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Sexta-feira, 8 de Outubro de 2004 I Série - Número 10

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE OUTUBRO DE 2004

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Henrique Jorge Campos Cunha
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e do projecto de resolução n.º 32/IX.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE), a propósito do afastamento do comentador Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, verberou quaisquer formas de censura na comunicação social.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Rodeia Machado (PCP) alertou a Câmara para a grave e continuada crise financeira da Casa do Douro e respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pedro Silva Pereira (PS).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes), aludindo também ao caso Marcelo Rebelo de Sousa, repudiou qualquer limitação da liberdade de expressão nos media, referindo-se ainda à degradação paisagística na Madeira. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Rodrigues (PSD) - que veio a dar explicações a uma interpelação do Sr. Deputado Francisco Louçã (BE).
A Sr.ª Deputada Clara Carneiro (PSD), por ocasião da realização do V Congresso Nacional sobre SIDA, fez um balanço das medidas desenvolvidas no seu combate.
O Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho (PS), referindo-se igualmente ao caso Rebelo de Sousa, propugnou a actualização da legislação relativa à comunicação social. Depois, deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP) e Luís Campos Ferreira (PSD).

Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, tendo, depois, merecido aprovação na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 141/IX - Autoriza o Governo a legislar no sentido da definição de medidas indemnizatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica (CAE) celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico (Manuel Correa de Lancastre), os Srs. Deputados Victor Baptista e José Apolinário (PS), Honório Novo (PCP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Jorge Tadeu Morgado (PSD) e Herculano Gonçalves (CDS-PP).
O projecto de lei n.º 176/IX - Alteração à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (PSD), foi também discutido, e aprovado, na generalidade, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Maria Manuela Aguiar (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Miguel Paiva (CDS-PP), Francisco Louçã (BE) e António Filipe (PCP).
Foi debatido, e rejeitado, o projecto de resolução n.º 246 /IX - Elaboração do segundo inquérito nacional alimentar (Os

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Verdes). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Heloísa Apolónia (Os Verdes), Maria Santos (PS), Fernando Penha (PSD), Henrique Campos Cunha (CDS-PP) e Ângela Sabino (PCP).
A Câmara prestou homenagem ao Presidente da Assembleia Constituinte, Professor Henrique de Barros, pelo centenário do seu nascimento, tendo aprovado, por aclamação, o voto n.º 211/IX (Presidente da AR, PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes). Além do Sr. Presidente da Assembleia e do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva) associaram-se àquela homenagem, em representação dos respectivos grupos parlamentares, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Pedro Roseta (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Ana Drago (BE), António Filipe (PCP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente congratulou-se com o modo como o Sr. Presidente da República assinalou o 5 de Outubro, inaugurando o Museu da Presidência da República, tendo também feito referência às condecorações com que foram agraciados Membros do Parlamento.
Sobre o voto n.º 208/IX - De protesto pela violação sistemática dos limites das 100 milhas no mar dos Açores (BE), que foi rejeitado, pronunciaram-se os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Joaquim Ponte (PSD), João Rebelo (CDS-PP) e Luiz Fagundes Duarte (PS).
Foi também rejeitado o voto n.º 209/IX - De protesto pelos assassinatos e violações dos direitos humanos por parte de Israel nos territórios palestinianos ocupados (PCP), tendo usado da palavra os Srs. Deputados António Filipe (PCP), João Moura (PSD), João Rebelo (CDS-PP) e José Vera Jardim (PS).
Após terem usado da palavra os Srs. Deputados Francisco Louçã (BE), Augusto Santos Silva (PS), João Moura (PSD), Bernardino Soares (PCP) e Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), o voto n.º 210/IX - Em defesa da liberdade de expressão (BE), não mereceu aprovação.
O projecto de lei n.º 443/IX - Consagra a gratuitidade de acesso ilimitado, via Internet, ao Diário da República (BE), foi rejeitado na generalidade.
A Câmara aprovou ainda um parecer da Comissão de Ética, autorizando um Deputado do PS, a depor por escrito, na qualidade de testemunha, em tribunal.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 503/IX.
Foi discutido o projecto de deliberação n.º 31/IX - Constituição de uma comissão eventual para a avaliação da execução do Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência - Horizonte 2004 e acompanhamento do processo de definição do "Horizonte 2008" (PCP), tendo-se pronunciado, a diverso título, os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Miguel Coleta (PSD), Bernardino Soares (PCP), Sónia Fertuzinhos (PS), Miguel Paiva (CDS-PP), Ana Drago (BE) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Por fim, deu-se ainda conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 498 a 501/IX.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Adão José Fonseca Silva
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Carlos de Sousa Pinto
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Henriques de Pinho Cardão
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Delmar Ramiro Palas
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Elvira da Costa Bernardino de Matos Figueiredo
Fernando António Esteves Charrua
Fernando José Pimenta Rodrigues
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Luís Campos Vieira de Castro
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João José Gago Horta

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João Manuel Moura Rodrigues
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim dos Santos Ferreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria João Vaz Osório Rodrigues da Fonseca
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Manuel Cruz Roseta
Ricardo Daniel Pinto Soares Vieira
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Susana Maria de Moura Alves da Silva Toscano
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Jorge Valdez Ferreira Matias
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Jorge Gonçalves e Gama de Oliveira
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita

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Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Gustavo Emanuel Alves de Figueiredo Carranca
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Jorge Lacão Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José da Conceição Saraiva
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
João Cardona Gomes Cravinho
João Rui Gaspar de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda

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Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor José Cabrita Neto
Vítor Manuel Barreto Marinho da Cunha
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Henrique Jorge Campos Cunha
José Marcelo Sanches Mendes Pinto
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Manuel Miguel Pinheiro Paiva
Narana Sinai Coissoró
Paulo Daniel Fugas Veiga
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Ângela Ricarda Carriço Sabino

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Francisco Anacleto Louçã

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostava de fazer um pequeno anúncio à Câmara antes de iniciarmos os nossos trabalhos.
Ontem falei com os grupos parlamentares no sentido de abrirmos a sessão de hoje com uma invocação do centenário do Presidente da Assembleia Constituinte, Professor Henrique de Barros. Acontece que familiares dele virão aqui, às 17 horas, para o lançamento de um livro comemorativo dessa data. Por isso proponho à Câmara que façamos essa invocação às 18 horas, quando estarão também presentes os seus filhos, que terão, com certeza, muito gosto em participar nessa nossa invocação.
Por via disso escrevi também um pequeno texto de um voto, que foi distribuído aos grupos parlamentares desta Câmara, para ser por todos subscrito - suponho que está em condições de o ser -, pois julgo que, assim, reforçaremos esta nossa merecidíssima homenagem ao primeiro Presidente do Parlamento democrático do pós 25 de Abril.
Aliás, tenho muita honra em sentar-me na cadeira em que ele se sentou, como todos os que me antecederam.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de expediente que deu entrada na Mesa.

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O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os requerimentos seguintes:
Na reunião plenária de 30 de Setembro: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Massano Cardoso; ao Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território e à Câmara Municipal do Funchal, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Antunes; aos Ministérios da Ciência, Inovação e do Ensino Superior, da Cultura, da Educação, dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Adão Silva, Manuela Melo e Luísa Mesquita; aos Ministérios da Administração Interna, do Ambiente e do Ordenamento do Território, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, à Inspecção-Geral do Ambiente e à Câmara e Assembleia Municipal de Vila Real de Santo António, formulados pelo Sr. Deputado Herculano Gonçalves.
Deu também entrada na Mesa, e foi admitido pelo Sr. Presidente da Assembleia, o projecto de resolução n.º 32/IX - Cria uma comissão eventual para o acompanhamento e avaliação da situação do serviço público de educação nos anos lectivos 2004/2005 e 2005/2006 (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar as intervenções do período de antes da ordem do dia com uma declaração política da Sr. Deputada Ana Drago em nome do seu grupo parlamentar, o Bloco de Esquerda.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Um ministro não é um comentador. Um ministro não dá opiniões sobre modelos de programas televisivos. Quando um ministro fala é o Governo que está a falar. Quando o Ministro dos Assuntos Parlamentares falou, foi o Governo que falou. E o que disse o Governo? Disse que não queria Marcelo Rebelo de Sousa a falar sozinho na TVI, que queria que ele acabasse com as críticas ao Governo. O que sugeriu o Ministro Rui Gomes da Silva? Não vamos ter medo das palavras: sugeriu censura. Foi disso mesmo que se tratou.
Independentemente do que se pense do modelo de Marcelo Rebelo de Sousa - não encontrarão aqui, aliás, nenhum defensor deste formato - o uso do argumento do contraditório é absolutamente extraordinário.
Afinal, o que pretende o Governo? Obter agora uma coluna de opinião ao lado de cada editorial de cada jornal? Colocar um comissário político a debater com cada comentador em cada televisão?
Verdadeiramente extraordinário é o grau de descaramento com que o Sr. Primeiro-Ministro bate no peito, como se fosse o mais puro e constante defensor do pluralismo. Onde estava, afinal, Pedro Santana Lopes quando Marcelo Rebelo de Sousa elogiava os governos do PSD e zurzia na oposição? Não foi avistado nessa altura.
Mais: qual era a opinião de Pedro Santana Lopes quando ele próprio, Pedro Santana Lopes, aceitou, no Verão do ano passado, ao sair da RTP, participar como comentador, sem oponente, nos telejornais da SIC? Onde estavam, nessas noites sem estrelas, o contraditório e o pluralismo que Pedro Santana Lopes tanto acarinha? Porventura, pensará Pedro Santana Lopes que não temos memória?
Nunca, até assumir novas funções, a falta de pluralismo lhe tirou o sono. Porque não era - e porque não é - isso o que realmente está em causa. O que está em causa é que este Governo não tolera que, na comunicação social, o critiquem; o que está em causa é o desrespeito pela liberdade de expressão e de opinião.
Nesta última semana apenas vimos a prova provada do que já sabíamos, do que muitos avisaram: este Governo traz consigo, no seu "código genético" o total desprezo pelas mais elementares regras democráticas. Aliás, outra coisa não se poderia esperar de um Governo que não foi eleito. Quem foge ao confronto eleitoral para aceder à governação não está - não pode estar - preparado para o jogo democrático. Como não pode ser bom aluno quem entrou na escola através de uma cunha.
Nos tempos que hoje vivemos, não vale a pena moderar as palavras. O que se passou esta semana foi o caso mais grave de censura no Portugal democrático. Sublinho: censura.
Tanto que nem há, neste caso, grandes esclarecimentos a receber: as pressões foram absolutamente públicas, aos olhos de todos, porque até como censor este Governo é incompetente.
O afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa foi público. Bastou ouvir o Deputado Luís Marques Mendes, ontem, para dissipar qualquer dúvida. Nada a esclarecer, portanto: o Governo promoveu a censura, a TVI aceitou ser censurada.
Subscrevemos, portanto, as palavras do Deputado Luís Marques Mendes: "esta situação é absolutamente lamentável e resulta evidentemente, como é público, de pressões intoleráveis do Governo sobre órgãos de comunicação social".

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Mas, perante a evidência, o Governo e a Media Capital estão convencidos de que os portugueses são parvos. Paes do Amaral garante-nos que a relação entre as declarações de Rui Gomes da Silva e a saída de Marcelo Rebelo de Sousa terá sido apenas uma infeliz coincidência. Tratam-nos como se fossemos estúpidos e ainda se divertem.
O Ministro Morais Sarmento disse - vejam bem a graça - que "se calhar" a TVI acabou com os comentários de Marcelo porque têm o futebol ao domingo. De facto, o descaramento destes podres poderes ultrapassa sempre a mais audaz das expectativas.
Triste é ver o papel da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que, perante o afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa, resolve abrir um inquérito, não a este facto mas à participação do comentador nos telejornais da TVI, a pedido do Governo. Quatro anos e meio depois dessa colaboração ter começado! Se não fosse trágica, esta situação seria verdadeiramente patética.
O caso é ainda mais grave quando verificamos que Santana Lopes encomendou este serviço ao Ministro dos Assuntos Parlamentares, exactamente ao Ministro que, pela área que tutela, deveria ser o que mais garantias dava de respeito pelo pluralismo democrático. Mas neste Governo, já percebemos demasiadamente bem, a vergonha é um bem escasso.
Se o caso tivesse ficado por aqui, por esta cena confrangedora de antropofagia política, em que o PSD manda calar o próprio PSD, seria grave. O Governo não pode mandar calar ninguém, não pode dar indicações de comportamento aos órgãos de comunicação social e ainda menos enviar recados à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Mas o que aconteceu depois foi um ataque à democracia e à liberdade de imprensa. O Governo deu um recado, Paes do Amaral percebeu-o e agiu: mandou Marcelo Rebelo de Sousa calar-se.
Hoje, na comunicação social, ficámos a saber o que já suspeitávamos: que a Media Capital, empresa detentora da TVI, tem interesses económicos que dependem de decisões do Governo e da PT. Ou seja, que o Governo usa o Estado e as empresas dependentes do Estado para silenciar as vozes que lhe são críticas.
Há muito que se percebia que este Governo, dependente que é de números mediáticos sem consequências, não queria deixar ao livre arbítrio de jornalistas e comentadores o tratamento da sua imagem. A nomeação, ainda no tempo de Durão Barroso, de Fernando Lima, ex-assessor de imprensa do Governo, para director do Diário de Notícias foi o primeiro sinal; a ida de Luís Delgado, comissário político da maioria, primeiro para a LUSA, e depois para a Lusomundo, foi o segundo sinal.
Por isso o episódio de Marcelo Rebelo de Sousa não é apenas um episódio, é, para sermos exactos, um sinal e um aviso que não deve ser ignorado: temos, em Portugal, um Governo que vive mal com a liberdade de imprensa e, portanto, temos em Portugal um Governo que vive mal com a democracia.
Quando, há um ano, avisámos para os riscos da concentração dos meios de comunicação social e apresentámos um projecto de lei que a maioria chumbou, sabíamos o que, hoje, se torna claro aos olhos de toda a gente: que a concentração da propriedade de meios de comunicação social cria uma rede de dependências que põe em causa a liberdade de imprensa e a própria democracia.
Hoje sabemos que a força do grupo PT e os favores que a Media Capital pretende para fazer crescer o seu grupo criaram as condições para o afastamento de uma voz crítica dos estúdios da TVI. Por isso, o Bloco de Esquerda irá reapresentar o seu projecto de lei sobre a concentração dos meios de comunicação social. Porque entre Itália e Portugal, entre Berlusconi e Pedro Santana Lopes só parece haver uma diferença: um é dono das televisões, o outro manda nos donos das televisões.
Vamos apresentar aqui, hoje, um voto de protesto. Esperamos que, perante este voto de protesto, todos aqueles que valorizam a liberdade de expressão e de opinião, todos os democratas se prenunciem aqui claramente. Porque há casos que exigem posições claras!
Hoje foi Marcelo Rebelo de Sousa, amanhã poderá ser qualquer outro. Se não nos levantamos quando calam a voz de alguns, não haverá ninguém que se levante por nós quando for a nossa voz a ser silenciada.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de lançar desta tribuna um grito de alerta ao Governo pela dramática situação que se vive, mais uma vez, na Região Demarcada do Douro. "Situação de pré-catástrofe", foi assim que alguém a denominou à delegação do PCP dirigida pelo Secretário-Geral, Carlos Carvalhas, que na passada terça-feira, 28 de Setembro, se encontrou com dirigentes e trabalhadores da Casa do Douro.

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Grito de alerta sobre o qual, passado que foi um ano sobre a entrada em vigor do novo quadro institucional da Região Demarcada do Douro - da autoria do Governo PSD/CDS-PP, na base da autorização legislativa aprovada pela maioria PSD/CDS-PP nesta Assembleia da República -, é necessário reflectir aqui, hoje.
A situação de crise aberta que vive a Casa do Douro, incapaz de cumprir, entre outros aspectos, os seus compromissos para com os seus trabalhadores, e a desgraça dos preços dos mostos e vinhos generosos e de pasto da presente vindima exigem medidas de urgência a que o Governo deve, imperativamente, responder.
A falta de resposta suficiente e capaz não pode deixar de ser entendida como a vontade deliberada, persistente e metodicamente levada a cabo, de total liquidação da Casa do Douro, como variadíssimas vezes denunciou, aqui, o Grupo Parlamentar do PCP.
Situação e problemas da Casa do Douro, dos seus trabalhadores e da imensa maioria dos viticultores durienses, que resultam, no imediato, da falta de vontade política do Governo para fazer cumprir, pelo menos, as medidas que anunciou e os compromissos que assumiu aquando das alterações legislativas, traduzidas, em parte, em protocolos, que apadrinhou, da Casa do Douro com outras instituições.
O que está em cima da mesa é o completo estrangulamento financeiro da Casa do Douro, o seu completo "manietamento" perante a degradação dos mercados vínicos na região, quer dos mostos e vinhos destinados a vinho do Porto quer dos destinados a vinhos de pasto.
Sabe o Governo que os preços oferecidos a uma pipa de vinho para consumo não pagam sequer os custos da sua vindima?
O que é que o Governo tem a dizer do cumprimento do compromisso de utilização dos laboratórios da Casa do Douro pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), com o correspondente pagamento desses serviços?
O que é feito do compromisso, vertido em protocolo, das casas exportadoras de aquisição de vinhos do Porto armazenados pela Casa do Douro? Recorda-se aqui que o anterior Secretário de Estado, Bianchi de Aguiar, falava de um rendimento para a Casa do Douro de 12,4 milhões de euros por ano. Onde é que eles estão?

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O que tem a ver o afirmado respeito pela tutela e integral propriedade do cadastro da região demarcada com as exigências do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto do seu livre desfrute e acesso? Esta é uma questão manifestamente importante.
O que é feito do compromisso da entrega à Casa do Douro de 15% da venda de um milhão de garrafas de vinhos de 1963/1964, para auxílio da tesouraria da Casa do Douro? Em resposta a um requerimento que fiz, diz o Governo que a questão é com a Caixa Geral de Depósitos...! Então o Governo não tutela a Caixa Geral de Depósitos?...

O Sr. Honório Novo (PCP): - Claro!

O Orador: - Ou será que os 15% são hoje necessários para pagar as chorudas reformas dos ex-administradores da mesma?

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - O que é feito dos solenes compromissos da viabilização financeira da Casa do Douro, que as alterações institucionais da Região iam permitir?
Sr.as e Srs. Deputados: Continuam alguns, ou muitos, preocupados com o descrédito da política e dos políticos. Temos de o dizer, mais uma vez, em voz alta. O comportamento do PSD, e também do PS, relativamente ao Douro, no Governo e na oposição, justifica tudo o que de pior se pode dizer da acção política.
Era governo o PSD com Cavaco Silva quando promoveu alterações legislativas contra a Região do Douro, aprovadas então pelo PS, embora as tenha contestado na altura.
Quando o PS era governo, em 1995, manteve e aprovou tudo o que o governo do PSD tinha feito, perante a contestação inflamada da agora oposição parlamentar do PSD. É novamente Governo o PSD, agora na companhia do CDS-PP, e outra vez o filme se repete,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - É uma vergonha!

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O Orador: - … numa cruzada, em crescendo, de verdadeiro assassinato da Casa do Douro!
Quem pode esquecer o vigor, a verve, a emoção do então deputado e presidente do PSD, Durão Barroso - depois primeiro-ministro Durão Barroso, hoje presidente da Comissão Europeia José Manuel Barroso -, no dia 14 de Dezembro de 2000,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - … em defesa da Casa do Douro, do cadastro, dos pequenos viticultores durienses, das indemnizações à Casa do Douro, do equilíbrio da estrutura interprofissional do Douro. É obra!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É necessário acudir com urgência ao Douro. Que aqueles que enchem a boca com loas à Região Duriense como Património Mundial da Humanidade não percam nunca de vista que o corpo e a alma desse património, que os construtores desse património, que os que hoje vivificam esse património - milhares de pequeníssimos e pequenos viticultores e trabalhadores rurais, os trabalhadores da Casa do Douro, os dirigentes da lavoura duriense -, desesperam, hoje, à míngua de respostas: desesperam pelos compromissos não assumidos e desesperam pela completa submissão dos seus históricos e legítimos direitos, perante os interesses do grande capital das empresas que em Gaias, ou em outras terras, se "fartam" com os lucros dos vinhos do Douro!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, a Casa do Douro, enquanto associação pública representativa da viticultura duriense, encontra-se, de facto, numa situação dramática - diria mesmo catastrófica -, em consequência das alterações institucionais produzidas pelo Governo do PSD/CDS-PP em 2003. Ao alterar os seus estatutos e um novo regulamento eleitoral e sem cumprir nenhum dos compromissos assumidos na altura, este Governo, na sequência do anterior, está a levar à ruína não só a Casa do Douro mas também milhares de pequenos e de muito pequenos produtores.
É necessário que esta situação seja alterada. O prestigio e a valorização dos vinhos do Porto e do Douro têm, necessariamente, de ter uma resposta prática.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português reafirma aqui aquilo que sempre tem dito: a Casa do Douro é uma importante associação pública essencial à defesa do Vinho do Porto e dos seus produtores.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que o Governo assuma as suas responsabilidades. O PCP, fiel aos seus princípios, sempre defendeu - e defenderá - a Casa do Douro e os produtores de vinho durienses, em nome do interesse da região e em nome do interesse nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao orador, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

O Sr. Pedro Silva Pereira (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Rodeia Machado, quero, antes de mais, cumprimentá-lo pelo grito de alerta que trouxe a esta Câmara sobre a situação, efectivamente muito grave, que se vive no Douro.
Como é do seu conhecimento, o Partido Socialista apresentou nesta Assembleia um conjunto de iniciativas tendo em vista uma reforma institucional na Região do Douro que permitisse, entre outras coisas, uma regulação mais forte, mais eficaz; o Partido Comunista trouxe também o tema a esta Assembleia várias vezes, hoje pela voz do Sr. Deputado Rodeia Machado e noutras ocasiões pela voz do Deputado Lino de Carvalho, que todos recordamos com muita saudade.
A situação no Douro é de facto, como o Sr. Deputado disse, muito grave, mas o problema não está apenas na situação de estrangulamento financeiro da Casa do Douro, com as consequências que isso tem, designadamente para a insegurança dos seus funcionários! A crise afecta a vida das populações do Douro e a consequência dessa situação é a iminente degradação da própria paisagem do Douro. Ora, não existe salvaguarda da paisagem do Douro sem a salvaguarda do modo de vida e de produção das populações do Douro - isso é impossível -, sem a salvaguarda de uma determinada estrutura fundiária e sem a salvaguarda, concretamente, do modo de vida dos pequenos produtores do Douro.

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Ora, o que acontece é que a situação de desequilíbrio que hoje se verifica entre os pequenos produtores e as grandes empresas comerciais, designadamente os grandes exportadores, com a ausência de um poder efectivo de regulação, conduz a uma situação de crise económica que, a prazo, terá para o Douro as consequências que todos conhecemos.
Portanto, a situação existente é, de facto, muito grave e ocorre - é bom recordá-lo - porque um conjunto de promessas feitas pelo ex-primeiro-ministro Durão Barroso não foi cumprido.
Todos recordamos - o Sr. Deputado Carlos Carvalhas fê-lo também aqui, no passado - as promessas no que diz respeito às indemnizações compensatórias para a Casa do Douro e que estavam previstas. Ora, essas promessas não foram cumpridas e é isso que está na origem do estrangulamento financeiro da Casa do Douro e da situação que ali se verifica.
Sr. Deputado, o Partido Socialista regressará com iniciativas legislativas tendo em vista o aperfeiçoamento do sistema de regulação que hoje, praticamente, deixou de existir naquela região e gostaria de contar com o apoio do Partido Comunista para essas iniciativas, mas a questão que lhe coloco é, muito simplesmente, esta: ao fim de dois anos e meio de promessas não cumpridas, não lhe parece, Sr. Deputado, que o seu grito de alerta é dirigido a um Governo surdo?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira, muito obrigado pelas referências que fez ao meu saudoso camarada Lino de Carvalho.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que no essencial estamos de acordo. Estamos de acordo em que, efectivamente, a região duriense vive momentos aflitivos, extremamente complicados, a que este Governo tem feito orelhas moucas. Não tem ouvido aquilo que era necessário ouvir, não tem ouvido os lavradores nem os trabalhadores da Casa do Douro, não tem ouvido os pequenos e os muito pequenos produtores do Douro, que vivem uma situação aflitiva e dramática.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Porque, efectivamente, com a retirada de competências à Casa do Douro para intervir no mercado e com a regulação do mercado, o preço dos mostos, o preço do vinho caiu a pique, representando, hoje, o preço de uma pipa de vinho aquilo que já não chega para pagar os custos das próprias vindimas.

O Sr. António Filipe (PCP): - É a miséria total!

O Orador: - É necessário e fundamental que se alterem estas situações!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como é natural, no passado apresentámos aqui iniciativas e voltaremos a apresentá-las logo que consideremos fundamental que o façamos. Teremos também de conhecer as que o PS propõe sobre esta matéria, porque há momentos em que divergimos, mas há momentos, certamente, em que convergimos e a Casa do Douro merece que sejamos convergentes nas acções para resolver os problemas daquela população tão carenciada de um apoio por parte deste Governo, que não ouve, efectivamente, essas reclamações.
A situação financeira da Casa do Douro é gravíssima, é de um estrangulamento total, pois os compromissos que foram assumidos por este Governo não estão, de maneira nenhuma, a ser cumpridos. Para exemplificar, Sr. Deputado, basta voltar a referir a situação da venda de um milhão de garrafas de vinho de 1963 e 1964, em que 15% do produto dessa venda deveriam ter sido atribuídos automaticamente à Casa do Douro. Em vez disso, o Governo, respondendo a um requerimento que fiz sobre essa matéria, disse que o dinheiro se encontrava na Caixa Geral de Depósitos e que se a Casa do Douro o quisesse teria de negociar com a Caixa Geral de Depósitos. Isto é, no mínimo, caricato, para não dizer que é uma usurpação por parte da Caixa Geral de Depósitos de dinheiro que não lhe pertence. É dinheiro que, de legítimo direito, pertence à Casa do Douro e que tanta falta lhe faz para ultrapassar, nesta fase, as situações de debilidade financeira que atravessa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Os trabalhadores estão também a pagar a factura pela acção do Governo nesta situação concreta, porque não vêem as suas carreiras facilitadas, renovadas e, muito menos, os seus salários actualizados.
Era isto que gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Pedro Silva Pereira.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para proferir uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que os portugueses tenham consciência de que chegámos ao cúmulo do autoritarismo quando o Governo, ao fim de dois anos e meio de mandato, já não suporta ouvir críticas e usa a sua influência descaradamente para calar vozes incómodas.
Neste País, as coisas funcionam assim: há interesses com poder e, quando algum projecto ou alguma pessoa incomoda esses interesses, são usados todos os mecanismos, mesmo que impensáveis e ilegítimos, para o seu silenciamento.
Este vício anti-democrático que caracterizou vários governos e, agora, o Governo PSD/CDS-PP é, pura e simplesmente, intolerável e merece o repúdio dos portugueses e dos demais órgãos de soberania.
É esse repúdio que Os Verdes querem aqui manifestar, como sempre repudiámos formas de discriminação que existem mesmo nos canais públicos de televisão e nos indignámos com afirmações de responsáveis da informação que demonstram essas formas de pressão e se assumem igualmente como voz dessa discriminação em relação a certos projectos definidos nas suas orientações jornalísticas.
No caso concreto do Prof. Marcelo, alguém estaria à espera que o Governo reconhecesse que tinha, de facto, exercido pressão para calar Rebelo de Sousa? Mas uma coisa é o que o Governo diz e o que tenta ludibriar, outra coisa são os factos.
O facto é que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares manifestou publicamente - e, certamente, foi mais claro privadamente...! - uma profunda intolerância em relação às críticas que o comentador dirigiu ao Governo e considerou que isto não poderia continuar assim sem contraditório, ou seja, sem que o Governo tivesse o mesmo tempo de antena para "jogar à defesa" e procurar convencer os portugueses da bondade desta maioria.
O facto é que, pouco tempo depois, Paes do Amaral falava com Marcelo, o qual, de acordo com as suas próprias declarações, consciente de que não estavam reunidas as condições para continuar a exercer livremente o seu direito de expressão, considerou desvincular-se dos comentários de domingo da TVI.
Pergunta-se, então, que relação poderá haver entre as críticas do Ministro Gomes da Silva e a conversa de Paes do Amaral: coincidências ou pressões eficazes em troca da concretização de projectos televisivos? A dúvida fica para quem quiser continuar a acreditar em contos de fadas. Para quem tem os pés bem assentes na terra a certeza é a de que o "lápis azul" está um pouco mais carregado, começando a lembrar outros tempos. E o Sr. Primeiro-Ministro Santana Lopes pactua com este triste espectáculo.
Mas não é só na comunicação social que o Governo procura silenciar vozes incómodas e há ex-ministros do Governo PSD que, apesar de afirmarem o contrário, sabem que a história desse partido está cheia destes exemplos. Não vale a pena indignarmo-nos apenas quando a discriminação toca uma figura pública.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nos tempos de Cavaco Silva, o bastão da polícia de choque era um instrumento constantemente presente nas manifestações públicas contra as políticas do Governo. Este Governo PSD/CDS-PP tem usado o instrumento do medo para silenciar vozes. Lembremo-nos da forma como a própria alteração ao Código do Trabalho, fragilizando os contratos de trabalho e tornando os trabalhadores mais dependentes da boa vontade das entidades patronais, contribuiu para generalizar o medo de participar em manifestações públicas, maiores ou menores, para poder garantir o posto de trabalho.
Os vícios do poder de Alberto João Jardim servem também de orientação a este Governo. Na Madeira, a generalidade das pessoas foge da visibilidade pública para não ameaçar a sua carreira. As câmaras de televisão aproximam-se e as pessoas dispersam para fugir à imagem.

