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Quinta-feira, 17 de Junho de 2004 I Série - Número 95

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JUNHO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Henrique Jorge Campos Cunha

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 131 e 132/IX, das propostas de resolução n.os 69 e 70/IX, dos projectos de lei n.os 461 a 463/IX, do inquérito parlamentar n.º 12/IX e dos projectos de resolução n.os 259 a 262/IX.
Foram aprovados dos pareceres da Comissão de Ética relativos à retoma do mandato de um Deputado do PS e à situação de suspensão do mandato de um Deputado do PSD.
Em sessão evocativa do Vice-Presidente da Assembleia da República Lino de Carvalho e do ex-Deputado António de Sousa Franco e após leitura dos votos n.º 181/IX - De pesar pelo falecimento do Vice-Presidente da Assembleia da República Lino de Carvalho (PCP) e n.º 180/IX - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Prof. Sousa Franco (PS), intervieram, além do Sr. Presidente e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes), os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Guilherme Silva (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Telmo Correia (CDS-PP), Francisco Louçã (BE), Bernardino Soares (PCP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Assunção Esteves (PSD), Diogo Feio (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Alda Sousa (BE).
Após aprovação dos votos, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio em memória daquelas personalidades.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Fernando de Pina Marques
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eduardo Artur Neves Moreira
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Jorge Pinto Lopes
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Francisco Manuel Coelho Ferreira Pimentel
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Eduardo Rego Mendes Martins

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José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel dos Santos Alves
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Miguel Gonçalves Miranda
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Assunção Andrade Esteves
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Filipe dos Santos Alves
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António José Martins Seguro

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António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Cabodeira
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Rui Gaspar de Almeida
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins

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Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Paulo Daniel Fugas Veiga
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Botelho Correia Sousa
Francisco Anacleto Louçã
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Álvaro José de Oliveira Saraiva
Isabel Maria de Almeida e Castro

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por uma questão prática, vamos aqui fazer alguns anúncios de expediente, enquanto alguns Membros do Parlamento vão entrando no Hemiciclo.

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Peço, pois, ao Sr. Secretário que proceda à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: as propostas de lei n.os 131/IX - Autoriza o Governo a legislar sobre as condições de recrutamento e de acesso aos quadros de pessoal das salas de jogo dos casinos, e 132/IX - Altera pela terceira vez a Lei n.º 11/96, de 18 de Abril, que estabelece o regime aplicável ao exercício do mandato dos membros das juntas de freguesia, que baixa à 4.ª Comissão; as propostas de resolução n.os 69/IX - Aprova, para ratificação, a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada a 18 de Maio de 2004, na cidade do Vaticano, que baixa à 2.ª Comissão, e 70/IX - Aprova, para ratificação, as emendas aos artigos 7.º, 24.º, 25.º e 74.º da Constituição da Organização Mundial de Saúde, adoptadas, em Genebra, respectivamente, em 1965, 1998 e 1978, no decurso das 18.ª, 51.ª e 31.ª Sessões da Assembleia Mundial de Saúde, que baixa à 2.ª Comissão; os projectos de lei n.os 461/IX - Regime de exercício do direito de associação dos profissionais da GNR (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 462/IX - Altera o método de eleição dos membros do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações pela Assembleia da República (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, e 463/IX - Elevação da povoação da Gafanha da Encarnação, no município de Ílhavo, à categoria de vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; inquérito parlamentar n.º 12/IX - Constituição de um inquérito parlamentar à privatização de 49% do capital da holding Águas de Portugal (Os Verdes); e os projectos de resolução n.os 259/IX - Atenuação de desigualdades na distribuição das ajudas ao rendimento agrícola em Portugal decorrente da Reforma da Política Agrícola Comum concretizada em 2003/2004 (PCP), 260/IX - Recomenda a adopção de medidas especiais de política social tendentes a minorar o desemprego e a exclusão social (PS), 261/IX - Visa aplicar aos trabalhadores dos serviços gerais em funções nos hospitais e estabelecimentos de saúde dependentes do Ministério da Defesa Nacional a revalorização de carreiras e categorias prevista pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro (PCP), e 262/IX - Recomenda ao Governo o aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional (PCP).
Temos ainda dois relatórios e pareceres da Comissão de Ética, sendo um deles, o relatório n.º 89, relativo à retoma de mandato do Deputado Paulo Pedroso, do PS, cessando José Manuel Pires Epifânio, com efeitos a 3 de Junho corrente, inclusive.
O parecer é no sentido de que a retoma em causa é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o outro relatório da Comissão de Ética, n.º 90, é relativo à alteração da situação de suspensão do mandato, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea d), para a situação suspensão do mandato, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), ambos do Estatuto dos Deputados, do Deputado Paulo Pereira Coelho, do PSD, com efeitos a 24 de Maio, inclusive.
O Parecer é no sentido de que a transição de suspensão de mandato é de admitir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos aguardar alguns segundos até que os Srs. Deputados que estão a assinar o livro de presenças o façam e tomem os seus lugares.

Pausa.

Peço a atenção da Câmara e às Sr.as e Srs. Deputados que ocupem os respectivos lugares.

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Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A Assembleia da República reúne, hoje, em clima de pesar e luto, para evocar os dois distintos Membros do Parlamento, recentemente falecidos e prestar-lhes as devidas e bem merecidas homenagens.
Lino António Marques de Carvalho manteve lugar cativo neste Hemiciclo, por mandato expresso do eleitorado, ao longo de 17 anos. Foi sempre um dos Deputados mais activos do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. Pôs ao serviço do projecto de sociedade a que convictamente aderia - e, portanto, também da Assembleia da República, que é o lugar onde todas as propostas políticas dinamicamente se confrontam e interagem, como é próprio das democracias pluralistas - as capacidades de análise derivadas da sua preparação teórica, a experiência de uma intervenção cívica empenhada até à abnegação e ao sacrifício, uma e outras servidas por um verbo fluente e vigoroso.
Resistente antifascista desde a juventude, experimentou a perseguição, o cárcere, a tortura. Mas todo esse sofrimento - mais a exaltação do período revolucionário e ainda a posterior frustração de tantos sonhos - em nada lhe azedou o feitio, tornando agradável a convivência com ele e possível o diálogo e até a cooperação.
No desempenho das suas responsabilidades como Vice-Presidente da Assembleia da República, Lino de Carvalho demonstrou o seu alto sentido de parlamentar e de democrata, ajudando a reforçar a dignidade e o prestígio do Parlamento.
A coragem com que enfrentou - apoiado pela sua família - a doença e a morte fica-nos, a todos, como exemplo.
António Luciano Sousa Franco foi Deputado em várias legislaturas, aliás, sempre distinto; e aqui teve também assento como Membro do Governo, concretamente Ministro das Finanças.
O brilho da sua personalidade ilumina toda uma geração. E aqueles que com ele conviveram - mais ainda os que tiveram a sorte de o contar no número de seus amigos, entre os quais me incluo, com muita honra e, agora, com tantas saudades… - todos percebem, na dor da sua morte prematura, a dimensão de dom (divino, dirão os crentes) que uma tal vida comportou.
Académico ilustre, desde os bancos da escola até à cátedra universitária, António Luciano Sousa Franco trouxe à intervenção política o peso da ciência, do prestígio profissional, da rectidão de atitudes, pautadas por princípios elevados e exigentes.
Conhecia também e praticava as regras da luta política, com determinação e pugnacidade, porém, sem perder nunca de vista a sua dignidade própria e a dos seus adversários.
Foi em luta cívica que sucumbiu - ele que todos os seus dias lutou, com altos e baixos, certamente, para realizar os ideais em que acreditava. Muito dele esperávamos todos, no desempenho das funções de Deputado ao Parlamento Europeu, como português brioso e europeísta convicto. Daí, a nossa decepção e o nosso desgosto. Mais do que lágrimas, porém, a sua morte inesperada exige-nos reforçada adesão aos valores da liberdade, da democracia e da construção europeia, a cujo serviço tombou.
Perante a memória destes nossos ilustres concidadãos curvo-me respeitosamente, em meu nome pessoal e como Presidente da Assembleia da República. Às famílias enlutadas, em especial às suas viúvas, aqui presentes, e aos amigos dos falecidos, bem como aos partidos políticos em cujas fileiras militavam, endereço as mais sentidas condolências.
Mandei descer a bandeira nacional a meia haste, no mastro fronteiro ao Palácio de São Bento, desde o começo desta sessão e até ao pôr-do-sol de hoje, em sinal de luto do Parlamento pela morte dos prestantes cidadãos e antigos Deputados Lino António Marques de Carvalho e António Luciano Sousa Franco.
Há, naturalmente, votos de pesar, propostos pelos respectivos grupos parlamentares e sobre eles todas as bancadas quererão certamente pronunciar-se.
Apreciaremos primeiro o voto de pesar referente ao Vice-Presidente Lino de Carvalho e, depois, o relativo ao antigo Deputado e Ministro António Luciano Sousa Franco.
Votaremos cada um desses votos em separado. Por fim, conjuntamente, homenagearemos ambos os falecidos.
Em sinal de luto parlamentar, encerrarei logo a seguir esta reunião plenária.
Srs. Deputados, vamos então apreciar o voto n.º 181/IX - De pesar pelo falecimento do Vice-Presidente Lino de Carvalho (PCP).
Tem a palavra o Sr. Secretário, para proceder à respectiva leitura.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é o seguinte:
Faleceu na passada quinta-feira, aos 57 anos, Lino de Carvalho, Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República.
Lino de Carvalho lutou desde sempre pelos ideais da liberdade, da democracia e do progresso social. Profundamente empenhado na luta anti-fascista, participou em diversas frentes de combate à ditadura e de luta pela democracia.

