O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2177

Sexta-feira, 23 de Setembro de 2005 I Série - Número 48 (*)

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006) (*)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE SETEMBRO DE 2005

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da apreciação parlamentar n.º 2/X.
Procedeu-se ao debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 155/X - Sobre alteração da moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal (CDS-PP), que foi depois rejeitado. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Ricardo Rodrigues (PS), António Montalvão Machado (PSD), Alda Macedo (BE), Odete Santos (PCP), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Abel Baptista (CDS-PP).
Relativamente ao parecer, elaborado pela 1.ª Comissão, sobre o recurso interposto pelo CDS-PP da admissibilidade do projecto de resolução n.º 69/X - Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas (PS), que viria a ser aprovado, usaram da palavra os Srs. Deputados Ricardo Rodrigues (PS), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Vitalino Canas (PS), Guilherme Silva (PSD), Osvaldo Castro (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), António Filipe (PCP) e Luís Fazenda (BE).
Após leitura, foram aprovados os votos n.os 23/X - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado do PSD Afonso Moura Guedes (PSD) - sobre o qual se pronunciou o Sr. Deputado Mota Amaral (PSD) - e 22/X - De pesar pelo falecimento de Simon Wiesenthal (CDS-PP), após o que a Assembleia guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 16/X - Altera o artigo 21.º do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, no sentido de consagrar o direito à dedução de despesas com biocombustíveis e de reajustar o regime do direito à dedução de despesas resultantes da organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários e conferências.
A Câmara aprovou também, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 17/X - Autoriza o Governo a regular os crimes de abuso de informação e de manipulação do mercado no âmbito do mercado de valores mobiliários.
Por último, foi aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.º 150/X - Estatuto Jurídico do Conselho Nacional de Juventude (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 20 minutos.

(*) Artigo 174.º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 171.º n.os 1 e 2 da CRP.

Página 2178

2178 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elísio da Costa Amorim
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Cardona Gomes Cravinho
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Garcia Braga da Cruz
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Luís Gomes Vaz

Página 2179

2179 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Susana de Fátima Carvalho Amador
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima

Página 2180

2180 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Abílio Miguel Joaquim Dias Fernandes
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Francisco José de Almeida Lopes
José Batista Mestre Soeiro
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo

Página 2181

2181 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a apreciação parlamentar n.º 2/X - Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto (Altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos) (CDS-PP).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período da ordem do dia de hoje consta um agendamento potestativo, por parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP, para apreciação do projecto de lei n.º 155/X- Alteração da moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal (CDS-PP).
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para efeitos deste agendamento potestativo, o CDS considerou a matéria que hoje tratamos da maior relevância e suponho que ninguém nesta Câmara deixará de o considerar. É que se há questão que esteja na ordem do dia, pelas proporções de repetidas tragédias materiais e humanas, nos últimos anos, é a dos fogos florestais, e destes, como é sabido, parte substancial tem origem criminosa.
Por seu lado, se há realidade que revolta e vem suscitando a maior incompreensão na sociedade portuguesa é precisamente a forma como estes criminosos, assim responsáveis, não sofrem uma justa retribuição pelo mal que causaram. Porque os fogos florestais têm sido responsáveis por danos patrimoniais de dimensão verdadeiramente nacional, pela perda de rendimento de produtores florestais e das suas famílias e pela perda ainda mais grave de vidas humanas.
Os fogos florestais traduzem também um outro aspecto muito grave, ou seja, o abandono crescente do mundo rural, cada vez mais envelhecido e desertificado, entregue a pessoas que dificilmente conseguem combater eficazmente uma tragédia de tais dimensões. Todos verificamos, repetidas vezes, na televisão, nos vários canais, nas imagens que nos entram pela casa adentro do combate aos fogos florestais, que somos surpreendidos por pessoas idosas, muitas delas que vivem isoladas, em povoações quase sempre abandonados, completamente impotentes a um fenómeno que as ultrapassa, mais ainda quando, tendo em conta outros fenómenos de interioridade, a ajuda tarda em chegar. Este é também um fenómeno de abandono do mundo rural. É um reflexo desse mesmo abandono e muitas das proporções que hoje se atingem só se compreendem por esse abandono do mundo rural.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Concretizando o que afirmo, de acordo com as imagens de satélite, até 28 de Agosto, já tinham ardido mais de 240 000 ha em todo o País. Infelizmente, houve já a lamentar a perda de muitas vidas humanas: 10 até essa data.
Por seu lado, de acordo com dados fornecidos pela Polícia Judiciária, mas também pelo Ministério da Agricultura, é de crer que 98% dos incêndios florestais, em Portugal, tenham como origem a actividade humana. Destes, cerca de 80% são fogos que deflagram por negligência. Mas, note-se - daqui a base da

Página 2182

2182 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

incidência da nossa própria iniciativa legislativa -, cerca de 20 % são precisamente resultado de uma actividade criminosa com diferentes motivações, que, para o que nos importa, é o menos relevante. Sejam instintos de vingança, actos de vandalismo ou mesmo causas associadas a debilidades psicológicas, o que é facto é que 20% destas causas de incêndio são resultado de uma actividade criminosa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Note-se, no entanto, que esta actividade criminosa é tão relevante que, até Agosto passado, já tinham sido detidos 112 presumíveis incendiários, com a correspondente abertura de 688 inquéritos. São números muito superiores aos que se registaram durante o ano de 2004.
É precisamente por este motivo que o CDS-PP tem esta preocupação, que vem na sequência do que vimos um pouco por todo o País, quando dirigentes, Deputados dos vários distritos, principalmente naqueles onde o fenómeno foi mais visível, falaram com a protecção civil, estiveram com as populações, falaram com aqueles que, directa ou indirectamente, são chamados a resolver esta triste e infeliz realidade. Daí a necessidade da iniciativa que apresentamos.
Como já se referiu, e como tantos de nós têm testemunhado, existe uma incompreensão generalizada na sociedade portuguesa acerca da forma como o tratamento penal destes delinquentes não vem traduzindo o fortíssimo juízo de censura sentido em consequência dos seus actos.
Como regra, as condenações destes criminosos dão lugar a decisões posteriores de suspensão da execução das penas que lhes foram atribuídas, e quando praticados por inimputáveis raramente se percebe a aplicação das medidas de segurança que a lei penal especificamente prevê, sendo que em poucos crimes se sente tão perceptivelmente como neste caso a vontade colectiva no sentido do agravamento do tratamento penal.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Dificilmente se percebe que em repetidos actos criminosos desta natureza, e com uma dimensão que vem sendo testemunhada e agravada todos os anos, delinquentes beneficiem, como regra, da suspensão da execução das penas em que são condenados.
No entanto, a verdade é que estas decisões vêm tendo uma justificação legal. É que quando o agente do crime é punido com a pena mínima de três anos, os tribunais podem decretar a suspensão da execução da pena de prisão.
A criação de um perigo para a vida através do fogo posto constitui um crime, segundo o artigo 272.º do Código Penal, nos seguintes termos: se praticado por negligência, o crime pode ser punido com uma pena de prisão até 5 anos; se praticado com dolo, com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Pretende, por isso, o CDS-PP aumentar os limites mínimos da moldura penal aplicável, de modo a que o agente do crime praticado com dolo na conduta e dolo dirigido à criação de perigo comum seja condenado, por princípio, numa pena de prisão efectiva que seja verdadeira, real e que tenha equivalência no plano jurídico-penal, precisamente pela dimensão do que está em causa e para que as manifestações de revolta que todos temos junto dos órgãos de comunicação social, ou seja, que nestes casos, pela especial censurabilidade, não seja aplicada como regra a suspensão da execução da pena de prisão.

Aplausos do CDS-PP.

O CDS pretende também uma manifestação muito clara da Assembleia da República, que consiga reflectir a vontade da comunidade e dê um sinal evidente para o exterior.
Um sinal de que está a Assembleia da República está atenta e não negligencia a importância que deve ser dada à punição efectiva de quem, por razões sempre frívolas e justificativas de forte censura, é responsável por danos materiais, pela ruína das famílias, pelo fim de actividades produtivas e pela perda de vidas humanas.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mais se autonomiza o crime de incêndio florestal no âmbito do Código Penal - tal como já aconteceu na vigência da Lei n.º 19/86, de 19 de Julho - atento o desvalor que o mesmo representa, o qual, aliado à insuficiência e desadequação do quadro penal aplicável, reclama um tratamento autónomo para este crime de perigo que passará a dispor de um tipo legal específico entre os crimes de perigo comum.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São estas as nossas propostas. Temos connosco o País. Do Governo percebeu-se, para já, e ao menos em tese, a concordância. Em declarações à comunicação social, o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna salientou recentemente que "…tem sido rara a prisão, domiciliária e em cadeias, de presumíveis incendiários…", ao mesmo tempo que elogiou "… a decisão tomada no âmbito de um processo que correu no Tribunal do Fundão, de manter um indivíduo em prisão preventiva…".
Ora, se esta é uma preocupação que o Governo reflecte numa fase prévia ao próprio julgamento, porque estamos a falar de prisão preventiva e, por isso, numa base que é indiciária, sem grande produção de prova,

Página 2183

2183 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

mais terá de ser real esta preocupação e mais será de afirmar quando o julgamento tenha ocorrido, a prova já tenha sido feita e o arguido, por essa razão, condenado.
Temos, por isso, a compreensão do País. Sabemos da nossa decisão. Sabemos também que, pela palavra do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, a concordância existe. Esperamos apenas que da parte da maioria parlamentar que suporta o Governo, o Partido Socialista, haja uma associação na resolução de um problema, que tem de ser cada vez mais nacional, a começar pelo Parlamento português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Nuno Melo: Percebemos que o CDS, que em termos políticos começou a deixar "cair" a sigla do PP e quer agora ser conhecido só por CDS, de vez em quando tenha uns laivos de populismo e alguma demagogia e apresente nesta Casa sugestões e alterações legislativas que são mais conformes com a demagogia do que com a necessidade de política criminal e legislativa que compete a esta Assembleia da República.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É verdade!

O Orador: - Portanto, nesta nossa intervenção iremos debruçarmo-nos sobre o problema numa perspectiva política e numa perspectiva técnica.
A proposta que o CDS-PP apresenta autonomiza, como disse o Sr. Deputado, o crime de incêndio florestal. Desde logo, há um problema para resolvermos, que é o de saber se o CDS-PP considera que o crime, por exemplo, de incêndio de uma mata é mais importante do que o de incêndio do Chiado. Ou seja, se autonomizar e tentar punir de modo mais severo, aumentando o limite mínimo para 4 anos, quando a lei, actualmente, estabelece que é de 3 anos, considera que é correcto, numa perspectiva de política criminal, dissociar dois bens jurídicos com o mesmo merecimento e criar dois crimes autónomos no nosso ordenamento jurídico criminal: um para incêndios de florestas, outro para incêndios de outras propriedades e de outros bens. O nosso entendimento é que esta política não é correcta.
A tentação fácil que o CDS-PP utiliza no seu argumentário para vir aumentar o limite mínimo, devo dizer-lhe com toda a verdade, não resolve o problema dos incêndios florestais.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - É melhor ficar quieto e não fazer nada!

