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Sexta-feira, 12 de Março de 2004 I Série - Número 62

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE MARÇO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 119/IX, do projecto de lei n.º 231/IX, das apreciações parlamentares n.os 74 e 75/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Presidente leu o voto n.º 140/IX - De protesto contra os atentados terroristas perpetrados em Madrid e de solidariedade para com as Cortes Espanholas e através delas a Espanha e a todos os espanhóis. Usaram da palavra os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Bernardino Soares (PCP), António Costa (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Francisco Louçã (BE) e Telmo Correia (CDS-PP), e ainda o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes) e o Sr. Presidente.
Seguidamente, a Câmara aprovou o voto n.º 140/IX por unanimidade e aclamação.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) trouxe à colação as consequências da gestão privada da água, dando como exemplo o que se passa com os cortes no abastecimento de água na aldeia de Carvalhal (Tondela). Depois, deu resposta aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Marco António Costa (PSD) relembrou o 11 de Março de 1975 e apelou ao PS para que, no actual período de revisão constitucional, adira às propostas do seu partido, tendo, no fim, respondido aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Victor Ramalho (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) falou das privatizações anunciadas pelo Primeiro-Ministro no último debate mensal com o Parlamento e da situação económico-financeira da TAP. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD) e Miguel Coelho (PS).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) condenou as posições dos partidos da actual maioria relativamente ao 25 de Abril e aos factos ocorridos após 11 de Março de 1975. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimentos do Sr. Deputado Marco António Costa (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) falou acerca do simbolismo da marcação, pela CGTP-Intersindical, de uma jornada de luta para o dia de hoje, tendo lembrado algumas decisões políticas tomadas após o 11 de Março de 1975. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento do Deputado António Nazaré Pereira (PSD) e deu explicações ao Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), que exerceu o direito de defesa da consideração da bancada.
Finalmente, em declaração política, a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho (PS) condenou a assinatura de um convénio entre a ANACOM e os CTT relativo aos critérios de avaliação da qualidade dos serviços prestados pelos CTT. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho (PSD) e Bruno Dias (PCP).

Ordem do dia. - Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde - CNS (PS) e 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de

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24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde (PS). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados João Rui de Almeida (PS), Clara Carneiro e José Manuel Pavão (PSD), Rosalina Martins (PS), Bernardino Soares (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Afonso Candal (PS).
Foi aprovado o voto n.º 137/IX - De pesar pelo falecimento do ex-Bastonário da Ordem dos Advogados José Manuel Coelho Ribeiro (PSD), tendo a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foram igualmente aprovados os votos n.os 139/IX - De congratulação pelos bons resultados obtidos pelos atletas portugueses no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste (PSD) e 141/IX - De saudação aos atletas Naide Gomes e Rui Silva, bem como aos seus técnicos e dirigentes, pelos resultados alcançados no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste (PS). Proferiram intervenções os Srs. Deputados Ribeiro Cristóvão (PSD), Laurentino Dias (PS), Bruno Dias (PCP), Francisco Louçã (BE), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Sobre os votos n.os 136/IX - De protesto pelos acontecimentos ocorridos, durante um jogo de futebol, em Marco de Canavezes (PS), que foi rejeitado, e 138/IX - De protesto pelos comportamentos incorrectos de vários agentes ligados ao futebol, apelando ao empenhamento de todos na promoção da boa ética desportiva (PSD e CDS-PP), que foi aprovado, pronunciaram-se os Srs. Deputados Vitalino Canas (PS), Melchior Moreira (PSD), António Filipe (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) - que, em interpelação à Mesa, também solicitou a votação de uma proposta de alteração, apresentada pelo BE e admitida pela Mesa, ao voto n.º 138/IX, que não foi aceite - e Laurentino Dias (PS).
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 109/IX - Regulamenta a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
Também mereceu aprovação, na generalidade, a proposta de lei n.º 111/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores.
A Câmara aprovou um requerimento, apresentado pelo CDS-PP, de baixa à 1.ª Comissão, sem votação, e por um período de 90 dias, do projecto de lei n.º 229/IX - Tipifica o crime da mutilação genital feminina (CDS-PP).
A proposta de lei n.º 112/IX - Estabelece o Estatuto do Administrador da Insolvência, mereceu aprovação na generalidade.
Foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde - CNS (PS) e 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde (PS).
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética autorizando dois Deputados do PS e um do BE a deporem, como testemunhas, em tribunal.
Por último, foi apreciado o Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, que cria a Entidade Reguladora da Saúde [apreciações parlamentares n.os 66/IX (PCP) e 68/IX (PS)], tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (Carlos Martins), os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Luís Carito (PS), Patinha Antão (PSD), Alda Sousa (BE), Miguel Paiva (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alberto Pedro Caetano
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira

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José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Luís Santos da Costa
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia

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Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

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Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, hoje, passam alguns minutos da hora regimental de iniciarmos os nossos trabalhos, mas o motivo é justificado, pois estive a recolher as assinaturas indispensáveis para um voto de protesto e de solidariedade, que entendo absolutamente imprescindível que seja apreciado no início desta sessão plenária, em relação aos terríveis acontecimentos desta manhã em Madrid.
Antes, porém, peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 119/IX - Aprova o Estatuto do Mecenato Científico e altera o Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, que baixou às 5.ª e 7.ª Comissões; projecto de lei n.º 231/IX - Elaboração do Plano Nacional de Saúde Ambiental e do Plano Nacional Água e Saúde (Os Verdes); apreciações parlamentares n.os 74/IX - Do Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro, que "No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto, aprova o Estatuto do Notariado", e 75/IX - Do Decreto-Lei n.º 27/2004, de 4 de Fevereiro, que "No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto, cria a Ordem dos Notários e o respectivo Estatuto".
Foram apresentados na Mesa vários requerimentos.
Nas reuniões plenárias de 3, 4 e 5 e no dia 8 de Março: ao Ministro da Presidência e ao Ministério da

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Defesa Nacional, formulados pelos Srs. Deputados Eduardo Moreira, Maria Santos e António Filipe; à Ministra de Estado e das Finanças e aos Ministérios da Segurança Social e do Trabalho, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, da Educação e da Ciência e do Ensino Superior, formulados pelos Srs. Deputados José Augusto de Carvalho, Carlos Luís, Bernardino Soares, Isabel Castro, Clara Carneiro e Teresa Venda; ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Luís Miranda; ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, aos Ministérios da Administração Interna e das Finanças e à Secretaria de Estado da Juventude e Desportos, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Coelho, António Galamba e Lino de Carvalho; aos Ministérios da Saúde, da Economia, da Administração Interna, das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, das Obras Públicas, Transportes e Habitação e das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Bruno Dias, Honório Novo, Fernando Cabral e Fernando Serrasqueiro; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário; aos Ministérios da Justiça e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Mota Andrade; às Secretarias de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, ao Instituto Nacional da Água, ao Serviço de Protecção Civil do Algarve e a diversas câmaras e assembleias municipais, formulados pelo Sr. Deputado Miguel Paiva; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação e a diversas câmaras, formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco; a diversas câmaras, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
Entretanto, o Governo respondeu a requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados. Nos dias 12 a 16 de Fevereiro: Maria Manuela Aguiar, Luísa Mesquita, Maria de Belém Roseira, Carlos Luís, Artur Penedos, Eduardo Moreira, Heloísa Apolónia, José Magalhães, António Galamba, José Apolinário, Isabel Castro, Miranda Calha, Jerónimo de Sousa, Manuel Oliveira, Honório Novo e Carlos Alberto Gonçalves.
No dia 18 de Fevereiro: Maria Santos, Paulo Batista Santos, Luísa Mesquita, António Braga, José Junqueiro e Honório Novo.
No dia 19 de Fevereiro: Narana Coissoró.
Foram ainda respondidos, nos dias 12 a 25 de Fevereiro, requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Manuel Oliveira, Fernando Cabral, Luís Miranda, Diogo Feio e Herculano Gonçalves.
Em matéria de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, peço a atenção da Câmara, porque vou ler o texto do voto n.º 140/IX - De protesto contra os atentados terroristas perpetrados em Madrid e de solidariedade para com as Cortes Espanholas e através delas com Espanha e todos os espanhóis (Presidente da AR, PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes), que é do seguinte teor:
"Os atentados terroristas, esta manhã perpetrados em Madrid, matando e ferindo centenas de inocentes cidadãos comuns, causam a mais veemente indignação e repulsa em todas as pessoas de bem.
Estando a decorrer um processo eleitoral em Espanha, os promotores e autores de tamanha barbaridade declaram-se contra a Democracia e, portanto, também contra a Liberdade - e caiem sob a universal condenação do terrorismo.
Nesta hora de horror e de revolta, aos democratas do Mundo inteiro incumbe proclamar que, contra todos os seus inimigos, a Democracia vencerá!
A Assembleia da República, em nome de todo o Povo Português, que legitimamente representa, exprime a sua firme solidariedade para com as Cortes Espanholas e através delas a Espanha e a todos os espanhóis.".
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho a certeza de que todos nos revemos no voto que o Sr. Presidente elaborou e que todos os presidentes dos grupos parlamentares subscreveram, como tenho a certeza de que todos nos vamos rever nas palavras que iremos aqui proferir.
Quando se atenta contra vidas humanas inocentes, seja em que parte do mundo for, todos sentimos o mais profundo sentimento de revolta e de condenação. Mas quando estes actos de barbárie acontecem aqui mesmo ao nosso lado, no país nosso vizinho, quando acontecem numa Europa que tem uma história e que é depositária de valores humanistas universais, estes atentados tocam ainda mais fundo na alma de cada um de nós.
Não podemos deixar de condenar, com toda a veemência, este acto cobarde e hediondo que afronta os nossos valores civilizacionais e que não pode deixar de merecer o mais firme repúdio de todos aqueles que amam a liberdade e a democracia. E se, em qualquer momento e lugar, é inaceitável que este tipo de acontecimentos e de actos se verifiquem, nesta data, em que a Espanha vive o momento mais relevante que a Democracia pode viver, que é o do exercício de um acto eleitoral, de uma campanha para o exercício de um acto eleitoral, estes actos têm o significado que o Sr. Presidente leu no voto que

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elaborou: são atentados contra a Democracia!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São atentados contra aquela que é a forma mais adequada que até hoje se encontrou para organizar as sociedades livres e, portanto, são atentados contra cada um de nós!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta ocasião difícil para a Espanha, quero expressar, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, às vítimas, às suas famílias, às autoridades espanholas e ao povo espanhol, toda a nossa solidariedade e uma condenação de todas as formas de terrorismo e de todos aqueles que apoiam qualquer forma de terrorismo, seja ela qual for. Não há justificação para qualquer acto terrorista!

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Que cada um de nós proclame aqui, bem alto, que pensa e exige que, no futuro, não haja mais actos desta natureza!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, gostava de assinalar a presença, na tribuna do Corpo Diplomático, do Sr. Embaixador de Espanha em Lisboa, a quem comuniquei que o Parlamento iria tomar posição sobre estes actos tão chocantes no início da sessão plenária e a quem apresento os meus cumprimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos e subscrevemos inteiramente o voto que o Sr. Presidente da Assembleia nos propôs e nos trouxe, para, hoje, ser aqui discutido e votado.
Os acontecimentos terroristas de hoje, em Madrid, deixaram-nos, a todos, num profundo estado de consternação perante tão horrível tragédia, cuja dimensão é enorme, com a perda de numerosas vidas humanas, havendo quase um milhar de feridos e a evidente insegurança e estado de choque em que se encontram as populações de Espanha.
Foram milhares de pessoas indefesas, que se deslocavam para os seus trabalhos ou para os seus afazeres diários, o alvo escolhido para estes actos criminosos inqualificáveis e que nos motivam uma mais do que justificada revolta.
O brutal e criminoso atentado terrorista que motivou esta tragédia exige total repúdio e condenação sem reservas, sejam quem forem os responsáveis, que devem ser punidos pelos seus actos.
Neste momento difícil, nesta hora de grande tristeza, queremos enviar a nossa profunda solidariedade e os sentimentos de profundo pesar às vítimas e seus familiares, bem como a todo o povo espanhol.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acordámos, hoje, sobressaltados com o bárbaro e chocante atentado em Madrid.
O primeiro sentimento que quero exprimir é de pesar pelas vítimas dos atentados, de solidariedade com o Reino de Espanha, na pessoa do seu Embaixador, e com todos aqueles que, em Espanha, hoje, sofrem a dor desta violência bárbara do terrorismo.
À hora a que falamos, desconhecemos culpados e fundamentos, mas pouco importam, nesta hora, os culpados e os fundamentos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não há terrorismo bom, não há terrorismo tolerável! Todo o terrorismo é intolerável e hediondo e, quaisquer que sejam o seu autor e a sua causa, só pode merecer de nós a mais viva repulsa.

Vozes do PS, do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Este dia 11 de Março lembra-me outros dias 11, designadamente o dia 11 de Setembro, em que, com igual brutalidade, vítimas inocentes foram atingidas e as suas vidas ceifadas pelo terrorismo.
A quatro dias de eleições, estes atentados não podem deixar de ter também o significado profundo daquele que é o grande ódio do terrorismo: o ódio à Democracia e à Liberdade. Merecem, também por isso, particular censura.

Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Desconhecemos a causa deste atentado ou os seus autores, sabemos que, infelizmente, não é o primeiro atentado que ocorre em Espanha e sabemos também que, como País vizinho, com uma extensa fronteira, Portugal tem um especial dever de solidariedade, que sempre tem mantido, com a Espanha e com todos os espanhóis, na sua luta contra o terrorismo. É esse compromisso de solidariedade que, também hoje e aqui, devemos reafirmar, seja quem for o autor deste atentado, seja quando for que um novo atentado e uma nova ameaça terrorista perpassem sobre todos nós.
O terrorismo é, hoje, uma das mais graves ameaças internacionais e contra ele só uma resposta pode ser dada pelas Casas da Democracia: o combate firme, determinado e sem tréguas a qualquer forma de terrorismo que ameace a Democracia e a Liberdade das pessoas.

Vozes do PS, do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perplexidade, repulsa e horror foram, seguramente, os sentimentos que os brutais acontecimentos desta manhã, em Madrid, suscitaram.
Os povos de Espanha estão de luto, mas estão de luto também a Liberdade e a Democracia, porque, em nosso entendimento, nada pode justificar o uso da força, a violência e a morte de inocentes, como forma de defender o que quer que seja.
Por isso, hoje e agora, aquilo que queremos afirmar é a nossa solidariedade para com as vítimas, para com os milhares de inocentes e as suas famílias, que foram ceifadas brutalmente neste acto irracional. Aquilo que queremos manifestar, através do Sr. Embaixador de Espanha, é a nossa solidariedade para com os povos de Espanha, aquilo que queremos desejar é que a Democracia e a Liberdade triunfem, contra todas as formas de opressão que o terrorismo, em todos os domínios, acaba sempre por ser.

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A História contemporânea está rasgada por grandes tragédias e a História de Espanha também. Há muitos anos atrás, quando a ditadura fascista assentava arraiais em Espanha, um dos seus epígonos tornou-se célebre por uma frase, por um grito, que era "Viva la muerte!". "Viva la muerte!" foi, desde então, em todas as línguas do mundo, a língua universal dos canalhas.
"Viva la muerte!" foi o que se ouviu hoje em Madrid. E a dimensão inacreditável deste atentado não tem memória na Europa, a não ser há muitos anos atrás, em 2 de Agosto de 1980, quando 87 pessoas foram vitimadas por uma bomba colocada na gare ferroviária de Bolonha.
Muitos atentados, muitos actos terroristas, muita violência marcou as democracias europeias e, entre elas, a Espanha, mas não se tinha conhecido, neste período de várias décadas, nenhum terror da dimensão que hoje tivemos em Espanha. Por isso mesmo, este voto condenando o massacre, os seus autores, quaisquer que eles sejam, desejando que os mesmos sejam identificados, julgados e condenados pela força da lei e pelo critério da Democracia exprime o sentido de pesar, a preocupação e a solidariedade unânime da Assembleia da República.
Quero transmitir ao Sr. Embaixador, que aqui representa o Governo e o Estado espanhol, os sentimentos de preocupação e de pesar, bem como as condolências, que esta bancada dirige a todas as vítimas e aos seus familiares, em Espanha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Embaixador, Sr.as e Srs. Deputados: As nossas primeiras palavras no dia em que Madrid e Espanha viveram o seu 11 de Setembro são, obviamente, de consternação, de dor e de revolta. O nosso primeiro gesto tem de ser o de nos curvarmos perante as vítimas e as suas famílias, mas também perante o esforço que a esta hora, no momento em que aqui

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falamos, as autoridades espanholas e muitos anónimos fazem para salvar ainda algumas dessas vidas.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro e Sr. Embaixador, quero sublinhar que este atentado ocorre num país vizinho, numa nação amiga, contra um povo irmão. Isto é, obviamente, fundamento de particular sensibilidade da nossa parte.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É importante que esta Assembleia vote hoje, de uma forma unânime, esta condenação do terrorismo, como seria importante, do nosso ponto de vista, que amanhã - trata-se de uma sugestão, Sr. Presidente - nos associássemos à evocação que, como o Sr. Embaixador de Espanha anunciou, a Embaixada realizará em Lisboa.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Que toda a Assembleia se associe a essa evocação.
A questão do terrorismo não é uma questão interna do Estado espanhol, não é uma questão da Europa mas, sim, uma questão da Civilização, de todos os democratas e, nesse sentido, também nossa.
Sr. Presidente, gostaria, de resto, de sublinhar, neste momento, que se falamos de consternação é preciso falar também de firmeza e de solidariedade. O combate contra o terrorismo não permite nenhuma ambiguidade nos conceitos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não há terrorismo desculpável, nem pode existir ambiguidade na ligação que fazemos a qualquer dos seus braços políticos ou em equiparações com a legitimidade do Estado democrático de se defender e de combater esse mesmo terrorismo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Terminaria, Sr. Presidente, lembrando palavras que foram ditas nesta Câmara numa sessão histórica: "Refiro-me à violência terrorista, contra a qual não se devem permitir fissuras ou matizes. Nós, os democratas, temos de permanecer firmemente unidos na defesa do sistema de valores que partilhamos, na garantia dos direitos humanos e âmbito da privilegiada liberdade e prosperidade que a tanto custo lográmos alcançar. Como democratas que somos não podemos tolerar os assassínios e o terror. Contra a violência terrorista permaneceremos firmemente unidos na defesa da Democracia e da Liberdade, num marco de respeito para com o Estado de direito, salvaguardado pelas nossas Constituições".
Estas palavras, Sr. Presidente, simbólicas no dia de hoje, foram proferidas nesta Câmara por Sua Majestade o Rei de Espanha Juan Carlos I. É com elas que simbolizamos este momento, com a certeza de que o terrorismo será combatido, de que o terrorismo será vencido. Sr. Presidente, a última palavra que temos para dizer é, obviamente, basta ja!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para se associar a este voto, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo associa-se, naturalmente, ao voto que a Assembleia da República está a discutir e vai votar.
O atentado terrorista perpetuado em Espanha esta manhã foi, de facto, bárbaro, hediondo e absolutamente intolerável, tendo suscitado o choque, a revolta e a indignação de todos nós, de todo o mundo civilizado, em particular dos portugueses, porque se trata, ainda por cima, de Espanha, de um povo amigo, de uma nação vizinha, de um povo a quem nos ligam particulares relações de amizade e de solidariedade.
Este atentado terrorista merece, de facto, toda a nossa firme condenação. Todo o terrorismo, todas as formas de terrorismo são actos da maior covardia possível, actos hediondos que afrontam a Liberdade, os direitos humanos, a Democracia e os valores da nossa Civilização. Nesse sentido, esta revolta e esta dor tocam-nos a nós também, portugueses, de uma forma muito especial.

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Esta manhã, o Sr. Primeiro-Ministro teve já ocasião de transmitir ao Presidente do Governo espanhol este sentimento de firme condenação e de solidariedade profunda em relação às vítimas e a todos os espanhóis, e o mesmo fez a Sr.ª Ministra dos Negócios Estrangeiros. Não quero, no entanto, deixar de aqui me associar também a este momento, que não é um momento qualquer. É o momento particular em que todos os democratas, de todos os quadrantes, se sentem unidos, com muita firmeza e convicção, em torno dos valores da Liberdade e da Democracia, dos valores da convivência pacífica entre os povos.
Para além da condenação deste atentado e da solidariedade que na pessoa do Sr. Embaixador aqui exprimo às vítimas, aos espanhóis e às autoridades espanholas, gostaria de acrescentar que Portugal dará todo o apoio e toda a solidariedade no sentido de ajudar o povo e as autoridades espanholas na perseguição e na punição implacáveis dos responsáveis deste acto terrorista, sejam eles quais forem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a forma de, com muita firmeza mas com muita serenidade, também dizermos, neste momento singular, que o "terrorismo não passará" e que, custe o que custar, todas as nossas forças, a força da autoridade, dos princípios, dos valores e das convicções estarão sempre no mesmo sentido, para que a liberdade, os direitos dos cidadãos, a Democracia e os valores desta nossa Civilização - esses, sim - imperem ao longo dos tempos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, o que penso sobre este assunto consta rigorosamente do texto do voto que propus à Câmara.
Quero sublinhar a convergência dos pontos de vista que iremos exprimir com aqueles que foram já expressos por parte do Sr. Presidente da República e do Sr. Primeiro-Ministro, como lembrou o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Todos os poderes do Estado português se manifestam em perfeita solidariedade, condenando a violência terrorista, manifestando o seu pesar para com as vítimas e as suas famílias e a sua solidariedade activa e empenhada para com as autoridades democráticas de Espanha.
Sr.as e Srs. Deputados, o voto n.º 140/IX - De protesto contra os atentados terroristas perpetrados em Madrid e de solidariedade para com as Cortes Espanholas e através delas a Espanha e a todos os espanhóis não pode ser passado em silêncio, tem de ser aclamado, porque, mais do que uma manifestação de consternação e de dor, é também uma afirmação decidida em favor da Liberdade e da Democracia. Proponho, portanto, que o voto seja aclamado.

A Câmara aprovou, por unanimidade e aclamação, de pé, o voto n.º 140/IX.

Tive já ocasião de tentar contactar pelo telefone, infelizmente até agora em vão, apesar das diversas tentativas feitas de Lisboa para Madrid e de Madrid para Lisboa, a Sr.ª Presidente das Cortes Espanholas. Vou imediatamente transmitir-lhe o texto do voto que aqui acabámos de aprovar.
Em expressão do pesar profundo que todos sentimos, dei indicações para que a bandeira nacional hasteada na varanda do Salão Nobre do Palácio de São Bento seja hoje conservada a meia haste.
Julgo que deveremos aproveitar o dia de hoje para dar um sinal das nossas solidariedade e amizade para com as Cortes Espanholas e o povo espanhol organizando, de uma vez por todas, o nosso Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Espanha, que tem tido algumas dificuldades de formação. Hoje é o dia certo para o organizarmos e para isso apelo às Direcções das bancadas dos grupos parlamentares, a fim de cumprirmos aquilo a que cada um incumbe ao abrigo da resolução que trata desta matéria.
Peço à Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza o favor de me substituir na presidência, pois devo interromper a minha presença na Sala para receber e cumprimentar o Sr. Embaixador da Espanha, que teve a gentileza de estar presente nesta parte da nossa sessão. Os trabalhos continuarão conforme a ordem prevista na nossa agenda, designadamente com declarações políticas.

Neste momento, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que tinha afirmado na Assembleia da República, o Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente informou no 7.º Congresso da Água, promovido pela Associação Portuguesa dos Recursos

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Hídricos, que a nova lei de protecção e titularidade dos recursos hídricos daria entrada como proposta de lei na Assembleia da República.
Como bem se recordam os Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar de Os Verdes empenhou-se na expressão da necessidade de este novo enquadramento jurídico da água ser concretizado no Parlamento, uma vez que estamos a falar de um diploma determinante nesse sector, sendo este, por sua vez, determinante para o desenvolvimento do País.
A necessidade de o diploma ser discutido na Assembleia da República manifestámo-la na presença do Sr. Ministro, em sede de comissão, numa audição pública que Os Verdes realizaram com um conjunto de técnicos e entidades e também numa carta que enviámos a todos os Srs. Deputados e ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Por isso, pensamos que é de louvar este recuo do Sr. Ministro, que até de uma forma deselegante para com o Parlamento tinha referido que este processo legislativo correria à margem da Assembleia da República.
Teremos, então, por isso, oportunidade de aqui, no Parlamento, manifestar as nossas posições sobre as propostas de lei que darão entrada, bem como a possibilidade de contribuir com propostas de alteração para a nova lei-quadro da água.
Nesta declaração política gostaria de concentrar-me numa opção política deste Governo: a privatização do sector da água em Portugal.
A grande discussão que é tornada pública prende-se com a forma de privatizar - se e quando se privatiza a Águas de Portugal; se se privatiza a EPAL; se primeiro se privatiza a Empresa Geral de Fomento (EGF) e a Aquapor; se se entrega a água ao sector privado por via de concessão por décadas; e tantas outras hipóteses que podem levantar-se -, mas o objectivo é entregar, de uma forma ou de outra, a água ao sector privado.
Os Verdes continuarão até à exaustão a afirmar que, sendo a água um bem fundamental à vida, o acesso à mesma tem de ser tido como um direito. A água não pode ser vista como uma mercadoria, lançada à lógica do mercado e objecto de lucros chorudos por parte das empresas. Não é justo nem humano que a água possa estar na posse de uma empresa que a disponibiliza de acordo com o lucro pretendido. A gestão pública é, portanto, a forma de garantir a água como um direito.
E dirão alguns o seguinte: "Mas privatizar ou concessionar a privados os serviços da água não significa de todo privatizar o recurso água!" Pois, Srs. Deputados, uma delegação de Os Verdes que integrei teve ontem oportunidade de se deslocar até uma pequena aldeia, Carvalhal, na freguesia de Mouraz, concelho de Tondela, distrito de Viseu.
E quero trazer ao vosso conhecimento aquilo que tive oportunidade de ver e ouvir, porque ontem assisti a um exemplo claro de como a gestão privada da água tem como primeiro objectivo o lucro, independentemente das consequências sociais e para o desenvolvimento que daí possam decorrer.
Na aldeia de Carvalhal, freguesia de Mouraz, há cerca de 20 anos, os moradores angariaram fundos entre si para fazerem a ligação de um poço com furo às habitações - era de acesso à água do que se tratava. Foi, naquele concelho, a primeira aldeia a ter saneamento básico por via do dinheiro e da mão-de-obra dos habitantes, ao que a câmara municipal e a junta de freguesia se associaram, entretanto, com a disponibilização de máquinas para a construção do sistema.
Uma parte das habitações foi servida, outra não, sendo que os moradores das habitações sem ligação ao sistema se abasteciam nos três fontanários públicos, e dos tanques públicos da aldeia todos se serviam, uma vez que, mesmo para os que tinham água em casa, a pressão não era suficiente, por exemplo, para pôr a funcionar uma máquina de lavar. Isto foi assim durante anos e anos.
Entretanto, o sistema municipal de abastecimento e saneamento foi concessionado a uma empresa, a Águas do Planalto, a qual se apropriou, repito, se apropriou, do sistema construído pela população. Ou seja, a empresa fica responsável pela gestão do sector da água, ficando todo o património, para o qual não investiu um único "tostão", na sua posse real. Foi nessa lógica que a empresa decidiu cortar a água dos fontanários e dos tanques públicos, deixando a população que não tinha água canalizada em casa sem qualquer acesso a este bem essencial. E porque de facto ele é essencial e as pessoas precisam de água para viver, e não têm onde ir buscá-la, vivem hoje da solidariedade dos familiares e vizinhos que têm água em casa.
Entretanto, a empresa Águas do Planalto, a partir de outra nascente, fez uma ligação ao sistema municipal de abastecimento, mas não o concluiu, demonstrando que, sendo a aldeia do Carvalhal uma aldeia que requer investimento no sistema de abastecimento, até pela altitude a que se encontram as habitações, não está disposta a proceder a esse investimento, na medida em que dele não retirará os lucros que com certeza considerará necessários.
Este, Srs. Deputados, não é exemplo único no País, porque em diversos contratos de concessão a empresas privadas da gestão da água pode ler-se que, se a um determinado investimento não corresponder uma taxa de rentabilidade assegurada, esse investimento pode não ser concretizado. E este é

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outro dos grandes perigos da entrada dos privados na gestão água: os sistemas menos rentáveis (por norma das localidades mais longínquas, mais despovoadas, mais esquecidas) são aqueles onde não há investimento das empresas, na medida em que daí não retiram o lucro esperado, uma vez que a sua preocupação não é de ordem social, nem de ordem a promover o desenvolvimento das regiões. O seu objectivo é lucrar.
Por isso, também na aldeia do Carvalhal, o sistema que abastece uma parte dos habitantes, outrora da população, hoje apropriada pela empresa Águas do Planalto, é servido com muito má qualidade, como aliás foi confirmado pelo delegado de saúde da região. Ou seja, a empresa recusa a água à população e a que disponibiliza é de muito má qualidade. Isto, Srs. Deputados, é profundamente inadmissível!…
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Situações vividas na Bolívia, nas Filipinas, em França, e em tantos outros locais, têm demonstrado que estas experiências se repetem e repetem. Porque as consequências da privatização da água são muito idênticas, porque são subordinadas a uma lógica - o lucro -, e quem sofre as consequências são obviamente as populações.
Por isso, o que gostaríamos, de facto, era de ouvir o Governo dizer que faria tudo aquilo que estivesse ao seu alcance para assegurar, em Portugal, a água como um direito e apostar na qualidade deste recurso.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Sr.ª Deputada traz-nos duas questões relativas à problemática da política da água. A primeira diz respeito à lei da água, e aquilo que de facto tem acontecido é um vergonhoso atraso do Governo no que diz respeito a uma iniciativa legislativa para uma reforma do sistema institucional de gestão dos recursos hídricos e para uma reforma do regime económico-financeiro da utilização da água.
A última iniciativa no sector da água que o governo do Partido Socialista tomou foi exactamente a de apresentar ao Conselho Nacional da Água uma proposta de lei da água. Dois anos depois, o País está ainda a iniciar a discussão sobre esta proposta de lei da água. Isto é, o ponto em que estamos hoje nesta matéria é exactamente aquele em que a deixámos há dois anos.
Foram dois anos perdidos, foram dois anos de hesitação da parte do Governo quanto à proposta de lei da água. Mas pior: o que se anuncia, de acordo com os termos da proposta submetida já a parecer do Conselho Nacional da Água, é um recuo em relação à proposta anterior que tinha sido elaborada pelo governo do Partido Socialista, designadamente no que diz respeito à reforma do sistema institucional. É uma farsa de administração da água por bacia hidrográfica.
Nesta medida, Sr.ª Deputada, aqui estaremos para discutir essa lei quando ela for efectivamente apresentada pelo Governo, mas desde já adiantamos que, se a proposta for aquela que o Governo submeteu a parecer do Conselho Nacional da Água, a mesma proposta que teve um parecer crítico deste organismo terá, também, nesse aspecto fundamental, a oposição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Em segundo lugar, no que diz respeito à privatização do sector da água, todos nos recordamos das declarações bombásticas feitas pelo Primeiro-Ministro aqui mesmo, logo na apresentação do Programa do Governo, dando conta pouco depois da privatização da EPAL ainda no ano 2002. O Ministro da Economia pegou-lhe na palavra e os jornais titulavam ainda em 2002: "Privatização da EPAL pode avançar ainda em 2002". Dois anos depois…, são dois anos de trapalhada quanto ao negócio da água, e pergunto, Sr.ª Deputada, se não entende que esta trapalhada a propósito do negócio da água tem tido consequências nos investimentos a cargo das Águas de Portugal e nas metas fundamentais da nossa política de ambiente em matéria de abastecimento de água e de saneamento.
Sr.ª Deputada, estamos profundamente convencidos de que é necessário para Portugal que o grupo Águas de Portugal permaneça como um grupo forte, capaz de executar os fundos comunitários e de permitir que o Estado português alcance, nesta matéria, níveis próprios dos países desenvolvidos. Só com uma intervenção em que o Estado tenha um papel determinante é que esses objectivos essenciais para a nossa política de ambiente poderão ser alcançados.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o seu tempo terminou, conclua por favor.

