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Sábado, 17 de Abril de 2004 I Série - Número 76

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE ABRIL DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Manuel Alves de Oliveira
Ascenso Luís Seixas Simões

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Foram debatidos, na generalidade, em conjunto, a proposta de lei n.º 113/IX - Estabelece o regime e os princípios da acção do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e protecção das artes e actividades cinematográficas e do audiovisual e o projecto de lei n.º 420/IX - Aprova o regime jurídico que regula a intervenção do Estado nas actividades cinematográfica e audiovisual (PS). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Cultura (Pedro Roseta) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura (José Amaral Lopes), os Srs. Deputados Augusto Santos Silva (PS), Pedro Alves (PSD), Alda Sousa (BE), Luísa Mesquita (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Gonçalo Capitão (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP) e Manuela Melo (PS).
Foi apreciada a petição n.º 13/VII (1.ª) - Apresentada por Rogério Paulo Amoroso da Silva e outros, solicitando da Assembleia da República a produção de matéria legislativa que considere crime a exploração de crianças das mais variadíssimas formas incluindo a sua mão-de-obra. Intervieram no debate os Srs. Deputados Maria do Carmo Romão (PS), Francisco José Martins (PSD), Isabel Gonçalves (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Odete Santos (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
Os Srs. Deputados Luís Rodrigues (PSD), Miguel Paiva (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Ana Catarina Mendonça (PS) e Bruno Dias (PCP) pronunciaram-se sobre a petição n.º 127/VII (3.ª) - Apresentada pela Associação para o Progresso da Amora, solicitando à Assembleia da República a criação do município da Amora.
Foi igualmente apreciada a petição n.º 158/VII (4.ª) - Apresentada por Franklin Veloso Fernandes Torres e outros, solicitando a adopção de medidas pelo Governo para a rentabilização das pontencialidades do Hospital Conde de Ferreira tendo em vista a conversão do mesmo num grande centro de prevenção, tratamento, ensino e investigação na área da saúde mental, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Renato Sampaio (PS), José Manuel Pavão (PSD), Paulo Veiga (CDS-PP), Alda Sousa (BE) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 10 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Alberto Pedro Caetano
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Eduardo Artur Neves Moreira
Eduardo Casimiro de Deus Pereira da Silva
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António de Sousa e Silva
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva

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Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Guilherme Valdemar Pereira D'Oliveira Martins
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada

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José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa

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Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia para hoje consta a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 113/IX - Estabelece o regime e os princípios da acção do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e protecção das artes e actividades cinematográficas e do audiovisual e do projecto de lei n.º 420/IX - Aprova o regime jurídico que regula a intervenção do Estado nas actividades cinematográfica e audiovisual (PS), a que se seguirá a apreciação das petições n.os 13/VII (1.ª), apresentada por Rogério Paulo Amoroso da Silva, 127/VII (3.ª), apresentada por Associação para o Progresso de Amora, e 158/VII (4.ª), apresentada por Franklin Veloso Fernandes Torres.
Informo ainda a Câmara que, a partir de hoje e de acordo com decisão tomada em Conferência de Líderes, cada petição será apreciada de per si, com a atribuição de tempos regimentais a cada grupo parlamentar. A Conferência de Líderes tomou tal decisão por considerar que esta é uma forma de valorizar a atenção prestada pelo Parlamento às iniciativas apresentadas pelos nossos concidadãos.
Para proceder à apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (Pedro Roseta): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei inovadora, visando dar resposta a realidades em forte mutação, complexas, por vezes mesmo paradoxais, que exigem um novo quadro legislativo.
Em primeiro lugar, há que sublinhar o facto de o cinema português se ter imposto internacionalmente como uma das nossas artes prestigiadas. A sua presença em festivais internacionais é, como sabem, frequente. Alguns dos seus maiores criadores são conhecidos e respeitados e são hoje grandes personalidades da nossa cultura, tendo direito à nossa homenagem. Vários filmes produzidos são, enquanto obras de arte, verdadeiras mensagens do nosso tempo às gerações futuras.
No entanto, Portugal é, paradoxalmente, o país da União Europeia em que os filmes nacionais são vistos pela mais baixa percentagem de espectadores, entre 0,4% a 1,5%, nos últimos anos, enquanto a média europeia ultrapassa 20%. Isto apesar de o apoio financeiro ao sector ser, em percentagem do produto interno bruto, um dos mais elevados, atingindo o terceiro lugar na União.
Perante esta situação, o Governo tem tomado várias medidas para divulgar o nosso cinema, que neste momento não irei elencar. Mas não se pode ignorar quanto há a fazer para ultrapassar uma situação que radica na reduzida dimensão do mercado nacional, com uma média de idas ao cinema per capita inferior à média dos países da União Europeia, na carência de esforços na formação e captação de públicos, na demasiada concentração dos apoios públicos na fase da produção com prejuízo das fases de criação, distribuição e promoção.
Há também que referir o baixo financiamento proveniente de investidores privados, a reduzida utilização de fontes de apoio internacionais, designadamente europeias, bem como dos chamados apoios indirectos ao sector, que existem noutros países.
Por outro lado, sendo o cinema e o audiovisual importantes formas de criação e de transmissão do imaginário colectivo, há que diversificar e multiplicar as obras que possam chegar, na nossa língua, a toda a população.
Por tudo isto, rejeitando o imobilismo, propomo-nos alcançar os seguintes objectivos:
Contribuir para o enriquecimento cultural e para o desenvolvimento harmonioso das pessoas, respeitando as suas diferenças;
Fazer chegar as obras em questão ao maior número possível de portugueses e, também, de habitantes dos países que fazem parte da lusofonia;
Visar uma maior diversidade de produções que possa satisfazer sem qualquer dirigismo um vasto leque de gostos que existem numa sociedade pluralista;
Alargar os modos de financiamento, multiplicando significativamente as respectivas fontes e diversificando os centros de decisão;
Garantir meios que assegurem a qualidade do cinema e do audiovisual, mostrando que, ao contrário do que diz a maior parte das pessoas, a maioria não rejeita a qualidade;
Assegurar o apoio a obras de reconhecido valor cultural e artístico, a primeiras obras e a obras de carácter experimental;
Garantir a conservação, a salvaguarda e a difusão do património cinematográfico e audiovisual português.

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Vejamos que instrumentos são propostos para atingir tais objectivos:
Definir objectivos plurianuais;
Atribuir apoios do Estado à formação profissional e ao ensino, incentivando o ensino das artes cinematográficas e do audiovisual no sistema educativo, à I&D, à inovação na produção e difusão cinematográficas e na área dos direitos de autor, com o objectivo de estimular, aprofundar e diversificar a formação contínua dos profissionais do sector do cinema e do audiovisual;
Diversificar a origem dos financiamentos - já lá voltarei;
Manter programas de apoio em certas áreas elencadas no artigo 8.º da proposta de lei, como a escrita de argumentos para longas-metragens de ficção, o desenvolvimento de projectos de séries, filmes de animação e documentários, a produção de primeiras obras, de curtas-metragens, a produção de longas-metragens de ficção de realizadores que apresentem curricula relevantes para a promoção e a valorização da cultura e da língua portuguesa;
Incentivos à co-produção de longas-metragens de ficção, de filmes, de séries de animação, de documentários, etc.;
Cooperação com países de língua portuguesa destinada à co-produção de longas-metragens de ficção, filmes e séries de animação e documentários;
Considerar a obra de arte cinematográfica no seu todo e acompanhá-la em todas as fases, desde a chamada fase de desenvolvimento do projecto - elaboração do argumento e, depois, do guião -, passando pela fase da produção e realização até à fase de montagem, pós-produção e, ainda, distribuição e exibição, quer em salas de cinema quer por outros meios;
Aproximar a produção e a realização da difusão, dos distribuidores e operadores de televisão.
Entendemos não ser desejável que a intervenção do Estado ou seus organismos seja determinante, muito menos exclusiva, em todas as obras a realizar.
O ICAM continuará responsável pela promoção dos programas de apoio do Estado. A lógica da proposta de lei não é a de substituir o que existe, é acrescentar algo novo para diversificar.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Pensamos que, em determinados casos, a iniciativa deve ser de outras instituições públicas ou privadas e contribuir decisivamente para o financiamento de obras cinematográficas e do audiovisual. Por isso, propõe-se a criação de um fundo de investimento.
É claro que tal fundo pode financiar conteúdos diversificados, incluindo conteúdos que sejam simultaneamente para cinema e televisão, mas, ao criar este fundo, ao envolver os distribuidores e os operadores de televisão, abrimos horizontes, envolvemos sectores públicos e privados. Para tanto, as fontes de financiamento vão ser muito alargadas.
Assim, para lá da taxa actual sobre a exibição de publicidade comercial na televisão e nas salas de cinema, as empresas de distribuição terão de investir anualmente um montante não inferior a 2% das suas receitas. De igual modo, 5% das receitas líquidas relativas à prestação de serviços dos operadores e distribuidores de televisão com serviços temáticos de acesso condicionado serão destinados ao financiamento em causa, sem esquecer o produto de contratos de investimento celebrados entre o Ministério da Cultura e diversos investidores.
Por certo perguntarão que entidade procederá à selecção das obras a apoiar quando houver recurso ao fundo. Deverá ser definida, evidentemente, em diploma complementar, mas poderá ser um conselho no qual participem todas as associações representantes dos sectores e dos investidores. Aliás, já a propósito dos órgãos de selecção para apoios ao teatro, matéria já aqui debatida, o Governo legislou no sentido da participação de representantes do sector.
Não compreendemos por que se defende a manutenção do monopólio do Estado na escolha dos membros dos órgãos de selecção e na escolha das obras cinematográficas a apoiar.
As selecções a fazer deverão ser transparentes e claramente fundamentadas, segundo os critérios previstos na lei, tal como deverá acontecer com os órgãos, chame-se-lhes júris ou outra designação qualquer, que, no âmbito do ICAM, continuarão a seleccionar as obras com o apoio do Estado, mas nelas também, como acontece com o teatro, com comparticipação dos representantes do sector.
Gostaria, agora, de explicar a razão por que o ICAM e a Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema só são referidos na exposição de motivos.
Trata-se de respeitar a Constituição e de utilizar uma boa técnica legislativa. A organização da Administração Pública compete ao Governo, por isso deve constar de diplomas governamentais, além disso pode ser conveniente mudar um dia a designação dos organismos, como já sucedeu no passado, sem que isso tenha de exigir uma mudança da lei.
É claro que os diplomas complementares e regulamentares da futura lei serão elaborados após a

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auscultação dos agentes do sector, como fizemos para esta proposta. Por outro lado, o Governo está aberto a propostas dos Srs. Deputados para melhoria desta proposta de lei, na especialidade, desde que os seus objectivos não sejam desvirtuados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Declaração do Conselho da União Europeia, de 19 de Dezembro de 2002, reconhecia que os media interactivos desempenham um papel importante na ilustração individual, na inovação dos sectores público e privado e na diversidade cultural.
É o objectivo da diversidade cultural que justifica também a existência de um tecido empresarial nacional e reforça a fundamentação da natureza específica dos auxílios nacionais aos sectores cinematográfico e audiovisual, o que é ainda mais válido nos países com fraca capacidade de produção ou zonas linguísticas e geograficamente descontínuas.
A comunicação da Comissão Europeia sobre certos aspectos jurídicos relevantes para as obras cinematográficas e audiovisuais apresenta como principal objectivo da regulamentação nesses sectores a preservação de certos interesses de serviço público, tais como o pluralismo, a diversidade cultural e linguística e a protecção dos menores. Considera ainda que aquelas obras apresentam características originais, uma vez que, sendo bens económicos, revestem a natureza fundamental de bens culturais ou intelectuais, sendo estas as razões que determinam que o desenvolvimento destes sectores nunca tivesse sido abandonado ao mercado.
Por isso, apesar da diferença entre obras cinematográficas e audiovisuais, aliás, definidas no artigo 2.º da proposta de lei, existem razões para tratar conjuntamente estes sectores no mesmo diploma.
Elas são igualmente instrumento do desenvolvimento integral da pessoa humana, da afirmação de uma identidade nacional aberta, da promoção da língua e da cultura, bem como da valorização da imagem de Portugal no mundo, em especial no que respeita ao fortalecimento das relações com os países da lusofonia.
Lembre-se ainda que as recomendações da União Europeia e as políticas que ela tem adoptado, ainda antes do nosso Governo tomar posse, tratam estes sectores de forma integrada, embora respeitando as suas especificidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, em conclusão: visamos uma cultura criativa, aberta, plural, que ultrapasse o maniqueísmo dos que dividem tudo e todos entre bons e maus e, pelo contrário, acolha a diversidade.
Queremos cumprir, nestas áreas tão importantes, a Constituição, que consagra o direito de todas as pessoas à cultura e à fruição cultural. Entendemos, por isso, que cada pessoa, como primeira destinatária das obras cinematográficas e audiovisuais, deve ter à sua disposição ofertas o mais diversificadas e com a maior qualidade possível. Além da fundamental liberdade de expressão e criação há que respeitar o direito do espectador à escolha das obras. Alargando os limites actuais e diversificando as obras e as escolhas vamos contribuir para o reforço desse direito.
Na verdade, pensamos que todos têm de dispor, no exercício da sua cidadania e dos seus direitos culturais, da maior diversidade possível, para terem o direito alargado de livremente seleccionar, seja no cinema, seja no audiovisual, o que melhor contribua para o seu bem-estar, a sua felicidade e o seu desenvolvimento integral.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a revisão da lei do cinema, o que é uma necessidade amplamente reconhecida. Discutimos, também, a articulação entre o cinema e o audiovisual, cuja pertinência é também comummente aceite. Por nós, até acrescentaríamos as actividades multimédia, para abranger toda a cadeia de valor, mas, em nome da possibilidade de um consenso sobre estas matérias, aceitaremos a sugestão governamental de enquadrar em legislação própria o multimédia.
Faço questão de começar por dizer que a proposta de lei apresentada pelo Governo tem inegáveis aspectos positivos, quer em relação aos normativos vigentes, quer, sobretudo, em relação ao anteprojecto posto a discussão pública há um ano.
O alargamento das fontes de financiamento do apoio público à produção e criação e a previsão de formas de envolvimento de distribuidores, difusores e exibidores na promoção do cinema e audiovisual português são dois aspectos que constituem avanços importantes face ao que hoje existe. E a absurda

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marginalização da criação cinematográfica, que era a "marca de água" do anteprojecto que o Governo pôs a discussão pública no ano passado, foi, pelo menos no plano do discurso, abandonada, o que saudamos.
Mas isto não chega e pode ser anulado se o Governo persistir em manter disposições erradas que enxameiam a sua proposta de lei, assim como omissões injustificadas que antecipam, pelo que se vai sabendo sobre a futura regulamentação, medidas muito gravosas.
Por isso, decidimos apresentar um projecto de lei próprio que, sem prejudicar nenhum dos pontos positivos avançados pelo Governo e, portanto, fazendo jus à lógica da complementaridade que o Sr. Ministro da Cultura ainda agora exaltou, repito, sem prejudicar nenhum dos pontos positivos avançados pelo Governo, torna, contudo, claros os pontos-chave para uma política a nosso ver adequada. Isto é, uma política que não desvalorize o importantíssimo percurso que o cinema português realizou e a sua reconhecida qualidade artística e uma política cujo princípio fundador seja incentivar e apoiar as actividades cinematográficas e audiovisuais pelo seu valor cultural.
A questão que se coloca é, portanto, saber se queremos uma política cultural de apoio ao cinema e audiovisual ou se queremos montar um sistema de canalização dos recursos públicos para um pequeno número de produtores de cinema dito com "atractividade comercial" e para grandes operadoras de televisão.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta é que é a questão: saber se queremos montar uma política cultural de apoio ao cinema e ao audiovisual ou se queremos montar um sistema de canalização de recursos públicos para benefício de alguns. E é muito simples definir quais são as condições necessárias, que a lei deve respeitar, para não criar esse sistema perverso de desvio de fundos públicos.
Primeira condição: a política pública deve ser conduzida por institutos públicos dotados de autonomia administrativa e financeira e não entregue a gestores de fundos de investimento.
Segunda condição: o cinema e o audiovisual não podem ser confundidos, porque são actividades diferentes e porque os fundos de apoio público ao cinema, já tão escassos, não lhe podem ser agora sugados para irem alimentar a indústria televisiva.
Terceira condição: a regra de atribuição dos apoios do Estado deve ser o concurso público, com intervenção de júris independentes sempre que estejam em causa valorações de mérito.
Quarta condição: os apoios públicos no sector audiovisual devem ser reservados, seja por via das programações plurianuais, seja por via dos apoios dos fundos de investimento, quando há participação pública nesses fundos de investimento, aos produtores independentes de televisão e à programação de stock na televisão.
Quinta condição: os programas de apoio a projectos valorados pela sua dimensão artística devem gozar de primazia, face a outras formas de apoio e cooperação, no sistema dos apoios promovidos pelo Estado.
São estas condições necessárias que faltam na proposta do Governo e o nosso projecto claramente estabelece. Não vale a pena, portanto, desviar a atenção para onde ela não deve nem tem de ir.
Nós também defendemos o alargamento das fontes de financiamento, também defendemos a diversificação das formas de cooperação entre agentes públicos e privados, também defendemos a complementaridade entre os apoios a projectos e a "contratualização" de planos plurianuais.
O que não aceitamos, e não aceitamos em nome da cultura, é que o Estado desvie os fundos de apoio ao cinema para as operadoras de televisão, não aceitamos que a selecção dos apoiados caiba a uma oligarquia de gestores, não aceitamos a menorização de uma parte importantíssima da nossa criação contemporânea, que é o cinema português reconhecido e admirado em todo o mundo.