O Orador: - Portanto, o que o PS entende nessa matéria é que não vamos, e desde já anuncio, votar favoravelmente a vossa proposta.
Mas porque fez alusão a algo que o Sr. Ministro da Administração Interna referiu, tentando levar o PS nesse seu alegado depoimento do Sr. Ministro da Administração Interna, as coisas devem ser postas no seu lugar com a verdade necessária.
Muito bem mencionou o Sr. Deputado que o Sr. Ministro se tinha referido a propósito da prisão preventiva. O Sr. Deputado, como ilustre jurista, saberá que a prisão preventiva tem requisitos próprios que nada têm a ver com a moldura penal do tipo de crime e, portanto, confundiu, pura e simplesmente, a questão da prisão preventiva com a questão da moldura penal do tipo de crime.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, hoje em dia, um magistrado judicial, face a um arguido que é suspeito da prática de um crime de incêndio numa floresta, tem meios, ou não, para aplicar uma medida de prisão efectiva? Tem! Como o Sr. Deputado bem sabe, a aplicação das medidas das penas não depende exclusivamente da moldura penal, mas do ordenamento criminal no seu todo, onde se incluem, naturalmente, os artigos 40.º e 70.º do Código Penal. E a regra, ao contrário do que o Sr. Deputado afirmou, é esta, pois a jurisprudência é quase uniforme no sentido de considerar que as penas devem ser efectivas e privativas da liberdade, não devendo, portanto, ser suspensas.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Considerando o ordenamento jurídico no seu conjunto, é hoje possível ao magistrado judicial condenar com uma pena efectiva.
Por outro lado, o Sr. Deputado Nuno Melo também confunde duas coisas ao considerar que a pena é de 3 a 10 anos para os crimes de incêndio florestal, pois, quando estiver em causa perigo de vida, o senhor bem sabe - se não sabe devia saber - que existe uma agravação pelo resultado no Código Penal, de acordo com a qual a pena é agravada num terço do seu limite mínimo e num terço do seu limite máximo,

Página 2184

2184 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

atingindo-se o desiderato que V. Ex.ª quer atingir com a alteração da lei. Ou seja, a pena, nestas circunstâncias, nunca pode ser de 3 anos, porque a sua medida concreta é aumentada de um terço no limite mínimo e de um terço no limite máximo.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, também por aí a vossa proposta não resolve o problema.
Mas, como não vivemos sozinhos no mundo e até temos vizinhos, é bom recordar o que é que os nossos parceiros da União Europeia têm legislado sobre esta matéria. Em Espanha, por exemplo, este mesmo crime, em relação ao qual o senhor quer hoje aumentar o limite mínimo da pena de 3 para 4 anos de prisão, é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão. Ou seja, mesmo aqui ao lado, num país do sul da Europa com características idênticas às do nosso, a pena de prisão a aplicar para a prática deste mesmo crime é de 1 a 5 anos.
Por todas estas razões, não votaremos favoravelmente este vosso projecto.
Consideramos, contudo, que o assunto que o CDS traz hoje à Câmara é relevante, merecendo, como tal, uma resposta do Partido Socialista. Deste modo, vamos apresentar, tal como consagrado no Programa do Governo do Partido Socialista, aquilo que consideramos corresponder às prioridades da política criminal. Assim, até final deste ano, o Governo apresentará a esta Câmara a proposta de lei-quadro do sistema penal,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Ah! Têm de ser os senhores a fazê-la!

O Orador: - … na qual serão identificados os crimes que terão uma investigação e acção penal mais eficazes.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nesse tipo de crimes incluir-se-á, necessariamente, o crime de incêndio, visto que consideramos que este é um problema grave que o País atravessa. Como tal, a resposta que o Partido Socialista dará nesta matéria passa por considerar que a investigação do crime de incêndio deve ser prioritária em relação à investigação de outros tipos de crimes e que todo o procedimento penal relativo a este tipo de crime deve ser agilizado, no sentido de mais rapidamente se obter um resultado concreto e uma pena efectiva para os arguidos nessas circunstâncias.
Por outro lado, é bom de ver que esta medida, demagógica e incapaz de resolver o problema, é apresentada numa conjuntura particular.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Demagógica porque é nossa, claro!

O Orador: - Todos sabemos que o País passou por momentos difíceis e complicados. Todos sabemos que há portugueses com problemas e situações concretas difíceis de resolver. Ora, na perspectiva do CDS, para satisfazer as necessidades imediatas dessas pessoas nada é mais fácil do que aumentar a medida da pena para este tipo de crimes. Isto é, de facto, a mais pura demagogia, até porque o CDS já passou pelo governo, teve responsabilidades na área da justiça e nada fez nesta matéria.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - De todo o modo, devo dizer-vos que a revisão de um instituto jurídico criminal não se faz ao acaso e ao sabor da conjuntura mas, sim, na lógica sistemática da revisão do Código Penal. Neste sentido, como a Câmara sabe, já foi nomeada uma comissão para a revisão do Código Penal, presidida pelo Sr. Prof. Rui Pereira.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): - Aí já não é demagogia!

O Orador: - O compromisso do PS nesta matéria é o de que, até ao final do primeiro trimestre de 2006, exista uma visão sistemática da revisão do Código Penal e não uma atitude avulsa, ao sabor da conjuntura, que, como sabemos, conduz, na prática, a maus resultados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, a nossa convicção é a de que o vosso projecto não resolve o problema dos portugueses e é demagógico, razão pela qual votaremos contra ele. Assumimos, contudo, o compromisso de apresentar aqui, de forma sistemática e concreta e indo ao encontro das aspirações dos portugueses,

Página 2185

2185 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

soluções para aquele que é um problema difícil para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, confesso que estava a ouvi-lo e a relembrar as imagens que, infelizmente, temos visto em Portugal, perguntando-me em que país é que V. Ex.ª tem vivido.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Aí está a demagogia!

O Orador: - Pergunte às populações e aos familiares das vítimas o que eles pensam e, depois, tente lembrar-se de que está aqui a tentar representar essas mesmas populações. Nessa altura, pergunte-se a si próprio se está certo do que acabou de dizer.
Para começo de conversa, saiba o Sr. Deputado que não deixámos cair qualquer sigla e que continuamos a ser o CDS-PP, Centro Democrático Social-Partido Popular. Esta é a sigla que está registada e em vigor, pelo que este é um assunto arrumado!
Mas se o Sr. Deputado quisesse falar de coisas sérias, poderia ter referido, porque tenho a certeza de que isso também o preocupa, a ausência do Governo num debate tão importante como este. Isso é que o devia preocupar, porque levamos hoje a cabo um debate sobre fogos florestais, discutimos o agravamento do limite mínimo de uma moldura penal abstracta, indo ao encontro daquilo que o Governo, perante as câmaras da televisão, tantas vezes diz, e verificamos que o Governo não tem sequer a dignidade de comparecer perante o Parlamento português para apresentar o seu ponto de vista. Estamos, portanto, conversados e vemos realmente a importância que dá a este tema o Partido Socialista!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Deputado fala de demagogia?! Só pode estar a referir-se ao Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, o Dr. António Costa. Para que não aconteça o mesmo que sucedeu na sessão de ontem, em que um Deputado nos imputou declarações que não fizemos, relembro-lhe que o que eu disse foi o seguinte: "Em declarações à comunicação social, o Ministro de Estado e da Administração Interna salientou recentemente que 'tem sido rara a prisão, domiciliária e em cadeias, de presumíveis incendiários'".
Depois, obviamente não confundindo a questão da prisão preventiva com a suspensão da execução da pena, afirmei que se o Governo defende que uma pessoa deve ser mantida em prisão preventiva - em prisão preventiva! - quando o juízo é necessariamente indiciário e quando o arguido até goza de uma presunção de inocência, como é evidente, quando o julgamento já foi feito, quando a prova foi produzida e quando na base dessa prova o indivíduo foi condenado, por maioria de razão, justifica-se que cumpra essa pena.

Aplausos do CDS-PP.

Aí é que, de facto, reside a demagogia!
Por outro lado, é lamentável a posição do Partido Socialista quando, perante as câmaras, diz o que diz. Lembro que, durante o mês de Agosto, por conselho dado pelo Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, não uma, mas duas vezes - como o próprio bem explicitou na 1.ª Comissão -, o Governo e o Partido Socialista entenderam que o Primeiro-Ministro fez bem em ficar de férias. Nós, pelo contrário, considerámos que não era assim e que deslocar-se ao Parlamento então, durante a discussão de projectos de resolução sobre este tema, ou hoje, para este debate, só lhe teria ficado bem!

O Sr. Mota Andrade (PS): - Demagogia! Populismo!

O Orador: - O facto de não o ter feito é que é lamentável!
Lamentável é ainda que, depois, perante um debate desta importância, os Srs. Deputados não sejam capazes de ter uma posição coerente e compatível com aquilo que afirmam perante a população. De facto, é muito fácil dizer, perante as câmaras das televisões, que se está muito indignado porque há um grande número de fogos que têm natureza criminosa porque aos autores desses crimes não acontece nada, nem sequer ficando presos preventivamente! Quando os senhores dizem isso, sabem que é exactamente isso que pensa a população. Difícil mesmo é, depois, fazer o exercício que o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues está a levar aqui a cabo, que consiste em, no plano parlamentar e legislativo, na Assembleia da República, onde se dá o exemplo e onde se pode mudar alguma coisa, pretender que continue tudo na mesma.
Termino, Sr. Deputado, pedindo-lhe que seja rigoroso na citação de exemplos de direito comparado. Como tal, da próxima vez que citar o exemplo de Espanha e do que aí se dispõe sobre o crime de incêndio,

Página 2186

2186 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

não se esqueça de esclarecer que há uma excepção para o caso de haver perigo de vida ou para a integridade física das pessoas que leva a que a moldura penal estabeleça penas de 10 a 20 anos de prisão. Se quisesse ter sido rigoroso na discussão, podia bem ter citado este exemplo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, apesar de o ter ouvido com atenção, tenho de ser reincidente em algumas das minhas afirmações.
O Sr. Deputado confundiu várias coisas. Em primeiro lugar, porque não há prisão domiciliária para penas efectivas.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu apenas citei o Ministro António Costa!

O Orador: - A prisão domiciliária é uma medida de coacção e o senhor confunde, mais uma vez, uma medida de coacção com uma pena efectiva.
Depois, o seu grupo parlamentar agenda esta discussão com o objectivo de alterar a medida da pena de um crime e o senhor vem, contudo, discutir os fogos florestais e acusar o Governo de não estar aqui para falar desta matéria. Lembro-lhe, Sr. Deputado, que o Governo já esteve aqui várias vezes para falar de fogos florestais.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Hoje, estamos simplesmente a tratar de um projecto vosso, ainda por cima tecnicamente incorrecto, como acabei de demonstrar.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - De demonstrar a quem?! Só se tiver sido aos seus companheiros!

O Orador: - De facto, havendo um tipo de crime que acautela os mesmos bens jurídicos, os senhores autonomizam a parte do incêndio florestal, deixando toda a parte do incêndio urbano noutro crime. Por outro lado, querem estabelecer uma pena maior para um dos crimes e uma pena menor para outro.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Exactamente!

O Orador: - Isto, em política criminal, não é nada, Sr. Deputado! O senhor confunde, de facto, as coisas.
Aquilo que lhe dissemos e mantemos é que esse assunto vai ser tratado sob a perspectiva que temos deste tema e que é diferente da vossa.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E, nessa altura, as soluções vão ser maravilhosas!

O Sr. Mota Andrade (PS): - O senhor está nervoso!

O Orador: - Na verdade, pensamos que, passe o pleonasmo, não vale a pena alterar a medida da pena, pois consideramos que um limite mínimo de 3 anos de prisão e um limite máximo de 10 anos, com a possibilidade de agravação nos casos em que haja perigo de vida, é uma moldura que acautela de forma capaz os bens jurídicos aqui em causa.
Por outro lado, pensamos que a finalidade das penas, tanto no caso da prevenção geral como no caso da prevenção especial, está bem acautelada. E é aqui que reside a nossa divergência. Tudo o resto, Sr. Deputado, é demagogia para as câmaras de televisão e para que possam dizer aos portugueses que querem resolver um problema quando demonstrado ficou que não o resolvem!

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

Página 2187

2187 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

O Sr. Presidente: - Trata-se de uma verdadeira interpelação, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Trata, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria solicitar a V. Ex.ª que mandasse distribuir à Câmara cópia da entrevista concedida pelo Sr. Ministro António Costa, por forma a que se verifique que, quando o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues diz que me confundo, me limito a citar o Sr. Ministro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Quando V. Ex.ª recorre a estes artifícios é sinal de que está desorientado!