O Orador: - Termino, Sr.ª Presidente.
É justamente isto que é ameaçado com essas ideias elaboradas sobre o joelho e muito hesitantes de uma privatização da água, que é nem mais nem menos do que um negócio que faz brilhar alguns olhos,

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mas que é muito preocupante para a política de ambiente em Portugal!

Vozes do PS: -Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, muito obrigada pelas questões que colocou e pelas considerações que fez relativamente à temática que eu hoje trouxe, aqui, através da declaração política que fiz.
Concordo com o Sr. Deputado quando disse que este Governo tem arrastado muitas decisões prementes naquilo que concerne à política da água, como em muitos outros sectores que temos tido oportunidade de debater, aqui, na Assembleia da República, fundamentalmente em matéria da tutela do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
Sr. Deputado, gostava de realçar que Os Verdes também se empenharam muito nesta Casa no sentido de que a questão da política da água e os diplomas que vão redefinir todo o enquadramento jurídico da água não fossem concluídos à margem da Assembleia da República. Todos os Srs. Deputados receberam esse apelo do nosso grupo parlamentar e, por isso, foi com grande regozijo que vimos o Sr. Ministro recuar na sua determinação de afastar a Assembleia da República deste processo legislativo e anunciar, no Congresso da Água, a apresentação de uma proposta de lei à Assembleia da República no sentido de essa matéria e de esses diplomas serem aí discutidos.
Importa por isso, agora, Sr. Deputado, dar início a uma nova fase: olhar para o conteúdo dessas propostas e começar desde já a trabalhar em propostas de alteração e no debate político desta matéria, que, penso, deverá ser bastante acentuado nesta Assembleia da República, porque, de facto, é caso para isso.
Relativamente à questão da privatização, procurei hoje trazer aqui um caso concreto, como poderia ter trazido muitos outros. E referi-o porque ontem tive oportunidade de estar com um conjunto de habitantes da aldeia do Carvalhal que vivem em concreto as consequências nefastas de uma opção de privatização da gestão da água. E gostaria de transmitir aos Srs. Deputados que quando nós, nesta Casa, falamos dos efeitos negativos da privatização da água - ambientais, sociais e ao nível do desenvolvimento do País - sobre as populações não falamos de qualquer teoria em abstracto ou de uma questão completamente abstracta e afastada das populações; falamos de questões concretas que as populações sentem. E porque a água é um bem fundamental à vida consideramos que só uma gestão pública adequada pode garantir a água como um direito.
Dirijo-me agora também ao Partido Socialista, dizendo que gostava de ver mais alguma veemência por parte deste partido na defesa da gestão pública da água e contra esta opção que o Governo tomou de privatizar este sector em Portugal. O caminho é muito perigoso e por isso é preciso que todas as bancadas sejam veementes no sentido de rejeitar esta opção para Portugal.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Ex.ma Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: 29 anos após o 11 de Março de 1975, Portugal vê reconstruída a casa comum da esquerda que caracterizou essa longínqua data. Hoje, tal como no passado, este "frentismo" abriga-se sob o telhado de uma visão favorável à preservação da estatização da sociedade portuguesa.
Só à luz deste princípio conservador do pós 11 de Março de 1975, se poderá compreender a actuação dos partidos de esquerda.
Só essa visão comum pode animar o maior partido da oposição a votar em convergência com a restante esquerda contra as mais importantes reformas que o XV Governo Constitucional tem apresentado na Assembleia da República.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só por esta razão o PS se permite votar contra reformas tão importantes para a sociedade portuguesa como a do Código do Trabalho, apesar do acordo obtido em sede de concertação social com a UGT, ou a da descentralização, que finalmente dá uma resposta adequada e democrática a

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um dos mais debatidos e adiados problemas da nossa democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, outros exemplos existem em que a esquerda não tem apoiado as reformas estruturais indispensáveis ao País. Recordamos a Lei de Bases da Segurança Social ou a Reforma da Tributação do Património, esta tantas vezes prometida até por governos socialistas, mas outras tantas esquecida e retirada da agenda política.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - O maior partido da oposição vive permanentemente acossado pela natural evolução do tempo e pelo consequente desgaste que lhe provoca uma concepção de Estado que teima em defender para a sociedade portuguesa.
Só assim se compreende que o PS, ainda hoje, 29 anos após o 11 de Março de 1975, marco histórico do maior e mais organizado ataque à livre iniciativa e ao sector privado, se reafirme fiel a uma ideia de Estado paternalista face à sociedade, em contraponto com a concepção reformadora e de confiança que o PSD deposita na livre iniciativa privada bem como na capacidade dos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - É nossa convicção que só haverá Estado forte existindo uma sociedade civil forte, organizada e estruturada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Chegámos mesmo a um ponto em que poderemos afirmar que, nunca como agora, as diferentes opções em termos da concepção das funções do Estado e de política económica se apresentaram tão claras entre o maior partido da oposição e os da maioria.
Está, assim, de parabéns a nossa democracia!
A democracia é, essencialmente, a possibilidade de escolha pelo eleitorado de um caminho entre vários, e quando essas diferenças são bem claras, tanto melhor.
O maior partido da oposição está convencido de que é essencialmente através de políticas públicas e pela intervenção sistemática do Estado que o País poderá atingir maiores índices de desenvolvimento. O nosso caminho é bem diferente.
A esquerda parlamentar no seu todo quer que o Estado continue a ser o maior cliente, o maior fornecedor, o maior empregador, o maior financiador e o maior investidor do País, no fundo, que retome as políticas que nos levaram ao descalabro e à demissão do XIV Governo Constitucional, da responsabilidade do PS. Nós pensamos o contrário.
Estamos profundamente convictos de que é dando espaço aos agentes económicos, à livre iniciativa, e às empresas que estaremos a construir um País mais próspero e um Portugal mais justo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Hoje mesmo poder-se-ão constatar as posições do maior partido da esquerda portuguesa no âmbito da revisão constitucional, onde mantém uma intransigência política à remoção de determinados conceitos político-ideológicos datados e ultrapassados, que ainda povoam a Lei Fundamental da República.
É incompreensível, por exemplo, que na era da globalização, onde os conceitos de produtividade e de competitividade imperam, o PS não aceite que, a par do também para nós sagrado princípio do direito à greve, esteja consagrado igualmente o direito ao trabalho por parte de quem não deseja aderir aos movimentos grevistas.
Sr.as e Srs. Deputados: A história política e constitucional democrática está marcada permanentemente pela dialéctica conflitual entre as propostas de modernidade que o PSD sempre apresentou, no âmbito da sua matriz reformadora, para as sucessivas revisões constitucionais, e as permanentes resistências e intransigências do maior partido de esquerda às mesmas.
Questiona-se mesmo como seria hoje Portugal se não fosse o espírito inconformista, vanguardista e reformista do Partido Social-Democrata.
Neste momento da revisão constitucional, apelamos ao maior partido da oposição para que, em nome

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de uma Constituição moderna e progressista, tenha a abertura bastante para se associar activamente às nossas propostas de forma a que não tenhamos de lamentar mais uma oportunidade perdida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, que se assinalam 29 anos sobre o 11 de Março, o movimento político frentista do PREC e as nacionalizações, era bom que nos interpelássemos sobre o sentido do frentismo de esquerda revivalista que neste Parlamento ou nas ruas, de braço dado, tem sido constatado entre os três partidos da esquerda parlamentar.
Hoje, mantém-se instalada em alguns sectores da sociedade e da vida partidária portuguesa uma resistente visão estatizante e reminiscente do colectivismo que teima em não confiar nos portugueses e na sua capacidade de iniciativa.
Esta postura situa-se nos antípodas da posição dos partidos da maioria.
A nossa visão é a de que a política económica é, essencialmente, um instrumento com vista à melhoria da qualidade de vida dos portugueses, de uma forma sustentada e duradoura. E esse caminho só se consegue pela assumpção das nossas responsabilidades e com o aumento da nossa competitividade.
Como o tempo recente bem demonstrou, o investimento público não é a tábua de salvação para o problema fundamental do País.
Esta é, claramente, mais uma grande diferença entre o pensamento da esquerda parlamentar e as forças políticas que apoiam o Governo.
É, por isso, muito claro o que queremos para Portugal e qual a via escolhida para trilharmos o caminho do desenvolvimento.
Mantendo-nos fiéis aos nossos princípios: ontem como hoje, o PSD acredita numa sociedade civil organizada, pujante e livre, num Estado regulador, fiscalizador e reformador, bem como numa economia assente na livre iniciativa privada.
Tal convicção não é em nome de um pseudoneoliberalismo mas, sim, de uma sociedade socialmente mais justa e equilibrada.
No momento em que se realiza esta intervenção, a dita óptica conservadora quanto à concepção do Estado manifesta, porventura, nas ruas, a sua visão estatizante e reminiscente do colectivismo.
Também aqui, neste Hemiciclo, essa concepção se faz sentir pela inédita convergência política de uma esquerda igualmente conservadora, que teima em não compreender as importantes reformas de que Portugal carece.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que fique claro que o XV Governo Constitucional e os partidos da maioria manter-se-ão comprometidos, sem hesitações, nesta missão reformadora e modernizadora do Estado e da sociedade.
Aí têm, Sr.as e Srs. Deputados, o que nos distingue.
Fazemos esta apreciação política no respeito mais profundo pelas diferenças que politicamente nos afastam, bem como pela história e a individualidade colectiva de todos os partidos com assento parlamentar, sem excepção.
Mas é exactamente pelas abundantes diferenças que saúdo a Democracia, 29 anos após o 11 de Março de 1975. E é ainda por essas abundantes diferenças que nos separam do maior partido da oposição que estamos cada vez mais convictos da coerência e da correcção das nossas opções.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Vítor Ramalho.
Tem a palavra.

O Sr. Vítor Ramalho (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Marco António Costa, ao ouvir a sua intervenção, estava aqui a meditar que tem a convicção de que o povo português não tem memória. Mas tem! É que o primeiro partido a dar loas às nacionalizações do 11 de Março e a promover uma manifestação pública, conclamando que todos os portugueses estivessem nela presentes, foi exactamente o PSD!…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Mas aí o Deputado Marco António Costa ainda não era nascido!

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O Orador: - Mas há memória neste País e há consciência. Levo essa ausência de memória exactamente à conta da idade e da juventude do Sr. Deputado!!
Contudo, se há matéria em que o Partido Socialista está completamente à-vontade, Sr. Deputado Marco António Costa, é exactamente essa.
Queria recordar que foi com o Partido Socialista, quer no I quer no II Governos Constitucionais (em 1983), que tiveram lugar, em Portugal, as mais amplas reabilitações da economia - infelizmente, pela situação precedente que o Partido Socialista herdou -, nomeadamente com reformas profundíssimas, que o Sr. Deputado agora vem atacar, invocando em panegírico que elas se devem exclusivamente ao actual Governo.
Esta sua intervenção última é também uma ofensa àqueles homens e mulheres do seu partido que serviram em períodos diferentes, nomeadamente em 1983.
Queria recordar-lhe que, ao contrário do que disse, a primeira lei de bases da segurança social foi levada a efeito em 1983 pela Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza (que está a presidir neste momento),…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E os senhores votaram contra!

O Orador: - … a qual ainda hoje está em vigor, com retoques que entretanto a evolução veio a justificar. Aliás, este Deputado que agora se lhe está a dirigir-se era membro do gabinete de assessoria desse Ministério do Trabalho e da Segurança Social…!
Compreendo a preocupação do Sr. Deputado, porque o que nos veio aqui dizer é que, como não têm coerência de actuação nem memória, hoje pretendem justificar a venda a retalho que estão a fazer do País (porque do que se trata é de um total liberalismo), salvaguardando uma intervenção permanente do Estado - como nunca houve neste País - e passando um labéu sobre as consequências que isto determina.
Sr. Deputado, o povo português não "come" jornais nem comunicação social!! Queria lembrar-lhe que as laudatórias referências que está a fazer ao Governo traduzem-se, para o povo português, em cerca de 500 000 desempregados, neste momento, e numa situação do crescimento do produto interno bruto que ainda ontem foi anunciada pelo Banco de Portugal. Esta é a realidade!! Não vale a pena sofismar com estatísticas!!…
Queria lembrar-lhe ainda o debate realizado sobre a privatização do sector da água e que a única coisa que, neste País, falta agora privatizar é o sector das Águas de Portugal e a Caixa Geral de Depósitos.
Pelo andar da carruagem, não tenho qualquer dúvida, rigorosamente nenhuma, de que é isso que se fará, em completa incoerência com a postura do seu Governo, que a 11 de Março de 1975 fez uma manifestação a favor da defesa da intervenção estatizante - que teve, nessa altura, em Portugal, uma dimensão como nunca - e que neste momento vem salvaguardar o maior liberalismo e a venda do País a retalho.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Vítor Ramalho, agradeço as suas questões, designadamente o tom paternalista que usou (que obviamente dispenso) e a simpatia, que vem, aliás, muito ao encontro da visão paternalista que têm do Estado relativamente à sociedade.
Sr. Deputado, permita-me que lhe lembre que o que estamos aqui a fazer é uma apreciação histórica, olhando também para aquilo que foi o contributo de cada partido no evoluir destes 29 anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que eu me recorde, é verdade que o PSD teve essa posição em 1975, mas também é verdade que foi o primeiro partido a propor o fim da irreversibilidade das nacionalizações, numa revisão constitucional. E foi o PS que resistiu à introdução dessa proposta na Constituição.
Sr. Deputado, permita-me também que lhe lembre que os retoques na lei de bases da segurança social que citou foram feitos aqui, neste Parlamento,…

O Sr. António Costa (PS): - Não, não!

O Orador: - … sob proposta destes grupos parlamentares.

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Sr. Deputado, se dúvidas existem sobre o que significaram as nacionalizações e o 11 de Março para a economia portuguesa, posso citar-lhe o que diz o Dr. Silva Lopes, no livro sobre a história da economia: "A experiência das nacionalizações não foi brilhante. Longe de terem sido um instrumento de progresso planeado da economia portuguesa como se esperara, as empresas do sector público funcionaram, em grande parte dos casos, com manifesta ineficiência produtiva, com enormes desperdícios na área de investimentos e com um emprego excessivo." Esta é a visão de um homem isento.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - São os vossos gestores!

O Orador: - O Sr. Deputado revelou, com o seu pedido de esclarecimento e com o tom que empregou, fundamentalmente que a razão de ser da minha intervenção se mantém válida, pois assumiu, na plenitude, aquilo que eu critiquei - "enfiou a carapuça", se me permite a expressão.
Aquilo que aqui hoje queremos fundamentalmente deixar marcado é que, ao longo da história, particularmente em períodos de revisão constitucional, o PSD propôs um conjunto de alterações à Constituição a que sistematicamente o PS foi resistindo, e que só mais tarde, com o evoluir do tempo e depois de grandes persistências, é que o PS efectivamente aceitou as novas propostas do PSD, tendo dessa permanente resistência e intransigência do PS decorrido alguns prejuízos para Portugal. Esperemos que a revisão constitucional que está em curso não seja mais uma oportunidade perdida para termos uma Constituição moderna e progressista.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No último debate mensal, o Primeiro-Ministro veio anunciar mais uma mão cheia de privatizações, sem cuidar sequer da sua racionalidade ou necessidade para a economia do País, unicamente porque se perfila no horizonte mais uma vaga especulativa na bolsa, porque os interesses privados reclamam cada vez mais a transferência de recursos públicos, porque a Ministra das Finanças quer arrecadar receita a todo o preço, mesmo que seja à custa do afundamento da economia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A partir desse momento, temos assistido a uma sucessão de disparates atrás de disparates ao nível dos comissários políticos do Governo em várias empresas públicas, nomeados, ao que parece, com um único objectivo: descredibilizar a capacidade de gestão pública, preparando o caminho para as respectivas privatizações. Desde logo, na TAP.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - As sucessivas declarações do Eng.º Cardoso e Cunha poderiam ser classificadas somente de absurdas e insólitas se não constituíssem actos gravíssimos que lesam o património público.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Os tais gestores…!

O Orador: - Afirmar perante a divulgação de eventuais resultados positivos da empresa em 2003 que tal constitui um "acto hostil à TAP", expressa bem a dimensão dos objectivos que orientam o Comissário Cardoso e Cunha. Deve ser caso único no mundo que o presidente do conselho de administração de uma empresa se mostre irritado pela sua empresa apresentar lucros.

Aplausos do PCP.

Mas isto não acontece somente por causa da intolerável arrogância e incompetência de Cardoso e Cunha. Os interesses inconfessáveis são outros e prendem-se com os objectivos de desmantelamento e privatização da TAP bem como da continuação de uma política de despedimento dos trabalhadores. A TAP, enquanto empresa pública, tem sido alvo nos últimos anos das maiores tropelias, incompetências e jogos políticos conduzido por sucessivos governos, que a levaram a uma situação de instabilidade e de desequilíbrio financeiro em resultado de uma estratégia visando a sua privatização a todo o custo. Todos

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estamos recordados da celebremente falhada parceria estratégica com a Swissair, para a concretização da qual também se dizia que era vital a privatização da TAP. Onde estaria a TAP hoje se esse processo irresponsável não tivesse sido sustido…?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, o Governo do PSD/CDS-PP nomeou um dos seus boys para Presidente do Conselho de Administração e cuja única orientação recebida da tutela foi, segundo o próprio, privatizar a TAP. A verdade é que, com a participação e enorme sacrifício dos trabalhadores, que durante os últimos quatro anos não viram os seus salários aumentados como contributo para a recuperação da empresa, a TAP tem vindo a melhorar, passando de resultados negativos há dois anos, de 122 milhões de euros, para anunciados resultados contabilísticos positivos em 2003, na ordem dos 26 milhões de euros. E isto, ainda por cima, num período nada favorável à aviação civil.
Pois bem, a evolução positiva de uma empresa pública desagrada profundamente aos evangelistas das privatizações, vendilhões do templo, para quem tais resultados põem em causa a doutrina de que empresa pública é necessariamente ineficaz e só terá resultados positivos nas mãos do capital privado. Não foi isso, aliás, que ouvimos recentemente aos "pregadores" reunidos no Convento do Beato?

Vozes do PCP: - É verdade!

Risos do PSD.

O Orador: - Ora foi precisamente isto que irritou um dos seus, o Eng.º Cardoso e Cunha. É que tais resultados não jogam com a sua estratégia (e a do Governo) de desmantelamento da TAP para a vender aos bocados; nem jogam com as suas insistentes pressões para que mais e mais trabalhadores sejam despedidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi, aliás, o mesmo Cardoso e Cunha, Presidente da TAP em representação do accionista Estado, que ainda recentemente, numa conferência realizada na Ordem dos Economistas, criticou o próprio Estado por ser mau accionista, sem que nada lhe acontecesse.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É a impunidade!

O Orador: - O Presidente do Conselho de Administração da TAP só tem criado dificuldades à recuperação da TAP. É factor de instabilidade. Ele, sim, comete permanentemente actos hostis contra a transportadora nacional enquanto empresa pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o Governo não pode ficar silencioso perante estes acontecimentos, lavando as mãos como Pilatos. O Ministro Carmona Rodrigues há muito que deveria ter intervindo demitindo o Eng.º Cardoso e Cunha. É isso que se impõe neste momento: a demissão imediata do Presidente do Conselho de Administração da TAP, a clarificação do que é que o Governo pretende como futuro para a TAP, sob pena de ser cúmplice de uma estratégia de desestabilização, de desequilíbrio e de novos conflitos na empresa, que se deve manter no sector público ao serviço de Portugal e não dos interesses privados, amigos de Cardoso e Cunha, que há muito se preparam para assaltar a Transportadora Aérea Nacional.

Aplausos do PCP.

A Companhia das Lezírias é outra das empresas que o Governo pretende privatizar. 20 000 ha da melhor terra produtiva agrícola do País, objecto há muito da especulação imobiliária. Por 100 milhões de euros propõe-se desmantelar e privatizar uma das poucas empresas públicas do sector agrícola, quando o único caminho sério e sensato é o da sua manutenção no sector público, como uma exploração modelo, servindo de exemplo para uma agricultura moderna, tirando partido das suas elevadas potencialidades agrológicas, dando resposta às necessidades do País, abrindo espaço para os pequenos agricultores e rendeiros. Mas não, o Governo prefere irresponsavelmente entregar as ricas lezírias do Tejo ao lobby da

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construção civil, perante a demissão cúmplice do Ministro Sevinate Pinto!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Também os estratégicos sectores da energia e das águas estão na mira da paranóia privatizadora do Governo e dos interesses que vinham reclamando que o processo fosse acelerado: EPAL, EDP, Rede Eléctrica Nacional, Galp e até o recém-criado Operador do Mercado Ibérico de Electricidade, sectores essenciais à satisfação de necessidades básicas dos cidadãos que caiem na esfera dos interesses da própria soberania nacional e cujo processo de privatização, onde já se consumou, tem levado ao aumento dos preços dos bens fornecidos aos portugueses, à degradação da qualidade do serviço prestado e, nalguns casos, à entrega de decisões estratégicas a empresas multinacionais.
Mas poderíamos também falar nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, empresa detentora de elevadas capacidades tecnológicas, com recursos humanos altamente qualificados, com mercado assegurado, essencial à indústria aeronáutica e à própria defesa nacional.
Ou nos CTT, cujo Presidente afirma também que o seu objectivo é preparar a privatização dos serviços públicos postais e, para isso, vai eliminando postos de trabalho e encerrando estações de correio por todo o País, já na lógica de que não são financeiramente rentáveis e, portanto, tornam menos apetecível o processo de privatização, penalizando populações inteiras, em geral as mais isoladas e as mais carenciadas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ou a Portucel, cujo resultado visível único é o aumento das mais-valias bolsistas do Grupo SONAE e o sério perigo de vermos desmantelada a fileira florestal e o sector da pasta e do papel, com o seu domínio a ser tomado por interesses estranhos às necessidades do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas dentro das próprias empresas públicas o panorama em matéria de gestão e de potencialização das sinergias existentes em cada sector de actividade é preocupante.
Um exemplo recente é o da situação absurda existente entre a REFER e a RAVE, como também poderíamos falar nos permanentes desentendimentos entre a CP e a REFER.
Aliás, Srs. Deputados, somente quatro meses depois de tanta pompa e circunstância na Cimeira Ibérica da Figueira da Foz, em que o Primeiro-Ministro anunciou o megalómano projecto da construção de seis linhas de alta velocidade, vem agora a público que só duas linhas estão asseguradas. Mas afinal com que sustentação, com base em que estudos é que o Primeiro-Ministro de Portugal anuncia investimentos estratégicos de tão elevado valor?

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que muitos destes anúncios são propaganda política, já o sabíamos, mas com isso o Primeiro-Ministro e o Governo dão uma imagem de irresponsabilidade, leviandade e ligeireza das suas decisões, ao sabor dos caprichos e interesses mediáticos de cada momento, transmitindo a imagem de um "país de opereta"…
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A irracional política de privatizações está a desmembrar o aparelho produtivo nacional, a promover um gigantesco desperdício de recursos, a aprofundar ainda mais a crise da economia, a fazer com que o País perca condições de competitividade, a contribuir decisivamente para o aumento do desemprego.
É uma política que tem urgentemente de ser sustida não por outra que nesta matéria prossiga as mesmas orientações fundamentais, como no passado, mas por uma política alternativa que promova a modernização da economia nacional, que não destrua o sector público e aproveite as suas potencialidades e sinergias, que acrescente valor acrescentado à produção nacional, que melhore as condições de gestão das empresas e de formação e qualificação dos recursos humanos, que aposte na educação, na ciência, na investigação.
É este o caminho, tal como hoje mesmo milhares de trabalhadores em todo o País também exigem, numa jornada de luta que daqui saudamos. É por ele que também nos batemos.

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho. O Sr. Deputado Lino de Carvalho já não tem tempo disponível, mas o PSD cedeu-lhe 2 minutos.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o Grupo Parlamentar do PSD ouviu com atenção as suas palavras e, de facto, não podemos deixar de constatar que os senhores se mantêm na mesma.
Há um ano, aquando da questão do handling da TAP, os senhores anunciavam o pior dos presságios, admitiam que tudo podia correr mal. Afinal, o que o Governo fez em relação à TAP foi bem feito, está a dar resultados, a reestruturação da empresa está no bom caminho.
O que se passa com a TAP é que queremos uma empresa sólida, estável, que transmita credibilidade a quem a usa e, sobretudo, que dê estabilidade aos seus trabalhadores. Os senhores querem exactamente o contrário!

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Exactamente!

O Orador: - No momento em que estamos a discutir as contas da TAP, os senhores, com base em notícias de jornais - e vale a pena relembrar que não há contas aprovadas, não há pareceres do revisor oficial de contas, não está concluída a auditoria da Deloitte -, conseguem tirar todas essas conclusões, repito, com base em resultados que são apresentados mas que, manifestamente, não estão concretizados em nenhum documento oficial nem certificados por ninguém das partes que, eventualmente, os senhores querem pôr em litígio.
De facto, Sr. Deputado, consegue a proeza de demonstrar o que é indemonstrável, ou seja, que as contas da TAP estão fechadas, o que, manifestamente, não se verifica.
Sr. Deputado, nesta matéria, o Partido Comunista tem agido sempre como um factor de instabilidade para a empresa e não de estabilidade. O Partido Comunista não está a ajudar a empresa, está a prejudicá-la.
Não vale a pena procurar bodes expiatórios. Ao Partido Comunista não interessa ter uma empresa viável, estável e, sobretudo, com futuro, o que querem é a instabilidade e a agitação social. Com isso não pactuamos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não alinhamos com esse tipo de lógica. Tudo o que puder ser feito para que a TAP tenha futuro, fá-lo-emos.
Sr. Deputado, tenha consciência que não irá conseguir o que pretende e que, de facto, não vale a pena antecipar resultados que ainda não foram aprovados, não foram auditados e muito menos foram verificados pelo revisor oficial de contas.
O Sr. Deputado tem um condão que eu não tenho, que é o de afirmar o que ainda não existe.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Miguel Coelho também se inscreveu para pedir esclarecimentos e o PS cede 2 minutos ao PCP para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, pela última intervenção que ouvimos, já dá para perceber que o PSD prepara-se para sanear os administradores executivos da empresa TAP.