Aplausos do PS.

Nada temos contra o desenvolvimento de um tecido económico de ficção e entretenimento, assumido pelos diferentes investidores possíveis, sejam eles broadcasters, produtores, distribuidores ou exibidores. Não pensamos, porém, Srs. Deputados da maioria, que compita ao Estado obrigar os investidores privados a investir nem que se deva destruir a cultura cinematográfica que temos pela ilusão de uma grande produção de "conteúdos" ou de um cinema dito comercial para que o País não tem escala nem o Ministério da Cultura tem vocação.
É, preciso, pois, esclarecer bem as ambiguidades e corrigir os muitos erros que marcam negativamente a proposta do Governo, para que esta Assembleia possa aprovar uma lei útil ao cinema e ao audiovisual português.

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Respondo, portanto, à abertura manifestada pelo Sr. Ministro da Cultura com uma abertura equivalente e ainda maior. Estamos disponíveis para trabalhar em conjunto com este objectivo essencial: que a política de apoio ao cinema e ao audiovisual português conduzida pelo Ministério da Cultura seja uma política orientada por princípios da cultura e não por princípios de qualquer indústria de "conteúdos".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários oradores inscritos para pedirem esclarecimentos ao Sr. Ministro da Cultura, pelo que dou, desde já, a palavra ao Sr. Deputado Pedro Alves.

O Sr. Pedro Alves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, antes de mais, felicito o Governo por mais uma iniciativa de tão relevante importância, que, para além de reformadora, é oportuna, necessária e fundamental para a revitalização do sector.
Há muito que as matérias cinematográficas e audiovisuais estão envoltas num imobilismo e conservadorismo atrofiantes, necessitando de um impulso inovador, que, para além de outros objectivos, deve procurar aumentar o interesse dos cidadãos pelo cinema e audiovisual portugueses.
Perante esta necessidade, e apesar da atitude inovadora desta proposta, têm surgido críticas insensatas e descabidas, insinuando que estas medidas não passam de um exercício de mero autismo da parte do Governo.
Sr. Ministro, de que forma procedeu V. Ex.ª na elaboração desta proposta? Que participação tiveram os diversos agentes do sector neste diploma?
Mais: passados que são dois anos de governação e sem proceder aqui a uma avaliação intercalar, atendendo à complexidade do fenómeno que envolve um conjunto de agentes e protagonistas das mais diversificadas áreas e interesses, em virtude de também se tratar de um direito dos cidadãos e de um dever do Estado, que, em parceria com os agentes culturais, deve promover o acesso à cultura portuguesa, certamente que neste hiato de tempo têm implementado e desenvolvido medidas e estabelecido parcerias que, de igual modo, vão ao encontro do cumprimento desta obrigação, bem como da realização de alguns objectivos que a proposta de lei concerne. Assim, antes da proposta ter sido aprovada em Conselho de Ministros, que fez o Governo pelos diversos segmentos do sector cinematográfico?
Por fim, um aspecto específico desta proposta que nos preocupa é a exibição das obras nacionais. Não basta dar um apoio à produção nacional, é fundamental criar uma estrutura que suporte a sua distribuição comercial, e consequente exibição, uma vez que a finalidade de uma obra cinematográfica é não mais do que um público, a criação do público, a par da promoção e da cultura e língua portuguesas.
É nossa preocupação ver aqui esclarecida e concretizada a forma e modelo de distribuição, já que o artigo 14.º apresenta uma solução mas pode permitir, a um espírito menos tranquilo, ambiguidades de interpretação. Certo é que esta proposta de lei, Sr. Ministro, resulta numa enorme lufada de ar fresco para o cinema e o audiovisual portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Cultura fez saber à Mesa que responderá conjuntamente aos pedidos de esclarecimento que lhe forem formulados. Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, o senhor ficou a saber quais são as nossas posições, pelo que agora gostava de colher da sua parte alguns esclarecimentos adicionais sobre o conteúdo da proposta que o Governo apresenta, para ver se três preocupações que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem podem, ou não, ser resolvidas.
Devo dizer que a primeira preocupação essencial é a de que a proposta de lei do Governo, a ser aprovada, cria uma espécie de regime de apartheid entre o chamado cinema de autor e o cinema dito com atractividade comercial. A nossa preocupação funda-se quer no espírito e na letra da proposta de lei do Governo, quer, sobretudo, na forma como o fundo de investimento está a ser publicamente apresentado pela consultora que o Governo contratou.
Portanto, a questão é a seguinte: o dinheiro que é canalizado através dos fundos de investimento é reservado para cinema com atractividade comercial a que título? Quem define a atractividade comercial desse cinema? O que é cinema com atractividade comercial? Em que é que ele é cinema e em que é que ele pode constituir objecto de apoio por parte do Ministério da Cultura ou de um fundo de investimento cujos gestores são nomeados pelo Ministro da Cultura.

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Segunda preocupação essencial: como é que se organizam os apoios públicos na vossa proposta de lei? Quem beneficia dos apoios? Sabemos que são produtores de cinema e sabemos que, no caso das programações plurianuais, são produtores independentes de televisão. Mas, no caso do fundo de investimento, que é o que está lá escrito, quem é que beneficia dos apoios? E como é que sabemos que os apoios do fundo de investimento vão para cinema e audiovisual e não apenas para o audiovisual? Como é que se estabelece essa destrinça? Qual é o mecanismo que o Governo cria para destrinçar entre actividades de cinema e actividades de audiovisual, para efeitos de apoio? Quem é que decide quem é apoiado? Se não são os júris, quem é? São os gestores do fundo de investimento? E, no caso das programações plurianuais, quem decide quem é apoiado? Este ponto também é, para nós, essencial.
Finalmente, terceira preocupação: como é que se financia este sistema?
A consultora que está a fazer a apresentação pública do fundo de investimento apresenta as fontes de financiamento da forma como se pode ver neste gráfico, que vos mostro. E, neste gráfico, Sr. Ministro, 40% do financiamento dos fundos de investimento, os tais que fariam com que acabasse o monopólio do Estado no apoio ao cinema - e que o Sr. Ministro, na tribuna, verberou -, vêm do Estado. Como é que o Sr. Ministro explica isto?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, gostaria de lhe fazer algumas perguntas, mas, antes, deixe-me dizer-lhe, de forma breve, o seguinte: esta proposta de lei decorre de um anteprojecto que foi amplamente discutido e criticado. Em relação ao anteprojecto, esta proposta de lei tem uma diferença fundamental: onde o anteprojecto era claro, embora polémico, esta proposta de lei ficou vaga e escorregadia e todos os dispositivos mais importantes, as verdadeiras novidades que esta proposta de lei apresenta, são remetidos para futura regulamentação.
Um dos dispositivos mais polémicos do anteprojecto era o da criação de uma comissão técnica que tinha todos os poderes para analisar e acompanhar os projectos aprovados, sem limite temporal de mandato. Esta comissão foi unanimemente condenada pelos profissionais ligados ao cinema e ao audiovisual e desapareceu, misteriosamente, na proposta de lei, não tendo sido substituída por nada. Daí a minha primeira pergunta, Sr. Ministro: quem vai decidir a aprovação dos projectos do cinema e do audiovisual? São júris independentes, formados para o efeito, ou é a equipa de avaliação e acompanhamento que aparece neste organigrama, que vos mostro? Ou será o conselho do fundo, de que o Sr. Ministro falou na sua intervenção inicial? E, se é essa equipa, quem é que a nomeia? Tem um mandato limitado? Quem é que escolhe essa equipa?
Vai ou não haver concursos públicos com regras transparentes e onde seja garantida a igualdade de oportunidades? E, se vai, como é garantida a independência das decisões, preconizada na exposição de motivos, de modo a que não sejam, essencialmente, subjectivas, casuísticas e potencialmente discriminatórias?
Como é que é decidida a distinção entre verbas para o cinema e verbas para o audiovisual? Aliás, Sr. Ministro, gostava, justamente, de lhe falar desse misterioso fundo de investimento, porque a proposta de lei só lhe dedica um artigo de quatro linhas e remete para diploma legal próprio tudo o que diz respeito à sua estrutura e funcionamento. Agora, curiosamente, esta Câmara não conhece qualquer proposta de regulamentação ou qualquer proposta do Governo, embora o Sr. Ministro tenha avançado um pouco mais na apresentação que aqui fez hoje, mas, na realidade, os dispositivos que constam, em relação ao fundo de investimento, foram apresentados pela AT Kearney e gostaria de saber se serão esses dispositivos, apresentados aos realizadores, pelo Ministério da Cultura, no dia 3 de Março, que o seu Ministério pretende implementar.
Finalmente, gostaria de lhe perguntar se é, de facto, esse fundo de investimento que vai mandar no cinema. Isto é, evidentemente, uma preocupação, uma vez que a proposta de lei do Governo não menciona o ICAM, a não ser na exposição de motivos. Gostaria, pois, de saber se o ICAM se vai manter, embora o Sr. Ministro já tenha dito que sim, que será mantido para as primeiras obras de carácter experimental.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou-se o tempo de que dispunha. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Para terminar, gostaria de saber quais são os fundos a que o ICAM terá direito e se esses fundos virão

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do Orçamento do Estado ou da taxa de exibição.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, em primeiro lugar, uma referência ao cinema português, que apesar dos poucos apoios do poder político e da ausência de legislação que apostasse na sua promoção, na sua valorização e na sua defesa, tem vindo, ao longo dos anos, a construir um espaço próprio, merecido e reconhecido hoje, nacional e internacionalmente.
A proposta de lei que o Sr. Ministro trouxe a esta Casa é necessária, peca por tardia, mas está a criar legítimas e naturais expectativas e também, porque a comunidade está atenta, muitas críticas e inúmeras preocupações, algumas das quais mesmo inauditas. Refiro-me, particularmente, à preocupação do Embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, que pediu uma audição à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para se pronunciar sobre esta proposta de lei.
Quanto às expectativas, Sr. Ministro, todos os profissionais deste sector esperam um reforço do seu financiamento e saúda-se a diversificação das fontes, o encontrar outras formas de financiamento. Mas o texto do Governo inspira dúvidas e críticas, como já disse, e é fundamentalmente generalista, omisso por vezes, e até ambíguo em relação a alguns conceitos, remetendo para posterior regulamentação matérias fundamentais, sem as balizar minimamente no texto da lei.
Sr. Ministro, é fundamental esclarecer aquele que é o sustentáculo financeiro da proposta de lei, o fundo de investimento: a sua composição; as suas atribuições; qual a função, neste fundo, dos produtores independentes; quais os direitos e deveres de cada um destes parceiros; porquê a variação das percentagens das taxas dos parceiros, sem que se entenda a sua razão e sem que se explique esta mesma diversidade; porquê poupar alguns elementos da cadeia de valor nesta distribuição de taxas e neste esforço financeiro que é pedido à comunidade; quem gere este fundo; quem define as regras de apoio, com que rigor e com que transparência.
A segunda questão que lhe coloco cruza-se com a anterior. É que, apesar das explicações que já deu, é preciso entender por que é que o actual ICAM não vem referido na proposta de lei, o que lhe vai acontecer - porquê esta ausência? -, se vai ser reestruturado, se vai ser reformulado, se vai ser desgovernamentalizado, impedindo atitudes e preconceitos discriminatórios, pouco rigorosos e pouco transparentes.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, esgotou-se o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É consensual entre os profissionais deste sector pensar-se que é necessário e imprescindível um instituto público e independente, autónomo, em termos administrativos e financeiros, que possa dar garantias de rigor e transparência. Portanto, Sr. Ministro, é preciso esclarecer porquê esta ausência e o que se pretende fazer com o actual ICAM ou com um futuro instituto independente e autónomo, quer administrativamente, quer financeiramente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, do nosso ponto de vista, a sua intervenção tem de positivo a abertura que manifestou para acolher propostas da oposição em relação à matéria que estamos a discutir, ou seja, a proposta de lei sobre artes cinematográficas e audiovisual.
Do documento inicial, que esteve em discussão pública, à proposta de lei que o Governo nos traz, há, digamos, um aspecto positivo, que é o desaparecimento da comissão técnica, esse órgão omnipresente e todo-poderoso, que, no entanto, sendo decisivo para a definição das regras no apoio à actividade cinematográfica e do audiovisual, não é traduzido na proposta de lei pela existência de uma qualquer outra entidade que com clareza o faça.
Sr. Ministro, a nossa primeira pergunta tem que ver com algo que é essencial quando falamos de apoio e incentivo à produção, ou seja, com um fundo de investimento cujas ambiguidades, omissões e pouca transparência não são tranquilizadoras. Do nosso ponto de vista, é importante saber como funciona este fundo, com que regras, quem participa dele, em que medida o sector e os destinatários são ou não envolvidos e que balizas são fixadas pelo Governo para o funcionamento do mesmo.

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A segunda questão que queremos colocar-lhe, já aflorada neste debate, refere-se à possibilidade - e do que for dito resultará uma maior ou menor preocupação com este aspecto - de vir a existir um dilema entre aquilo que é fundamental do ponto de vista cultural, ou seja, o apoio ao cinema de autor, e algo que é agora designado como actividades com atractividade empresarial. Este conflito será tanto maior quanto não se garanta com clareza quais as fontes de financiamento. No fundo, o único objectivo que se pretendia, que era garantir produções diversificadas, diversidade cultural e a possibilidade de diferentes gerações poderem beneficiar de apoio para as artes cinematográficas e do audiovisual, pode ser posto em causa.
Sr. Ministro, o último aspecto que gostaria que V. Ex.ª pudesse clarificar refere-se à crítica, nalguns sectores, sobre a não separação mais nítida entre o apoio às artes cinematográficas e ao audiovisual. Gostaria, Sr. Ministro, que pudesse pronunciar-se com mais profundidade sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder aos vários pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura, dispondo de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Cultura: - Sr. Presidente, vou tentar responder o mais rapidamente possível às questões que me foram colocadas mas, se necessário for, poderá ainda ter lugar alguma intervenção complementar da parte do Governo.
Sr. Deputado Pedro Alves, este impulso inovador vem na sequência do muito que o Governo já fez, mas também quero destacar que a participação dos agentes na elaboração desta proposta de lei foi a maior possível - não apenas as associações foram recebidas separadamente como houve até um debate conjunto.
O que fez o Governo para estimular e divulgar o nosso cinema? Antes de mais, cobrou as dívidas das televisões ao ICAM.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não podemos esquecer que recebemos do governo anterior uma situação altamente deficitária, que não tinha cobrado alguns milhões de euros que as televisões, quer públicas quer privadas, deviam ao ICAM. Foi, pois, feito, neste âmbito, um esforço conjunto do Ministério da Cultura e do Sr. Ministro da Presidência, que contribuiu para a solução desse problema.
Gostaria ainda referir que o Governo tem tomado outras medidas, como sejam: anunciar filmes portugueses na televisão pública; estabelecer parcerias com empresas editoras de cinema em DVD; apoiar diversos festivais; preparar a possibilidade de realizar um grande festival de cinema em Lisboa; reforçar substancialmente a cooperação com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); apoiar financeiramente não só a co-produção como a exibição do cinema português nesses países; acompanhar a evolução tecnológica, estudando o investimento da instalação de redes de exibição digital, numa primeira fase nas universidades, procurando parcerias que viabilizem este projecto e tencionando estender tal mecanismo aos países de expressão portuguesa; e, em cooperação com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, preparar mostras de cinema nacional nas comunidades portuguesas no estrangeiro.
Portanto, Sr. Deputado, ainda antes da proposta de lei que hoje apresentamos, já muito fizemos para estimular e divulgar o nosso cinema.
Sr. Deputado Augusto Santos Silva, é claro que a proposta de lei em debate contém os grandes objectivos, não é ela própria um regulamento. Não percebo onde se possa ver nela um apartheid entre o chamado cinema de autor e actividade de atractividade comercial. Julgo que essa é uma perspectiva demasiado cartesiana, para não dizer maniqueísta.
Aquilo que é evidente é que há seis programas que beneficiam de apoios do Estado - constam do artigo 8.º da proposta de lei, portanto, não vou agora repetir quais são - e que podem abranger documentários, filmes realizados por personalidades com curricula que mereçam apoios especiais, etc.
Esperava do Sr. Deputado uma crítica diferente, que dissesse que poderá haver alguma duplicação. Pode, efectivamente, haver alguma duplicação, alguma concorrência, mas não me parece que haja um princípio de exclusão.
O Sr. Deputado perguntou também quem decidirá quem é apoiado. Já o disse: quem decidirá quem é apoiado, ao nível do ICAM, serão entidades, chamem-se júri, conselho ou seja o que for, em que - e aqui é que está a novidade -, tal como aconteceu para o teatro, haverá representação do sector. Não vemos razão para todos os júris serem designados pelo Estado e pelo ICAM; esse monopólio é que pomos em causa.
Sr. Deputado, o gráfico que referiu é um estudo, não uma decisão política do Governo e, portanto,

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não tenho de o comentar.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - De onde vem o dinheiro?

