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Quinta-feira, 21 de Abril de 2005 I Série - Número 10

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE ABRIL DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex. mos Srs. Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Fernando Santos Pereira
Artur Jorge da Silva Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 1/X - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 6/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes), 12/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 19/X - Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS), tendo os três primeiros sido rejeitados e o último aprovado. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Sónia Fertuzinhos (PS), Nuno Teixeira de Melo, José Paulo Carvalho e Teresa Caeiro (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Ana Drago (BE), Luís Marques Guedes (PSD), Luís Fazenda (BE), Pedro Nuno Santos (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Zita Seabra (PSD), Alda Macedo (BE), Maria do Rosário Carneiro (PS) e Bernardino Soares (PCP).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à substituição de um Deputado do PSD e de outro do CDS-PP.
Foram ainda discutidos os projectos de resolução n. os 7/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 9/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS). Após terem intervindo no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Pinto (BE), Ana Catarina Mendonça (PS), António Filipe (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), Maria de Belém Roseira (PS), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Francisco Louçã (BE) e Bernardino Soares (PCP), o projecto de resolução n.º 7/X foi retirado e o projecto de resolução n.º 9/X foi aprovado, tendo proferido declaração de voto o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Carlos Cardoso Lage
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos das Dores Zorrinho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Luís Pereira Carneiro
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Manuel Carvalho Carito
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro

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Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Renato Luís Pereira Leal
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Pinheiro Pereira
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques

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Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Pinto
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando dos Santos Antunes
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jaime Carlos Marta Soares
João Bosco Soares Mota Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Amaral Lopes
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes

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António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa ordem de trabalhos de hoje é constituída por duas partes. Na primeira delas serão discutidos vários projectos de lei sobre interrupção voluntária da gravidez, seguindo-se a respectiva votação. Na segunda parte serão discutidos os projectos de resolução sobre a realização de referendo sobre o mesmo tema, a que se seguirá também um período de votações.
Chamo, assim, a atenção dos Srs. Deputados para o facto de, nesta sessão, termos dois períodos de discussão e dois períodos de votações.
Srs. Deputados, vamos, então, dar início à primeira parte da ordem do dia, que será preenchida com a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 1/X - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 6/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes), 12/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 19/X - Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS).
Tratando-se de um agendamento da parte do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos para apresentar o projecto de lei da autoria do seu grupo parlamentar.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: 1998 - realização do referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já passaram sete anos! Já assistimos a quatro julgamentos que sentaram dezenas de mulheres e alguns homens no banco dos réus. Já a nossa sociedade, da direita à esquerda, se mostrou perturbada e chocada com a investigação e perseguição de mulheres, algumas humilhantemente procuradas pela polícia numa marquesa de consultório,…

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Uma vergonha!

A Oradora: - … outras, com ar combalido, à porta de uma clínica.

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Já dezenas de milhares de cidadãos e cidadãs se mobilizaram para propor a esta Assembleia a oportunidade de poderem voltar a pronunciar-se sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, ao mesmo tempo que outras dezenas de milhares de cidadãs e cidadãos pediam, em abaixo-assinado, a não alteração da lei.
Já discutimos, em 2004, propostas, que a então coligação de direita chumbou, para a realização de um novo referendo que permitisse a alteração da lei. Já ouvimos, nessa altura, a direita ou, pelo menos, importantes referências à nossa direita assumirem a necessidade de alterar esta lei.
Já passaram 21 anos da aprovação da lei sobre o aborto. Passado todo este tempo, Sr.as e Srs. Deputados, o que se impõe neste debate é perguntar o seguinte: que resultados garantiu esta lei? O que conseguimos, enquanto sociedade, com esta lei e com a criminalização do aborto? Esta lei acabou com o aborto? Não! Preveniu o aborto? Não! Garantiu melhor a saúde das mulheres? Não!
Para que serve, afinal, esta lei, uma lei que não provou ser minimamente eficaz no combate ao aborto; uma lei que a sociedade não quer ver aplicada, uma lei que ninguém reclama que seja cumprida, porque a esmagadora maioria das portuguesas e dos portugueses não quer ver as mulheres, ou quem as tenha ajudado, no tribunal ou na cadeia?

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, qual a justeza de uma lei que, não combatendo o aborto, é responsável pelo aborto clandestino? Para o PS a resposta é clara: nada justifica esta lei e por isso assumimos o compromisso de mudá-la!
Sr. Presidente, queremos mudar esta lei porque ela já provou causar mal maior do que o mal que tinha por finalidade combater!
Queremos mudar esta lei porque ninguém quer, ou assume que quer, que ela seja aplicada, sendo para o PS inaceitável que uma lei exista apenas para tranquilizar algumas consciências na afirmação e imposição de uma qualquer moral. Se não somos capazes de condenar uma mulher que recorre ao aborto não podemos criminalizar esse comportamento.
Queremos mudar esta lei porque a mesma, ao alimentar o aborto clandestino, diminui a nossa real capacidade de intervenção junto das mulheres e dos homens que se vêem confrontados com a necessidade de interromper uma gravidez na rede do aborto clandestino.
Queremos mudar esta lei porque confiamos na consciência das portuguesas e dos portugueses; porque o aborto é sempre o último recurso.
Queremos mudar esta lei porque, como disse Natália Correia no debate de 2 de Março de 1982, "Não é o facto de o aborto existir que obriga as mulheres a praticarem-no. Agora o facto de ele ser crime é que obriga a que as pessoas o pratiquem em situações abomináveis".

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS está, como sempre esteve, empenhado em prevenir o aborto e em combater o aborto clandestino. Por isso defendemos, ao longo dos anos, o planeamento familiar e a educação sexual nas escolas. E, se em matéria de planeamento familiar evoluímos muito, em matéria de educação sexual está o essencial por fazer, ou seja, levar a educação sexual a todas as escolas do País.
A coerência do PS no combate e na prevenção ao aborto é reforçada pela nossa aposta, que também é de sempre, na promoção dos direitos da maternidade e da paternidade e da igual valorização social da maternidade e da paternidade; na defesa da igualdade entre mulheres e homens como prioridade política; na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos de todos; na aposta das políticas sociais activas na promoção do emprego; na inclusão social e de um cada vez maior apoio às famílias.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a iniciativa que apresentamos tem como referência nuclear a seguinte pergunta contida no referendo: "Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?"
A pergunta é clara e a nossa resposta também: não queremos mulheres nos tribunais ou na cadeia por terem feito um aborto!

Aplausos do PS e do BE.

O PS está à vontade neste debate: sabemos o que queremos e o que está em causa e não contam connosco os que querem baralhar, como sempre, a discussão sobre o julgamento e a prisão de mulheres por aborto! O problema da incoerência e da utilização desta discussão ao sabor dos interesses da estratégia partidária, relegando a dignidade e saúde das mulheres para segundo plano, não é um problema do PS.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Muito bem!

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A Oradora: - Tudo o mais que está na lei, e em debate na generalidade, é susceptível de ajustamentos na especialidade. Nesta discussão, a impossibilidade de acompanhar na votação outros projectos de lei deve-se a razões instrumentais do procedimento referendário.
Estamos neste debate a defender uma nova lei que acreditamos equilibrada, uma lei que acreditamos mais justa, uma lei que garante os direitos, a saúde e a dignidade de todos.
Estamos à espera de quê para alterar uma lei que já provou não servir nada nem ninguém? De um qualquer momento político mais conveniente? Não, Sr.as e Srs. Deputados, esta matéria já foi moeda de troca política demasiadas vezes, e as mulheres e os homens do nosso país já esperaram tempo demais!!

Aplausos do PS e do BE.

O tema da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez é dos mais debatidos na nossa sociedade, tendo o PS feito desta matéria uma das questões mais visíveis das últimas eleições legislativas. Quando os portugueses votaram em nós votaram também na alteração desta lei através da realização de um novo referendo!

Aplausos do PS.

Estamos, portanto, Sr.as e Srs. Deputados, neste debate apenas e só a cumprir, com toda a convicção, um dos nossos compromissos para com as portuguesas e os portugueses, na certeza de estarmos a contribuir para a resolução de um problema criado por uma lei que nos deve envergonhar a todos.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, a Constituição da República Portuguesa obriga a que uma pergunta em referendo tenha absoluta correspondência com o projecto de lei que lhe serve de base.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Não obriga a nada disso, não senhor! Não é verdade!

O Orador: - Na expressão constitucional, em relação ao projecto de lei que a justifica, a pergunta tem de ser objectiva, clara e precisa. Por isso se impõe o esclarecimento que agora lhe pedimos.
A pergunta que o PS pretende colocar em referendo nada tem que ver com o projecto de lei que igualmente quer ver aprovado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Leu mal!

O Orador: - No seu projecto de lei, o PS trata da despenalização do aborto até às 16 semanas de gravidez - é isto o que está em causa no projecto de lei do PS -, no entanto, enganadoramente, aos portugueses querem, em referendo, impor uma pergunta que trata tão-somente da descriminalização do aborto até às 10 semanas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Uma fraude!

O Orador: - Trata-se de realidades completamente diferentes, uma coisa não tem que ver com a outra! A Assembleia da República é um órgão de soberania, pelo que temos de nos relacionar com as outras instituições e com os portugueses com verdade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Parece-lhe correcto e aceitável sujeitar o Sr. Presidente da Assembleia da República - sendo ele, desde logo, o baluarte da salvaguarda da Constituição da República - a pronunciar-se sobre a legitimidade de um referendo que tem na base uma pergunta que nada tem que ver com o projecto de lei que lhe serve de suporte?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Sr.ª Deputada, tem até consciência das consequências que, em sede constitucional, numa avaliação que, seguramente, o Tribunal Constitucional terá de fazer, este procedimento do PS pode representar para a Assembleia da República?

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O CDS-PP não quer voltar a ter razão antes do tempo.

Risos do PS.

Na última legislatura, a propósito do referendo ao Tratado Constitucional Europeu, avisámos o PS, dissemos: "Este é um referendo importantíssimo. Vamos tratar de encontrar uma pergunta clara, precisa e objectiva, como diz a Constituição, e para tanto vamos rever extraordinariamente a Constituição, vamos questionar sobre o Tratado"! O PS assim não quis, não o permitiu. Disse também, então: "Não, a pergunta serve, é correcta. Vamos conseguir isso mesmo no actual quadro constitucional".
O Tribunal Constitucional chumbou a pergunta que o PS impôs, e tivemos então razão. De nada nos serve! Agora, lá vamos tratar da revisão constitucional que então propusemos…!
Não queremos voltar a ter razão antes do tempo.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É preciso ter lata!

O Orador: - Sr.ª Deputada, a questão que lhe deixo é a seguinte: está ou não o PS disposto a, como nós pretendemos, permitir a total correspondência entre a pergunta a colocar em referendo e o que está em jogo no projecto de lei do PS, ou seja, a despenalização do aborto até às 16 semanas de gravidez?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Uma vez que a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos responderá conjuntamente a todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho para formular a sua pergunta.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, ouvi com bastante atenção a sua exposição de motivos relativamente ao projecto de lei do PS para despenalização do aborto. Destaca-se concretamente, no que respeita a esta matéria, o facto de o PS propor a despenalização do aborto quando praticado até aos quatro meses de gravidez, o que levanta dois problemas: um, diria, de coerência e outro de substância.
Quanto ao problema de coerência - e tendo em conta que a Sr.ª Deputada fundamentou este projecto de lei na necessidade de terminar de vez com a possibilidade de mulheres que abortam serem presas ou julgadas -, a questão que se coloca é a de saber se é assim que vão acabar os julgamentos. Ou, perguntando de outra forma, o que é que defende o PS dever acontecer a uma mulher que aborta aos quatro meses e um dia de gravidez?

Aplausos do CDS-PP.

Deve ou não haver julgamento? Há ou não crime?

O Sr. Mota Andrade (PS): - Isto é lastimável!

O Orador: - Deve ou não haver pena de prisão?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Esta pergunta é para ser respondida e objectivamente!

O Orador: - Quanto ao problema de substância, na sociedade global e internacional em que vivemos cada vez mais se discutem, e cada vez com mais rigor, as questões científicas relacionadas com a embriologia, a genética e com todo o tratamento pré-natal. Diria que, neste aspecto, o Direito vai acompanhando a evolução da Ciência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, coloca-se aqui outra questão, para a qual solicito um esclarecimento claro: do ponto de vista ético, científico e jurídico, o que é, para o PS, um embrião de quatro meses?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Qual é a protecção jurídica que o PS considera que este embrião deve merecer e que lhe é exigível?

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, também ouvi com toda a atenção a sua exposição relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PS, não podendo deixar de detectar duas vulnerabilidades genéricas na vossa proposta.
O PS pretende evitar, tanto quanto entendi, dois aspectos: a prisão da mulher (nem me vou alongar sobre este aspecto porque ninguém poderá dizer um nome sequer de uma mulher que esteja presa pela prática de aborto)…

Protestos do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

… e a sujeição da mulher a um julgamento público. Ora, tanto quanto sabemos, surgiu na bancada do PS, por parte das Sr.as Deputadas Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro, uma iniciativa legislativa que, partindo do princípio da defesa da vida, propunha alterações ao Código de Processo Penal no sentido de não sujeitar as mulheres ao processo crime e a um julgamento.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E a pagar indemnizações para as associações de defesa da vida!

A Oradora: - Sr.ª Deputada, as duas questões que lhe coloco são muito simples: em primeiro lugar, qual é a tolerância da bancada do PS, que, contrariando a solicitação do Sr. Presidente da República no sentido de fazermos um debate sereno e profundo, não aceitou agendar esta iniciativa legislativa?

Aplausos do CDS-PP.

Onde é que está a tolerância do PS, que não quer discutir ideias diferentes das que propõe, nomeadamente as provenientes da sua própria bancada?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, é ou não verdade que a única solução que o PS aceita é, na verdade, a da total liberalização do aborto?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno de Melo, quem o ouvisse intervir até achava que o Sr. Deputado votaria favoravelmente num referendo com esta pergunta se ela fosse mais clara, mas não é isso o que está em causa! O Sr. Deputado veio aqui colocar questões que até parecia que o CDS-PP poderia estar do nosso lado no combate pelo "sim".
Essa sua pergunta, Sr. Deputado, só mostra o embaraço do CDS-PP neste debate e a confusão que normalmente quer lançar quando estamos a falar sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez. Os senhores querem continuar a ver mulheres julgadas e eventualmente condenadas a penas de prisão por terem realizado um aborto? Se querem, votam "não", se não querem votam "sim". Esta é a única questão que está aqui em debate.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Estão abertos a mudar a pergunta ou não?

A Oradora: - O CDS-PP não conta connosco para essa confusão, porque normalmente, e nos debates anteriores, quando falávamos na questão do aborto, os senhores falavam da necessidade de intervir na educação. No entanto, quando estiveram no governo a educação sexual ficou completamente na gaveta e demonstraram ter sobre ela as maiores dúvidas.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, se há coisa que a nossa pergunta é é clara, objectiva e precisa!!

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Já vimos que não tem resposta!

A Oradora: - Eu estou a responder à sua pergunta e não a contribuir para a confusão que o senhor quer lançar neste debate. Isso eu não faço!

Aplausos do PS.

Se dúvidas houvesse sobre a vossa dificuldade, porque os senhores não assumem que querem as mulheres a ser julgadas - e é isso que têm de assumir, porque é isso que está em causa -, a intervenção do Deputado José Paulo Carvalho tinha com elas acabado… A pergunta que colocou relativamente aos 16 meses é completamente estapafúrdia.

Vozes do CDS-PP: - Ah!…

A Oradora: - Digo-lhe mais: não há qualquer incoerência entre a nossa pergunta no referendo e o que está no projecto de lei, cujo texto, aliás, é o mesmo que entregámos em 1997.
Mas, como também já dissemos, estamos disponíveis para, na especialidade, discutir cada um dos termos que estão propostos.

Vozes do CDS-PP: - Não respondeu!

A Oradora: - Em relação às questões da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, pergunto-lhe: acha que o CDS-PP mudaria a sua posição se fosse presa alguma mulher? É preciso ir alguma mulher para a cadeia por ter feito um aborto para o CDS-PP, finalmente, perceber como esta lei é má, é injusta e nada resolve, nada?
Essa sua declaração, Sr.ª Deputada, é verdadeiramente chocante. Ainda não há mulher alguma na cadeia, Sr.ª Deputada, porque ninguém em Portugal quer esta lei aplicada, ninguém!… Ninguém concorda com esta lei!
Portanto, o facto de não concordar, o facto de toda a gente se sentir incomodada com a sucessão de julgamentos em Portugal, leva-nos a ter de dar uma resposta. O que não podemos é continuar a "enfiar a cabeça na areia" na afirmação de um princípio moral fantástico que nada resolve, que só prejudica a saúde das mulheres e que nos deve envergonhar enquanto sociedade que queremos mais justa e mais humana.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, para, ao abrigo do direito regimental, exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra por 3 minutos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada: Em sua opinião, as questão que lhe suscitámos são "estapafúrdias" e o que queremos lançar a confusão… Então, vamos lá ver quem é que está confuso.
A pergunta que o Partido Socialista quer ver colocada em referendo, se é que quiserem tratar desta questão seriamente - e nós queremos! -, incide sobre a descriminalização.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isto não é uma defesa da honra, Sr. Presidente!

O Orador: - Então vamos ler o preâmbulo do projecto de lei do Partido Socialista.
O projecto que os signatários agora submetem à apreciação da Assembleia da República preconiza a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isto não é uma defesa da honra, Sr. Presidente!

O Orador: - Quem quer lançar a confusão somos nós, que queremos a correspondência da despenalização que os senhores defendem e justificam no projecto de lei, ou são os senhores que, enganadoramente, colocam aos portugueses uma questão sobre descriminalização?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ó Sr. Presidente, mas isto não é uma defesa da honra!

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O Orador: - Segundo aspecto: na mesma questão que querem colocar aos portugueses, VV. Ex.as tratam de querer saber se eles concordam com uma descriminalização até às 10 semanas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isto não é uma defesa da honra!

O Orador: - Ora, a alínea c) do artigo 142.º do vosso projecto de lei diz que não é punível a interrupção da gravidez se for efectuada "(…) nas primeiras 16 semanas de gravidez".

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Leia tudo!

O Orador: - Sr.ª Deputada, quem é que quer lançar a confusão? Somos nós, que queremos que os portugueses respondam àquilo que é tratado no vosso projecto de lei, ou seja, que digam se concordam com o aborto até às 16 semanas, ou são os senhores, que querem esconder que no vosso projecto de lei o aborto é contemplado até às 16 semanas e que, enganadoramente, lhes dizem que apenas tratarão da mesma questão até às 10 semanas?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso não é uma defesa da honra!

O Orador: - Quem quer armar a confusão, Sr.ª Deputada? Quem é que é "estapafúrdio"?
Por último, Sr.ª Deputada, salientando que não respondeu a uma única das questões que aqui lhe foram colocadas por nós, quero tratar da insensibilidade com que, de todo o modo, nos quis responder. É que, Sr.ª Deputada, quando lhe perguntámos o que pensa de um aborto realizado aos quatro meses e um dia, como contraponto a um aborto realizado aos quatro meses, queríamos perceber, do ponto de vista da sensibilidade, qual é a motivação do Partido Socialista, queríamos saber da preocupação jurídica, que nos preocupa numa lógica de direito que também é de vida e de civilização, da razão de ser do projecto de lei do Partido Socialista em relação à sensibilidade que colocamos na nossa questão. E à justificação que do Partido Socialista queríamos e tínhamos o direito de ter, os senhores responderam-nos com insensibilidade.
Assim, Sr.ª Deputada, a perguntas sérias e precisas o Partido Socialista respondeu de forma estapafúrdia e lançando a confusão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra, por 3 minutos, a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.

A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno de Melo, o senhor fez uma intervenção e não defendeu a sua honra, porque ela, manifestamente, não foi ofendida.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, a pergunta é muito clara: "Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez?"

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - E o que diz o projecto de lei?!…

A Oradora: - O projecto de lei refere-se exactamente ao mesmo, é exactamente isso, Sr. Deputado. A única coisa que referendamos é o aborto, a pedido da mulher, até às 10 semanas; a alínea c) do artigo 142.º do nosso projecto de lei, Sr. Deputado, já está na lei actual! A única coisa que fazemos é alargar os prazos!
Gostava também de dizer-lhe, Sr. Deputado, que os limites que propomos, que também estão na lei actual, relativamente a cada um dos casos de não criminalização do aborto, têm a ver, única e exclusivamente, com a garantia da segurança e da saúde das mulheres.
Deixe-me também dizer-lhe que, em minha opinião, essa bancada não está em posição de, neste debate dar lições a ninguém a propósito do que quer que seja!...

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Ninguém está a dar lições a ninguém!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A caminhada das mulheres portuguesas rumo a uma nova lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) que respeite os seus direitos fundamentais está semeada de hesitações, de promessas goradas, de perseguições penais.
Os seis anos que decorreram desde o referendo foram dolorosos anos, em que, apesar de tudo e contra o estigma da sala de audiências e a devassa da sua vida sexual, as mulheres continuaram a arrostar com os riscos do aborto clandestino, como o indicam, nomeadamente, os dados divulgados no ano passado pela Direcção-Geral de Saúde: "O aborto clandestino levou, em 2003, aos hospitais portugueses uma média de 3 jovens por dia. Nesse ano deram entrada nas unidades de saúde 1019 casos devido a complicações."
Num relatório apresentado em 2004, a Organização Mundial de Saúde afirma: "As estimativas relativas ao ano 2000 indicam que todos os anos se fazem, no mundo inteiro, 19 milhões de abortos clandestinos, o que quer dizer que uma em cada 10 gravidezes terminam em aborto clandestino, de que resulta a ratio de 1 aborto inseguro para cerca de 7 nascimentos com vida."
Salienta ainda a Organização Mundial de Saúde que as mulheres que recorrem ao aborto inseguro põem as suas saúde e vida em risco. Por todo o mundo, calcula-se que morrem 68 000 mulheres como consequência do aborto inseguro.
Até mesmo a Europa não aplica as conclusões da Conferência do Cairo e de Beijing. A percentagem das mulheres que morrem na Europa em consequência desse aborto inseguro é de 20%, relativamente ao total de mortes maternas. A Organização das Nações Unidas, num documento divulgado já no corrente ano de 2005, afirma criticamente: "Mesmo na União Europeia, alguns países restringem, ou proíbem mesmo, o aborto, especialmente o aborto medicalizado, ou exigem complicados formalismos, que desencorajam as mulheres de recorrer ao aborto legal, forçando-as ao aborto ilegal e inseguro".
Ora, isto passa-se exactamente em Portugal no ano em que se assinalam os 10 anos da Conferência de Beijing.
Em Portugal, não se implementa a lei da educação sexual, faz-se o panegírico à la Bush da abstinência sexual, panegírico que, falhando, provoca gravidezes adolescentes e mesmo graves doenças sexualmente transmissíveis. O planeamento familiar, apesar dos progressos realizados, conhece dificuldades resultantes, nomeadamente, de deficiências de funcionamento, sobretudo quanto aos horários dos centros de saúde, o que impede as mulheres trabalhadoras de acederem às consultas.
Em Portugal, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, julgam-se mulheres e condenam-se algumas; condenam-se mesmo quando não se fazem julgamentos e se forçam as mesmas a aceitar o pagamento de indemnização (para expiação da sua "culpa") a instituições determinadas pelo Tribunal, representadas por quem está aí sentado…!