Protestos do PSD.

De facto, o PSD não convive bem com a TAP e o Sr. Comissário Cardoso e Cunha…

Vozes do PSD: - Comissário?! Já não é!

O Orador: - … também nunca conviveu bem com a TAP.
É verdade que, quando veio pela primeira vez à comissão competente, ele disse logo que estava na

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TAP com objectivos bem precisos, definidos pelo Governo: concluir a privatização, diminuir o número de trabalhadores e, usando uma expressão, se calhar, até mais sincera, "pôr na ordem os trabalhadores". É verdade que, logo de início, assumiu uma posição de conflitualidade com a administração executiva da empresa.
No entanto, Sr. Deputado, há aqui uma questão, não suficientemente salientada na sua intervenção, que é necessário não deixar passar ao lado. É que o Governo tem responsabilidades nesta matéria e o Sr. Ministro também.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, neste momento, é extemporâneo pedir a demissão do Sr. Comissário Cardoso e Cunha. O que é necessário é que o Sr. Ministro venha explicar-nos qual é a estratégia do Governo para a TAP, pois não a conhecemos. É que há a estratégia do Comissário Cardoso e Cunha, depois, há a gestão da administração executiva e, perante isto, o Governo nada tem dito, tem-se escudado atrás desta dupla personalidade que perpassa pela empresa.
É, pois, necessário que o Sr. Ministro venha dizer-nos o que pensa sobre a TAP, o que pensa sobre este modelo de gestão da TAP. E como a partir de agora está lançada a suspeita, também é necessário que venha dizer-nos quais são os verdadeiros resultados da empresa.
A este propósito, recordo que quando, segundo as palavras do Sr. Comissário Cardoso e Cunha, houve a tal fuga de informação para a comunicação social relativamente aos lucros que a empresa iria ter, o Sr. Ministro das Obras Públicas fez declarações exprimindo satisfação pelos resultados anunciados. Portanto, estamos confrontados com uma situação estranha, com um mistério: quais são os verdadeiros resultados da TAP?
Por isso, o Partido Socialista dirigiu um requerimento ao Ministro, aliás, subscrito por mim próprio e pelo Sr. Deputado José Junqueiro, pedindo-lhe explicações, dizendo-lhe que se defina, que diga quais são os resultados da TAP.
Por último, Sr. Deputado Lino de Carvalho, é fundamental que o Governo diga o que quer.
Há uma evidência que todos já percebemos, a de que este modelo de gestão da TAP está esgotado, não podem coexistir duas administrações e compete ao Governo dizer o que quer para a empresa e assumir as suas responsabilidades.
O que não pode suceder é o Governo esconder-se atrás dos disparates do Sr. Comissário Cardoso e Cunha e não assumir as responsabilidades políticas que tem nesta matéria e pelas quais tem de responder perante o País.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, começo por agradecer aos Grupos Parlamentares do PSD e do PS o tempo que me foi cedido para poder responder.
Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, ponhamos de lado a cassette.

Risos do PSD.

Vamos aos factos concretos.
O Sr. Deputado, lá no seu íntimo, sabe que se há partido, nesta Assembleia e fora dela, através dos seus militantes, que se tem empenhado, de há muitos anos a esta parte, em procurar soluções de viabilidade e sustentabilidade para a TAP enquanto empresa pública tem sido o PCP.

O Sr. Honório Novo (PCP): Exactamente! A memória é curta!

O Orador: - Aliás, isto é reconhecido por todos, incluindo pela sua própria bancada, pelo menos na última legislatura. Não está recordado, Sr. Deputado? Se não estiver recordado, posso dar-lhe uma cópia das declarações do PSD a este propósito.
Mas vamos ao concreto. O que trouxe aqui foi algo que é insólito. Não se trata de meras notícias vindas a público, há uma nota interna da administração executiva que afirma que o resultado deste ano, sendo menor do que o esperado, é superior ao que estava previsto no orçamento, que eram 12 milhões de euros. Como já aqui foi recordado, o Sr. Ministro Carmona Rodrigues, menos de 24 horas depois, veio

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congratular-se pela recuperação da TAP, para a qual - é preciso sublinhá-lo - os trabalhadores deram um contributo decisivo ao aceitarem não ter aumentos salariais durante quatro anos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, Srs. Deputados, não são boatos.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Nem são notícias de jornal!

O Orador: - Assim, pergunto: o Sr. Deputado já viu, nalgum país do mundo, alguma empresa cujo presidente do conselho de administração venha a público pôr em causa os eventuais resultados positivos só por que tal fere a sua estratégia de privatização da empresa? O Sr. Deputado entende que uma pessoa como essa tem capacidade e condições para continuar à frente da empresa, aliás, depois de já ter passado por sucessivas empresas que levou à falência?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O Sr. Deputado acha normal que o representante do Estado numa empresa venha criticar o próprio accionista porque é de opinião que este não tem vocação para o negócio da aviação, pelo que deve ser entregue aos privados? Acha bem, Sr. Deputado?

O Sr. Bruno Dias (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Quem é que desestabiliza a TAP? Obviamente, quem o Governo nomeou para presidente do conselho de administração, para levar a cabo uma estratégia que nada tem a ver com a recuperação da TAP mas, sim, com a criação de focos de desestabilização e desequilíbrio para melhor arranjar pretextos para a privatização. É isso que está em curso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi por isso, Sr. Deputado Miguel Coelho, que referi, na minha intervenção - e estou de acordo com o que afirmou -, que esta questão não pode passar ao lado do Governo, porque o núcleo responsável é formado pelo Governo, pelo Sr. Ministro da tutela.
O Sr. Ministro da tutela não pode olhar para esta polémica lavando as mãos como Pilatos, como se nada tivesse a ver com isto, porque tem. Como disse, já há muito devia ter demitido o presidente do conselho de administração que nomeou, mas, não o fazendo, tem de vir aqui dizer-nos claramente o que, no fundo, quer para a TAP, que futuro quer para a TAP.
O Sr. Ministro da tutela começou por dizer, no início desta legislatura, que a TAP era para ser desmembrada, dividida e privatizada, desde a manutenção ao handling e ao operador aéreo. Depois, disse que era só o handling e recuou quanto ao resto. Agora, o presidente da empresa, Comissário Cardoso e Cunha, diz permanentemente que quer prosseguir o processo de privatização. É isto que se traduz num processo de instabilidade e de quebra de prestígio da empresa, mesmo no mercado internacional.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Portanto, se há responsáveis pela situação que se vive, são eles o Governo e os seus representantes na presidência do conselho de administração da TAP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo tem de vir dizer que futuro quer para a TAP e o que tem de fazer é pôr na rua quem está à frente da TAP, a criar desestabilização e a impedir a sua recuperação. É isso que exigimos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há poucos dias, o Primeiro-Ministro veio afirmar ao Parlamento que era um homem do 25 de Abril mas não do 11 de Março. Marcou, assim, uma diferença: para a direita de hoje, quase 30 anos depois do 25 de Abril, este acontecimento fundador da democracia é tolerado por alguns, apoiado por outros, mas certamente considerado incontornável e inatacável por todos. Em contrapartida, como se ouviu na intervenção do PSD ainda há pouco, surgiu um novo refrão para unificar a direita: a crítica ao 11 de Março deve ser o modo de condenar indirectamente o 25 de Abril e essa Revolução.

O Sr. Marco António Costa (PSD): - Que confusão para aí vai!

O Orador: - Ninguém na direita, salvo alguns extravagantes, porventura os que agora se manifestam, se atreve a defender a ditadura como modelo, mesmo que haja, no vosso Governo, alguém que ainda vem dizer que o colonialismo deve ser resgatado na nossa história, pelas suas virtudes, ou seja, que a ditadura teve algum mérito.
Mas a direita, exactamente por que lhe falta história, porque o seu passado não a identifica ou porque dele se envergonha, precisa desesperadamente de reconstruir um passado apresentável. A ideologia da direita está a ser construída como uma montagem, uma fabricação, uma pseudo-legitimidade de uma história que não existiu. A ideologia da direita é um pronto-a-vestir que tem um passado mas que o quer esquecer e que quer ter um futuro à custa da invenção de um passado que não existiu.
Durão Barroso percebeu que, para ter futuro como político, precisa de construir um passado e, Sr.as e Srs. Deputados, nós somos as privilegiadas testemunhas desta fraude intelectual que é a contrafacção da história.
Durão Barroso é contra o 11 de Março simplesmente porque à coligação da direita e da extrema-direita agrada o tom vingativo, entusiasma a verve acusatória, mobiliza o delírio persecutório, delicia o ajuste de contas com as suas derrotas e contenta a perseguição aos fantasmas do seu próprio acobardamento perante a política de então. Nesta atitude está um medo: o medo da democracia que nasceu da Revolução do 25 de Abril, o medo de um povo que criou a democracia contra as elites do fascismo e sem a tutela dos poderes de então da sociedade.
Esta é uma questão ideológica fundamental. É ela que nos divide, Sr.as e Srs. Deputados da direita. Ao passo que os que se atemorizaram perante o 25 de Abril vêm agora afirmar que a democracia travou a revolução, a esquerda lembra os factos da vida - foi a revolução, só ela, que instituiu a democracia e está no seu código genético. A história do 11 de Março é a prova provada desse confronto entre as duas teses.
Comecemos pelos factos: há 29 anos, o General Spínola tentou levar a cabo um golpe de Estado, apoiado pela direita militar e política de então, exactamente os mesmos que, poucos meses depois, viriam a usar bombas e atentados para procurar impor o seu argumento, ainda sob a chefia de Spínola e já agrupados em organizações terroristas.
Suponho que o Deputado Marco António, em nome do PSD, estava a referir-se às bombas que Spínola queria lançar sobre Lisboa como sendo o ataque mais grave ao sector privado de que se pode lembrar.
Certo é que o golpe fracassou, Spínola fugiu, e com ele fugiram também alguns dos principais conspiradores, incluindo militares e empresários, a começar pelos mais poderosos do País.
Em resposta, o governo de coligação PS-PCP-PPD-MFA decidiu o processo de nacionalizações. Aqueles que agora o lamentam, como Durão Barroso, terão de explicar como teria sobrevivido a economia com as empresas paralisadas pelos golpistas refugiados em Madrid ou no Rio de Janeiro, terão de dizer-nos como sobreviveria a democracia ou a liberdade dependentes de um poder absoluto de monopólios e dos seus homens de mão, os golpistas do 11 de Março. E Durão Barroso poderia, de caminho, explicar como sobreviveria Portugal à sabotagem nas grandes empresas.
Portugal fez o mesmo que a França de De Gaulle depois da guerra, o mesmo que fez a Itália depois da guerra. Garantiu, com as nacionalizações, uma efectiva mudança de regime económico (ou o princípio dela), venceu as resistências dos que queriam bloquear a democratização.
O que é que, então, quer dizer Durão Barroso, ao afirmar que é do 25 de Abril mas contra o 11 de Março? Desconfio sempre de quem escolhe a posteriori as datas que lhe convêm. A história não é de plasticina, moldada à vontade e conveniência de cada um. Mas nada espanta. Durão Barroso reescreve todos os dias a sua própria história; por que é que não há-de querer reescrever a história do País? Só que Durão Barroso não nos diz qual é o 11 de Março que renega. É o do golpe de Spínola? É o das bombas sobre Lisboa? Ou é o dos que intervieram, respondendo ao golpe? É o do PPD, que aprovou as nacionalizações? É o dos que, de todos os quadrantes políticos democráticos, saudaram a resistência ao golpe e condenaram esta tentativa e, portanto, não aceitaram que, um mês e meio antes das primeiras eleições livres, fosse imposto o Estado golpista?

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É certo, Sr.as e Srs. Deputados, que houve muitos lados, muitos erros e acertos, nestes tempos conturbados. Mas a única diferença que conta no 11 de Março é entre os que quiseram bombardear Lisboa e os que defenderam a revolução e a democracia.
Por isso, não estou aqui, Sr.as e Srs. Deputados da direita, para ajustar contas convosco. Mas é preciso resistir a quem quer reescrever a história, a quem procura bandeiras que não teve, e afirmar que a revolução nunca foi só uma festa, foi um duro conflito pela democracia e pela justiça social, e que, no 11 de Março, os golpistas estavam do outro lado.
Por isso mesmo, nunca aceitaremos que a direita deste Hemiciclo reescreva, com Durão Barroso, a história do nascimento da nossa democracia. Não se trata só de fazer justiça à história, não se trata só de não deixar passar em claro aqueles que querem tirar a primeira letra da palavra "revolução" para convencer as novas gerações de que tudo se passou suavemente entre a ditadura e a democracia, como se, aliás, a ditadura não fosse só uma coisa mole, uma "itadura" de qualquer tipo. Não se trata só de impedir o revisionismo letrista; o problema é o que está hoje nos protestos nas ruas de Lisboa.
O 25 de Abril não foi só conquistar a liberdade para votar. Foi uma democracia política e social que começou. Foi a democracia que fez os serviços públicos, fez os direitos dos homens, das mulheres e dos cidadãos deste país. E batermo-nos na continuidade da revolução por esses direitos é afirmar, com todas as letras, que a revolução que começou e a democracia tem os seus herdeiros neste combate pelo futuro deste país.
A direita sabe que isto não é uma questão de palavras. Não é uma questão de palavras para a direita. Pois saibam também que, para nós, também não é.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Concluirei, Sr. Presidente.
E, quando comemorarmos os 30 anos do 25 de Abril, é bom que nos lembremos que as comemorações nunca serão um "arraial dos santos populares". Comemoramos o 11 de Março e o 25 de Abril sendo oposição à mentira e ao Governo mais à direita desde 1974 e batendo-nos por essa alternativa para uma modernização democrática que falta a Portugal.

Aplausos do BE.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Marco António Costa. Como o Sr. Deputado Francisco Louçã já não tem tempo para responder, o PSD fez saber à Mesa que cederá 1 minuto ao BE para o efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marco António Costa.

O Sr. Marco António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, a minha pergunta é muito simples. O que reclamámos para esta bancada e para o Primeiro-Ministro é o direito que o Sr. Deputado Francisco Louçã reclama para ele, o de ter uma visão dos factos históricos, uma visão que tenha a ver com a nossa concepção de sociedade e de Estado. Ora, essa visão faz com que não seja possível o Sr. Deputado Francisco Louçã condenar de ânimo leve o nosso pensamento relativamente ao 25 de Abril, porque esse nosso pensamento é de profundo respeito pelo 25 de Abril. É que também nós, nesta bancada, participámos activamente na luta pela democracia e pela liberdade, em Portugal. Portanto, não aceitamos esse tipo de leitura.
Sr. Deputado, para nós, o 25 de Abril significou liberdade da sociedade; o 11 de Março significou totalitarismo do Estado. O 25 de Abril significou, para nós, uma esperança na capacidade dos portugueses; o 11 de Março significou o recuo para as políticas dirigistas da sociedade.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, para nós, o 25 de Abril significou e significa a igualdade para os portugueses, igualdade essa que não é compaginável com situações históricas como a dos mandatos em branco, para prender portugueses sem culpa formada.
Essa é a nossa visão do 25 de Abril e do 11 de Março.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Para responder, no tempo que lhe foi cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marco António Costa, é evidente que não foi de ânimo leve que fiz esta intervenção - aliás, não faço qualquer intervenção de ânimo leve.
Trata-se de uma questão de grande importância. O revisionismo histórico e a invenção de uma "história pronto-a-vestir", que muda conforme as circunstâncias, é o sinal da falta de dignidade política.
O Sr. Deputado talvez não saiba se havia mandatos em branco, ou não, nos golpistas que quiseram bombardear Lisboa. O que não pode é dizer que o 11 de Março não foi aquilo que foi: um golpe de Estado, organizado com a força bruta das armas, para interromper a democracia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pode pensar o que quiser sobre isso, mas essa verdade está nos factos. Pode até condenar as nacionalizações, pode, aliás, condenar o seu próprio partido, que as apoiou, que estava no governo que as fez e que continuou no governo depois de as ter feito. O Sr. Deputado pode inventar o que quiser, mas o PPD esteve no governo a gerir as nacionalizações durante aquele tempo.
Pode querer agora, só porque tem parceiros incómodos, inventar um outro passado, em nome do futuro que pretende. Mas essa é a diferença entre nós.
A história é o que é, com as suas dificuldades, com as suas contradições. Mas a grande opção que havia no 11 de Março era a da coragem daqueles homens e mulheres que, na rua, se levantaram contra os golpistas, defenderam as eleições livres, defenderam a democracia, defenderam os princípios fundamentais da democracia que nasceu da revolução, e esses estavam contra os golpistas.
E, Sr. Deputado, se os senhores não têm a coragem e a dignidade de saber fazer essas escolhas decisivas sobre a democracia, isso permite-nos ter todos os temores sobre as escolhas fundamentais para o futuro, e essa é a diferença essencial.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No X Congresso da CGTP, que decorreu recentemente em Lisboa, foi decidida a realização de jornadas de luta contra o Governo para o dia 11 de Março corrente. Compreende-se…
Como faz questão de recordar no seu site da Internet, a CGTP esteve na linha da frente do apoio à generalidade dos excessos ocorridos em 11 de Março de 1975.
Mas para os verdadeiros democratas, pelo que esta data representa na história recente do nosso país e que manifestamente não é aquela que o Deputado Francisco Louçã hoje ficciona, a escolha do dia não poderia traduzir pior gosto.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Paradoxalmente, aquele Congresso da CGTP foi o mesmíssimo Congresso em que o Dr. Mário Soares - pasme-se! - afirmou que o espírito do 25 de Abril estava a ser posto em causa por forças políticas de direita, algumas das quais pertencentes ao Governo.
Ou seja, o dia em que o dirigente comunista Carvalho da Silva …

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é dirigente!

O Orador: - … convenceu o sindicalista do mesmo nome de que 11 de Março seria a melhor data para a realização de jornadas de luta contra um Governo democraticamente eleito, foi o mesmo dia que o Dr. Mário Soares escolheu para declarar que, afinal, era a direita que, com o seu discurso, estava a pôr em causa o espírito do 25 de Abril.
Não fosse a gravidade simbólica do ocorrido até poderíamos rir. Só que, confrontado com o Estado de Direito presente, o 11 de Março traduz um ideal de regime que lhe é incompatível, uma realidade que se lhe opõe.
E é por isso que o 11 de Março é a pior data que algum democrata que se queira digno desse nome poderia escolher para, simbolicamente, apresentar uma jornada de luta contra a acção de um Governo que, por seu lado, hoje, está legitimamente eleito.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Lembrar o 11 de Março não é lembrar o que nos trouxe aqui o Deputado Francisco Louçã.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Lembrar o 11 de Março é lembrar prisões sem culpa formada.
Lembrar o 11 de Março é lembrar a opressão armada e os desvarios do COPCOM, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho.

Aplausos do CDS-PP.

Lembrar o 11 de Março é lembrar a reforma agrária.
Lembrar o 11 de Março é lembrar as ocupações de empresas.
Lembrar o 11 de Março é lembrar as nacionalizações.
Lembrar o 11 de Março é lembrar muito mais, mas sempre, sempre, pelos piores motivos, pelo que, esta sim, é uma data cuja evocação, ainda que simbólica, trai o espírito do 25 de Abril.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E porque trai o espírito do 25 de Abril, nós, nesta bancada, só temos dela a recordação pedagógica de quem não quer e nunca permitirá que ela se repita alguma vez mais, no que de nós dependa.
No mais, todo o nosso discurso, todo o nosso esforço e toda a nossa motivação vão no sentido da construção de um Portugal moderno que queremos e que está nas antípodas do 11 de Março, que alguns - vê-se bem ainda hoje - lamentavelmente evocam com saudade.
Alegramo-nos sempre que Portugal tem sucesso e avança. E, perante a adversidade, só vemos um caminho: o de quem quer mobilizar os portugueses para os melhores tempos, que temos a certeza hão-de vir e para os quais, hoje, estamos a contribuir. Uma atitude em tudo contrária à dos nostálgicos do 11 de Março, para quem o discurso é quase sempre pessimista, a desgraça uma inevitabilidade e Portugal um país sem futuro.
Acreditamos em Portugal, acreditamos nos portugueses e sabemos que estamos no bom caminho, pelo que, perante a acção de protesto de quem ajudou no 11 de Março, relembramos o esforço presente de quem quer que Portugal tenha futuro.
Relembramos como o Governo, todos os dias, trabalha para que as nossas empresas gerem riqueza, ajudem a economia nacional, garantam postos de trabalho, promovam a estabilidade das nossas famílias.
Relembramos que muitas são as iniciativas que só se compreende que o sindicalista Carvalho da Silva não queira saudar porque, pelo outro lado, o dirigente comunista Carvalho da Silva, convenientemente, as quer fazer esquecer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é dirigente!

O Orador: - Relembramos como, por exemplo, no passado dia 2 de Março, em Vila Nova de Famalicão, perante centenas de empresários, dirigentes associativos, sindicalistas e autarcas, o Primeiro-Ministro apresentou ao País o programa Dínamo, assente em milhões de euros, destinados a apoiar as empresas portuguesas das áreas do têxtil e do calçado.
Relembramos como, pela primeira vez, há já muitos anos, Portugal conseguiu inverter o défice da balança comercial com Espanha, exportando mais do que daí importou.
Relembramos como a balança comercial genericamente considerada, e de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, diminuiu 11,9 %, só até ao passado mês de Novembro.
Relembramos como Portugal tem conseguido controlar o défice abaixo dos 3%, em termos que as entidades fiscalizadoras da União Europeia já confirmaram e que devolvem competitividade à economia portuguesa.
Relembramos como empresas estratégicas, pelos serviços fundamentais que prestam, fecharam o ano de 2003 com lucros consolidados, de que são exemplo a Galp Energia, a EDP e, ao que parece, na voz do Partido Comunista Português, também a TAP, mas parece que, com isso, arranjando mais uma razão para crítica do Governo de Portugal.

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Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Relembramos como a imprensa especializada, há pouco tempo, noticiava a forma como empresas portuguesas estão, hoje, a desenvolver e a gerir marcas e a dominar os canais de distribuição, num enquadramento estratégico globalizante, de que, a título de exemplo, entre outras, se citam a Coelima, a Compal, a Lameirinho, a Lanidor e tantas outras.
Relembramos indicadores do INE e da União Europeia em aspectos tão encorajadores como os que têm a ver com os sinais de retoma, a saber, os indicadores relativos à actividade económica, ao clima económico, ao volume total de negócios, à produtividade no trabalho, ao dinamismo das empresas, principalmente nos mercados externos. E relembraria até muito mais.
É bem certo que, para alguns dos que me ouvem, outros deveriam ser os exemplos que deveria citar. Para alguns dos que me ouvem, o discurso deveria ser no sentido da lembrança das empresas que fecham, dos postos de trabalho que cessam e do desemprego que, dizem, aumenta. É que, de facto, há também empresas que fecham, postos de trabalho que cessam e desemprego que ocorre. Todavia, não o farei, e não o farei propositadamente.
É que, como referi antes, perante a adversidade, só vemos um caminho: o de quem quer mobilizar os portugueses para os melhores tempos que certamente hão-de vir. O discurso da desgraça que fique com quem o queira continuar a fazer, sendo certo que, nessa distinção, também sentimos que fazemos muito mais por Portugal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Nazaré Pereira.

O Sr. António Nazaré Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, ouvi com muita atenção a intervenção que aqui produziu. Devo dizer-lhe que notei nela aquilo que me pareceu ter sido, ao longo do tempo, igualmente uma aspiração do povo português, no sentido de acreditar nos valores de Abril, na liberdade, na esperança e na igualdade que Abril trouxe.
Mas o Sr. Deputado, na sua intervenção, focou os acontecimentos do 11 de Março e as suas consequências na sociedade portuguesa. E, hoje mesmo, já ouvimos neste Plenário interpretações acerca do 11 de Março que vão muito claramente ao arrepio daquilo que afirmou.
Sr. Deputado, concordo em grande parte com o que afirmou, mas entendo que devo confirmar se aquilo que disse foi aquilo que penso que foi dito e, assim, se, no seu entendimento, o 11 de Março correspondeu a um aprofundamento das liberdades de Abril, das aspirações do povo português, ou, antes pelo contrário, se traduziu numa tentativa de introdução do socialismo de Estado; se o 11 de Março correspondeu a uma forma de libertar ou, pelo contrário, de coarctar a liberdade dos portugueses; se o 11 de Março se traduziu, de facto, na afirmação da sociedade portuguesa como uma sociedade em que a economia tinha o progresso pela frente e em que a sua modernização permitiria aos portugueses uma melhor qualidade de vida ou se, pelo contrário, se traduziu, como a maioria dos economistas hoje reconhece, num retrocesso e num processo claro de prejuízo para o bem-estar dos portugueses.
Sr. Deputado, nas suas palavras, sinto muito bem o sentido de esperança na capacidade dos portugueses. Sr. Deputado, pelas suas palavras, aqui, também posso deduzir que a sua interpretação é que o 11 de Março se traduziu num retrocesso para as esperanças que os portugueses detinham em 25 de Abril.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nazaré Pereira, tem toda a razão! É evidente que o 11 de Março representa exactamente o contrário daquilo que vivemos no 25 de Abril. O 11 de Março representa a aventura totalitária, o desvario da extrema esquerda; o 25 de Abril representa o início de todas as liberdades que se quiseram implementar e cuja concretização quase deixava de ser possível a partir do 11 de Março.
Mas curioso é verificar que alguns daqueles que ajudaram a fazer o 11 de Março sejam precisamente também alguns daqueles que hoje se nos querem apresentar como grandes democratas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É paradoxal, não faz sentido e essa, sim, é uma forma de reescrever a História que nós

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nunca permitiremos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É curioso verificar, por exemplo, que haja hoje quem, na bancada do Bloco de Esquerda - e que agora, convenientemente, saiu, quando se discute uma data que lhe é tão querida -, diga que é contra, por exemplo, entre outras coisas, a pena capital (e bem, também nós éramos e somos contra a pena capital) mas esqueça convenientemente os comunicados que, então, eram distribuídos e que, de forma tão clara, reclamavam a "justiça popular", os "imperialistas para fora de Portugal" e o "fuzilamento imediato de todos os fascistas".

Vozes do CDS-PP: - São os grandes democratas!

O Orador: - Sim, são os grandes democratas que, em 11 de Março de 1975, queriam fuzilar portugueses que, como eles, politicamente, porventura, queriam exercer a acção política mas que pensavam diferentemente. Hoje, curiosamente, já não são a favor desse fuzilamento, sendo que, não querendo reescrever a história, se esquecem que esses comunicados que apelavam aos fuzilamentos circulavam precisamente por quem fez o 11 de Março, apoiados entre outros, à data, pelo partido Comunista Português.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O quê?!

O Orador: - E a par dos comunicados dos soldados do RAL 1, que há pouco o Sr. Deputado Francisco Louçã invocava, escusava de ler aquilo que eram comunicados do próprio Partido Comunista e da JCP, …

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Da JCP?!

O Orador: - … onde, entre os casos, se falava da necessidade imperiosa de arrancar o poder aos monopólios e latifúndios, suportes de forças reaccionárias e conservadoras, etc., etc.,…

Protestos do PCP.

… numa linguagem que, não querendo reescrever a História, hoje cito para ter maior rigor.
Reescrever a História seria citar estes acontecimentos de memória e esquecer-me de que outros poderiam ter os documentos na mão e, por isso, compulsá-los e ver que isso não era verdade. Mas porque não quero reescrever a História, Sr. Deputado, apenas quero citar aqui e relembrar-lhe isto, porque certamente tem presente alguns dos excessos desses tempos. Mas, como já disse hoje aqui, relembro isto só com carácter pedagógico, para que uma data como esta nunca se volte a repetir no nosso País.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defender a honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, compreendo que o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo queira encontrar forma de, provocando as inevitáveis defesas da honra de outras bancadas, valorizar a sua paupérrima intervenção neste dia.
De facto, não tinha intenção de fazer perder mais tempo ao Plenário com esta minha intervenção, mas não posso deixar de lamentar que, de forma certamente não inadvertida, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo tenha querido confundir comunicados, não sei de que origem, em que se apelava a actos evidentemente condenáveis, rejeitáveis, e que nesta bancada nunca ninguém defendeu, com a intervenção do PCP na época histórica a que se referiu na sua intervenção.
Como essa provocação não pode passar em claro, quero aqui dizer que o CDS deve imediatamente clarificar essa questão, porque não é admissível que se confundam eventuais comunicados de grupos ou "grupelhos" onde militavam, provavelmente, alguns dos que hoje se sentam noutras bancadas, com a intervenção do PCP.
Sempre defendemos o fim dos monopólios, defendemos a reforma agrária e muito disso até ficou na

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Constituição, o que muito vos incomoda, mas nada disso se confunde com o que os senhores querem fazer crer.
Nesta bancada, neste Partido, nunca tivemos, nem teremos, bombistas; não sei se o CDS está em condições de dizer o mesmo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, o senhor pertence, julgo eu, à minha geração. Uma geração que, em 1975, era demasiado nova para outra coisa que não fosse ter medo por aquilo que estava a suceder no nosso país.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - O senhor talvez tivesse medo!

