O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Quinta-feira, 19 de Julho de 2007 I Série — Número 107

X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JULHO DE 2007

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. — Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 225 e 226/X, das propostas de lei n.os 154 a 156/X e do projecto de lei n.º 395/X.
Em declaração política, a Sr. Deputada Helena Pinto (BE) congratulou-se com a entrada em vigor da nova lei da interrupção voluntária da gravidez e acusou o Presidente do Governo Regional da Madeira de, na Região, pôr em causa a aplicação desta lei da República.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) denunciou os obstáculos à aplicação da lei que despenalizou até às 10 semanas a interrupção voluntária da gravidez, nomeadamente as insuficiências do Serviço Nacional de Saúde e o número de objectores de consciência, e criticou a actuação da Região Autónoma da Madeira. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça (PS) e Guilherme Silva (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro (PSD) teceu críticas à política de educação prosseguida pelo Governo, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Paula Barros (PS), Diogo Feio (CDS-PP) e João Oliveira (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Miranda Calha (PS) congratulou-se com os resultados das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, realizadas no passado dia 15, e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel

Página 2

2 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Macedo (PSD), Luís Fazenda (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP).
A Sr.ª Deputada Celeste Correia (PS) fez um primeiro balanço da entrada em vigor, a 15 de Dezembro passado, da quarta alteração da Lei da Nacionalidade.

Ordem do dia. — Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 143/X — Aprova a orgânica da Polícia Judiciária, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (António Costa), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), Luís Montenegro (PSD), Fernando Rosas (BE), Sónia Sanfona (PS) e António Filipe (PCP).
Entretanto, deram entrada na Mesa os projectos de resolução n.os 227 e 228/X.
A proposta de lei n.º 145/X — Altera o Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública, foi também apreciada na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Miguel Santos (PSD), Jorge Machado (PCP), Arménio Santos (PSD), Álvaro Saraiva (Os Verdes), Pedro Mota Soares (CDSPP), Mariana Aiveca (BE) e António Gameiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas

Página 3

3 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha Almeida Pereira
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Armando França Rodrigues Alves
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro

Página 4

4 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Marcos da Cunha e Lorena Perestrello de Vasconcellos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento Diniz
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Hugo Machado da Costa Salgado de Abreu
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva

Página 5

5 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Agostinho Correia Branquinho
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Página 6

6 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bívar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Álvaro José de Oliveira Saraiva

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de resolução n.os 225/X — Remodelação integral da Sala das Sessões do Palácio de S. Bento (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes) e 226/X — Regime da edição e publicação do Diário da Assembleia da República (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na passada segunda-feira entrou em vigor, em pleno, a lei da interrupção voluntária da gravidez. O debate em torno da despenalização do aborto ocupou grande parte do tempo de discussão deste Parlamento, atravessou várias legislaturas e levou décadas a ser resolvido. Mas chegámos finalmente ao século XXI e podemos afirmar que a lei aprovada constitui um marco importantíssimo na conquista de direitos individuais e de cidadania do pós-25 de Abril.
Esta sessão legislativa fica marcada, quer queira a direita quer não queira, por um processo ímpar na nossa democracia. O referendo ao aborto mobilizou a sociedade portuguesa, permitiu a convergência de sectores alargadíssimos, na base de que era preciso acabar com uma indignidade que manchava a

Página 7

7 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

democracia.
Era preciso acabar com a situação que levava as mulheres à barra dos tribunais, era preciso acabar com os abortos clandestinos. Era preciso, enfim, retirar Portugal do rol dos países mais atrasados da Europa. Era preciso colocar Portugal do lado da civilização.
Foi isso que o povo português fez no dia 11 de Fevereiro de 2007. E fê-lo de uma forma clara e inequívoca.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Naquela noite de Fevereiro o «sim» venceu, e com ele venceram a saúde e os direitos das mulheres portuguesas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Naquela noite perdeu a hipocrisia, toda ela! Aquela que durante décadas fechou os olhos ao aborto clandestino, e portanto foi cúmplice, que ignorou a morte das mulheres, as sequelas físicas e psicológicas para toda a vida, que marcaram gerações de mulheres portuguesas. Mas também a hipocrisia mais recente, que dizia que não queria mandar para a prisão, mas queria proibir e queria esconder, e assim continuava a alimentar o aborto clandestino.
A hipocrisia foi confrontada com a indignação de um País que assistia aos julgamentos em que mulheres foram efectivamente condenadas. A vitória do «sim» foi uma derrota profunda do conservadorismo e do sistema patriarcal que teima em condenar as mulheres à submissão.
A profundidade desta derrota é tão grande que se mede também pelas tentativas desesperadas em boicotar a aplicação integral da lei aprovada e da sua posterior regulamentação. E mede-se, também, pelo ridículo. O pedido de fiscalização sucessiva que foi solicitado por alguns Deputados da direita ao Tribunal Constitucional baseia-se, entre outros pressupostos, no facto de o referendo não ter sido vinculativo.
Estranhamente, ninguém os ouviu levantar a voz quando, em 1998, ainda votaram menos pessoas para negar uma decisão da Assembleia da República.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Nada disso aconteceu agora, existindo total sintonia entre o voto popular e a maioria desta Câmara. Os derrotados do referendo queriam que se mantivesse a punição das mulheres quando ganhou o «não» e queriam que se mantivesse a punição das mulheres quando ganhou o «sim», e com muito mais votos.
Nenhum referendo teve mais de metade dos votos, mas a Assembleia da República tem sabido sempre respeitar o sentido político dado pela sociedade. Só o ressentimento com a decisão dos portugueses é que pode justificar esta proposta de Deputados que querem opor-se à escolha dos portugueses e das portuguesas.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — Temos consciência de que vão persistir resistências. Mas também podemos afirmar que a maioria dos hospitais públicos está em condições de cumprir a lei e de realizar as interrupções de gravidez que sejam necessárias, e vão realizá-las.
Estamos perante um processo completamente irreversível, por muito que isso custe ao Dr. Alberto João Jardim, que afronta as mulheres madeirenses e que as ofende com mais uma das suas «cenas».

Aplausos do BE.

O Governo Regional da Madeira já nos habituou ao seu singular entendimento da democracia. Já ouvimos quase tudo da boca de Alberto João Jardim, mas agora passou dos limites: ameaça boicotar a aplicação de uma lei da República, colocando-se do lado da ilegalidade e violando a Constituição. A lei aplica-se em toda a República, mesmo que o PSD Madeira dela discorde.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Bem pode o PSD Madeira, agora, vir dar o dito pelo não dito, recuando e dizendo que o único problema é o dinheiro. Alberto João Jardim não quer aplicar uma lei da República, porque não concorda com ela! Proclamava ele, e cito: «Na minha formação política, primeiro estão os grandes princípios da defesa da pessoa humana e só depois está o positivismo da lei escrita». E assim queria violar a Constituição.
Agora, compreendendo a enormidade do gesto e a gravidade da alegação, Jardim recua e declara que, se lhe forem dadas compensações financeiras, já aplica a lei. O apego de Alberto João ao que enuncia como sendo os «princípios da vida humana» tem um preço. Tudo se traduz em dinheiro.

Página 8

8 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Um escândalo!

A Oradora: — O preço é o do costume: o da chantagem sobre todo o País, para ver quanto é que consegue arrecadar!

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — As mulheres madeirenses têm exactamente os mesmos direitos que as outras, não existem mulheres de primeira e de segunda. Isso era no tempo em que o aborto era crime, e as de primeira podiam ir ao estrangeiro e as de segunda se sujeitavam ao aborto de «vão de escada».
Esse tempo acabou, Dr. Alberto João Jardim! Invoque todas as resistências que entender, mas a lei será aplicada na Madeira, mais cedo do que tarde, porque assim é que é a democracia a sério!

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — Com o referendo e com a nova lei, já demos o passo fundamental no fim da perseguição criminal contra as mulheres. Falta agora cumprir a lei. E a lei será cumprida.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando a Assembleia da República aprovou, ao fim de décadas de injustiça legal, a lei que despenalizou até às 10 semanas a interrupção voluntária da gravidez, já sabíamos que muitas batalhas haveria ainda a travar para que o recurso a unidades de saúde para interromper a gravidez em segurança estivesse ao alcance de todas as mulheres.
Isso mesmo ficou desde logo claro com o conteúdo da mensagem do Presidente da República, espécie de guião para a regulamentação a que os sectores que não se conformaram ainda com a despenalização do aborto se agarraram como náufrago a tábua de salvação.
Sabíamos também que o combate a este grave problema de saúde pública que é o aborto clandestino enfrentaria, como a generalidade das necessidades de saúde dos portugueses, as insuficiências de um Serviço Nacional de Saúde cada vez mais depauperado por políticas economicistas e privatizadoras.
Sabíamos ainda que, alterada a lei, havia ainda que criar as condições para que as mulheres, já não podendo ser perseguidas criminalmente, se libertassem também de uma censura social igualmente pesada e injusta que em muitas situações, contextos e regiões continua a existir, até fomentada pelas campanhas de culpabilização dos opositores da alteração da lei.
Sabíamos que, tal como procuraram fazer na campanha eleitoral, os detractores da nova lei procurariam diabolizar os gastos do Serviço Nacional de Saúde com a sua aplicação, sempre escondendo que o Estado deixará de arcar, e as mulheres também, com os enormes prejuízos e encargos das consequências do aborto clandestino.
Tudo começou com a tentativa — encabeçada, aliás, por alguns responsáveis clínicos, por sinal objectores de consciência nesta matéria — de influenciar negativamente a regulamentação da lei.

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Era a afirmação peremptória de incapacidade dos serviços de receberem mulheres fora das suas áreas de influência, procurando negar um aspecto fundamental para muitas mulheres, que é o de poderem recorrer ao aborto em hospital fora da sua área de residência.
Ao mesmo tempo, punha-se em causa a confidencialidade dos dados, dizendo que teria de haver um registo, procurando assim intimidar as mulheres receosas de conhecimento público da sua opção. Como se a confidencialidade equivalesse a ausência de registo ou anonimato perante os serviços e não, como em qualquer situação de saúde, ao dever de sigilo de todos os profissionais que lidam com o caso.
Felizmente, estas e outras tentativas não tiveram sucesso, e a regulamentação da lei e demais orientações produzidas pela Direcção-Geral de Saúde pautaram-se pelo equilíbrio e pelo respeito da lei, sendo adequadas, sem prejuízo de futuros acertos, que venham a revelar-se úteis, à sua aplicação.
A aplicação prática e a preparação dos serviços esbarrou e continua a esbarrar com incompreensões do novo quadro legal, quando não criação de obstáculos. A prestação de informações erradas e o encaminhamento indevido para outros serviços — como aconteceu, pelo menos, num caso do hospital de Setúbal, que oportunamente denunciámos — bem demonstram a incompreensão que continua a existir em muitas unidades, face à nova realidade.
Foi depois, também, o estranho elevado número de objectores de consciência ao nível da classe médica, a

Página 9

9 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

contrastar por exemplo com os 35 enfermeiros, a nível nacional, que comunicaram à respectiva ordem que se encontravam nessa situação. Sobre este aspecto, e sempre respeitando o direito à objecção de consciência, que a lei, aliás, garante, importa fazer três comentários.
O primeiro para dizer que, ao contrário do que foi insistentemente veiculado há uns dias atrás, a lei estabelece claramente que a objecção de consciência vale para todo o lado e não apenas para os serviços públicos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Diz explicitamente a lei: «Uma vez invocada a objecção de consciência, a mesma produz necessariamente efeitos, independentemente da natureza dos estabelecimentos de saúde em que o objector preste serviço».
Em segundo lugar importa dizer que é indispensável uma rigorosa fiscalização nesta matéria, bem como uma exemplar punição dos que hipocritamente objectarem no serviço público para depois aceitarem no privado.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Deve ser, deve!…

O Orador: — Aos que, como nós, sempre defenderam a despenalização do aborto, designadamente pelo acesso aos serviços públicos, repugna profundamente tal frieza negocista.
Finalmente, perante a declaração de uma espécie de objecção de consciência de algumas unidades privadas de saúde, como se a objecção de consciência não fosse uma opção estritamente pessoal e individual dos profissionais, e por isso não aplicável a uma empresa, julgamos ser exigível que esse factor seja ponderado na celebração de acordos com o Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Não se trata de obrigar essas unidades a fazê-lo. Mas já parece mais discutível que o Estado celebre uma convenção, por exemplo, na área da cirurgia obstétrica, com uma entidade que se recusa a fazer uma parte dos actos dessa especialidade.
Temos agora a questão da Região Autónoma da Madeira. Sobre ela é preciso dizer, em primeiro lugar, que se trata de um problema político e não de um problema jurídico. O que se passa é que o Governo Regional da Madeira quer obstaculizar ao máximo a aplicação da nova lei na região, que é o mesmo que dizer que quer continuar a manter as mulheres madeirenses sujeitas a indignas condições, se decidirem recorrer ao aborto, excepto, claro, as que tiverem recursos para o fazer no continente ou no estrangeiro.
A primeira e inacreditável argumentação era no sentido de não aplicar a lei, tendo em conta a pendência de pedidos de fiscalização sucessiva de constitucionalidade no Tribunal Constitucional. De tão estapafúrdia, a tese acabou por cair pela base, desmentida até por constitucionalistas que estão contra a actual lei.
Gorado este argumento, eis que surge a questão do financiamento. O Governo Regional fez publicar uma portaria em que afirma não assumir os encargos do recurso à interrupção da gravidez nos serviços de saúde regionais, encaminhando as mulheres para a linha Saúde 24. Aliás, já hoje um jornal diário relata a resposta incompreensível deste serviço Saúde 24, ao dizer que não atende mulheres da Madeira. E isto depois de, no início do mês, a Direcção-Geral da Saúde ter sugerido às mulheres que quisessem obter informação sobre a aplicação da nova lei que consultassem a linha Saúde 24.
Há coisas, portanto, que têm de ficar bem claras.
A lei é nacional, aplica-se sem excepção a todo o País e não está suspensa ou limitada na sua aplicação por qualquer fiscalização de constitucionalidade.
A lei aplica-se igualmente à Região Autónoma da Madeira e atribui às mulheres madeirenses, tal como a todas as outras mulheres portuguesas ou residentes em Portugal, a possibilidade de recorrerem a serviços de saúde públicos ou autorizados para interromper a gravidez. O Governo Regional da Madeira pode não estar de acordo com uma lei da República mas tem de cumpri-la, como todas as outras leis.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Finalmente a questão do financiamento. O Governo Regional da Madeira invoca falta de meios, o que é incompreensível perante uma questão que não terá certamente um peso significativo, que pode, evidentemente, ser negociada a seguir e que é, sobretudo, uma questão da dignidade das mulheres madeirenses. Note-se, aliás, que não se ouviu da Região Autónoma dos Açores qualquer impedimento à aplicação da lei por razões deste tipo.
Mas o Ministério da Saúde não pode continuar a hesitar nesta matéria. Tem de garantir que, tal como qualquer mulher de qualquer ponto do País, também qualquer mulher madeirense pode recorrer a uma unidade credenciada para interromper a gravidez. E tem de criar as condições para que esse recurso esteja o mais rapidamente possível disponível na Madeira, dando assim plena aplicação à lei aprovada e combatendo

Página 10

10 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

o aborto clandestino.
Certamente que a batalha pela aplicação justa e plena da lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez não ficará por aqui. Cá estaremos, sempre que for preciso, para continuar este combate pela dignidade das mulheres e pelo seu direito à saúde que tantos continuam ainda a querer negar.

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Ana Catarina Mendonça e Guilherme Silva.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, gostaria de aproveitar este pedido de esclarecimentos para saudar a intervenção feita pelo Sr. Deputado Bernardino Soares e, também, a intervenção trazida a Plenário pela Sr.ª Deputada Helena Pinto.
Queria apenas registar três notas muito simples.
A primeira é que, depois de muitos anos e de muito trabalho, a Assembleia da República aprovou uma lei boa, uma lei justa e uma lei reparadora das desigualdades criadas ao longo de vinte e muitos anos, em que a lei da interrupção voluntária da gravidez não existia.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!

A Oradora: — É por isso mesmo um marco significativo desta sessão legislativa, talvez um dos mais importantes na conquista das liberdades individuais e do respeito pela dignidade humana.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Oradora: — Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não releva apenas ao facto de ter sido aprovada a lei por esta Assembleia da República, com a legitimidade que lhe foi conferida pelo referendo, também a portaria que se lhe seguiu revela o esforço feito pelo Governo no sentido de encontrar a melhor regulamentação possível desta lei, para que ela possa ser aplicada no todo nacional.
É por isso mesmo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, incompreensível que, mais uma vez, o Dr.
Alberto João Jardim nos dê como nota da sua justiça e da sua democracia o não querer aplicar uma lei nacional, que é uma lei para todo o território, porque dela discorda. É também significativo e preocupante que o PSD, nesta Câmara, se reduza ao silêncio, como que numa atitude de conivência e cumplicidade com o Dr.
Alberto João Jardim.

Aplausos do PS.