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

É essa a solução da suspensão provisória do processo. E foi aplicada em Coimbra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Tenha calma!

A Oradora: - Estou muito calma, Sr. Deputado!
Outras mulheres são absolvidas, mas passam pela traumática prova de exposição da sua intimidade em praça pública.
O que temos de resolver é um problema de saúde pública criado pela lei penal.
A questão, no que toca às mulheres, é esta: deverá o direito penal considerar como crime a conduta da mulher que recorre ao aborto, seja em que circunstâncias for?
A resposta já foi dada na França há muito tempo: em 1975, o Parlamento francês aprovou a "Lei Veil" (de Simone Veil), nos termos da qual a mulher, ainda que recorrendo ao aborto fora das condições legalmente permitidas e em qualquer altura, nunca comete um crime. E a "Lei Veil" só criminalizou as condutas dos que praticassem o aborto na mulher. E isto continua em vigor, apesar das alterações feitas em 2001!
Esta solução consta do nosso projecto de lei! Porque a mulher que recorre ao aborto age em situação de angústia e na comunidade não se encontra interiorizada a reprovação que merece que uma conduta seja considerada um crime.
Situação idêntica encontramos nas legislações dinamarquesa, holandesa e polaca, por exemplo, e uma solução muito próxima está na lei espanhola.
O que há que criminalizar, isso sim, é o comportamento daqueles que, ainda que a solicitação da mulher, fazem um aborto clandestino, pondo em risco a saúde e a vida das mulheres, exceptuando da ilicitude a prática do aborto por profissionais e em estabelecimento legalmente autorizado, nas condições constantes do nosso projecto, que nos escusamos de repetir por ser sobejamente conhecido.
Em muitos países legalizou-se o aborto quando requerido pela mulher nas primeiras 12 semanas, solução brilhantemente defendida na célebre decisão do caso Roe versus Wade, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América.
A França acabou por aumentar as 10 semanas da "Lei Veil" para 12 semanas. O Partido Socialista

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devia ler atentamente a lei de 2001, que até revogou uma disposição que criminalizava a publicidade das clínicas que fizessem abortos, porque, aliás, é contra o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Foi nesse sentido que decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Open Door, em que a Irlanda foi condenada por ter mandado encerrar duas clínicas.
Tendo começado a cair, numa luta prolongada e fértil em incidentes provocados pelos partidários do "não", as barreiras que impediam o acesso das mulheres à pílula RU 486, que hoje se encontra acessível na maior parte dos países europeus, é tempo de Portugal dar um claro sinal alterando a lei e convidando os Laboratórios Exelgyne a solicitar autorização para comercializar em Portugal a referida pílula.
A "medicalização" da IVG tornou possíveis avanços de que beneficiaram as mulheres, nomeadamente pela possibilidade de recorrerem à interrupção muito mais cedo, sem a delonga exigida pelo aborto cirúrgico.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Hoje mesmo foi apresentada na Assembleia, por uma organização de mulheres, as "Mulheres online", uma petição chamando a atenção para a importância da utilização daquela inovação científica.
As tentativas de utilização de centros de aconselhamento para inutilizar a possibilidade de, em tempo legal, recorrerem à IVG, saem assim, com essa pílula, fortemente frustradas.
Por último dois apontamentos ainda.
Primeiro apontamento: a argumentação dos que se opõem à alteração da lei radica num preconceito antifeminino.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - As mulheres, segundo eles, fazem abortos por motivos fúteis. Desmentem essa afirmação quando, em desespero de causa e para fugir ao debate sobre a descriminalização da IVG, aprovam, como o fizeram o ano passado, uma resolução em que, claramente, desculpabilizam as mulheres.
Mas continuam a persistir diversos factores que impedem as mulheres de ter os filhos que desejam: persiste a taxa de "feminização" da pobreza - o já minguado "abono de família" foi retirado a muitas famílias, os salários são baixos…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Além disso, aumenta a taxa de desemprego. E a desregulamentação das relações de trabalho, nomeadamente a desorganização do tempo de trabalho, impede a maternidade e a paternidade felizes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - O segundo apontamento tem a ver com as questões relacionadas com o direito à vida, com o argumento que a direita brandiu, com algumas honrosas excepções de alguns Srs. Deputados que recordo saudosamente, para submeter as mulheres aos ditames de um Estado que se arroga prepotentemente o direito de impor a toda a comunidade as regras religiosas e morais de uma parte dos cidadãos.
Afirmando, sem provas científicas, que o embrião mesmo nas suas fases mais incipientes, já é pessoa humana, a direita mais retrógrada quer ter a verdade absoluta e faz tábua rasa de todas as concepções contrárias.
Recordo aqui um recente acórdão, de 8 de Julho de 2004, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, num processo instaurado contra a França, onde, analisando a Convenção Europeia, a Convenção de Oviedo, o Protocolo Adicional desta Convenção proibindo a clonagem humana, o projecto de protocolo relativo à investigação bioética, o Direito Comparado e o estado da Ciência, o Tribunal conclui que o artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (o que garante e obriga os Estados a garantir o direito à vida) não se aplica ao embrião e ao feto. Leiam esse acórdão!!
Sendo vida de espécie humana, como de facto são, o embrião e o feto - afirma-o o Tribunal - devem ser protegidos, em nome da dignidade humana, com medidas económicas e sociais e não através de medidas penais absolutamente inoperantes e que não os defendem.
E assim é, de facto, para a maior parte da população mundial - recordo que 2/3 das mulheres vivem em países onde está legalizada a IVG.
Assim sendo, não pode o Direito Penal tomar partido por esta ou por aquela concepção religiosa.
Em 1984, dissemos: "Há sempre razões profundas para decidir um acto que ninguém deseja, nem considera um bem. E não falamos das situações extremas em que a vida da mulher corre perigo, do aborto terapêutico, eugénico ou resultante de crime sexual, mas, sim, da grande maioria dos casos em que a mulher decide interromper a gravidez porque não vê condições económicas, sociais, pessoais, até para dar

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vida a um ser humano a quem sabe que não pode assegurar um futuro e uma vida feliz."
Dissemos ainda: "Pela nossa parte, lutaremos, como já aqui afirmámos, para que esta Assembleia venha a aprovar, sem mais delongas inúteis, um regime legal digno das mulheres portuguesas."
Desde aí, não desistimos de alterar a lei.
E voltaremos sempre que preciso, porque há sempre a ameaça de retrocessos, como a recente história, a nível mundial, o comprova.
É o reconhecimento de vários direitos fundamentais das mulheres que, de facto, nos mobiliza pela defesa dos seus direitos humanos contra o obscurantismo. É o seu reconhecimento que tem mobilizado e mobiliza mulheres e homens que constroem o progresso do mundo.
Por isso, voltaremos. Voltaremos sempre!

Aplausos do PCP, do BE, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Ética.

A Sr.ª Secretária (Maria Carrilho): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório refere-se à substituição dos Srs. Deputados Nuno Morais Sarmento (PSD), círculo eleitoral de Castelo Branco, e António Pires de Lima (CDS-PP), círculo eleitoral do Porto, por um período não inferior a 50 dias, nem superior a 10 meses, a partir do dia 18 de Abril corrente, respectivamente pelos Srs. Deputados Carlos Pinto e José Paulo Carvalho, sendo o parecer no sentido de admitir as substituições em causa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reeditamos hoje, aqui, na Assembleia da República, passado pouco mais de um ano desde a última vez que esta questão aqui foi trazida, a discussão sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Nessa altura, os partidos de direita, com maioria absoluta, recusaram terminantemente, sem qualquer surpresa, a alteração da lei penal que criminaliza o aborto e tem obrigado tantas mulheres portuguesas a se sentarem no banco dos réus, sujeitas à suprema humilhação de verem a sua vida pessoal, no que de mais íntimo esta pode ter, a sua saúde reprodutiva e o seu direito à maternidade livre e consciente, tomadas in extremis e como último recurso, postas em causa e aviltadas.
Temos hoje um Parlamento distinto do que então existia. Os Deputados das forças políticas que defendem abertamente a despenalização da IVG e que, para tanto, consentaneamente com as suas posições, apresentaram projectos de lei visando alterar a actual legislação penal, após as últimas eleições de 20 de Fevereiro, aumentaram em número significativo neste Parlamento, derrotando, assim, os partidos de direita e encontrando-se, neste momento, em franca maioria.
Estão, assim, reunidas, à partida, as condições necessárias para que o órgão constitucionalmente consagrado como órgão legislativo por excelência assuma as suas responsabilidades e ponha cobro hoje - finalmente e sem mais demoras, porque não se quis ou conseguiu pôr antes nem mais cedo, malgrado para as mulheres portuguesas e para vergonha de todos nós - ao drama do aborto clandestino em Portugal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, é forçoso reconhecer que, mercê de compromissos político-partidários, designadamente por cedência do chamado "centrão" à direita mais conservadora, na anterior legislatura, como nos últimos 20 anos, não tem sido possível pôr um ponto final no sofrimento, na dor, na morte e nas chagas infligidas às mulheres que se viram forçadas a abortar clandestinamente, num qualquer vão de escadas, numa garagem ou anexo, num sótão infecto e asfixiante atulhado de outras mulheres, de outras tantas histórias e dramas absolutamente individuais, pessoais e intransmissíveis.
Essas chagas, que marcarão essas mulheres para toda a sua vida no corpo e na alma, também mancham a nossa honra. De cada vez que uma mulher é julgada num tribunal acusada de ter praticado aborto, é Portugal inteiro que está a ser julgado por não ser capaz, por lhe faltar a coragem para dizer "não" ao aborto sem condições mínimas de higiene e segurança, sem quaisquer regras, em total insegurança e com graves riscos para as mulheres; por lhe faltar a coragem para dizer "não" à mutilação que tantas vezes destrói a hipótese de uma maternidade futura, possível e desejada; por lhe faltar a coragem para dizer "não" à clandestinidade que, 31 anos depois do 25 de Abril, continua a persistir, com a diferença de que, antes de 1974, quem dava o salto pela fronteira fugindo à guerra, à perseguição, à miséria e à injustiça eram muitas vezes alguns dos que menos recursos económicos tinham, enquanto que, hoje, só quem tem

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meios é que tem direitos, só quem pode pagar é que tem o direito de praticar noutro país a IVG com todas as condições de saúde e dignidade humana.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Donde se tem de concluir que não há igualdade no nosso país: o aborto clandestino ou os desmanchos afectam, principalmente, as mulheres com menos recursos, as mais pobres - aliás, como sempre, as mais frágeis e expostas a esta situação pela sua condição social, económica e cultural, sempre as mais sacrificadas, as mais vulneráveis. Mas não só: o número de gravidezes e abortos praticados na adolescência, fruto podre de preconceitos retrógrados que têm inviabilizado uma efectiva implementação da educação sexual nas escolas ou uma eficaz e generalizada política de planeamento familiar no nosso Sistema Nacional de Saúde, assume proporções tão preocupantes como revelam as percentagens de 0,3% em 1997 ou de 0,5% em 2003 de abortos realizados por jovens dos 15 aos 19 anos de idade.
Continuamos, contudo, inexplicavelmente, sem ter dados completos, seguros e actualizados sobre a verdadeira dimensão deste problema. Apesar de ter sido aprovada nesta Câmara, em 2002, a realização dum estudo sobre a extensão e as causas do aborto clandestino no nosso país, desconhecem-se, até hoje, os resultados do mesmo, ou sequer se se chegou, de todo, a iniciar.
Mas quando, finalmente, conseguem romper a barreira, o manto escuro que cobre esta sórdida realidade e debaixo do qual se esconde o que alguns insistem, numa cegueira voluntária, dita a pior de todas, em não querer ver, os números falam bem alto: em 2002, de acordo com dados oficiais, cerca de 11 000 mulheres foram atendidas nas urgências hospitalares em consequência de um aborto clandestino, cinco das quais perderam a vida por esse facto. Na verdade, estima-se que esses valores ascendam a um número algures entre os 16 000 e os 20 000 abortos anualmente.
Mais alto, porém, grita o silêncio amordaçado das histórias, dramas e sofrimentos pessoais que nunca serão contados ou contabilizados em qualquer estatística, sempre imperfeita na frieza dos números.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não está aqui, hoje, em causa unicamente um diferendo entre diferentes concepções da vida, crenças ou convicções éticas, morais, filosóficas ou religiosas. Não é, aliás, em absoluto, isso que está em causa relativamente aos projectos de lei que ora discutimos. A grande questão é saber se vamos permitir a continuidade da actual situação, com uma retrógrada legislação penal que contrasta vivamente com o quadro legal dominante europeu despenalizador, promovendo a proliferação do aborto clandestino, ou se vamos mudar este quadro, tirando o aborto da clandestinidade, permitindo que a IVG seja, de facto, uma opção de consciência pessoal e individual de cada um, não só dos Deputados mas, principalmente, das mulheres que se vêem confrontadas com o drama pessoal de ter fazer essa escolha.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que temos de nos perguntar é se é legítimo impor a todas as mulheres as concepções e crenças apenas de alguns, mormente através do mecanismo mais pesado permitido num Estado democrático: a sanção penal da privação da liberdade.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque este debate, apesar de ser, por causa das questões extremamente delicadas e sensíveis que levanta e da dramaticidade de que se reveste, também um debate de sentimentos e sensibilidades que, como seres humanos que somos, não podemos deixar de reflectir no nosso discurso, convém lembrar que este é também um debate de razão, um debate jurídico, político e legislativo.
Com efeito, em causa estão os próprios fundamentos do sistema e da dogmática jurídico-penal. Nas Faculdades de Direito aprendemos, tantos de nós, que a sanção penal constitui a última ratio da intervenção do Estado.
Citando a Professora Pizarro Beleza, insigne penalista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, "só na estrita medida em que as penas forem absolutamente indispensáveis para defender valores essenciais, será legítimo que o Estado se socorra da sua forma de intervenção mais dramática: o sistema penal. Só nas matérias em que haja boas razões para crer que essa intervenção originará maiores benefícios sociais do que custos, dada a certeza contemporânea dos graves problemas que a própria intervenção penal suscita, o Estado poderá optar pela incriminação de comportamentos, esgotadas outras alternativas de actuação legislativa ou organizacional."
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Porque este é um problema que a todos respeita e apela a uma solução legal urgente adequada à salvaguarda dos direitos da mulher, ao respeito pelos seus direitos sexuais e reprodutivos, à garantia da sua liberdade de opção, que ponha termo a uma lei inútil e que tem causado tantas vítimas, a uma criminalização hipócrita, Os Verdes apresentam o projecto de lei n.º 6/X e esperam que seja livremente discutido, em consciência, e aprovado para pôr cobro a esta situação inadmissível.

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Aplausos de Os Verdes, do PCP, do BE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, cada um de nós, nesta Câmara, será chamado a pronunciar-se sobre uma das escolhas centrais, sobre o país que somos e o país que queremos ser.
A lei que criminaliza o aborto, que nega às mulheres o direito de escolha, foi e é, até hoje, um dos sinais mais claros, mais visíveis do conservadorismo e da falta de coragem política dos sucessivos responsáveis que têm governado o País e das maiorias parlamentares que se têm gerado nesta mesma Câmara.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, hoje, aqui, discutimos, enquanto representantes eleitos, se escolhemos ou não fazer uma ruptura definitiva com esse passado, com esse conservadorismo, com essa falta de coragem, e se damos ou não um passo em frente para dotar Portugal de uma legislação moderna e democrática, que não queira nunca mais impor como força de lei o que é a consciência de alguns.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - A urgência da mudança da lei tem sido, nos últimos tempos, uma reivindicação de milhares de portugueses e de portuguesas, com as mais diferenciadas simpatias políticas. É hoje absolutamente claro que esta lei está em contradição com o que é a sociedade portuguesa e que é, portanto, politicamente insustentável.
Bastaria, aliás, analisar a excepcionalidade da legislação portuguesa quando comparada com a legislação da esmagadora maioria dos países europeus para compreender o que ela significa enquanto atraso civilizacional, com o espírito persecutório com que "zela" pelas mulheres.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Mesmo assim, importa sistematizar o que tem sido dito nos últimos anos, pelos últimos dos últimos fundamentalistas que defendem esta lei, para que fiquem claros - absolutamente claros! - a fraqueza, o erro, a falsidade dos seus argumentos.
Dizem os defensores da criminalização do aborto que a lei actual é idêntica à lei espanhola, onde o aborto é realizado a pedido da mulher, até para as próprias mulheres portuguesas que lá se deslocam para realizar uma interrupção voluntária da gravidez em condições de segurança e dignidade.
A história miserável e indigna da diferença entre as leis espanhola e portuguesa tem nome, data e hora marcada: na Maia, 17 mulheres foram julgadas; em Aveiro, 7 mulheres foram julgadas; em Setúbal, houve o julgamento de 2 mulheres; e, em Lisboa, uma mulher esteve presente na barra do tribunal.
A diferença entre as leis espanhola e portuguesa é toda a que interessa: é a diferença entre, por um lado, a escolha e a dignidade da mulher e, por outro, as perseguições, as escutas, os exames médicos, a devassa da vida privada, a culpabilização, a condenação.
A diferença é toda!

Aplausos do BE, do PCP e de alguns Deputados do PS.

Em Portugal, há mulheres julgadas e condenadas pela prática de aborto clandestino, o que não acontece em mais nenhum país europeu!
Dizem os defensores da lei existente que ela é dissuasora. Chegaram quase ao ponto de insinuar que a criminalização do aborto pode até ser vista como uma boa pedagogia de educação sexual…!!
Ano após ano, década após década, vamos coleccionando as estatísticas, analisando as estimativas que provam à exaustão que esta afirmação é falsa. Mantêm-se os níveis elevados de aborto clandestino.
A única alteração da última década foi o crescente fluxo de mulheres portuguesas que se deslocaram a países onde podem realizar o aborto em condições de segurança. Mas são muitas as mulheres que não têm possibilidades de ir até ao estrangeiro e que ficam condenadas a recorrer a abortadeiras de vão de escada e sujeitas à perseguição policial.
Esta lei não dissuade: vota as mulheres pobres à clandestinidade e destina as mais ricas ou remediadas a sair do País.
Por fim, os defensores da criminalização do aborto dizem que são exactamente os números que apresentamos que mostram que a lei não é cumprida: que, por uma qualquer generosidade, Portugal não julga as 20 000 mulheres que se estima que por ano fazem um aborto clandestino em Portugal. O argumento é, em si próprio, esquizofrénico - defender uma lei para que não seja cumprida, é negar o próprio Estado de direito.

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Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a verdade é que esta lei é cumprida: ela é cumprida nos casos de cada uma das 27 mulheres que passaram pela humilhação e pelo medo dos interrogatórios policiais e dos julgamentos mediáticos que tivemos nos últimos anos.
A lei tem os seus efeitos em cada uma das 20 000 mulheres que abortam e que têm de se comportar como criminosas e entrar clandestinidade para o fazer.
A lei tem todos os seus efeitos de cada vez que essas mulheres sentem o medo de serem descobertas e humilhadas, de cada vez que sentem o medo das consequências do aborto clandestino na sua saúde, de cada vez que uma dessas mulheres sente a indignidade da sua situação de clandestinidade.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje a mudança da lei, o corte, a ruptura final com esta longa e miserável história.
Recusar aprovar os projectos hoje em discussão é manifestar vontade de manter esta situação - é exactamente isto, nada menos nem nada mais do que isto!
A cada um dos Srs. Deputados cabe fazer a sua escolha, em consciência: se querem manter as redes de aborto clandestino ou não; se querem manter a perseguição e o julgamento de mulheres ou não; se querem recusar às mulheres portuguesas a autonomia das suas escolhas familiares ou não.
Nas bancadas da direita tem havido Deputados que se têm manifestado publicamente a favor da descriminalização do aborto, não só no PSD mas, inclusive, no CDS-PP. Aliás, é verdade e é irónico que, exactamente hoje, no dia em que fazemos esta discussão, um dos seus Deputados já não esteja presente - o Sr. Deputado António Pires de Lima -, tendo sido substituído por um dos mais destacados dirigentes dos movimentos que defendem a criminalização do aborto e, portanto, a prisão das mulheres em Portugal…!

Aplausos do BE e do PCP.

É preciso que, em cada uma das bancadas, no momento da votação, os Srs. Deputados sejam coerentes com a sua consciência e não arranjem desculpas, que seriam, em política e em consciência, fugas ou demissões que ninguém iria compreender.

Aplausos do BE, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Passados seis anos sobre a realização dos primeiros referendos em Portugal, a Assembleia da República equaciona hoje, de novo, a apresentação de uma proposta ao Sr. Presidente da República para a convocação de uma consulta referendária.
Importa saber se o tema e o timing estão acertadamente escolhidos.
Sem pôr em causa a opinião pessoal que cada um possa ter sobre a questão de fundo, não tenho dúvidas em concordar que o problema da interrupção da gravidez se inscreve no rol de matérias que, a meu ver com vantagem, podem ser objecto de um pronunciamento directo de todos os portugueses.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sempre entendi e entendo que é assunto que mexe com a consciência individual e a hierarquia íntima de valores de cada cidadão.
Como tal, deve ser decidida por todos e não por uma qualquer representação parlamentar, meramente conjuntural.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É essa, de resto, a razão pela qual o Partido Social-Democrata há muito defende que a questão se situa fora da esfera de acção política e programática do nosso partido, como de qualquer outro.
Não há, por isso, qualquer indicação de voto do Partido Social-Democrata aos seus militantes, e cada um dos Deputados que integram este grupo parlamentar está totalmente liberto de qualquer disciplina de voto, actuando de acordo com a sua consciência.
Mas se isto é assim quanto ao fundo da matéria, já o timing e a oportunidade desta proposta são questões essencialmente políticas que podem e devem ser clarificadas.

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Depois de uma legislatura, a anterior, em que, respeitando um compromisso publicamente assumido durante a campanha eleitoral, tomámos a opção de não favorecer a realização de qualquer novo referendo sobre a interrupção da gravidez, dissemos, na última campanha eleitoral, que não objectaríamos a convocação de um referendo neste novo ciclo, caso a proposta viesse a ser colocada sobre a Mesa da Assembleia da República.
No discurso de posse do XVII Governo Constitucional, o Eng.º José Sócrates, que venceu as eleições com uma confortável margem, definiu um "calendário político exigente", segundo ele, para a primeira fase da legislatura.
Tomando como horizonte a realização de dois actos eleitorais e de dois referendos, o Eng.º Sócrates assumiu, como prioritária, a convocação do referendo europeu, já em Outono deste ano, apelando mesmo a uma revisão extraordinária da Constituição para permitir a execução deste calendário tão apertado.
Pensámos nós, e pensaram os portugueses, que o novo Primeiro-Ministro sabia bem o que queria, tinha pensado no que dizia e apresentava, com clareza, um programa de acção, e que era para cumprir.
Não se terá levado, por isso, muito a sério o "chegar à frente" do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, formulando uma outra agenda de prioridades.
Afinal de contas, quem ganhou as eleições não foi o Dr. Louçã nem o Dr. Jerónimo de Sousa, mas o Eng.º Sócrates.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - O Santana é que não foi!