O Orador: - Ou seja, o Sr. Deputado diz que o Sr. Ministro se confunde, dirigindo-se, todavia, a mim. De facto - citarei para que fique em Acta -, na referida entrevista o Sr. Ministro António Costa salientou que "tem sido rara a prisão, domiciliária e em cadeias, de presumíveis incendiários".
Ora, o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues considera que o Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna confunde, lamentavelmente, prisão domiciliária com cadeia e eu, tratando-se das declarações de alguém que foi ministro da justiça, peço que seja distribuído este documento. A confusão, como se vê, não é minha, mas, sim, do Sr. Ministro. Eu limitei-me a citá-lo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que esse documento seja distribuído, peço-lhe que o faça chegar à Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é com muito gosto e respeito que o Partido Social Democrata intervém neste debate resultante de um agendamento potestativo do Partido Popular, durante o qual estamos analisando e vamos analisar a bondade ou o acerto da iniciativa legislativa que pretende alterar a moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal.
Como já aqui foi dito, o projecto em discussão tem como principal objectivo agravar aquela moldura penal, elevando de 3 para 4 anos de prisão o limite mínimo da pena aplicável em caso de dolo nos ditos crimes de incêndio florestal. A razão de ser da iniciativa é facílima de detectar, constando, até, claramente do preâmbulo. É que, se o tribunal aplicar ao arguido a actual pena mínima de 3 anos de prisão, esta pode ser, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, suspensa. Se, pelo contrário, o tribunal aplicar o limite mínimo de 4 anos, que se propõe, a pena de prisão tem de ser executada, ou seja, não pode ser suspensa. Eis, pois, o desiderato nuclear desta iniciativa, sendo, portanto, sobre ele que devemos reflectir, considerando o mais residual.
Embora tenha estado atento às preocupações do Sr. Deputado do Partido Socialista, entendo que é mais residual a outra questão suscitada no projecto de lei de destacar, para um artigo autónomo do Código Penal, o crime de incêndio florestal.
Ao ler o preâmbulo do projecto de lei, Sr.as e Srs. Deputados, verifiquei que a maior parte do texto alude precisamente aos fogos florestais deste último Verão, que, de facto, dizimaram um quarto de milhão de hectares no nosso território. Sobre o desastre em si já se falou e debateu muito, mas fez-se muito pouco. Na verdade, Srs. Deputados do Partido Socialista, a proporção do desastre é absolutamente simétrica à desastrosa intervenção do Governo junto das populações que foram mais atingidas por este flagelo e que ainda hoje permanecem completamente abandonadas, devido a uma injustificada teimosia governamental quanto a tomar de imediato as medidas instrumentais urgentes que o desastre justifica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, sobre esta matéria, já falámos. Mas é preciso que o País saiba, e é preciso que o Governo também saiba que o Partido Social Democrata estará ao seu lado para, sem querelas partidárias e em conjunto, tudo fazermos de forma a que, ano após ano (e, portanto, já no próximo ano), as medidas de prevenção e de combate aos fogos sofram melhorias consideráveis, visto que se trata de uma questão que consideramos verdadeiramente nacional.
Mas não há dúvida que foi o aumento do número de fogos que teve lugar este Verão que levou o CDS-PP a apresentar o projecto de lei ora em discussão. Esta iniciativa legislativa surge assim como uma reacção rápida a esse fenómeno, uma reacção rápida à voz popular.
Ora, muito sinceramente, Srs. Deputados, por regra, estas reacções a "quente", como em tudo na vida, não são boas conselheiras, sendo ainda menos boas conselheiras na nobre função legislativa que exercemos e ainda menos boas conselheiras quando se está perante pretensas alterações a um diploma tão importante como é o Código Penal.

Página 2188

2188 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Por conseguinte, Sr.as e Srs. Deputados, esta deve ser a regra: não mexer casuística e isoladamente, ao sabor de ventos e marés, num diploma com a relevância do Código Penal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi exactamente por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, enquanto elaborava um singelo relatório sobre o tema, entendi recuperar alguns trabalhos da anterior legislatura e reler algumas intervenções. Aliás, devo dizer que fiz constar uma dessas intervenções do relatório, que agora passo a reproduzir.
Cito, em primeiro lugar, o Sr. Procurador Geral da República, que nos deu o gosto de estar presente nos trabalhos efectuados em sede da pretensa revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal. Dizia o Sr. Procurador Geral da República: "Aquilo que me parece que se deve evitar de todo - e aqui já não estamos a falar de medidas processuais, que são mais ligeiras, estamos a falar de direito penal substantivo de previsões num diploma fundamental como é o Código Penal - é uma certa tentação que existe para navegar ao sabor ou de casos polémicos, ou de casos mediáticos, ou daquilo que "está a dar", passe a expressão, no momento de alterar as molduras para certo tipo de crimes".
Portanto, Srs. Deputados, como dizia o Sr. Procurador Geral da República: "Esta deve ser a regra: não alterar, ao sabor de ventos e marés, as regras do Código Penal". É a regra, mas não é uma inevitabilidade. Até porque está estudado e demonstrado, e os Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP sabem isso perfeitamente porque têm no vosso seio juristas brilhantes, que não é pela circunstância de se aumentarem as molduras penais que os crimes vão diminuir.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Não é! Está demonstrado! Mas pode ser um factor que contribua para a resolução do problema.
Por isso, não sendo garantido que esta iniciativa legislativa resolva o que quer que seja, pergunto em que circunstância ficamos. Evidentemente que partilhamos das preocupações do Grupo Parlamentar do CDS-PP. De facto, é necessária a participação intensa num amplo debate e reflexão em que devem ser envolvidos magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e advogados. É necessário aumentar e fortalecer a prevenção. É necessário aumentar e melhorar as actividades de investigação criminal. É necessário agilizar e efectivar verdadeiras medidas de coação.
Já agora, gostaria de partilhar com os Srs. Deputados uma reflexão que fiz: por que não pensarmos numa legislação própria para a época dos incêndios? Fizemo-lo noutras circunstâncias, a propósito do Euro 2004, com assinalável sucesso. Bem sei que o assunto não tem nada que ver, é claro que não, mas fizemo-lo com assinalável sucesso. Por isso, por que não pensarmos nessa solução de criar um conjunto de legislação própria para aplicar nessa altura? Seria gerir e optimizar melhor os meios humanos e técnicos.
Além disso, Srs. Deputados, apesar desta iniciativa legislativa merecer as críticas que merece, tem a virtude de constituir, ela própria, um ponto de partida para toda esta reflexão. Por isso, não nos comprometemos com ela, com o seu conteúdo material, mas não vamos inviabilizá-la. É essa a principal diferença entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista, que, puramente e simplesmente, rejeita a reflexão que o CDS-PP propôs fazermos aqui.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Por isso, não queremos desvalorizar o debate. Não queremos e estou certo que os portugueses também não querem que desvalorizemos o debate que VV. Ex.as lançaram. O projecto de lei constitui, pois, uma base para essa reflexão profunda em que queremos participar, em nome do nosso sentido de responsabilidade e em nome do nosso sentido de Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O pico mais dramático da ocorrência de incêndios durante este Verão colocou os portugueses, mais uma vez, diante de um profundo sentimento de fragilidade decorrente da destruição a que os incêndios deram lugar.
A gigantesca extensão de muitos destes incêndios, aliada aos prejuízos que causaram, tanto na perda de vidas como na perda de habitações, campos, matas e animais, deram lugar a sentimentos difusos perante a impotência diante da dificuldade da contenção do fogo, perante a percepção da fragilidade dos meios de combate, perante a constatação do empobrecimento súbito de tantos pequenos proprietários que viram os seus meios desaparecer desfeitos em cinzas.
Este quadro geral fez crescer um sentimento de enorme intraquilidade perante a eventualidade da ocorrência

Página 2189

2189 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

de desastres de proporções devastadores, sentimento esse que é agravado pelo conhecimento de que 20% dos incêndios resultaram de fogo posto, sendo, portanto, actos criminosos levados a cabo muitas vezes por incendiários reincidentes. Certamente que devolver a tranquilidade a estas populações deve ser uma obrigação do Estado.
O que o projecto de lei do CDS-PP, hoje em debate, pretende fazer é, indo ao encontro do conhecimento deste sentimento de fragilidade e de intranquilidade, dar a resposta mais fácil. E a resposta mais fácil é aquela que reside no único recurso que o CDS-PP parece conhecer, que é o recurso do agravamento da moldura penal dos crimes de incêndio florestal.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Já aqui resultou claro que, do ponto de vista daquilo que é a argumentação do CS-PP neste debate, existe uma confusão enorme entre aquilo que é a moldura penal a que ficam sujeitos os criminosos que são condenados pela prática de crime de incêndio e aquilo que são medidas preventivas de coacção sobre presumíveis criminosos. Não insistirei, portanto, nesta distinção. O CDS-PP seguramente terá oportunidade de perceber onde cometeu o logro e o equívoco naquilo que foram as suas apreciações. No entanto, é preciso salientar que faz falta, de facto, recuperar a confiança das populações no sentimento de justiça que, de algum modo, falhou ao longo de todo este processo que foram os incêndios do último Verão.
Valorizar os crimes contra a floresta é uma escolha, e é uma escolha política como qualquer outra. Na verdade, a floresta deve assumir hoje um papel predominante sobre aquilo que são crimes de prática de actos que resultem em incêndios contra outros bens patrimoniais. No entanto, não ajuda à reposição do sentimento de confiança naquilo que são as instituições de justiça no nosso país recorrer apenas à medida que o CDS-PP traz, que é a medida de agravamento da moldura penal.
Faz falta distinguir e identificar as causas deste sentimento de insegurança e dirigir as medidas a aprovar justamente em relação a essas causas de insegurança, de falta ou de fragilidade de sentimento de justiça sentidas legitimamente pelas populações.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - O artigo 272.º do Código Penal já prevê uma pena que pode ir de 3 a 10 anos de prisão por prática de crimes, contemplando nesse período um leque amplo de aplicação da lei, o que significa que tudo aquilo que o CDS-PP traz hoje, ao aumentar o número de anos para a pena mínima de 3 para 4 anos, é simplesmente agravar um quadro penal, o que não resolve o problema. Porque o problema é um problema de dissuasão de cometimento do crime, e é sobejamente conhecido que agravar a moldura penal não serve, não resulta, enquanto factor de dissuasão do crime.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o entendimento do Bloco de Esquerda é de que este projecto de lei que o CDS-PP aqui traz não é útil, do ponto de vista daquilo que é essencial. O que é essencial, no nosso entendimento, é terminar com esta noção que se instalou de que o crime de incêndio é impune, é terminar com esta ideia instalada de que o crime de incêndio não sofre aquilo que são os processos e os procedimentos naturais de todo o nosso sistema.
A impunidade neste crime, como, aliás, em relação a outros, é, certamente, aquele sentimento que é mais importante que não se deixe instalar e ganhar raiz. Mas esse é um efeito que, no caso em debate, só resulta da combinação de dois factores: por um lado, melhorar a vigilância, e, portanto a prevenção dos próprios actos criminosos, e, por outro, agilizar os meios de investigação e acção dos tribunais e, ao mesmo tempo, reequacionar aquelas que são as medidas de coacção a aplicar durante os procedimentos.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - A nossa prioridade deve situar-se no combate à consumação da intenção criminosa. Retirar o campo de facilitação para que o acto criminoso se consuma deve ser, em nosso entender, colocado na cabeça da lista das prioridades. Daí resulta a premência, que o Bloco de Esquerda já trouxe a este Plenário, do reforço das brigadas de vigilância florestal, bem como do melhoramento dos meios do serviço de protecção da natureza e do ambiente da GNR.

Vozes do BE: - Muito bem!