É com estes atropelos à constitucionalidade e à legalidade que não podemos compactuar.
Talvez os Srs. Deputados do PSD se encontrem sempre de acordo com esta consciência de financiamento do Dr. Alberto João Jardim. Para nós, a consciência é a consciência da liberdade, da dignidade humana e do direito à saúde pública, direito que não pode ser negado em qualquer parte do País, mesmo que a Região Autónoma da Madeira insista em não querer aplicar a lei.
Sr. Deputado Bernardino Soares, esperemos que o Tribunal Constitucional não dê, como não vai dar, cobertura ao desejo do Dr. Alberto João Jardim.
Por tudo isto, digo e registo aqui que a cumplicidade do PSD não pode ser compatível com o que está em causa. E o que está em causa é permitir o respeito por uma lei aprovada democraticamente no Parlamento.
Esta é uma boa lei, repito. Saúdo, por isso, uma vez mais, as intervenções dos Srs. Deputados e peço ao PSD que não seja cúmplice de mais este devaneio do Dr. Alberto João Jardim.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, esta é uma matéria demasiado séria para ser objecto de demagogia e de lutas meramente político-partidárias.
Naturalmente, as leis da República são para serem observadas em todo o espaço nacional. Mas o que esperava de V. Ex.ª e das demais bancadas era que questionassem o Governo e a maioria relativamente aos dois pontos que passo a referir.
Primeiro, tendo, por via de referendo — que não era vinculativo —, sido aprovada uma lei que despenalizou o aborto, nas circunstâncias e com os limites e as condições que conhecemos, que o Governo não se tenha

Página 11

11 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

lembrado de dotar as regiões autónomas dos meios financeiros necessários para aplicar esta lei da República.
Tanto mais que a maioria tem sido bastante célere a cortar meios financeiros à Região Autónoma da Madeira, pelo que tem de pensar que, quando aprova leis que trazem encargos, deve fazer acompanhar essas leis dos meios financeiros para o efeito.
Portanto, esta é uma das questões que gostaria de ter visto aqui colocada à maioria e ao Governo da República. Naturalmente, toda a população da Madeira votou numa solução contrária, mas a lei é uma lei da República, pelo que deve ser cumprida.
Depois, há outra estranheza que tenho de trazer aqui e que é extremamente preocupante. Numa altura em que há estudos que confirmam o decréscimo demográfico em Portugal e um envelhecimento da população portuguesa, em que existe a previsão de a população do País ver-se reduzida para um quarto da actual dentro de poucos anos, e sendo este um problema do nosso futuro colectivo, não vejo uma voz, da parte de VV.
Ex.as
, a levantar-se e a defender a vida e o estímulo à natalidade!? Não vejo a voz de VV. Ex.as a colocar esta questão.
Coloco, por isso, a seguinte questão: se há disponibilidade financeira para apoiar uma vontade que resultou de um referendo e de uma lei que esta Assembleia aprovou e que temos de respeitar, não deveria haver também, da parte de todos nós, a preocupação de encontrar soluções para estimular a natalidade, como se viu ainda há pouco em Espanha, em que o governo espanhol atribuiu um subsídio à natalidade? Temos de pensar mais na vida e menos nessas situações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, quero começar por agradecer as perguntas que me foram formuladas.
Respondendo, em primeiro lugar, à Sr.ª Deputada Ana Catarino Mendonça, devo dizer que concordo com a generalidade do que disse, mas penso que há aqui uma responsabilidade do Ministério da Saúde, porque o Ministério tem de intervir, pelo menos, em três planos.
Primeiro: compete ao Ministério da Saúde clarificar que a linha Saúde 24, tal como recomendou a Direcção-Geral de Saúde, tem de responder também às mulheres das regiões autónomas para todos os efeitos, e especificamente para este da interrupção da gravidez.
Segundo: o Ministério da Saúde tem de clarificar, de uma vez por todas, que, tal como uma mulher que reside em Bragança, em Faro, em Évora, em Portalegre ou em qualquer sítio do País, as mulheres madeirenses também se podem dirigir à unidade de saúde que entenderem para procurar fazer a interrupção da gravidez. Até agora, houve hesitações do Governo nesta matéria.
Terceiro: há que clarificar a questão do financiamento, para retirarmos as mulheres deste impasse, em que também o Governo central tem responsabilidades.
Diz bem a Sr.ª Deputada da correcção da regulamentação. Aliás, a regulamentação aplica-se aos estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos e não apenas aos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, o que inclui, evidentemente, os estabelecimentos dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, que não podem ficar de fora desta regulamentação.
Sr. Deputado Guilherme Silva, percebo que V. Ex.ª queria ver aqui discutida a questão do financiamento das regiões autónomas — da Região Autónoma da Madeira — e não a da saúde das mulheres.
Já aqui trouxemos muitas vezes a questão do financiamento das regiões autónomas e até votámos contra a proposta de lei de finanças regionais a que o Sr. Deputado se referiu, mas nós não confundimos a saúde das mulheres e o direito de verem aplicada uma lei (que lhes diz profundamente respeito) também na Madeira com questões de financiamento, que, sendo importantes, não são neste momento para aqui chamadas.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — O que está em causa, Sr. Deputado Guilherme Silva, é a saúde das mulheres na Madeira e a possibilidade de poderem ter acesso à interrupção da gravidez de forma segura e acompanhada clinicamente.
O que o Sr. Deputado depois fez, mais uma vez, foi o populismo de ligar a questão da natalidade à questão da interrupção da gravidez. Vou dar uma novidade ao Sr. Deputado: as mulheres que não conseguem ter acesso à interrupção da gravidez de forma segura não têm esses filhos, vão fazer abortos clandestinamente.
Ora, a opção que o Governo Regional da Madeira está a dar às mulheres madeirenses é a de continuarem a ter o aborto clandestino como realidade, em vez de terem, como todas as outras mulheres do País, o direito a recorrer à interrupção da gravidez de forma segura e enquadrada clinicamente.
Sr. Deputado Guilherme Silva, para V. Ex.ª a saúde das mulheres madeirenses tem de ter um preço; para nós a saúde de todas as mulheres, incluindo as mulheres madeirenses, não tem preço e deve ser sempre assegurada.

Aplausos do PCP.

Página 12

12 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A acção do Governo na área da educação tem sido caracterizada por um grande desnorte. Desde o início do actual mandato que temos assistido a muitos anúncios e a poucos resultados.
Mas hoje não quero evidenciar o clima de desmotivação que se vive nas escolas, fruto dos sistemáticos e continuados ataques à nobre tarefa social que é a de ser professor.
Nem vou voltar a manifestar a indignação que partilho com milhares e milhares de portugueses que se viram prejudicados por um decisão irresponsável, discriminatória e ilegal, como foi a da repetição dos exames de Física e Química do 12.º ano apenas e só para alguns dos candidatos ao ensino superior.
Não vou ainda dissertar sobre o triste e indigno episódio do inquérito do Instituto da Droga e da Toxicodependência, autorizado pelo Ministério da Educação, em que os alunos eram questionados sobre os comportamentos sexuais dos seus pais.
Não pretendo ainda pronunciar-me sobre a conduta de uma directora regional que promove a delação, o delito de opinião, persegue politicamente funcionários e insulta autarcas em reuniões formais.
Não quero também enfatizar a recente decisão de suspender, telefonicamente, os cursos de Educação e Formação em inúmeras escolas, depois de as respectivas candidaturas pedagógicas e financeiras terem sido aprovadas pelo Ministério da Educação e em plena fase de inscrições dos alunos.
Também não pretendo referir-me ao que está a passar-se em municípios de norte a sul do País, onde, semanas após a homologação das respectivas cartas educativas, o Ministério da Educação decide encerrar escolas que deveriam manter-se abertas,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Tal e qual!

O Orador: — … fazendo tábua rasa de um instrumento fundamental no ordenamento da rede educativa.
Poderia ainda referir-me ao saneamento da Associação de Professores de Matemática da Comissão de Acompanhamento do Plano da Matemática, onde estes, apenas por discordarem de parte de uma declaração da Sr.ª Ministra, foram pronta e diligentemente afastados por um zeloso director-geral. Infelizmente, os desastrosos resultados dos exames do 9.º ano, bem piores de que os do ano anterior, deram razão a algumas das críticas que a Associação fez.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muitos são os episódios protagonizados, ao longo de mais dois anos, pela equipa que gere o Ministério da Educação.
Confrontados com estas questões, sistematicamente, a resposta não existe. O Ministério da Educação é lesto a responsabilizar os demais agentes educativos, mas nunca assume as suas responsabilidades nem os seus erros.
Hoje, Sr.as e Srs. Deputados, limito-me, em nome do PSD, a denunciar nesta Câmara os paradigmáticos episódios dos últimos dias que têm causado – também estes – tantos danos e tantos prejuízos a milhares e milhares de jovens portugueses. Falo-vos de dois tristes casos.
Em primeiro lugar, os erros em mais um exame do 12.º ano. Neste caso aconteceu no exame de Biologia.
Há uns dias atrás, tinha sido no de Física e Química.
Trata-se de uma situação muito grave, muito grave, pois estão em causa as expectativas de muitos – de milhares – jovens, que se encontram a viver um momento determinante e decisivo das suas vidas. E, nesta hora fundamental, a resposta do Estado é a pior possível. Trata a vida destes jovens com leviandade, com erros e, no fundo, com desrespeito.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — É inadmissível esta situação. É confrangedor a incompetência. É lastimável a falta de responsabilidade política.
Em segundo lugar, Sr.as e Srs. Deputados, o processo de candidaturas ao ensino superior. O País tem assistido estupefacto à incompetência do Governo e, pior do que isso, milhares de jovens, num dos momentos mais marcantes da sua vida, estão a sofrer com essa mesma incompetência.
Voltou a cair a «máscara» ao Governo da propaganda, do PowerPoint, ou do plano tecnológico. Os jovens que querem candidatar-se ao ensino superior estão, há várias semanas, impedidos de o fazer por via electrónica. O Governo limitou-se a suspender essas candidaturas e a adiar prazos, lançando um clima inaceitável de incerteza e de insegurança em milhares e milhares de famílias portuguesas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Este flop deveria envergonhar os responsáveis governativos, porque este fracasso é causa de danos e prejuízos para muitos portugueses.

Página 13

13 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Perante tudo isto, vale a pena perguntar onde param o Sr. Primeiro-Ministro, a Sr.ª Ministra da Educação ou o Sr. Ministro do Ensino Superior.
O Primeiro-Ministro é muito rápido a aparecer nas acções de propaganda, mas é ainda mais rápido a fugir, a desaparecer, quando se trata de assumir responsabilidades.

Aplausos do PSD.

Os portugueses lembram-se do que disse o Eng.º Sócrates e tantos outros responsáveis socialistas, quando, num governo anterior, surgiu um problema informático que prejudicou a colocação de professores, precisamente nesta altura do ano. E agora? Onde está esse Partido Socialista tão aguerrido e tão lesto a exigir responsabilidades?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há milhares de jovens e milhares de famílias portuguesas que sentem na pele os efeitos do desnorte deste Governo socialista. Mas, perante todos estes casos, não ouvimos um pedido de desculpas, não vislumbramos um reconhecimento do erro, não vemos um único gesto de humildade. Da parte do Governo apenas assistimos àquela que é já a sua imagem de marca: arrogância, prepotência, desrespeito pelos portugueses.

Aplausos do PSD,

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Paula Barros, Diogo Feio e João Oliveira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Barros.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, não deixa de ser com algum espanto que ouvimos hoje aqui esta sua intervenção, quando, há poucos dias atrás, tivemos a presença da Sr.ª Ministra da Educação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que respondeu a um conjunto de questões que o Sr. Deputado aqui levantou, o que só nos permite concluir que V. Ex.ª usou este «palco» para se servir, mais uma vez, da educação para fazer política de uma forma demagógica e populista.

Aplausos do PS.

O Partido Socialista não pactua com este tipo de política, com este tipo de exercício da política. Não se brinca com a educação, não se brinca com os jovens e com os professores a este nível!

Vozes do PSD: — É verdade! É verdade!

A Oradora: — Aliás, entendemos bem que o Partido Social Democrata tenha necessidade de desviar as atenções daquilo que, realmente, o preocupa e use uma forma demagógica e populista de esconder as suas reais preocupações, que têm a ver com a vossa organização interna.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, querer lançar aqui a confusão sobre o que se passa ao nível da educação em Portugal faznos lembrar, de facto, um concurso de professores de má memória,…

Protestos do PSD.

… que, esse sim, lançou a confusão…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Mais grave do que isso são os erros das provas!

A Oradora: — … e alastrou-a durante muito tempo, não permitindo um equilíbrio ao nível das instituições educativas.
O Sr. Deputado devia ter começado exactamente por aí. Devia olhar para a estabilidade que neste momento este Governo proporcionou aos professores, aos alunos e às instituições escolares, implementando o concurso plurianual de professores, que decorreu com normalidade, o que permite às escolas conhecerem exactamente os recursos com que contam para poderem programar as suas actividades lectivas para os anos seguintes.
Além do mais, Sr. Deputado, era importante que se tivessem preocupado também com as escolas, com os professores e com os alunos, fazendo aquilo que o Governo tem vindo a fazer, que é a generalização das

Página 14

14 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

provas de aferição e a devolução dos resultados às escolas, como forma de as escolas se poderem organizar, no sentido de olharem para o futuro de uma forma positiva e de encontrarem as melhores estratégias para garantirem o que o Partido Socialista defende, que é a elevação real dos resultados escolares dos nossos alunos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não podem fazer isso com provas erradas!

A Oradora: — Sr. Deputado, é nisso que deve centrar a sua atenção! Até porque já temos alguns resultados. Sabe que, em educação, é fundamental que haja estabilidade nas políticas e, acima de tudo, que haja convicção nas políticas e elas sejam direccionadas para o que verdadeiramente interessa.
Ora, o que interessa ao Partido Socialista, e daí apoiarmos o Governo naquilo que está a fazer, são os resultados dos nossos alunos, os resultados do sistema educativo, no sentido de que a elevação da qualificação dos portugueses seja o verdadeiro objectivo da escola pública em Portugal, para que consigamos gerar, através da elevação da qualificação dos portugueses,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não chega lá com estas provas!

A Oradora: — … os níveis de competitividade que Portugal necessita e que, com certeza, vai conseguir alcançar. É com medidas de política activas e positivas e não com a visão negativista que, recorrentemente, o Sr. Deputado…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Concluo já, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, isso consegue-se com medidas de política activas e positivas e não com a visão negativista que, recorrentemente, o Sr. Deputado traz a este Plenário, mas que, com toda a certeza, não dará frutos, porque, felizmente, quem está a orientar os destinos da educação em Portugal não é o Partido Social Democrata nem, muito menos, o Sr. Deputado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, pela sua intervenção e, aliás, por tudo o que vai sendo conhecido a nível da política de educação em Portugal, nós bem podemos aferir que ela se transforma numa política de casos, casos e mais casos, sempre de pequenos casos, que quase formam uma triste novela que vai acompanhando os nossos alunos.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — De qualquer forma, quero dizer-lhe que está de parabéns pelo tema que trouxe a debate. E está de parabéns, desde logo, porque obrigou a uma reacção do Partido Socialista em matéria de política de educação.
Ficámos a saber que o Partido Socialista não pactua com discursos demagógicos e populistas. Ainda bem! O Partido Socialista pactua é com erros em exames…

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Muito bem!

O Orador: — … e com candidaturas que não podem ser apresentadas.

Aplausos do PSD.

Também ficámos a saber que o Partido Socialista continua muito preocupado com a política do passado.
Nós estamos mais preocupados com o futuro dos nossos alunos. E mais (até lhe vou pedir aqui algum auxílio, Sr. Deputado): ficámos a saber que as políticas deste Governo são activas e positivas. Não sei o que é que serão as políticas passivas e negativas…

A Sr.ª Paula Barros (PS): — São as vossas!

O Orador: — O Sr. Deputado, sabe dizer-me quais são estas políticas activas e positivas? Já agora, vamos falar um pouco de política de educação, porque, há aproximadamente quatro minutos, não ouvimos falar dela.

Página 15

15 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Sobre a questão dos exames, o Sr. Deputado não considera que temos de terminar com exames de 16 páginas, como aqueles que aparecem a Física e a Química, que perguntam toda a matéria e em relação aos quais não se consegue compreender o critério? O Sr. Deputado não considera que se deveria terminar com o conceito de exame de autor, isto é, aquele exame que, depois, tem erros de natureza subjectiva, dando origem a grandes discussões entre a comunidade em relação às perguntas que nele constam? O Sr. Deputado não acha que, de facto, tem de se aferir a qualidade dos exames? Não seria de pensar, por exemplo, numa solução, como acontece nos Estados Unidos, de criação de uma grande base de dados de exames, que podem ser testados todos os anos,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … criando, assim, critérios de natureza objectiva para os mesmos? Senão, continuamos a assistir àquele discurso que, a certa altura, se confunde com o discurso anti-exame: como os resultados são muito maus, o melhor é não os fazer! Vamos continuar a aferir, vamos continuar a fazer aquelas provas que não contam para rigorosamente nada, vamos continuar a avaliar não avaliando. Será esse o futuro que deve ter a nossa educação? Será que deve ser esse o futuro para os nossos alunos? Evidentemente, parece-nos que não.
Parece-nos que este Governo está a cair em erros sucessivos em matéria educativa, a enredar-se em casos, mas gostaríamos muito de saber qual a opinião do Partido Social Democrata sobre esta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, a sua intervenção de hoje trouxe-nos de volta o desafio de fazer um balanço deste ano lectivo.
Na semana passada, já tivemos oportunidade de o tentar fazer com a Sr.ª Ministra da Educação, mas, infelizmente, não fomos capazes. A fuga da Sr.ª Ministra à necessidade de fazer tal balanço prende-se com o facto de este ano ter sido demolidor e ofensivo em relação à escola pública e ao direito à educação,…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Exacto!

