, exige instrumentos mais finos, mais flexíveis e mais adaptáveis à necessidade de eliminação das práticas discriminatórias e ao seu sancionamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Três últimos pontos finais. O primeiro é para dizer que rejeitamos todas as teorias destinadas a determinar a existência de raças humanas distintas. A utilização da palavra "raça" é no sentido sociológico, como acentuou, e bem, o Sr. Secretário de Estado. É só uma questão de economia comunicacional e não implica, da nossa parte, a aceitação dessas teorias. E, como diz Mia Couto, "cada homem é uma raça, a pessoa é uma humanidade individual."
O segundo é para assinalar que não é por acaso que fazemos no PS um esforço para não associar racismo a imigrantes, porque se estes são as suas primeiras vítimas, as vítimas de racismo ultrapassam largamente os imigrantes. Os ciganos, por exemplo, não são imigrantes e talvez sejam as maiores vítimas de racismo e discriminação no nosso país.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: - Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Por último, quero dizer que o meu grupo parlamentar apoia a transposição para a nossa ordem jurídica desta Directiva.
Também em nome do meu grupo parlamentar, saúdo todos os portugueses, independentemente da sua "raça", cor, ou território de origem, e todos os que com o seu trabalho contribuem para o enriquecimento da sociedade portuguesa. Reafirmo ainda o empenho de sempre do PS no combate a qualquer forma de exclusão ou discriminação racial, porque esta é uma batalha dura pela cidadania, que não pode ser perdida nem individual nem colectivamente.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, a quem desde já, em nome do meu grupo parlamentar, agradeço as palavras que a todos dirigiu, dando conta do enorme gosto que é a sua presença neste Plenário:

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A Directiva que o Sr. Secretário de Estado aqui nos apresentou visa dar aplicação concreta ao princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica.
Mais especificamente, a iniciativa em debate dá aplicação concreta deste princípio através da criação de um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, cujos traços, numa caracterização sumária, são os seguintes:
Excluem-se deste diploma as condutas que traduzam discriminação em função da nacionalidade, pelo que, como já aqui foi dito, o seu âmbito de aplicação é mais reduzido que o da Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, que proíbe a discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
O diploma é aplicável tanto ao sector público como ao sector privado, muito embora se remeta para diploma próprio a matéria relativa à não discriminação no contrato de trabalho, nos contratos equiparados e na relação jurídica de emprego público, independentemente de conferir, ou não, a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública.
Procede-se à catalogação, não fechada, de práticas discriminatórias típicas, ao mesmo tempo que se consagra na lei o conceito de discriminação directa e de discriminação indirecta e se considera o assédio como discriminação, dentro de determinados moldes.
Estabelece-se um princípio de tratamento mais favorável, no sentido de que ao diploma em causa cumpre assegurar níveis mínimos de protecção, pelo que não poderá prejudicar as disposições mais favoráveis estabelecidas noutra legislação, prevalecendo sempre o regime que melhor garanta o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação.
Confere-se legitimidade às associações de defesa da não discriminação para intervirem nos processos jurisdicionais em representação ou apoio dos interessados, desde que com a autorização destes.
Estabelece-se uma inversão do ónus da prova quanto aos comportamentos discriminatórios, excepto quando os mesmos sejam objecto de apreciação judicial, nomeadamente em processo penal, bem como se comina com nulidade qualquer acto que tenha carácter retaliatório, isto é, que seja acto consequente do exercício do direito de queixa ou de acção em defesa do direito à igualdade de tratamento.
Defere-se ao Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas a promoção da igualdade de tratamento prevista no diploma, conferindo-se-lhe competências quer para a efectiva promoção da igualdade de tratamento quer para a propositura de medidas normativas destinadas, igualmente, a darem efectiva aplicação ao princípio.
Estabelece-se e desenvolve-se um regime contra-ordenacional, que visa punir a prática de actos discriminatórios previstos no diploma em causa, bem como um conjunto relativamente amplo de sanções acessórias, que variam de acordo com a gravidade do comportamento apurado.
Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Tratando do óbvio, diríamos, em primeiro lugar, que disposições sobre a não discriminação, seja qual for o motivo em que se baseiam, existem no nosso ordenamento jurídico - diria mesmo que pululam por todo o nosso ordenamento jurídico -, quer ao nível constitucional, quer no direito internacional recebido na nossa ordem jurídica, quer na lei ordinária.
Não me vou deter sobre elas, porque o excelente relatório aprovado na 1.ª Comissão, e elaborado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, a quem daqui saúdo pelo brilhante trabalho que plasmou no relatório, trata dessa questão com muito mais propriedade que aquela que o tempo aqui me permitiria.
O que me parece importante é referir que o conteúdo desta iniciativa, que, em si mesma, não pode ser muito "expansiva" - e uso esta expressão entre aspas, porque é apenas espartilhada pela directiva que pretende transpor -, tem mais valor pelo facto de completar o regime constante da Lei n.º 134/99, nomeadamente com disposições inovatórias sobre a inversão do ónus da prova na apreciação das condutas discriminatórias, na expressa cominação da nulidade para os actos retaliatórios, ou, ainda, no ónus, que passa a impender sobre todas as entidades públicas de comunicarem à Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial quaisquer disposições que considerem violadoras do princípio da não discriminação.
Por outro lado, também me parece importante referir que a não discriminação no contrato de trabalho, nos contratos equiparados e na relação jurídica de emprego público é enquadrada nos termos que o Sr. Secretário de Estado já aqui referiu e que, por isso, me dispenso de repetir.
Todos sabemos das arbitrariedades a que os imigrantes são sujeitos nas relações que estabelecem com empregadores portugueses menos escrupulosos e de como tantas vezes se não defendem com medo das retaliações, nomeadamente da retaliação máxima, que é o despedimento, porventura sumário e ilegal, e que implica não só o corte da fonte de rendimento de famílias inteiras como também o afastamento da habitação, dada, em muitos casos, pela entidade patronal.
Na própria Administração Pública existem situações em que a nacionalidade é entendida como impeditiva da criação de uma relação jurídica de emprego público - pasme-se! -, porque o próprio n.º 2 do

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artigo 15.º da Constituição é interpretado neste sentido.
Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, Srs. Deputados: Mais do que multiplicar aqui os exemplos de práticas discriminatórias, parece-me importante realçar que estamos a tratar de matérias cuja importância é por todos reconhecida, dado o constante crescimento de mão-de-obra estrangeira que procura o nosso país para trabalhar e viver.
Portugal precisa dessa mão-de-obra para fazer crescer a sua economia e tem, como contrapartida lógica, a obrigação de proporcionar a essas pessoas uma adequada integração na sociedade portuguesa,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … uma integração com direitos e perspectivas. Tem a obrigação de ter mão pesada para com quem induz essas pessoas em erro, para com quem explora a sua força de trabalho sem lhes proporcionar a justa contrapartida remuneratória, com quem os lesa ao não entregar os respectivos descontos na segurança social e com quem os aloja em instalações não condignas, deduzindo esse alojamento na respectiva remuneração. Tudo porque são estrangeiros, porque, eventualmente, não têm a sua permanência legalizada; numa palavra, porque são imigrantes.
Se isto não é discriminação, então não sabemos o que é!
Tais pessoas lesam-nos a todos nós, os que descontam para a segurança social e pagam os seus impostos, lesam os imigrantes que no procuram para aqui se estabelecerem e lesam, em última análise, o bom nome do nosso país.
Também por estas razões, consideramos importante a aprovação da presente iniciativa legislativa, à qual, obviamente, daremos o nosso voto favorável.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que, obviamente, tem pertinência proceder à transposição da directiva comunitária sobre a discriminação racial para a ordem jurídica portuguesa naquilo que ainda não está transposto.
Já registei, há pouco, alguma disparidade de critérios por parte do Governo, na medida em que considera que não é necessário transpor para um diploma autónomo a parte laboral, na medida em que isso é matéria constante do Código do Trabalho. No entanto, relativamente a outros aspectos, que já estão, de certa forma, transpostos através da Lei n.º 134/99, o Governo opta por propor um diploma autónomo para transpor aspectos em certa medida redundantes relativamente à Lei n.º 134/99.
Quero dizer que a ordem jurídica portuguesa já prevê um bom instrumento legislativo de combate à discriminação racial, que é precisamente a Lei n.º 134/99, que foi, nesta matéria, um instrumento pioneiro em termos europeus e que se deve a uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, que, felizmente, foi aprovada, por unanimidade, nesta Assembleia.
Portanto, temos um regime jurídico no que respeita à discriminação que, em alguns aspectos, vai mais longe do que a própria directiva comunitária. Aliás, creio que em alguns aspectos da transposição o Governo anda bem, na medida em que passa a incluir na lei portuguesa alguns aspectos, designadamente algumas definições e algumas precisões, que constam da directiva e que ainda não estão na nossa lei, mas há aspectos em que anda mal, nomeadamente quando transpõe o artigo que exclui a nacionalidade do âmbito de aplicação do diploma, quando é certo que a Lei n.º 134/99 inclui precisamente a nacionalidade.
Ora, se já temos um instrumento legislativo que proíbe a discriminação em razão da nacionalidade, não faz sentido vir agora fazer-de-conta que essa lei não existe e aprovar uma outra disposição legislativa que exclui a nacionalidade do conceito de discriminação.
Aliás, fazemo-lo por imposição constitucional, porque, como se sabe, a Constituição portuguesa prevê, expressamente, a equiparação de direitos entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros, salvaguardando alguns aspectos, designadamente o acesso a cargos públicos e a outros direitos de natureza política.
Portanto, se a ordem jurídica portuguesa já prevê, amplamente, a não discriminação em razão da nacionalidade, não se percebe como é que o Governo vem propor esta exclusão. De facto, a directiva comunitária não exclui a adopção de regimes mais favoráveis e, como já temos um regime mais favorável, há que salvaguardá-lo.
Este é um aspecto que deveria, obviamente, ser corrigido relativamente à proposta de lei apresentada pelo Governo.