O Orador: - Quem define as prioridades e marca a agenda é a maioria, não devem ser aqueles que recolheram menos de 7% dos votos dos portugueses!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Era assim que devia ser, mas parece que, com esta maioria socialista, não é bem assim que é.
Em menos de 15 dias, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista enredou-se numa embrulhada a reboque da agenda dos pequenos partidos à sua esquerda, redefinindo prioridades agora contrárias às apresentadas pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Diga-se, em abono da verdade, que a incoerência e a confusão instalada não foram consensuais pelas bandas do Partido Socialista.
O Dr. Jorge Coelho apareceu, responsavelmente, a dizer que "o calendário, após as autárquicas, deve evitar a época em que as pessoas estão menos motivadas, deve ser muito ponderado. O Partido Socialista tem maioria absoluta, tem agenda política própria, não tem de andar atrás de seja quem for. Andar demasiado à pressa não é boa solução."
Era avisado, o Dr. Jorge Coelho.
Também o Dr. Mário Soares considerou "inconveniente" avançar-se já com a consulta sobre o aborto. "Não vejo qual a necessidade de fazer já um referendo sobre o aborto. Porquê? Porque não é uma coisa de imediata necessidade", afirmou.
Por uma vez, concordamos com o Dr. Mário Soares. Prioritário, de facto, é o referendo europeu. Defendemo-lo já no ano passado e não mudámos de opinião. Porque a opção europeia nunca foi, e deve ser, directamente referendada pelos portugueses. Porque é um compromisso político assumido por todas as forças políticas nacionais. E porque, sem margem para discussão, debater e aprovar a Constituição para a Europa é um assunto da maior relevância para Portugal e para o nosso futuro colectivo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com toda a clareza, quero aqui deixar a posição do PSD sobre a realização de uma consulta popular sobre a interrupção da gravidez.
Se houver, nesta Câmara, uma maioria favorável à alteração da lei actual, deve ser dada a palavra aos portugueses para se pronunciarem e decidirem, através de um novo referendo.
Em qualquer caso, esse referendo não pode atropelar o exigente calendário político que temos pela frente, só podendo realizar-se, a nosso ver, depois do referendo europeu e depois dos actos eleitorais que já estão aprazados.

Aplausos do PSD.

A abstenção que esta bancada terá na votação do projecto de resolução sobre a convocação do referendo tem, por isso mesmo, este significado: não estamos contra a realização de um novo referendo, mas discordamos frontalmente da sua realização este ano.
Se a decisão final for outra, cedendo-se à vertigem de precipitar este referendo antes de tratarmos do referendo europeu, desde já fique aqui claro que isso trará necessárias consequências políticas, designadamente no plano da revisão constitucional.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Esta nossa posição é conhecida. Reafirmamo-la.
Se outros mudaram de opinião, assumirão com isso as suas responsabilidades. Em particular, o Partido Socialista tem de ter a consciência de que recuar nas suas prioridades iniciais, a reboque de outros, para depois atirar para cima do Sr. Presidente da República o problema em que se enredou, é uma habilidade feia e uma atitude irresponsável.

Aplausos do PSD.

Pela nossa parte, somos e seremos coerentes. É uma questão de credibilidade que se joga no respeito para com as posições que sempre assumimos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Manques Guedes, anoto que, na sua intervenção, abandonou a argumentação dos últimos dias acerca da incoerência da pergunta em relação ao projecto de lei que a suporta. É um recuo assinalável e importante porque demonstra bem como era insustentável a posição do Partido Social Democrata.
É que uma pergunta que se refere directamente à descriminalização e à prática da interrupção voluntária da gravidez em estabelecimento legal de saúde não poderia corresponder a outra coisa senão a uma despenalização. Acresce que, constitucionalmente, a pergunta e o seu suporte legal não têm de ter uma tradução directa. Não é essa a leitura que podemos fazer da Constituição.
Quero, pois, tomar nota desse vosso recuo e dizer que, nesse aspecto, não acompanharam o CDS-PP; acabaram com a colaboração hoje e aqui.
Na verdade, quem tem pressa não é o Bloco de Esquerda, não é qualquer uma das bancadas que quer a despenalização do aborto. Os senhores das direitas é que atrasaram, durante muitos anos, todo este processo, todo este drama, toda esta tragédia.
Não somos nós que temos pressa, é a sociedade portuguesa que tem pressa de virar uma página, de mudar direitos, de encontrar uma reconciliação com valores que não têm sido os praticados, pois os praticados têm sido os da consciência de alguns impostos à consciência de todos os outros.
Sr. Deputado Marques Guedes, estamos na repetição de algo que já todos conhecemos. É que o Partido Social Democrata quer - e quere-lo de forma claríssima, como pôde ver-se através da sua intervenção - fazer dos direitos das mulheres uma moeda de troca política,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - … uma chantagem em relação ao processo de revisão constitucional, mais uma vez em cima da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Todos nós já vimos isto. Da primeira vez, foi tragédia, da segunda vez, seguramente, é farsa.
É inaceitável que seja a bancada do Partido Social Democrata a vir aqui propor essa troca, a vir aqui exercer essa pressão política e - muito pior! - escudando-se na posição do Sr. Presidente da República para defender as suas próprias posições.
Assim, o que devo concluir - e creio que o faço sem acinte - é que o PSD resistiu sempre ao referendo e quer adiá-lo. Quer até, talvez - sonho impossível! -, vir a ter um Presidente da República que não convoque este referendo.
Para o Partido Social Democrata, todas as manobras dilatórias são necessárias e desejáveis. Só que, Sr. Deputado Marques Guedes, no passado, tinham a desculpa do CDS, hoje em dia, só têm a desculpa de vós próprios.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, obrigado pela questão que me colocou.
Começando pela primeira parte do seu pedido de esclarecimentos, posso acreditar que o Sr. Deputado espere vivamente que, da parte da bancada do Partido Social Democrata, venham a surgir, aqui ou acolá, incoerências ou alterações de posição. Mas tranquilize-se porque não é o caso.
Acontece que apenas estamos a discutir os projectos de lei. Quando discutirmos as propostas de pergunta, farei uma segunda intervenção e, aí, o Sr. Deputado terá ocasião de verificar que não há qualquer mudança de opinião. E não há por um motivo muito simples: é que a razão está do nosso lado e, quando se

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tem razão, não de se muda de opinião.

Aplausos do PSD.

Passemos à questão que colocou mais adiante e que tem que ver com o tema de fundo.
O Sr. Deputado parece que se esquece, ou tenta fazer apagar da memória colectiva dos portugueses e da nossa memória aqui, na Assembleia, que já houve um referendo sobre esta matéria, que a maioria dos portugueses já opinou sobre esta matéria e que o resultado foi contra a sua vontade. Não tenho culpa disso! Digo-lhe com toda a sinceridade que eu próprio votei "não", mas houve um pronunciamento dos portugueses sobre esta matéria.
Não há qualquer esquecimento sobre este assunto, não há um atirar para trás o assunto. Houve um pronunciamento dos portugueses de cujo resultado o senhor não gosta. No entanto, deveria ter a atitude democrática de respeitar aquela decisão, isto é, que houve um pronunciamento da sociedade portuguesa no sentido de que a lei não fosse alterada. O senhor não gosta, mas foi essa a decisão. Assim, do ponto de vista democrático, ficava-lhe bem ter aceite aquela decisão.
Sr. Deputado Luís Fazenda, imagine, por exemplo, que, no referendo de 1998, a população portuguesa tinha respondido maioritariamente "sim", portanto, de acordo com a sua vontade. Se a resposta tivesse sido "sim", o senhor acharia bem que, ano após ano, uma data de pessoas continuasse a pedir para se realizar um novo referendo para o "sim" ser transformado em "não"? Provavelmente, não! Portanto, não atire para cima dos outros as coisas que não quer que aconteçam a si próprio. Respeite as decisões, nomeadamente quando são tomadas de uma forma democrática e claramente maioritária.
Em último lugar, a questão relacionada com o Sr. Presidente da República. Quero dizer-lhe que não há troca nenhuma da parte do PSD. O que há é firmeza de convicções. Sobre esta matéria, o PSD tomou uma posição, desde o princípio. Para nós, há uma prioridade clara que é a da realização do referendo europeu. A questão da repetição do referendo ao aborto não é uma prioridade que se coloque ao mesmo nível da do referendo europeu que nunca foi feito em Portugal, que é um compromisso de todos e que é fundamental para o nosso futuro colectivo. Temos essa prioridade. Não mudámos de opinião.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se outros, nomeadamente a bancada do Partido Socialista, mudaram de opinião, é com eles que o senhor tem de se haver, não é com esta bancada que, sobre essa questão, sempre teve a mesma opinião e que não concorda que agora, de uma forma algo hipócrita, se tente atirar para cima de outros órgãos de soberania, nomeadamente o Sr. Presidente da República que não mudou de opinião sobre esta matéria, responsabilidades que têm o Partido Socialista e o Governo - esses, sim! - relativamente às prioridades que traçaram e que, agora, não querem cumprir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, e como ponto preliminar à minha intervenção, tendo em conta o discurso proferido pela Sr.ª Deputada Ana Drago, vou citar uma parte do Diário de Notícias publicado em 19 de Fevereiro de 2002.
"(…) José Paulo Carvalho,…" - sou eu, o tal feroz defensor da prisão! - "… dirigente do Movimento pela Vida (Norte), considerou necessária uma ampla e séria discussão sobre o aborto, insistindo em que mantém uma censura clara a este tipo de comportamento, mas…" - e este "mas" é importante - "… assinalando que a pena de prisão não é, certamente, a mais adequada (…)".

Protestos da Deputada do BE Ana Drago.

Percebo a incomodidade, Sr.ª Deputada. É que isto consta dos dois anteriores projectos de lei sobre a despenalização do aborto apresentados pelo Bloco de Esquerda.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E, agora, foi "apagado"!

O Orador: - Os senhores citam-me como exemplo de moderação, de ponderação, de entre os que integram os movimentos pró-vida - aliás, para mim, é um orgulho ser citado a par do Dr. Bagão Félix -, mas, no projecto de lei que agora está em discussão, fui "apagado".

Risos do BE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com enorme orgulho que tomo a palavra naquela que é a Casa-mãe

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da democracia portuguesa.
Honra-me particularmente o facto de, na minha primeira intervenção, ter a oportunidade de aqui vir apelar ao respeito pela vida humana. O que, hoje, aqui discutimos é, sem qualquer dúvida, o tipo de sociedade que queremos para o nosso futuro.
O CDS-Partido Popular considera que o direito à vida é o primeiro dos direitos fundamentais…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, interrompo-o porque está esgotado o tempo de que dispunha, mas tem direito a transferir para este debate o tempo disponível para aquele outro que se lhe seguirá. Assim, peço aos serviços que procedam a essa transferência de tempos.
Sr. Deputado, faça favor de continuar.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Como dizia, sem a protecção da vida humana, o valor básico de um Estado de direito fica em crise.
Defendemos uma verdadeira cultura de respeito pela vida humana, em todas as circunstâncias, desde o primeiro ao último momento. Citando uma ideia feliz, "É preciso criar um cordão humano para a protecção da vida humana". Este é um compromisso e um desafio que se coloca a todos: aos órgãos de soberania, ao Estado, às instituições públicas e privadas, aos partidos políticos e à sociedade civil.
Todos estamos, seguramente, de acordo com a necessidade de acabar de vez com os ataques à vida humana. É preciso acabar com a mortalidade infantil, com a mortalidade nas estradas, com a mortalidade por acidentes de trabalho, com as doenças que nos recusamos a aceitar que não tenham cura. Tudo isto é a prioridade da vida; e, para isso, produz-se legislação, criam-se mecanismos de apoio e controlo, estabelecem-se penas para aqueles que, com a sua conduta, voluntária ou involuntariamente, colocam em risco a vida dos outros. E nisso, com uma ou outra divergência de pequena monta, parece que estamos todos de acordo. E ainda bem que assim é!
E assim vamos, porque se entende que, num país civilizado, a ninguém é lícito arrogar-se o direito de decidir sobre a vida dos outros.

Aplausos do CDS-PP.

Mas, se assim é, então, qual a justificação para aprovar agora, à pressa e quase com carácter de urgência, precisamente legislação em sentido contrário?
Como podemos aceitar que alguém, por maior que seja o respeito que essa pessoa nos merece, possa exigir que lhe seja reconhecido o direito a pôr fim à vida de um ser humano inocente e indefeso?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O que está em jogo é a opção que coloca, de um lado, uma cultura de vida e, de outro, uma cultura de morte. De um lado, uma cultura de responsabilidade, de exigência, de compromisso e de solidariedade e, de outro, o egoísmo, o facilitismo, uma certa visão onde tudo se torna relativo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tive oportunidade de consultar os Diários da Assembleia da República de anteriores debates sobre o aborto. Devo reconhecer que apenas descobri um ponto de consenso generalizado entre defensores da vida e defensores do aborto: o aborto é uma violência para a mulher.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-P): - É verdade!

O Orador: - Nisto, todos estamos de acordo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ser clandestino é bem mais grave!

O Orador: - A mero título de exemplo, cito Sérgio Sousa Pinto: "o aborto é um acto desesperado, uma violência que a mulher comete sobre si própria". Outros oradores repetiram até à exaustão esta ideia. Concordo totalmente com ela. Partilho a preocupação.
A prática do aborto tem implicações directas, pelo menos, em duas vidas humanas merecedoras do mesmo respeito e credoras da mesma dignidade: a da mãe e a do filho.
Srs. Deputados, boas leis são importantes para se construírem sociedades melhores. Nesse sentido, devemos perguntar: o aborto tem algum efeito positivo para algum dos envolvidos; para a mãe ou para o filho?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E se for clandestino?!

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O Orador: - Ora, se é certo que do aborto resulta uma violência que deixa marcas, que só dificilmente desaparecem, na mãe e se, do aborto, como resultado directamente desejado, resulta a morte do filho, qual é o efeito positivo que hoje somos chamados a legalizar?
Não há qualquer justificação jurídica, política, ética ou social para a liberalização do aborto. Da sua prática só resultam efeitos negativos para as pessoas envolvidas.
Não desconhecemos que há verdadeiros dramas com que são confrontadas mulheres que estão grávidas em circunstâncias de especial dificuldade. Mas se a situação já de si mesma é dramática, vamos permitir que se acrescente ainda a máxima violência do aborto?
No meu trabalho voluntário associativo, tive, tenho e terei oportunidade de acompanhar várias mulheres e casais nestas circunstâncias. A solução não está no aborto.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A solução está na dimensão social e não nos hospitais! O problema resolve-se com o apoio e com a ajuda e não com o bisturi! A solução está na família e não na sala de operações!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O CDS sente ser seu dever mostrar que, desde o referendo de 1998, foram aqueles que defenderam o "não" que mais se empenharam activamente na criação de mecanismos de apoio às grávidas em dificuldade. A maioria dos defensores do aborto, apesar de constantemente apregoarem ser os arautos dos direitos das mulheres, deixaram as grávidas em dificuldade completamente ao abandono.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas que disparate! Vem para aqui contar anedotas!

O Orador: - Por todo o País surgiram iniciativas, promovidas por voluntários da defesa da vida - umas, mais organizadas, outras, mais informais -, que prestaram um serviço anónimo que acolheu milhares de mulheres em dificuldade. Ergueram iniciativas, inclusive, para o apoio às mulheres traumatizadas pela prática do aborto! Salvaram-se vidas!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O aborto, também o aborto clandestino, combate-se combatendo as suas causas - as causas próximas e as causas mais distantes -, não se combate legalizando-o.
Termino, lançando um repto aos partidos que aqui fazem a defesa da liberalização do aborto. A liberalização do aborto fará crescer uma nova indústria, um negócio altamente lucrativo: as clínicas privadas para a prática de abortos.

Protestos do PCP e do Deputado do BE Luís Fazenda.

Assim aconteceu na generalidade dos países.
Seguramente, não querem ser associados ao lançamento deste comércio. Estou certo disso, nem sequer tenho dúvidas. Se assim é, por que razão não definem nos vossos projectos de lei a obrigatoriedade de o aborto apenas ser realizado nos estabelecimentos incluídos no Serviço Nacional de Saúde?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Deixo duas ideias finais. O CDS confia na sensibilidade e no bom senso do povo português e está certo de que se este, mais uma vez, for chamado a pronunciar-se, votará a favor da vida, rejeitando a liberalização total do aborto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Termino, assumindo o compromisso perante os portugueses de que o CDS não desistirá de lutar, seja em que circunstância for, pela criação de uma cultura de respeito pela vida humana. Vale a pena todo o esforço, quando é a defesa da vida humana que está em causa.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Que este dia seja o penúltimo do longo caminho que temos percorrido para acabar com o terrível drama do aborto clandestino e suas penosas consequências.
Embora não pareça, ao longo dos últimos 23 anos, fomos sendo, todos, capazes de ir construindo consensos sobre esta matéria. Temos, todos, apesar das nossas diferenças ideológicas, filosóficas ou morais e do debate intenso e apaixonado, de continuar a construir consensos em matéria de interrupção voluntária da gravidez e de avançar no aprofundamento e melhoria de uma lei que não resolveu o drama do aborto clandestino e que ainda nos coloca na retaguarda da Europa.
Existe, hoje, um alargado consenso relativamente à actual lei, mas não foi sempre assim. Em 1984, a direita votou contra,…

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - … mas hoje são muito poucos os que a põem em causa. O Sr. Deputado Marques Mendes, por exemplo, votou contra o projecto de lei que deu origem à Lei n.º 6/84, mas actualmente concorda com ela. Ainda bem!
Nos dias de hoje, são muito poucos os que acham que as mulheres devem ser alvo de punição criminal. Ainda bem! É sensato e congratulamo-nos com esse facto. É necessário acabar com a punição criminal a que ainda as mulheres portuguesas estão sujeitas, mas não chega. É preciso também terminar com as não menos gravosas punições, que são as dramáticas consequências para a vida e saúde da mulher, que decorrem do recurso ao aborto sem as mínimas condições de segurança, higiene e saúde. E estas só terminam se os abortos forem feitos em estabelecimentos autorizados e com condições.
Chegou, portanto, a hora de darmos mais um passo em frente. E sabemos que podemos contar com a concordância de várias personalidades à nossa direita, mais concretamente do PSD. Ainda bem!
A despenalização da interrupção voluntária da gravidez não é propriedade de ninguém, nem pode ser usada como arma de arremesso político. Congratulamo-nos, por isso, com o facto de várias personalidades à nossa direita concordarem com a alteração de uma lei que não acabou com o aborto clandestino.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos, ou quase todos, achamos que esta é uma matéria da consciência individual de cada um. É por isso que os partidos dão liberdade de voto aos seus Deputados.
Mas a actual lei não permite que as mulheres possam decidir livremente e em consciência. A actual lei impõe uma determinada moral e uma determinada concepção da vida. Só a despenalização da interrupção voluntária da gravidez permite que cada mulher decida segundo a sua consciência e as suas próprias convicções.
Se nesta Casa reconhecemos o direito à livre expressão das consciências individuais, por que razão não o permitimos a todas as portuguesas? Porque não alargar às mulheres portuguesas o mesmo princípio que aplicamos aqui: o direito à decisão segundo a consciência de cada um?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A actual lei falhou no combate ao aborto clandestino. Mesmo com o reforço dos meios preventivos, da informação, do planeamento familiar e da educação sexual, não acabará o aborto clandestino, ainda que possa ser reduzido.
A Lei n.º 6/84 não é capaz de prever todas as duras razões individuais que levam muitas mulheres a recorrer à difícil e traumática decisão de abortar.
A actual lei não fez nada pela vida, nestes últimos 21 anos. Antes pelo contrário, sujeitou centenas de milhares de mulheres às consequências dramáticas do aborto clandestino, onde se inclui, também e infelizmente, a morte.
Se não alterarmos a actual lei, não estamos a salvar qualquer vida ou a evitar qualquer aborto - como todos sabemos, eles realizam-se na mesma. Estaremos, sim, a fechar os olhos aos perigos de risco de vida e de graves lesões físicas e psíquicas em que incorre a mulher por interromper a gravidez sem as mínimas condições de higiene e saúde.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Deputada Zita Seabra, num debate realizado há 23 anos, com uma lei diferente da actualmente em vigor e para defender um projecto de lei diferente do nosso (portanto, noutro contexto, ressalve-se), colocou a seguinte questão, que continua absolutamente actual: "A questão que se coloca verdadeiramente é se o aborto deve continuar a ser feito clandestinamente, como hoje sucede -…" (e como, ainda hoje, sucede) "… com um vasto cortejo de desigualdades, sofrimentos e mortes -, ou se deve passar a ser feito em serviços de saúde, em condições que salvaguardam a vida, a saúde e a dignidade da mulher".
Esta é, de facto, a verdadeira questão! E aqui estamos em total acordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Serve o nosso projecto de lei para evitar mortes inúteis, as graves lesões físicas, as dolorosas marcas psíquicas e a impossibilidade de voltar a ter filhos.
Serve, também, para promover uma maternidade consciente, responsável, desejada e no momento certo, com as condições necessárias para bem receber um filho.
Portugal não pode estar apenas empenhado no cumprimento das normas impostas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, não podemos estar apenas empenhados no cumprimento das directrizes impostas pela Política Agrícola Comum, não podemos estar apenas empenhados na Agenda de Lisboa. Se queremos levar o projecto europeu a sério, que o levemos na sua plenitude e sigamos a recomendação do Parlamento Europeu para que a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível, a fim de salvaguardar a saúde das mulheres.
Termino como comecei: que este seja o penúltimo dia desta longa caminhada e que o último seja o dia do referendo.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Nuno Santos, quando falamos de juventude, sendo nós jovens, falamos normalmente de irreverência. E a maior irreverência é não aceitarmos aquelas situações sociais que atentam contra os valores que são mais importantes e mais fundamentais. Ora, não há valor mais importante do que o da vida.
O que lhe digo é que há milhares de jovens, em Portugal, que votaram "não" no referendo sobre a liberalização do aborto e muitos deles empenharam-se voluntariamente, de forma desinteressada, no combate às causas do aborto, em Portugal. Lutaram porque acreditaram, lutaram porque foram irreverentes, lutaram porque acharam que era possível ter um mundo melhor do que aquele que lhes foi entregue.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, a pergunta que quero fazer-lhe é muito simples: o que é que a Juventude Socialista diz a estes milhares de jovens? Que a sua luta não vale a pena? É muito pouco!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos.

O Sr. Pedro Nuno Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Pinho de Almeida, a maior irreverência é não aceitarmos as consequências gravíssimas, o drama e o trauma do aborto clandestino. E é isso que os jovens também esperam de nós: que consigamos responder às consequências altamente penosas do aborto clandestino para as mulheres, em Portugal.

Aplausos do PS e do BE.

É que os jovens também estão com as mulheres, em Portugal, até porque muitos deles são precisamente mulheres.
Esta é a grande irreverência.
Concepções de vida são muito diversas nos mais diversos jovens e a única alternativa que respeita essa diversidade é a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PS e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos novamente a discutir a legislação do aborto. Em Portugal, passamos a vida a discutir a legislação do aborto. Há mais de 20 anos, desde 1982, que discutimos a legislação da interrupção voluntária da gravidez. Depois de uma lei aprovada neste Parlamento e de posteriores alterações a essa lei, igualmente aqui aprovadas, a discussão continua das mais variadas formas. Com referendo, com tentativas anuais de repetição de referendos, com debates, com barcos e muita, muita agitação e propaganda.
Discute-se sempre, sempre, como se o estivéssemos a fazer pela primeira vez, como se fosse um assunto novo, mesmo revolucionário, como se estivéssemos a quebrar um tabu, quebrado, afinal, há mais de 20 anos. E o aborto aparece como se fosse o primeiro e mais grave problema das mulheres portuguesas.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Fala-se como se não estivessem acessíveis os métodos contraceptivos, como se, nestes 25 anos, nada tivesse acontecido. Como se não houvesse métodos de planeamento familiar acessíveis e gratuitos, como se não existissem métodos do dia anterior e do dia seguinte, do dia, como se as mulheres, os casais, não tivessem a mínima informação e como se os centros de saúde, os hospitais, não fizessem consultas de planeamento familiar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - E não fazem!