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Lino de Carvalho foi um destacado militante do PCP, onde ingressou em 1969, integrando o seu Comité Central desde 1988.
Foi activista estudantil, participando designadamente no movimento associativo de estudantes no antigo ISCEF.
Foi activista do movimento cine clubista e do movimento das cooperativas culturais.
Integrou a oposição democrática, envolvendo-se desde o início no movimento das Comissões Democráticas Eleitorais (CDE), primeiro, como representante da Comissão de Estudantes Democratas de Lisboa, depois, como dirigente na Comissão Coordenadora Nacional da CDE, intervindo activamente na experiência das candidaturas da oposição democrática, em 1969, sobre a qual, aliás, publicou um livro, em 2000.
A sua participação na oposição democrática e na luta antifascista levou a que sofresse perseguições e represálias da ditadura. Foi expulso do Serviço Militar Obrigatório em 1969 e preso duas vezes pela PIDE/DGS, em Janeiro de 1971 e em Abril de 1974, encontrando-se na prisão, quando eclodiu a Revolução dos Cravos.
Depois de 25 de Abril de 1974, foi ainda membro da Comissão Executiva e da Comissão Nacional do Movimento Democrático Popular e candidato à Assembleia Constituinte.
Lino de Carvalho manteve, após o 25 de Abril, uma intensa actividade e intervenção cívica, social e política, lutando por novas e importantes conquistas para o povo português.
Assume especial importância a sua participação na Reforma Agrária nos campos do Sul do País, processo em que interveio ao mais alto nível, sendo fundador das suas estruturas dirigentes, designadamente os Secretariados das UCP/Cooperativas Agrícolas e a Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção, de que foi vice-presidente, e fazendo parte de todas as Comissões Organizadoras das 12 Conferências da Reforma Agrária.
A sua luta por uma nova organização fundiária dos campos do Sul continuou para além do processo da Reforma Agrária, estando permanentemente presente na sua intervenção política. Há poucos meses, tinha publicado um livro sobre o processo da Reforma Agrária em que, a par da análise dos acontecimentos passados, abria perspectivas de futuro de plena actualidade para o problema da agricultura no Alentejo.
Foi membro da Assembleia Municipal de Évora.
Foi eleito Deputado pelo círculo eleitoral de Évora desde 1987, nas V, VI, VII, VIII e IX Legislaturas, sendo nesta última eleito Vice-Presidente da Assembleia da República. Foi durante várias legislaturas Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PCP.
Na Assembleia da República destacou-se pela convicção e pelo brilhantismo das suas intervenções, pelo profundo conhecimento das matérias, pela cuidada fundamentação das propostas, pela constante ligação à vida e aos problemas das populações e do País, mas também pela capacidade de diálogo e pela extrema afabilidade com que se relacionava com os outros e que lhe granjeou simpatias em todos os quadrantes políticos.
Integrou diversas comissões parlamentares, com destaque para as de Agricultura e Economia. Destacou-se também como membro da delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, tendo sido membro da direcção do Grupo Unitário de Esquerda.
Lino de Carvalho deixará na memória de todos a lembrança de um comunista, um cidadão e um democrata com enormes qualidades. E deixará na Assembleia da República a memória de um Deputado, no mais nobre sentido da função, que cumpriu de forma exemplar até ao limite das suas forças e que muito prestigiou.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pela morte do Deputado e Vice-Presidente Lino de Carvalho e endereça à sua família as mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o voto n.º 181/IX, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tomo a palavra para prestar uma sentida e comovida homenagem ao Vice-Presidente e Deputado Lino de Carvalho.
Ele não foi mais um que passou por aqui, foi alguém que deixa, na Assembleia da República, uma marca inapagável: como Vice-Presidente, e como já foi dito, pelo seu espírito de abertura, pelo seu alto sentido de Estado e pela forma como contribuiu para a dignificação do Parlamento, mas, sobretudo, como Deputado. Estou a olhar para a bancada do Partido Comunista e estou a vê-lo e a ouvi-lo, com os seus gestos característicos, com a sua voz inconfundível, pondo todo o ardor, toda a sagacidade da sua inteligência e também toda a sua emoção na defesa das suas convicções.

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Foi, sem dúvida, um dos Deputados mais combativos que passaram por aqui, pelo nosso Parlamento. E não foi só um dos rostos e uma das referências do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ele foi, é e ficará como um rosto e uma referência da Assembleia da República. Creio que, com a sua acção, ele dignificou a política e dignificou a nobre missão de representante do povo e de Deputado.
Quero deixar também aqui uma palavra ao militante antifascista, ao resistente, desde a sua juventude até ao papel destacado que desempenhou depois, na CDE, a toda a sua acção na oposição democrática que o levou à prisão e à tortura. Ele, aliás, como já foi lembrado, era um daqueles presos políticos que foram libertados com a Revolução do 25 de Abril.
Mas quero também lembrar o seu empenho e a sua acção na reforma agrária, porque ele foi também um dos rostos e uma das vozes da reforma agrária. E seja qual for a posição que se tenha sobre a forma e o conteúdo que tomou a reforma agrária, naquelas circunstâncias históricas, não se pode pôr em causa o interesse, o apego e o profundo empenho e a convicção que ele pôs nesse combate, que foi uma das causas da sua vida. Aliás, um dos seus últimos actos foi a apresentação aqui, na Assembleia, do livro Reforma Agrária - Da utopia à realidade, que é necessário ler, para uma reflexão crítica sobre a utopia e também para um reflexão crítica e um novo olhar sobre a realidade dos campos do Sul, a que ele esteve sempre ligado.
Quero ainda falar de um outro lado do Lino, porque quem conheceu Lino de Carvalho apenas como Deputado e o viu aqui, muitas vezes, atacando, contra-atacando e respondendo, com aquela combatividade que lhe era peculiar ou mesmo, por vezes, com dureza, há-de pensar que era um homem duro. É que havia um outro lado, que nós conhecemos bem: era um lado de grande afectividade, de grande afabilidade, de uma grande finura de trato. Era, pois, também, um homem de afectos, um homem de cultura, que gostava de livros e de conversar sobre eles, um militante comunista por profunda convicção, até ao fim, um homem de diálogo, capaz de dialogar com quem não pensava da mesma maneira.
Era um homem de esquerda, que se interrogava sobre os caminhos da esquerda e sobre o seu futuro e que defendia o entendimento e a convergência das forças de esquerda em Portugal.
Foi um homem de grande firmeza nas suas convicções mas de grande afabilidade e também de grande abertura na convivialidade, que nós tivemos, aliás, ocasião de presenciar nos nossos almoços… Na primeira quinta-feira de cada mês, vai ser difícil ver aquela cadeira vazia naqueles almoços onde, entre todos nós, se criaram relações de convívio e até de amizade e onde pudemos apreciar esse outro lado do Lino e até o seu sentido de humor e depois a maneira sóbria e de grande coragem e dignidade com que enfrentou a doença.
Por isso, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, quero deixar aqui, à sua família, à Ana e aos seus dois filhos, de quem ele tinha grande orgulho, um abraço de profunda solidariedade; aos seus camaradas do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, deixo também um abraço de grande solidariedade; ao Lino, onde quer que ele esteja, um fraterno abraço, de resistente a resistente e de militante a militante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas vezes, pensa-se que estas sessões são um mero ritual, que não deixamos de cair na tentação de, sobre quem, em vida, fomos críticos, depois da morte, só salientarmos as qualidades. Tenho a profunda certeza de que, relativamente a esta homenagem que estamos a prestar ao Deputado Lino de Carvalho, tudo aquilo que ouvimos, desde a intervenção do Sr. Presidente da Assembleia da República à leitura do voto apresentado pelo Partido Comunista, à intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre, às palavras que vou aqui dizer e às que se seguirão, tudo é profundamente sentido.
Efectivamente, seria difícil termos uma figura cuja perda, nesta Assembleia, nos irmanasse tão profundamente no desgosto que a todos causou a morte do Deputado Lino de Carvalho.
Naturalmente, tivemos discordâncias e discordâncias profundas. As suas opções ideológicas, políticas e partidárias estavam, as mais das vezes, nos antípodas daquelas que eu próprio comungo e defendo. Mas é exactamente aí que, nestas ocasiões, encontramos o homem na sua dimensão adequada. O homem que, apesar dessas divergências, apesar da diferença de pontos de vista, sabia, democraticamente, com tolerância, conviver com aqueles que tinham pontos de vista diferentes, sem prejuízo do empenho e da exaltação com que defendia as suas ideias e convicções. E Lino de Carvalho fê-lo sempre, quer como Deputado, aqui, na bancada do PCP, quer quando dirigia os trabalhos, com cuidado excepcional de isenção e de respeito pelas várias forças com assento parlamentar.
Estas são, realmente, marcas indeléveis que, para além das opções ideológicas, revelam que há pessoas que têm a democracia dentro de si próprias e a expressam no seu quotidiano, na convivência com os demais, que pensam de forma diferente da sua. Este era o aspecto mais particular que queria salientar da