O Orador: - E, por isso, o Sr. Deputado decorridos todos estes anos, porque não pertence àquela que foi a geração dos excessos, perdeu uma excelente oportunidade…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Retire o que disse!

O Orador: - Retirarei o que bem entender, no momento em que muito bem entender.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Não tem nada que retirar!

O Orador: - O Sr. Deputado, hoje, perdeu a oportunidade de, passados tantos anos - e foram 29! -, reconhecer perante os portugueses que, nesses tempos, o Partido Comunista se excedeu. Perdeu a oportunidade de saudar a acção de alguns que aqui estão, também nesta bancada, que, tendo sido perseguidos pelo Partido Comunista, tudo fizeram para que, num regime democrático, o Partido Comunista aqui se pudesse sentar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado poderia aproveitar a oportunidade para pedir desculpa pelas prisões sem culpa formada …

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Tenha vergonha!

O Orador: - … que então ocorreram e fique sabendo, Sr. Deputado, que conheci algumas pessoas que nesta data foram presas sem culpa formada e algumas delas até me são próximas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - O que é que eu tenho a ver com isso?

O Orador: - O Sr. Deputado perdeu uma boa oportunidade para condenar aqui claramente os saneamentos que, na altura, foram feitos. O Sr. Deputado perdeu aqui uma grande oportunidade para condenar as ocupações que, na altura, selvaticamente, ocorreram em Portugal, promovidas e conduzidas pelo Partido Comunista.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E o terrorismo? Eu queria era ouvir sobre o terrorismo!

O Orador: - O Sr. Deputado poderia hoje conduzir a sua bancada de forma diferente e reconhecer, num espírito democrático, que os excessos em que também participou já não fazem sentido. Mas não! O Sr. Deputado, pior do que não reconhecer os excessos, deles não se arrepende e, portanto, repito, perdeu uma oportunidade. É pena, mas não é isso, Sr. Deputado, que me vai fazer retirar o que quer que seja, porque o que quer que seja corresponde à verdade, corresponde àquilo que consta de documentos e corresponde àquilo que os senhores sempre assumiram numa perspectiva que é histórica e foi apenas nessa medida que a quis trazer.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - E os atentados do CDS?! E o ataque às instalações do PCP, nomeadamente à sede de Braga?!

O Sr. Presidente: - Para um declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O programa eleitoral com o qual o PSD se apresentou às eleições de 2002 era omisso no que concerne aos correios.
No entanto, os serviços postais são fundamentais para o funcionamento de toda a economia e as estações de correio são verdadeiras lojas do cidadão que apoiam os portugueses em inúmeros aspectos do seu quotidiano. Nos Estados Unidos da América os correios são mesmo um departamento federal.
O sector postal está em plena transformação, num mundo em que as redes de logística são activos valiosos. Esta dinâmica pode ser, aliás, ilustrada pela recente compra pelos correios alemães da multinacional DHL. Invertem-se, assim, as lógicas.
Em contracorrente, em Portugal, o regulador ANACOM acabou de assinar, em 20 de Janeiro de 2004, um novo convénio que permite a deterioração da qualidade do serviço prestado pelos CTT e a empresa delapida os seus activos e a confiança dos portugueses. Só campanhas de marketing intensivas e pagas a peso de ouro permitem camuflar a revolta que a degradação de serviços implica.
Pela primeira vez desde que os correios estão sujeitos ao controle do serviço universal, a qualidade dos serviços postais baixou tão dramaticamente que os CTT não cumpriram, no ano de 2003, as metas de qualidade global de serviço.
Seis dos oito parâmetros de qualidade não atingiram os objectivos convencionados entre a empresa e o regulador como garantia do serviço público. Não foram sequer atingidos os padrões mínimos de qualidade relativos a três parâmetros: não foi atingido o padrão mínimo no que respeita aos prazos de entrega das encomendas; não foi respeitada a garantia mínima de distribuição atempada do Correio Azul e foram ultrapassados os prazos máximos de espera média nas estações de correio.
Os CTT perderam assim qualidade essencialmente nas áreas que mais afectam a confiança da população na sua rede de balcões e nas áreas com maior futuro para o desenvolvimento dos serviços postais, ou seja, foi nas áreas sujeitas a concorrência, como as encomendas e o correio prioritário, que são, de facto, as áreas de futuro, onde há concorrência e onde os correios menos cumpriram as suas metas de qualidade. Até quase parece de propósito!
Se esta situação não for rapidamente invertida, os CTT correm o risco de deixar de ser uma referência a nível nacional e internacional, deixando de prestar o serviço de qualidade a que habituaram os portugueses.
Há mais de 10 anos que em todos os inquéritos à opinião pública os CTT são referenciados como a instituição que maior confiança oferece aos portugueses e é, além disso, uma empresa equilibrada economicamente, que nunca viveu dos subsídios do Estado e só duas vezes teve um défice, em 1994 e em 2002. Nos outros anos foi sempre superavitária.
Os últimos inquéritos levados a cabo pela ANACOM, em 2002, indicam que, nessa altura, 91% dos utentes considerava que os serviços prestados pelos CTT tinham melhorado nos últimos 5 anos.
Em contrapartida, em 2003, a percentagem de utentes satisfeitos caiu cerca de 73% para 53%, enquanto que a clientela insatisfeita crescia de 7%, no início de ano, para 19%, em Dezembro. As reclamações triplicaram em certas áreas e quintuplicaram noutras, no decorrer do ano.
A partir do Verão surgem inúmeros protestos relativos à degradação do serviço prestado. Sobrepõem-se rumores sobre a intenção dos CTT de fecho ou transferência da gestão de 500 estações, cerca de 200 estações em localidades rurais e cerca de 300 estações de média importância.
O Sr. Secretário de Estado, que foi aqui ouvido em 1 de Outubro, demonstra desconhecer completamente a situação. A administração da empresa, em carta dirigida à Comissão de Obras Públicas para colmatar essa lacuna, reconhece a baixa qualidade no terceiro trimestre de 2003 e promete a inversão da tendência, algo que, como vimos, não se realizou e que levou a que o presidente dos CTT, aqui presente há três dias, dissesse que era em 2004 que a qualidade ia ser de novo retomada.
No entanto, a assinatura, no final de Janeiro, do novo convénio exprime com rigor que os objectivos são de continuidade na baixa de qualidade que está inscrita neste convénio, como ocorreu em 2003.
Com efeito, não se compreende a necessidade de construir objectivos convencionados de qualidade reduzida se a empresa se propusesse melhorar a qualidade do serviço. Não precisava de os alterar!
O novo convénio passa a qualidade média de espera padrão de 5 minutos para 10 minutos e retira a importância que o tempo de espera tinha nos padrões de qualidade, pois passa só a valer 4%.
Também são fortemente reduzidos os padrões de qualidade no correio prioritário, o Correio Azul, e a

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degradação do serviço para as regiões autónomas.
Não parece razoável aceitar a degradação do serviço universal justamente quando os serviços postais são abertos à concorrência. A actuação do Governo parece traduzir um completo abandono de qualquer salvaguarda do interesse público.
Com efeito, em final de 2003, é também alterado o Contrato de Concessão dos CTT, que passaram a poder fechar estações de correios sem a anterior dependência de parecer favorável da ANACOM.
Assim, o Governo lava as mãos como Pilatos perante um plano sistemático de redução para metade da rede de estações do País, deixando delapidar o maior activo dos correios, a sua rede de balcões. Permite assim a degradação da relação de confiança com os portugueses e as empresas estabelecidas no nosso país.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se, tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente!
Esta demissão do Governo ocorre, por ironia, no momento em que a empresa beneficia de uma redução significativa de encargos com as pensões dos seus funcionários, que decorre da integração do seu fundo na Caixa Geral de Aposentações e a sua assumpção de 75 milhões de contos/ano pelo Estado, que eram anteriormente custos da empresa.
Pela minha parte, não quero ser cúmplice desta situação tenebrosa e considero que não é aceitável que o Estado se demita da defesa da qualidade do serviço público.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, inscreveram-se os Srs. Deputados Fernando Pedro Moutinho e Bruno Dias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de registar que a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho disse, pelo menos, algo com precisão. Na verdade, ouvimos a administração dos CTT há escassos dias, creio que na terça-feira, e, de facto, há um conjunto de informações que esta pôde transmitir aos Deputados que merecem ser relevadas. Aliás, na sequência dessa reunião, o Grupo Parlamentar do PSD também aceitou que a Comissão de Obras Públicas recebesse, em breve, a autoridade reguladora, a ANACOM. Mas vale a pena centrar-me naquilo que a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho referiu e, no fundo, para lhe fazer a pergunta que pretendo.
De facto, a administração dos CTT reconheceu algum decréscimo de alguns índices de produtividade e de qualidade na prestação dos correios. Reconheceu sim, senhora, mas a Sr.ª Deputada também ouviu referir o que era o esforço de reestruturação que estava a ser feito, e uma das questões em que a administração dos CTT reconhece que não terá sido muito hábil, digamos assim, terá sido na demonstração de qual era o objectivo final do processo de prestação em causa. E o objectivo final é servir melhor os utentes, o público em geral, os cidadãos portugueses.
Quando a Sr.ª Deputada faz este conjunto de considerações e esquece-se de referir o acordo com a ANAFRE, esquece-se de referir o aumento de tempo de abertura de muitos postos de correio no interior do País e em zonas pouco habitadas, permitindo também que se trate de muitos outros assuntos do quotidiano das pessoas para além do serviço de correio normal, pois hoje as estações fazem muito mais do que a distribuição do correio - por exemplo, pagam pensões, recebem as contas dos telefones, etc. -, dizendo a Sr.ª Deputada que esta situação não é boa para as populações, então, não sei o que a senhora quer.
Mas há um outro aspecto para o qual queria chamar a sua atenção, pois muitas vezes se confunde "o trigo com o joio". É que o serviço de distribuição postal não está em causa, porque será feito sempre pelos correios, pelos carteiros. Portanto, Sr.ª Deputada, não vale a pena misturar uma questão com a outra. Vamos, sim, apurar questões pertinentes do ponto de vista da perda de eficácia dos correios, nos últimos meses.
Em parte, foi referido pela administração que houve uma reestruturação, nomeadamente a informatização dos postos de correio, e a conjuntura internacional ajudou também.

O Sr. António Costa (PS): - A conjuntura internacional?!

O Orador: - Hoje em dia, usa-se muito menos cartas e encomendas. Os próprios correios emitem menos cartas, Sr. Deputado António Costa.

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O Sr. António Costa (PS): - Então, por que é que se espera mais tempo?!

O Orador: - O que efectivamente está em causa é uma diferença qualitativa.
Na Europa, há países, como a Áustria, que…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir. Já é tempo de o fazer.

O Orador: - Tem razão, Sr. Presidente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, vale a pena ouvir. Esta tese tem de ser explicada!

O Orador: - Sr. Presidente, não termino nem os considerandos nem a pergunta!

O Sr. António Costa (PS): - Vale a pena ouvir!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, a questão que aqui se coloca é que a Sr.ª Deputada deveria demonstrar quais os padrões de qualidade que estava a querer justificar como aqueles que deveriam ser mantidos. Explique-os porque, depois, vai valer a pena conversarmos sobre essa matéria na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, dado que é sobre esse assunto que vamos ter de falar com a autoridade reguladora.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, é de facto fundada e oportuna a preocupação que trouxe na sua declaração política quanto a esta estratégia inconfessada mas sempre levada a cabo pelo Governo, no sentido da degradação do serviço público de distribuição postal e do serviço postal, cujos indicadores de qualidade definidos de acordo com os padrões objectivos foram agora alterados por "um fato à medida" da adaptação, para falsear os indicadores objectivos, e por uns coeficientes diferentes, que serão aplicados segundo este novo convénio.
Efectivamente, já em Setembro do ano passado, por proposta do PCP, foi pedida a presença do Governo na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, porque dizíamos - e foi confirmado - que "não há fumo sem fogo".
Ora, o que aparecia ser uma estratégia de passagem para as freguesias de um conjunto muito largo de serviços dos CTT - qualquer dia a EDP também de lá sairá e ficará o presidente da junta a pedalar num dínamo para iluminar as casas das pessoas -, apesar de termos verificado a ausência do Sr. Ministro, o Secretário de Estado veio afirmar que não era assim, que não seriam reduzidos postos de trabalho, não haveria degradação da qualidade, não haveria encerramento de estações dos CTT. É tudo falso! Repito, é tudo falso!
Os padrões dos objectivos aí estão para o desmentir, em termos de qualidade; temos notas assinadas pelo Sr. Dr. Horta e Costa, Presidente dos CTT, a suprimir estações em todo o País, de norte a sul, e verifica-se uma diminuição de 2000 postos de trabalho em termos dos quadros da empresa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem! É verdade!

O Orador: - Portanto, é preciso perguntarmos se, afinal, o Sr. Dr. Horta e Costa, Presidente dos CTT, é um free-lancer. É um empresário? Actua por sua conta e risco ou é um gestor, nomeado pelo Governo, que actua e intervém nos termos da estratégia que o Governo define?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É um comissário!

O Orador: - E quando afirma publicamente, como bandeira de intervenção que todos já ouvimos, que os CTT estão preparados para a privatização, interessa perguntar: afinal, quem é que lhe encomendou o sermão? Quem é que apontou essa estratégia?

Vozes do PCP: - Exactamente!

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O Orador: - É certo que, com esta privatização dos correios - a Deutsche Post, os correios alemães, são potenciais compradores, têm uma estratégia de ampliação e de diversificação da oferta, de desenvolvimento das suas redes em termos internacionais -, temos afinal um Governo português que, pelos vistos, é vendedor e confunde uma estratégia de desenvolvimento e qualidade do serviço público postal com uma estratégia comercial de venda uma empresa. Ora, isso é algo inaceitável e claramente prejudicial para o País e para os portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho. Dispõe de 5 minutos para o efeito.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Moutinho fez bem em lembrar que, finalmente, o PSD aceitou que viesse aqui ser ouvida a ANACOM. Isso é muito importante porque é estranho que o Sr. Presidente dos correios tenha dito que não sabia qual era a comparação entre o novo convénio e o antigo, em relação aos resultados do ano passado. Não tinha testado a diferença! Mas eu, que conheço o convénio, testei e sei que o novo convénio daria o dobro da pontuação aos CTT. Ou seja, com o novo convénio, de 2003, não se notaria a baixa da qualidade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Curiosa coincidência!

A Oradora: - Em contrapartida, o PSD não disse que inviabilizou a vinda aqui do Sr. Ministro, proposta pelo PCP, …

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - … o que tem que ver com uma estratégia, que é a mesma que leva o Sr. Presidente Horta e Costa a assumir como sendo da sua única responsabilidade as declarações que fez no sentido da privatização da empresa ou da venda de activos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Um verdadeiro estóico!

A Oradora: - Ou seja, de facto, ele constituiu "uma muralha de aço" para defender o Governo quando está a "enterrar" os CTT.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É uma situação notável!
Realmente ele disse-nos que a situação é temporária. Então, por que motivo teve de baixar os padrões de qualidade? Se ele pensasse em subir a qualidade não precisava de assinar, exactamente há um mês, um convénio em que baixa os padrões de qualidade justamente para o nível que cumpriu em 2003. Esta situação é "gato escondido com o rabo de fora"!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Evidentemente, ele falou na instauração de um novo sistema de informática, mas ao longo dos últimos anos não houve praticamente altura nenhuma em que não tenha havido a instalação de novos sistemas informáticos nos correios. Talvez o Sr. Deputado não saiba mas as estações dos correios tiveram um programa de informatização e de investimento de muitos milhões de contos ao longo dos últimos 7 ou 8 anos.
Conheço bem todo o esforço que foi feito no sentido de criar postos de trabalho qualificados, de forma a prestar um serviço diferenciado à população. Sabia que nos postos dos correios é recebida uma percentagem de impostos na ordem dos 40%? Tem conhecimento do apoio que os postos de correio dão às pequenas empresas na cobrança do IVA? Sabia que os postos de correio é que servem para pagar as pensões aos pensionistas, aos idosos?

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Qual é a mudança aí?! Não há mudança nenhuma!

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A Oradora: - É que estas pessoas vão ter de passar a ir à sede de distrito!
Vou dar-lhe um exemplo: posso distribuir as listas da primeira ou da segunda estratégia que emanam da empresa, mas em metade destas estações que fecharão não se tem minimamente em conta a coesão social do País.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Vai tudo a eito!

A Oradora: - Não digo que não se justifique fechar duas ou três estações, que podem ser rurais, ou alterar o horário de abertura e de fecho de estações, como tem sido feito nos últimos anos, em distritos como, por exemplo, o de Vila Real, que neste momento tem 33 estações. Agora, o plano do Presidente Horta e Costa é fechar 14 estações rurais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é abrir!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - É alargar o tempo de funcionamento!

A Oradora: - E depois competiria às juntas de freguesia assegurar o serviço dos correios. Vão fazer parcerias e acabar com a gestão de mais 15 estações do correio, ou seja, em Vila Real, de 33 estações de correio, ficam quatro!

Vozes do PS: - Exactamente!

A Oradora: - Ora, isto é feito sem qualquer estudo económico, sem qualquer transparência, sem que esta Câmara tenha sido informada sequer sobre os planos, tendo inclusivamente o Governo alterado o contrato de concessão para permitir que este fecho de estações já não precise do parecer prévio da ANACOM, que obrigava a uma análise da situação até Setembro do ano passado, data em que foi alterado o contrato de concessão justamente para permitir a falta de transparência.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - É verdade, é!

A Oradora: - Trata-se de algo completamente tenebroso!

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Tenebrosa é essa argumentação!

A Oradora: - As vendas de património que os CTT estão a fazer este ano são uma verdadeira delapidação.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Quanto a isso, o PS é especialista!

A Oradora: - O importante é que preste contas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder ao debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde - CNS (PS) e 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde (PS).
Todavia, antes de iniciarmos o debate, informo a Câmara, o que, aliás, já é do conhecimento geral, que a eleição do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação e a eleição dos vogais do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais fica adiada para a próxima semana, uma vez que as respectivas candidaturas não foram apresentadas em tempo útil.
Para apresentar os projectos de lei que já referi, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Procedemos hoje à

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discussão conjunta do projecto de lei n.º 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde e do projecto de lei n.º 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde, sendo ambos os projectos de lei da iniciativa do PS.
A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), há 14 anos que prevê, na Base VII, a instituição do Conselho Nacional de Saúde, um órgão de consulta do governo para a área da saúde. Acontece que, como já referi, este importante órgão, previsto na lei há cerca de 14 anos, continua a não existir. Vários governos passaram sobre esta lacuna sem lhe dar a importância que era devida.
Trata-se de um órgão cujas funções e importância vão ao encontro dos desafios modernos que se colocam na área da saúde em muitos países europeus, designadamente o da necessidade do envolvimento e participação dos cidadãos na definição, acompanhamento e execução das políticas de saúde que directa ou indirectamente lhes dizem respeito.
Esta participação activa contribui de forma positiva para que o doente ocupe o seu lugar devido, isto é, no centro do sistema de saúde, e assuma um papel importante para gerar os necessários equilíbrios numa sociedade mais justa e solidária.
Aliás, de acordo com o último Relatório da Primavera do Observatório Português de Sistemas de Saúde, "O nosso país mostra fragilidades ao nível da sua coesão social que interessa ter presente na definição das políticas (…) Em períodos de recessão e de desemprego são as populações mais frágeis que vêm afectadas de forma mais gravosa o seu nível de bem-estar".
No mesmo relatório pode-se ainda ler: "Nas sociedades modernas e evoluídas, os cidadãos situam-se no centro do modelo de prestação de cuidados de saúde. Por isso, devem ser ouvidos sobre os cuidados prestados e as suas opiniões e preferências devem ser respeitadas, tentando satisfazer as suas legítimas expectativas".

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

O Orador: - A criação do Conselho Nacional de Saúde vai pois ao encontro de um conjunto de realidades com que hoje em dia os vários modelos se debatem.
Um órgão de consulta do governo, independente e que funciona junto do Ministério da Saúde, tendo como atribuição primeira assegurar e estimular a participação de vários sectores da sociedade na procura de consensos alargados em torno da política de saúde.
Um órgão com um conjunto variado de competências, como por exemplo, de emitir parecer sobre iniciativas legislativas relevantes em matéria de saúde, nomeadamente as relativas aos direitos e interesses dos utentes dos serviços de saúde, bem como à qualidade e ao funcionamento dos serviços de saúde, sobre as Grandes Opções do Plano e o orçamento para a saúde e sobre o balanço anual relativo à avaliação das medidas de resolução das listas de espera, acompanhar o estabelecimento e desenvolvimento das parcerias público/privado - o que vai ao encontro de muitas opiniões expressas ao longo destes meses -, o processo de empresarialização dos hospitais SA, do Serviço Nacional de Saúde, bem como a prestação dos cuidados de saúde primários e a adopção de eventuais programas e/ou medidas de recuperação de listas de espera. Competir-lhe-ia também elaborar um relatório bianual sobre o funcionamento dos serviços de saúde, mas com a particularidade de este relatório ser elaborado na óptica do cidadão.
Um órgão, portanto, cuja composição integra representantes das organizações de defesa dos utentes dos serviços de saúde, das organizações sócio-profissionais, dos grupos parlamentares, das entidades prestadoras de cuidados de saúde (sector privado e social) e dos subsistemas de saúde entre outros.
A Base VII faz uma elencagem meramente exemplificativa do que deverá ser a composição do Conselho Nacional de Saúde. Estabelece que os representantes dos utentes de saúde são eleitos pela Assembleia da República e remete para lei a definição concreta da composição, competências e funcionamento desta entidade.
Tornava-se, assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, necessário proceder a uma actualização e aperfeiçoamento das normas contidas na Base VII da Lei de Bases da Saúde, designadamente eliminando a exigência da eleição dos representantes dos utentes pela Assembleia da República, devendo eles serem eleitos pelos seus representantes, definindo com clareza o âmbito de acção do Conselho Nacional de Saúde e prevendo expressamente que o mesmo funcione junto do Ministério da Saúde, que lhe presta o apoio técnico, administrativo e logístico necessário ao cumprimento da sua missão. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Consideramos da maior importância a constituição do Conselho Nacional de Saúde. Por isso apresentamos estas iniciativas legislativas, que certamente receberão contributos muito positivos durante este debate.
O PS não tem uma posição fechada sobre o conteúdo destes diplomas. Estamos, pois, totalmente abertos a todas as sugestões que venham beneficiar o seu articulado, designadamente no que se refere às

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suas competências e à sua composição.
Numa altura em que várias vozes se levantam, apontando para a necessidade de encontrar pontes de diálogo na conturbada área da saúde, estamos convictos de que a criação do Conselho Nacional de Saúde pode vir a dar um contributo fundamental para se chegar a plataformas de diálogo e entendimento, para bem da saúde dos portugueses.

Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.
A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Deputado João Rui Almeida acabou de apresentar, em nome do PS, dois projectos de lei, prevendo a criação do Conselho Nacional de Saúde, o que implica, naturalmente, a alteração da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, Lei de Bases da Saúde.
De facto, esta Lei foi um marco histórico na política de saúde na década de 90, foi uma lei inovadora, saída ao tempo de um governo PSD, constituiu um ponto de partida para a concretização das actuais reformas e que, passados 14 anos, mantém a sua actualidade.

O PS, que no final da anterior legislatura quis fazer aprovar uma nova lei de bases de saúde, vem agora propor só uma pequenina alteração, só uma minudência. Mas esta Lei, de facto, além de preconizar princípios gerais, a política de saúde, o estatuto dos profissionais e dos utentes e de instituir uma política de alargamento à participação activa dos profissionais do poder local e dos utentes, preconiza também formas inovadoras de gestão das unidades de saúde e aponta diversidade de modelos, quer a nível da gestão quer a nível do financiamento. Trata-se de uma Lei enquadradora de princípios, que foi, até hoje, uma Lei sem qualquer carácter redutor.
Mas, na verdade, os factos vêm demonstrar que a sua Base VII, que contempla a criação do Conselho Nacional de Saúde, não correspondeu a nenhum bem jurídico ou social. Logo, este conceito nunca foi materializado, porque, entretanto, 14 anos decorreram e outros instrumentos se foram desenvolvendo. E eu não sei mesmo se o Partido Socialista não tem estado um pouco desatento em relação aos instrumentos que têm sido criados.
Actualmente, Srs. Deputados, existem nesta área estruturas mais técnicas, menos políticas; há estruturas de planeamento de saúde que têm tido uma maior amplitude, uma maior e mais alargada procura de consensos, com planos de acção amplamente discutidos…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
E há hoje modernas vias de relacionamento com os utentes. Um exemplo disso, Sr. Deputado João Rui Almeida, é o de que o Plano Nacional de Saúde esteve um ano em discussão pública.
Portanto, não é por esta via, Sr. Deputado, que se colocam os cidadãos no centro do sistema, mas sim pela via da legislação que tem sido praticada. E se o Sr. Deputado a ela atender, sobretudo no nível mais próximo de cuidados, verá que está contemplada, quer nos cuidados primários, quer nos hospitais SA, quer nos hospitais SPA, quer nas comissões concelhias de saúde, quer nos gabinetes dos utentes. Está, pois, contemplada numa série de legislação.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui Almeida para responder ao pedido de esclarecimento que lhe foi formulado.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr.ª Deputada Clara Carneiro, não sei se a Sr.ª Deputada se deu conta de ter referido que o PS "vem propor só uma minudência".
O debate político chegou a este ponto! Relativamente a uma lei que é da autoria do PSD, de um governo do Prof. Cavaco Silva, os senhores estão numa tal posição que até já perderam o respeito por vós próprios.

A Sr.ª Isménia Franco (PSD): - Ora essa!
O Orador: - É que a Base VII é, talvez, uma das bases mais importantes da Lei de Bases da Saúde.