A Oradora: - Fala-se como se não estivesse hoje banalizada toda a informação…

O Sr. Honório Novo (PCP): - E não está!

A Oradora: - … que permite afirmar que o primeiro direito da criança é o de ser desejada pelos pais.
Age-se como se nada se tivesse passado e estivéssemos nos anos 60, com soixante-huitards convencidos de que dizem coisas modernas e revolucionárias, ao transformar a interrupção voluntária da gravidez numa bandeira de luta, num direito, e não num último recurso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - A ideia de referendo do aborto surge, então, com particular incidência sempre que o PS chega ao Governo, o que é particularmente chocante. E passo a explicar por que faço esta afirmação.
Portugal tem, há 20 anos, uma lei muito igual à lei francesa, de Simone Weil, sendo a nossa, mesmo, um pouco mais permissiva, mais aberta, igual à lei espanhola (e sei do que falo, porque os espanhóis copiaram da nossa e fui a Espanha ajudá-los a fazê-la),…

Risos do PS, do PCP e do BE.

… igual à lei italiana ou à lei belga.
Só que entre nós…

Protestos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que deixem ouvir a Sr.ª Deputada, porque ela tem o direito de transmitir os seus pontos de vista.

A Oradora: - Só que, entre nós, parece que a lei não existe e não está em vigor. Sendo, neste momento, o PS governo, não posso deixar de me interrogar e de partilhar aqui esta dúvida: por que razão os governos do PS, durante o consulado de António Guterres ou neste momento em que dispõe de maioria absoluta, por que razão os governos do PS, repito, silenciosamente e em respeito pela delicadeza da questão, pela vida das mulheres, pelo drama por que passam mulheres que, em desespero, se atiram para o negócio sórdido do aborto clandestino, pondo em perigo a sua vida e a sua saúde, não fazem cumprir a lei? Por que razão o Ministro da Saúde não está aqui a assistir a este debate e não nos vem dizer se já reuniu com o Director-Geral de Saúde, em que hospitais é que vai fazer cumprir a lei, em que hospitais é que vai criar serviços de saúde que permitam cumprir esta lei?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O Ministro da Saúde socialista finge - e todos os ministros socialistas fingiram sempre - que não é nada com ele, e o Governo no seu todo também. Porque é que o Primeiro-Ministro finge que a lei não existe e agita a bandeira política do aborto, como se fosse moderno fazê-lo e como se não tivesse a responsabilidade política do que se passa nos hospitais, do que se passa no País? Porque é que, em Portugal, passamos a vida a fazer leis que não servem para nada, leis que são "letra morta", perante a incapacidade do seu cumprimento, e passamos a vida a recomeçar tudo de novo e a refazer as leis para continuarem a não ser cumpridas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Assim é há 20 anos, com a lei da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

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Usando as palavras do Bloco de Esquerda, no preâmbulo do seu projecto de lei, falando da ida de mulheres portuguesas a Espanha, afirma-se que a legislação espanhola "tem algumas semelhanças com a nossa, mas onde há uma interpretação tolerante e aberta que permite efectivamente à mulher proceder à interrupção voluntária da gravidez". Têm razão. Muito bem.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Está na lei!

A Oradora: - Perante esta realidade inquestionável, o PS, em vez de governar e de cumprir as leis da República - e já não digo de uma forma "tolerante e aberta", mas, pura e simplesmente, cumprir -, apresenta novo projecto de referendo e nova proposta de lei.
No projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, subscrito pelo Partido Socialista, pode ler-se no prefácio: "O projecto que os signatários agora submetem a apreciação da Assembleia da República preconiza a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em certos casos hoje não previstos, para preservação da integridade moral, dignidade social e da maternidade consciente." E diz, mais: "Fixa-se em 10 semanas o prazo dentro do qual tal pode ocorrer, solução mais restritiva do que a apresentada em 1997, mas constante de outros ordenamentos jurídicos,…" - isto é, o PS diz solução mais restritiva do que a lei que actualmente está em vigor e que o PS, sendo Governo, não cumpre -…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Não, não!

A Oradora: - "… assentes numa valoração do estado dos conhecimentos médicos a que muitos sectores sociais são sensíveis".
Não pode deixar de colocar-se, pois, a questão: mais restritiva, Srs. Deputados? Na verdade, a lei em vigor estabelece o prazo de 12 semanas, enquanto que a proposta do PS propõe 10. Parece efectivamente mais restritiva. Para quê, então, mudar de um quadro legislativo que não é eficaz para um quadro legislativo ainda mais restritivo?… Não tem lógica.
Na oposição, o PS podia argumentar que o governo do PSD e do CDS não criavam condições nos serviços de saúde, nos hospitais públicos, para responder a uma mulher que, no prazo legal, procurasse os serviços de um hospital. Mas então para quê mudar a lei agora que são governo? Sobretudo para quê mudar para uma solução mais restritiva?
O PS está menos interessado em resolver esse drama terrível, o caminho do aborto clandestino que as mulheres fazem por vezes em desespero, face a situações extremas e dramáticas que a vida, sabe-se lá como e porquê, faz as pessoas passarem.
Se a vontade política do PS fosse a de resolver estes dramas, estaria a equacioná-los com os serviços de obstetrícia e de ginecologia dos hospitais públicos, com os centros de saúde e, evidentemente, com os hospitais e clínicas privadas. Mas não! O PS, que é Governo e dispõe de legislação em vigor idêntica à dos outros países europeus, prefere fazer "política". Ao fazê-lo, dá, porém, a triste imagem de que o aborto é um método de contracepção, banalizando o que as mulheres não banalizam, porque, digam o que disserem, é sempre um último recurso, é sempre culpabilizador, é sempre algo de insuportável ter na memória a interrupção do curso normal de uma gravidez.

Aplausos do PSD e de Deputados do CDS-PP.

E a questão é esta: queremos uma sociedade em que o aborto seja a bandeira, o símbolo da emancipação feminina, ou uma sociedade de jovens e adultos conscientes da sua sexualidade, informados, responsáveis, beneficiando do que a ciência permitiu trazer à vida dos cidadãos? Uma sociedade assente em valores, em que se respeite a vida, se respeite a maternidade e a paternidade, como um momento único na vida de um casal e um bem social que a sociedade deve proteger e acarinhar.
E o Governo, no silêncio que os dramas merecem, devia, sim, procurar criar condições para enquadrar, em meio hospitalar, esses casos extremos para que a vida atira, por vezes, as pessoas, sem as julgar, sem as condenar, mas nunca banalizando ou transformando o aborto num direito social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Contra o aborto somos todos, mas também todos queremos ter uma sociedade tolerante que, face a um drama na vida de uma mulher, não a condene, duplamente, aos bancos do tribunal e ao negócio sórdido das parteiras de vão de escada.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Parece, então, um absoluto absurdo que o Partido Socialista venha dizer que o projecto de lei que propõe é mais restritivo do que a lei existente, porque no seu artigo 1.º (alterações ao Código Penal) fala em despenalizar o aborto "A pedido da mulher e após uma consulta no centro de acolhimento

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familiar, nas primeiras 10 semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente". E é este artigo que aparece no projecto de resolução de referendo que o PS coloca a votação. Mas, no mesmo projecto de lei e no mesmo artigo, o PS propõe a interrupção voluntária da gravidez não punível até às 16 semanas, até aos 4 meses! E cito: Interrupção da gravidez não punível "(…) c) Caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou a para a saúde física ou psíquica da mulher grávida,…"

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

A Oradora: - "… designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;".

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Quatro meses de gravidez é impensável, Srs. Deputados! Aos quatro meses de gravidez a mãe sente os movimentos do bebé, sabe se ele está acordado ou a dormir; os pais sabem, através da ecografia, se é menino ou menina, levam para casa a imagem do seu bebé.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quatro meses é um prazo inaceitável, repito, e muito mais se se invocarem razões de ordem económica ou social e não o caso-limite de salvaguarda da vida da mãe.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Para lá da questão jurídica que se levanta com evidente discrepância entre a pergunta proposta pelo PS a referendo e o respectivo projecto de lei, que não pode deixar de ser interpretado como um logro, uma desonestidade política, quatro meses de gravidez é inaceitável, é inconcebível!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Que médico e que serviço de saúde, público ou privado, vai fazer um aborto numa mulher com quatro meses de gravidez por razões de ordem económica ou social?

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Isso é demagogia!

A Oradora: - Não é demagogia. É o que lá está escrito!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vale a pena comparar com os prazos estabelecidos pelas leis de outros países europeus: Áustria, 3 meses de gravidez; Bélgica, 12 semanas; Bulgária, 12 semanas; Dinamarca, 12 semanas; Finlândia, 12 semanas; França, 12 semanas; Alemanha, 12 semanas; Grécia, 12 semanas; Islândia, 12 semanas; Itália, 90 dias; Espanha, 12 semanas. Isto é: todos 3 meses.
Apenas a Inglaterra e a Holanda seguiram o caminho de considerarem o aborto legal até à viabilidade do feto. Como a viabilidade da sobrevivência do bebé se verifica cada vez mais cedo, estando neste momento nos cinco meses de gravidez, e simultaneamente com as ecografias se vê o que só se imaginava, os ingleses, incluindo os trabalhistas, discutem neste momento a redução do prazo.

Vozes do CDS-PP: - Exacto!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Para 20 semanas!

A Oradora: - O Partido Socialista propõe-nos, pois, uma lei que passa das actuais 12 semanas para as 10 no referendo, mas na realidade para as 16, para os 4 meses, no seu projecto de lei.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Não discuto - os juristas o farão melhor do que eu - a questão evidente de a pergunta do referendo ter que estar de acordo com o texto da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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A Oradora: - Sublinho, sim, a hipocrisia política de perguntar aos portugueses por 10 semanas (dois meses e meio) no referendo quando, simultaneamente, propõe que se legisle até às 16 semanas, isto é, 4 meses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Porque é que o Partido Socialista não pergunta aos portugueses o verdadeiro conteúdo do seu projecto de lei? Porque não fala das 16 semanas? Que se pode chamar a tamanha incongruência? Se ganhar o "sim", o PS vai mudar a actual lei para 10 semanas? Elimina a alínea c)? Ou opta pelas 16 semanas, como propõe o projecto de lei?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Ou mantém o "piscar de olhos" aos pró e aos contra, dizendo a uns leiam a alínea a) e a outros, aos das "manif.", deixem passar, não façam barulho porque está lá a c)?…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Infelizmente, é assim a nossa vida política, parlamentar e governamental.

Vozes do CDS-PP: - É verdade!

A Oradora: - Fazemos leis que não passam do papel. O Governo não sabe das leis do País, os ministros da saúde não conhecem as leis que lhes dizem respeito e as polícias têm um tal zelo neste caso que não têm noutros domínios.
É assim. E passam ao lado deste constante regressar ao mesmo, aos problemas que hoje afectam as muitas mulheres que, contra tudo e contra todos, decidem, na solidão da sua vida, levar por diante uma gravidez que não planearam e criar um filho que geraram. Que apoio têm realmente da sociedade e das instituições públicas estas mulheres? Quem fala delas? E quem se manifesta por elas?
Quem fala dos casais que percorrem os serviços de saúde para tentar combater um problema de infertilidade e gastam milhares de euros em medicamentos e em tratamentos? Quem fala deles? A Assembleia da República tem de discutir seriamente o apoio a dar a estes casos, pois os medicamentos e os tratamentos médicos prescritos são inacessíveis à imensa maioria dos jovens casais que deles necessitam.
E como encaramos a vida das jovens mães repartidas entre o trabalho profissional e a sua função de mães. A mulher é ainda fortemente penalizada por ser mãe e é evidente que o mundo laboral dá prioridade ao emprego de homens e penaliza as mulheres em razão da maternidade.
Transformou-se o aborto na questão central da vida das mulheres portuguesas, porque se transformou o aborto numa questão política, numa linha divisória entre direita e esquerda, numa espécie de atestado de modernidade em que alguma direita tem medo de ser considerada conservadora e alguma esquerda, que já não pode demarcar-se pela defesa da colectivização dos meios de produção, acentua o seu revolucionarismo nas bandeiras que lhe sobram.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do BE.

E o PS, em lugar de atacar as causas que conduzem as mulheres portuguesas ao triste caminho do aborto clandestino, escolheu o caminho fácil e imediato, sem uma palavra ou gesto para as mulheres que decidiram levar a termo uma gravidez que não desejaram.
O PSD deu liberdade de voto aos seus Deputados. Concordo absolutamente, uma vez que se trata de diplomas que têm muito a ver com o foro da consciência de cada um.
Por mim, não hesito em afirmar que nunca votarei favoravelmente um diploma que legalize o aborto aos quatro meses de gravidez por razões de saúde física, psíquica, económicas e sociais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Voto contra por motivos de natureza ética, de consciência e de respeito pelos valores civilizacionais que devem nortear uma sociedade livre, democrática e com respeito pela vida humana.
Leve-se à prática a legislação vigente há 20 anos, legislação que diz respeito à legalização da interrupção voluntária da gravidez - que o Sr. Ministro da Saúde, sem perder tempo e sem esperar pelo resultado de um qualquer referendo, actue e aja! -, ao planeamento familiar e à educação sexual, e deixem-se de hipocrisias políticas e de truques de prazos, porque o tema é sério e as vítimas destas incúrias merecem

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mais respeito e um tratamento com maior dignidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Zita Seabra, a questão que aqui se coloca hoje é a de saber se a lei que temos actualmente é para manter, apesar de nem mesmo os representantes dos movimentos mais retrógrados do nosso país admitirem que essa lei seja para cumprir até às últimas consequências.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, a questão central é a de saber se esta lei é para ficar como está.
Disse a Sr.ª Deputada, na intervenção, que há uma semelhança entre a lei portuguesa e a espanhola - aliás, a esse propósito, deu-nos o prazer de avivar a nossa memória, mas que, devo dizer, não precisa de ser avivada porque conhecemos perfeitamente o percurso que V. Ex.ª fez nos últimos 20 anos e que, lamentavelmente, a levou ao lugar onde está hoje!…

Aplausos do BE e do PCP.

Protestos do PSD, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

Pergunto se se recorda do projecto de lei que defendeu nessa altura, porque esse, sim, era semelhante à lei do Estado espanhol, lei que numa das suas alíneas permite a interrupção voluntária da gravidez à mulher que, em razão da sua situação familiar ou de grave carência económica, esteja impossibilitada de assegurar ao nascituro condições razoáveis de subsistência e educação, ou a gravidez seja susceptível de lhe criar uma situação social ou economicamente incomportável.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Eis a diferença!

A Oradora: - Isto foi o que a Sr.ª Deputada defendeu há anos atrás, noutra encarnação, e é o que falta hoje na lei portuguesa!

Aplausos do BE.

Pergunto-lhe, então, Sr.ª Deputada, afinal de contas, qual dos articulados defende e se considera que vale a pena continuar a submeter a consciência individual de todos nós à hierarquia de valores religiosos e morais apenas de alguns.

Aplausos do BE.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Alda Macedo, tem toda a razão quando diz que no projecto de lei que apresentei em 1983 eram consideradas as razões de ordem económica ou social.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Pois eram!

A Oradora: - Contudo, no seguimento do debate na especialidade, dois anos depois, as razões de ordem económica ou social foram alteradas para razões de ordem psíquica, porque se considerou que estas eram mais abrangentes do que as primeiras, que são de muito difícil demonstração em qualquer país que as inclua na lei.
Com certeza, a Sr.ª Deputada entende facilmente, tal como eu entendi e dei razão a quem o propôs na altura - que foi o Partido Socialista -, que é muito difícil demonstrar a um serviço público o que é uma razão de ordem económica ou social para mim ou o que é uma razão de ordem económica ou social para uma pessoa que vive num bairro degradado. É muito difícil! Por isso mesmo se abrangeu as razões de ordem psíquica, e eu concordei.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A democracia assenta no reconhecimento genuíno de que cada um representa uma convicção, uma ideia, um voto, que são indispensáveis à construção comum. Significa que temos de aprender com humildade a ouvir-nos e a saber reconhecer-nos nas nossas diferenças, como pares que somos na construção solidária de uma sociedade que se quer justa e digna.
O debate que hoje retomamos divide-nos, e divide também aqueles que representamos. Sejamos, então, capazes de contribuir para o esclarecimento, com a serenidade que decorre das convicções que nos movem.
As alterações apresentadas nos diversos projectos de lei ao Código Penal propõem a eliminação de qualquer restrição à interrupção da gravidez a pedido da mulher dentro de determinados prazos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - A despenalização!

A Oradora: - É o reconhecimento de um direito incondicional, o da liberdade de escolha.
Contudo, o respeito pelo exercício da liberdade de escolha não quer dizer que aquele seja absoluto. Não pode, por isso, estar dissociado da preservação de valores que são determinantes, estruturantes, primeiros.
O direito à vida é, na hierarquia dos bens, o primeiro…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - … e a sua salvaguarda tem que ser intransigente. Aliás, sem a protecção deste bem primeiro, como garantir então o exercício da liberdade?
Legitimar o direito ilimitado de interromper uma gravidez quer dizer que é possível identificar um nível de vida abaixo do qual não há direitos e quer dizer, por isso, que uns têm mais direito à vida do que outros.
Uma cultura dos direitos humanos não o pode consentir; uma cultura dos direitos humanos procura activamente o desenvolvimento das condições económicas, sociais e culturais que garantem vidas dignas e livres.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A interrupção voluntária da gravidez insere-se num quadro de profunda e intensa delicadeza, de profundo e intenso sofrimento humano. É sempre uma manifestação de insuportável e incondicional violência exercida contra quem não se vê, não se pode defender, não pode optar.
Os projectos de lei apresentados propõem uma liberalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10, 12 ou 16 semanas. A liberalização remove o ilícito, e tira por essa via as mulheres dos tribunais.
Mas não trata das causas e consente na violação do direito à vida. As causas que levam as mulheres a optarem por uma solução tão terrível e violenta permanecem intocadas. A sociedade é incompetente, demite-se.
A liberalização proposta não protege nem garante uma cultura dos direitos humanos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Contudo, há alternativas. E nós apresentámos uma alternativa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Março de 2004, defendemos que importava encontrar soluções que, "não ofendendo o quadro de valores em que se sustenta a nossa maneira de ser, assegurassem os direitos fundamentais e minorassem o sofrimento das mulheres".
Na presente Legislatura, apresentámos na Assembleia da República um projecto que consagra a suspensão provisória com carácter obrigatório do processo em certos casos de interrupção voluntária da gravidez. Este projecto não remove o ilícito, mas permite retirar as mulheres dos tribunais - impede os julgamentos, proíbe as averiguações e actua activamente, em cada caso concreto, na remoção das causas que levaram a essa opção - e protege a vida.
A aplicação da lei, o exercício da justiça não pode, sem dúvida, estar divorciada das circunstâncias que determinam a prática dos ilícitos. Propõe-se, por isso, a aplicação da lei e da justiça na vigência do actual quadro penal, respeitando o intenso sofrimento humano que lhe está subjacente, ponderando as circunstâncias individuais, a defesa da dignidade das mulheres, mas consagrando alternativas inclusivas.
A sociedade assume-se, assim, co-responsável, procurando encontrar com cada mulher as formas mais adequadas à remoção das suas dificuldades.
O drama da interrupção voluntária da gravidez combate-se pela remoção das causas que levam à sua prática e não pelo seu livre consentimento, que conduz a outro drama, o da desvalorização da vida.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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A Oradora: - A recusa do agendamento simultâneo deste projecto despenalizante com os que propõem a liberalização é um condicionamento às alternativas que estão em debate.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Desta forma, quer dizer-se à sociedade portuguesa que a única via para proteger e promover a dignidade das mulheres é a liberalização do aborto. E isso, Sr.as e Srs. Deputados, definitivamente, não é verdade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate, todos falaram dos projectos de lei sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez e da opção sobre despenalizar ou não despenalizar; no debate que travamos hoje há uma realidade concreta e três posições perante ela.
A realidade é a do aborto clandestino, da violência sobre as mulheres que ele constitui, do grave problema de saúde pública que provoca, das investigações, inquirições, humilhações, julgamentos e condenações que se repetiram nos últimos anos. É a realidade de uma lei que não tem qualquer papel na prevenção do recurso ao aborto, antes sendo uma norma desligada da realidade e que consagra determinadas concepções em relação à questão, reservando para as restantes a penalização.
Temos depois três posições face a esta realidade incontornável.
A da direita que se opõe à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a dos que defendem o caminho de um referendo sobre a matéria e a dos que, como o PCP, entendem dever a Assembleia da República assumir as suas competências legislativas e promover de imediato a despenalização.

Aplausos do PCP.

A direita, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fingindo comiseração com a situação das mulheres, quer que elas continuem a ser sujeitas à penalização. Antes, escudavam-se na inexistência de julgamentos e condenações; agora, continuam a ignorar de forma insensível o drama de tantas mulheres.
Na verdade, a direita que defende a manutenção desta lei não está preocupada com o recurso ao aborto, apenas se preocupa em combater a alteração da lei, mesmo que isso signifique não reduzir em nenhuma medida, muito pelo contrário, o recurso ao aborto, mantendo-o na clandestinidade confortável para as suas consciências e hipocrisias, mas persecutória e criminosa para com as mulheres portuguesas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a direita que, estando em maioria na última legislatura, impediu qualquer alteração na situação da interrupção voluntária da gravidez, então subordinada aos interesses partidários estabelecidos no conhecido acordo pós-eleitoral entre PSD e CDS-PP, sendo certo que quanto ao PSD, como demonstrámos no debate de Março de 2004, não havia qualquer compromisso eleitoral que justificasse este bloqueio.
Claro que, sempre que se fala de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a direita retoma o discurso pouco sincero da necessidade da educação sexual e do planeamento familiar para logo o esquecer no dia seguinte, como, aliás, fez com a resolução que aprovou, em Março de 2004, com que pretendeu disfarçar a sua posição contrária a qualquer alteração de fundo na legislação.