A Oradora: - Os investigadores revelam a convicção de que há um padrão de repetição da prática do crime, isto é, de que, quando um suspeito é preso, ele pode estar implicado na autoria de mais do que um

Página 2190

2190 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

incêndio. Ora, o Código Penal já prevê um agravamento da pena em caso de reincidência. Daqui resulta, mais uma vez, a inutilidade da alteração que o CDS-PP propõe.
Pelo contrário, o que valeria a pena discutir era o âmbito e a adequação das medidas de coacção, particularmente no caso das prisões em flagrante delito, porque importaria garantir que, após a detenção de um presumível criminoso em flagrante delito, este ficasse preventivamente detido até à averiguação cabal dos factos, como forma de prevenção da repetição de comportamento criminoso. Isto obrigaria a uma acção ágil, tanto da parte dos investigadores como da parte do Ministério Público e dos juízes
Em conclusão, diremos que, a ocorrerem crimes, é vital que o sistema judicial actue com a eficiência necessária para combater uma errada noção de impunidade, mas isto não passa pelo agravamento do quadro penal, passa pela garantia de um funcionamento actuante das instituições com responsabilidade de fiscalização, investigação e aplicação da lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, já de há largos anos, tem vindo a apresentar aqui propostas em relação a este gravíssimo problema dos fogos florestais e o debate sobre esta questão não pode desligar-se da política florestal de sucessivos governos e do estado em que deixaram chegar a nossa floresta. Ora, este é um comportamento que, não sendo classificado como tal, é um crime contra a floresta e, ao mesmo tempo, um crime contra a vida. Portanto, politicamente, tem de se denunciar a inércia dos sucessivos governos relativamente a esta grande questão.
Agora, o que os portugueses e as vítimas de fogos florestais querem é que sobre as medidas se faça o debate certo, não querem assistir a um debate sobre uma solução que não vai trazer qualquer resposta, que é, efectivamente, uma solução fictícia. E o que hoje está em causa é uma proposta para que seja agravado o mínimo da moldura penal, nem sequer é o máximo dessa moldura, e para que seja autonomizado este crime.
Salvo o devido respeito, acho que isto nem sequer é uma pequenina gota de água, isto é o orvalho que enfeita quem o usa, mas que, brevemente, se irá desvanecer, porque, de facto, ver-se-á que as soluções são outras e que estas são absolutamente inócuas.
Creio que este projecto de lei, um bocado insensatamente, até "aponta o dedo" para a magistratura portuguesa. Parece que todos os magistrados judiciais andam por aí a suspender penas a agentes criminosos, que actuam dolosamente e que querem um resultado doloso. E isto, efectivamente, não acontece.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Nem sequer o relatório do Sr. Deputado António Montalvão Machado, quando fala na suspensão de penas, diz que este é o caso, porque é preciso saber em que circunstâncias é que a pena foi suspensa, se foi ou não uma actuação negligente, por hipótese.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, penso que isto tem uma suspeição sobre a magistratura, e é inconcebível que isto se passe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Trata-se de uma intromissão no poder, que tem de ser livre, de julgar e aplicar a pena em relação à medida da culpa. Esta foi uma inovação da anterior revisão do Código Penal, uma inovação que toda a gente destacou, embora nem todos tivessem gostado. É moderno expor no Código Penal que ninguém poderá ser condenado em mais do que a culpa com que tiver actuado.
Ouvi, de facto, falar aqui muito na prisão preventiva, mas isto nada tem a ver com a prisão preventiva. Até dá a ideia de que, por causa da moldura ser a que é, com um mínimo de três anos, os arguidos não têm de ficar presos e vêm para a rua com termos de identidade e residência, etc., etc. Isto nada tem a ver, efectivamente, com a prisão preventiva.
Creio que o que se passa - e o relatório do Sr. Deputado António Montalvão Machado traz umas achegas importantes sobre isto - é que, de facto, há míngua de instrumentos que possam carrear provas para os processos, uma vez que a maior parte das denúncias, segundo aqui está, não chegam a julgamento, porque, efectivamente, neste país também não há meios para a investigação criminal.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

Página 2191

2191 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

A Oradora: - Esta é que é a verdade! Não há meios suficientes para que se faça a investigação criminal, qualquer que seja o crime!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Também é verdade!

A Oradora: - Depois, também não é verdade quando se diz que a fixação do mínimo da pena em quatro anos vai implicar que eles vão logo para a cadeia, porque, relacionados com o artigo que fala na medida da culpa, o Código Penal tem mecanismos que o julgador pode aplicar para que a pena corresponda à medida da culpa, que são os mecanismos da atenuação especial da pena. E, portanto, fixar o mínimo da pena em quatro anos também não resolve qualquer problema.
Ao fim e ao cabo, acabamos por concluir que, efectivamente, este projecto de lei é, como foi dito pelo Sr. Deputado António Montalvão Machado, uma resposta "a quente", digamos assim, uma resposta para dar a ideia de que se está a fazer alguma coisa, mas, efectivamente, isto não corresponde a qualquer medida que responda aos interesses das vítimas e à gravidade dos crimes que são cometidos.
A este propósito, recordo o Prof. Costa Andrade, especialista em Direito Penal, e foi aqui Deputado do PSD, com quem aprendi muito, no Plenário e na Comissão, em debates interessantíssimos que travámos sobre estas matérias de Direito Penal, que, num artigo, censurou actuações como a deste projecto de lei, dizendo que era, de todo em todo, condenável uma política criminal "à flor da pele" - esta foi a expressão que ele utilizou.
Seria muito fácil. Eu, agora, só porque penso que as mulheres são discriminadas, fazia aquilo que em alguns sítios se chama uma lei anti-sexista: "Quem discriminar uma mulher é punido com uma pena de prisão até três anos". Se calhar, punha quatro anos, que era para ser mais um bocadinho.

Risos do PS.

Isto é também um exemplo daquilo que não pode ser feito em Direito Penal.
É por isso que o PCP, que já apresentou, há muitos anos, medidas para resolver estes problemas, está disposto a trabalhar para que este gravíssimo problema termine.
Para quem nasceu no interior, atravessa as suas estradas, como eu, e constata a devastação da floresta aquilo dói, é terrível! É preciso pôr mãos a isto! De facto, já é muito tarde, mas é preciso pôr mãos a isto com o convencimento de que se quer mesmo pôr mãos a isto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de se aproximar a hora das votações, uma vez que faltam apenas duas intervenções.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje discutimos tem por objectivo alterar a moldura penal para o crime de incêndio florestal, mais exactamente, alterar a pena mínima de 3 para 4 anos, quando o crime é praticado com dolo.
Ora, conforme os dados disponíveis, cerca de 98% dos incêndios florestais em Portugal têm origem na intervenção humana e, ainda segundo os dados da Polícia Judiciária, desse universo, 80% são fogos que deflagram por negligência, o que significa que apenas 20% dos incêndios, cuja origem reside na intervenção humana, são praticados com dolo, o que, de certa forma, contraria a ideia de que a mão dos incendiários é responsável pelo cenário devastador que neste Verão se estendeu por todo o País.
Porém, tendo presente que os fogos têm atingido enormes proporções e que apenas um incêndio pode devastar milhares de hectares de floresta, estes números não podem, de maneira alguma, ser minimizados, nem é o que pretendemos. A facilidade com que os fogos se propagam e avançam no terreno, ganhando tantas vezes proporções assustadoras, só é possível porque para isso concorrem muitos factores, nomeadamente o baixo teor de água no solo, o que torna naturalmente mais elevada a carga de combustível disponível para arder na floresta, o abandono do mundo rural e da actividade agrícola, o desordenamento florestal sem manchas florestais descontínuas que possam travar as chamas e com espécies altamente inflamáveis, como é o caso do eucalipto, a falta de limpeza das florestas - e aqui é o próprio Estado que não consegue dar o exemplo, pois é o primeiro a não cuidar do que lhe pertence, basta constatar que o fogo consome hectares e hectares das áreas protegidas com a mesma facilidade com que consome noutro qualquer lugar florestal -, a falta de meios no combate e a desertificação. Tudo isto são factores que estão na origem da enorme dimensão que os fogos atingem, tornando a floresta num campo fértil para o fogo lavrar.
Assim, e perante este cenário, esses 20% ganham outra dimensão e outra relevância.
Segundo os dados do Ministério da Justiça, nos últimos seis anos - portanto, entre 1999 e 2005 - 71 pessoas cumpriram pena de prisão por crimes de incêndio, sendo a pena média de cinco anos. Isto confirma que o número de julgamentos e condenações tem sido muito inferior ao das execuções. É verdade!

Página 2192

2192 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Porém, na nossa perspectiva, a explicação para este facto não reside propriamente na moldura penal do crime previsto no artigo 272.º do Código Penal mas, sim, em questões que se prendem com a dificuldade de produção de prova, porque o crime de incêndio é, como todos sabemos, muito difícil de provar.
Por outro lado, e tendo presente que o Direito Penal procura constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade e que as molduras penais, por sua vez, procuram traduzir esta hierarquia de valores, onde, aliás, reside a própria legitimação do Direito Penal, a moldura penal prevista no artigo 272.º do Código Penal parece-nos perfeitamente adequada, tendo em consideração essa hierarquia de valores. Trata-se de uma moldura penal exactamente igual, por exemplo, à do crime de violação, previsto no artigo 164.º do Código Penal, o que, considerando os bens jurídicos em causa que se pretendem defender, nos parece razoável.
A nosso ver, portanto, a actual moldura penal prevista para o crime de incêndio florestal é suficientemente severa para punir o agente do crime e para, através dessa punição, dissuadir a prática do mesmo. Acresce ainda que, em regra, o agente do crime de incêndio florestal age desconsiderando a pena em que pode vir a incorrer.
Por fim, lembrar - como fez já a Sr.ª Deputada Odete Santos - que existem actualmente mecanismos no Direito Penal que permitem, por exemplo, pela via da atenuação especial da pena, chegar à suspensão da execução da pena, e, portanto, em nosso entendimento, o objectivo do projecto de lei não é atingido com esta proposta.
Uma última palavra, relativamente à autonomização do crime de incêndio florestal, apenas para referir aquilo que, a este propósito, vem no relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A verdade é que, durante a anterior Legislatura, esta Comissão ouviu várias entidades com vista à preparação das alterações ao Código Penal e ao Código do Processo Penal e nenhuma delas se pronunciou pela necessidade de autonomizar o crime de incêndio florestal.
Por tudo isto, consideramos que este projecto de lei acaba por ser irrelevante relativamente ao objectivo que desejamos ver cumprido, o da preservação da nossa floresta e a sua protecção, no que diz respeito à deflagração dos incêndios.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o tema está mais ou menos esclarecido, ou, pelo menos, bem esclarecido, por parte de todas as bancadas, mas gostaria de voltar a referir uma questão.
A bancada do CDS-PP, através do seu líder parlamentar, numa interpelação à Mesa, solicitou a distribuição à Câmara de um artigo do jornal Público, o qual, alegadamente, daria razão ao CDS-PP. Ora, depois de ler o artigo, tenho de esclarecer que os senhores faltam à verdade, pelo que até foi bom o mesmo ter sido distribuído. Porquê? Porque pode ler-se, logo no subtítulo, Ministro elogiou aplicação de prisão preventiva para suspeitos de atear fogos e, depois, quanto às medidas, fala-se sempre em medidas de coação e de prisão preventiva; portanto, não se fala da medida da pena.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está em perfeita sintonia com o Governo nesta matéria; quem, mais uma vez, faltou à verdade, foi o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, que, por azar nosso, não está presente na Sala, mas espero que a bancada do PP registe. Os Srs. Deputados faltaram à verdade, trouxeram à colação uma expressão do Sr. Ministro que dá razão ao PS mas que os senhores quiseram interpretá-la como dando razão ao CDS-PP - e isto, no mínimo, é feio, para não qualificar de outra forma. E, portanto, agradecia que, da próxima vez, agissem com mais lisura, porque a verdade vem sempre à tona da água.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, para defesa da honra da bancada, porque, apesar de não ter estado fisicamente presente no Hemiciclo, estava a escutar muito atentamente o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues que usou a expressão "mentiroso" e outras pouco abonatórias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, em primeiro lugar, há expressões que, tendo em conta até a dignidade da Casa, a que todos nos orgulhamos de pertencer,

Página 2193

2193 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

na representação de mandatos que o povo nos conferiu, não são aceitáveis no plano parlamentar, não são utilizadas no léxico parlamentar. Não ficam bem, e não ficam bem num Deputado da maioria, ainda por cima um Deputado com as altíssimas responsabilidades parlamentares que V. Ex.ª tem.

Protestos do PS.