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Agora, o que nos parece que faz pouco sentido - e retomo a ideia que há pouco expus, aquando do meu pedido de esclarecimento, que tive oportunidade de fazer, ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência - é termos simultaneamente em vigor duas leis de combate à discriminação racial. Isto é, o Governo não propõe a revogação da Lei n.º 134/99, e faz bem em não propor, porque não há razões para isso, mas o que se pode fazer é, através da aprovação de uma lei que complementa a Lei 134/99, harmonizar um sistema jurídico de combate à discriminação racial. Não faz sentido ter em vigor simultaneamente duas leis que se sobrepõem; o que faz sentido é aprovarmos uma lei que venha complementar o que já está, e bem, regulado na Lei n.º 134/99, que aprovámos por unanimidade.
Portanto, do nosso ponto de vista, era isto o que faria mais sentido. E é perfeitamente possível, pois não há divergências de fundo relativamente à transposição da directiva. Portanto, faz todo o sentido podermos trabalhar em comissão, num prazo relativamente curto, obviamente em diálogo com o Governo, para aprovar um instrumento legislativo adequado, que seja claro e que não suscite confusões de espécie alguma quanto à sua interpretação, evitando esta dificuldade, de termos de estar simultaneamente a conciliar dois diplomas em vigor e, porventura, a fazer um esforço de harmonização entre os dois.
Podemos fazer este esforço no debate na especialidade e, com isto, creio que a clareza do nosso ordenamento jurídico em matéria de combate à discriminação racial sairá, evidentemente, reforçada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Presidência, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir a importância que tem, para Os Verdes, a possibilidade de colocar, no Parlamento, questões relativas aos direitos humanos. Naturalmente que, quando discutimos um diploma anti-racial, que vem na sequência da necessidade de transposição de uma directiva comunitária para o direito interno, estamos a falar da necessidade de garantir igualdade de condições e não discriminação em função da raça.
Esta questão parece-nos da maior importância. Não é, porventura, por acaso que em diversos artigos do comando constitucional, e não só no artigo 13.º, que define o "Princípio da Igualdade", esta questão é abordada, ela também é abordada em matérias fundamentais, do nosso ponto de vista, para a integração de cidadãos imigrantes e estrangeiros na sociedade, como, por exemplo, em relação à igualdade destes cidadãos no domínio do emprego e à capacidade de participação mais plena com direitos cívicos e políticos (que, neste momento, já se verifica) ao nível da administração local.
Para nós, no momento em que se discute este diploma, a preocupação decorre, por um lado, da constatação, mais do que evidente, de que os sinais, mais ou menos submersos, de fenómenos de racismo e de xenofobia não estão de todo eliminados na sociedade portuguesa e, por outro, da necessidade de fazer aplicar eficazmente a lei.
Hoje, temos um diploma que vem, de algum modo com atraso, ao encontro daquilo que a Assembleia da República, em 1999, aprovou por unanimidade e, para nós, a questão coloca-se na necessidade de harmonizar toda a legislação no sentido de lhe dar eficácia.
Consideramos discutível - e a experiência tem revelado ser pouco eficaz - a dispersão legislativa de diplomas cujo objectivo é semelhante. Pensamos que a integração da legislação já existente e desta proposta de lei deve ser feita no sentido de, com clareza, haver um enquadramento legal e uma lei antidiscriminação, aumentando, valorizando e nivelando pelo patamar máximo aquilo que os dois diplomas contemplam.
Dito de outro modo, apesar de esta proposta de lei, de algum modo, clarificar alguns aspectos, como já referi, em relação à inversão do ónus da prova e à discriminação directa ou indirecta - e a indirecta é, naturalmente, mais importante, porque é aquela que na maior parte das situações se verifica -, isto significa que tem de ser claro que a harmonização e a integração dos dois diplomas deve ser feita garantindo e valorizando ao máximo as mais-valias que já estão aprovadas.
Por último, gostaria de sublinhar uma outra nossa preocupação num domínio social e politicamente relevante. Refiro-me à matéria de um regime diferenciado para cidadãos estrangeiros e imigrantes e à necessidade de regulamentação por parte do Governo, coisa que até este momento ainda não se verificou e não conseguimos, neste debate, ter ainda um calendário identificativo de quando é que isso irá acontecer.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão da proposta de lei n.º 81/IX.

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Vamos passar, agora, à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 366/IX - Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, da iniciativa do PSD e do CDS-PP.
Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os problemas da segurança e ordem públicas, da disciplina urbanística e ambiental, em geral do cumprimento das regras e regulamentos que permitem uma vivência harmoniosa de cada comunidade, são problemas que crescentemente se inscrevem nas preocupações das autarquias locais.
Não só por se tratarem de questões nucleares para a tranquilidade e a própria qualidade de vida de cada comunidade mas também porque sobre elas há hoje uma exigência de respostas cada vez maior, pela parte das populações, junto das autoridades municipais que lhes estão mais próximas.
Bem ou mal - e sou daqueles que entende que bem -, os cidadãos tendem a olhar para os seus eleitos locais como os responsáveis e os primeiros garantes por um alargado conjunto de factores que mais directamente interferem com o seu dia-a-dia, na terra que escolheram para viver.
Isto leva, naturalmente, a que o legislador tenha de ter a preocupação de ir adaptando os mecanismos legais e os instrumentos de acção das autarquias, por forma a poderem melhor satisfazer-se essas mesmas necessidades.
O maior e o principal instrumento de política que cumpre esse sentimento crescente das pessoas é a opção pela descentralização.
Descentralização no sentido político mais nobre da palavra - o sentido de aproximar o poder de decisão aos seus mais directos destinatários. É isto que as comunidades, as empresas e as pessoas, afinal, querem, e é este o caminho político em que o actual Governo e a actual maioria estão forte e decididamente empenhados.
Mas para descentralizar atribuições e competências para as autarquias locais é preciso dotá-las de meios e condições para que as possam exercer e prosseguir de modo responsável e eficaz.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As polícias municipais, enquanto autoridades fiscalizadoras e polícias administrativas, são, também elas, um instrumento muitíssimo relevante para o sucesso desta política.
Passados mais de quatro anos desde a definição da respectiva lei-quadro, é importante olhar para a realidade que se criou, colher as lições práticas dessa experiência, verificar quais os pontos de maior constrangimento à sua boa actuação e procurar soluções que os permitam superar.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira observação que deve ser feita é a de que o enquadramento legislativo, genericamente definido e aprovado em 1999, revelou-se um enquadramento globalmente acertado.
Com o distanciamento que o passar do tempo nos permite, não há dúvida que a magna questão que então se debateu acaloradamente, qual seja a de definir e fazer aplicar uma natureza essencialmente administrativa às polícias municipais - não confundível, em qualquer circunstância, com a natureza de força de segurança -, foi, no essencial, bem resolvida pelo legislador e adequadamente assimilada pela prática.
Penso, com toda a franqueza, que existe hoje uma percepção correcta por parte das autarquias e das forças de segurança do papel que cabe às polícias municipais, pelo que é agora mais fácil encarar e resolver alguns aspectos pontuais do quadro legal que ficaram, do nosso ponto de vista, insatisfatoriamente tratados pela lei de 1999.
Coloco, neste plano, aspectos como os relacionados com o recrutamento e a formação dos agentes, o seu estatuto disciplinar, os seus meios de acção, os seus poderes de autoridade e a sua necessária articulação operacional com as forças de segurança.
Do meu ponto de vista, estas questões podem e devem ser divididas em dois grupos.
Quanto ao primeiro, em que se inclui a formação, a disciplina e os meios de acção, sou da opinião de que é matéria deve continuar a ser objecto de regulamentação governamental, visto tratar-se de questões intrinsecamente instrumentais, justificando-se, no entanto, uma urgente revisão e actualização da situação em vigor.
De facto, algumas das opções tomadas em 1999 não provaram vir a ser as mais acertadas.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É nosso entendimento que o Governo deve ponderar outros procedimentos para as

