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5848 | I Série - Número 107 | 29 de Julho de 2004

 

afinal de que ele próprio, o seu autor, Carlos Paredes, era o retrato mesmo da complexidade e riqueza do Homem e da sua vida.
Foi um homem do seu tempo e de um tempo que quis que fosse seu e de todos os Homens. A música que brotava das suas mãos trazia a consciência clara e o empenho militante de um espírito lúcido, solidário, combativo e corajoso. Criou-se como artista, mas criou-se igualmente como cidadão. E se a sua arte conheceu a adversidade do obscurantismo, a sua cidadania igualmente enfrentou a marca da repressão política. A sua arte, como o vemos hoje, triunfou! E aqui, nesta Assembleia, tornada possível por Abril, podemos com toda a firmeza declarar que igualmente triunfou, nele próprio e no povo com que se identificou, o cidadão e o democrata Carlos Paredes. Firme nas suas convicções de comunista, a elas fiel ao longo de toda a sua vida.
Do seu sorridente discurso saía constantemente uma palavra, um vocativo feito interjeição, uma desabafo afinal sentimento expresso: "Oh, amigo!…"
Nós, todos nós, perdemos um Amigo.
Os sons da sua música continuarão ecoando nos nossos ouvidos e nos nossos corações. Graças a Carlos Paredes, Portugal e o seu povo terão para sempre verdes anos de esperança.
A Assembleia da República exprime o seu profundo pesar pelo falecimento de Carlos Paredes e endereça à família as mais sentidas condolências."
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com Carlos Paredes sabemos que a "musicalidade é esta capacidade de integração da parte física e emotiva".
Descobrimos que é assim quando apreendemos o mundo nas suas mãos moldando as cordas da guitarra fraterna e cúmplice.
Sabemos que é assim, aqueles que tivemos o privilégio de ouvir a sua música irromper da magia dos seus dedos e recriar-se no olhar solidário que abraçava cada um de nós em plena sintonia com o sentimento e a vida.
De si disse Paredes: "Sou um instrumentista popular. Tudo o que conheço da música erudita é apenas aquilo que me é exigido (…). Sei, isso sim, por experiência própria, que se alguma coisa está por dentro da música, da poesia, da ciência, da cultura, é, enfim, a realidade".
E questionava: "Quem poderá ver, alguma vez, a verdade por fora da cultura"? "Por mim, só consigo ver alguma coisa quando ela me é revelada pela Arte, pela Ciência, pela Política."
Porque a obra, a que sobrevive para além dos tempos, "pode transformar-se, nas nossas mãos, num instrumento de descoberta da realidade, em qualquer lugar e em qualquer época".
"Mas há quem entenda que a realidade deve ser intocável, e, por isso, não a vão procurar através da Arte, através da Cultura, que reduziram à condição de mero objecto de gozo estético, maçadora imposição social ou símbolo de prestígio pessoal."
Para Paredes a realidade só era passível de entendimento "por dentro da sua arte, em movimento, em transformação" e porque a realidade se transforma, "será sempre possível corrigi-la de acordo com as justas aspirações dos seres humanos."
Por isso, ele denunciava que os artistas, em Portugal, correm o risco de serem isolados, exilados, debilitados pela fome ou queimados na fogueira."
Também ele o soube nas prisões e na tortura de Salazar, porque a arte e o compromisso político fizeram a sua vida.
Mas, apesar das dificuldades, ele estava seguro que "ninguém pôde impedir que de escolas, liceus e universidades (…) saíssem muitos dos maiores poetas que a nossa língua conhece.". Mas foi fácil, em sua opinião, manter em número caricatamente reduzido a quantidade de salas de concerto e escolas de música, desprestigiar, por mil e uma formas, a profissão de músico, uma vez que tudo isto e o muito que seria necessário fazer depende do poder, depende do programa do poder.
É difícil, dizia Carlos Paredes, ser-se poeta, em Portugal, mas muito, muitíssimo mais difícil, é ser-se músico.
A humildade, a grandeza na simplicidade e o fatigante apelo ao anonimato determinaram o seu percurso, mas a obra, essa irrompeu do génio, inscreveu-se em todos os que tiveram o privilégio de o ouvir e está aí lado a lado na construção do nosso quotidiano.
Por isso, Paredes não tinha razão quando afirmava que "Daqui a alguns anos, ninguém poderá ouvir esta música guitarras. Isto vai passar, amigos, isto vai passar".
O homem não está mais entre nós. Ficámos todos mais pobres. Mas, se aqui estivesse hoje ao pé de nós, afirmaria em surdina: "Oh, meus amigos, peço desculpa. Eu não gosto nada de subir ao palco".
Músico e homem confundiram-se por vontade, foram semente e fruto do país que lhes deu guarida e nele ficarão para sempre.

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