O Orador: — … bem como de profundo desrespeito pelas regras democráticas por parte deste Ministério da Educação.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Neste balanço do ano lectivo, importa destacar três notas.
A primeira é que, este ano, estivemos perante um ataque desbragado, despudorado e de uma dimensão dificilmente antes vista aos docentes, à função docente e às suas condições laborais. Como exemplos, posso referir a aprovação do novo estatuto da carreira docente e o que se passa, hoje, nas escolas do nosso país relativamente às ofertas de escola, com milhares de docentes a serem sujeitos a regras profundamente erradas e de grande precariedade, ou ainda o novo regime de concurso para professor titular ou das actividades de enriquecimento curricular que, por exemplo, sujeitam licenciados em Física e Química a leccionarem aulas de Música como actividades de enriquecimento curricular.
Temos, pois, no ano lectivo corrente, uma primeira nota de degradação das condições do exercício da profissão dos docentes e fica a noção de que esta é uma opção do Governo e do Ministério da Educação, porque a alavanca com que se destrói o edifício da escola pública é, em primeiro lugar, a da desmoralização e do ataque aos docentes, aqueles que, todos os dias, têm de construir esta escola.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Orador: — A segunda nota tem a ver com a destruição da rede escolar. De facto, ao contrário do que a Sr.ª Ministra quer fazer crer, o ano lectivo que passou foi o ano do agravamento da destruição da rede pública de ensino.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Na semana passada, confrontámos a Sr.ª Ministra com um relatório de um serviço do próprio Ministério da Educação, que apontava para o encerramento de 45,7% das escolas do 1.º ciclo até 2009, informação que a Sr.ª Ministra inicialmente negou, chegando a colocar em dúvida a origem daqueles dados.
Contudo, quando confrontada com o facto de aqueles dados resultarem de um relatório de um organismo do Ministério da Educação, concluiu que, afinal, já não se tratava de dados de origem duvidosa mas, sim, de um

Página 16

16 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

documento de trabalho, não de um relatório! A verdade é que continuam a encerrar escolas por todo o País, sobretudo no interior do País, deixando aquelas regiões em dificílimas condições para garantirem o seu desenvolvimento e a manutenção da sua população, dando, com isto, uma fortíssima «machadada» na possibilidade de assegurar o direito à educação em condições condignas àquelas populações.
A terceira nota, que tem a ver, obviamente, com as duas anteriores, é a do registo de prepotência e de arrogância do Ministério da Educação. Exemplos disso são os casos já citados da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) ou da Associação de Professores de Matemática, bem como os processos negociais levados a cabo com as várias organizações sindicais, além do desrespeito manifestado pela Sr.ª Ministra da Educação, comentando uma decisão do Tribunal Constitucional que punha em causa a constitucionalidade de uma medida tomada pelo seu Ministério.
Se, nalguns destes exemplos, estamos perante uma tentativa de impor «a lei da rolha», noutros estamos perante uma tentativa inadmissível de sublevar as regras democráticas e de subverter o que deve ser o respeito, por parte do Governo, pelas decisões dos órgãos de soberania — os tribunais.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isso mesmo!

O Orador: — Esta é uma atitude inadmissível que não pode estar desligada, de maneira alguma, do conteúdo das opções políticas que são tomadas pelo Governo, porque é esse conteúdo que obriga a Sr.ª Ministra a adoptar esta postura, uma postura de quem está perfeitamente incomodado por saber que as medidas que toma apontam no sentido da destruição da escola pública e da negação do direito à educação, uma conquista de Abril prevista na nossa Constituição, mas que a Sr.ª Ministra e este Governo teimam em pôr em causa!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados Paula Barros, Diogo Feio e João Oliveira, começo por agradecer as vossas questões que, desde logo, são o primeiro sintoma de que as coisas não vão bem, sobretudo porque esteve presente um membro do Governo responsável pela gestão destes dossiers e a maior parte de nós saiu perfeitamente insatisfeita com as respostas que nos foram dadas.
Gostaria de começar por tentar responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado João Oliveira, dizendo o seguinte: de facto, já aqui travámos várias vezes debates relativos a matérias que dizem respeito à carreira dos professores, ao clima que está instalado nas escolas e aos prejuízos que daí advêm. Em suma, a Sr.ª Ministra da Educação elegeu, como alvo prioritário, «bater» na classe docente — tem sido assim, há mais de dois anos. É óbvio que os principais prejudicados não sou eu, nem o Sr. Deputado João Oliveira, nem a Sr.ª Deputada Paula Barros, mas, sim, os jovens alunos das escolas…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — … que, objectivamente, perdem qualidade nas condições de ensino, piorando, desta forma, o seu desempenho.

Aplausos do PSD.

O mesmo se passa em relação às questões da rede escolar. Como já tive oportunidade de dizer, no mínimo é estranho ou, se quiser, sui generis, que o Governo vá, sistematicamente, aprovando e homologando Cartas Educativas com municípios de norte a sul do País e, semanas depois, rasgue numa qualquer «gaveta obscura» esses documentos e comece, indiscriminadamente e sem qualquer justificação, a fechar escolas que, supostamente e conforme a Carta Educativa, não deveriam estar fechadas! Sobre isto o Partido Socialista nada respondeu.
Sr. Deputado Diogo Feio, queria agradecer-lhe igualmente as questões que colocou, mas gostaria de dizer que sinto alguma dificuldade em reconhecer e despistar as políticas activas e positivas.
De facto, o que temos verificado, ao longo de mais de dois anos, é que há um conjunto de anúncios muito interessantes, há algumas medidas que, quando apresentadas, colhem claramente a nossa opinião favorável; mas depois, quando vemos o que se passa na prática, verificamos exactamente o contrário. Basta visitarmos um conjunto de escolas que seja representativo do que se passa de norte a sul do País para concluirmos que se passa exactamente o contrário: encontramos pais desanimados, alunos desanimados e professores desanimados. Ora, isto é claramente tudo menos uma política activa e positiva!

Página 17

17 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Protestos do PS.

Relativamente à questão dos exames, que debatemos recentemente, torna-se por demais evidente que os exames têm de ser uma peça no meio de um processo de avaliação.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — É fundamental que o sejam! O Partido Socialista e o Governo gostem de dizer que não querem exames mas, sempre que há um resultado de um exame com 0,1 valores acima do do ano passado, logo vêm publicitar esse resultado!

Vozes do PSD: — Exactamente!

Protestos do PS.

O Orador: — Não deixa de ser uma grande incoerência que vale a pena registar.
Respondendo à Sr.ª Deputada Paula Barros, não percebo qual é o seu espanto. Eu é que fiquei realmente espantado com as questões que me colocou, porque o facto de a Sr.ª Ministra ter estado no Parlamento há uma semana atrás (faz exactamente hoje oito dias) não significa que a política de educação tenha «fechado».
Bem pelo contrário! Desde logo, apesar de termos estado a debater estas questões com a Sr.ª Ministra durante quatro horas e meia,…

Vozes do PSD: — Nada! Zero!

O Orador: — … a maior parte das questões levantadas pelo PSD e por Deputados de outros partidos não foi respondida. As questões foram sendo «empurradas para debaixo do tapete», até um dia destes!…

Vozes do PSD: — É uma vergonha!

O Orador: — Para além disso, Sr.ª Deputada, o mundo não parou!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Viu-se, no domingo passado!

O Orador: — Ao contrário do que a Sr.ª Deputada pretende afirmar, os erros continuaram nesta última semana.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Referi-me, pois, a casos concretos que decorreram exactamente de há oito dias para cá! Só que, relativamente a isso, a Sr.ª Deputada não disse rigorosamente nada. É pena! Os erros nos exames são uma realidade preocupante e penso que o Partido Socialista devia reflectir sobre eles.

Vozes do PSD: — Claro!

O Orador: — Sabe porquê, Sr.ª Deputada? Porque há um ano atrás surgiu o mesmo problema.
Infelizmente, a situação é recorrente. E o que é que a Sr.ª Ministra disse acerca disto? Disse que ia fazer uma avaliação…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Vê-se!

O Orador: — … e que, depois, viria esclarecer por que é que os exames correram mal.

Vozes do PSD: — Por que é que foi?!…

O Orador: — A Sr.ª Deputada conhece os resultados dessa avaliação? Parece-me que mais ninguém conhece! Só se for a Sr.ª Deputada Paula Barros… Desde então, mais uma vez, numa táctica de «varrer o pó para debaixo do tapete»,…

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É isso!

O Orador: — … o Ministério da Educação nunca mais falou no assunto. É por isso que aqui estamos hoje, Sr.ª Deputada. Há milhares e milhares de jovens que não têm culpa deste desnorte, há milhares e milhares de

Página 18

18 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

famílias que não são responsáveis por isto!

Aplausos do PSD.

Lamento profundamente que, mais uma vez, o Partido Socialista não seja capaz de, nesta matéria, se substituir ao Governo…

Protestos de Deputadas do PS.

… e ter um gesto de humildade democrática: assumir os erros e pedir desculpa às pessoas.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Isso mesmo!

O Orador: — De facto, é lamentável que não o faça, Sr.ª Deputada.
No que se refere ao acesso, julguei que a Sr.ª Deputada ia explicar como é que o plano tecnológico está cumprido em quase 100% e permite situações como as que passo a referir.
Veja bem a seguinte situação: no final do seu percurso escolar, 100 jovens adultos habituados a lidar com as tecnologias de informação querem fazer as suas candidaturas ao ensino superior, mas o site não está online, está offline. Todos os dias?! A resposta que lhes é dada é a de que «vamos alargar o prazo para dia 3 de Agosto». Pode ser que isto passe e que ninguém fale… Não, Sr.ª Deputada, está enganada! Nós estamos aqui para denunciar estas situações,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — … porque nos envergonham enquanto País…

O Sr. Presidente: — Pode concluir, Sr. Deputado.

O Orador: — … e, sobretudo, porque prejudicam os jovens e as famílias. Eram esses que o Partido Socialista e o Governo deveriam ter em consideração e a quem deveriam pedir desculpa!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Miranda Calha para proferir uma declaração política, importa dar notícia à Câmara de iniciativas legislativas que entretanto deram entrada na Mesa, pelo que peço à Sr.ª Secretária que nos dê conta das mesmas.

A Sr.ª Secretária (Rosa Maria Albernaz): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as propostas de lei n.os 154/X — Estabelece os princípios, as normas e a estrutura do Sistema Estatístico Nacional; 155/X — Aprova a abertura de um concurso excepcional de recrutamento de magistrados para os Tribunais Administrativos e Fiscais; 156/X — Regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários; e o projecto de lei n.º 395/X — Elevação da vila da Senhora da Hora à categoria de cidade (PCP).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desejo, em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, saudar desta tribuna o novo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. António Costa.

Aplausos do PS.

Desejo também saudar o Secretário-Geral do Partido Socialista, José Sócrates, pela vitória socialista nas eleições intercalares que tiveram lugar neste município: no passado domingo, o PS obteve a confiança dos lisboetas.

Aplausos do PS.

Encerrou-se um capítulo da gestão autárquica, caracterizada pela instabilidade, gestão ruinosa, derrapagem financeira e conflitos constantes. Com estas eleições, abriu-se um ciclo de mudança. Os lisboetas votaram na mudança para que a sua câmara municipal passe a ter um rumo, uma responsabilidade, uma

Página 19

19 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

gestão rigorosa…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — … e, acima de tudo, para que vejam os problemas resolvidos e para que terminem os impasses e bloqueamentos que levaram a cidade ao estado em que se encontra.
A capital do País não podia mais ficar para trás. Lisboa é importantíssima no esforço que todos temos de realizar para o crescimento económico do País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — As campanhas eleitorais desenrolaram-se normalmente, mas enganaram-se aqueles que pretenderam fazer destas eleições um plebiscito contra o Governo. Todos na oposição — uns mais, outros menos — tentaram, por variados meios, aproveitar as eleições para condenar o Governo e daí poderem tirar proveito eleitoral.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Grande lata!

O Orador: — A população não foi nisso.
O CDS desceu de 5,92%, em 2005, para 3,70%, em 2007. Ficou sem representação na Câmara, um resultado que se pode dizer histórico.
O PCP/PEV, o sector político que mais protagonizou a campanha centrada na condenação do Governo, desceu de 11,42% para 9,53%. A custo elegeu o seu segundo vereador — valeu-lhe a abstenção.

Risos do PCP.

O PSD foi de longe o mais penalizado: de 42,43%, em 2005, passou para 15,74%, em 2007 – uma pesada derrota.
Os lisboetas não perdoaram aos responsáveis de crise camarária. Os lisboetas, aliás, reconheceram aqueles que originaram a convocação de eleições intercalares para a saída da crise e penalizaram o principal responsável por aquilo que aconteceu na Câmara Municipal de Lisboa, o PSD.
O líder do PSD, Dr. Luís Marques Mendes, tem ilações a tirar. A sua presidente da distrital já o fez, promovendo eleições e não se recandidatando.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Está distraído!

O Orador: — É que a crise da câmara está relacionada com o que tem levado o partido para situações como esta: o maior partido da oposição afirma-se, hoje, factor de instabilidade,…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — … não apresenta alternativas, não lança ideias ou propostas, navega tão-só e muitas vezes na pequena política. Certamente, não é este o destino do primeiro partido da oposição, geralmente considerado como alternativa de governo.
O final do governo do PSD em 2005 e o final da câmara do PSD em 2007 cruzam-se no horizonte como denominadores comuns de uma área política com responsabilidades, mas que parece não querer encarar os problemas nem, muito menos, propor alternativas. O PSD parece apostado em ser — e é hoje — tão-só um partido de instabilidade.
Mas, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, enganaram-se ainda nesta campanha aqueles que procuraram «lançar lama» sobre os outros para atingir fins políticos. Também não resultou e a população de Lisboa disse não a tudo isso.
Os lisboetas deram a sua confiança a quem fez uma campanha séria, apresentou programas e anunciou medidas e deram igualmente apoio àqueles que, por si próprios, são geradores de confiança pelo que fizeram no passado, pelo modo como preencheram as funções em que foram investidos, ou que pelas suas carreiras profissionais se souberam destacar e afirmar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há ainda outras reflexões a retirar deste acto eleitoral. Uma delas tem que ver com a abstenção.
Relembro que em 2005 a abstenção foi de 47,35%. Tiveram, então, lugar eleições para as autarquias locais no todo nacional.
Em 2007, nestas eleições intercalares e só para a Câmara Municipal de Lisboa, a abstenção subiu para 62,61%: foi de 47% em 2005 e de 62% em 2007.
Penso que o nosso sistema político deve reflectir sobre a participação cívica em actos eleitorais.

Página 20

20 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Deve reflectir sobre o vosso candidato!

O Orador: — Todos somos responsáveis, todos devemos contribuir para o prestígio do sistema democrático e para a participação mais empenhada e mais interessada de todos os cidadãos nas actividades públicas e políticas.
A outra reflexão tem a ver com a arquitectura do nosso poder local.
Tivemos eleições para a Câmara Municipal e por isso pareceria lógico que, pelo menos, a Assembleia Municipal também fosse outra, porquanto foi escolhida e composta com base no programa eleitoral da Câmara, dissolvida. Mas não é assim, como todos sabemos.
Também penso que deverá haver uma reflexão e este deverá ser o momento de pensarmos sobre o funcionamento da Câmara Municipal, que não deve ser mais parecido com o de uma assembleia de debate político mas com o de um verdadeiro executivo, a cumprir, a executar o programa sufragado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já estamos a ver!

O Orador: — Sobre esta matéria, penso que temos que reflectir e que indiciar propostas no sentido de resolver esta problemática da arquitectura do poder local.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Lisboa escolheu a mudança, confiou no PS para governar.
Em 2005, a nível nacional, foi dado um mandato ao PS para governar Portugal, fazer as reformas necessárias, pôr ordem nas contas públicas, modernizar o País. O Governo está a cumprir o seu mandato e a fazer aquilo que muitos anunciaram mas nunca conseguiram cumprir.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — O Governo, muito embora o seu empenhamento na Presidência da União Europeia, não abranda no ritmo das reformas, e ainda nesta semana, nesta mesma Casa, se aprovarão reformas importantes nas áreas da soberania — educação, ordenamento do território e Administração Pública.
Em 2007, o povo de Lisboa deu a vitória ao PS, para que haja um rumo para a cidade, para o município. O PS, referência de estabilidade no passado e no presente, apresentou um programa e uma equipa, mas, mais do que tudo, o PS apresentou a Lisboa um candidato a presidente da Câmara Municipal. Lisboa, a partir de agora, tem um presidente da Câmara que é responsável, que é executivo e que, certamente. procurará dar o melhor pela cidade de Lisboa, pela capital do nosso país.
Boa sorte, António Costa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Dou a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, começo por felicitar o Dr.
António Costa e o Partido Socialista pela vitória alcançada no passado domingo.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Felicito o Dr. António Costa e o Partido Socialista por uma vitória alcançada numas eleições intercalares, numas eleições, de resto, atípicas realizadas no passado domingo.
Atípicas, porque ocorreram a meio de um mandato autárquico; atípicas, porque se verificava na Câmara Municipal de Lisboa uma situação de bloqueio e de ingovernabilidade; atípicas, porque a Câmara, que esteve em funcionamento até ao passado domingo, com esta situação de bloqueio e de ingovernabilidade, não conseguia responder às exigências dos cidadãos a quem se destina a sua acção, não conseguia, com eficácia e com eficiência, resolver os problemas de Lisboa.
O Partido Social Democrata, neste processo, assumiu as suas responsabilidades. Tivemos, nesta campanha eleitoral e nestas eleições — julgo que isso é pacífico para todos — situações políticas objectivas muito difíceis. Assumimos as nossas responsabilidades.
Quero dizer aqui, nesta circunstância, que repetimos aquilo que dizemos desde há muito tempo: nós não queremos ganhar eleições a qualquer preço e nós não queremos agarrar-nos aos lugares a qualquer preço.
Estas foram eleições atípicas,…

Protestos do PS.

