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Quinta-feira, 22 de Fevereiro de 2007 I Série — Número 51

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE FEVEREIRO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 351/X, 354/X e 356 a 363/X e dos projectos de resolução n.os 182 e 183/X.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética relativo à retoma e à renúncia de mandatos de Deputados do PS.
Em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Martins (PS) considerou que a anunciada demissão do Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira não serve o Estado democrático nem a República, tendo criticado a solidariedade que lhe tem sido manifestada pelo líder do PSD. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), António Filipe (PCP), Luís Fazenda (BE) e Agostinho Branquinho (PSD).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca (BE) insurgiu-se contra declarações proferidas pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social a propósito dos dados do INE relativos à taxa de desemprego verificada no último trimestre de 2006 e acusou o Governo do PS de praticar políticas recessivas e anti-sociais. No fim, deu resposta a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Junqueiro (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Abel Baptista (CDS-PP) criticou o Governo pelas medidas que em diversos sectores tem vindo a tomar e que em sua opinião dificultam o desenvolvimento do distrito de Viana do Castelo, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Fão (PS).
Por último, o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça (PSD) falou sobre diversos assuntos relativos ao mar e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João Rebelo (CDS-PP).

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I SÉRIE — NÚMERO 51 __________________________________________________________________________________________________ 2 Ordem do dia. — Foram apreciados, conjuntamente e na generalidade, a proposta de lei n.º 98/X — Procede à vigésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e os projectos de lei n.os 211/X - Altera o Código Penal (PS), 219/X — Altera o Código Penal, eliminando a discriminação com base na orientação sexual existente no artigo 175.º (Os Verdes), 236/X — Altera o Código Penal (PSD), 239/X — Aprova o regime da responsabilidade penal das pessoas colectivas (PSD), 349/X — Altera o Código Penal em matéria ambiental (Os Verdes), 352/X — Altera o Código Penal (CDS-PP) e 353/X — Altera o Código Penal (BE). Além do Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa), usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Ricardo Rodrigues (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Odete Santos (PCP), Luís Montenegro (PSD) e Maria do Rosário Carneiro (PS).
Foi ainda debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 107/X — Cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, tendo intervindo, além do Sr. Ministro da Justiça e do Sr.
Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), João Serrano (PS) e António Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS)

Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José dos Mártires Rodrigues

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Manuel Luís Gomes Vaz
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Jorge Teixeira de Freitas
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vitor Manuel Sampaio Caetano Ramalho

Partido Social Democrata (PSD)

Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes

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5 | I Série - Número: 051 | 22 de Fevereiro de 2007

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP)

Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP)

Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

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Bloco de Esquerda (BE)

Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)

Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de lei n.os 351/X — Altera a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (Código do Trabalho), com vista a eliminar um conjunto de disposições discriminatórias (Os Verdes), que baixou à 11.ª Comissão; 354/X — Altera as disposições da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, relativas à corrupção (BE), que baixou à 1.ª Comissão; 356/X — Determina regras de prestação de contas dos titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos acerca do seu património (BE), que baixou à 1.ª Comissão; 357/X — Define a cativação pública das mais-valias urbanísticas como medida preventiva de combate ao abuso de poder e à corrupção (BE), que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões; 358/X — Determina a divulgação dos resultados dos instrumentos de combate à corrupção e a sua comunicação ao Parlamento (BE), que baixou à 1.ª Comissão; 359/X — Elimina a discriminação em razão da nacionalidade do passageiro, no acesso ao subsídio ao preço do bilhete público nos serviços aéreos regulares que envolvam as regiões autónomas, periféricas, em desenvolvimento ou com fraca densidade de tráfego (BE), que baixou à 9.ª Comissão; 360/X — Adopta medidas legais de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; 361/X — Institui o programa nacional de prevenção da criminalidade económica e financeira (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; 362/X — Altera legislação no sentido do reforço dos instrumentos de combate à corrupção (PS), que baixou à 1.ª Comissão; e 363/X — Altera o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, impondo a transcrição digital georreferenciada dos planos municipais de ordenamento do território (PS), que baixou à 7.ª Comissão.
Deram também entrada na Mesa os projectos de resolução n.os 182/X — Deslocação do Presidente da República, em visita de carácter oficial, ao Luxemburgo (Presidente da AR) e 183/X — Medidas de combate à corrupção (CDS-PP).
Deu ainda entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Ética relativo à retoma de mandato, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 6.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 13 de Fevereiro corrente, inclusive, de Alcídia Lopes (PS), círculo eleitoral do Porto, cessando Ana Maria Rocha, e à renúncia ao mandato, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, com efeitos desde 13 de Fevereiro corrente, inclusive, de José Ribeiro (PS), círculo eleitoral do Porto, por Ana Maria Rocha.
O parecer é no sentido de a retoma e a renúncia dos mandatos dos Deputados em causa serem de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a primeira parte do período de antes da ordem do dia destina-se a declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Alberto João Jardim demitiu-se.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Demitiu-se, e muito bem!

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O Orador: — E porquê? Demite-se para querer ser eleito de novo. Não cumpre o mandato e quer um novo mandato. A sua demissão não altera a Lei das Finanças Regionais, a sua demissão não busca a maioria absoluta, que já tem. A sua demissão é um gesto gratuito, provocador, à espera que tudo fique na mesma. Ou melhor, com medo de cumprir o seu mandato até ao fim e sufragar-se normalmente ao fim de dois anos, Jardim antecipa-se para se prolongar.
Jardim eleito é Jardim demissionário, que quer de novo ser eleito, e sempre.
A instabilidade mora na Madeira de braço dado com o revanchismo irresponsável e a ausência de ética democrática.

Aplausos do PS.

Onde governa, seja em Lisboa ou no Funchal, o PSD é fautor e gerador de instabilidade.
Não há interesse nacional ou interesse regional que resista à necessidade de protagonismo de Alberto João Jardim.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Em nome da autonomia, quer subverter a unidade da República. Em nome da democracia, quer plebiscitar uma lei da República. Em nome da arrogância e prepotência políticas, quer o confronto institucional com o Presidente da República e o Governo da República.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Usa a autonomia contra a autonomia, a democracia contra a democracia, o populismo contra a República.

Aplausos do PS.

Por puro cálculo político, e com receio de enfrentar o eleitorado daqui a dois anos, Jardim vira-se para a táctica do «inimigo externo», a República. Para galvanizar a opinião pública interna, opta pelo pior caminho. A deliberada confrontação institucional com a República, através da provocação aos órgãos de soberania, é uma afronta intolerável.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Orador: — Para que nada mude, Jardim quer que tudo mude. Jardim isola a Madeira e provoca deliberadamente a instabilidade com o único e exclusivo intuito de se plebiscitar a si próprio. É de uma completa irresponsabilidade.

Aplausos do PS.

E assim, cantando e rindo, segue o caminho do mais desbragado populismo. Que faça boa viagem, e que não nos incomode.
Os madeirenses têm aqui uma oportunidade de ouro para enviar o peronismo serôdio de Jardim para o sítio que merece: para o passado. Que isso se faça o mais cedo possível.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, o anúncio do demissionário Presidente do Governo Regional da Madeira constitui um simples corolário de uma série muito infeliz de atitudes que o líder do PSD, Dr. Marques Mendes, tem caucionado pelo silêncio.

Vozes do PS: — É verdade!

O Orador: — Quando Alberto João Jardim acusou «Sócrates, Santos & os Colaboracionistas» de «instrumentalizar o Estado de forma estalinista» para desferirem «o maior ataque colonial e autoritário contra a Madeira» e «atacar os madeirenses por razões partidárias», o Dr. Marques Mendes calou-se.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Como sempre!

O Orador: — Quando o vice-presidente do PSD/Madeira acusou a lei de finanças regionais de ser «imposta por gente medíocre que deliberadamente quer prejudicar a Madeira», o Dr. Marques Mendes calouse.

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Vozes do PSD: — Nós apoiámos!

O Orador: — Quando Alberto João Jardim acusou os juízes do Tribunal Constitucional de «colaborarem na agressão ‘colonialista’ do Governo da República contra a Região Autónoma da Madeira», tendo afirmado que «Nós mantemos que há uma inconstitucionalidade, independentemente do que diga o Tribunal Constitucional, que pouco valor tem, e consideramos mesmo que se trata de uma grosseria jurídica o que ali foi feito», o Dr.
Marques Mendes continuou a calar-se.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Uma vergonha!

O Orador: — Quem cala consente, em muitas circunstâncias, como é o caso, e o Dr. Marques Mendes tem consentido demasiadas vezes.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Orador: — Mas quando Jardim se demitiu, usando como pretexto uma lei que o Presidente da República homologou «após cuidada ponderação dos diversos interesses em presença» e «dissipadas que foram as diversas dúvidas de constitucionalidade» — diz o Presidente da República —, o Dr. Marques Mendes já falou.
E o que disse o Dr. Marques Mendes quando, finalmente, falou? Por onde anda o Dr. Marques Mendes enquanto Jardim «calca a lei sob os seus pés» e enxovalha esta Assembleia e o Presidente da República? Aplaude. Solidariza-se. Apara-lhe o golpe. Infelizmente, nada disto é novo.
No encerramento das salas de parto, aí também falou. Na Lei das Finanças Regionais, falou, e falou muito.
E até foi à Madeira. E foi na Madeira, simbolicamente, que anunciou que votava contra o Orçamento do Estado para 2007.
E que faz desta feita o PSD? A sua Comissão Permanente exprimiu o «apoio à decisão tomada pelo presidente do PSD/Madeira e do Governo Regional». E, por isso, manifestou a «total solidariedade» a Alberto João Jardim.
Já se percebeu que o líder do PSD está refém e caiu vítima da síndrome de Estocolmo: «apaixonou-se» pelo seu raptor.

Aplausos do PS.

Na Madeira, entre Jardim e Mendes, vive-se um idílio de encantamento.

Vozes do PS: — Oh!

O Orador: — São este tipo de actuações, pouco credíveis, demagógicas e irresponsáveis, que têm vindo a transformar o PSD num partido reduzido a uma agenda populista regional e autárquica, sem dimensão nacional.

Aplausos do PS.

O PSD é hoje um partido sem autoridade. Lamentamo-lo! Já é a segunda vez, em poucos dias, que a direcção do PSD manifesta a sua «solidariedade» a alguém. O PSD é hoje um partido que oferece solidariedade, mas ao qual ninguém atribui credibilidade nessa solidariedade oferecida.

Aplausos do PS.

Se a demissão de Jardim é um sinal de terrível fraqueza e de completo desnorte, já o elogio do líder do PSD ao demissionário presidente regional é sinal de algo mais grave. É uma caução. É uma cedência. É um erro.
Esta prática política de plebiscitar as leis da República que o Presidente da República já promulgou, que o Tribunal Constitucional já examinou e que a Assembleia da República já aprovou é uma prática política que contraria o próprio sistema democrático do Estado de direito.

Aplausos do PS.

O PSD é hoje um sinal de instabilidade.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É verdade!

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O Orador: — Não é só na Madeira, com Alberto João Jardim. Foi no Governo, com Santana Lopes, e é hoje na Câmara de Lisboa com Carmona Rodrigues.
E os portugueses estão atónitos. Onde está o PSD, partido que se pretende de governo?

Vozes do PS: — Não está!

O Orador: — É que se o PSD quer governar o país como governa a Madeira ou Lisboa, então estamos conversados no que respeita a instabilidade, a falta de credibilidade, a falta de sentido de Estado.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Jardim, esse, supõe que a sua demissão esconde o fracasso total da sua estratégia. Jardim foi derrotado na Assembleia da República, que aprovou, com os votos do PS e abstenção do CDS, a Lei das Finanças Regionais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Diz bem, com os votos do PS!

O Orador: — Jardim foi derrotado quando o Tribunal Constitucional disse que a Lei não era inconstitucional. Jardim foi derrotado quando o Presidente da República promulgou a Lei.
Mas Jardim supõe mal. Jardim foi derrotado em toda a linha. A sua demissão não esconde este facto.
Antes mostra que tenta tapar um erro com outro erro. A sua demissão é a maior admissão da derrota, e isso é claro. Em suma, a sua demissão não serve o Estado Democrático nem serve a República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Há cinco inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Alberto Martins.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, ficará para a história que o líder parlamentar da maioria, no segundo aniversário do Governo que apoia, em que era suposto vir aqui prestar algumas contas, com a dificuldade e o embaraço próprios de ter de defender o Governo, decidiu antes atacar o Dr. Alberto João Jardim.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Alberto Martins, quero dizer-lhe uma coisa muito simples: para compreender Portugal é preciso compreender as autonomias e as populações das regiões insulares.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — E o que V. Ex.ª revelou, com a sua intervenção, foi que, tal como os seus colegas socialistas da Madeira, não compreende as autonomias e não compreende as populações das regiões insulares.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: — Tal ficou aqui bem marcado através da sua intervenção.
Se V. Ex.ª compreendesse o sentir das populações da Região Autónoma da Madeira não teria feito o discurso que fez e não teria confundido a Região e a sua população com uma pessoa que V. Ex.ª ataca por tudo e por nada: o Dr. Alberto João Jardim.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: — O Dr. Alberto João Jardim identifica-se com o sentir da população da Madeira.
Sr. Deputado, VV. Ex.as podem aqui aprovar, com abstenções envergonhadas ou não do CDS, todas as medidas que quiserem contra a Região Autónoma da Madeira, essas medidas podem ser promulgadas, o Tribunal Constitucional pode dizer que está tudo bem, mas há uma coisa que VV. Ex.as não podem fazer: proibir que a população da Madeira expresse o seu sentir nas urnas!

Aplausos do PSD.

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V. Ex.ª fala de ética democrática. V. Ex.ª fala de democracia.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — A Madeira está acima da lei?!

O Orador: — Mas não se pode falar de ética democrática nem de democracia revelando o medo que V.
Ex.ª revelou do seu partido em relação às eleições regionais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: — Isso não é revelador de ética democrática nem de sentido democrático profundo.
VV. Ex.as não tenham medo! Não tenham medo da voz da população da Madeira, tal como nós não temos.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Na Madeira é que há medo!

O Orador: — Aliás, era bom que V. Ex.ª e os seus companheiros de partido da Madeira articulassem melhor as posições,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É verdade!

O Orador: — … se entendessem melhor, porque, quando surgiu a questão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, os seus correligionários desafiaram o Dr. Alberto João a ir para eleições.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Pensaram que ele tinha medo de eleições. Mas agora, que efectivamente há essa possibilidade de irem para eleições, VV. Ex.as retraem-se e já dão o dito pelo não dito! Mas compreendam esta questão: não se faz o que VV. Ex.as fizeram, que foi alterar as regras de funcionamento democrático de uma Região a meio de um mandato.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - É verdade!

O Orador: - VV. Ex.as sabiam que havia compromissos sufragados pela população da Madeira em eleições livres, VV. Ex.as sabiam que havia um programa de governo que estava aprovado pela Assembleia Regional, VV. Ex.as sabiam que havia esses compromissos, pelo que não é correcto, não é lícito e não é sério retirar meios para o cumprimento desse programa a meio do mandato, abusando de uma maioria que têm na Assembleia da República.
O Sr. Deputado atacou o líder do meu partido. Há uma coisa que lhe quero dizer, que é, com certeza, diferente do que acontece no seu partido: nós, cá dentro, sabemos ser solidários uns para com os outros. E quem não sabe ser solidário dentro da sua casa dificilmente sabe ser solidário com o povo português, como nós somos e VV. Ex.as não são.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, ouvi muito atentamente a sua intervenção e estranhei que, logo no início, V. Ex.ª não tenha reconhecido que há hoje na Região Autónoma da Madeira um problema. A verdade é que há hoje um problema, e esse problema tem responsáveis. E o primeiro responsável chama-se José Sócrates, acompanhado pelo Sr. Deputado Alberto Martins e pela sua bancada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É muito curioso que lembremos aqui que parte da origem desse problema começou quando o PS, pela primeira vez, conseguiu o feito de aprovar uma lei de finanças regionais sozinho. É que, até então, as leis de finanças regionais tinham sido todas votadas por unanimidade! Curiosamente a última lei de finanças regionais…

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Vozes do PS: - Porque é que não votaram contra?!

O Orador: - Srs. Deputados, tenham calma! Sr. Deputado Renato Leal, tenha calma! Isto não é sobre os Açores, é sobre a Madeira! Tenha calma, não fique tão animado! Acalme-se um bocadinho! A verdade é que a lei de finanças regionais foi aprovada nesta Câmara, na generalidade, por unanimidade, e depois, na votação final global, o Partido Socialista votou-a sozinho. Porquê? Porque escolheu o caminho da divisão em vez do caminho da união de todos os portugueses - os do continente e os das regiões autónomas.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Quem escolheu esse caminho e quem ficou sozinho no caminho que escolheu foi o Partido Socialista e foi o seu Secretário-Geral, José Sócrates.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Até agora não tiveram posição sobre as finanças regionais!

O Orador: - Mas há também outro responsável. Nós, nesta bancada, com seriedade, também dizemos que esse responsável, que criou o problema de antecipar eleições, é o Dr. Alberto João Jardim.

Vozes do PS: - Ah!…

O Orador: - A verdade é que, para o problema que está criado e para os problemas que hoje existem na Madeira, as eleições não são a solução.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O problema que hoje está criado na Madeira é que há um governo regional que é claramente despesista e que não tem controlo financeiro. Isso é verdade!

Aplausos do PS.

Mas também não é com a vossa lei que isso se controla! Portanto, não fiquem tão animados! A Região Autónoma da Madeira vai ter menos fundos comunitários, o que constitui um problema para a Madeira e para todo o País.
A lei de finanças regionais foi decidida e votada pelo Partido Socialista, colocando portugueses contra portugueses, retirando privilégios a portugueses, e esse é um caminho pelo qual o único responsável é o PS, porque nenhum partido desta Assembleia o acompanhou.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É por tudo isso que criticamos também a decisão de convocação de eleições, porque ela não resolve o problema. Mas uma vez que o problema está criado, alguém vai ter de o resolver, que será o povo da Madeira. E, acima de tudo, confiamos no bom senso e na sensatez dos madeirenses, na decisão legítima dos madeirenses.
Há uma coisa de que temos a certeza, pelos vistos ao contrário do Partido Socialista: a bancada do CDS, aqui ou na Madeira, nunca tem medo de ir a eleições.

Aplausos do CDS-PP.

O CDS, aqui e na Madeira, pelos vistos ao contrário do PS, nunca tem medo do voto popular.
Para finalizar, quero dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Alberto Martins. Sabe o que é? É que, muitas vezes, em eleições extraordinárias, acontecem coisas extraordinárias. Vamos aguardar serenamente e vamos ver o que é que vai acontecer na Madeira.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares, manifestando-lhe a minha concordância com a crítica que fez ao governo despesista da Madeira. Estamos de acordo que se trata de um governo despesista, que não serve o interesse da Madeira nem o interesse nacional.

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Mas há pelo menos uma questão que me deixa perplexo: porque é que o CDS não votou contra a lei de finanças regionais?

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está arrependido!

O Orador: - Porque é que o CDS se absteve na votação da lei de finanças regionais? Se era tão má assim, porque é que o CDS não foi coerente? O CDS fez bem em não votar contra, em abster-se, porque se trata de uma boa lei para a República e para a solidariedade nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É uma boa lei não sei para quem!

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, hoje não foi um grande momento para as suas intervenções parlamentares — tenho-as acompanhado algumas vezes e retenho o seu brilho. Hoje a sua intervenção foi, de facto, muito difícil, abaixo do seu nível habitual.
Devo dizer-lhe que a questão do medo é interessante, mas, quanto a isso, remeto-o para palavras do Dr.
Alberto João Jardim: «Candidato-me porque ‘tenho medo’…» — subentende-se — «…que o governo fique na mão de tontos e traumatizados sociais».

O Sr. Mota Andrade (PS): - É verdade!

O Orador: - De duas, uma: ou ele quer referir-se ao Partido Socialista,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Quer mesmo! Não tenha dúvidas!

O Orador: - … e é profundamente injusto e antidemocrático, ou então quer referir-se aos membros do PSD — é assim que ele os trata.

Aplausos do PS.

Portanto, o Dr. Jardim não tem grandes perspectivas quanto aos resultados, mas, para ele, se os resultados fossem a manutenção da vitória do PSD, o governo ficaria na mão de tontos e traumatizados sociais.
Por outro lado, o Dr. Jardim é useiro e vezeiro no ataque contra os interesses da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estou a ver que não conhece o PS da Madeira!

O Orador: - Recordo-me, Sr. Deputado Guilherme Silva - até pelo seu nome deve ter uma ideia precisa disso -, quando ele atacou o primeiro-ministro, dizendo que se estava borrifando para o Sr. Silva - um antigo primeiro-ministro.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - É assim que o Dr. Jardim trata os grandes representantes da República.
E, por favor, Sr. Deputado, não me venha falar na ética republicana da Madeira.

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é uma monarquia!

O Orador: - Sabemos o combate que temos travado aqui contra a promiscuidade entre interesses públicos e privados,…

O Sr. Mota Andrade (PS): - Muito bem!

O Orador: - … designadamente a propósito da lei das incompatibilidades de titulares de cargos políticos.
Nessa matéria, Sr. Deputado Guilherme Silva, é preciso ter pudor.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, começo este pedido de esclarecimento por lembrar que o PCP votou contra a lei de finanças regionais.
Durante toda a discussão que aqui foi travada sempre considerámos que a lei de finanças regionais, tal como foi proposta pelo Governo do Partido Socialista, seria uma lei contra a autonomia regional, que poria em causa a solidariedade nacional e a solidariedade recíproca entre o Estado e as regiões autónomas e que seria uma lei prejudicial para o povo da Região Autónoma da Madeira. Dissemos isso desde a primeira hora, dissemo-lo no debate e mantemo-lo agora.
Refiro-o para dizer que se o Dr. Alberto João Jardim se ficasse pela crítica legítima à lei de finanças regionais teria boas razões para isso. Esta é a primeira parte.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É «uma no cravo e outra na ferradura».