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E a Sr.ª Deputada diz que o PS "vem propor só uma minudência"?!
Perante isto, Sr.ª Deputada Clara Carneiro, não estou em condições de poder dizer-lhe mais nada.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.
O Sr. José Manuel Pavão (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao longo dos meses em que tenho acompanhado a vida parlamentar e dela participado, constatei que ocorrem, com relativa frequência, pedidos de alteração de diplomas, algumas vezes restringindo e outras vezes aditando a sua textualidade, o que pode contribuir - e contribui nalguns casos concretos - para a alteração do seu sentido objectivo e do sentido final com que esses mesmos diplomas são criados.
Sabemos que esses mecanismos são postos à disposição das representações partidárias e que demonstram, inequivocamente, a dinâmica e a vitalidade parlamentar, mas a verdade é que nem sempre contribuem objectivamente para essa finalidade.
A meu ver, as alterações previstas nos projectos de lei n.os 396/IX e 399/IX, que o Partido Socialista aqui hoje apresenta, inscrevem-se neste juízo introdutório que acabo de referir.
Com efeito, penso que são poucos - muito poucos - os que hoje não consideram que a Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, conhecida como a Lei de Bases da Saúde, e que já aqui foi referida por todos, é já uma importante referência histórica no percurso nem sempre fácil e nem sempre sereno de tudo quanto se tem feito na defesa do direito dos cidadãos à saúde, arriscando-me eu próprio a afirmar que, sendo inovadora, marcou, de modo inequívoco, a última década da saúde em Portugal.
Esta Lei estabelece, de facto, as bases gerais do regime jurídico da saúde, em plena correspondência e obediência ao artigo 64.º da Constituição da República, o qual nos recorda o direito que todos têm à protecção da saúde e o dever inequívoco de a defender e promover, nomeadamente através de uma gestão descentralizada, e sobretudo participada, porque, Sr.as e Srs. Deputados, do que se trata hoje, aqui, é da defesa de uma participação activa e funcional que, a meu ver, será, ao fim e ao cabo, a essência deste debate.
É, de facto, na Base VII da Lei de Bases da Saúde que o Conselho Nacional de Saúde é referido e definido como um órgão que "(…) representa os interessados no funcionamento das entidades prestadoras dos cuidados de saúde e é um órgão de consulta do Governo", como aqui também já foi dito, e que na sua composição inclui "(…) os representantes dos utentes, nomeadamente dos subsistemas de saúde, dos seus trabalhadores, dos departamentos governamentais (…)".
Mas é também nesta mesma Lei de Bases que o estatuto dos utentes e dos profissionais de saúde e o apoio à investigação, entre outras directrizes igualmente importantes, têm bases concretas, que lhe são destinadas e dedicadas nos diplomas em debate.
Sendo, portanto, uma Lei básica e estruturante em matéria de saúde, ela foi, justificadamente, ponto de partida para a concretização das numerosas e importantíssimas reformas que já contamos nesta área e que foram feitas durante a presente Legislatura, que ainda não atingiu a sua primeira metade.
Todavia, Sr.as e Srs. Deputados, decorridos todos estes anos - bastante mais do que uma década (mais três anos e alguns meses) - sobre a publicação da referida Lei de Bases, o que se verifica é que não foi concretizada a criação do referido Conselho Nacional de Saúde, pressupondo-se, por óbvia dedução, que, na prática, até à presente data nenhum governo percebeu ou detectou a sua efectiva necessidade. E é aqui que reside a questão importante.
Se fizermos uma sucinta mas rigorosa retrospectiva nesta matéria, podemos afirmar que não tendo sido sentida esta necessidade de organizar e de pôr em prática os mecanismos legais que conduzissem à sua criação - que é, afinal, o que hoje está aqui em apreço -, é porque se entendeu que a questão é agora desajustada e também porque o espírito da Lei n.º 48/90 tem garantida, por outras formas, a participação dos cidadãos nos serviços de saúde.
Quero aqui referir, objectivamente, e a título de exemplo, para dar mais força a este argumento e às minhas razões, os conselhos consultivos dos centros de saúde, de formação mais recente, e os conselhos consultivos dos hospitais públicos - que, como é sabido, vieram substituir os conselhos gerais e parte dos conselhos técnicos, sobre os quais temos uma visão muito viva e muito concreta quanto à sua real validade, o que nos propomos discutir -, que, de algum modo, pelo menos na óptica dos legisladores desses diplomas, se pensava que representavam, de maneira mais objectiva e alargada, a participação dos cidadãos.
Refiro ainda - por que não? - os gabinetes dos utentes, que levam já bem mais de 16 ou 17 anos nos nossos estabelecimentos públicos, que são um óptimo apetrechamento de que os cidadãos dispõem para apresentar as suas razões, e as comissões concelhias de saúde, organismos que já contemplam a participação dos cidadãos e asseguram a promoção do diálogo social - isso é que é importante - no acompanhamento do Serviço Nacional de Saúde.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face às evidências que aqui apresento, de modo objectivo e sucinto, e cuja argumentação em contrário, com todo o respeito, antevejo como muito difícil e de consistência naturalmente debilitada, não vemos, presentemente, viabilidade para tornar efectiva a alteração que aqui é hoje apresentada.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosalina Martins.
A Sr.ª Rosalina Martins (PS): - Sr. Deputado José Manuel Pavão, ouvi com muita atenção a sua exposição e quero relembrar que o projecto de lei n.º 396/IX, do PS, que pretende instituir o Conselho Nacional de Saúde, diz, na sua exposição de motivos, que é seu objectivo "(…) encontrar as melhores respostas para os desafios da modernidade e do desenvolvimento económico e social do País.", fazendo também um apelo à participação directa dos cidadãos na definição, acompanhamento e execução de determinado tipo de políticas que mais directamente lhes dizem respeito.
Todos os cidadãos se sentem à vontade para, nomeadamente, falar de educação e saúde, até porque são temas que estão quotidianamente muito próximos de todos. Sendo assim, e tendo em vista o sucesso do Conselho Nacional de Educação, atrever-me-ia a tentar fazer uma comparação no sentido de verificar se a eficácia do Conselho Nacional de Educação pode, ou não, ser transposta para o Conselho Nacional de Saúde.
Todos nós sabemos que o Conselho Nacional de Educação é reconhecido como um órgão indispensável à definição e execução da política educativa num processo de constante e gradual construção de consensos: promove o debate político sobre áreas e temas prioritários; pratica uma democracia participativa; assume-se como um órgão mediador de diferentes interesses, de diferentes pontos de vista e até de diferentes posições políticas e é também um órgão de consulta diversificada; tem contribuído, e muito, para a produção e difusão de um pensamento actualizado e actuante na sociedade portuguesa; acompanha e pronuncia-se, quando solicitado, sobre as diferentes políticas; orienta actividades para tornar presentes as grandes mudanças; e visa entendimentos e consensos, nunca descurando o confronto de argumentos e sensibilidades.
Se o Conselho Nacional de Educação tem promovido todas estas virtualidades e se, sempre que discutimos uma política educativa nesta Câmara, todos os Deputados de todas as bancadas vêem com muita atenção e seguem os pareceres deste Conselho, que são pareceres técnicos altamente qualificados,…

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem!
A Oradora: - … porque não, em vez de medidas avulsas e dispersas e de comissões locais, concelhias e de âmbito distrital, um Conselho Nacional de Saúde, capaz de definir e de dar sequência a todas estas políticas e de emitir os tais pareceres, que são tão importantes para a implementação de uma correcta política de saúde no todo nacional?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Sendo assim, a minha questão…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.
A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente. Sendo assim, a minha questão é muito concreta: de acordo com aquilo que prevê a Lei de Bases da Saúde, porque não a transposição para a saúde de todas estas virtualidades, que todos nós conhecemos, do Conselho Nacional de Educação?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.
O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Rosalina Martins, começor por agradecer a pergunta que teve a amabilidade de me fazer. Sr.ª Deputada, é um velho hábito meu, e é minha regra quando troco impressões em diálogo parlamentar,

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utilizar a linguagem popular. Portanto, utilizando um refrão popular, dir-lhe-ei que "contra factos não há argumentos".
V. Ex.ª invocou aqui o Conselho Nacional de Educação em comparação, e no mesmo plano, com o Conselho Nacional de Saúde. Com o devido respeito pelos juízos que formulou, dir-lhe-ei que não há comparação possível a fazer, cada coisa no seu lugar. Enquanto no Conselho Nacional de Educação - e condiciono-me a um conhecimento restrito dessa matéria, no entanto esta questão não é alheia a qualquer um de nós - não há, tanto quanto sei, órgãos intermédios, já no plano da saúde eles abundam.
Referi há pouco numerosos órgãos intermédios abaixo do Conselho Nacional de Saúde: os conselhos consultivos dos hospitais, os conselhos consultivos dos centros de saúde, e até, correndo o risco de ser interpelado nessa matéria, os gabinetes dos utentes. E falei num paralelismo entre os novos conselhos consultivos dos hospitais públicos com os conselhos gerais e com os conselhos técnicos dos hospitais, segundo a Lei n.º 3/88, que regrava juridicamente os hospitais, tendo dito que seria bom trocarmos impressões nessa matéria.
Portanto, não há qualquer paralelismo.
O Sr. Luís Carito (PS): - A diferença é que um fala de saúde e o outro de educação!
O Orador: - Julgo que na saúde estes órgãos abundam e têm-se mostrado, ao longo de mais de uma década, necessários e eficientes.
Para terminar, Sr.ª Deputada, dir-lhe-ei que foi aqui dito pelo seu companheiro de partido o seguinte: "Vários governos passaram sobre esta lacuna sem lhe darem a importância devida". É verdade! Mas VV. Ex.as apresentam estes projectos de lei, falam na importância que era devida a esta questão, mas passou bem mais de uma década, os senhores foram governo durante…
Não queria enveredar por aqui na minha resposta, nem me autorizar a questioná-la sobre o porquê dessa ausência de concretização do Conselho Nacional de Saúde, mas permitir-me-á que me autorize a mim próprio a fazer a minha dedução, que é simples, objectiva, clara: naturalmente que se não o fizeram, com respeito pelo mérito das vossas decisões políticas, foi porque não houve necessidade, porque não havia razões para tal, pelo que chegámos a Março de 2004 sem que fosse concretizado.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de extrema importância a participação das populações no Serviço Nacional de Saúde. De resto, é por isso que a Constituição ainda mantém - e esperemos que continue a manter - a definição da gestão do Serviço Nacional de Saúde como sendo uma gestão descentralizada e participada.
É evidente que, ao longo dos anos, o que tivemos foi a ausência dessa participação na gestão e, portanto, a ausência do cumprimento deste comando constitucional tão importante e que define uma matriz fundamental do Serviço Nacional de Saúde tal como o queremos, tal como o entendemos: ao serviço e próximo das populações.
O que tivemos foram incipientes mecanismos de participação, normalmente destinados e votados a serem ineficazes - veja-se o que acontece com os conselhos gerais dos hospitais, que são órgãos decorativos e que muitas vezes nem sequer reúnem -, foi uma ausência de participação nos vários órgãos ao nível central do Serviço Nacional de Saúde. Justifica-se, portanto, como propõe o projecto de lei do Partido Socialista, que se consagre este Conselho Nacional de Saúde para que, a um nível nacional, esta participação seja mais alargada na definição e no acompanhamento das políticas de saúde.
De resto, têm sido preteridos direitos básicos de informação. Um utente, hoje, não sabe qual é o seu lugar numa lista de espera nem qual é a situação das listas de espera na sua patologia em cada hospital. Não sabe o utente nem sabemos nós, aqui, na Assembleia da República. Há, portanto, nesta como noutras matérias, um imenso défice de informação que, numa sociedade moderna e com uma Administração Pública moderna, não devia existir.
É evidente que as populações têm vindo a organizar-se cada vez mais - a necessidade tem-no exigido - para defender os seus interesses junto do poder político, criando comissões de utentes, comissões de saúde e grupos por doença ou por patologia, mas isso não tem sido acompanhado por um necessário aumento da participação dessas entidades, dessas associações e dessas comissões de utentes nas unidades de saúde e na gestão das unidades de saúde.
O agravamento da situação na saúde face à política do Governo foi e tem sido acompanhado pelo agravamento da ausência de informação, por uma situação de absoluta fraude informativa em relação a

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muitas matérias e por um bloqueio na transparência que deve existir nas unidades de saúde, nos dados do seu funcionamento e nas orientações de gestão que aplicam.
Os exemplos dos hospitais SA, das listas de espera, das dívidas dos diversos hospitais são disso uma confirmação cabal, e o Orçamento do Estado foi um momento em que, de forma particular, se verificaram estas ausências de informação absolutamente inaceitáveis.
É por isso que entendemos que esta temática da informação e da participação é relevantíssima na saúde e é grave que, não sabendo sequer a Assembleia da República muitas das informações que seriam necessárias, muito menos o saibam os desprotegidos utentes.
O Governo quer, assim, esconder a sua política, e há já evidentes consequências na saúde dos cidadãos com a falta de informação e de transparência. Mas a verdade é que vão assomando os sinais da desgraça que é esta política para o País e para o Serviço Nacional de Saúde: as situações de ruptura - a situação de ruptura financeira em que, já no mês de Março, está colocado o Hospital de Santa Maria, um dos maiores hospitais do País, o mesmo acontecendo com outras unidades - e as situações de instabilidade existentes no Hospital de Viseu, no Hospital da Figueira da Foz, no Hospital de Santa Maria - com o conhecido (e que a Comissão de Saúde pode constatar) conflito do Ministro da Saúde com a anterior administração do hospital, também nomeada - no Hospital de Setúbal, com sucessivos episódios de confrontação da administração com utentes e com profissionais, e em muitos outros que, de uma forma ou de outra, vão aparecendo a público, denunciando como esta política tem "pés de barro" e prejudica os direitos dos utentes e dos profissionais.
Vejamos agora o que é a experiência de outros países, que confronta este Governo com os seus efeitos: na Suécia, o governo resolveu proibir a entrega a privados da gestão de unidades, que em algumas províncias estava a avançar, e em Inglaterra o último congresso do Partido Trabalhista aprovou, por dois terços, uma moção exigindo uma auditoria aos chamados hospitais PFI entregues à gestão privada, como agora o Governo quer fazer em relação a 10 novos hospitais.
É preciso, portanto, não ficar indiferente a este caminho, aos seus prejuízos e às suas consequências para o futuro da saúde.
Mas devo dizer que, nesta matéria, é preciso ter opções claras, não maniqueístas, mas claras. É preciso dizer se estamos com o Serviço Nacional de Saúde, com a gestão pública do Serviço Nacional de Saúde, ou se estamos com uma progressiva entrega à gestão privada destes serviços de saúde; se estamos com os direitos dos utentes e dos profissionais ou se estamos com os interesses do mercado. E essa exigência de opções claras exige-se aos partidos da direita, mas também ao Partido Socialista.
A propósito, passo a ler um artigo do Acção Socialista do dia 29 de Janeiro, que diz: "O que os cidadãos querem é melhores hospitais, melhores cuidados médicos e menos listas de espera. Pouco lhes interessa a forma de gestão dos subsistemas, talvez nem se importem de contribuir um pouco mais se reconhecerem maior qualidade e prontidão aos serviços". E diz ainda este artigo: "Não estou por dentro dos números da discórdia, mas sei por experiência própria que o Hospital Amadora-Sintra funciona melhor do que qualquer outro hospital público da região de Lisboa. Se se têm dúvidas, pergunte-se às populações".
Nós perguntámos às populações e, de facto, há muitas dúvidas de que isto seja assim, aliás é ao contrário. E não estamos nada convencidos de que os cidadãos não se importem se os seus cuidados de saúde são geridos pelo sector público ou pelo sector privado.
Mas, pelos vistos, o Dr. Luís Nazaré - que estive a citar - no Acção Socialista exprime um ponto de vista diferente. É por isso que, sendo uma opinião de um seu importante dirigente, é importante que o Partido Socialista defina a sua posição em relação a esta matéria. Não basta dizer apenas que não acompanhamos esta forma de conduzir a entrega da gestão a privados, mas não excluímos que ela seja possível, é preciso tirar conclusões do estado a que chegaram estas experiências de privatização noutros países e do estado a que já está a chegar esta experiência de privatização no nosso país. É útil e importante propor o Conselho Nacional de Saúde e apoiaremos essa iniciativa, mas não se pode, depois, aceitar a privatização dos novos hospitais, a empresarialização economicista ou a destruição das carreiras e dos direitos dos trabalhadores.
A direita pode conseguir esconder a sua política até um certo ponto com esta falta de transparência e de informação sobre a situação do Serviço Nacional de Saúde, mas o que não conseguirá esconder dos portugueses são as consequências, que eles já estão a sentir, da política que o Governo segue, da privatização que o Governo quer e da negação do direito à saúde que o Governo quer impor.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O objectivo do projecto de lei n.º 396/IX, da autoria do PS, é o de instituir o Conselho Nacional de Saúde. Nada de novo, uma vez que este projecto de lei não é mais do que uma cópia, embora de menor qualidade, de um projecto de decreto da autoria do governo do Partido Socialista, nomeadamente nos tempos do Prof. Correia de Campos, nos finais de 2001, enquanto Ministro da Saúde.
Digo que esta cópia é de menor qualidade na medida em que, sem qualquer dúvida, para quem, como o PS, pretende criar um Conselho Nacional de Saúde fá-lo-ia de uma forma muito mais consistente, muito mais objectiva e, eventualmente até, muito mais eficaz se adoptasse a formulação proposta pelo Sr. Prof. Correia de Campos, na altura Ministro da Saúde do governo socialista.
Mas este projecto de decreto faz parte de uma realidade que existiu sempre nos governos socialistas, que são aqueles projectos, aquelas ambições que nunca chegam a conhecer a luz do dia, que ficam sempre perdidos nos gabinetes. E de vez em quando, nesta Legislatura, com alguns resquícios dos tempos de governação socialista, somos confrontados aqui com estas soluções, depois de o PS ter tido seis anos para as implementar.
Quando lhe falta ideias novas, o Partido Socialista vai buscar ao fundo dos seus papéis, ao fundo do baú alguns daqueles projectos de lei que, durante a sua governação, nunca conheceram a luz do dia.
É, portanto, sobre este projecto de lei n.º 396/IX que, ainda assim, obviamente, vale a pena que nos debrucemos. Trata-se de um projecto de lei que demonstra, uma vez mais, não só esta prática do Partido Socialista mas também toda a filosofia subjacente a que ele nos habituou durante os seis anos em que governou.
Mais uma vez fica claro que, em relação aos sistemas de funcionamento e de organização da saúde, o que o PS quer é sistemas mais pesados, com mais pessoas, com mais comités, com imensas reuniões e com muitos estudos. Ou seja, toda a parte instrumental tem sempre uma atenção muito significativa da parte do Partido Socialista, todo o peso da máquina tem toda a atenção do Partido Socialista, enquanto a agilidade e a eficácia são conceitos que se perdem no meio de todo esse peso, no meio de toda essa confusão.
Vozes do CDS-PP:- Muito bem!
O Orador: - E, sem qualquer possibilidade de responder com a rapidez e com a qualidade que os portugueses precisam, o Partido Socialista, mais uma vez, foge à concretização deste direito que têm os portugueses, deste direito que têm os utentes do Serviço Nacional de Saúde, e não consegue dar uma solução ágil, responsável e eficaz; o que dá é mais uma solução que não altera em nada, pelo contrário, aquilo que é a prestação de cuidados de saúde por parte do Estado aos cidadãos.
A questão principal e a essência deste diploma são os direitos que, com ele, o PS visa proteger. Interessa, então, ver de que forma é que esses direitos são protegidos, de que forma é que são protegidos os direitos e os legítimos interesses dos portugueses nesta área.
E, neste sentido, cumpre lembrar ao PS - e fazêmo-lo com natural satisfação - que este Governo, o Governo da maioria PSD e CDS-PP, em apenas dois anos, aumentou de forma assinalável aquilo que é a participação dos utentes, a participação dos cidadãos na área da saúde. A realidade mostra-nos que o Governo tem fomentado a criação de comissões concelhias de saúde, uma das formas mais eficazes de os utentes participarem e intervirem no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Sobre esta matéria, este Governo tem protegido e incentivado a participação e o diálogo social, uma vez que, nestes dois anos de governação da maioria PSD/CDS, já criou mais comissões concelhias de saúde do que qualquer governo anterior (incluindo o governo do Partido Socialista, que, durante seis anos, criou menos comissões concelhias de saúde do que o Governo da maioria PSD/CDS em apenas dois anos).
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, é fácil constatar que, relativamente a esta matéria, o objectivo e os princípios que norteiam a política de saúde têm, com este Governo, com o Sr. Ministro da Educação e com a equipa que o acompanha, vindo a ser cumpridos de uma forma clara e que a sua implementação tem sido salutar e tem aumentado a participação dos utentes. Os utentes têm cada vez mais voz para exporem os seus problemas e levantarem as suas questões, não se encontrando arredados do processo de participação, nos termos e no espírito da Lei de Bases da Saúde. Este aspecto também é importante analisar, porque a Lei de Bases da Saúde foi aprovada há 14 anos e nunca foi criado o Conselho Nacional de Saúde, fosse por que governo fosse. Em 14 anos, nunca foi criado o Conselho Nacional de Saúde!
Por consequência, o que importa é avaliarmos se o mais importante era a criação do Conselho Nacional de Saúde - e, a ser assim, não se percebe por que é que durante 14 anos ele nunca foi criado -, ou se era dar voz aos utentes, fazendo com que participassem; e se isso é que era o mais importante, então este Governo, eventualmente com uma filosofia diferente, tem conseguido realizar aquele que era o

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objectivo da Lei de Bases da Saúde.
E para a resolução dos problemas dos cidadãos é muito mais fácil atendermos ao espírito e à resolução dos seus problemas do que propriamente à formulação jurídica em que ele se consubstancie, principalmente quando durante 14 anos nenhum governo entendeu que fosse necessário implementar o Conselho Nacional de Saúde.
Assistimos hoje, em Portugal, à desejada agilização de processos de decisão e definição de políticas estruturais, ao funcionamento das instituições de saúde, de uma forma cada vez mais próxima dos utentes. Para nós, o caminho é este, está a ser seguido de uma forma eficaz e vai de encontro àquilo que são as necessidades dos utentes. Não vemos, portanto, necessidade de aprovar este projecto de lei do Partido Socialista, nem de seguir um caminho diferente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.
O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há um erro que está a trespassar as intervenções da maioria - é que há uma diferença substancial entre não fazer e não deixar fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do CDS-PP: - Ah!…
O Orador: - Se é verdade que, em 14 anos, nenhum governo promoveu o aparecimento do Conselho Nacional de Saúde, também é verdade que hoje está apresentado, e em discussão, nesta Câmara, um figurino sobre a sua criação.
Ora, é sobre isso que os grupos parlamentares têm de se pronunciar e não sobre os 14 anos em que nada foi proposto. Como já disse o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, até houve alguns passos no sentido no sentido da sua propositura e criação. Portanto, a maioria não conseguirá escudar a sua posição relativamente a esta matéria com 14 anos de não existência do Conselho Nacional de Saúde.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Uma coisa é não fazer, coisa diversa é não deixar fazer. E não deixar fazer obviamente subentende uma perspectiva clara de não querer. Não basta não fazer para ter, é preciso fazer para não ter!

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Portanto, a maioria não quer um Conselho Nacional de Saúde, como já foi aqui explicitado, por várias razões, algumas delas inacreditáveis.
O Sr. Deputado João Pinho de Almeida veio fazer-nos uma grande dissertação em torno dos tais 14 anos e de outras propostas que no caminho foram surgindo.
Na intervenção de apresentação feita pelo Sr. Deputado João Rui Almeida ficou absolutamente claro que o Partido Socialista entende ser da máxima pertinência a criação do Conselho Nacional de Saúde, mas não faz finca-pé da sua proposta em concreto, no que concerne quer às competências quer à composição.
Assim, se o CDS-PP entender que ou as competências ou a composição da proposta agora em análise não são as mais correctas esperamos ter oportunidade de, em sede de comissão, podermos ultrapassar esses pequenos problemas, que são meros detalhes na questão substancial hoje em discussão.
Mas, no que se refere a argumentos, diz o Sr. Deputado João Pinho de Almeida que esta coisa da democracia é um aborrecimento, porque emperra, faz demorar; que esta coisa da participação é um chatice - perdoe-me a expressão, Sr. Presidente -, porque exige reuniões, falar com as pessoas, ouvir as razões que estas julgam que lhes assistem, atender aos interesses, muitas vezes contraditórios, envolvidos em áreas tão vastas como esta da saúde.
É verdade que, em ditaduras, tudo corre de forma muito mais expedita. Se for alguém a decidir por todos, não concertando com ninguém, não tendo de olhar aos interesses legítimos de rigorosamente ninguém… Mas a democracia tem destas coisas!
Como o Partido Socialista é favorável a um aprofundamento da democracia, nomeadamente da

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democracia participativa, apresentou hoje esta iniciativa e apresentará outras, no futuro, por entender que a questão da rapidez não pode pôr em causa a questão da participação e da concertação, em especial numa área tão vasta quanto esta.
Finalmente, parece-me incrível que a maioria diga que, em sede de saúde, há já inúmeros espaços de participação - concelhios, junto dos centros de saúde, junto dos hospitais… Bem, todos nós sabemos como funcionam e como é escassa essa mesma participação. Mas depois vem dizer que nada disso se passa na educação, o que é absolutamente falso, como todos sabemos. Ainda há pouco o Sr. Deputado João Pinho de Almeida falou nos conselhos concelhios de educação.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Eu?! Não falei em nada disso!

O Orador: - Mas há uma série de outros conselhos - de escola, associações de pais, associações de professores, associações de estudantes, conselhos científicos, conselhos consultivos junto das universidades e dos politécnicos. E nem assim se prescinde de uma plataforma nacional fundamental, que é o Conselho Nacional de Educação, que tem uma composição até muito mais vasta do que aquela que propomos para a área da saúde.
Portanto, por maioria de razão, na área da saúde devia haver também esta plataforma nacional, que eu compreendo ser complicada para o Sr. Ministro da Saúde, que não fala com ninguém, não ouve ninguém, não consulta ninguém, fazendo aquilo que lhe vai apetecendo ou que a outros vai apetecendo.

Protestos do CDS-PP.

Parecer-me-ia, desde logo, avisado que, perante algumas situações e alguns poderes existentes na área da saúde, de âmbito nacional e internacional, se pudessem fortalecer outros, também numa lógica de equilíbrio de situações potencialmente de conflito, como sejam os dos profissionais e, acima de tudo, os dos utentes.
O Partido Socialista também já apresentou na Mesa um diploma propondo uma outra lei - a lei das associações de defesa dos utentes de saúde. É que também a esses deve ser dada voz. Não numa lógica de "dividir para reinar", de haver muitos espaços concelhios de participação, de haver espaços de participação até supra-concelhios, mas de forma a ser absolutamente vetado um espaço central de participação de âmbito nacional, que acompanhe as políticas nacionais e não a mera gestão localizada desta ou daquela instituição.
Assim sendo, espero que a maioria ainda possa voltar atrás, nomeadamente o PSD, para que, em sede de especialidade, possamos trabalhar em conjunto com vista às competências e à composição deste órgão. Dizer-se que não é necessária uma plataforma nacional sobre a saúde é demonstrar o receio que, neste momento, a maioria tem face àquilo que é a execução da sua política nesta área e que tem medo de ser confrontada com as enormes, inúmeras, e mais que justificadas críticas que têm sido feitas em termos públicos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 396/IX e 399/IX.
Vamos entrar no período regimental de votações, mas, antes de mais, procederemos à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 134 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Começamos pelo voto n.º 137/IX - De pesar pelo falecimento do ex-Bastonário da Ordem dos Advogados José Manuel Coelho Ribeiro (PSD e CDS-PP).
O Sr. Secretário vai proceder à sua leitura

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o voto é o seguinte:

José Manuel Coelho Ribeiro faleceu ontem, dia 3 de Março, em Lisboa, na sequência de um complexo pós-operatório.
Distinto advogado, José Manuel Coelho Ribeiro exerceu o elevado cargo de Bastonário da Ordem dos

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Advogados entre os anos de 1980 e 1984, tendo, nessa qualidade, promovido a aprovação do Estatuto dos Advogados em que conferiu e reconheceu especial dignidade àquela profissão, como se empenhou, com vista a contribuir para a divulgação do Direito Comunitário em Portugal, na criação da Associação Portuguesa de Direito Europeu, da qual foi o primeiro presidente do respectivo Conselho Directivo.
Na advocacia, José Manuel Coelho Ribeiro destacou-se pela sua brilhante e invejável carreira, que ultrapassou as fronteiras nacionais, dedicada, em especial, às áreas da Arbitragem e do Direito Bancário e Financeiro. Exercia, desde 1983, funções na conceituada Sociedade Civil de Advogados Coelho Ribeiro e Associados.
Advogado europeu do ano de 1993, José Manuel Coelho Ribeiro foi, entre muitos outros cargos institucionais, Presidente do CCBE - Conselho das Ordens dos Advogados da Comunidade Europeia em 1992; membro da Comissão Representativa dos Advogados Europeus junto dos Tribunais das Comunidades Europeias entre 1985 e 1990; membro do Conselho Superior do Ministério Público entre 1986 e 1997; e Presidente da RTP - Radiotelevisão Portuguesa, entre 1986 e 1990.
Árbitro da Câmara de Comércio Internacional e do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio Portuguesa, José Manuel Coelho Ribeiro era também membro da LCIA - London Court International Arbitration e representante do Tribunal Arbitral CAREN em Portugal.
José Manuel Coelho Ribeiro prestava ainda serviço docente, como Professor Associado Convidado, na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Quem o conheceu sabe que foi, para além de um grande bastonário, um grande homem, inteligente, dinâmico, bem-humorado e com uma grande alegria de viver, que honrou, de forma ímpar e com grande elevação, a profissão de advogado.
A Assembleia da República exprime o seu mais profundo pesar pelo falecimento do Bastonário José Manuel Coelho Ribeiro, uma perda de vulto para a advocacia portuguesa, e apresenta à família as mais sinceras condolências.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço à Câmara que me acompanhe num minuto de silêncio em memória do Dr. José Manuel Coelho Ribeiro.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, dado encontrar-se presente nas galerias um dos atletas mencionados num dos votos que ainda vamos apreciar, e que terá todo o gosto, com certeza, em assistir ao respectivo debate, proponho que, de seguida, apreciemos o voto n.º 139/IX - De congratulação pelos bons resultados obtidos pelos atletas portugueses no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste (PSD).
Para apresentar o voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Cristóvão.

O Sr. Ribeiro Cristóvão (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui hoje para também celebrarmos a mais recente conquista dos atletas que representam Portugal no estrangeiro ao serviço da Federação Portuguesa de Atletismo.
Estes êxitos dos nossos atletas são já uma constante do nosso atletismo, no entanto nem sempre lhes tem sido dado o devido realce, o que, penso, fazemos hoje nesta sessão.
Naide Gomes ganhou a medalha de ouro do pentatlo, estabelecendo a melhor marca do ano e tendo também batido o recorde nacional.
Rui Silva, que já nos habituara a outras conquistas, ganhou este ano a medalha de prata numa prova em que entrou pela primeira vez, a prova dos 3000 m.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Congratulamo-nos por Portugal ter ficado nos primeiros lugares entre as melhores selecções de todo o mundo. Portugal ficou mesmo à frente de países como a Alemanha, a Espanha ou a França, que possuem reconhecidos índices de prática desportiva muito superiores aos nossos.
As marcas conseguidas pelos nossos atletas são, pois, um exemplo para todos os portugueses e, sobretudo, para aqueles que possuem, ou possuíram, responsabilidades na área do desporto. Estes exemplos de excelência servem igualmente para pensarmos no futuro olhando sem complexos para os

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erros efectuados num passado recente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Deixa-nos satisfeitos o facto de os responsáveis políticos estarem, nesta altura, a discutir pela positiva as matérias que têm a ver com o desporto,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … indo de encontro à estratégia de acção do Governo e resolvendo, assim, de forma concreta, os graves problemas decorrentes da organização dos campeonatos de atletismo de pista coberta realizados em Lisboa no ano de 2001.
A Federação Portuguesa de Atletismo assume-se, mais uma vez, como um exemplo extraordinário, pois com estes resultados conseguiu para Portugal, até hoje - é bom assinalar este facto porque, certamente, muitos não se recordam -, 159 medalhas ao todo, só em campeonatos do mundo, em campeonatos da Europa, em taças do mundo e em jogos olímpicos.
O PSD congratula-se com mais estes êxitos e pede à Câmara que se associe num voto de louvor, que propõe seja aprovado de seguida.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 4 minutos, esta Câmara vai ser chamada a dizer algumas palavras sobre o que há de melhor no desporto em Portugal e também sobre o que de muito mau houve no desporto em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Primeiro, vamos tratar de saudar os atletas Naide Gomes e Rui Silva, respectivamente campeã e vice-campeão do mundo, os seus técnicos, que com eles trabalham para obter tão brilhantes resultados, os seus dirigentes da Federação Portuguesa de Atletismo e os seus dirigentes do Sporting Clube de Portugal.