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fases de recrutamento e formação, desejavelmente com a participação também da escola de polícia, retirando-se a exclusividade que hoje em dia está centrada no CEFA (Centro de Estudos e Formação Autárquica). Do nosso ponto de vista, o Governo deve não só avançar para a aprovação de um estatuto disciplinar próprio, compaginável com a natureza de corpo armado e necessariamente hierarquizado, como também rever as regras relacionadas com uniformes e meios de auto-defesa, nomeadamente os de defesa passiva, para os quais actualmente nada de relevante está previsto.
São matérias instrumentais, é verdade, mas são matérias que envolvem questões que mexem directamente com a eficácia e a operacionalidade dos serviços de polícia municipal.
É, pois, urgente, e aqui fica o apelo ao Governo para que rapidamente proceda também, na sequência desta alteração legislativa, à revisão da respectiva regulamentação.
Já quanto o segundo grupo de questões - e refiro-me aos poderes de autoridade e à necessidade de articulação operacional com as forças de segurança - é matéria que, inequivocamente, cabe a esta Assembleia directamente regular. É isto mesmo que vem proposto no projecto que a maioria agora coloca à discussão.
Por um lado, defendemos alguma equiparação das polícias municipais a órgão de polícia criminal, para efeitos específicos, e, por outro, cometemos ao presidente de câmara um papel nuclear na articulação operacional necessária com as forças de segurança que operam no território do município.
Desde já, gostaria, a este propósito, de deixar algo muito claro.
Não se defende, nem pretende, minimamente, que as polícias municipais possam ter qualquer tipo de intervenção no plano da investigação criminal - o que seria, desde logo, um absurdo e atentaria mesmo com os contornos constitucionais definidos para as polícias municipais.
O que se visa é, tão-só, reforçar a sua autoridade e melhorar a sua eficácia operacional no estrito plano das suas competências de polícia administrativa.
Trata-se de dotar as polícias municipais de poderes de autoridade absolutamente imprescindíveis à prática de actos processuais penais, como o levantamento de autos, a execução de mandados ou detenções em situações de emergência, tudo sempre no estrito âmbito das suas competências próprias de polícia administrativa.
Igualmente, no que respeita à necessária coordenação das polícias municipais com as forças de segurança, conforme postulado na Constituição da República, o que agora queremos clarificar na lei é que essa coordenação pressupõe um trabalho conjunto, permanente e num plano de igualdade, procurando-se a articulação operacional no território do município entre forças que são municipais e as forças de segurança que, naturalmente, são nacionais.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A revisão da lei-quadro das polícias municipais é, sem dúvida, uma iniciativa que se reveste de oportunidade e que deve servir para se introduzir as correcções necessárias a uma realidade que, hoje, envolve já mais de três dezenas de municípios e para a qual estão já apresentadas, no Ministério da Administração Interna, mais de uma vintena de candidaturas.
A experiência entretanto adquirida atesta bem a validade destas polícias no plano administrativo e autárquico e justifica plenamente os pequenos grandes acertos, ousaria dizer, que agora se propõem ao seu quadro legal.
É crucial neste processo que o Governo esteja activamente envolvido e saiba explorar e partilhar as linhas de rumo que a Assembleia da República venha, sobre esta matéria, a adoptar.
Há um trabalho regulamentar da parte do Governo muito importante; só ele o pode realizar para lhes dar uma correcta e adequada concretização.
Igualmente, e expressando, desde já, a nossa disponibilidade, quero aqui fazer um pedido aos partidos da oposição no sentido de todos participarmos activamente neste processo legislativo.
Esta é, claramente, uma legislação que não deve ser olhada numa óptica partidária; antes, devemos, com grande abertura, saber procurar as melhores soluções para bem servir uma causa que, afinal, é de todos.
É esta a disposição que nos anima.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Vitalino Canas para, na qualidade de relator da 1.ª Comissão, apresentar o relatório.
Tem a palavra, Sr. Deputado Vitalino Canas, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Coube-me fazer o relatório sobre o projecto de lei n.º 366/IX e gostaria de começar por agradecer, aqui, nesta sede, as referências

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elogiosas que ele mereceu hoje de manhã, na reunião da 1.ª Comissão, na qual não pude estar presente, pelo que não foi apresentado por mim.
Quero também registar o facto de que o debate travado hoje de manhã, na 1.ª Comissão, permitiu encontrar algumas pistas no sentido de superar alguns dos problemas suscitados no relatório, sendo de sublinhar a disponibilidade dos partidos proponentes para este facto e que é, naturalmente, acompanhada pelos outros partidos, nomeadamente o Partido Socialista.
O relatório salienta, no essencial, a existência de quatro problemas no diploma.
O projecto de lei incide sobre várias temáticas, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes agora assinalou, mas salienta, no essencial, quatro áreas problemáticas que têm de merecer atenção, tanto ao nível deste debate na generalidade como, depois, no da especialidade.
Em primeiro lugar, o facto de se pretender transformar a "hierarquia" - é a expressão utilizada no projecto de lei - e os agentes das polícias municipais em órgãos de polícia criminal. Há aqui um equilíbrio que temos de analisar por forma a determinar como é possível as polícias municipais serem órgãos de polícia criminal não tendo, contudo, funções de investigação e de prevenção criminal.
Em segundo lugar, temos a questão da alteração dos mecanismos de coordenação entre as forças de segurança e as polícias municipais, que, hoje, estão previstos na lei com um certo equilíbrio e que, agora, pelo menos numa certa interpretação do projecto de lei, passarão a estar previstos de outra forma.
Em terceiro lugar, a abertura da possibilidade de existência de um estatuto disciplinar próprio para os agentes das polícias municipais. Actualmente, eles estão sujeitos ao estatuto disciplinar dos funcionários públicos, genericamente considerado, e pretende-se agora que passem a ter um estatuto disciplinar próprio, tendo de haver alguma definição dos termos essenciais desse estatuto, uma vez que o mesmo não pode coincidir com o das forças de segurança já que as polícias municipais não são forças de segurança, embora, como também já aqui foi assinalado, sejam portadores de uma arma e estejam sujeitos a uma hierarquia bastante acentuada que, eventualmente, suscitará e fundamentará a existência de estatuto disciplinar próprio. Contudo, este é um tema para discussão.
Em quarto lugar, a possibilidade de os agentes de uma polícia municipal poderem actuar no território de município diferente do seu próprio. No projecto de lei, estão previstas algumas circunstâncias em que isto pode suceder, mas, porventura, terá de haver uma maior delimitação das mesmas.
Finalmente, devo assinalar que toda esta discussão terá de ser travada, tendo como pano de fundo uma realidade que a Constituição define com clareza, que é o facto de as polícias municipais não serem forças de segurança e, portanto, não terem a possibilidade constitucional de exercer funções idênticas às das forças de segurança.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar aos pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para o que se inscreveram os Srs. Deputados José Augusto de Carvalho e José Saraiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto de Carvalho.

O Sr. José Augusto de Carvalho (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a primeira questão é de ordem formal.
Porquê uma nova lei? E permita-me que, com toda a simpatia, pergunte se não há aqui a preocupação de passar a imagem da refundação do País, ocultando o trabalho que vem do antecedente.
Em segundo lugar, é grato constatar que houve evolução na posição dos partidos da maioria; veja-se as intervenções publicadas no Diário da Assembleia da República aquando da discussão da proposta de lei sobre esta matéria, em 1999.
Em terceiro lugar, há um aspecto contraditório. O Governo vai com quase dois anos de vigência e, tanto quanto é do nosso conhecimento, não viabilizou a criação de qualquer serviço de polícia municipal. É estranha esta inacção neste domínio.
Agora, a quarta questão, talvez a mais relevante de todas, tem a ver com o artigo do vosso projecto de lei que se refere ao regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e Porto. Sempre se entendeu que as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto beneficiavam de um regime não especial mas transitório.
Sr. Deputado e Srs. Deputados da maioria, não quero conceber que vos tenha passado pela mente manter um regime especial para as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto. É que a doutrina assente ao nível do poder local, em Portugal, vai no sentido de não manter regimes especiais para Lisboa e Porto. Isto estava consagrado no velho código administrativo de Marcelo Caetano e foi derrogado com a Constituição da República de 1976. Esta é uma questão nuclear que importa esclarecer.

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Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, exactamente na sequência da última questão colocada pelo meu camarada José Augusto de Carvalho, gostava de recordar-lhe que, muito recentemente, por exemplo, houve notícias de que a Polícia Municipal do Porto esteve ao serviço de uma política concreta da autarquia, tendo suscitado fortes protestos, quer da população atingida quer de diversas entidades autárquicas e dos partidos políticos, porque houve a interpretação de que se caminharia para uma actuação demasiado rígida desta Polícia, no caso concreto, de que se ultrapassava a própria legislação que regula as polícias municipais.
O que temo - e gostava que me elucidasse sobre isto - é que a tentação de criar a ideia do xerife, passe a expressão, esteja imanente à vossa proposta, quando, tanto quanto conheço, o desenvolvimento das polícias municipais ainda é muito incipiente e muitas ainda não estão implementadas no terreno, para além de algumas confusões plasmadas no relatório elaborado pelo meu camarada Vitalino Canas, relativamente às quais, face à intervenção de V. Ex.ª, parece-me existir a vontade de esclarecer melhor.
Coloco esta questão porque a tentação do xerife perpassa em muitos autarcas, e espero que a ideia não seja esta, mas gostaria de obter de si a certeza de que esta ideia está afastada e de que as polícias municipais terão funções específicas, muito claras e que, evidentemente, não se confundirão com as de outras polícias.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.ª Presidente, começo por agradecer a ambos os Srs. Deputados as questões que me colocaram.
O Sr. Deputado José Augusto de Carvalho colocou-me, basicamente, quatro questões, sendo uma delas a de saber a razão de uma nova lei.
Ora, desde logo, como sabe, a própria lei actualmente em vigor prevê a sua revisão ao fim de dois anos. Houve a transição de governos, pelo que tal revisão não foi possível nesse prazo, mas creio que os quatro anos que a lei já leva em vigor justificam plenamente a sua revisão.
Para além de a própria lei autocolocar-se a questão da sua revisão, como sabe, existe já hoje uma experiência, do meu ponto de vista bastante frutuosa, quanto à existência de polícias municipais em mais de três dezenas de municípios. Tem havido encontros regulares dos autarcas cujos municípios têm polícias municipais com vista à troca de experiências sobre esta matéria, encontros esses de que tem resultado a identificação de questões muito concretas, relativamente às quais um dos objectivos deste projecto de lei é tentar dar alguma resposta quanto às matérias que nos parecem mais pertinentes.
Quanto a dizer que se está a tentar ocultar o trabalho antecedente, nada mais injusto. Eu próprio, na minha intervenção inicial, fiz uma apreciação claramente favorável do quadro aprovado em 1999.
Relativamente à proposta de lei sobre esta matéria que foi apresentada e discutida em 1999, como se recorda, independentemente de algumas objecções que, politicamente, poderemos ter tido enquanto partido da oposição, a verdade é que trabalhámos construtivamente com o governo de então com vista à obtenção da solução, que acabou por ser a adoptada, e votámo-la favoravelmente.
No que diz respeito às Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, como sabe, estas têm um regime transitório por uma razão que não tem propriamente a ver com as respectivas funções e a sua natureza mas, sim, com a situação do respectivo pessoal. Trata-se de uma situação que vem de trás e é muitíssimo pesada - em Lisboa, há mais de 300 elementos da polícia municipal dos quadros da PSP; no Porto, existe, pelo menos, mais de uma centena desses elementos nessa circunstância. Portanto, atendendo, nomeadamente, à necessidade de resolução deste problema do pessoal, são situações que ultrapassam, largamente, a capacidade de uma lei-quadro da Assembleia da República, pelo que terão de ser resolvidas através de regulamentação própria do Governo.
Por isso mesmo, os senhores, quando estavam no governo, tomaram a mesma decisão relativamente à necessidade de remeter para um diploma governamental a resolução destas matérias, que, por ainda não estarem resolvidas, têm de continuar a ser remetidas.
Por último, Sr.ª Presidente, pedindo a sua tolerância para o tempo, vou responder ao Sr. Deputado José Saraiva.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, informo-o de que o CDS-PP cede-lhe tempo