O Orador: - Quanto à demissão do Dr. Alberto João Jardim para provocar novas eleições, é preciso dizer, desde logo, que esta não é uma demissão contra a lei de finanças regionais,…

A Sr.ª Helena Terra (PS): - Obviamente!

O Orador: - … é uma demissão mediante a qual o Dr. Alberto João Jardim quer aproveitar a seu favor a lei de finanças regionais, o que é uma coisa diferente.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente que esta demissão e a convocação de novas eleições não vai alterar, como é óbvio, a lei de finanças regionais.
Em segundo lugar, trata-se de mais do mesmo: há pessoas que se demitem dos seus cargos porque não querem permanecer neles; o Dr. Alberto João Jardim faz o contrário: demite-se porque quer ficar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E o candidato do PSD é também mais do mesmo: é o mesmo candidato, é o candidato que o PSD tem apresentado ao longo das últimas três décadas e que tem governado a Madeira também ao longo das últimas três décadas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Queria que fosse alguém para perder as eleições?!

O Orador: - O Dr. Alberto João Jardim quer antecipar as eleições por considerar que este momento lhe será favorável. E pensará isso - diga-se - por culpa do Governo do Partido Socialista, que aprovou esta lei de finanças regionais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E quer convocar eleições para evitar que, no fim do mandato, tenha de ser julgado não em função de um juízo dos madeirenses sobre a lei de finanças regionais mas de um juízo sobre o seu exercício do mandato nestes últimos quatro anos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E é isso que o Dr. Alberto João Jardim quer evitar.
Mais - e com isto concluirei a pergunta que lhe quero fazer: o Dr. Alberto João Jardim também sabe que, pela primeira vez em próximas eleições, independentemente da data em que se realizem, será aplicada a nova lei eleitoral para a Região Autónoma da Madeira e que, com esta nova lei eleitoral, não haverá maiorias na secretaria, ou se obtêm votos ou não se obtêm maiorias!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa lei foi aprovada por unanimidade, ao contrário da lei de finanças regionais!

O Orador: - E, sabendo isso, para o Dr. Alberto João Jardim será preferível procurar antecipar eleições agora, para que o resultado seja condicionado por um juízo em face da lei de finanças regionais, do que ter de

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se submeter, no final do mandato, a prestar contas pela forma como governou a Madeira nos últimos quatro anos.
A questão que gostaria de lhe colocar é, pois, a seguinte: não considera que, de facto, neste momento, há o propósito claro de fugir a uma prestação de contas que é devida ao povo da Madeira no fim da governação para a qual o Dr. Alberto João Jardim se candidatou?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, porventura por estarmos no fecho dos festejos carnavalescos, alguns episódios burlescos já aqui tiveram lugar neste debate, a começar pelo CDS, que tenta demarcar-se da lei que negociou em algumas propostas e na qual se absteve, o que só pode ser uma brincadeira de Entrudo,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): - Como é que o Bloco de Esquerda votou na generalidade?!

O Orador: - … continuando pelo PSD, que vem reclamar a ética republicana na Madeira, e terminando nessa peça de delícia oratória que foi o Sr. Deputado Alberto Martins ter admitido, ao menos em teoria, que os «tontos e traumatizados sociais» pudessem ser os socialistas. Trata-se de algo para todos nos rirmos um pouco.
Falando de coisas sérias, a verdade é que se verberamos e reprovamos completamente a decisão do Presidente do Governo Regional da Madeira em cessar um mandato, recandidatando-se automaticamente, provocando eleições antecipadas, porque o faz para perpetuar uma maioria, porque o faz quando sabia que estava em perda de base social de apoio e porque o faz para encobrir aquilo que têm sido os erros e o esbanjamento das finanças públicas na sua governação, também é nesta sede e neste momento que temos de criticar e condenar a maioria do Partido Socialista, que deu o argumento e o pretexto ao aprovar uma lei de finanças regionais errada, baseada num cálculo, que não era obrigatório pela União Europeia, em torno do produto bruto clara e artificialmente empolado, devido às riquezas geradas pela zona franca da Madeira.

Protestos do PS e do PSD.

Esse pretexto foi agora aproveitado por Alberto João Jardim. E esta manobra para a sua perpetuação no poder tem aqui a clara cumplicidade objectiva do Partido Socialista, que deixou o caminho aberto para que isso viesse a acontecer.
Sr. Deputado Alberto Martins, a questão de fundo nem é a da provocação de eleições e do processo político que se vai seguir; a questão de fundo, como o Bloco de Esquerda aqui evidenciou no debate da lei de finanças regionais, é o modo como o Partido Socialista trata as autonomias,…

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Exactamente!

O Orador: — … como o Partido Socialista não tem uma política para as autonomias, como o Partido Socialista, em sede de revisão constitucional, acorda algumas coisas para as autonomias e, logo a seguir, numa lei ordinária, vira tudo ao contrário, sem qualquer critério e sem qualquer princípio, no pragmatismo mais absoluto.
É, até, lamentável que o Partido Socialista e o Sr. Deputado Alberto Martins hoje se sirvam da «toalha» do Presidente da República para «cobrir» a posição do Governo, da maioria do Partido Socialista, invocando aqui o «Sr. Silva» contra a bancada do PSD!

Protestos do PS.

Este é o ponto zero a que chegou o Partido Socialista na política para as autonomias! Sr. Deputado Alberto Martins, entendemos condenar a decisão irresponsável de provocar eleições antecipadas na Madeira, mas creio que o Partido Socialista não se livra das acusações de uma política de ziguezague em relação às autonomias. O Partido Socialista não tem tido em consideração as autonomias.
Entendo a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins com um único fito, com um único objectivo: o de dar um «balão de oxigénio» ao Partido Socialista da Madeira, que está flagrantemente em «estado de coma».

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

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O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por responder ao Sr. Deputado António Filipe, dando conta do seguinte: a lei de finanças regionais não é uma lei específica para a Madeira.
Como o Sr. Deputado sabe, é uma lei para as autonomias regionais, para as regiões autónomas, e, portanto, não tem qualquer especificidade. O Partido Comunista votou contra, mas fez mal, porque esta é uma lei justa, é uma lei solidária, é uma lei que tem como objectivo garantir a equidade territorial entre as diversas partes do território nacional. É uma lei de maior igualdade, é uma lei de maior rigor, é uma lei de maior transparência.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Andou mal o Partido Comunista ao não nos ter acompanhado!

Aplausos do PS.

Mas não é esta, propriamente, a questão de fundo, e nessa estamos identificados: o Dr. Jardim demite-se para tentar ficar; o Dr. Jardim demite-se para tentar ganhar na secretaria aquilo que está a perder no terreno político.
O Dr. Jardim, ao provocar eleições no imediato, não se quer sufragar com a totalidade do seu mandato,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Exactamente!

Protestos do PSD.

O Orador: — … não quer prestar as contas que deve aos madeirenses e aos portugueses no fim do seu mandato!

Protestos do PSD.

A sua atitude é irresponsável, de «fuga para a frente».

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — Respondendo agora ao Sr. Deputado Luís Fazenda, devo dizer-lhe que o que está aqui em jogo é, verdadeiramente, uma questão do Estado democrático. O que está em jogo é o poder democrático da Assembleia da República, expresso da forma democrática como ele se exprime. E os votos das minorias são particularmente relevantes, compõem a vontade global, que se exprime em regras da decisão maioritária.
O que está em jogo não é o voto do Bloco de Esquerda, o que está em jogo é uma lei da República, votada pela Assembleia da República, apreciada na sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, promulgada pelo Presidente da República e contra a qual se coloca, de forma plebiscitária, antidemocrática e irresponsável, o Dr. Jardim!

Vozes do PS: — Claro!

O Orador: — Isto é o que está em causa, Sr. Deputado Luís Fazenda!

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, não confunda os pequenos interesses casuísticos eleitorais, os pequenos ganhos de causa do Bloco de Esquerda ou dos outros partidos com o que está em jogo nas eleições que vão ter lugar a seguir.
O que está em causa, Srs. Deputados, é uma questão do Estado de direito, é uma questão do Estado constitucional! A República é um todo com os seus órgãos de soberania. Ou o Sr. Deputado quer, por pura engenharia eleitoral, permitir que haja legitimidade de um governo regional se pôr contra a República?! Nós não aceitamos isso!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Martins, na sua intervenção, a propósito da situação da Madeira, V. Ex.ª quis agarrar a esse problema a questão da Câmara de Lisboa.
Sr. Deputado Alberto Martins, vamos acabar com a hipocrisia política e, desde já, queremos lançar-lhe um repto muito claro: se a leitura que o Partido Socialista faz sobre a governabilidade da câmara de Lisboa é

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assim tão má, se é assim tão impossível garantir essa governabilidade, as oposições na câmara de Lisboa têm o poder, têm a força suficiente para derrubar o executivo.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Orador: — Portanto, a questão é muito clara - deixemo-nos de hipocrisias: se VV. Ex.as entendem que a câmara de Lisboa está numa situação de ingovernabilidade, então o Partido Socialista que assuma as responsabilidades de derrubar o executivo da câmara de Lisboa!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Exactamente!

Protestos do PS.

O Orador: — Não vamos, agora, fazer aqui o jogo da hipocrisia política, levado até ao seu limite!

Protestos do PS.

Portanto, Sr. Deputado Alberto Martins, aqui tem o repto do Partido Social Democrata sobre essa situação que se vive na câmara de Lisboa, que, do nosso ponto de vista, tem todas as condições para garantir o seu mandato até ao final, até 2009.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, devo dizer-lhe que essa não é uma grande táctica: à instabilidade da Madeira, responde com uma instabilidade em Lisboa; à instabilidade de Lisboa, responde com a instabilidade da Madeira. Essa não é uma grande solução.

Vozes do PSD: — O senhor é que falou nisso, não fomos nós!

O Orador: — O que eu disse foi o seguinte: face à instabilidade da Madeira, o Sr. Presidente do Governo Regional demitiu-se. Face à instabilidade na câmara de Lisboa, o que é que faz o presidente do seu grupo político? Cauciona o que se passa na câmara de Lisboa.
O que eu digo é o que os portugueses dizem: o PSD é fautor de instabilidade em todos os sítios onde governa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração políti, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministro Vieira da Silva não pára de surpreender-nos.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Ainda bem!

O Orador: — Confrontado com os dados do INE que revelam a maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos no último trimestre de 2006, respondeu: «É um momento, não é uma tendência».
O que se sabe é que nesse «momento» de Vieira da Silva não estão contabilizados, por exemplo, os 3000 estagiários da função pública que o Governo se prepara para dispensar, nem os trabalhadores da Gestnave, a quem este mesmo Governo propôs as rescisões por «mútuo acordo», nem os 1100 trabalhadores da Opel, muito menos os milhares de trabalhadores que serão «dispensados» por força da chamada reforma da Administração Pública.
O que se sabe é que a taxa de desemprego agora divulgada só encontra paralelo com o ano de 1986. O que se sabe é que o desemprego, no último trimestre de 2005, era de 8%, e, no último trimestre de 2006, foi de 8,2%. O que se sabe é que, no terceiro trimestre de 2006, era de 7,4% e, no quarto trimestre, passou para 8,2%. O desemprego subiu não só em relação a 2005 como em relação ao último trimestre.
O que se sabe é que 445 portugueses e portuguesas ficam desempregados diariamente. O que se sabe é que são 458 600 pessoas, na sua maioria mulheres, que não têm emprego.
Se ainda tivermos em conta que, em 2006, o número médio de inactivos disponíveis foi de 85 000, então teremos uma taxa de desemprego que atinge 9,6 %.
221 000 pessoas, ou seja, 52% dos desempregados são de longa duração.

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127 600 pessoas estão há 25 meses à procura de trabalho - o que significa um crescimento de 20% em 2006 -, ou seja, um em cada três desempregados são de longuíssima duração, pois andam à procura de emprego há mais de dois anos.
Cerca de 11 % do número total de desempregados são licenciados.
Lamentavelmente, o despedimento de mulheres grávidas em 2005 e 2006 também aumentou.
Fica assim demonstrado que aos patrões pouco importam os direitos sociais, laborais e da família.
Quando se fala em conciliar o trabalho com a família e em incentivar a natalidade soa bem, mas o que temos é uma prática feroz onde o lucro determina tudo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — É responsabilidade do Estado, através das suas acções inspectivas, cumprir e fazer cumprir a lei no sentido de acabar com a perseguição das mulheres grávidas no mundo laboral.
O que se sabe é que, nos últimos dois anos, a economia portuguesa apenas criou 8,9 mil postos de trabalho líquidos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Novembro de 2006, o Primeiro-Ministro garantia que «estava a vencer a batalha do desemprego»; e, no último debate mensal na Assembleia, respondendo à bancada do Bloco de Esquerda, garantia que «a única comparação legítima dos dados do desemprego é sempre a comparação homóloga».
Pois bem, aqui está a comparação homóloga: o desemprego atingiu o número mais elevado dos últimos 20 anos, confirmando o que as diversas comparações homólogas têm vindo sucessivamente a mostrar. «O momento», para usar a definição do ministro Vieira da Silva, está cada vez pior para a maioria dos portugueses e portuguesas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Começam a ficar cada vez mais longe os tempos em que o Partido Socialista dizia, e muito justamente, que as pessoas não são números, e prometia criar 150 000 novos postos de trabalho. É verdade que não disse nunca em quantos anos cumpriria tal promessa. Talvez se esquecesse que o mandato dura quatro anos, e já passaram dois.
Para o Primeiro-Ministro e o Partido Socialista cumprirem a sua promessa até ao fim da Legislatura têm de criar 340 000 novos postos de trabalho e de garantir um crescimento anual do produto interno bruto de 3%, o que, assinale-se - e lamento dizê-lo -, é muito pouco provável! Nem este Governo do PS nem o anterior governo do PSD/CDS podem alegar que se trata de meros efeitos de conjuntura ou de «momentos». Uma conjuntura não dura tanto tempo, nem justifica que Portugal se continue a atrasar enquanto os restantes países europeus vêem a sua economia a crescer. Com o governo PSD/CDS, tivemos o maior aumento percentual do desemprego da União Europeia. Com o governo do PS atingimos o máximo do desemprego.
Repetindo as políticas que criticou na oposição, a obsessão pelo défice tem levado o Governo do PS a prosseguir políticas recessivas, anti-sociais, juntando cada vez mais crise à crise, em vez de incrementar o investimento público, de cortar com o garrote do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de incentivar a criação de emprego. É esta verdade que o Primeiro-Ministro e o Ministro Vieira da Silva se esqueceram de reconhecer, porque se o fizerem, terão, então, de afirmar claramente que esta é uma «tendência».
A flexissegurança aparece agora como a «receita» miraculosa que o Governo português quer promover na presidência portuguesa da União Europeia para a criação de emprego e para a dinamização da economia. A julgar pela política seguida por este Governo, já se sabe o que será a flexissegurança - liberalização dos despedimentos, destruição do Estado social, mais precaridade laboral e baixos salários só podem ser factores de competitividade e de crescimento terceiro-mundista.
Investimento público, formação profissional, educação, aposta na cadeia da criação de valores são apostas na modernização e desenvolvimento que podem criar emprego sustentável e com direitos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estas são as escolhas, são as «tendências» que o Primeiro-Ministro e o Ministro Vieira da Silva têm de fazer para seguir nos próximos tempos. Porque o desemprego aí está e é preciso tomar medidas para o combater!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, a sua intervenção está plena de lacunas, como sabe, aliás.
Agarrou-se àquilo que, de facto, é um momento e não é uma tendência. E tem ficado comprovado, nos debates que aqui fizemos e nos números que os explicitam, o controlo eficaz ao desemprego e um crescimento do emprego.

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A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Orador: — Mas V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, também omitiu uma coisa importante: agarrou-se ao último trimestre mas, por exemplo, não falou no mês de Janeiro, em que o crescimento do emprego se mede pelo número de desempregados no Instituto do Emprego e Formação Profissional, que caiu 7%.
Ou seja, V. Ex.ª não traz contributos para fazer uma leitura real e adequada, traz apenas aquilo que é o momento e que não é uma tendência.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada sabe, e bem, que se criaram mais 50 000 novos postos de trabalho líquidos, e não os 8000 que aqui quis fazer passar.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — E essa questão não pode ficar sem uma resposta. V. Ex.ª vem aqui falar na formação e na qualificação, na inovação. Mas o que é que este Governo tem feito que não seja exactamente a valorização dos recursos humanos, ou seja a qualificação, a formação, a inovação, a modificação de todas as políticas educativas? V. Ex.ª não falou nisso.

Protestos do Deputado do PSD Paulo Rangel.

No que se refere à parte social, V. Ex.ª sabe perfeitamente que não toleramos que os direitos dos trabalhadores possam ser postos em causa. O que nós combatemos - isso, sim -, a nível da segurança social, são aqueles que, indevidamente, usufruem de prestações da própria segurança social: subsídios de desemprego fraudulentos, contribuições que estavam por pagar. Obrigatoriamente, os contribuintes devem ter os mesmos direitos mas também as mesmas obrigações perante o Estado.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Orador: — Ou seja, Sr.ª Deputada, a sua intervenção, que quis confundir o País com uma tendência para o desemprego, ignora — aliás, propositadamente — que o País está a registar níveis recorde de investimento,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Níveis recorde de desemprego também!

O Orador: — … que se concretizaram em 2006, ano em que conseguimos números superiores a 2100 milhões de euros de novos investimentos.
Portanto, o crescimento da economia, a diminuição do défice, o combate ao desemprego, a boa estabilidade e as boas finanças públicas foram ignorados na sua intervenção. Mas é isso exactamente que o Governo continuará a fazer, para que as políticas a que se comprometeu se possam concretizar, nomeadamente todas estas que dizem respeito ao domínio do trabalho e da segurança social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, temos de nos entender, e especialmente com o Sr. Primeiro-Ministro, porque, quando se fala dos números do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), são os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) que contam, e o senhor agora, surpreendentemente, também vem aqui manifestar uma outra tendência.

O Sr. José Junqueiro (PS): — É verdade ou não?

A Oradora: — Aconselhava-o a rever o debate de 24 de Janeiro, em que o Sr. Primeiro-Ministro nos acusou de estarmos a manipular números,…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Diminuiu o número de desempregados!

A Oradora: — … porque os dados do INE vinham aí, esses é que eram os fiáveis e não podíamos estar aqui a ter «dois pesos e duas medidas». Agora, surpreendentemente, o senhor veio falar dos dados do IEFP!

O Sr. José Junqueiro (PS): — A Sr.ª Deputada é que não falou deles!

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A Oradora: — Portanto, é preciso que nos entendamos relativamente a isto.
Quanto à lacuna, Sr. Deputado, é muito clara: é a maior taxa de desemprego dos últimos 20 anos, e essa é a maior lacuna.
Depois, o senhor também falou de níveis recorde de formação profissional.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Exactamente!

A Oradora: — Continuo a dizer: os níveis recorde são os do desemprego. E este é um dado que toda a gente, e até o Governo… O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional e o Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social ficaram estupefactos com os dados, dizem mesmo que «deve haver aqui algum engano, porque tudo está a crescer».
Mas os números são os números, o INE é o INE e neste temos de confiar, ou então o Partido Socialista deixou completamente de confiar.
Depois, o Sr. Deputado fez uma acusação que lhe devolvo imediatamente, que é a de estar a «confundir» o País. Quem está a confundir o País é o Governo do Partido Socialista quando não quer acreditar nos números que objectivamente demonstram que o desemprego está a subir. Essa é que é a grande confusão.
Além disso, também colocou na sua intervenção mais coisas. E colocou uma muito simples, que é a Segurança Social, para confundir.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Não é para confundir, é para esclarecer!

A Oradora: — E digo-o pelo seguinte: se a preocupação dos senhores com a Segurança Social fosse assim tão grande, os gabinetes do Governo do Partido Socialista não incentivavam as rescisões por mútuo acordo, nem as propunham como boas, como é o caso das relativas aos trabalhadores da Gestnave, que, isso sim, vai provocar…

O Sr. José Junqueiro (PS): — Uma empresa!

A Oradora: — Não é uma, Sr. Deputado, são muitos mais!! As rescisões por mútuo acordo são apadrinhadas por este Governo, para camuflar o desemprego! E isso, sim, é que provoca prejuízos na Segurança Social. Aqui, também o senhor lançou a confusão.
Os números que vim trazer são os oficiais e para eles os senhores não têm resposta.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Os números oficiais são aqueles que lhe foram transmitidos!

A Oradora: — Além do mais, nada disse sobre a promessa eleitoral de criação de 150 000 postos de trabalho.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Bem lembrado!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Disse, disse!

A Oradora: — É porque, efectivamente, veio a verificar-se que os postos de trabalho líquidos, que no terceiro trimestre até cresceram, diminuíram no quarto trimestre. E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque os postos de trabalho que se estão a criar são precários.

O Sr. José Junqueiro (PS): — São sazonais.

A Oradora: — Não são sazonais, são precários, são contratos de um e de dois meses, e daí dar esta barafunda toda em termos…

O Sr. José Junqueiro (PS): — São sazonais.