Aplausos do PS.

Trata-se de jovens atletas e de dirigentes que trabalham para prestigiar o País e que, com esse prestígio, a sua dedicação e o seu esforço no desporto, dão exemplos para que a nossa juventude possa ir cada vez mais longe, espalhando o nome de Portugal e o prestígio dos portugueses, da juventude e do desporto.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também não podemos esquecer um dos piores momentos dos últimos tempos do desporto em Portugal, que abordaremos no voto que será apreciado a seguir.
Por agora, saudamos, uma vez mais, estes atletas e dirigentes, a quem endereçamos os parabéns em nome do Grupo Parlamentar do PS e desta Câmara.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho para assinalar os magníficos resultados com que os atletas que representaram o nosso país no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, que teve lugar em Budapeste, presentearam Portugal e os portugueses.
Embora todos os atletas, sem excepção, mereçam indiscutivelmente o respeito, o incentivo e o reconhecimento do País e desta Assembleia, é oportuno fazer uma referência especial aos atletas Naide Gomes e Rui Silva, justamente porque se destacaram, obtendo resultados muito importantes, que fizeram erguer a bandeira nacional nesse evento.

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Saudamos, pois, os atletas Naide Gomes e Rui Silva, bem como a Federação Portuguesa de Atletismo, na pessoa do seu presidente Fernando Mota, aqui presente.
Queria, no entanto, dizer - já temos sido confrontados com este tipo de situações - que um voto de saudação não é a mesma coisa que um artigo de opinião e que, embora o Partido Comunista Português se associe à saudação justa e necessária que há que fazer ao atletismo português e à sua Federação, não podemos, naturalmente, subscrever nem acompanhar a consideração de que os responsáveis políticos estão a ir ao encontro da estratégia de acção do Governo, resolvendo de forma concreta os graves problemas decorrentes da organização de campeonatos mundiais de atletismo.
Efectivamente, ainda estão por resolver problemas concretos, sérios e graves a este nível.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não podemos fazer discussão político-partidária e juízos de valor de louvação da acção do Governo,…

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - … a coberto e "à pala" de grandes e importantes vitórias, que não podem ser aproveitadas politicamente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Tem razão quem disse, e muito bem, que agora talvez seja a altura e a oportunidade para que este País, que tem alguns dos melhores atletas do mundo em atletismo de pista coberta, possa finalmente ter uma pista coberta para atletismo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República tem sido, por vezes, chamada a votar e a discutir moções sobre factos e feitos desportivos pouco relevantes. Felizmente, este não é o caso, registando a nossa satisfação em relação ao comportamento de atletas portugueses, nesta caso de Rui Silva e Naide Gomes.
Queria, em particular, destacar que uma vitória no pentatlo é a que mais directamente responde ao espírito olímpico. O olimpismo nasceu em homenagem àqueles e àquelas que no pentatlo e no decatlo provavam ser os atletas mais completos, demonstrando nisso a força do desporto. Por isso saúdo Naide Gomes e todos aqueles que, com ela e com os atletas portugueses, participaram nestes campeonatos mundiais e ilustraram a bandeira portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Convidados: É com gosto que o CDS-PP também se associa e esta manifestação da Assembleia da República de reconhecimento pela participação de Portugal no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, realizado em Budapeste.
Em primeiro lugar, queríamos saudar toda a delegação portuguesa, todos os que participaram: os atletas, os seus treinadores, a Federação Portuguesa de Atletismo e os clubes. Portugal esteve representado por uma delegação toda ela motivo de honra para o nosso País. Destes, destacaram-se especialmente dois atletas, que obtiveram medalhas e que, naturalmente, merecem reconhecimento acrescido por isso: a Naide Gomes e o Rui Silva.
Para além das medalhas obtidas, já aqui foram referidos factos que contribuem para o mérito que ambos tiveram nessa participação: Naide Gomes, além de ter ganho uma medalha de ouro, de ter sido campeã do mundo, estabeleceu a melhor marca do ano e um novo recorde nacional; Rui Silva, participou pela primeira vez, a este nível, numa prova de 3000 m, quando estávamos habituados a vê-lo competir - e, por sinal, também muito bem - em provas de 1500 m. Ou seja, os nossos atletas não só ganharam medalhas como continuam no caminho da excelência.

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É isso que é de assinalar, cumprimentando mais uma vez a Federação Portuguesa de Atletismo, os atletas, os clubes e os treinadores, dizendo-lhes que para nós é motivo de regozijo saber que o atletismo português, que, injustamente, nos últimos tempos, foi posto em causa algumas vezes, está de boa saúde e continua a honrar o nosso país.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De uma forma muito sintética, quero associar o meu grupo parlamentar a este voto e, através dele, a dois atletas que permitiram ao nosso país a alegria de se rever na sua prestação e de ter tido visibilidade em Budapeste, bem como perceber que para além do futebol há outras formas de participação desportiva que são importantes.
Através destes dois atletas, o atletismo português ganhou nome no plano internacional e penso que a Assembleia da República tem não só o dever de os saudar, mas também o dever de acolher um repto que Naide Gomes deixou: o de que é tempo, é justo, sensato e razoável que haja na cidade de Lisboa e no País instalações para que, no Inverno, estes desportistas tenham condições para praticar um desporto que é tão importante quanto os demais.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos votos que acabámos de apreciar.
Em primeiro lugar, vamos votar o voto n.º 139/IX - De congratulação pelos bons resultados obtidos pelos atletas portugueses no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 139/IX
De congratulação pelos bons resultados obtidos pelos atletas portugueses no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste

Portugal brilhou nos mundiais de atletismo de pista coberta em Budapeste.
Naide Gomes e Rui Silva foram os nossos heróis.
Foram conquistadas duas medalhas, uma de ouro e outra de prata, respectivamente por Naide Gomes, no pentatlo, e por Rui Silva, nos 3000 m.
Portugal viu, mais uma vez, o seu nome engrandecido através do atletismo. Naide Games e Rui Silva levaram mais alta a nossa bandeira, deixando todos os portugueses cheios de orgulho pelas conquistas efectuadas.
O Grupo Parlamentar do PSD não pode deixar de saudar os atletas, os seus técnicos e a Federação Portuguesa de Atletismo pelos resultados alcançados.
Congratulamo-nos com este facto que levou Portugal a estar nos primeiros lugares de entre as selecções de todo o mundo. Portugal ficou mesmo à frente de países como a Alemanha, a Espanha ou a França, que possuem índices de prática desportiva muito superiores aos nossos.
As marcas conseguidas pelos nossos atletas são um exemplo para todos os portugueses e sobretudo para aqueles que possuem ou possuíram responsabilidades na área do desporto. Estes exemplos de excelência servem também para pensarmos no futuro, olhando sem complexos para os erros efectuados num passado recente.
Deixa-nos radiante o facto de os responsáveis políticos estarem a discutir pela positiva as matérias do desporto, indo de encontro à estratégia de acção do Governo, resolvendo assim, e de uma forma concreta, os graves problemas decorrentes da organização dos mundiais de atletismo de pista coberta realizados em Lisboa no ano de 2001.
A Federação Portuguesa de Atletismo assume-se, mais uma vez, como um exemplo extraordinário, pois com estes resultados conseguiu para Portugal 159 medalhas, conquistadas em jogos olímpicos, campeonatos do mundo, campeonatos da Europa e taças do mundo.
Naide Gomes conseguiu a primeira medalha de ouro para Portugal na modalidade de pentatlo. A atleta do Sporting Clube de Portugal conseguiu um total de 4759 pontos, constituindo a melhor marca do ano e um novo recorde nacional.

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Rui Silva, também atleta do Sporting e campeão mundial de 1500 metros em 2001, ficou em segundo lugar na competição dos 3000 metros.
A participação portuguesa no Mundial de Pista Coberta terminou da melhor maneira, trazendo para Portugal não só medalhas de ouro e prata, como também um imenso orgulho para todos.
A Assembleia da República congratula-se e saúda a prestação de Naide Gomes e de Rui Silva pela obtenção das medalhas de ouro e de prata, saudando também, e de uma forma efusiva, toda a equipa técnica e a Federação Portuguesa de Atletismo.

O Sr. Presidente: - Vamos agora proceder à votação do voto n.º 141/IX - De saudação aos atletas Naide Gomes e Rui Silva, bem como aos seus técnicos e dirigentes, pelos resultados alcançados no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 141/IX
De saudação aos atletas Naide Gomes e Rui Silva, bem como aos seus técnicos e dirigentes, pelos resultados alcançados no Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, em Budapeste.

O desporto português, por via de uma das suas mais prestigiadas modalidades, o atletismo, atingiu de novo um momento alto de afirmação internacional.
O Campeonato Mundial de Atletismo de Pista Coberta, realizado em Budapeste de 5 a 7 de Março, registou um êxito de relevo na participação portuguesa.
Destaque especial para Naide Gomes, que obteve o 1.º lugar no pentatlo, e Rui Silva, que alcançou o 2.º lugar na prova dos 3000 m.
A estes atletas, campeã e vice-campeão do mundo, bem como aos demais atletas portugueses que participaram no Campeonato do Mundo é devido o justo reconhecimento e homenagem dos portugueses, pelo seu trabalho e dedicação ao atletismo e pelo brilhantismo dos seus resultados.
A Assembleia da República, saudando o êxito mundial de Naide Gomes e Rui Silva, saúda também os seus técnicos Abreu Matos e Bernardo Manuel, e dirigentes, em particular do Sporting Clube de Portugal e da Federação Portuguesa de Atletismo, e exorta o Governo a reforçar o apoio que tão prestigiante representação nacional justamente merece e justifica.

O Sr. Presidente: - Junto-me aos cumprimentos da Câmara à atleta Naide Gomes, que se encontra presente a assistir à sessão, às pessoas que a acompanham e ao atleta Rui Silva, que tive ocasião de saudar hoje.
Srs. Deputados, vamos agora apreciar os votos n.os 136/IX - De protesto pelos acontecimentos ocorridos, durante um jogo de futebol, em Marco de Canavezes (PS) e 138/IX - De protesto pelos comportamentos incorrectos de vários agentes ligados ao futebol, apelando ao empenhamento de todos na promoção da boa ética desportiva (PSD e CDS-PP).
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o voto n.º 136/IX, que o Partido Socialista apresentou há uma semana, visava unir esta Câmara em torno de duas questões essenciais: em primeiro lugar, a forte condenação da violência no desporto e nos eventos desportivos; em segundo lugar, demonstrar que os responsáveis políticos estão na primeira linha de combate à violência no desporto.
O voto foi apresentado quando já o Presidente da República, o Primeiro-Ministro - através de declarações de alguma forma tímidas -, o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e outras personalidades se tinham pronunciado sobre estes infelizes acontecimentos.
Infelizmente, o CDS-PP entendeu fazer uma manifestação de hesitação em relação a esta circunstância e fez com que a Assembleia da República também não pudesse tomar, em tempo, uma posição clara e inequívoca sobre estes acontecimentos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Exercemos um direito regimental, Sr. Deputado! Tenha vergonha!

O Orador: - Já estamos atrasados mas ainda podemos fazer aqui essa manifestação de claro repúdio pela violência no desporto. E espero que não prevaleça uma manifestação de sectarismo político, do pior

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sectarismo político,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Vosso!

O Orador: - … que é aquele que gira em torno do compadrio e da protecção dos companheiros de partido.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Olha quem fala!

O Orador: - Este voto foi pensado para unir, é um voto onde não mencionamos algo que também correu mal, que foi a protecção policial a este jogo. Também o Governo deveria ter feito, nesta matéria, uma manifestação pedagógica, de autoridade e de firmeza, que não fez.
Poderíamos ter dito tudo isso, mas não o fizemos para podermos unir a Câmara em torno deste voto de protesto. Por isso, espero que não prevaleça, repito, o sectarismo político.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Era suposto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Melchior Moreira.

O Sr. Melchior Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal é, neste ano, palco de uma das maiores manifestações desportivas a nível mundial: o Campeonato Europeu de Futebol, o EURO 2004. Esta organização representa, para todos os portugueses e para o País, um esforço notável na sua organização e promoção e também uma grande responsabilidade.
A ética desportiva e o espírito de fair play são bases essenciais do desporto e da dignidade da pessoa humana. São estes valores que serão a bandeira de Portugal e do EURO 2004.
Nestes últimos tempos, vários têm sido os casos surgidos no futebol português que nada dignificam o desporto e os princípios pelos quais nos deveríamos reger.
No passado dia 29 de Fevereiro, assistimos atónitos a um conjunto de actos praticados por um cidadão com particulares responsabilidades, o Sr. Avelino Ferreira Torres, Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes.

Vozes do PS: - Muito bem lembrado!

O Orador: - Estes actos são absolutamente inaceitáveis, sob o ponto de vista da ética desportiva e das normas que combatem a violência associada ao desporto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma vergonha!

O Orador: - Não podemos deixar de condenar e reprovar tais procedimentos, vindos de qualquer quadrante e, principalmente, de pessoas que, pelas suas responsabilidades públicas e desportivas, deveriam ser um exemplo para todos e, em especial, para os mais jovens e os que se interessam pelo fenómeno desportivo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Srs. Deputados do CDS-PP, ouçam o Sr. Deputado!

O Orador: - No Ano Europeu da Educação pelo Desporto, todos temos uma particular responsabilidade para que a conduta ética seja definida como a questão essencial da prática desportiva.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do PSD condena todos, repito, todos os comportamentos contrários à boa ética desportiva, sejam eles praticados por responsáveis políticos ou por agentes desportivos, e apela a todos, sem excepção, que assumam o espírito de fair play.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP, do BE e do Deputado do PCP Bernardino Soares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres, no passado dia 29 de Fevereiro, não pode haver duas opiniões. É um comportamento deplorável, um péssimo exemplo, vindo de qualquer cidadão e, neste caso, vindo de um cidadão que exerce responsabilidades políticas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E esse comportamento justifica só por si um voto de protesto desta Assembleia.
Portanto, a questão que hoje se coloca é a de saber por que razão estamos a apreciar dois votos, por que razão a maioria sentiu a necessidade de apresentar um segundo voto. Bom! A ilação que extraímos sobre essa necessidade é a seguinte: o voto da maioria procura remeter a questão para o foro exclusivamente desportivo e para o EURO 2004.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a exigência de correcção desportiva e cívica dos agentes desportivos não se impõe só porque Portugal organiza o EURO 2004,…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … impõe-se em qualquer momento e perante qualquer competição.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Se calhar, depois do EURO, já se pode fazer o que se quiser!…

O Orador: - E a questão não é meramente do foro desportivo. O voto da maioria procura embrulhar o comportamento do Sr. Avelino Ferreira Torres no meio de uma série de trocas de acusações lamentáveis entre agentes desportivos, para diminuir, objectivamente, a gravidade do seu comportamento.
Srs. Deputados, a questão é desportiva mas é também uma questão cívica, é também uma questão política, tendo em conta as responsabilidades políticas do Sr. Avelino Ferreira Torres, que é dirigente partidário do CDS-PP e Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes.
Importa, pois, saber se o partido de que o Sr. Avelino Ferreira Torres é dirigente retira ou não consequências políticas deste seu comportamento, se lhe mantém a confiança política e, mais, se vai apoiar a sua já anunciada candidatura a Presidente da Câmara Municipal de Amarante.

Vozes do PCP e do PS: - Exactamente!

Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Era isto que era importante que fosse aqui respondido com total clareza…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estão com medo de perder as eleições?!

O Orador: - … e é a esta questão que a maioria pretende fugir, com a apresentação deste segundo voto, que - e registamo-lo - não deixa de condenar, porque não pode deixar de o fazer, a atitude deplorável do Sr. Avelino Ferreira Torres.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A razão de ser daquilo que está em discussão é um comportamento que é totalmente inadmissível, que é vergonhoso, que não é aceitável a qualquer cidadão e que é particularmente grave, seguramente, quando esse cidadão é alguém que tem responsabilidades públicas.
Srs. Deputados, parece-nos que, independentemente de a maioria procurar condenar um comportamento apenas porque ele ocorre no espaço desportivo, esse comportamento seria grave qualquer que fosse o local onde ele ocorresse.
Temos para nós que o desporto não pode, de modo algum, sob pena de se desvirtuar, ser palco de violência, ser um espaço de agressão, ser um espaço indigno, do ponto de vista do comportamento dos cidadãos.
Mas aquilo que é objecto de crítica, aquilo que é inaceitável, aquilo que, seguramente, envergonha o

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País é que alguém que exerce cargos públicos se comporte nos termos que se viram em Portugal.
Os acontecimentos têm um protagonista, esse protagonista é presidente de uma câmara municipal de um País, esse protagonista tem nome - chama-se Ferreira Torres -, esse protagonista é dirigente de um partido político. E é, seguramente, esta crítica que tem de ser feita, nos exactos termos em que os acontecimentos ocorreram e decorrendo de uma situação muito concreta.
Parece-nos que é uma fuga e uma tentativa de não chamar às coisas aquilo que elas são o facto de a maioria apresentar um voto que foge àquilo que o voto inicialmente apresentado, com clareza, identificou: um comportamento deplorável que a Assembleia deve, pura e simplesmente, condenar.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Somos chamados a analisar dois votos que têm a ver com comportamentos em relação ao futebol e ao fenómeno desportivo. Estes dois votos têm, ao que nos parece, dois tipos de filosofia. Um deles tem a filosofia de condenar todos os acontecimentos, todos os comportamentos contrários à boa ética desportiva, porque se há aqui um valor a preservar e um valor que foi posto em causa é o da boa ética desportiva.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Esse é o do PS!

O Orador: - Há outro voto que passa de relance por isso e que tem como intenção pessoalizar questões e até condenar autoridades policiais, com o objectivo de fazer um número partidário. E, nisto, obviamente, não nos revemos.

Vozes do PS: - Esse é o vosso!

O Orador: - Condenamos o comportamento de dirigentes, de jogadores e de adeptos e condenamos, por maioria de razão, comportamentos impróprios de dirigentes políticos, sejam eles quem forem e quando isso acontecer,…

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.

… seja hoje, em Marco de Canavezes, seja há uns anos, em Braga.
Ouvimos aqui falar de um critério para apresentação de candidaturas autárquicas, num momento em que o Partido Socialista acenou afirmativamente com a cabeça.
Ora, em 1991, o Dr. Mesquita Machado invadiu o campo do Estádio 1.º de Maio para agredir um árbitro.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Queria bater no árbitro!

O Orador: - Depois disso, foi cabeça de lista pelo Partido Socialista, por três vezes, em eleições autárquicas. Estranho critério, estranho abanar de cabeça!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Já estão a preparar-se para seguir o exemplo!

O Orador: - O que está aqui em causa é, de facto, a preservação de um valor. Para sermos dignos de preservar um valor e de nos batermos por ele temos de ter sempre a mesma atitude em relação a esse mesmo valor,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - … temos de ser coerentes e sérios. E nós somos sérios e coerentes.

Vozes do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Por isso, hoje aqui condenamos todos os comportamentos impróprios e defendemos a boa ética desportiva.
Defendemo-lo agora, que organizamos o EURO 2004, porque nos parece importante. Parece-nos importante que Portugal, no ano em que organiza uma competição tão relevante, dê uma imagem de fair play e de comportamento sério, mas, no passado, tínhamos exactamente esta mesma posição e, no futuro, preservaremos o mesmo valor. Estaremos cá para ver se todos conseguem manter essa coerência, a coerência que não tiveram no passado!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se este Parlamento soubesse que, num outro país, que certamente não é Portugal,…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Não é?!

O Orador: - … uma determinada pessoa - imaginemos que se chamava Avelino Ferreira Torres -, num domingo à tarde, saía de sua casa, descia a Avenida Avelino Ferreira Torres, entrava no Estádio Avelino Ferreira Torres, irritava-se com a decisão de um árbitro, que não se chamava Avelino Ferreira Torres, e descia ao campo para pontapear o árbitro, agredi-lo e ameaçá-lo,…

Risos do PCP e de Deputados do PS.

… diria que essa era uma república das bananas.

Vozes do CDS-PP: - Já está a inventar!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Isso já é um filme!

O Orador: - E não é ficção! O problema é que é verdade! E esta verdade passa-se em Portugal, perante o compadrio, o silêncio, raramente perturbado, de quem entende que é preferível proteger um dos seus à verdade da democracia.
Ouvimos o Sr. Deputado João Pinho de Almeida indignar-se, perguntando: "Então, Mesquita Machado não fez o mesmo e foi três vezes candidato depois disso?!". Eu ficaria contente se dessa indignação resultasse que, não devendo ser Mesquita Machado candidato a presidente da Câmara Municipal de Braga, Avelino Ferreira Torres não possa ser, então, presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, que, aliás, já fez falir, e, depois, de uma outra câmara, a que vem a seguir. Assim é que há critérios! Ou há coerência ou nada tem sentido no debate político!
Sr.as e Srs. Deputados, teremos nós de ver, algum dia, uma lei que diga: "é proibido invadir os estádios, a não ser que seja senador do Partido Popular"?!

Protestos do CDS-PP.

Ou ainda: "é proibido perturbar um acontecimento desportivo, a não ser que seja presidente de câmara e amigo do chefe do partido"?! É isto que está em causa, porque o voto apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP é uma fraude política. A intervenção que o defendeu é totalmente razoável e inteiramente certa. Aplaudimo-la com gosto porque é uma intervenção que critica todos os actos de perturbação de iniciativas desportivas - e faz bem! - e concretiza, o que faz também em relação a este caso, não foge da responsabilidade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, então, por que é que o voto nada diz sobre isso?

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Diz! Diz!

O Orador: - Diz nos considerandos, mas nós não votamos os considerandos! E, por isso…

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Votamos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louçã, peço desculpa por o interromper, mas quero esclarecê-lo de que os votos são votados e publicados em globo. É um procedimento regimental.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço muito o seu esclarecimento, mas, na minha opinião, ele não é exacto.
Nos votos, vota-se aquilo que se decide nos termos resolutivos.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Não!…

O Orador: - Mas isto resolve-se muito simplesmente: convidamo-vos a integrar, na parte resolutiva, algo que diga que Avelino Ferreira Torres utilizou um método inaceitável. E não deixe no texto estes termos extraordinários de uma referência que não é feita: "Os referidos acontecimentos (…)". Mas estes acontecimentos nunca são referidos, a não ser, porventura, em alguma imaginação, que não está escrita. Por isso, integremos o texto, que passará, assim, a condenar todos os actos de perturbação das iniciativas desportivas, não deixando de condenar este.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso já lá está!

O Orador: - Recusar este princípio é fugir à responsabilidade de quem tem medo de ir a Marco de Canaveses e enfrentar o presidente de câmara, preferindo dizer aqui aquilo que não quer ver votado para não ser criticado por um presidente de câmara em relação ao qual quer manter toda a solidariedade. Este é o pior princípio do compadrio;…

Vozes do CDS-PP: - Não!

O Orador: - … é a corrupção da política e do seu sentido fundamental.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há oito dias, o CDS-PP pediu espera até hoje, supúnhamos nós que o tivesse feito - e fez - para investigar e reflectir.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - De todo!

O Orador: - A investigação deu, pelos vistos, uma fotocópia de uma notícia de há 13 anos relativa ao então presidente do Sporting Clube de Braga.

Protestos do CDS-PP.

Repito, relativa ao então presidente do Sporting Clube de Braga, e já iremos apreciar a que termos e em que termos isso se refere.
Quanto à reflexão que VV. Ex.as também devem ter feito, no sentido de encontrar a forma de tapar este "sol" com uma qualquer "peneira",…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - A peneira é vossa!

O Orador: - … a intervenção que o Sr. Deputado do PSD Melchior Moreira aqui deixou é a melhor resposta. Não é possível tapar este "sol" com esta "peneira"!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

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Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Orador: - Srs. Deputados do CDS-PP, bom seria que tivessem pedido o tempo necessário para que já não fosse, ao tempo da discussão deste voto, Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses o Sr. Avelino Ferreira Torres.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, terminarei em 10 segundos.
Esta semana, o Futebol Clube do Marco de Canavezes mudou de treinador; daqui a um ou dois anos, se não for mais cedo, porventura, mudará de presidente de câmara, e, nessa altura, os senhores estarão mais à vontade para, em quaisquer circunstâncias, seja qual for a pessoa em causa, seja qual for o partido político, da base aos senadores, se juntarem a nós, verberando a atitude de quem tem comportamentos que os senhores, mesmo os senhores, consideram, no vosso texto, inaceitáveis e repudiáveis.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Claro!

O Orador: - Foi isto que fizemos,…

Protestos de Deputados do CDS-PP.

… e foi isto que os senhores, depois de oito dias de reflexão, acabaram também por fazer!

Aplausos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa, porque o PS referiu-se, mais uma vez, ao exercício de um direito regimental por parte do CDS-PP. Assim, eu gostaria de prestar um esclarecimento e de interpelar a Mesa nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, para que fique claro, quero dizer ao Sr. Deputado Laurentino Dias que o que o CDS-PP fez foi exercer um direito regimental no que respeita ao período em que um determinado voto é apresentado. É um direito nosso, absoluto e total.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Pois é!

O Sr. Presidente: - Então, a questão está esclarecida, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, quero dizer que o produto do período para reflexão que pedimos não são notícias de jornais, porque essas estão publicadas há muito tempo. O produto da reflexão, Sr. Deputado Laurentino Dias, é o voto que apresentámos juntamente com o PSD.
O Sr. Deputado Laurentino Dias procurou fazer referência à intervenção do Sr. Deputado Melchior Moreira… Sr. Deputado, a única coisa que temos a dizer é que V. Ex.ª concorda com ele, eu também; revejo-me da primeira à última palavra na intervenção do Sr. Deputado Melchior Moreira, aliás, não tenho outra posição que não seja a manifestada na sua intervenção. Aliás, eu já tinha dito isto há uma semana, como o Sr. Deputado sabe.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 136/IX - De protesto pelos acontecimentos ocorridos, durante um jogo de futebol, em Marco de Canavezes (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PS, do

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PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

Voto n.º 136/IX
De protesto pelos acontecimentos ocorridos, durante um jogo de futebol, em Marco de Canavezes

1 - O País assistiu com espanto aos acontecimentos ocorridos no último domingo num estádio de futebol, em Marco de Canavezes, no decurso de um jogo oficial de futebol. Tratou-se de uma manifestação gratuita e excessiva, de destempero e até de violência desportiva, que merece o mais vivo repúdio e condenação.
2 - A violência desportiva é algo que deve suscitar a reacção de parte de todos os sectores da sociedade portuguesa, em qualquer circunstância. Mas o facto de estarmos a três meses do início do EURO 2004 implica que todos nós enfrentemos ainda com maior intensidade esse fenómeno, cabendo aos responsáveis políticos dar o exemplo. Nunca poderão ser estes, os responsáveis políticos a qualquer nível, protagonistas de manifestações de violência.
3 - Da parte das forças de segurança há o dever de um grande empenho e de uma acção irrepreensível, de modo a evitar que se forme qualquer sentimento de impunidade de consequências imprevisíveis. Em relação a manifestações de violência no desporto cabe-lhes agir com decisão e sem contemplações em relação a quem as protagoniza, qualquer que seja a sua condição, cargo ou função.
4 - Esta manifestação de violência, protagonizada pelo Presidente da Câmara de Marco de Canavezes foi já objecto de condenação por parte do Presidente da República, de membros do Governo, do Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e de muitas outras personalidades.
Nestes termos, a Assembleia da República vota e manifesta o seu mais vivo protesto pelos acontecimentos ocorridos em Marco de Canavezes no passado domingo, dia 29 de Fevereiro, no decurso de um jogo de futebol entre a equipa do Marco de Canavezes e a do Santa Clara.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao voto n.º 138/IX - De protesto pelos comportamentos incorrectos de vários agentes ligados ao futebol, apelando ao empenhamento de todos na promoção da boa ética desportiva (PSD e CDS-PP)…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, tendo V. Ex.ª admitido uma proposta de alteração a este voto, creio que seria mais esclarecedor fazê-la votar em primeiro lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vou colocar essa proposta de alteração à votação porque ela não tem prioridade regimental, além de que o texto apresentado já consta do voto que temos para votar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Palavra por palavra!