O Orador: - Sr.ª Deputada Alda Sousa, não é verdade que tudo esteja remetido para diplomas complementares. Os grandes objectivos e princípios constam da proposta de lei em debate, portanto não é verdade o que disse.
A Sr.ª Deputada fez-me perguntas que, essas sim, como costumo dizer, sem qualquer intuito jocoso, são um pouco como entrar na história Alice no País das Maravilhas. Não posso, para além da falta de tempo para a referir, ter toda a regulamentação na cabeça! Isso, aliás, seria contradizer-me. Se digo - com certeza que a Sr.ª Deputada estará de acordo comigo - que a regulamentação será feita ouvidos os Srs. Deputados e os agentes do sector, como querem que a antecipe?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Então, como dizia outra personagem desse conto, "primeira sentença!" Não, não há primeira sentença, como é óbvio!
Vamos estudar a forma de melhor regulamentar, porém, como já disse ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva, as entidades que vão apreciar, por exemplo no caso do ICAM, serão constituídas por membros independentes designados pelo próprio ICAM, mas também terão representação dos agentes do sector.
É claro que os concursos públicos terão de ter regras transparentes, mantendo-se o ICAM, como é óbvio e claro.
Portanto, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, o ICAM manter-se-á, aliás, essa é uma questão que nem sequer se coloca. Se o respectivo decreto-lei não foi revogado, por que é que se coloca esse problema?! Entendemos que não compete a esta lei referir o ICAM, mas este mantém-se, o respectivo diploma está em vigor. Trata-se de um instituto público que não está em causa, portanto essa é uma falsa questão.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, já não disponho de tempo para lhe responder agora, mas eu ou o Sr. Secretário de Estado responderemos às suas questões posteriormente.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Augusto Santos Silva, eu diria, se me permite alguma animação, que tanto tempo depois de saírem do Governo os senhores continuam "À Procura de Nemo", isto é, continuam à procura de um rumo!…

Risos do PSD.

Se eu não suspeitasse que este não é um termo parlamentar, dir-lhe-ia que, por amor de Deus, se deixassem de "fitas", já que estamos a falar de cinema.
Sr. Deputado, a sua intervenção foi até um pouco errática. O Sr. Deputado, que mostrou grande preocupação com os operadores privados de televisão, fará o favor de explicar-nos o que representou, durante o seu governo, a SIC Filmes e o incumprimento do que estava previsto.
Além disso, ao longo de um vastíssimo projecto de lei, os senhores vão do mais bizantino pormenor, como seja, no artigo 69.º, preverem a taxação em dobro dos filmes pornográficos - e nada tenho contra a especificidade que atribuem -, à mais estranha indefinição do artigo 19.º, no qual os senhores falam da participação do ICAM no fundo de investimento mas não a detalham. Ou seja, censuram, por um lado, a proposta de lei do Governo por não ter o detalhe suficiente, por não explicar qual é o papel disto e daquilo mas, depois, falam simplesmente no ICAM.
Mas agora é que o Sr. Deputado se mostra tão preocupado com o ICAM e com os conteúdos?! Quando o senhor teve esta tutela por que não se preocupou com o ICAM? Faço-lhe esta pergunta por duas razões. Em primeiro lugar, porque os senhores não lhe atribuíram grande papel nesta área (bem sei que foi com outro ministro do PS, mas era do seu partido; espero que não enjeite a herança). Os senhores criaram então uma empresa que se chamava Conteúdos SA e que se destinava precisamente à produção de conteúdos. O que produziu? Quanto dinheiro consumiu? Porquê agora esta mudança de paradigma e esta súbita preocupação com os conteúdos?

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, os senhores têm de explicar-nos a que voz e com que coerência falam sobre esta matéria e como explicam o vosso "consulado".
Tenho comigo um livro intitulado Política à Conversa, da autoria de um cidadão que me parece não ser do meu partido, Manuel Maria Carrilho, que diz o seguinte: "É preciso reconhecer que Augusto Santos Silva empatou tudo e que foi ele quem estragou o ICAM, Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, ao retirar-lhe, no Orçamento de 2001, cerca de 1 milhão de contos". Então os senhores agora é que estão preocupados com isto?! Mas quem tem razão? É o senhor, que foi ministro da cultura num governo do PS, ou o outro, que também foi ministro socialista e não se encontra presente neste debate?
Os senhores, evidentemente, caíram em "Tentação". Julgaram-se "Os Imortais", mas só experimentaram a "…Vã Glória de Mandar".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Capitão, agradeço as suas questões mas, naturalmente, não o seu tom, recusando-me a embarcar na viagem que quer fazer.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não é perante si que respondo por aquilo que fiz ao longo da minha vida pública e enquanto fui membro do governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, essa questão está resolvida à partida.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, vamos falar do tema que está hoje em causa, da proposta de lei do Governo e do projecto de lei do PS.

Aplausos do PS.

Aliás, Sr. Deputado, os exemplos que foi dando são interessantes por evidenciarem a diferença de registo que há entre aquilo que a maioria e que o PS entendem dever ser uma política para o cinema. Os senhores gostam de citar o Nemo e de falar de "fitas"; nós queremos que o Estado, designadamente através do Ministério da Cultura, apoie o cinema. Para nós, o cinema é uma forma de arte e de cultura. Com produção industrial, certamente, e com distribuição em mercados próprios, mas é uma forma de arte e de cultura, nada tem que ver com "fitas". As "fitas" fazem os senhores quando entenderem.
Queremos que o Estado assegure um sistema de apoios públicos a criadores, que são os realizadores de cinema ou televisão, e àqueles que fazem com que o produto intelectual desses criadores possa chegar ao público - os produtores, os distribuidores e os exibidores. É disso que queremos falar e não de absolutamente nada daquilo que, de uma forma que não o dignifica, do meu ponto de vista, o Sr. Deputado quer que eu fale.
Passo agora às duas únicas questões que o Sr. Deputado colocou em relação ao nosso projecto de lei.
Quanto ao facto de propormos que os filmes pornográficos paguem o dobro da taxa de distribuição e que os filmes de qualidade sejam isentos dessa taxa, o que queriam os senhores? Queriam que fosse ao contrário?! Queriam que fossem os filmes de qualidade a ter a taxa de distribuição pelo dobro e que os filmes pornográficos fossem isentos?

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Não é essa a questão!

O Orador: - Era isso o que os senhores queriam?!

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Vozes do PSD e do CDS-PP: - Sabe que não é isso!

O Orador: - Essa foi a única pergunta de conteúdo que o Sr. Deputado colocou.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - A questão é sobre coerência!

O Orador: - Quanto à participação nos fundos de investimento, falamos de duas coisas diferentes. O propósito do Governo é criar um fundo de investimento que, de acordo com a consultora que o Governo contratou, e que o Sr. Ministro não desmentiu aqui, beneficiará em 40% de fundos públicos.
O nosso propósito é fortalecer uma política pública comandada por um instituto público que desenvolva programas cujos beneficiários sejam escolhidos de forma independente, que participe também, naturalmente, em formas de apoio a programação plurianual e que coopere com entidades privadas ou outras entidades públicas no apoio à produção de cinema ou televisão. É essa a diferença, e essa diferença é muito simples!
Quanto à outra diferença, a do tom, devo dizer, com todo o respeito que tenho pelo Sr. Deputado, que me recuso baixar a esse nível.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Augusto Santos Silva "fugiu" pela forma… E fez bem, porque realmente não tinha respostas para dar.
Em primeiro lugar, o que me dignifica ou não me dignifica decide o eleitorado e os órgãos próprios do PPD/PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, se o Sr. Deputado se recusa a prestar contas, recusa-se a prestá-las a um Deputado da Nação. Quem aqui está não é o Gonçalo Capitão mas, sim, um Deputado eleito, com votos tão bons ou melhores do que os seus.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Em terceiro lugar, quero dizer-lhe que a pergunta que lhe coloquei não foi, obviamente, sobre cinema pornográfico, mas sobre o excesso de detalhe numas partes e o carácter vago da tramitação das outras.
Entrando na substância do debate, quero apenas dizer-lhe que o que temos de tratar aqui hoje é da acção do Estado nas áreas do cinema e do audiovisual. E parece-nos que este Governo tem um bom argumento, com realismo, tem boa produção legislativa e tem uma óptima realização política. Sr. Ministro, cá estaremos para fiscalizar a difusão e exibição desta obra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Precisa é de ter bilheteira!

O Orador: - Pressupõe-se que esta é uma lei balizadora que visa melhorar uma realidade existente. Qual é essa realidade? Por um lado, temos um cinema já com algum nome e com alguma escola que vai além fronteiras, mas por outro lado, como disse o Sr. Ministro, Portugal está no último lugar da União Europeia em relação às pessoas que vêem filmes nacionais - e acaba por ser curioso que, segundo sei, a Irlanda e o Luxemburgo invistam menos nesta área, mas tenham maior taxa de retorno em termos de fruição.
O problema nem terá sido de dinheiro, porque em termos de percentagem do PIB estamos em terceiro lugar quanto ao investimento. Talvez seja, pois, altura de pensarmos se temos de produzir conteúdos suficientemente atractivos para que as pessoas os vejam. Com isto não estou a criticar o acto criador, que é subjectivo, mas, em todo o caso, também não podemos passar um atestado de ignorância cultural à quantidade de pessoas que não se desloca para ver cinema.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Aí é que está!

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O Orador: - Por outro lado, é preciso ver também se temos seguido aquilo que são as linhas de reflexão comunitária, procurando uma maior integração entre o cinema e o audiovisual e até um contacto com fontes alternativas de financiamento, designadamente junto da banca.
Será que fizemos tudo o que deveria ter sido feito em matéria de distribuição, exibição e promoção dos conteúdos nacionais? Além disso, será que aproveitámos plenamente as fontes de financiamento internacionais? Será que criámos o saudável hábito de recorrer a fontes indirectas de financiamento? Será que repartimos adequadamente o financiamento pelas diversas fases da cultura cinematográfica, como o Sr. Ministro já referiu? Não me parece! E não teremos também ficado muito aquém - penso que esta é a questão deste debate - no que respeita aos apoios privados?
Tudo o que referi tem a ver com razoabilidade e, até, com solidariedade para com a cultura nacional. Penso que de tudo isto padeceu um pouco o nosso cinema, sendo irónico que o PS venha agora preocupar-se com o normativo actual e com a necessidade de articulação entre cinema e audiovisual.
Sr. Deputado Augusto Santos Silva, sei que não gosta do tom - acredite que a minha intenção nunca foi ofendê-lo -, mas "cenas eventualmente chocantes" é, depois de tanto tempo, os senhores agora fazerem tábua rasa do que está para trás e se mostrarem tão preocupados.
O diploma do PS coloca muita ênfase na garantia dos concursos com júri. Mas já tínhamos concursos com júri e chegámos a este ponto! Não estou a culpar os júris, não é nada disso, mas eles não são a panaceia universal. Eles têm de começar, porque são os primeiros interessados, a inserir representantes das várias áreas do sector.
Por outro lado, os senhores apontam os "fantasmas" da absorção do cinema pelo audiovisual, que são mais que infundados, pois contrariam resoluções comunitárias, como as resoluções do Conselho de 12 de Fevereiro de 2001 e de 21 de Janeiro de 2002.
Acresce que o PS quer meter tudo na lei, como se fizesse agora tábua rasa da ordem jurídica nacional. Só não explica o que faz à lei que regula o serviço público de televisão, às leis que regulam o sector das telecomunicações ou à lei que regula a concorrência. Age como se nada disso existisse e menos tolera ainda, neste debate, a fobia do sumiço do ICAM. O ICAM já existe e continuará a existir, tendo o próprio Sr. Ministro dado aqui a garantia de que não se pensa a gestão daquele fundo sem uma participação do Estado!
Acresce que os senhores, como também já foi dito, querem intervir numa área da exclusiva competência do Governo, que é a sua própria organização administrativa. Isto é, querem rever, através da lei do cinema, a própria Constituição - agora se explica a parcimónia que revelaram no processo ordinário de revisão, pois, pelos vistos, era através da lei do cinema que pretendiam rever parte da Constituição…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS desinvestiu no cinema. O PS conseguiu juntar a tutela do cinema e da televisão pública e o ministro Santos Silva não conseguiu cobrar a si próprio as dívidas que tinha de transpor para o cinema. O PS, quando não estatiza, copia, e mal, parte das propostas do Governo - os contratos de apoio plurianuais, as novas fontes de financiamento (estou a falar na taxa de acesso) e o fundo de investimento - e vem agora propor supostas alternativas a uma proposta de lei do Governo que propõe o apoio a primeiras obras, ao cinema experimental e a realizadores com curricula relevantes, que prevê programas plurianuais para planos de produção a médio e a longo prazo (perspectiva importantíssima), co-produções e cooperação, que não esquece as taxas de exibição do cinema nacional apoiado para que não fiquem fitas a mofar nos escaparates, que propõe novas fontes de financiamento, a conservação e a consulta do património cinematográfico, a criação de novos públicos - é extraordinário que a interacção com as escolas, de forma a trazer mais gente para o cinema, já podia ter sido feita, mas é este Governo que a está a propor -,…

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Não é verdade!

O Orador: - … a formação profissional e respectivo acesso a pessoas com deficiência, a colaboração com as autarquias para descentralizar a cultura, o apoio a uma rede de exibição não comercial… O que é que os senhores querem mais? O que é que se pode pedir mais a este Governo? Bem, pode pedir-se mais uma coisa: democratizar o acesso à cultura - por isso é que se fala num tecido empresarial que associa ao lado puramente intelectual o lado da fruição pelos cidadãos. Não podemos permitir que os fundos, venham de onde vierem, sejam entregues a uma pessoa que vai produzir um filme para se divertir com os amigos.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PS Augusto Santos Silva.

Sei que os nossos cineastas não fazem isso! Sei que os nossos cineastas não fazem filmes para si próprios! Tenho imenso respeito pelos cineastas e produtores nacionais. Temos excelentes cineastas que fazem obras de autor e obras de reflexão. No entanto, não podemos abandonar o resto do nosso povo. Temos de começar a controlar os resultados de bilheteira para apoiar filmes que integrem o bem-estar das pessoas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendam de uma vez por todas que a arte cinematográfica não faz parte do ter, mas do ser do povo português; que não é uma coisa para se ter, mas para os portugueses fruírem, para o seu bem-estar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não sendo o retorno puramente financeiro, ao menos que se ajude a criar filmes que possam trazer novos públicos e que sirvam para levar a imagem de Portugal e a cultura nacional pela lusofonia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado também não explicou como é que vai motivar os privados para investirem cada vez mais se não os deixa decidir. Como é que lhes vai dizer: "Venham daí, mas depois só mando eu!"? Não faz sentido, não existe tal no mundo real, a não ser num Estado autocrático que os senhores não perfilham.
O Governo merece, efectivamente, o "Óscar" para o melhor filme!
Sei que o Sr. Deputado Santos Silva vai ficar ofendido mais uma vez, mas deixo-lhe uma "menção honrosa" para a melhor banda sonora, dado o ruído que aqui fez, e para os melhores efeitos especiais, porque os senhores continuam a fazer ilusão.