A Oradora: — Não são sazonais!! Não, porque o trabalho sazonal é outra coisa; o trabalho sazonal é uma figura que o Sr. Deputado muito bem conhece. Estou a falar de contratos precários, de falsos recibos verdes; é desses que se trata. E é desses números que os senhores nunca mais vão dar contas; são esses números que aparecem e desaparecem nas estatísticas.
Mas que fique muito claro que confundir o País é o que o Partido Socialista, aqui, tem estado a fazer!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

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O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há dois anos, o Partido Socialista ganhou as eleições e pela primeira vez com maioria absoluta. As portuguesas e os portugueses votaram no PS porque acreditaram nas suas propostas, muitas delas interessantes, diria mesmo positivas para o cidadão. Poderia destacar algumas: não haveria aumento de impostos; seriam criados novos 150 000 postos de trabalho; não seriam introduzidas portagens nas SCUT.
No entanto, verificamos, hoje, que o PS enganou os portugueses, pois o que queria dizer era exactamente o contrário daquilo que disse.

Aplausos do CDS-PP.

Mas o PS não informou os portugueses e as portuguesas de algumas das decisões que entretanto tem vindo a pôr em prática.
O PS não informou os portugueses e as portuguesas de que iria «encerrar» uma boa parte do País. O que se passa no distrito de Viana do Castelo é disso um bom exemplo.
Os eleitores de Viana do Castelo confiaram, também maioritariamente, no PS, nas últimas eleições de 20 de Fevereiro de 2005: elegeram três dos seis Deputados daquele círculo eleitoral.
Tenho a certeza de que não teriam dado tantos votos ao Partido Socialista se durante a campanha eleitoral tivessem sido informados de que naquele distrito seriam dados tantos e tão graves sinais de abandono e de desrespeito pelos alto minhotos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — «O distrito de Viana do Castelo é o mais subdesenvolvido de Portugal». Quem o afirmou foi o Sr. Governador Civil desse distrito, muito recentemente, numa cerimónia pública de assinatura de um protocolo entre uma associação empresarial e uma universidade. É pena que este comissário político não consiga influenciar o Governo para alterar esta triste constatação.
O que se verifica em Viana do Castelo é o exemplo de um verdadeiro embuste político feito aos alto minhotos. Nos últimos dois anos, o investimento público do Estado, designadamente o PIDDAC, foi dos mais baixos do País e sempre inferior, em muito, ao dos anos anteriores.
Será, neste caso, de perguntar onde pára o princípio da subsidiariedade para com a região mais subdesenvolvida do País.
Para além de não ser feito investimento do Estado no desenvolvimento da região, não se notam quaisquer sinais de atracção de investimento. Os sinais que existem são contrários àquilo que os alto minhotos esperavam do Governo.
Há uma fúria de encerramentos em curso no distrito de Viana do Castelo: começou com o encerramento apressado de dezenas de escolas do 1.º ciclo, nalguns casos sem alternativas, e com o encerramento do estabelecimento prisional de Monção.
Mas o que consta que vai acontecer é do mais grave que se possa imaginar: pelas mais recentes notícias vindas a público, serão encerradas as escolas de 2.º e 3.º Ciclos de Valença, de Pias, concelho de Monção, de Távora, no concelho de Arcos de Valdevez, de Diogo Bernardes, no concelho da Ponte da Barca,…

O Sr. Luís Carloto Marques (PSD): — Vamos todos para Espanha!

O Orador: — … e não será renovado o contrato de associação do Externato das Neves, no concelho de Viana do Castelo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A concretizarem-se estas alterações, são centenas de crianças e jovens afectados, bem como as suas famílias, que vêem a sua vida alterada, e igualmente todas as suas expectativas de desenvolvimento local; são as autarquias que são penalizadas e confrontadas com uma decisão tomada ao arrepio do que acabaram de aprovar e, na maioria dos casos, de ratificar nas cartas educativas municipais, violando-se assim a lei.
Mas a fúria de encerramentos prossegue com as notícias do fecho dos postos rurais da GNR, nomeadamente o de Tangil, no concelho de Monção, e da possibilidade de encerramento da esquadra da PSP de Ponte de Lima.
Apesar de já provado e consensualmente aceite que o policiamento de proximidade é o mais eficaz para a segurança dos cidadãos, o que parece estar a querer implementar-se em Viana do Castelo é um estudo de caso para provar exactamente o contrário.
A possibilidade de fecho do estabelecimento prisional de Viana do Castelo, já muito contestada pelo Presidente da câmara municipal da cidade.
A notícia de que a Direcção de Finanças deixará de existir em Viana do Castelo, bem como a possibilidade de encerrarem 5 das 10 repartições de finanças do distrito.

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O Sr. Luís Carloto Marques (PSD): — É tudo a acabar! É uma razia!

O Orador: — O encerramento de seis serviços de atendimento permanente nos centros de saúde concelhios.
O embuste criado para com a população de Valença, quando lhe foi garantido que o serviço de urgência básica ficaria naquele concelho, tendo daí sido retirado, parece a história do rebuçado que se mostra à criança, mas que depois não lhe é dado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Depois, admiram-se que as populações se indignem. Há ou não direito à indignação?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — A possibilidade de encerrarem entre 6 a 8 das 10 zonas agrárias concelhias, num distrito com um forte peso agrícola e florestal.
A reorganização e alteração do Parque Nacional Peneda-Gerês, com a consequente possibilidade de perda de importância na região.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Eles fecham tudo e não deixam nada!...

O Orador: — A preocupante notícia de que a única delegação da Inspecção-Geral do Trabalho existente no distrito poderá vir a fechar.
São demasiadas más notícias para as populações locais. Este não é, seguramente, o caminho que os alto minhotos querem para si.
Mas os sinais dados pelo Governo são ainda mais preocupantes se acrescentarmos, como já se disse, a falta de investimento que cada vez mais se nota na região.
As obras do portinho de Vila Praia de Âncora, que deveriam estar concluídas, nomeadamente as da zona envolvente, não estão executadas e não há calendarização para as mesmas. O próprio portinho não pode ser utilizado porque se encontra assoreado e não há qualquer resposta da parte de Instituto Portuário e dos Transporte Marítimo (IPTM) para resolver esta questão.
A construção do portinho de Castelo do Neiva, que já deveria ter sido realizada, não parece constar de qualquer plano do Governo.
Onde está a construção das variantes às vilas de Ponte de Lima e de Arcos de Valdevez? Onde pára a construção da ponte sobre o Rio Lima, entre Ponte da Barca e Arcos de Valdevez? A propósito de pontes, qual é o andamento das obras da Ponte Eiffel e da Ponte de Lanheses, que teimam em não avançar? O anúncio da construção da plataforma logística de Valença não passa disso mesmo, de um anúncio com direito a apresentação em PowerPoint de propaganda.
Depois dos fogos florestais dos últimos anos, e em particular do Verão passado, é necessário relembrar que o distrito de Viana do Castelo foi o que apresentou a maior área ardida, e grande parte dela no Parque Nacional Peneda-Gerês, e que não houve o apoio esperado, desejado e necessário para a reflorestação, nem para os pastores e os agricultores, apesar de prometido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como se pode querer que uma região se desenvolva, seja atractiva, crie «massa crítica» se, em vez de a dotar de mais e melhores meios, se retiram meios, se retiram serviços? O que se está a fazer é um Simplex tão Simplex que daqui a alguns anos não será sequer necessário ter no distrito qualquer serviço desconcentrado do Estado,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … nem de prestação de assistência, seja de educação, de saúde, de justiça ou mesmo de recolha de impostos, porque se simplificou aquele território despovoando-o.
Partilho da frustração que os meus conterrâneos sentem, porque com eles vivo, trabalho, sofro e gostaria de continuar a viver e a trabalhar, mas apreciaria ainda mais poder ver os meus filhos terem a possibilidade de lá poderem ficar.

Aplausos do CDS-PP.

Tenho ainda uma pequena réstia de esperança de que o Governo arrepie caminho e olhe para aquele pequeno distrito, fronteiro com a Galiza e com a Área Metropolitana do Porto, encarando-o como uma oportunidade, para o tornar não no mais subdesenvolvido, mas para o transformar num caso de sucesso.
Para isso, espero que as notícias que têm vindo a público não passem disso mesmo, de notícias, de más notícias. Espero, e os alto minhotos também, que o distrito se possa desenvolver de forma harmoniosa e por

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todo o seu território, tornando-se um espaço cada vez mais vivo, e que nunca, mas mesmo nunca, seja região de arqueologia recente e laboratório da História de como despovoar uma região.
Porque ainda é tempo, e uma vez que «o tempo não é mais do que o rio onde vou pescar», tenho esperança de que o Governo reconheça que o Minho e o Lima são rios onde se pode «pescar» muito desenvolvimento, muita felicidade, para além das trutas, das lampreias e do sável. É porque cada serviço que fecha, cada investimento que é adiado, cada novo sinal de marginalização e de esquecimento é mais um contributo para a saída de pessoas daquela região; região que se não fosse a emigração teria, hoje, um dos maiores índices de desemprego do País.
O apelo que deixo, nomeadamente ao Partido Socialista, é o de que não deixem do Alto Minho «fechar», de que não «fechem» o Alto Minho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Abel Baptista, já é a segunda vez que, naturalmente de uma forma legítima, traz a esta Assembleia uma intervenção de interesse político frisando exactamente as questões relacionadas com o distrito de Viana do Castelo.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Há cada vez mais fechos!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Da primeira vez resultou em nada!

O Orador: — Da primeira vez ouvi-o, mas não retorqui porque pensei, sinceramente, que seria um momento menos feliz da sua parte; naturalmente legítimo, mas menos feliz, e explico porquê menos feliz.
Não sei se o Sr. Deputado, nos seus hobbies, tem, porventura, o hábito de pintar, mas se, por acaso, tem o hábito de pintar, sinceramente lhe digo, convém diversificar um pouco a paleta das suas cores, porque, no Alto Minho, o distrito de Viana do Castelo é garrido, tem vida, tem problemas, mas também potencialidades.

Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Magalhães.

E aquilo que o Sr. Deputado traz a esta Assembleia é uma imagem negativa, é uma «cor negra», é qualquer coisa de catastrofista, que, efectivamente, não se verifica no nosso distrito! E o senhor sabe bem disso! Sabe que essa não é a realidade!

Protestos do PSD.

Portanto, quando faz esta intervenção, com este espírito de alguma maneira miserabilista e passando a imagem de existência de um atraso completo daquele distrito, de um abandono completo em relação ao investimento público e ao desenvolvimento,…

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — É a verdade!

O Orador: — … parece-me, fundamentalmente, que o Sr. Deputado presta aqui um mau serviço à nossa região.
O distrito de Viana do Castelo necessita que em conjunto reunamos esforços, naturalmente com visões críticas, com pensamentos discordantes, mas com um pensamento positivo e optimista, no sentido de encontrarmos soluções para os seus problemas.
Sr. Deputado, sinceramente, aquilo a que se dedica ultimamente é a fazer aquele papel do «bombeiro disfarçado» - enfim, nesta sua última intervenção, talvez sejam influências do Carnaval… –, que no fundo mais não é do que um «pirómano» político,…

Vozes do PSD: — Eh lá!…

O Orador: — … andando atrás de tudo quanto é conflito e problema, para pegar fogo àquilo que não corresponde à realidade.

Aplausos do PS.

Queria dizer-lhe que não é esse o cenário do distrito de Viana do Castelo.

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Temos em curso obras, investimentos e estudos que nos levarão, seguramente, com serenidade, discutindo com o Governo, envolvendo os autarcas e os agentes locais, a encontrar as melhores soluções para os nossos problemas! Temos em curso as obras da Ponte de Lanheses;…

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Ficou fechada!

O Orador: — … está decidida a construção dos acessos ao Porto de Viana do Castelo; está definida também a fixação de um grande investimento, de um grande empreendimento, que criará emprego e riqueza na região; está definido o estudo do prolongamento da A28 para Norte; está assumida a ligação da A3 a Paredes de Coura, que está em estudo; também está garantida a alta velocidade, servindo de alguma maneira, ao nível ferroviário, o distrito de Viana do Castelo…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E a urgência de Valença?

O Orador: — Acho interessante que eu esteja a provocar tão grande agitação em VV. Ex.as
, Deputados do PSD, uma vez que a intervenção é do Sr. Deputado Abel Baptista! Mas seguramente que VV. Ex.as excitados estão porque têm responsabilidades acrescidas nesta situação.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Estou a dirigir-me ao Sr. Deputado Abel Baptista.
Sinceramente, o que queria aqui deixar era um apelo ao Sr. Deputado Abel Baptista para que de Viana do Castelo e do Alto Minho dê uma visão diferente, para que, naturalmente, traga não só os seus problemas mas também uma visão positiva, um espírito empreendedor e uma disponibilidade, para em conjunto com o Governo, nas dificuldades que o País tem, encontrarmos as melhores soluções para o desenvolvimento da nossa região. Esse, sim, é que é o papel que os alto minhotos exigem aos Deputados eleitos, aos do Partido Socialista, aos do PSD, que não sei onde andam, e, efectivamente, aos do CDS-PP!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Fão, obrigado pelas questões que me colocou.
De início, vou dizer-lhe uma coisa: não tenho jeito para pintar, muito menos para «pintar a manta». Isso não tenho de todo!!

O Sr. Jorge Fão (PS): — Olhe que não parece!

O Orador: — E lamento que o senhor, querendo defender a honra daquilo que o PS não tem feito no distrito de Viana do Castelo, nada tenha dito, absolutamente nada, para contrariar aquilo que eu disse.

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Orador: — Tem muitos estudos para o prolongamento da A28, tem muitos estudos para a ligação da A3 a Paredes de Coura,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — São muito bons a estudar…!

O Orador: — … mas nada disse, nada, por exemplo, sobre quando terminam as obras da Ponte Eiffel, quando lançam as variantes dos concelhos de Arcos de Valdevez e de Ponte de Lima, quando lançam a ponte entre Arcos de Valdevez e Ponte da Barca. Sobre isso nada!!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Zero!

O Orador: — Quanto àquilo de que se fala, espero, sinceramente, que sejam más notícias, porque não quero que o meu distrito, o distrito de Viana do Castelo, que é, efectivamente, um distrito verde, um distrito cheio de cor e de alegria, seja uma pintura de natureza morta. Isto é que não quero, Sr. Deputado Jorge Fão!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Orador: — E não sou eu que trago aqui, ao Parlamento, um quadro negro do distrito de Viana do Castelo, trago o quadro realista!

O Sr. Jorge Fão (PS): — E populista!

O Orador: — Espero é que ele não seja negro, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

E espero de si, que tem capacidade de influência junto do seu partido e do seu Governo,…

Vozes do PS: — Ahhh!

O Orador: — … que não permita que isso aconteça.
Agora, repare, Sr. Deputado: não fui eu que disse que o distrito de Viana do Castelo era o mais subdesenvolvido da região, foi o Sr. Governador Civil!

Vozes do PSD: — E o Presidente da Câmara de Valença?…

O Orador: — Pergunte-lhe a ele, ao Dr. Pita Guerreiro, por que é que ele diz isso! Se calhar, ele tem razão! E também deve haver alguma coisa diferente, porque é curioso que o Dr. Pita Guerreiro nem sequer é do CDS-PP — é do PS, como bem sabe…! Portanto, é conveniente perguntar-lhe a ele.
Sr. Deputado Jorge Fão, efectivamente, não é a primeira vez que aqui trago os assuntos de Viana do Castelo e também lhe garanto que não será a última!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Mas garanto-lhe que também fui eleito para isso mesmo, para chamar a atenção para aquilo que deve ser feito e que não é feito, mas que queremos que seja feito. Foi para isso que as pessoas votaram em nós, e também votaram em si! O Sr. Deputado disse que não sabia onde estão os Deputados do PSD eleitos por aquele círculo e eu pergunto-lhe onde estão os do PS, quanto às questões do distrito de Viana do Castelo?! É que não os tenho visto por cá e gostava de vê-los! Gostava mesmo muito de vê-los!

Aplausos do CDS-PP.

De forma que, Sr. Deputado, agradeço-lhe que tome muito boa nota do que aqui disse, porque, normalmente, quando o CDS aqui traz questões são questões de que o PS deve tomar boa nota, porque são lições que lhe damos.

Vozes do PS: — Ah! Ah! Ah!...

O Orador: — E esta também foi uma lição que lhe demos!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — «Presunção e água benta»…

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em pleno século XVII, Hugo Grócio, referindo-se aos biliões de metros cúbicos de água salgada cujo valor económico suscita actualmente o interesse de alguns e a gula de muitos, descreveu-o como «expressão do imenso, do infinito, limitado apenas pelos céus, pai de todas as coisas e que realmente mais possui a terra do que é por ela possuído».
Esta descrição tem implícita uma caracterização geográfica do mar: um extenso contínuo líquido que une continentes.
A Portugal coube, por destino, e fruto da sua privilegiada localização geográfica, uma parte significativa do mar descrito por Grócio. O nosso país dispõe, actualmente, de uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, com mais de 1,7 milhões de km
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, o que corresponde a cerca de 18 vezes a sua área terrestre.
E a verdade é que, durante séculos, soubemos utilizar as nossas águas de forma inteligente. Os Descobrimentos potenciaram o uso que fizemos do mar, desenvolvemos o comércio marítimo, construímos

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navios, apoiámos a nossa indústria de pesca, soubemos usar o mar em benefício do nosso povo e das nossas gentes.
Estranhamente, porém, a relação entre Portugal e o mar foi-se degradando. O Portugal de hoje não é mais o Portugal dos últimos nove séculos: deixámos desaparecer a nossa frota pesqueira, dificultámos o acesso ao mar. A este propósito, importa perguntar: como se pode compreender que Portugal, a escassos meses de assumir a presidência da União Europeia, que terá como sede o Pavilhão Atlântico, em Lisboa, mantenha a única marina da capital transformada no maior tanque de lama da Europa?! Como é possível tamanha inépcia dos poderes públicos?! Perguntamos, de novo, o que fez Portugal do mar? Redescobrir, em pleno século XXI, a importância que o mar tem para Portugal, sendo uma tarefa insólita, parece, todavia, revelar-se como absolutamente necessário.
Foi com esse objectivo que, já no ano de 2005, por intermédio da Resolução do Conselho de Ministros n.º 128 desse mesmo ano, foi criada a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar, a qual, entre outros, tinha como objectivos os de elaborar uma proposta que estabelecesse as acções e as medidas que deviam ser implementadas para assegurar a coordenação intergovernamental dos assuntos do mar e identificar as principais linhas orientadoras de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável do mar.
Do trabalho desenvolvido resultou a criação de um documento intitulado Estratégia Nacional para o Mar, cujo período de discussão pública decorreu até ao final do ano de 2006.
Concluída esta fase, parece-nos importante avançarmos, agora, com um conjunto de ideias que, a serem aplicadas, poderão conciliar Portugal com o mar.
Para além da necessidade de os assuntos do mar terem, no futuro, uma representação superior, em sede de orgânica governamental, torna-se indispensável que sejam adoptadas medidas, tais como: uma nova política fiscal, nomeadamente através da redução da taxa de IVA, para 5%, nos bens e serviços referentes à «economia do mar» e da possibilidade de os adquirentes desses bens e serviços deduzirem ou abaterem tais despesas em sede de IRS e de IRC; uma nova política financeira, através de incentivos à banca e às sociedades financeiras, em geral, no sentido de criarem novos produtos relacionados com o mar, como a «Conta Poupança-Marinheiro», o «Crédito compra-embarcação» ou o «Crédito recuperação de embarcação»; a aposta na educação, na formação e na especialização em assuntos do mar, através, nomeadamente, de uma nova abordagem à política educativa, que inclua os assuntos do mar nas grandes opções de política educativa para 2007/2020, bem como a formação em artes e ofícios marítimos.
Mas o mar deve ser, principalmente, um factor diferenciador da identidade nacional. Temos de voltar a ser, na prática, um país de marinheiros, porque essa é uma vantagem competitiva que podemos e devemos explorar.
Portugal possui uma importante zona económica exclusiva que necessita de ser devidamente fiscalizada, de forma a impedir a apropriação, por terceiros, das nossas imensas riquezas marinhas. Sabemos que os meios de que dispomos são escassos e que a área a vigiar tende a ser cada vez maior, fruto, aliás, do previsível e importante trabalho de alargamento da plataforma continental até às 350 milhas, que poderá ocorrer até 2009.
Assim, torna-se imperioso que os meios de fiscalização de que dispomos sejam utilizados de forma criteriosa e que correspondam às necessidades de salvaguarda dos interesses nacionais, em geral, e dos recursos pesqueiros, geológicos e ambientais, em particular.
Nesta sede, importa, pois, perguntar: para quando a entrega dos navios de patrulha oceânica, encomendados, no ano de 2001, aos Estaleiros de Viana do Castelo e relativamente aos quais se construiu um verdadeiro «muro de silêncio», com grave prejuízo para as missões de interesse público da Marinha, que sente uma acentuada falta de meios? Como também interessa perguntar o porquê de uma vasta área como a da zona marítima da Madeira continuar a ser apenas fiscalizada por um único pequeno navio-patrulha, fazendo-se «tábua rasa» do pedido de reforço dos meios navais de fiscalização feito, há anos, pela Assembleia Legislativa regional, nomeadamente para impedir os persistentes incidentes que ocorrem com pescadores furtivos espanhóis, na zona das Ilhas Selvagens, quando, em simultâneo, disponibilizamos, de forma praticamente isolada, e sem a necessária solidariedade activa dos restantes Estados-membros da União Europeia, os nossos meios, exíguos, para os exercícios de fiscalização da imigração ilegal, no âmbito da FRONTEX. Para nós, não está aqui em causa a importância do combate à imigração ilegal, com o qual devemos ser totalmente solidários, mas, apenas, a facilidade com que se disponibilizam meios para missões internacionais, quando esses mesmos meios não estão disponíveis para tarefas de fiscalização quotidiana das nossas águas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa, para finalizar, fazer duas derradeiras referências.
Chegou a hora de Portugal dispor, construída a partir do bem organizado sistema da autoridade marítima, actualmente em vigor, de uma «Guarda Costeira» que possa fazer cumprir a autoridade nacional no vasto espaço marítimo português.
Devidamente apetrechada de meios técnicos e humanos, esta «Guarda Costeira» saberia responder, de forma superior, com menos custos operacionais e evitando os actuais conflitos positivos de competências, à actual, e a nosso ver negativa, opção governativa de reforçar a componente marítima da Brigada Fiscal da