Protestos do Deputado do PSD Carlos Rodrigues.

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Isto é democracia? Isto é liberdade? Os portugueses, todos, onde quer que estejam, concluirão.
Chegados aqui, permitam-me, Srs. Deputados, dar um exemplo de como esta prepotência se reflecte em políticas concretas, nomeadamente na "colocação de leis nas gavetas", manifestando uma indignação particular com aquilo a que temos ao longo dos tempos assistido na Madeira, com as ameaças ao ordenamento daquele território.
Na ilha da Madeira parece que as regras mais elementares respeitantes ao domínio público hídrico não se aplicam. A opção tem sido a promoção de um turismo massificado e a elitização de certas zonas turísticas. O desordenamento, a destruição paisagística, a degradação dos recursos naturais que tem sustentado estas opções acabarão por se virar contra si, desvalorizando o próprio turismo desta ilha.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tinha uma série de exemplos para concretizar relativamente à questão que estava a levantar. De qualquer modo, procurarei anexá-los à acta, porque considero que são extremamente importantes e quero aqui deixar a mensagem de que é fundamental acabar com este tipo de prepotência…

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr.ª Deputada, porque o tempo marcado no quadro electrónico estava errado. Afinal, ainda dispõe de tempo.

A Oradora: - Estranhei, de facto, porque tinha programado mais ou menos o tempo da intervenção... Nesse caso, continuarei, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, o desordenamento, a destruição paisagística, a degradação dos recursos naturais que tem sustentado estas opções acabarão por se virar contra si, desvalorizando o próprio turismo desta ilha. Porém, a destruição do património natural e a betonização dos espaços têm efeitos irreversíveis.
Na praia do Machico a construção de uma marina, de entre as inúmeras que invadem tudo quanto é baia, e a betonização da praia são um exemplo da forma como insustentavelmente se vão destruindo espaços públicos e valiosos ecossistemas.
Na praia dos Reis Magos, em Caniço de Baixo, a mega construção hoteleira é o exemplo do que mais há na Madeira: construída junto ao mar, impermeabilizando solos, lançando águas residuais directamente para o mar e condicionando os acessos ao mar da generalidade das pessoas, para bom descanso dos seus clientes, situação que se repete em tantas outras áreas, como na praia da Foz da Ribeira ou na zona do Ribeiro Seco ou na zona da Estrada Monumental, onde o PDM foi inclusivamente alterado para permitir a privatização das praias através do condicionamento do acesso por via de um pagamento que, numa família de três pessoas, é de cerca de 10€ diários.
Mas perspectivam-se mais agressões sociais e ambientais desta natureza, por exemplo, na praia do Toco com a construção de um edifício de 15 andares a ocupar a encosta, a zona de praia e até uma parcela do mar ou da reserva do Garajau - uma zona protegida onde há já um projecto para construir um empreendimento turístico de grande volume na falésia. Esta reserva já está hoje profundamente ameaçada por diversas fontes poluidoras, desde os efluentes da ETAR do Funchal, muito primária e sem manutenção do emissário, até às águas residuais do Parque Industrial do Funchal.
É assim, Srs. Deputados, com este retrato de situações de verdadeiros atentados ao património natural e àquilo que tem tudo a ver com a destruição da possibilidade de valorização de um potencial de desenvolvimento muito particular que a Madeira encerra em si, que termino. O autoritarismo neste País, que se reflecte no ordenamento dos espaços, que se reflecte no pacto de manutenção de paraísos fiscais, como o off shore da Madeira, que tornam imoral os benefícios da banca no nosso sistema fiscal, ou que se reflecte na limitação da liberdade de expressão que o País olha hoje com indignação devido ao caso Rebelo de Sousa, é a total submissão dos interesses poderosos deste País ao poder económico.
Haja, pois, quem não cale a voz para exigir o funcionamento da democracia, 30 anos depois do 25 de Abril!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à oradora, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, uma vez mais somos confrontados com a ignorância, uma vez mais somos confrontados com as intervenções encomendadas, uma vez mais somos confrontados com intervenções de quem não conhece a realidade!

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Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PS, do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Orador: - Sr.ª Deputada, a ilha da Madeira, pequena como é, tem dois terços do seu espaço considerado como reserva e área protegida! A ilha da Madeira, pequena como é, tem dois conjuntos, no seu arquipélago, que são áreas protegidas! A ilha da Madeira, pequena como é, vê reconhecida pela comunidade internacional a sua floresta autóctone, a laurissilva!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto está errado? Tudo isto foi mal feito?
A Sr.ª Deputada fala em prepotência, em influência e em pressão dos órgãos de comunicação social. No entanto, convém que saiba que, no caso da Madeira, o Governo Regional não tem qualquer influência sobre o centro de produção da RTP Madeira, cuja tutela é, total e absolutamente, de Lisboa. E, em relação à RDP, verifica-se a mesma situação.
A Sr.ª Deputada, ao falar de prepotência, está a dizer que 60% do povo madeirense é estúpido e está enganado há 30 anos!

Aplausos do PSD.

Há 30 anos que o povo madeirense vai às urnas! O povo madeirense é soberano! O povo madeirense decide e tem decidido bem! Contudo, a Sr.ª Deputada, porque estamos em período eleitoral, vem aqui fazer uma intervenção totalmente descabida, totalmente desprovida da realidade, totalmente mentirosa!
A Sr.ª Deputada falou da questão dos Reis Magos. Na praia dos Reis Magos e no Garajau foi o governo do PSD, do Dr. Alberto João, que teve a coragem de deitar abaixo tudo o que era habitação clandestina. Foi este governo! Sabe como é que os madeirenses iam à praia? Por cima do calhau, escorregando e correndo o risco de partir as pernas. É verdade! Eu falo o dialecto da minha terra e quando nós, madeirenses, queríamos ir a praia ou pagávamos jóias que eram pequenas fortunas ou, então, íamos por cima do calhau, correndo o risco de escorregar. Este governo criou acesso ao mar em todos os concelhos, fez com que homens, mulheres e crianças pudessem aceder ao mar em situações de total segurança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi este governo que, através de um plano estruturado de parques industriais, deslocou todas as indústrias e todas as actividades poluentes dos centros dos concelhos, dos centros das cidades, criando parques industriais para, dessa forma estruturada e planeada, poder organizar a actividade industrial.
Os grandes hotéis de todas as cadeias, a grande indústria da Madeira que é o turismo são uma actividade premiada internacionalmente. E vem a Sr.ª Deputada falar contra essa mesma actividade, que é fundamental, que é estrutural para a economia da Madeira e para o trabalho e a produtividade dos madeirenses?!...
Sr.ª Deputada, não venha aqui fazer "fretes" a uma oposição que, até agora, tem sido incapaz de propor alternativas. Respeite o que tem sido feito e, acima de tudo, respeite a vontade do povo madeirense.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Rodrigues, não era necessário ter-se exaltado tanto no seu pedido de esclarecimentos.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Exalto-me contra a mentira!

A Oradora: - Quero dizer-lhe que, lá fora, os senhores podem tentar silenciar tudo o que entenderem, ilegitimamente e de uma forma profundamente crítica, mas fazê-lo dentro desta Casa, peço-lhe imensa desculpa, Sr. Deputado, nunca vai conseguir!

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O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Silenciar?! Eu?!...

A Oradora: - O que mais faltava era que eu não pudesse chegar a esta Câmara e falar sobre os problemas com os quais se confrontam os madeirenses e a Madeira.
É que o Partido Ecologista "Os Verdes" tem acompanhado com grande pormenor, ao longo dos anos, o que se passa na Madeira, tem trazido a esta Câmara, com regularidade e pelas mais diversas formas, problemáticas da Madeira, que também é Portugal, Sr. Deputado!…

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Acha que sim?! Não parece!

A Oradora: - Portanto, é com grande legitimidade que, em qualquer altura, tenho o dever de trazer a esta Casa estas matérias.
Para além disso, os Srs. Deputados podem procurar dominar e ser donos da Madeira, mas donos das opiniões, isso, nunca, Sr. Deputado!!
Por outro lado, Sr. Deputado, faltou-lhe dizer que estamos a falar de uma das zonas mais pobres do País, com graves e crassos problemas sociais. Esqueceu-se ainda de referir que não basta a classificação de áreas protegidas. De facto, há áreas classificadas que são vítimas de profundos atentados ambientais, justamente como os que denunciei em relação a algumas zonas classificadas, na Madeira.
Os senhores violam permanentemente toda a legislação e todas as regras no que respeita ao domínio público hídrico…

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Ganhámos em todas as queixas!

A Oradora: - Metem as leis dentro da gaveta, mas é fundamental perceber que esta legislação também se aplica à Madeira e que a vontade do PSD/Madeira e de Alberto João Jardim não é superior à legislação nacional.
Por outro lado, Sr. Deputado, é sabido que, de facto, os madeirenses acediam à praia escorregando pelos calhaus, como referiu, mas, hoje, nem acesso à praia têm!

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Vá à Madeira!

A Oradora: - Estive na Madeira!
Continuando e como referi na minha intervenção, hoje, os madeirenses têm custos acrescidos para poderem ir à praia. É a isto que pode chamar-se a elitização do turismo, a privatização da praia, condicionando o acesso à praia por parte da generalidade da população. Obviamente, isto é profundamente injusto.
Tudo o que referi na minha intervenção tem profundas consequências a nível social e também a nível ambiental.
O povo madeirense, de facto, merece melhor. O que os senhores têm conseguido fazer é que as pessoas dependam totalmente do poder, têm implementado formas de pressão e de medo muito eficazes. É isso que, de uma vez por todas, tem de mudar na Madeira.

Aplausos do PCP.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, para surpresa da minha bancada, acaba de ser-nos comunicado que um Sr. Deputado passará a dirigir-se ao Plenário no "dialecto" madeirense.

Protestos do PSD.

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Como não conheço este dialecto e temo que tenhamos de dispor de uma tradução simultânea no caso de intervenções do Sr. Deputado Carlos Rodrigues, pergunto-lhe, Sr. Presidente, se tem algum conhecimento da existência deste "dialecto", porque eu próprio certamente não o conheço.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, temos sempre hipótese de nos entendermos através de linguagem gestual. Neste caso, não será necessário porque é evidente que a expressão do Sr. Deputado Carlos Rodrigues eu entendi-a cum grano salis, já que ele próprio também esclareceria o "dialecto" da Madeira.
Na Madeira existe, sim, uma forma de pronunciar muito acentuada, tal qual como nos Açores e, sobretudo, na minha ilha natal, S. Miguel. Aliás, os Srs. Deputados queixam-se disso muitas vezes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rodrigues, nos mesmos termos em que dei a palavra ao Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Carlos Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, não acentuo de propósito o meu sotaque. Tenho muito orgulho no meu sotaque.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - É diferente do dialecto...!

O Orador: - Quanto a dialecto, só tenho uma coisa a dizer-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã - e agora, mesmo em jeito de brincadeira: "o grado azoigou e foi atupido na manta das tanarifas"!

Risos e aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Bem, essa frase é "dialectal"!

Risos do PSD e do CDS-PP.

Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.

A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Depois destas palavras do Sr. Deputado Carlos Rodrigues, que promete traduzi-las, não vou falar em dialecto...
Portugal enfrenta desde há duas décadas uma realidade difícil no que diz respeito à infecção VIH/SIDA e a outras doenças infecciosas concomitantes, de que a tuberculose é exemplo, e porque não temos cura nem vacina impõe-se a palavra de ordem que é "prevenção".
Neste universo implacável da SIDA o silêncio equivale a morte.
É com cada um de nós que começa a luta contra a SIDA. É preciso que continuemos a falar de SIDA todos os dias.
Vem esta intervenção a propósito do V Congresso Nacional sobre SIDA, dedicado à comunidade e à família, que vai realizar-se no próximo domingo, dia 10, na Figueira da Foz, sob o lema "Todos pela vida, todos contra a SIDA".
Trata-se da primeira vez que as duas principais entidades na área da SIDA uniram esforços, com o objectivo de criar um congresso que se tome um acontecimento nacional, despertando assim a atenção dos portugueses para o flagelo da doença. Todo o evento será direccionado para a comunidade e a família, onde será analisado o VIH/SIDA no adolescente, no idoso, na mulher e na criança.
Este facto ganha maior relevo quando se comemoram, em 2004, o 10.° aniversário do Ano Internacional da Família, bem como o Ano Europeu pela Educação no Desporto.
Serão analisados temas científicos por especialistas médicos, sem esquecer uma vertente social no sentido de mobilizar ainda mais as pessoas em torno da problemática.
É de grande relevo a parceria entre estas duas entidades (Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA e a Comissão Nacional de Luta contra a SIDA) porque mostra a preocupação que as duas entidades sentem para uma actuação mais organizada e eficaz nesta luta que é de todos e que, pela primeira vez, se centra na integração das duas vertentes: a prevenção e a clínica.
Por resolução do Conselho de Ministros de 1 de Julho de 2003, a Comissão foi reestruturada em unidade de missão e, neste primeiro ano de trabalho, foi apresentado o Plano Nacional de Luta contra a SIDA 2004-2006, onde são apontadas 10 metas a atingir no triénio e as respectivas estratégias.
É grande a preocupação no conhecimento do padrão epidemiológico da infecção no nosso país.

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A informação fornecida assenta em reconhecida subnotificação e é insuficiente para planificar, com o máximo de rigor possível, as acções que visam travar o alastramento da epidemia, apesar do enorme empenho de todos os médicos que já notificam.
A reestruturação da folha de notificação obrigatória, simplificando-a, e a inclusão da SIDA na lista das doenças de notificação obrigatória são mais um passo para a concretização deste conhecimento epidemiológico.
Porque a "cara da SIDA" mudou. O seu perfil epidemiológico também. Hoje, é uma doença crónica e não tem grupos de risco.
Das informações disponíveis no País, tudo nos indica que os principais factores que têm contribuído para a propagação do VIH estão relacionados com a transmissão sexual entre heterossexuais e com a toxicodependência por via endovenosa.
Desde 1999, são notificados com maior frequência casos de SIDA em grupos etários dos 45 aos 54 anos, assim como tem aumentado o número de casos notificados em mulheres.
Há, em Portugal, uma ligeira alteração do padrão epidemiológico, com a feminilização, a pauperização e o desvio para estratos etários mais elevados. É o aprofundamento desta realidade que o Plano propõe na sua meta n.° 1.
Este ano, das 10 metas estabelecidas até 2006, tem sido dado grande destaque à área epidemiológica.
Realizou-se, em 17 e 18 de Abril passado, em parceria com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, sob a direcção do Professor Fausto Amaro, um inquérito às opiniões, atitudes, conhecimentos e comportamentos face à SIDA.
Foi usado um universo de 1000 indivíduos residentes em Portugal Continental, por quotas de sexos e idades entre os 15 e os 69 anos e de onde se retiram conclusões directas em áreas tão sensíveis como o comportamento: valores da ordem dos 70% dos inquiridos revelaram-se dentro do chamado "comportamento de alto risco". Quanto a atitudes, o inquérito revela que 22% dos inquiridos não concorda que crianças infectadas frequentem a mesma escola que outras crianças e 14% não concorda que pessoas HIV positivas desempenhem a sua profissão nos mesmos locais que os seus colegas de trabalho.
Estes dados são aflitivos, reflectem um profundo desconhecimento que é urgente anular e traduzem uma inaceitável atitude discriminatória.
Na forma de transmissão do vírus a falta de informação é manifesta. Embora 97% dos inquiridos ache a SIDA um problema muito importante, só 60% dos homens e 66% das mulheres é que estão pessoalmente preocupados com a doença.
21% acha que a SIDA se transmite pela picada do mosquito, 18% vê grande risco na partilha de refeições com pessoa seropositiva, 37% vê grande risco de infecção através do uso de sanitários públicos e 57% acha que receber uma transfusão de sangue num hospital é um elevado risco.
É a avaliação de todo o esquema das campanhas de informação que é fundamental e está em causa.
Nestes dados está implícita a necessidade de estudos prévios e a subsequente avaliação após campanhas de esclarecimento.
Foi este trabalho de estudo prévio que se realizou nos casos específicos do Euro 2004, do Rock in Rio, das campanhas televisivas (3 centenas de spots em horário nobre) e das campanhas nas rádios nacionais e locais, bem como na campanha nacional de outdoors que decorre até Dezembro próximo, visando as populações de elevada mobilidade.
A redução do índice de transmissão vertical (mãe/filho) assenta já no projecto de registo e monitorização da infecção na grávida.
A garantia do acesso a todos os utentes do SNS infectados pelo VIH implica o reforço do encaminhamento e da referenciação aos serviços especializados de apoio, aconselhamento e tratamento.
Não podemos esquecer que, entre nós, há meio milhão de imigrantes, de diversas origens, que equivalem a 10% da nossa força de trabalho.
É uma tarefa que envolve as estruturas regionais e distritais e onde os CAD (Centro de Acolhimento e Detecção Precoce do VIH/SIDA), alargados a praticamente todas as capitais de distrito e reforçados por CAD's móveis, desempenham uma tarefa de proximidade às populações.
No entanto, nesta área de aconselhamento e detecção precoce do VIH, reconhece-se a necessidade de uma avaliação contínua da actividade destes Centros no sentido de se atingir uma maior rentabilização dos recursos existentes e uma melhor qualidade do serviço, nomeadamente no que respeita ao enquadramento com a rede de cuidados primários.
A população prisional tem em curso um projecto-piloto dos Serviços Prisionais e da Comissão, apoiado pelo IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, para as cadeias de Tires e do Montijo.
É um trabalho com todos os requisitos de um projecto inovador, financiado e cientificamente controlado durante os próximos três anos.

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As populações com elevada mobilidade, onde se integram camionistas de longo curso, estão a ser alvo de uma acção de prevenção, em parceria com a CGTP e o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários.
Sr.as e Srs. Deputados: Face ao exposto, resulta que a informação disponível e as campanhas realizadas não são suficientes para alterar os comportamentos.
Importa que o processo educativo seja devidamente estruturado de forma a permitir que o jovem interiorize a informação, a transforme em conhecimento que lhe permita modificar os comportamentos.
Esta é a essência da verdadeira educação para a saúde: prevenção, prevenção e prevenção! É um trabalho urgente que nos desafia e é um trabalho sem cor política. É um trabalho de todos nós, porque, hoje, a SIDA não é "um problema dos outros".

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Primeiro, os factos.
Apenas dois dias depois de um destacado membro do Governo ter criticado duramente as intervenções semanais de um comentador num programa televisivo de um operador privado, apelando à intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o presidente do conselho de administração desse operador criou as condições para que esses comentários cessassem de imediato. Ou seja, numa boa síntese: o Governo queixa-se, o proprietário age, o Prof. Marcelo sai.
Pouco importará que o destacado e desastrado ministro de Santana Lopes se tivesse esquecido de exercer essa crítica em qualquer uma das anteriores cerca de 230 semanas - mais de quatro anos e meio - em que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa exprimiu a sua opinião, sem que nenhum dos governos anteriores o tivesse censurado ou tentado censurar.

Aplausos do PS.

Pouco importará, igualmente, recordar ao mesmo ministro que o próprio Primeiro-Ministro dispôs, na SIC, há vários meses, de um espaço de intervenção precisamente nos mesmos termos, sem estar "sujeito ao contraditório", para utilizar a sua própria expressão.

Aplausos do PS.

Pouco importa recordar também as sucessivas conferências de imprensa promovidas pelo Governo em pleno Telejornal, muitas delas sem o tal contraditório, ou seja, perguntas dos jornalistas.
Pouco importará finalmente, pelo menos nesta ocasião, recordar que o pluralismo interno a que os operadores de televisão estão vinculados, mesmo os privados, não se pode aferir de outra forma senão pelo conjunto da programação, nomeadamente informativa, durante um razoável espaço de tempo.

O Sr. José Saraiva (PS): - É óbvio!

O Orador: - E que se o Governo, substituindo-se à Assembleia da República, pretende erguer uma nova entidade reguladora da comunicação social sobre este tipo de intervenções e com estes objectivos, não pode esperar qualquer cooperação por parte do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O que, neste momento, é prioritário é bem diverso e bem mais importante. Como foi possível que um Governo conseguisse afastar um comentador de um operador privado de televisão?
Como pôde ser possível que o tipo de negócios alegadamente estabelecidos ou a estabelecer entre o Governo e este grupo de comunicação social condicionasse assim a sua programação?
Como pôde ser possível que exista a possibilidade de trocar privilégios administrativos por favores editoriais? Ou que alguém que não tem competência editorial condicione desta forma um espaço informativo?
O Governo não pode deixar por esclarecer todos os contornos deste caso, pelo que proporemos que os principais intervenientes neste caso, ou seja, o Ministro Gomes da Silva, o Presidente da Media Capital e

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o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sejam ouvidos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não se pense que este episódio, indigno de um país europeu que, ainda há cinco anos, era considerado por uma prestigiada organização internacional como um dos países do mundo com mais liberdade de informação, constitui uma insólita excepção à regra.
Pelo contrário, parece claro que o Primeiro-Ministro optou por esconder as insuficiências da governação sob o tapete da propaganda,…

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - … na sequência, aliás, da sua eloquente experiência autárquica onde foi visíve1 que era conferida maior prioridade à imagem do que à própria obra.

Aplausos do PS.

A recente criação do Gabinete de Informação e Comunicação constitui um excelente exemplo de como a realidade pode, por vezes, ultrapassar as piores expectativas.
Sete direcções de serviços, sofisticados planos de comunicação e marketing, media training para os membros do Governo e lista dos jornalistas que são habitualmente contactados representam apenas alguns dos atributos desta nova estrutura, a quem caberá uma articulação com os actuais assessores de imprensa dos membros do Governo.
Com tamanha profusão de estruturas e competências - em plena época de proclamada austeridade, recorde-se -, não admira que este Gabinete ambicione o milagre de erguer e mostrar obra, mesmo onde ela, pura e simplesmente, não existe.
Este novo Gabinete será tutelado pelo mesmo membro do Governo que tem a seu cargo a área da comunicação social. Dir-se-á que esta conjugação de tutelas (da comunicação e da propaganda) não é inédita, mas não é nada tranquilizador saber que ela é apenas habitual nos regimes autoritários do Terceiro Mundo.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Ora aí é que está!

O Orador: - A escolha de Luís Delgado para liderar o grupo de media da PT representa outro sinal da atenção do Primeiro-Ministro pelos media.
O anterior responsável, Henrique Granadeiro, foi afastado antes do fim do seu mandato, mau grado os bons resultados globais das empresas.
Em contrapartida, Luís Delgado não possui assinalável currículo como gestor, é proprietário de uma publicação on line incontestavelmente concorrente dos media que se prepara para gerir e tornou-se sobretudo notado pela voluntariosa e pertinaz defesa do actual Primeiro-Ministro, de quem se duvida, aliás, que tenha um adepto mais fervoroso e incondicional.

Aplausos do PS.

Ignoro se esta escolha decorre da influência estatutária que o Governo mantém na PT, ou da vontade dos seus accionistas privados em agradar ao Executivo, ou até de ambas.
O que sei é que na administração da Lusomundo Media estão, desde há algumas semanas, dois outros reputadíssimos e experimentadíssimos especialistas e peritos em comunicação social: os ex-ministros do PSD Silva Peneda e Deus Pinheiro, o que demonstra bem até onde vai a governamentalização da PT.

Aplausos do PS.

Ela é, aliás, hoje, tão cristalina, e com consequências já visíveis nos problemas internos do foro editorial no Diário de Notícias, que importa avaliar a razoabilidade de manter estes órgãos de informação integrados no maior operador de comunicações do País, onde o Estado possui essa influência estatutária. Recordo, a propósito, que existe no nosso país um único jornal estatizado, o Jornal da Madeira, que o governo regional subsidia e controla sem limites, nem vergonha.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Será que no "rectângulo" - para usar uma expressão aplicada ontem mesmo por Alberto João Jardim depois de zurzir alguns jornalistas da RTP - vamos ter uma política de controlo da comunicação social ainda mais sofisticada do que naquela região autónoma?
Dir-se-ia que o actual Primeiro-Ministro está a aprender demasiado depressa essa lição…

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, a questão que trouxe a este Plenário é, sem dúvida, muito relevante e plena de actualidade. É que há um encadeamento de factos objectivos neste processo que não pode senão deixar muito preocupados todos os que prezam a democracia e a liberdade de expressão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando temos um ministro que critica, da forma como o fez, um comentador político; quando temos, depois, uma reunião desse comentador com e a pedido do presidente da empresa onde comentava e, na sequência, o anúncio da saída desse comentador do programa televisivo onde fazia esses comentários semanais - dizendo que, até aí, tinha feito os comentários com inteira autonomia e liberdade e, portanto, querendo também dizer, entendo-o eu, que, a partir daí, provavelmente isso não seria possível -, estamos perante uma grave situação para a democracia portuguesa.
E a primeira coisa que importa criticar aqui é a atitude política do Ministro dos Assuntos Parlamentares, que pretendeu pressionar uma opinião semanalmente dada num canal de televisão, atitude essa, sem dúvida, condenável.
Julgo também que devemos estar vigilantes e atentos em relação aos desenvolvimentos, aos negócios e aos entendimentos que, agora, decorrerão desta pressão em relação a este grupo de comunicação social e a decisões que o Governo ou que grupos económicos em que haja influência do Governo possam vir a tomar, porventura favorecendo esse grupo de comunicação social.
É que temos de saber o que foi prometido em troca desta pressão, o que é a contrapartida desta pressão, já que essa é também uma matéria de relevante interesse para a democracia.
Uma outra coisa que importava saber era se o actual Primeiro-Ministro, quando saiu da SIC - do programa onde fazia o seu comentário individual, sem contraditório, na SIC -, também foi pressionado; importava saber o que aconteceu para sair daquele programa onde fazia o seu comentário, também semanal e sem contraditório, naquele canal de televisão.
Finalmente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, a verdade é que tudo isto também põe a nu o problema da concentração da comunicação social no nosso país, o problema da interligação e da interpenetração entre estes grupos concentrados dos media e os interesses económicos neles presentes e o problema da influência que esses grupos, esses interesses têm na condução da opinião pública e na interferência na vida política nacional. Este é um perigo que está em cima da mesa e que se acentua nas sociedades actuais, assim como na nossa.
Mas de uma coisa estamos certos: podem o PSD, o Primeiro-Ministro e o Ministro dos Assuntos Parlamentares mover pressões para calar os comentadores que lhes são incómodos, mas não conseguirão calar o protesto e a crítica da generalidade do povo português,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - … que já viu bem quem é este Governo e a política que ele tem oferecido ao País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, partilho das preocupações que exprimiu.
É evidente que este conjunto de factos não valem por si próprios; são, antes, o reflexo do desnorte e da fase difícil que o Governo atravessa. E é evidente que o Governo quer "jogar para debaixo do tapete"

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as suas próprias deficiências, substituindo a acção política pela acção da propaganda e até pela pressão sobre a comunicação social.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado colocou um problema, que, aliás, já tinha sido posto aqui hoje: o da concentração dos órgãos de comunicação social. O Bloco de Esquerda, há alguns meses, teve ocasião de apresentar nesta Assembleia um projecto que visava precisamente combater essa questão. Na altura, tivemos oportunidade de assinalar que esse projecto de lei tinha mérito pelo problema que encerrava, mas também evidentes deficiências. No entanto, a sua reposição nesta Assembleia pode recolocar em cima da mesa um problema importante.
Não sou dos que partilham a opinião de que não deve haver grupos de comunicação social ou de que a existência de grupos de comunicação social com alguma força a nível de cada país não possa trazer alguns benefícios. Mas é evidente que o que se passa neste momento - e estes factos ajudam a demonstrá-lo claramente - é que atingimos, no nosso país, um patamar de concentração e de interferência do poder político nos grupos económicos ligados à comunicação social que é absolutamente indesejável e que tem de ser combatido através da revisão da legislação ou da criação de uma legislação apropriada a esse fenómeno da concentração.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou particularmente sensibilizado com este enlevo por parte de toda a oposição com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Os elogios que têm feito ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, dos quais também partilhamos, são merecidos; só é pena que os façam por um motivo tão desconchavado e despropositado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Registo também que este apoio que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa está a ter por parte de toda a Câmara e, particularmente, de toda a oposição poderá provavelmente ser-lhe útil em futuras batalhas políticas.
Mas quero deixar-lhe duas notas e fazer-lhe uma pergunta, Sr. Deputado Arons de Carvalho, começando, antes disso, por saudar este seu regresso a estas coisas da comunicação social aqui, no Parlamento, depois de tão longa ausência.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Arons de Carvalho não pode querer liberdade de expressão para uns e censura à liberdade de crítica para o Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PS.

Há liberdade para todos ou não há liberdade para ninguém, como o povo diz.

Protestos do PCP.

Em segundo lugar, Sr. Deputado Arons de Carvalho, não será abusivo da sua parte estabelecer um nexo de causalidade entre as declarações feitas, de uma forma liberta e dentro daquilo que é o espírito democrático, pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e a demissão apresentada pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa do programa onde fazia o seu comentário dominical na TVI? Não será abusivo estabelecer esse nexo de causalidade?

O Sr. António Filipe (PCP): - Será?!…

O Orador: - Os senhores, fazendo-o e criando um processo de intenções, não estarão a pôr em causa a seriedade e a honorabilidade da administração de uma empresa privada, de uma estação privada de televisão, que é a TVI?