Expressões como "mentiroso" e outras, que, por vezes, se usam na rua, no café, num bar, não são normalmente usadas no plano parlamentar.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado disse que eu não me encontrava presente na Sala. Mas hoje, graças a Deus, o Parlamento goza de benefícios tecnológicos que permitem que se possa ouvir, como sabe, o que é dito na Sala, mesmo não se estando presente. E eu encontrava-se numa sala do Grupo Parlamentar do PP, que por acaso até é aqui ao lado, e pude ouvir, exacta e rigorosamente, o que o V. Ex.ª afirmava, como parece ter acontecido com o Governo, porque, se assim não fosse, V. Ex.ª não teria recebido, ao que parece, indicações novas. E aqui, sim, poderia notar a diferença: o Governo não está presente, enquanto que nós, e eu em particular, estamos.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Há uma diferença substancial: eu estou cá, mesmo quando me ausento por minutos por qualquer razão (e não tenho de lhe a justificativa, não tenho essa obrigação), mas o seu Governo não está.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, se há alguém que "mente", para usar a sua expressão - e tenho a certeza de que não a quis usar com um sentido pejorativo, pelo menos não lhe conhecia esse timbre "caceteiro", e, de resto, não me parece sequer o seu estilo -, não sou eu, é a comunicação social, que, neste país, ainda é livre e, tanto quanto vou sabendo, bem informada através de jornais diários de referência, e fê-lo em termos que, publicamente, tanto quanto sei, não foram desmentidos.
No entanto, se o Sr. Ministro da Presidência não disse o que eu aqui li, citando, como tendo sido dito por ele, porque foi escrito, peço desculpa, mas a verdade é que vem num jornal, que é diário e de uma imprensa que é livre, em termos que, tanto quanto sei, não foram desmentidos nem pelo Sr. Ministro da Presidência nem por V. Ex.ª até ao momento, que não este, já que agora, oportunamente, e tendo em conta as circunstâncias do debate, lhe pareceu necessário, como é óbvio, porque, quanto mais não fosse, tinha a obrigação de defender um ministro que, tendo por seu lado a obrigação de estar presente, optou por se ausentar, certamente no exercício de outras funções igualmente relevantes.
Mas, tendo em conta o que aqui discutimos, mal não lhe ficaria, ficar-lhe-ia bem, Sr. Deputado, se, na resposta que me dará, quanto mais não seja em relação aos excessos, retirar algumas das expressões que usou. Essas expressões não lhe ficam bem, nem ficam bem à bancada de um partido estruturante da democracia portuguesa, que, de resto, tanto quanto sei, pelo menos durante muitos anos, não nos habituou a tal, se bem que, num passado recente, tenha resvalado para esse tom, rapidamente "acertou o tiro" há algum tempo.
Portanto, Sr. Deputado, veja lá se não inverte o tom novamente e se não faz resvalar o debate parlamentar para expressões e alusões que não lhe ficam bem e que nós, certamente, pelo menos nesta bancada, não queremos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, na verdade, os meios electrónicos não foram os suficientes para o Sr. Deputado ouvir convenientemente aquilo que eu disse e, portanto, fez uma intervenção "de ouvido", de alguém lhe ter dito que eu teria dito alguma coisa; e o Sr. Deputado fez aqui uma intervenção que, na verdade, era escusada.
Eu disse, e repito, que a intervenção do Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, relativamente àquilo que está escrito no Público, é, no mínimo feio - foi isto que eu disse.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se foi "feio", está bem!

O Orador: - No entanto, o que agora digo é que o senhor, no mínimo, não sabe interpretar aquilo que está no jornal.

Página 2194

2194 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Repito-lhe, o subtítulo desse artigo é Ministro elogiou aplicação de prisão preventiva…. Ora, o que eu disse foi que essa bancada estava de acordo com o Sr. Ministro…

Risos do PS.

… e que o senhor confunde prisão preventiva com medida da pena em concreto. O Sr. Deputado confundiu as duas coisas, desde o princípio, foi isto que eu lhe disse. Não há qualquer incongruência entre o Sr. Ministro e a bancada do Partido Socialista.
Por isso, repito, que o Sr. Deputado, ao dizer o que disse, interpretou mal, faltou à verdade e quis induzir não só o Parlamento como os portugueses numa contradição não existente entre o Ministro e a bancada do Partido Socialista.
Isto é feio, repito, porque não é verdade e, não sendo verdade, o Sr. Deputado fez uma interpretação incorrecta. Acredito que, enfim, o Sr. Deputado agiu de boa fé, dou-o de barato, porque até fez circular a fotocópia do artigo do Público, que me permitiu ler e verificar que a sua interpretação não é a mais correcta.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Não soube interpretar!

O Orador: - Recordo-lhe, no entanto, que, em Direito, nós estudamos a hermenêutica, e o Sr. Deputado também a estudou, e aqui, neste caso, não são precisos grandes recursos à hermenêutica para perceber o que o Sr. Ministro pretendeu dizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ficámos hoje com algumas informações complementares, pelo menos, relativamente à questão dos fogos florestais.
Em primeiro lugar, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, peço desculpa por não o ter saudado no início da minha intervenção, mas o atraso é de V. Ex.ª, aliás, como vem sendo hábito em matéria de fogos florestais, onde o Governo chega, normalmente, atrasado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Hoje, mais uma vez, o Governo não esteve presente neste debate, chegou atrasado, a exemplo do que vem acontecendo e sendo a primeira vez que, neste Parlamento, se pretende fazer algo em termos de prevenção dos fogos florestais, e o Partido Socialista anunciou logo, de imediato, que votará contra esta iniciativa.
Portanto, parece-me que esta é uma atitude, no mínimo, muito curiosa, vinda de quem tem a responsabilidade, em termos de prevenção de fogos florestais, pela organização e execução de medidas, sendo certo que o incêndio florestal já consubstancia a prática de um crime.
A segunda questão que, já agora, também gostava de deixar aqui referida, relativamente à nossa iniciativa, é a de que não foi uma iniciativa tomada por impulso ou por emoção. Não! É uma iniciativa querida, seguramente, pela maior parte da população. Aliás, basta lermos a imprensa, que reflecte muito do pensamento do País, para verificarmos que não há ninguém que não diga que a prevenção dos fogos florestais, tal qual está e pela forma como as coisas decorreram nos últimos anos - e não era preciso esperar por este ano, podíamos dizê-lo relativamente aos últimos anos -, não vai bem. Há uma crítica social constante à forma como é encarado o período de fogos florestais e, obviamente, a evolução tem sido todos os anos para pior.
Devo dizer que este ano foi também o pior, em termos de incêndios florestais, no que se refere às matas sob administração do Estado. E refiro-me tanto a parques nacionais e a parques naturais como a todas as outras florestas sob administração do Estado.
Perante esta situação, que deveria, seguramente, preocupar-nos e unir-nos, o partido que apoia o Governo vem dizer que, neste momento, não aceita falar sobre a matéria, porque está, ele próprio, a preparar um documento e, por isso, falará no próximo ano. Esperamos que, pelo menos, tenham objectivos práticos, mas estamos convencidos de que, no próximo ano, pela inércia com que se vai trabalhando, tudo estará pior e o balanço não será melhor do que o deste ano.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda antes de terminar, quero dizer que a medida que vimos aqui propor, para alteração da moldura penal, no que toca aos fogos florestais, implica uma decisão política, porque a floresta é, seguramente, algo de muito importante para nós, não só em termos de desenvolvimento rural mas de todo o País.

Página 2195

2195 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Se a memória não me atraiçoa, já morreram 12 pessoas, vitimadas pelos incêndios florestais, há mais de 270 000 ha de floresta ardida e arderam dezenas de habitações. Aliás, quanto a este último aspecto, não é correcta a ideia, que, há pouco, foi referenciada, de que o incêndio florestal nada tem a ver com o incêndio urbano. Perguntem às pessoas que perderam as suas habitações se uma coisa não tem a ver com outra, porque tem, seguramente, a ver.
Ora, se isto não chega, se isto não é motivo suficiente para haver, neste caso, uma alteração ao Código Penal, não sabemos, efectivamente, qual é, então, o sinal que queremos dar aos portugueses, quanto a esta calamidade, quanto àquilo que considero ser um verdadeiro terrorismo não só ambiental mas também económico.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em jeito de balanço final de uma iniciativa, que é nossa e que não é isolada e nem sequer é a primeira, ouvidas as posições de todas as bancadas parlamentares, importa reflectir sobre aquilo que nos espera e, principalmente, sobre aquilo que podemos esperar de quem, por força das circunstâncias, detém uma maioria parlamentar na Assembleia da República.
Nós, no CDS, estamos de consciência muito tranquila.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Não parece!

O Orador: - Perante um ano terrível de fogos florestais, honramos os nossos mandatos não ficando quietos, não nos conformando com a inevitabilidade de uma realidade que, de resto, nos cabe combater, desde logo e em primeiro lugar, no exercício de competências legislativas próprias. Para isso, apelámos ao voto, fizemos campanha em eleições legislativas, fomos eleitos e é a nossa obrigação.
Prescindimos, muitos de nós, de muito tempo das nossas férias para percorrer o País. E fizemo-lo apesar de não termos obrigações executivas, porque quis o povo que desempenhássemos funções parlamentares na oposição.
Estivemos com as populações, dirigentes e Deputados, quase todos em representação dos seus círculos eleitorais, e ouvimos essas populações. Ouvimos múltiplas entidades e falámos com pessoas com responsabilidades ao nível da protecção civil. Não reunimos com governadores civis, como é óbvio, até porque entendemos que os governadores civis não seriam as pessoas mais competentes para nos aconselharem nesta matéria. Recordo até como um governador civil, o de Coimbra, salvo erro, há pouco tempo, confessava o seu pecado nos jornais deste País, dizendo que, na realidade, era um caloiro e nunca tinha tido uma preparação específica para dirigir quem quer que fosse em matéria de combate aos fogos florestais. A verdade é que, não obstante, foram precisamente esses governadores civis, caloiros, sem experiência, que reconheceram a sua debilidade na organização e no combate aos fogos, que foram os melhores conselheiros do Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna, numa reunião que teve e que, depois, comunicou ao País.
Ouvimos, por isso, quem tinha conhecimento no plano técnico, evitando quem tinha propósitos exclusivamente políticos, como esses governadores civis, e chegámos à conclusão que, de facto, havia situações de calamidade que deveriam ter sido declaradas, para bem das nossas populações, a exemplo daquilo que foi feito em 2003, quando, à data, o Ministério da Administração Interna - de que fazia parte o Sr. Deputado Nuno Magalhães, que se encontra aqui, ao meu lado -,…

Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

… perante o sofrimento das populações, de dimensão só equivalente à que hoje se regista, optou, de imediato, pela declaração de calamidade, colocando-se ao lado das populações. À data, um Governo consequente, com ministros e secretários de Estado, neste caso, do CDS, soube ouvir quem tinha conhecimento do que se passava e soube fazer uma avaliação do problema, que não estritamente política.
Curioso foi verificar que, ao contrário, com o Governo actual, o Ministro de Estado e da Administração Interna optou pela audição política e, apesar de se referir, na sua intervenção, neste Parlamento, a uma situação de catástrofe e de calamidade - e cito expressões usadas pelos membros do Governo -, entendeu que a declaração de catástrofe ou de calamidade não era de declarar. E, como não foi declarada, com prejuízo directo para as populações, nós reclamámos essa declaração de calamidade. Reclamámos à data como reclamamos hoje, mas o Governo pensa exactamente o contrário, apoiado pela bancada do Partido Socialista.
Perante situações de calamidade, como a da seca extrema e a de fogos florestais sem paralelo, noutros tempos, com outros governos, aquilo que se tentaria e, certamente, aquilo que se conseguiria era, junto da

Página 2196

2196 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

União Europeia e no plano nacional, fazer com que algo fosse diferente, não era prever e lutar pela manutenção de tudo.
Por isso, quando se fala aqui de fundos de solidariedade, aquilo que se percebe é um sinal de conformismo de um Governo que, quando o assunto foi discutido na União Europeia, quando o regulamento que disciplina esta questão necessitava do empenho de todos e quando se percebia, no Parlamento Europeu, o empenho dos Deputados europeus de todas as bancadas, não proferiu uma palavra e fez zero, no que toca ao exercício de pressão para uma alteração de circunstâncias, nomeadamente quanto a uma possibilidade de aplicação retroactiva, de redefinições de critérios que poderiam beneficiar, ainda hoje, independentemente do montante dos prejuízos, a população nacional.
Tivemos, na bancada do Partido Socialista, uma bancada conformista, à imagem e espelho de um governo conformista. No que nos toca, como disse, honramos os nossos mandatos, porque, de facto, somos diferentes.
Há pouco um Sr. Deputado do Partido Socialista dizia que o CDS não apresentava medidas, esquecendo-se de que o que hoje está em discussão é, precisamente, uma medida do CDS, que acontece no plano legislativo estrito antes de qualquer medida apresentada pelo Governo ou pela bancada do Partido Socialista,…

Aplausos do CDS-PP.