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personalidade do Deputado Lino de Carvalho.
Creio que vivemos hoje um momento em que o registo destes exemplos daqueles que até há pouco estiveram entre nós é importante, para tirarmos também desses exemplos alguma utilidade para a nossa própria prática diária na vida parlamentar.
Nunca lhe ouvi um excesso ofensivo em relação ao adversário, por isso era sempre possível sairmos daqui e, como amigos, tomarmos um copo, conversarmos e trocarmos impressões sem qualquer animosidade. Durante 17 anos foi possível aprofundar esta amizade.
Como já disse em declarações públicas que fiz logo após a sua morte, esta não é apenas a perda de um colega, de um adversário leal, é a perda de amigo.
Quis o destino que um filho dele, de quem falava com tanto carinho, se tivesse cruzado com um filho meu numa universidade estrangeira que ambos frequentavam, sendo hoje tão amigos quanto eu o era do Deputado Lino de Carvalho. A homenagem para mim mais confortante nesta ocasião seria a de a amizade do filho dele com o meu filho ter a mesma intensidade e perdurar como aquela que se cimentou entre nós.
Ao Partido Comunista Português e à família do Deputado Lino de Carvalho quero, em nome pessoal e do Grupo Parlamentar do PSD, apresentar, do fundo do coração, as mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É complicado falar de alguém que nos marcou e influenciou de uma forma tão grande neste Parlamento.
O Lino era uma pessoa inconfundível na força das suas convicções, na paixão que colocava na defesa dos ideais que o acompanharam toda a vida e que fizeram dele um dos muitos, mas lamentavelmente cada vez menos, colegas nossos que tiveram a possibilidade de, no passado, lutar pela liberdade, pela democracia, contra a ditadura.
O Lino era alguém cujo desaparecimento deixa uma tremenda tristeza e um imenso vazio. Um vazio que não é só o de uma cadeira que não tem alguém sentado, é o vazio deixado por alguém generoso, alguém que dignificou este Parlamento e o exercício do mandato como Deputado à Assembleia da República, alguém cuja voz, força e convicção foram extraordinariamente impressivas. Para quem entrava neste Parlamento Lino de Carvalho teve uma influência muito grande e foi, seguramente, um sinal, alguém que influenciou e que deixa uma marca de grande amizade e de grande respeito.
Lino de Carvalho é também alguém que ficará para sempre ligado à história do Alentejo. Um Alentejo onde ele não nasceu mas que ele abraçou, como abraçou a reforma agrária e o movimento cooperativo, sobre os quais, no entanto, foi capaz de manter, como sempre manteve em relação a tudo, a lucidez das convicções mas também a capacidade de questionar a forma de as defender ao longo do tempo.
Julgo que essa inteligência, essa capacidade de olhar o mundo e de ser aberto às transformações, a paixão com que ele viveu a vida no plano pessoal e no plano político são, seguramente, uma marca que deixa em todos nós. Por isso, em nome de Os Verdes e em nome pessoal, porque perco um grande amigo, quero dizer que a sua marca decisiva ficará seguramente - quer no plano pessoal quer do ponto de vista da influência que julgo que ele teve neste Parlamento - e para sempre nesta Câmara.
Gostaria, neste momento, de endereçar à Ana, sua mulher, e aos seus dois filhos, dos quais ele falava sempre com tanto amor e tanto orgulho, uma palavra de pesar por uma perda seguramente muito grande e pelo vazio que Lino de Carvalho deixa, que penso devermos respeitar lembrando a forma como ele foi capaz de fazer política: com lealdade, com convicção, com entrega e com paixão, nunca permitindo que isso, de algum modo, interferisse no outro plano, o das relações pessoais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas intervenções são das mais difíceis que nos cabem fazer e em relação às quais não nos afastamos de alguma emotividade.
Gostaria de dizer, em relação à morte do Deputado Lino de Carvalho, que morreu um grande Deputado e um grande político do nosso país. Esta é a primeira palavra de respeito que devemos a um adversário político.
Logo após a sua morte, foi publicado um artigo, que guardei porque, penso, descreve um pouco o Lino de Carvalho, com o seguinte título: "Um polemista temível que nunca virou a cara a um debate político". É rigorosamente verdade! O Lino de Carvalho era, de facto, um polemista temível - nós, que fomos seus adversários, sabemos isso melhor do que ninguém - e um político corajoso, que nunca virou a cara a um debate.
Por isso, as palavras que gostaríamos de deixar hoje são, em primeiro lugar, de respeito. Palavras de respeito perante um adversário do qual discordámos muitas vezes ao longo do nosso percurso político