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Os senhores não estarão a fazer uma acusação violentíssima a uma administração de uma televisão privada ao dizerem que ela é sujeita a pressões e se deixa pressionar? É isso que os senhores estão a fazer?
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Arons de Carvalho, que, sobre esta matéria de negócios do Governo com as televisões privadas, sei muito pouco. Mas o Sr. Deputado Arons de Carvalho sabe muito e até escreveu num livro aquilo que foram, no tempo do Eng.º Guterres, os negócios com as televisões privadas, no que toca principalmente ao cortar do tempo de publicidade na televisão pública para, com isso, beneficiar, aí sim de uma forma escandalosa, as televisões privadas.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de negócios entre televisões privadas e governo, temos um expert nesta Casa - escreveu-o em livro, que está publicado -, o Deputado Arons de Carvalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: se o senhor sabe de alguma pressão menos correcta, de alguma pressão do Governo sobre esta estação de televisão privada, se tem conhecimento…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - … de alguma chantagem feita nesse sentido, o senhor tem a obrigação de concretizá-la aqui e agora. Senão, cale-se para sempre!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Campos Ferreira, há uma grande diferença entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata:…

Vozes do PSD: - Ainda bem!

O Orador: - … nós nunca tentámos silenciar comentadores, nem sequer o próprio Prof. Marcelo Rebelo de Sousa!

Aplausos do PS.

Aliás, quero dizer-lhe o seguinte: os senhores não têm qualquer razão para terem ciúmes pelo facto de termos procurado defender, neste caso concreto, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, pois tê-lo-íamos feito em relação a qualquer outro comentador sujeito à mesma situação.

Aplausos do PS.

Em relação ao meu "regresso", quero agradecer essa sua saudação. Porém, sem pretender "devolver a bola", gostaria de dizer que esse regresso já poderia ter sido feito há mais tempo se o Sr. Deputado, como Presidente da Subcomissão de Direitos Fundamentais e Comunicação Social, a convocasse mais vezes, tantas pelo menos quantas o seu antecessor convocou, para que pudéssemos ouvir as posições do PSD sobre a lei da música, o direito de autor dos jornalistas e outras matérias, que estão há meses suspensas da sua decisão de convocar a Subcomissão.

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, em relação à liberdade de crítica,…

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): - E os negócios, Sr. Deputado?!

O Orador: - Quanto aos negócios, o Sr. Deputado referiu o livro errado - não é esse livro, é outro.

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Vozes do CDS-PP: - Então, sabe qual é!

O Orador: - E sobre isso, quero dizer o seguinte: nós fizemos exactamente o mesmo que o anterior governo fez, ou seja, reduzimos o tempo de publicidade do serviço público, em nome da viabilidade das televisões privadas e das regras de concorrência impostas por Bruxelas.
Mas essa não é a questão fundamental. A questão fundamental é a de saber se os senhores toleram, ou não, a liberdade de crítica.

O Sr. José Magalhães (PS): - É isso! Exactamente!

O Orador: - E, em relação a isso, quero apenas dizer que o que o vosso Governo fez foi uma "pressão intolerável" - e estou a citar o vosso Deputado Marques Mendes - e um controlo e uma censura que são "a resposta da fraqueza" - e citei o vosso militante Pacheco Pereira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia é preenchido com o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 141/IX - Autoriza o Governo a legislar no sentido da definição de medidas indemnizatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica (CAE) celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico.

O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico (Manuel Correa de Lancastre): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O XVI Governo Constitucional mantém como linha programática o processo firme de liberalização e abertura dos mercados energéticos. Neste âmbito, defendemos o reforço e consolidação dos mecanismos de concorrência, não como fins em si mesmo mas como instrumentos para possibilitar aos consumidores o acesso a energia mais barata e a uma melhor qualidade e diversidade dos serviços fornecidos.
Estamos, de facto, perante uma mudança de paradigma.
Há pouco mais de uma década, quando foi necessário criar infraestruturas para a geração de energia eléctrica por forma a não comprometer a segurança de abastecimento da altura e futura, o Estado decidiu prestar um conjunto de garantias aos produtores de electricidade que incentivava a disponibilidade para produzir e para instalar nova capacidade de produção.
Estas garantias materializaram-se nos contratos de aquisição de energia ou, mais abreviadamente, nos CAE.
Um aspecto que importa reter é que estes contratos estabelecem um vínculo entre os produtores e a REN, obrigando os primeiros a produzir electricidade sempre que necessário, sendo esta vendida em regime de exclusividade à REN. Em contrapartida, os produtores vêem assegurada a recuperação dos custos de operação e de investimento acrescidos de uma taxa de rentabilidade.
Mas factos são factos e os contratos existentes conferem aos produtores vinculados, mais do que uma perspectiva de remuneração, uma garantia de remuneração - aos produtores e aos accionistas!
Porém, as circunstâncias alteram-se e, se a segurança de abastecimento não deixa de ser um eixo estratégico da política energética deste Governo, também o é a liberalização, que conduzirá a um maior bem-estar dos consumidores e a um incremento da competitividade nacional.
É, assim, necessário compatibilizar estes eixos. E não é apenas o Governo que acredita e aposta nessa compatibilização. As directivas comunitárias relativas ao mercado interno de energia também apontam claramente nesse sentido.
Mas porque acreditamos firmemente nos benefícios da liberalização, estamos a antecipar em cerca de dois anos algo que nos viria a ser imposto a nível comunitário.

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O nosso objectivo é o de dar aos produtores de electricidade maior liberdade na gestão da sua actividade, concorrendo simultaneamente entre si; é deixar os consumidores de energia escolherem livremente o fornecedor que lhes oferece melhores condições, e isso trará mais eficiência, melhores preços e melhor qualidade de serviço.
Por isso, estamos decididos a continuar com a criação das condições que possibilitem alcançar esse objectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um passo fundamental de todo este processo de liberalização será a libertação da energia que foi objecto de CAE. Refiro-me a cerca de 83% da produção nacional de energia eléctrica, num total de 34 contratos. Só assim os produtores vinculados poderão colocar a sua electricidade no mercado, tornando-a acessível aos consumidores, que escolherão livremente o seu fornecedor. Para tal, é necessário, naturalmente, extinguir tais contratos.
E como vivemos num Estado de direito, num Estado que honra os seus compromissos, é nosso dever e obrigação fazê-lo na estrita observância de três princípios fundamentais: o primeiro é que os produtores sejam compensados apenas e somente na exacta medida das garantias que os CAE lhes conferem; o segundo, que decorre do primeiro, é que os consumidores de energia eléctrica não paguem globalmente mais do que pagariam com os CAE; e o terceiro, não menos importante, é que não seja colocada em causa, em momento algum, a segurança do abastecimento de energia eléctrica.
No que respeita ao último princípio, este encontra-se já assegurado na legislação nacional.
Quanto à observância dos dois primeiros princípios, estes encontram-se corporizados na metodologia que este Governo pretende adoptar na cessação dos CAE e estabelecimento das respectivas compensações aos produtores deles detentores.
É de salientar, a este respeito, a aprovação da metodologia que nos propomos adoptar pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, no passado dia 22 de Setembro, portanto muito recentemente.
Mas, Srs. Deputados, para que possam aferir por vós próprios descreverei em seguida, ainda que sucintamente, a metodologia que este Governo pretende adoptar.
Ao extinguir os CAE os produtores deixarão de receber o valor implícito no contrato que inclui, por exemplo, custos fixos e variáveis de operação e manutenção, os custos de investimento ou pagamentos por disponibilidade da central. Mas ao operar em regime de mercado, os produtores recebem receitas provenientes da venda de energia.
Assim, a compensação a atribuir aos produtores é tão somente a diferença entre a garantia de valor que estes teriam com os CAE e as receitas obtidas em mercado. Se o valor recuperado em mercado for inferior ao valor implícito no CAE, a compensação, ou Custo de Manutenção do Equilíbrio Contratual - CMEC, a pagar aos produtores será positiva e deverá ser levada à tarifa de usos globais do sistema para pagamento por todos os consumidores. Ou seja, as compensações são apenas no montante do valor do CAE que os produtores não conseguem recuperar através do mercado, repondo o equilíbrio contratual.
Naturalmente, se os produtores obtiverem do mercado receitas acima do valor do CAE terão de devolver esse adicional ao sistema, repercutindo-se numa redução das tarifas de electricidade de todos os consumidores.
Desta forma, não faz sentido afirmar que os CMEC representam um sobrecusto para o sistema, na medida em que o preço da energia implícito nos CAE já se encontra no sistema, sendo nesta metodologia replicado pelo preço obtido em mercado adicionado da diferença entre este e o preço que resultaria da aplicação dos contratos de aquisição de energia.
Estabelecida esta regra básica, será realizada uma estimativa inicial, central a central e ano a ano, das compensações devidas e que serão pagas mensalmente aos produtores. Estas estimativas serão calculadas com base em cenários de mercado competitivo, a preços de electricidade coerentes com os praticados a nível ibérico e considerando preços de combustíveis em linha com índices internacionais.
Durante um período inicial de 10 anos, proceder-se-á anualmente a ajustamentos aos pagamentos realizados durante o ano, por forma a que exista aderência do valor das compensações às condições de mercado e não se pague nem mais nem menos do que aquilo a que os produtores teriam contratualmente direito.
Ou seja, teremos revisibilidade positiva e negativa das compensações inicialmente pagas, garantindo a manutenção do equilíbrio contratual e o pagamento do justo valor por parte dos consumidores.
Em qualquer caso, a metodologia a adoptar estabelecerá tectos máximos ao montante das compensações anuais que cada central poderá receber. Tenta-se assim evitar que as empresas adoptem estratégias de preços extremamente baixos para ganhar quota de mercado, sabendo que receberão uma compensação maior.
Adicionalmente, as autoridades de regulação (ERSE e Autoridade da Concorrência) desempenharão um papel importante na supervisão do mercado e na detecção de práticas de dumping.

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No final dos 10 anos iniciais, será repetida a metodologia aplicada inicialmente, mas com revisão e actualização de parâmetros. A partir dessa data deixará de haver revisibilidade, passando as compensações a constituir um montante fixo. Este mecanismo misto mereceu a concordância da Comissão Europeia, na medida em que permitirá aos produtores portugueses uma revisibilidade num tempo aproximado em que os produtores espanhóis também a têm, tornando-se a compensação num montante fixo a partir desse momento.
Também é ainda de salientar que, para cada produtor, só poderá haver um prazo de pagamento de compensações. Este facto, associado à escolha da data de termo do CAE mais longo de cada produtor, tem um efeito de diluição temporal na tarifa, reduzindo-a.
Acresce a tudo isto que, sendo o sistema tarifário português aditivo e transparente, os CMEC, ao serem repercutidos na Tarifa de Usos Globais do Sistema, são um custo claramente identificado e supervisionado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.
Gostava de deixar uma última nota para a possibilidade que é conferida aos produtores de securitizarem as compensações. O mecanismo que pretendemos adoptar contém em si mesmo todas as condições para que esse tipo de operações possa ser realizado com o mínimo custo possível. No entanto, essa é apenas uma possibilidade que é dada aos produtores e não uma obrigação, na certeza de que, se implicarem um acréscimo de custos para os consumidores, não terão a necessária autorização do Ministério que aqui represento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a aprovação da autorização legislativa e com a cessação dos contratos de aquisição de energia, estamos convictos de que Portugal dará mais um importante passo na direcção da concorrência e eficiência no sector energético, cumprindo mais um objectivo da política energética do Governo.
É também um passo fundamental no caminho do mercado interno de energia e do MIBEL, cujo acordo foi assinado em 1 de Outubro último.
Mas, acima de tudo, trata-se de criar as condições necessárias à competitividade das nossas empresas, ao bem-estar dos consumidores de energia eléctrica portugueses e ao desenvolvimento económico de Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, o Governo pretende aprovar uma autorização legislativa com a qual deseja definir um conjunto de medidas indemnizatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica, celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia.
Em 29 de Janeiro de 2004, o então Primeiro-Ministro, Dr. Durão Barroso, hoje Presidente da Comissão Europeia, no final da cerimónia que selou o acordo internacional para a criação do Mercado Ibérico de Electricidade, o MIBEL, entre os Governos de Portugal e de Espanha, a uma questão que lhe foi colocada sobre se os preços de energia eléctrica iriam, ou não, baixar em Portugal, respondeu da seguinte forma: "Há vários estudos que apontam para uma redução significativa de preços. Qual será essa redução não posso, nem devo, comprometer-me com isso."
O Sr. Secretário de Estado veio falar aqui no princípio da neutralidade do tarifário. Mas o certo é que a proposta de lei de autorização legislativa já admite que as indemnizações a serem pagas aos produtores sejam repercutidas no tarifário, quer directa quer indirectamente.
Portanto, estamos em presença de uma situação em que, sempre que o Governo tem mexido no sector energético, os preços têm vindo a subir, como tem acontecido, por exemplo, com os combustíveis.
Sr. Secretário de Estado, gostava de saber se o Governo, através da sua concessionária, a Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica, ao pretender desvincular-se destes contratos, supostamente não tem no horizonte a privatização desta Rede? Gostava que fosse claro sobre esta matéria.
Gostava também de saber o porquê da indemnização aos produtores se estes continuam a produzir e a vender a sua produção à Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica.
A neutralidade tarifária só é possível desde que a Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica tenha a possibilidade de fazer compras abaixo do preço do dos produtores internos e, nessa medida, é que as indemnizações poderiam ser diluídas nessa baixa de preço. Porém, não temos a garantia disso, porque com certeza já hoje a Rede Nacional faz a aquisição energética noutros produtores.
Ainda uma outra questão, Sr. Secretário de Estado: admitindo que mais tarde teríamos uma privatização da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica, se aparecer alguma operadora a entrar na rede

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global de transporte, não poderão os produtores optar por entregar a sua produção à Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica?
Gostaria que o Sr. Secretário de Estado esclarecesse estas questões.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico.

O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, o senhor falou em indemnizações; porém, devo dizer que não se trata de indemnizações mas, sim, de compensações relativamente à recuperação que é possível em mercado.
Os CAE constituem um compromisso que existe entre a REN e os produtores e substituindo esse compromisso pelo recurso ao mercado, mantendo-se o compromisso de remuneração existente, haverá lugar a compensações e não a indemnizações. O Estado é uma pessoa de bem e, portanto, atribuirá compensações e não indemnizações.
Quanto à questão que colocou sobre se a desvinculação destes contratos está ou não relacionada com uma vontade deste Governo de privatizar a REN, digo-lhe que a privatização de empresas está referida no Programa do Governo, pelo que sugiro que o leia. O Governo já se pronunciou sobre esta matéria e foi tremendamente claro.
No que se refere à participação de outros produtores no capital da REN, é também público o acordo do MIBEL, assinado no passado dia 1 de Outubro, em que as regras de participação de produtores na REN ficaram perfeitamente claras, portanto tudo foi objecto de acordos e de definições já elaboradas.
Quanto à neutralidade tarifária, trata-se de um modelo cuja elaboração teve como objectivo não aumentar globalmente as tarifas eléctrica e vai ter, relativamente à situação actual, um efeito contrário, porque, ao agregar os contratos central a central por cada um dos produtores e ao transformar os períodos de compensação no período mais longo do contrato, nessa transformação, haverá, naturalmente, uma redução, uma diluição, da tarifa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quatro pontos sistematizam a nossa posição sobre esta proposta de lei que hoje é apreciada no Plenário.
O primeiro ponto prende-se com a salvaguarda e o sublinhar do papel do serviço público essencial de que estamos a falar, o fornecimento da energia eléctrica, devendo ser garantidas aos consumidores condições adequadas em termos de acessibilidade, preço, segurança e qualidade. Aliás, na semana transacta, aquando da audição do indigitado Comissário da Energia no Parlamento Europeu, a Comissão foi justamente questionada sobre esta matéria e o Comissário comprometeu-se a desenvolver medidas visando proteger adequadamente os interesses dos consumidores. E esta matéria é, para nós, essencial.
O segundo ponto tem a ver com o apoio genérico (expressado no nosso sentido de voto) em relação à implementação do MIBEL e à construção do Mercado Único de Energia, decorrente de diferentes iniciativas, desde logo do Conselho Europeu de Lisboa, em Março de 2000.
O terceiro ponto traduz-se na necessidade de acompanhar a evolução deste processo, nomeadamente as suas repercussões sobre a EDP e a situação dos respectivos trabalhadores, o impacto global sobre a implementação do Mercado Único de Energia e, repito, a salvaguarda da posição dos consumidores.
Finalmente, o quarto ponto, relativo às repercussões em termos de neutralidade tarifária, parece-nos exigir uma clarificação - aliás, há pouco, o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico voltou a falar nele.
Na verdade, a proposta de lei, no seu artigo 3.º, refere "Que os encargos relativos às compensações devidas aos produtores pela cessação antecipada dos CAE devem ser repercutidos pela totalidade dos consumidores de energia eléctrica (…)". E, na explicação dada pelo porta-voz do Conselho de Ministros, na sequência da apresentação desta proposta, foi sublinhado que os encargos do impacto económico daquelas compensações eram diluídos nas tarifas durante 24 anos, de modo a tutelar adequadamente os direitos, os interesses económicos dos consumidores de energia eléctrica.
A questão da neutralidade tarifária não está, até agora, perfeitamente clarificada, e esse é um ponto essencial que tem de ficar esclarecido, porque a implementação deste Mercado Único de Energia, com o desmembramento e a liberalização, tem de ser acompanhado, do outro lado, da necessária salvaguarda dos direitos dos consumidores.
Este é um ponto essencial para merecer uma posição de empenho e de acompanhamento por parte da bancada do Partido Socialista perante a iniciativa aqui apresentada pelo Governo.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico: Talvez fosse positivo recuar um pouco no tempo, até Abril deste ano, momento em que esta Assembleia ratificou o Acordo entre Portugal e Espanha para a criação do MIBEL.
Na altura, o Dr. Carlos Tavares, então Ministro da Economia, esforçava-se por fazer passar três ideias-mestras.
Em primeiro lugar, que o MIBEL iria entrar em vigor até 20 de Abril de 2004 - viu-se…! Depois, que os consumidores domésticos passariam a ter a possibilidade de escolher os respectivos fornecedores num prazo de dois meses, isto é, antes de Julho de 2004 - também se viu…! Finalmente, assegurava, ainda, Carlos Tavares que a simples extinção dos contratos de energia eléctrica iria ter um efeito de redução de preços nos consumidores.
Hoje, cinco meses depois destas afirmações do então Ministro da Economia, nem uma só destas afirmações se confirmou. Nem um só desses compromissos se cumpriu.
A verdade é que, todos o sabemos, o MIBEL anda há vários anos a servir de pano de fundo do "pingue-pongue" de sucessivas cimeiras ibéricas.
Há dias, em Santiago de Compostela, acabou por ser fixada uma nova data para a entrada em funcionamento do MIBEL, desta vez em Junho de 2005, isto é, um ano e dois meses depois do dia mirífico apontado pelo Dr. Carlos Tavares! E se 20 de Abril de 2004 foi data que já se esfumou, o acesso dos consumidores domésticos a fornecedores diferenciados não passou de mais uma das muitas, sublinho, muitas, miragens com que o Governo PSD/CDS acenou, e continua a acenar, para tentar mostrar as vantagens do MIBEL.
É precisamente neste contexto do acenar de miragens que hoje se discute a proposta de lei para autorizar o Governo a criar compensações para fazer face à cessação antecipada dos chamados "contratos de aquisição de energia eléctrica".
A cessação destes contratos é, antes de mais, como se sabe, uma imposição do MIBEL, que assim começa por desarticular as bases de estabilidade nas regras do fornecimento de energia eléctrica pelas empresas produtoras à Rede Eléctrica Nacional. Claro que, no contexto desta decisão, havia que assegurar uma fórmula que legitimamente compensasse as empresas pela quebra dos contratos existentes, muitos deles de longa duração, que garantisse direitos legais adquiridos e, sobretudo, que assegurasse a manutenção das condições financeiras que os contratos de aquisição em vigor previam para essas empresas.
Por isso, a criação destas compensações… - e, Sr. Secretário de Estado, chame o que quiser, mas eu posso utilizar, sublinhar e repetir a expressão "indemnizações"! Como dizia, a criação destas indemnizações é o mínimo exigível ao Governo para que as empresas possam receber contrapartidas indemnizatórias adequadas pela quebra de relações contratuais legais, pré-existentes e, obviamente, com direitos adquiridos.
Só que a questão fundamental não reside apenas na criação das compensações. A questão reside na repercussão que tais compensações, ou indemnizações, vão ter no preço da energia eléctrica. O que vai suceder é que serão os consumidores a pagar essas compensações.
O Sr. Secretário de Estado pode invocar a neutralidade, só que ninguém acredita nisso! Deixe-me dizer-lhe, frontalmente, que creio que nem o Sr. Secretário de Estado acredita na neutralidade em termos de preços da criação das compensações.
Portanto, o que vai suceder é exactamente o contrário do que aqui foi anunciado há cinco meses pelo Dr. Carlos Tavares. As compensações - refere, aliás, o próprio projecto de decreto-lei anexo à proposta de lei que hoje discutimos - vão ser incluídas, mesmo que em prestações mais ou menos suaves, ao longo dos anos, nas facturas de consumo da energia eléctrica que os portugueses vão pagar. Serão, afinal, os consumidores a arcar com os custos inerentes à criação do "famoso" Mercado Ibérico de Energia Eléctrica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta esta proposta de lei de autorização legislativa requerendo uma urgência que, confesso, Sr. Secretário de Estado, não se entende e cujas explicações não convencem.
A proposta de lei deu entrada precisamente há oito dias e será votada já hoje. Só que, por causa do cumprimento dos prazos formais invocado pelo Governo - não se sabe porquê?! -, fica completamente prejudicada a possibilidade de aprofundar o debate nesta sede! Invocam-se prazos, define-se urgência, agenda-se uma proposta com esta importância política e a consequência de tudo isto é, manifestamente, a impossibilidade de aprofundar o debate.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É certo que ouvimos ontem o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico na Comissão de Economia e Finanças, mas também é verdade que teria sido fundamental ouvir, por exemplo, a opinião da DECO (Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores) ou, para não ir mais longe, da própria Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - A audição da ERSE teria sido fundamental neste debate, pois o seu Presidente, a par de muitas outras personalidades insuspeitas, levantou muitas dúvidas quanto à possibilidade de a criação do MIBEL se traduzir numa diminuição das facturas eléctricas. E um entre outros argumentos então aduzidos prendia-se exactamente com a repercussão da extinção destes contratos de aquisição de energia nas facturas eléctricas dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No MIBEL vão continuar a co-existir dois modelos diferenciados de compensação tarifária: do lado português, como se sabe, as compensações são repercutidas no preço final da energia eléctrica; do lado espanhol, a compensação faz-se directamente às empresas com um esquema de subsidiação que não onera os consumidores, pelo contrário, tem por efeito a diminuição do preço final.
Entende-se dificilmente como é que num mercado pretensamente único vão poder co-existir dois modelos tão diferenciados.
Em Espanha, os preços - designadamente, os preços industriais - são mais baixos porque são subsidiados; em Portugal, os preços serão mais elevados porque, entre outras razões, as compensações serão integralmente repercutidas nos preços finais.
Em Espanha, é público, o Governo garante os preços (por exemplo, as empresas espanholas terão custos de energia eléctrica fixos até 2007); no modelo português, a única coisa que o Governo garante, designadamente pelo projecto de decreto-lei anexo à proposta de lei de autorização legislativa em debate, é que os consumidores nacionais terão ajustamentos anuais de preço, no mínimo com a incorporação adicional de compensações pela cessação dos contratos de aquisição.
Anuncia o Governo que o modelo de compensações (que é diferente em Portugal e em Espanha) será único e igualmente aplicável em Portugal e em Espanha. É verdade que assim poderá vir a ser, só que ninguém sabe como nem quando ocorrerá! É que o prazo para apresentação de um plano para a uniformização dos modelos - trata-se de um plano apenas - é de Junho de 2006, um ano depois da entrada em funcionamento do MIBEL.
Importa, portanto, deixar duas perguntas: primeira, quantas e quais serão as empresas portuguesas que poderão resistir a condições de concorrência tão evidentemente favoráveis às empresas espanholas?;…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … segunda, está o Governo minimamente preocupado com a evidente possibilidade de estas condições de concorrência poderem provocar a absorção do mercado português pelo mercado espanhol, que alguns já anunciam?
Esta é, de facto, uma perspectiva sombria mas real, que o Governo nem quer abordar mas que reforça a nossa posição contra a criação do MIBEL e as suas consequências, agora traduzidas na proposta do Governo de fazer pagar aos consumidores os custos da sua implementação!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei que o Governo apresentou no passado dia 28, que hoje discutimos e que daqui a pouco passaremos a votar, tal é a urgência, surge como consequência da privatização do Sistema Eléctrico Nacional, ocorrida gradualmente desde finais da década de 80 para cá, bem como dos desenvolvimentos a nível europeu, nomeadamente com a Directiva 54/2003/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que veio estabelecer novas regras comuns para o mercado interno da electricidade, e, finalmente, da grande pressão exercida por Espanha para a criação do chamado MIBEL - Mercado Ibérico da Electricidade.
Infelizmente, o sector energético não tem sido visto pelos sucessivos governos, prosseguindo políticas de direita, como um domínio a assegurar em termos de eficiência produtiva e eficiência de consumo no

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sentido da sua racionalização e optimização, mas, mais uma vez, como um mercado de transacções económicas entregue aos privados, ficando na penumbra o interesse nacional, os direitos dos consumidores e uma estratégia global, a nível energético, no sentido de aumentar a produção com recurso às energias limpas, renováveis e alternativas (como a eólica, solar, marés, etc.) e, consequentemente, diminuir, assim, a dependência interna das importações energéticas.
O que estamos a assistir, na verdade, é à apresentação da factura dos custos criados pela privatização e liberalização em Portugal de grande parte de um sector tão crítico e fundamental como é o da energia eléctrica.
Sinal disso é a mais recente campanha de imagem da EDP, cujos custos astronómicos desconhecemos, mas imaginamos, e dificilmente nos farão sorrir, à semelhança daquele "sorriso alaranjado", quando aparecerem esses custos reflectidos na factura da electricidade que nos chega a casa.
É assim! São os custos da liberalização e da modernidade...
Sinal disso, também, é a necessidade de criar medidas compensatórias pela antecipação da cessação dos contratos de aquisição de energia eléctrica entre a entidade transportadora de electricidade e as produtoras eléctricas nacionais.
Quando é afirmado pela Comissão Europeia que as antigas centrais eléctricas construídas antes de Fevereiro de 1997, ou seja, antes da liberalização, não são suficientemente eficientes para fazerem face a um mercado de electricidade competitivo, sendo qualificadas como economicamente não rentáveis e o seu investimento como custos irrecuperáveis, resta perguntar: qual o papel que estará reservado a esses equipamentos no futuro sistema eléctrico? São razões para estarmos apreensivos.
Mas o mais grave é, sem dúvida, a clara e directa afirmação de que estes custos indemnizatórios pela liberalização do mercado da electricidade serão suportados pelos consumidores. Mais uma vez, serão os consumidores, todos eles (e convém relembrar que os consumidores domésticos representam 99% do universo do consumo total no nosso país), a pagar esta factura.
É grave e preocupante. Pensamos que os portugueses mereciam que esta proposta de lei lhes fosse melhor explicada, nomeadamente no que toca às projecções e previsões que o Governo faz do aumento dos custos para os consumidores com esta medida, antes de ser a mesma aprovada à pressa e sem a merecida reflexão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Narana Coissoró.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Tadeu Morgado.

O Sr. Jorge Tadeu Morgado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, nesta Câmara, uma proposta de lei na qual é solicitada à Assembleia da República uma autorização legislativa no sentido de o Governo legislar com vista à definição de medidas compensatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia.
Esta autorização legislativa enquadra-se no processo mais amplo de construção do mercado interno de energia e, em concreto, no âmbito dos princípios acordados para a constituição do Mercado Ibérico de Energia Eléctrica, representando em si mesmo um passo fundamental para a concretização deste grande mercado de electricidade entre Portugal e Espanha.
Ainda recentemente, mais em concreto no passado dia 16 de Abril, discutimos nesta Câmara a proposta de resolução que aprovou o Acordo, assinado em Lisboa, em 20 de Janeiro deste ano, entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a constituição deste Mercado.
Nesse debate, foi afirmado pelo Sr. Ministro da Economia que "Este Acordo representa o culminar de um caminho. Um caminho iniciado em 1998, com a assinatura de um Memorando de Acordo entre as Administrações de Portugal e Espanha, onde já eram reconhecidos os benefícios mútuos resultantes da criação de um mercado de dimensão ibérica. Um caminho que foi possível graças ao empenho dos governantes dos dois países, em que os interesses particulares foram postos de lado em benefício do interesse que importa prosseguir: o da economia, das empresas e dos consumidores."
O Sr. Ministro da Economia afirmou ainda, nesse debate, que a partir daquela data "a concretização prática do MIBEL seria o grande desafio não apenas para os Governos, mas também para os operadores do sector eléctrico dos dois países."