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

Alguns defendem agora que a lei actual serve perfeitamente. A realidade está aí para o desmentir e nenhuma similitude formal com a lei espanhola ou outra pode servir para esconder que a prática da aplicação da lei faz com que a despenalização seja indispensável para pôr fim ao tratamento das mulheres como criminosas.
Aliás, manda a verdade que se relembre que o PCP, no momento, certamente histórico, da aprovação da primeira lei de despenalização, logo alertou para a sua insuficiência, dizendo, na sua declaração de voto, o seguinte: "Quanto ao diploma que torna lícita a interrupção voluntária da gravidez (legalizando-a em certos casos e condições), está muito longe de ser a solução adequada para dar resposta à dramática situação vivida pelas mulheres portuguesas. De todos os sistemas consagrados nas diversas legislações, este é o mais restritivo. De todas as situações em que o aborto deve encontrar justificação legal, esta lei só contempla um reduzido número de situações especiais e continua a considerar crime a interrupção voluntária

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da gravidez por razões sociais, económicas e pessoais."
Sim. A vida veio provar que tínhamos razão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sim. O tratamento como criminosas das mulheres que recorrem ao aborto, empurradas para a clandestinidade, é um dos principais problemas das mulheres portuguesas e é um dos principais problemas da nossa sociedade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existe hoje, nesta Câmara, uma maioria de partidos e de Deputados claramente favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Esta é uma realidade saída das últimas eleições legislativas.
Por isso, consideramos errada uma solução, como a que propõem o PS e o Bloco de Esquerda, de recurso ao referendo. Ela significa continuar a dar à direita o poder de bloquear os indispensáveis avanços nesta matéria, mesmo agora que está finalmente em minoria.
Não pomos em dúvida que o PS e o Bloco de Esquerda, que agora propõem o referendo, têm uma opção de defesa da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Mas esta opção pelo referendo responsabiliza-os pelo que acontecer, no futuro, nesta matéria.
Há, hoje, condições políticas para resolver este problema como nunca houve ao nível dos vários órgãos intervenientes e não sabemos se se manterão no futuro. Desperdiçá-las agora é comprometer o futuro.
Nem se diga que terá de se realizar um referendo por ter havido um outro. A justificação apresentada pelo PS de que o faz por "escrúpulo democrático" não colhe. Aliás, andou bem longe o escrúpulo democrático quando, em 1998, o Partido Socialista, após a aprovação na generalidade, na Assembleia da República, de um projecto de despenalização, cedeu às pretensões da direita, aceitando convocar um referendo, o que se traduziu numa desautorização e menorização do Parlamento e das suas competências, que agora se pretende repetir.

Aplausos do PCP.

Aceitar a indispensabilidade de um novo referendo significa adoptar a errada concepção de que com a realização de um referendo, mesmo sem resultado vinculativo, a Assembleia se autolimita definitivamente em relação à sua competência para legislar sobre a matéria.
Isto não é aceitável em matéria de despenalização da IVG nem em qualquer outra. Sempre o afirmámos e, aliás, não estivemos sós. O próprio Bloco de Esquerda afirmava, no preâmbulo do seu projecto de despenalização na VIII Legislatura, "… a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar porque o referendo não teve consequência legal, e, mesmo que a tivesse, o início de uma nova legislatura atribui-lhe toda a competência".
Pela nossa parte, respeitamos todos os que genuinamente defenderam a via do referendo convencidos de que era o caminho possível para a despenalização. Sabemos que muitos acreditaram que a apresentação de uma iniciativa popular de referendo teria a capacidade de obrigar a maioria de direita à sua convocação, o que, na verdade, não acontecia, podendo a direita chumbar, afinal, o projecto de referendo da mesma forma que as iniciativas de despenalização, como de resto veio a acontecer.
Na prática, esse caminho, como na altura afirmámos, traduziu-se num descomprometimento político com a aprovação imediata da despenalização assim que houvesse maioria parlamentar para tal, como o debate de hoje aliás comprova.
A situação é hoje tanto mais grave quanto é incerto se e quando haverá referendo, para além do seu resultado concreto. Os últimos desenvolvimentos nesta matéria demonstram bem como esta opção significa um adiamento da resolução do problema - não se sabe para quando e em que condições. Aparentemente, em Julho, não estarão reunidas as condições consideradas necessárias pelo Presidente da República. Impensável seria a solução, que vai pairando por aí, de realizar um eventual referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em simultâneo com outro referendo e com as eleições autárquicas. Daí para a frente tudo é incerto, até tendo em conta a aproximação de eleições presidenciais.
Este debate será desta forma uma oportunidade perdida. Certamente, para alguns passará a ser possível dizer que a questão foi colocada em discussão, que fizeram o que tinham de fazer. Mas a verdade é que as opções que hoje aqui se tomarem responsabilizarão quem as tomar, pelas suas consequências.
Pela nossa parte, continuamos coerentemente a manter a nossa posição. A Assembleia da República tem toda a legitimidade para despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, existindo hoje uma maioria política favorável a essa posição.
Em Março de 2004, com o agendamento potestativo do projecto de lei do PCP, realizou-se um debate que foi importante para confrontar a direita com a sua própria hipocrisia, para reafirmar a competência do Parlamento para proceder à despenalização da IVG, visível no facto de, tal como hoje, se votarem primeiro

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os projectos de despenalização e só depois os de referendo, e para procurar a máxima convergência das forças que defendem a despenalização, com vista a abrir caminho a uma solução para esta questão assim que elas tivessem a maioria na Assembleia da República. Era isso que na nossa opinião devia estar hoje a acontecer.
Alguém disse, neste debate, que este é o penúltimo dia em que se debate esta questão, mas podia ser o último. Sendo este o penúltimo dia em que se debate esta questão, não sabemos quando será o último e em que condições virá.
Apoiaremos nestas votações e neste debate todas as iniciativas de despenalização apresentadas, independentemente desta ou daquela discordância em relação a aspectos do seu conteúdo e de não termos, nalguns casos, reciprocidade de voto favorável. Desta forma, demonstramos a nossa inequívoca vontade de contribuir para uma solução de despenalização da IVG como prioridade da acção desta Assembleia da República. Mas não podemos apoiar a via referendária que adia mais uma vez a resolução do problema. Se houver referendo lá estaremos, como no anterior, na primeira linha do combate pela despenalização. Mas perante o drama de milhares de mulheres, preferimos inequivocamente o cedo ao tarde e o certo ao incerto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aproximamo-nos do final do debate sobre as iniciativas legislativas e rapidamente podemos verificar que, da parte da direita, tivemos os argumentos que já estávamos habituados a ouvir, sendo um deles sobre a similitude da lei portuguesa com a lei espanhola. Ora, em qualquer debate, durante todos estes anos na Assembleia da República, foi sempre demonstrada, até à exaustão, a diferente aplicabilidade da lei portuguesa e da lei espanhola. Além disso, apesar do sábio concurso da Sr.ª Deputada Zita Seabra, as leis são efectivamente diferentes.

Aplausos do Sr. Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Nesse aspecto, não "levou a carta a Garcia" porque as leis são efectivamente diferentes. A verdade é que os casos de Maia, Setúbal, Aveiro, todos eles são a aplicação da lei...

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O problema não é da lei!

O Orador: - … e não vemos julgamentos em Espanha. Vemos, pelo contrário, as mulheres portuguesas em Espanha

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, se há alguém que vem aqui referir-se a códigos, a valores morais, perguntando pela aplicação da lei no Serviço Nacional de Saúde, deveria, em primeiro lugar, por sensibilidade e por respeito a essas mulheres, interrogar-se por que razão estão a caminho de Espanha.
Sr.ª Deputada Zita Seabra, não estamos em Espanha, estamos em Portugal. E esses valores e essas sensibilidades são referenciadas à nossa comunidade, ao nosso espaço colectivo. Portanto, esse argumento, que a Dr.ª Leonor Beleza e tantas outras Deputadas do PSD esgrimiram até à exaustão, está, efectivamente, exausto e hoje assistimos a uma repetição de argumentos absolutamente estafados, que não se verificam na prática e que não levam a lugar nenhum.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Da parte do CDS e do PSD temos o argumento de que é "gato escondido com rabo de fora". Na realidade, é até às 10 ou 12 semanas, mas, não, é até às 16 semanas. É absolutamente extraordinário que duas bancadas, dois partidos, não tenham entendido a imensíssima diferença entre ser por decisão da mulher ou ser sem decisão exclusiva da mulher, ou seja, a decisão da mulher sem ser mediada por terceiros, sem parecer médico, sem comités de ética, por decisão da mulher até às 10 ou 12 semanas. É extraordinário que não tenham reparado na diferença fundamental que é a livre e autodecisão, a autodeterminação da mulher.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Orador: - Não repararam nisso? É absolutamente extraordinário! Qual é a vossa escala de valores? Qual é a vossa escala de direitos? Querem pôr um sinal de igualdade numa situação de interrupção da gravidez por mal formação do feto ou por perigo de vida da mulher e noutra que é independente de

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quaisquer que sejam as circunstâncias, alegando que deseja fazer uma interrupção voluntária da gravidez?! Ora, é disso que se trata e de nada mais!
Porém, ficámos aqui a saber que o vosso argumento "corveta" para o referendo é o de baralhar as pessoas.

Risos do BE.

É, mais uma vez, espezinhar os direitos das mulheres e a capacidade de decisão da mulher.

Aplausos do BE e do Deputado do PS Pedro Nuno Santos.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entendemos que esta Assembleia da República tem competência para legislar sem ser necessária uma via referendária. Não é disso que se trata. Entendemos também, e desde há muito, que não haveria outra forma de virar esta página, e talvez venha a ser a forma mais eficaz, a não ser pela realização de um referendo. Entendemos, como outros grupos parlamentares, que isso não diminui a capacidade da Assembleia da República. Mas quero recordar que, ainda há poucos meses todas as bancadas deste lado do Hemiciclo votaram a favor de um referendo através de uma iniciativa popular.

Aplausos do Sr. Deputado do BE João Teixeira Lopes.

Portanto, em termos de coerência política, todos temos o nosso percurso, todos temos o nosso caminho, e ele está claramente identificado aos olhos de todos.
O Bloco de Esquerda não quer fazer a punição da bancada A ou da bancada B. O Bloco de Esquerda quer resolver este problema, criar condições na sociedade portuguesa para que ele seja efectivamente resolvido, não para fazer recriminações ou penalizações de quem quer que seja. Nesse aspecto, só nos poderemos admirar com a incoerência da direita que, há poucos meses, neste Parlamento, tendo a maioria, não deixou que se exercesse o veredicto democrático. Hoje, já lhe interessa, com manobras dilatórias, prolongar para o "dia de S. Nunca" a realização de um referendo. Aí a coerência vale o que vale. Pela nossa parte, manter-nos-emos nesta linha de defesa.
E, Sr.ª Deputada Zita Seabra, temos muita honra e muito orgulho em ser "o pessoal das manif.".

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, vamos entrar no período de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, registam-se 185 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Vamos então votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 1/X - Interrupção voluntária da gravidez (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções de 10 Deputados do PSD.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 6/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções de 7 Deputados do PSD.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 12/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS-PP e de 4 Deputados do PS, votos a favor do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PS e de 7 Deputados do PSD.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 19/X - Exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 4 Deputados do PSD, votos contra do PSD, do CDS-PP e de 4 Deputados do PS e abstenções de 1 Deputado do PS e de 1 Deputado do PSD.

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Srs. Deputados, este projecto de lei baixa à 1.ª Comissão.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Isabel Santos (PS): - Sr. Presidente, para comunicar que, juntamente com um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentarei na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada. Tem três dias para o fazer.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Ana Manso (PSD): - Sr. Presidente, também para comunicar que, juntamente com um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, apresentarei na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr.ª Deputada. Como já afirmei, tem três dias para o fazer.

O Sr. Luís Braga da Cruz (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Braga da Cruz (PS): - Também para anunciar que apresentarei na Mesa uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Como já disse anteriormente, o Sr. Deputado, bem como todos os demais que queiram apresentar, por escrito, declarações de voto junto da Mesa, tem três dias para o fazer.
Srs. Deputados, vamos, então, passar ao segundo ponto da ordem do dia, a discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 7/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 9/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS).
Para apresentar o projecto de resolução n.º 7/X, do BE, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de resolução que o Bloco de Esquerda apresenta propõe a descriminalização do aborto realizado a pedido da mulher até às 12 semanas de gravidez. Mas, ao referir expressamente que o aborto se realiza em estabelecimento legal de saúde, este projecto de resolução não pode ter outra conclusão que não seja o assentimento simultâneo do povo português à descriminalização e despenalização do aborto nestes termos. Não queremos apenas acabar com os julgamentos, queremos acabar com o aborto clandestino, visto que esta é uma matéria de direitos e, simultaneamente, de saúde pública.

Aplausos do BE.

Despenalizar sem descriminalizar ou descriminalizar sem despenalizar são as hipóteses da hipocrisia. A pergunta proposta pelos projectos de resolução do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista é justa, oportuna, adequada, clara e concisa.
O Bloco de Esquerda quer ajudar a virar uma página da história do nosso país, mas sabemos que há muita gente que só quer deixar de se sentir incomodada com os julgamentos. Nós não! Queremos mesmo acabar com os julgamentos!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Nós, realmente, queremos combater o flagelo do aborto clandestino. Queremos que o Serviço Nacional de Saúde receba as mulheres que não têm meios nem apoios para irem a Espanha, Inglaterra e a toda a Europa civilizada. É necessário, por isso, mudar a lei e chegar a uma nova etapa de modernidade e respeito pelos direitos das mulheres. E esta mudança não pode ficar sustentada apenas numa maioria conjuntural na Assembleia da República. É preciso que fique decidida por muitos anos e pelo povo.
O que hoje aqui está em causa não é somente fazer um referendo por já ter havido um outro referendo,

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mas, sim, realizar um referendo para vencer de vez. A esquerda e todos aqueles e aquelas que defendem a despenalização do aborto têm de ter uma legitimidade superior à que é invocada pelos conservadores. Não queremos meias vitórias ou vitórias provisórias. Queremos vitórias e conquistas declaradas! Incerto seria um resultado fruto de uma maioria conjuntural na Assembleia da República. Resultado certo é um veredicto do povo português.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Não discutimos legitimidades formais. Somos mais ambiciosas e ambiciosos: queremos a legitimidade política.
Contesta-se a urgência deste referendo, dizendo que ele corresponde à urgência do Bloco de Esquerda. Urgência do Bloco de Esquerda ou urgência da sociedade? A direita bloqueou a sociedade portuguesa nestes aspectos ao longo dos últimos sete anos. Repito: sete anos! Já há anos que se devia ter realizado um novo referendo. Há um ano, a direita podia ter aceite a realização do referendo, mas não o fez. Estava em maioria neste Parlamento e não o aprovou por uma lógica de poder que, permitam-me dizer-vos, só envergonha o PSD. Agora, querem continuar a adiá-lo, deixando tudo na mesma. À espera de quê?! De mais um adiamento?!
Que autoridade têm, senhores Deputados do PSD e do CDS-PP, para dizerem que o referendo é convocado à pressa?

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - Toda!

A Oradora: - Os senhores, que fazem de Portugal o único país da Europa que passa pela vergonha dos julgamentos de mulheres?! Os senhores, que falharam todas as oportunidades durante anos?! Os senhores, que foram penalizados nas urnas quando o problema do aborto foi discutido por todo o País?!

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): - E o que é que disse o País?!

A Oradora: - Os senhores, que tiveram imensa pressa em pôr um vaso de guerra no mar para impedir a entrada de um pequeno barco?!

Aplausos do BE.

Os senhores, que tiveram imensa pressa na orientação da política criminal e em dar apoio à investigação judiciária sobre a prática de aborto?! Os senhores, que tiveram imensa pressa em impedir a generalização da educação sexual e imensa pressa em ser contra a contracepção de emergência?! Hoje em dia, a vossa é a pressa do nunca e, se possível, de depois do nunca!

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - O Dr. Marques Mendes, líder do Partido Social Democrata, na continuidade "barrosista", assume-se muito incomodado com a situação das mulheres, mas opta pela ameaça de impedir o referendo europeu só para adiar, adiar, adiar, o referendo do aborto. É o PSD no seu melhor!... É o PSD onde estão só cinco mulheres numa bancada de 75 Deputados. É o PSD que despreza as mulheres em função dos seus jogos de poder.

Aplausos do BE.

Protestos do PSD.

É um PSD contra a democracia. É um PSD que é tanto contra os direitos das mulheres que chega mesmo a ameaçar impedir um referendo europeu. É um PSD tanto contra a democracia que, não contente em fazer chantagem no Parlamento, se arroga a condicionar a decisão do Sr. Presidente da República. Afinal de contas, o que vale a abstenção do PSD nesta votação sobre a convocação do referendo? Exactamente a mesma coisa que o voto contrário do CDS-PP! Não há coligação, mas ganharam o vício de estarem encostados ao CDS-PP.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - O CDS-PP aparece-nos hoje numa posição completamente irresponsável. Embora contestemos as posições antidespenalização que relevam da invasão ilegítima do Estado nos direitos individuais, podíamos, pelo menos, reconhecer coerência ao CDS-PP. Contudo, com a proposta de alteração que ontem apresentou e que hoje retomou, já nem se percebe se o CDS-PP é contra a despenalização do

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aborto ou se é a favor da despenalização até às 16 semanas. É, no que diz respeito aos direitos das pessoas que sofrem, um artifício intelectualmente desonesto, impróprio de um partido responsável e mais próximo da chicana política.
É claro que o CDS-PP, em cuja bancada também só se senta uma mulher, não percebe o que é a decisão única, total e irreversível da mulher e por isso baralha as questões. Não percebe porque está contra as mulheres. Não percebe a diferença que existe entre ser uma mulher a decidir, em circunstâncias difíceis, mas por ela mesma, e ter de solicitar a interrupção até às 16 semanas, onde já não é só ela a decidir. É por isso que o CDS-PP não percebe a pergunta do referendo. É por isso que continua refém de todos os fantasmas dos "Deputados Morgados" do passado, simplesmente porque não entende que as mulheres possam decidir.

Aplausos do BE.

Ironia das ironias: aquilo que está nos projectos de lei relativamente às condições psíquicas e sócio-económicas é que nos pode aproximar da lei espanhola, que alguns Deputados do PSD tanto reclamaram mas que nunca cumpriram. Talvez isto explique o facto de a Dr.ª Leonor Beleza, que sempre afirmou que a lei portuguesa era similar à lei espanhola, ter dito publicamente que não fará campanha pelo "Não" no referendo. Porquê, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP? Porquê ela, que foi a destacada porta-voz da campanha pelo "Não" no anterior referendo? Seguramente, pelo balanço desastroso deste problema de saúde pública.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Seguramente, pela ineficiência do governo das direitas, que todos os problemas agravou, nomeadamente o do excursionismo humilhante das mulheres para abortar em Espanha. Seguramente, porque não tiveram pressa em resolver problema algum. Seguramente, porque envergonharam as figuras morais da direita. Seguramente, porque se envolveram com movimentos do fundamentalismo religioso.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Seguramente, porque a lucidez de uma Dr.ª Leonor Beleza foi, ao longo dos últimos anos, ofuscada pelo fanatismo dos que querem continuar a perseguir as mulheres.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Deus nos livre e guarde!

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de alteração do CDS-PP é um episódio triste e desclassificado, revelador de uma liderança em desnorte. Num dia, mandam retratos para um lado, no outro, propõem a despenalização do aborto até às 16 semanas. Não podia haver melhor prova de que esta direita não traz qualquer solução responsável no plano da vida das pessoas e, sobretudo, de que manipula os valores de que se diz portadora. Esta direita até envergonha as pessoas da direita!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quando é a senhora quem o diz…

A Oradora: - Sr.as e Srs. Deputados, a consciência não depende das estações do ano. O sofrimento e a humilhação já foram muitos. A indiferença já castigou demais as mulheres e o povo português. Soubemos sempre que a batalha do referendo é uma batalha difícil. Cá estamos para que, mais cedo do que tarde, tudo se resolva.
O processo que temos diante de nós pode ter complicações suplementares que continuadamente as portuguesas e os portugueses julgarão. Uma coisa é certa: as mulheres não vivem estados de "necessidade desculpante" e não precisam de suspensões provisórias de um pseudocrime que tenham cometido.

Aplausos do BE.

A única verdade, depois de tanta luta e de todos os argumentos terem sido esgrimidos, é que os poderes são provisórios e estão em estado de necessidade culpante.
Sr.as e Srs. Deputados: É essa a vossa responsabilidade. É a responsabilidade do Parlamento. É a vossa decisão que conta, sobretudo quando se sabe que existe liberdade de voto sobre os projectos de lei em discussão. E, no entanto, à direita parece não haver liberdade de voto sobre o referendo. É estranho! Como é que se pode defender a liberdade de consciência na votação do projecto de lei e não defender a liberdade de voto na questão do referendo?
Seja como for, nenhuma Sr.ª Deputada e nenhum Sr. Deputado está inibido da sua livre decisão neste Parlamento. A única diferença entre a liberdade de decisão e o voto realmente assumido é a diferença que existe entre a recta consciência e a vergonha de cada um e de cada uma.

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Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de resolução n.º 9/X, do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sobre o "crime do aborto" já aqui se ouviram os mais diversos argumentos. Já assistimos até a espectaculares mudanças de posição. Mas continua a haver "crime de aborto" quando uma mulher se sente obrigada, dentro de um prazo razoável, a recorrer à interrupção voluntária da gravidez.
Tenho pena que a Sr.ª Deputada Zita Seabra já não esteja na Sala, mas não resisto a dizer…

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): - Estou, sim!

A Oradora: - Peço desculpa. Não tinha reparado.
Não resisto a dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que V. Ex.ª não compreendeu os projectos do Partido Socialista que foram apresentados. Terá tido, talvez, um problema de interpretação quando se referiu às restrições impostas pelo projecto de 1998 em relação ao projecto apresentado em 1997. É que, Sr.ª Deputada, o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista em 1997 era mais amplo do que o de 1998, pois previa a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas. Já o de 1998 permitia, assim como o de hoje, essa mesma despenalização mas apenas até às 10 semanas de gravidez. Por isso mesmo, não resisto a dizer-lhe que não percebeu mesmo o que está em causa. Há 20 anos tinha um entendimento. Hoje tem outro. Quem sabe se amanhã não melhorará e não nos dará razão?

Aplausos do PS.

Por isso mesmo, como a Sr.ª Deputada disse em 1984, "Contra o aborto somos todos nós. Mas é bem sabido que não é possível acabar com o flagelo do aborto clandestino sem a legalização da interrupção voluntária da gravidez." Estas eram as suas palavras em 1984. Podemos concluir, portanto, que foi uma vergonha o que disse sobre o projecto do Partido Socialista! O que nos disse não foi sério e foi desonesto política e intelectualmente!

Aplausos do PS.

Nunca ninguém poderá saber quantas vidas de mulheres teriam sido salvas se, nessas circunstâncias, pudesse ter havido interrupções voluntárias de gravidez clinicamente acompanhadas e em condições de segurança e higiene. Nunca ninguém poderá saber quantos sofrimentos e mazelas físicas e psíquicas de mulheres, muitas vezes jovens, que ficam para a vida, se teriam evitado se tivéssemos a lei equilibrada que por sucessivas vezes não se conseguiu ter.
Mas já todos ouvimos essas histórias incómodas e terríveis a propósito de uma ou outra pessoa, num ou outro momento. Talvez este incómodo não seja, aliás, estranho ao clima em que estes debates sempre ocorrem. Talvez não seja estranho a dúvidas e hesitações de última hora. Talvez não seja estranho a algumas fugas para a retaguarda, para o lado ou em frente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas este incómodo tem de ser vencido, já, pelo modo mais adequado: a transformação do quadro legal da interrupção voluntária da gravidez, para que deixem de continuar a grassar os casos de aborto clandestino, uma realidade assustadora no nosso país e que nos envergonha enquanto europeus.
É isso que o PS, hoje, aqui propõe ao Parlamento: que se dê o primeiro passo para acabar com um ordenamento jurídico retrógrado e iníquo.
Ao fazê-lo, Sr.as e Srs. Deputados, estamos a honrar o compromisso que assumimos com os portugueses e que claramente expusemos em devido tempo, e estamos a honrá-lo no único timing consentâneo com a premência da situação: o da máxima urgência. Mas estamos a honrá-lo também com o respeito integral e escrupuloso pela história deste processo político que tornou necessária a realização de um novo referendo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Honrar um compromisso porquê? Porque os Srs. Deputados das diversas bancadas podem ter as mais diversas opiniões sobre o problema penal do aborto, não podem é, de boa fé, ter dúvidas em relação ao Partido Socialista, ao seu Secretário-Geral e à plataforma política com que se apresentou nas últimas eleições legislativas, a qual expressamente previa o compromisso com a resolução da questão da interrupção voluntária da gravidez.
Não somos dos que dizem uma coisa em campanha para fazer o oposto na semana seguinte. Aqui estamos, a honrar os nossos compromissos, e um dos que mais sensíveis é este! Resolver esta questão é, pois, para o Partido Socialista, um imperativo político, uma responsabilidade, uma exigência de todos aqueles

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que confiaram e confiam no PS.
Sabemos bem o que dissemos aos portugueses que faríamos. Todos os órgãos de soberania sabem como os portugueses votaram, incluindo neste ponto. Os Deputados do PS aqui estão a honrar o seu compromisso. Que cada um ao seu nível faça o mesmo e a questão será resolvida!