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(foi já aqui referido pelos Srs. Deputados Manuel Alegre, Guilherme Silva e Isabel Castro o seu percurso político e, de resto, o Sr. Deputado Manuel Alegre falou do seu empenhamento na reforma agrária, um ponto em que estávamos, obviamente, em profunda discordância), mas um adversário sempre leal, sempre correcto e, sobretudo, o que considero muito importante, um homem muito trabalhador e muito competente naquilo que fazia, para além de ser um homem profundamente inteligente. E precisamente por ser um homem muito inteligente, muito trabalhador e muito competente a sua crítica, a sua oposição, a necessidade de lhe responder e de debater com ele era sempre uma necessidade séria e real, porque era sério e verdadeiro o seu trabalho.
A segunda palavra que gostaria de deixar, para além da palavra de respeito, é, naturalmente, de saudade. Sentiremos a falta de discutir e de debater com o Deputado Lino de Carvalho. Disse-o quando estivemos no seu enterro porque foi essa a primeira sensação que tive, a mesma sensação que estou a verificar hoje ao ver um lugar vazio à nossa frente, ao lembrar-me de uma inteligência viva e com a qual nos confrontávamos. Sentiremos a falta desse debate, e essa saudade é efectiva.
Do ponto de vista pessoal, como aqui foi dito, gostaria de sublinhar a sua correcção, a sua finura de trato, a sua afabilidade, o seu enorme sentido de humor, que aqueles que puderam conviver com ele conheciam.
Como todos sabemos nesta Câmara, é quando estamos fora dos trabalhos parlamentares, fora até do País por nos encontrarmos numa ou noutra missão parlamentar, que, às vezes, a convivência pessoal é mais fácil, pois não estamos na discussão permanente. E aí havia uma simpatia, uma afabilidade, um sentido de humor do Deputado Lino de Carvalho que eu respeitava muito, de que gostava muito e que me motivavam enorme estima e consideração, inclusivamente sentimentos de amizade pela forma, pelo trato e pela sua experiência, às vezes criticando-nos, mas fazendo-o com correcção e ajudando-nos a compreender, de um lado ou de outro, a diferença de posições.
Há valores que em democracia passam além de todas e quaisquer fronteiras ideológicas: os valores do respeito, da consideração, do reconhecimento do mérito dos adversários. Em democracia esses valores passam além de qualquer fronteira ideológica. É isso que eu gostaria de dizer ao seu partido e aos seus colegas de bancada, dando-lhes sinal da nossa estima, do nosso apreço e do nosso respeito por esse grande Deputado e por esse grande político que foi Lino de Carvalho.
Termino com uma palavra de apreço, de amizade e de estima para a sua mulher, minha cara Ana, e para os seus filhos. Também nós, na nossa medida e como Deputados, sentiremos a sua falta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por respeito e por consideração pelo papel da Assembleia, hoje estaríamos sempre a homenagear o Vice-Presidente Lino de Carvalho.
Lino de Carvalho foi um dos melhores Deputados e um dos Deputados que mais honrou a Assembleia da República nos 30 anos de democracia que começámos há pouco tempo.
Chorado pelo povo de esquerda e pelos seus amigos de todos os quadrantes, respeitado por todos os seus adversários, deixou uma marca de que nenhum de nós jamais poderá esquecer-se.
Creio que todos sentimos que estamos a tratar não tanto de uma reverência, do respeito, do rigor institucional, mas de um caso absolutamente excepcional. Lino de Carvalho era um homem excepcional e é dele que estamos, hoje, aqui a falar.
Preso durante o tempo da ditadura, fez parte de uma geração que teve a coragem da oposição. E que não eram muitos!
Consistente, coerente com os seus pontos de vista, escolheu a filiação no partido em relação ao qual foi fiel até ao último dos seus dias. Durante os primórdios da liberdade e da democracia bateu-se pela reforma agrária, que ele entendia, como tantos, como a voz da dignidade de um povo que queria chegar ao século XX.
Mas tinha também a inteligência extraordinária, que alguns já aqui sublinharam, desse compromisso com a vida, com o conhecimento dos problemas da população, com o sentimento da urgência da correcção das injustiças contra as quais se batia, que lhe permitia e que o levava a, numa nova circunstância política, pensar a continuação da justiça na distribuição da terra e a defender inteligentemente novas soluções, como o banco de terras para o aproveitamento da oportunidade do Alqueva. Todos e todas o ouvimos aqui desenvolver ideias novas para um tempo novo, em que era herdeiro desse combate de que foi dirigente na luta pela reforma agrária.
O livro que nos deixou, que é um testamento político - e ele tinha consciência de que se tratava de um testamento político -, é precisamente uma reflexão aberta sobre essas novas oportunidades que teremos no tempo que vem.
Mas todos lembraremos também um Deputado extremamente afável. Não haveria muitos que tivessem

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a graça e a simpatia de convidar a Ministra das Finanças, a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, para um fim-de-semana no Faial, a fim de a convencer da urgência em reequipar uma divisão das Finanças com os computadores que tanta falta aí faziam. E bem sabemos que a convenceu, bem sabemos que, dessa forma, conseguiu que esse problema fosse resolvido.
Ele queria resolver problemas, queria apresentar soluções e fazia-o com todas as armas da intervenção parlamentar. Por isso foi, e é, respeitado.
Era talvez uma daquelas raras pessoas que pode estabelecer as pontes da inteligência e do diálogo, que está disposto a ouvir, que quer ouvir, que quer conhecer e que, por isso, são tão fundamentais para a evolução da esquerda e para a evolução da política nos dias de hoje.
Ao longo destes cinco anos tenho a agradecer à Assembleia da República ter tido o privilégio de me sentar ao lado de Lino de Carvalho. Conhecia-o da memória da luta antifascista e de o ver como um dirigente destacado da oposição, conhecia-o das páginas dos jornais. Aprendi, durante estes cinco anos, a conhecê-lo como um grupo de amizade que aqui se foi formando. E sabia, como, aliás, já foi referido, do imenso orgulho que ele tinha pela política, pela devoção, pela persistência, pela insistência e pelo trabalho que estava a fazer, bem como do imenso orgulho que tinha pelos seus dois filhos. Aliás, o seu filho apresentou no seu funeral um texto de homenagem ao pai que é, porventura, a página mais vibrante que se pode escrever sobre Lino de Carvalho.
O Vasco está a fazer o doutoramento na universidade mais difícil do mundo, a Faculdade de Economia de Chicago, e o pai tinha um imenso orgulho pela forma como ele vencia na América e como ele vencia a América. O Carlos segue as mesmas pisadas. De ambos o Lino de Carvalho tinha um orgulho sem limites e um prazer imenso no trabalho que eles fazem na ciência que ele também tinha abraçado.
Se é certo que se pode dizer que todos nós, em algum momento, seremos vencidos pela morte, podemos lamentar que o Lino de Carvalho tivesse sido vencido tão cedo, e temos, certamente, que o fazer. Mas de muito poucos, de raríssimos, pode dizer-se que venceram na vida; do Lino de Carvalho pode dizer-se que venceu na vida!
Se há um símbolo da luta pela liberdade antes do 25 de Abril e da luta pela liberdade depois do 25 de Abril, que é o cravo vermelho, nós sabemos que em cada pétala desse cravo há sempre uma memória vermelha de Lino de Carvalho, dirigente comunista, Deputado, militante, social, amigo e camarada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República presta hoje uma homenagem justa e merecida ao Deputado e Vice-Presidente Lino de Carvalho.
Quero, em meu nome pessoal e em nome do Governo, associar-me a esta homenagem justa e merecida.
Desde logo, a homenagem a um político que fazia política com inteligência, de uma forma corajosa e combativa. A inteligência, a combatividade e a coragem eram, de facto, das marcas mais impressivas de toda a intervenção política e parlamentar do Deputado Lino de Carvalho. Por isso, ele granjeou o respeito, a estima e a admiração de todos os Deputados de todos os quadrantes políticos. Ele foi, de facto, dos Deputados mais competentes que passaram pela Assembleia da República.
Depois, a homenagem a um parlamentar que exercia a sua acção com grande lealdade e com uma enorme convicção. Em cada debate que travava, em cada combate que protagonizava, estas duas marcas, a da lealdade e a da convicção, impressionavam profundamente. Por isso, ninguém tem hoje dificuldade em prestar-lhe, da forma mais sentida, esta homenagem.
Mas homenagem, também, a um político que em cada adversário com quem protagonizava acabava por fazer um amigo. Foi, de resto, de há vários anos a esta parte, o meu próprio caso. Lino de Carvalho - e esta é a faceta pouco conhecida, diria, da opinião pública, até por contraste com a sua faceta de combatividade que evidenciava naquilo que é mais mediático - era, de facto, como já aqui foi evidenciado, um homem afável, simpático, cordial e, até, com um enorme sentido de humor, próprio, de resto, das pessoas inteligentes, um homem que combatia ideias, que tinha a noção de que a política é um combate de ideias e não um palco de guerras pessoais.
Para quem, como eu, faz política com prazer e tem prazer no debate político, no debate de ideias, impressiona-me esta característica das mais marcantes de Lino de Carvalho, e aqui lhe presto também, por esta terceira razão, a minha sincera homenagem.
Morreu um Deputado dos mais competentes da Assembleia da República. Morreu também um Vice-Presidente que, ao longo dos últimos anos, sempre que exercia - e presenciámos muitas vezes o exercício dessa sua função - ajudava com a sua marca também muito própria a prestigiar o Parlamento, a prestigiar a instituição parlamentar.