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Apesar das mudanças de governo entretanto verificadas em Espanha e em Portugal, a implementação prática do MIBEL prossegue a bom ritmo, sendo prova disso, aliás, o diploma que hoje estamos aqui a discutir.
Pretende-se com este diploma, e para ir ao encontro do previsto na Directiva 54/2003/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que estabeleceu regras comuns para o mercado interno da electricidade, bem como no acordo para a constituição do MIBEL, extinguir a relação comercial exclusiva com a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica e os centros electroprodutores nacionais que operam no âmbito do sistema eléctrico de serviço público consubstanciada em contratos de vinculação de longo prazo, designados por contratos de aquisição de energia eléctrica, através da cessação antecipada destes contratos.
Nesse sentido, impõe-se assegurar a "apropriada equivalência económica relativamente à posição de cada parte no Contrato de Aquisição", tendo em vista o ressarcimento dos direitos dos produtores, através de compensações designadas por Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual, de acordo com os princípios estabelecidos no Decreto-Lei n.º 185/2003, de 20 de Agosto.
Da análise do articulado desta proposta de lei e após as explicações efectuadas ontem pelo Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico na Comissão de Economia e Finanças - aliás, já hoje aqui repetidas na sua intervenção inicial -, verifica-se que a implementação desta medida não conduzirá a um acréscimo de custos para os consumidores de energia eléctrica quer porque os custos com estas compensações já se encontram no sistema, através dos contratos de aquisição de energia eléctrica, quer porque estes custos serão diluídos na tarifa de utilização global do sistema por um período mais longo do que o prazo médio desses contratos, o que resulta numa pressão descendente sobre os preços da energia eléctrica, como, aliás, já tinha afirmado na Assembleia da República o Sr. Ministro da Economia, em 16 de Abril.
Relativamente a este diploma, gostaria ainda de salientar a aprovação da metodologia nele implícita, no passado dia 22 de Setembro, pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia e o importante papel que terão na implementação prática destas medidas a Autoridade da Concorrência e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, nomeadamente no que diz respeito à supervisão do mercado e à detecção de eventuais práticas de dumping, como, aliás, também já aqui afirmou hoje o Sr. Secretário de Estado.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: É com agrado que o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata verifica que mais um importante passo para a concretização do Mercado Ibérico de Energia Eléctrica será hoje dado pela aprovação desta autorização legislativa.
É, ainda, com agrado que verificamos o empenhamento e a firmeza do Governo no que à consolidação do processo de liberalização e abertura dos mercados energéticos diz respeito, indo assim ao encontro do estipulado no Programa de Governo, aprovado por esta Assembleia com os votos favoráveis dos partidos da maioria.
Nesse sentido, exprimimos total concordância com esta medida, fazendo votos para que, passo a passo, solidamente e sem hesitações, como o tem feito o actual Governo e fez o anterior, se conclua o processo de integração dos mercados ibéricos, bem como o processo de criação do mercado interno de energia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Baptista.

O Sr. Victor Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Morgado, em tão pouco tempo, estamos aqui na presença de duas posições desta maioria PSD/PP.
O governo liderado pelo Dr. Durão Barroso, quando selou o acordo internacional com a Espanha sobre o Mercado Ibérico de Electricidade, disse claramente que existiam vários estudos que apontavam para a redução significativa dos preços, repito, redução significativa dos preços. Só não adiantou qual era o montante da redução, disse que não devia comprometer-se com essa matéria.
Curiosamente, passados uns meses, temos um novo Governo que veio falar na neutralidade do tarifário.
Estamos, pois, perante duas posições da mesma maioria PSD/PP. Com dois governos, e em poucos meses, um diz que os preços desagravam e o outro diz que os preços se mantêm.
O certo é que a proposta de lei de autorização legislativa aqui apresentada diz claramente no seu artigo 3.º, alíneas a) e b), que se irá repercutir no tarifário o montante das indemnizações compensatórias.

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Isto é, os preços vão subir e esta repercussão é ao longo de 23 anos. Não só somos colocados perante duas posições como, nesta segunda posição, o Governo diz que há neutralidade tarifária quando a proposta de autorização legislativa fala no aumento do tarifário. Afinal, em que ficamos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Tadeu Morgado.

O Sr. Jorge Tadeu Morgado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Victor Baptista, a pergunta que colocou já foi respondida neste Plenário, em 16 de Abril, pelo Sr. Ministro da Economia desta forma: "Por um lado, a simples extinção de contratos de aquisição de energia eléctrica vai ter, ao contrário do que alguns têm dito, um efeito de redução da pressão sobre os preços. E sabe porquê, Sr. Deputado?" - já na altura perguntava o Sr. Ministro - "Porque os custos dos contratos longos de aquisição de energia eléctrica já estão no sistema e vão ser diluídos nas tarifas por um período mais longo do que o prazo médio desses contratos, o que resulta numa pressão descendente sobre os prazos."
Nesse sentido, vou repetir aquilo que eu disse na intervenção que há pouco fiz para que o Sr. Deputado possa registar com a devida calma, ou seja, "quer porque os custos com estas compensações já se encontram no sistema, através dos contratos de aquisição de energia eléctrica, quer porque estes custos serão diluídos na tarifa de utilização global do sistema por um período mais longo do que o prazo médio desses contratos, o que resulta numa pressão descendente sobre os preços da energia eléctrica."
Penso que mais claro não poderia ter sido! Presumo que o Sr. Deputado, quando fala numa pressão ascendente sobre os preços, poderá estar a falar sobre outras componentes que compõem a própria tarifa da energia eléctrica e, nesse caso, está a confundir os conceitos. Aconselho-o a ver melhor essa questão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A electricidade desempenha actualmente um papel essencial em todas as sociedades desenvolvidas, onde o debate sobre o mercado da energia tem vindo a despertar um interesse crescente.
A energia é um sector em rápida transformação, em Portugal como na Europa; é um sector que se reveste de importância vital para as economias actuais.
Importa, por isso, responder com eficácia aos desafios que neste domínio se colocam, desde a garantia e segurança do abastecimento nacional aos requisitos de natureza ambiental e à sua influência na competitividade das empresas, enquanto factor de produção, à liberalização no âmbito europeu.
O Governo tem vindo a implementar um conjunto de instrumentos legislativos que consubstanciam a criação de um verdadeiro mercado de electricidade, criando condições para uma efectiva concorrência no sector.
Este novo enquadramento permitirá aos consumidores a liberdade de escolha sobre o fornecedor de energia eléctrica, com claros benefícios na qualidade dos serviços e nos preços da mesma energia eléctrica.
Estas medidas são particularmente importantes para a competitividade do País como destino de investimento, na medida em que permitirão às empresas instaladas em Portugal o acesso a um mercado eléctrico eficiente e competitivo.
A resolução destas questões é um factor essencial do processo de liberalização da actividade de produção de energia e da criação de um horizonte de estabilidade aos produtores.
A liberalização do mercado português de electricidade terá efeitos positivos para os produtores e consumidores, empresas e particulares.
A concorrência efectiva no mercado de electricidade cria condições para uma melhoria na qualidade de serviço, diversidade de produtos, possibilidade de oferta de produtos combinados, como, por exemplo, gás e electricidade.
Simultaneamente, o mercado livre tenderá para uma maior aproximação aos preços praticados no país vizinho, tornando-se previsível uma redução nas tarifas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Relativamente às empresas eléctricas, a maior liberdade de actuação no mercado cria condições de acrescida competitividade, concorrência e de incentivo a maior eficiência de actuação.
Com as medidas legislativas entretanto aprovadas pelo Governo, avançou-se no sentido de criar as condições para a liberalização do mercado eléctrico nacional, permitindo a entrada de novos produtores, comercializadores e distribuidores de electricidade.
Trata-se de avançar no sentido do desenvolvimento de um mercado concorrencial, fluido e eficaz.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Um mercado com mecanismos de acompanhamento e controlo que garantam a satisfação das necessidades dos consumidores, a segurança de abastecimento e a compatibilidade com os objectivos de eficiência energética e fomento das energias renováveis.
A promoção da abertura e da concorrência nos mercados energéticos é não só importante mas também uma necessidade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa do Governo consagra o objectivo do aumento da concorrência e a eficácia da regulação no sector com a liberalização gradual, mas firme, do sector energético.
Visa-se uma melhor afectação de recursos, uma maior eficiência nos consumos energéticos, uma melhoria das condições competitivas das empresas em ambiente de saudável concorrência, tendo como objectivo final um melhor serviço aos consumidores.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Estas orientações são coincidentes com a política comunitária que tem como objectivo central a construção do mercado interno de energia.
Com equilíbrio e determinação, é possível conciliar os objectivos da inevitável abertura dos mercados e do consequente esforço de concorrência, com a defesa dos interesses do País, sustentada na assunção de opções fundamentais.
Neste contexto, o processo de extinção dos contratos de aquisição de energia torna-se imprescindível para que exista um verdadeiro mercado de electricidade.
Desta forma, a Rede Eléctrica Nacional deixará o seu "estatuto" de comprador quase único da electricidade produzida para que as empresas de produção a possam colocar no mercado.
O passo essencial para a liberalização do mercado, que representa a extinção dos CAE, significa desde logo a libertação para o mercado de energia de 83% do total da produção, até agora alocado à REN.
Para que o mercado aberto de oferta e procura de electricidade funcione é necessário que os CAE sejam extintos, já que se tratam de garantias de compra de energia a longo prazo de que os produtores têm beneficiado.
Neste aspecto, pensamos que o modelo encontrado aponta para uma solução equilibrada. Por um lado, estabelece um mecanismo de compensações adequadas, na exacta medida em que se justificam e do que seria exigível - um mecanismo de compensação assente na diferença entre o valor implícito no contrato e o valor que os produtores recebem no mercado, respeitando o equilíbrio contratual. Por outro lado, permite também assegurar que os consumidores não paguem globalmente mais.
Deve salientar-se que se procurou encontrar uma solução economicamente neutra, em que o direito a compensações não implica um sobrecusto para o sistema.
Um modelo que representa mais liberdade de gestão por parte dos produtores, mais liberdade de escolha para os consumidores, sem que seja posta em causa a segurança no abastecimento.
O modelo de extinção dos CAE não interessa, porém, apenas aos produtores de electricidade. Interessa a todo o mercado. Desde logo, interessa aos operadores porque, sem volume suficiente de oferta de energia que sustente o mercado, não será possível avançar para um preço de referência real para as transacções no mercado a prazo. Interessa, igualmente, aos consumidores, que pagam as tarifas e para quem esta mudança deve ser neutra.
O termo dos CAE também porá à prova a capacidade de ganhos de produtividade do sector da produção, que tem vivido sem um escrutínio permanente à eficiência, como acontece com o sector da distribuição, e sem a pressão exercida pelo regulador através das tarifas.
A partir de agora, terá pela frente uma margem potencial de ganho, que poderá beneficiar os consumidores.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O reforço da competitividade das empresas, num quadro de eficiência da produção nacional, constitui um desafio para as empresas do sector nacional de energia, que terão de assumir objectivos de eficiência ambiciosos e estratégias de desenvolvimento claras.

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Por tudo o que foi referido, acreditamos que o aumento da abertura e da concorrência nos mercados energéticos é não só importante mas, também, uma necessidade. Isto trará benefícios claros para as empresas e para a sua competitividade.
Estamos seguros de que as orientações estratégicas que o Governo tem imprimido à política energética são as adequadas para assegurar o reforço da competitividade em Portugal num quadro de eficiência e valorização da produção endógena de energia.
É um caminho obrigatório que se inscreve na lógica do desenvolvimento económico do nosso país, no âmbito da construção do mercado interno de energia.
Por tudo o que foi dito, o CDS votará favoravelmente a proposta de autorização legislativa que o Governo hoje nos traz.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico.

O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que o Governo aqui propõe é um modelo bom. É um modelo muito melhor do que o actual. É um modelo bom porque promove e assegura a liberalização de um sector, liberalização essa que irá criar uma pressão descendente sobre os preços, sem prejuízo de ser um modelo economicamente neutro.
A neutralidade do modelo faz com que o mesmo seja justo. É neutro para os consumidores, todavia com uma tendência e com uma pressão descendente da tarifa pelo facto de os contratos serem alongados, e é um modelo neutro para os produtores.
É um modelo que assegura a liberalização. Pela liberalização promove a concorrência e pela concorrência promove uma tendência e uma pressão descendente nos preços.
É, de facto, um modelo justo para os produtores. Penso que ninguém aqui gostaria de evitar as compensações. A não compensação aos produtores enfraqueceria brutalmente os produtores nacionais. Ora, se aqui se falou na preocupação de uma eventual aquisição dos actuais produtores por outras entidades estrangeiras, a não compensação seria mais do que meio caminho andado para que esse facto ocorresse.
Portanto, a compensação assegura também a vitalidade relativamente à situação actual do tecido produtor de electricidade nacional.
É um modelo bom, é um modelo que pretende, assegura e promove a liberalização, não é um modelo que pretenda desmantelar o sistema. Não se trata de desmantelar qualquer sistema mas de fazer evoluir e melhorar significativamente o sistema actual no sentido de promover a liberalização, na qual este Governo acredita, e a concorrência dos produtores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, temos de voltar à questão-chave deste debate: a da neutralidade tarifária.
O Sr. Secretário de Estado falou-nos agora de um modelo - e nós não contestamos que o processo de integração do MIBEL tenha uma fase de transição -, mas o Sr. Secretário de Estado, em nome do Governo, não clarificou a questão essencial. A proposta de lei do Governo explicita que os encargos são facturados e cobrados aos consumidores de energia eléctrica. Diga-nos, Sr. Secretário de Estado, em nome do Governo, se vai haver ou não garantia desta neutralidade tarifária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que é que vale? Vale a declaração inicial do anterior Primeiro-Ministro, hoje Presidente da Comissão Europeia, em nome desta maioria PSD/PP, de que os estudos existentes apontam para uma redução significativa de preços, ou vale a declaração mais recente do Sr. Ministro da Presidência de que os custos são diluídos para que o impacto económico destas compensações seja pago, ao longo de vários anos, pelos diferentes consumidores de energia eléctrica? Vale, afinal, aquilo que consta na proposta de lei, ou seja, de que os encargos são para pagar pelos consumidores?
Sr. Secretário de Estado, o senhor não esclareceu esta Assembleia sobre esta questão-chave.

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Há ou não neutralidade tarifária? Há ou não uma redução em relação aos custos para os consumidores? Como é que estão salvaguardados os direitos dos consumidores?
O Sr. Secretário de Estado, bem como o PSD e o PP, sobre esta matéria, que se procurou esconder debaixo do tapete, não sai daqui dando respostas claras e nós, pela nossa parte, naturalmente, tiraremos as devidas ilações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, para o que dispõe de tempo cedido pelo PSD.

O Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Apolinário, o modelo, tal como foi aqui amplamente referido, promove a neutralidade tarifária criando uma pressão descendente sobre o preço ao diluir o prazo dos contratos num prazo maior.
Por outro lado, como também já referi na última intervenção,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Paga-se em prestações suaves!

O Orador: - … para além de promover a neutralidade tarifária, o modelo assegura a liberalização do sector de produção. Ao assegurar essa liberalização está a promover a concorrência entre as empresas produtoras de energia eléctrica. É natural que a concorrência crie uma tendência e uma pressão descendente também nos preços.

O Sr. António Filipe (PCP): - Os preços vão descer para cima!

O Orador: - Espero que agora estejam esclarecidos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Até o Sr. Secretário de Estado se ri daquilo que disse!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 141/IX, vamos passar à discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 176/IX - Alteração da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (PSD).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal elegeu os primeiros Deputados ao Parlamento Europeu em 1987, por sufrágio direito e universal, embora não rigorosamente universal, pois os emigrantes recenseados fora do espaço comunitário foram excluídos do processo e ainda o são.
Queremos, com esta iniciativa, para a qual solicitamos o apoio de todas as bancadas, resolver uma situação que assume foros de escândalo, por esquecer uma parte do povo português, desvalorizando a força e a natureza do seu relacionamento com o País, assim como por pôr em causa a coerência interna do sistema jurídico, do direito eleitoral, que permite o mais (o voto na eleição dos órgãos de soberania, Assembleia da República e Presidente da República) e proíbe o menos (um simples sufrágio para o Parlamento Europeu).
É, na verdade, a nossa própria lei que os discrimina, visto que, na qualidade de nacionais de um Estado-membro, eles são sujeitos de "cidadania europeia", estabelecida nos Tratados de Maastricht, Amesterdão e Nice, gozando da liberdade de circulação e de permanência adentro do território da "União" e de todos os direitos individuais inscritos, imperativamente, naqueles Tratados - entre os quais se não inclui, porém, o sufrágio para o Parlamento Europeu, que é facultativo.
A remissão para o ordenamento jurídico de cada Estado-membro deve-se à dificuldade de harmonização das respectivas leis eleitorais. Sabemos bem porquê… É o peso de tradições e histórias da emigração muito diversas, de país para país, que divide os europeus.
Há aqueles - sobretudo a Norte - onde o fenómeno nunca se verificou em elevado grau ou ocorreu em períodos curtos, esporadicamente, sem deixar rasto nas sociedades actuais.
No outro extremo, geográfico, mas também cultural, estão, predominantemente, os do sul, marcados por movimentos migratórios multisseculares de saída e retorno, que levaram as suas gentes a criar autênticos prolongamentos de uma existência colectiva em terras distantes, através de comunidades que continuam unidas à Mátria, no quotidiano, por laços de toda a ordem.

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Desta diversidade, decorrem diferentes concepções de Nação e de nacionalidade, modelos próprios de estruturar o Estado e de incorporar o estatuto de participação cívica dos expatriados que conferem, inevitavelmente, à "cidadania europeia", "constitucionalizada" pelo Tratado de Maastricht, um conteúdo assimétrico - alargado ou não à dimensão parlamentar de que curamos.
Mas nós não só nos deslocamos para o campo errado - o dos Estados que não valorizam o sentido de pertença da sua emigração - como somos certamente os únicos a adoptar soluções tão contraditórias, a nível interno e europeu. E a contradição vai-se tornando cada vez mais gravosa para os emigrantes, com o evoluir da arquitectura institucional europeia, as transferências de centros de decisão dos Estados nacionais para a União e com o reforço do papel, do prestígio, das atribuições concretas do Parlamento Europeu. Para eles, até hoje, "mais Europa" significou, afinal, "menos cidadania", porque nas instituições europeias perderam a margem de representação e intervenção política que possuem em Portugal.
Por outras palavras, se o Parlamento Europeu fosse, como aconteceu até ao acto eleitoral de 1979, um somatório de delegações dos parlamentos nacionais, ainda hoje eles teriam direitos semelhantes a espanhóis ou franceses.
Explicar o que conduziu a um tal estado de coisas exige uma incursão ao passado, ao início da nossa caminhada na CEE, na segunda metade da década de 80 - um período de grande afrontamento político-partidário e ideológico no domínio do estatuto da nacionalidade e do sufrágio dos emigrantes, que teve reflexos perversos em sede da produção legislativa.
É para nós um motivo de orgulho lembrar que o PSD defendeu a plena capacidade eleitoral activa de todos os portugueses logo no seu primeiro projecto de lei para o Parlamento Europeu - projecto de lei n.º 405/IV, de 6 de Abril de 1987. Todavia, a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, concluída à pressa, com um carácter transitório, para vigorar apenas no acto eleitoral que se avizinhava, acabaria por não consagrar o voto dos residentes em países não comunitários.
Tratou-se, como é evidente, de um compromisso interpartidário, ditado por razões conjunturais. Foi um adiamento da decisão de fundo, um adiamento que se prolonga há mais de 17 anos. Não, acrescente-se, por responsabilidade do governo do PSD que, logo no ano seguinte, aprovou a regulamentação que ampliava o colégio eleitoral para o Parlamento Europeu a todos os portugueses sem excepção (Decreto n.º 127/V, de 20 de Dezembro de 1988). Porém, a iniciativa gorou-se porque o diploma foi, sucessivamente: vetado pelo Presidente da República e devolvido à Assembleia da República; confirmado, com algumas modificações em 15 de Fevereiro de 1989, pela maioria do PSD; enviado pelo Presidente da República ao Tribunal Constitucional em 10 de Março para apreciação preventiva da constitucionalidade, por vício de procedimento; declarado inconstitucional, pelo Acórdão n.º 320/89, de 4 de Abril. Foi por maioria, mas com contundentes votos de vencido, que o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade formal, e também pela inconstitucionalidade material, com base na ideia de que a Lei Fundamental não acolheria o princípio do voto dos emigrantes em círculo único com valor igual ao dos residentes (caso da eleição para o Parlamento Europeu), mas tão só no caso excepcional da Assembleia da República, com a imposição de um tecto máximo, afastada a regra da proporcionalidade. Uma interpretação restritiva da qual discordamos e que, nesta Casa, dera origem a um contraditório de alta intensidade, a revelar as clivagens entre a bancada do PSD, então no governo, e as da oposição, que desfiaram um extenso rol de inquietações e temores muito subjectivos sobre as consequências do voto da diáspora, que o curso dos acontecimentos, objectivamente, se encarregou de desfazer.
Por fim, a consagração do voto dos emigrantes para a Presidência da República, pelo sistema proporcional, em círculo único, na revisão constitucional de 1997, veio tornar insustentável o princípio da sua exclusão do sufrágio do Parlamento Europeu.
Portugal, Nação de comunidades, na expressão sentida, rigorosa e lapidar de Sá Carneiro, tem de estar, na sua universalidade e inteira dimensão humana, representado no Parlamento Europeu, que é hoje, na União, um símbolo e um instrumento de poder popular. O envolvimento destes portugueses de fora das fronteiras da União torná-los-á mais conscientes dos seus direitos, mais conhecedores de uma nova realidade em que nos inserimos e dará um contributo para uma Europa mais pluralista, mais aberta e mais presente no mundo, através deles. O que nos cumpre decidir, aqui e agora, é uma questão de cidadania. De cidadania portuguesa e de cidadania europeia.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, ouvimos com especial atenção a apresentação feita pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar desta iniciativa de alteração à

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Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu. E estávamos a ouvir a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, o conjunto de dificuldades que aqui nos relatou relativamente à história das várias tentativas que ocorreram relativamente a esta matéria, mas não estávamos a ver, designadamente nas bancadas da maioria, os especialistas em Direito europeu que, ao longo do tempo, têm acompanhado com bastante rigor a evolução do Direito no que se refere à eleição do Parlamento Europeu.
E qual é essa tendência? A tendência é, como bem sabem, no sentido de se caminhar para uma harmonização de regimes eleitorais para o Parlamento Europeu, no sentido da afirmação do princípio da territorialidade, razão pela qual uma medida como esta, ao ser apreciada neste Parlamento, tem de o ser com extraordinária cautela, para não estarmos aqui a dar uma indicação errada relativamente a uma parte do nosso eleitorado.
E qual é essa indicação errada? É dizer que existe a boa intenção de, porventura transitoriamente, conceder aos cidadãos da diáspora direito de voto relativamente ao Parlamento Europeu e, muito a breve trecho, quando tivermos o anunciado sentido de harmonização, que não consagra esse regime, irmos então retirar esse direito que agora aqui pretendemos consagrar.
Não entro já, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, no debate sobre as questões da constitucionalidade. Não, estou apenas a introduzir uma questão eminentemente prática e uma questão eminentemente ligada à tendência que existe no que se refere ao direito eleitoral para o Parlamento Europeu. E, repito, a tendência é para a territorialidade. Ora, seria extraordinariamente negativo que, neste momento, estivéssemos a introduzir uma boa intenção e, através dessa boa intenção, a alimentar uma expectativa para depois, omitindo que a tendência é contrária, virmos dizer: "temos muita pena mas, verdadeiramente, acontece que a territorialidade é o princípio do direito eleitoral para o Parlamento Europeu, pelo que teremos de retirar o direito de voto que concedemos".
Em termos de economia legislativa, Srs. e Sr.as Deputadas, é indispensável que tenhamos muita cautela, para não estarmos a alimentar expectativas erróneas e para não estarmos a omitir aquilo que não podemos esquecer que é a tendência para a harmonização, no sentido da territorialidade, da legislação eleitoral para o Parlamento Europeu.
Esta é que é a questão. Não é um problema de boa intenção, não é um problema de dizermos: "gostamos da diáspora, gostamos dos nossos cidadãos da diáspora!" Srs. Deputados, naturalmente que temos os cidadãos da diáspora no nosso coração, sempre presentes, mas temos de perceber também que há uma lógica - lógica inexorável, clara, definida - no que se refere ao direito eleitoral para uma instituição tão importante quanto o Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu, em breve, será um órgão previsto no Tratado Constitucional Europeu, será um órgão constitucional europeu, obedecendo, portanto, aos princípios do direito eleitoral europeu nos termos em que o refiro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, escuso agora de recordar o regime constitucional da matéria que estamos a tratar. É matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, a quem cabe, nos termos da alínea l) do artigo 164.º da Constituição, legislar sobre "eleições (…) " (…)realizadas por sufrágio directo e universal (…)".
A lei não reveste forma especial, mas, Sr.as e Srs. Deputados - e daí as cautelas especiais de que a jurisprudência presidencial sempre acompanhou estas matérias -, estamos perante um regime especial de promulgação e de veto nesta matéria. Para quê? Para preservar uma ampla maioria e um amplo consenso nestes temas. Por isso se prevê, no artigo 136.º da Constituição, que, para efeitos de confirmação do voto pela Assembleia da República, no caso de o Presidente da República exercer o direito de veto, seja exigida a maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, nos decretos que respeitem a regulamentação de actos eleitorais previstos na Constituição, que não revista a forma de lei orgânica. É exactamente este o caso.
Ou seja, importa chamar a atenção para o facto de não bastarem os votos da maioria neste caso, uma vez que a jurisprudência presidencial e constitucional vão no sentido de que alterar as leis eleitorais obriga à existência de uma maioria alargada.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, acabei de vos dizer que neste caso não há consenso, porque não podemos ignorar que esta é uma matéria que não diz respeito exclusivamente ao nosso domínio, porque o direito eleitoral europeu tem o seu caminho, tem a sua tendência, e o princípio da territorialidade é inequívoco, inexorável e não pode deixar de ser consagrado a breve trecho.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

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O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que agora discutimos visa atribuir capacidade eleitoral passiva nas eleições para o Parlamento Europeu aos cidadãos portugueses residentes fora do território nacional e da União Europeia.
Os autores do projecto de lei, que aqui cumprimento, saudando de modo particular a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar, que o apresentou, alegam, para tanto, que os portugueses residentes fora do espaço da União Europeia têm sido excluídos da participação nestas eleições uma vez que não constam entre as categorias de cidadãos com capacidade eleitoral para o efeito, contrariamente - e segundo nos disse a Sr.ª Deputada na sua apresentação - ao que se passa com os cidadãos franceses, espanhóis ou italianos.
De facto, convém recordar que são eleitores dos Deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal: os cidadãos portugueses recenseados no território nacional; os cidadãos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral português residentes nos Estados-membros da União Europeia que não optem por votar no Estado da residência, e os cidadãos da União Europeia não nacionais do Estado português recenseados em Portugal.
Com a consagração da alteração legislativa agora em causa, nos termos regimentais e legais, consagra-se o poder de participação nestas eleições aos cidadãos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral português no círculo fora da Europa e em países europeus não pertencentes à União Europeia.
Até à quarta revisão constitucional (de 1997), os eleitores residentes no estrangeiro apenas votavam nas eleições para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, sendo que, no que respeita a estas últimas, a lei só admitia o direito de voto para os residentes nos outros países da União Europeia.
Após a revisão constitucional de 1997, o novo texto da Constituição veio alargar o exercício do sufrágio na eleição para o Presidente da República aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, requerendo-se, contudo, a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
É precisamente com esta inovação da revisão constitucional de 1997 que os autores do projecto argumentam no sentido de que, se esse obstáculo foi removido no que respeita à eleição para o Presidente da República, por maioria de razão o deverá ser para as eleições para o Parlamento Europeu, assim se fazendo justiça aos portugueses emigrados nos vários continentes, contribuindo também para reforçar o seu conhecimento e adesão aos ideais europeus, bem como a sua influência nos destinos comuns.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu, no que respeita aos cidadãos da União Europeia que residam num Estado-membro do qual não sejam nacionais, é o que resulta da Directiva n.º 93/109/CE, do Conselho, de 6 de Dezembro.
Esta directiva visa desenvolver o que estatui o n.º 2 do artigo 8.º-B do Tratado que institui a Comunidade Europeia sobre o direito de voto e a elegibilidade para o Parlamento Europeu no Estado-membro da residência. É de assinalar que a directiva reconhece expressamente que a aplicação daquela disposição do Tratado não implica uma harmonização dos regimes eleitorais dos Estados-membros, ou seja - e tendo em conta as exigências do princípio da proporcionalidade -, consigna-se que a legislação comunitária, nesta matéria, não deve exceder o estritamente necessário para atingir os objectivos ali referidos: a não discriminação entre nacionais e não nacionais e a garantia do direito de livre circulação e permanência.
Por outras palavras, e tendo em conta que o n.º 2 do artigo 1.º da Directiva prevê que as disposições da directiva "(…) não afectam as disposições de cada Estado-membro sobre o direito de voto e elegibilidade dos seus nacionais que residam fora do seu território eleitoral", é de concluir que o presente projecto de lei tem enquadramento nas disposições desta directiva, constituindo, pois, matéria da competência dos Estados-membros, com todo o respeito, obviamente, pela opinião contrária.
Esta directiva foi transposta para a ordem jurídica nacional pela Lei n.º 4/94, de 9 de Março, que por sua vez alterou a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu.
Em suma, é nosso entendimento que esta é uma iniciativa louvável, justa e necessária, que repõe, finalmente, o equilíbrio no tratamento de situações de algum modo similares e até aqui reguladas de modo desigual. Aproxima cidadãos nacionais do País, onde quer que eles estejam e acaba com diferenciações injustificadas entre portugueses.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na crítica que foi feita ao projecto que estamos agora a considerar, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins sublinhou a importância de um amplo consenso nesta matéria.
Há boas razões para olharmos com atenção para esta preocupação, visto que houve, no passado, um veto presidencial e, evidentemente, a matéria do direito eleitoral é de grande sensibilidade e, portanto, de grande responsabilidade.
No entanto, sem mais avançar sobre esta necessidade de consenso, que verificaremos daqui a pouco tempo na votação, importa, talvez, discutirmos os fundamentos essenciais desta proposta, para podermos avaliar da sua aplicabilidade. A este respeito, quero fazer dois comentários e apresentar uma conclusão.
Em primeiro lugar, toda a legislação eleitoral tem tido a preocupação de alargar o universo eleitoral. Há boas razões para que assim prossigamos, em particular no que diz respeito a direitos já consagrados (e ainda bem) quanto à votação de imigrantes europeus em Portugal nas eleições do Parlamento Europeu, e até quanto à ampliação dos direitos passivos e activos, o que permitiu, por exemplo, que a lista do Bloco de Esquerda para o Parlamento Europeu contivesse um cidadão italiano, o escritor António Tabucchi…

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): -Português!