… tão atípicas que, nestas eleições, houve quase 63% de abstenção; tão atípicas que o candidato vencedor teve 11% dos votos dos cidadãos eleitores inscritos no recenseamento em Lisboa; tão atípicas que o

Página 21

21 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

candidato vencedor teve menos 20 000 votos do que o seu companheiro de partido, que há dois anos perdeu as eleições em Lisboa;…

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — O nosso candidato ganhou, não ganhou?!

O Orador: — … tão atípicas que deram o resultado que deram.
Aquilo que nós aqui queremos dizer é o seguinte: assumimos por inteiro as nossas responsabilidades.
Estas eleições ocorreram em face de uma situação objectiva de bloqueio e de ingovernabilidade na Câmara Municipal de Lisboa.
Tivemos um mau resultado nestas eleições, mas não quero aqui também, neste momento, deixar de dar uma palavra de fortíssimo incentivo ao candidato do Partido Social Democrata que, com enorme coragem, enorme determinação e granjeando o respeito e a simpatia dos lisboetas, conseguiu fazer uma campanha de grande dignidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, é incontestável a vitória do Partido Socialista por maioria relativa de mandatos, tão incontestável como as derrocadas das várias direitas.
Tudo isso resultou muito claro do sufrágio intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa e, infelizmente, não para a Assembleia Municipal de Lisboa.
É, igualmente, incontroversa a conservação de posições dos outros partidos políticos à esquerda e a emergência, no quadro municipal, de uma lista de cidadãos, que teve uma votação significativa e que reforça globalmente à esquerda a composição do Executivo municipal.
Creio que esta é uma leitura absolutamente pacífica dos resultados.
Mas aonde não posso acompanhá-lo é na leitura um pouco estridente e um pouco comicieira com que iniciou a sua intervenção, tentando retirar dividendos de uma leitura nacional destes resultados em Lisboa, exactamente aquilo que o candidato António Costa dizia que não queria fazer. António Costa dizia: «Atenção, votem para a Lisboa. Não estão a votar para o Governo, estão a votar para Lisboa». Ele lá sabia porquê!?… Agora, vem o Sr. Deputado Miranda Calha fazer uma leitura nacional dos resultados, aliás, permita-me, e sem acinte, bastante desastrada, porque lá foi citando as perdas de votos do todos os outros partidos e esqueceu-se da perda de votos do Partido Socialista, o que mostra que se quer capitalizar isso para o Governo está a capitalizar em baixa e com pouca cotação.
Portanto, por aí, de facto, não acertou e não convencerá nem esta Câmara nem o povo português! Mas, Sr. Deputado Miranda Calha, se é insofismável que a abstenção tomou um valor elevado e muito disso se deverá ao estado a que chegou a Câmara Municipal de Lisboa, nomeadamente de confusão, de promiscuidade com negócios, de absoluta indeterminação da sua autoridade, ou seja, a tudo aquilo que, na linguagem popular, se encara como um «nojo» — e, não tenhamos a menor dúvida, esse «nojo» provocou um défice na participação eleitoral, e essas são lições que todos os responsáveis políticos devem partilhar —, talvez me consiga explicar por que é que, ao longo da campanha eleitoral e aquando da saída dos resultados eleitorais, o candidato e agora Presidente da Câmara, António Costa, fez, enfim, uma paz tácita com o anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Carmona Rodrigues, que deixou a Câmara no estado absolutamente lastimável em que deixou!? Será que, pelo «tacticismo» político, importava apenas combater o PSD, que, aliás, estava já em estado «comatoso»?! Mas nós temos algum imperativo ético nisto. É preciso fazer o corte, a ruptura, tentar demonstrar que uma nova maioria pode vir a significar um ciclo de políticas novas na cidade.
Pois bem, na sua intervenção, não ouvimos aqui críticas ao Eng.º Carmona Rodrigues e não as ouvimos de António Costa. Continua esse silêncio e essa perplexidade.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Pois é!

O Orador: — E essa paz tácita não é boa para Lisboa, se queremos um novo rumo na cidade de Lisboa.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Orador: — Mas a sua intervenção deixou lá por debaixo a mensagem que verdadeiramente e como Secretário do PS para o sector autárquico quer providenciar na Assembleia da República, que é, aliás, um compromisso do seu grupo parlamentar! Os desavindos de ontem nas eleições municipais de Lisboa serão os aliados de amanhã aqui, no que respeita a uma nova lei eleitoral para as autarquias locais.
Aquilo que lhe faltou dizer, Sr. Deputado Miranda Calha, confirme-me ou não, é que já não querem fazer mais nenhuma eleição directa e personalizada da lista de câmara nem em Lisboa nem em qualquer outra

Página 22

22 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

cidade do País e que pretendem, por via administrativa, eleger a Câmara Municipal no seio da Assembleia Municipal e terminar com as eleições directas dos executivos municipais. Ou seja, com menos votos conseguir mais facilmente maiorias nos executivos.
E é essa pergunta que aqui lhe deixo, porque a esboçou na sua intervenção. Mas ela é gravíssima do ponto de vista da distorção democrática. Se a leitura que o Partido Socialista tira do fenómeno da abstenção na cidade de Lisboa é a de tornar as leis eleitorais mais restritivas, se é essa a lição que tira, devo dizer-lhe que, com menos democracia, não se combate a abstenção!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Orador: — A abstenção combate-se com mais democracia, mais transparência e maior participação!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, compreendo a euforia com que analisa os resultados que deram a vitória ao Partido Socialista, no último domingo, para a Câmara Municipal de Lisboa. Afinal de contas, o Partido Socialista passou a ter a presidência de uma câmara, a Câmara da capital, coisa que até ao momento não detinha.
Por isso mesmo, a primeira palavra que quero expressar é de saudação ao Dr. António Costa e ao Partido Socialista por esta vitória.
Mas, Sr. Deputado, se me permite, aconselho-o a ter alguma prudência, alguma cautela, alguma calma e bom senso na leitura destes resultados e destes números. Penso que a euforia com que o Partido Socialista está a encarar o resultado da última eleição em Lisboa não será, certamente, boa conselheira. E, Sr. Deputado, embora todos os partidos políticos que aqui estão representados tenham perdido votos, falo-lhe até com o à-vontade de quem foi mais penalizado pelos números, porque até perdeu mandatos. O abaixamento dos números, no nosso caso, teve uma consequência, que foi a perda de mandatos.
Mas gostava que o Sr. Deputado reflectisse sobre alguns números: uma abstenção de quase 63%; o CDS perdeu 9500 votos; o Bloco de Esquerda perdeu 9000 votos; o PCP perdeu 13 500 votos; o PSD perdeu quase 89 000 votos; e o Partido Socialista, que ganhou as eleições, perdeu 17 115 votos.

A Sr.ª Joana Lima (PS): — Foi quem perdeu menos, em termos de percentagem!

O Orador: — Até em termos de percentagem, Sr.ª Deputada! Diga-se, aliás, que este resultado, para quem passou toda uma campanha a pedir uma maioria absoluta e, no fim, não chega sequer aos 30%, não é, propriamente, um resultado que deixe alguém eufórico ou num estado de permanente alegria.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — A verdade é que o Partido Socialista e o Dr. António Costa conseguiram ter menos cerca de um terço dos votos que o Deputado Manuel Maria Carrilho obteve, nas eleições, dois anos antes. Sr. Deputado, se não lhe parece que isto merece uma reflexão séria, do meu ponto de vista e do da bancada do CDS, merece. E a reflexão séria que tem de ser feita, Sr. Deputado, é em termos de regime, do regime da nossa democracia.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Temos uma democracia representativa, mas a verdade é que se está, cada vez mais, a perder este elemento da representação, porque a realidade é que, hoje, os políticos eleitos em Lisboa representam muito menos população do que representavam há dois anos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — E deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que, ao longo da campanha, o CDS e o candidato do CDS alertaram, variadíssimas vezes, para este fenómeno e para este perigo. É justo, neste sentido, que se faça aqui uma referência à campanha do CDS e, especialmente, ao candidato do CDS, Telmo Correia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — O CDS e o seu candidato fizeram uma campanha de contributos sérios para os problemas da

Página 23

23 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

cidade, uma campanha inovadora e que marcou pela introdução de temas novos e de ideias novas, uma campanha elevada, em que não houve ataques políticos de parte a parte, uma campanha onde, acima de tudo, se alertou para os perigos da falta de representação e da instabilidade que esta eleição poderia continuar a provocar ou vir até a agravar. E, senão, Sr. Deputado, vejamos: o Sr. Deputado, da tribuna, falava da mudança, de um novo rumo para Lisboa, mas a verdade é que o novo Presidente da Câmara está a três vereadores da maioria, a verdade é que o Sr. Presidente da Câmara não tem sequer uma maioria na Assembleia Municipal.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

O Orador: — Portanto, percebi, perfeitamente, quando o Sr. Deputado disse «Boa sorte! Boa sorte, António Costa!», porque — verdade seja dita! — ele vai precisar dela.
A questão muito concreta que lhe quero colocar, Sr. Deputado, prende-se com o seguinte: com quem é que o Partido Socialista vai estabelecer entendimentos para assegurar a estabilidade da governação da Câmara, ao longo destes dois anos? Com quem é que vai fazer acordos?

Protestos do PS.

Esta é uma matéria que, trazida a este Plenário, merece uma resposta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, sim, é um facto que foi o PS que ganhou as eleições, que foi o partido mais votado, nas eleições para a Câmara de Lisboa, mas também é um facto que a CDU teve um resultado positivo.

Protestos do Deputado do PS Ricardo Gonçalves.

Num quadro de dispersão da eleição de vereadores, a CDU manteve os seus dois vereadores e um resultado ao nível dos 10%. E também é verdade que houve uma profunda derrota da direita, certamente pela política que, ao longo dos últimos anos, impôs na cidade de Lisboa.
Agora, Sr. Deputado Miranda Calha, há uma coisa que deve ficar clara: foi o PS, e não o PCP ou outra força política, que procurou usar estas eleições para fins nacionais.

Protestos de Deputados do PS.

Foi o PS que quis fazer destas eleições — e isto vê-se na própria candidatura apresentada — uma espécie de relegitimação de uma credibilidade política nacional, que deixou de ter, em virtude das políticas negativas que o Governo do Partido Socialista está a desenvolver, para desastre do País e da vida da maioria dos portugueses. Foi o PS que quis isto! Foi o PS que procurou obter este fim, mas não o conseguiu, porque o resultado obtido, Sr. Deputado Miranda Calha, é uma espécie de vitória de Pirro.

Protestos de Deputados do PS.

Mais uma vitória como esta e o PS está perdido!…

Protestos de Deputados do PS.

Um resultado que elege um presidente de câmara com a mais baixa percentagem de sempre na história da Câmara Municipal de Lisboa, um resultado em que o PS pede a maioria absoluta e tem menos de 30% dos votos, um resultado em que o PS, tendo tido 42,5% dos votos, nas eleições legislativas, na cidade de Lisboa, se vê reduzido a menos de 30% dos votos, nestas eleições autárquicas, não é para euforias.
Portanto, Sr. Deputado Miranda Calha, um pouco de calma na euforia com que os senhores pretendem abordar este resultado, porque, para além de não terem tido a vitória que gostavam de ter, para legitimar a vossa política nacional é um resultado que os deve fazer pensar, dado que reflecte os compromissos que assumiram, localmente, em Lisboa, tantas vezes, nos últimos anos, com a política da direita na presidência da Câmara e também a falta de credibilidade, a contestação e a rejeição das políticas que o PS desenvolve a nível nacional. São esses compromissos, a nível local e a nível nacional, com a política de direita que levam a que, mesmo nesta situação, mesmo na dispersão dos votos e na crise profunda da direita, o PS não consiga chegar, sequer, aos 30% na eleição para a Câmara de Lisboa.

Página 24

24 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Termino, Sr. Deputado Miranda Calha, com uma questão que, aliás, já foi aqui abordada: a alteração, que os senhores pretendem, da lei eleitoral autárquica. Bem percebo a dificuldade do PS nesta altura! É que o PS, com menos de 30% dos votos, queria ter mais de 50% dos vereadores! E é para isso que quer alterar a lei autárquica! Mas os portugueses percebem que é precisamente esta a razão por que não deve haver a alteração que o bloco central pretende fazer nas leis autárquicas!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

O Orador: — É precisamente por esta razão! E, quando o povo vota e decide repartir os votos de forma a não dar, nem de perto nem de longe, uma maioria absoluta a nenhuma força política, esta vontade tem de ser respeitada!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — O povo quis que ficassem, na Câmara, todos aqueles que lá estão representados, para fiscalizar o trabalho, para apresentar propostas, para fazer acordos, quando entenderem que estão de acordo com as suas linhas políticas. É isto que é a democracia! Portanto, Sr. Deputado Miranda Calha, se quer ter maiorias absolutas, conquiste-as nos votos,…

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Orador: — … que foi o que não conseguiu nesta eleição para a Câmara de Lisboa! Não queira ganhar na lei aquilo que não consegue ganhar na votação! É a vida, Sr. Deputado! É a democracia! É a vontade do povo — conforme-se com ela!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder a este vasto leque de perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, houve uma coisa que me pareceu extremamente curiosa: os diversos partidos políticos representados na Assembleia da República, durante a campanha eleitoral e mesmo antes dela, fartaram-se de trazer aqui, ao Parlamento, as mais diversas leituras sobre questões relacionadas com a campanha eleitoral para Lisboa.
Recordo-me de o PCP ter trazido aqui a questão da Fundação, já nem me lembro bem do nome, que tinha a ver com questões de Lisboa.

O Sr. Ricardo Gonçalves (PS): — D. Pedro IV!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O senhor é dos lados do Alandroal! Não se lembra bem do nome!…

O Orador: — Exacto! Fundação D. Pedro IV! Recordo-me de o CDS aqui ter trazido a discussão sobre a Ota,…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E vai continuar a trazer!

O Orador: — … precisamente porque era um problema de interesse nacional. E recordo-me também das intervenções que aqui foram produzidas pelo PSD em relação a esta matéria.
Ou seja, antes das eleições, houve diversas iniciativas, designadamente a apresentação de ideias em relação à dimensão nacional destas eleições.
Na própria campanha eleitoral, também fomos surpreendidos com intervenções diversas, por exemplo, do Secretário-Geral do seu partido, Sr. Deputado Bernardino Soares,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E até do seu!

O Orador: — … quando se perguntava a si próprio: «devo participar nesta manifestação da Administração Pública ou devo ir para a campanha eleitoral do PCP em Lisboa?».

Página 25

25 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foi às duas!

O Sr. António Filipe (PCP): — É que, na nossa campanha, só havia lisboetas!

O Orador: — Ou seja, todos tinham essa ideia no espírito, mas hoje, curiosamente, na Assembleia da República, o silêncio foi total! É que ninguém fez uma leitura sobre os resultados eleitorais! Pergunto-me a mim próprio e pergunto aos Srs. Deputados: qual foi a razão deste silêncio tão confrangedor, mas também tão forte, de todas estas bancadas, em relação ao resultado eleitoral para a Câmara Municipal de Lisboa?

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — É que, Srs. Deputados, o PS ganhou as eleições! O PS tem, agora, a presidência da Câmara Municipal de Lisboa…

Aplausos do PS.

… e aquilo que foi anunciado pelo Presidente eleito é que…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não havia hipótese de não ganhar!…

O Orador: — … irá, certamente, actuar, com a maioria ou sem a maioria, em termos da autarquia local, isto é, governará a Câmara com todos aqueles que estejam interessados nos problemas de Lisboa, nos reais problemas da população de Lisboa.
Os senhores, todos, fizeram uma leitura no sentido de transpor para o nacional aquilo que era, de facto, local, mas, agora, meteram-se todos, digamos, num esconderijo, precisamente porque não têm capacidade para dizer alguma coisa em relação a estes resultados eleitorais.
Sr. Deputado Miguel Macedo, não há eleições atípicas. Confesso que não conheço esta tipologia, em termos eleitorais, não está escrita em lado algum. Não há eleições atípicas! E a demonstração de que há, de facto, uma tipicidade nestas eleições é o vasto conjunto de declarações de responsáveis do seu partido, que dizem coisas como as seguintes: «o PSD tem uma crise de credibilidade e de competência, estas questões devem ser encaradas», «é um momento menos feliz para o partido, a situação deve ser clarificada», «é um resultado desastroso, um dos mais indignos de toda a história do Partido Social Democrata». Até, enfim, a Sr.ª Dr.ª Manuela Ferreira Leite diz que «esta derrota é muito traumatizante para o PSD, uma ferida que não vai sarar se não houver alterações». Eu diria que uma reacção destas, em relação a eleições atípicas, é extremamente curiosa. Não sei como é que eleições atípicas podem provocar este coro de protestos, dentro do seu partido, em relação à maneira como o partido tem actuado a nível nacional!?…

Aplausos do PS.