O Sr. Presidente: - Assim, vamos votar o voto.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, naturalmente, é sua prerrogativa organizar a votação como assim entender - posso discordar,…

O Sr. Presidente: - Com certeza!

O Orador: - … mas é a sua decisão. Agora, retirar um voto, cuja apresentação é um direito regimental, não me parece que seja cordial.

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O Sr. Presidente: - Não é isso, Sr. Deputado, a votação é que fica prejudicada. É esta a minha interpretação.

O Orador: - Com certeza, é a sua interpretação.
Se o Sr. Presidente entende que a proposta de alteração que apresentei deve ser votada depois da votação do voto, compreendo o seu ponto de vista…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!

O Orador: - Porém, é um direito meu apresentar esta proposta. Se o Sr. Presidente entende não a admitir, apesar de o já ter feito, como proposta de alteração, apresentá-la-ei, então, como voto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que o problema que levanta é extemporâneo.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 138/IX - De protesto pelos comportamentos incorrectos de vários agentes ligados ao futebol, apelando ao empenhamento de todos na promoção da boa ética desportiva (PSD e CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do BE.

É o seguinte:

Voto n.º 138/IX
De protesto pelos comportamentos incorrectos de vários agentes ligados ao futebol, apelando ao empenhamento de todos na promoção da boa ética desportiva

Portugal recebe no presente ano uma das maiores manifestações desportivas a nível mundial, o campeonato da Europa de futebol, EURO 2004.
Esta organização representa um esforço do País na sua promoção e na demonstração da sua capacidade organizativa e empreendedora. Para que o EURO 2004 seja um sucesso é necessário que todos tenham a noção da sua responsabilidade e se comportem em conformidade com a mesma.
Nos últimos tempos, vários têm sido os casos surgidos no futebol português motivando a preocupação de todos quantos valorizam o fair play como valor fundamental do desporto.
A título de exemplo:
Antes e depois do último jogo entre Sporting Clube de Portugal e o Futebol Clube do Porto foi possível assistir a declarações irresponsáveis que constituíram comportamentos verdadeiramente censuráveis, os quais em nada contribuíram para um clima pacífico à volta do jogo em causa;
No desafio entre o Vitória Sport Clube e o Boavista Futebol Clube foram os próprios jogadores a envolverem-se em actos violentos que despoletaram comportamentos também altamente censuráveis por parte dos adeptos;
No passado dia 29 de Fevereiro, este fenómeno assumiu outra dimensão ao envolver o Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes, Avelino Ferreira Torres. Os referidos acontecimentos, registados no estádio de Marco de Canavezes, são inaceitáveis e repudiáveis no quadro de uma boa cultura desportiva.
Nestes termos:
1 - A Assembleia da República condena todos os comportamentos contrários à boa ética desportiva, quer sejam protagonizados por agentes desportivos, quer, por maioria de razão, por responsáveis políticos.
2 - A Assembleia da República apela a todos os envolvidos e aos amantes do fenómeno desportivo no sentido de assumirem o espírito do fair play inerente ao acolhimento do EURO 2004.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entendo que a proposta de alteração a que o Sr. Deputado Francisco Louçã fez referência, e que foi admitida, está prejudicada, porque o seu conteúdo está integralmente contido no voto n.º 138/IX, que acabámos de votar.
Os votos são votados em bloco, embora, às vezes, não apoiados pelo Bloco de Esquerda,…

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Risos.

… e publicados no Diário da Assembleia da República. Quando é necessário transmiti-los a alguma entidade são transmitidos na íntegra, com todo o seu arrazoado e todos os seus parágrafos.
É assim que se faz, Sr. Deputado, e é esta a minha interpretação. Portanto, considero prejudicado o seu documento, já que não vou propor ao Parlamento que vote duas vezes a mesma coisa. O que o senhor propõe já foi votado, e deveria congratular-se com isso.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, se me permite, devo dizer que, em qualquer caso, um considerando e uma conclusão não têm o mesmo estatuto. O Sr. Presidente pode entender que as frases são as mesmas, mas compreenderá que eu tenho o direito de considerar que a força de uma deliberação é diferente da de um considerando que a motiva. E, deste ponto de vista, há, no aditamento que apresentei, uma alteração substancial sobre a forma como se organiza a deliberação da Câmara e o peso que ela tem.
Portanto, a única forma de resolver este assunto é pelo voto democrático, é por pressão dos Srs. Deputados e da sua decisão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha perspectiva é diferente. Eu entendo que os votos representam um texto que é votado na sua integralidade e não posso submeter à votação o mesmo texto duas vezes.
O texto proposto pelo Sr. Deputado já foi votado, já foi aprovado, até com larga maioria, e será publicado no Diário da Assembleia da República tal e qual como aqui foi votado. Assim, o seu texto está prejudicado.
Lamento, mas esta é a minha interpretação.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 109/IX - Regulamenta a Lei n.º 99/23003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

A proposta de lei baixa à 8.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 111/IX - Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio de 1998, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

A proposta de lei baixa à 1.ª Comissão.
Srs. Deputados, tínhamos para votar o texto final, apresentado pela Comissão de Economia e Finanças, relativo ao projecto de lei n.º 113/IX (Os Verdes), mas assim se não fará, porque houve uma falha, por parte da Mesa, o que assumo, uma vez que o texto não foi remetido à Comissão para ser corrigido, pois verificou-se haver nele alguns erros. E, como só agora voltou à Comissão, só será submetido a votação quando nos for devolvido.
Vamos, então, passar à votação do requerimento, apresentado pelo CDS-PP, de baixa à 1.ª Comissão, sem votação e por um período de 90 dias, do projecto de lei n.º 229/IX - Tipifica o crime da mutilação genital feminina (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovada por unanimidade.

Com a aprovação deste requerimento fica prejudicada a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 229/IX.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 112/IX - Estabelece o Estatuto do Administrador da Insolvência.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS e do BE.

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A proposta de lei n.º 112/IX baixa à 1.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 396/IX - Institui o Conselho Nacional de Saúde - CNS (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, passamos, agora, à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 399/IX - Procede à segunda alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de vários pareceres da Comissão de Ética.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República - Processo de Inquérito n.º 12829/03.3TDLSB -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Eduardo Ferro Rodrigues (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República - Processo de Inquérito n.º 12829/03.3TDLSB -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República - Processo de Inquérito n.º 12829/03.3TDLSB -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Costa (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Uma vez que não há objecções, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, terminamos as votações agendadas para hoje.
Porém, antes de prosseguirmos os nossos trabalhos, chamo a atenção dos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares para o facto de ainda nos faltar um ponto na ordem do dia, para o que é indispensável garantir o quórum de funcionamento, e de que encerrarei a sessão se se verificar a não

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existência do mesmo, com as consequências previstas no Regimento.
Vamos, agora, dar início à apreciação do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, que cria a Entidade Reguladora da Saúde [apreciações parlamentares n.os 66/IX (PCP) e 68/IX (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que ninguém tenha ilusões. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) é uma peça da estratégia de privatização do Governo, um biombo para fingir que o comando do mercado será temperado por um fiscal independente, quando, na verdade, passará cada vez mais a impor as regras. E assim se desmantela o Serviço Nacional de Saúde e se entregam cada vez mais recursos aos interesses privados; e assim se submetem os direitos das populações aos interesses dos grupos económicos e financeiros na área da saúde.
Ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer, o Estado não está, nem nunca esteve, inibido de exercer funções…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que muitas vezes se pretende fazer crer, o Estado não está, nem nunca esteve, inibido de exercer funções reguladoras na área da saúde,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Claro!

O Orador: - … e não é porque sucessivos governos as exerceram de forma insuficiente que elas deixaram de existir.
A concepção que agora se tenta fazer vingar sobre esta matéria assenta num pressuposto errado: para o Governo o Estado é suspeito. A opção que o Governo propõe é a retirada do Estado da regulação do mercado, com o argumento de que a sua intervenção significaria uma distorção da concorrência.
Mas o problema é que o Estado tem o dever e a função de defender o interesse público e se desequilíbrio houver é a favor do interesse colectivo e do bem comum. Só que o Governo quer o contrário: o Governo quer pôr o mercado no lugar do Estado e o lucro no lugar da saúde.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E nem adianta invocar o velho e estafado argumento neoliberal da separação da função reguladora do financiamento e da prestação de cuidados. O Estado pode e deve exercer essas funções. Aliás, não haverá condições para um exercício efectivo da função reguladora se o Estado não tiver um forte papel na prestação de cuidados de saúde. Se o Estado deixar cada vez mais para os privados os cuidados de saúde, esta ficará nas mãos destes interesses e não há regulação que, então, resista.
É importante olhar para as outras experiências da chamada "regulação", designadamente em áreas de serviço público. Veja-se o que acontece na electricidade, com a regulação a proporcionar a electricidade mais cara da Europa para os consumidores e a imposição do preço que convém aos interesses do mercado;…

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - … veja-se o que acontece em muitos casos no estrangeiro, em que a privatização se apoiou na muleta de uma regulação ineficaz e na entrega das rédeas dos sectores públicos aos interesses do mercado.
Não têm fundamento os principais argumentos do Governo. Não há verdadeira independência de uma entidade como a que propõem, que ao mesmo tempo que não responde perante ninguém está sujeita às forças dominantes dos interesses privados. Não há nela defesa dos direitos dos utentes da saúde. Não há na duração do mandato dos gestores senão a garantia de que serão inamovíveis, mesmo que prejudiquem gravemente o interesse público, como a estrutura da entidade proposta prenuncia.
Vejamos, mais em pormenor, algumas das propostas do Governo.
O Governo deixou de fora elementos que estavam em versões anteriores e, logo, os que tinham a ver com a participação dos profissionais e dos utentes e com os seus direitos, designadamente o conselho consultivo e o Provedor do Utente. A coisa foi feita tão à pressa que, se analisarmos o artigo 19.º, ainda podemos ver uma referência ao conselho consultivo que, entretanto, o Governo "limpou" da versão final do diploma.

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O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Criou o Governo um regime de incompatibilidades insuficiente e incoerente. E dou um exemplo muito simples: à luz deste regime de incompatibilidades, imagine-se, um qualquer gestor, que, por exemplo, desempenhasse funções numa empresa do sector dos adubos do Grupo Mello, poderia ser o presidente da entidade reguladora. Ora, está bom de ver que alguém que venha de um grupo económico com poderosos interesses na área da saúde e na sua privatização não poderá ser um gestor isento da entidade reguladora da saúde.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Só é isento para o Governo!

O Orador: - E este exemplo demonstra bem como o regime de incompatibilidades é insuficiente e incoerente.
A entidade reguladora proposta dependerá de outros para exercer as suas competências. Não tem estrutura que lhe garanta autonomia de intervenção. Não tem garantia de financiamento independente, designadamente provindo do Orçamento do Estado.
A entidade proposta encerra também uma desresponsabilização do Governo, que passa a ter um "manto" pretensamente independente para esconder as consequências das suas decisões e da sua política.
Por isso, é natural que tenha havido uma rejeição unânime de todos os intervenientes do sector da saúde, como ordens, sindicatos, associações profissionais, inúmeras personalidades, incluindo da área dos partidos da maioria, que o Ministro certamente tentará atribuir ao suposto imobilismo, que é o lobbie que diz não conseguir vencer na saúde, mas que traduz bem a gravidade da política do Governo e da proposta de entidade reguladora que apresenta.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, temos também propostas a apresentar: esta entidade reguladora que o Governo propõe não tem emenda; não serve o interesse público; não defende os cidadãos; não protege o Serviço Nacional de Saúde.
Por isso, o PCP propõe a cessação de vigência do decreto-lei que a cria.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que o Estado pode e deve criar mecanismos de regulação e fiscalização do sector da saúde. Isto é, aliás, especialmente necessário face ao quadro de desregulação do sector, de imposição de uma política economicista, de privatização e da consequente ameaça ao direito à saúde dos portugueses.
Apresentaremos, assim, brevemente, um projecto de criação de uma verdadeira entidade reguladora, uma agência reguladora da saúde, com algumas características essenciais, que passo a enunciar: que tenha funções de garantia do acesso universal em condições de igualdade aos cuidados de saúde; que garanta a qualidade dos cuidados prestados a toda a população e que promova a acreditação das instituições; que zele pelos direitos dos utentes, designadamente no que toca à humanização dos cuidados, à informação e à participação na gestão das unidades de saúde; que garanta a transparência e a informação geral sobre o sector da saúde, um elemento que, aliás, é hoje em dia desprezado pela política obscurantista em relação aos dados da saúde que o Governo pratica;…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem lembrado!

O Orador: - … que fiscalize a aplicação dos dinheiros públicos no sector da saúde; que previna e combata a promiscuidade entre os sectores público, privado e social; que vigie e garanta as condições para um exercício profissional de plena autonomia científica e técnica; que tenha uma estrutura de serviços e meios de financiamento, garantindo capacidade de intervenção autónoma e não dependente de financiamentos e apoio de agentes do mercado, quer estejam directa ou indirectamente ligados à prestação de cuidados no sector privado; que tenha um conselho directivo, cujo presidente seja indicado pela Assembleia da República; que inclua um conselho de acompanhamento em que estejam representados os diversos intervenientes na área da saúde; que o presidente deste conselho de acompanhamento também seja indicado pela Assembleia da República e tenha estatuto e funções que lhe permitam ter uma intervenção concreta como depositário das reclamações e reivindicações dos utentes; que promova a articulação das suas funções com outras entidades, como a Inspecção-Geral de Saúde, o

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INFARMED ou o Instituto da Qualidade em Saúde.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Consideramos que a proposta que apresentamos, evidentemente aberta à discussão e a propostas de outras forças políticas e intervenientes no sector da saúde, sintetiza os elementos fundamentais para uma entidade que verdadeiramente regule o sector da saúde, para que se faça o debate que faltou na proposta do Governo e para que o exercício de funções de regulação se garanta, de facto, e não seja apenas uma fachada para avalizar a privatização geral da saúde, que está em curso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje, nesta Assembleia, a Entidade Reguladora da Saúde, criada nos termos do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro.
Importa, antes de abordarmos as especificidades do conteúdo normativo do diploma, fazer algumas reflexões sobre o contexto em que o mesmo se insere.
Os cuidados de saúde partilham muitas características com as outras áreas da economia. Mas a saúde, como bem público que é, não pode ser confundida nem explorada como qualquer outro bem mercantil. O mercado da saúde tem características que o diferenciam dos mercados da análise económica tradicional.
A incerteza em relação à necessidade de consumo ou à imprevisibilidade dos custos, a assimetria de informação entre prestadores e consumidores, a procura induzida de cuidados de saúde com o agenciamento exercido pelo médico em relação ao doente são alguns dos aspectos, entre outros, que distorcem as regras de mercado habituais, levando a uma pouco clara separação entre a oferta e a procura.
Em saúde, a procura de cuidados não permite ao utente uma decisão racional nas suas escolhas, já que a informação se encontra normalmente do lado do prestador, pelo que o doente, ao não conhecer normalmente as alternativas de consumo ou o impacto real que podem ter no seu estado de saúde, depende do prestador em grande parte.
Com estes exemplos, verificamos facilmente não ser possível aplicar à procura de cuidados de saúde pelos consumidores as teorias que se aplicam noutras áreas de mercado.
Em Portugal, a Constituição da República atribui ao Estado a responsabilidade pela protecção da saúde dos cidadãos, devendo esta ser de acesso universal e tendencialmente gratuita. O próprio Estado assume a principal função de prestação de cuidados de saúde, sendo por isso o mercado da saúde preferencialmente ocupado pelo sector público.
As regras da concorrência das teorias liberais da economia encontram-se, assim, fortemente condicionadas na área dos cuidados de saúde.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: São estas algumas das razões - e também porque o sistema de saúde é financiado pelos impostos - que nos fazem entender que o papel do Estado como entidade reguladora não pode ser idêntico na saúde à regulação exercida em outras áreas da economia, como as telecomunicações, a energia, ou a Comissão do Mercados de Valores Mobiliários.
Uma entidade reguladora na saúde deve, por isso, na nossa opinião, assumir mais uma vertente de promotora dos direitos dos cidadãos enquanto utentes dos serviços de saúde do que propriamente de interventora nos mecanismos concorrenciais de mercado.
Deve ser uma entidade que promova uma plataforma de participação dos utentes e dos demais actores que actuam na área da saúde, contribuindo também para a total transparência da sua gestão.
A sua total independência do poder Executivo deve constituir uma marca fundamental, só assim será garantida a isenção e a imparcialidade, que é a única sustentação para a criação de uma entidade desta natureza.
A Entidade Reguladora da Saúde não deverá ser rectificadora de eventuais erros que o Ministério venha a cometer, enquanto parte integrante de contratos com entidades privadas, e não deverá servir uma estratégia de desresponsabilização futura do Ministério da Saúde.
O Grupo Parlamentar do PS entende, por isso, que as soluções normativas apresentadas são desajustadas, quer do ponto de vista dos direitos e interesses dos utentes, quer do ponto de vista do próprio funcionamento e orgânica da Entidade Reguladora da Saúde.
A criação de uma entidade reguladora da saúde deveria ser objecto de uma lei da Assembleia da República e não de um decreto-lei. Esta posição seria fundamental para a efectiva independência, transparência e responsabilidade democrática da entidade reguladora.

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Não tendo sido este o caminho seguido pelo Governo, chamámos à apreciação parlamentar o diploma que institui a Entidade Reguladora da Saúde com vista a uma tentativa da sua adequação aos interesses que visa efectivamente integrar.
Nesse sentido, acabámos de apresentar à Mesa da Assembleia um conjunto de propostas de alteração, das quais me permitia destacar, pela sua importância, as que passo a expor.
Em relação à composição do órgão regulador e à nomeação dos seus membros, verificamos no diploma que não há uma uniformização entre o mandato do presidente e dos vogais da Entidade Reguladora da Saúde - um é nomeado por cinco anos, os outros por dois anos. Enfim, como não vemos razões objectivas para tal discrepância, é um dos aspectos que propomos que seja alterado.
Quanto à própria forma de nomeação, entendemos que deverá ser a Assembleia da República, sob proposta do Ministro da Saúde, a responsável pela aprovação por uma maioria dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, do nome a apresentar pelo Ministro da Saúde.
No que diz respeito à participação, pela nossa parte, apresentamos uma proposta em que se consagra expressamente a existência de um conselho consultivo com as respectivas competências e mecanismos de funcionamento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Claro! Falta o conselho consultivo!

O Orador: - Com efeito, dada a natureza do que estamos a tratar, entendemos que a primeira atribuição desta Entidade Reguladora deve ser a defesa dos interesses dos utentes e não se entende que o Governo tenha recuado nesta matéria. Aliás, o recuo não foi completamente executado, até porque, como podemos verificar na alínea d) do n.º 1 do artigo 19.º do diploma, continua a existir a referência ao conselho consultivo. Portanto, também propomos que, enfim, o Governo e a maioria, se entenderem não avançar para um conselho directivo, retirem esta referência, ou seja, ponham o diploma em condições.
Em relação às atribuições, entendemos que poderiam ser asseguradas algumas novas atribuições, nomeadamente o cumprimento por parte das entidades reguladas das obrigações legais e regulamentares, designadamente em matéria de licenciamento.
Competirá à Entidade Reguladora da Saúde a divulgação do quadro regulatório em vigor, pois isto não está previsto na lei e deve haver uma informação a todas as entidades reguladas daquilo que está no quadro regulador. Esta Entidade deve também promover a investigação e estudos no sector da saúde e sobre a sua regulação, porque entendemos que é extremamente importante, até porque as experiências a nível da Europa são muito poucas nesta área da regulação. Portanto, com esta inovação que o Governo apresenta, penso que a Entidade Reguladora da Saúde deve ter também a preocupação e a competência de promover esses estudos para a melhoria deste sistema.
A Entidade Reguladora deve também colaborar com a Assembleia da República e com o Governo na formulação da política de saúde.
Entendemos que há aqui alguns perigos, algumas áreas de conflito, nomeadamente com a Direcção-Geral de Saúde, que tem competências no registo público das unidades privadas de prestação de cuidados convencionados ou não, com a Inspecção-Geral de Saúde, já que compete a esta, e não à Entidade Reguladora, a punição da selecção adversa ou procedimentos sancionatórios em caso de infracções administrativas, com o próprio Instituto da Qualidade de Saúde - e perguntamos o que vai ser feito ao actual protocolo existente entre o Instituto da Qualidade de Saúde e o King's Fund Health Quality Service com a entrada em funcionamento desta nova Entidade Reguladora da Saúde.
Em relação às queixas dos utentes, verificámos que, no articulado, desaparece, em relação ao projecto inicial, a figura do provedor de saúde. O PS concorda com a existência de um provedor de saúde. Daí termos apresentado um projecto de lei, nesta Assembleia, sobre a matéria que abrange, inclusive, a prestação dos cuidados de saúde no sector privado e social, nomeadamente quando prestados também por profissionais em regime liberal. Estas são competências que, habitualmente, não estão no Provedor de Justiça. O Provedor de Justiça tem uma acção clara sobre as entidades públicas e, portanto, nós entendemos que o provedor de saúde também deve ter competência sobre as entidades privadas. É uma proposta que iremos discutir futuramente, não em termos de algumas das propostas que apresentamos agora mas do projecto de lei que apresentámos já em devido tempo.
Já agora, em relação às queixas e reclamações, propomos o dever da Entidade Reguladora da Saúde inspeccionar os registos de queixas e reclamações dos utentes apresentados aos operadores e de recomendar aos mesmos operadores providências adequadas à reparação das queixas e reclamações dos utentes que sejam justas. Isto porque não basta definir que se disponibiliza um livro de reclamações num qualquer sítio, é preciso verificar se, efectivamente, a legislação está a ser cumprida, e, neste momento, não há ninguém que tenha essa competência.

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De igual modo, em relação à arbitragem, entendemos que é fundamental que a Entidade Reguladora não arbitre apenas entre operadores mas que haja também uma arbitragem voluntária entre prestadores e utentes, o que não está previsto neste decreto-lei.
Por último, a questão da prestação de contas e a da responsabilidade pública. Propomos que se estabeleça expressamente no decreto-lei o dever de cooperação da Entidade Reguladora com a Assembleia da República, traduzida na realização das audições que se afigurem adequadas, o que consta do preâmbulo mas não está consignado neste decreto-lei.
Propomos, ainda, que as contas da Entidade Reguladora sejam submetidas à fiscalização do Tribunal de Contas, já que ela é financiada, directamente e em parte substancial, pelas entidades que regula, quer sejam públicas quer sejam privadas. Portanto, entendemos que é importante que, também aqui, o Tribunal de Contas tenha uma acção de fiscalização.
Finalmente, o decreto-lei estabelece o dever do envio anual à Assembleia da República, através do Governo, de um relatório sobre a actividade reguladora. Entendemos que é importante - e, neste sentido, apresentámos também uma proposta - que a Entidade Reguladora da Saúde apresente também o seu plano de actividades e o relatório de actividades, bem como o respectivo orçamento e contas, para que esta Assembleia possa ter um conhecimento atempado da actividade a desenvolver por esta Entidade Reguladora.
Esperamos que algumas destas propostas possam ter bom acolhimento, porque destinam-se a dar uma melhor qualidade a este decreto-lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Patinha Antão.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Srs. Deputados: Por iniciativa da oposição, foi pedida a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, que criou a Entidade Reguladora da Saúde.
À primeira vista, nada de mais democraticamente saudável. Constituindo esta Entidade Reguladora o fecho institucional da nova arquitectura do sistema de saúde, nada mais natural do que a oposição ter ideias próprias, consistentes e distintas das do Governo e da maioria parlamentar sobre a natureza da missão desta nova Entidade, ou sobre as suas atribuições e poderes regulatórios, ou, ainda, sobre as garantias de isenção e de independência no exercício das suas responsabilidades que têm de ser asseguradas.
Tivesse a oposição tais ideias próprias e distintas, forjadas em consistentes propostas de alterações ao conteúdo normativo do diploma, teríamos, nesta Câmara, o tipo de debate parlamentar aberto e leal, o que seria salutar e útil que tivéssemos e seria aquilo que os portugueses esperam de nós, sobretudo, por se tratar de matéria a que os nossos concidadãos atribuem a maior importância, isto é, a prestação de mais e melhores cuidados de saúde para todos.
Lamentavelmente, a oposição, como já tinha anunciado em declarações públicas nos últimos dias, optou, uma vez mais, por fugir às suas responsabilidades.
Muito custa à oposição debater a sério os problemas da saúde em Portugal! E isto porque ela sabe, no íntimo, que as reformas em curso não só não podiam ser mais adiadas como vão no rumo certo.
Por isso, a oposição está neste debate de corpo presente, mas de alma ausente - e até o corpo não é muito significativo, como se vê pelo deserto da bancada do PS.
Com efeito, a oposição veio de mãos vazias. Houvesse alma e convicção e a oposição teria apresentado modelos alternativos da entidade reguladora que estivessem em sintonia com a sua própria visão do que deve ser a reforma da saúde.
Mas há na oposição alguma visão própria e alternativa à actual reforma da saúde? Se há, falhou, até hoje, a coragem de a apresentar. E tudo o que a oposição manifestou, até agora, neste debate, apenas o confirma. O caso mais visível é o do PCP e o mais envergonhado o do PS.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Srs. Deputados: Diz o PCP que quer a anulação do decreto-lei que criou a Entidade Reguladora da Saúde porque ela "desresponsabiliza" a acção do Estado e "vai ficar dependente dos interesses do mercado".
O argumento da "desresponsabilização" do Estado revela que o preconceito é mais forte do que a nudez crua da verdade, Sr. Deputado Bernardino Soares.
Com efeito, é exactamente através da criação da Entidade Reguladora da Saúde, que, pela primeira vez, em Portugal, se passa a responsabilizar o Estado, enquanto produtor de serviços de saúde, com a mesma exigência e rigor que é aplicável aos serviços de saúde prestados por todos e quaisquer prestadores privados, tenham eles fins lucrativos ou não, sejam eles hospitais, centros de saúde,

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laboratórios ou profissionais em exercício de profissão liberal.
E quando o PCP diz que a Entidade Reguladora ficará dependente dos interesses do mercado revela desorientação.

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

No fundo, o que o PCP queria era que não houvesse mercado. E é por isso que, prisioneiro deste seu bloqueio ideológico, diz que vai precisar ainda de uns meses para propor o seu próprio figurino de "entidade reguladora". Talvez precise de uma eternidade, Sr. Deputado Bernardino Soares, pois querer eliminar o mercado e, ao mesmo tempo, inventar uma entidade reguladora para o regular parece proeza não inferior à resolução da quadratura do círculo ou do último teorema de Fermat.

O Sr. José Magalhães (PS): - Esse resolve-se!

O Orador: - Por último, o PS está com uma postura envergonhada neste debate, desde logo, com "entradas de leão e saídas de sendeiro". Com efeito, há meses, o Dr. Ferro Rodrigues anunciou que o PS iria concentrar a sua oposição na área da saúde. Forçoso é dizer que os frutos desse grande desígnio foram, até agora, apenas as iniciativas do PS, algo pífias, que estão presentes no debate de hoje.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pífias?! Mas esta entidade não é pífia!…

O Orador: -Que critica o PS na Entidade Reguladora da Saúde? Primeiro, acha que é gravosa a falta de um conselho consultivo. Segundo, acha que a Entidade Reguladora deveria depender da Assembleia da República.
A primeira crítica releva de oportunismo eleitoralista. Com efeito, um conselho consultivo numa entidade reguladora com a missão que esta tem seria contraproducente - e sê-lo-ia ainda mais com o obeso e paralisante conselho consultivo, com mais de uma centena de membros, que o PS propõe.