Risos e aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Augusto Santos Silva fez saber à Mesa que deseja fazer uma interpelação.
Pode, por favor, explicar, Sr. Deputado, qual é o objecto da interpelação?

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - É sobre a condução dos trabalhos, Sr.ª Presidente, na parte que se refere a saber se um Deputado eleito tem de prestar contas à Assembleia pela actividade que realizou enquanto Ministro. Trata-se de uma questão essencial, sobre a qual parece haver interpretações diferentes.
Penso ser muito importante para a condução dos trabalhos que a Constituição seja aqui lembrada. Se me permite, serei breve, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Não percebi, Sr. Deputado. Deseja continuar a falar sobre esse assunto?

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sim, Sr.ª Presidente. Se me permite, desejo esclarecer esse ponto.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr.ª Presidente, agradeço muito, não só a decisão como o tom.
Os membros do governo e os governos são fiscalizados pela Assembleia da República. Enquanto membro do governo, fui fiscalizado pela Assembleia da República e vim aqui sempre que foi necessário

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ou que alguém o requereu. Agora, como Deputado, não respondo perante esta Assembleia pelos actos que realizei enquanto membro do governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso é claro, está na Constituição e é essencial!
O que esta Assembleia fiscaliza é a actividade deste Governo. O que esta Assembleia discute são as propostas e os projectos apresentados, quer pelo Governo, quer pelos diferentes grupos parlamentares.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, não há nenhuma forma de tentar criar qualquer ambiente de intimidação que resulte comigo.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Augusto Santos Silva, não se tratou de uma interpelação à Mesa. O Sr. Deputado quis especificar a sua posição sobre esta questão.
Se o Sr. Deputado Gonçalo Capitão desejar também explicar a sua posição, usando a mesma figura regimental, tem a palavra.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito brevemente, Sr.ª Presidente, e agradecendo a oportunidade que me dá, queria dizer ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva que juridico-constitucionalmente, de facto, é assim. Pena é que os senhores não respeitem a Constituição em todas as suas vertentes, mas só quando é conveniente para o debate.
O que fica claro é que, juridico-constitucionalmente, o Sr. Deputado até tem razão. Politicamente, o Sr. Deputado não quis responder, porque se tivesse boa consciência se calhar tinha "feito flores".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa assegura o direito à fruição e criação cultural, incumbindo ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais, um conjunto de deveres capazes de garantir a concretização desse direito.
É neste amplo contexto que se deve enquadrar toda a produção legislativa direccionada para os diferentes sectores da cultura. Sendo a política cultural tarefa indeclinável do Estado democrático, não pode ser alvo nem de tutelas dirigistas nem de procedimentos clientelares. Ela exige a participação plural e insubstituível dos criadores e de todos os agentes que constroem os diferentes mosaicos culturais.
Na necessária assunção das suas responsabilidades, o Estado deve respeitar a autonomia relativa e específica das diferentes práticas culturais e artísticas, procurando interacções com as indústrias e serviços culturais e o chamado "terceiro sector", que não é formalmente público nem estritamente privado.
A elaboração pelo Governo de uma lei das artes cinematográficas e do audiovisual responde a uma necessidade sentida por todos quantos nestas áreas trabalham.
Na nossa opinião, um diploma com este objectivo deve responder a uma melhor regulação do sector, com garantia de respeito pelas respectivas especificidades, deve assegurar mecanismos de transparência e rigor, deve dignificar os profissionais e agentes sócio-culturais envolvidos, deve ajudar a criar as condições indispensáveis à promoção do cinema português quer nacional quer internacionalmente.
A proposta de lei do Governo que hoje apreciamos resultou, ao que sabemos, de um trabalho conjunto da tutela com os diferentes interlocutores.
No entanto, particularmente nos últimos dias, têm chegado a esta Casa algumas preocupações e mesmo algumas críticas, não tanto quanto aos objectivos gerais da lei, densamente narrados e por vezes até confusos na exposição de motivos, mas sim no que se refere ao articulado da proposta.
Naturalmente que afirmações como "O Estado deve (…) manter meios e estruturas que permitam

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afirmações culturais e artísticas diversas e inequívocas, continuando a apoiar aqueles que, com os seus filmes, projectam e projectaram a cultura portuguesa e o nome de Portugal, interna e externamente." merecem o aplauso de todos.
Mas que apoios? Como se concretizam? Como se assegura o rigor e a transparência do acesso a esses mecanismos de ajuda? E aqui surgem as dúvidas que é preciso esclarecer.
Não há divergências quanto à urgência de aumentar o financiamento para o investimento e fomento das artes cinematográficas, mas há preocupações quanto ao aparecimento de um "fundo" que, na perspectiva de uma das associações de realizadores, pode ser a porta aberta para "converter o pouco dinheiro disponível para a produção do cinema português no capital de um suspeito negócio, a estabelecer com os distribuidores e exibidores americanos e as estações privadas de televisão e destinado a financiar projectos com uma suposta grande atractividade comercial". Segundo outra associação de realizadores de cinema e audiovisuais, "a proposta de lei remete para um único e poderoso fundo de investimento (…) com a agravante de não definir claramente a repartição dos direitos inerentes a cada um dos parceiros desse fundo", acrescentando que "a composição e as atribuições do anunciado fundo têm contornos pouco claros e corre-se o risco de criar, paralelamente ao instrumento da actual política do gosto - os júris dos concursos -, uma outra tirania! A de um grupo secreto formado pelos agentes da actividade reunidos em conclave".
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro: Se é indispensável encontrar novas formas de financiamento, como ocorreu em outros países da Europa, não é menos importante erradicar todas as nebulosas que permitam opções desviantes dos financiamentos.
A atribuição dos apoios aos dois sectores em causa não pode ser intencionalmente confundida, por ausência de políticas claras e por inexistência de definição de mecanismos rigorosos e transparentes.
Esta questão do financiamento, sem dúvida aquela que mais tem preocupado os diferentes intervenientes, decorre do facto de o texto governamental ser inúmeras vezes omisso, ambíguo e demasiado generalista, reenviando para posterior regulamentação muitas matérias, que, não estando minimamente balizadas no seu conteúdo, se situam no mero plano das intenções, podendo constituir um verdadeiro "cheque em branco".
Por isso, consideramos indispensável que, a ser aprovada na generalidade a proposta de lei, se proceda, em sede de especialidade, ao aperfeiçoamento do seu articulado e que, para isso, possamos realizar um conjunto de audições que garantam não só a diversidade das opiniões mas também o conhecimento de matérias tão específicas como aquelas que hoje debatemos.
Mas, se o apoio ao desenvolvimento sustentado da produção e a criação de um tecido industrial do cinema e do audiovisual mereceram a concordância da maioria dos interessados, a não existência na lei de um organismo público, com autonomia administrativa e financeira, que enquadre as actuais funções de um ICAM reformulado, desgovernamentalizado e gerido com transparência, sem casuísmos e sem actos discriminatórios, constitui também preocupação e receio.
E esta é outra das questões que é imprescindível esclarecer melhor.
Qual o enquadramento do Instituto no texto em discussão?
Outras debilidades existem no texto governamental, quer a nível da não definição de conceitos, quer no uso abusivo de uma listagem de intenções, sem que se vislumbre como se concretizam no articulado proposto.
Por exemplo o artigo 14.º, relativo à "Exibição de obras nacionais", parece não ser uma medida a concretizar, mas antes um território neutro de um Governo que diz querer promover as obras nacionais e a quem simultaneamente falta a coragem para estabelecer quotas realistas e consentâneas com a realidade do País.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: - Estou a terminar, Sr.ª Presidente.
Outros exemplos poderíamos referir.
Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Deixámos claro quais os pressupostos que, na nossa opinião, devem sustentar uma lei relativa às artes cinematográficas e ao audiovisual.
Subscrevendo a necessidade de um diploma com este objecto, não deixámos de enunciar algumas das matérias que merecem justificadas preocupações e exigem da parte do Governo os necessários esclarecimentos.
Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, contribuirmos para melhorar nos diferentes níveis o texto apresentado, ouvindo os profissionais que, durante tantos anos, e não poucas vezes, "remaram contra ventos e marés", mas criaram, produziram e promoveram o cinema português.

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Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na realidade, isto não é uma lei do cinema. A verdade é que não há lei alguma. Isto é um amontoado de generalidades, uma vez que tudo fica para regulamentação. Se compararmos com o anteprojecto, percebemos que tudo o que poderia ser polémico foi deixado para regulamentar mais tarde. E por isso é uma lei sem coragem.
Por isso, nos concentrámos no fundo de investimento e na apresentação que dele foi feita por uma empresa de consultadoria americana. Ao que parece o Ministério da Cultura foi substituído pela A.T. Kearney. Será este fundo, e não o ICAM, a ficar com a grande fatia do bolo financeiro e a sua equipa técnica com quase todas as funções.
O fundo fica com os programas de apoio comunitários e internacionais, com a taxa das bilheteiras, com as taxas hoje pagas pela televisão e com a taxa do cabo. Só que estas taxas podem ser substituídas por contratos de investimento. Ou seja, a PT e as televisões terão um direito que mais ninguém tem em Portugal: o de decidirem, sozinhas, o que fazer com a taxa que os portugueses pagam. Se a moda pega, podemos "fechar as portas" do Estado. O ICAM, esse, ficará, se sobreviver com esta razia, às migalhas.
O fundo, com este tipo de mecanismos, terá corno principal beneficiárias as televisões e o cabo. A verdade é esta: o cinema português poderá passar a ser dirigido por televisões e pela PT. Será o fundo, composto pelos mesmos que dele beneficiarão, a decidir tudo. Com o anteprojecto, dos júris tínhamos passado para uma comissão técnica. Com a apresentação do fundo, nem júri, nem comissão - eventualmente, o tal conselho, de que o Sr. Ministro falou há pouco. Os comissários dos gestores do fundo irão, então, decidir em causa própria. Vá lá, o Ministério da Cultura fica com voto de qualidade…
Mas quem paga grande parte do dinheiro que vai para o fundo? Pois é isso mesmo, é o Estado! É ele que garante 40%, para que a PT, a SIC e a TVI façam os seus negócios. Objectivo: a mítica construção de uma indústria de cinema. Resultado óbvio: filmes feitos à medida de séries de televisão, com orçamentos milionários pagos, em 40%, pelo Estado. Menos filmes, menor diversidade e destruição do cinema português, um dos poucos produtos culturais que representa, com enorme sucesso, Portugal no exterior.
Defendemos que o principal papel do Estado em relação ao cinema é o de promover a criação, criar memória e garantir a diversidade cultural. E a diversidade cultural exige quantidade.
Os bons realizadores fazem-se fazendo filmes; não se fazem em gravações de telenovelas. O Estado não tem por função ajudar grandes empresas, nem canais de televisão. Se queremos ter cinema, no futuro, se queremos que outros conheçam as nossas criações, então, esta lei é o pior caminho possível.
A direita vive uma ilusão: quer ter Hollywood, em Portugal. Não é a grande ilusão, é a "aldeia da roupa banca". Tem um país pobre e com 10 milhões de habitantes, mas não se conforma. Mesmo que os portugueses fossem ao cinema como os franceses, não chegaria. E, ainda assim, não se conhece nenhum país europeu que tenha conseguindo público desistindo da criação artística.
Trata-se de um sonho infantil sem qualquer futuro. A sequência da auto-estrada do The Matrix custou o mesmo que todos os filmes portugueses somados desde 1975 - este é um dado esmagador. Queremos competir? Então, vamos passar os próximos 30 anos a fazer uma sequência de um filme. Não há competição possível neste domínio, a não ser a de fazer com qualidade e a de fazer diferente.
O cinema português nunca será auto-sustentado. Entregá-lo às televisões e às empresas de telecomunicações só servirá para matar de vez o cinema nacional.
Não estamos aqui a discutir gostos, apenas objectivos. Alguns números destroem a retórica de quem confunde os preconceitos com a realidade. Por exemplo, um filme como Vou para Casa, de Manoel de Oliveira, teve 16 000 espectadores, em Portugal, e outro, como Adão e Eva, de Joaquim Leitão, teve 234 000. Conclusão: parece que (isto sem qualquer juízo de valor sobre as obras) o segundo teria tido um sucesso muitíssimo maior. Nada mais errado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: -Termino, de imediato, Sr.ª Presidente.
Como dizia, nada mais errado. Vou para Casa teve, fora das nossas fronteiras, quase meio milhão de espectadores. Estreou em 13 países. Um filme como Verdes Anos, de Paulo Rocha, foi visto por gerações e gerações de espectadores. Qualquer um deles foi mais lucrativo do que os filmes comerciais portugueses.
Não são os filmes que geralmente consideramos mais vocacionados para o grande público que são mais lucrativos.

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Mas se não são sensíveis ao argumento da diversidade cu1tural, da especificidade do cinema português e da sua importância para a nossa memória colectiva, sejam ao menos sensíveis aos vossos argumentos: o dinheiro.
Outro equívoco: o de que o Estado gasta dinheiro com o cinema. No ano passado, o Estado gastou 1,5 milhões de euros, porque o resto é pago pelas taxas à publicidade, criadas para pagar os custos do cinema. Por isso, na realidade, o Estado português quase nada investe no cinema.
O que está aqui a fazer-se e a propor-se, particularmente com a criação de um fundo de investimento, é roubar aos pobres para dar aos ricos. Ou melhor: taxar aos ricos para devolver aos ricos, deixando os pobres à míngua. Por isso, votaremos contra.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr.ª Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Partimos para este debate com várias noções que não podemos ignorar.
A primeira de todas é a da qualidade da criação e do cinema português. É importante que esta seja a primeira noção que temos. É uma noção que todos temos e, portanto, não devemos fazer juízos de valor, uns sobre os outros, sobre o reconhecimento que fazemos desta qualidade e a importância que lhe damos.
Para além desta qualidade, que existe, é importante termos também presente o reconhecimento que ela tem a nível nacional, mas, sobretudo, a nível internacional.
A segunda noção que devemos ter quando partimos para este debate é que, apesar da existência desta qualidade e do reconhecimento que ela merece, há dados que não nos podem ser indiferentes. Portugal, em termos do público que assiste a obras de criação portuguesa, é o país que está em último lugar ao nível da União Europeia. Temos menos de 2% de assistência aos filmes de criação nacional, quando a média europeia é de 20%, ou seja, 10 vezes superior.
Pressuporia isto que, em termos do nível do investimento em criação cinematográfica, também temos um dos mais baixos níveis de investimento ao nível da União Europeia. Mas não é assim. Ao contrário do que acontece com a assistência a este tipo de criações, o investimento público na criação cinematográfica, em Portugal, em relação à percentagem do mesmo indexada ao PIB, é o terceiro ao nível da União Europeia.
Ou seja, o problema não é sequer de falta de investimento mas, sim, de falta de adequação deste investimento a resultados práticos do mesmo. E este é um problema estrutural, que deve merecer a nossa preocupação.
A terceira noção é a de que este alheamento do público nacional perante a criação nacional tem algumas especificidades que não podem ser ignoradas. Há alguns tipos de público que são mais alheados deste tipo de criação do que outros. E nestes, permitam-me que destaque os mais jovens. Destaco principalmente a falta de incentivos que tem havido para que os mais jovens se interessem pela produção nacional e uma certa ideia que se criou de que a juventude não se interessa pelo cinema português e não lhe dá o devido valor. Esta é uma ideia perversa, mas existe e não pode ser ignorada. E não pode constantemente ser passada a ideia de que isto se deve à falta de nível cultural dos mais jovens, porque também há uma clara falta de adequação da oferta àquilo que os mais jovens procuram.
A quarta noção com que temos de partir para este debate já foi referida por todos. É a desadequação e desactualização do actual quadro legislativo.
Mas vamos analisar um pouco mais profundamente cada uma destas noções.
Quanto à primeira, respeitante à qualidade e ao valor artístico da criação cinematográfica em Portugal, de que forma é que o Governo agiu em relação a ela? Com consideração, ouvindo todos os agentes envolvidos na elaboração desta proposta de lei.
Acho extraordinário que, quando se discute uma proposta de lei, alguns dos Srs. Deputados queiram vir fazer a discussão sobre uma anteproposta de lei. Ou seja, quando o Governo apresenta, à partida, uma proposta de lei, a crítica é a de que não houve um debate prévio, não foram ouvidos os agentes, e, portanto, não houve o diálogo necessário para a apresentação de uma iniciativa legislativa. Quando se apresenta uma iniciativa legislativa, diz-se "bom, a iniciativa legislativa até não é má, mas aquele anteprojecto era uma desgraça"…

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Exactamente!