… e parecendo querer esquecer também outras medidas de iniciativa desta bancada, do CDS-PP, como, por exemplo, a discussão, travada há pouco mais de uma semana, de um projecto de resolução que decorre dessas audições e do conhecimento temos, que não é só de hoje mas do passado, de uma realidade que, infelizmente, também não é só de hoje mas que nos dá conhecimento de causa e nos permite ajudar a resolver qualquer coisa. E nesse projecto de resolução está vertido muito do pensamento da bancada parlamentar do CDS-PP, num conselho que é também ao Governo mas que, ao que parece, não quer ouvir e muito menos usar.
Termino dizendo, conforme-se a bancada do Partido Socialista com a inevitabilidade da existência de fogos florestais de dimensão - que, de resto, justificam abertura de telejornais um pouco pelo mundo todo -, continue o Partido Socialista com uma prática legislativa desconforme com o discurso político em frente às câmaras das televisões, que continuarão a ter no CDS um partido inconformado e, na bancada do CDS, Deputados que querem alterar o que tem de ser alterado e que não querem, nomeadamente no próximo ano, estar aqui, uma vez mais, a discutir a existência de mais um ano de fogos florestais, porventura mais uma vez em Agosto, na sequência de tragédias sem paralelo no plano europeu e, sabe-se lá, se até no plano mundial.
Queremos mudar alguma coisa já. Temos esta obrigação e, principalmente, temos os instrumentos para tal. Somos Deputados à Assembleia da República e, como temos competências no plano legislativo, podemos e devemos fazer a diferença, até porque poucos como nós podem fazer esta diferença.
Saímos daqui de consciência tranquila, sabendo que há no Partido Socialista orelhas moucas, sabendo que, por razões ideológica e doutrinária à extrema-esquerda, a posição não poderia ser diversa, percebendo que, à nossa esquerda mais próxima, no Partido Social Democrata há uma compreensão completamente diferente e verificando que é precisamente pela esquerda e pela extrema-esquerda que, hoje, este debate não pode ir mais longe. É pena, mas estamos certos de que quem está lá fora e que hoje nos ouve está connosco.
Honramos os nossos mandatos e cumprimos os nossos compromissos eleitorais. Hoje, o Partido Socialista não ficará, seguramente, com a consciência tão tranquila como a nossa!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, se pede a palavra para uma intervenção não lha posso dar, porque já fez duas neste debate.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é sobre a votação que iremos fazer sobre o recurso de admissibilidade…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda não estamos nessa fase. Na altura, dar-lhe-ei a palavra.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

Página 2197

2197 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 155/X - Sobre alteração da moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal.
O CDS-PP requer a votação deste diploma e assim se fará, está incluída no nosso guião de votações.
Srs. Deputados, vamos entrar no período regimental de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando, para o efeito, o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, além das 120 presenças registadas no quadro electrónico, há mais 19 assinaladas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Vamos começar com a votação do parecer, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso interposto pelo CDS-PP da admissibilidade do projecto de resolução n.º 69/X - Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas (PS).
De acordo com o Regimento, são concedidos, para este efeito, 3 minutos a cada grupo parlamentar, a começar pelo grupo parlamentar proponente do recurso. Lembro, Srs. Deputados, que o que votaremos não é o recurso mas, sim, o parecer.
Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quer ainda interpelar a Mesa?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, quando solicitei a palavra era exactamente para saber se íamos votar o parecer ou o recurso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de acordo com o artigo 140.º do Regimento, o que é votado não é o recurso mas, sim, o parecer sobre o recurso.
Como na ordem de intervenções tem precedência o Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, dispondo de 3 minutos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos agora o parecer da 1.ª Comissão sobre o recurso interposto pelo CDS-PP no respeito daquilo que, em nossa opinião, é o melhor entendimento da prática parlamentar, da interpretação constitucional e da previsibilidade das instituições, fundamental para a credibilidade de um Estado de direito.
Sr. Presidente, gostava de dizer, como questão prévia, que não veja neste recurso algo que se lhe dirija pessoalmente, mas note nele uma posição muito firme e séria dirigida à bancada do Partido Socialista, que conseguiu, numa confusão entre maioria absoluta e abuso absoluto, impor o que de outra forma, e há pouco tempo atrás, seria absolutamente impensável.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Temos até a certeza de que o Sr. Presidente da Assembleia da República, quando foi chamado a decidir, sendo um Deputado tão antigo desta Casa, tendo um conhecimento tão presente da tradição parlamentar de longos anos, sabendo que nunca algo sequer de parecido apareceu na Assembleia da República de Portugal, se há-de ter sentido muito constrangido quando teve de decidir ao arrepio de mais de 20 anos de interpretação constitucional estabilizada, de mais de 20 anos de prática parlamentar aceite e consensualizada. E aqui importa fazer um breve historial de todo este infeliz processo.
Não conseguindo deixar de ceder à agenda mediática de uma extrema-esquerda que percebeu que esta questão lhe dava ganho de causa, o Partido Socialista, a reboque, lá quis agendar em Julho uma discussão sobre o aborto, quando os problemas do País eram, segura e prioritariamente, muitos outros. O Sr. Presidente da Assembleia da República - e bem - rejeitou essa discussão.
Numa demonstração de intolerância de uma maioria absoluta que lhe foi dada pelo povo, e não cumprindo aqui uma promessa eleitoral que justificou essa mesma maioria absoluta, o Partido Socialista não se conformou. Numa primeira fase, houve que alterar a lei em seu favor - uma alteração à la carte -, que transformar a Lei Orgânica do Regime do Referendo para permitir, em tempo útil, o que em condições normais o Partido Socialista não poderia fazer,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Que vergonha!

O Orador: - … piorando a lei do referendo, retirando direitos aos cidadãos, e retirando-lhe uma eficácia que, no passado, demonstrava das suas principais virtualidades. Recordo, como muitos dos Deputados que hoje aqui se sentam, que num outro referendo, a propósito da regionalização, constituíram-se movimentos de cidadãos independentes. Só conseguiram fazê-lo graças aos termos então existentes na lei, porque tiveram tempo para conseguir as subscrições necessárias à constituição desses movimentos. Isto hoje é impossível! O Partido Socialista destruiu, à la carte, a lei do referendo com o único intuito político da realização

Página 2198

2198 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

do referendo sobre o aborto.
Depois, o que fez? Percebendo que a Constituição proíbe a repetição da apresentação, na mesma sessão legislativa, de uma iniciativa recusada em definitivo nessa sessão, como o foi pelo Sr. Presidente da República, deitou fora a Constituição. Pegou num artigo que resultou de uma revisão constitucional de 1992,…

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Pegou num artigo que resulta da revisão constitucional de 1982 e impôs aquilo que uma leitura atenta certamente não permitiria. Na base de quê? De um parecer de um Deputado do Partido Socialista, aprovado por uma maioria do Partido Socialista, que citava "doutrinariamente" constitucionalistas como dizendo exactamente o contrário daquilo que era o seu pensamento. Tiveram de ser desmentidos em directo, designadamente pelo próprio constitucionalista em causa, o Sr. Prof. Jorge Miranda, e nem sequer se tratava de uma mudança de opinião, como acabou por ser dito, porque, tendo eu tido oportunidade de ler aquilo que era o seu pensamento anterior ao singular parecer do Partido Socialista, já à data este era o entendimento claro do Prof. Jorge Miranda.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - E, agora, finalmente, perante um recurso, porque o CDS-PP não se conforma, de facto, com este atropelo à Constituição, impondo certamente, como imporá, uma discussão que hoje não devíamos estar a ter nesta Casa.
O passo seguinte, calculo eu, estará para além da decisão que o Partido Socialista aqui já deixou antever e que é clara. O passo seguinte está no Sr. Presidente da República. Queira o Sr. Presidente da República ser coerente com aquele que foi o seu entendimento há dois meses atrás, use das razões políticas, nomeadamente as que há dois meses atrás lhe faziam sentido, acrescidas de todas as outras que acabei de dizer e que hoje se justificam, e possa o País discutir, até ao final do ano, aquilo que, de facto, tem de discutir e que importa aos portugueses.
No tempo oportuno, previsto na Constituição, no Regimento e na lei, discuta-se, então, o referendo; discutam-se todos os referendos, porque o CDS-PP não tem medo de qualquer referendo. Aqueles em que nos empenhámos, por acaso, até ganhámos, e vamos empenhar-nos em todos os outros de acordo com a nossa consciência, mas no momento próprio e discutindo em substância o que tiver de ser discutido em substância no momento próprio.
Termino, por isso, dizendo que bem gostaria que o recurso pudesse ter vencimento na Câmara em abono da melhor interpretação constitucional e da prática parlamentar, muito embora, infelizmente, já saiba aquela que vai ser a decisão do Partido Socialista, pois já a tem deixado antever nos pareceres e nos discursos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a discutir um parecer que foi apresentado e votado pela 1.ª Comissão.
Este parecer tem, desde logo, uma questão prévia que poderia ser aqui debatida em profundidade, mas que não iremos fazer, embora, eventualmente, por aí logo pudesse cair o recurso que o CDS-PP apresentou. E a questão prévia diz respeito ao facto de saber se existe exactamente identidade material entre o projecto de resolução de iniciativa do referendo, apresentado há uns meses atrás pelo Partido Socialista, e este projecto que o Sr. Presidente admitiu - e admitiu bem, em nosso entender -, que diz respeito ao referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Não iremos discutir aqui o problema a fundo, mas o problema poderia colocar-se.
O problema que tem sido suscitado tem sido o de se saber se, no fundo, no dia 15 de Setembro de 2005 se iniciou, ou não, uma nova sessão legislativa. E, sobre isso, entendemos que a Constituição tem uma resposta clara e essa resposta só é obscurecida pelos autores do recurso, porque confundem legislatura com sessão legislativa, confundem o regime constitucional sobre a legislatura com o regime constitucional sobre a sessão legislativa.
Para resolver este problema de se saber se iniciou, ou não, uma nova sessão legislava, invocam um preceito constitucional que diz respeito apenas à legislatura, o artigo 171.º, n.os 1 e 2. Este artigo diz respeito unicamente à legislatura, não resolve o problema sobre o que é uma sessão legislativa, qual a duração de uma sessão legislativa e o que é que acontece quando há a dissolução da Assembleia da República em relação à sessão legislativa que estava em curso.
O artigo que diz respeito às sessões legislativas e que resolve este problema é o artigo 174.º, n.º 1, da

Página 2199

2199 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Constituição, que diz, com toda a clareza, que as sessões legislativa têm a duração de um ano e se iniciam a 15 de Setembro. Mas este argumento que o artigo 174.º, n.º 1, invoca e que é explícito ainda tem um outro aspecto que o fortalece. Há dois outros preceitos constitucionais que dão alento a este argumento e que, constitucionais, "por acaso", têm sido olimpicamente ignorados pelos autores do recurso: são eles os preceitos dos artigos 167.º, n.º 4, e 115.º, n.º 10.
E estes dois preceitos - que têm, aliás, uma orientação muito semelhante, quase ipsis verbis - dizem, basicamente, o seguinte: na mesma sessão legislativa não pode ser reapresentada uma mesma iniciativa de lei ou de referendo, salvo se tiver havido dissolução da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Queria concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Ou seja, estes preceitos dizem, com toda a clareza, que as sessões da Assembleia da República que se iniciam a 15 de Setembro e que têm a duração de um ano não se interrompem com a dissolução da Assembleia da República. A sessão continua e, portanto, pode ser apresentado de novo um projecto legislativo ou um projecto de referendo que já tivesse sido apresentado na fase inicial da sessão.
Quanto a este argumento, não ouvi ainda, até ao momento, qualquer orientação que o pudesse rebater. E este argumento é decisivo a favor daquilo que está no parecer, isto é, a favor de que o Sr. Presidente da Assembleia da República fez bem em admitir este projecto de resolução.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, temo bem que o Sr. Deputado Vitalino Canas, mais uma vez, nos esteja aqui a fazer laborar num tremendo equívoco. Há umas duas semanas atrás, fez-nos votar um parecer, onde dava conta de uma posição do Prof. Jorge Miranda que, pelos vistos, não era a dele. Agora, parece que iremos votar um parecer cujo texto, de acordo com aquilo que nos foi distribuído, não corresponde ao que foi votado na 1.ª Comissão. Estou a referir-me aos pontos 10 e 11 que não correspondem ao que, agora, nos foi distribuído. Em concreto, trata-se daquilo que o CDS-PP suscitou na 1.ª Comissão, ou seja, da necessidade de constar no parecer a efectiva posição do Prof. Jorge Miranda e não a leitura conveniente que dessa posição fez o Sr. Deputado Vitalino Canas. O mesmo se dizendo, de resto, quanto à posição do Sr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que também deveria aqui constar, mas parece que não.
Nesse sentido, pedia que a Mesa, antes mesmo de levar à votação este parecer, confirmasse se é como digo, ou não.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem a indicação de que há uma substituição em relação ao parecer, respeitante à pág. 5. Não sei se isso corresponde ao que está a ser referido pelo Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, mas, de qualquer forma, essa versão corrigida do parecer já foi mandada distribuir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, temo bem que esta seja mais uma demonstração à bruta da maioria absoluta do Partido Socialista, porque não vejo como é que se pode substituir um texto que foi votado em comissão.
Se na 1.ª Comissão se votou um texto, que passou a ser o texto aprovado numa fase deliberativa, agora apresenta-se, em substituição, um outro texto, porque o Partido Socialista entende que esse é o que agora lhe resulta melhor e não quer verter no parecer aquele que é o pensamento do Prof. Jorge Miranda? Era o que mais faltava!
Então, peço a V. Ex.ª que, antes da discussão deste recurso, permita que a 1.ª Comissão possa reunir de novo, para ser de novo apreciada esta questão, nomeadamente dando oportunidade ao Partido Socialista para justificar aquilo que agora nos traz, que é verdadeiramente peregrino e que é mais uma demonstração do entendimento das maiorias por parte do Partido Socialista.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, levar à votação, em comissão, textos que, sendo aprovados, são alterados antes de serem votados em Plenário.
Isto é uma coisa extraordinária, que, devo dizer-lhe, Sr. Presidente, mais uma vez não compreendemos,

Página 2200

2200 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

mas que vem na sequência do que temos assistido até agora e, desse ponto de vista, já não nos surpreende tanto como isso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vitalino Canas pede a palavra para que efeito?