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GNR. Esta opção é, a nosso ver, errada, já que a Brigada Fiscal não dispõe quer de vocação marítima quer de meios técnicos e humanos para as tarefas que o Governo lhe pretende confiar.
Como errada e profundamente penalizadora, para Portugal e para os pescadores amadores, é também — e aqui termino — a recentemente publicada Portaria n.º 868/2006, que veio regulamentar a denominada pesca lúdica. A legislação agora publicada, com o ónus das alterações introduzidas, tais como a restrição ao exercício da pesca lúdica em locais próximos dos centros urbanos e a obrigatoriedade de se ser portador de uma licença válida, sendo que esta tem valores extremamente elevados e mesmo inacessíveis a jovens e a reformados, mais não visa do que limitar a prática da pesca lúdica à pesca embarcada e à pesca costeira, encaminhando os pescadores para as praias e falésias, neste último caso, com enormes riscos físicos, que podem, inclusive, dar origem a acidentes mortais.
Com esta lei, o actual Governo deu mais um lamentável contributo para afastar os portugueses do mar. Até quando?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rebelo.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Quartin Graça, vou ser muito breve porque tanto o CDS como o PSD dispõem de pouco tempo.
A pergunta que quero fazer-lhe tem a ver com a parte inicial do seu discurso, com a política do mar.
Em primeiro lugar, gostaríamos de acompanhar o Sr. Deputado nas preocupações que manifestou, porque os assuntos ligados ao mar já tiveram várias comissões, já foram alvo de vários relatórios e houve um aumento da aposta nos meios de prevenção para o combate a todo o tipo de crimes que acontecem nos nossos mares, nomeadamente com o programa dos patrulhões, lançado na época do governo de coligação PSD/CDS e cuja construção se iniciou em Viana do Castelo, estando ainda, neste momento, a ser financiada, mas registando alguns problemas técnicos, com a construção dos navios polivalentes, que está a decorrer, com a aprovação do navio antipoluição, com os meios novos que foram dados para as lanchas de fiscalização, com a aquisição de helicópteros de busca e salvamento com capacidade para irem a zonas a que antes não conseguíamos ir, em termos de responsabilidades de fiscalização da nossa zona económica exclusiva. Porém, reparamos que a política que foi desenvolvida nos últimos três ou quatro anos, e que teve, aliás, um Ministro responsável pelos assuntos do mar, com este Governo, apesar de ficar no Ministério da Defesa Nacional, não merece a mesma preocupação. Aliás, às vezes, o Ministro até se esquece dos assuntos do mar, como aconteceu quando veio aqui apresentar o orçamento da Defesa e se esqueceu de que tinha essas responsabilidades.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É verdade! Bem lembrado!

O Orador: — Portanto, Sr. Deputado, mais do que uma pergunta, quero dar-lhe os parabéns por ter trazido este assunto, porque, de facto, o bem mais precioso que Portugal tem é esta costa vastíssima, esta zona económica exclusiva e todas as riquezas que nela temos.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — E notamos não uma falta de vontade do Partido Socialista nesta matéria mas, sobretudo, um descuido, uma falta de motivação. Não existe empenho por parte dos Ministros responsáveis por várias áreas relacionadas com esta matéria. O Ministro do Ambiente, por exemplo, é inexistente para estas questões; o Ministro da Defesa Nacional olha mais para os assuntos que são importantes, com certeza, para as Forças Armadas e esquece-se de que também tem responsabilidades pelos assuntos do mar.
Portanto, houve, indiscutivelmente, um retrocesso, em termos de prioridades.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rebelo, agradeço as suas palavras e comungo das suas preocupações.
Creio que o Governo, ultimamente, tem estado, seguramente, mais preocupado com questões da Lei de Finanças Regionais do que em dar sequência lógica ao trabalho de fiscalização, que devia ser um trabalho diário, relativamente a um dos factores que nos traz maior riqueza, que é precisamente o das nossas águas exclusivas.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Exactamente! Bem lembrado!

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O Orador: — Muito empenhado noutras matérias, mas esta ficou para trás!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia de hoje, a qual tem um tempo de gestão conjunta para dois grupos de diplomas.
Assim, em primeiro lugar, vamos apreciar, conjuntamente e na generalidade, a proposta de lei n.º 98/X — Procede à vigésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e os projectos de lei n.os 211/X — Altera o Código Penal (PS), 219/X — Altera o Código Penal, eliminando a discriminação com base na orientação sexual existente no artigo 175.º (Os Verdes), 236/X — Altera o Código Penal (PSD), 239/X — Aprova o regime da responsabilidade penal das pessoas colectivas (PSD), 349/X — Altera o Código Penal em matéria ambiental (Os Verdes), 352/X — Altera o Código Penal (CDS-PP) e 353/X — Altera o Código Penal (BE).
Depois, vamos, ainda, apreciar, na generalidade, a proposta de lei n.º 107/X — Cria um regime de mediação penal, em execução do artigo 10.º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal.
Srs. Deputados, a apresentação e o debate das iniciativas far-se-á num período conjunto, pelo que o Governo e os grupos parlamentares procederão à gestão do tempo em conformidade.
Para apresentar as duas iniciativas, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, peço desculpa, mas permite-me uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, quero apenas informar que o Sr. Ministro da Justiça apresentará, primeiramente, a proposta de lei de revisão do Código Penal e, depois, a proposta de lei da mediação penal.

O Sr. Presidente: — Então, serão duas apresentações sucessivas.
Agora, sim, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está em curso uma mudança no domínio da política e da justiça penal. Trata-se de uma mudança a que esta Assembleia está estreitamente associada.
Está em causa, em primeiro lugar, libertar a jurisdição penal de matérias que, no todo ou em parte, não devem ocupar o juiz do crime, mas ficar a cargo doutros decisores.
Através de várias leis, com referência a diferentes tipos de processos-crime, a Assembleia aprovou esta orientação, que devolve capacidade e restitui a jurisdição criminal à sua vocação. Nalguns casos, ultrapassaram-se atrasos de um quarto de século, como aconteceu com as últimas transgressões e contravenções.
Nesta linha se inscreve também a introdução, entre nós, de um sistema de mediação penal, de que a Assembleia ainda hoje se ocupará, e que, no fundo, visa resolver fora do tribunal o que não tem, necessariamente, de ser resolvido nele.
Em segundo lugar, com quase uma década de atraso em relação à cláusula constitucional, introduzida em 1997, dotou-se o sistema de uma Lei-Quadro de Política Criminal. Trata-se da introdução periódica de objectivos, prioridades e orientações, a aprovar por esta Assembleia, e que constituem pressuposto necessário dos desempenhos e das responsabilidades que a Constituição hoje distribui, em matéria de política criminal. Em Abril, conforme a Lei-Quadro prevê, dará entrada na Assembleia a proposta respeitante ao próximo biénio.
Está em causa, agora, adaptar o Código Penal às exigências dos nossos dias e do contexto europeu e internacional em que nos inserimos. Não é por acaso que na revisão de que agora nos ocupamos incorporamos elementos provenientes de mais de uma dezena de instrumentos comunitários e internacionais.
No próximo mês, será a vez de discutirmos uma extensa modernização do Código de Processo Penal, com o qual se pretende inspirar melhores práticas quer do ponto de vista da eficiência processual, quer da efectividade de direitos e garantias fundamentais.

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Num mundo globalizado, pede-se, hoje, ao Direito Penal que responda em duas direcções: primeira, que esteja preparado com respostas para os crimes contra a Humanidade, o terrorismo, os tráficos de pessoas, armas e drogas, a criminalidade económica transnacional e outros fenómenos criminais graves que cruzam as fronteiras; e, segunda, que não abandone a frente da criminalidade comum, incluindo os crimes contra as pessoas e os crimes violentos contra o património, que é aquela que mais afecta o dia-a-dia do cidadão, abandono que representaria a perigosa desistência da comunidade diante duma criminalidade de massas.
A um Direito Penal liberal pede-se que aborde essas duas frentes com instrumentos diferentes, mas que o faça com os mesmos princípios e as mesmas garantias.
Unidade de princípios e de garantias, diferenciação de respostas — eis o programa jurídico-penal próprio duma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana, como estabelece o artigo 1.º da nossa Constituição.
Vamos sublinhar as principais orientações que esta revisão do Código Penal pretende concretizar.
A primeira é a diversificação das penas.
Acompanhando um movimento que se desenvolve num largo número de países, aumenta-se o leque de penas alternativas ou substitutivas da pena de prisão e alarga-se a sua aplicabilidade.
Aproveitam-se, em particular, as potencialidades da vigilância electrónica, não numa lógica «orwelliana» mas numa direcção que permita efectivar programas de deveres e imposições fora do contexto carcerário, com os benefícios daí decorrentes, em termos de ressocialização e de custos.
Amplia-se o papel do trabalho a favor da comunidade, que passa a poder substituir penas de prisão até dois anos.
Prevê-se uma nova pena de permanência na habitação, com vigilância electrónica, que pode substituir penas até um ano de prisão e, em certos casos excepcionais, até dois anos.
A suspensão da execução passa a poder aplicar-se a penas de prisão até cinco anos, mas sendo em simultâneo aumentado o leque de obrigações que podem ser impostas como condição e sendo obrigatório, em certos casos, um «plano individual de readaptação».
É consagrada uma pena de proibição de exercício de profissão, função ou actividade, privada ou pública, por período de dois a cinco anos, uma proibição que até agora não podia ser aplicada no caso de penas até três anos, como passa a acontecer.
Prisão por dias livres, semidetenção e multa têm também o seu âmbito alargado.
Em matéria de liberdade condicional retoma-se a solução originária do Código de 1982 — aqui defendida então pelo Juiz Conselheiro Meneres Pimentel, a quem presto homenagem — e prevê-se a possibilidade de um período de adaptação, a decorrer na habitação sob vigilância electrónica.
Estes são, todos, instrumentos que só podem ser aplicados por opção do juiz, quando entenda que, no caso concreto e perante a pessoa concreta, são mais indicados do que o recurso à prisão. Em nenhum caso o legislador os impõe ao julgador. São novas possibilidades que vão permitir uma descarcerização do sistema punitivo criteriosa e socialmente sustentada. Uma orientação que tanto significa levar à prisão aqueles que precisam mesmo de estar numa cela como encontrar a pena adequada para quem não tenha mesmo de entrar nela.
A orientação descarcerizante não é, assim, assumida num sentido de simples retracção da prisão ou da própria ideia de punição, mas no sentido da adopção de um conjunto de novos instrumentos e programas (obrigações, injunções, planos de adaptação, sujeição a vigilância, trabalho a favor da comunidade) que concretizem a opção sancionatória dos julgadores.
A segunda orientação é a responsabilização, de forma geral, das pessoas colectivas. Até agora essa responsabilização penal estava prevista apenas em algumas matérias específicas e fora do Código Penal.
Passará agora a existir responsabilidade penal das pessoas colectivas em crimes como os seguintes: violação de regras de segurança, tráficos, crimes sexuais, burla informática, discriminação, falsificações, crimes contra o ambiente, tráfico de influência, suborno, branqueamento de capitais e corrupção. Assim, num significativo número de tipos de crimes, tanto poderão ser responsáveis as pessoas singulares como as pessoas colectivas, em nome e no interesse das quais se tenha agido, sendo que isso significará que a responsabilidade de umas e de outras poderá ser cumulativa.
A introdução desta inovação no âmbito do Código Penal atende à realidade contemporânea da chamada «criminalidade de empresa», nomeadamente a criminalidade económico-financeira, corrupção e crimes afins, criminalidade ambiental, de construção, de saúde pública e das ciências da vida, onde a distribuição de interesses e papéis entre agente individual e entidade empresarial mudou muito em relação ao passado. O objectivo é impedir sempre que o crime possa ser visto como uma actividade lucrativa. Face a um vasto elenco de crimes do Código Penal as empresas deixam, pois, de ficar à porta.
Como penas principais teremos a multa, a admoestação, a caução, a vigilância judiciária e, em certos casos mais graves, a própria dissolução. Como penas acessórias prevêem-se a injunção judiciária, a interdição do exercício de actividade, a proibição de celebrar certos contratos, a privação de direito a subsídios, o encerramento do estabelecimento.

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É um novo aparelho de abordagem da responsabilidade criminal e do crime de que se pode esperar uma maior eficácia na prevenção e repressão da criminalidade da empresa, tantas vezes imune às categorias do Direito Penal clássico.
A terceira linha da reforma é a repressão de fenómenos criminais graves que se têm perfilado como ameaças insuficientemente captadas pelos tipos legais disponíveis. Destaco três exemplos: o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, a exploração do trabalho e a extracção de órgãos, que passa a abranger novas condutas e a registar um aumento das penas aplicáveis; o crime de incêndio florestal, que passa a corresponder a um tipo de crime autónomo, contra um interesse da comunidade, prescindindo-se de requisitos inadequados que vinham dificultando a efectividade da incriminação, ao mesmo tempo que se prevê ainda, neste domínio, a medida de segurança de internamento intermitente; os crimes ambientais, sendo que as últimas revisões do Código Penal, apesar das propostas que logo em 1994 aqui defendemos, deixaram-nos estes crimes construídos como crimes de desobediência.
Uma prévia intervenção administrativa, com tudo o que de contingente ela pode implicar, era sempre condição da verificação do crime. Agora introduzem-se, finalmente, conceitos materiais, que tornam possível a verificação de crimes mesmo quando, por qualquer razão, não tenha ocorrido prévia intervenção administrativa.
O valor fundamental da continuidade da vida, assegurado com a incriminação de lesões ambientais, não se compadece com a estruturação do crime de poluição como um crime de desobediência.
A imediata relevância ética das condutas visadas, numa sociedade que é sabido poder sobreviver a certa percentagem de homicídios mas não é seguro poder subsistir com as actuais lesões ambientais, impõe para esses crimes uma estrutura típica idêntica à dos crimes clássicos contra a vida e a integridade física.
A quarta linha da reforma é o reforço da tutela de pessoas indefesas. Invertendo a mordacidade de Fassbinder, trata-se de convocar o contributo do Direito Penal para um papel crucial numa sociedade aberta: o papel de garante do direito do mais fraco à liberdade.
Duas dezenas de inovações traduzem esta orientação, com realce para o vasto conjunto de soluções assegurando mais protecção aos menores, a autonomização do crime de violência doméstica, a criação dos crimes de recurso à prostituição de menores e da pornografia de menores, da mutilação genital, o alargamento do crime de discriminação e, entre outros, a qualificação da burla quando praticada contra pessoas especialmente vulneráveis (idosos, deficientes e doentes).
A última orientação da reforma que gostaria de referir, e não a menos importante, tem a ver com o reforço da autoridade do Estado democrático. Ela exprime-se, por exemplo, numa mais forte protecção de agentes das forças de segurança e de funcionários contra desobediências ao sinal de paragem e tentativas de os «abalroar» com veículos, práticas que têm vindo a registar-se e que justificam um mais severo tratamento por parte do legislador.
Por outro lado, a condução perigosa de veículo rodoviário passa a englobar também a realização de actividades não autorizadas de natureza desportiva ou análoga, nomeadamente os chamados street racing, que têm vindo também a propagar-se sem adequado quadro repressivo.
A falsificação de documentos e atestados falsos são também objecto de mais eficaz enquadramento penal, tratando-se de crimes frequentemente associados a novos fenómenos criminais de contornos graves e de carácter transnacional, nomeadamente o terrorismo. Por exemplo, a falsificação de impressos para posterior utilização individual, até agora não incluída na incriminação, passa a ser coberta por ela.
Uma nota final para os atentados à segurança de transporte por ar, água, caminho-de-ferro e transporte rodoviário. Os termos em que as soluções legais estão construídas tornam muito limitada a efectividade dessas soluções, nomeadamente contribuindo para a inaceitável impunidade dos «cortes de estrada».
Há uma década, sustentámos aqui uma proposta de lei introduzindo uma nova e mais eficaz solução, na qual o valor da liberdade de circulação como direito fundamental era reconhecido e onde o perigo para a vida e a integridade física passavam a constituir apenas agravantes. Essa inovação não chegou, no entanto, a converter-se em lei e nesta revisão do Código Penal ela tem necessariamente o seu lugar, porque atentados à liberdade de circulação são atentados à liberdade e é aí que eles devem encontrar punição.
Gostaria de terminar referindo que para esta revisão do Código Penal deram valiosos contributos representantes das magistraturas, das universidades, da Ordem dos Advogados, dos órgãos de polícia criminal, dos serviços prisionais e de inserção social, da medicina legal.
Para além de receptiva em relação às inovações trazidas por um conjunto de instrumentos europeus e internacionais, esta revisão beneficiou, assim, também das múltiplas experiências profissionais associadas à vida do Direito Penal, aspirando agora a constituir um momento de adequação e de modernização na vida do nosso Código Penal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Esta primeira intervenção do Sr. Ministro da Justiça prende-se com a proposta de lei de alteração ao Código Penal. Haverá uma segunda intervenção, sobre a proposta de lei referente ao regime de mediação penal, mas a gestão dos tempos é conjunta.
Para pedir esclarecimentos ao Orador, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

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O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, antes de mais, deixeme dar-lhe conta de que o PSD, como eu próprio, considera este debate como um momento muito especial.
Estamos a dar a consumação prática e efectiva a dois pontos absolutamente essenciais do pacto de justiça aqui celebrado em 8 de Setembro passado entre o PSD e o PS. E cumprem-se hoje esses dois passos, quais sejam o de aprovar aquele que poderá vir a ser um novo Código Penal, consagrando-se e autonomizando-se novos tipos de crimes, reforçando-se a aplicação de penas alternativas à pena de prisão, punindo-se de forma mais eficaz os abusos sexuais de menores, incriminando-se a comercialização do consentimento da adopção e várias outras inovações que, ao longo do debate, iremos abordar.
A segunda missão que hoje se cumpre, também em nome do pacto celebrado, consiste na criação de um verdadeiro regime de mediação na área penal.
Em síntese, Srs. Deputados, cumpre-se hoje a palavra dada aos portugueses em 8 de Setembro passado, ocasião que, para nós, PSD, traçou e marcou um momento histórico parlamentar na democracia portuguesa, de acordo entre o partido que suporta o Governo e o maior partido da oposição.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — Foi o momento mais alto da vossa história!

O Orador: — Mas tão importante como isso é a data em que esse cumprimento ocorre, na medida em que todos os prazos do pacto estão a ser rigorosamente cumpridos. Foi-o na matéria dos recursos na área cível, está a ser hoje no Código Penal e na mediação, também o está a ser no Código de Processo Penal, embora daqui queira avisar que o Sr. Presidente da 1.ª Comissão continua sem agendar as audições — mas estou aqui justamente para lhe lembrar, todos os dias, que tais audições têm de ser feitas quanto antes —, e vai ser assim quanto aos outros diplomas.
Porém, Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta. O acesso à magistratura, constante do pacto, a revisão do mapa judiciário, constante do pacto, a revisão do mapa judiciário, constante do pacto, a reforma da acção executiva, constante do pacto, todas estas iniciativas, têm de estar legislativamente prontas no decorrer deste ano, em 2007. Sucede que leio na comunicação social que serão criados este ano mais três juízos de execução — em Sintra, em Loures e na Maia.
Sr. Ministro, acredito que a reforma — e sirvo-me deste exemplo, da acção executiva — não passa certamente, e apenas, pela criação de mais juízos de execução. Também passará, e admito-o, mas passa, isso, sim, de certeza, pelo respeito rigoroso pelo conteúdo de todos os itens constantes do acordo políticoparlamentar celebrado.
Portanto, o que verdadeiramente lhe pergunto é o seguinte: o PSD e o Parlamento, afinal, podem contar com o empenho e a vontade do Governo tendente ao cumprimento de todos os prazos constantes do pacto de justiça por que tanto o PSD lutou? É porque sempre que se falou nesta Câmara sobre o pacto de justiça houve sempre uns apartes um pouco desagradáveis, designadamente vindos da bancada do PCP, uns apartes desmerecedores, diria até menosprezadores, do pacto de justiça.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Cada um tem o que merece!