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para concluir a resposta.

O Orador: - Desde já agradeço ao CDS-PP a cedência, e procurarei não abusar.
Sr. Deputado José Saraiva, que fique muito claro desde já que a ideia do xerife nunca foi a nossa, não é, nem nunca será. Por parte desta bancada, pode contar sempre com uma oposição firme, como, de resto, tivemos na revisão constitucional de 1997, aquando da definição e do enquadramento da figura das polícias municipais, no sentido de que estas nunca poderiam confundir-se com forças de segurança.
A ideia do xerife, como sabe, não é nossa e, de resto, sabe também de onde provinha, mas não vale a pena falarmos agora sobre isso. Repito, essa ideia não é do PSD, não foi, não é, nem será - portanto, a essa tentação resistiremos sempre.
É verdade, de facto, que, tal como respondi ao Sr. Deputado José Augusto de Carvalho, relativamente às Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, cidades em que as mesmas existem há já muitos anos - em Lisboa, quase há 100 anos, desde o tempo do Intendente Pina Manique -, há uma situação que não tem a ver com a natureza das polícias mas, sim, com a composição dos seus quadros de pessoal, cuja resolução não cabe a esta Assembleia, tem de ser resolvida pelo governo. A situação não ficou resolvida pelo anterior governo, terá de sê-lo pelo actual.
Portanto, esta Assembleia não tem outra alternativa que não a de remeter para regulamentação do Governo a resolução do problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei, apresentado pelos partidos da maioria, propõe algumas inovações relativamente ao regime legal das polícias municipais com as quais não concordarmos no essencial. Digo que não concordamos porque entendemos que as inovações que são propostas vão no sentido contrário ao que pensamos que deve ser a delimitação precisa de competências entre as polícias municipais e as forças de segurança. Pensamos que a confusão entre estas duas realidades deve ser evitada a todo custo.
A este respeito, convém dizer que este projecto de lei é relativamente surpreendente porquanto os partidos da maioria sempre compartilharam connosco a ideia de que aquela confusão deveria ser evitada. Aliás, basta verificar a lei de 1994, feita pelo então governo do PSD, que, do nosso ponto de vista, delimitou bem as questões, sendo uma lei que, no essencial, correspondia à necessidade de criar uma polícia administrativa sem a confundir com uma força de segurança, ao contrário da posição defendida pelo Partido Socialista que, então na oposição e, mais tarde, no governo, era favorável à criação de polícias municipais com funções de segurança.
Na altura, havia aqui uma clara diferença de opinião entre, por um lado, esta posição defendida pelo Partido Socialista, enquanto partido da oposição e, mais tarde, partido que apoiava o governo, e, por outro, as posições defendidas pelos actuais partidos da maioria e também já pelo PCP no sentido de que não deveria haver polícias municipais com funções de segurança.
De resto, a proposta de lei apresentada pelo então governo do Partido Socialista foi profundamente alterada nesta sede com vista a eliminar disposições que na altura eram propostas e que vinham de facto no sentido de atribuir verdadeiras funções de segurança às polícias municipais. Nessa altura, convergimos com os partidos da actual maioria no sentido de limitar tal atribuição de competências a nível de segurança. Aliás, como os Srs. Deputados se recordarão, isto ditou a nossa abstenção na votação final global da lei actualmente em vigor, por nos ter parecido que, apesar de tudo, ainda se mantiveram algumas confusões que resultaram da formulação que o PS e o PSD acordaram em sede da revisão constitucional de 1997, na parte que se refere à colaboração entre as polícias municipais e as forças de segurança.
Naquela ocasião, alertámos para as confusões que tal colaboração poderia vir a suscitar. Mais do que isso, o que nos parece é que, de alguma maneira, essa confusão acabou por se criar na prática. E, do nosso ponto de vista, tal confusão é indesejável porque, como é óbvio, os cidadãos, na sua maioria, se não conhecem a delimitação precisa de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, tenderão a ver na polícia municipal um polícia para todos efeitos, isto é, alguém que pertence a uma força de segurança e que também tem funções ao nível da manutenção da ordem e segurança públicas.
Um polícia que é visto na rua, por um cidadão, uniformizado e armado gera, obviamente, a convicção de que se trata de um membro de uma força de segurança. Portanto, estamos a criar nos cidadãos expectativas de que as polícias municipais não estão em condições de corresponder, e, com isto, entendemos que elas não se prestigiam e que, obviamente, não melhoram as condições de segurança dos cidadãos.

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Acresce que houve regulamentos de polícias municipais que vieram contribuir para aumentar esta confusão. Devo dizer que, há largos meses, tive ocasião de ler o Regulamento da Polícia Municipal do Porto - e lembrei-me disto, porque a Polícia Municipal do Porto foi aqui trazida à colação -, que, em matéria de cortesias, formas de comportamento e continências, faz lembrar a corte de Luís XIV. É absolutamente ridículo! Convido os Srs. Deputados a ler esse regulamento, porque sempre se podem rir um pouco com a completa falta de senso…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Com a boa educação!

O Orador: - … que é o Regulamento da Polícia Municipal do Porto. Espero que seja um caso único, mas receio que haja outros casos absolutamente inadequados relativamente aos regulamentos das polícias municipais.
Portanto, a existência até de alguma policialização no pior sentido - diria quase militarização, em termos de comportamento -, nas soluções adoptadas nos regulamentos de algumas polícias municipais contribui, de facto, para criar uma confusão a todos os títulos indesejável.
Concordamos que é justificado haver uma polícia administrativa. Agora, achamos que se deve evitar, a todo o custo, a confusão entre as forças de segurança e as polícias municipais com funções meramente administrativas - e, de alguma maneira, esta confusão existe.
Ora, a proposta da maioria vem no sentido de aumentar esta confusão. Sobretudo, porque transfere expressamente para as polícias municipais funções que são hoje das forças de segurança, designadamente ao nível dos programas de proximidade. E, a meu ver, isto pode vir a pôr em causa a viabilidade de muitos programas de polícia de proximidade. Concretamente, quanto ao programa "Escola Segura", se já hoje as forças de segurança têm dificuldade, com os meios de que dispõem, em cumprir esta função de forma adequada, imagino que, em alguns casos, a passagem desta competência para as polícias municipais venha a prejudicar ainda mais as condições em que este policiamento de proximidade é assegurado. Ou, então, vai fazê-lo com prejuízo de outras funções importantes, que, estas sim, deveriam pertencer às polícias municipais.
Quero ainda dizer que discordamos profundamente de algumas propostas deste projecto de lei, como seja a de considerar, para determinados efeitos, as polícias municipais como órgãos de polícia criminal. Porém, creio haver disponibilidade da maioria (isso foi anunciado hoje de manhã) para rever esta questão e colocá-la nos seus devidos termos, disponibilidade essa que registo.
Assim como há também que corrigir, do nosso ponto de vista (e creio que a maioria está igualmente receptiva a isso), a forma como se efectiva a coordenação entre as forças de segurança e as polícias municipais. Há, de facto, uma margem de colaboração - bem ou mal, a lei prevê que essa colaboração se deva fazer -, mas tem de se encontrar uma forma adequada, que seja de colaboração e não de imposição de qualquer das partes. Portanto, esta proposta de que essa colaboração se faz sob a égide do presidente de câmara não é adequada, porque o presidente de câmara não manda nas forças de segurança - não manda, nem deve mandar. Obviamente, a tutela sobre a polícia municipal compete-lhe; agora, os termos de colaboração com as forças de segurança têm de ser encontrados, como o próprio termo indicia, em colaboração e não em imposição ditada pelo presidente de câmara. Caso contrário, teríamos, aí sim, o xerife, situação que deve ser evitada.
Naturalmente, estamos inteiramente disponíveis, como em processos legislativos anteriores, para colaborar, no sentido de se encontrarem as melhores soluções. Esperamos que as piores soluções, ainda constantes da letra do projecto de lei apresentado pela maioria, possam ser corrigidas, sendo certo que, em todo o caso, não concordamos com o sentido geral deste diploma, que aponta, de facto, para que haja alguma municipalização das funções de segurança. Não nos parece que isto seja adequado, não nos parece que os cidadãos fiquem a ganhar algo com isto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 366/IX, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP, visa alterar a Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, a qual estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais.
Esta lei é recente e ainda se conserva bem viva na memória a controvérsia que suscitou aquando da sua aprovação. Esta controvérsia deveu-se em muito ao facto de resultar de uma opção reformista do governo de então, protagonizada pelo Ministro Jorge Coelho, que decidiu criar um novo instrumento de