Aplausos do PS.

É que, Srs. Deputados, até nas bancadas da direita há quem esteja de acordo connosco.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - E na sua também há!

A Oradora: - Por isso mesmo, permitam-lhes que abram a boca e se juntem ao Partido Socialista nesta defesa.
Alguns grupos parlamentares entendem que esta questão deveria ser regulada sem recurso ao referendo. Juridicamente, podia sê-lo. Mas não pode, agora, politicamente ser assim. Porque o referendo nacional de Junho de 1998, não tendo sido constitucionalmente vinculativo, foi-o política e eticamente porque assim foi consensualmente interpretado à época.
A lei sempre puniu com prisão a interrupção voluntária da gravidez realizada até à 10.ª semana, punição cujo fim queremos propor aos portugueses.
Há sete anos ouvimos muitas vezes dizer que a perseguição judicial das mulheres tinha caído em desuso. E até parecia ser assim. Quantas pessoas não terão ficado em casa, em vez de votar, confiando nesse desuso da lei? Mas desde então ela foi re-usada. Há investigação criminal do tema; há métodos de investigação policial humilhantes. há a afectação de recursos à investigação da prática dos alegados crimes.
Agora, periodicamente, algumas dessas mulheres passam do aborto clandestino para o banco do hospital e deste para o banco dos réus.
Agora mesmo, no meu distrito, o de Setúbal, há mulheres a serem julgadas, expostas na praça pública às vicissitudes penosas dos processos-crime, apenas porque o infortúnio lhes bateu duas vezes à porta, a segunda vez sob a forma de uma investigação criminal.
As injustiças e os sofrimentos provocados pelo quadro legalmente fixado chocam crescentemente a opinião pública. Agora ninguém pode dizer que não vale a pena mexer na lei porque ela não é aplicada.
O início de uma legislatura é um bom momento para tratar de compromissos urgentes. Se, como julgo, há hoje uma maioria pela não criminalização, não se justifica nem mais um julgamento, nem mais um aborto clandestino em condições sub-humanas.
Em matéria de referendos, a direita costuma ser malabarista habilidosa. Atrai a opinião pública para as coisas laterais, para evitar que se decida sobre as principais.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É esse o estatuto da querela das "prioridades". Não há hierarquia de prioridades. Há dois referendos urgentes! Nenhum deve impedir o outro. Tratam de questões tão diferentes entre si! Este não deve ser amanhã. Deveria ter sido ontem, Srs. Deputados! Poderia ter sido no ano passado, se o CDS não tivesse arrastado o PSD para o populismo, na defunta coligação Portas-Barroso-Santana, que até o PSD já enterrou.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade do referendo impõe-se não por desresponsabilização da Assembleia da República mas, sim, por ser necessário voltar a ouvir, como em 1998, as portuguesas e os portugueses, num debate sério mas sereno, num debate profundo sobre este mesmo tema.
O Partido Socialista reafirma, hoje como no passado, que é importante realizar um novo referendo, não para nos desresponsabilizarmos mas para envolver toda a sociedade.
Sete anos volvidos desde a realização do referendo nacional, o flagelo social do aborto persiste em Portugal. São muitos anos, inúmeras as investigações criminais, muitos os julgamentos, muitas as injustiças cometidas sobre quem recorreu à prática do aborto.
Mas o debate desta resolução é ainda mais singelo do que tudo isto, Srs. Deputados. Quantos de nós estão prontos a deixar os portugueses decidir já, por eles, esta questão, e quantos os querem impedir?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Porquê? Alguém tem medo de um próximo referendo?!

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - O PS não! E desafiamos os que acham que a maioria dos portugueses pensam como eles e não como nós a que não se entretenham em jogos na secretaria e a que não tentem esperar pela mudança do árbitro, a que ousem dar a palavra aos portugueses.
Não acho que a esmagadora maioria das mulheres que abortam se orgulhem de ter de o fazer, mas não as quero duplamente humilhadas.
É por isso que o PS, coerente com o passado, consciente da dura realidade de Portugal, propõe para referendo uma e só uma questão: "Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?".

Aplausos do PS.

É, pois, esta, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a iniciativa ora em apreciação. É exactamente a mesma que apresentámos no debate de 4 de Março de 2004.
O Partido Socialista entende dever ouvir os portugueses sobre a mesma matéria. Exactamente a mesma! Repito: "Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?".
Mas, não nos enganemos, o problema hoje é maior porque cada dia que passa há todos os casos que havia no dia anterior e os que se lhe somam.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão premente é a de saber se uma mulher que recorre à interrupção voluntária da gravidez deve ser presa ou não. É por isso que a questão deve ser vista sob o ponto de vista jurídico.
Está em causa uma alteração à lei penal. Para lá da consciência, das convicções religiosas, das concepções ideológicas de cada um, o que está em causa é saber se continuará a ser crime a prática do aborto. Não está em causa o incentivo à sua prática.
Hoje, quem disser às mulheres portuguesas que não são julgadas por terem abortado, mente! As mulheres sabem-no muito bem.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou de acordo!

A Oradora: - Um dia a menos na vida do actual artigo 142.º do Código Penal é um dia a mais no caminho para a resolução do problema do aborto clandestino em condições de saúde precárias.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, façam o referendo, para haver muitos dias a mais!

A Oradora: - É esta a nossa urgência, é este o nosso calendário: o da resolução de problemas reais! Ao votar agora esta resolução, o Parlamento está a dizer aos portugueses que confia neles. A nossa missão começa a ser cumprida.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, ouvimos aqui, designadamente na primeira parte do debate de hoje, várias intervenções de Deputados do Partido Socialista manifestando a sua disposição de despenalizarem a interrupção voluntária da gravidez, alertando para a urgência dessa despenalização e para as graves consequências que decorrem do facto de essa despenalização não se realizar.
A consequência lógica de todas estas intervenções era que, efectivamente, a Assembleia da República aprovasse uma lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, aprovando os projectos de lei que foram apresentados com esse objectivo.
Acontece que este desfecho lógico não é aquele que os senhores querem seguir. Os senhores preferem remeter a questão para um referendo. Isto é, como disse há pouco o meu camarada Bernardino Soares, querem trocar o certo pelo incerto.
Portanto, a Assembleia da República tem uma maioria favorável à despenalização, tem uma maioria favorável para decidir, mas os senhores entendem que a decisão da Assembleia da República deve ser não decidir, e deve ser remeter a questão para um referendo.
Poderão dizer que o PCP, na última legislatura, votou favoravelmente a realização de um referendo. Simplesmente havia uma diferença: é que, nessa altura, havia uma maioria dos partidos de direita nesta Assembleia,…

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - … que já tinham afirmado peremptoriamente que não iam aceitar qualquer alteração à lei

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na legislatura que então decorria.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Ora, a maioria agora é outra! Para os senhores, a diferença pode ser pouca, nós entendemos que a diferença deveria ser muita.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas a questão que quero colocar à Sr.ª Deputada é esta: e se não houver referendo? Isto porque, para já, não se sabe quando vai haver referendo, pois essa decisão não depende da Assembleia da República.
Assim, primeira pergunta: quanto tempo é que os senhores querem esperar, até à realização do referendo, para tomar alguma medida de despenalização? E, se não houver referendo, qual vai ser a atitude do Partido Socialista? Vai esperar? Vai deixar que acabe a Legislatura sem aprovar qualquer iniciativa? Gostaria que respondesse a estas questões.
Já agora, quero anunciar que, se for aprovada a decisão de realizar o referendo, o PCP vai tornar a apresentar o projecto de lei que visa a suspensão dos processos que tenham sido instaurados até que se conclua o processo legislativo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de saber, muito claramente, qual vai ser a disponibilidade do Partido Socialista para aprovar esse projecto de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque, Sr.ª Deputada, o que nos anima não é tirar uma qualquer desforra do referendo de 1998. O que nos anima é resolver este gravíssimo problema de saúde pública e este gravíssimo problema que impende, infelizmente, ainda hoje, sobre as mulheres portuguesas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, por falar em mudanças de posições, gostaria de relembrar e fazer, até, uma citação do então Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, falando em nome da bancada do Partido Socialista, num debate justamente sobre a interrupção voluntária da gravidez, onde referiu o seguinte: "A bancada parlamentar do PS, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe concede, legitimada pelo mandato democrático dos seus Deputados, não foge a assumir perante o País as suas responsabilidades". Mas dizia mais: "É preciso dizer com clareza ao País que, nesta Sala, por detrás da exigência do referendo, esconde-se uma única preocupação verdadeira: empatar, empatar, empatar".
Ora bem, foi pouco tempo depois que o Partido Socialista fez um "acordo de bastidores" com o PSD, ainda em 1998: interromperam o processo legislativo que estava em curso na Assembleia da República e decidiram pela realização de um referendo.
Portanto, Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, esta questão podia de facto já estar resolvida (tem toda a razão!), por via da Assembleia da República!
E o que acontece é que, agora, passadas mais umas quantas legislaturas, esta Assembleia da República tem toda a oportunidade, a composição necessária na sua nova correlação de forças, para resolver a questão por via parlamentar.
A questão é a de saber se há ou não urgência na alteração à actual lei. Há! Porque há mulheres a fazer aborto clandestino em Portugal, porque há mulheres sentadas no banco dos réus a serem julgadas pelo facto de terem feito aborto.
Quanto à urgência, nós, Os Verdes, não temos dúvidas absolutamente nenhumas, mas achamos que outros têm algumas dúvidas.
Sr.ª Deputada, quase que me sinto legitimada a retirar uma conclusão: o Partido Socialista não tem uma verdadeira determinação para resolver esta matéria, porque, de outra forma, poderia fazê-lo na Assembleia da República.
Mas ainda encontro outro argumento. Não percebo este silêncio do Partido Socialista relativamente à própria data que propõe para o referendo, porque isso de dizer que é muito urgente é o mesmo que não dizer nada! O que é isso de urgente?! É antes do Verão?! É a seguir ao Verão?! É em 2005?! É em 2006?!

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O que é isso?!
Queria que a Sr.ª Deputada me esclarecesse, se pudesse, até para saber se vão acabar por ceder à chantagem do PSD relativamente a esta matéria, se vão fazer debates atrás de debates sobre o aborto, o Tratado Constitucional da União Europeia e as eleições autárquicas, tudo à mistura! É preciso perceber quais são as verdadeiras intenções do Partido Socialista.
Sr.ª Deputada, quero ainda colocar-lhe uma última questão, e sinto-me legitimada a colocar-lha porque considero que esta matéria do referendo ao aborto é uma matéria desejavelmente não referendária, porque os direitos não se referendam, dão-se às pessoas, e nós aqui, na Assembleia da República, temos essa responsabilidade.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A realização do referendo tem dois cenários possíveis: o "sim" e o "não". Portanto, gostava de saber o seguinte - e é evidente que só lhe posso fazer esta pergunta se o referendo não for vinculativo: perante estes cenários, quais são os compromissos assumidos pelo Partido Socialista? Isto se o referendo se realizar, como, aliás, lembrou, e bem, o Sr. Deputado António Filipe.

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados António Filipe e Heloísa Apolónia, creio que as questões que me colocaram se resumem no essencial ao mesmo e, por isso, permitam-me que, com toda a serenidade, esclareça duas questões.
A primeira é que o Partido Socialista assumiu um compromisso com os portugueses aquando da campanha eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - E esse compromisso foi o de colocar na agenda política, o mais breve possível, a questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A segunda é que este compromisso deve ser resolvido por via de referendo, aliás, fiéis àquilo que foi um compromisso consensualmente assumido por todos nós neste Parlamento…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eles não são fixos!

A Oradora: - … de que, apesar do referendo de 1998 não ter sido jurídica e constitucionalmente vinculativo, ele era, foi e tem sido política e eticamente vinculativo…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não, não!

A Oradora: - … para a acção política de todos nós.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A Sr.ª Deputada disse isso, mas não é verdade!

A Oradora: - Sr.ª Deputada Odete Santos, permita-me que responda aos seus colegas de bancada.
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Assembleia da República não foge às suas responsabilidades. E o facto é que o Partido Socialista, se estivesse a fugir às suas responsabilidades, não estava hoje a assumir com os portugueses aquilo que assumiu no passado, isto é, que era necessário voltar a haver um referendo, e por isso mesmo apresentámos uma proposta nesse sentido.
Por outro lado, Srs. Deputados Heloísa Apolónia e António Filipe, temos a máxima urgência em que este referendo se realize e até achamos, como eu disse daquela tribuna, que ele devia ter sido realizado "ontem".
Mas há uma coisa que nos honra, enquanto Deputados do Partido Socialista eleitos nesta Legislatura, é que assumimos e honramos o nosso compromisso e, por isso, aprovaremos hoje, aqui, nesta Assembleia, a proposta de resolução para a realização do referendo.

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Aplausos do PS.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Passam a "batata quente" para outros!

A Oradora: - Assim saibam todos os órgãos de soberania respeitar aquilo que são as suas responsabilidades.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Têm alguma coisa contra o Presidente da República?!

A Oradora: - A responsabilidade do Partido Socialista está aqui, começou a ser cumprida hoje, Sr.ª Deputada.
Também sou das que defendem a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. Por isso mesmo, Sr.ª Deputada, acho que não estamos nem a empatar nem a fugir às nossas responsabilidades, antes estamos, com verdadeira determinação, a honrar os nossos compromissos eleitorais, os nossos compromissos de Governo e os nossos compromissos de Legislatura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
Chamo-lhe, desde já, a atenção para o tempo de que dispõe, pois apenas lhe poderei dar uma pequena tolerância porque é autor de um projecto de substituição ao projecto de resolução do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei estão votados, por isso o que agora está em causa é o referendo, tendo o CDS-PP apresentado uma proposta de alteração ao projecto de resolução do Partido Socialista, que decorre do muito respeito pelas funções que competem a este órgão de soberania, que devem ser exercidas com verdade e em obediência à lei e à Constituição.
Pretende o CDS três coisas: em primeiro lugar, evitar um vexame para o Parlamento, que, de outra forma, estará a violar conscientemente a Constituição;…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - … em segundo lugar, evitar uma incomodidade para o Sr. Presidente da República, que, para além do mais, é douto jurista, a quem cumpre zelar pelo cumprimento da Constituição; e, em terceiro lugar, evitar uma violência para o Tribunal Constitucional, que não poderá decidir contra aquela que é a Lei Fundamental.
Será também o resultado da votação da nossa proposta um teste à tão apregoada tolerância do Partido Socialista. E não falamos sequer apenas da tolerância política, porque essa até que é desejável, falamos de outro tipo de tolerância, a tolerância com a ilegalidade que, se esta proposta não for aprovada, o PS estará a demonstrar.
E porque é que a estará a demonstrar? Diz a Constituição que a pergunta a colocar em referendo tem de ser com referência ao projecto de lei que lhe está na base e ser objectiva, clara e precisa.
Mas, então, comparemos: no projecto de lei que apresentou o PS afirma que pretende despenalizar o aborto, só que a pergunta que quer colocar aos portugueses é sobre a descriminalização do aborto, coisa completamente diferente;…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … no projecto de lei o Partido Socialista afirma que pretende aprovar o aborto até aos quatro meses e, designadamente, por razões económicas, já a pergunta que quer colocar aos portugueses é sobre o aborto apenas até aos dois meses e meio, omitindo até completamente as razões de natureza económica que neste debate nem sequer seriam puramente despiciendas. Ou seja, o projecto de resolução nada tem a ver com o projecto de lei, e isso a Constituição não consente. É um logro!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E maioria, neste caso, reflecte teimosia, o que também não é aceitável.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Afirmamos, mais uma vez, que não queremos voltar a ter razão antes do tempo. Já a tivemos há meses, quando conseguimos antever a inconstitucionalidade da pergunta sobre o Tratado Constitucional

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Europeu que o Partido Socialista quis impor. O Tribunal Constitucional deu-nos razão,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, o Tribunal Constitucional deu-nos razão, e hoje o Partido Socialista adoptou como sua a proposta de há meses do CDS-PP. Fica-lhes bem. Mas não queremos voltar a ter razão, mais ainda quando o que está em causa é demasiado sério e não admite qualquer batota.
É tudo isto que está em causa na nossa proposta de alteração. Não se trata de um proposta de resolução sobre o referendo, mas sim do respeito pela verdade, caso esse referendo venha a ser, como parece, uma inevitabilidade.
Todos os portugueses têm o direito de saber que a pergunta que lhes é colocada reflecte o regime jurídico que o Partido Socialista pretende ver entrar em vigor. E se não o estiver a fazer, se não o permitir, então estará a fazer batota em relação aos portugueses e estará, neste próprio debate, a travar uma discussão que, só por isso, nem sequer pode ser séria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS, no seu projecto de resolução, apresenta uma pergunta parecida com a que formulou no referendo realizado em 1998. Parecida no carácter capcioso e errada naquilo em que inova. À semelhança do que então ocorreu, persiste uma reserva mental, a nosso ver inaceitável politicamente.
De diferente tem a errada confusão entre despenalização e descriminalização, erro que, se não for corrigido, põe em causa, a nosso ver, a própria correcção legal de todo o processo, colocando em crise o respeito pelo artigo 4.º da Lei Orgânica do Referendo.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Mas não é só. Como refere com meridiana clareza o relatório aprovado por unanimidade na 1.ª Comissão, de resto da autoria das Sr.as Deputadas Maria de Belém Roseira e Ana Catarina Mendonça, são duas as alterações que o projecto de lei do Partido Socialista propõe à lei: a despenalização, e não a descriminalização, do aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez e o alargamento do prazo para o aborto terapêutico das 12 para as 16 semanas de gravidez, à qual acrescenta como fundamento razões de natureza económica ou social.
Ora, se são duas, confessadamente, as alterações à lei que se propõe fazer, devem ser duas as perguntas a colocar aos portugueses.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Isso é que era sério!

O Orador: - Não o fazer para, depois, à socapa, introduzir na lei alterações essenciais que deliberadamente se subtraíram à decisão referendária não é sério nem eticamente defensável.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já em 1998 o Sr. Presidente da República afirmou que entendia deverem ser referendadas as alterações que se quisessem fazer à lei do aborto. Dirão uns que, não sendo o referendo à lei do aborto juridicamente obrigatório, também não há a obrigatoriedade de perguntar tudo o que nela se pretende alterar. Mas para aqueles que entendem que matérias como esta não devem ser mexidas sem a pronúncia de todos é insustentável a habilidade de "mostrar uma mão e levar o ouro nas duas",…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - … ainda por cima, neste caso, com a imensa gravidade de se estar a pretender estender até ao 4.º mês de gravidez a realização do aborto fundado em meras razões económicas ou sociais.
Como cidadãos, Sr.as e Srs. Deputados, cada um terá sobre esta matéria a posição que a sua consciência lhe apontar, mas como Deputados todos percebemos que esta proposta traz "gato escondido com o rabo de fora", é um embuste que não dignifica quem a subscreve.

Aplausos do PSD.

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Sei que existe nesta Câmara uma maioria que deseja favorecer estas alterações legislativas - as votações que acabámos de fazer comprovam-no. Quero acreditar, no entanto, que ninguém nessa maioria se envergonha daquilo que pensa ou quer esconder aquilo que propõe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que formulo aqui a sugestão aos autores para conformarem a proposta de referendo, com objectividade, clareza e precisão, a que acrescento seriedade, às alterações legislativas que preconizam,…

O Sr. José Junqueiro (PS): - Seriedade não tiveram vocês durante anos!

O Orador: - … e, então, terão de ser duas, e não uma, as perguntas a formular.
Quem quer mudar a lei por estar convencido de que essa é a vontade maioritária da sociedade portuguesa não deve ter medo de mostrar as suas verdadeiras intenções e de aceitar, depois, a decisão dessa mesma sociedade.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Exactamente!

O Orador: - É isso o que se exige à maioria no debate que hoje aqui travamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem de ser muito clarificador. Clarificador ao ponto de os portugueses perceberem o que estamos, de facto, aqui a fazer.
Olhemos para este Parlamento: há seis grupos parlamentares. De entre eles, o PSD e o PP não defendem a alteração da actual lei penal no que respeita à regulação das condições em que pode ser praticada a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher, enquanto Os Verdes, o BE, o PCP e o PS assumem que querem alterar a actual legislação, no sentido de despenalizar a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher. Significa isto que numa Câmara composta por 230 Deputados, eleitos em Fevereiro último, cerca de 140 são favoráveis à alteração da lei, o que corresponde a uma larga maioria de Deputados.
Temos, pois, todas as condições para resolver um problema com o qual a sociedade portuguesa, e particularmente as mulheres, se confrontam e que diz respeito à sua própria dignidade como mulheres, o problema que decorre de uma lei, que só tem tido como consequência o fomento do aborto clandestino, associado, ainda por cima, à prossecução de políticas que têm promovido a pobreza e o julgamento de mulheres que se sentam no banco dos réus, apontadas como criminosas, para as quais a lei remete um destino - a prisão -, que só não tem resultado insistentemente nessa pena, porque o processo judicial se vai sustentando em falta de provas.
Está visto, então, que o problema decorre da lei.
O PSD e o PP convivem bem com esta lei, mas, a bem dizer, não a querem ver aplicada integralmente e não conseguem passar dessa incongruência. Ou seja, querem que o aborto a pedido da mulher nas primeiras semanas continue a constituir um crime, mas nunca ouvi nenhum dos Deputados destes partidos afirmar que querem ver na prisão as mulheres que praticam aborto, como a lei prevê. São partidos que convivem bem com a incoerência, mas isso já todos sabemos. Pois não é destes partidos que costuma vir a preocupação discursiva absoluta com as famílias e que depois, em termos de medidas concretas, quando estiveram no governo e formaram maioria absoluta neste Parlamento, o que fizeram foi dificultar a vida às famílias?!