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Nas últimas três semanas da sua vida, tive ocasião de, com a Ministra das Finanças, o visitar no hospital. Também aí, em poucos minutos de conversa, ficou claro que já pressentia a dificuldade de vencer esse combate, o combate pela vida, mas ficou patente, na sua grandeza de espírito, a sua enorme dignidade. E, por isso, aqui também o quero evidenciar.
Tudo para, resumindo e concluindo, dizer que, perante o exemplo, a obra e o trabalho do Deputado Lino de Carvalho, são sempre poucas e, sobretudo, pobres as palavras que podemos usar, mas é muita e, sobretudo, grande a vontade de lhe prestar esta homenagem. A homenagem que presto a quem institucionalmente muito respeitava e a quem pessoalmente muito admirava.
Por isso, nesta ocasião, em meu nome pessoal e em nome do Governo, apresento as condolências à sua família, à sua mulher e aos seus filhos, ao Partido Comunista, a todos, sobretudo manifestando pelo Deputado Lino de Carvalho grande admiração e solidariedade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer ao Governo, a todos os Deputados, pessoas e instituições que durante estes dias manifestaram o seu pesar pela morte do Lino de Carvalho e nos enviaram a sua solidariedade. Penso que todos imaginarão como é difícil a esta bancada intervir neste voto de pesar.
A consternação geral que se verificou com a morte de Lino de Carvalho é bem o testemunho do valor e da dimensão do homem que perdemos na semana passada. Não serão, pois, necessárias muitas palavras para deixar clara a dimensão da perda que constitui o seu desaparecimento, mas as palavras, por outro lado, não serão suficientes para expressar de forma completa o valor que teve o Lino de Carvalho como comunista, como Deputado, como cidadão e como camarada e amigo.
Pode dizer-se que Lino de Carvalho foi um homem com uma vida plena e de plena dedicação às suas causas, ao seu partido, à democracia, à liberdade, ao progresso social. Corajosamente, lutou contra o fascismo antes do 25 de Abril, com os seus camaradas comunistas e com muitos outros democratas. Empenhou-se, com entusiasmo, na conquista de mais e melhores condições de vida para o seu povo e de mais desenvolvimento para o seu País, em especial no seu Alentejo. Deu ao PCP, ao longo de 35 anos, o melhor das suas capacidades e do seu trabalho.
Foi um parlamentar brilhante que muito contribuiu para a intervenção do Grupo Parlamentar do PCP, mas que também muito prestigiou a Assembleia da República.
A sua frontalidade, a firmeza das suas convicções, a qualidade que emprestava aos debates, mas ao mesmo tempo aquela simpatia e afectividade com que se relacionava com todos, a jovialidade e o humor saudavelmente provocante com que tantas vezes nos desarmava fez com que tantos nesta Casa e até especialmente, como aqui já foi dito, aqueles que com ele travavam duras batalhas políticas se considerassem seus amigos.
Por isso, não estranhámos que na última despedida, estando representadas muitas instituições e presente muito povo anónimo que lhe quis prestar uma última homenagem, a maior parte estava presente por razões de amizade. Foi, fundamentalmente, uma despedida de amigos.
Para nós, seus camaradas, será muito difícil conviver com a sua ausência e aceitar o desaparecimento prematuro de quem tinha ainda muito para dar ao partido, ao Parlamento e ao País. Com o desaparecimento do Lino de Carvalho, o Parlamento perde um magnífico Deputado e Vice-Presidente, o PCP perde um valioso militante e dirigente e nós perdemos um amigo e um camarada inesquecível.
Ao Lino de Carvalho, construtor da liberdade, construtor da democracia, lutador contra as injustiças e as opressões, devemos todos um profundo reconhecimento e nós, seus camaradas e amigos, teremos de, neste momento difícil, ser capazes de levar adiante o contributo da sua intervenção e luta e continuar a lutar por um País e um mundo melhores.
Termino, reafirmando a nossa solidariedade a toda a família, em especial à Ana, sua companheira, e aos seus filhos, Vasco e Carlos. A eles e a todos nós o Lino fará muita falta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que foram recebidas na Mesa, durante estes dias, diversas mensagens de condolência pela morte do Vice-Presidente Lino de Carvalho, nomeadamente do Sr. General do Estado-Maior General das Forças Armadas, do Sr. Presidente da Assembleia Nacional da República de Angola, de diversas embaixadas, nomeadamente do Embaixador do Brasil e do Embaixador de Moçambique, de muitos órgãos de poder local em diversos pontos do País, da Comunidade Islâmica de Lisboa e de diversas entidades particulares do círculo eleitoral que o nosso colega aqui representava.
Vamos passar a apreciar o voto n.º 180/IX - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Prof. Sousa Franco, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Secretário para proceder à respectiva leitura.

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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

A morte do Professor António Luciano de Sousa Franco constitui uma perda irreparável para a democracia portuguesa, para a universidade e para a nossa cultura.
Personalidade multifacetada e brilhante, desde muito cedo afirmou as suas qualidades humanas, uma excepcional dimensão intelectual, científica e pedagógica e uma capacidade única de entrega ao serviço público.
Desde a juventude e da militância em organizações cristãs, António de Sousa Franco afirmou uma grande generosidade e um apelo à defesa e salvaguarda do bem comum, no sentido da liberdade e da justiça, da solidariedade e do desenvolvimento económico, social e cultural. Como jovem Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, produziu uma vasta obra científica de grande importância, em especial nos domínios das Finanças Públicas e do Direito Financeiro, da Economia Política, do Direito Fiscal e, de modo pioneiro, no Direito de Economia. A obra científica foi completada pela acção pedagógica por todos reconhecida. O sentido da justiça, a proximidade em relação aos estudantes, a prática de um autêntico espírito de abertura e de diálogo constituem uma característica muito relevante da sua acção enquanto professor de muitas gerações de juristas.
A sua acção na universidade foi de relevância maior, não apenas na presidência do Conselho Directivo e do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas também no lançamento da Universidade Católica Portuguesa e na direcção da respectiva Faculdade de Direito.
Como juspublicista teve uma acção de mérito excepcional, sendo uma das grandes referências no panorama nacional e internacional.
O desempenho de responsabilidades públicas, desde a administração da Caixa Geral de Depósitos à presidência do Tribunal de Contas, o exercício de funções governativas, desde as de Secretário de Estado das Finanças no VI Governo Provisório, sendo Ministro o Dr. Francisco Salgado Zenha, até às de Ministro das Finanças por duas vezes, em 1979 e entre 1995 e 1999 no Governo presidido pelo Eng.º António Guterres, granjearam a admiração e respeito de todos. Com espírito reformador, aliando rigor e consciência social, com entrega total ao bem público. António Sousa Franco reorganizou a administração financeira do Estado, contribuiu decisivamente para a modernização dos instrumentos de gestão das Finanças Públicas, preparou e concretizou a entrada de Portugal na União Económica e Monetária e na Moeda Única, cumprindo todos os requisitos exigidos, apesar de muitas vozes cépticas.
Como cidadão e político, estava sempre disponível para responder positivamente aos desafios que lhe eram lançados, aliando a sua competência técnica e científica e o sentido de entrega à causa pública. Membro do Partido Social Democrata, foi Presidente do partido. Em 1979, foi um dos fundadores da Acção Social Democrata Independente (ASDI) de que foi Presidente, tendo participado na Frente Republicana e Socialista ao lado de Mário Soares e António Lopes Cardoso. Como independente desde os anos 80, afirmou-se sempre como social-democrata e defensor dos valores de um Estado social de direito avançado e progressivo.
Europeísta convicto, considerou sempre que o interesse nacional e a identidade portuguesa apenas se poderão desenvolver e aprofundar numa Europa política audaciosa e avançada, como união de Estados e povos livres e soberanos. A sua última campanha política cívica demonstrou toda a sua vitalidade e alegria e a necessidade de mobilizarmos os nossos melhores para as grandes batalhas políticas.
A Assembleia da República exprime o mais sentido pesar pelo falecimento do antigo Deputado, do governante, do cidadão exemplar, António Luciano Pacheco de Sousa Franco, e apresenta à sua família as mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o voto, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Dr.ª Matilde Sousa Franco: É particularmente difícil pronunciar-me neste momento, homenageando um dos nossos melhores.
Quando, na antiga Grécia, alguém partia na flor da idade, costumava dizer-se que os Deuses levavam primeiro aqueles que mais amavam.
Perante esta circunstância que é a partida de alguém que nos era muito próximo e muito querido, não podemos deixar de invocar, neste momento, toda a sua acção, todo o seu magistério, todo o seu ensinamento.
Fui seu aluno na Faculdade de Direito. Não esqueço a sua afirmação permanente de que a economia não pode transformar as relações dos homens em relações de coisas. Não esqueço também que o Professor