O Sr. Vitalino Canas (PS): - Sr. Presidente, como autor do projecto de parecer que está em votação, queria confirmar que o parecer que está a ser, neste momento, aqui, votado é o que foi aprovado na 1.ª Comissão. Esta folha de substituição não visa alterar nada do que foi aprovado na 1.ª Comissão. Destina-se apenas a desfazer um erro de computador que existiu.
Portanto, aquilo que foi votado na 1.ª Comissão é exactamente o que está aqui para ser apreciado pelo Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, vamos ver se nos entendemos. Foi distribuída aos grupos parlamentares uma versão que, efectivamente, corresponde ao votado na 1.ª Comissão, na qual o Sr. Deputado relator introduziu dois pontos relativos às posições do Prof. Rebelo de Sousa e do Prof. Jorge Miranda. Agora, é distribuída uma outra folha, dita de substituição, onde se eliminam esses dois pontos. O que precisamos de saber é o que é que o Plenário vai apreciar, na sequência do que foi votado na 1.ª Comissão. É tão simples quanto isso: uma versão tem 13 pontos e a outra tem 11 pontos.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Desapareceram dois!

O Orador: - Vamos votar a versão que tem 13 pontos ou a que tem 11 pontos? Esta é que é a questão. Devemos saber o que estamos a discutir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro, Presidente da 1.ª Comissão e, portanto, responsável por este procedimento.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, não é costume que, em matérias que ocorrem na 1.ª Comissão, se suscitem incidentes que visam outros fins que não aqueles que estão em causa…
O texto que está em apreciação e irá ser objecto de votação é, rigorosamente, o do parecer apresentado pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, texto este que, a pedido do Sr. Deputado Guilherme Silva e, salvo erro, também do CDS-PP, foi aditado com alusões às posições dos Professores Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa. É, tão-só, isto!
Ao transitar dos serviços para o Hemiciclo, os pontos 10 e 11 aparecem repetidos e foi essa a eliminação a que se procedeu. Tratou-se, pois, da mera eliminação de uma repetição.
Os senhores sabem que isto que digo é absolutamente verdade e lamento profundamente que os Srs. Deputados, que sabem como se trabalha na 1.ª Comissão, estejam a tentar levantar qualquer tipo de suspeição.
Repito que o texto que vai ser objecto de votação é exactamente o que foi votado na Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ouvi o Sr. Presidente da 1.ª Comissão e, obviamente, faço totalmente fé no que ele acabou de dizer. Portanto, parto do princípio de que o lapso terá sido da Mesa.
Então, peço ao Sr. Presidente que, em consonância com o que foi dito pelo Sr. Presidente da 1.ª Comissão, faça redistribuir pelas bancadas o texto do parecer que vamos votar a seguir e do qual constem os números, que foram aprovados em sede da 1.ª Comissão, relativos às posições dos Srs. Profs. Doutores Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa.
Peço ao Sr. Presidente que seja feita tal substituição de textos para que o problema fique sanado em definitivo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

Página 2201

2201 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para que fiquemos definitivamente esclarecidos sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Presidente da 1.ª Comissão tem razão, mas a forma como os serviços fizeram a correcção do texto é que está mal e induz em erro, porque a folha de substituição aparece com os pontos 10 e 11.
O que se deveria ter feito era substituir integralmente a folha com as págs. 4 e 5, eliminando-se a repetição, que consta dos pontos 10 e 11, renumerando-se os pontos seguintes.
Ao não se ter procedido desta forma, gerou-se a ideia de que teria havido eliminação dos pontos 10 e 11 que integravam o texto que tinha sido aprovado em sede da 1.ª Comissão.
Portanto, ninguém actuou de má fé, mas é bom que os Deputados estejam atentos e que todos saibamos o que estamos a fazer sem necessidade de imputar intenções, que não existem, aos Deputados que intervieram para esclarecer esta matéria.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para dizer que ouvimos o esclarecimento do Sr. Presidente da 1.ª Comissão, que agradecemos, e que, obviamente, relevamos qualquer equívoco.
No entanto, devo salientar que a forma como se procedeu à correcção, oficiosamente e sem ter sido dado conhecimento aos Deputados das diversas bancadas que participaram nos trabalhos da 1.ª Comissão, presta-se a equívocos.
É que o texto que nos foi distribuído continha duas páginas numeradas com o n.º 5, ambas assinadas pelo Sr. Presidente da 1.ª Comissão e pelo Sr. Deputado Vitalino Canas, de uma das quais não constam dois pontos, ao contrário do que sucedia na primeira versão distribuída anteriormente.
Peço, pois, tanto ao Sr. Presidente da 1.ª Comissão como ao de qualquer outra, que, no futuro, os grupos parlamentares sejam avisados quando haja desconformidade entre o que é votado em comissão e o que é apresentado a Plenário, mesmo que decorra de qualquer motivo de ordem formal. Isto para que não torne a repetir-se um incidente igual a este.
O que acaba de suceder é um equívoco que, de facto, só decorre de uma deficiente reelaboração do parecer que foi votado na 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me que o assunto está esclarecido e sanado. Tratou-se apenas de um lapso técnico em que dois parágrafos do parecer foram repetidos, portanto, havia que eliminar a repetição. A eliminação da repetição foi feita sob a forma de aditamento mas, obviamente, o texto final estará correcto.
Não está em causa a parte dispositiva do parecer nem o que foi votado em comissão. Houve, digamos, um excesso de zelo em matéria de edição do parecer quanto à repetição de dois parágrafos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero retomar o que, de facto, está em discussão e pronunciar-me sobre a matéria, isto é, o parecer da 1.ª Comissão.
Como é sabido, nós, Os Verdes, defendemos, designadamente em Conferência de Líderes, que considerávamos que a 1.ª Sessão Legislativa se tinha iniciado com o início da Legislatura. Mantemos essa nossa interpretação.
Fico preocupada com a intervenção feita por parte do Partido Socialista que considera que anda confundido quem tem uma interpretação diversa da sua própria, pelo que, pelos vistos, andámos todos confundidos até agora. Pelos vistos, andámos todos a violar a Constituição da República Portuguesa, que, afinal, é tão clara, mas que nos confundiu a todos.
Sobre esta matéria não direi absolutamente mais nada, Sr. Presidente. A interpretação de Os Verdes fica clara. A maioria decidirá.
Penso que o problema substancial é outro, para além de que - e também gostaria de referir esta outra preocupação - ninguém consegue dar uma designação exacta aos trabalhos que decorreram desde Março até Setembro.
A questão substancial está, de facto, na interrupção voluntária da gravidez.
Toda esta confusão surge apenas porque o Partido Socialista, apesar de já ter recorrido à figura do referendo, que o Sr. Presidente da República decidiu não convocar, vai insistir no sentido de, quanto a nós, continuar a adiar a resolução de um problema, que é urgente resolver, relativo a direitos concretos das

Página 2202

2202 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

mulheres portuguesas, que se traduz na despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Em nossa perspectiva, era escusada toda esta trapalhada porque existe um projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, aprovado no início da presente Legislatura, que propõe a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Assim, o que deveríamos fazer era, justamente, prosseguir esse processo legislativo e concluí-lo no sentido de alterar a lei de uma vez por todas.
Mais uma vez, refiro que esta Câmara tem, hoje, mais condições do que alguma vez teve para proceder à alteração da lei penal.
Houve um compromisso eleitoral por parte do Partido Socialista - é verdade! - de alterar a lei por via do referendo. Esse processo já foi tentado, mas o entendimento do Sr. Presidente da República não foi no sentido favorável. Assim, o Partido Socialista deveria retomar, rapidamente, um outro substancial compromisso relativo a esta matéria, contido no seu programa eleitoral, que é o da alteração da lei.
Não param de dizer que a lei existente é um crime. Então, não podemos conviver com crimes desta natureza que, ainda por cima, constam da lei, portanto, está na nossa mão alterá-la!!
Nesse sentido, Os Verdes reafirmam nesta Casa que a lei já podia ter sido alterada, assim o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda se juntassem a esta nossa vontade de alteração da lei por via da Assembleia da República. Repito que já poderíamos tê-lo feito. Ainda vamos a tempo de o fazer e de, rapidamente, concluir o processo legislativo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a assistir ao exercício de uma maioria, não no sentido de exercício democrático, que era exigível, mas obstinado. Prosseguindo nessa obstinação, a maioria não olha a meios.
E verificámos algo espantoso.
Primeiro, assistimos à alteração da lei do referendo para "empacotar" prazos que permitissem a reapresentação da iniciativa.
Não satisfeita com isto, a maioria veio agora, peregrinamente, colocar uma questão já absolutamente resolvida na III Legislatura, curiosamente, pela mão do próprio Partido Socialista que era o maior partido nesta Câmara.
Na III Legislatura, quando se colocou, pela primeira vez, a questão da aplicação das normas agora em causa, relativas a uma investidura da Assembleia da República na sequência de uma dissolução prematura quando ainda estava em curso uma sessão legislativa, nessa altura, o Partido Socialista, que era o maior partido nesta Assembleia, optou pela interpretação que tem sido seguida durante estes 23 anos - 23 anos, repito, e pela mão do Partido Socialista!
Incoerência das incoerências, passados estes 23 anos, e a pretexto de querer impor, à força, um timing para a realização do referendo sobre a descriminalização do aborto, vem impor uma interpretação completamente oposta àquela que foi consagrada durante estes anos!…
O que está em causa é um princípio de dignidade da Assembleia da República.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O País não compreenderá que esta Assembleia tenha, durante 23 anos, consagrado uma prática e uma leitura constitucional e que, hoje, pela mão desta maioria, venha impor uma leitura exactamente oposta àquela que foi seguida. Ninguém no País perceberá esta situação!
Mas o mais grave desta questão é que esta persistência é uma afronta ao Sr. Presidente da República, que, no momento próprio, a propósito da questão da convocação do anterior referendo, chamou a atenção para a necessidade de um referendo desta natureza, pela importância da matéria em causa, pelo seu melindre, ser feito em condições da maior participação cívica e do maior esclarecimento dos portugueses.
Mas o Sr. Presidente da República, se, na altura em que anteriormente lhe foi colocada a questão da convocação do referendo, teve este cuidado, não deixará agora de ter idêntico cuidado, nas circunstâncias ainda mais difíceis em que VV. Ex.as querem colocá-lo quanto à necessidade de convocar o referendo.
É que, não tenhamos dúvidas, no período do Natal, em que há também deslocações de pessoas, em que a atenção das pessoas é naturalmente solicitada para outras matérias, e entre duas eleições, as autárquicas e as presidenciais, com períodos de campanha anteriores e posteriores, VV. Ex.as, numa perfeita manobra de diversão, num desrespeito pela matéria que querem submeter a referendo - repito, num desrespeito pela matéria que querem submeter a referendo -,…

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - … querem impor esta opção e esta leitura, colocando, como já referi, o Sr. Presidente da Assembleia da República numa situação difícil.
Sei que ele decide em consciência, mas é pena que, decidindo em consciência, tenha de fazê-lo contra uma prática de 23 anos, que a Assembleia da República tinha como adquirida.