O Orador: — Sei bem, Sr. Presidente, que pensar simplesmente contra sempre foi, é e será a maneira menos difícil de pensar, e por isso é que tais apartes foram lançados. Mas ainda bem que esses outros grupos parlamentares arrepiaram caminho e apareceram hoje com propostas próprias sobre um tema de capital importância como o é o Código Penal. O PSD atentará em todos esses contributos, que regista e saúda, impondo-se por isso também saber se o Governo e o PS têm abertura e postura iguais às nossas.
Sr. Presidente, termino quase como comecei, voltando ao pacto de justiça. O PSD fez nesse momento aquilo que a sua consciência e a sua responsabilidade lhe recomendaram. Fez o que pôde com empenho e denodo. E, Srs. Deputados, verdadeiramente, quando se faz aquilo que se pode, faz-se aquilo que se deve.
Foi isso que nos honrou.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, ouvi com atenção o discurso de V. Ex.ª e, não obstante a citação de Fassbinder, não posso esconder uma certa desilusão. Falou V. Ex.ª em mudança. Ora, dois anos volvidos sobre a vitória do PS nas eleições, na área da justiça temos medidas, algumas, propaganda — muita, como é de esperar —, mas melhoras poucas ou nenhumas. Pode relembrar a Empresa na Hora, a descriminalização dos cheques sem provisão ou a redução das férias judiciais, mas o diaa-dia da justiça continua com uma imagem fortemente penalizadora.

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O desempenho deste Governo e de V. Ex.ª, de facto, depende do pacto de justiça PS/PSD e, nesse aspecto, percebo o desconforto do Sr. Deputado António Montalvão Machado, pois no discurso, longo, de V.
Ex.ª nem uma só vez falou sobre este pacto. E esta revisão é precisamente a primeira medida desse pacto,…

O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — O nosso projecto está no Parlamento há um ano!

O Orador: — … o que, para nós, é revelador daquilo que o Governo pensa em relação justamente a este pacto e a outros projectos.
Sr. Ministro, gostaria de dizer-lhe que este projecto de revisão do Código Penal em concreto contém algumas medidas que qualificamos como positivas mas, no seu global, não deixamos de sentir alguma desilusão, porque aquilo que não é novo e que vinha da anterior maioria é necessariamente, na nossa opinião, bom, e aquilo que é novo, por vezes, desilude por timidez ou por falta de vontade de realmente reformar.
Gostaria de dar um exemplo concreto daquilo que acabo de dizer — o segredo de justiça. Na página 5 do famoso pacto diz-se o seguinte: «A violação do segredo de justiça constitui crime e o respeito pela sua aplicação vincula de igual modo quer aqueles que tenham contacto directo com o processo quer aqueles que a qualquer título…» — sublinho, a qualquer título — «… tenham conhecimento de elementos que dele constem».
Pensávamos nós que o Partido Socialista iria aproveitar propostas da anterior maioria, até porque, dizia-se na comunicação social, o Sr. Primeiro-Ministro teria cedido neste ponto ao PSD em troca — pasme-se! — do fim do subsídio de rendas dos juízes jubilados. Fraca troca, fraca ambição!… Até aqui mais ou menos tudo normal. Porém, o que não é normal — surpresa das surpresas — é que ao ler esta proposta de lei que V. Ex.ª apresenta, o seu artigo 1.º, que enumera os artigos que vão ser alterados, verificamos que, afinal, o artigo 371.º, relativo ao segredo de justiça, não sofre qualquer alteração, fica tudo como está. Ou seja, aquilo que V.
Ex.ª hoje nos vem propor nesta matéria é o mesmo regime que permite a sua violação diária, como acontece.
Ora, Sr. Ministro, quando questionado, há um mês, pelo meu colega de bancada Pedro Mota Soares V.
Ex.ª revelou algo de extraordinário, que havia outro pacto, afinal, um pacto não escrito, e que seria o PSD a apresentar uma proposta idêntica à da anterior maioria. Mas, Sr. Ministro, então, em que é que ficamos, afinal?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Temos um projecto de lei há um ano!

O Orador: — Na proposta de lei que V. Ex.ª hoje apresentou ou no projecto de lei do PSD? No pacto escrito ou no pacto não escrito? E, se há um pacto não escrito, onde é que ele está? E o que diz? É que da nossa parte, Sr. Ministro, estamos disponíveis, obviamente, para o maior consenso alargado no local próprio, que é a Assembleia da República, porém há que perceber em que condições, de que forma e com que compromissos V. Ex.ª aqui se encontra para formar o tal consenso alargado que tanto deseja. Da nossa parte tem essa disponibilidade, mas nós e os portugueses precisamos de saber aquilo com que podemos contar da parte de V. Ex.ª

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, em primeiro lugar, registo com agrado as palavras do Sr. Deputado António Montalvão Machado.
É particularmente importante nesta esfera da intervenção legislativa um clima de consenso, e ele é em particular precioso quando se trata de estabelecer a lei penal, aquela de onde resulta a criação de crimes e o estabelecimento de penas.
A existência de um forte consenso, traduzido nestas intervenções sobre a matéria, significa que estamos em condições de actualizar o nosso Código Penal, o que só deve ser feito numa base de consensualidade, que permita sustentar, com um largo respaldo democrático, as novas incriminações e as penas que venhamos a estabelecer.
Gostaria também de dizer que é intenção do Governo cumprir rigorosamente todos os prazos que foram aqui evocados: o respeitante ao mapa judiciário até ao final do ano e o respeitante aos outros diplomas até ao final do primeiro semestre. Queremos estar em condições de poder trazer aqui todos os elementos indispensáveis para afirmar a vontade convergente no plano político-parlamentar de os converter em soluções para os problemas da justiça do País.
Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Nuno Magalhães que cita com imprecisão um documento. Isto porque nós falámos num novo quadro para o segredo de justiça no âmbito do Código de Processo Penal e os aperfeiçoamentos que nos propomos fazer, sobre os quais existe um consenso significativo, estão já apresentados nesta Assembleia.

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Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Magalhães.

Sr. Deputado, faço-lhe o desafio de ler a proposta de revisão do Código de Processo Penal, que está já na 1.ª Comissão desta Assembleia, onde se encontra justamente a solução que mostrou aqui curiosidade em conhecer. Não é correcto fazer uma leitura parcial, ignorando que a solução que estabelecemos está já proposta nesta Assembleia. É uma solução que tem o seu assento do Código de Processo Penal…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Também, mas não só!

O Orador: — … e onde se estabelece, efectivamente, que o segredo de justiça vincula também aqueles que apenas têm contacto com certos elementos do processo. Essa solução será claramente estabelecida e discutida aqui.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas não é solução!

O Orador: — Quando se discutir o Código de Processo Penal, V. Ex.ª terá oportunidade de comentar essa matéria e dizer se corresponde, ou não, aos propósitos que aqui estou a manifestar e que não implicam nenhuma alteração, porque estão já contemplados nessa proposta de revisão do Código de Processo Penal.
De qualquer maneira, V. Ex.ª pretende pôr em causa a natureza de algumas mudanças que estão a ser efectuadas. Compreendo que o faça, porque também não é possível estar de acordo em relação a todas as matérias. Foi justamente numa ponderação de pontos de vista e de diferenças entre os vários agentes políticos que pudemos concluir que há certas convergências sobre algumas matérias centrais, que não se reproduzem em relação a outras.
É nesse sentido que sublinho que uma forte consensualidade e convergência em relação às soluções de revisão do Código Penal é a melhor solução numa democracia. É a solução que faz com que os juízes, quando aplicam as penas estabelecidas pelos legisladores, estejam a usar, com toda a autoridade e com toda a intensidade, a autoridade do Estado democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a discutir as alterações ao Código Penal, que é, consabidamente, um dos edifícios jurídicos nos quais se alicerça e fundamenta a vida em comunidade, pautada pela defesa dos direitos humanos e do Estado de direito.
O Código Penal é uma das primeiras — senão mesmo a primeira — referências jurídicas de qualquer comunidade de cidadãos. A sua imbricação com os valores comunitários mais fundos e a sua implicação com a vida, a liberdade e a dignidade dos cidadãos fazem dele o mais importante instrumento de ordenação da vida civil.
A qualificação de uma conduta como crime ou a sua não qualificação, a selecção da espécie de pena a aplicar, a modulação da sua graduação, a eficácia na respectiva aplicação — seja no cumprimento voluntário e diuturno das suas normas seja na sujeição a sanções dos infractores — são, sempre e inexoravelmente, um dos elementos pelos quais se lê o grau de desenvolvimento da rule of law em cada Estado e pelos quais se afere o nível de respeito pelo primado da pessoa humana.
É por isso, por esta importância crucial, que o PSD começa por saudar a ampla plataforma de acordo que, nesta matéria, foi possível estabelecer com o Grupo Parlamentar do PS e, bem assim, com o Governo, que se reflecte, curiosamente e já de modo amplo, no conteúdo da proposta governamental.
Conteúdo bem diverso — e muito mais moderado — do que o constante de algumas das propostas que, a tempo e a destempo, a Unidade de Missão foi avulsamente lançando para a comunicação social. Lembre-se a pena de interdição de actividade ou profissão, que era privativa de funcionários ou titulares de cargos públicos; lembre-se a sugestão, mais processual do que substantiva, de criar um foro especial para os políticos.
Antes disso, porém, já o PSD, faz agora um ano e na sequência de um vasto debate nas jornadas parlamentares, tinha apresentado aqui o seu projecto de reforma do Código Penal e de responsabilização penal das pessoas colectivas.
Um projecto rigoroso e incisivo, mas simultaneamente económico, cirúrgico e minimalista, porque o PSD acredita seriamente na necessidade de dotar o sistema penal de estabilidade e continua fiel à matriz humanista e moderníssima do Código Penal de 1982, ainda hoje considerado, juntamente com o Código de Processo Penal de 1988, um marco paradigmático na ciência e na dogmática criminais de todo o Ocidente.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

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O Orador: — Matriz que — reconheça-se e preste-se homenagem — muito se deve ao labor, à investigação e ao talento internacionalmente reconhecido de Figueiredo Dias e da escola e do escol que tão carismaticamente continua a liderar.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Bem lembrado!

O Orador: — O PSD congratula-se não apenas com a proposta do Governo, apesar da sua extensão um tanto imoderada, mas também com os contributos que o CDS-PP, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista «Os Verdes» em boa hora resolveram aqui trazer.
Ao contrário do que por vezes se alardeia, nunca o PSD defendeu o pacto de regime para a justiça com o intuito excludente ou segregacionista.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Em matéria processual penal e em matéria penal, sempre defendeu, quer quando era governo quer mais explicitamente na oposição, que a sede parlamentar seria impreterivelmente o lugar de eleição para vir a receber outros contributos, operar as necessárias negociações, estabelecer, sem peias nem tabus, os compromissos indispensáveis ao aggiornamento da ordem penal.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — E, assim, só para dar dois exemplos — um de discordância e outro de abertura —, o PSD tem claramente de rejeitar, uma vez mais, a sempiterna proposta do CDS-PP para baixar a idade da imputabilidade para os 14 anos, mas está disposto a discutir, sem preconceitos e prejuízos, o texto que Os Verdes agora adiantam para a revisão do Código Penal em matéria ambiental.
Uma parte importante das propostas do PSD, no domínio estritamente penal e ao contrário do que sucede no processo penal, é ditada por instrumentos jurídicos internacionais, que brotam da União Europeia e das suas decisões-quadro, do Conselho da Europa e das suas convenções ou protocolos adicionais, das Nações Unidas e das suas convenções ou protocolos.
Num mundo global, onde a fenomenologia criminal se organiza em redes e em teias à escala universal e regional, Portugal não pode furtar-se a adoptar os mecanismos internacionais e europeus de resposta e reacção ao crime.
É assim, designadamente, no tráfico de pessoas, seja para exploração do trabalho, seja para exploração do sexo nas suas variadas formas (prostituição, pornografia, etc.) e seja, em particular, no caso das crianças e no caso das mulheres.
É assim também para a protecção contra a contrafacção dos meios de pagamento, da moeda e contra a corrupção.
É assim — digo-o com particular e, espero, desculpável orgulho, pois participei directamente em tais trabalhos e no estabelecimento de um consenso entre Malta, Chipre e Grécia e os restantes membros da União — no combate à poluição marítima, especialmente depois do calamitoso caso Prestige.
É assim ainda, mas ficará para mais tarde e para outra voz, no caso da mediação penal.
Outra parte de leão das propostas do PSD diz respeito às consequências jurídicas do crime, ao movimento de diversificação das penas, seja no sentido de fomentar o uso das penas alternativas já previstas seja no sentido de criar ou de descobrir novos instrumentos sancionatórios mais eficazes e mais adequados àquilo que classicamente se chama os fins das penas.
Não é este o momento de discorrer, filosófica e dogmaticamente, sobre o tema, mas o desvalor das penas associado à prisão e à aplicação de multas está demasiado ligado à ideologia liberal-iluminista dos séculos XVIII e XIX e não pode nem deve continuar a gozar de centralidade em pleno século XXI.
Para dar um simples exemplo: a privação da licença de conduzir durante 10 anos é hoje capaz de infligir maior dano e sofrimento a um virtual criminoso do que a privação da liberdade por 6 meses. Com efeito, a mobilidade (a mobilidade rodoviária) — constituindo uma óbvia dimensão da liberdade e da liberdade física — é hoje um valor autónomo, cuja privação consubstancia, só por si, um mal (um mal suficientemente grave para poder ser visto como uma pena, uma pena autónoma e não uma simples sanção acessória).
O mesmo vale para a interdição de certas actividades profissionais ou do exercício de certas profissões ou de acesso a certos locais ou espaços ou categorias de espaços.
Numa sociedade em que os valores são já outros — e estão muito para lá da liberdade e propriedade, freiheit und eigentum, oitocentista —, numa sociedade em que, consensualmente e por indeclinável tradição humanista, se visa sempre a protecção da comunidade, mas também a reinserção e reintegração do delinquente, não nos podemos alhear da discussão em torno das novas penas, das novas formas da sua execução, das novas figuras processuais.
Eis todo um novo mundo penal, político-penal e jurídico-político, eis todo um mundo de problemas e de soluções que, mais tarde ou mais cedo, terá de concitar a atenção deste Parlamento.

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Justamente num momento em que a discussão passa pela redescoberta ou invenção de um novo leque de penas e sanções, o PSD não pode deixar de propor um conjunto de novas medidas e de novos pressupostos de aplicação das reacções criminais, no sentido de tornar a pena de prisão efectiva uma ultima ratio da ultima ratio que é o direito criminal.
O PSD mostra-se, pois, amplamente receptivo às possibilidades de pena de prisão domiciliária com vigilância electrónica, à sujeição a regras de conduta, à prestação de trabalho a favor da comunidade, ao alargamento das medidas alternativas em sede de suspensão, de prisão por dias livres, de substituição por multa.
De resto, nesse esforço, acompanha, com uma ou outra ressalva, o esforço mais ousado — há que reconhecê-lo — da proposta do Governo.
O PSD introduz, finalmente, um conjunto de aprimoramentos e ajustamentos na parte especial, que é o caso dos crimes contra autodeterminação sexual e, em particular, o caso dos crimes contra menores. É o que faz, igualmente, na violência doméstica, nos crimes ecológicos e em sede genérica de criminalidade organizada.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Há hoje um largo consenso no sentido da revisão do Código Penal.
Por nós — e obedecendo ao conselho que Montesquieu deixa nas suas Lettres Persannes, segundo o qual «o legislador deve tocar na lei com mãos trémulas» —, a reforma deve ser económica e parcimoniosa, deixando intocada a espinha dorsal do código vigente, até porque não é avisado pôr-se excessiva fé no efeito mítico-mágico das leis e porque sobre os legisladores portugueses repousa a conhecida maldição de D.
Afonso IV, magistralmente retratada por António Ferreira, nessa pérola da literatura portuguesa que é A Castro, quando aquele rei diz aos seus malévolos conselheiros, arautos da razão de Estado, «Ey medo de deixar nome de injusto».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Apreciamos hoje, na generalidade, a proposta de lei do Governo e os vários projectos de lei dos grupos parlamentares, relativos à revisão do Código Penal.
O facto de todos terem propostas concretas reflecte a importância do tema a debater e revela as várias orientações políticas, o que é salutar em democracia.
Acresce que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista celebrou um acordo de incidência parlamentar com o Grupo Parlamentar do PSD justamente para a área da justiça, onde se inclui o Código Penal.
Deixando a forma, gostaria de referir que a proposta de lei do Governo sobre a revisão do Código Penal reflecte em si já um consenso estabelecido na Unidade de Missão, presidida pelo Dr. Rui Pereira e da qual faziam parte vários parceiros sociais da área da justiça. É uma proposta que aqui surge por mão do Governo, mas que já contém em si um consenso que nos apraz registar. Ou seja, a proposta do Governo sobre a revisão do Código Penal é um texto moderno, sistemático e reflecte o pensamento actual e internacional sobre o direito criminal.
Se é verdade que o Governo propõe a esta Câmara uma relevante alteração ao Código Penal vigente, não é menos verdade que não se trata de nenhuma revolução no domínio criminal mas, sim, de actualizar, mantendo no essencial, o sistema do Código Penal de 1982, revisto em 1995.
Muitas das alterações propostas justificam-se por obrigações comunitárias e/ou internacionais e reportamse quer a convenções internacionais assinadas por Portugal quer a decisões-quadro do Conselho Europeu, do qual Portugal também faz parte.
Assim, na parte geral do Código propõem-se alterações quanto à aplicação da lei penal no tempo e no espaço, o concurso de crimes, o crime continuado, as penas substitutivas da pena de prisão, a suspensão da pena de prisão, a liberdade condicional, entre outras.
Desde logo, percebe-se a opção pelas penas não privativas da liberdade, apostando-se na ressocialização dos condenados, evitando, também assim, a reincidência.
Neste domínio, e em concreto, propõe-se a diversificação das sanções não privativas da liberdade, adequando-as melhor aos crimes praticados, aumenta-se de 3 para 5 anos o limite da pena passível de suspensão, a prisão passará a poder ser cumprida em regime de permanência na habitação para penas inferiores a 1 ano e o trabalho a favor da comunidade passa a poder ser aplicado a crimes com pena até 2 anos.
Quanto a nós, esta revisão do Código Penal contém uma alteração de grande relevo e alcance, que é a previsão de imputabilidade penal às pessoas colectivas.
Na verdade, a possibilidade de as pessoas colectivas e entidades equiparadas poderem vir a ser alvo de punição constitui um passo importante no direito criminal e dá resposta a muitas preocupações latentes, em especial em alguns tipos de crime, como tráfico de pessoas, crimes contra a liberdade e a autodeterminação

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sexual, lenocínio, discriminação racial, religiosa ou sexual, branqueamento e corrupção, entre outros. Neste domínio, a proposta do Governo é mais sistemática do que o que é proposto pelo PSD.
O PSD resolveu apresentar um projecto de lei autónomo relativamente à imputabilidade das pessoas colectivas, enquanto o PS e o Governo resolveram introduzir no Código Penal, sistematicamente, essa imputabilidade, o que nos parece muito mais consentâneo com a política criminal, em vez de termos medidas avulsas que não integram o raciocínio sistemático relativamente à dogmática penal.
As penas para as pessoas colectivas são variadas e podem ir até à dissolução da pessoa colectiva.
Na parte especial do Código, dá-se relevo a novos fenómenos criminais, revelando preocupações ambientais quando se introduz o novo tipo de crime de incêndio da floresta, que se consuma, independentemente da criação de perigo para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Por outro lado, há uma manifesta preocupação no reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas.
O reflexo disso é o facto de se ter autonomizado os crimes de violência doméstica, maus tratos e infracção das regras de segurança.
No caso de violência doméstica, amplia-se o âmbito subjectivo do crime, passando a incluir os ex-cônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análoga à dos cônjuges.
Nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores, eleva-se para 23 anos a idade limite de o ofendido ver prescrito o procedimento criminal.
Muitas outras novidades são introduzidas, desde o reforço da autoridade do Estado, passando pela tipificação de novos crimes contra a liberdade pessoal e sexual que seria fastidioso enumerar aqui.
Finda esta apreciação na generalidade, inicia-se o processo da especialidade na 1.ª Comissão.
Como se sabe, o Partido Socialista parte para a discussão na especialidade com a proposta de lei apresentada pelo Governo e tendo em atenção o acordo assinado com o Grupo Parlamentar do PSD. Este acordo contém, à partida, o benefício da estabilidade. Este é um valor que reputamos importante, mas também revela, sem preconceitos, que, em matéria estruturante do Estado de direito democrático, como é a da justiça, existem muitas áreas, como a do direito criminal, onde não há lugar a diferenças substanciais não ultrapassáveis em prol de um bem maior — a estabilidade e a previsibilidade do direito criminal.
Porém, este acordo de incidência parlamentar não afasta os demais grupos parlamentares, com os quais o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pretende manter o contacto e, quando possível, fazer reflectir na lei as suas opiniões.
Assim também acontece com todos os parceiros da justiça, que continuarão a ser ouvidos na 1.ª Comissão e, sempre que possível, também as suas preciosas propostas serão levadas em consideração.
Este é um processo que se pretende partilhado, em prol de uma mais actualizada justiça criminal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães para uma intervenção.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Ministros dos Assuntos Parlamentares e da Justiça, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um conjunto de iniciativas que alteram o Código Penal, introduzem a responsabilidade penal das pessoas colectivas e a mediação penal, matérias decisivas para o futuro da justiça penal em Portugal, a nosso ver.
Esta revisão, relembre-se, é a primeira de um conjunto de iniciativas pactuadas, nesta mesma Casa, pelos líderes dos partidos que, com honrosas excepções, governam Portugal desde 1976 e que assumiram perante o País que iriam mudar a justiça.
Estão, assim, a partir de hoje, vinculados, por um acordo assinado no Salão Nobre desta Assembleia, a criar um sistema de justiça mais eficaz, mais célere e, sobretudo, mais justo. Para o bem mas também para o mal, assumirão as suas responsabilidades. Nós cá estamos a assumir as nossas.
E é por entendermos que, nesta área, o CDS deve contribuir, positiva e construtivamente, para a criação de um regime que venha ao encontro das necessidades dos agentes judiciários, dos instrumentos internacionais aprovados e ratificados por Portugal e de alguns dos muitos problemas identificados (tanto mais que, até há bem pouco tempo, assumimos responsabilidades nesta área e que muito do que hoje discutimos teve por base o trabalho da Dr.ª Maria Celeste Cardona) que apresentamos um projecto de lei autónomo que consagra as nossas ideias para melhorar a resposta penal, seja perante as solicitações tradicionais seja quando confrontada com novas realidades.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O presente projecto de lei intervém em quatro áreas: a primeira, a dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual dos menores, a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil; a segunda, sobre o segredo de justiça; a terceira, acolhendo sugestões da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, criada pela anterior maioria; a quarta, a da idade de imputabilidade.