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António Sousa Franco nos ensinava que todo o preço da vida vem das coisas sem preço.
A biografia de António Luciano Sousa Franco fala por si.
Personalidade multifacetada e brilhante, desde muito cedo afirmou as suas qualidades humanas: uma excepcional dimensão intelectual, científica e pedagógica, uma cultura universalista e uma capacidade única de entrega ao serviço público.
Jovem, militou na Juventude Universitária Católica, afirmando-se desde muito cedo como um cristão social activo dentro do espírito da encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, e dos principais documentos do Concílio Vaticano II, em especial da Constituição Gaudium et Spes.
Demonstrou sempre um forte apego aos ideais e aos valores no sentido da liberdade e da justiça, da solidariedade e do desenvolvimento social, económico e cultural.
Discípulo do grande economista François Perroux, em Paris, foi pioneiro, entre nós, na investigação e no estudo dos temas do desenvolvimento e da integração económica.
Como jovem professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa produziu vastíssima obra científica da maior importância, em especial, como está dito no texto do voto que foi lido, nos domínios das finanças públicas, do direito financeiro, do direito fiscal ou do direito da economia. Mas a obra científica foi completada pela acção pedagógica por todos reconhecida.
O sentido de justiça, a proximidade em relação aos estudantes, a vivência democrática, a prática de um autêntico espírito de abertura e de diálogo constituem uma característica muito relevante da sua acção enquanto professor de muitas gerações de jovens juristas.
Como académico e universitário, a sua acção foi de relevância maior. As funções que desempenhou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa corresponderam a um período áureo da vida da instituição. O mesmo se diga do papel fundamental que teve no lançamento e instalação da Universidade Católica Portuguesa e na direcção da respectiva Faculdade de Direito.
Como homem público, como político activo e moderno, tem no seu currículo o desempenho das mais prestigiosas e exigentes tarefas, desde a administração da Caixa Geral de Depósitos, logo após a Revolução, até à presidência do Tribunal de Contas. A António Sousa Franco se deve a grande reforma desta instituição e o seu enorme prestígio actual.
Foi Secretário de Estado das Finanças em 1976, sendo Ministro Francisco Salgado Zenha, foi Ministro das Finanças no V Governo Constitucional e, entre 1995 e 1999, no governo presidido pelo Eng.º António Guterres, voltou a desempenhar aquelas funções num momento crucial da nossa vida colectiva.
Com espírito reformador, aliando o rigor e a consciência social com a entrega total ao bem público, reorganizou a administração financeira do Estado, contribuiu para a modernização dos instrumentos de gestão das finanças públicas, da administração tributária e do crédito público. Mas impõe-se referir a exemplar preparação e concretização da adesão de Portugal à União Económica e Monetária e à Moeda Única, com o cumprimento integral de todos os critérios exigidos, contra ventos e marés e apesar de muitas vozes críticas ou cépticas.
A História reserva-lhe o lugar a que tem direito.
Como político e cidadão, foi sempre coerente com as suas ideias e os seus princípios, desde a militância no PSD, desde o exercício das mais elevadas funções nesse partido até ao exercício, neste Parlamento, em várias legislaturas, de modo exemplar, da função de Deputado eleito pela Acção Social Democrata Independente (ASDI) no âmbito da FRS.
Numa das nossas últimas conversas, num sábado de sol, falámos da Europa e do Portugal de sempre. Recordámos Francisco Lucas Pires, que disse que a base histórica sólida e as primícias são promissoras e que embora a aventura possa ser tão dura quanto baste, é como se, completada a viagem do Infante D. Henrique, chegasse agora o turno do seu irmão na reserva, D. Pedro, Duque de Coimbra, "o Europeu".
Completar a viagem do Infante exige compreender o que o Príncipe Perfeito entendeu melhor do que ninguém: que haveria que conceber e concretizar uma estratégia europeia que tivesse bases sólidas e não pés de barro.
Nessa tarde de sol, dizia António de Sousa Franco que a viagem e a Europa completam-se, são faces da mesma moeda. Então, falámos longamente sobre como a identidade portuguesa deve consolidar-se até à sua dimensão universal através de maior protagonismo numa Europa política, no espírito e na cultura. A importância do mundo da língua portuguesa e da sua influência, uma maior atenção à educação e à ciência, o reforço do diálogo entre saberes e civilizações, tudo isso deveria ter uma importância acrescida numa sociedade do conhecimento e do saber.
Dizia-me então que se alteraram as relações entre os centros e as periferias, que o atraso como fatalidade tinha de ser combatido (havia exemplos com os quais devíamos aprender), que em lugar da ciclotimia tradicional urgia cultivar o trabalho, a organização e a modéstia. Certo é que não há receitas nem modelos; temos, sim de aproveitar melhor as nossas vantagens efectivas para evitar os três males que António Luciano entendia serem os principais inimigos da nossa identidade - a periferia, a mediocridade

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e a irrelevância.
Foi contra esses três males que António de Sousa Franco se levantou, como no seu tempo se tinha levantado o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra, "o Europeu", sabendo que tinha de lutar contra ventos e marés. Eis porque o tema europeu, eis porque a sua militância europeia tem tudo a ver connosco e com o modo como formos capazes de organizar o nosso futuro.
Uma palavra muito especial para a Dr.ª Matilde Sousa Franco, que, nas galerias, assiste a esta sessão, pela sua extraordinária coragem, por aquilo que nos tem ensinado nestes dias, em determinação, em respeito pela memória de quem nos deixou mas está bem presente entre nós.
António de Sousa Franco deixa-nos um sentimento de profunda saudade, mas não esquecemos a sua esperança, não esquecemos o seu entusiasmo, a sua alegria, o seu brilhantismo, o seu sentido de humor, a sua inteligência rara.
António de Sousa Franco está e continuará connosco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Há dias em que as palavras falham. Assim é hoje, assim foi naquela manhã de quarta-feira. A campanha interrompida por um silêncio de dor e absurdo.
Falo como testemunha do gelo que nos atravessou, na coligação, das lágrimas de João de Deus Pinheiro, o mais directo concorrente de Sousa Franco. Falo como amiga, ex-aluna, cidadã que teve e tem a Sousa Franco como referência.
Encontrei-o em Roma, nas vésperas do confronto eleitoral e disse-lhe o que mais me conforta nesta hora de tristeza: que sentia uma grande honra em tê-lo como protagonista nesse confronto. Sousa Franco, com ternura, quase que se desculpava com a proximidade do dia 13, como que a relativizar a diferença partidária que nos separava.
Sousa Franco atingiu o que de mais sublime um ser humano pode atingir: um pensamento que brilha num coração que bate, o golpe de asa da civilidade que é, ela também, suporte da moralidade.
Se alguém teve um comportamento ético admirável e atingiu a excelência da cidadania, esse alguém foi, de certeza, Sousa Franco.
Culto, arguto, homem de convicções e, por isso, profundamente humano, Sousa Franco soube como ninguém que a melhor forma de homenagear o pensamento é transformá-lo em acção.
Nada de mais sublime do que o filósofo que arregaça as mangas, o pensador que ocupa o seu lugar na ordem do mundo e assume inteiramente as suas responsabilidades nessa ordem.
Nada de mais excelente do que a cidadania que assume que, tal como a liberdade, também a felicidade é um ideal da esfera pública.
Sousa Franco protagonizou a verdadeira atitude moral, a do comprometimento, a da entrega, a da missão. A missão que ultrapassa o interesse próprio ou mesmo dá ao interesse próprio outra leitura, porque ninguém pode ser feliz quando fecha os olhos ao destino dos outros.
Sousa Franco recusou o puro prazer de reflectir à porta fechada, deu asas ao pensamento e converteu-o em regra de vida; recusou um ideal de justiça meramente contemplativo, não se demitiu.
A universalidade do discurso europeu assentava-lhe com perfeição, porque a universalidade é inevitável numa forte consciência dos valores públicos da justiça. E também o optimismo em relação ao futuro, imprescindível ao agir político. E também o sentido da obra comum. E também o desejo de um mundo sem muros nem barreiras. Tudo isso presente em Sousa Franco.
Afinal, há uma espécie de eternização neste sentido profundo do outro, neste sentido de responsabilidade que se compromete com o destino de todos, que é, afinal, o grande sentido da política.
Sousa Franco foi assim: ponte entre saber e solicitude, exemplo de uma humanidade partilhada, cidadania que capricha na mais pura excelência.
Quando o homenageei pela última vez, perguntei-me como pode morrer o pensamento. Mas o pensamento não morre; não morre, se ele foi ainda acção; não morre, se ele saiu da biblioteca, atravessou as portas de casa e foi à luta no centro da cidade. Assim não morre!
À família e ao País, a manifestação de dor de todos os militantes do PSD, de uma dor profunda, partilhada, eternamente sentida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP associa-se ao voto de pesar, apresentado pelo Partido Socialista, pela morte de António Luciano de Sousa Franco.

