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4384 | I Série - Número 080 | 26 de Abril de 2004

 

O Sr. Presidente: - Para falar em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Presidente da República Democrática de Timor Leste, Srs. Presidentes do Parlamentos dos Países de Língua Portuguesa, Sr.as e Srs. Convidados: Escreveu o cronista: "as gentes que isto ouviram saíam à rua a ver que coisa era; e, começando a falar uns com os outros, alvoroçavam-se as vontades e começavam a tomar armas cada um como melhor e mais depressa podia. (…) Soaram as vozes do ruído pela cidade, ouvindo todos bradar que matavam o Mestre e se moveram todos com mão armada, correndo à pressa para onde diziam que isto se fazia, para lhe darem vida e escusar a morte. (…) A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha coisa de ver. Não cabiam pelas ruas principais e atravessavam lugares escusos, desejando cada um ser o primeiro." O cronista era Fernão Lopes, na sua Crónica de D. João I, descrevendo o povo de Lisboa na Revolução de 1383-1385.
590 anos depois, o Poeta Ary dos Santos relatava também uma outra Revolução. E dizia: "E em Lisboa, capital dos novos mestres de Aviz, o povo de Portugal deu o poder a quem quis".
As revoluções fazem-se porque as quer o povo. Trinta anos depois de Abril há quem queira esconder isto mesmo: que Abril foi uma Revolução. Fê-la o povo, que apoiou os Capitães de Abril - que aqui saudamos -, que mais não eram do que o povo em armas, no próprio dia 25. Fê-la o povo nos meses que se seguiram, conquistando a liberdade, a democracia e o direito a uma vida melhor.
Falar de evolução a propósito do 25 de Abril é, por isso, querer esconder o carácter revolucionário da nossa conquista da liberdade. Não porque não tenha havido evolução nos últimos 30 anos - certamente que houve! -, mas porque esta "teoria evolucionista" pretende esconder que as importantes alterações em sentido positivo que tivemos no nosso país nas últimas três décadas têm a sua origem e a sua raiz no 25 de Abril, que lhes abriu caminho. E porque a "evolução" apregoada, que faz lembrar uma outra "evolução na continuidade", que não era mais do que uma continuidade sem evolução, pretende igualmente esconder que a Revolução foi uma ruptura contra alguma coisa: contra o fascismo.
O R que falta em Revolução tem sobrado na reescrita da História do 25 de Abril.
É preciso falar verdade sobre a Revolução de Abril. É preciso dizer que a Revolução de Abril se fez contra um regime fascista que praticava a tortura, a prisão política, a censura e impunha a guerra colonial. Que o fascismo foi o Tarrafal, o "lápis azul", as cargas policiais, a PIDE e também a fome, a pobreza, o analfabetismo. É preciso lembrar que muitos lutaram contra a tirania, comunistas e tantos outros democratas, que morreram, sofreram e pagaram o preço de sonhar com a liberdade roubada pela ditadura de Salazar e Caetano, e que Abril se fez também pelo caminho que todos eles foram abrindo.
É preciso dizer que a Revolução de Abril se fez para conquistar a liberdade e a democracia política, mas que se fez também, porque o povo assim quis, para romper com as injustas relações económicas e sociais que vigoravam na sociedade portuguesa; que trouxe consigo os direitos políticos, mas também os de cidadania, os laborais e os culturais; que se fez contra o fascismo, mas também contra as forças que o sustentavam.
Foi a Revolução de Abril que trouxe ao povo português o salário mínimo e as pensões e reformas, o subsídio de desemprego e o 13.º mês, as férias de 30 dias e os direitos de maternidade, o acesso universal à saúde, ao ensino e à segurança social e uma mais justa repartição da riqueza.
Foi a Revolução de Abril e a vontade do povo que pôs fim ao colonialismo e à guerra colonial e reconheceu o inalienável direito à independência dos povos colonizados, cujos representantes hoje aqui presentes saudamos.
Foi a Revolução de Abril que pôs fim ao domínio da economia pelos monopólios do fascismo, ao condicionamento industrial, e abriu caminho à dinamização económica e a um desenvolvimento ao serviço do bem colectivo.
Foi a Revolução de Abril que impôs a igualdade entre homens e mulheres.
Foi a Revolução de Abril que abriu um período de intensa participação popular na vida do País, que foi sem dúvida o momento da nossa História em que a democracia participativa foi mais profundamente exercida.
Foi a Revolução de Abril que, com a reforma agrária, fez cultivar terras incultas, deu trabalho nos campos e aumentou a produção agrícola.
Por tudo isto, Abril foi uma Revolução. Uma Revolução que representou, para muitos povos do mundo, para muitas forças que lutavam pela democracia e pela liberdade, um importante acontecimento e um novo alento para os seus próprios combates. Uma Revolução singular, em que sem derramamento de sangue se fez o derrubamento do fascismo, em que da instituição militar saiu o impulso que o povo esperava.
Enfrentamos hoje um tempo de fortes retrocessos sociais. A política em vigor ataca as conquistas e os valores de Abril, como o fizeram outras antes dela. É a política do desemprego, do trabalho sem direitos, dos baixos salários e do aumento da exploração.
É a política da crescente desigualdade na distribuição da riqueza, do aumento da pobreza e da exclusão, 30 anos depois de uma Revolução que se fez também para pôr fim aos privilégios da clique fascista dominante.
É a política da guerra, que envolve o País num novo colonialismo, 30 anos depois de uma Revolução que se fez contra uma guerra colonial.
É a política da destruição de direitos sociais, da elitização do acesso ao ensino, da mercantilização da saúde, da privatização da segurança social, 30 anos depois de se ter conquistado o acesso universal a todos estes direitos.

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