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No que respeita à primeira área, a dos denominados crimes sexuais, a intenção é a de realçar que o bem jurídico a proteger é a liberdade individual, diligenciando-se uma maior e mais eficaz punição dos abusos sexuais de menores, com sanções proporcionadas à gravidade dos crimes.
Procedemos, assim, à extensão do princípio da aplicação universal da lei penal aos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º, quando a vítima seja menor, e, no caso dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexuais de menores, em duas vertentes.
Por um lado, tendo em conta que cerca de 60% destes crimes são cometidos no seio da família, debaixo do mesmo tecto e numa situação de dependência económica da vítima, alarga-se o prazo em que o menor poderá proceder a queixa até ao momento em que seja maior e complete 25 anos de idade e, presume-se, adquira (para além de maturidade, naturalmente) independência económica, aliás, indo ao encontro de uma presunção fiscal que alargou a qualidade de dependente do agregado familiar aos maiores até 25 anos.
Por outro lado, alargamos também os prazos de prescrição do procedimento criminal, para que o mesmo não se extinga por efeito da prescrição antes de o ofendido perfazer 25 anos.
Revoga-se o artigo 175.º e altera-se o artigo 174.º, de modo a que seja punida a prática, por um maior, de quaisquer actos sexuais de relevo com adolescente, independentemente da natureza heterossexual ou homossexual do acto, desde que haja abuso da inexperiência do menor.
Tipifica-se o crime de prostituição de menores, no qual se pune igualmente o cliente do(a) prostituto(a).
Altera-se o artigo 178.º para que os crimes contra a autodeterminação sexual passem a ser públicos, assim como os crimes contra a liberdade sexual, quando a vítima é menor.
Por fim, propõe-se a criação de uma nova secção sob a epígrafe «Dos crimes contra a protecção devida aos menores», na qual se integra o ilícito de pornografia de menores e se incriminam condutas afins da comercialização de pornografia infantil, real ou simulada, assim como a sua aquisição ou posse, mesmo que sem o propósito de divulgar ou ceder.
Quanto à segunda área, a do segredo de justiça, prevê-se uma alteração ao artigo 371.º, que visa esclarecer que os agentes do crime são todos aqueles que derem conhecimento do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça sem que tenham habilitação legal suficiente e, ainda, que não tenham tido contacto directo com o processo.
O CDS, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não se conforma com a violação do segredo de justiça a que assistimos diariamente e apresentamos propostas que, efectivamente, combatam esta violação, reduzindo os crimes abrangidos, o tempo a que ficam sujeitos e, sobretudo — e é esta a alteração — incluindo todos, mas mesmo todos, e não apenas alguns.
Ao contrário do Governo, e não nos sentindo esclarecidos pelo Sr. Ministro, assumimos a responsabilidade de alterar este regime. Aquilo a que temos vindo a assistir, numa constante devassa do direito à privacidade e ao bom nome de cidadãos que, indefesos, vêem factos que deveriam estar sob a alçada do segredo de justiça expostos nos meios de comunicação social sem que nada possam fazer, não é admissível.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Não está em causa, obviamente, o direito a informar e a ser informado, que respeitamos como sempre respeitámos, mas, sim, a sua correcta ponderação com o direito à privacidade e ao bom nome que, de igual modo, protegemos.
Em terceiro lugar, acolhemos algumas sugestões da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, criada pelo XV Governo Constitucional.
Assim, a sentença condenatória pode determinar que, simultânea ou sequencialmente, parte da pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses seja cumprida em dias livres ou em regime de semidetenção e outra parte seja substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Também se propõem alterações ao regime da suspensão da execução da pena de prisão, alargando o seu âmbito às penas até 5 anos, naturalmente com a subordinação desta suspensão ao cumprimento, rigoroso e estrito, de deveres e regras de conduta.
Alteramos o regime da prestação de trabalho a favor da comunidade, passando a ser pena substitutiva da pena de prisão até 2 anos.
No que concerne à concessão da liberdade condicional, passa a ser avaliada quando se encontre cumprida metade da pena, excepto quando se trate de condenação a pena de prisão superior a 8 anos pela prática de crime doloso contra a vida, a integridade física, a liberdade das pessoas, terrorismo ou associação criminosa, casos em que só poderá ter lugar quando cumpridos dois terços da pena.
Alarga-se, também, o âmbito de utilização da vigilância electrónica, admitindo-se a sua utilização como alternativa de execução de determinadas penas de prisão e até de saídas precárias.
Finalmente, quanto à idade da imputabilidade penal, mantemos, coerentemente, a nossa proposta de redução para os 14 anos, proposta que não poderíamos deixar de apresentar.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Orador: — A nosso ver, este problema, na sua actual definição, dá lugar a uma trilogia de consequências, no mínimo contraproducentes, que o legislador tarda a perceber.
A consciência da inimputabilidade é um facto real. É difícil sustentar que um jovem de 14 anos não atingiu ainda a idade prudente para distinguir o bem do mal. A permanência de uma efectiva inimputabilidade até tarde demais provoca um efeito contraproducente de «provocação à lei»…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — … e uma idade desadequada da realidade contribui para uma crise de credibilidade do sistema judicial e da eficácia das forças de segurança.
Trata-se, Sr.as e Srs. Deputados, de não mais do que harmonizar esta idade com a realidade e com o ordenamento jurídico europeu e onde o sistema português se afasta deste é na fixação desta «idadefronteira». Enquanto, por cá, se mantém nos 16 anos, a Inglaterra optou pelos 10, a Holanda e a Grécia pelos 12, a França pelos 13, a Alemanha e a Itália pelos 14,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … e os países escandinavos pelos 15 anos.
Esta solução, aliás, é coerente com o ordenamento penal e com a génese do artigo 17.º da Lei Tutelar Educativa e, por isso mesmo, não é enviar estes jovens para estabelecimentos prisionais que propomos — repito, não é enviar estes jovens para estabelecimentos prisionais que propomos —, mas, ao invés, adequar a realidade penal ao quotidiano e à realidade em que vivemos. É esta a função do legislador.
Sr. Presidente, quanto às propostas do Governo e dos restantes partidos, encontramos algumas semelhanças com algumas que ora apresentamos. É o que sucede em relação à responsabilidade penal das pessoas colectivas, onde não apresentámos uma iniciativa autónoma por termos verificado, com agrado, que o Governo respeitou as propostas da anterior maioria.
Ainda assim, deixamos dois reparos: na tipificação dos crimes passíveis de serem abrangidos pela responsabilidade penal não se encontra a burla, um dos mais praticados; por outro lado, exclui-se as pessoas privadas que sejam concessionárias de serviços públicos, o que, a nosso ver, poderá constituir uma violação do princípio da igualdade. Contudo, são matérias sobre que, na especialidade, não deixaremos de contribuir para a criação de um regime melhor e mais eficaz.
Por fim, mas não menos importante — e esperamos a apresentação por parte do Sr. Ministro —, a mediação penal, que apresenta um processo informal e flexível conduzido pelo mediador, que promove a aproximação entre arguido e ofendido e os apoia na tentativa de encontrar um acordo que permita a reparação, não necessariamente pecuniária, dos danos causados pelo facto ilícito, excluindo os crimes públicos, os crimes sexuais, o peculato, a corrupção e o tráfico de influências e os casos em que o ofendido seja menor de 16 anos, o que nos parece positivo.
Mas a mediação penal só pode ter sucesso se existir uma sensibilização da população para tal, população esta ainda muito presa à ideia da justiça tradicional feita por um juiz, e até porque, no caso concreto desta proposta, o recurso à mesma depende da disponibilidade das partes.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Em suma, o CDS-PP, com este conjunto de propostas, dá um contributo para a criação de um quadro legal penal mais eficaz e adequado à realidade.
Acreditamos que se trata de uma matéria de Estado que requer sentido de Estado. Foi assim que nos comportámos nesta discussão e assim nos manteremos.
Para nós, os «entendimentos alargados» têm um local e um momento próprios: a Assembleia da República e a data do agendamento, pela Conferência de Líderes, da discussão de diplomas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Nem mais nem menos.
Desejamos, por isso, que o Partido Socialista permita a viabilização de todos os projectos de lei para que, em sede de especialidade, possamos, em conjunto e com pluralismo, discutir todas as propostas.
Assim o solicitou o Sr. Presidente da República. Assim o determina a democracia. Assim o exige a justiça.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, iniciamos finalmente o debate sobre o futuro da justiça penal em Portugal. Digo «finalmente, porque deriva já do transcurso entre legislaturas, com a discussão de vários projectos e propostas de alteração ao Código Penal.

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Em nome da bancada do Bloco de Esquerda, devo dizer que creio que o fulcro deste debate preliminar não é apurar a exacta paternidade e o exacto ADN do pacto da justiça e suas consequências «filiais». Importa é perceber melhor qual o grau de consenso em que se fixa esse pacto e as possíveis abrangências que possam estender-se a outros grupos parlamentares.
É que, se há aqui uma filosofia geral que tem uma concepção penalista em que se diminuiu o recurso ao cárcere e a intensidade do mesmo — e, hoje, parte da direita política acompanha essa perspectiva —, é bom que, ao fixar isso no quadro legal, o façamos também do ponto de vista da cultura política e da cultura cívica.
Digo-o, porque todos nós somos testemunhas de que, de tempos a tempos, mudam-se as vontades acerca desses desideratos. Na verdade, já aqui vivemos tempos em que o populismo da direita veio ao calendário político exigir o aumento da duração das penas, o aumento do recurso efectivo às penas privativas de liberdade.
Portanto, no momento em que se inicia um processo em que, objectivamente, se diminui o recurso ao cárcere, era bom salientar este aspecto e mostrar que há uma ruptura em relação a concepções políticas serôdias mas também ultrapassadas.
Nesse aspecto, curiosamente, ouvi boas opiniões por parte de sectores da direita, mas não ouvi nenhuma autocrítica em relação a percursos passados e a posições anteriores.
Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei por forma a participar nestas alterações ao Código Penal.
Se me permitem, serei exaustivo na apresentação das propostas, até para ver se a percepção que podemos ter do processo legislativo que agora se inicia não é a de que o acordo entre o PS e o PSD é uma espécie de «separador central» mas a de que ainda há lugar para um «semáforo» que, aqui ou além, pode dar «luz verde» a propostas de outros grupos parlamentares.
Assim, propomos no âmbito das penas: o alargamento da possibilidade da suspensão da execução de pena de prisão para penas até 5 anos; o alargamento da possibilidade de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade para penas de prisão até 3 anos; a alteração do regime da liberdade condicional, de modo a que a mesma seja concedida após o cumprimento de dois terços da pena e não dos actuais cinco sextos; o alargamento do âmbito de aplicação da dispensa de pena para penas de prisão até 12 meses; a alteração dos limites máximos da pena relativamente indeterminada, de modo a que a mesma não possa exceder o limite máximo da pena concreta.
No âmbito dos tipos criminais, o projecto de lei do Bloco de Esquerda pretende: a inclusão, no âmbito do homicídio qualificado, entre os comportamentos susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, além do ódio racial, religioso ou político, o ódio homofóbico; a autonomização da violência doméstica, dos demais maus tratos e da infracção das regras de segurança, contribuindo desse modo para a clarificação do tipo criminal e conferindo-lhe uma maior dignidade, pois deixa de estar oculto entre outros tipos de maus tratos; a penalização do tráfico de seres humanos, distinguindo-o do tráfico de seres humanos para exploração sexual; atribuir a natureza de crimes públicos aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação de menores; a inclusão da punição da discriminação baseada na orientação sexual, exactamente nos mesmos termos em que a discriminação é baseada na raça ou na religião.
Ao nível da segurança rodoviária, propomos a penalização de quem construir ou puser à disposição do público para circulação veículos, com ou sem motor, com defeitos susceptíveis de produzir acidentes e a penalização dos que, sendo responsáveis pela administração e gestão de vias rodoviárias, atentem contra a segurança rodoviária.
Em matéria ambiental, incluímos a proposta da Quercus quanto ao crime de danos contra a natureza e ao crime de poluição, incluindo-se, contudo, a criminalização da comercialização e a aquisição de exemplares de fauna ou flora em vias de extinção ou de qualquer produto deles resultante.
Propomos, ainda, à semelhança do Código Penal espanhol, o aditamento de alguns crimes no âmbito do direito laboral, nomeadamente a punição de quem, mediante engano ou aproveitando-se de situação de necessidade, impuser ao trabalhador ao seu serviço condições laborais ou de segurança social que prejudiquem, suprimam ou restrinjam os seus direitos laborais.
Por fim, propõe-se — e não apenas no nosso projecto de lei — a revogação do artigo 175.º — «Actos homossexuais com adolescentes», o qual introduz uma discriminação na idade do consentimento relativamente aos actos heterossexuais, tendo sido já declarado inconstitucional em sede de fiscalização concreta.
Sabemos que várias destas propostas cruzam-se com as do Governo e de outras bancadas. Em alguns outros casos, procuramos apresentar propostas inovadoras.
Temos consciência de que o nosso projecto de lei tem uma larga convergência com a proposta do Governo, o que importa sublinhar, pois corresponde a alguns consensos sociais que, entretanto, fizeram o seu caminho.
Contudo, relativamente à proposta do Governo, gostaríamos de destacar, pela negativa, a redacção proposta para o crime de violência doméstica.
Embora o Governo proponha a autonomização do tipo penal, com o objectivo de lhe conferir maiores destaque e dignidade penal, a verdade é que, ao aditar aos elementos constitutivos do crime a intensidade e a

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reiteração, caminha a passos largos no sentido da despenalização da violência doméstica. Esta nova redacção representa um retrocesso, a nosso ver, ao deixar no âmbito do Ministério Público a avaliação do que é ou não intenso e ao dificultar a produção de prova em sede de julgamento, no que respeita à reiteração e à indicação de todos os factos que preenchem esse mesmo elemento. Creio que poderemos vir a introduzir alterações no sentido de um maior rigor quanto à tipificação do crime de violência doméstica.
Contudo, esta e outras questões serão, certamente, objecto de amplo debate em sede de especialidade, o qual esperamos que, independentemente dos pactos celebrados, mais ou menos escondidos, mais ou menos assumidos, possa ser o mais amplo, alargado e consensual possível.
Respeitando embora o facto de o Sr. Ministro da Justiça ir ainda pronunciar-se acerca do regime de mediação penal, por uma questão de economia de tempo, adianto-me, pedindo a devida desculpa por isso, exprimindo, desde já, a nossa saudação em relação à apresentação da proposta de lei n.º 107/X, por entendermos que a mesma constitui a consagração de um instrumento de forte pacificação social.
Gostaríamos de realçar em especial algumas alterações que foram introduzidas em relação ao anteprojecto que esteve em discussão pública, como a organização dos serviços de mediação penal junto dos julgados de paz, bem como a limitação do recurso à mediação penal apenas para os crimes de natureza particular ou semipública, excluindo-se os crimes públicos. No entanto, não se compreende por que se exclui o recurso à mediação penal quando seja aplicável o processo sumário ou sumaríssimo, pois a mesma só se entende perante a celeridade própria deste tipo de processos face a uma possível tentativa de mediação penal e a um eventual resultado positivo da mesma. Ora, a nosso ver, deveria ser dada, também nestes casos, primazia à tentativa da justiça restaurativa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda, se assim a maioria o permitir, quererá acrescentar algumas «cores» à paleta do Código Penal.
Estamos para ver se a vontade política do Governo não se terá entregado a um exercício de abrangência apenas «para Belém ver». Esperemos que esse exercício de abrangência seja a bem da lei penal e de um fortíssimo consenso na sociedade portuguesa, seja um dique poderoso contra as tentativas populistas de utilizarem a lei penal para a limitação das liberdades e para uma ideologia que não é de resssocialização mas, sim, de punição odienta na sociedade portuguesa.
Este é o marco que o Bloco de Esquerda quer sublinhar e é essa alteração que, finalmente, podemos fazer.
Nesse sentido — e se isso for atingido —, não é uma mera alteração ao Código Penal, com toda a complexidade e toda a dificuldade que ela pode ter, nem é apenas uma «mão trémula» sobre a lei, como aqui já transpareceu; é uma ruptura nas concepções, e essa é, definitivamente, importante na sociedade portuguesa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Ecologista «Os Verdes» apresenta, hoje, os projectos de lei n.os 219/X e 349/X, que introduzem alterações pontuais ao Código Penal em duas matérias fundamentais, basilares, que têm merecido, da parte do nosso grupo parlamentar, desde há longa data, um empenho e um esforço prioritários, no sentido de melhorar e aperfeiçoar o nosso ordenamento jurídico e a nossa sociedade, indo ao encontro das respostas necessárias e daquelas que consideramos serem as nossas responsabilidades enquanto Deputados ecologistas eleitos para a Assembleia da República.
A primeira dessas matérias é o direito à igualdade, enquanto princípio estruturante fundamental da nossa Constituição, e a correspondente proibição de discriminação, positiva ou negativa, seja ela fundada na ascendência, no sexo, na raça, na língua, no território de origem, na religião, nas convicções políticas ou ideológicas, na instrução, na situação económica, na condição social ou na orientação sexual.
Depois de termos defendido, desde 1997, a alteração do artigo 13.º da Constituição para a actual redacção, aditando a referência expressa à orientação sexual, que apenas vingou com a Lei de Revisão Constitucional de 2004, ou seja sete anos mais tarde, passados 10 anos, Os Verdes prosseguem a tarefa fundamental de expurgar do ordenamento jurídico português importantes obstáculos e discriminações inconstitucionais, por violação do direito à igualdade, como os que ainda subsistem neste momento, por exemplo, no Código Civil, em relação à proibição do casamento entre cidadãos do mesmo sexo, ou como a que tratamos hoje, no artigo 175.º do Código Penal.
É que, infelizmente, com a alteração referida do artigo 13.º da Constituição, que constituiu um progresso assinalável do nosso ordenamento jurídico e, principalmente, uma vitória da nossa sociedade e da nossa democracia, não se corrigiu de forma automática todo um conjunto de normas que subsistem no nosso ordenamento jurídico, medidas e formas de tratamento discriminatórias, profundamente injustas e violadoras do princípio da igualdade e, por esta via, da dignidade da pessoa humana, valor supremo. Por isso, pretendemos hoje, no que somos, felizmente, acompanhados por outras iniciativas legislativas, pôr fim à discriminação actualmente existente no Código Penal, prevendo um regime único de criminalização dos actos

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sexuais com adolescentes, revogando o actual regime dúplice que faz uma distinção inaceitável em função da orientação sexual desses mesmos actos.
A existência do artigo 175.º do Código Penal Português — «Actos homossexuais com adolescentes», que cria um tipo legal de crime, especifica e expressamente, para punir os actos homossexuais com adolescentes, tratando de forma diferente um conjunto de actos (cópula, coito anal ou coito oral), já previstos no artigo 174.º — «Actos sexuais com adolescentes», apenas pela sua diferente orientação sexual, viola claramente o disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a sua correcção constitui não só um imperativo constitucional mas também uma clara obrigação política e um dever de consciência.
A actual situação, prevendo uma criminalização mais alargada para as relações homossexuais, permite mesmo o absurdo, pelo facto de exigir o abuso da inexperiência para a criminalização apenas nos casos da heterossexualidade, não o fazendo para a homossexualidade, e de criminalizar até os actos sexuais conscientes, consentidos e desejados entre duas pessoas apenas por terem lugar entre pessoas do mesmo sexo.
A declaração inequívoca da sua inconstitucionalidade por dois acórdãos do Tribunal Constitucional veio reforçar a certeza de que a existência dos dois artigos no Código Penal, se já deveria ser considerada intolerável antes da alteração do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, é, hoje em dia, absolutamente insustentável. Isto porque ambos visam proteger o mesmo bem jurídico (a liberdade e a autodeterminação sexual), relativo ao mesmo grupo social (adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e 16 anos de idade), e precisamente com a mesma moldura penal (pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias), mas com três diferenças substanciais, discriminando negativamente os actos homossexuais, sustentadas unicamente na diferente natureza sexual das condutas e indo beber a preconceitos sociais ultrapassados e hoje absolutamente inaceitáveis, que vêem na opção de orientação homossexual algo «anormal, doentio ou aberrante», o que não encontra qualquer base científica credível, nem social ou constitucionalmente aceitável e que urge expurgar de uma vez por todas.
A outra matéria, a que o segundo projecto de lei que apresentámos procura dar resposta, é o direito ambiental, neste caso, o direito penal sobre o ambiente e, muito concretamente, a alteração dos artigos 278.º e 279.º.
É, com efeito, facto notório que, apesar do grande desenvolvimento que o nosso ordenamento jurídico conheceu em matéria ambiental ao longo dos últimos anos, com a publicação de uma panóplia de diplomas legais e transposição de directivas comunitárias, acompanhando o inevitável e crescente reconhecimento da importância do ambiente, na nossa qualidade de vida, na saúde e segurança das populações e no desenvolvimento sustentável da nossa sociedade, a verdade é que, no que toca ao domínio do Direito Penal, as normas relativas à protecção do ambiente, como direito fundamental, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, se têm pautado pela sua ausência na prática.
Com efeito, não obstante dispormos, desde 1995, através da reforma então feita ao Código Penal, de artigos consagrando tipos de crime em matéria ambiental, como é o caso dos actuais artigos 278.º, com a epígrafe «Danos contra a natureza», e 279.º, sobre o crime de poluição, a verdade é que não dispomos de uma tradição, nem judiciária nem jurisprudencial, relativamente a esses ilícitos criminais, pela simples razão de que essas normas não têm conhecido qualquer aplicação prática nos nossos tribunais, constituindo, neste momento, meros fantasmas do direito.
Esta situação, absolutamente caricata, de total ausência, na prática, de protecção e de tutela penal efectiva relativamente a bens ambientais que se mostrem dignos dessa tutela, radica, certamente, desde logo, nas naturais dificuldades com que se depararão Ministério Público e órgãos de polícia criminal, não só por falta de meios e de formação ou preparação nesta área mas também por ausência de experiência consolidada e de tradição na investigação e promoção dos tipos criminais em causa, e, antes disso, pelas muitas insuficiências, já reconhecidas e denunciadas por muitos, das próprias normas neste momento vigentes.
São conhecidas — e já mereceram inclusivamente comentários da doutrina — as dificuldades e os escolhos com que se depara quem se aventure nesta área e que radicam no facto de o ambiente constituir um domínio extremamente amplo e com consequências e implicações em diferentes áreas e um domínio, técnica e cientificamente, complexo, em que o recurso a conceitos mais ou menos indeterminados são incontornáveis ou o problema das normas penais em branco espreita inevitavelmente.
Contudo, se as dificuldades são certas, a responsabilidade de procurar soluções e respostas a esses problemas, subjacentes ao reconhecimento de que a matéria ambiental, dentro de certos domínios, merece e deve ter uma tutela penal efectiva, não é menos certa e impele-nos a reflectir e a procurar melhorar o actual regime.
Reconhecendo essa responsabilidade e essa necessidade, a própria Unidade de Missão para a Reforma Penal propôs alterações aos referidos artigos 278.º e 279.º, por forma a ultrapassar algumas das peias actualmente responsáveis pela total ineficácia desses normativos.
Contudo, a proposta de lei n.º 98/X fica ainda, porventura, aquém do desejado nesta matéria.
A Quercus — Associação Nacional de Conservação da Natureza, veio apresentar as suas propostas neste âmbito, as quais continham soluções interessantes e que podem definitivamente contribuir para melhorar substancialmente o actual Código Penal.