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O Prof. Sousa Franco teve uma vida intensa nos mais diversos meios da nossa sociedade, seja o académico, o político, o da Administração Pública ou até o da vida empresarial.
Pessoalmente, devo, nesta ocasião, afirmar que não tive a possibilidade de contactar directamente com o Prof. Sousa Franco. O meu conhecimento sobre a sua obra e a sua vida é, antes, devido aos inúmeros escritos da sua autoria, que acompanham todo e qualquer estudante, docente ou investigador de uma faculdade de Direito.
Esta circunstância pessoal em nada me inibe de, hoje, aqui afirmar que a investigação jurídica e toda a pedagogia muito devem à sua obra. Têm especial destaque, entre muitas outras, as lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, que constituem um elemento basilar de toda a cadeira jurídica de Finanças Públicas.
Realço também a visão do jurista, que afirmava, ainda este ano, em entrevista: "A vida ensinou-me que o Direito ou tem um forte enquadramento social e axiológico ou é um conjunto de formalismos e papeladas que perturba a vida dos humanos".
Deve igualmente realçar-se o papel desempenhado na Acção Católica, de que foi secretário-geral, e, ainda recentemente, a intervenção na negociação da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé.
O Prof. Sousa Franco teve também uma ampla actividade de natureza política, de que se destaca: o auxílio na elaboração da Declaração de Princípios do CDS; a participação na vida do PSD, partido em relação ao qual participou numa cisão que funda a Acção Social Democrática Independente (ASDI), tendo, como todos sabemos, concorrido, como cabeça-de-lista do Partido Socialista, às últimas eleições para o Parlamento Europeu.
Como ministro, fez parte de dois governos, e foi também Deputado nesta Assembleia, tendo sempre demonstrado dotes de oratória a que juntou o conhecimento e o rigor técnicos.
A sua enorme capacidade de trabalho, testemunhada desde muito cedo, levou a que tivesse passado por inúmeras funções, entre as quais se destacam: a presidência da comissão que elaborou a primeira lei de imprensa posterior ao 25 de Abril; a presidência da Caixa Geral de Depósitos; a presidência do Tribunal de Contas; participações várias em diversas organizações internacionais, mas também nacionais, como o Conselho Nacional de Educação; e, por fim, um empenhado contributo nos órgãos directivos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Direito da Universidade Católica.
Mas, acima de tudo, o Prof. António de Sousa Franco tinha preocupações de cidadania, que exercia dentro de uma vida dedicada ao Direito, à ciência jurídica e ao seu ensino. Quanto a este, sempre se empenhou na descoberta de novos caminhos - a sua preocupação foi sempre a de salientar na Universidade a necessidade de empenho e capacidade de inovação, nunca esquecendo que, no presente daquela, estão sempre as raízes do futuro.
Ao Partido Socialista, aos seus amigos, à sua família e, em especial, à sua viúva, Dr.ª Matilde de Sousa Franco, quero, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, expressar, mais uma vez, os nossos votos de condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: No momento em que, em nome da bancada parlamentar do PCP, nos associamos ao pesar unânime desta Câmara pelo trágico falecimento do Prof. António de Sousa Franco, seja-me permitido um breve testemunho pessoal, para dizer que também eu tive o privilégio de ter sido seu aluno na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa na primeira metade dos anos 80. Mas, nessa qualidade, tive um outro privilégio: o de ter sido representante dos estudantes no Conselho Directivo presidido precisamente pelo Prof. António de Sousa Franco e de, durante cerca de dois anos, ter compartilhado, sob a sua presidência, funções de gestão daquela Faculdade. Nesses dois anos pude testemunhar de perto não apenas a sua capacidade de trabalho e de liderança mas também a sua enorme dedicação e o seu abnegado empenhamento para garantir que a Faculdade, a qual, nessa altura, também se confrontava com drásticos constrangimentos financeiros, pudesse funcionar em condições de dignidade e assegurar elevados padrões de qualidade do ensino do Direito.
O Prof. António de Sousa Franco era um universitário no mais amplo sentido do termo: era não apenas um professor muito distinto e de méritos mais do que reconhecidos, alguém com grandes preocupações a nível científico e pedagógico, mas também alguém que se preocupava com o próprio funcionamento da faculdade nos seus mais pequenos pormenores e daí a sua enorme dedicação também à gestão da própria faculdade.
O Prof. António de Sousa Franco foi um dos mais distintos professores portugueses de Direito Financeiro, de Finanças Públicas, de Direito Fiscal, de Economia Política e de Direito da Economia, não apenas do seu tempo mas de todos os tempos, em Portugal.

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Desde os anos 60 até ao seu falecimento desenvolveu uma extraordinária actividade docente e científica. Ao longo das últimas quatro décadas não terá havido estudante de Direito, em Portugal, que não tenha aprendido algo com o Prof. António de Sousa Franco, quer frequentando as suas aulas (aqueles que foram seus alunos na Faculdade de Direito de Lisboa ou na Universidade Católica Portuguesa), quer beneficiando da sua vastíssima obra científica.
Como já foi dito, o Prof. Sousa Franco desenvolveu também uma intensa e destacada militância cívica e política, tendo prestado ao Estado português os mais relevantes serviços nos cargos que exerceu, como dirigente partidário, como Deputado desta Assembleia, como Secretário de Estado e Ministro das Finanças em dois governos distintos e como Presidente do Tribunal de Contas, cargo que exerceu de forma particularmente exemplar, o que importa, neste momento, sublinhar.
No momento em que, subitamente, nos deixou, o Prof. Sousa Franco travava, de uma forma digna, empenhada e por todos elogiada, mais uma batalha política que o levaria a representar Portugal no Parlamento Europeu.
O destino não permitiu que atingisse esse objectivo, mas louvamos o exemplo de um homem que lutou até aos últimos instantes da sua vida pelo triunfo das suas convicções.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português associa-se a esta homenagem que a Assembleia da República, muito justamente, presta à memória do Prof. António de Sousa Franco e apresenta à Sr.ª Dr.ª Matilde de Sousa Franco, aos demais familiares e ao Partido Socialista as suas mais sinceras condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Sousa.