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manutenção da tranquilidade pública e de protecção das comunidades locais.
A criação de polícias municipais estava prevista no Programa do XIII Governo Constitucional e foi legitimada pela Revisão Constitucional de 1997. Era uma fórmula de aprofundamento da opção pelo policiamento de proximidade - que havia sido eleita como prioritária pelo governo de então - e de reforço da intervenção dos municípios em matéria de segurança.
O governo definiu, então, os princípios em que deveria assentar este novo instrumento de polícia e vale a pena aqui relembrá-los. As polícias municipais deveriam: ter natureza administrativa; ser criadas por decisão municipal; ter a sua área de actuação circunscrita à área do município respectivo; e ser complementares e subsidiárias em relação às forças de segurança. Bem definido ficou que as polícias municipais não são, nem podem ser, à luz da Constituição, forças de segurança.
As forças de segurança, enquanto titulares do exercício de funções de soberania, têm uma organização única para todo o território nacional, sendo o seu regime definido obrigatoriamente por lei da Assembleia da República, uma vez que é matéria de reserva absoluta, tal como prescreve o artigo 164.º, alínea u), da Constituição da República Portuguesa. Isto implica, como diz o Tribunal Constitucional, que as forças de segurança sejam taxativamente delimitadas. Em consequência da especial configuração das suas funções próprias, os respectivos agentes podem ser sujeitos a restrições no exercício de certos direitos, na estrita medida das exigências dessas funções.
Ora, apesar de partilharem com as forças de segurança o regime constitucional aplicável ao exercício de funções de polícia, designadamente os princípios da legalidade e da proporcionalidade, previstos no artigo 272.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, as polícias municipais têm um regime constitucional distinto. A vocação das polícias municipais está definida no artigo 237.º, que dispõe sobre a descentralização administrativa, e está inserida no Título VIII da Constituição, relativo ao poder local.
Porque tem importância para o debate de hoje, e para um eventual consenso que se venha aqui a construir, interessa recordar algumas das posições assumidas no passado, em 1999, nesta mesma Casa, pelos partidos proponentes da iniciativa hoje em debate.
Não temam os Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, pois não vou aqui lembrar alguns dos passos mais apaixonados desse debate, em que se falou de xerifes e se questionou se esta polícia é que vinha resolver os gravíssimos problemas de segurança que havia então (comparando, agora, os índices de segurança que há hoje com os que havia na altura, esse debate seria certamente muito irónico e quase risível).
Lamentava, então, o CDS, por exemplo, que pudessem ser conferidas às polícias municipais competências que cabiam no conceito de funções de segurança. Notava, pela voz do Sr. Deputado António Brochado Pedras, que "a função de segurança interna (…) está integrada no núcleo essencial dos poderes de soberania do nosso Estado unitário, que são absolutamente indelegáveis, inalienáveis e indivisíveis, não podendo ser divididos ou repartidos por quaisquer entidades públicas, designadamente pelos municípios". E alertava, alarmado, para os perigos de colocar nas mãos dos presidentes de câmara poderes funcionais de dirigir polícias.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Está na Nova Democracia!

O Orador: - Se eu dissesse as outras coisas, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o senhor teria certamente de reagir de forma ainda mais violenta.
O PSD, pela voz do Deputado Carlos Encarnação, dizia que um dos aspectos positivos da Revisão Constitucional de 1997 tinha sido impossibilitar que as polícias municipais pudessem ter qualquer papel na perseguição de qualquer tipo de criminalidade, grande ou pequena. E dizia ainda, nessa ocasião, que a verdadeira natureza das polícias municipais é a de serviços de polícia administrativa.
Creio que estas posições do passado, que coincidiam, aliás, com as que o governo de então defendia, se mantidas hoje em coerência pela maioria, serão uma base de trabalho para resolver alguns dos problemas que o diploma em discussão suscita.
É, por exemplo, o caso da transformação das polícias municipais em polícias com competências na área criminal. Na verdade, é isto que significa, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, o artigo 3.º, n.º 3, do projecto de lei em apreço, quando determina que, em certos casos, a hierarquia e os agentes das polícias municipais se consideram órgãos de polícia criminal.
É o caso, também, do reforço dos poderes dos presidentes de câmara, no que concerne à coordenação das forças de segurança e das polícias municipais.
O PS assumirá aqui uma postura construtiva, evitando o tom exageradamente crítico assumido, no passado, por outros, quando se tratou de discutir o regime das polícias municipais. Sempre entendemos que as polícias municipais são um instrumento essencial de um sistema de polícia moderno e virado para a protecção de proximidade, em condições de subsidiariedade em relação às forças de segurança.
Por isso, posso dizer, desde já, que há alterações que, com esta ou aquela melhoria, poderão ser aceites.

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É, designadamente, o caso de os polícias municipais poderem actuar fora da área do respectivo município, desde que isso seja bem circunscrito e definido, e também a eventualidade de os agentes das polícias municipais serem submetidos a um estatuto disciplinar próprio, eventualidade essa que poderá ser ponderada, embora sempre com o norte de que não podem ter um estatuto disciplinar semelhante ao das forças de segurança.
Há outras opções assumidas pelo projecto que, em meu entender, não são viáveis, desde logo pelos motivos adiantados há quatro anos, justamente por aqueles que, agora, propõem esta iniciativa.
São essencialmente as questões relacionadas com a transformação das polícias municipais - dos seus agentes e da sua hierarquia, aqui um pouco imprecisamente - em órgãos de polícia criminal. Creio que a Constituição não o consente e, portanto, deveremos evoluir neste ponto.
É também o caso da coordenação entre as polícias municipais e as forças de segurança, que, actualmente, de acordo com a lei, é uma coordenação efectuada em parceria entre o Governo e os municípios e que agora passaria, segundo a melhor interpretação deste projecto de lei, a ser assegurada sobretudo pelos presidentes de câmara ou pelas câmaras municipais.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou. Faça favor de concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Entendemos que a letra e o espírito da Constituição não consentem que se vá tão longe nesta entrega da cooperação ao nível municipal.
Naturalmente, haverá outras questões que, depois, terão de ser debatidas; as que referi são as essenciais. No entanto, para todas elas, contarão seguramente com a colaboração e o empenho do Partido Socialista, no sentido de se chegar a um consenso.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza) - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo, neste debate, por repor a verdade face a algumas das citações feitas, todavia fora do respectivo contexto, pelo Sr. Deputado Vitalino Canas.
Recordará certamente o Sr. Deputado Vitalino Canas que essas citações resultaram de um debate em que, na altura, Deputados, nomeadamente do CDS-PP, não viam com bons olhos a criação dos tais "xerifes", que, curiosamente, hoje, um Deputado do seu partido referiu - fugiu-lhe a boca para a verdade! - e que na Revisão Constitucional de 1997 caíram por terra, permitindo-se apenas (e, de resto, de forma consensual) as polícias administrativas que hoje temos e na base das quais discutimos. Portanto, Sr. Deputado Vitalino Canas, os comentários foram relativos aos tais "xerifes", que, hoje, o Sr. Deputado José Saraiva não quer mas que, antigamente, o Partido Socialista queria,…

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - … o que demonstra bem que, afinal, nessa bancada também não estão completamente de acordo.
Posto isto, Srs. Deputados, importa situar, agora e aqui, a discussão nas polícias administrativas, que de facto queremos ver melhoradas no normativo que determina o seu desempenho.
O CDS sempre recusou qualquer iniciativa legislativa que visasse cometer a polícias municipais competências que só podem ser desempenhadas por forças de segurança.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Por razões óbvias, apenas os agentes das forças de segurança têm uma formação específica, do ponto de vista técnico, deontológico e da eficácia. São anos de formação que não podem ser substituídos por uma polícia municipal que não é criada com essas preocupações.

O Sr. José Saraiva (PS): - Diga isso ao Rui Rio!