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O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», reconhecendo a mais-valia daquelas propostas, disponibilizou-se para trabalhar com base nas mesmas e apresentar um projecto de lei visando enriquecer um debate que deve ser amplo e participado e que conduza definitivamente às melhores soluções possíveis em matéria do direito penal do ambiente.
Terminamos, Sr. Presidente, desejando que haja participação e o consenso possível neste debate, de alteração do actual Código Penal, dentro da Assembleia da República (dentro da Assembleia da República, como deve ser), deixando aqui a nossa crítica a um pacto da justiça — «pacto com laranja», «cozinhado» fora do Parlamento —, e com preocupações em abranger matérias como, por exemplo, a reforma da acção executiva, a qual, aliás, se chegou à situação a que chegou, de denegação do direito à justiça na área do Executivo, foi precisamente por causa de uma reforma levada a cabo pelo PSD, com quem agora o PS estabeleceu um pacto, o que nos deixa extremamente preocupados.
Contudo, queremos deixar como nota final positiva as muitas alterações consensuais, que certamente vão ter lugar, do Código Penal, designadamente no que diz respeito à diversificação das sanções não privativas da liberdade, que é fundamental reforçar e também diversificar, tornando o seu âmbito mais lato, sempre que sejam suficientes para acautelar os bens e interesses jurídicos em causa, e tendo sempre em vista um dos objectivos fundamentais do nosso sistema penal e prisional, que é a ressocialização do agente, ressocialização essa tantas vezes posta em causa pelas insuficiências do nosso sistema prisional.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois desta incursão — aliás, muito justa — na culinária, voltemos agora ao Código Penal.
De acordo com o que se afirma no preâmbulo da proposta de lei, esta não altera a filosofia do Código em vigor, procedendo, aqui ou ali, a uma sistematização diferente, introduzindo alterações materiais ditadas sobretudo por instrumentos internacionais, fazendo alterações que a prática vem ditando.
Positiva é a consagração, por exemplo, no artigo 30.º, da jurisprudência que exclui do crime continuado os crimes cometidos contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.
São muitas outras as disposições que aplaudimos. Não deixaremos, no entanto, de apresentar propostas relativamente a soluções que consideramos discutíveis, como acontece, por exemplo, com as alterações à liberdade condicional, susceptíveis de causar alarme social, com as relativas, por exemplo, ao artigo 80.º, que passa a permitir que sejam descontadas na pena de prisão, por inteiro, quaisquer medidas preventivas ainda que relativas a qualquer outro crime. Não queremos, de facto, as cadeias cheias, mas o Estado não pode abdicar, de qual forma, do seu direito a punir.
Apresentaremos propostas para a nova redacção do artigo 79.º (Conhecimento superveniente do crime continuado), já que, segundo o que vem proposto, a pessoa terá de ser julgada pelos mesmos factos duas vezes, embora só se lhe aplique a última pena.
E, claro, discordamos veementemente dos novos quantitativos propostos para o mínimo diário da pena de multa. Subir de 1 € para 5 € é uma medida que se abaterá sobre os pobres e os menos afortunados e que os colocará em risco de virem a cumprir prisão subsidiária, sendo um entrave à reinserção social.
Relativamente a uma nova pena alternativa à pena de prisão, a prisão domiciliária (que beneficiará, sobretudo, quem tenha uma boa situação económica e social), cremos que se pode apontar de branda a previsão do n.º 3 do artigo 44.º. Só a infracção quando grosseira ou repetida dará origem à revogação da prisão domiciliária.
Também preferimos o conteúdo actual do artigo 50.º, que prevê a hipótese de cumulação do regime de prova com a imposição de deveres e regras de boa conduta, ao contrário do que sucede com a proposta de alteração ao mesmo artigo.
É que, não obstante ter sido, até agora, um quase fracasso a realização do objectivo da reinserção social do condenado, não se pode esquecer que continuará inscrita no Código Penal como um das finalidades das penas a reintegração do agente na sociedade, não devendo, portanto, truncar-se os meios destinados a permitir essa reintegração.
Relativamente à parte especial, temos de discutir aturadamente. E é pena que não haja um instituto de criminologia que prepararia debates importantíssimos sobre, por exemplo, o que é a violência doméstica, porque se corre o risco de incluir nesta actos que não serão de violência doméstica mas apenas de ofensas à integridade física, porque não são resultantes de qualquer sentimento de superioridade em razão do sexo ou da idade e que são reacções às vezes típicas de conflitualidade entre pessoas que têm interesses em comum ou que têm uma maior privação entre elas. O mesmo acontecendo em relação a injúrias, por exemplo.
E cremos que é este entendimento que melhor servirá a luta das mulheres pela igualdade, já que a vitimização forçada das mulheres mais não serve do que para realçar a mulher como fraca e indefesa, diferente e inferior ao homem. É isto o que nos diz, quanto a mim sabiamente, Elisabeth Badinter, no seu recente livro Caminho Errado, a propósito da violência doméstica.

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Todas as questões relativas à exploração de pessoas na prostituição, tratando-se de vítimas maiores, adquirem uma nova acuidade com a nova arrumação proposta, quanto ao tráfico de seres humanos, com a nova definição deste crime, com a introdução de um novo crime relativo apenas ao cliente de prostituta/prostituto menor, que não maior, e com a manutenção da exigência, no que toca à exploração de maiores na prostituição, da prova do requisito profissionalmente ou com intenção lucrativa (vide artigo 169.º), requisito este que praticamente inviabiliza o combate ao proxenetismo.
Na verdade, todos estes elementos associados conduzem à conclusão de que, relativamente a maiores usados na prostituição, poderá haver aquilo que alguns dizem prostituição consentida e outros, mesmo, um trabalho, merecendo, assim, as vítimas uma menor protecção penal.
Esta, aliás, foi uma matéria de grandes debates nos trabalhos preparatórios do protocolo sobre o tráfico de seres humanos, anexo à convenção das Nações Unidas sobre o crime transnacional organizado, durante as reuniões em Viena.
É certo que o artigo 160.º proposto, ao referir o tráfico para exploração sexual, contém, entre os meios utilizados para traficar um ser humano, o aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade — e isto, que consta do protocolo das Nações Unidas, deve salientar-se.
Contudo, tal artigo confronta-se depois com a prova dos requisitos para que se prove a exploração em relação a vítimas maiores — profissionalmente e com intenção lucrativa. E aí temos como a solução que se mantém, quanto à utilização de maiores na prostituição, permitiria, e permitirá, o tráfico de seres humanos.
É, de facto, na definição de prostituição que reside o sucesso do combate ao tráfico de seres humanos. As velhas teorias sobre a prostituição como uma profissão mais não fazem do que fomentar o tráfico e a exploração.
Ainda na parte relativa aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, convirá reparar que o consta do artigo 168.º do Código Penal, que o Governo mantém, foi reformulado — e peço a vossa atenção para este aspecto — na lei sobre procriação medicamente assistida (PMA), que à feminização da lei penal nesse inciso preferiu, mantendo a moldura penal, punir a recolha não consentida de gâmetas masculinos ou femininos para serem utilizados na PMA.
Assim, parece-nos desajustada a manutenção da matéria nesta parte dos crimes sexuais. Já a comissão revisora do Código de 1982 teve dúvidas e hesitações quanto à sua inserção.
Deverá manter-se na lei da PMA a incriminação que atrás se referiu e excluir-se o artigo 168.º.
Os fenómenos de neocriminalização deverão sempre ser devidamente justificados. Ora, com o artigo 173.º, que será correspondente, em parte, ao actual artigo 174.º, passa-se uma história curiosíssima. A sua incriminação, inicialmente com a epígrafe «Estupro», correu seriamente o risco de desaparecer da lei penal em 1995. Foi mesmo proposta a sua revogação por um membro da comissão revisora, pela triste história, contra a dignidade das mulheres, de que nos fala a nossa história judiciária. Eis senão quando surge agora remoçado, com um agravamento da pena e com uma neocriminalização de actos sexuais de relevo não contemplados na redacção actual, quando as vítimas são do sexo feminino.
O que é que justifica esta regressão? Que estudos há? Sim, porque a resposta não pode ser apenas a teimosia de manter sob outra forma o que consta do artigo 175.º do Código Penal — e é isso que, de facto, acontece.
Não sendo possível a apreciação de todas as soluções constantes da parte especial do Código, permitamme que saliente os artigos relativos a ilícitos penais laborais.
O PCP apresentou, em 1997, um projecto de lei que continha um capítulo sobre esta matéria. Algumas das soluções já constam do Código, sendo algumas diferentes e coincidindo outras em parte. Considero, porém, que há um inciso relativo à questão da higiene, saúde e segurança no trabalho que contém, no final, uma redacção muito melhor do que a apresentada pelo PCP.
Parece-nos, no entanto, que se deveria ainda atender à questão da exploração do trabalho infantil, pois não penso que o crime de maus tratos, tal como está tipificado, abranja todas as situações.
Por último, permitam-me ainda referir que, apesar de tudo, a proposta de lei não foge à criminalização de protestos sociais, o que, nomeadamente, se prevê para os crimes de perigo relativos à liberdade de circulação. É já a segunda tentativa do PS — e, desta vez, levará na carteira esta aprovação — para criminalizar, vulgo, os cortes de estradas, que as pessoas usam em protesto social, mesmo quando destes cortes não resulte qualquer perigo nem para a circulação, nem para a vida, nem para ninguém. Hoje, só estão criminalizados se, de facto, daí resultar perigo e o que o PS pretende é criminalizar mesmo que não exista qualquer perigo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não pode ser!

A Oradora: — Esta criminalização do que já ficou conhecido pelo direito à indignação (vide, por exemplo, o artigo 288.º e outros do Código Penal) secunda o que na Europa se vem fazendo na pura imitação do que se passou nos Estados Unidos da América com os think tank neoconservadores que estiveram na base de políticas repressivas, que aumentaram a população prisional com as vítimas das crises.
As políticas subsecuritárias cavam, de facto, a crise da justiça.

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Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O paradigma da responsabilidade penal tem vindo a modificar-se e a evoluir no sentido da responsabilização penal das pessoas colectivas.
Apesar do apego do legislador penal ao princípio societas delinquere non potest, expresso no artigo 11.º do Código Penal, a verdade é que a doutrina foi já respondendo às objecções mais comuns no que concerne à responsabilidade penal das pessoas colectivas, refutando as críticas de que estas não têm capacidade de suportar um juízo de censura ética (ou juízo de culpa) ou até de serem até incapazes de uma verdadeira capacidade de agir.
Actualmente, a doutrina maioritária defende que a pessoa colectiva é perfeitamente capaz de vontade — que não é psicológica, por falta de estrutura biopsíquica, mas normativa — e que esta vontade colectiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual.
Acresce que diversos instrumentos de direito convencional comunitário, assim como várias decisõesquadro do Conselho da União Europeia, versando sobre diferentes áreas, que vão desde os crimes sexuais aos crimes ambientais, passando pelo tráfico de pessoas, impõem aos Estados-membros o dever de responsabilizar penalmente as pessoas colectivas.
Urge, por isso, responder à evolução do direito penal, aproveitando para acolher as orientações comunitárias a que o Estado Português se obrigou. Nesse sentido, o PSD apresenta o projecto de lei n.º 239/X, que aprova o regime da responsabilidade penal das pessoas colectivas.
Consequentemente, determina-se que as pessoas colectivas são responsáveis criminalmente quando, por ocasião da sua actividade, ocorram factos que consubstanciem certos ilícitos penais, como, por exemplo, o tráfico de pessoas para exploração do trabalho, tráfico de influência, branqueamento ou violação do segredo de justiça.
E entende-se que ocorrem por ocasião da actividade da pessoa colectiva, ou entidade equiparada, os crimes cometidos em seu benefício quando praticados ou pelos titulares dos seus órgãos, no exercício das suas funções, ou pelos seus representantes, em seu nome e no interesse colectivo, ou os resultantes da violação de deveres de cuidado a observar pela pessoa colectiva, ou entidade equiparada, destinados a evitar ou diminuir os riscos típicos da sua actividade.
Como penas principais optou-se pelas penas de multa e de dissolução.
No que se refere à pena de multa, adoptou-se o sistema de dias de multa. Propõe-se que a determinação da moldura abstracta da pena de multa aplicável às pessoas colectivas se faça por referência à moldura abstracta da pena prevista para as pessoas singulares. Deste modo, determina-se, como regra, que um mês de pena de prisão corresponde, para as pessoas colectivas, a 10 dias de multa, sendo que cada dia de multa corresponde a uma soma entre 1 e 50 unidades de conta.
A pena de dissolução será decretada apenas como última ratio.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em matéria de responsabilidade penal das pessoas colectivas, o projecto de lei do PSD não diverge, do ponto de vista dos propósitos, da proposta de lei do Governo.
Há, contudo, duas diferenças que gostaria de sublinhar, sendo a primeira apenas de forma. O PSD optou por autonomizar o regime da responsabilidade penal das pessoas colectivas em diploma próprio, enquanto o Governo preferiu incorporar essa matéria no Código Penal.
Esta diferença de forma não constitui, de todo, nenhum entrave à regulação desta matéria. Relevante é assinalar que o Acordo Político-Parlamentar para a reforma da Justiça, assinado entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, impõe a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas no âmbito da reforma do Código Penal.
Obviamente que o PSD honrará o compromisso que assumiu, independentemente da forma, mas não abdicando da essência do conteúdo.
Uma segunda diferença, bem mais substantiva, tem que ver com o âmbito de aplicação da lei. É que a opção do Governo de excepcionar da responsabilidade criminal as pessoas colectivas públicas, incluindo as concessionárias de serviço público e independentemente da sua titularidade, oferece-nos sérias reservas e constitui uma diferença substancial que teremos de dirimir na especialidade. De resto, nesse sentido também já se pronunciaram negativamente, nas audições realizadas na 1.ª Comissão, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público e a Ordem dos Advogados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Haverá, naturalmente, arestas a limar em sede de especialidade, quer na questão que acabo de referir, quer na sugestão pertinente que nos foi formulada de integração do crime de burla no elenco dos crimes alvo da responsabilidade penal das pessoas colectivas, quer numa outra questão a ponderar também, que diz respeito à definição da extinção da responsabilidade penal das pessoas colectivas.

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Por parte do PSD, há abertura e receptividade bastante para trabalhar no sentido de se encontrar o melhor regime possível e para que seja possível também que, neste domínio, se possa expressar na Assembleia da República uma vontade maioritária, senão mesmo unânime, relativamente a esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No debate que hoje se faz em torno da revisão 21.ª revisão do Código Penal, a minha intervenção vai centrar-se na matéria tratada no projecto de lei n.º 211/X, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, e que tem a intenção de completar o regime legal vigente, passando a tipificar o crime de tráfico de seres humanos em sentido amplo, de forma a haver cobertura para a condenação de práticas que se consubstanciam na venda de crianças e na exploração de mão-de-obra, objectivo, aliás, subsumido na proposta de lei n.º 98/X, do Governo, bem como a tipificação da exploração da mendicidade.
A iniciativa do Grupo Parlamentar do PS visa, no fundo, conformar a lei penal portuguesa com o Protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, bem como a conformação ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, ambas do ano 2000.
Contudo, trata-se aqui de procurar proteger a liberdade e a dignidade humana, bens jurídicos cuja protecção tem claramente que ser reforçada. O tráfico de seres humanos está a crescer à escala mundial, impulsionado por um aumento de crime organizado e da respectiva rendibilidade. Representa uma nova forma de escravatura do mundo contemporâneo, que faz com que muitas pessoas vulneráveis, virtualmente abandonadas pelos sistemas jurídicos e sociais, sejam apanhadas numa engrenagem sórdida de exploração e de abusos. É, sem dúvida, uma das mais clamorosas violações dos direitos humanos.
Teve-se assim por objectivo proceder à necessária alteração do crime de tráfico de seres humanos, por forma a punir aqueles que exploram as pessoas para outros fins que não apenas a prostituição, harmonizando-se, desta forma, o direito penal português com os mencionados instrumentos internacionais de que Portugal é signatário.
Neste sentido, o projecto de lei tem por especial objectivo: primeiro, criminalizar condutas que visem a transacção de crianças para extracção de órgãos, exploração sexual, de mão-de-obra e da mendicidade, bem como a cedência de crianças em violação das regras da adopção, alargando-se, desta forma, a protecção da criança, para efeitos penais, a todo o cidadão que não tenha atingido a maioridade; segundo, tipificar, por outro lado, o crime de tráfico de pessoas em sentido amplo, seja para extracção de órgãos, exploração sexual, exploração de mão-de-obra ou na mendicidade.
O tráfico envolve graves violações dos direitos fundamentais da pessoa humana e representa práticas cruéis, tais como a coacção, uso da força, ameaças, rapto, violência, dolo ou fraude. É um grave problema humanitário que requer a identificação dos principais factores de vulnerabilidade nomeadamente das mulheres e crianças ao tráfico, bem como o desenvolvimento de eficientes políticas sociais e económicas.
A adequação da lei penal é, neste caso, um instrumento fundamental na prossecução de uma estratégia de protecção e promoção da dignidade humana.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir que, à vista de muitos debates passados sobre a revisão do Código Penal, não me recordo de nenhum onde tivesse estado presente um tão elevado nível de consenso entre todos os intervenientes na discussão.
Quer em relação à função das penas, quer em relação à evolução do sistema punitivo, quer em relação aos bens jurídicos a proteger, quer, ainda, em relação às ameaças criminais a enfrentar, este é um consenso civilizacional significativo que nós devemos reter e levar à lei penal.
A Assembleia, a meu ver, honrou a promessa constante do artigo 1.º da Constituição, que diz que «Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana» e foi essa a perspectiva que aqui esteve.
Julgo que isso abre o terreno para um aperfeiçoamento, na especialidade, de muitas soluções específicas que foram apresentadas e para as quais o Governo manifesta toda a sua disponibilidade. Queremos a melhor lei penal, queremos que a lei penal que vai enquadrar a perseguição e punição dos autores de crimes tenha o mais largo suporte democrático. Esse é o nosso objectivo e supomos que esse é o requisito de uma boa lei penal.