O Orador: - … e, portanto, querem fazer o debate de um anteprojecto que, entretanto, evoluiu - e

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evoluiu, porque o Governo, como deve fazê-lo, teve em conta os mais variadíssimos contributos, entre os quais (é importante voltar a salientá-lo) o daqueles que o Governo valoriza, daqueles que são os criadores cinematográficos e audiovisuais, em Portugal.
No que respeita à segunda noção, a da relação entre a escassez de público e o nível de investimento público, é também de salientar a intenção deste Governo de pôr um fim ao monopólio do Estado no financiamento do cinema. É que o fim do monopólio do Estado no financiamento do cinema e do audiovisual permitirá naturalmente um maior equilíbrio entre aquilo que é um investimento público e não público e aquilo que é o retorno desse mesmo investimento, em relação não a critérios economicistas mas a critérios humanistas, de modo a conseguirmos ter uma oferta cultural que seja também apreendida pelos portugueses e pela sociedade.
No que toca à terceira noção, sobre o alheamento de alguns tipos de público, nomeadamente os jovens, há também a clara necessidade de concretização de dois objectivos, os quais são apontados nesta proposta de lei. Por um lado, a promoção da diversidade cultural, essencial para que todos os públicos sintam que na criação artística há algo que lhes diz directamente respeito. Mas, por outro lado, também a promoção da igualdade de acesso, para que todos possam ter acesso a esta mesma oferta cultural. Esta intervenção, por um lado, na oferta cultural e, por outro, na procura e na disponibilização do acesso para todos é fundamental para que se possa conseguir não só uma diversificação da oferta mas também uma diversificação de públicos e uma generalização de acesso à cultura cinematográfica nacional.
Em relação à desactualização do actual quadro legislativo, pouco haverá a dizer: é generalizada a noção de que o actual quadro legislativo está desactualizado. Mas ainda não é generalizada a noção, e deveria ser, de que houve um governo que foi analisar este dossier e que apresentou respostas para ela, porque não é indiferente. Todos nós podemos ter a noção de que determinado quadro legislativo está desactualizado. Mas o certo é que nem todos os que poderiam ter feito uma intervenção clara, no sentido da sua renovação, o fizeram, e este Governo assumiu este objectivo.
Mas, para além da resposta a estes pressupostos, que o Governo dá claramente nesta proposta de lei, o Governo foi mais longe: apresenta a presente proposta de lei no quadro de um programa ambicioso, de estímulo e desenvolvimento do cinema e audiovisuais portugueses. Desde logo, há uma atitude que é sintomática da postura deste Governo: quando chegou à responsabilidade da política cultural nacional, este Governo fê-lo num cenário que raras vezes acontece, porque, muitas vezes, os responsáveis políticos são acusados de gastarem mal os recursos escassos ao nível dos apoios à cultura. E o que fez este Governo? Não foi mau gastador, como tantos exemplos que tivemos no passado, daqueles que tiveram responsabilidades na mesma área, fez algo que, muitas vezes, é raro ver-se ao nível do exercício de cargos políticos: foi bom cobrador. Conseguiu cobrar aos operadores televisivos a dívida que estes tinham para com o ICAM. Ou seja, numa área tantas vezes conhecida pelos gastos exorbitantes, este Governo deu o exemplo contrário, o de conseguir ser bom cobrador.
Esta proposta de lei é apresentada com a consciência clara e o retirar das devidas consequências de que a produção cinematográfica e audiovisual é uma actividade cultural que tem sustentação empresarial. Negar esta realidade é, obviamente, viver num mundo que não existe e, pior ainda, é prejudicar claramente aqueles que devem ser os objectivos de uma política eficaz de apoio à produção cinematográfica e audiovisual. Pelo contrário, o reconhecimento descomplexado desta realidade pode contribuir para uma solução objectiva e eficaz.
Por outro lado, a relação clara entre o desenvolvimento sustentável da criação, produção, distribuição, exibição, difusão, edição e promoção nacional e internacional, fomentando a criação de um tecido empresarial equilibrado, poderá permitir uma sustentabilidade de apoio à criação artística no âmbito cinematográfico e audiovisual, que neste momento não existe.
Mas há outros objectivos e outras inovações que esta proposta de lei também introduz e que é importante serem referidos.
A formação de novos públicos, e já aqui se falou da importância de se conseguir atrair os mais jovens para aquilo que é produzido ao nível nacional no âmbito cultural.
O apoio a uma rede de exibição não comercial, indo exactamente ao encontro de algumas das críticas feitas pela oposição, não reconhecendo nesta iniciativa legislativa do Governo esta preocupação fundamental.
O desenvolvimento não só do ensino artístico mas também da formação profissional contínua, para que haja uma permanente actualização de conhecimentos e uma permanente interacção do ponto de vista da formação.
A promoção do acesso de jovens realizadores ao mercado de trabalho, mais uma vez proporcionando aos mais jovens o acesso não só ao produto final mas também à criação.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Também é muito importante conseguirmos que sejam os mais jovens a ter acesso à criação, para que não seja só uma pequena comunidade elitista a ter o acesso aos apoios, a poder criar. É fundamental que haja uma renovação, um rejuvenescimento desta classe de criadores, e, para isso, é necessário este apoio aos mais jovens.
O incentivo às co-produções internacionais, o que não é um incentivo indiferente às co-produções nacionais, porque dá um sinal claro de privilegiar os países de língua oficial portuguesa, o que é naturalmente muito importante.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Estes são alguns dos objectivos e inovações que são o reflexo de quem tem uma política cultural clara e descomplexada, de quem reconhece naturalmente a importância do Estado no apoio à cultura, mas não ignora a importância também de alargar esta base de apoio, de quem claramente recusa uma política cultural 100% estatística. É a política de quem reconhece o valor da criação artística, mas não ignora a relevância, também ela fundamental, do papel de apreensão pela sociedade desta oferta cultural. É a política cultural de quem não é elitista e julga que toda a oferta é boa, e não de quem pensa que, quando ela não é apreendida pelo público, é o público que está errado, que não tem cultura, que não é capaz de apreciar. Esta é uma perspectiva claramente redutora, é uma política que não aproxima as pessoas da cultura, afasta-as da cultura. Não pode ser esta, nem é esta a política deste Governo.
A política do Governo defende a cultura ao serviço da sociedade, ao serviço de toda a sociedade.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo traz, hoje, ao Parlamento, para apreciação, uma proposta sobre a regulamentação das artes e actividades cinematográficas e do audiovisual, e fá-lo sob uma designação distinta.
Do nosso ponto de vista, a primeira questão que deve estar clara é a de que um diploma que vise enquadrar quer a criação, quer a produção, quer a distribuição da actividade cinematográfica ou do audiovisual tem de ter em conta que essa actividade é eminentemente cultural e que não pode, independentemente de ter de considerar essa dimensão, ser secundarizada pela compreensão de que a cultura é um instrumento essencial da identidade do País, do qual ninguém se pode alienar.
Uma outra questão que, para nós, deve ser muito clara é a de que qualquer discussão de um diploma desta natureza tem de ter em conta que a protecção e a defesa do cinema e do audiovisual português não pode ser divorciada do espaço europeu em que estamos inseridos, um espaço que reconhece a sua enorme dificuldade em enfrentar a toda poderosa indústria de cinema e do audiovisual norte-americana.
Ora, é partindo destes dois factos em concreto que se coloca a questão de saber se o diploma em apreciação garante e tem em conta, assumindo esses objectivos, as condições para os corporizar, garantindo, tal como se diz, a diversidade na produção, a igualdade de oportunidades, designadamente para diferentes gerações, e a possibilidade de conciliar aquilo que não pode ser de modo algum alienado, o cinema de autor, com outro cinema, que, porventura, também poderá ter uma dimensão comercial mas que não pode, de modo algum, submeter a chamada "atractividade comercial" à secundarização do cinema de autor.
Em nosso entendimento, também há pouca clareza num outro ponto, mas o Sr. Ministro não teve oportunidade, por falta de tempo, de responder à questão…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo terminou. Agradeço que conclua.

A Oradora: - Vou terminar Sr.ª Presidente.
Não nos parece particularmente positivo colocar em plano de igualdade o cinema e o audiovisual, não tendo, contudo, a noção de que há sinergias que devem ser aproveitadas. Esta separação parece-nos que deveria ser clarificada.
Um aspecto extraordinariamente preocupante para nós é relativamente a este fundo de investimento e a esta ausência de transparência e clareza sobre as fontes de financiamento, sobre quem decide o quê. Mas pensamos que o Governo tem, hoje, o direito e o dever de se pronunciar sobre esta questão.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Melo.

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No terminar deste debate, gostaria de dizer que vimos, pela reacção dos Deputados da maioria, quando aqui se falou do cinema português de autor, o que verdadeiramente eles pensam sobre isto. No entanto, é o cinema português de autor que tem permitido que o cinema português permaneça no panorama internacional como um elemento essencial de promoção da cultura portuguesa. Aliás, não é por acaso que estes dois Srs. Ministros e o Sr. Primeiro-Ministro estiveram em Cannes, para gozar parte dos efeitos positivos que o cinema português de autor tem. E isto é muito significativo. E também não é por acaso que o cinema português de autor, de um autor já falecido, tenha sido objecto de uma protecção especial para publicação, em DVD, da sua obra.
Há aqui uma dicotomia: ou querem ficar com as vantagens de se aproximar daquilo que são os aspectos positivos do cinema português de autor, ou querem apenas ligar os seus financiamentos e as suas opções a outras áreas. As duas coisas não podem ser, e tem de haver aqui uma sintonia entre o que dizem os Srs. Ministros e o que diz a maioria.
Entendo o que disse o Sr. Ministro da Cultura - está aqui como Ministro da Cultura e fez o que devia fazer -, mas o que pretendemos é que aquilo que o Sr. Ministro da Cultura disse se projecte no articulado desta proposta de lei e não se remeta sistematicamente para regulamentação, que não podemos discutir, o que vai seguir-se. E há coisas que o senhor não explicou, como, por exemplo, em matéria do financiamento.
Sr. Ministro, sabemos que fazer cinema é caro, que um filme em Portugal custa, no máximo, 3 milhões de contos e que o nosso mercado nem sequer isso pode dar como retorno, enquanto que um filme americano, que domina o nosso panorama, pode custar 10, 20, 100 milhões de contos. Nunca teremos hipótese de combater neste domínio!
Portanto, o financiamento do cinema português precisa de mais dinheiro, de muito mais dinheiro, se queremos entrar nisto. Mas, de qualquer maneira, não podemos descurar aquilo que é o cinema português.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sobre o financiamento, é preocupante a questão do fundo do investimento e a falta de clareza de onde vem o investimento público para o fundo de investimento, porque aqui não foi dito de onde vêm os 40% de investimento público no fundo de investimento, nem o que se pretende criar com estes 40%. São 40% de quê?
Se aqueles investidores privados, os operadores de televisão, nomeadamente, que querem entrar no fundo de investimento, deixam, por isso, de estar isentos de uma parte das taxas que devem passar para o Estado, como é que o Estado tem 40% para pôr no fundo de investimento?! É preciso ser clarificado isto, porque senão ficamos sempre com a dúvida de que os parceiros do fundo de investimento, operadores privados, apenas lá vão não para pôr dinheiro mas para beneficiar do resultado deste investimento público. E é por esta razão que, no nosso projecto de lei, insistimos imenso na determinação de quem são os beneficiários desse fundo de investimento. E, no audiovisual, só os produtores independentes poderão ser beneficiários e não quaisquer outros.
É preciso clarificar isto, para que não haja promiscuidade e dúvidas sobre aquilo que este Governo efectivamente quer.
Relativamente à questão da escolha, há muita contestação sobre os júris, mas o Sr. Ministro acabou de nos dizer que, afinal, os júris não acabam e que têm a particularidade de pôr dentro as pessoas que estão interessadas directamente nos filmes que esses júris vão escolher. Isto é um enorme contra senso em relação à clareza!
Pode chamar-se-lhe uma participação, ou o que quiser, mas se, até agora, os júris têm sido acusados por representarem interesses de gosto, daqui em diante, passarão a ser acusados porque alguém, também continuamente por gosto, tem elementos dos seus interesses económicos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, o seu tempo já terminou. Conclua, por favor.

A Oradora: - Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que a participação no debate foi imensa e alargada, e ainda bem que assim foi. Concluímos é que todos aqueles que participaram estão contra este diploma,…

O Sr. Ministro da Cultura: - Não é verdade!

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A Oradora: - … pelo menos aqueles que o expressaram publicamente, os outros, calados, não sabemos o que pensam.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura. Dispõe de tempo cedido pelo PSD.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Cultura (José Amaral Lopes): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é do conhecimento da generalidade das pessoas, até agora, o sector do cinema e do audiovisual era regulado por portarias - acto regulamentar da exclusiva competência do Ministro, sem necessidade sequer de ser apresentado a Conselho de Ministros. Ao trazer à Assembleia da República uma proposta de lei, o Governo faz logo algo que é inquestionável: valoriza o sector política e até legislativamente.
Como todos reconhecem, o sector, em Portugal, tem características particulares e, de forma honesta, devemos compará-lo com o de outros países semelhantes da União Europeia, como a Finlândia, a Suécia, a Dinamarca, a Espanha e a Holanda.
Há talento e capacidade, em Portugal? Esta questão não deve sequer ser trazida à discussão, pois isso é reconhecido por todos a nível internacional. Portanto, de duas, uma: ou o povo português geneticamente não tem capacidade de reconhecer a sua criação, ou as medidas políticas adoptadas até então não são adequadas a promover a fruição cultural dos cidadãos e esta é uma responsabilidade do Governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A generalidade do sector participou na discussão da lei e foi unânime em reconhecer a necessidade de alteração do sistema.
A generalidade do sector tem afirmado repetidamente que o sistema em vigor é um sistema casuístico, precário e discricionário, que não promove um verdadeiro tecido empresarial, nem o desenvolvimento das empresas ou dos agentes de forma sustentada.
Não existe, do ponto de vista do Governo, qualquer dicotomia entre cinema de autor e cinema comercial. Não está em causa, nem compete ao Governo, fazer este tipo de definições.
Aliás, quando comparamos a frequência do nosso cinema com a do cinema europeu, mesmo em Portugal, constatamos que os portugueses não enjeitam a qualidade. E, se compararmos a frequência de todos os sectores culturais, nomeadamente na música clássica, no teatro, na dança e em todas as outras actividades formativas, constatamos um crescimento sustentado do público neste tipo de actividades culturais. Até no livro, que muitos vaticinavam que ia acabar e ser substituído pelas novas tecnologias, tem havido uma sustentação e um aumento de leitores - ainda não a desejada por todos os que têm responsabilidades políticas, mas tem havido uma sustentabilidade do sector. Daqui se conclui que o público e os cidadãos portugueses têm manifestado interesse em fruir a criação dos seus criadores.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, nada justifica ou fundamenta a situação no cinema e no audiovisual, em Portugal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, em 2000 e 2001, o Conselho de Ministros da União Europeia, no qual o anterior governo tomava legitimamente parte, elaborou várias decisões sobre esta matéria. Vou citar uma delas, datada de 2001: "O objectivo da diversidade cultural…" - que todos aqui defendemos - "… pressupõe a existência de um tecido industrial necessário para satisfazer esse objectivo e justifica a natureza específica dos auxílios nacionais aos sectores cinematográfico e audiovisual, adaptados às circunstâncias específicas em causa;".
Noutra resolução, o mesmo Conselho da União Europeia determina que "os Estados-membros devem estabelecer complementaridades entre os meios financeiros provenientes da Comunidade, do sector privado, dos Estados-membros, das entidades locais e regionais, instrumentos bancários e financeiros".
Assim sendo, o que o anterior governo do Partido Socialista, defendeu na União Europeia não pode

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estar em contradição com o que defende nesta Assembleia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o Governo entendeu diversificar não só as formas de apoiar o sector mas também as formas de o financiar. E a lei é clara nesta matéria: existe um artigo que estabelece um conjunto de programas e de apoios que são da responsabilidade do Estado…

A Sr.ª Manuela Melo (PS): - Já sabemos!