O Orador: - Português depois de ter sido candidato, e poderia tê-lo sido como cidadão italiano (e ainda bem) no pleno exercício dos seus direitos.
Este alargamento é expressivo e penso que deve manter e reforçar um acordo importante neste Parlamento.
No mesmo sentido, e em segundo lugar, importa que os portugueses que estão em território não europeu, que aí vivem, trabalham e têm os seus projectos de vida, também participem o mais plenamente possível, se essa for a sua vontade, na vida política portuguesa.
Nesta matéria, apreciamos uma divergência preocupante: a de a legislação portuguesa prever, e ser naturalmente aceite, a possibilidade de participação destes emigrantes portugueses na escolha do Presidente da República portuguesa ou dos Deputados deste Parlamento mas não lhes ser permitido o mesmo direito quanto à escolha dos representantes portugueses no Parlamento Europeu.
Creio que este é o problema fulcral e é sobre ele que temos que nos interrogar se se deve ou não manter esta diferença.
É apontado que pode vir a ocorrer uma tendência de territorialização do direito eleitoral no quadro da legislação europeia e que ele pode ser contraditório com a solução desta divergência. No entanto, a divergência existe, para além de existir uma assimetria entre os poderes dos emigrantes portugueses em território não europeu, que não podem, mesmo que o queiram, fazer-se representar no Parlamento português, o que já não é possível no território europeu, que é hoje um território da cidadania portuguesa na expressão europeia que temos.
Creio que esta contradição pode ser resolvida se encontrarmos formas de estimular a participação dos emigrantes portugueses também na eleição para o Parlamento Europeu.
Acontece ainda que a eventualidade do predomínio do direito territorial na harmonização da legislação quanto à eleição para o Parlamento Europeu está - infelizmente, diria eu - consagrada já por uma subordinação preventiva da matéria constitucional, visto que, desde a última revisão, aquilo que for aprovado constitucional ou legislativamente ao nível da União Europeia fará parte do nosso ordenamento sem qualquer escrutínio nacional.
De facto, a contradição é essencialmente esta: podemos votar no sentido da ampliação dos direitos democráticos e da responsabilidade de os parlamentares europeus serem também votados pelos emigrantes portugueses em territórios extra-europeus, mas pode acontecer que, sem qualquer interferência do corpo legislativo português, esta norma seja alterada pela simples transposição da legislação europeia.
De qualquer forma, não resolvemos esta contradição nesta sede, porque ela, infelizmente, está já imposta por um conceito de Constituição em aberto, como o que foi consagrado na última revisão.
Por isso mesmo, o nosso ponto de partida é o de aceitar este alargamento, desde que fique claro que se trata de uma forma de responsabilização a par do direito que assim é consagrado, o que pode ser assegurado se o voto presencial dos emigrantes for estabelecido com o mesmo regime previsto para as eleições presidenciais.
Se assim acontecer, parece-nos que este passo, este sinal, esta abertura, este interesse são suficientemente resguardados na preocupação do legislador, se tal vier assim aprovado. Será nesse sentido que votaremos, agora, na generalidade, e, caso este diploma passe à especialidade, será nestas condições que o poderemos aprovar ou desaprovar, consoante o trabalho na especialidade aceite ou não este princípio fundamental, que é o da responsabilidade dos eleitores nas condições já consagradas na legislação portuguesa noutros casos, como o da eleição presidencial.

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Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, abordaria este projecto de lei com base em duas questões fundamentais: a primeira é a da razoabilidade, a de saber se faz sentido, se tem lógica, se é razoável consagrar este direito de voto, e, em segundo lugar, referir-me-ei ao aspecto da constitucionalidade, que, a nosso ver, é equacionado neste projecto de lei em termos que não são completamente satisfatórios.
Relativamente à primeira questão, a da razoabilidade, importa questionarmo-nos sobre qual é o sentido da atribuição do direito de voto aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nos diversos actos eleitorais.
Do nosso ponto de vista, a atribuição do direito de voto na eleição para a Assembleia da República tem todo o sentido nos termos em que se efectiva. Isto é, os cidadãos residentes no estrangeiro elegem Deputados à Assembleia da República por círculos eleitorais que, embora se saiba que os Deputados representam todo o País e não apenas os círculos por onde são eleitos, de certa forma, do ponto de vista político e da realidade política, representam os cidadãos que os elegem. Nesse sentido, também há Deputados à Assembleia da República que foram eleitos pelos cidadãos residentes no estrangeiro e que assumem, à sua maneira, a representação desses cidadãos. Isso tem toda a lógica e nunca nos opusemos a essa eleição, como é evidente.
A questão já não se coloca da mesma forma, designadamente, em relação ao voto nas eleições presidenciais - e são conhecidas aqui as reservas que manifestámos ao longo de muitos anos e até no momento em que esse direito de voto foi consagrado na revisão constitucional de 1997 -, que, como se sabe, são realizadas em círculo único.
E aqui sempre colocámos a questão óbvia de que, sendo certo que se atribuiu o direito de voto a todos os cidadãos, também é certo que nem todos os cidadãos sentem as consequências de um eventual mau exercício desse cargo. Isto é, todos os cidadãos têm o direito de votar, mas nem todos têm a mesma relação com os titulares do órgão de soberania eleito.
Parafraseando o que escreveu na altura o Prof. Joaquim Gomes Canotilho, à partida, todos votam, mas, à chegada, só os cidadãos residentes é que sentirão as consequências se o cargo resultante da eleição for mal exercido.
Ora, esta questão também se poderá colocar, em termos basicamente semelhantes, na eleição para o Parlamento Europeu. Isto é, os cidadãos residentes no território da União Europeia são directamente atingidos pelo eventual mau exercício dos Deputados eleitos para o Parlamento Europeu, o que não acontece com os cidadãos que residem fora da União Europeia, porque estes não têm a mesma relação com esses Deputados. Isto é absolutamente lógico e, até direi mais, haverá cidadãos que, pelo local onde residem, estarão muito mais interessados em acompanhar directamente outros processos de integração do que propriamente o processo de integração europeia.
Por exemplo, um cidadão português que viva na Argentina estará muito mais preocupado com a evolução do MERCOSUL, que o afecta directamente, do que propriamente com a evolução do processo de integração europeia.
Portanto, do ponto de vista da lógica, este princípio é, à partida, contestável.
Mas há também um problema de constitucionalidade que não está resolvido. O preâmbulo do projecto de lei refere, e bem, que houve uma iniciativa legislativa semelhante - e, aliás, o relatório da 1.ª Comissão também o refere -, anterior à revisão da Constituição de 1997, que, em termos constitucionais, não teve acolhimento na altura porque a Lei Fundamental não permitia a votação dos emigrantes em círculo eleitoral único, e que esse obstáculo estaria afastado.
Eu diria que não está afastado nos termos em que aqui é proposto, pela simples razão de que o voto dos emigrantes nas eleições presidenciais foi consagrado apenas em termos presenciais. Os emigrantes votam nas eleições presidenciais desde que o façam presencialmente.
Ora, a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu prevê a possibilidade de voto por correspondência, o que é diferente, e, portanto, a introdução de uma disposição como esta nesta lei não arredava os problemas de inconstitucionalidade que se notavam antes de 1997 e que, quanto ao voto por correspondência, continuam a colocar-se depois de 1997.
Portanto, este problema de inconstitucionalidade não fica resolvido na forma como o PSD aqui nos propõe e continua a suscitar-se, daí que tenhamos objecções de duas ordens a este projecto de lei, que, obviamente, não podemos deixar de suscitar aqui neste momento.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de insistir em alguns dos aspectos que já foquei. Um primeiro: só no caso português encontramos este desfasamento entre o direito de participação na vida política interna e o direito de participação na vida europeia.
Em França, os franceses votam para o Parlamento Europeu da mesma forma que têm o direito de votar para o seu parlamento, tal como acontece com os espanhóis, em Espanha; os ingleses fazem-no com algumas restrições de ordem temporal, o mesmo acontecendo com os alemães, que votam durante os primeiros 5 ou 10 anos, mas da mesma forma para o Parlamento Europeu e para o seu parlamento nacional; os italianos são obrigados a votar in loco para o parlamento nacional, o mesmo acontecendo para o Parlamento Europeu. Os gregos também!
Devo dizer que, para mim - e agora falo em meu nome e não em nome do PSD -, o voto por correspondência ou o voto presencial são dois modos de votação que coloco em alternativa. Pessoalmente nada tenho contra o facto de, por exemplo, numa eleição europeia se votar presencialmente. Experimentámos já os dois sistemas, cada um deles com vantagens e inconvenientes. Não será por aí que se pode invocar uma inconstitucionalidade! Aliás, o Acórdão que declarou a inconstitucionalidade material do Decreto n.º 127/V referia expressamente a proporcionalidade. Era a questão da proporcionalidade que estava em causa e não o modo de votação, que é um aspecto acessório.
Outro ponto a destacar respeita à harmonização da legislação europeia, um objectivo que, há longo tempo, tem vindo a ser proposto. Lembro-me que já na anterior discussão sobre esta matéria, aqui, o Partido Socialista aduzia esse argumento. Há 18 anos que o Partido Socialista usa esse argumento contra os nossos, mas há 18 anos que franceses, espanhóis, alemães, italianos, etc., vão votando nas eleições europeias, enquanto os portugueses estão excluídos desse processo!
Devemos nós próprios ser uma voz na Europa contra essa afirmação do "princípio da territorialidade", uma vez que temos particular sensibilidade para a especial composição da Nação portuguesa. Outros povos poderão dizer o mesmo, como os franceses ou os espanhóis.
Por último, o argumento de que os portugueses não se interessarão por este acto eleitoral, não o aceito! Creio, por exemplo, que um português na Argentina, enquanto cidadão argentino, se interessará pelo MERCOSUL, mas, enquanto cidadão português, pode interessar-se muito mais pela União Europeia. De qualquer modo, isto é irrelevante, pois o direito de sufrágio é um direito fundamental, consignado na Constituição, que só pode ser restringido por uma previsão nela expressa.
Entendemos que o nosso projecto de lei é constitucional e justo. É a legislação que os emigrantes esperam há longo tempo. É a legislação que temos obrigação de adoptar em Portugal. É a legislação pela qual temos também obrigação de lutar a nível europeu: por uma harmonização que nos continue a considerar a todos cidadãos europeus, cidadãos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito brevemente, quero dizer que não está em causa - disse-o e salvaguardei-o desde o início - a boa intenção dos proponentes deste projecto de lei que estamos a discutir e, em particular, da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, o que está em causa, isso sim, é uma alteração à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, que exige um trabalho especial de consensualização aqui, no Parlamento.
O Sr. Deputado António Filipe, muito oportunamente, salientou dois pontos: um, a questão da constitucionalidade, que é pertinente, uma vez que convirá articularmos as coisas e termos exactamente em consideração aquela que foi a solução, a "porta aberta", na revisão constitucional que permitiu o alargamento do universo dos votantes para a eleição presidencial; outro, a questão do modo de eleição, que também foi aqui, bem e oportunamente, suscitada pelo Deputado Francisco Louçã.
Por esta razão, Srs. Deputados, torna-se indispensável - se o destino deste diploma for a aprovação apenas pelas bancadas da maioria - um esforço especial de todos, de modo a que a versão final do diploma a sair do Parlamento possa: ponto um, cumprir inequivocamente a Constituição;…

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - … ponto dois, salvaguardar, para o presente e para o futuro, uma solução que não alimente expectativas infundadas aos cidadãos da diáspora, e essa questão não pode deixar de ser tida em conta; ponto três, considerar que, havendo um regime especial de promulgação e veto, a regra dos 2/3 tem de ser preservada à partida. É apenas isto.
Portanto, julgo que é indispensável usarmos da prudência e da sabedoria e, assim, aliarmos à boa intenção e à boa vontade dos proponentes desta iniciativa o realismo de tornar a ideia que lhe está subjacente uma ideia viável e não inviável.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Com o PS ela será mais viável!

O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Sr.as e Srs. Deputados, terminámos a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 176/IX.
Vamos, agora, passar à discussão do projecto de resolução 246/IX - Elaboração de um segundo inquérito nacional alimentar (Os Verdes).
Para apresentar o projecto de resolução, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é mais um projecto, neste caso de resolução, que Os Verdes apresentam sobre a matéria da segurança alimentar, que não deve ser vista exclusivamente na perspectiva da qualidade dos alimentos mas também na perspectiva da alimentação equilibrada e, consequentemente, saudável.
Esta semana, curiosamente, foram tornadas públicas, em França, as conclusões de um estudo sobre o comportamento alimentar dos franceses. Este estudo sobre o comportamento alimentar da população francesa, que é feito de quatro em quatro anos, concluiu que os franceses vão simplificando cada vez mais as suas refeições, que não têm refeições equilibradas, nomeadamente no que concerne ao consumo de frutas e legumes, e que se americanizaram na alimentação - a já célebre generalização da fast food. E estamos a falar de um país, neste caso dos Estados Unidos da América, que tem uma das maiores taxas de obesidade ao nível da sua população.
Em Portugal, também curiosamente, o primeiro e último estudo sobre o comportamento alimentar dos portugueses foi feito há 24 anos, portanto, há muito tempo.
Falta-nos, de facto, conhecer em pormenor os hábitos alimentares da nossa população. Mas, para isso, é fundamental a realização do segundo inquérito nacional alimentar, que constitui um instrumento extremamente relevante para definir, inclusivamente, um programa de educação alimentar, que não temos, com vista à alteração de hábitos alimentares, a pedagogia para uma alimentação saudável e também para perceber em que medida é que esses hábitos alimentares dos portugueses influem no crescimento de um conjunto de patologias.
É também fundamental atender aos estudos relativamente recentes que concluem que 6 em cada 10 portugueses com mais de 30 anos sofrem de obesidade e que as nossa crianças estão cada vez mais obesas, preocupando-nos, naturalmente, também com um conjunto de outras doenças associadas a este fenómeno, desde os problemas cardíacos à diabetes, etc.
O Plano Nacional de Saúde constata que é importante o desenvolvimento de uma política alimentar e nutricional para o País e, nesse sentido, afirma que se torna premente proceder a um novo inquérito nacional alimentar. O problema é que ele não está, de facto, concretizado.
Tal como afirmamos no preâmbulo do nosso projecto de resolução, temos conhecimento de um estudo que se encontra no Instituto Ricardo Jorge, mas está paralisado por falta de financiamento. Este estudo, à partida, incidiria sobre o consumo de alimentos e nutrientes pela população portuguesa.
Então, com todos estes dados, aquilo que Os Verdes determinaram foi apresentar à Assembleia da República um projecto de resolução para que recomendemos ao Governo que esse estudo seja elaborado no prazo de um ano - prazo relativamente ao qual gostaria de ouvir as outras bancadas, porque estamos obviamente disponíveis para o alargar, caso considerem que isso seria fundamental, mas, de qualquer modo, o prazo de um ano pareceu-nos razoável para a elaboração deste estudo -, que seja disponibilizado imediatamente o financiamento necessário para a realização urgente deste estudo, e, por último, uma vez concluído este inquérito nacional alimentar, que o Governo o remeta no prazo de um mês à Assembleia da República, para que também aqui o possamos apreciar.
Está feita a apresentação, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Narana Coissoró): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos que, independentemente das diferenças culturais, das dietas e dos seus diversos modos alimentares, todos os seres humanos têm idênticas necessidades biológicas básicas e que a "alimentação depende não só das respectivas técnicas de produção agrícola e das estruturas sociais, mas igualmente das representações dietéticas e religiosas, assim como da visão do mundo e de um conjunto de tradições lentamente construídas ao longo dos séculos.
As relações entre aspectos da cultura e as maneiras de nos alimentarmos existem, como todos sabemos, desde há muito, se quisermos, desde a conquista do fogo até à chegada da McDonald's à Europa."
De facto, no mundo ocidental, a sociedade de consumo parece, por vezes, querer esquecer que o ser humano não precisa apenas de assegurar a sua subsistência imediata mas, sobretudo, de manter uma alimentação saudável e equilibrada para atingir uma maior longevidade.
Nas últimas décadas, os portugueses têm vindo a optar por um regime alimentar prevalecente, sobretudo, nos Estados Unidos e na Europa Central. Novos ritmos de vida e novos hábitos alimentares têm levado à tão falada globalização, traduzida, neste caso, na fast-food e nos alimentos processados industrialmente, com destaque para a "macdonaldização" e a sua trilogia: Ketchup-hamburguer-batatas fritas.
A planetarização do agro-alimentar e a grande distribuição introduzem uma espécie de sincretismo culinário generalizado, que tem levado a um consumo excessivo de gorduras saturadas, de açúcar, de álcool e de sal, fazendo aumentar a obesidade dos portugueses e fazendo crescer exponencialmente, entre outros, o colesterol e as doenças coronárias, entre outras patologias associadas à alimentação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Neste sentido, a presente iniciativa legislativa, que se encontra, aliás, prevista no Plano Nacional de Saúde e que tem por objectivo conhecer os hábitos alimentares dos cidadãos portugueses através de um inquérito nacional, a exemplo, aliás, do que ocorreu há cerca de 24 anos, como já foi aqui referido, assume inegável relevância.
A elaboração de um inquérito nacional aos costumes alimentares dos portugueses, com uma actualização de dados neste domínio, propiciará uma maior compreensão sobre o seu comportamento, os "contrastes" económicos e sociais, a continuidade e as mudanças dos seus hábitos alimentares, assim como uma superior definição de estratégias, visando a promoção de atitudes nutricionistas mais salutares.
De facto, estes indicadores permitirão, designadamente, a realização de apropriadas campanhas de informação e de educação dos consumidores portugueses e a formulação de uma política de alimentação que proteja a saúde pública e melhore significativamente as actuais condições de vida.
Hoje, toma-se cada vez mais evidente que a alimentação passou a ser encarada como fonte de saúde ou, infelizmente, como fonte de doença.
Por outro lado, devemos ter em atenção que, segundo a União Geral de Consumidores, os consumidores portugueses valorizam, nomeadamente, os seguintes aspectos: um sistema de segurança apto a dissuadir as falhas higiénicas, os alimentos impróprios e as tecnologias que mascaram a falta de qualidade; um controlo ambiental que impeça o uso indiscriminado de pesticidas nas hortas e noutros terrenos agrícolas, bem como a sua rega com águas contaminadas; uma política veterinária que se oponha quer ao abate de animais doentes, quer alimentados com hormonas sintéticas; um sistema laboratorial que permita às organizações de consumidores disporem regularmente de informação acerca das diferentes vertentes da qualidade; a garantia de que, quer a rotulagem, a publicidade, o funcionamento dos equipamentos, quer a legislação e o próprio acompanhamento da produção alimentar, favorecem direitos e se orientam pelas metas da saúde e bem-estar para todos.
Assim, sugere-se que este projecto de resolução possa incluir as variáveis da segurança e qualidade alimentar, que têm sido, aliás, algumas das grandes preocupações da União Europeia e de Portugal, conforme já se encontra bem espelhado no Livro Branco da Comissão Europeia sobre a Segurança Alimentar.
Finalmente, considerando a importância deste inquérito e o risco deste se poder tomar cada vez mais tardio, o Grupo Parlamentar do PS associa-se a esta iniciativa legislativa, dando-lhe a sua aprovação.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Mota Amaral.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fazemos hoje a apreciação do projecto de resolução n.º 246/IX, do Partido Ecologista Os Verdes, sobre a elaboração do segundo inquérito nacional alimentar.
Concordamos que é importante a elaboração periódica de inquéritos que contribuam para avaliar a dieta alimentar dos portugueses e suas implicações, com o objectivo de melhorar sempre os níveis de qualidade, a segurança alimentar e a saúde dos cidadãos.
Tal consta do Programa do Governo PSD/PP, constituindo parte integrante e fundamental do Plano Nacional de Saúde em execução, no qual se pode ler, na página 58: "proceder-se-á a um novo inquérito nacional alimentar" - aliás, aqui reconhecido pelas bancadas do Partido Socialista e do Partido Ecologista Os Verdes.
Rejeitamos veementemente o ápodo de incúria, inscrito no projecto de resolução n.º 246/IX, que, falaciosamente, pretende figurar inacção relativamente à avaliação e controlo do regime, qualidade e segurança alimentar dos portugueses. E rejeitamo-lo veementemente porque, para além de todas as actividades permanentemente em curso para a salvaguarda da qualidade e segurança de toda a cadeia alimentar, na realidade, está em curso a preparação de um inquérito nacional alimentar, o qual é complexo e exigente sem ter que se cingir a limitações de prazos de execução. Não se pretende um inquérito que apenas cumpra uma formalidade de calendário.
O Plano Nacional de Saúde, com a componente da qualidade e segurança alimentar, está muito para além da simples execução de um inquérito temporário, porque abrange elevado número de actividades de análise, regulamentação, controlo e fiscalização, em contínua execução e actualização, sendo cumprido por diversas identidades em inúmeras vertentes.
É fundamental a regulamentação em vigor quanto à cadeia alimentar e a sua permanente actualização, controlo e fiscalização, abrangendo a produção, transformação, conservação, embalagem e distribuição dos produtos alimentares. É fundamental toda a regulamentação que inclui o maneio, sanidade, arraçoamento, aditivos e fármacos utilizados na produção pecuária. É fundamental toda a regulamentação, fiscalização e controle de fertilizantes, correctivos, fitofármacos e aditivos utilizados na produção vegetal. É fundamental toda a regulamentação, fiscalização e controle de todo o pescado, incluindo a produção em aquicultura. É fundamental a contínua actualização e divulgação dos conceitos de uma alimentação humana segura, racional e saudável.
Portugal tem vindo a confirmar elevada capacidade de controlo da qualidade e segurança da cadeia alimentar quer nas situações normais de controlo e erradicação de doenças comuns e tradicionais quer na emergência de novos patogenes.
A análise dos hábitos alimentares dos portugueses e suas implicações na saúde humana é permanente, evoluindo com a inovação que o conhecimento e avanço da ciência proporcionam, alimentando a contínua divulgação de informação que serve de base pedagógica para a melhoria da dieta dos cidadãos.
Pelas razões expostas, e estando o Governo da maioria a dar cumprimento ao Plano Nacional de Saúde em que inclui este inquérito, o projecto de resolução n.º 246/IX do Partido Ecologista Os Verdes é desadequado…

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Essa agora!

O Orador: - … e não merece a aprovação do Grupo Parlamentar do PSD.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que não é verdade que o inquérito alimentar nacional vá integrar o Plano Nacional de Saúde. Não é isso que está aqui referido.

A Sr.ª Maria Santos (PS): - Não é, não!

A Oradora: - Por outro lado, aquilo que gostava de dizer-lhe, para ver se nos entendemos, é que não estamos a falar, neste projecto de resolução, de um plano nacional da alimentação, estamos a falar, pura e simplesmente, de um inquérito aos portugueses sobre os seus hábitos alimentares, para que possamos

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conhecer o seu comportamento alimentar. Trata-se de coisa muito diferente de um plano ou de um programa de educação alimentar, que daí poderá decorrer.
De qualquer modo, aquilo que os franceses fazem de quatro em quatro anos, há 24 anos que não o fazemos!

A Sr.ª Celeste Correia (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Aquilo que pergunto, dado não percebi muito bem a sua intervenção, porque considera muito importante o inquérito, mas, depois, não o quer, é se o Sr. Deputado está muito descansado porque o Ministério da Saúde refere que é premente proceder a um novo inquérito alimentar nacional. Mas depois não diz quando nem como!
Pergunto: se está tão descansado, o Sr. Deputado Fernando Penha conhece o prazo estabelecido para a finalização desse inquérito e sabe se estão disponibilizadas verbas e financiamento para a realização desse inquérito?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha. Peço-lhe para ser breve, porque o seu tempo é escasso.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, afirmei e volto a repetir que, com efeito, o inquérito está contido no Plano Nacional de Saúde. Mais: citei-lhe que tal está inscrito a páginas 58 do mesmo.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Mas o que o Plano diz é que tem de se fazer! Não está integrado no Plano!

O Orador: - Além disso, também lhe afirmei que está em preparação a execução do inquérito.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não é verdade!

O Orador: - Se me dá licença… Eu escutei-a!
Mas digo-lhe mais: inclusive, um inquérito destes não pode, nem deve, ficar sujeito a um prazo limitado, como a Sr.ª Deputada refere, de um ano, que não chega nem para fazer a montagem do inquérito. Um inquérito destes não pode ficar limitado a isso, não é para constar apenas para efeitos de calendário, é para ser eficiente e responder.
Mas disse-lhe ainda mais do que isso: a segurança alimentar, a dieta dos portugueses, depende muito mais, todos os dias, do trabalho contínuo que vai sendo sempre feito com a evolução da ciência, do conhecimento,…

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

… com a contínua informação aos utentes de qual será a forma racional de ir modificando a dieta alimentar dos portugueses.
Mas devo dizer-lhe mais ainda: afirma também que os portugueses não conhecem a sua dieta alimentar. Por amor de Deus! Os portugueses conhecem-na e muito bem: almoçam e jantam todos os dias!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Campos Cunha.

O Sr. Henrique Campos Cunha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A elaboração do segundo inquérito nacional alimentar, questão levantada pelo projecto de resolução, agora em apreciação, reveste-se de particular importância.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Também acho!

O Orador: - É por todos reconhecido que os hábitos alimentares dos portugueses se encontram hoje em mutação e tendem a "virar as costas" à sua tradição mediterrânica.

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Consomem-se cada vez mais calorias, que não se gastam, alastram os problemas relacionados com o excesso de peso e aumenta o sedentarismo que, obviamente, também se reflecte na obesidade. Hoje, por exemplo, cerca de 40% dos portugueses têm peso a mais, e prevê-se que, em 2025, metade dos europeus poderão ter excesso de peso.
Mas se pensarmos que, em cada quatro ocidentais, três morrem de doenças cardiovasculares ou de cancro, e que, de acordo com alguns investigadores, em cada três mortes por cancro, os hábitos alimentares são responsáveis por uma, vale a pena pararmos um pouco para pensar sobre a nossa alimentação.
A alimentação está directa ou indirectamente ligada a várias doenças, como sejam as do aparelho circulatório, a diabetes, a aterosclerose e os cancros. Por isso, é óbvio que todos assistimos com preocupação ao crescimento do consumo excessivo de gorduras, em especial das saturadas, de sal, de açúcar, e à baixa ingestão de frutos, de legumes e de vegetais.
O conhecimento dos hábitos alimentares dos portugueses é, desta forma, decisivo para promover uma alimentação saudável, questão, aliás, já levantada pelo Governo de forma séria e sustentada aquando da elaboração do Plano de Saúde 2004-2010, submetida a discussão pública no ano 2003, pelo governo presidido pelo Dr. Durão Barroso, e cuja versão definitiva foi apresentada em Fevereiro do corrente ano.
Assim, é de extrema importância um conhecimento mais aprofundado e cuidadoso daqueles que são hoje, realmente, os nossos hábitos alimentares. Só assim será possível prosseguir uma conduta alimentar mais saudável, o que necessariamente passará quer por pessoas mais informadas e acompanhadas tecnicamente quer por um comportamento responsável da indústria alimentar.
Também no que diz respeito aos aditivos que se misturam intencionalmente aos produtos alimentares, normalmente designados pelo código E, que importa conhecer, controlar e fiscalizar, o mesmo só será possível através de um inquérito alimentar.
Nesta matéria, também tem especial importância a educação e a formação dada aos alunos desde muito cedo, no sentido de criar hábitos de alimentação saudável e equilibrada.
No entanto, o projecto de resolução que ora estamos a analisar esquece uma coisa fundamental: é que já está decidido fazer um inquérito nacional alimentar, como, aliás, está previsto no Plano Nacional de Saúde. Este inquérito já está a ser preparado, como é referido no projecto de resolução, e portanto não faria sentido recomendar ao Governo que fizesse um inquérito que ele de facto já entregou ao Instituto Ricardo Jorge.

Vozes do CDS-PP: - Exactamente!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não é verdade!

O Orador: - O Instituto Ricardo Jorge, instituição de grande prestígio em Portugal, será sem dúvida a entidade mais indicada para levar a cabo este inquérito.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Não há financiamento, o projecto está bloqueado!

O Orador: - Para além do mais, é ainda de salientar que estamos a falar de um inquérito altamente complexo, de grande amplitude, e que analisará inúmeras variáveis. Portanto, não faz sentido estabelecer o prazo de um ano, que podia até diminuir a complexidade e a amplitude do inquérito,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … ficando muitas variáveis importantes por analisar ou pesquisar. Para informação, nunca menos de três anos para elaborar um inquérito desse género. Portanto, seria impensável pedir que num ano fosse elaborado esse inquérito.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É por isso que este País não anda, nas vossas mãos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ângela Sabino.