Finalmente, Srs. Deputados, perpassou também aqui uma preocupação com a questão da lei eleitoral.
Eu trouxe à reflexão dois pontos: a abstenção, pois entendo que temos de fazer alguma coisa no sentido de restabelecer a credibilidade do sistema político, para que haja mais participação a nível eleitoral — isto é muito importante e eu próprio trouxe este elemento ao debate; e a questão relacionada com a arquitectura do poder local. Alguns Srs. Deputados que agora comentam com preocupação aquilo que pode acontecer na arquitectura do poder local foram os mesmos que disseram que não havia razão para que, por exemplo, quando se demitiu a Câmara Municipal, não se tivesse também demitido a Assembleia Municipal.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quem é que disse isso?!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que é que uma coisa tem a ver com a outra?!

O Orador: — Essa situação compagina-se, precisamente, com um pensamento e uma reflexão que têm de ser feitos sobre a maneira de actuar ao nível das autarquias locais.
Alguns Srs. Deputados do PCP…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O PCP incomodou-o muito!…

O Orador: — … ou, melhor, o Sr. Deputado Bernardino Soares deu conselhos sobre a democracia. Aliás, também o CDS, através do Sr. Deputado Mota Soares, deu alguns conselhos sobre a democracia. Quero dizer que, naturalmente, registo sempre com interesse os conselhos que vêm das vossas bancadas, mas, Srs. Deputados, em termos de conselhos sobre a democracia,…

Página 26

26 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não recebem lições de ninguém!…

O Orador: — … não temos dados a medir nem temos nada a oferecer em contrário daquilo que querem propor na sociedade portuguesa. Nós somos o garante e temos sido precisamente os grandes defensores do sistema democrático. Por isso, sobre essa matéria não temos qualquer lição a receber do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir. É também uma consequência da lição de democracia.

Risos.

O Orador: — Então, Srs. Deputados, vou terminar muito rapidamente.
Quero só referir que as eleições na Câmara Municipal de Lisboa foram ganhas pelo PS. Contrariamente ao que muitos pensavam, o PS ganhou as eleições e garantiu a presidência da Câmara Municipal.
Quanto às preocupações relativas a com quem vai o PS coligar-se ou com quem não vai coligar-se, posso dizer-vos que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa fará uma coligação com o povo de Lisboa porque quer, em conjunto com ele, encontrar a resolução para os problemas da capital do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para tratamento de assunto de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Votámos nesta Sessão uma das mais importantes leis desta Legislatura, a Lei da Nacionalidade, matéria estruturante de qualquer Nação, de qualquer Estado, não sendo por acaso que o nosso texto constitucional lhe atribui especial dignidade. Estando em vigor desde 15 de Dezembro passado, urge fazer um primeiro balanço.
Neste 1.º semestre de 2007, verificou-se, como era natural, um aumento significativo de pedidos para aquisição da nacionalidade portuguesa em relação a 2006, concretamente passou-se de 4146 para cerca de 18 000 pedidos. Os principais requerentes continuam a ser oriundos de Cabo-Verde, Guiné-Bissau e Angola.
Segundo dados fornecidos pela Administração, foram concluídos cerca de 8000 processos de atribuição de nacionalidade a nascidos em Portugal filhos de estrangeiros, desde que no momento do nascimento, pelo menos, um dos pais residisse legalmente em Portugal há cinco ou mais anos, conforme o artigo 1.º da Lei.
Por aquisição por efeito da vontade, foram concluídos 2186 pedidos por processo de casamento há mais de três anos com cidadão ou cidadã português, mas não houve nenhum pedido em resultado da união de facto com português ou portuguesa há mais de 3 anos, como também propõe a Lei. Houve, ainda, 734 pedidos de cidadania de filhos menores de indivíduos que adquiriram a nacionalidade portuguesa e 724 de indivíduos que perderam a nacionalidade portuguesa e a quiseram readquirir posteriormente.
Por naturalização, entraram cerca de 1500 pedidos (224 processos findos) relativos a menores nascidos em Portugal filhos de estrangeiros, como diz a Lei, desde que um dos progenitores resida aqui legalmente há pelo menos cinco anos ou a menor que tenha aqui concluído o 1.º ciclo do ensino básico; cerca de 5700 pedidos de maiores que residiam legalmente no território português há, pelo menos, seis anos; 297 pedidos de maiores nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um avô ou avó português; e 180 pedidos de naturalização naqueles casos em que o Estado tem o poder discricionário de conceder ou não a naturalização (por exemplo, a estrangeiros que tenham prestado serviços relevantes ao Estado português).
Portanto, de cerca de 4000 pedidos, em 2006, passámos para um número que caminha, neste 1.º semestre de 2007, para os 20 000.
O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro), por sua vez, simplificou e eliminou procedimentos, desconcentrou competências, imprimiu maior rigor na aferição do conhecimento da língua portuguesa e tornou mais fácil aos cidadãos o exercício destes direitos.
Alguns exemplos: disponibilizaram-se novos balcões de atendimento com competência para a instrução dos pedidos de nacionalidade; foram criadas duas linhas telefónicas de apoio, uma para os cidadãos, outra para as conservatórias e consulados; consagrou-se a possibilidade de serem designadas as entidades públicas, associações ou outras entidades privadas para prestar informações sobre o tratamento e a instrução dos pedidos e encaminhar as respectivas declarações e requerimentos para a Conservatória dos Registos Centrais; os interessados ficam genericamente dispensados de apresentar documentos que a própria Administração já disponha; a prova da proficiência linguística na língua portuguesa é feita ou por certificado de habilitação emitido por estabelecimento de ensino português ou mediante um teste diagnóstico a realizar em estabelecimento de ensino ou em postos consulares para quem resida no estrangeiro. O modelo do teste foi aprovado pelos Ministérios da Educação e da Justiça. Aliás, existe um

Página 27

27 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

modelo para os interessados com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos e outro para os de idade superior aos 14 anos.
Foram até agora realizadas quatro provas, tendo-se inscrito mais de 10 000 candidatos, dos quais cerca de 8000 realizaram a prova. Mais de 6000 foram aprovados, os restantes não o foram.
Há, evidentemente, dificuldades que terão de ser ultrapassadas pela Administração (e estão a ser feitos esforços neste sentido), de que é exemplo o caso da prestação de prova escrita de língua portuguesa para todos, esquecendo-se os analfabetos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Podemos, assim, concluir que esta Lei responde a uma necessidade social que vinha a ser sentida há muitos anos e permite solucionar de uma forma justa e equilibrada uma questão que estava há muito identificada por diferentes sectores da sociedade portuguesa e pelas comunidades imigrantes como sendo essencial para a sua integração na sociedade portuguesa. De facto, como tem sido dito por várias vozes, e de muitos quadrantes, a concessão da nacionalidade portuguesa é um importante factor de inclusão nessa mesma sociedade, seja pela manifestação de vontade por parte de quem a requer, seja pelo conjunto de direitos e deveres inerentes ao estatuto nacional.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Recordo que a alteração à Lei da Nacionalidade foi aprovada nesta Assembleia sem qualquer voto contra, e a contraciclo na Europa, numa manifestação de grande coragem dos Deputados desta Casa e — permitam-me que o destaque — do Governo do Partido Socialista e do seu grupo parlamentar.
Não aprovámos uma lei qualquer e, por isso, quis vir fazer este primeiro balanço, porquanto se trata de um domínio legislativo sensível e complexo, porque mexe com o mais profundo da nação e até com cada um e cada uma de nós. Com efeito, a tensão identidade/alteridade não é fácil de ser gerida num quadro harmonioso e ela tem de ser permanentemente cerzida.
Penso que temos quase todos tentado evitar que a política de imigração seja transformada em temas fracturantes na sociedade portuguesa, o que seria péssimo para a própria sociedade portuguesa e, principalmente, para os imigrantes. Esse cuidado que temos tido é uma condição essencial para desenvolver o acolhimento e a integração de imigrantes.
Trouxemos alguns números — não o podia fazer de outro modo —, mas as pessoas não são números.
Queremos realçar que por detrás desses números estão pessoas concretas que escolheram partilhar connosco um destino comum — esse destino chama-se Portugal.
Esperamos dessas pessoas, como é óbvio, o respeito pelo nosso património linguístico, cultural e civilizacional, mas esperamos principalmente que acrescentem a Portugal as suas especificidades, as suas características, a sua cultura, as suas forças, a sua humanidade, tornando-nos uma nação, esta nação de séculos, ainda mais rica porque mais diversificada, mais plural e com olhares diversos.
Sabemos, e já o dissemos, que mesmo com esta Lei da Nacionalidade, ampla mas moderada e justa, não ficam resolvidos todos os problemas de todos os imigrantes, todos os obstáculos que acompanham a deslocalização de seres humanos em busca das suas finisterras. Mas, por via da vontade do Governo do PS no cumprimento do seu Programa e do seu grupo parlamentar, por via do empenhamento de cada um e de cada uma de nós, de todos os quadrantes políticos nesta Casa, muita coisa vai mudar, e já está a mudar, na vida de muitos, na vida, por agora, de 20 000 novas e novos portugueses.
Que todas e todos sejam bem-vindos a esta casa comum!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 143/X — Aprova a orgânica da Polícia Judiciária.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei orgânica da Polícia Judiciária que hoje trazemos a esta Assembleia dá expressão legal a algumas opções estruturantes do nosso modelo policial e de investigação criminal.
Em primeiro lugar, dará expressão, por via legislativa, à inserção da Polícia Judiciária no campo da justiça. Como é sabido, não só nos últimos anos como também nas últimas décadas foi legitimamente problematizada e mesmo controvertida esta inserção. À vista da diversidade das soluções que vigoram na Europa, propostas, estudos e cenários versaram opções diferentes para a Polícia Judiciária, mais ou menos inspiradas num princípio de unificação policial.
Agora, pela primeira vez desde a sua criação, a Polícia Judiciária verá consagrada e consolidada em lei

Página 28

28 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

do Parlamento a opção pela autonomia e a opção pelo mundo da justiça. A fonte deixará agora de ser governamental e passa a ser legislativa, parlamentar e democrática, como não tinha acontecido desde a própria criação da Polícia Judiciária, logo a seguir à II Guerra Mundial.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Orador: — Em segundo lugar, a proposta moderniza a articulação internacional e europeia da Polícia Judiciária. Esta é uma área fundamental para a eficácia da investigação, em especial frente à criminalidade organizada e transfronteiriça.
Existem também na Europa vários modelos de relacionamento e de organização. Desde os anos 90 que também entre nós foram encaradas e projectadas diferentes soluções. A opção que se pretende legalmente consagrar atende à importância do intercâmbio com a Interpol e a Europol, à circunstância de, em elevadíssima percentagem, a actividade que flui entre estas organizações dizer respeito à Polícia Judiciária.
Dá-se, pois, assento, por via da lei, à obrigação de a Polícia Judiciária assegurar o funcionamento dos gabinetes da Interpol e da Europol. Este funcionamento não deve ser assegurado apenas em benefício da sua própria missão mas também para partilha de informação, num quadro que esta Assembleia virá a definir no âmbito de propostas de lei que serão proximamente apresentadas pelo Governo.
Melhoram-se, assim, as condições para a comunicação de todo o sistema com aquelas duas organizações-chave sem afectar a posição que a Polícia Judiciária detém na interlocução com a mesma.
A proposta vai permitir também a modernização do quadro institucional da informação, decisiva na actividade policial actual. Esta é uma matéria que tem registado uma rápida evolução no plano europeu, onde o princípio da disponibilidade da informação se tem imposto, não apenas no plano interno como também na cooperação policial transfronteiriça, a ponto de poder dizer-se que constitui mesmo uma das novidades principiológicas no domínio dessa cooperação.
É assim que está previsto que o sistema de informação criminal de âmbito nacional da Polícia Judiciária se articule e tenha interoperabilidade com os sistema de informação de outros órgãos de polícia criminal em termos que salvaguardem adequadamente os princípios da necessidade e da competência.
Quando, com as salvaguardas apropriadas, a Europa caminha para a consagração do princípio da disponibilidade com o objectivo de tornar mais eficaz a luta contra o crime, seria incompreensível que nos preparássemos para esses objectivos em termos transfronteiriços e os prejudicássemos no plano interno.
Teremos, pois, um novo assento legal para o tratamento e a partilha da informação, esse recurso hoje fundamental para a investigação e a prevenção.
Com esta proposta, leva-se também um impulso de racionalização e especialização a uma estrutura que o justificava.
Numa organização submetida a um princípio estrito de direcção, a solução que existia, de uma direcção nacional composta de 11 elementos (um director nacional e 10 directores nacionais adjuntos), tem de considerar-se carecida de reforma.
Foi neste espírito que a revisão dos cargos dirigentes que foram sendo consagrados no passado se traduziu numa redução de 25% e, no caso da direcção nacional, numa redução de 65% e num maior envolvimento directo da direcção na actividade operacional.
Imperativos de operacionalidade, de concentração e de especialização conduzem à consagração de unidades nacionais, em vez das actuais direcções centrais, orientadas para alvos criminais que são centrais na sociedade contemporânea: o terrorismo, a corrupção e o tráfico de estupefacientes.
As análises da ameaça criminal disponíveis, quer no âmbito europeu quer no âmbito mundial, corroboram essa opção, bem como as opções de política criminal que têm derivado de instrumentos adoptados no plano internacional — alguns deles com repercussão muito directa nos trabalhos desta Assembleia.
Através desta concentração e especialização, pretende-se um tratamento unitário a nível nacional em áreas em que se considera indispensável melhorar o nível da resposta aos fenómenos criminais, como, insisto, o terrorismo, a corrupção e o grande tráfico de estupefacientes.
Esta proposta introduz também maior flexibilidade em relação a matérias que têm vindo a estar rigidamente fixadas em preceitos legais, permitindo a adaptabilidade com instrumentos menos pesados e sem quebra de princípios constitucionais.
Este é um ponto de grande relevo no momento actual em relação aos estatutos das organizações policiais. Quem esteja a acompanhar, actualmente, os debates e o processo legislativo sobre o estatuto da Europol sabe da importância que é atribuída à passagem das várias matérias para a esfera da decisão e compreenderá bem o valor da adaptabilidade. Esta é, aliás, uma matéria que está nas mãos da Presidência portuguesa da União Europeia, que a deverá levar a soluções nos próximos meses.
Esta proposta não só respeita critérios presentes em outras propostas de lei orgânica em exame nesta Assembleia, com espírito de abertura à necessária reforma do nosso sistema policial, cujas grandes linhas já foram apresentadas, como se vira, sobretudo, para a modernização e para a Europa, abrindo-se a princípios e a soluções que emergem na União Europeia, melhorando, com isso, as condições para

Página 29

29 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

participar na cooperação policial numa escala transfronteiriça, que é, hoje, essencial — uma cooperação que só pode sair reforçada do mandato para a redacção do tratado reformador cometido a Portugal, onde novas regras poderão passar a reger a cooperação judicial e policial.
A apresentação desta proposta ao Parlamento tem, entre outras, uma importante vantagem democrática: permite beneficiar dos contributos e dos comentários dos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares e está preparada para acolher, na especialidade, os aperfeiçoamentos que forem propostos.
Como sempre, essa será a nossa atitude!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, dois Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, queria começar por lhe dizer que, na nossa opinião, esta é uma proposta de lei mal elaborada, confusa na linguagem jurídica, que poderá violar direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e que, a ser aprovada nos exactos termos em que está redigida, deverá ser inconstitucional.
Deixo-lhe, aqui, dois exemplos e duas questões.
Sr. Ministro, a Polícia Judiciária actua, por definição de função, muitas vezes colidindo com direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e, no nosso Estado de direito democrático, a sua instrumentalização, governamentalização ou partidarização seria, por isso, imoral, uma perversão do regime democrático.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — Por isso mesmo, na Lei Orgânica da Polícia Judiciária ainda em vigor, tudo quanto tinha que ver com a forma como a Polícia Judiciária poderia interferir com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos era aqui discutido, decidido e votado e, depois, apreciado pelo Sr. Presidente da República. Aqui se discutiu e decidiu, a propósito dessa lei, quem investiga o quê, quem aplica coimas, quem intercepta comunicações, quem detém ou captura cidadãos, ou seja, tudo aquilo que, no âmbito da actuação da Polícia Judiciária, colide, naturalmente, com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. No entanto, percebe-se agora, desta nova lei orgânica, que grande parte disto será decidido, depois, por portaria do Governo.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Orador: — Sr. Ministro, significa isto que é o Governo que vai agora decidir quem vai fazer o quê e a quem na Polícia Judiciária. Já não o Parlamento, muito menos possibilitando a avaliação pelo Sr. Presidente da República, mas o Governo! Pergunto, Sr. Ministro, se não percebe que isto é profundamente inconstitucional; se o Governo não percebe que se trata de matéria de reserva da competência legislativa da Assembleia da República, como, por exemplo, legislar sobre as forças de segurança — e recordo, a propósito, que há pouco tempo o Sr.
Ministro defendia que ainda terá muito de falar no plano de coordenação das forças de segurança; se o Governo não percebe que não pode decidir, por si só, sobre competências que colidem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Orador: — … se o Governo não entende que a Polícia Judiciária não é uma polícia sua, não é uma polícia do Governo, mas uma polícia nacional, ao serviço dos cidadãos e para sua defesa; se o Governo não percebe que não é um ministro socialista que, num Estado de direito democrático como é o nosso, pode decidir sobre quem vai interceptar comunicações, quem vai ver pessoas, quem vai realizar buscas, quem vai aplicar coimas, quem vai investigar o quê. Não pode, Sr. Ministro!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Orador: — Simplesmente, não pode! E choca perceber, pois não faz sentido, como é possível, no artigo 22.º, n.º 2, cometer para portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça as competências das unidades da Polícia Judiciária. Não pode, Sr. Ministro da Justiça! Como também não pode ser o Governo, por portaria, a decidir sobre as competências das unidades territoriais nacionais!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