O Orador: - … e existe apenas um artigo, um único artigo, que prevê a criação de um fundo de investimento. E, como todos sabem, há legislação própria que permite ao Estado, ao Governo, criar esse tipo de fundos de investimento.
Não é nesta sede, a não ser que cada vez que se legisle sobre determinada matéria se faça tábua rasa do quadro normativo vigente em Portugal, que se deve discutir o funcionamento do fundo.
Mas que fique claro que o fundo, assim como a sua constituição, obedece à lei em vigor, em relação à constituição de fundos de investimento e capital de risco dos quais o Estado faça parte. E também é claro que o que a lei estabelece em relação ao financiamento desse fundo determina que a maioria do capital é privado mas que o Estado tem uma palavra decisiva no que se refere à selecção dos projectos a apoiar, ao contrário do que foi feito pelo governo anterior. Isto porque, por exemplo, no caso da SIC Filmes, o anterior governo deteve uma minoria do capital, sendo todas as decisões tomadas por quem detinha a maioria do capital. Aí sim, o Estado canalizou, sem perguntar a quem quer que fosse, por acto notarial (nem sequer por acto legislativo), fundos públicos para uma empresa na qual era detentor de uma minoria do capital e não tinha, por isso, qualquer capacidade de decisão.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, isto não é o que este Governo propõe. O que este Governo propõe é a participação de todos os agentes interessados e de todos os intervenientes do sector.
É que todos são consensuais numa matéria: até ao presente, como os senhores têm conhecimento, os apoios ao sector são feitos de forma segmentada, sem ter em conta o resultado dos apoios atribuídos. Assim, apoia-se um argumento sem cuidar de saber se esse argumento é, mais tarde, realizado, produzido e exibido em salas. O argumento "fica na gaveta", como se costuma dizer, havendo investimento público desperdiçado e não havendo reconhecimento do valor da obra e do seu próprio criador. Apoia-se segmentariamente a produção, sem cuidar de saber qual é o circuito comercial e qual é a distribuição que lhe estará destinada. Apoia-se, depois, a distribuição e a exibição, com algumas taxas e alguns fundos definidos e afectos ao efeito, sem nunca se ter uma visão integrada e global de todo o sector.
O que esta lei propõe é que a análise dos projectos, contando, como já referiu o Sr. Ministro da Cultura, com a participação de todos os agentes intervenientes no sector, seja uma análise integrada e global de toda a obra, desde a fase do desenvolvimento, a escrita do argumento, até à produção, pós-produção, distribuição e exibição, de modo a haver o cuidado de saber que o investimento feito em determinada obra tem de dar os seus frutos…

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Secretário de Estado, o seu tempo terminou. Conclua, por favor.

O Orador: - … e tem de promover o acesso dos cidadãos à sua fruição.
Procurando esclarecer as questões colocadas quanto ao artigo relativo à exibição e à obrigação de exibição, também porque todos temos consciência de que um dos principais problemas do sector, em Portugal, é a falta de garantias de exibição e do acesso dos cidadãos às obras de criação nacional, a lei prevê o estabelecimento de uma garantia, de uma obrigação, de um número mínimo de obras apoiadas pelo Estado. Não é uma quota de distribuição, nem sequer uma screen quota, como admite o GATT; é uma garantia, uma obrigação imposta aos distribuidores e aos exibidores, para que os filmes nacionais sejam exibidos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 113/IX e do projecto de lei n.º 420/IX (PS).

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Vamos passar à apreciação da petição n.º 13/VII (1.ª) - Apresentada por Rogério Paulo Amoroso da Silva e outros, solicitando da Assembleia da República a produção de matéria legislativa que considere crime a exploração de crianças das mais variadíssimas formas incluindo a sua mão-de-obra.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Carmo Romão.

A Sr.ª Maria do Carmo Romão (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Através da petição n.º 13/VII (1.ª), vêm os peticionantes solicitar à Assembleia da República a adopção de um vasto conjunto de medidas de que se destaca a adopção de legislação tendente a criminalizar a exploração das crianças, incluindo a sua mão-de-obra, e a adopção de medidas preventivas que conduzam à melhoria das condições de vida dos trabalhadores, nomeadamente no que respeita ao combate à precariedade laboral, à garantia da segurança no emprego, à intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho e ao reforço da segurança social no apoio às famílias.
Cumpre, desde já referir que parte destas pretensões, volvidos que são mais de sete anos sobre a sua apresentação, já se encontra satisfeita. Com efeito, a regulamentação em torno do trabalho de menores tem vindo a registar, nos últimos anos, uma evolução que vai no sentido de acolher a proposta apresentada pelos peticionantes.
No que respeita especificamente à criminalização do trabalho de menores, o Código Penal já prevê, no seu artigo 152.º, a criminalização da utilização de mão-de-obra infantil nas suas formas mais graves e degradantes. Recentemente, o Código do Trabalho veio, no seu artigo 608.º, criminalizar a utilização do trabalho de menores fora do quadro legalmente permitido.
Neste contexto, considera-se, salvo melhor entendimento, satisfeita a pretensão dos peticionantes. Resta que a legislação seja aplicada e o seu cumprimento rigorosamente fiscalizado pela Inspecção-Geral do Trabalho.
Mas se relativamente à legislação sobre trabalho de menores tem havido uma evolução positiva, o mesmo não se poderá dizer relativamente à melhoria das condições de trabalho e à garantias sociais dos trabalhadores que, como de todos é sabido, têm vindo, com este Governo, a deteriorar-se progressivamente.
A aprovação do Código do Trabalho, que contém soluções que põem em crise a segurança no emprego e estimulam a precariedade no trabalho, a par de uma política social lesiva dos interesses dos cidadãos, de que se destaca o corte de direitos no âmbito do rendimento social de inserção, do subsídio de doença e, agora, como é anunciado, no regime de protecção no desemprego, tornam cada vez mais actual e oportuna a petição que se encontra em discussão.
Como é sabido, o Partido Socialista tem-se oposto frontalmente a estas medidas adoptadas pelo Governo, que, também no domínio do emprego e da protecção social, lesam os interesses e direitos dos cidadãos.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É hoje debatida a petição n.º 13/VII (1.ª), subscrita por 6000 cidadãos, sendo o primeiro Rogério Paulo Amoroso Silva, solicitando a produção de matéria legislativa que considere crime a exploração de crianças das mais variadíssimas formas, incluindo a sua mão-de-obra.
Importa sublinhar quão importante é a matéria e a atenção cuidada que esta problemática exige de todos nós.
Na verdade, o trabalho infantil significava, em 2000, uma preocupação a nível mundial, pelo facto de cerca de 211 milhões de crianças entre os 5 e os 14 anos exercerem uma actividade económica e, dessas, 8,4 milhões de crianças estarem envolvidas nas piores formas de trabalho e em trabalhos que, pela sua natureza, eram exercidos em condições susceptíveis de prejudicar gravemente a saúde, a segurança e o desenvolvimento moral da criança.
É sabido que este quadro a nível mundial teve a sua expressão em Portugal, sendo que, segundo a OIT, e em Maio de 2002, cerca de 63 000 crianças entre os 10 e 14 anos estavam empregadas.
Por isso, entendemos a justeza da petição que hoje apreciamos, apresentada nesta Assembleia da República já na VII Legislatura, com isso significando que a preocupação aí enunciada corresponde a um sentimento da própria sociedade e evidencia a necessidade de promover um combate eficaz, incluindo a produção de normas legais susceptíveis de punir de forma exemplar a utilização da mão-de-obra infantil.

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Desde logo, este objectivo encontra plena expressão na Lei Fundamental, onde o artigo 69.°, n.º 3, estabelece que "É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar".
Daí que tenhamos de realçar a importância da entrada em vigor do Código do Trabalho, que, visando a protecção dos jovens no trabalho, estabelece, nos artigos 53.° a 70.°, o trabalho de menores, assim concretizando aquele preceito constitucional.
No essencial, aquele diploma determina que, salvo em casos excepcionais, só podem ser admitidos a prestar trabalho os menores que tenham completado 16 anos, tenham concluído a escolaridade obrigatória e disponham de capacidades físicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho.
Mais: pela primeira vez se consagra na lei portuguesa que a participação de menores em espectáculos e outras actividades de natureza cultural, artística ou publicitária é objecto de regulamentação em legislação especial, estando presentemente em discussão na Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais a proposta de lei n.º 109/IX, onde se regula o respectivo regime.
E a utilização do trabalho do menor fora das referidas condições constitui, nos termos do artigo 608.° do Código do Trabalho, crime punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, sanção esta que pode ser elevada ao dobro se o menor não tiver completado a idade mínima de admissão ou não tiver concluído a escolaridade obrigatória.
Acresce referir que a criminalização do trabalho de menores constitui uma das mais importantes inovações introduzidas pelo Código do Trabalho e concretiza a essência do objecto da petição hoje em apreciação, que assim vê inteiramente materializada a sua pretensão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que o Partido Social-Democrata está ciente de que as preocupações trazidas no âmbito da petição que hoje discutimos foram objecto de análise cuidada e a matéria tratada com a profundidade que se exige.
Mais: estamos convictos de que, com a entrada em vigor do Código do Trabalho no passado dia 1 de Dezembro, foi dada uma resposta eficaz no combate ao trabalho infantil, em Portugal, com isso significando o respeito pelos mais elementares direitos da criança.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.

A Sr.ª Isabel Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pela petição n.º 13/VII (1.ª), os peticionantes sugerem a adopção de uma medida legislativa que tipifique como crime a exploração de crianças, designadamente a que decorre do aproveitamento e da exploração de crianças e da mão-de-obra infantil.
Paralelamente, pretendem igualmente os peticionantes que se adopte um conjunto de medidas preventivas que conduzam à melhoria das condições de vida dos trabalhadores, nomeadamente no plano social.
As medidas preventivas prendem-se com o combate à precariedade laboral, com a criação de empregos dignos, com o aumento do abono de família, com mais e melhor fiscalização da Inspecção-Geral do Trabalho e com uma intervenção mais eficaz da segurança social no apoio às famílias.
Ora, a presente petição data da VII Legislatura e, felizmente, hoje, a realidade é bem distinta da realidade de então.
Hoje, com o Governo que o CDS-PP integra, assistimos à implementação de várias medidas que visam dignificar e melhorar as condições laborais dos trabalhadores.
Efectivamente, já foram reforçados os montantes do abono de família e há um acréscimo bastante significativo de inspectores da Inspecção-Geral do Trabalho.
No que se refere às políticas de apoio à família, podemos afirmar com convicção que este Governo tem sido exemplar no modo como tem inovado nesta matéria, com políticas de discriminação positiva, apoiando a família.
Acresce ao exposto a lei de bases da família, iniciativa do CDS-PP, que se encontra para debate, na especialidade, na Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais. Este diploma cria as bases fundamentais e transversais a todas as áreas de actuação do Governo que o Estado deve prosseguir nas diversas políticas relacionadas com a família.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Podemos, assim, afirmar que as pretensões dos peticionantes estão desfasadas no tempo e a maior parte satisfeita.
Finalmente, gostaríamos de salientar que este Governo e os partidos que o apoiam assim que tomaram

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posse identificaram de imediato os problemas que sobre estas matérias ainda se encontram por solucionar e estão a envidar todos os seus esforços para resolvê-los de uma forma eficaz.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados Esta petição, já quase com oito anos, procedente da Interjovem/CGTP-IN teve, ao tempo, inegável utilidade porque ensejava um conjunto de transformações absolutamente necessárias na nossa ordem legal para combater e punir o aproveitamento do trabalho infantil, que verdadeiramente era um dos grandes flagelos e uma das imagens mais vergonhosas do governo do Professor Cavaco Silva, que, aliás, como se sabe, teve pleno curso para além das fronteiras portuguesas em reportagens de muitas das televisões internacionais.
Sete anos volvidos, o enquadramento legal existe, assim como a tipificação como crime.
Há, hoje, também uma larga área de consenso no enquadramento legal, quer aquela que já procedeu do anterior governo do Partido Socialista quer a que está agora contida no Código do Trabalho e também na regulamentação do Código do Trabalho, que é uma das raras áreas de consenso. Portanto, podemos dizer que, do ponto de vista do enquadramento legal, temos uma legislação absolutamente adequada e que satisfaz as expectativas dos peticionantes à época e, além disso, os direitos sociais e todos os que se têm batido por eles.
Já não poderemos partilhar é da despreocupação que é manifestada pelas bancadas da maioria em relação ao combate efectivo ao trabalho infantil. Isto porque se trata de uma chaga que tende sempre a aumentar quando há políticas sociais negativas, e elas têm acontecido por parte da maioria governamental, quer na proliferação da precariedade quer na desafectação de meios à Inspecção-Geral do Trabalho, mas, sobretudo, não nas redondas e ocas políticas de família que praticamente não têm medidas que sejam efectivas no quotidiano das pessoas e das famílias, mas, sim, nos cortes na acção social escolar e na capacidade de apoiar os jovens, para que não haja abandono precoce da escola, para que possa haver uma competição positiva entre o que recebem na escola e o que a família espera que, de uma forma ou de outra, venha a ser recebido para combater dificuldades económicas, de desemprego, inadequações e disrupções em muitas das famílias, que é a origem da cedência à exploração do trabalho infantil.
Portanto, quando há políticas sociais negativas, quando elas se reflectem também no meio escolar, na exiguidade da acção social escolar, na precariedade dos planos de combate ao abandono escolar precoce, é evidente que o número que nos é referido, isto é cerca 50 000 crianças e jovens menores de 16 anos que estarão a trabalhar ilegalmente - e que vários especialistas consideram ser uma estimativa obtida muito por defeito -, continua a envergonhar Portugal e os direitos sociais e só pode ser obtida a reversão dessa situação através de uma política social positiva.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pese embora o tempo decorrido desde a apresentação da petição - e durante esse tempo registaram-se, a nível internacional, acontecimentos importantes como a marcha das crianças contra a pobreza -, a verdade é que, precisamente no ano em que Abril faz 30 anos, esta petição adquire uma pungente actualidade. Explicarei porquê, sem, no entanto, deixar de referir que, no que diz respeito à criminalização da exploração de trabalho infantil, deverá ficar claro neste debate (como já ficou aquando da discussão do Código do Trabalho) que o Código Penal, nomeadamente desde a sua última reforma, já criminalizava, no artigo 152.º, a exploração do trabalho infantil e punia com uma pena bastante superior (de 1 a 5 anos!) àquela que se prevê actualmente no artigo 608.º do Código do Trabalho.
Portanto, o actual Governo reduziu a pena aplicável ao crime de exploração de trabalho infantil.
Confrontada com isto, a maioria veio, à pressa, introduzir uma norma no artigo 21.º do diploma preambular, norma que é inconstitucional e que não terá qualquer aplicação, dizendo que, nos casos em que já exista norma que puna mais gravemente será essa a norma aplicável. Isto não tem pés nem cabeça, como o demonstrámos, porque em Direito Penal a regra é a de que quando uma lei nova diminui a pena é ela que se aplica, mesmo em relação aos crimes anteriores.
Esclareço esta questão porque penso que deve ser realçada e até porque o Sr. Deputado Francisco Martins omitiu esta referência ao Código Penal e esta "cambalhota" que a maioria deu no artigo 21.º do decreto preambular.
Reafirmarei, a terminar, que esta petição readquire uma pungente actualidade precisamente porque pelo menos duas das condições que os peticionantes entendem ser necessárias - e nós também - para

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combater o trabalho infantil, que são o combate à precariedade laboral e a criação de empregos seguros e dignos, são neste momento as grandes reivindicações.
Há instabilidade no emprego, há insegurança, há empresas que encerram, há um aumento da precariedade laboral, há um desinvestimento na produção industrial, conforme o provam os índices do Instituto Nacional de Estatística de Fevereiro deste ano… E tudo isto é um caldo propício para a exploração do trabalho infantil.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Agradeço-lhe que termine.