Vozes de Os Verdes e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Entretanto, é importante também não desvirtuar aquilo que estamos a discutir. Dizia um Sr. Deputado do PP ainda há pouco que o seu partido é contra a liberalização total do aborto. Pois não é isso que está em causa, não é disso que se trata. Do que se trata é de o despenalizar em certas condições específicas, a pedido da mulher e nas primeiras semanas de gravidez.
Depois, foi também - já agora permitam-me este aparte - extremamente interessante ouvir a Sr.ª Deputada do PSD mandar grandes rabecadas ao próprio PSD, quando disse que os governos deveriam flexibilizar a interpretação da lei. Mas que grande "descasca" que ela mandou para o próprio PSD, que até há pouco tempo esteve no governo! Mas que grande "descasca" para o PSD ao essa Sr.ª Deputada ter referido que se deveria dar uma urgente prioridade às questões da educação sexual e do planeamento familiar! Sem dúvida que a própria lei de 1984, que ainda há pouco aqui se referia, não está implementada

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por culpa dos sucessivos governos!
Sr.as e Srs. Deputados, temos de ser consequentes. Uma mulher que pratica um aborto não é uma criminosa, logo a lei que criminaliza o aborto e pune com prisão a mulher que aborta tem de ser alterada.
Passemos, então, para a postura das forças políticas que defendem a alteração da lei.
O PS, no seu compromisso eleitoral, refere expressamente: "O País assistiu a uma sucessão de julgamentos de mulheres pelo crime de aborto, que confrontaram a nossa sociedade com uma lei obsoleta e injusta." E diz ainda que "a despenalização da IVG é uma inadiável exigência de justiça e dignidade para as mulheres". Mas a este compromisso já lá vamos.
Perante estas afirmações, claras e peremptórias, o que se esperaria em termos de responsabilidade política era que o PS assumisse que vai alterar a lei. Ora, se assume que há uma tamanha injustiça inscrita na lei, como não aplicar uma medida certeira que se traduza numa lei justa e adequada, ainda por cima quando no Parlamento há uma maioria claríssima favorável à despenalização da IVG? Mas não, o PS defende a realização de um novo referendo.
Valerá, porventura, a pena relembrar algumas afirmações feitas em nome do PS no debate de 1998, que, aliás, já tive aqui oportunidade de recordar.
Ao apresentar o projecto de alteração da legislação reguladora da IVG, referia nessa altura o então Deputado Sérgio Sousa Pinto: "A bancada parlamentar do PS, fazendo uso dos poderes que a Constituição lhe concede, legitimada pelo mandato democrático dos seus Deputados, não foge a assumir perante o País as suas responsabilidades". Dizia mais: "A ninguém, e muito menos ao legislador, é consentido virar as costas à realidade" (do aborto clandestino). E dizia ainda: "É preciso dizer com clareza ao País que, nesta Sala, por trás da exigência do referendo, esconde-se uma única preocupação verdadeira: empatar, empatar, empatar."
Eis senão quando, depois de aprovado o seu próprio projecto de lei, em 1998, o PS interrompeu o processo legislativo que estava a decorrer no Parlamento e acordou com o PSD a realização de um referendo, demitindo-se daquela responsabilidade que tinha assumido e cedendo ao PSD no "empatar, empatar, empatar".
O referendo, realizado em 28 de Junho de 1998, teve o resultado que teve: não foi vinculativo, na medida em que só 39,1% dos eleitores inscritos se pronunciaram; o "não" atingiu uma percentagem, de entre os votantes, de 50,9% e o "sim" uma percentagem de 49,1% - uma percentagem mínima de diferença, portanto.
Passaram sete anos. O PS, e agora também o BE, vêm propor a realização de um novo referendo, vêm propor que a Assembleia da República deixe de assumir a sua responsabilidade imperativa de pôr termo a uma lei hipócrita e que se realize um novo referendo.
Quanto a esta proposta, "Os Verdes" têm de realçar dois aspectos: em primeiro lugar, a Assembleia da República tem toda a legitimidade para alterar a legislação, sem recurso a referendo - estamos perante uma lei hipócrita, promotora de um problema de saúde pública gravíssimo, como o aborto clandestino, que não se compadece com mais demoras para ser alterada. Em segundo lugar, "Os Verdes" consideram que, acima de tudo, não estamos perante uma questão desejavelmente referendável; estamos no âmbito de uma questão que, como sempre se afirma, é uma opção do foro íntimo de cada um. E só pode ser uma questão do foro íntimo e da consciência de cada um se a lei permitir essa opção. A actual lei não a permite; a actual lei empurra as mulheres para o aborto clandestino, não assistido.
A atribuição de direitos não é para Os Verdes matéria desejavelmente referendável; não o é a atribuição de justiça pela lei. E é justamente por considerarmos assim que consideramos ter legitimidade para questionar: mediante o resultado do referendo, qual será o futuro do processo legislativo, aqui, no Parlamento?
E, quando se propõe um referendo, tem de se ter em conta que o resultado pode ser "sim" ou "não". Que compromissos assumem o PS e o BE? Que garantias temos, para além disto, da própria realização do referendo? E, a realizar-se, para quando? Esta será ou não uma matéria sujeita a prioridade? O Partido Socialista não o diz. Será realizado quando? Será cedida ao PSD a realização do referendo "para as calendas"?
O PS disse aqui, na resposta da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, que assumiu na campanha eleitoral o compromisso do referendo. Mas também assumiu o compromisso de alterar a lei. Isto está inscrito no Programa do Partido Socialista. Vamos lá a ver, então, se vão cumprir esta segunda parte do vosso compromisso, quando dizem claramente que a despenalização da IVG é uma inadiável exigência de justiça e de dignidade para as mulheres. O vosso compromisso de alteração da lei foi assumido na campanha eleitoral!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nunca, antes, este Parlamento teve tão propícias condições para pôr termo a uma lei hipócrita que criminaliza as mulheres que fazem um aborto. Nunca, como antes, este Parlamento teve condições para resolver esta questão de uma vez por todas, para pôr termo ao drama do aborto clandestino, para não permitir mais humilhação das mulheres que se têm sentado no banco dos réus por terem feito um aborto. Nunca, como antes, este Parlamento teve condições para pôr termo ao crime que, na verdade, está é na lei.
A preocupação decorre do facto de, ainda assim, os partidos que sempre têm defendido a inalteração da lei, mesmo estando em minoria, conseguirem os seus propósitos: "empatar, empatar e empatar" a resolução

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do problema.
Somos contra este referendo. Estamos, hoje, a perder uma oportunidade para que a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades.
Olhem para a realidade que temos lá fora e resolvam os problemas, Srs. Deputados do PS! Esta, sim, seria uma medida certeira, uma medida que poderia resolver o drama que muitas e muitas mulheres portuguesas encontram na lei e que este Estado lhes oferece e que quando não têm meios para recorrer a outro Estado sujeitam-se ao crime que a lei portuguesa lhes oferece: o aborto clandestino e o banco dos réus, porque ninguém garantirá hoje que os métodos contraceptivos são 100% seguros, porque há mulheres que não têm acesso ao planeamento familiar.
E, quanto à educação sexual, nem se fala: ao contrário daquilo que o PSD pensa, mas nada fez, basta para tanto lembrar que somos, com a Inglaterra, o País que maior número de mães adolescentes tem. As mulheres têm direito a viver plenamente a sua vida sexual e, quando o desejarem, a terem uma maternidade feliz.
A opção do PS e do BE é a realização do referendo. Nós, Os Verdes, queremos demarcar-nos claramente desta posição. Trata-se de uma oportunidade de ouro que perdemos de aprovar a despenalização da IVG e de resolver o problema, hoje, dia 20 de Abril de 2005, em que há mulheres a praticar aborto clandestino e mulheres sentadas no banco dos réus, a serem julgadas pelo facto de o terem cometido.
Vamos ver quando se realizará esse referendo e se se realizará. O "sim" de que as mulheres portuguesas precisam podia ter sido conseguido hoje, sem mais delongas. Esse era o desejo de Os Verdes, esse foi o compromisso eleitoral que assumimos.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e da Deputada do BE Ana Drago.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista votou contra os projectos de lei que não estavam acompanhados de projectos de resolução atinentes à realização de um referendo, porque o objectivo essencial do Partido Socialista é o de aprovar a realização de um referendo.

Risos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.

Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, à bancada do CDS-PP pede-se, ao menos, a cortesia de me escutar tranquilamente.
O nosso compromisso político é o de realizar um referendo que permita ouvir as portuguesas e os portugueses.
O PS afirmou também a sua disponibilidade para alterar, em sede de especialidade, o projecto de lei que hoje aqui aprovámos apenas na generalidade.
O Partido Socialista considera que a realidade do aborto clandestino é uma questão grave, importante e que diz respeito a homens e a mulheres. Não se trata apenas de uma questão de mulheres, mas de uma questão de sociedade.
O Partido Socialista, como quase todos, considera que o aborto não deve ser promovido.
O Partido Socialista, como quase todos, considera que a interrupção voluntária da gravidez não é um método de planeamento familiar.
O Partido Socialista, como quase todos, defende o direito à objecção de consciência dos profissionais de saúde envolvidos, e é por isso que não há nenhum Ministro da Saúde que seja ou possa ser pessoalmente responsabilizado por aquilo que os profissionais de saúde, legitimamente, e de acordo com o seu estatuto deontológico, se podem recusar a fazer.
O Partido Socialista, como quase todos, considera que devem ser combatidas as causas que levam as mulheres a encontrar como única saída, ainda que a mais indesejada, para uma situação complicada a interrupção da sua gravidez.
O Partido Socialista, enquanto esteve no governo, criou todas as condições para que o planeamento familiar se expandisse e a educação sexual fosse uma realidade.
O Partido Socialista alargou a rede de escolas promotoras de saúde de nove para 700, porque considera que é absolutamente essencial alargar a informação e as opções conscientes em função daquilo que são as realidades legislativas do País.
Mas o Partido Socialista, no Governo novamente, também considera que o combate às causas é essencial, e por isso elegeu, como primeira prioridade política, o combate ao desemprego, à pobreza e ao abandono escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - Mas o combate às causas, Sr.as e Srs. Deputados, por mais eficaz que seja, não impede que haja casos nem que haja mulheres que são atiradas para o aborto clandestino em condições graves de risco para a sua vida e a sua saúde…

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - … e que, sendo atiradas para este recurso, sustentem situações de abuso de posição dominante e de criminalidade que, esta sim, deve ser combatida, porque explora as fraquezas das pessoas. E é porque ao longo de anos de debate sobre esta matéria todos dizem que "não querem as mulheres na prisão" que, então, todos devemos criar as condições, definitivas e não apenas provisórias, para que isso seja possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É por isso que propomos a realização de um referendo que promova um debate aberto e esclarecedor sobre esta matéria. E aproveito para rejeitar as invocações de embuste, de falta de seriedade, que, aliás, considero que não têm sido aceites na prática parlamentar nem são próprias do nosso debate parlamentar,…

Aplausos do PS.

… um debate aberto e esclarecedor que permita uma votação consciente em função das opiniões de cada um. Podem existir - e existem - opiniões muito divergentes sobre a questão de fundo, ou seja, a de saber se a interrupção voluntária de gravidez deve ser despenalizada ou descriminalizada, mas não haverá, por certo, razão para votar contra uma consulta às portuguesas e aos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Que sejam eles a decidir, de forma vinculativa, em coerência com a sua vida pública e também privada, de acordo com a sua consciência, como se exige em democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de fazer notar uma declaração da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira: a de que o PS chumbou os projectos de lei que não vinham acompanhados de projecto de resolução dado que o objectivo fundamental do PS é o de realizar um referendo.
Assinalo que, finalmente, o PS reconhece de forma expressa que o seu objectivo fundamental não é o de resolver o problema do aborto clandestino mas, antes, "lavando as mãos como Pilatos",…

Protestos do PS.

… o de adiar, empatar a questão, quando tem nas mãos a possibilidade de a resolver, remetendo para o referendo.

O Sr. António Galamba (PS): - Em 1998 não o ouvi em lado nenhum!

O Orador: - Gostaria de saber se existe a figura regimental do projecto de lei acompanhado de projecto de resolução ou se o que disse é meramente um pretexto para chumbar todos os outros projectos de lei. E faço notar que, abstendo-se, o PS conseguiu também, na prática, chumbar o projecto de lei do Bloco de Esquerda, que por sinal também vinha acompanhado de projecto resolução, se bem que eu não conheça essa figura.
Será que essa figura que invocou foi só um mero pretexto para o PS rejeitar todos os projectos de lei e impedir que eles baixassem à respectiva comissão parlamentar e pudessem ser tidos em conta no encontro de uma única proposta comum que viesse a ser aprovada nesta Assembleia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.
Como já não dispõe de tempo, ser-lhe-á concedido apenas 1 minuto.

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A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, gostava de dizer-lhe que o Partido Socialista se comprometeu, durante a campanha eleitoral, a realizar um referendo e também a lutar pela aprovação desse referendo, relativamente à questão a colocar aos portugueses.
O Partido Socialista não é um partido incoerente, não é um partido que diga uma coisa e faça outra.

Risos do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nem sempre é assim!

A Oradora: - O que o Partido Socialista fez foi afirmar que, numa primeira parte, se comprometia a realizar um referendo e que, numa segunda parte - que o Sr. Deputado omitiu, distorcendo, como é óbvio, os objectivos do Partido Socialista -, nesse referendo se comprometia a fazer campanha pelo "sim".
Mas, mais: o facto de o nosso projecto de lei ter sido votado apenas na generalidade,…

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - … o que significa que o Partido Socialista está disponível para o rever na especialidade, não impede o Sr. Deputado de apresentar todas as sugestões de alteração que, em seu entender, contemplem a posição de Os Verdes. Depois, em votação, será definida qual a redacção final desse mesmo projecto de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Até agora, neste debate, tratámos dois tipos de questões, das substanciais e das de procedimento. Ambas são extraordinariamente importantes e merecem a atenção do debate plural da Assembleia da República.
Podemos perguntar, e certamente muitos do que aqui estão se perguntam, por que razão é que na questão essencial, na questão dos direitos, do respeito pela Constituição e pela civilização, se confronta a maioria desta Assembleia com uma direita tão resistente e tão renitente.
Mais ainda: por que é que temos em Portugal a única direita da Europa que quer manter inscrita na Lei Fundamental da República a ameaça da prisão contra as mulheres que tenham decidido abortar?

Vozes do BE: - Muito bem!

O Orador: - Talvez tenhamos de ir buscar a resposta muito atrás. No Código Civil do Visconde de Seabra dizia-se sobre as mulheres o seguinte: "Não podem ser testemunhas os estrangeiros, as mulheres, os que não estiverem em seu juízo, os surdos, os mudos, os cegos e os que são incapazes".
Depois disto, os Códigos Penais de 1852 e de 1886 impuseram às mulheres uma pena de prisão de 2 a 8 anos, porque consideravam que o aborto era um homicídio.
Claro que, durante toda a ditadura, as direitas mantiveram a mesma ideia persecutória sobre as mulheres, mas chegámos à democracia e em 1983 manteve-se o mesmo ponto de vista.
É esta a tradição, de séculos de hostilidade e de desprezo para com as mulheres, que junta este fundo das direitas que querem manter Portugal como o único País da Europa que põe na lei que as mulheres são julgadas e condenadas à prisão e que leva a cabo julgamentos deste tipo.

Vozes do BE: - É verdade!

O Orador: - Hoje, uma Sr.ª Deputada do PSD veio invocar razões novas. Queria lembrar-lhe que houve uma Deputada comunista, em 1984, que colocou à Câmara o seguinte problema - essa Deputada chamava-se Zita Seabra…

Vozes do PSD: - Chama-se!

O Orador: - Dizia essa Deputada: "Recebi uma carta que dizia o seguinte: 'trabalho a dias para sustentar cinco filhos e um marido alcoólico no desemprego. À sexta gravidez fiz um aborto, porque acho que os meus filhos já passam fome, solidão e miséria'.". E perguntava a Deputada comunista Zita Seabra: "A carta está aqui. Devemos mandar prender esta mulher, Srs. Deputados?"
Essa é a pergunta a que temos de continuar a responder. E a sua resposta, Sr.ª Deputada, é a de que sim, devemos prender essa mulher.

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Aplausos do BE e do PS.

A nossa resposta é não, nunca, em nenhum caso! Em nome do respeito, não mandamos prender essa mulher!
Mais ainda: nessa altura, a Deputada, hoje do PSD, ontem comunista, lembrava ao seu partido de hoje que o programa do PSD defendia a despenalização do aborto - defendeu-a nos anos 70 e 80.
E o Primeiro-Ministro Mota Pinto, social-democrata, trouxe a esta Assembleia uma proposta de revisão do Código Penal legalizando o aborto em circunstâncias idênticas às que agora estamos a discutir.
Que vergonha defender agora as cores de um partido contra as razões que não mudaram! Continua a ser verdade que o PSD defendeu a despenalização do aborto e mudou de posição! Continua a ser verdade que Mota Pinto teve a coragem de tomar uma posição e que o PSD, hoje, não é capaz!

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - É verdade!

O Orador: - E é por isso que se junta uma espécie de coro de "Diáconos Remédios" em torno deste aspecto fundamental: tem de continuar a prisão!
Disse-nos um Deputado do CDS-PP que ele próprio pensava que não se deviam prender as mulheres. Grande novidade! Então, Sr. Deputado, por que é que, não querendo a prisão das mulheres, não propõem uma alteração à lei?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): - Porque não é preciso.

O Orador: - Mas que seriedade é esta? Não querendo a prisão das mulheres - e eu acredito que não queira -, por que é que quer que ela esteja na lei, que a lei imponha a possibilidade de prisão? Mas, é claro, do "partido corveta" nós podemos esperar sempre as maiores surpresas.

Aplausos do BE e da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

Aliás, a novidade de hoje é que o CDS-PP se faz marcar neste debate por uma proposta de alteração que introduz um referendo para a legalização do aborto até às 16 semanas. Curiosa situação! O CDS, no seu arroubo de radicalismo, quer levar-nos agora até uma posição que ninguém defendeu nesta Assembleia.

Vozes do CDS-PP: - Que ninguém defendeu?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Até o PS!

O Orador: - Gostaria, aliás, de vos citar um jovem dirigente de direita, que foi presidente do CDS-PP muito mais tarde, que entretanto mudou de opinião, como é seu legítimo direito, que nos dizia, há 20 anos atrás, o seguinte: "Há um tom cro-magnon com que a questão do aborto tem sido tratada entre nós. Só por referência lembre-se, por exemplo, que em França foi uma liberal, assumida como tal, da maioria giscardiana, a senhora Simone Weil, quem, contra os mais conservadores e os mais ortodoxos, impôs a lei do aborto".

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): - E muito bem!

O Orador: - "Lá, os socialistas não tiveram dúvidas. Giscard, líder da maioria, não interferiu. Quer isto dizer, uma vez mais, que somos subdesenvolvidos; e que, no caso, andamos atrasados, à direita e à esquerda".
O Dr. Paulo Portas pensava assim. Já não pensa, tem o direito de não pensar.

Protestos do Deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares.

Mas esta é a plataforma que estamos aqui a discutir. O que estamos aqui a discutir é a "lei Simone Weil", uma lei moderada, sensata, que tem o apoio da grande maioria dos portugueses, porque a grande maioria dos portugueses e das portugueses não admite que continue esta vergonha da prisão da mulheres!

Vozes do CDS-PP: - Mas quem é que falou em prisão?

O Orador: - E resta, finalmente, um conjunto de questões de procedimento.
Surgiram quatro argumentos contra o referendo.
Primeiro argumento: choca com o referendo europeu - argumento Marques Mendes. Errado! O referendo

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europeu pode realizar-se em Outubro, se o Governo impuser a sua proposta, como em qualquer momento do ano de 2006, porque ele só tem valor legal no final de 2006, quando todos os países europeus concluírem esse processo.
Esse referendo exige uma revisão constitucional, o referendo sobre o aborto não exige e, em contrapartida, está em estado de urgência devido à existência dos julgamentos. Podemos fazer um, como temos de fazer o outro, e sobre ele temos de decidir, não havendo nenhuma inversão de prioridades nesta matéria.
Segundo argumento: o de que temos pouco tempo.
Sr.as e Srs. Deputados, há 7 anos que se discute este referendo, há 7 anos que ele é discutido em todos os processos eleitorais, e neste, que acabámos e que se concluiu com a derrota esmagadora das direitas, houve uma maioria extraordinária a favor de todos os partidos que o inscreveram no seu programa e que o disseram na campanha, porque não esconderam qual era a sua posição.
Terceiro argumento: o das 10 e das 16 semanas.
Se os Srs. Deputados quisessem ter a seriedade de ler o projecto de lei que aprovámos há pouco, na generalidade, veriam que há toda a diferença entre a decisão livre da mulher durante as primeiras 10 semanas e a outra condição em que, sob a tutela e a decisão de um médico, em condições de perigo de morte e grave ou duradoura lesão para o corpo e para a saúde física ou psíquica da mulher, ou das suas condições sociais, se permite essa decisão.

Vozes do PSD: - É nova!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É nova ou não!?

O Orador: - Quarto argumento: a "questão Marques Guedes" sobre descriminalização e despenalização.
Está claro nesta pergunta, como, aliás, já esteve há um ano atrás quando a mesma foi submetida à Assembleia e nenhum argumento foi levantado a este respeito,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi chumbada!

O Orador: - … que a questão da descriminalização liberta o legislador para decidir se considera o aborto ilícito ou não, ou seja, se considera que deve haver pena ou não.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sabe do que está a falar! Se não é crime não pode haver pena!

O Orador: - E a pergunta responde claramente: não há pena durante as primeiras 10 semanas, porque assim o dizem a lei e o referendo.
Estas são as questões sobre as quais temos de decidir. E, naturalmente, em 2005, esta questão tem de ficar decidida. A Assembleia não cumpriria as suas obrigações se procedesse de outra forma e nenhuma circunstância institucional de nenhum tipo pode opor-se a esta decisão livre que deixa aos portugueses a responsabilidade de decidir

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Mas deixo-vos um desafio, Srs. Deputados do PSD. Sugiro mesmo ao Sr. Deputado Marques Mendes a pergunta que pode propor para o próximo referendo, depois de os portugueses terem votado a despenalização e a descriminalização do aborto.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Pensa que é iluminado?

O Orador: - Essa pergunta seria: "Quer que a mulher que praticou o aborto durante as primeiras 10 semanas volte a ser julgada e possa ser condenada a 3 anos de prisão?"
Essa é a pergunta que vão ter de fazer…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Coloque-a!

O Orador: - … e que a vergonha não vos permite dizer, porque essa é a vossa posição!

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegados quase ao fim deste debat, apetece perguntar quem o terá ganho. Certamente não o ganharam os partidos que defenderam a despenalização, porque as suas propostas foram rejeitadas directamente na Assembleia da República; certamente também não o ganharam os partidos que defenderam a despenalização da IVG através do referendo. Seguramente, as mulheres, hoje, não viram o seu problema resolvido.
Quem ganhou este debate foi novamente a força de bloqueio da direita,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!

O Orador: - … que continua a ver a sua posição a vingar. Isto é, a maioria absoluta que, na Legislatura anterior, fez com que nada se alterasse continua, agora em minoria, a ver que essa posição se mantém.

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

Porque a diferença, Srs. Deputados, e com respeito por todas as posições nesta matéria, é que a Assembleia da República pode decidir a despenalização, mas não pode decidir o referendo!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem! Essa é que é a questão!

O Orador: - Essa é a questão fundamental!
A nossa perplexidade é que no momento em que há uma maioria que quer decidir pela despenalização do aborto entende não o fazer e propor que se faça uma coisa que não está nas suas mãos: garantir que se realize. É este o problema que temos neste momento!

Aplausos do PCP.

Depois, é preciso terminar este debate dizendo que, passados tantos anos, a direita continua com a suprema hipocrisia de dizer que não quer que as mulheres sejam presas, mas que quer continuar com a lei que as manda para a prisão!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta hipocrisia continua e é uma vergonha…

Aplausos do PCP.

É uma vergonha que, no século XXI, os partidos da direita continuem a ter esta posição.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nem percebem nada de Direito Penal!

Protestos do CDS-PP.