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Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à segunda proposta, o papel da mediação na resolução de conflitos está a crescer nas sociedades contemporâneas, onde cada vez é mais valorizado o leve, o flexível, o informal, o amigável.
Também isso se verifica em Portugal. Um número crescente de litígios está a encontrar solução na mediação. Muitos milhares de conflitos foram já resolvidos através de recurso à mediação no âmbito dos julgados de paz, onde 30% das causas são já resolvidas desse modo, antes da fase de julgamento.
Em Dezembro, pusemos em funcionamento um sistema de mediação laboral, nascido com o apoio de todas as centrais sindicais e confederações patronais e da maior parte das empresas de referência do nosso País.
A iniciativa para a instituição de um sistema de mediação penal, que hoje aqui trazemos, surge neste contexto, beneficia já de múltiplas experiências noutros países e dá resposta a instrumentos internacionais e comunitários – Conselho da Europa (1999) e União Europeia (2001).
Acompanha, por outro lado, o movimento em curso em muitos sistemas criminais contemporâneos no sentido de valorizar o espaço da justiça restaurativa. Uma parte da criminalidade reclama a disponibilidade de instrumentos pesados e de soluções mais rígidas, mas seria socialmente contraproducente e contrário aos requisitos básicos de um direito penal liberal, estender esse programa a toda a criminalidade.
Daí que o direito penal contemporâneo tenha de promover, cada vez mais, a diferenciação das respostas e das próprias estratégias de reposição da paz social perturbada pela ocorrência dos crimes, desde o estilo não dispensável do Estado punitivo, equipado de meios pesados e contundentes, às soluções restaurativas próximas das pessoas.
A ideia de uma justiça restaurativa, que adquiriu grande força nas últimas décadas, pretende oferecer a alternativa de uma justiça de proximidade, mais participada e mais direccionada para a reparação das vítimas e para reinserção dos infractores.
A mediação, como instrumento dessa ideia restaurativa, é um processo informal e flexível, conduzido por um terceiro imparcial, que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido e os apoia na tentativa de encontrar activamente um acordo que permite a reparação — não exclusiva ou necessariamente pecuniária — dos danos causados pelo crime e sirva a restauração a paz na comunidade.
A instituição de mecanismos da justiça restaurativa poderá trazer benefícios não só à vítima e ao autor do crime, que se encontram hoje em vários países identificados, como também do ponto de vista do Estado.
As vantagens públicas situam-se num papel preventivo de futuros crimes, numa justiça mais célere, mais económica, mais informal e próxima e, em particular, na libertação dos meios de investigação e dos tribunais para o combate à criminalidade mais grave.
A ideia de uma transacção entre particulares em matéria penal conduz a uma assumida e ponderada racionalização do papel do Estado no processo penal, mas não, de modo algum, a uma demissão ou um abandono.
Tal como está configurada no sistema proposto pelo Governo, a mediação está enxertada no processo penal e não é independente deste, como acontece em alguns países.
Assim, o Estado está sempre por trás, fica sempre a assegurar que o conflito é composto e só se não for, ou não puder ser composto pelas partes, é que intervém, mas não deixa de intervir.
Este sistema está assim em consonância com a ideia da ultimo ratio da pena, representando uma modernização do sistema penal no sentido de maior flexibilidade, informalidade e economia.
Ao contrário daquelas experiências em que a mediação penal está desligada do sistema formal, na proposta do Governo está previsto um importante papel para o Ministério Público, dado que é na fase do inquérito que nos situamos.
Assim, é ao Ministério Público que fica confiada a selecção dos casos em que as finalidades preventivas podem ser adequadamente prosseguidas através da mediação, a qual, obviamente, só tem lugar se a vítima concordar.
É o Ministério Público que encaminha os processos para a mediação e que determina o momento adequado para esse encaminhamento, é o Ministério Público que controla a conformidade do acordo alcançado com a lei.
Ponderados todos os contributos e argumentos, a proposta que o Governo hoje traz à Assembleia, em especial quando comparada com soluções vigentes noutros países, é sobretudo marcada pela prudência e pela vontade de dotar esta inovação de um largo suporte político e social que desde o primeiro momento favoreça a confiança.
Na delimitação dos crimes abrangidos, nesta primeira consagração da solução, opta-se por abarcara criminalidade menos grave.
O sistema proposto é aplicável apenas a crimes contra bens jurídicos individuais, a todos os crimes particulares e a certos crimes semi-públicos — crimes semi-públicos contra as pessoas ou contra o património — desde que puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente.
Independente da natureza do crime, estão sempre excluídos do âmbito da mediação penal os crimes sexuais, crimes de peculato, corrupção e tráfico de influência — que, obviamente, sempre estariam por se tratar de crimes contra o Estado, crimes sem vítimas como se costuma dizer — mas também os casos em que o ofendido seja menor de 18 anos ou em que o arguido seja pessoa colectiva.

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Traduz idêntica preocupação a opção pela inserção da mediação penal nos serviços de mediação dos julgados de paz, com vista a fazer esta inovação beneficiar da experiência de mediação já existente nesses tribunais e potenciando uma maior adesão à mediação.
Está prevista uma primeira fase de aplicação de natureza experimental, com duração de dois anos, a decorrer num número limitado de circunscrições, tendo em vista o seu futuro alargamento. Esta fase e a sua avaliação vão ser de grande importância para o futuro do sistema de mediação penal.
Quisemos, como se disse, alargar o arco da consensualidade em torno da sua fórmula de partida na sociedade portuguesa, também a pensar em todos os que lhe vão dar vida e serão decisivos para o seu êxito.
Registamos, desde já, sinais muito estimulantes e muito esclarecedores acerca do processo de modernização social que vivemos. Eles fazem-nos acreditar que, em poucos anos, a mediação penal passará a constituir uma componente muito expressiva do nosso sistema de mediação em expansão e, ao mesmo tempo, uma presença consolidada da justiça restaurativa no âmbito do nosso sistema de justiça criminal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estando nós de acordo — e é nessa direcção que caminha o sistema da justiça — com a justiça restaurativa, a qual não é contrariada com a punição, bem pelo contrário, podem estar até associadas, a verdade é que não temos uma opinião favorável sobre esta proposta de lei. E não a temos porque consideramos que a decisão-quadro e a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa deixam uma abertura suficiente para que se escolha outro modelo de justiça restaurativa que não este que aqui está plasmado, deixam uma abertura para que seja um sistema incluído num sistema formal de justiça, e este não o é completamente. Tem um início e um fim, mas no meio há uma privatização da justiça, como, aliás, houve nos julgados de paz através da mediação.
A verdade é que a justiça restaurativa, que já nada tem da justiça restaurativa inicial das sociedades comunais e pré-estatais controladas, foi evoluindo e «desevoluindo» num outro sentido, ou seja, no sentido desta privatização, e é o próprio neo-liberalismo que apoia esta justiça fora da administração judiciária, porque corresponde a uma hipotrofia das funções soberanas do Estado e a uma correspondente hipertrofia da criminalização da crise social.
Esta justiça já não tem aquelas características que se lhe exigiam: uma justiça diferente, humanista e não punitiva.
A comunidade, também sujeito na justiça restaurativa mas sem substituir o Estado, dificilmente se aperceberá de que se encontra perante um Estado responsável, que é o contexto social típico da justiça restaurativa, em vez de um Estado opressor, que é o contexto social típico de um Estado punitivo. Ora, o que a comunidade conhece, mesmo na Europa, é um Estado cada mais opressor e que nada tem a ver com um Estado social.
Surge assim, a mediação, porque desvirtuada no contexto social que a rodeia, mais como forma de privatizar funções soberanas do Estado do que como essa tal justiça diferente, humanista, que tem de se alimentar do Estado social, que, por sua vez, se alimenta da soberania desse Estado e não da alienação de funções soberanas.
É pena que não se consiga caminhar nesse sentido. Aliás, o Código do Processo e o Código Penal, artigo 129.º, já têm a finalidade da justiça restaurativa.
Na proposta de lei, a mediação surge desinserida do sistema estatal de justiça. Por isso, a moldura penal parece-nos muito elevada para o futuro porque, a partir daí, vai alargar-se este sistema experimental e os cinco anos, conforme referiu o Sr. Procurador-Geral da República, parecem-nos muito amplos.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, pode concluir.

A Oradora: — Vou concluir, Sr. Presidente.
O que não acontece nesta proposta de lei é que esta justiça, desinserida do sistema estatal, terá de remeter-se apenas ao tratamento de delitos secundários e a incivilidades, e esta proposta envereda para uma posição maximalista que exigia a inserção da mediação no sistema estatal.
Aponto, por exemplo, a violação de segredo por funcionário, que passa a poder cair no âmbito da mediação, e até casos de subtracção de menores.
Por outro lado, há outros crimes que estão excluídos, como crimes sexuais, que cairiam muito bem na justiça restaurativa, por exemplo, os actos de importunação sexual, que foi também uma nova descoberta para os apalpões no metropolitano.

Risos.

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É verdade, isso foi discutido na Comissão!

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, terá de concluir porque se não entramos na privatização do tempo de palavra.

A Oradora: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Está, pois, por provar que os mediadores com formação, que terá de ser muito exigente e nada se sabe acerca disto, com qualquer licenciatura — se calhar em Belas Artes! —, desempenhem melhor as suas funções do que o Ministério Público e os seus funcionários.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Oradora: — Está por provar que se consigam ganhos de tempo significativos na marcha dos processos.
O que aumenta, isso sim, é a rede de controlo social com duvidosos ganhos em termos de reinserção social, porque as inevitáveis, e quase impossíveis de conter, violações à regra da proporcionalidade não deixarão de «cavar» a conflitualidade.
A proposta de lei ignora estes novos caminhos na justiça restaurativa. É que, como diz Milène Jaccoud, «Na actualidade, o sistema de justiça tem a tendência de integrar iniciativas restaurativas que se juntam às sanções punitivas sem para tanto se transformar.»

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Serrano.

O Sr. João Serrano (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei, o Governo cumpre mais um compromisso constante do seu Programa, na medida em que reforça os meios alternativos de resolução de litígios enquanto forma especialmente vocacionada para uma justiça mais próxima do cidadão.
Para isso acontecer, é preciso desenvolver novas formas de mediação e conciliação capazes de cumprir os mesmos objectivos que a justiça tradicional mas de forma mais célere e menos dispendiosa para as partes e para o Estado.
De igual modo, esta iniciativa corresponde também ao cumprimento do acordado entre o PS e o PSD no âmbito do acordo político-parlamentar para a reforma da justiça.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Escusava de lembrar!

O Orador: — A lei penal de um país e, em particular a forma como é aplicada e prosseguida, é o «espelho» da sociedade e traduz princípios civilizacionais de modo muito transparente. Por isso, tem de estar atenta às evoluções sociológicas e às novas práticas sociais.
Qualquer alteração à lei penal, substantiva ou processual, deve, por isso, ter enormes preocupações com o consenso social, que, aliás, é dinâmico.
Ora, a mediação penal é precisamente uma matéria onde se conseguiu um larguíssimo consenso social, não só em Portugal mas em toda a Europa.
Contudo, para esse consenso permanecer, a mediação penal não pode ser encarada apenas como um processo de descongestionamento dos tribunais. Também terá esse efeito relativamente à pequena e média criminalidade, permitindo a libertação de meios para a criminalidade mais grave. Mas a mediação penal é, sobretudo, uma nova forma social de resolução de conflitos, que resulta de um movimento à escala mundial de valorização da justiça restaurativa em complementaridade da justiça punitiva clássica. Com efeito, é muitas vezes mais compensadora para a vítima, mais facilmente geradora de paz social e até mais eficaz em relação ao agressor.
O consenso nesta matéria verifica-se não só no âmbito parlamentar mas na comunidade jurídica em geral.
É, na verdade, perfilhado com entusiasmo por todas as entidades ouvidas pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias no âmbito da discussão desta proposta de lei.
A proposta de lei em análise pretende criar um sistema de mediação penal assente num processo informal e flexível, conduzido por um terceiro imparcial (o mediador) que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido e os apoia na tentativa de encontrar activamente um acordo que permita a reparação, não necessariamente pecuniária, dos danos causados pelo facto ilícito, contribuindo assim para a restauração da paz social.
O sistema de mediação penal proposto cumpre rigorosamente o estabelecido no acordo parlamentar para a reforma da justiça que já referi. Assim, a mediação penal é susceptível de ser aplicada a todos os crimes particulares e a certos crimes semi-públicos (contra as pessoas ou contra o património), desde que puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão. Ficarão sempre excluídos do âmbito de aplicação da mediação penal os crimes sexuais, os crimes de peculato, corrupção e tráfico de

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influências, os casos em que o ofendido seja menor de 16 anos ou em que o arguido seja pessoa colectiva e os casos em que seja aplicável forma de processo especial sumário ou sumaríssimo.
Refira-se igualmente que a opção de isentar a mediação de custas e incluir a mediação penal no quadro dos serviços de mediação dos julgados de paz, beneficiando da experiência de mediação já existente nesses tribunais, é potenciadora de uma maior adesão à mediação.
Com esta proposta, o Governo torna mais fácil a vida dos cidadãos e a sua relação com o Estado, sem que isso signifique quebra dos seus deveres para com a comunidade.
Ao aprovarmos esta lei, contribuímos para a existência de uma sociedade civil mais autónoma e responsável, sem que isso queira dizer que o Estado se demita das suas obrigações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que introduza uma questão prévia, pois estranhei o discurso da Sr.ª Deputada Odete Santos, que mostrou tantas dúvidas, tantas dúvidas sobre a mediação penal quando, em 2001, o PCP apresentou um projecto de lei sobre os Julgados de Paz que previa um artigo próprio, do qual agora não me recordo, em que os julgados de paz tinham competência para julgar matéria penal. Porém, agora já têm dúvidas quanto à competência para mediar, o que é algo anterior ao julgamento.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas o nosso projecto de lei não tinha lá a mediação!

O Orador: — Quando as pessoas entram em contradição ficam sempre aborrecidas, mas eu compreendo!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só conta metade da história!

O Orador: — Sr. Presidente, queria ainda abordar a questão sobre o proposto regime de mediação penal.
De facto, trata-se de um verdadeiro ponto de viragem no ordenamento jurídico português, porque, como já aqui foi dito, há aqui uma intervenção do princípio do dispositivo no processo penal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A posição do Partido Social Democrata é de há muito tempo conhecida. É uma posição inteiramente favorável a esta mudança, a este moderno entendimento do dispositivo e na sua intervenção no processo penal.
O PSD sempre esteve ao lado da resolução alternativa dos conflitos, seja da mediação, seja dos próprios tribunais arbitrais, seja dos julgados de paz, nas acções declarativas cíveis, como já é, nas acções executivas cíveis, como há-de ser, no processo de natureza familiar, na resolução de litígios laborais, de forma arbitral, enfim, em todas as matérias em que isso seja possível. Já agora, porque fui eleito pelo círculo eleitoral do Porto, gostava de relembrar que era bom que houvesse um gabinete de mediação familiar nesta cidade, porque só existe em Lisboa.
Por isso, no acordo político-parlamentar que já aqui foi citado, o PSD, aliás, como o próprio Partido Socialista, teve uma palavra muito firme para manifestar que, nesse acordo, essa matéria da mediação penal fosse consagrada.
Desde logo, dissemos que deveriam ser objecto de mediação penal todos os crimes particulares, mas nenhum crime público. Quanto aos crimes semi-públicos, dissemos que iríamos ver um a um, com sensatez, prudência e rigor, quais aqueles que poderiam ser abrangidos pela mediação penal. Foi isso que se fez relativamente aos crimes que não são abrangidos pela mediação, nomeadamente os crimes de natureza sexual, de peculato, de corrupção, de tráfico de influências e designadamente quando o ofendido tenha menos de 16 anos. Repito, isto com equilíbrio e prudência.
Como disse há instantes, o PSD é um partido de reformas, mas de reformas passo-a-passo, de reformas com solidez, com consistência, mas passo-a-passo.
Por isso, em primeiro lugar, este programa vai ser lançado a título experimental, utilizando-se e aproveitando-se o quadro de mediadores existentes nos julgados de paz. Nesse sentido, a mediação penal não implica que, não se conseguindo o acordo, seja no julgado de paz que a questão seja jurisdicionalmente decidida. Não! Se não se conseguir o acordo na mediação penal, o processo será devolvido ao Ministério Público continuando a sua marcha.
É nisto que consiste a reforma passo-a-passo. E nesta fase experimental só temos de analisar qual o número de processos que vai terminar por esta via consensual, qual o número de processos que vai terminar por esta via equilibrada do consenso. É que se for proporcional ao número de processos cíveis que têm terminado nas mediações nos julgados de paz, já teremos uma grande vitória e teremos os tribunais comuns desafogados, porventura, de muitos milhares de processos-crime que estão a «afundar» os nossos tribunais.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo Sr.as e Srs. Deputados: São, pois, esses valores, os valores dos «desafogamentos» dos tribunais, da eficácia processual, da paz social, que o PSD sempre defendeu e defende.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a mediação é uma boa solução para resolver conflitos, com um duplo propósito. O primeiro propósito é ajudar a resolver casos fora dos tribunais, aliviando desta forma a pressão processual que actualmente existe nestas instâncias judiciais. O segundo propósito é contribuir para que os conflitos sejam mais bem resolvidos e de forma socialmente mais amigável para as pessoas.
Aliás, temos já boas experiências. Vejamos: 30% dos julgados de paz são resolvidos por mediação. As pessoas agradecem e o sistema judicial agradece igualmente. A mediação laboral foi criada através de um acordo progressista entre centrais sindicais e confederações patronais, promovido pelo Ministério da Justiça.
Esse acordo englobou a CGTP, a UGT, a CIP, a CAP e CTP e todas as restantes confederações patronais, e essa mediação laboral já se encontra em funcionamento.
Mas também temos mediação em centros de arbitragem de conflitos de consumo e mediação em centros de arbitragem de resolução de conflitos do seguro automóvel. Também já funciona e permite resolver mais de 50% dos processos que aí chegam. As pessoas agradecem e o sistema judicial agradece igualmente.
Gostaria de me referir especificamente ao problema da mediação penal, que foi colocado pela Sr.ª Deputada Odete Santos, e à questão do neoliberalismo que supostamente este sistema introduz.
Este sistema não introduz nenhum neoliberalismo, é um sistema bom e progressista. Tem talvez essa característica de ser um sistema progressista, e talvez por isso não agrade a quem neste momento tem posições mais conservadoras. Mas a verdade é que é um sistema bom e progressista, um sistema que permite que nas situações de pequena criminalidade, em que muitas vezes a vítima se sente mais vítima, se procure uma resposta que dê maior satisfação. É o caso da injúria, do pequeno dano, do pequeno furto, que assim podem ser resolvidos de forma próxima da vítima, de modo a encontrar uma solução que a satisfaça integralmente e na qual a vítima se sinta integralmente reparada, muitas vezes com um pedido de desculpas, muitas vezes com um pagamento, muitas vezes com uma prestação de um serviço. No fundo, são formas que permitem recompor a situação da vítima, para que esta se sinta menos vítima.
Esta é uma proposta progressista, mas não esquece a intervenção do Estado, e é muito importante referilo, Não é uma proposta neoliberal mas, sim, uma proposta progressista, e isso sim é uma boa característica.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Já disse isso para aí umas cinco vezes!

O Orador: — É uma proposta progressista com intervenção estatal, onde se tenha de intervir. E onde é que tem de se intervir? Tem de se intervir a dois níveis: em primeiro lugar, na formação dos mediadores.
A formação dos mediadores é uma formação certificada, sendo que estes mediadores têm de ser duplamente certificados por entidades credenciadas pelo Estado para dar formação de mediação e depois de mediação penal. Não é qualquer entidade que o pode fazer. São entidades credenciadas pelo Estado.
Além disso, não gostaria de terminar sem referir um outro ponto, absolutamente essencial, que é a ideia de que este sistema de mediação penal é um sistema equilibrado, que conjuga bem a intervenção do Estado com aquilo que é uma solução amigável para as pessoas e que permite satisfazer e ir ao encontro das necessidades das vítimas no processo penal.
Recorde-se que não é qualquer processo que vai para mediação penal. A Sr.ª Deputada Odete Santos disse, e é verdade, que, até ao limite de cinco anos, pode ser utilizada a mediação penal. Mas esse limite tem um outro crivo, outro limite,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): — Eu sei, eu sei!

O Orador: — … que é o de que o Ministério Público só enviará o processo para mediação penal se entender que essa é uma forma adequada de resolver o litígio. E só o é se ele entender que, desse modo, se pode responder adequadamente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir. Trata-se, portanto, de um outro crivo público, do sistema público, que permite dar mais credibilidade ao sistema de mediação penal.
Como se isto não bastasse, temos um outro factor, que é a experiência internacional de vários Estados onde sistemas de mediação penal semelhantes a este (ou, se calhar, no entender do PCP, até com características mais neoliberais) têm provado e têm provado muito bem.

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O que é facto é que, em toda esta discussão, há um consenso alargado, consenso esse que vai permitir criar um sistema de mediação penal aproximando as vítimas da resolução do conflito. No fundo, vai permitir que a situação que afectou as pessoas, as vítimas — que muitas vezes nada sabem do problema social que as afectou, que pode ser um dano, um furto, e criam um sentimento de insegurança — possa ser melhor satisfeita, fazendo com que haja mais paz social e uma melhor resolução de conflitos no nosso sistema penal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está concluído o debate, pelo que chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, com declarações políticas, a que se seguirá o período da ordem do dia, de que constará a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 340/X, 341/X, 343/X, 345/X, 354/X, 355/X, 356/X, 357/X, 358/X, 360/X, 361/X e 362/X e dos projectos de resolução n.os 177/X, 178/X e 183/X, apresentados por diversos grupos parlamentares, relativos a medidas de combate à corrupção.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Hortense Nunes Martins
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD)

António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Ribeiro Cristóvão
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
José Manuel Pereira da Costa
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português ( PCP )

Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Odete dos Santos

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS)

António Ramos Preto
João Barroso Soares
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos

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Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro

Partido Social Democrata (PSD)

Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira

Partido Comunista Português (PCP)

José Batista Mestre Soeiro

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
António José Ceia da Silva
António Ribeiro Gameiro
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão

Partido Social Democrata ( PSD )

António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Zita Maria de Seabra Roseiro

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