O Orador: - Portanto, aquilo que o CDS queria, e quer, é que seja cometido às forças de segurança

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o que deve ser cometido às forças de segurança, mas atribuindo a polícias municipais tarefas que manifestamente podem desempenhar e que, por outro lado, permitirão uma maior eficácia das forças de segurança. Ou seja, há hoje muitas tarefas desempenhadas por forças de segurança, e quase sempre burocráticas, que, sendo cometidas a polícias municipais, só darão eficácia a essas forças de segurança e, com isso, melhorarão a segurança dos próprios cidadãos. Ora, é exactamente isto que está aqui em discussão.
Relativamente a este projecto de lei, o que temos a dizer? Obviamente que, decorridos quatro anos de existência das polícias municipais e verificado que foi que em muitos concelhos o desempenho dessas polícias municipais no âmbito estrito das suas competências, é bom, é tempo de aperfeiçoar o regime jurídico e permitir que essas polícias municipais desempenhem as funções que claramente podem desempenhar.
Desde logo, importa definir o estatuto disciplinar próprio aplicável aos funcionários que integram o corpo dessas polícias municipais; importa assegurar uma efectiva cooperação entre a polícia municipal e as forças de segurança. É porque para estas polícias municipais desempenharem tarefas, ainda que burocráticas, que antes estavam cometidas a forças de segurança, mas que de forma conexa podem ter que ver com a actividade das forças de segurança, essa coordenação tem de existir. E importa garantir que as polícias de segurança tenham, essencialmente, as tais funções de polícia administrativa, de fiscalização do cumprimento de normas regulamentares, municipais e outras, e isso ficou claramente definido na lei.
A revisão é, por isso, necessária - a própria lei reclamava essa revisão. Acresce também que no que toca à maioria, em razão de coerência, esta é uma matéria que consta expressamente do Programa do Governo e por isso, também por esta via, está o Governo, através da bancada da maioria, a dar-lhe o respectivo cumprimento.
Portanto, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não estamos a fazer mais do que a cumprir aquilo que antecipadamente tínhamos proposto aos portugueses e que por esta via demonstramos que não deixamos apenas no papel.
Estamos convencidos do importante papel das polícias municipais como auxiliares das forças de segurança e também, apesar de não terem competências em áreas estritas de defesa dos cidadãos, como importante factor dissuasor da prática de crimes, concretamente em casos de flagrante delito poderão actuar em coordenação com essas mesmas forças de segurança.
De resto, o Partido Socialista devia louvar esta iniciativa porque ela própria reforça aquela ideia de "polícia de proximidade" que o Partido Socialista tanto advogava… Portanto, o Partido Socialista está certamente satisfeito com esta iniciativa.
Assim sendo, e para concluir, direi que julgamos que, aprovada esta iniciativa legislativa, estarão criadas as condições para delimitar, com muito maior precisão, o âmbito de acção das polícias municipais e das forças de segurança; determinar com muito maior precisão o próprio estatuto e as regras disciplinares das polícias municipais; estabelecer as regras claras de coordenação entre as polícias municipais e as forças de segurança; libertar as forças de segurança de tarefas menores e permitir-lhes, assim, uma muito maior eficácia; ajudar os municípios no desempenho efectivo das suas funções e, logo, no cumprimento de regras regulamentares que todos os dias precisam de ser aplicadas e que muitas vezes não são tornando obsoletos os regulamentos porque não há forma coerciva de pô-las em prática; numa palavra, melhorar a vida dos cidadãos nesta matéria de segurança.
Assim sendo e como é de esperar, porque é uma iniciativa nossa, votaremos favoravelmente este diploma e esperamos da parte da oposição, coerentemente da parte do PS tendo em conta as suas iniciativas passadas mas, porventura, também das outras bancadas, que vote a favor deste diploma para que seja aprovado. O País ficará a ganhar com isso!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas, dispondo de tempo cedido pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr.ª Presidente, não pretendo fazer uma intervenção, é mais uma interpelação à Mesa, uma vez que não queria que ficasse reproduzida não fidedignamente a posição do CDS-PP assumida no passado e queria ler aqui a sua posição de forma a que, repito, o Sr. Deputado não possa depois vir acusar-me de não a ter reproduzido fidedignamente e fora do contexto.
Ora, dizia o Deputado do CDS-PP: "Julgo que precisamente a circunstância de no articulado deste diploma (…)" - o diploma que se discutia então - "(…) se atribuir aos senhores presidentes de câmara não a mera tutela das polícias municipais mas um autêntico comando operacional em conjunto com o representante do Governo cria, de facto, uma preocupação real, uma preocupação séria de que os senhores presidentes das câmaras se tornem realmente autênticos chefes de mesnadas medievais, como se já

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não bastassem os poderes excessivos que o órgão individual presidente da câmara já tem no nosso ordenamento jurídico". Era esta a posição do CDS-PP!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vitalino Canas, pedi a palavra para, ainda que brevemente, dizer que o Sr. Deputado poderia ter citado a data precisa dessa intervenção, pois relevava para o debate, e para esclarecer, como já tentei, que essa intervenção se refere não às polícias administrativas mas aos tais "xerifes" que o Partido Socialista então queria e que hoje parece que o Sr. Deputado José Saraiva quer…

Protestos do PS.

Gostaria também de dizer que, entretanto, de lá para cá, houve experiências que a todos nós nos permitem aprofundar aquilo que não podíamos conhecer na altura.
As polícias municipais exercem a sua actividade há cerca de quatro anos e só hoje conseguimos fazer um balanço dessa actividade. Eu sei que os senhores costumam fazer balanços antecipados, mas nós não temos essa capacidade, não temos dons premonitórios.
Por outro lado, há, inclusivamente, os conselhos municipais de segurança que, como sabe, funcionam numa lógica municipal, com intervenção do presidente de câmara e onde têm assento representantes de várias entidades que trouxeram a esta lógica de coordenação fórmulas novas que na altura não eram ponderáveis.
E a verdade é que os conselhos municipais de segurança, com regulamentos aprovados em assembleias municipais por esse País fora, têm dado em muitos casos, como por exemplo o do meu concelho, Vila Nova de Famalicão, muito boa prova disso e permitem-nos ter também fundamentadas esperanças de que esta coordenação…

Risos do PS.

É porque o Sr. Deputado Vitalino Canas tentava passar a esta Câmara a ideia - como, aliás, também há pouco, julgo, o Sr. Deputado António Filipe tentou fazer… - de que com essa intervenção do presidente de câmara se pretendia que ele tutelasse as forças de segurança, quando não é nada disso que está previsto!! Mas, como é evidente, se há áreas específicas de actuação que podem, de forma conexa, implicar a intervenção de forças de segurança e de polícias municipais, sendo essas polícias municipais, impõe-se que na coordenação o presidente da câmara esteja presente como está presente nos ditos concelhos municipais de segurança.
Portanto, isso não deve causar qualquer tipo de temor ao Partido Socialista agora tal como parece que não causou no passado!!
Ou seja, os senhores deveriam era estar satisfeitos, até por razão de coerência, com esta fórmula, porque esta fórmula, ao que parece, é aquela que o Sr. Deputado Vitalino Canas defende. Mas não! Quando estavam no poder se nós criticávamos a fórmula "ela era boa", mas agora, como estão na oposição, se nós defendemos a fórmula "ela passa a má" pela simples circunstância de não serem os senhores a apresentá-la.
Isso é uma atitude completamente perversa. Nós fazemos opções políticas em razão da bondade das iniciativas e cremos que esta é uma boa iniciativa para os cidadãos, por isso queremos pô-la em prática e, esperamos, com o vosso voto.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da apreciação do projecto de lei n.º 366/IX, pelo que passamos de imediato à discussão do projecto de resolução n.º 42/IX - Suspensão da cobrança ou redução do valor das portagens em casos especiais (PSD).
Para apresentar o projecto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é discutido um projecto de resolução que visa promover a suspensão de cobrança ou redução do valor das portagens em casos especiais, sublinho, em casos especiais.
Este projecto de resolução baseia-se num outro apresentado na anterior legislatura pelo Grupo Parlamentar

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do PSD e procura responder a situações muito particulares que ocorrem e que são certamente penalizadoras dos utentes das auto-estradas. Todos conhecemos situações de obras que, por se arrastarem de uma forma muito acentuada, prejudicam claramente os utilizadores dessas vias.
Ou seja, um utilizador de auto-estrada paga um serviço de qualidade superior através de uma portagem, mas, depois, há um conjunto de restrições e limitações que evitam e impedem o usufruto das condições de segurança, mobilidade e velocidade que era suposto disponibilizar.
Quando se reclama por uma aproximação ao princípio do utilizador/pagador é inevitável reforçar para o futuro e quando possível nas revisões das bases das actuais concessões, as garantias e as obrigações que levam à existência de mecanismos de compensação quando há uma degradação da qualidade do serviço prestado de uma forma prolongada.
Igualmente urge fazer chegar o uso da informação electrónica através de painéis informativos, estrategicamente situados em locais que permitam o acesso a vias alternativas, permitindo aos utilizadores das auto-estradas evitarem as situações de maior congestionamento de trânsito ou de bloqueio da circulação.
Algumas das situações de congestionamento podem ser igualmente prevenidas com um adequado uso da informação dos actuais painéis electrónicos ou por recurso a outros meios de comunicação como, por exemplo, o telemóvel, onde pode ser prestado em tempo útil informação sobre as restrições ao trânsito, mas algo mais terá de ser feito.
Assim propomos: consagrar o princípio da suspensão da cobrança ou alteração do valor de portagens devidas pela circulação em lanços de auto-estrada onde se realizem obras ou trabalhos cuja duração seja superior a 60 dias, desde que impliquem supressão ou estreitamento de vias ou de bermas, nomeadamente em situações em que haja evidente redução da qualidade de serviço prestado.
Um segundo objectivo é a colocação de painéis electrónicos de informação variável nas auto-estradas em locais que proporcionem o acesso a vias alternativas, informando da existência de obras ou trabalhos que impliquem supressão de vias ou de bermas, sempre que das mesmas possa resultar prejuízo assinalável para a fluidez ou segurança do trânsito, neles se indicando, de forma actualizada, a extensão das filas de trânsito eventualmente existentes e a previsão de tempo do seu escoamento.
Ao aprovarmos estas recomendações ao Governo, elas poderão ter uma tradução prática na definição das bases das novas concessões de auto-estradas bem como em momentos em que se promova a alteração das bases das actuais concessões das auto-estradas.
O objectivo destas recomendações não é agravar o custo e os encargos do Estado com as concessionárias das auto-estradas mas, sim, tornar mais clara e transparente a necessidade de as concessionárias destes serviços demonstrarem aos seus utilizadores que o princípio do utilizador/pagador é uma realidade nestas situações. Existem direitos, mas também deveres de qualidade de serviço prestados pelas concessionárias a quem o Estado confiou estas tarefas.
Estas recomendações irão permitir, no futuro, que, em obras de duração superior a 60 dias ou quando houver redução significativa da qualidade de serviço prestado, haja uma redução ou mesmo suspensão de cobrança de portagens.
Não pode ser o cidadão penalizado nestas situações. É tempo de reforçarmos os actos de cidadania e esta é uma boa proposta que terá de ser aplicada de boa-fé e com a colaboração de todos, concessionários, Estado e utentes, porque o que está aqui em causa é, de facto, os direitos dos cidadãos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Teixeira Lopes.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O princípio enunciado neste projecto de resolução parece-nos correcto, sobretudo atendendo à razão de ser da introdução das portagens numa óptica de transportes e não exclusivamente numa óptica financeira.
Essa óptica de transportes reside num princípio bem claro: o de pagar portagens para introduzir um mecanismo de selecção no acesso a uma determinada infra-estrutura de forma a garantir um certo nível de qualidade do serviço prestado, o qual será medido, no essencial, pelas condições de segurança, pela garantia de fiabilidade e regularidade na circulação e, naturalmente, pela maior velocidade nessa circulação.
A portagem é, no sentido económico, uma taxa de utilização, ou uma taxa de uso, como contrapartida devida pela prestação daqueles serviços e naquelas condições. Ora, esse princípio fundamenta-se num outro, este de natureza económica mais geral, que tem a ver com as regras de determinação dos bens e serviços.
Os bens e serviços, é sabido, têm este ou aquele preço em função das características e do grau de