A Sr.ª Ângela Sabino (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje uma proposta de resolução que recomenda ao Governo a elaboração de um inquérito nacional alimentar.
A necessidade de se efectuar este estudo prende-se com a urgência em analisar os hábitos alimentares dos portugueses e avaliar a qualidade dos mesmos, já que o último inquérito data de 1980 e nestes últimos

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24 anos se alteraram substancialmente os estilos de vida e hábitos alimentares da sociedade portuguesa.
Resultam deste inquérito um maior conhecimento das boas e más práticas alimentares e a possibilidade de actuar junto das camadas de risco. Desde a fome até aos maus comportamentos alimentares, existe um campo de trabalho que urge conhecer em detalhe, encontrando soluções nas áreas da prevenção e da educação para uma vida mais saudável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As diferenças sociais e económicas estão mais uma vez na raiz dos problemas acima referidos, sendo imperativo combater as desigualdades em todos os campos em que elas se manifestem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - São os mais desfavorecidos que apresentam maiores riscos e hábitos alimentares de menor qualidade. Mas para se poder actuar é preciso saber com exactidão a dimensão e a expressão destas questões. Daqui resulta a necessidade de realizar este inquérito.
No PCP, entendemos que a saúde e a educação são os dois pilares fundamentais para o desenvolvimento harmonioso das sociedades. Por tal, consideramos que o Estado, através da escola pública e dos centros de saúde, tem nestas matérias um papel fundamental, podendo, no que respeita às novas gerações, garantir uma educação que englobe todas as dimensões da vida, assim como, através do Serviço Nacional de Saúde, promover, junto das populações, estilos de vida mais equilibrados.
Mas para que tal projecto se concretize são necessários investimentos e uma responsabilização efectiva do Governo nestas áreas. O País precisa urgentemente de um sistema público de ensino de qualidade e tem de reabilitar o Serviço Nacional de Saúde, assim como de um governo responsável, capaz de cumprir os seus deveres.
Pelo exposto, o PCP subscreve o projecto de resolução apresentado pelo Partido Ecologista "Os Verdes" e salienta a pertinência de, no actual contexto, se efectuar o segundo inquérito nacional alimentar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, beneficiando de tempo cedido pelo Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero dizer que se tivesse de sublinhar algum parágrafo do nosso projecto de resolução, que foi aqui criticado pelo Sr. Deputado do PSD Fernando Penha, aquilo que sublinhava era mesmo a incúria em relação a esta matéria.
De facto, pela intervenção do PSD ouvimos dizer que estão profundamente descansados porque a premência da realização de um novo inquérito alimentar nacional já está contemplada nas orientações estratégicas do Plano Nacional de Saúde e que, portanto, há que descansar; da bancada do PP ouvimos dizer que era preciso muito tempo para realizar um inquérito desta natureza.
Termino, por isso, Sr. Presidente, referindo que é com grande pena que verifico que se fossem outros interesses poderosos que estivessem aqui em causa com certeza acelerariam muito o processo, mas como estão em causa direitos dos cidadãos e o conhecimento concreto sobre comportamentos alimentares para uma programação da educação alimentar, coisa que, seguramente, não vos interessa absolutamente nada, podemos esperar.
Concluo, dizendo: por isso é que o País, nas vossas mãos, não anda!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate do projecto de resolução n.º 246/IX.
Vamos, agora, iniciar o período regimental destinado a votações, após o que retomaremos a ordem do dia, uma vez que hoje ainda temos para apreciar um outro diploma.
Antes de mais, e nos termos habituais, importa proceder à verificação do quórum de votação com recurso ao cartão electrónico.

Pausa.

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Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 174 presenças, pelo que temos quórum mais do que suficiente para realizar as votações.
Aos Srs. Deputados que, porventura, tenham registado algum problema com o uso do cartão peço o favor de o comunicarem à Mesa para que seja tomada a devida nota.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, conforme ficou combinado, o primeiro ponto deste período dos nossos trabalhos vai ser dedicado à evocação do Prof. Henrique de Barros. Para dar substrato regimental a esta nossa evocação, preparei o voto n.º 211/IX - De homenagem ao Presidente da Assembleia Constituinte, Professor Henrique de Barros, pelo centenário do seu nascimento, o qual foi subscrito por todos os líderes parlamentares, e que é do seguinte teor: "Ocorre hoje o centenário do nascimento do eminente cidadão Henrique de Barros, que foi Presidente da Assembleia Constituinte.
O seu percurso de vida ficou marcado pela luta pelos ideais democráticos, contra o regime ditatorial que, durante quase meio século, oprimiu o Povo Português.
Resistente indómito na luta antifascista, sofreu, juntamente com a sua Família, as duras consequências da repressão, por via da qual foi expulso da cátedra em 1947.
Fiel aos seus compromissos, manteve-se sempre na primeira fila do combate pela liberdade, tendo tido o gosto de a ver raiar com a Revolução do 25 de Abril.
Nomeado Conselheiro de Estado no período revolucionário, veio a ser eleito, nas listas do Partido Socialista, Deputado à Assembleia Constituinte.
O seu elevado estatuto moral e o generalizado prestígio de que gozava entre os democratas e na sociedade portuguesa em geral, talharam-no para Presidente, em eleição unânime.
Com a sua autoridade natural, o Presidente Henrique de Barros deu um contributo decisivo para que a Assembleia Constituinte funcionasse com eficácia, apesar das paixões políticas então desencadeadas, com óbvia repercussão nos debates.
A sua palavra foi sempre serena, acalmando os ânimos, lembrando os princípios básicos da convivência cívica democrática.
Não se coibiu, porém, de exercer as prerrogativas presidenciais, quando necessário, perante os Deputados e perante o Governo Provisório e o Conselho da Revolução, que à Assembleia Constituinte deviam cooperação e respeito, como órgão político detentor da plena legitimidade democrática decorrente do voto reflectido dos portugueses e das portuguesas, em eleições livres e pela primeira vez com sufrágio universal pleno.
Festejando, com regozijo, a efeméride centenária do Presidente Henrique de Barros, que é inegavelmente um dos fundadores do regime democrático da II República, o Parlamento presta homenagem à sua memória e saúda os seus descendentes, herdeiros de um nome honrado por tantos méritos.".
Srs. Deputados, assinalo a presença, nas galerias, de descendentes do Presidente Henrique de Barros, designadamente da sua filha, de dois filhos, de netos e de outros descendentes. Na pequena cerimónia que realizámos, na Livraria Parlamentar, de apresentação de um pequeno livro que hoje também se publica com as intervenções do Presidente Henrique de Barros na Assembleia Constituinte, esteve ainda presente um bisneto que também se chama Henrique de Barros.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Membros da Família do Prof. Henrique de Barros: É para mim uma honra muito grande poder participar, em representação do meu grupo parlamentar, nesta cerimónia de homenagem ao Prof. Henrique de Barros, a propósito do centenário do seu nascimento.
Não é também despido de significado o facto de ele ter nascido em Coimbra. Não me levem a mal relevar este facto, mas a minha gratidão vai toda para o grande poeta, ensaísta, pedagogo, e figura da República, João de Barros, que escolheu Coimbra para ver nascer o seu filho ilustre.
Bastava que o Prof. Henrique de Barros tivesse sido Presidente da Assembleia Constituinte para que nós, hoje e aqui, o homenageássemos. Foi, de facto, muito relevante, como já realçou o Sr. Presidente da Assembleia, o papel que ele desempenhou na Assembleia Constituinte, uma vez que era uma personalidade muito respeitada - e, por vezes, era preciso infundir respeito -, mas também muito compreensiva e muito tolerante. A forma como ele conduziu os trabalhos veio a ter um significado importantíssimo no desfecho feliz da aprovação da Constituição de Abril. Não era fácil fazer aquela Constituição, nem foi. Mas eu diria que o papel desempenhado pelo Presidente da Assembleia Constituinte foi, não só, ele mesmo Constituinte, mas relevantíssimo para o resultado obtido.
Porém, ele não foi apenas o Presidente da Assembleia Constituinte. Ele foi também, e creio que todos estamos de acordo, um dos portugueses mais notáveis do último século.

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Tive o privilégio de o conhecer bem, de o admirar, e de o estimar. Quando ele "nos deixou", vim do Algarve, em pleno verão, render-lhe a minha última homenagem. Eu tinha por ele uma autêntica veneração.
Pude escrever um pequeno texto para um livro que um dos seus filhos organizou, e no qual vários amigos e admiradores de Henrique de Barros depuseram sobre a sua personalidade. Pude afirmar então que ele era um dos últimos cidadãos romanos do nosso tempo. Já tinha dito isto de um outro português que associo sempre à personalidade de Henrique de Barros, até porque os achava fisicamente parecidos, além de, ambos, intelectualmente veneráveis. Refiro-me ao grande Alexandre Herculano. Considerava-os, a ambos, figuras de uma certa austeridade, de uma seriedade que infundia respeito. O simples facto de olharmos para o Prof. Henrique de Barros, tal como ele era, levava-nos a respeitá-lo e a ouvi-lo com veneração e respeito.
Depois, tive o privilégio de ser ministro de um Governo, o I Governo Constitucional do período posterior ao 25 de Abril. Eu era Ministro da Justiça e ele era Ministro de Estado. Também aí a sua palavra era ouvida com veneração e respeito. Falava poucas vezes. Mas o que dizia tinha um peso específico que só as grandes personalidades logram ter.
Também aí ele teve um papel relevante. Quer quando substituía o Primeiro-Ministro, sem sair da sua cadeira (ele recusou, aliás, o lugar de Vice-Primeiro-Ministro por pura modéstia), quer quando exercia a sua função de Ministro. Foi esse Governo que iniciou o período constitucional, e também aí ele se impôs pela sua personalidade excepcional, respeitável e séria, chegando a parecer sisudo sem o ser. Era, efectivamente, uma personalidade venerável, e foi uma personalidade venerada.
Mas não foi apenas isso! Ele foi um académico ilustre, um brilhantíssimo professor do Instituto Superior de Agronomia, um especialista em economia agrária reconhecido em todo o mundo, e não apenas em Portugal.
Foi também um democrata de todas as horas da vida e da alma, e não se privou de, nos momentos em que julgou necessário, assumir posições contra a ditadura de Salazar, e depois de Caetano, apesar de este ser seu cunhado.
O Prof. Henrique de Barros foi um dos signatários das famosas listas do MUD, que criaram inúmeros problemas a tanta gente e levaram muitos à cadeia.
Além disso, apoiou a candidatura do General Norton de Matos, em que me baptizei, digamos assim, como político activo. Não o conheci nessa época, mas admirei-o e tive notícia dele.
Depois, apoiou a candidatura do Almirante Quintão Meireles, que eu não pude apoiar, porque estava na tropa, em Beja. Por coincidência, estava como oficial de dia no dia das eleições, tendo recebido uma notificação para me apresentar no quartel-general em Lisboa. Perguntei porquê, ninguém me disse. Mas também não vim cá fazer nada, limitei-me a apresentar-me. Depois, percebi: é que, estando eu como oficial de dia, no dia das eleições, e não sendo excluída a possibilidade de vir a ser necessário o uso do chanfalho, eu não era muito indicado para usar esse instrumento, nobre, como todos sabem, para o regime anterior.
Mas já estive com o Prof. Henrique de Barros no apoio ao General Delgado, representando o General Delgado em Moçambique, enquanto ele o apoiava aqui, na então Metrópole.
Em todos os momentos em que foi necessário tomar uma atitude cívica exemplar ele tomou-a. Foi, assim, não apenas um ilustre académico, mas um exemplar cidadão, um carácter exemplar, exemplo para todos nós.
Foi ainda um brilhante e importante cooperativista, defensor do ideal cooperativo. No governo de que fizemos parte, ele criou o Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo e - lembro-o em especial às senhoras - remodelou e revigorou a Comissão da Condição Feminina. Espero que um dia essa condição acabe e haja uma só condição e uma só cidadania em Portugal.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Henrique de Barros teve uma grande fé no ideal cooperativo, tal como eu também a tive na minha juventude. Cheguei a conceber o ideal cooperativo como alternativa global ao modelo capitalista para poder substituir o divino lucro.
Infelizmente, isso não foi possível. O lucro lá se foi impondo e o liberalismo lá foi fazendo o seu caminho. Quando caiu o muro de Berlim, o liberalismo económico e o ideal do lucro triunfaram plenamente contra os seus adversários. E o ideal cooperativo foi encolhendo cada vez mais.
Ainda assim, em Moçambique, fiz parte de uma cooperativa que teve grande êxito. Tratava-se de uma cooperativa de construção de casas, mas que veio a ter uma excelente livraria e também - vejam só! -um banco! Havia, pois, em Portugal, uma cooperativa com um banco, não autorizado, como é óbvio, mas

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também não proibido, curiosamente! Era um banco tão simpático, e tinha um papel tão positivo, que nunca houve a coragem de o proibir, só se tendo extinguido depois do 25 de Abril.
Henrique de Barros teve a desilusão de não poder concretizar o modelo cooperativo como modelo alternativo, mas esse modelo aí está, na Constituição, à espera de que alguém, algum dia, se lembre de novo dele como um dos modelos ao nosso dispor para substituir a divinização do lucro ligado ao modelo capitalista.
É por tudo isto que, com muita honra, aqui homenageio o Prof. Henrique de Barros e saúdo a sua família. Imagino o orgulho que sentis por serdes descendentes de um homem tão ilustre e de um português tão brilhante.
Enquanto pudermos homenagear portugueses como Henrique de Barros a esperança é possível.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Membros da Família do Sr. Prof. Henrique de Barros: O Grupo Parlamentar do PSD associa-se à homenagem hoje prestada ao Prof. Henrique de Barros, considerado por muitos, como já foi dito, uma das personalidades mais marcantes quer da política quer da vida universitária do século XX português.
Se não devemos esquecer o seu trabalho como insigne pedagogo, investigador e promotor do cooperativismo, é na área da política que a sua coragem e o seu modo de ser, ao mesmo tempo empenhado e desprendido, nos levam a considerá-lo uma personalidade maior, um dos fundadores da nossa democracia. Por ela lutou toda a sua vida. Por causa dela foi afastado da cátedra, pela ditadura, em 1947, tendo conhecido o exílio no Brasil.
Desde jovem era opositor da ditadura salazarista, tendo apoiado todos os movimentos cívicos pela democracia. Em 1969 foi candidato da Oposição Democrática. Depois de Abril foi membro do Conselho de Estado.
O seu prestígio, seriedade, a sua auctoritas granjeados ao longo da vida, que impunham naturalmente o respeito, foram um contributo inestimável para, como Presidente da Assembleia Constituinte, ajudar à conclusão dos trabalhos em circunstâncias extremamente difíceis. Assim, Portugal ficou dotado de uma Constituição que consagra os valores por que sempre se bateu: a liberdade, os direitos humanos, a solidariedade, a igualdade de oportunidades.
Em 19 de Agosto de 1975, num dos momentos mais críticos do chamado "Verão Quente", não hesitou em deixar a presidência para, no cumprimento do seu dever de Deputado, dizer algumas palavras com vista a ajudar a reconquistar a confiança dos portugueses, acabando os apelos ao ódio e as incitações à violência. E dizia: "Trata-se de construir uma sociedade de tolerância e de paz e não uma sociedade sujeita a novos mecanismos de opressão e exploração". Apoiava deste modo o Documento dos Nove, que visava repor o espírito inicial do 25 de Abril e evitar derivas totalitárias liberticidas que ameaçavam os portugueses.
Também a sua acção noutros momentos, como o sequestro da Assembleia, foi decisiva para preservar a representação legítima e genuína da vontade popular.
Por isso, com toda a autoridade afirmou em 2 de Abril de 1976 que tinham os Constituintes cumprido a missão que o povo lhes confiara, através de eleições livres, apesar das dificuldades, dos problemas, das hesitações, dos incómodos e até das angústias. Ele muito contribuiu para que aquela Assembleia desse provas de vitalidade, resistência, autodomínio, serenidade e perseverança, recusando-se sempre a desertar.
Segundo Henrique de Barros, "A História, juiz implacável, dirá um dia se fomos ou não capazes de desempenhar cabalmente a missão que o eleitorado nos atribuiu nessa grande e inesquecível jornada cívica que foi o 25 de Abril de 1975. As Constituições valem na medida em que não forem efémeras, em que servirem de quadro à vida política nacional durante um período de tempo relativamente longo, em que demonstrarem capacidade para suportar o embate, sempre rude, da experiência da realidade viva".
A Constituição sobreviveu, fortaleceu-se, foi aperfeiçoada e completada em sucessivas revisões, porque era, na origem, uma Constituição aberta e livre.
Se é obra de muitos, Henrique de Barros figura na primeira linha dos que lutaram pela sua entrada em vigor.
Do legado de toda a sua vida sublinharei que nos mostrou que qualquer democracia é sempre melhor do que qualquer ditadura e que o primado do bem comum se deve sobrepor sempre aos interesses ou às opiniões individuais. Era dos que sabia que em política a ambição individual é uma simples paixão infantil e que colocava sempre o bem da comunidade acima dos objectivos partidários.

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São personalidades como Henrique de Barros que, colocando-se acima das vertigens dos triunfos efémeros, das projecções mediáticas, das glórias de curto prazo de que nada fica, se destacam na escala do tempo longo, das décadas e dos séculos.
Por isso, prestamos todos homenagem ao alto sentido cívico de que toda a sua vida deu provas, à isenção partidária, incluindo nos anos em que foi militante do Partido Socialista, ao exemplo que inspirou a notável galeria de Presidentes que se têm sucedido à frente da nossa Assembleia.
A ele, à sua memória viva, se devem dirigir de um modo especial as palavras de uma grande poeta e também Deputada Constituinte, Sophia:
"(…) Porque os outros vão à sombra dos abrigos/ E tu vais de mãos dadas com os perigos/ Porque os outros calculam, mas tu não."

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros da Família do Sr. Prof. Henrique de Barros: Depois de duas intervenções que abundantemente nos deram o retrato fiel de um eminente patriota, de cidadão e de um venerável democrata, não é fácil juntar novas palavras, e também não faz sentido repetir as mesmas qualidades e méritos, os mesmos louvores, os mesmos sentimentos de exaltação e de respeito que todos e cada um de nós lhe devemos.
Por parte da bancada do CDS-PP, o Prof. Henrique de Barros merece uma sentida palavra de gratidão, e de consolo para nós próprios, e para todos aqueles que algum dia poderão ler as palavras que vou proferir.
Todos estarão recordados que, logo depois da entrada em funcionamento da Assembleia Constituinte, havia, um pouco por todo o lado, e até nas elites que então dominaram o País, a sensação de que o CDS, legitimamente eleito pelo eleitorado português, estava aqui, nesta Sala das Sessões, a mais. Não deveria existir na Assembleia Constituinte um chamado partido de direita, porque todos, movidos pelo instinto de sobrevivência na política, se refugiavam na única possibilidade que era de se declarar de esquerda. Estar na esquerda é que era ser democrata, ser progressista, era estar com a revolução, ser alguém que contribuía para o bem do Portugal libertado pelo 25 de Abril. Pelo contrário, ser do CDS, ser da direita, era ser fascista e reaccionário, era ser contrário aos valores proclamados na revolução, contrário a tudo aquilo que os portugueses queriam para o seu futuro. Era-lhes até recusado pegar num cravo, porque diziam que essa flor não devia estar a ser estragada pelos dedos infectos da gente do passado.
Todos se lembram disso, e certamente recordam também as dificuldades que os Deputados do CDS passavam quando intervinham: o ruído, os remoques, os apartes, as interrupções constantes, os insultos que vinham principalmente da extrema esquerda, chamando-nos, até, sem pejo - isso está nas actas - o "ninho dos lacraus".
Foi o Presidente Henrique de Barros que pôs termo, após alguns meses, a esse tipo de ataques anti-cívicos que aqui predominaram durante os primeiros tempos da Assembleia Constituinte. Foi com a sua força moral, a sua palavra de firmeza, a sua autoridade democrática, chamando a atenção de todos quando era necessário, retirando até a palavra a um ou outro Deputado mais exaltado, que o CDS pôde, todas as vezes que quis falar, dizer tudo quanto quis opinar e marcar os seus pontos de vista. E foi por causa do Sr. Prof. Henrique de Barros que o País conheceu e reconheceu grandes oradores do meu partido, como, por exemplo, o inesquecível Adelino Amaro da Costa, a contribuição dos fundadores Freitas do Amaral e Victor Sá Machado, e tantos outros nomes que se impuseram à consideração do povo português, mesmo durante o período revolucionário.
Não seria possível estes ilustres Constituintes de direita e de centro-direita serem hoje também lembrados se não fosse o magistério firme e democrático e, ao mesmo tempo, conciliador do Sr. Prof. Eng.º Henrique de Barros, Presidente da nossa Assembleia Constituinte.
Há dois anos prestámos a homenagem que lhe era devida, ao erguer um busto em pedra, aqui, nesta Casa, para eternizá-lo. Hoje, estamos a festejar o centenário do seu nascimento. Tenho a certeza que uma geração futura de Deputados deste Parlamento o levará ao Panteão Nacional, como um dos grandes fundadores da II República e da democracia portuguesa, que sobreviverá a todos os percalços, porque só a democracia sabe a eles resistir e sobreviver, e honrar os seus maiores.
À sua família, aqui presente, as nossas homenagens.
Aos Deputados, a todos, peço que releiam os textos de Henrique de Barros, para saberem, verdadeiramente, o que é igualdade, o que é dignidade, o que é ser-se democrata, o que é partilhar opiniões alheias, o que é respeitar todas as ideias e, ao mesmo tempo, ser um cidadão Deputado de corpo inteiro com convicções próprias, em qualquer parte do País e em qualquer parte do mundo.

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Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros da Família do Prof. Henrique de Barros: O Prof. Henrique de Barros foi um homem que viveu a sua vida cumprindo o desafio que aqui mesmo, nesta Sala, lançou aos Deputados da Assembleia Constituinte no seu discurso da sessão inaugural: "Que saibamos ser dignos de nós próprios."
O Prof. Henrique de Barros conduziu a sua vida a partir dessa exigência, seguindo este caminho, tendo a rectidão de nunca desviar o olhar da injustiça e da repressão para mais facilmente ou mais confortavelmente viver e nunca negando a sua palavra e a sua acção para transformar essa realidade de injustiça e de repressão que então se vivia em Portugal.
Experimentou a repressão e a perseguição do fascismo do regime do Estado Novo e quando chegou a liberdade, com o 25 de Abril, o Prof. Henrique de Barros não se fez rogado e - peço perdão pela expressão -, "arregaçou as mangas e meteu as mãos na massa" para ajudar a construir um novo regime em Portugal, progressista, livre, democrático e solidário.
Eleito Deputado pelas listas do Partido Socialista, aqui esteve, na Assembleia Constituinte, e pelo seu prestígio, pela rectidão que evidenciou ao longo da sua vida, foi eleito seu Presidente. Como já foi referido por vários Deputados, teve a difícil tarefa de criar os debates necessários, mas também a cooperação necessária para nos presentear com a primeira Constituição da II República Portuguesa.
O que nos deixou foi isso mesmo, a Constituição da República Portuguesa, cujo espírito, apesar das sucessivas rondas de ataque, se tem mantido. E deixou-nos também o exemplo da sua vida, essa exigência de dignidade.
O Bloco de Esquerda associa-se a este voto de homenagem à sua memória e saúda os seus familiares, dizendo-lhes, com toda a sinceridade, que homens como Henrique de Barros fazem-nos sempre falta e parecem-nos sempre poucos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Familiares do Prof. Henrique de Barros: Queria, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, proferir umas singelas palavras, associando-nos à justa homenagem que a Assembleia da República presta ao Prof. Henrique de Barros por ocasião do centenário do seu nascimento. Trata-se de uma homenagem justíssima e com ela a Assembleia da República presta um tributo à sua memória.
Já muito foi dito sobre a personalidade e o percurso académico, científico e profissional ilustríssimo do Prof. Henrique de Barros, foi igualmente referido o seu percurso político, de resistente anti-fascista distintíssimo, tendo tido a enorme honra de presidir à Assembleia Constituinte, que foi eleita no histórico acto eleitoral de 25 de Abril de 1975. Tratou-se da primeira Assembleia da nossa democracia, da primeira Assembleia eleita por sufrágio directo e universal dos cidadãos portugueses, o que constitui, de facto, um marco da nossa História, e da Assembleia que aprovou a Constituição democrática de 1976.
Do livro agora editado de homenagem ao Prof. Henrique de Barros consta, precisamente, uma sua intervenção, na qual, a propósito da Constituição de 1976, faz votos para que tenhamos sabido ser dignos de nós próprios, "dotando a nossa Pátria com uma Constituição que, na sua essência, saiba resistir à prova do tempo."
E não há dúvida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a Constituição de 1976 tem sabido resistir à prova do tempo. Trata-se da Constituição, elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte, que regista o maior período de vigência de toda a nossa história constitucional, o que não é pouco, constituindo mais um aspecto que deve ser referido nesta homenagem ao Prof. Henrique de Barros.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É uma honra para todos nós estarmos aqui, nesta Assembleia, em representação do povo português nos termos da Constituição que foi aprovada pela Assembleia Constituinte a que tão bem presidiu o Prof. Henrique de Barros.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

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O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Familiares do Sr. Prof. Henrique de Barros: Também o Partido Ecologista "Os Verdes" não podia deixar de se associar a este voto e à homenagem que hoje prestamos ao Prof. Henrique de Barros, engenheiro agrónomo e eminente professor universitário, Presidente da Assembleia Constituinte, Deputado à Assembleia da República, Ministro de Estado no I Governo Constitucional, mas que foi, acima de tudo, um republicano e democrata convicto, que não virou as costas ao seu país em alguns dos momentos mais críticos que Portugal atravessou na sua História do século XX.
Fundador do Movimento de Unidade Democrática em 1945, apoiou a candidatura de Norton de Matos à presidência da República em 1949, tendo ainda encabeçado as listas de oposição ao regime fascista, em Coimbra, nas famigeradas eleições de 1979.
A sua postura combativa e corajosa, guiada por firmes valores e convicções que nunca desistiu de defender e de afirmar, valeu-lhe a perseguição e a repressão do Estado Novo, tendo-lhe sido vedado o acesso à docência, o que não chegou para o calar.
Depois do 25 de Abril, na presidência da Assembleia Constituinte, deu mostras de uma invulgar capacidade para conseguir consensos com serenidade, dando o seu inestimável contributo ao nascimento da nossa actual Constituição da República Portuguesa, a lei fundamental que consagrou a liberdade e a democracia no nosso país.
Homenagear Henrique de Barros no centenário do seu nascimento é homenagear também, simultaneamente, a República e a democracia portuguesas, reconhecendo e agradecendo a sua entrega a esses princípios e valores fundamentais, que nos cabe agora saber honrar e cumprir.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Rui Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Ex.mos Convidados, Familiares do Prof. Henrique de Barros: Quero também, de forma simples mas sentida, associar-me, em nome do Governo, à homenagem que aqui prestamos ao Prof. Henrique de Barros no centésimo aniversário do seu nascimento.
Já foi lembrado nesta Câmara a sua descendência, a sua vida académica, feita no Instituto Superior de Agronomia, onde se licenciou, onde foi investigador e onde foi professor catedrático, o sofrimento por que a sua família teve de passar dada a intolerância com que foi perseguido pelo Estado Novo, a forma como, em 1974, aderiu ao Partido Socialista, em representação de quem foi Conselheiro de Estado e, depois, Presidente da Assembleia Constituinte. A forma de grande elevação como dirigiu os trabalhos da Assembleia Constituinte foi fundamental para a aprovação da Constituição de 1976.
Perante o testemunho de pessoas que o conheceram e que com ele trabalharam, como os Srs. Deputados Almeida Santos e Pedro Roseta, o único testemunho pessoal que quero deixar é o facto de, em 1978, se a memória não me falha, como estudante do 2.º ano de Direito, ter assistido aqui, daquela galeria, por mera curiosidade, por mera participação e dever cívico, a um momento que na altura marcou, penso eu, o fim do I Governo Constitucional, em que o Prof. Henrique de Barros, como Ministro de Estado, usou da palavra no encerramento de um debate. Apesar das diferenças ideológicas, porque já na altura era militante da organização de juventude do partido a que sempre pertenci, ouvi a intervenção feita pelo então Ministro de Estado Prof. Henrique de Barros.
Depois disso, seguiu outros caminhos, mas têm de ser sublinhadas a seriedade inultrapassável, a enorme respeitabilidade e a referência moral que o Prof. Henrique de Barros continuou a ser para todos os que com ele conviveram, que com ele participaram civicamente, que com ele combateram politicamente, aqui ou em qualquer outro lugar onde estivesse em causa o debate e o respeito por ideias.
Nesse sentido, termino como comecei a minha intervenção, associando-me, pessoalmente, e em nome do Governo, à homenagem pelo centenário do nascimento do Prof. Henrique de Barros.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A Assembleia Constituinte foi a antepassada imediata, directa, da Assembleia da República, tendo o Presidente Henrique de Barros sido o primeiro presidente da instituição parlamentar da II República. O seu retrato abre a galeria dos Presidentes do Parlamento.
Considero dever de quem se senta na cadeira presidencial manter o respeito, a memória, o culto dos seus antecessores. Tenho procurado desempenhar essa modesta obrigação, e com prazer verifico que a

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iniciativa de hoje, de evocarmos a memória do Presidente Henrique de Barros pela efeméride do centenário do seu nascimento, recebeu o acolhimento e o apoio de todas as bancadas parlamentares.
Por isso, dispenso-me de submeter este voto à votação e proponho que aclamemos, com um grande aplauso, o Presidente Henrique de Barros.

Aplausos gerais, de pé.