Página 30

30 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Orador: — Não pode! Isso tem de ser discutido, decidido e votado aqui e, depois, apreciado pelo Sr.
Presidente da República! Não pode ser o Governo a decidi-lo por portaria, sabendo antecipadamente que, por portaria, a apreciação parlamentar não será possível e que, por portaria, posteriormente o Sr.
Presidente da República também não pode fazer a avaliação, que faz, obviamente, de uma lei saída da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: — Por isso, pergunto-lhe, Sr. Ministro, se o Governo não tem a exacta noção do que está em causa, quando prevê esta possibilidade de, por portaria, decidir sobre questões que colidem com direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Uma coisa lhe garanto, Sr. Ministro da Justiça: não me parece, a menos que os Deputados socialistas também se demitam muito da sua função, que a Assembleia da República esteja disposta a prescindir de uma sua competência constitucional fundamental.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, como todos sabemos, a Polícia Judiciária assume um papel fundamental e de destaque no sistema de investigação, prevenção e combate à criminalidade no nosso país. Daí que qualquer alteração legislativa na orgânica dessa força mereça a maior atenção, cuidado e ponderação.
A proposta de lei que o Governo nos traz, infelizmente, suscita algumas reservas e dúvidas graves, porquanto vem criar aquilo que o Sr. Ministro classificou, salvo erro, de flexibilidade e de adaptabilidade e que, na realidade, é uma «deslegalização», ou seja, a criação de vazios legais na Lei Orgânica da Polícia Judiciária. E fá-lo, como já aqui foi dito, remetendo um conjunto de situações para um acto posterior, designadamente por via de portaria.
Gostaríamos de saber, Sr. Ministro, muito claramente, o que justifica esta situação: por que é que partimos de uma situação em que tínhamos uma Lei Orgânica da Polícia Judiciária, onde estava decidido um conjunto de situações — e não falamos apenas de alguma abertura ou fecho de departamentos nem da delimitação territorial mas da própria atribuição de competências de investigação — para outra em que isso passa a ser definido por portaria, deixando de o estar no diploma base orgânico, que é a Lei Orgânica da Polícia Judiciária? Mas não é só isso, Sr. Ministro da Justiça. Estamos hoje, aqui, a discutir a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, mas há um outro conjunto de situações que vão estar ausentes deste debate, porque foi remetido para posterior discussão a propósito da Lei da Organização da Investigação Criminal. Aliás, o próprio diploma, nos seus artigos 2.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, remete para essa Lei de Organização de Investigação Criminal, que ainda não sabemos o que nos vai trazer.
Por outro lado, Sr. Ministro, a realidade é que, desde há ano e meio, desde o início de 2006, os trabalhadores da Polícia Judiciária vivem na insegurança de não saber o que vai acontecer, designadamente aos departamentos centrais que diziam respeito à corrupção e criminalidade económica ou ao combate ao tráfico de estupefacientes.
Sabemos que esta proposta opera uma alteração, que nos parece que não é apenas semântica: onde se lia «direcções centrais», passa a ler-se «unidades nacionais»; onde se lia «directorias», passa a ler-se «unidades territoriais»; onde se lia «departamentos de investigação criminal», passa a ler-se «unidades regionais», «unidades locais»; onde se lia «departamentos sectoriais», passa a ler-se «unidades de apoio à investigação», etc.
O que falta perceber, pois não está claro neste diploma, é em que termos é que esta mudança semântica vai corresponder à mudança da orgânica e à mudança das prioridades dentro da Polícia Judiciária, porque há quem receie que esta passagem de competências de uma Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes para uma unidade corresponda também a uma mudança de paradigma na investigação, ou seja, não só corresponda à passagem de competências da PJ para a PSP e GNR, no âmbito da investigação do tráfico de estupefacientes, mas, mais grave do que isso, signifique, aparentemente, um desvio da prioridade do grande tráfico, do grande crime com ligações ao branqueamento de capitais, à alta corrupção e às redes mundiais de droga, para o combate mais reforçado no médio e no pequeno tráficos.
Gostava que o Sr. Ministro nos esclarecesse, antes de começarmos propriamente o debate.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Melo, estou profundamente

Página 31

31 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

decepcionado com o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não esteja, Sr. Ministro!…

O Orador: — Na verdade, o Sr. Deputado está a confundir a repartição interna de determinadas tarefas e responsabilidades com o processo de afectação de competências à Polícia Judiciária.
Como sabe, actualmente, essa actuação é definida por uma lei, que é a Lei da Organização da Investigação Criminal, e é essa lei, e não qualquer portaria, que continuará a estabelecer essa atribuição de competências. Aliás, é inimaginável que qualquer jurista conceba que são portarias que atribuem competências desta natureza a polícias, porque, com isso, corre o risco de reprovar no 1.º ano do curso de Direito.
Portanto, está equivocado nesta matéria. Consulte a Lei da Organização da Investigação Criminal,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Já consultei!

O Orador: — … consulte os artigos 2.º e 5.º desta proposta e verá que é a lei e esta Assembleia que continuarão a delimitar essas competências. Do que aqui se trata é de uma repartição interna, sendo que a organização já está capacitada, nos termos da lei, para essa redistribuição poder ser feita de seguida.
O problema com que lutam hoje os estatutos das organizações policiais à escala europeia é o de uma excessiva rigidez para a adaptação a novos fenómenos criminais. É o que se passa, nomeadamente, no campo da Europol, como referi há pouco, e quem conhece esse dossier não pode deixar de ser sensível aos custos da rigidez. Nós quisemos, justamente, propiciar uma maior eficiência e, por isso, esta solução parece a mais indicada — não viola, aliás, nenhuma baliza, nenhum parâmetro e nenhum direito de natureza constitucional.
No que se refere às competências processuais, elas estão expressamente previstas neste diploma.
Portanto, quer num caso quer noutro, V. Ex.ª tem a lei a lidar directamente com estas matérias.
Sr. Deputado Madeira Lopes, as prioridades de política criminal não vão mudar — aliás, estão definidas por lei da Assembleia da República. Também não está prevista a apresentação de qualquer iniciativa que modifique a repartição de papéis neste domínio entre as diversas forças de segurança.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão tem por desiderato, diz o Governo, actualizar e adequar a estrutura orgânica da Polícia Judiciária às novas características da criminalidade, apostando na sua especificidade funcional.
Mas fá-lo, deve dizer-se desde já, sob o signo da incerteza e da indefinição. E explicarei porquê.
Para aumentar a operacionalidade e a especialização da Polícia Judiciária, o Governo preconiza um modelo em que extingue as actuais direcções centrais, substituindo-as pelas unidades nacionais de combate ao terrorismo, à corrupção e ao tráfico de estupefacientes.
Estas, em relação àquelas, perdem, para além da designação, competências no combate à criminalidade mais genérica — agora cometidas às chamadas «unidades territoriais». O objectivo será, refere o Governo, promover uma reorganização estrutural dos serviços, tendo em conta a necessidade de racionalização dos recursos, no sentido da obtenção de maior eficiência e eficácia nas actividades desenvolvidas.
Além das três unidades nacionais já referidas, são criadas as unidades territoriais, as unidades regionais, as unidades locais, as unidades de apoio à investigação e as unidades de suporte.
Ora, cumpre, a este respeito, anotar que esta proposta de lei orgânica, ao remeter a forma como isso se implementa para portarias posteriores, nem cuida de garantir a articulação e a coordenação dessas novas unidades nem demonstra que essa eficácia não vai claudicar face aos critérios economicistas em que, inegavelmente, também assenta.
Ou seja, da análise do articulado da proposta de lei em apreço não é possível confirmar integralmente a leitura do Governo, porque as competências das unidades da Polícia Judiciária, a sede e a área geográfica da respectiva intervenção e a correspondente organização em áreas, sectores ou núcleos não estão definidas neste texto, mas são antes remetidas para posterior regulamentação.
Além destas, há um conjunto vasto de matérias sobre as quais a proposta de lei não se pronuncia, remetendo o respectivo regime para outras leis ou para posterior regulamentação.
Desde logo, as competências da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal são remetidas para a Lei de Organização da Investigação Criminal.
Com efeito, segundo o disposto no artigo 5.º, n.º 1, da proposta de lei, «As competências da PJ respeitantes à investigação criminal são as definidas na Lei de Organização da Investigação Criminal».
Ora, esta remissão — e, Sr. Ministro, isto é que é importante, também relativamente ao que já disse aqui, hoje — será certamente para a anunciada nova lei de organização da investigação criminal, que o Governo

Página 32

32 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

prometeu apresentar a esta Assembleia em Setembro próximo, uma vez que, quando a proposta de lei n.º 143/X se quer reportar à Lei de Organização da Investigação Criminal actualmente em vigor, designa-a expressamente por Lei n.º 21/2000. Isso traduz-se, Sr. Ministro, num total desconhecimento do legislador parlamentar acerca daquelas que serão as competências da Polícia Judiciária em matéria de investigação criminal — esta é a nossa posição e isso tem de ficar clarificado no decurso deste processo legislativo.
Não será despiciendo referir, a este propósito, que o actual artigo 5.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária elenca expressamente a competência reservada da PJ em matéria de investigação criminal, situação essa que deixa de existir com esta proposta de lei.
E, já agora, Sr. Ministro, devemos igualmente referir que, ao contrário do que estabelece a Lei de Organização da Investigação Criminal em vigor, no seu artigo 2.º, n.º 5, a proposta de lei não salvaguarda a autonomia técnica e táctica da Polícia Judiciária na execução do seu papel de coadjuvação das autoridades judiciárias, uma vez que, no seu articulado, apenas se refere à autonomia técnica.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Isto é muito importante!

O Orador: — Por outro lado ainda, a competência da Polícia Judiciária para assegurar o funcionamento dos Gabinetes da Interpol e Europol, para efeitos da sua própria missão e para partilha de informação, é tecida, segundo esta proposta de lei, no quadro definido pela Lei de Segurança Interna.
Acontece que, atendendo a que a actual Lei de Segurança Interna não contém nenhuma referência aos Gabinetes Interpol e Europol, a menção feita no artigo 5.º, n.º 2, desta proposta de lei, só pode querer reportar-se à nova lei de segurança interna, cujo teor esta Assembleia ainda ignora em absoluto. Também em relação a esta última está prometida a sua apresentação para Setembro próximo.
Adensam-se, por isso, as dúvidas fundadas, que já tínhamos manifestado aquando da apresentação do PRACE, de integração destes gabinetes de cooperação no Gabinete Coordenador de Segurança, sob tutela da Presidência do Conselho de Ministros.
No que concerne ao sistema de informações, estabelece-se que a Polícia Judiciária dispõe de um sistema de informação criminal de âmbito nacional, o qual se articula e terá adequada interoperacionalidade com os demais sistemas de informação criminal, mas, também nesta sede, «a regular em diploma próprio».
Ficamos, assim, sem saber como e quem cumprirá este preceito.
Outra questão que se coloca, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, é de ordem sistémica e tem a ver com a própria designação desta proposta de lei.
Esta proposta visa aprovar a orgânica da Polícia Judiciária, mas a verdade é que, se vier a ser aprovada tal como foi apresentada pelo Governo, não substitui a lei anterior, cujos preceitos, em grande número, permanecem em vigor.
Ou seja, a nova lei orgânica da Polícia Judiciária coexistirá com a lei anterior, passando a haver, assim, duas leis orgânicas da Polícia Judiciária: uma, esta, a que regula determinada matéria relacionada com a estrutura, os órgãos e os serviços da Polícia Judiciária, e outra, a que está actualmente em vigor, que regula o estatuto e as carreiras do pessoal da Polícia Judiciária. É, de facto, uma grande confusão que esta Assembleia, no decurso do processo legislativo, também deve resolver.
Uma palavra, ainda, sobre o Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI), cujas implicações ao nível da Polícia Judiciária também nos merecem sérias reservas.
A criação de um conselho superior de investigação criminal, presidido pelo Primeiro-Ministro, do qual façam parte os Ministros da Justiça e da Administração Interna, o Procurador-Geral da República e os responsáveis máximos de todos os órgãos de polícia criminal e a criação de um núcleo central do SISI, coordenado por um secretário-geral, também dependente do Primeiro-Ministro, composto pelas instituições que representam o essencial da actividade de segurança e da investigação criminal, entre as quais se integra, naturalmente, a Polícia Judiciária, indiciam uma intromissão do poder politico na actividade investigatória, o que, tal como já denunciámos várias vezes, jamais obterá o nosso apoio.
Por isso e em conclusão, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD pugnará, neste processo legislativo, pela clarificação destas questões.
Vemos com apreensão as incertezas e as indefinições desta proposta de lei.
A Polícia Judiciária, todos o sabemos, é um pilar e um instrumento fundamental da investigação criminal levada a cabo pelas autoridades judiciárias.
O excesso e a incerteza da regulamentação condicionam as investigações e dificultam injustificadamente o seu sucesso e o sucesso das políticas de prevenção e de combate ao crime.
Todos devemos evitar que este diploma se constitua como um factor de instabilidade no trabalho meritório e prestigiado dos nossos investigadores.
Por isso, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, termino dizendo que a reforma da organização da Polícia Judiciária contará connosco, mas apenas se houver uma demonstração cabal de que o seu resultado será o acréscimo da eficácia do trabalho da Polícia Judiciária,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

Página 33

33 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Orador: — … a salvaguarda do seu prestígio e, acima de tudo, a garantia de que a investigação criminal, em Portugal, não será instrumentalizada, não será politizada e não será governamentalizada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Já se esqueceu da Dr.ª Celeste Cardona! A memória é muito fraca!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, devo dizer-lhe que quem ficou decepcionado fui eu, com a resposta que há pouco deu às questões que lhe coloquei.
É que, no mínimo, deverá ter sido o Sr. Ministro da Justiça quem não leu a Lei de Organização da Investigação Criminal, porque, se o tivesse feito, verificaria que nem no artigo 2.º, nem no artigo 5.º, nem em nenhum outro — e tenho aqui, comigo, o texto da lei — se especificam competências daquilo que, obviamente, não existia à data,…

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Orador: — … isto é, o que, no futuro, haveriam de ser as futuras unidades territoriais regionais da Polícia Judiciária (PJ), tal como acontece na actual Lei Orgânica da Polícia Judiciária que, ao que parece, o Sr. Ministro também não leu.
É que, se o Sr. Ministro tivesse lido, perceberia que esta lá, e foi apreciado aqui, o que não consta desta proposta de lei mas que só poderá ser estabelecido por portaria. Ora, é isso que o Governo não pode fazer, Sr. Ministro, e, se tentar fazê-lo, vai ter tremendos problemas porque a Constituição não o consente.
Percebo a razão de ser de o Governo tentar fazê-lo agora.
A razão de ser, entre outras, está nesta notícia de jornal, cuja cópia tenho aqui, datada de 29 de Março de 2006, intitulada «Sócrates adia sine die decisão sobre conflito entre Costa e Costa». Nesta notícia diziase que «o plenário do Conselho Superior de Segurança, a que preside o Primeiro-Ministro, deveria ter aprovado ontem o novo Plano de Coordenação das Forças de Segurança». Mais adiante, dizia que «a oposição da Polícia Judiciária ao novo Plano de Coordenação das Forças de Segurança tem provocado, dentro do Governo, um clima de tensão política entre Alberto Costa, Ministro da Justiça, e António Costa, Ministro da Administração Interna», porque — e isto é que importa, não é a trica governamental — «a Judiciária e o Ministério da Justiça defendem que a prevalência do ‘princípio da manutenção da ordem pública’, defendida por António Costa, pode pôr em causa direitos, liberdades e garantias», e por aí fora.
Ora, perante um conflito latente, o Governo decidiu como? Relegando para portaria a matéria que, depois, o Parlamento não poderá apreciar. Mas não poderá fazê-lo, Sr. Ministro da Justiça, e cá estaremos para fazer essa reivindicação no momento certo.
Mas há mais, Sr. Ministro da Justiça. É que, em matéria de direitos, liberdades e garantias, temos de ser muito cuidadosos, porque os cidadãos não podem estar sujeitos ao arbítrio da decisão dos políticos…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Isto é o delírio total!

O Orador: — … e, nos termos da lei, a direcção da investigação criminal pertence ao Ministério Público, na fase de inquérito, e ao juiz de instrução criminal, na fase instrutória. Ora, quem lê a proposta de lei, nomeadamente o seu artigo 12.º, quase fica na dúvida! Atrevia-me a perguntar ao Sr. Ministro se, porventura, hoje em dia, não ocorrerão averiguações da Polícia Judiciária prévias ao inquérito (e, por isso, sem qualquer controlo do Ministério Público), sob a forma de «N. I.», isto é, «números informáticos», ou sob a forma de «O.D.», isto é, «ocorrências diversas». O Sr.
Ministro dir-nos-á, se souber.
Quanto a tentativas ilegítimas de governamentalização da Polícia Judiciária, a gestão do Sistema Integrado de Informação Criminal poderá perder-se para o Secretário-Geral do Sistema Integrado de Segurança Interna. Ora, este está fora da alçada da esfera judicial, é nomeado pelo Governo e equiparado a Secretário de Estado, pelo que aquele último órgão passará a poder aceder a números de telefone sob escuta por parte da Polícia Judiciária, saber o nome de cidadãos sob investigação criminal, sejam empresários, banqueiros, políticos também, e tantos outros.
A este propósito, refira-se que, salvo melhor opinião — e dir-me-á, se eu estiver enganado —, a proposta de lei nem sequer determina quem vai gerir o Sistema Integrado de Investigação Criminal. Era bom sabê-lo.
Seja como for, parece evidente o risco de, na base de esta proposta de lei vir a ser aprovada, o Governo — e sublinho que é o Governo e não o Ministério Público! — poder vir a ter acesso a factos de inquéritoscrime sob segredo de justiça, designadamente a números de telefone sob escuta.