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satisfação que induzem no consumidor. Mas quando essas características não estão presentes ou deixam de apresentar as condições necessárias ao seu usufruto (como é o caso da degradação), tal induz não à satisfação mas, sim, a uma degradação dos próprios padrões de consumo, o que, segundo as lógicas da formação de preços do mercado, deveria implicar uma redução de preço correspondente a esse grau de insatisfação ou de inutilidade.
Concordamos, pois, com o princípio. No entanto, permitam-me tecer algumas considerações de crítica em relação ao projecto.
Em primeiro lugar, o princípio a introduzir deveria ser relacionado não de acordo com o critério apontado de realização de obras "que impliquem supressão ou estreitamento de vias ou bermas" mas, sim, com o de tempo de atraso, qualquer que seja a natureza das obras ou dos trabalhos.
Em segundo lugar, a concretização desse princípio deveria ser o da suspensão da cobrança e da alteração automática do valor das portagens devido sempre que se realizem obras ou trabalhos que impliquem a ocorrência de tempos de atraso, qualquer que seja a natureza dos trabalhos e a sua duração.
A introdução desse mecanismo automático de redução da portagem deveria ser anunciado em painéis electrónicos de informação, colocados na própria via, tendo por referência uma estimativa do tempo de atraso. Excluem-se deste princípio, é claro, os atrasos motivados por ocorrências excepcionais, como, por exemplo, acidentes.
Em terceiro lugar, a redução da portagem deveria ser proporcional à distância percorrida pelos veículos na infra-estrutura em questão. Por exemplo, se a intervenção na infra-estrutura corresponde a um troço equivalente a 10% do total da distância percorrida por um determinado veículo, então a redução da portagem deveria ser automaticamente fixada em 10% do valor normal, de acordo, como é óbvio, com a classe do veículo.
Por último, haverá que definir limites de suspensão automática da portagem quando a velocidade admissível não se coaduna com as características iniciais da via. É o caso de todas as situações, infelizmente muito frequentes, em que os veículos, por exemplo, numa auto-estrada, são obrigados a reduzir a velocidade de circulação para um limite máximo - suponhamos - de 60 km. Quando tal vier a acontecer, deverá vigorar nesse troço o princípio da suspensão da portagem, efectuando o seu desconto automático aquando do respectivo pagamento na portagem de saída.
Em suma, este parece-nos ser um projecto de resolução que aponta num sentido positivo e iremos apoiá-lo. Pena é que não sejam introduzidas melhorias que aqui sublinhámos e pena é, também, que ele não se aplique - infelizmente - às auto-estradas que já estão em funcionamento mas apenas aos futuros contratos de concessão. E fala um frequentador da A1, que muito tem sofrido com o troço dos Carvalhos, como tantos outros da Área Metropolitana do Porto ou que se queiram deslocar ao Porto.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Helder Amaral.

O Sr. Helder Amaral (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução n.º 42/IX, que hoje discutimos e que consideramos positivo, sobre a suspensão ou redução da cobrança do valor de uma portagem em casos especiais, merece-nos alguns comentários.
As auto-estradas têm um papel essencial e decisivo no reforço da mobilidade e na organização da rede viária - são um bem precioso e, infelizmente, ainda não em número suficiente. É, em grande parte, pela elevada rapidez nas deslocações e pelo maior escoamento do trânsito automóvel que as auto-estradas favorecem o combate aos fenómenos de congestionamento de determinadas regiões e eixos.
Nos nossos dias, estes congestionamentos ganham especial importância quando se tornam decisivos para se vencer a batalha da competitividade e da produtividade económica - e tão importantes que elas são para o País!
As auto-estradas, pelas especiais características técnicas a que obedecem, nomeadamente no que diz respeito à sinalização, ao pavimento e à segurança, obrigam à execução permanente de obras de conservação e de beneficiação, de forma a manter as específicas condições de conforto e segurança de quem nelas circula, de quem nelas pagou para circular.
Existem, no entanto, diferentes tipos de obras, diferentes tipos de intervenção numa rodovia que, naturalmente, causam, a quem as utiliza, transtornos em diferentes graus.
Há obras de conservação normais, de curta duração, que pouco ou nada afectam a fluidez do trânsito e as condições de segurança e aquelas que, quer pela sua extensão quer pelo longo período de tempo que duram, exigem especiais formas de protecção dos condutores.
Ora, as obras mais profundas, digamos assim, alteram de forma substancial as condições de velocidade e segurança inerentes a uma auto-estrada, alterando aquilo que são as suas características básicas. E esta alteração, na nossa opinião, tem naturalmente que ter uma consequência no valor da portagem a

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pagar. O valor da portagem reflecte as condições de segurança e mobilidade que uma auto-estrada normalmente oferece. Se essas condições, as básicas, forem drasticamente alteradas, o valor da portagem tem, como é óbvio, de ser também alterado.
Trata-se de uma questão de boa fé e, deixem-me que vos diga, de justiça.
O projecto de resolução que agora discutimos refere, na sua exposição de motivos, como exemplo, o caso das obras efectuadas na A1, no troço entre Santa Maria da Feira e os Carvalhos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - Foram, durante longos meses, vários quilómetros de obra onde a velocidade máxima foi substancialmente reduzida (para 60 km/h) e onde foram drasticamente diminuídos os parâmetros de segurança daquele lanço.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Exactamente!

O Orador: - É um bom exemplo - exemplo que também testemunhei durante longos meses e diariamente.
Hoje, já com as obras terminadas, com as condições de segurança e de circulação normais repostas, o valor da portagem é exactamente igual àquele que se pagava enquanto decorreram as obras.
Assim, e através deste projecto de resolução, recomenda-se que o Governo promova junto das entidades concessionárias de auto-estradas a alteração das bases das concessões para que nelas fiquem consagradas a suspensão da cobrança ou a alteração do valor das portagens devido pela circulação em lanços de auto-estrada onde se realizem obras cuja duração seja superior a 60 dias, desde que essas mesmas obras impliquem supressão ou estreitamento de vias ou de bermas. Recomenda-se também que seja sempre colocada sinalização que proporcione a informação da existência de obras e/ou do acesso a vias alternativas.
Como tal, e porque achamos que se trata de uma questão de justiça, aprovaremos este projecto de resolução.
Para terminar, queria referir que, independentemente de tudo, consideramos que este pode ser um bom factor para que as obras sejam aceleradas e que a sua conclusão, em muitos casos, decorra em períodos mais curtos. Também por esse motivo, gostaríamos de dar o nosso consentimento a este projecto de resolução.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por fazer uma referência prévia fundamental neste debate: torna-se cada vez mais evidente que a política de portagens que tem vindo a ser seguida ao longo dos anos no nosso país está muito longe de corresponder ao que seria admissível e exigível para as populações e para o desenvolvimento sustentável.
É no mínimo desajustado e ilegítimo que, nos termos actuais, se procure apresentar as portagens como sendo parte de uma política coerente de mobilidade. E é de todo inaceitável que uma política de portagens à margem de toda essa dimensão esteja assente no pressuposto não da mera retribuição de um serviço prestado mas, sim, da procura de financiamento para novos investimentos. Desgraçadamente, tem sido essa a política de sucessivos governos.
O que observamos está longe de ser um instrumento coerente, integrado, numa perspectiva de regulação de tráfego, muito menos numa articulação com um investimento efectivo para um sistema de transportes e acessibilidades que cumpra com eficácia o seu papel social e económico.
O que observamos é uma política de transportes e mobilidade em que impera o casuísmo, o economicismo, a opção de classe em favorecer os grupos económicos concessionários e a sua estratégia de maximização do lucro.
Os investimentos para o próximo ano foram revistos em baixa. Já os valores das portagens, esses, mais uma vez, aumentaram (e mais uma vez aumentaram acima da inflação anunciada pelo Governo).
Não é por isso de espantar que, hoje mesmo, tenhamos ficado a saber que a Brisa, que tanto ficou a ganhar com a reintrodução das portagens na CREL, aí está com os melhores resultados dos últimos anos na Bolsa de Valores de Lisboa. Assim se comprova o que dizemos: que com esta política do Governo há certas "portas" a quem a crise não bate…!