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Por isso mesmo, a Entidade Reguladora da Saúde tem o mesmo modelo orgânico da Autoridade da Concorrência - os seus órgãos são apenas o conselho directivo e o fiscal único.
Com efeito, um qualquer conselho consultivo seria sempre um álibi para o conselho directivo se eximir ao cumprimento do essencial da sua missão, o qual está expresso, com meridiana clareza, no artigo 25.° do diploma hoje em apreciação. Trata-se de assegurar, sobretudo: o acesso universal e igual de todas as pessoas ao sistema público de saúde; a prevenção e punição da indução artificial da procura de cuidados de saúde; e a prevenção e punição de todas práticas de discriminação negativa de utentes e de concorrência desleal no lado da oferta.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: São estes os objectivos essenciais da missão atribuída à recém criada Entidade Reguladora da Saúde. Missão que é profundamente inovadora porque, pela primeira vez em Portugal, se combate o risco moral e a selecção adversa, com uma Entidade Reguladora dedicada, tal como acontece nos países que lideram a qualidade de serviços em saúde, como o Canadá. Missão que é para ser cumprida com toda a isenção e independência de quaisquer poderes, sejam eles políticos ou económicos.
Reparei que o Sr. Deputado Luís Carito não falou na isenção relativamente aos poderes económicos, aos lobbies, mas deveria ter falado, Sr. Deputado. É por isso mesmo que ao conselho directivo desta entidade se pode exigir a máxima responsabilização que o quadro legal consente. É-lhe imposto, sobretudo, um limite ético: a paixão de servir os interesses dos utentes em saúde, pressionando o sistema para uma melhoria continuada da acessibilidade e da qualidade dos serviços prestados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2002, o XV Governo Constitucional iniciou o seu mandato com um pacote legislativo muito ambicioso na área da saúde, propondo uma reforma de fundo no sistema de saúde e no SNS.
Baseando-se nas exigências da convergência económica europeia, procurando dar acolhimento ao poder financeiro que gere o mercado e explorando défices reais e evidências do baixo nível de eficiência

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do sistema - as listas de doentes em espera por cirurgia, por exemplo -, o Executivo lançou-se numa corrida pela sua transformação radical com o intuito de retirar ao serviço público a centralidade e a responsabilidade na prestação de cuidados, colocando-o ao nível de concorrente com privados, quer estes se apresentem com ou sem fins lucrativos.
De entre este pacote legislativo, destacam-se os diplomas que vão regular os cuidados de saúde primários, as parcerias público-privadas (PPP) na saúde ou o que introduziu a primeira alterações à Lei de Bases da Saúde. Estes diplomas corporizam uma mudança do paradigma na área da saúde, que, de resto, já se vinha sentindo desde o início da década de 1990: do cidadão-utente passamos à pessoa-cliente. Isto é, a saúde como direito fundamental é, de forma gradual, substituída pela saúde enquanto negócio.
Esta perspectiva concorrencial e privatizadora da saúde levará à instalação de um sistema de saúde que discrimina os mais pobres e os mais necessitados, tornando a possibilidade de acesso a cuidados de qualidade variável, na razão directa da capacidade económica e na razão inversa da necessidade de acesso aos cuidados de saúde.
Esta é uma prática que se começa a verificar, sendo que a aprovação de leis como a da ERS nos aproxima da sua institucionalização, da sua banalização em nome do cliente, da sua recorrência em nome do mercado.
A ERS constitui-se como resposta a várias preocupações, entre as quais as do Presidente da República, para que "ninguém deixasse de ser tratado só por ter de se cumprir um orçamento".
Além de regulador deste mercado que se abre e que é o mais injusto de todos os mercados, a ERS procura assumir parcialmente um papel que, na lei de bases de 1990, estava previsto para o Conselho Nacional de Saúde, o de um gabinete técnico consultivo que acompanha a tomada de decisão e a governação nas áreas relativas à saúde.
No entanto, e ao contrário daquele Conselho, a ERS agora criada não é um órgão com representação dos vários intervenientes nesta área, deixando de fora tanto os utentes como os profissionais de saúde e marginalizando o papel da Assembleia da República em todo o processo, ao contrário do que também o Presidente da República tinha sugerido.
Esta ERS tornar-se-á também uma instituição de confiança política, uma vez que a nomeação dos seus membros (um presidente e dois vogais) é da competência directa do Governo, sob proposta do Ministro da Saúde, transformando-se, assim, num organismo governamentalizado e com sobreposição de funções em relação ao próprio Ministério. Não precisamos de "clones" do Ministério da Saúde, o original já nos basta.
Esta ERS não será capaz de "Assegurar o direito de acesso universal e igual a todas as pessoas ao serviço público de saúde;", nem "Garantir adequados padrões de qualidade dos serviços de saúde;", nem "Assegurar os direitos e interesses legítimos dos utentes;", como diz o artigo 25.º do Decreto-Lei, quando define os objectivos da regulação.
Das atribuições previstas no decreto-lei, não será decerto assegurada a defesa dos interesses dos utentes, já que nem o provedor do utente está previsto, contrariamente à primeira versão do diploma. A ERS ficará, assim, reduzida ao papel de "garantir a concorrência entre os operadores".
Por tudo isto, pensamos que o Decreto-Lei n.º 309/2003 deve ser revogado, devendo ser repensado nesta Câmara o papel, as atribuições e a composição de uma entidade que deverá ter independência face ao Ministério, ser eleita e ser responsável perante esta Assembleia, ser capaz de defender os direitos dos utentes e, sobretudo, de garantir o acesso universal aos cuidados de saúde.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde, Sr.as e Srs. Deputados: Estão em análise dois pedidos de apreciação parlamentar sobre o mesmo diploma legal, o que cria a Entidade Reguladora da Saúde.
Assim, traz-nos, desde logo, o Partido Comunista Português uma apreciação parlamentar, mais uma vez, na área da saúde. E, mais uma vez, denuncia a grande desconfiança que tem em relação àquilo que foi definido como uma política prioritária para o País.
Desta vez, não são os hospitais empresarializados, nem o temível capital privado a invadir o Serviço Nacional de Saúde. O que o Partido Comunista, agora, põe em causa é uma medida que visa apenas uma gestão mais eficiente: a criação de uma entidade reguladora para o sector da saúde.
Em bom rigor, esta entidade tem como objecto a regulação, a supervisão e o acompanhamento da actividade dos estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde.
Este organismo é um órgão independente, tanto no que respeita à orgânica como ao funcionamento, cujo órgão máximo só pode ser designado e dissolvido mediante resolução do Conselho de Ministros.

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De resto, não são só o Governo e a maioria que apoiam esta medida; há bem pouco tempo, o Presidente da República manifestou a opinião de que a criação desta mesma entidade constituía o modo essencial para regular o sector da saúde - uma vez que passaram a existir entidades ou operadores públicos regidos pelo direito privado, assim como entidades totalmente privadas.
Esta Entidade Reguladora da Saúde visa essencialmente a garantia de equidade e do acesso dos cidadãos ao sistema de saúde, a garantia da qualidade dos cuidados de saúde prestados, assim como a defesa e segurança dos direitos dos utentes.
Estes desígnios parecem-nos claros e evidentes.
Perante todas as iniciativas do Governo nesta aérea, e com a entrada do sector privado nos investimentos na área da saúde, justifica-se que exista uma entidade que verifique se todos os operadores estão a actuar dentro da normalidade e cumprindo todos os seus objectivos, sempre com a finalidade de servir melhor os utentes.
Gostaríamos de perceber qual a intenção do Partido Comunista Português. O que pretende afinal? O vazio político?! A falta de regulação?! Que os utentes do Serviço Nacional de Saúde não tenham os seus direitos assegurados?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não ouviu a minha intervenção!

O Orador: - Que não haja uma entidade independente que garanta uma gestão verdadeiramente eficiente?!
Confesso que não percebo a resposta a estas questões, nem no pedido de apreciação parlamentar, nem nas intervenções feitas nesta Câmara.
Percebemos as contingências que o Partido Comunista Português enfrenta. De facto, é, evidentemente, contra toda uma filosofia de eficiência, que necessariamente colide, em grande medida, com o Sistema Nacional de Saúde preconizado pelo PCP. Ou seja, um Estado pesado, lento na sua forma de agir, sem iniciativa privada, sem qualquer agilidade e com mais burocracia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O que pretendemos, o que o Governo pretende, e o que a maioria aspira, é que os cidadãos portugueses sejam cada vez mais servidos com mais qualidade, rapidez e eficiência. Para tal, é fundamental a existência de uma entidade que promova essa excelência, que pugne pela eficácia.
No que respeita à apreciação parlamentar n.º 68/IX, em que o Partido Socialista diz não entender como esta Entidade Reguladora da Saúde pode promover e defender os interesses dos utentes se, na sua orgânica, não contempla qualquer estrutura ou plataforma de participação e representação dos utentes, temos a lembrar que, desde que este Governo tomou posse, já foram criadas mais comissões concelhias de saúde do que durante todo o período de governação do PS.
As comissões concelhias de saúde são órgãos consultivos dos conselhos de administração das administrações regionais de saúde em relação a cada área de saúde no âmbito do respectivo concelho.
Às comissões concelhias de saúde cabe, designadamente, dar parecer sobre todas as questões que lhe forem solicitadas pelo conselho de administração da administração regional de saúde relativo à sua área da saúde, poderão também apresentar propostas, elaborar relatórios, efectuar estudos ou propor programas de acção às administrações regionais de saúde respectivas referentes à resolução de problemas de saúde do concelho.
As comissões concelhias de saúde poderão recorrer à colaboração de peritos nas situações em que tal se justifique, bem como solicitar a presença e colaboração de entidades que devam ser envolvidas na resolução dos problemas de saúde do concelho.
Em bom rigor são a representação dos utentes no Serviço Nacional de Saúde. São o interlocutor para o Governo das necessidades dos utentes dos diversos concelhos.
Estas comissões têm um papel muito importante porque transmitem as necessidades e a realidade local característica da população de cada concelho.
A filosofia que o Governo introduziu com a difusão destas comissões concelhias de saúde foi de eficiência e agilidade no contacto mais próximo com os utentes.
Estas, sim, cumprem o seu papel junto do Governo, que é o órgão Executivo por excelência, não fazendo sentido que estejam representadas na entidade que regula o sector, sendo certo que a mesma existe para proporcionar e garantir a qualidade e a eficiência do sector da saúde.
Falecem, pois, e em suma, os argumentos vertidos nos pedidos de apreciação parlamentar e também os aqui aduzidos pelos Srs. Deputados da oposição. Não abalam a nossa convicção nem os afastam daquele objectivo de qualidade e de eficiência para o sector da saúde.
É de facto este o nosso objectivo, e eu diria que é um objectivo nobre e um bom objectivo.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Assembleia da República é chamada hoje a pronunciar-se sobre a entidade reguladora da saúde. Ora, ao discutir esta matéria tem de se precisar os exactos termos e contornos, bem como a evolução que o Governo tem vindo a incrementar neste sector.
As transformações profundas ocorridas neste sector são aquelas que se podem caracterizar pela introdução de uma lógica empresarial, quer pela via do alargamento do sector privado quer pela "empresalização" dos estabelecimentos públicos de saúde. Donde, há dois factores susceptíveis de por em causa os princípios básicos que devem orientar uma política de saúde tendo em conta dois princípios fundamentais: o princípio da universalidade do sistema e o princípio da igualdade de todos os cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, bem como da garantia de qualidade de cuidados, de segurança dos utentes e de prestação de um serviço humanizado.
Neste quadro, é necessário criar uma entidade com o objectivo de defender a qualidade dos cuidados de saúde, o próprio sistema e de proteger os direitos e os interesses dos utentes (os contribuintes e aqueles que, segundo a Constituição da República Portuguesa têm garantido o direito de acesso à saúde). Nesse sentido, a criação de uma entidade reguladora de saúde constituía uma importância extrema enquanto instituto regulador da qualidade para a saúde.
A razão de ser desta discussão e da contestação da entidade reguladora da saúde, tal qual foi criada, não advém da convergência de opinião sobre a necessidade da sua existência, particularmente num sector nevrálgico e sensível como este, pois, dizendo respeito à saúde, mexe com o direito à vida. A questão que se coloca é a de saber se o modelo escolhido foi ou não capaz de corresponder a essas necessidades, se se orienta ou não pelos princípios que não são descartáveis num domínio como este, se a entidade em causa garante ou não total e rigorosa independência, quer em relação ao Estado, quer em relação aos operadores da saúde, quer no estabelecimento e na criação de mecanismos criteriosos de responsabilização pública assentes na transparência de procedimentos e na obrigatoriedade de apresentação e publicitação regulares de relatórios da sua actividade.
É a partir deste enquadramento que a apreciação e a contestação profunda à entidade reguladora de saúde, que foi criada pelo Governo, têm todo o cabimento.
Desde logo, porque uma das questões essenciais e determinantes para a sua credibilidade não foi garantida: a independência dos seus membros. Estamos a falar de uma entidade reguladora cujos membros têm um âmbito de intervenção muito limitado. A sua independência está, por um lado, amputada porque se encontra limitada aos princípios orientadores da própria política de saúde definida pelo Governo e, por outro, todos os seus actos estão sujeitos a tutela ministerial.
Para Os Verdes, a primeira questão que suscita a rejeição desta entidade é a não garantia de credibilidade nem de verdadeira independência face ao Governo. Aliás, essa própria falta de independência é visível de uma forma muito nítida na inamovibilidade dos membros do conselho directivo.
Essas duas questões determinam por si só a rejeição desta entidade como tal sendo necessário repensá-la pelo figurino adoptado.
Também a forma como as atribuições estão pensadas e o âmbito de jurisdição manifestamente desadequado a um sector que não pode ser comparável a qualquer outro sector de actividade económica - estamos a falar de um sector de tem de pautar-se por regras diferentes porque o primado que deve estar na base das decisões dos actos médicos é o primado dos cidadãos, da sua segurança e da sua saúde - são razões adicionais para que esta entidade estivesse "ferida de morte".
Em conclusão, de acordo com o quadro político criado, sendo indispensável uma entidade reguladora da saúde, pensamos que esta nasceu mal, pelo que só a sua extinção e a criação de uma entidade credível pode assegurar aquilo que no novo mercado da saúde, hoje, urge incrementar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Carlos Martins): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É para o XV Governo Constitucional extremamente gratificante a oportunidade de, perante esta mui digna Câmara, reiterar a importância e o alcance da recém-criada entidade reguladora da saúde.
As apreciações parlamentares têm também este mérito, ou seja, o de posicionar tão importante matéria na agenda política em termos de debate.

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O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa recordar, em nossa opinião, a posição histórica de cada um dos intervenientes nestas apreciações parlamentares, neste debate sobre regulação em saúde.
Em 2002, o Partido Socialista, então com acrescidas responsabilidades perante o País, afirmou no seu compromisso eleitoral que iria desenvolver as capacidades reguladoras públicas, mas limitou-se a inscrever como novas áreas de regulação a área do transporte e a área da gestão de infra-estruturas. Em nenhuma das 10 páginas do vosso programa eleitoral para a área da saúde encontramos uma única vez a palavra regulação, quanto mais a proposta de criação de uma entidade reguladora…

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, felicito-vos porque agora já consideram importante a regulação no sector da saúde. É de facto uma evolução…
No plano da coerência, não quero deixar de sublinhar perante esta Câmara que os partidos do Governo de coligação honraram também aqui os seus compromissos.
Em 2002, o PSD, no seu programa eleitoral, afirmou aos portugueses que iria regular a participação dos operadores sociais e privados no âmbito da prestação de um serviço público de saúde.
Por sua vez, o CDS-PP também assumiu no seu programa eleitoral a importância da regulação no sector da saúde.
Foi, pois, com serenidade e responsabilidade que no Programa do XV Governo Constitucional assumimos que criaríamos uma entidade reguladora com natureza de autoridade administrativa.
Recordo que, logo em Agosto de 2002, ficou mencionado no texto do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto, que regulamenta as parcerias na saúde, o papel de uma entidade reguladora.
Mas também o diploma que criou a rede de cuidados primários contém um preceito final que condicionou a sua entrada em vigor ao momento da criação da entidade reguladora da saúde.
S. Ex.ª o Presidente da República reiterou, então, a sua conhecida atenção sobre esta matéria, afirmando, à data da promulgação do diploma que instituiu a rede de cuidados primários, que era necessário criar ou aperfeiçoar os mecanismos técnicos de regulação em áreas sensíveis como a da saúde.
O Decreto-Lei n.º 60/2003 foi promulgado no entendimento de que estava assegurada a existência de uma entidade reguladora que enquadra a participação e a actuação dos operadores privados e sociais, visando assegurar que o seu desempenho, no âmbito da prestação dos serviços públicos de saúde, garante o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, como prevê a Constituição da República.
A entidade reguladora da saúde assume a forma de uma autoridade administrativa independente, enquadrando a participação e a actuação de todos os operadores públicos, privados e sociais no âmbito da prestação dos cuidados e serviços de saúde, no sentido de assegurar a qualidade e os respectivos níveis de desempenho.
Esta entidade é, por exemplo, um dos meios privilegiados para supervisionar o enquadramento dos 10 novos hospitais que vão ser lançados e construídos em regimes de parcerias público/privado, mas também para regular a actividade de todos os hospitais existentes, incluindo os 31 hospitais SA.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Merece particular referência o facto de, para cumprir a sua missão, esta entidade de regulação ter poderes regulamentares, administrativos e sancionatórios, definindo regras e ordenando fiscalizações, além de que é independente, desde logo em relação ao Governo, o qual não deve emitir instruções ou orientações vinculativas.
A diferença essencial não está tanto na sua função, pois a actividade reguladora poderia ser exercida por organismos de tipo comum; está, isso sim, na distinção específica que resulta do regime de independência de que a entidade reguladora usufrui.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta inovadora entidade reguladora assenta num conjunto de princípios gerais que não devem ser menosprezados, ser objecto de dúvidas ou de leituras e interpretações diversas.

O Sr. Patinha Antão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A esta entidade, que irá regular todos sectores da saúde - público, parcerias público/privado, social e privado -, caberá prevenir e combater as práticas de indução artificial da

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procura de cuidados de saúde, prevenir e punir práticas de rejeição discriminatória ou infundada de pacientes, avaliar os padrões indicadores de qualidade subjacentes aos cuidados de saúde prestados e verificar a sua aplicação, monitorar o cumprimento das obrigações inerentes à acreditação dos estabelecimentos e serviços e zelar pelo respeito dos preços fixados ou convencionados no Serviço Nacional de Saúde.
A entidade reguladora da saúde constituiu-se, de facto, como o reforço das garantias prestadas ao cidadão quanto aos seguintes aspectos críticos: assegurar a equidade no acesso aos cuidados de saúde, observar padrões de qualidade e garantir os direitos dos utentes - e é disto que estamos a falar: de equidade, de qualidade e de direitos dos cidadãos.
A terminar, não posso nem devo deixar de dar atenção a cada uma das apreciações parlamentares.
A apreciação parlamentar n.º 66/IX, do PCP, inscreve-se no plano do seu conhecido discurso ideológico sobre política de saúde. É óbvio, Sr.as e Srs. Deputados, que a entidade reguladora não é uma componente para qualquer tipo de privatização na saúde e muito menos para desresponsabilizar politicamente o Governo.
No que concerne à apreciação parlamentar n.º 68/IX, do Partido Socialista, basta ler o vosso programa eleitoral ou recordar os vossos seis anos de presença no governo para perceber que, em matéria de participação do cidadão e dos utentes, temos, de facto, práticas diferentes.
Já dizia Oscar Wilde que aqueles que nada fazem estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo. VV. Ex.as, nada tendo feito, quereis agora parecer os paladinos dos interesses dos cidadãos e das estruturas ou plataformas de participação e representação dos utentes.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Pensávamos, depois das declarações de um distinto parlamentar da vossa bancada e depois da promulgação por S. Ex.ª o Presidente da República, que iríamos "virar a página" e que estaríamos todos, sem excepção, unidos no essência: no reforço da equidade, da qualidade e dos direitos do cidadão.
Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me recordar que no dia 27 de Novembro, à margem do Congresso dos Farmacêuticos, o Sr. Presidente da Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, personalidade insuspeita em termos opinativos,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Insuspeita?…. Não sei se é!… Só se for para si!

O Orador: - … afirmou que a decisão de S. Ex.ª o Presidente da República em promulgar o diploma que cria a entidade regular "marca uma viragem no panorama político da saúde em Portugal", pois "trata-se de promover uma nova arquitectura institucional da regulação global do Serviço Nacional de Saúde". Disse também que "a reforma do Serviço Nacional de Saúde, agora em desenvolvimento, seria inacabada, desequilibrada e coxa sem a existência desta entidade".

O Sr. Ribeiro Cristóvão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, mais do que a legitimidade e o dever de decidir, de criar e de executar uma nova política de saúde para Portugal, assiste ao XV Governo Constitucional a coerência de ter honrado os seus compromissos assumidos perante os portugueses, o programa eleitoral, e perante este órgão de soberania, o Programa do Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, diz o povo, na sua infinita sabedoria, que a satisfação do dever cumprido é também uma forma de felicidade. Ora, o XV Governo Constitucional tem a consciência tranquila em termos do dever cumprido no que concerne à necessária regulação da saúde.
Acreditamos que este instrumento, que esta forma de felicidade em termos do dever cumprido se traduzirá em satisfação para os nossos concidadãos, para os que nos elegeram, que acreditam nas instituições e que esperam do seu Serviço Nacional de Saúde mais acessibilidade, mais eficácia, maior eficiência, mais qualidade e maior humanização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eis o desafio que assumimos e que nos motiva diariamente ao serviço dos portugueses e de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a primeira questão que quero colocar ao Sr. Secretário de Estado tem a ver com a exclusão que o Governo entendeu fazer dos utentes, dos profissionais, e de outras entidades relevantes do sector, que estavam presentes, numa primeira proposta, no conselho consultivo, ficando o tal resquício no artigo 19.º, que já aqui foi muito referido.
Gostaria de dizer que, ao contrário do que dizem os Deputados da maioria, é costume nestas entidades haver conselhos consultivos. Existe um conselho consultivo no Instituto dos Resíduos, no Instituto Marítimo-Portuário (IMP), na Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), na entidade reguladora do sector eléctrico… Portanto, ao contrário do que os Srs. Deputados da maioria disseram neste debate, o costume é haver conselho consultivo, não o contrário - aliás, na primeira proposta do Governo ele existia.
A segunda pergunta que quero colocar é esta: o Sr. Secretário de Estado e o Governo vêm dizer que esta entidade é verdadeiramente independente. E a pergunta que tem de fazer-se é: é independente de quem? Se até aqui o Estado tinha, e tem, apesar de o seu Governo não os exercer condignamente, os poderes de regulação, se esta entidade passa a ser independente, é-o de quem? É independente do Estado. Mas se é o Estado a entidade que neste processo deve pugnar, apesar das políticas de alguns governos, pelo bem público, pelo interesse colectivo, então, quer dizer que a independência apregoada da entidade reguladora é o desligamento dos objectivos de prosseguimento do bem público, do interesse colectivo, em favor da concorrência leal no mercado, mas que é feita à custa do direito dos cidadãos, à custa do direito à saúde.
A última questão tem a ver com a capacidade de esta entidade, tal como está formulada, resistir aos interesses do mercado.
Não há no PCP qualquer problema com a existência de sector privado. O Sr. Deputado Patinha Antão tem a obrigação (ele especialmente) de conhecer o programa do PCP (se calhar perdeu-o ao longo destes anos…), mas posso recordar que o que o programa do PCP defende é a existência de vários sectores de actividade económica - público, privado, cooperativo - e, portanto, não há aqui qualquer problema em relação à existência do mercado privado; há é um problema diferente, que é o da subsistência de certo mercado privado à custa dos fundos públicos, à custa do direito à saúde, e é aqui se põe a questão.
Como é que esta entidade reguladora vai poder, sem ter uma estrutura autónoma, suficiente e capaz do ponto de vista técnico, do ponto de vista do acompanhamento deste sector - e uma vez que o que está prometido pelo Governo é uma estrutura ligeira - comprar serviços fora a prestadores de serviços, que necessariamente terão de estar, nalgumas situações, ligados aos mesmos que prestam os cuidados de saúde, e que são regulados pela entidade que lhes vai pedir pareceres para saber como os há-de regular.
Se esta entidade não têm um financiamento explícito assegurado por parte do Orçamento do Estado e está em boa parte dependente, pela configuração que o decreto-lei nos apresenta, do financiamento das entidades privadas, como é que vai garantir que não serão os seus interesses a prevalecer sobre o interesse público, sobre o interesse colectivo, sobre o direito à saúde? Esta é a questão à qual o Governo tem de responder, o que não assegurou neste debate e que a proposta do PCP - a qual será entregue não daqui a alguns meses, como desejaria o Sr. Deputado Patinha Antão, mas nos próximos dias ou nas próximas semanas - vai assegurar, e aí veremos como é possível fazer o exercício das funções reguladoras sem o privatizar e sem o entregar ao comando do mercado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estrado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, de facto, mais uma vez, só vai ser possível consensualizar que não estamos de acordo.
Em primeiro lugar, quanto à participação dos profissionais e dos utentes na política de saúde do XV Governo Constitucional, terei todo o prazer em fazer-lhe chegar provas evidentes da participação dos utentes, dos seus representantes e dos profissionais de saúde na política, em várias áreas, desde o medicamento à lei de gestão hospitalar e aos cuidados de saúde primários.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não é o que eles dizem!

O Orador: - Quanto à independência, está de forma clara vincada nesta legislação a independência desta entidade em relação ao Governo. Uma leitura atenta permitiria a V. Ex.ª tirar essa ilação. Aliás, também uma leitura atenta do artigo sobre as receitas da entidade reguladora permitiria a V. Ex.ª concluir,…

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - … que o Orçamento do Estado vem em 10.º lugar!

O Orador: - … que uma das alíneas diz respeito à dotação orçamental.
Sr. Deputado, esta entidade reguladora é essencial para passarmos de um Serviço Nacional de Saúde para um sistema nacional de saúde assente em três pilares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ora aí é que está!

O Orador: - Os três pilares são: um constitucional, que é o público, o privado e o social, sendo que o conjunto destes três pilares constituirá o sucesso ao serviço dos cidadãos em matéria de política de saúde. É esta a aposta do Governo. Foi este o programa sufragado pelos portugueses e por esta Assembleia da República, e é isto que vamos fazer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carito.

O Sr. Luís Carito (PSD): - Sr. Presidente, em relação à intervenção do Sr. Secretário de Estado, que tive oportunidade de ouvir, esta minha intervenção tem o sentido de clarificar alguns dos seus aspectos.
O Partido Socialista entende que a entidade reguladora de saúde é uma questão importante quando este Governo opta claramente por uma maior participação dos privados na área da saúde.
O Partido Socialista teve, enquanto governo, várias experiências de regulação. Recordo, por exemplo, ao Sr. Secretário de Estado as agências de contratualização das ARS, que eram entidades reguladoras de proximidade, o que não acontece neste momento, em que há uma entidade reguladora única a nível nacional.
Mas continuo a pôr a tónica nisto: V. Ex.ª, no seu discurso, continua a não explicar como é que os interesses dos utentes são defendidos e onde é que estão as plataformas de participação. É fundamental que haja uma plataforma de participação, porque aquilo que verificamos é que, com esta postura da parte do Governo em não alterar alguns aspectos desta entidade reguladora, sem o conselho consultivo, continuará, com certeza, a haver o esconder de muitas questões que ninguém conhece.
Veja-se o caso da falta de transparência nos hospitais SA e as contradições que normalmente aparecem da parte do Sr. Ministro, por exemplo, quando contacta com as associações de profissionais - e estou a referir-me, por exemplo, à questão da gestão dos cuidados de saúde primários, em que, num dia, tem uma conversa com os representantes das associações e, no dia a seguir, dá conhecimento público de que esses cuidados de saúde primários irão ser geridos por hospitais SA.
Enfim, onde é que estão órgãos efectivos de participação para promover a transparência e para que os actores directamente envolvidos na área da saúde possam ter uma palavra a dizer em termos de política de saúde? Não será, com certeza, só com as comissões concelhias de saúde, porque elas têm uma perspectiva muito local e não farão, com certeza, chegar a sua voz com facilidade aos órgãos a nível central, nomeadamente ao Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, é apenas para, de uma forma rápida, afirmar ao Sr. Deputado Luís Carito que, de facto, o início da sua intervenção marca o seu raciocínio, quando começa por dizer que este Governo está a privatizar.

O Sr. Luís Carito (PS): - Não foi isso que eu disse! Falei em mais privados!

O Orador: - Acabei por descobrir que V. Ex.ª, tal como outros também, começa a confundir as coisas e começa a confundir empresarialização com privatização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Carito (PS): - V. Ex.ª é que está a confundir!

O Orador: - Mas esse é um problema vosso, não um problema nosso. Uma leitura mais atenta, seja da legislação, seja da prática do Governo, seja deste diploma da entidade reguladora, permitir-lhe-ia uma

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interpretação correcta dos factos.

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

Por outro lado, fala novamente em falta de transparência nos hospitais SA. Uma leitura também mais atenta ao modelo de gestão e de administração dos hospitais e a quem fiscaliza as suas contas, porventura, merecerá da vossa parte uma rectificação devida ao respeito aos revisores oficiais de contas deste País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, durante o debate, deram entrada na Mesa um projecto de resolução, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, que visa revogar o Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, bem como numerosas propostas de alteração a este mesmo diploma, subscritas por Deputados do Grupo Parlamentar do PS.
O projecto de resolução será votado no próximo período regimental de votações e, em face do resultado dessa votação, ou será revogado o referido decreto-lei ou, então, passaremos ao processo de apreciação das propostas de alteração do PS em comissão.
Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem de trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, às 10 horas, com um período da ordem do dia preenchido totalmente por perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes
João Cardona Gomes Cravinho
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Augusto Clemente de Carvalho
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Nelson Madeira Baltazar

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
António Fernandes da Silva Braga

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Carlos Parente Antunes
Eduardo Artur Neves Moreira
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa

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Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
José Manuel Carvalho Cordeiro
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro

Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Francisco José Pereira de Assis Miranda
João Barroso Soares
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José da Conceição Saraiva
Luísa Pinheiro Portugal

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

Bloco de Esquerda (BE):
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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