Página 34

34 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Isso é só especulação!

O Orador: — Pretende-se, ainda, cometer à Polícia Judiciária, que, desta forma, o PS quer governamentalizada, poderes que, em muitos momentos, escapam ao impulso judiciário de quem tem competência na fase de inquérito e de instrução, que, reafirmo, é o Ministério Público e não o juiz de instrução criminal.
A Polícia Judiciária não tem autonomia na investigação criminal em Portugal e, no dia em que a tiver, aí, é o sistema, é o regime democrático que estará a ser pervertido.
Nos termos do nosso Código de Processo Penal, a Polícia Judiciária poderá realizar, mediante prévio despacho de delegação do Ministério Público, os actos de investigação não excepcionados, nomeadamente no artigo 270.º do Código de Processo Penal, mesmo na versão e na redacção que hoje foi aprovada em sede de 1.ª Comissão, como, por exemplo, no caso de buscas ou apreensões.
Só que, Sr. Ministro, agora, por aplicação do artigo 12.º da proposta de lei, pretende-se permitir que, mais do que diligenciar o que o Ministério Público delegue, a Polícia Judiciária determine e ordene actos de investigação.
E vou demonstrá-lo.
Actualmente, o Ministério Público pode delegar na PJ as revistas e as buscas, nos casos específicos previstos no artigo 174.º, n.º 4, alíneas a), b), e c), do Código de Processo Penal: terrorismo, crimes particularmente violentos e, também, quando os visados consintam de forma documentada ou aquando de flagrante delito a que corresponda pena de prisão — são estes os casos e mais nenhuns. Só que, agora, nos termos do artigo 12.º da proposta de lei, a Polícia Judiciária poderá ordenar — não é diligenciar o que o Ministério Público determine! — buscas, apreensões, excepto as realizadas em escritório de advogado, de médico, em estabelecimento bancário ou hospitalar.
Pergunto, então: onde é que ficam as garantias dos cidadãos? E onde está a segurança jurídica que lhes é devida? É que, repito, não se trata de diligenciar o que o Ministério Público determine, trata-se de ordenar e, porventura, depois, comunicar ao Ministério Público.
Chamo a atenção ao Sr. Ministro de que, mesmo quanto aos casos previstos na alínea a) do artigo 174.º do Código de Processo Penal, que, depois, implicam que a diligência efectuada seja remetida ao juiz de instrução criminal para proceder à validação, são residuais perante o que, agora, a Polícia Judiciária poderá passar a fazer.
Sr. Ministro, repito: vivemos num Estado que é de direito e que é democrático! A Polícia Judiciária não pode ser governamentalizada, instrumentalizada, partidarizada, seja para que fins for.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Conclua, por favor.

O Orador: — Concluo, dizendo, Sr. Ministro, que, para o que mais importa e perante o que está em causa, o CDS não pode calar-se.
A Polícia Judiciária não é uma polícia de um partido, ainda que, porventura, muitos partidos gostassem de tê-la ao seu dispor…

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Só se for o CDS!

O Orador: — … — é uma tentação que a democracia não consente —, não é uma polícia de nenhum governo, não é sequer uma polícia de nenhum regime e a nenhum partido se pode permitir essa tentação.
No que nos toca, aqui, no Parlamento, enquanto Deputados que somos da República, se o Governo persistir nesta redacção, não deixaremos de, no momento próprio, chamar a atenção para uma flagrante violação da nossa Constituição através da qual são postos em questão direitos, liberdades e garantias de cidadãos que são portugueses. Essa é uma incumbência que cabe, também, ao Ministro da Justiça, a quem, para além do mais, caberá não permitir que alguma vez tal possa acontecer no nosso país.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei n.º 143/X — Aprova a orgânica da Polícia Judiciária e alguns problemas principais suscitam a atenção desta bancada.
Em primeiro lugar, salienta-se a característica global mais imediata da presente proposta: trata-se de uma proposta praticamente vazia no que toca à substancialidade, com poucos aspectos substanciais, uma espécie de «cabide» onde o Governo pode vir a «pendurar» o que entender, mesmo — e há esse risco! — em terreno que é da exclusiva competência da Assembleia da República.

Página 35

35 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

De facto, as matérias mais importantes acabam por ser remetidas para portarias, a aprovar pelos ministérios da tutela ou por legislação posterior de iniciativa governamental.
Isto levanta dois problemas. Em primeiro lugar, a necessidade de uma regulamentação efectiva, pois, de facto, se a lei entrar em vigor, mas a regulamentação não for de imediato aprovada, o que não seria inédito, arriscar-nos-íamos a ter uma lei quase sem conteúdo. Veja-se, a título de exemplo, a Lei de Organização da Investigação Criminal, datada de 2000, que nunca viu regulamentada a questão da coordenação policial.
Por outro lado, a remissão para posterior regulamentação levanta um perigo ainda mais real, para o qual alerta, aliás, a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal. É que a orgânica e as competências da PJ acabam por ficar ao sabor das flutuações dos governos e dos ministérios, até das suas eventuais e possíveis manipulações ou arbítrios, já que será feita por portaria a regulamentação de aspectos que são de importância essencial para a actuação da PJ em domínios que, de acordo com a lei, não podem nem devem sujeitos a simples regulamentação administrativa.
Não se pense que falamos de pormenores ou de aspectos meramente procedimentais. Entre as matérias que ficam por regulamentar encontram-se, nomeadamente, as unidades orgânicas da PJ e as suas competências. Note-se que a lei vai ao ponto de criar novas unidades na PJ sem, no entanto, lhes conferir quaisquer competências.
As próprias competências da PJ respeitantes à investigação são remetidas para a Lei de Organização e Investigação Criminal. Ou seja, estamos aqui a discutir uma proposta de lei cujo conteúdo efectivo depende da aprovação de diplomas subsequentes e ninguém, fora da área do poder, sabe o que eles dirão.
Note-se que a Lei de Organização da Investigação Criminal define as competências da PJ relativamente à investigação criminal, não tendo o Ministro ainda esclarecido se haverá alterações substanciais ou transferência de competências entre os órgãos de polícia criminal.
A pergunta impõe-se: será que faz sentido uma reforma assim pulverizada e desconexa, em que se aprovam peças soltas de um quadro que deve funcionar como um todo? Claramente, parece-nos que não.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Orador: — Em segundo lugar, o Bloco de Esquerda encara com grande preocupação o que está previsto quanto ao sistema de informação criminal. Trata-se de uma matéria da mais alta sensibilidade, pois consiste no conjunto de informações com incidência nos direitos, liberdades e garantias com relevância para a investigação criminal.
Prevê-se que a PJ disponha de um sistema de informação criminal de âmbito nacional, o que faz sentido.
No entanto, prevê-se também que ele se articule com os demais sistemas de informação criminal legalmente previstos, sem se clarificar qual será a entidade que vai tutelar e coordenar o sistema integrado que daqui resultaria. Não se sabe se vai ser uma entidade de polícia criminal ou uma entidade governamental. Dada a sensibilidade da informação contida neste sistema de registo, estas diferenças não são de somenos.
A razão é simples: não está fechada a possibilidade de este sistema de informação criminal vir a ser tutelado pelo Sistema Integrado de Segurança Interna, o qual responde perante um só secretário-geral, o qual reporta directamente ao Primeiro-Ministro. Ou seja, para além de se correr o risco de desviar a informação criminal do seu papel essencial, que é o de ser utilizado pelos órgãos de polícia criminal para fins de coordenação de investigação, ainda o colocaríamos sob a tutela governamental, com os riscos inerentes que escuso de comentar.
De facto, o Ministro Rui Pereira referiu aqui, na Assembleia, em Junho, que se iria «alargar a estrutura coordenadora, que hoje apenas compreende os responsáveis pelos três principais órgãos de polícia criminal (GNR, PSP e PJ), clarificar as competências das várias polícias e garantir a partilha de informações entre elas segundo princípios de necessidade e competência».
Dada a orientação geral com que tem sido desenhada pelo Governo a organização das forças de segurança, tememos bem que esta «estrutura coordenadora» possa ter poderes efectivos que não só condicionem a autonomia da Polícia Judiciária como, em si mesmos, não tenham mecanismos de fiscalização garantidores da privacidade e dos direitos dos cidadãos contra o abuso de «estruturas» de poderes tão largos quanto indefinidos.
Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Preocupa-nos também o visível desaceleramento legal e administrativo no combate à criminalidade económica, já constatável no Relatório de Segurança Interna, de 2006, apesar do seu agravamento aí constatado.
A criminalidade económica e financeira é um dos tipos de criminalidade mais especializados e com maior expressão económica, o que, aliás, é reconhecido no referido relatório.
Apesar disso, a estratégia do Governo para as forças de segurança parece apostar cada vez mais no congelamento das vagas para efectivos, ao abrigo do PRACE, tal como, mais uma vez, se refere nesta proposta de lei.
Assim, a nossa questão é esta: que medidas estão previstas especificamente para o combate à criminalidade económica e financeira? Já que não se vislumbram alterações quanto à definição dos crimes económicos e financeiros, será que existirá, pelo menos, um esforço no sentido de um aumento de

Página 36

36 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

investigação destes crimes? De acordo com a proposta presente, não nos parece.
A presente proposta de lei de orgânica da PJ diz pouco e deixa adivinhar muito. Em ambos os casos, no que diz e no que sugere, contém elementos muito preocupantes, razão pela qual não a podemos acompanhar com o nosso voto.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, para uma intervenção.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É um dado inequívoco que a criminalidade mudou.
As transformações sociais, políticas e económicas alteraram praticamente todos os paradigmas anteriores de combate a todas as formas de ilícitos criminais.
As fronteiras tradicionais há muito que foram ultrapassadas nos seus limites, em face do carácter transnacional da criminalidade. Constituem exemplos evidentes o terrorismo, a corrupção, o branqueamento de capitais e o tráfico de estupefacientes, que representam, actualmente, fenómenos de extrema complexidade e de contornos e ramificações internacionais.
Em face desta realidade, urge promover alterações estruturais e orgânicas no âmbito da Polícia Judiciária, procurando aumentar a operacionalidade e a especialização desta Polícia, e, bem assim, estabelecer uma organização adequada à actualidade e aos fenómenos criminais referidos.
Neste sentido, o Governo apresentou nesta Câmara a proposta de lei n.º 143/X, ora em discussão, que aprova a orgânica da Polícia Judiciária. Nesta sede, propõe-se a criação de unidades nacionais, tendo como especial missão o combate à criminalidade organizada e que vêm substituir as anteriores direcções centrais, concentrando, assim, naquelas unidades o combate ao terrorismo, à corrupção e ao tráfico de estupefacientes.
Esta reestruturação visa corresponder as actuais características da criminalidade e à natureza socialmente gravosa daqueles ilícitos, que reclamam, naturalmente, uma resposta e uma intervenção adequadas do ponto de vista da operacionalidade.
Ainda de acordo com esta lógica de reorganização estrutural dos serviços, e tendo em conta a reconhecida necessidade de racionalização dos recursos no sentido da obtenção de maior eficiência e eficácia nas actividades desenvolvidas, criam-se unidades com novas designações e âmbitos de actuação diferentes.
Procede-se, assim, ao alargamento das competências das unidades territoriais ora criadas relativamente àquelas que estavam cometidas às anteriores directorias, em função da transferência de responsabilidade do combate a algumas áreas mais genéricas da criminalidade que recaem sobre estas novas unidades.
Já os departamentos de investigação criminal dão lugar a unidades regionais e locais, na dependência hierárquica e sob a coordenação das unidades territoriais, com características fundamentalmente operacionais, aligeirando as respectivas estruturas internas e procurando ganhos ao nível da eficiência das actividades de investigação. São ainda propostas outras alterações na orgânica desta Polícia, designadamente no que respeita às instituições de formação de funcionários, sem esquecer a componente de cooperação internacional.
Deste modo, e no quadro das orientações definidas pelo PRACE e dos objectivos do Programa do Governo no tocante à modernização administrativa e à melhoria da qualidade dos serviços públicos, é de sublinhar o esforço de racionalização estrutural, sobretudo progredindo em matéria de modelos organizacionais dos serviços que integram a respectiva estrutura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a Polícia Judiciária é a polícia a que o Estado de direito democrático confia o combate a criminalidade organizada, amplamente complexa e violenta.
É uma polícia de reconhecido prestígio, quer pelos portugueses, quer internacionalmente, com créditos firmados nos sucessivos e impressivos resultados alcançados em áreas muito relevantes.
É incontestada a capacidade, dedicação e competência do seu pessoal de investigação que tem sido corolário do alto nível de eficácia com que a Polícia Judiciária tem servido Portugal e a Europa.
Estamos, pois, certos que a Polícia Judiciária, agora chamada a responder a este novo quadro de mudança, o fará com o profissionalismo e a proficiência com que tem executado a sua missão.
É assim, no quadro da resposta que pelo lado da administração central do Estado importa dar a todo este quadro de mudança, que temos vindo a aprovar um conjunto de instrumentos legislativos, entre os quais se contam a Lei-Quadro da Política Criminal e a proposta de lei em apreço, que são evidências do empenho da administração central no intenso processo de modernização e reforma, procurando, por um lado, estabelecer garantias de eficácia e coerência entre as prioridades e objectivos a prosseguir pelos órgãos de polícia criminal e, por outro, partilhar objectivos comuns de racionalização, eficiência, controlo externo e prestação de contas.
As potencialidades do novo quadro de cooperação e instrumentos europeus de novo alcance no domínio da identificação de ameaças, são agora amplamente aproveitadas, daqui decorre a necessidade de um

Página 37

37 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

recurso crescente à qualificação e à modernização científica e tecnológica no âmbito da investigação criminal, onde se inscrevem, também, os trabalhos em curso com vista à constituição de uma base de dados genéticos. Implica igualmente a intensificação da cooperação europeia e internacional, a fim de assegurar as condições necessárias para o combate à grande criminalidade transfronteiriça.
Na verdade, a busca de eficácia e eficiência na actuação da Polícia Judiciária não se esgota na proposta ora em apreço.
Para além dela, há o reconhecimento da necessidade de afectação de meios humanos e materiais à Polícia Judiciária, no sentido de esta poder dar resposta efectiva às solicitações que lhe são colocadas.
Deste modo, não posso deixar de referir a admissão de 190 novos elementos, representando uma renovação de mais de 10% do total dos efectivos existentes.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em suma, a presente proposta vem responder às mudanças de paradigma verificadas, operando uma real adaptação orgânica e estrutural, capaz de extrair as necessárias consequências da alteração do conceito que foi legalmente consagrado há anos e que era, ao tempo, condizente com a realidade.
É, portanto, em cumprimento deste vasto e exigente «caderno de encargos», que visa o aprofundamento da vocação judiciária, o reforço do empenhamento europeu e internacional, o desenvolvimento de boas práticas em quadros institucionais complexos e a adaptação activa não só ao contexto legal resultante da revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal como, sobretudo, ao novo modelo de definição da política criminal, que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista saúda e aprova a proposta de lei em apreço, contando naturalmente com todos os que dão o seu melhor na Polícia Judiciária, em todos os postos e que já provaram que reúnem a energia, a competência e a experiência para viabilizarem, com sucesso, estas mudanças.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governos, Sr.as e Srs. Deputados: Não é preciso gastar muito tempo para enaltecer a importância que tem a Polícia Judiciária para o combate à criminalidade e para o Estado de direito democrático.
Daí que, do nosso ponto de vista, é um dever do poder político, desta Assembleia e do Governo, dotar a Polícia Judiciária com os instrumentos legais mais adequados ao cumprimento da sua missão, e especificamente é dever do Governo garantir à Polícia Judiciária as condições adequadas, em termos dos respectivos meios humanos e materiais, para poder cumprir eficazmente as suas funções e combater a criminalidade altamente organizada, a criminalidade mais complexa e sofisticada, o que é a missão fundamental da Polícia Judiciária.
É também fundamental para o cumprimento dessa missão, a bem do Estado de direito democrático, que a Polícia Judiciária tenha também as garantias de desgovernamentalização, de independência e de isenção no exercício da sua actividade.
Posto estas considerações, há alguns aspectos desta proposta de lei que gostaria de referir, quer para exprimir preocupações, quer para registar alguns aspectos que, do nosso ponto de vista, devem ser registados.
Em primeiro lugar, quero salientar que, porventura por lapso, o Governo omitiu na proposta de lei, no seu artigo 3.º, uma referência à autonomia táctica da Polícia Judiciária. Admitimos que possa ter sido um lapso da proposta de lei, na medida em que a autonomia táctica é fundamental para o bom funcionamento da Polícia Judiciária e para o cumprimento das suas funções. Portanto, confiamos que haja da parte do Governo e da maioria disponibilidade para corrigir, na especialidade, a ausência desta expressão no n.º 2 do artigo 3.º e que juntamente com a autonomia técnica, que está aqui consagrada, esteja também a autonomia táctica, como, do nosso ponto de vista — e creio que isso é consensual —, deverá estar.
Quero salientar ainda, e aqui registar positivamente, que no artigo 5.º se refere explicitamente que «compete à Polícia Judiciária assegurar o funcionamento dos gabinetes da Interpol e Europol para os efeitos da sua própria missão e para partilha de informação, no quadro definido pela Lei de Segurança Interna».
É bom que isto fique claro de uma vez por todas, porque nos recordamos, e não foi há muito tempo, que no âmbito deste Governo foi anunciado que a Polícia Judiciária ia ser privada destes dois gabinetes e que iriam passar para uma estrutura sob a dependência directa do Primeiro-Ministro.
Ainda bem que isso não aconteceu,…

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Ainda vai acontecer!