Página 2203

2203 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há uma questão que o parecer da 1.ª Comissão, por muito que se esforce, não consegue contornar, porque é uma questão incontornável. Tal questão tem a ver com o seguinte: a Assembleia da República funciona por legislaturas e ou bem que estamos na IX ou bem que estamos na X - não há legislatura IX e meia, nem há legislatura pré-X.
A IX Legislatura terminou com a dissolução da Assembleia da República - aliás, na IX Legislatura, a maioria era outra, o governo era outro e, embora a política possa ter parecenças, é inquestionável que estamos na X Legislatura.
E o que é que diz a Constituição? Diz que cada legislatura tem quatro sessões legislativas, ou seja, não prevê sessões legislativas fora das legislaturas, como, aliás, é lógico.
E se estamos na X Legislatura e se já decorreu uma sessão legislativa para se começar outra, então, incontornavelmente, se a Legislatura chegar ao fim, não teremos quatro sessões legislativas mas cinco. Creio que isto é incontornável.
Aliás, a Constituição é clara: "a legislatura tem quatro sessões legislativas".
Tenho muito respeito por todos os constitucionalistas, tenho muito respeito por todos os intérpretes, mas não consigo ver "cinco" onde a Constituição tem escrito "quatro". Quanto a isso, tenham muita paciência!…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, como é que se resolve este problema quando há eleições antecipadas, como foi o caso? Resolve-se como sempre se resolveu e como a Constituição diz que se deve resolver. E diz o seguinte: "(…) a Assembleia então eleita inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente…" - inicialmente, sublinho - "… acrescida do tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição." - em curso à data da eleição e que terminou obviamente com essa eleição. Ou seja, à 1.ª sessão legislativa acresce tempo e é o tempo necessário para completar um período que decorreria na sessão anterior mas que não decorreu porque a sessão terminou.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Claro!

O Orador: - Ora bem, dir-se-á: e há algum problema com esta interpretação? Não há, nem nunca houve! Nunca houve qualquer problema, sempre foi assim e nunca ninguém contestou que assim fosse!
Então, quando é que o problema surgiu? Surgiu agora, em Setembro, porque o Partido Socialista quer reapresentar uma iniciativa que tinha sido recusada pelo Sr. Presidente da República na sessão legislativa anterior, mas a Constituição, tal como está, não o permite.
Então, o Partido Socialista, como não está em condições de alterar o artigo da Constituição que diz que a legislatura tem quatro sessões legislativas, o que é que faz? Faz aprovar um parecer em que nos quer convencer de que dois e dois normalmente são quatro, mas, quando dá jeito, podem ser cinco…

Risos do PCP, do PSD e do CDS-PP.

E com isso não concordamos, Sr. Presidente!!

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Constituição permite a leitura e o entendimento, que foi dado durante muitos anos, de que, em caso de dissolução da Assembleia da República,…

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Agora, "dois e dois" vão ser seis!…

O Orador: - … seria acoplado à 1.ª sessão legislativa o tempo correspondente ao da sessão legislativa em curso - é uma leitura e um entendimento constitucional.
No entanto, a Constituição, a este respeito, pesem as variadíssimas interpretações e sobretudo os imperativos categóricos das variadíssimas interpretações, há que convir, é imprecisa e ambígua e também permite a leitura de que há um período (aliás, é assim que é classificado no artigo da Constituição), correspondente

Página 2204

2204 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

ao da sessão legislativa que estava em curso, que pode não ser junto à 1.ª sessão legislativa.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

A Constituição também permite essa leitura - aliás, a doutrina dos constitucionalistas invocada no parecer vai exactamente nessa direcção.
Com seriedade, é necessário que, em sede de revisão, o legislador constitucional e, particularmente, os partidos que têm "costurado" as revisões constitucionais, o PSD e o PS, venham a tomar uma decisão sem ambiguidades acerca da caracterização deste período.
É que podemos ridicularizar as práticas políticas, dizendo, em relação às legislaturas, que onde se lê quatro, afinal, são cinco, mas também poderemos ridicularizar inversamente, referindo que, em relação à sessão legislativa, acabaram de descobrir que onde se lê um ano, afinal, são 18 meses, e também não é assim exactamente.
Na verdade, há a possibilidade de ter uma outra prática, um outro entendimento que também tem conforto no texto constitucional.

A Sr.ª Ana Drago (BE): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, não ignoramos que foi a realização de um referendo sobre a despenalização do aborto que levou a esta polémica. Contudo, parece-nos que será benéfico para a Assembleia que este entendimento prevaleça de futuro, porque ele aumenta os poderes dos grupos parlamentares nos vários períodos em relação a uma situação de dissolução da Assembleia da República.
Sr. Presidente, o Sr. Presidente da República, depois de votado o projecto de resolução sobre a realização do referendo, verá que, desta vez, tem razões acrescidas para o poder convocar, atendendo à mensagem que dirigiu a esta Assembleia, e o Sr. Deputado Guilherme Silva verá - porque também anda com as quadras do ano um pouco trocadas… - que ele terá lugar mais perto do São Martinho do que do Natal.

Aplausos do BE.

Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores inscritos, vamos proceder à votação do parecer, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso, apresentado pelo CDS-PP, da admissibilidade do projecto de resolução n.º 69/X - Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do BE e votos contra do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

A aprovação do parecer tem como consequência a rejeição de provimento do recurso interposto.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do voto n.º 23/X - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado Afonso Moura Guedes (PSD).
Tem a palavra a Sr.ª Secretária para proceder à respectiva leitura.

A Sr. Secretária (Celeste Correia): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é o seguinte:

Afonso Moura Guedes, um membro desta Casa, um intelectual brilhante, um homem de grandes causas, morreu ontem aos 80 anos.
A sua vida cívica e política marcou de forma profunda todos os que com ele tiveram a oportunidade de conviver, sendo ainda hoje uma referência para muitos.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, bem cedo evidenciou a sua capacidade de liderança e vontade de abraçar as causas públicas, sendo nessa Universidade Presidente da Associação Académica por dois mandatos e integrando como sócio fundador a SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social.
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, interrompe a sua brilhante carreira profissional para se dedicar por inteiro à causa pública.
Participa na fundação do PSD em Maio de 1974, tendo sido eleito para a Assembleia Constituinte e para a Assembleia da República na 1.ª sessão legislativa onde assumiu as funções de Presidente do Grupo Parlamentar do PSD.
Posteriormente, foi eleito Deputado nas II, III, IV, V e VI Legislaturas.
Assumiu cargos partidários da maior relevância, quer ao nível da Região Oeste quer ao nível nacional.
Foi durante oito anos e meio Governador Civil de Lisboa, onde deixou uma marca que todos recordam e respeitam independentemente da sua orientação político-partidária.
Afonso Moura Guedes era tudo isto, mas era também um homem simples, com bom humor, pronto a dar

Página 2205

2205 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

a mão a um amigo, a ajudar o próximo, sempre a servir a comunidade.
Muitos o recordam com saudade.
A Assembleia da República manifesta o seu pesar pelo falecimento de Afonso Moura Guedes e apresenta à sua família as mais sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Finou-se ontem, aos 80 anos, no sossego do seu ambiente familiar, o antigo parlamentar Afonso Moura Guedes.
A sua vida ficou assinalada por uma apaixonada dedicação à causa da democracia. Presidente da Associação Académica de Coimbra nos tempos da repressão ditatorial, esteve entre os fundadores da SEDES e, depois da Revolução de 25 de Abril, do PSD.
Nas bancadas de São Bento, na Assembleia Constituinte e em várias legislaturas da Assembleia da República, marcou presença activa e foi presidente do Grupo Parlamentar do PSD.
Como Governador Civil de Lisboa, por um período longo, deixou uma recordação intensa de pessoal envolvimento na resolução de inúmeros pequenos problemas de famílias e de associações.
Guardo dele duradoura impressão do desempenho conjunto de diversos cargos de direcção partidária e das bancadas da Assembleia Constituinte também.
A todos se dedicava com sério empenho, amenizando o convívio com um trato distinto e bom humor. Invoco, por isso, a personalidade de Afonso Moura Guedes com comoção e amizade.
À sua família, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, endereço sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabámos de apreciar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Cabe-nos ainda apreciar o voto n.º 22/X - De pesar pelo falecimento de Simon Wiesenthal (CDS-PP).
Tem a palavra a Sr.ª Secretária para proceder à respectiva leitura.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Simon Wiesenthal morreu no passado dia 20 em Viena aos 96 anos. Considerado a consciência do Holocausto, viveu com a convicção de ter sido escolhido para a difícil missão de não deixar esquecer os terríveis crimes de guerra e não deixar impunes os culpados pela sua prática.
Simon Wiesenthal, tomou como principal desígnio da sua existência a procura e o julgamento pelos tribunais daqueles que foram responsáveis pelos crimes contra a Humanidade da Segunda Grande Guerra.
Nasceu em Lviv, à época parte integrante do Império Austro-Húngaro, no seio de uma família de judeus ortodoxos. Sobreviveu à invasão soviética da região no final dos anos 30 e sofreu com a chegada dos nazis em 1941. Passou quatro anos nos campos de concentração nazis onde foi forçado a assistir ao transporte da sua mãe para a execução.
Em 1947, Simon Wiesenthal ajudou à criação de um centro em Linz, Áustria, de forma a recolher informação sobre os responsáveis pelos inúmeros crimes de guerra. Apesar do sucesso dos julgamentos de Nuremberga, muitos responsáveis nazis estavam em fuga pelo mundo fora, como o arquitecto do sinistro plano da Solução Final, Adolf Eichman, que Wiesenthal ajudou a capturar.
Mais tarde, abriu em Viena o Centro Judaico de Documentação onde reuniu e colheu uma enorme quantidade de documentação e testemunhos que lhe permitiram passar o resto da sua vida dedicado à captura e à denúncia dos criminosos de guerra nazis. De acordo com os dados do Centro Simon Wiesenthal, ajudou a levar à justiça mais de 1100 criminosos de guerra.
Em tempos disse: "Eu posso perdoá-los, mas não posso falar pelos milhões que mataram". E foi no seguimento deste compromisso com o povo judeu e com a Humanidade que assumiu a tarefa de acusador e detective que à época ninguém queria assumir. Quis sempre ser a memória viva, para ter a certeza que os mortos continuam vivos nessa memória.
A sua dádiva pessoal e cívica é inestimável em prol dos direitos humanos e da memória dos horrores da Segunda Grande Guerra. Foi um homem de sólida cultura humanista que elegeu a dignidade humana e a justiça como o ideal que norteou a sua vida.
A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar e consternação pelo desaparecimento de Simon Wiesenthal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, pedia-vos que guardássemos 1 minuto de silêncio em respeito por ambos os falecidos.

Página 2206

2206 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

A Mesa transmitirá os votos à família do Dr. Afonso Moura Guedes e, também, às autoridades de Israel.
Vamos proceder agora à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 16/X - Altera o artigo 21.º do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, no sentido de consagrar o direito à dedução de despesas com biocombustíveis e de reajustar o regime do direito à dedução de despesas resultantes da organização e participação em congressos, feiras, exposições, seminários e conferências.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e de Os Verdes e abstenções do PCP, do CDS-PP e do BE.

A iniciativa que acabámos de aprovar baixa à 5.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação conjunta na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 17/X - Autoriza o Governo a regular os crimes de abuso de informação e de manipulação do mercado no âmbito do mercado de valores mobiliários.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Segue-se a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 150/X - Estatuto Jurídico do Conselho Nacional de Juventude (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O presente projecto de lei baixa à 8.ª Comissão.
Vamos, agora, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 155/X - Sobre alteração da moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 10 horas, e constará de período da ordem do dia que será inteiramente preenchido com perguntas ao Governo.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
António José Martins Seguro
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
José Augusto Clemente de Carvalho
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José de Almeida Cesário
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Mário Henrique de Almeida Santos David
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Página 2207

2207 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005

 

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
José Mendes Bota

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
João Barroso Soares
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
José Apolinário Nunes Portada
José Luís Pereira Carneiro
Luís Manuel de Carvalho Carito
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Victor Manuel Bento Baptista

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Artur Jorge da Silva Machado
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo

Partido Popular (CDS-PP):
António de Magalhães Pires de Lima

Bloco de Esquerda (BE):
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Páginas Relacionadas
Página 2206:
2206 | I Série - Número 048 | 23 de Setembro de 2005   A Câmara guardou, de p

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×