O Orador: - É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta questão continuará até que o problema seja resolvido.
Pela nossa parte, queremos dizer que lutamos por essa causa desde 1982 e que ninguém levou desta bancada as causas que defendemos nesse ano, em 1984 e em todos os outros momentos. Essas causas continuam e continuarão no futuro a ser defendidas nesta bancada até que este problema seja resolvido!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim deste debate.
Entretanto, para uma interpelação à mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, interpelo V. Ex.ª para saber se neste processo legislativo, como é da praxe parlamentar e, do nosso ponto de vista, mais do que isso, obrigação legal, houve audição prévia dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas. E interpelo V. Ex.ª até com a propriedade de quem interpela um insular, que certamente reclama o respeito pelos direitos das autonomias.
Este é um processo legislativo de âmbito nacional, com alterações ao Código Penal, e não tenho de memória nenhum caso em que se tivesse previsto alterações ao Código Penal que não merecesse a audição prévia dos órgãos de governo regionais.

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Protestos do PCP.

Também o referendo - se o Partido Comunista quiser ter um pouco de calma e escutar-me - tem carácter nacional e não regional.
Solicito, pois, este esclarecimento para que se esta obrigação de audição prévia for devida, como é nosso entendimento, a votação que iremos efectuar não fique prejudicada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, esse pedido não foi efectuado, mas não se afigurou necessário. Além disso, até ao momento, essa questão não foi suscitada por nenhuma das bancadas, nem pela que V. Ex.ª representa.

Risos do PCP e do BE.

Tratando-se de legislação de âmbito nacional, que não tem uma incidência específica na região autónoma, mas, sim, uma incidência geral em todo o território nacional, não se afigurou necessário proceder a essa consulta.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, no tocante a esta questão, quero dizer que não estamos a aprovar nenhuma lei mas, sim, um projecto de resolução para a realização de um referendo. Não há, pois, nenhum projecto legislativo em marcha, o que, creio, dispensa a audição prévia dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas.
Contudo, Sr. Presidente, o motivo da minha interpelação é o de solicitar a retirada do projecto de resolução do Bloco de Esquerda sobre a realização de um referendo. Entendemos que ele está prejudicado, na medida em que o projecto de lei aprovado não sustenta a pergunta que aqui colocamos à votação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O do PS também não!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o projecto de resolução está retirado.
Para uma nova interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, registamos o esclarecimento de V. Ex.ª, que naturalmente respeitamos, até porque vem de quem vem.
Queremos apenas dizer, para que conste do Diário e para lembrança de V. Ex.ª e da Câmara, que os serviços de saúde estão regionalizados e que no projecto de lei aprovado se prevê a criação de centros de apoio familiar, o que, do nosso ponto de vista, para além das razões de incidência penal, justificaria a audição.
De todo o modo, Sr. Presidente, deixava apenas esta opinião, para que fique inscrita em acta, quanto mais não seja para que a nossa reserva fique registada.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agradeço também o esclarecimento de V. Ex.ª e aproveito para ler o n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa, que estipula o seguinte: "Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional.".
O referendo previsto no projecto de resolução que vai agora ser votado é um acto que não respeita especificamente às regiões autónomas mas, sim, ao conjunto do País.
Em relação à lei, V. Ex.ª sabe que ela é uma lei geral da República que se compagina depois com o que dispõe a Constituição em matéria de lei geral da República e com os poderes próprios da região em matéria de organização dos serviços de saúde.
Para uma interpelação à mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas lembrar que, na última revisão constitucional, se eliminou a figura da lei geral da República. Portanto, ela não pode ser invocada nesta questão.
Certo é que penso não haver intenção de excluir as regiões autónomas deste referendo e, portanto, o problema pode, efectivamente, ser pertinente.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Muito bem! Tem toda a razão!

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O Sr. Presidente: - Sendo assim, Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 9/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas (PS).
Penso não ser necessário proceder a uma recontagem electrónica do quórum, mas se algum dos Srs. Deputados o exigir ela será feita.

Pausa.

Uma vez que ninguém o exige, vamos, então, votar o projecto de resolução n.º 9/X.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do BE, votos contra do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, de 1 Deputado do PS e de 1 Deputado do PSD e abstenções do PSD e de 1 Deputado do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para uma declaração de voto em nome da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em declaração de voto, queremos deixar bem registada a posição do CDS.
O CDS quis fazer este debate na base da verdade e do respeito pela lei e pela Constituição.
O CDS analisou, com muito cuidado, todas as iniciativas legislativas que estiveram em discussão; o mesmo se diga dos projectos de resolução. E o CDS apresentou uma proposta de alteração ao projecto de resolução que acabámos de votar, relativamente à qual queremos dizer, em sede de declaração de voto, que tivesse o Partido Socialista aceite a nossa proposta e o CDS não se teria oposto à votação do seu projecto, ou seja, à realização do referendo. É que o CDS não tem medo daquela que seja a decisão dos portugueses mas o que também é evidente é que o CDS só aceita esse referendo na base de uma discussão que seja verdadeira e que coloque aos portugueses uma questão que reproduza o que está em causa, isto é, neste caso muito concreto, a despenalização do aborto também por razões de natureza económica até às 16 semanas de gravidez, ou seja, até aos 4 meses.
Tivesse o Partido Socialista, com honestidade e com respeito pela lei e pela verdade, aceite a alteração proposta pelo CDS e a posição do CDS, na votação, teria sido outra, obviamente, conforme a declaração de voto que agora explicitámos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, depreendo também que deixa cair as suas propostas de alteração? É este, pelo menos, o resultado da sua declaração de voto.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, devo dizer-lhe que, em bom rigor, entendemos que essa votação, por se tratar de uma proposta de alteração, deveria ter sido prévia à votação do próprio projecto de resolução mas, uma vez que a Mesa entendeu submeter logo à votação o projecto, no nosso entender a votação da proposta terá ficado prejudicada, porque, de outra forma, ficaria prejudicada a votação anterior e não poderia, desde logo, no caso de aprovação, fazer-se o referendo, como pretende o Partido Socialista, e na base de uma pergunta, de todo o modo, errada e falaciosa.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Registo as palavras de V. Ex.ª, Sr. Deputado, mas sublinho que, sendo uma proposta de substituição, era uma proposta de alteração e, a ser votada, só poderia ser votada depois da votação do projecto de resolução. E a votação do projecto de resolução, na verdade, fez caducar o conteúdo útil da vossa proposta de alteração. Aliás, se procedêssemos de outro modo criaríamos um precedente grave para a possibilidade de os partidos, que não os da maioria, poderem ver votados os seus projectos de resolução nesta Assembleia, porque poderiam vê-los desfigurados em sentido absolutamente contrário.
Srs. Deputados, os nossos trabalhos de hoje estão concluídos. A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, às 15 horas. Compreenderá um período de antes da ordem do dia e a ordem do dia será destinada

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à discussão da proposta de lei n.º 2/X - Autoriza o Governo a legislar sobre distribuição, fora das farmácias, de medicamentos que não necessitem de receita médica.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

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Declarações de voto enviadas à mesa, para publicação, relativas à votação, na generalidade, dos projectos de lei: n.os 1/X - Interrupção voluntária da gravidez (PCP), 6/X - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (Os Verdes), 12/X - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (BE) e 19/X - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez (PS) e dos projectos de resolução n.os 7/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização voluntária da gravidez (BE) e 9/X - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras dez semanas (PS).

Os Deputados signatários desta declaração votaram favoravelmente o projecto de resolução n.º 9/X e o projecto de lei n.º 19/X com as reservas adiante explicitadas.
Decorridos sete anos sobre a realização do anterior acto referendário, que dada a fraca participação registada não adquiriu carácter vinculativo, a sociedade portuguesa dá evidentes sinais de evolução do seu posicionamento face ao enquadramento jurídicopenal da interrupção voluntária da gravidez. Facto que se tem tornado particularmente notório nos debates gerados sempre que surgem novos casos de julgamento pela prática de aborto clandestino e que faz com que perfilhemos a convicção de que esta questão deve ser devolvida ao pronunciamento do povo português.
A descriminalização do aborto a pedido da mulher, até às dez semanas, realizado em estabelecimento legalmente autorizado, tal como é preconizado pelo projecto de lei n.º 19/X, apresenta-se como uma forma de, dentro de limites razoáveis e na falta de consenso científico e ético quanto à determinação daquilo que se pode definir como início da vida, permitir a livre opção num mais amplo respeito pelas convicções filosóficas, religiosas e ideológicas de cada cidadão, dentro de um quadro de política de saúde pública capaz de combater o flagelo florescente do aborto clandestino.
A dependência da concretização da interrupção voluntária da gravidez de uma consulta de planeamento familiar apresenta para nós a virtuosidade de criar um momento propício ao aprofundamento da reflexão sobre a decisão tomada e constituir uma oportunidade de consolidação do quadro de opções dos cidadãos envolvidos em matéria da condução da sua vida reprodutiva.
Há, contudo, uma nota de discordância que conduz à apresentação desta declaração de voto e apesar da qual este projecto de lei mereceu o nosso voto favorável por ser passível de alteração, aquando da discussão do projecto na especialidade.
Consideramos razoável o alargamento para 16 semanas do prazo do aborto por "perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde fisica ou psíquica da mulher grávida", mas discordamos que estas razões de perigo para a saúde possam decorrer de uma fundamentação socioeconómica.
Embora nestes casos a prática de interrupção voluntária da gravidez dependa já não apenas da simples expressão da vontade da mulher, implicando avaliação médica, defendemos que esta menção deve ser retirada em sede de especialidade, uma vez que não se vislumbra que ocorrências deste cariz se possam tornar presentes às 16 semanas que não fossem passíveis de ser avaliadas logo às 10 semanas, podendo esta referência vir a constituir um incentivo à tentativa de manipulação do diagnóstico médico, no sentido de um alargamento do prazo para o aborto a pedido da mulher para além do referendado.

Os Deputados do PS, Isabel Santos - Renato Sampaio - Manuel Pizarro - Agostinho Gonçalves - Maria José Gamboa - Carlos Lage - Isabel Jorge - Hortense Martins - Vítor Pereira - Maria Cidália Faustino - Pedro Farmhouse - Celeste Correia - Rosa Maria Albernaz - Maria de Lurdes Ruivo - Rosalina Martins - Maximiano Martins - Marques Júnior - Irene Veloso - Leonor Coutinho - Cláudia Couto Vieira - Nuno Antão - Jacinto Serrão - Carlos Zorrinho - Miguel Ginestal - Paula Barros - Susana Amador - Ana Couto - Maria Helena Rodrigues - Teresa Diniz - Fátima Pimenta - Jorge Fão - José Lello - Paula Cristina Duarte - Victor Baptista - João Portugal - Isabel Coutinho - José Lamego - Odete João -João Taborda Serrano -José Luís Carneiro - Miguel Laranjeiro - Rui Vieira - Renato Leal - Ricardo Gonçalves - Luiz Fagundes Duarte - e mais sete assinaturas não identificadas.

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Apesar de estar disponível para votar favoravelmente o projecto de resolução n.º 9/X, que propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada nas primeiras dez semanas e a respectiva proposta de pergunta, ainda me subsistem dúvidas de fundo que não consegui dilucidar durante o debate, nomeadamente sobre as seguintes questões:

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A dimensão quantitativa do aborto clandestino em Portugal;
Os resultados das decisões relativas ao incremento da educação sexual e de medidas de aconselhamento familiar;
As razões da ineficácia da quadro legal previsto nas alterações introduzidas em 1997;
A insuficiente co-responsabilização dos dois responsáveis pela concepção do nascituro.
Entendo que um referendo é uma ocasião para aprofundar a reflexão, para obter maior clarificação e, acima de tudo, acrescida responsabilização por parte de todos os interessados.
Quanto ao projecto de lei n.º 19/X, acompanho parcialmente a declaração subscrita por algumas dezenas de Deputados do PS, embora não me sinta à vontade para votar o projecto de lei favoravelmente na generalidade e, em especial, a alteração introduzida na alínea c) do ponto n.º 1 do artigo 142.º (Interrupção da gravidez não punível) do Código Penal, pelas seguintes razões:
Por me parecer muito difícil clarificar as provas de risco físico ou psíquico, bem como as invocáveis "razões de natureza económica e social";
Por recear que a rede de centros de acolhimento familiar não tenham um eficaz funcionamento;
Por conter um risco de simplesmente estimular o alargamento do prazo de dez para 16 dezasseis semanas.

O Deputado do PS, Luís Braga da Cruz.

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Em 1998 votei contra a realização do referendo que propunha a liberalização da interrupção voluntária da gravidez.
Votei contra, porque entendo que se trata de matéria que deriva do nosso património comum, ético, social e cultural, à luz do qual se organiza a sociedade e se exerce a cidadania e não de uma questão de consciências individuais.
Nesse sentido, entendi que o lugar próprio da sua ponderação, da avaliação dos seus limites e do impacto das suas consequências é a Assembleia da República.
Em 1998 realizou-se o referido referendo, que concluiu, como é aliás sabido, pelo não à liberalização.
De então para cá, a interrupção voluntária da gravidez, a despenalização das mulheres que a praticam ou a descriminalização do acto têm sido objecto de intervenções diversas por parte de alguns partidos políticos.
O Partido Socialista, no seu programa eleitoral de Fevereiro de 2005, comprometeu-se a realizar um novo referendo sobre a mesma matéria, tendo em vista uma eventual alteração do Código Penal e a consagração da liberalização da interrupção voluntária da gravidez, caso o referendo conclua por uma resposta positiva à questão enunciada.
Comprometeu-se e tem que cumprir um compromisso assumido perante o eleitorado.
Continuo a entender que esta não é matéria de referendo, mas a minha eleição (como Deputada independente) nas listas do Partido Socialista e o cumprimento que este tem de honrar do compromisso assumido leva-me a optar pela abstenção no projecto de resolução do PS, que promove a realização do referendo em matéria de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

A Deputada do PS, Maria do Rosário Carneiro.

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Votei contra o projecto de lei n.° 19/X e o projecto de resolução n.° 91X no exercício da liberdade que me é concedida e em consciência com o dever ético da defesa do direito inviolável à vida de cada ser humano inocente.
É este o sentido que dou ao disposto no artigo 24.° (Direito à Vida) da Constituição da Republica Portuguesa, que expressamente estabelece:
"1 - A vida humana é inviolável; 2 - Em caso algum haverá pena de morte".
Considero que a inviolabilidade da vida humana, desde o seu início até à morte natural é uma questão de direito natural e aí se alicerça a dignidade da existência responsável do homem e da mulher na sociedade.
A liberalização do aborto mais não é que a declaração de pena de morte para um ser humano inocente, que não tem ninguém que fale por ele.
Por isso, considero que a interrupção voluntária da gravidez não é redutível a uma questão de consciência da mulher, a uma afirmação dos seus direitos, da sua liberdade de escolha. Os progressos científicos no campo da genética não podem ser ignorados e tornam moralmente indefensável que o aborto seja considerado um direito.
O direito da mulher a uma maternidade consciente traduz-se no direito ao planeamento familiar que pode evitar a maternidade e à responsabilidade da sociedade em proporcionar a informação, o conhecimento

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e os meios necessários a um planeamento familiar responsável. Enfim, a invocada dignidade da mulher passa não pelo direito à interrupção voluntária da gravidez mas pelo exercício de uma cidadania responsável.
Por fim, não defendendo a realização do referendo, uma vez que a resposta da sociedade a esta questão já foi dada em 1998, considero legítima a sua realização na presente Legislatura uma vez que decorre de um compromisso eleitoral do Partido Socialista que deve ser cumprido. Contaria, neste enquadramento, com o meu voto favorável se tal fosse necessário para a sua realização.
Por outro lado, face à particular sensibilidade da matéria referendada, que, como se sabe, divide a sociedade portuguesa, considero que a marcação do referendo devia ser precedida de um debate sereno e aprofundado após o conhecimento dos resultados do estudo aprovado nesta Assembleia, na IX Legislatura, que irá permitir traçar, com uma base tão objectiva quanto possível, o quadro da actual situação em Portugal em matéria de cumprimento das Leis n.os 6/84 e 90/97 e da realização de abortos clandestinos.
O agendamento do referendo sob pressão, para poder ser realizado em ambiente político mais favorável ao vencimento da tese da liberalização, só pode ter uma resposta sábia da sociedade portuguesa.

A Deputada do PS - Teresa Venda.

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Mais uma vez a Assembleia da República discutiu a interrupção voluntária da gravidez, um dos problemas sociais mais delicados e debatidos no País.
Votámos favoravelmente o projecto de lei do PS, mas não podemos deixar de referir algumas suas incongruências.
Primeiro, propõe-se despenalizar a interrupção da gravidez, em determinados casos de perigo de morte, lesão da saúde física ou psíquica da mulher grávida - o aborto terapêutico -, designadamente por razões de natureza económica ou social, se for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez.
Por outro lado, e no que respeita ao referendo, o PS faz a pergunta com base no prazo de descriminalização do aborto até às 10 semanas (dois meses e meio) de gravidez, usando no prefácio a ideia de que propõe um recuo em relação à lei portuguesa em vigor que, na verdade, estabelece o prazo de 12 semanas (três meses).
Pensamos que o PS está a tratar um assunto demasiado sério de uma forma muito confusa.
Desde logo, pretendendo legalizar o aborto até aos quatro meses, sabendo todos nós que esse não é o limite eticamente aceitável. De resto, como se confirma na legislação da maior parte dos países europeus.
Esta questão das 16 semanas é para nós central, pelo que só votamos a favor em virtude do compromisso do PS em alterar o seu projecto de lei, em sede de especialidade, reduzindo as 16 semanas para 12 semanas e arredando as causas de natureza económica e social como justificação do aborto.
Somos pela vida e obviamente contra o aborto. Porém, perante a grave realidade em que vivemos no nosso país, há que encontrar uma solução ponderada para conseguir um acréscimo dos cuidados de saúde, uma diminuição dos riscos e a possibilidade de profissionais habilitados tentarem ainda, e com fundamento e pedagogia, talvez uma última dissuasão.
Queremos acrescentar a nossa inquestionável posição a favor das mulheres e contra a penalização de todas as mulheres que, infelizmente, se vêem pessoalmente envolvidas neste drama, que é o da interrupção voluntária da gravidez.
Mas rejeitamos a facilidade e a ligeireza dos que em vez de combaterem as causas do problema se limitam a atacar as consequências.
Nesse sentido, seria bom que o Governo apresentasse soluções para as mulheres envolvidas em dramas e tragédias subjacentes a este problema, que recorram em desespero a um aborto.
Mais uma vez são esquecidas as causas e a génese do problema.
Pensamos que a tomada de consciência da complexidade das situações e a solidariedade que deve unir todas as pessoas, impõe aqui, como em relação a tantos outros problemas, um esforço redobrado de remoção das suas causas, fazendo uma aposta séria no planeamento familiar e na educação sexual.
Por último, a realização oportuna do referendo, que defendemos com convicção, não deve ser prejudicada por questões processuais.
É neste quadro que votamos favoravelmente o projecto de lei apresentado pelo PS, no pressuposto de que estamos em presença de um passo para ajudar a resolver este problema social e de saúde pública e que matérias como as 16 semanas e as razões de natureza socio-económica vão ser corrigidas em sede de especialidade.

Os Deputados do PSD, Ana Manso - José Cesário - Arménio Santos - Jaime Marta Soares.

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O projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista propõe-se despenalizar a interrupção da gravidez

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"caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, se for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez".
No referendo, o PS faz a pergunta com base no prazo de descriminalização do aborto até às 10 semanas (dois meses e meio) de gravidez, usando no prefácio a ideia de que propõe um recuo em relação à lei portuguesa em vigor que, na verdade, estabelece o prazo de 12 semanas (três meses).
Simultaneamente, o mesmo projecto de lei do PS estabelece o prazo de 16 semanas (quatro meses) para a legalização do aborto terapêutico, ao qual acrescenta razões de ordem económica ou social como justificativas do recurso ao aborto.
Para além das considerações de ordem jurídica sobre a disparidade entre a pergunta do referendo e o projecto de lei apresentados pelo PS, há por detrás desta discrepância uma inaceitável manobra política que revela falta de seriedade e uma grande hipocrisia.
Para viabilizar o projecto, apresenta-se uma pergunta num quadro cauteloso e moderado, e, às escondidas, propõe-se legitimar o aborto até aos quatro meses.
Não é por acaso que a legislação existente na imensa maioria dos países europeus estabelece o limite das 12 semanas (França, Espanha, Bélgica, Alemanha, Finlândia, Itália, Dinamarca, Áustria, Grécia, Portugal, etc.) para a interrupção da gravidez.
O prazo de quatro meses é, do ponto de vista ético, de consciência, de defesa da vida, verdadeiramente inaceitável.
Aos quatro meses, a mãe sente os movimentos do bebé, sabe se ele está acordado ou a dormir, faz ecografias em que o médico lhe mostra se é rapaz ou rapariga.
Dificilmente se concebe que algum médico, mesmo que não seja objector de consciência, mas apenas um profissional de princípios, alguma vez aceite realizar um aborto numa mulher com quatro meses de gravidez, que invoque razões de natureza económica ou social.
A questão do aborto coloca sempre gravíssimas questões de ordem ética, moral, ou de consciência. Alargar o prazo para quatro meses suscita indubitavelmente a questão do valor e do respeito pela vida humana.
O PS não apresenta qualquer solução para uma mulher que, em desespero, numa situação dramática da sua vida, recorra a um aborto, mas que por essa razão ela não seja atirada para os bancos dos tribunais ou para os meandros de um negócio sórdido.
Apresenta, sim, um quadro legislativo transformando o aborto numa bandeira de luta, como se se tratasse de um direito social e não de um último recurso.
Os Deputados do PSD estão libertos de qualquer disciplina de voto, por se tratar de um problema de foro da consciência de cada um e entendem que a oportuna realização de um referendo não deve ser prejudicada por questões processuais.
E é precisamente na consciência plena da gravidade do que está em causa com estas propostas que hoje serão votadas, com a sua falta de rigor e até seriedade política, que os Deputados abaixo assinados votarão contra esta forma de tratar o drama da interrupção da gravidez.

Os Deputados do PSD, Luís Marques Mendes - Luís Marques Guedes - Carlos Alberto Gonçalves - Guilherme Silva - Correia de Jesus - António Almeida Henriques - Hugo Velosa - José Manuel Ribeiro - Carlos Andrade Miranda - Melchior Moreira - Jorge Tadeu Morgado - Carlos Pinto - José Amaral Lopes - Duarte Pacheco - Jorge Costa - Virgílio Almeida Costa - Mário Santos David - José Aguiar Branco - Henrique Rocha de Freitas - Fernando Negrão - Regina Ramos Bastos - Luís Rodrigues - Luís Montenegro - Jorge Pereira - Ricardo Martins - Jorge Varanda - Luís Campos Ferreira - Ofélia Moleiro - Miguel Frasquilho - Zita Seabra - Marco António Costa - Luís Montenegro - Pedro Quartin Graça - José Freire Antunes - Miguel Macedo - Sérgio Vieira - Rosário Águas - António Silva Preto - Fernando Antunes - Pedro Duarte - Hermínio Loureiro - Mário Albuquerque - Adão Silva - Vasco Cunha - Patinha Antão - e mais seis assinaturas não identificadas.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
João Cardona Gomes Cravinho
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís António Pita Ameixa
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque

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Susana de Fátima Carvalho Amador

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Francisco José de Almeida Lopes

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
João Barroso Soares
Manuel Maria Ferreira Carrilho

Partido Social Democrata (PSD):
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Victor do Couto Cruz

Partido Popular (CDS-PP):
António Idalino Rodrigues Pereira

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