A Oradora: - Continuaremos a denunciar situações como as que vêm ocorrendo e que têm tradução na alta taxa de insucesso e de abandono escolar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta petição, que hoje estamos a discutir, independentemente de ter chegado ao nosso poder há alguns anos, encerra uma questão da maior oportunidade política. E é-o porque ela, hoje como no passado, continua a confrontar os cidadãos, desde logo o Parlamento, com um problema social gravíssimo, que, como foi referido pelo Sr. Deputado Francisco Martins, existe à escala planetária, mas que é da maior gravidade também no nosso país.
Independentemente de o Texto Constitucional proibir a possibilidade de exploração de crianças das mais variadíssimas formas, a verdade é que, ao longo do tempo, múltiplos têm sido os momentos em que houve necessidade de encontrar formas adicionais de dar resposta a um problema que nos confronta com a própria violação de direitos humanos, com a enorme desigualdade no nosso país, com a exclusão e com a pobreza. Exclusão e pobreza que, no caso das crianças, são particularmente penalizadoras e que não são seguramente alheias ao facto de termos uma elevadíssima percentagem de abandono escolar.
A exploração do trabalho infantil não é, como alguns pretendem, só um problema cultural; é um problema social, que revela uma parte que demasiadas vezes, com indiferença, é esquecida por quem tem responsabilidades executivas. Esta realidade é uma enorme e insultuosa injustiça na repartição dos recursos no nosso país e tem a ver com a enorme injustiça fiscal, com a insegurança no plano laboral, com a precariedade, que, aliás, a actual maioria se encarregou de agravar em termos daquilo com que, no futuro próximo, muitas e muitas famílias se vão confrontar: instabilidade, trabalho a termo, ou seja, a impossibilidade de os cidadãos poderem planear a sua vida com um mínimo de segurança e de tranquilidade e de poderem ter condições para assegurar para si e para os seus filhos a corporização de direitos essenciais.
Por isso, diria, em conclusão, que esta petição, embora tendo sido apresentada na VII Legislatura, continua e lamentavelmente, tantos anos depois, a ser o sinal do falhanço de Portugal em conseguir um objectivo essencial numa sociedade democrática: a justiça social.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos passar agora à apreciação da petição n.º 127/VII (3.ª) - Apresentada pela Associação para o Progresso da Amora, solicitando à Assembleia da República a criação do município da Amora.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, saudar os amorenses presentes nas galerias do público do Hemiciclo e nesta saudação incluir todos os cidadãos da minha freguesia e todos os munícipes do meu concelho.
Nos últimos anos, as pretensões legítimas das populações para a criação de novos concelhos têm vindo a aumentar de uma forma significativa.
Estas pretensões surgem normalmente por razões de falta de investimento que as populações sentem nas suas freguesias em detrimento de outras áreas dos concelhos onde estas se integram.
A Amora não foge à regra; a falta de equipamentos, nomeadamente um mercado municipal em condições, a degradação do núcleo urbano antigo da Amora, as obras paradas no Parque do Serrado desde o último sábado anterior às eleições autárquicas de 2001 são apenas alguns dos exemplos concretos da falta de investimento do município na freguesia da Amora.
Só que o problema actual é muito maior no concelho: o investimento municipal desceu cerca de 80%, de 2002 para 2003, e as despesas de pessoal, em 2003, representaram mais de 50% da despesa total da

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Câmara Municipal.
Ao fim de quase três décadas de poder local após o 25 de Abril, a Câmara Municipal conseguiu atingir o feito de ter uma capacidade de investimento neste momento igual a zero.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Devo aqui referir que uma pretensão antiga da população de Amora foi agora aprovada por este Governo de maioria PSD/CDS-PP.
Esta maioria, empenhada em ir ao encontro dos legítimos anseios da população, através do Ministério da Administração Interna, homologou recentemente a Associação de Bombeiros Voluntários de Amora.
O PS pode falar, mas quando pôde não fez. De facto, quem assume, quem decide é este Governo. A Associação de Bombeiros Voluntários de Amora e o seu corpo de bombeiros vão ser uma realidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição n.º 127/VII, entregue na Assembleia da República pela Associação para o Progresso da Amora em 1998, subscrita por 6674 cidadãos eleitores, sendo eu um deles, solicitava a criação do concelho de Amora, incluindo a criação de novas freguesias.
Deve referir-se que esta petição é a única que se coadunava com o projecto de lei n.º 480/VII, da iniciativa do PSD, que cumpria todos os requisitos legais. No entanto, os órgãos municipais manifestaram-se contra esta pretensão dando os seus pareceres desfavoráveis.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entretanto, esta nova maioria parlamentar decidiu apostar na descentralização. Para isso, está em curso a criação das novas áreas metropolitanas e das comunidades urbanas, reagrupando municípios, encontrando desta forma um outro nível de administração do território. Esta é uma reforma que ainda não está concluída, mas que está em franco desenvolvimento.
Por outro lado, no que respeita à criação de novos municípios, a mensagem do Sr. Presidente da República enviada a este Parlamento em Julho de 2003 é muito clara: o Sr. Dr. Jorge Sampaio sugere que a Assembleia da República deve estudar e aprofundar o actual recorte territorial do sistema municipal por forma a encontrar uma visão clara e fundamentada sobre como proceder para lograr uma efectiva racionalização desse mesmo sistema.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PSD ponderará, oportunamente, após a consolidação da nova reorganização territorial e após um debate profundo sobre o sistema municipal, considerar as pretensões da criação de novos municípios em Portugal, num quadro de maior racionalização de meios e melhor aplicação de recursos.
A população de Amora e do Seixal têm já, em 2005, uma oportunidade de mudança.
Este, sim, será o grande desafio para todos nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sob a promoção da Associação para o Progresso de Amora, perto de 7000 pessoas pugnam pela criação do município de Amora, com base nas freguesias de Cruz de Pau, Foros de Amora, Miratejo, Nossa Senhora de Monte Sião, Vale de Milhaços e Corroios.
A avaliação que o Grupo Parlamentar do CDS-PP faz sobre a pretensão ora em análise, o juízo que fazemos quanto à valia dos fundamentos que invocam e a própria razoabilidade da mesma estão vertidos no projecto de lei que oportunamente apresentámos, na VII Legislatura, e a que foi atribuído o n.º 466.
Aí, evocámos a história da Amora, fizemos a sua caracterização geográfica, demográfica, económica e social e concluímos, como se de um silogismo se tratasse, com a proposta de criação do concelho de Amora, embora com uma circunscrição territorial diferente, mais reduzida do que aquela que é agora proposta pela Associação para o Progresso da Amora, bem cientes de que, na esteira de ilustres pensadores como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, o municipalismo é uma forma de enraizar e vivificar a democracia, de desenvolver harmoniosamente o País.
Daí, talvez, o envolvimento de um tão vasto número de pessoas a quem cumprimento - e faço-o com particular gosto em relação aos que aqui se encontram presentes.
Não obstante - e o Grupo Parlamentar do CDS-PP tem-no feito de forma sistemática, com coerência e também com alguma coragem, diga-se -, é necessário repensar o quadro geral de criação de municípios e a respectiva divisão administrativa.
Com efeito, há, por um lado, municípios sem dimensão territorial bastante para os viabilizar com a desejada consistência - é preciso dizê-lo claramente; por outro, há freguesias como a Amora e Corroios, por exemplo, que, em conjunto, possuem mais de 100 000 habitantes e que legitimariam, sob este aspecto, a criação do município.
Em síntese, diria que estamos solidários com as reivindicações contidas na petição, mas, não obstante, entendemos que a questão do ordenamento do território concelhio é bem mais complexa e não pode

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deixar de merecer um tratamento mais completo e global.
Não podemos apenas tratar as reformas politicamente simpáticas e deixar as que são ingratas para depois. Não podemos tratar incidentalmente os problemas. Temos de pensar e resolvê-los globalmente. Não mudámos de opinião, mas reconhecemos a necessidade de um juízo sistematizado e, sobretudo, a necessidade de construir um modelo inovador e ousado para as autarquias de que fala o Sr. Primeiro-Ministro. Têm sido também nesse sentido as palavras do Sr. Presidente da República. É essa a responsabilidade que temos de assumir e que nós, no CDS-PP, assumiremos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta petição, que transporta a pretensão de a Amora se constituir como município, vem encalhar num problema que é de todos nós bem conhecido e que é o facto de a criação de novos municípios estar mais ou menos bloqueada nesta Câmara política e legislativa.
Independentemente do cumprimento ou não da Lei-Quadro de Criação de Municípios e seus critérios objectivos, a Assembleia da República procedeu a alterações nessa Lei-Quadro que acabaram por não ter seguimento, o Sr. Presidente da República opôs-se a essas alterações, e temos até a situação realmente singular de termos votado, na generalidade, a criação de novos municípios e de esse processo estar "na gaveta" em sede de Comissão por impedimento global do processo, por sugestão e oposição do Sr. Presidente da República.
A questão que aqui se coloca, portanto, não é talvez a de desenvolvermos algumas frases acerca da necessidade de um juízo mais sistematizado sobre a criação de municípios; a questão que se coloca é diferente, e o CDS-PP e o PSD poderiam dar algumas explicações à Assembleia da República sobre esta matéria, uma vez que, há cerca de um ano, assumiram a responsabilidade de elaboração do livro branco sobre a análise dos municípios, das suas fronteiras e daquilo que devem ser os constitutivos necessários de cada município.
Como na altura se disse, uma reorganização administrativa dos municípios levará eventualmente à extinção de alguns municípios, à fusão de outros e à criação de novos municípios, sendo que já passou um ano e não há comissão nomeada, não se conhece qualquer esforço do Ministério da Administração Interna nesse domínio, nem se conhece aqui, na Assembleia da República e em sede da comissão competente, qualquer esforço, particularmente dos partidos que podem desencadear este processo, sendo que, até agora, têm os mesmos estado absolutamente impávidos e serenos, deixando tudo tal e qual como estava!
É por isso que é preciso não faltar à verdade aos peticionantes da Amora, ou de Samora Correia ou de Esmoriz, ou onde quer que seja, porque, na verdade, está tudo parado! Está tudo parado no Governo e está tudo paralisado também na Assembleia da República. Há uma vontade política da maioria e essa vontade política da maioria é exactamente a de nada fazer e deixar tudo como está.
Neste contexto, discutir o mérito da iniciativa da Amora ou de qualquer outra é um pouco difícil porque, na realidade, tudo está bloqueado e não há condições para fazer essa iniciativa avançar. O mérito que este debate pode ter é exactamente o de exortar a maioria para que assuma a responsabilidade e tenha a coragem de enfrentar interesses estabelecidos, por forma a que haja um reordenamento municipal.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo obviamente por saudar os munícipes do concelho do Seixal, particularmente os da zona da Amora, na presença da Sr.ª Presidente da Associação para o Progresso da Amora, primeira peticionária da iniciativa sobre a qual o Plenário é hoje chamado a pronunciar-se.
Gostaria de começar por um ponto prévio, que é o seguinte: é para nós óbvio que o mérito desta petição que aqui estamos a discutir é de todo defensável. O que não é possível discutir-se é com a demagogia que a direita deste Parlamento nos traz aqui.
Quando se sabe que a maioria tem bloqueado, ao longo dos tempos, nesta Assembleia da República, o processo de reorganização do próprio território (mesmo a nível local o PSD tem estado contra a criação do concelho da Amora), é para nós óbvio que as intervenções que aqui foram feitas foram de uma enorme demagogia, um exercício para fazer sentir os amorenses bem, na pele de quem aqui falou.

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Com isto quero, portanto, demonstrar o nosso apreço pelo trabalho que a Associação para o Progresso da Amora e as forças vivas da Amora têm vindo realizar ao longo dos anos na luta pela criação do concelho da Amora. Mas é importante termos em conta, também, que a criação de novos municípios depende, em primeiro lugar, daquilo que deve ser a vontade expressa das populações, que aqui é manifesta; em segundo lugar, do crescimento demográfico, que tem ocorrido nesta localidade; e, em terceiro lugar, do reordenamento urbano do território em questão.
Por isso mesmo somos sensíveis às justas aspirações dos peticionários, não descurando o facto de a Amora ter crescido bastante nos últimos tempos, factor esse que tem de ser e deve ser registado, uma vez que a dimensão populacional do lado de cá da Baía do Seixal é manifestamente maior. Estamos a falar de cerca de 60 000 eleitores nesta zona.
Por último, gostaria de dizer que nos empenharemos, tal como no passado e sem demagogias, para que as justas aspirações do povo da Amora se concretizem, assim que estejam reunidos os requisitos nesta matéria e assim que a maioria possa desbloquear este processo.
Quero ainda salientar que se deve atentar - e bem, e ainda bem que foram aqui reforçadas e relembradas - nas palavras do Sr. Presidente da República sobre esta matéria. É preciso um estudo claro e é preciso que a Assembleia da República tenha a coragem de discutir uma séria reorganização do ordenamento do território.
De facto, esta questão tem de ser ponderada - e a Amora não é excepção, ainda que haja o mérito na apresentação desta petição - sem demagogias, com critérios objectivos no que concerne às regras específicas, para que o concelho da Amora venha a ser uma realidade, desde que estejam preenchidos os requisitos legais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 127/VII (3.ª) deu entrada na Assembleia há cerca de seis anos, o que suscita mais uma vez, entre nós, a questão do prazo razoável da apreciação de petições pelo Parlamento, ou seja, da necessidade de ir mais longe na tomada de medidas que promovam a celeridade na condução destes processos por forma a evitar situações como esta, em que uma petição entra na Assembleia da República na VII Legislatura, atravessa a VIII Legislatura só sendo discutida a meio da IX Legislatura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero começar por saudar a população da Amora e do concelho do Seixal presente neste Plenário, sendo que esta petição, no concreto, solicita à Assembleia da República uma reivindicação assumida há vários anos pelo movimento que lançou esta iniciativa da criação do concelho da Amora.
Como se sabe, foram apresentados no passado diversos projectos de lei propondo a criação de novos municípios, entre os quais se encontrava a proposta em apreço, mas verificamos que a maioria desses diplomas não chegou sequer ao processo de votação. Na verdade, alguns foram retirados, já que não preenchiam os requisitos legais exigidos, nomeadamente por merecerem, como foi afirmado, o parecer negativo das autarquias locais, como sucedeu neste caso com a Assembleia de Freguesia da Amora, com a Câmara Municipal e com a Assembleia Municipal do Seixal.
Quanto à discussão sobre a criação de novos municípios, mantemos o entendimento, que sempre assumimos, de que qualquer política neste domínio, com um mínimo de responsabilidade, exige uma abordagem sistematizada e não casuística, integrada e não parcelar, sustentada numa autêntica estratégia de desenvolvimento regional e ordenamento do território e não orientada para objectivos tácticos de vária ordem.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, acompanhámos o sentido crítico e as preocupações que conduziram ao veto do Sr. Presidente da República, às alterações votadas pela maioria da lei-quadro de criação de novos municípios, e pensamos que o peso político desse veto não pode ser negligenciado.
Estamos num impasse completo no que diz respeito a esta discussão, sendo, pois, fundamental avançar.
Continuamos a defender a posição que nesta matéria assumimos há muito tempo: é urgente uma estratégia de desenvolvimento sustentável, equilibrado e solidário, que determine a política de ordenamento do território, com tudo o que isto implica em matéria, designadamente, de divisão administrativa e de concelhos. Enquanto não for adoptada essa estratégia, esse estudo, essa discussão

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nacional indispensável e interdisciplinar, continuará a não haver condições políticas para criar novos concelhos.
Neste caso específico, há um aspecto que consideramos fundamental, indispensável e urgente, isto é, que as opções políticas de sucessivos governos, e deste em particular, deixem de penalizar, de uma forma geral, as populações da Amora, mas também todo o concelho do Seixal, a Margem Sul do Tejo e todo o distrito de Setúbal, e que haja uma nova política que promova e concretize iniciativas estruturantes para a qualidade de vida destas populações, de forma a inverter a linha de desinvestimento do poder central neste concelho.
O que o Sr. Deputado Luís Rodrigues, que continua a não conseguir sair da lógica de assembleia de freguesia, omitiu é que há projectos fundamentais que continuam a ser negados aos amorenses e a todo o concelho do Seixal. É o caso do hospital do Seixal, que é fundamental para as populações, o da Amora também; é o caso da estrada regional n.º 10, que este Governo bloqueou a partir de Corroios, impedindo a sua ligação ao Barreiro; é o caso da segunda fase do Metro Sul do Tejo, em relação ao qual é preciso tomar medidas para o seu avanço.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há todo um conjunto de medidas relativamente às quais, para além da questão administrativa, é preciso avançar, com vista a defender a qualidade de vida e o desenvolvimento das populações da Amora e de toda aquela região.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sr. Luís Rodrigues. Lembro que o tempo de que dispõe é muito escasso, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, a Sr.ª Deputada não me dá, com certeza, lições sobre o Seixal e sobre a Amora!
Quero dizer-lhe também que penso que quem, de facto, está a impedir qualquer avanço nesta matéria poderá ser, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Jorge Coelho, Presidente da Comissão do Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente e membro do Partido Socialista, e também o Presidente da Subcomissão de Criação de Novos Municípios, Freguesias, Vilas e Cidades, o Sr. Deputado António Galamba, também do Partido Socialista.
Por outro lado, quero dizer-lhe que não percebo por que é que o Partido Socialista entregou um processo para criação do concelho e, depois, já nesta Legislatura, retirou-o. Porquê?!
Não vale a pena fazer demagogia barata neste Hemiciclo!