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Entretanto, o que vemos da parte do Governo e da maioria de direita não é ainda a disponibilidade para um debate aprofundado sobre a política de portagens e as várias dimensões em que esta se integra. O que vemos é a opção reiterada em manter e agravar os traços essenciais desta política de portagens, com tudo o que ela implica em termos da profunda penalização das populações.
É esta a questão central que ficou demonstrada de modo flagrante na forma como o Governo reintroduziu, como já referimos, as portagens na CREL, como que dizendo: "os utentes que paguem a crise". Ou na forma como o Governo mantém essa inqualificável discriminação territorial sobre a margem sul do Tejo, com o injusto regime de portagens na Ponte 25 de Abril, que já está paga, mais do que paga, e que continua a não apresentar aos seus utentes qualquer alternativa viária gratuita, nem boa nem má - nenhuma! Ou ainda com a perspectiva de rebaptizar vias estruturantes do Plano Rodoviário Nacional, para que o Governo lhes possa colocar portagens, contra tudo o que se previa, comprometendo as funções de descongestionamento que lhes eram apontadas.
Aliás, disso mesmo demos nota há pouco, neste Hemiciclo, quando ficámos a saber que, na região do Grande Porto, o IC24 passou a ser A41 e o IC2 passou a ser A32. Estejamos atentos para os próximos episódios deste enredo, incluindo a tão badalada "concessão da Grande Lisboa"…
Entretanto, iniciativas como a que agora discutimos, no sentido de recomendar ao Governo que consagre o princípio da suspensão da cobrança ou alteração do valor das portagens onde se realizem obras, são iniciativas que naturalmente acolhemos, ainda que (mesmo apreciadas de forma isolada no plano restrito a que pretendem responder) estejam aquém do que seria expectável nesta matéria.
De facto, temos assistido e passado por situações em que o concessionário leva a efeito trabalhos de conservação que deixam "de pantanas" a configuração e o perfil das vias, e em que o cidadão (que da portagem não se livra) é sujeito a autênticas gincanas, muitas vezes com o risco da sua própria segurança e da dos outros.
Nesta matéria, não podemos deixar de reconhecer que, caso isto se verifique durante dois meses seguidos, nos termos da proposta da maioria, nada acontece e fica tudo na mesma. Só a partir do dia seguinte à passagem desses dois meses é que o princípio será consagrado.
É preciso recordar, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que princípios são princípios e quando os reconhecemos não o podemos fazer dois meses depois. Ou valem ou não valem!!
Ou seja, no nosso entender, esta medida proposta pela maioria parlamentar, apesar de isolada e fragmentária, apesar de não responder ao problema de fundo, apesar de ficar aquém do que seria necessário, pode ser considerada um passo, e é nessa perspectiva que nos posicionamos, sem preconceitos, no debate da sua apreciação.
Mas fica o compromisso do PCP de que a nossa intervenção e a nossa luta continuarão ao lado das organizações de utentes e do poder local democrático, contra esta política de portagens, que tão injusta e penalizadora tem sido para as populações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Miranda.

O Sr. Luís Miranda (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD apresenta-nos um projecto de resolução para minimizar alguns dos efeitos negativos que as obras e outro tipos de trabalhos causam nas auto-estradas.
Consideramos positiva a iniciativa, contudo insuficiente. Insuficiente porque a Assembleia da República deveria legislar nesta matéria para que os direitos dos utentes fossem melhor salvaguardados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, a dignidade desta Casa permitir-nos-ia ir mais longe do que este simples projecto de resolução.
Não nos podemos esquecer de que, nesta matéria, o Governo e os partidos da maioria que o apoiam têm desenvolvido uma política algo errática com a reintrodução das portagens, com a apreciação que foi feita relativamente às SCUT e aos benefícios que estas trouxeram às regiões do interior. Por isso, deveria haver da nossa parte uma análise mais aprofundada da política de transportes e de mobilidade em que este tipo de medidas se pudesse inserir.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Apresentam-se, assim, isoladas e gostaríamos que este debate fosse encetado de uma forma séria e integrada, tendo em conta todos os problemas que existem no momento.
É correcto alterar o valor da portagem, dada a natureza da taxa, como compatibilidade do serviço.
Entendemos que podem ser dados passos positivos nesse sentido, de forma a que os utentes possam ver salvaguardados os seus interesses.
Relativamente às obras, deve ser tido em conta o tempo em que elas decorrem e a forma como decorrem. Neste aspecto, o Estado não se pode demitir de fiscalizar convenientemente as concessionárias e fazer exigências relativamente à maneira como elas decorrem e como é que os utentes podem ser menos prejudicados.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, pois, que os serviços de fiscalização deste tipo de trabalhos devem ser reforçados e o Estado tem a obrigação de garantir que os acessos se façam da melhor forma possível.
Entendemos, pois, como já referi no início, que esta iniciativa é positiva, embora insuficiente. Aguardamos também que os partidos da maioria e o Governo aprofundem este debate para que possamos, em sede da Assembleia da República, vir a desenvolver legislação neste sentido.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária da Assembleia da República terá lugar amanhã, pelas 15 horas, tendo como ordem de trabalhos, após um período de antes da ordem do dia, a discussão dos projectos de lei n.os 377/IX e 359/IX.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Proposta apresentada na Comissão de Economia e Finanças durante a discussão do Orçamento do Estado para 2004, enviada à Mesa para publicação e relativa a "Estudos para uma operação integrada de desenvolvimento do distrito do Porto"

Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente
Programa - Desenvolvimento e Dinamização do Potencial Endógeno das Comunidades Regionais e Locais
Medida - Desenvolvimento do Potencial Endógeno - CCDRN
Projecto - Estudos para uma Operação Integrada de Desenvolvimento do Distrito do Porto

Dotação - 1 000 000 euros
Contrapartida - Do Ministério das Obras Públicas, Transporte e Habitação
Do Projecto - Expropriações
Da Medida - Construção
Do Programa - Transportes Rodoviários

Assembleia da República, em 11 de Novembro de 2003.
Pelos Deputados do PS, do Porto, Renato Sampaio - Artur Penedos - Fernando Gomes - Jorge Strecht - Alberto Martins - Fernando Serrasqueiro.

Operação Integrada de Desenvolvimento do Distrito do Porto

O distrito do Porto, com 1782 milhões de habitantes, caracteriza-se por um dinamismo populacional forte, integrando a mais baixa população de idosos de todo o País (65 ou mais anos) em relação à população total. Entre 1991 e 2001, a população no distrito cresceu 9% enquanto no País aumentou 5% e o número de jovens entre os zero e os 14 anos por cada 100 residentes é o maior de Portugal.
Situando-se no centro de uma região que vai de Braga a Aveiro, onde domina a indústria transformadora constituída por pequenas e médias empresas, o distrito do Porto foi, até há poucos anos, uma região dinâmica com muito baixas taxas de desemprego. Contudo, a partir do primeiro trimestre de 2002 tem vindo a registar um forte crescimento nos índices de desemprego e a um ritmo tão acentuado

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que hoje um em cada quatro desempregados reside neste distrito.
Esta situação, pela sua gravidade, exige medidas excepcionais que impeçam a progressão negativa que tem vindo a verificar-se e que compromete as potencialidades de desenvolvimento que a têm caracterizado.
É a consciência da gravidade da situação económica e social que se vive no distrito que exige uma avaliação rigorosa dos meios e medidas necessários à sua correcção e à conjugação dos esforços possíveis de mobilizar. Para tanto, torna-se necessário proceder imediatamente à preparação de uma operação integrada de desenvolvimento que congregue as diferentes vertentes capazes de contribuírem para a solução do problema.
Assim, no sentido de assegurar a valorização da actividade produtiva e da capacidade empresarial existentes, bem como os níveis de educação e formação profissional, tendo em vista o aumento do emprego, propõe-se que durante o ano de 2004 se proceda à preparação de uma OID para o distrito do Porto, envolvendo os agentes sociais e autárquicos, além dos departamentos estatais, para o que se consiga o montante de 1 milhão de euros ao Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que ficará responsável pela elaboração dos necessários estudos, através da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte.
Os meios agora consignados à OID transitarão da rubrica "Expropriações - Distrito do Porto", medida "Preparação e acompanhamento de obras", projecto "Expropriações", afecto ao MOPTH-IEP.

Assembleia da República, 12 de Novembro de 2003.
Os Deputados, Renato Sampaio - Fernando Gomes - Jorge Strecht - Artur Penedos - Alberto Martins.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Fernando Ribeiro Moniz
João Rui Gaspar de Almeida
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Manuel de Medeiros Ferreira
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
José Manuel Pereira da Costa

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Fernando Pereira Serrasqueiro

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José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Carlos Correia Mota de Andrade
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Manuel Capoulas Santos

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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