A Sr.ª Alda Sousa (BE): - Senhor Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Subitamente, este Verão, a morte surpreendeu-o e surpreendeu-nos a todos. As circunstâncias dramáticas em que o Prof. Sousa Franco morreu não deixarão, por certo, de nos interrogar a todos.
O seu exemplo de entrega não pode deixar de ser lembrado. A sua trágica morte não pode deixar ninguém indiferente. A cerimónia de homenagem que hoje a Assembleia da República presta em honra de Sousa Franco será sempre pequena para fazer jus ao seu nome e ao seu papel na vida pública portuguesa.
Homem de cultura e académico brilhante, catedrático desde muito novo, autor de uma extensíssima obra científica, Presidente do Conselho Directivo e Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Sousa Franco não era só um estudioso, como teimou em nos demonstrar a todos o vigor, a determinação e a energia com que encarou a campanha eleitoral, que se tornou, tragicamente, na última batalha da sua vida.
António de Sousa Franco militou na Juventude Universitária Católica (JUC) antes do 25 Abril. Entrou no PPD de Sá Carneiro e saiu do PSD em divergência com Sá Carneiro. Foi ministro das Finanças no governo de Maria de Lurdes Pintassilgo, fundou a ASDI, foi membro da Frente Republicana e Socialista, foi Deputado à Assembleia da República, Presidente do Tribunal de Contas, Ministro das Finanças do primeiro governo de António Guterres.
O seu percurso deve ser olhado, e é justo que assim se faça, como o percurso de um homem livre que foi sempre fiel às suas convicções, que pensou pela sua própria cabeça, ao mesmo tempo que em ocasiões diversas respondeu a apelos para servir a causa pública. Sempre que entendeu que o seu contributo poderia ser útil, Sousa Franco nunca titubeou. Não era o seu estilo.
As suas intervenções nesta campanha demonstraram-no. Responsável pela assinatura portuguesa do Pacto de Estabilidade e Crescimento e pela entrada de Portugal no euro, Sousa Franco reconheceu num dos debates da campanha como o processo tinha sido uma imposição da Alemanha a todos os outros países e como o próprio se afastava de uma leitura ortodoxa do Pacto, percebendo que este caminho compromete o investimento reprodutivo necessário para combater a estagnação do crescimento económico europeu. Esta reflexão, vinda de alguém tão empenhado no futuro da Europa, ainda hoje nos interpela para procurarmos um melhor Pacto para o crescimento e o emprego.
É claro que muitas diferenças nos separavam em política nacional e internacional. Mas o Prof. Sousa Franco merecia-nos o mais profundo respeito não só pela sua forma de entender a política como um serviço público, mas também pela forma enérgica, convicta e empenhada com que sempre esteve na política.
Disso deu um exemplo, nestas últimas eleições, nas entrevistas, nos debates na televisão e rádio, mas sobretudo na forma como nos surpreendeu a todos no contacto de rua com as populações e no à-vontade que foi gradualmente desmentindo o perfil de académico austero com que tinha iniciado a campanha.
Sousa Franco engrandeceu esta campanha eleitoral rejeitando a politiquice e contribuindo para recolocar a política no centro dos debates. Tudo fez para elevar o nível do debate político, e é desse Sousa Franco que temos o dever de nos lembrar.
À Dr.ª Matilde Sousa Franco, que demonstrou enorme coragem e dignidade, à sua filha e restante

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família e, evidentemente, ao Partido Socialista, o nosso profundo pesar e solidariedade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Caros Colegas: Em nome de Os Verdes, gostaria também de me associar a esta justíssima homenagem que estamos a prestar hoje ao Prof. Sousa Franco.
Conheci-o de modo breve, enquanto exerceu funções na Assembleia da República e enquanto membro do governo de António Guterres.
Penso que a forma trágica como o seu desaparecimento ocorreu não deixou ninguém indiferente e leva-nos a questionar sobre o modo brutal e muitas vezes excessivo como o combate político tem de ser travado. Mas também nos deixa uma marca fortíssima de alguém que participou de corpo e alma numa campanha, com uma total entrega, com uma enorme paixão e também com algo particularmente bonito, ou seja, uma imensa alegria e um imenso encantamento.
Penso que o Prof. Sousa Franco, sendo alguém que não se preocupava propriamente com o "politicamente correcto", mas que agiu sempre de acordo com as suas convicções mais profundas em defesa dos valores que pautaram toda a sua vida, por uma sociedade mais fraterna e mais justa, na campanha eleitoral, particularmente dura, revelou-se como uma pessoa extraordinariamente afável, bem humorada, pedagógica no modo como se dirigiu aos cidadãos portugueses.
É esse o exemplo de um cidadão comprometido, ao longo da vida, com a causa pública. Esse cidadão, académico, investigador, professor, imprimiu com a sua obra mudanças enormes, designadamente no Tribunal de Contas, transformando esse imenso, gigante, e burocrático órgão num órgão prestigiado e moderno.
Sousa Franco, um católico empenhado com a vida, não viveu fechado num gueto, mas fez das suas convicções religiosas e políticas um guia de acção ao serviço dos outros, ao serviço da causa pública, como forma de transformar uma sociedade, que queria mais justa e mais solidária.
Hoje assinalamos o desaparecimento desse cidadão, de convicção, de entrega e de humildade, marcante para todos nós, e é a essa pessoa a quem, em nome de Os Verdes, quero prestar homenagem.
Não queria também deixar de manifestar a minha enorme admiração pela Dr.ª Matilde Sousa Franco, cuja coragem e seriedade são uma lição para todos nós.
À sua família enlutada e ao Partido Socialista, que perdeu aquele que seria um grande Deputado no Parlamento Europeu, quero, pois, manifestar o meu pesar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome do Governo, associo-me também ao voto de pesar pelo falecimento do Prof. Sousa Franco.
A morte do Prof. Sousa Franco representa o desaparecimento de alguém que tomou o serviço público como uma opção de toda uma vida - julgo que uma das marcas mais impressivas da personalidade do Prof. Sousa Franco -, serviço público esse que, com enorme brilhantismo, prestou, quer como Deputado, governante, professor, quer como cidadão.
Como governante e Deputado, bateu-se de uma forma sempre determinada e teimosa pelas suas ideias. Poderia ser polémico, controverso, a ninguém deixava, em qualquer circunstância, indiferente. É a melhor prova de que se batia pelas suas próprias ideias e de que assumia as suas próprias convicções. Merece, por isso, o nosso enorme e profundo respeito.
Como professor, dedicou toda uma vida a uma das actividades mais nobres que existem: a de transmitir conhecimentos aos mais novos, às novas gerações. Fê-lo, como aqui já foi recordado (e muitíssimo bem), com enorme brilhantismo. Foi um dos maiores académicos, um dos melhores professores de Portugal. Merece, por isso, também, o nosso reconhecimento.
Como cidadão, foi alguém que não precisou, durante anos, da actividade política partidária normal para exercer uma actividade cívica e política constante e permanente, na busca de soluções na afirmação dos seus ideais. É, pois, também credor do nosso respeito e admiração por este exemplo de cidadania.
Morreu de forma inesperada, brutal, dramática, comovendo todos: os seus amigos, os seus adversários ou aqueles que simplesmente o conheciam da actividade pública.
Morreu quando, em obediência a estes princípios da sua intervenção cívica e política, protagonizava mais um combate, desta vez para servir Portugal no Parlamento Europeu. Fica-nos, por isso, sobretudo, o seu exemplo, o exemplo da sua obra, do seu pensamento e da sua acção. Aqui lhe presto, por todas estas razões, a minha e a nossa homenagem.
À Dr.ª Matilde de Sousa Franco e ao Partido Socialista renovo o nosso sentido pesar, as nossas

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condolências e aqui expresso a nossa homenagem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebi também mensagens de condolências pela morte do Prof. Sousa Franco do Presidente da Assembleia Nacional da República de Cabo Verde, que evoca a participação do Prof. Sousa Franco na organização dos mecanismos de fiscalização financeira desse nosso país irmão, e ainda do Presidente da Xunta de Galicia.
Vamos agora votar os votos que foram apresentados e apreciados durante esta sessão tão particular.
Em primeiro lugar, vamos proceder à votação do voto n.º 181/IX - De pesar pelo falecimento do Vice-Presidente Lino de Carvalho (apresentado pelo PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos, agora, à votação do voto n.º 180/IX - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Prof. Sousa Franco (apresentado pelo PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Convido a Câmara para, de pé, homenagearmos, em silêncio, a memória dos dois falecidos.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, informo que os diplomas que estavam agendados para hoje foram transferidos para uma sessão extraordinária, que se realizará amanhã, às 10 horas, de cuja ordem do dia constará, pois, a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 124/IX e dos projectos de lei n.os 445/IX (PS) e 461/IX (PCP) e ainda a discussão da proposta de lei n.º 125/IX.
Voltaremos depois a reunir, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia, a que se seguirá o período da ordem do dia, do qual constará a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 346/IX (PS) e 425/IX (PSD e CDS-PP), havendo ainda lugar a um período regimental de votações.
Mais informo que, de seguida, receberei, na sala de visitas do Presidente da Assembleia da República, os familiares de Lino de Carvalho e de António de Sousa Franco.
Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
José Augusto Clemente de Carvalho

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Sr. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Carlos Jorge Martins Pereira
Henrique José Monteiro Chaves
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel Carvalho Cordeiro
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares

Partido Socialista (PS):

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António Luís Santos da Costa
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
João Cardona Gomes Cravinho
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho

Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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