O Sr. Presidente: - O tempo de que dispunha esgotou-se, Sr. Deputado.

O Orador: - Por fim, Sr. Deputado Bruno Dias, quanto à questão do investimento, também já referi o que se passa no concelho do Seixal.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há matérias que não suscitam nem podem suscitar tanto nervosismo, sob pena de continuarmos mais não sei quantos anos nesta Câmara a discutir matérias desta natureza e deste melindre.
Por isso, Sr. Deputado Luís Rodrigues, apenas lhe quero dizer o seguinte: é óbvio que não podemos tratar esta matéria com a demagogia com que o Sr. Deputado aqui a tratou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

A Oradora: - O contributo que o PSD deu para a criação do concelho da Amora, fazendo jus àquelas que são as justas aspirações dessa população e dos peticionantes, que aqui hoje estamos a analisar, foi, tão-só, propor a criação de mais quatro freguesias no concelho. Portanto, se é para falar seriamente, façamo-lo, agora não vale a pena é dizer que a culpa é deste ou daquele. O que é preciso é assumir com clareza, com ponderação, mas sobretudo com seriedade, e não pretender dar lições sobre o concelho do Seixal ou sobre o distrito.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Quem fez o projecto de lei fui eu! Fui eu que o subscrevi! A Sr.ª Deputada não conhece o processo!

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Rodrigues, a Sr.ª Deputada ainda está no uso da palavra.

A Oradora: - As minhas palavras são apenas e tão-só um contributo para a seriedade na discussão política nesta Câmara para que o prestígio da Assembleia da República continue a ser exemplar.
Termino, Sr. Presidente, pedindo-lhe também que as petições não demorem tanto tempo a chegar a Plenário para discussão, apesar do contributo que V. Ex.ª tem dado, nos últimos tempos, para que tal não se verifique.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe que lhe diga mas devo endereçar este seu reparo às duas magistraturas anteriores.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Às do PS!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 158/VII (4.ª) - Apresentada por Franklin Veloso Fernandes Torres e outros, solicitando a adopção de medidas pelo Governo para a rentabilização das pontencialidades do Hospital Conde de Ferreira tendo em vista a conversão do mesmo num grande centro de prevenção, tratamento, ensino e investigação na área da saúde mental.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Renato Sampaio.

O Sr. Renato Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Hospital Conde de Ferreira é hoje uma referência no Norte e no País no tratamento de doentes do foro mental. Este hospital foi doado pelo Conde de Ferreira à Misericórdia do Porto com o ónus de aí permanecer permanentemente um hospital psiquiátrico.
A sua gestão foi integrada no Serviço Nacional de Saúde, até que o ex-Ministro Paulo Mendo decidiu devolvê-lo definitivamente à Misericórdia do Porto, com o estabelecimento de um protocolo que salvaguardava os doentes crónicos aí residentes.
Assim sendo, esta petição tem a preocupação de saber se este protocolo está ou não a ser cumprido e como objectivo a salvaguarda de um estabelecimento de saúde mental tão importante para a região e para o Porto.
Portanto, o que queremos saber - e o Governo é que nos devia responder - é se este protocolo de salvaguarda dos doentes aí residentes há mais de 30 anos está ou não a ser cumprido.
Também sabemos que hoje, por exemplo, a Misericórdia deixou de prestar muitos dos serviços a doentes aí instalados e estabeleceu com a Câmara Municipal do Porto um protocolo para resolver o projecto falhado dos arrumadores da cidade.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que queremos é que o Governo nos diga a nós e também aos peticionantes se o protocolo e o objecto da criação daquela unidade hospitalar está a ser cumprido quer por parte da Misericórdia quer por parte da Administração Regional de Saúde do Norte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pavão.

O Sr. José Manuel Pavão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, antes de mais, registar o facto de esta petição ser subscrita por um elevado número de cidadãos, facto que, a meu ver, é positivo e é testemunho do interesse e empenho na defesa dos seus hospitais demonstrado pelos cidadãos de uma comunidade.
Quero também registar o facto de, quando, no século passado, o benemérito Conde de Ferreira mandou construir este hospital destinado a alienados e a doentes mentais, naturalmente para sufragar a consciência e por dever de solidariedade, a psiquiatria dar os primeiros passos de um corajoso percurso, porque pouco mais era do que a psicopatologia, uma indicação dos fenómenos e dos episódios da doença psíquica. Nessa altura, estávamos ainda muito longe da definição de saúde mental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante muitos anos, este velho hospital marcou a história do percurso psiquiátrico, cumpriu a sua missão de acolher com humanidade, de tratar com sabedoria e de

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devolver com responsabilidade à família e à sociedade aqueles que antes haviam sido vítimas da saúde mental e psíquica.
Entretanto, atrás dos tempos, tempos vêm, e com eles vêm também novos rumos, e o Hospital Conde de Ferreira não ficou imune aos novos rumos, sofrendo as suas consequências.
Propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto, o hospital passou a ser gerido pelo Estado em Dezembro de 1974, adquirindo, por imposição da legislação, a natureza de pessoa colectiva de direito público, tendo sido, mais tarde, estabelecidas as suas próprias competências.
Entretanto, e ainda na anterior legislatura, foi elaborado um novo protocolo entre as mesmas entidades - Santa Casa da Misericórdia do Porto e Administração Regional de Saúde do Norte -, onde foram ajustados os termos em que se garantia e procedia à assistência dos doentes crónicos do Hospital Conde de Ferreira após a sua devolução à Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Neste contexto, foram igualmente acauteladas as situações dos profissionais de saúde do extinto hospital, através de um competente diploma que afectou o pessoal aos diferentes estabelecimentos da região, de acordo com as preferências de cada um e as necessidades dos serviços. Também foi salvaguardada a permanência dos doentes crónicos no mesmo local, não comprometendo, assim, nem a continuidade, nem a qualidade assistencial devida a estes doentes.
Uma vez devolvido aos seus legítimos proprietários, o Hospital Conde de Ferreira, que continua enquadrado nas unidades de saúde da região Norte, pode, efectivamente, contribuir não apenas como uma mera alternativa mas também para o aumento das capacidades do Serviço Nacional de Saúde.
Fica, assim, bem visível e demonstrado que o objecto fundamental que esta petição pretendia alcançar foi respeitado, perdendo, assim, oportunidade as propostas apresentadas, já que, felizmente, foram assegurados por este Governo os direitos e os deveres das partes, e os tempos actuais, pela sua serenidade, são testemunho dos êxitos das decisões aqui tomadas e assumidas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Veiga.

O Sr. Paulo Veiga (CDS-PP): - Ex.mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vêm a esta Câmara os peticionantes exercer o direito de petição, com o objectivo de incentivar o Governo para a adopção de medidas para a rentabilização das potencialidades do Hospital Conde de Ferreira tendo em vista a conversão do mesmo num grande centro de prevenção, tratamento, ensino e investigação na área da saúde mental.
Em 1998, através do Decreto-Lei n.º 131/98, de 13 de Maio, foi determinada a extinção deste hospital enquanto pessoa colectiva de direito público, com a devolução das respectivas instalações à Santa Casa da Misericórdia do Porto e a transição das responsabilidades assistenciais àquele cometidas para outros estabelecimentos hospitalares e serviços de saúde situados na Subregião de Saúde do Porto. De acordo com este diploma, a Santa Casa da Misericórdia do Porto deveria receber este hospital devoluto, o que, de facto, aconteceu em 2002.
Sr.as e Srs. Deputados: Podemos afirmar que o Hospital Conde de Ferreira, hoje Centro Hospitalar Conde de Ferreira, não só não fechou as portas como lhe foi imprimida uma vitalidade e um dinamismo que garantem uma melhoria substancial da suas instalações, como também um alargamento das suas actividades.
Assim que a Santa Casa da Misericórdia do Porto tomou posse deste centro hospitalar envidou esforços para o modernizar e alargar as suas actividades. Herdou uma unidade residencial com cerca de 300 doentes e decidiu manter o núcleo de psiquiatria como a actividade central deste hospital. Foram criadas novas unidades, como a unidade de perturbações aditivas para tratar problemas derivados de álcool e drogas, e também uma unidade de psiquiatria forense, uma unidade de cuidados continuados e está em construção uma unidade de hemodiálise.
Paralelamente à criação destas novas unidades, que testemunham a vitalidade deste centro hospitalar, foi adjudicada a beneficiação total e integral das suas instalações. Ou seja, os rumores que anunciavam o encerramento deste hospital à época são hoje insustentados.
A Santa Casa da Misericórdia, assim como a administração do hospital, entende que o bom serviço de saúde mental depende da investigação científica que faça surgir novas terapias e melhores técnicas de tratamento dos doentes. Deste modo, celebrou um protocolo de colaboração com a Faculdade de Medicina e com a Faculdade de Psiquiatria da Universidade do Porto, que foi assinado em 2003 e que resultou numa unidade de investigação e estudo das doenças mentais.
Sr.as e Srs. Deputados: Podemos afirmar que o espírito e a vontade do Conde de Ferreira, ao criar este hospital em 1883, vai prosseguir e que o papel desempenhado, no passado, em matéria de saúde mental vai ser reforçado para que as gerações vindouras possam ser servidas cada vez com mais qualidade.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tempo que esta petição demorou até chegar aqui para discussão faz com que alguns dos itens que nela constam não tenham sido completamente ultrapassados pelo tempo mas mais por alguns factos concretos.
Eu diria que, ouvindo aqui a maioria, de facto, não haveria qualquer razão para esta preocupação quanto à questão da transformação do Hospital Conde de Ferreira num centro de prevenção, tratamento, ensino e investigação na área da saúde mental, porque esse objectivo foi conseguido com a devolução à Misericórdia.
Gostaria de perguntar - e é pena não estar aqui ninguém do Governo - algumas coisas mais concretas sobre esse modelo de saúde mental, sobre um modelo de saúde mental que se pretende implementar, em particular à volta deste hospital, e também sobre esse acordo celebrado com a Câmara Municipal do Porto, o chamado Porto Feliz, de tratamento dos toxicodependentes nas instalações do antigo Hospital Conde de Ferreira. Infelizmente, não está aqui ninguém do Governo que possa responder a isto.
Do nosso ponto de vista, talvez esse modelo, um pouco antigo, de unidades hospitalares inteiramente vocacionadas para a psiquiatria não seja o mais adequado nos tempos de hoje.
Contudo, havia uma preocupação dos peticionantes, que era perfeitamente legítima na altura, não só com o processo de devolução à Misericórdia mas, sobretudo, com a situação dos doentes crónicos que estavam no Hospital Conde de Ferreira.
Mas, ao que se sabe hoje, os doentes agudos que estavam nessa altura internados foram progressivamente passando para o Hospital Magalhães Lemos e em relação aos doentes crónicos residentes, ao abrigo do acordo com a ARS, terão permanecido ou no Hospital Conde de Ferreira ou noutras residências. Era absolutamente fundamental que se soubesse exactamente que seguimento é que está a ser feito destes doentes e que garantias foram dadas na altura às preocupações legítimas das famílias em relação à situação destes doentes. Mas, mais uma vez, para responder a isto o Governo não está presente.
De qualquer modo, parece-nos que talvez se possam tirar também deste processo ilações para o futuro sobre o que acontece quando algumas destas decisões são tomadas de forma um pouco precipitada e dão origem a processos complicados e desajeitados.
Julgo que neste caso concreto foi o grande empenhamento dos trabalhadores do Hospital Conde de Ferreira, de uma forma geral, e das famílias dos doentes que, apesar de tudo, permitiu encontrar a solução a que se chegou para esses doentes crónicos e também para a situação dos trabalhadores, mas tudo isso poderia, eventualmente, ter sido evitado se o processo tivesse sido menos desajeitado. Mas talvez possamos retirar daqui algumas lições para o futuro.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero chamar novamente a atenção para o facto de, em anteriores legislaturas, esta petição ter tido demora na sua apreciação, o que só é possível hoje.
É evidente que o processo de entrega do Hospital Conde de Ferreira à Misericórdia do Porto foi, em muitos momentos, mal conduzido, tendo sofrido várias vicissitudes, incluindo as ligadas às vicissitudes próprias da Administração Regional de Saúde do Norte nos anteriores governos, e que, na altura, se levantaram, justamente como esta petição faz, problemas relacionados com o acompanhamento e o atendimento adequado de doentes crónicos e também de outros. Nós próprios, na altura, levantámos, através de requerimentos, alguns problemas relacionados com a situação dos trabalhadores e com a garantia dos seus direitos no encerramento desta unidade hospitalar.
Deve dizer-se que é um pouco estranho que se, na altura, todos, designadamente o PS e o PSD, cujos governos tiveram responsabilidades neste processo, diziam que se ia encerrar o Hospital Conde de Ferreira porque era mais ajustado concentrar os esforços no Hospital Magalhães Lemos, digam agora que, afinal, vão ser recuperadas no Hospital Conde de Ferreira, entregue à Misericórdia do Porto, as valências que, na altura, não quiseram manter, quando era uma unidade pública. Há aqui algo que não joga bem.

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No entanto, continuamos a ter enormes carências a nível de saúde mental no nosso país e há da parte deste Governo uma quase completa ausência de atenção às questões da saúde mental, que são importantíssimas e têm um impacto decisivo na nossa população, o que se reflecte também na situação que continua a viver-se nesta unidade.
Seria desejável, como aqui já foi dito por outros Srs. Deputados, que obtivéssemos informação mais acertada e precisa sobre o modo como está a ser aplicado o protocolo assinado e sobre o modo como estão a ser salvaguardados os direitos destes doentes e o acompanhamento das suas famílias, porque essa é a questão fundamental que resta resolver em relação ao Hospital Conde de Ferreira.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, declaro encerrada a apreciação da petição n.º 158/VII (4.ª).
Srs. Deputados, na próxima segunda-feira, o Grupo Parlamentar do PCP realiza as suas jornadas parlamentares. Desejo-lhes bom sucesso nesses trabalhos.
Ao Partido Ecologista Os Verdes, que também tem marcadas jornadas parlamentares para as próximas segunda e terça-feiras, também lhes desejo bom sucesso nesses trabalhos.
Gostava de prevenir a Câmara que, por razões várias, não foi possível desmarcar uma audição, promovida pela Comissão de Economia e Finanças, que vai realizar-se na próxima terça-feira. De facto, já havia compromissos assumidos, convites feitos e despesas realizadas. Espero que o Grupo Parlamentar Os Verdes compreenda essa situação. Conto também com a compreensão de Os Verdes relativamente à visita da Comissão de Defesa Nacional à base aérea de Tancos para a qual havia igualmente compromissos já assumidos, pelo que não foi possível desmarcá-la. Aliás, julgo que estas situações podem, de alguma forma, enquadrar-se, embora o princípio seja o de, quando algum grupo parlamentar tiver jornadas parlamentares ou congressos, as actividades parlamentares serem suspensas.
Informo, ainda, que na próxima quarta-feira, de manhã, haverá reuniões de comissões e que a sessão plenária tem início, nesse dia, às 15 horas, com a discussão do projecto de resolução n.º 242/IX.
Alguns membros do Parlamento têm assinalado que o Boletim Informativo não faz referência às ordens do dia previstas para quinta e sexta-feiras próximas. Não se trata de nenhum segredo de polichinelo: é que está a ser feito um esforço no sentido de que nesses dias nos dediquemos à revisão constitucional de modo a podermos concluí-la antes dos 30 anos do 25 de Abril. Vi com satisfação que esta tarde está convocada a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e faço votos para que esses trabalhos sejam coroados de sucesso.
Srs. Deputados, a todos desejo um bom fim-de-semana.
Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
Arménio dos Santos
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Fernando António Esteves Charrua
João Manuel Moura Rodrigues
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Luís Filipe Soromenho Gomes
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria Isilda Viscata Lourenço de Oliveira Pegado
Mário Patinha Antão
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho

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Alberto de Sousa Martins
António Luís Santos da Costa
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando Ribeiro Moniz
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
José Manuel de Medeiros Ferreira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Popular (CDS-PP):
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Partido Socialista (PS):
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Jaime José Matos da Gama
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José António Bessa Guerra
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Luís
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira

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Francisco José Pereira de Assis Miranda
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
Henrique Jorge Campos Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado
José Honório Faria Gonçalves Novo

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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