Para mim, que tive a honra de fazer parte da Assembleia Constituinte - já são poucos os Constituintes que ainda se sentam no Hemiciclo de São Bento -, honra que muito prezo, é difícil desprender-me, nesta Sala, da presença do Presidente Henrique de Barros e de todos os seus ilustres sucessores, um dos quais se senta nestas bancadas e a quem dirijo também uma saudação muito amiga.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, antes de entrarmos na "política dura", gostava de referir que, não tendo proposto um voto sobre a matéria, penso que não fica mal que conste das nossas Actas uma referência ao modo tão digno como este ano se celebrou o 5 de Outubro. Faltando apenas seis anos para o centenário da República, considero que a Assembleia da República não pode, como já uma vez assinalei, ignorar e afastar-se desta importantíssima data histórica.
O Sr. Presidente da República entendeu assinalar a data com a inauguração do Museu da Presidência da República, uma iniciativa extremamente valiosa para a preservação da memória de uma instituição fundamental para o nosso regime democrático, como é a Presidência da República. Julgo que não ficará mal ficar tombado em Acta um sinal de apreço por essa sua iniciativa.
Apesar de, tanto quanto pude verificar, não fazer parte das tradições da Casa, mas de vez em quando é preciso introduzir tradições novas, julgo que também teremos gosto em assinalar que, nesse dia 5 de Outubro, dois nossos colegas foram agraciados com altíssimas condecorações: a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, e o Sr. Deputado Jaime Gama, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Aliás, penitencio-me por não o ter referido na cerimónia do 25 de Abril, data em que o antigo Presidente Almeida Santos, quebrando a sua resistência, foi muito bem reconhecido com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Membros do Parlamento que tanto se distinguem, e que, por isso, merecem do Chefe do Estado esse reconhecimento, são, com toda a certeza, motivo de regozijo para todos nós.
Passamos, de seguida, à apreciação dos restantes votos apresentados.
Como de costume, estabeleceu-se um limite de 4 minutos para cada grupo parlamentar se pronunciar sobre o conjunto dos três votos, mas eles serão apreciados um por um.
Começamos pelo voto n.º 208/IX - De protesto pela violação sistemática dos limites das 100 milhas no mar dos Açores, apresentado pelo Bloco de Esquerda.
O primeiro orador inscrito é o Sr. Deputado Francisco Louçã.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, há pouco anunciou-nos que passaríamos à política pura e dura. O que este voto trata é da constatação e da condenação de uma situação económica extremamente grave para a economia açoriana e politicamente muito grave para a soberania portuguesa.
A constatação de sucessivas violações do limite das 100 milhas do mar açoriano, pondo em causa a utilização dos bancos açorianos de reprodução de espécies piscícolas e a sua razia por barcos não autorizados, suscita duas razões de crítica: a primeira é a facilidade com que o Governo português abdicou de invocar o interesse vital de Portugal e aceitou, assim, a liberalização do acesso até às 100 milhas; a segunda é a constatação, lamentável também, de que a competência exclusiva da União Europeia estabelecida no tratado constitucional permite que a conservação dos recursos biológicos do mar deixe de ser uma competência nacional ou uma competência partilhada, como seria desejável, e passe a ser uma competência exclusiva da União.
Este voto constata e condena, portanto, esta situação de abuso generalizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Joaquim Ponte (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde sempre que as populações insulares se preocupam com a sua costa, com o seu mar e com as riquezas, quer piscícolas quer turísticas, que ele próprio gera. É uma preocupação séria e permanente e, como tal, não é compatível com votos de protesto imprecisos em tempo de campanha eleitoral.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Seria mesmo muito interessante que a Assembleia da República servisse de palco para que este problema fosse discutido com profundidade e com responsabilidade. Não é, com certeza, útil que a Assembleia da República sirva de palco para quem não consegue palco no sítio onde as eleições se disputam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É absolutamente fundamental para nós insulares e, neste caso, açorianos que se aprofundem e aumentem as vistorias na nossa zona económica exclusiva, que se aumentem os recursos que são destinados a esta fiscalização, que se modernize a nossa frota para que ela possa ocupar a nossa zona de pesca.
Todos estes vectores têm merecido a atenção e a intervenção dos governos - aqui há que considerar também os esforços e a intervenção do Governo Regional - e, por isso, têm-se verificado evoluções. Não é verdade que haja uma violação sistemática dos mares dos Açores, como se diz neste voto, nem que haja a omissão e o silêncio quer do Governo da República quer do Governo Regional sobre esta matéria.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, aprovar este voto seria o mesmo que aprovar uma falsidade. Certamente seria útil para os intentos eleitorais do Bloco de Esquerda, mas não seria útil para os interesses dos Açores.
Por essa razão, votaremos contra o voto que está em apreciação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, serei muito rápido, não por menos respeito pelos votos apresentados pelo Bloco de Esquerda mas porque temos de fazer uma apertada gestão dos 4 minutos de que dispomos para apreciação de três votos.
O CDS-PP, obviamente, votará contra porque, com este voto, o Bloco de Esquerda tenta arranjar um "espaçozinho" nas eleições regionais, o que não tem conseguido e se verificou pela presença de pouco público nos seus comícios. Portanto, com este voto, o Bloco de Esquerda tenta arranjar um pequeno mediatismo em relação às eleições regionais nos Açores e na Madeira, porque critica o Governo Regional dos Açores chefiado pelo Partido Socialista.
O Parlamento não serve para arranjar "espaçozinhos" mediáticos para o Bloco de Esquerda. Ainda por cima, este voto contém vários erros e várias imprecisões e não faz referência a muito do trabalho que tem sido feito por este Governo, não o suficiente mas muito, em matéria de fiscalização.
A este propósito, e para finalizar, basta relembrar o aumento de mais de 200% no número de horas de fiscalização efectuada pela Marinha nos nossos mares territoriais e na nossa zona económica exclusiva. Com certeza não é suficiente, Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, mas é já muito em comparação com o que era feito no passado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.

O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este voto mereceria, em princípio, o voto favorável do Partido Socialista, até porque o assunto já foi por nós abordado nesta Câmara, ainda que indirectamente, no contexto de um debate de urgência sobre política comum de pescas, promovido pelo Partido Comunista, no dia 1 de Julho de 2003.
No entanto, apesar de dizer algumas verdades, que subscrevemos, especialmente no que diz respeito ao facto de o actual Governo português não ter defendido o interesse vital de Portugal nesta matéria, o texto contém algumas inexactidões formais e, num aspecto de fundo, falta integralmente à verdade.
Por questões de tempo, passarei por cima das inexactidões e referirei apenas que, ao contrário do que é dito no texto do voto, o Governo Regional dos Açores tem tomado todas as medidas ao seu alcance para salvaguardar os interesses da Região nesta matéria, nomeadamente:
Durante o período em que houve dúvidas sobre a correcção do regulamento que impõe o limite das 100 milhas, o Governo Regional chegou a apreender o pescado capturado entre as 100 e as 200 milhas por uma embarcação espanhola;
Recorreu a meios judiciais para obter a anulação parcial do Regulamento 1954/2003/CE;
Recorreu a medidas cautelares para evitar a entrada em vigor deste Regulamento;

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Solicitou à Comissão Europeia e ao Governo da República a implementação de medidas preventivas para proteger os interesses dos Açores.
Apesar de bem intencionado, o voto de protesto apresentado pelo Bloco de Esquerda não pode merecer o voto favorável do PS, a não ser que os Deputados do Bloco de Esquerda aceitem corrigir as inexactidões que se encontram no texto e repor a verdade no que diz respeito à actuação do Governo Regional dos Açores nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que passamos à apreciação do voto n.º 209/IX - De protesto pelos assassinatos e violações dos direitos humanos por parte de Israel nos territórios palestinianos ocupados (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, todos temos assistido na comunicação social, com horror, ao que se tem vindo a passar nos últimos dias, particularmente na Faixa de Gaza.
Na última semana, a comunicação social deu conta de mais de 80 palestinianos mortos pelo exército israelita e, só no passado dia 5 de Outubro, deu conta do assassinato de sete crianças, na Faixa de Gaza.
Assistimos também a acusações torpes, aliás já prontamente desmentidas, que foram feitas contra funcionários das Nações Unidas e mesmo à prisão de funcionários das Nações Unidas por parte das autoridades israelitas.
Este agravamento, esta escalada de barbárie e de violência soma-se à ilegalidade, já condenada através de múltiplas resoluções das Nações Unidas e do Conselho de Segurança, que é a da própria ocupação dos territórios da Palestina, à ilegalidade da construção do chamado "muro da separação", igualmente condenado, quer pela Assembleia Geral das Nações Unidas quer pelo Tribunal Internacional de Justiça, somando-se ainda ao boicote sistemático, por parte das autoridades de Israel, de qualquer iniciativa de paz para o Médio Oriente.
Estamos a assistir a um verdadeiro genocídio contra o povo palestiniano que nenhuma luta contra o terrorismo pode justificar - actos como o assassinato de crianças e de populações indefesas não podem ser justificados por nenhum suposto combate ao terrorismo - e estamos a assistir a gravíssimos crimes contra a humanidade perante os quais este Parlamento de maneira nenhuma pode permanecer indiferente.
Nesse sentido, apresentamos este voto para que a Assembleia da República exprima o seu vivo repúdio pelos assassinatos que têm vindo a ser cometidos nos últimos dias contra a população palestiniana e exortamos o Governo português a que, particularmente nas organizações internacionais em que participa, condene energicamente a actuação do Estado de Israel por estes actos e dê uma contribuição activa para que sejam respeitados os direitos humanos e a legalidade e sejam retomadas as iniciativas de paz, no respeito pela legalidade internacional, de forma a pôr fim à violência no Médio Oriente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Moura.

O Sr. João Moura (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD repudia qualquer tipo de violência e condena qualquer tipo de violação de direitos humanos, venham de que lado vierem.
Repudiamos as mortes provocadas pelo lado de Israel da mesma forma que repudiamos as provocadas pelo lado da Palestina. O que lamentamos, e condenamos, são posições sectárias, a que o PCP já nos habituou nesta Câmara, que apenas venham tentar partido por uma das partes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este conflito não se resolve com condenações sectárias. Estas violações de direitos humanos resolvem-se condenando as que são praticadas quer por um lado quer pelo outro.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Parece o Bush!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

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O Sr. João Rebelo (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou ser muito breve, mais uma vez não por menos respeito pelo voto apresentado pelo PCP mas porque temos um tempo muito limitado.
Nós, CDS-PP, também votaremos contra este voto porque, de facto, é faccioso, toma partido, omite a realidade e a verdadeira situação no Médio Oriente, omite ainda que crianças de Israel, precisamente uma semana antes, quando estavam a brincar no lado israelita, foram mortas por bombas lançadas pelo movimento criminoso e terrorista Hamas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, um voto como este, que toma partido num conflito em que, de ambos os lados, são tomadas posições erradas quanto ao respeito pelos direitos humanos, obviamente, não podemos votá-lo favoravelmente.
Lamentamos, ainda, que, nesta matéria, o PCP continue a ter uma visão unilateral e errada do que passa na Palestina e em Israel.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - É a posição das Nações Unidas e da comunidade internacional!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, verberamos, lamentamos e sentimo-nos chocados com o que tem acontecido no Médio Oriente e no território da Palestina nos últimos dias. No entanto, não poderemos acompanhar inteiramente este voto por duas razões que explicaremos melhor numa declaração de voto escrita que enviaremos à Mesa após a votação.
Em primeiro lugar, entendemos que este voto traduz uma visão unilateral da história do conflito israelo-árabe. Em segundo lugar, entendemos que o voto pretende transpor para uma resolução da Assembleia da República uma linguagem que pode ser própria da luta político-partidária mas que não ficaria bem numa resolução da Assembleia da República.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à apreciação do voto n.º 210/IX - Em defesa da liberdade de expressão (BE).
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, estou certo de que a bancada do PSD, atendendo à sensibilidade desta matéria, distribuiu a todos os Deputados o voto que vamos discutir e que, aliás, a bancada do PSD vai rejeitar.
Mas, para lembrar os termos exactos, trata-se de um texto que, num parágrafo, lembra as declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares: "Marcelo Rebelo de Sousa destila ódio ao Primeiro-Ministro e ao Governo" e "esse comentador transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha".
Dito isto, constata-se, no parágrafo seguinte, que, um dia depois, a administração da TVI reuniu com Marcelo Rebelo de Sousa e, na sequência dessa reunião, terminou a colaboração do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa com aquela estação de televisão.
E, para explicar estes acontecimentos, comenta-se alguém que é certamente especialista nesta matéria e no Governo, Marques Mendes, ex-Ministro dos Assuntos Parlamentares, que, aliás, já abandonou a Sala e que explica o seguinte (e passo a citá-lo como autoridade): "considero que esta situação é absolutamente lamentável e que resulta evidentemente,…" - reparem no "evidentemente" - "… como é público, de pressões intoleráveis do Governo sobre órgãos de comunicação social".
É certo que, posto isto, a Assembleia da República não vai defender a liberdade de expressão, porque o voto vai ser rejeitado; não vai condenar o Governo, porque o voto vai ser rejeitado. Mas a defesa da liberdade de expressão estabelece aqui, Sr.as e Srs. Deputados, uma fronteira essencial, que não é propriamente a do debate político entre a oposição e o Governo - aliás, muitos Deputados do PSD já votaram este voto, saindo da Sala para não serem envergonhados com o "governamentismo santanista".
Mas o fundamental é que ontem aplaudiam quem hoje apedrejam, ontem defendiam aqueles que hoje atacam. Os senhores são fundamentalmente fiéis somente ao poder, não às consciências, não à razão política e muito menos à defesa da liberdade de expressão.

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Por isso, teremos, hoje, uma votação que exprime uma maioria que está disposta a tudo: a censurar os outros, a censurar-se a si própria e a aceitar que, em Portugal, seja diminuída a liberdade de expressão num aspecto essencial.
E se Marques Mendes tem razão, o que hoje apreciamos é um acto de censura, um inacreditável, vergonhoso e delirante acto de censura!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queira concluir.

O Orador: - Concluirei, Sr. Presidente.
E neste Parlamento há quem tenha a determinação, a dignidade de votar contra isso, independentemente da opinião política que está a ser considerada - mesmo, e sobretudo, quando quem for vítima forem aqueles em relação aos quais não temos qualquer solidariedade, nem qualquer proximidade política.
É isto a essência da liberdade de expressão e é isto que nos vai separar neste voto, Sr.as e Srs. Deputados da maioria.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Santos Silva.

O Sr. Augusto Santos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista acompanha favoravelmente este voto apresentado pelo Bloco de Esquerda. A razão é muito simples: nós conhecemos dois factos objectivos. Na segunda-feira, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, falando em nome do Governo, teceu considerações que configuram uma pressão ilegítima sobre um comentador; dois dias depois, o comentário desse comentador está extinto. Não sabemos ainda o nexo entre uma coisa e outra, mas temos de saber. À opinião pública, ao povo português, são devidos esclarecimentos por todas as partes intervenientes neste processo.
Já sabemos também - várias autoridades democráticas têm-no dito - o que este caso pode configurar: um caso de censura, uma pressão absolutamente ilegítima do poder político sobre um grupo empresarial e deste grupo empresarial, passando por cima de todas as regras de controlo editorial de uma estação privada de televisão, sobre um comentador.
O que está aqui em causa são as condições em que a liberdade de expressão é exercida em Portugal.
Mas, agora, de uma coisa já todos sabemos: as declarações do Sr. Ministro, que constituem o objecto deste voto, representam em si mesmas uma tentativa - aliás, bem sucedida - absolutamente ilegítima e inaceitável de pressão política sobre a liberdade de expressão. E este facto tem desenhado uma fronteira…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputado, o seu tempo esgotou-se.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Este facto tem desenhado uma fronteira, dizia, que não é entre o Governo e a oposição, mas uma fronteira, muito mais funda, entre aqueles para os quais o princípio democrático de que não há democracia sem liberdade de expressão é um princípio e aqueles para os quais estas palavras são simples palavras ocas. E o lugar onde cada um se encontrar neste voto vai definir o lado da fronteira em que se quer situar.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Moura.

O Sr. João Moura (PSD): - Sr. Presidente, há muitas matérias que nos dividem do Bloco de Esquerda nesta Câmara. Pelos vistos, até no conceito de liberdade de expressão, há diferenças entre a bancada do PSD e a bancada do Bloco de Esquerda.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Pois há!

O Orador: - Para vós, a crítica é liberdade de expressão. Sr. Deputado, também para nós, a crítica é liberdade de expressão.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Vê-se!

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O Orador: - Aquilo que nos distingue é que a crítica e a resposta à crítica e o direito de defesa à crítica, para nós, também é liberdade de expressão.
Sei que vós estais sempre habituados à crítica e a fazer a crítica. Por isso, espero que, no dia em que também viermos a esta Casa fazer a crítica, por exemplo, à Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, respondam da mesma forma com o direito de defesa à crítica.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, no debate que temos travado acerca deste acontecimento que tem marcado a vida política nos últimos dias, não é de desvalorizar a atitude inicial do Ministro dos Assuntos Parlamentares. É que, mesmo quando não se sabia quais iriam ser as consequências dessa atitude e desse desagrado mostrado, já ele queria que uma entidade, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, calasse o comentador incómodo que criticava todas as semanas, dominicalmente, a maioria e o Governo e inventava os argumentos que, aliás, vêm expressos no voto.
Na verdade, do que se trata aqui é de decidir se é justo ou não, se é aceitável ou não, na democracia que queremos para o nosso país, que se proceda desta forma, que seja possível, por pressão política, calar vozes incómodas, que seja possível, quando as críticas incomodam, calar estas vozes que na comunicação social porventura incomodaram o PSD.
Portanto, a votação deste voto, independentemente da opinião que qualquer bancada tenha sobre a situação da comunicação social, sobre as vantagens ou desvantagens da concentração dos media - enfim, todas elas matérias que certamente teremos oportunidade de voltar a discutir nesta Casa -, é que vai esclarecer o que cada bancada pensa sobre este acto de limitar, por pressão política e utilizando a capacidade de pressão do Governo, a expressão de um comentador político, que, pelos vistos, não agradava à maioria e a este Governo.

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A propósito deste voto, quero deixar duas palavras muito claras: ou o problema é político - e, sendo-o, ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, um político, caberá explicar por que é que politicamente decidiu deixar de participar com este comentário nesta estação televisiva -…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … ou o problema é contratual,…

Protestos do PS.

… e sendo-o, entre uma estação televisiva e um comentador televisivo, não tem seguramente dignidade para ser tratado por políticos e, muito menos, nesta Assembleia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Risos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. José Magalhães (PS): - É trivial!

O Orador: - De todo o modo, neste súbito assomo marcelista do Bloco de Esquerda, obviamente que a última coisa que os preocupa é a liberdade de expressão.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - De outra forma, não se compreenderia que o mesmo Bloco que, há pouco tempo, acusava de hipócrita o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e reclamava contra os seus comentários dominicais, em termos que, de resto, fez publicar no seu blog, seja o mesmo partido que, agora, se vem mostrar triste e contrafeito por o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa ter decidido fazer cessar a sua participação.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

O Orador: - Srs. Deputados, compreendemos muito bem qual é o vosso propósito, mas também compreenderão que, como é evidente, não podemos embarcar nele e, como também é evidente, votaremos contra o vosso voto.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Viva a censura!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, passamos à votação dos votos n.os 208/IX, 209/IX e 210/IX.
Srs. Deputados, começamos pela votação do voto n.º 208/IX - De protesto pela violação sistemática dos limites das 100 milhas no mar dos Açores (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

Considerando que:
a) são constantemente avistadas a poucas milhas das costas açorianas embarcações estrangeiras de pesca, especialmente de origem espanhola;
b) esta actividade predatória das espécies piscícolas desenvolve-se sem oposição visível da Defesa Nacional, que se queixa da falta de meios;
c) a directiva comunitária que liberalizou o acesso de embarcações até às 100 milhas expôs os principais bancos açorianos de reprodução das espécies piscícolas a uma razia que põe em perigo a sua continuidade e incentiva mesmo a violação do limite das 100 milhas;
d) nestas circunstâncias, o Governo português conformou-se com a directiva comunitária e não invocou o "interesse vital" de Portugal que permitisse a renegociação dos fundamentos dessa decisão;
e) embora insatisfeito com a situação, o Governo Regional dos Açores não tomou posição face ao Governo da República no sentido da invocação do "interesse vital", no espírito do chamado "Compromisso do Luxemburgo";
f) como factor agravante, o Tratado Constitucional da União Europeia estabelece como competência exclusiva da União, não partilhada, a conservação dos recursos biológicos do mar, não se entendendo como é possível uma gestão sustentáve1 de recursos sem uma gestão de proximidade.
Assim, a Assembleia da República manifesta a sua condenação em relação às reiteradas violações do limite marítimo das 100 milhas por embarcações não autorizadas e condena a omissão e silêncio cúmplice do Governo em relação à continuada destruição dos recursos do mar na Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do voto n.º 209/IX - De protesto pelos assassinatos e violações de direitos humanos por parte de Israel nos territórios palestinianos ocupados (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Era o seguinte:

As acções militares que o exército israelita tem vindo a desenvolver nos territórios palestinianos que mantém sob ocupação ilegal e que têm incidido com particular gravidade na Faixa de Gaza, foram responsáveis numa só semana pela morte de mais de oito dezenas de palestinianos, incluindo um número

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elevado de crianças. Só no dia 5 de Outubro, o exército israelita assassinou sete crianças palestinianas na Faixa de Gaza.
Esta escalada de barbárie, acompanhada da prisão de funcionários das Nações Unidas e de acusações contra esta organização internacional já prontamente desmentidas pelos seus responsáveis, coloca ainda mais o Estado de Israel à margem da legalidade internacional.
Para além da situação de ilegalidade da ocupação dos territórios da Palestina, em violação de numerosas resoluções das Nações Unidas, da ilegalidade da construção do chamado "muro de separação" condenado pelo Tribunal Internacional de Justiça e pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Estado de Israel insiste em boicotar qualquer iniciativa de paz para o Médio Oriente e em praticar um verdadeiro genocídio contra o povo palestiniano que nenhuma suposta luta contra o terrorismo pode justificar.
A coberto do veto dos Estados Unidos da América no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Estado de Israel está a cometer na Palestina crimes gravíssimos contra a Humanidade que nenhum Estado, nem nenhum cidadão, pode deixar de repudiar.
Nestes termos, a Assembleia da República, reunida em Plenário, exprime o seu mais vivo repúdio pelos assassinatos que o Estado de Israel tem vindo a cometer nos últimos dias nos territórios palestinianos, exorta o Governo português a tomar uma atitude enérgica de condenação do Estado de Israel por estes actos nas organizações internacionais em que participa e de contribuição activa para que, no respeito pelos Direitos Humanos e pela legalidade internacional, sejam retomadas iniciativas destinadas a assegurar o fim da violência no Médio Oriente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 210/IX - Em defesa da liberdade de expressão (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Era o seguinte:

Em resposta à última crónica semanal do Professor Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, o Ministro dos Assuntos Parlamentares veio a público acusá-lo de "destilar ódio ao Primeiro-Ministro e ao Governo", acrescentando que "esse comentador transmite sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha". O Ministro estranhou ainda a ausência de intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Um dia depois, a administração da TVI reuniu com Marcelo Rebelo de Sousa, tendo dessa reunião decorrido a sua decisão de afastamento daquela televisão.
Dois dias depois, a Alta Autoridade para a Comunicação Social anunciou a abertura de um processo sobre o regime das crónicas de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI.
Marques Mendes, ex-Ministro dos Assuntos Parlamentares, declarou, em resposta a estes acontecimentos, que "considero que esta situação é absolutamente lamentável e que resulta evidentemente, como é público, de pressões intoleráveis do Governo sobre órgãos de comunicação social" e que "este tipo de comportamento não tem nada que ver com a história do PSD".
Face a estes acontecimentos, a Assembleia da República:
1 - reitera a sua defesa intransigente da liberdade de expressão em Portugal;
2 - manifesta a sua condenação da intervenção do Governo, que teve como objectivo condicionar as escolhas editoriais de uma estação de televisão e impedir o exercício do direito à critica política.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 443/IX - Consagra a gratuitidade de acesso ilimitado, via Internet, ao Diário da República (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 141/IX - Autoriza o Governo a legislar no sentido da definição de medidas indemnizatórias pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia eléctrica (CAE) celebrados entre a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) e as entidades titulares de licenças vinculadas de produção de energia.

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Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, pergunto se podemos proceder, em simultâneo, à votação, na especialidade e em votação final global, da proposta de lei n.º 141/IX.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 176/IX - Alteração à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PS e do PCP e abstenções do BE e de Os Verdes.

O projecto de lei baixa à 1.ª Comissão, para apreciação na especialidade.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 246/IX - Elaboração do segundo inquérito nacional alimentar (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer da Comissão de Ética.
Faça favor, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 1.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa - Processo n.º 10970/99.4TDLSB -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Jorge Coelho (PS), a prestar depoimento por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminadas as votações, vamos prosseguir os nossos trabalhos.
O Sr. Secretário vai dar conta da entrada na Mesa de um diploma.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 503/IX - Lei de organização e funcionamento da entidade das contas e financiamentos políticos (PSD e CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão do projecto de deliberação n.º 31/IX - Constituição de uma comissão eventual para a avaliação da execução do Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência - Horizonte 2004 e acompanhamento do processo de definição do "Horizonte 2008", apresentado pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos mais que habituados àquelas unânimes considerações quanto à gravidade dos problemas da toxicodependência; quanto à importância de uma intervenção multidisciplinar nesta matéria e mesmo quanto à evidente necessidade de uma participação alargada, responsável e democrática, na resposta do nosso país a este fenómeno.

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Palavras neste sentido não têm faltado. O que falta é passar das palavras aos actos e assumir essa responsabilidade, participando neste combate, que é de todos. Com esta proposta do PCP, a Assembleia da República tem a oportunidade de voltar a contribuir para um necessário processo de reflexão, debate e acção concreta neste domínio.
Encontramo-nos numa etapa de balanço, de avaliação e de decisão sobre o caminho a seguir no futuro próximo. Esta fase final do Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência - Horizonte 2004 e a definição das linhas orientadoras para o próximo quadriénio colocam-nos perante a necessidade de uma discussão ampla e participada sobre esta matéria.
Foi, aliás, neste sentido que, segundo soubemos, se pronunciou o Sr. Presidente do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), há precisamente uma semana, quando, aqui no Parlamento, veio apresentar o relatório anual sobre a situação do País em matéria de droga e toxicodependência. Mas estas declarações do Sr. Presidente do IDT, e o contexto em que foram proferidas, envolvem contornos que, sendo graves, atingem o caricato.
Primeiro, tivemos a bem demonstrativa atitude do IDT de fazer chegar aos grupos parlamentares (pelo menos, ao do PCP) o convite para essa sessão pública no Parlamento depois de ela ter tido início.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Por outro lado, esse mesmo relatório anual, que foi apresentado no último dia de Setembro, tem de ser apresentado (é o que diz a lei) no mês de Março! E foi o Ministério da Saúde que assumiu, por escrito, que não cumpre a lei, em resposta ao requerimento apresentado pelo PCP.

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

O Orador: - Entretanto, o IDT orgulha-se de ter antecipado a publicação do relatório, que estava previsto para Dezembro.
Até agora, está à vista a opção do Governo e da maioria com este manto de silêncio que tem sido imposto, inviabilizando até o debate político com o Governo sobre esta matéria e rejeitando a proposta do PCP em debater este assunto na Comissão com o Sr. Ministro.
Por outro lado, a incumbência atribuída ao Instituto Nacional de Administração para este processo de avaliação não pode escamotear a necessária reflexão política, técnica e estratégica que actualmente se impõe, estamos perante muito mais do que uma auditoria de vocação, que é, antes de mais, administrativa. E se esta abordagem não pode ser parcelar ou descontextualizada, também não pode ser democraticamente vazia, numa espécie de grau zero de informação e de debate públicos, dignos deste nome.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mesmo que deixemos tudo isto de parte, mesmo que apenas se destaque essa afirmação de disponibilidade do Presidente do IDT para um debate aberto e participado, então aqui está a oportunidade para as Sr.as e os Srs. Deputados da maioria demonstrarem na prática essa vontade de contribuir para um bom debate, com bons resultados. Não se trata de colocar o Parlamento a dirigir o processo de avaliação da estratégia actual e da sua concretização, nem da definição da próxima etapa, mas, sendo certo que cumpre ao Governo a responsabilidade de tomar as medidas concretas, não é menos verdade que a Assembleia da República não poderá deixar de assumir o seu papel no acompanhamento, e na acção construtiva, em relação a este processo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não tenham medo, Srs. Deputados da maioria, dos resultados deste trabalho. Nós, aliás, nem esquecemos que, nos termos do Regimento, o PSD e o CDS-PP também terão a maioria nesta comissão eventual. Não queiram silenciar os importantes testemunhos, informações e reflexões que esta comissão eventual pode proporcionar ao Parlamento e ao País.
De resto, quando propomos esta iniciativa, temos em conta a experiência positiva, interessante, útil para o País, que teve lugar na VII Legislatura, que foi o caso da Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, presidida pelo PCP, um bom exemplo do que o Parlamento pode fazer, no respeito pelas diversas competências e atribuições institucionais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP) - Exactamente!

O Orador: - De facto, nesta altura, é já confrangedor este panorama que temos diante de nós, quando verificamos este completo desaparecimento político por parte do Governo, este quadro de absoluta

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paralisia, em que os serviços são desarticulados, em que se diz tudo e o seu contrário, há todas as razões para nos preocuparmos e tomarmos a iniciativa.
É neste sentido que o PCP deixa o desafio a todos os Srs. Deputados: deixem os preconceitos de parte, aceitem o debate democrático aqui no Parlamento, assumam a dimensão desde logo nacional, mas também internacional, deste problema e viabilizem esta nossa proposta, constituindo esta comissão eventual.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Bruno Dias, devo dizer-lhe que fiquei um pouco desapontado com a sua intervenção.
De facto, o seu historial nesta matéria não me levaria a supor que V. Ex.ª usasse este tema para fazer, enfim, tão baixa política, relativamente a este assunto.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Até porque é conhecida a preocupação do Governo em fazer o acompanhamento desta matéria ao nível da Assembleia da República - e foi anunciado a semana passada pelo Presidente do IDT - e, devo dizer-lhe, o Grupo Parlamentar do PSD está disponível para este acompanhamento.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Então, vamos fazê-lo!

O Orador: - Mas, V. Ex.ª, falou no relatório que foi entregue a semana passada nesta Assembleia, ao contrário daquilo que era a prática comum, pois, normalmente, chegava em Novembro e este ano foi entregue em Setembro, foi um bocadinho mais cedo. Sei que ainda estamos longe do ideal, mas estamos no caminho para a correcção de uma situação que vem de trás.
Mas, como já temos os dados do relatório de 2003, gostaria de fazer alguns comentários antes de me referir ao projecto de deliberação em concreto.
Assim, quero registar que estes dados mostram que, no ano passado, todos aqueles que buscaram tratamento junto das unidades do Instituto da Droga e da Toxicodependência encontraram uma resposta adequada, não havendo, no final do ano, listas de espera para tratamento, e que, pelo segundo ano consecutivo, se registou uma diminuição dos utentes em tratamento, do número de utentes em unidades de desabituação e também uma diminuição do número de primeiras consultas. O que estes números nos dizem é que, a nível do tratamento, e em termos estritamente quantitativos, a capacidade de oferta instalada é adequada e excede a procura, mas também se pode inferir que o número de consumidores problemáticos que buscam uma primeira consulta têm vindo a diminuir, uma vez que, como é sabido, esses consumos estão relacionados com a heroína e os dados reflectem uma estagnação desta substância, mas não significa isto que o número de consumidores problemáticos esteja a baixar. Ora, isso quanto a nós, esta seria uma falsa ilusão e uma conclusão perigosa.
O que estes números nos dizem é que há menos procura de tratamento e não que há menos jovens a precisar de tratamento. Com razoável segurança, pode dizer-se que há menos heroinómanos a precisar de tratamento, mas também há, seguramente, mais jovens com consumos problemáticos de outras substâncias e que não estão a procurar tratamento.
Acreditamos que, à semelhança do que aconteceu noutros países, ao aumento muito significativo do consumo de ecstasy, que tem surgido sempre de braço dado com a cannabis, se seguirá, nos próximos anos, um grande aumento da procura de tratamento para casos relacionados com o consumo destas substâncias, que podem ser considerados problemáticos. E, actualmente, as respostas que dispomos para esta problemática dos novos consumos é insuficiente e é desajustada, quer ao nível do tratamento, quer ao nível da prevenção.
Aliás, a prevenção em meio escolar continua a ser incipiente e é quase dramático verificarmos que volvidos cerca de 20 anos, desde que a toxicodependência passou a ocupar um lugar preponderante e importante no discurso político, continue a faltar uma intervenção continuada e sistemática nas nossas escolas.
Os números estão aí para mostrar o nosso falhanço colectivo, pois…

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Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

… é nos mais jovens, particularmente em idade escolar, que os novos consumos de cannabis, ecstasy, cocaína e álcool têm vindo a ganhar terreno.
Por outro lado, a capacidade instalada para o tratamento não está preparada para dar resposta às novas necessidades de tratamento de que falei. E, em termos técnicos, é preciso registar que é muito diferente tratar um jovem com um problema de ecstasy e tratar um heroinómano.
Fundamentalmente, o que queremos deixar bem claro é que a realidade de hoje é bastante diferente daquela que conhecemos na década de 90 - alguns problemas diminuíram, mas outros têm vindo a crescer. E, se a heroína teve uma geração mártir e só reconhecemos o problema demasiado tarde, não podemos deixar que as combinações de ecstasy, cocaína, álcool e cannabis também reclamem a sua geração.
O actual Governo manteve os compromissos assumidos na estratégia do Horizonte 2004, aperfeiçoou e aprofundou alguns dos seus instrumentos. E, se hoje todos reconhecemos que algumas coisas correram bem, na minha opinião, o que correu menos bem teve a ver com dois problemas-base: um de carácter estrutural, traduzido num grande desperdício de recursos em tarefas burocráticas, com sobreposição e dispersão de estruturas administrativas, e na insuficiência de meios e instrumentos de intervenção na área da prevenção; outro de carácter metodológico, na medida em que a estratégia foi definida em função de uma determinada realidade, não acautelou suficientemente a dinâmica da evolução dos consumos, e é por isto que hoje temos uma capacidade de resposta desadequada com a realidade do problema que enfrentamos.
Mas, Sr. Deputado, estas são apenas notas de uma discussão que consideramos importante e que,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Mas que não vão fazer!

O Orador: - … afirmamos, deve ser feita no contexto da avaliação global dos resultados da estratégia. E esta discussão e avaliação política terá, necessariamente, de passar pelo Parlamento. Mais: esta avaliação pelo Parlamento não deve ser pontual, deve ser continuada.

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Por isso mesmo é que é importante a criação de uma comissão eventual!

O Orador: - Srs. Deputados, ouçam-me até ao fim!
É em sede de comissão parlamentar que se devem acompanhar as diferentes fases do processo de avaliação.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Em qual? Na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais?!

O Orador: - Seguramente, vamos chamar ao Parlamento os técnicos e os responsáveis políticos pela implementação da actual estratégia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Quando quisemos chamá-los os senhores "chumbaram"!

O Orador: - Srs. Deputados, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais ou até a subcomissão de Saúde, que até se chama "Subcomissão de Saúde e Toxicodependência", é o fórum óbvio para realizar este debate.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não se nota nada!

O Orador: - Se o PCP pretende participar nesta discussão não precisa de criar uma nova comissão para o efeito, tem de fazer algo muito simples: melhorar um bocadinho a sua assiduidade, que tem andado um pouco por baixo, nos trabalhos da Subcomissão.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Tenha vergonha!

O Orador: - E, assim, estará em condições de debater este problema connosco.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Tenha vergonha!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado Bernardino Soares?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de saber se o Sr. Presidente nos pode dar um número, nem que seja aproximado, de comissões permanentes e respectivas subcomissões constituídas nesta Casa e dos dias disponíveis para todas elas reunirem, que, suponho, são a terça-feira e a quarta-feira de manhã, para, deste modo, tendo em conta que são só 10 os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, obtermos a explicação que o Sr. Deputado Miguel Coleta parece não perceber.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, posso responder-lhe imediatamente, dizendo que há 11 comissões permanentes. Já quanto às subcomissões, é um pouco mais difícil dizer-lhe quantas são, teria de consultar os canhenhos, e não os tenho à mão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Coleta, para que efeito?

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, também para uma interpelação à Mesa, nos mesmos termos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, é para informar o Sr. Deputado Bernardino Soares, que, provavelmente, não sabe, que, no que toca a matérias relacionadas com a toxicodependência, por várias vezes, quer ao nível da referida Subcomissão quer ao nível da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Socais, porque, depois, a matéria foi à apreciação da Comissão, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tem tentado agendar discussões e o Partido Comunista Português não tem estado disponível para o fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos dos Deputados do PCP Bernardino Soares e Bruno Dias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a sua interpelação não tem resposta por parte da Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que aquilo que o Sr. Deputado Miguel Coleta acabou de dizer à Câmara não é bem verdade. Houve várias propostas para audição do anterior Presidente do IDT e de outros responsáveis nesta área, mas os senhores "chumbaram-nas" sempre!

Vozes do PSD: - Não é verdade!

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Não é verdade?!

A Oradora: - É bom que isto seja aqui dito para que a verdade seja reposta, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Consulte as actas da Comissão!

A Oradora: - Não preciso de consultar as actas, porque, nesta matéria, tenho boa memória.

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A Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais não tem discutido esta matéria, porque, por um lado, o Sr. Ministro, sempre que lá vai, nunca fala dela e, por outro, todas as propostas que a oposição tem apresentado têm sido "chumbadas" pelos senhores.

O Sr. José Magalhães (PS): - Eis a verdade!

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava de referir que, na avaliação deste projecto de deliberação, é determinante termos em conta vários aspectos. Desde logo, que a Assembleia, em geral, e os Deputados, em particular, muitas vezes são acusados de estarem alheados, de serem autistas, em relação aos problemas do País. Tenho, porém, a certeza absoluta de que a área da toxicodependência e o combate à droga não é um exemplo disto. Pelo contrário, a Assembleia da República sempre assumiu a sua responsabilidade a este nível.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Tanto assim é que a tradição da intervenção exigente e sempre atenta da Assembleia, em matéria de combate à droga e à toxicodependência, é de todos conhecida e por todos reconhecida.
Esta área foi trabalhada pela Comissão da Juventude, tendo sido constituída uma subcomissão especializada, e, em 1995, foi aprovada por unanimidade a criação de uma Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga.
Como dizia o então Deputado do PSD Carlos Coelho, para justificar a aprovação, por parte do PSD, da comissão eventual que referi, no fundo, trata-se de "subir a parada" quanto ao modo como esta Assembleia se quer debruçar sobre os problemas gritantes da toxicodependência. Ora, Sr.as e Srs. Deputados, é de novo necessário "subir a parada" no combate eficaz à droga e à toxicodependência. É apenas isto que está em causa; por isso, o Grupo Parlamentar do PS saúda a iniciativa do PCP.
Por que é que é necessário subir a parada? Podemos dizer ao PSD, mas também à sociedade em geral, que o combate à droga e à toxicodependência tem um "antes" e um "depois" na estratégia nacional de luta contra a droga e a toxicodependência. A definição e a elaboração desta estratégia marcou uma viragem na prioridade e acção política na luta contra a droga e a toxicodependência.
A estratégia envolveu, desde logo, todos os intervenientes nesta área - o governo de então à cabeça, a Assembleia da República, os técnicos, as ONG, as universidades, os autarcas, as famílias -, marcou uma intervenção transversal, ambiciosa, em que cada área de intervenção, cada ministério, assumia a sua responsabilidade e era co-responsabilizado e definiu metas, prazos e quantificou objectivos.
Acima de tudo, a estratégia resultou de uma opção clara do governo de então, de que o combate à droga e à toxicodependência não poderia ter tréguas e, por isso, para garantir resultados positivos, tinha de depender directamente do Primeiro-Ministro, o que garantiu a eficácia da transversalidade e da co-responsabilização.
Alguns dos resultados são visíveis e já aqui foram referidos, como seja a diminuição do número de mortos relacionado com o consumo de drogas, a diminuição das doenças infecto-contagiosas na comunidade toxicodependente, a diminuição do número de primeiras consultas, a diminuição das listas de esperam, e a estratégia nacional de luta contra a droga ser considerada um exemplo no panorama da União Europeia.
A estratégia nacional também definiu a sua própria revisão e previu a sua avaliação em 2004, ou seja, este ano.
Como o trabalho desta Assembleia esteve directamente envolvido no "antes" da definição da estratégia, parece-nos que faz todo o sentido assumirmos novamente as nossas responsabilidades na avaliação e na discussão do que deverá ser a próxima estratégia nacional de luta contra a droga e a toxicodependência.
Se a estratégia nacional, definida em 1999, é por todos reconhecida, desde logo pelo Governo, no seu Programa, como sendo boa, ambiciosa, exigente, consensual e pioneira e se os resultados são por todos reconhecidos como positivos (e alguns deles são tão evidentes que nem precisam de esperar pela avaliação que está prevista), também é verdade que este é um combate sem tréguas, que assumiu, nestes cinco anos, novas realidades e que continua a precisar do envolvimento de todos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

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A Oradora: - E a Assembleia, tal como no passado, deve dar o exemplo, tomar em mãos, no exercício simples e puro das suas competências, a discussão da estratégia e lançar o debate da estratégia do futuro para os próximos anos.
A posição da maioria nesta matéria é absolutamente incompreensível. E, Sr. Deputado Miguel Coleta, a sua intervenção também me decepcionou e é absolutamente contraditória, desde logo, porque contradiz as posições que o PSD assumiu em 1995, e bem, quando votou a favor da constituição da comissão eventual. E não quero acreditar que, em 1995, os Srs. Deputados do PSD apenas o fizeram por estarem na oposição e quererem criar problemas ao Governo!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Devem-no ter feito por acreditarem que isso traria algo de bom, e trouxe, como a história veio a provar.
Também não sei de que têm medo os Srs. Deputados, porque na comissão a constituir há, objectivamente, lugar ao contraditório; como sucede em todas as comissões, os senhores têm sempre a maioria.
Portanto, é pena que os senhores ponham a vossa estratégia política à frente dos destinos do País. E, mais uma vez, parece que os portugueses não vão poder contar convosco.

Aplausos do PS e de Os Verdes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, parece-nos difícil de entender que o PCP proponha criar uma comissão eventual para avaliar a estratégia nacional de luta contra a droga e a toxicodependência quando o próprio Governo diz - e disse-o atempadamente - que vai aproveitar este último trimestre do ano para, precisamente, fazer esse trabalho, tendo em vista preparar as acções subsequentes que, aí sim, beneficiarão de tal reflexão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, não devemos esquecer que os últimos elementos disponíveis e publicados - como, de resto, já aqui foi referido - indicam, claramente, que há não digo um sucesso mas uma estratégia que está a dar alguns frutos,…

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

… daí registar-se uma diminuição do consumo de heroína, uma diminuição dos casos de contaminação de HIV/SIDA associados à toxicodependência, uma diminuição de casos de morte relacionados com toxicodependência, o que demonstra que, efectivamente, a estratégia governamental está a ter algum êxito.
Caberia à Assembleia, nas suas funções de acompanhamento e de fiscalização, dar contributos válidos para essa estratégia, para essa reflexão, e não a duplicação de comissões quando, como é sabido e como também já aqui foi aflorado, o Parlamento tem comissões permanente especializadas, designadamente a Subcomissão de Saúde e Toxicodependência, que podem fazer esse trabalho, sem qualquer sacrifício acrescido. Em nossa opinião, não se justifica uma duplicação de competências, de recursos sem que se anteveja qualquer proveito diferente, mais vantajoso, mais eficaz, porque, pelo menos na iniciativa do PCP, isso não é dito, nem aflorado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Desculpa esfarrapada!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Desculpas de mau pagador!

O Orador: - Depois, Sr.as e Srs. Deputados, a conclusão é, de resto, óbvia: o PCP, com a sua iniciativa, ou está a pretender que a Assembleia da República actue no âmbito das suas competências de fiscalização de legislador, e não nos parece ser o caso; ou, então, está a extravasar claramente as competências

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0543 | I Série - Número 010 | 08 de Outubro de 2004

 

próprias da Assembleia da República, procurando, designadamente, condicionar ou, de alguma forma, impor ao Governo estratégias de forma não linearmente regulamentar, como seria se, através das comissões próprias, do Plenário e de iniciativas legislativas, assim entendessem fazer.
Portanto, Sr. Presidente, concluo, dizendo que, com a dificuldade que temos em perceber esta iniciativa do PCP,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Veja lá se quer que se faça um desenho para compreender!

O Orador: - … não podemos, naturalmente, dar a nossa aprovação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, para uma interpelação exactamente nos mesmos termos…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esses termos não podem ser invocados. O Sr. Deputado já os invocou, dei-lhe a palavra nessa altura, e, portanto, não pode invocar outra vez esses termos.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, foi, novamente, reafirmada uma situação que não corresponde à realidade e invocada a questão da comissão…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tem tempo para impor essa…

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - É só para lembrar que a estratégia "Horizonte 2004" resultou de uma proposta do Conselho de Ministro e não do debate da Assembleia.
Desculpe, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem mesmo de pedir desculpa, porque não se portou como deveria ser. Não lhe dei a palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de deliberação hoje apresentado pelo PCP parece-nos uma iniciativa muitíssimo positiva e acertada. É de facto urgente, pelos vários dados que foram já enumerados por diversos Deputados, que esta Câmara acompanhe e se responsabilize pela avaliação do Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e Toxicodependência, aquilo a que foi chamado "Horizonte 2004", e da mesma forma contribua e acompanhe a elaboração do próximo plano que nos deverá conduzir até 2008, acima de tudo, por aquilo que tem sido o debate sobre esta proposta do Partido Comunista Português: a ideia de que há sinais preocupantes.
Aliás, é quase de estranhar que o Sr. Deputado Miguel Coleta tenha aqui gizado um diagnóstico relativamente negro e tenha abordado esta matéria como se tivesse acabado de entrar nesta Câmara, não referindo sequer uma palavra sobre o que foi o papel do actual Ministro Fernando Negrão à frente deste mesmo instituto e não abordando claramente as propostas sugeridas. Como esta maioria tem o costume de dizer, tendencialmente caminhará para uma nova estratégia de combate à toxicodependência, mas tendencialmente não chegará lá.
O que o Sr. Deputado Miguel Coleta disse é preocupante, porque mostra a contradição das estratégias actuais que têm vindo a ser desenvolvidas. Há uma contradição nos números que foram apresentados no actual relatório; ou seja, por um lado, temos o aumento dos consumos problemáticos e, por outro, temos simultaneamente a diminuição das primeiras consultas e dos internamentos para tratamento. Se esta contradição não lhe levanta qualquer tipo de preocupação, devo dizer que temos aqui, de facto, um equívoco sobre o papel do IDT e a estratégia nacional de combate contra a droga.
Estes números e estas contradições são perceptíveis, aliás, a partir do que tem sido a linha política da maioria no que toca ao combate à toxicodependência e na política de drogas. Tem havido uma desorçamentação progressiva dos centros de atendimento a toxicodependentes, à medida que mudam os responsáveis governamentais, sobre os quais a maioria nunca se pronunciou, nunca quis avaliar, mas também nunca apontou uma medida que tenha sido exemplar ou que possa ter contribuído para o que quer que

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seja. Tem havido também uma "sangria" de quadros no IDT, cada vez que no Governo há esta "dança de cadeiras", de Deputados para presidentes de institutos e, depois, para ministros.
Por outro lado, nos estabelecimentos prisionais em Portugal, continua a existir uma "pena de morte", ou seja, as seringas continuam a não ser distribuídas. Aliás, o novo responsável pelo IDT, quando perguntado sobre a matéria, disse "que sim, mas que também" e que "tendencialmente" um dia lá chegarão. Tendencialmente, já sabemos que na actual maioria é que nunca lá chegarão!
É exactamente porque tem havido uma estratégia de desbaratar aquilo que tem sido um trabalho produtivo e a construção de uma estratégia acertada que estava a dar resultados, porque há nesta Câmara a tradição de uma comissão eventual, que teve bons resultados e que foi capaz de gizar planos positivos, e porque continuamos a lidar com estatísticas negras, que mantêm Portugal como o país da União Europeia com o maior consumo de drogas duras, que o Bloco de Esquerda dará a sua aprovação a esta proposta do Partido Comunista Português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que esta maioria já demonstrou nesta Câmara que quando não se encontra razão não se encontram argumentos para justificar o que é injustificável.
Penso que o primeiro passo que deveríamos dar para discutir este projecto de deliberação do PCP, que propõe a constituição de uma comissão eventual para a avaliação da execução do Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e Toxicodependência, é relembrarmos a existência, na Assembleia da República, de uma comissão eventual para o acompanhamento e a avaliação da situação da toxicodependência e que produziu um trabalho extremamente positivo no que concerne a um conjunto de audições que foram feitas, ao teor dessas mesmas audições e ao relatório que foi produzido na sequência do trabalho realizado por essa Comissão Eventual. E nessa altura também havia na Assembleia da República uma Comissão de Saúde, mas entendeu-se que havia a necessidade de uma especificidade no acompanhamento desta matéria e que a Assembleia podia dar um contributo extremamente positivo. E foi isto que aconteceu.
Por isso, quando se extinguiu esta Comissão, Os Verdes consideraram que se perdia muito do trabalho já realizado na Assembleia da República e da possibilidade de continuidade desse trabalho. E nunca ouvi ninguém, de nenhuma bancada parlamentar, referir que esta Comissão Eventual não tenha produzido trabalho adequado e que não tenha valido a pena a sua constituição, muito pelo contrário.
Ora bem, propôs-se aqui que esta matéria fosse discutida nas comissões permanentes. Mas, na verdade, esta maioria fez com que se criassem comissões permanentes de tal forma vastas, no âmbito da discussão e das matérias aí tratadas, que, de facto, há muita dificuldade na discussão de matérias específicas. E, se aquilo que se quer, como ouvi em várias intervenções, é a especificidade da discussão e a sua continuidade, Os Verdes consideram esta proposta extremamente oportuna e que é importante que a Assembleia da República considere a criação desta comissão eventual, tendo presente que deste modo haveria um conjunto de Deputados desta Casa que, também de uma forma mais específica, acompanharia esta matéria em concreto.
Do que ouvi, só posso concluir que é a falta de medidas concretas na questão do fenómeno das toxicodependências que vos leva a recear até o debate parlamentar.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coleta, beneficiando de cedência de tempo do CDS-PP.

O Sr. Miguel Coleta (PSD): - Sr. Presidente, começo naturalmente por pedir desculpa a V. Ex.ª pela minha intervenção um pouco intempestiva de há pouco, mas peço que coloque isso na conta da minha inexperiência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não consigo compreender o PCP, que, por um lado, diz que há comissões a mais, e, por isso, não pode ir às comissões todas, e, por outro, quer criar mais uma comissão.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Não consigo perceber, Srs. Deputados!

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0545 | I Série - Número 010 | 08 de Outubro de 2004

 

Não há, da nossa parte, qualquer reserva relativamente ao debate desta matéria em sede de comissão ou de subcomissão, como os senhores entenderem. Agora, não estamos disponíveis para fazer chicana política à volta deste tema - para isto, seguramente, não estamos!

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Nota-se!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos disse que a Assembleia da República sempre teve uma palavra nesta matéria, e vai continuar a ter, seguramente. Mas, durante o tempo do PS, aquando da apresentação da estratégia, a Assembleia da República não teve essa palavra porque a estratégia foi apresentada como uma resolução do Conselho de Ministros.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Mas o que é que isso tem a ver?!

O Orador: - Já agora, devo dizer que, relativamente ao PCP, ainda consigo perceber que, por ser um grupo parlamentar mais pequeno, não consiga estar presente em todas as reuniões, mas o PS já não tem esta desculpa. E, se se for consultar as actas das reuniões da subcomissão, o PS, sempre que foi agendada matéria de toxicodependência, também não esteve presente.

Vozes do PSD: - Oh!…

O Orador: - E, portanto, está tudo dito sobre a importância política que VV. Ex.as dão a esta matéria.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que parece que a Sr.ª Deputada Ana Drago percebeu, mas não percebeu a minha intervenção. De facto, o quadro hoje é negro - é negro porque somos realistas.
Eu disse aqui que houve problemas que diminuíram e outros que aumentaram; temos consumos problemáticos que estão a subir e que não estão a ter a devida correspondência no aumento da procura de tratamento,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Queria concluir.

O Orador: - … tão-somente porque são novos consumos que se arrastam ao longo do tempo sem que os consumidores busquem tratamento. Isto, obviamente, é matéria que nos preocupa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos da Deputada do BE Ana Drago.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Coleta, em primeiro lugar, o documento que foi distribuído na sessão de apresentação da estratégia nacional refere explicitamente o trabalho da Comissão Eventual - portanto, é uma questão de ir rever esse exemplar.
Em segundo lugar, acho absolutamente lamentável que venha inventar essa coisa da participação na subcomissão quando ela é muito, muito recente e já poderíamos estar a trabalhar há dois anos e meio. E não podemos esquecer toda a atitude da maioria quanto à discussão de matéria de toxicodependência e droga. E a verdade, Srs. Deputados, é que os senhores "chumbam" tudo o que é proposta de audição apresentada pela oposição. Sempre que propusemos ouvir quer o então Presidente do IDT, Fernando Negrão, quer outros técnicos e os senhores "chumbaram", sistematicamente. Além disso, o Sr. Ministro, como há pouco tive oportunidade de referir, não tem tempo para esta matéria, e, portanto, nunca a referiu em nenhuma intervenção feita em sede de Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
Ora, somos levados a crer, mesmo sem o queremos, que os senhores não querem ter uma comissão onde, eventualmente, venham a ser confrontados com a vossa inacção, nesta matéria, ao longo destes dois anos!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o contraditório!

Página 546

0546 | I Série - Número 010 | 08 de Outubro de 2004

 

A Oradora: - Nestes dois anos baralharam completamente o sistema, criaram um conjunto de desmotivação em todos os técnicos e criaram uma dificuldade na articulação…

Protestos do PSD.

Já não havia, e houve…

Protestos do Deputado do PSD Miguel Coleta.

Não, não, Sr. Deputado! Isso não é verdade! Não há lista de espera, mas não por fruto do vosso trabalho! Não é fruto do vosso trabalho!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Tenha a bondade de concluir.

A Oradora: - Sr. Deputado, é absolutamente lamentável a vossa atitude neste debate e é apenas a demonstração da arrogância com que a maioria nos tem presenteado ao longo destes dois anos e meio!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Miguel Coleta, ao menos oiça aquilo que é dito nos debates parlamentares - e oiça com atenção! Oiça quando dizemos que não queremos sobrepor institucionalmente competências e atribuições a uma área que é, naturalmente, do Governo, a de tomar medidas, mas que a Assembleia tem de acompanhar, tem de conhecer, tem de reflectir, como já fez no passado e agora propomos que se faça novamente, com a criação de uma comissão eventual.
Aliás, perante a proposta concreta do PCP para um debate sério, responsável, construtivo, o Sr. Deputado Miguel Coleta vem dizer que o PCP faz baixa política. Entretanto, para ir dizendo mais alguma coisa, começou a teorizar sobre aquilo que, no seu entender, é a situação do País em matéria de toxicodependência.
Então, nós propomos a realização de um debate participado e responsável sobre a estratégia nacional e o senhor responde dizendo que há menos heroinómanos?!
O Sr. Deputado vem falar em desperdício de recursos quando o que está em causa é uma comissão eventual?!

Protestos do Deputado do PSD Miguel Coleta.

Vem falar de desperdício de recursos quando o Governo fez uma "sangria" de técnicos qualificados nos serviços, e agora até se prepara para fazer uma irresponsável fusão - eu diria confusão - entre tratamento de toxicodependência e tratamento de alcoolismo?!
Então, os Srs. Deputados ignoram que a Assembleia da República já teve esta experiência com uma comissão eventual numa legislatura em que, ainda por cima, havia mais comissões permanentes e mais comissões eventuais do que agora?!

Protestos do Deputado do PSD Miguel Coleta.

E com uma decisão em Plenário que foi apoiada pelo PSD, está nas Actas!
Mas, agora, o Sr. Deputado, aliás, a maioria vem dizer: "Te renego! Que má ideia! Votamos contra! Não queremos!".
Os Srs. Deputados vêm falar em comissões permanentes e desmentem o facto de maioria ter "chumbado" as propostas apresentadas pelo PCP para, em sede de comissão parlamentar - a tal que o senhor agora defende -, discutir esta matéria com o Governo, com o Sr. Ministro! Agora já querem fazer nessa comissão o debate e a discussão que impediram até agora?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0547 | I Série - Número 010 | 08 de Outubro de 2004

 

O Orador: - Numa comissão que tem no seu âmbito a saúde, o trabalho, a família, os assuntos sociais, numa plêiade de assuntos, com dois Deputados do PCP, que, naturalmente, também têm outras comissões, muitas vezes em simultâneo?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E agora querem mais uma porque é mais fácil!

O Orador: - Depois de dizer o que disse, o Sr. Deputado - note-se - demonstra o medo que tem da discussão, o medo que tem da informação, o medo que tem de um debate transparente e é certamente, neste debate, o último a poder falar em chicana e em baixa política!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, declaro encerrado o debate do projecto de deliberação n.º 31/IX, que será votado na próxima oportunidade regimental.
O Secretário vai dar conta de iniciativas legislativas que, entretanto, foram admitidas na Mesa.

O Sr. Secretário (Manuel Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: os projectos de lei n.os 498/IX - Incentivo à acção das Organizações e Agentes de Cooperação para o Desenvolvimento (BE), que baixa à 2.ª Comissão, 499/IX - Suprime regimes especiais de aposentação para gestores públicos e equiparados e titulares de cargos políticos (BE), que baixa à 1.ª Comissão, 500/IX - Alteração dos limites da freguesia de Baguim do Monte (Rio Tinto), no concelho de Gondomar (PSD), que baixa à 4.ª Comissão, e 501/IX - Suspende a vigência da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais (PCP), que baixa à 1.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, como é sabido de todos, o PCP realiza a partir de amanhã as suas jornadas parlamentares, pelo que não haverá sessão plenária. Desejo ao PCP bom trabalho.
Na próxima terça-feira, haverá reuniões de comissões, estando já várias convocadas.
A nossa próxima reunião plenária realizar-se-á no dia 13, quarta-feira, e terá como ordem do dia um debate de urgência, requerido pelo PCP, a apreciação do Decreto-lei n.º 203/2004 [apreciação parlamentar n.º 80/IX (PS)] e a discussão das petições n.os 42/VIII (2.ª) e 29 e 48/IX (1.ª).
Com isto, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Pedro Filipe dos Santos Alves

Partido Socialista (PS):
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva

Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Página 548

0548 | I Série - Número 010 | 08 de Outubro de 2004

 

Partido Social Democrata (PSD):
Hugo José Teixeira Velosa
Maria Eduarda de Almeida Azevedo

Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira

Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Eduardo Artur Neves Moreira
José Manuel de Matos Correia
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Filipe Soromenho Gomes
Álvaro José Martins Viegas

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
João Barroso Soares
Luís Manuel Carvalho Carito
Luísa Pinheiro Portugal
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte

Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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