O Orador: — …ainda bem que se mantém na Polícia Judiciária, tendo em conta o papel que a Polícia Judiciária tem a este nível e o estatuto que lhe é reconhecido, do ponto de vista internacional, enquanto interlocutor do Estado português para o combate à criminalidade transnacional e altamente organizada.

Página 38

38 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Portanto, nesse sentido é bom que fique claro que a Polícia Judiciária não se verá privada dos gabinete da Europol e Interpol em benefício de qualquer outra entidade, designadamente ligada ao poder político.
Quero ainda referir dois aspectos relativos a esta proposta de lei. Gostaria de chamar a atenção para uma incongruência, em termos sistemáticos, que faz com que passemos a ter não uma mas duas leis orgânicas da Polícia Judiciária. Existe uma lei orgânica, que está neste momento em vigor, e o Governo apresenta agora uma proposta de lei para uma orgânica da Polícia Judiciária; simplesmente, da lei orgânica anterior, o Governo mantém em vigor 106 artigos. Portanto, dos 179 artigos do diploma, 106 artigos vão permanecer em vigor, pelo que vamos ter uma espécie de «lei orgânica A» e «lei orgânica B», ficando em vigor, repito, 106 artigos da anterior, e agora soma-se uma nova lei orgânica.
Assim, creio que vai criar-se aqui uma confusão sistemática, que era perfeitamente dispensável, mas é isto que vai efectivamente acontecer, o que não é bom em termos da unidade da ordem jurídica portuguesa.
Agora, passo a referir a nossa maior preocupação a propósito desta proposta de lei, que diz respeito ao respectivo artigo 8.º.
Este artigo refere-se ao sistema de informação criminal e diz que a Polícia Judiciária dispõe de um sistema de informação criminal de âmbito nacional — o que tem toda a lógica — e que o sistema referido articula-se e terá a adequada interoperabilidade pelos mais sistemas de informação criminal legalmente previstos.
Ora, o que acontece é que, há alguns anos atrás, no tempo em que o recém eleito Presidente da Câmara Municipal de Lisboa era Ministro da Justiça, foi criado no papel o chamado Sistema Integrado de Informação Criminal, o SIIC, e era suposto que esse sistema integrado pudesse servir as várias forças policiais, pudesse haver uma troca de informação fluida e ágil entre elas, entre a Polícia Judiciária, a PSP, a GNR e o SEF.
Ora, o que acontece é que esse SIIC ficou no papel, não foi criado e nunca mais se falou dele.
Entretanto, o Dr. António Costa deixou de ser Ministro da Justiça, passou para outro cargo ministerial, a pasta da justiça foi ocupada por outro titular, houve outros governos pelo meio e nunca mais se falou do Sistema Integrado de Informação Criminal. Ficámos sem saber se ele foi definitivamente abandonado, mas a avaliar pelo conteúdo deste artigo 8.º parece ter sido.
E o que se diz aqui é que haverá uma articulação e uma adequada interoperabilidade com os demais sistemas de informação criminal, pelo que, segundo julgámos perceber quando do anúncio da reestruturação das forças de segurança, quem assegurará esta interoperabilidade e esta articulação será, porventura, o Secretário-Geral do Sistema Integrado de Segurança Interna.
Ou seja, a troca de informação entre as várias polícias deixa de estar sedeada ao nível das polícias, passa a estar sedeada ao nível do poder político e passa a ser comandada por um titular de um órgão do poder político que reporta directamente ao Primeiro-Ministro.
Sr. Ministro da Justiça, isto cria um grave precedente. O facto de a informação criminal passar a ser controlada, em última análise, por alguém que é de nomeação governamental e que funciona sob a dependência directa do Primeiro-Ministro cria um grave precedente em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e coloca o poder político em condições de poder ter acesso a toda a informação criminal, o que, efectivamente, é algo com o que o poder político não deve poder interferir, é algo a que não pode ter acesso, sob pena de estarmos a comprometer de uma forma decisiva e muito grave a isenção do funcionamento das autoridades de investigação criminal.
Portanto, este artigo 8.º suscita-nos as maiores preocupações e faz com que, só por si, seja suficiente para que não possamos dar o nosso apoio a esta proposta de lei que o Governo aqui nos apresenta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as diversas contribuições e críticas que foram apresentadas e quero também garantir ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo que continuaremos a viver em democracia e com as liberdades respeitadas.
Esta não é uma lei «liberticida» e concluirá certamente que dela não vão advir todos aqueles inconvenientes que lhe apontou à nascença.
Gostaria de dizer que esta lei se compreende num quadro de renovação, no plano da modernização administrativa do Estado, ela faz corpo com outras mudanças que ocorreram em paralelo, bem como num quadro de renovação da área da segurança interna e da investigação criminal.
É verdade, como alguns Srs. Deputados aqui notaram, que há aspectos que têm de ser precisados noutra legislação, mas esta Assembleia vai ter toda a oportunidade para discutir, para questionar e até para apresentar alternativas em relação às soluções que aqui vão ser apresentadas nesses domínios, nomeadamente no domínio da informação, a que se referiu o Sr. Deputado António Filipe, que apontou, e bem, uma evolução, que hoje é consensual, no sentido de um sistema integrado de todas as polícias de vocação nacional para um sistema com autonomias relativas, ligadas por interoperabilidade.

Página 39

39 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Esse outro conceito dá mais garantias, quer de eficácia, quer dos direitos dos cidadãos, e ele vai aqui ser trazido. Não vai ser um sistema com um controlo político, a Assembleia terá ocasião de debruçar-se sobre os vários instrumentos pensados para assegurar a protecção e fidedignidade desse sistema e, portanto, não me parece adequado exarar à partida um juízo «liberticida» sobre uma proposta que visa, em primeiro lugar, assegurar direitos, liberdades e garantias e prover às necessidades da luta contra o crime.
Gostaria ainda de acrescentar que a referência feita à nossa falta de ênfase no combate a determinados tipos de crime é particularmente injusta.
Na realidade, nos dois anos que vão decorridos, através de toda a sorte de instrumentos, de protocolos, de actuação conjunta com outros ministérios, de admissão de novos elementos, provámos que a luta contra a criminalidade económica e financeira é realmente uma prioridade, tem tido resultados muitíssimo significativos e vai continuar a ter.
Já que aqui foram mencionados os 150 novos agentes que estão neste momento a fazer provas, devo dizer já destinámos metade desses agentes à luta contra a criminalidade económica e financeira.

Aplausos do PS.

Podemos repetir palavras sobre as liberdades que são ou ficam ameaçadas – são palavras! –, mas temos de reconhecer os esforços que foram feitos neste domínio e os novos instrumentos que foram postos no terreno.
Também não devemos exaltar aspectos como o de estar ainda em vigor uma parte de uma lei anterior, isso é o que existe em todo o universo legislativo. O facto de continuarem a vigorar aspectos e partes de leis e de haver revogações parciais é o que existe! Entendemos que os aspectos estatutários constantes da anterior legislação não deviam ser agora revogados e, portanto, do ponto de vista da teoria legislativa e jurídica, isto não tem qualquer problema. Não façamos uma espécie de fantasia política em torno de debates políticos que exigem opções políticas e temas políticos.
Em relação à autonomia táctica, ela continua consagrada na Lei da Organização e da Investigação Criminal, ou seja, não «faleceu» nem «faleceria» mesmo que a lei tivesse as mesmas palavras que constam desta proposta.
Queria, sobretudo, desafiar esta Assembleia para que exerça o seu potencial e as suas prerrogativas em relação aos grandes instrumentos de reforma da organização da investigação criminal da segurança interna, que, evidentemente, têm de ser afinados com um elevado sentido democrático e um elevado sentido parlamentar.
Compreendo bem as observações sobre certos preceitos cujo sentido precisa de outros diplomas para poderem ser concretizados. Pois é isso que vai requerer o trabalho de todos, porque é importante que estas leis tenham um forte apoio parlamentar.
Quando falamos das polícias num Estado democrático precisamos de um forte apoio parlamentar. Por esta razão, estamos receptivos a melhorar disposições e a consagrar novas garantias, de maneira a que as leis que daqui saiam sobre polícia, sobre segurança e sobre investigação criminal tenham, realmente, um elevado padrão democrático e possam obter um forte apoio dentro desta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, terminada a apreciação deste diploma, a Sr.ª Secretária vai dar conta de duas iniciativas que deram entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram aceites, os projectos de resolução n.os 228/X – UNITAID — Facilidade Internacional de Compra de medicamentos (Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas) e 227/X – Aprova a iniciativa «Software Livre no Parlamento» (PCP).

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 145/X – Altera o Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.
Para apresentar a iniciativa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei destina-se a alterar o artigo constante do decreto-lei que define os direitos de participação sindical na Administração Pública.
Esta alteração tem, aliás, a finalidade muito simples de regular o direito de crédito horário que assiste aos dirigentes sindicais da Administração Pública para o exercício das suas funções como membros de corpos gerentes dos respectivos sindicatos. Este direito pode ser acumulado ou cedido a outro trabalhador da mesma associação sindical, desde que este integre igualmente um corpo gerente.
Na lei actual, este direito não se encontra ainda regulado e a proposta do Governo é a de que essa

Página 40

40 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

regulação se faça através da aplicação de dois critérios simples. O primeiro é o que determina que as organizações sindicais têm direito ao uso desse crédito horário à razão de um beneficiário por cada 200 trabalhadores, havendo um limite de 50 membros dos corpos gerentes por cada organização sindical.
O segundo critério de regulação desse direito é o de considerar que a contratação colectiva prevalece sobre esta norma regulatória, se for o caso. Diz, portanto, a proposta de lei que é possível que, pelos meios habituais da negociação colectiva, por regulamentação saída desta sede, se estabeleçam outras regras para regular o exercício deste direito dos trabalhadores membros dos corpos gerentes de organizações sindicais na Administração Pública. Este é o sentido e a substância desta proposta.
A razão de ser desta iniciativa está, por outro lado, relacionada com a impossibilidade de transpor mecanicamente para o universo da Administração Pública aquilo que a este respeito determina o Código do Trabalho em relação ao sector privado.
De facto, o Código do Trabalho regula este direito a um crédito de horas dos membros das direcções das organizações sindicais para efeitos do exercício da sua actividade de dirigentes sindicais por um critério aplicado às empresas e à dimensão e número de trabalhadores de cada uma delas. Ora, nem há empresas na Administração Pública nem se poderiam considerar estabelecimentos, por exemplo, cada uma das escolas, das universidades ou institutos politécnicos, dos centros de saúde ou dos hospitais do sistema público. Basta, aliás, fazer uma aplicação abstracta e simples dessa regra ao conjunto, por exemplo, das 10 000 escolas para perceber a sua intransponibilidade mecânica.
Há, portanto, duas razões para esta proposta de lei. A primeira é a necessidade de regular o exercício deste direito e a segunda é a impossibilidade de o fazer por remissão imediata e mecânica ao disposto no Código do Trabalho.
Queria deixar uma última palavra para as questões de método. Do ponto de vista do Governo, esta é uma matéria que implica – e implicou – um processo de consulta, entre outras, às organizações representativas dos trabalhadores da Administração Pública. Esta consulta pública é estabelecida nos termos da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que estabelece o regime de negociação colectiva e a participação dos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público. Esta lei é muito clara quando diz que na elaboração da legislação respeitante ao regime geral ou especial da função pública que não for objecto de negociação, como é o caso desta, deve haver uma consulta escrita ou oral às organizações sindicais.
Esta é uma matéria típica de direitos, liberdades e garantias. Não é uma matéria relativa ao exercício de um direito colectivo, mas, sim, uma matéria que regula as condições necessárias ao exercício do direito de participação sindical de cada membro das organizações. Como tal, o Governo subscreve, naturalmente, o parecer da 1.ª Comissão, que é muito claro sobre esta matéria.
Esta Comissão teve oportunidade de consultar, quer por escrito, quer oralmente, as organizações sindicais. Estou informado de que a Comissão de Trabalho também procedeu às reuniões com as organizações sindicais que as solicitaram e queria, em nome do Governo, salientar a nossa total disponibilidade para que esse processo de auscultação prossiga, de forma a que nenhuma organização possa dizer que não foi ouvida ou que não se pôde exprimir, mesmo que tal acarrete o desrespeito pelos prazos que a comissão competente da Assembleia da República determinou.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mas nada disso substitui a negociação com os sindicatos, Sr. Ministro!

O Orador: — Já tomei conhecimento de que o Grupo Parlamentar do PS solicitou a baixa à comissão sem votação desta iniciativa para que todos os processos de audição e de consulta eventualmente pendentes ou que se considere que são adicionalmente necessários se possam fazer com todo o respeito e sem que haja qualquer espécie de dúvida sobre a sua realização.
Finalmente, estou certo de que todos os grupos parlamentares entendem que o sentido da substância desta proposta é o de regular um direito. Não se trata de limitar um direito mas, sim, de limitar qualquer abuso, regulando o direito à participação sindical dos dirigentes das organizações representativas da Administração Pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Já é a consciência a falar?

O Sr. Presidente: — Há dois Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, não desqualificando a sua presença neste debate, como é óbvio, gostava de lamentar, antes de mais, a ausência da Sr.ª Ministra da Educação. Tanto quanto sei, esta proposta de lei «peregrina» (pelo menos quanto à forma como chegou e foi apresentada à Assembleia da República) é oriunda do seu Ministério. Julgo, portanto, que se justificava que a Sr.ª Ministra,

Página 41

41 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

não se escondendo do debate e das câmaras de televisão, como tem feito nos últimos meses, se apresentasse perante este Plenário para responder às questões que temos para lhe colocar a este respeito.
O Partido Socialista tem criado, ao longo da governação, um clima de perseguição política e de gestão da coisa pública baseada em critérios político-partidários, instrumentalizando a autoridade do Estado e utilizando o ius imperii a seu bel-prazer.
A proposta de lei que hoje discutimos é um exemplo claro da arrogância, da prepotência e do afastamento propositado dos agentes da sociedade da discussão pública e da participação no processo de construção das soluções que conformarão o exercício da actividade sindical. O Governo impõe ditatorialmente as suas vontades, num estilo e atitude próprios de um qualquer regime totalitário do século passado.
É neste contexto que o Governo apresenta à Assembleia da República a proposta de lei n.º 145/X, referente ao exercício da liberdade sindical. Neste caso que agora discutimos, também o Governo se preocupou em impor a sua perspectiva e em cercear a participação dos sindicatos. Tudo isto acontece num Estado de direito democrático com o beneplácito e cumplicidade da bancada parlamentar do Partido Socialista, que se queda muda e calada.
Finalmente, aqui, na Assembleia, os sindicatos foram recebidos e ouvidos, mas tal só aconteceu por vontade determinada dos dirigentes sindicais – os tais a quem, agora, se pretende limitar o exercício da actividade sindical – e porque os Deputados da oposição afirmaram o seu veemente protesto por este procedimento.
As audições realizadas no Parlamento não obstam e muito menos colmatam a obrigatoriedade de negociação que o Governo entendeu não cumprir. É inadmissível e insustentável que se proceda à alteração do regime jurídico relativo ao exercício da liberdade sindical sem que os sindicatos se tenham sentado à mesa das negociações com o Governo. Os sindicatos não são o inimigo, são parceiros e participantes no encontro das melhores soluções para os trabalhadores, para o Governo e para o País.
Que se estabeleça um critério para a concessão do crédito mensal de dias remunerados para o exercício da actividade sindical é matéria com que o PSD concorda. Trata-se, inclusive, de matéria com que os sindicatos recebidos nesta assembleia, perante Deputados dos diversos grupos parlamentares, afirmaram concordar. O critério poderá ser este ou outro, mas, para tal, este processo está enfermado à nascença.
Tem de ser negociado com os sindicatos, discutido e debatido, sujeito a audição pública e aí, só nesse momento, se encontrará a melhor solução, porque será uma solução partilhada e negociada.

O Sr. António Gameiro (PS): — A Assembleia a negociar com os sindicatos?! Era o que faltava!

O Orador: — Face a esta proposta de lei, há duas questões para as quais é imprescindível resposta.
A aplicação deste critério numérico obriga ao conhecimento e à revelação, por parte dos sindicatos, do número dos seus associados. Como tenciona o Governo obter estes dados? Vai coagir os sindicatos e os trabalhadores, obtendo prova através de extractos bancários ou recibos de remunerações dos quais constem as quotizações sindicais? Uma segunda questão respeita à existência de dirigentes sindicais eleitos em pleno exercício de mandato conferido pelo voto dos trabalhadores. O que acontece às condições de exercício desses mandatos se, com a possível entrada em vigor destas normas, a limitação impuser o término do direito ao crédito remuneratório e consequente disponibilidade para o exercício da actividade sindical? Sr. Ministro, gostava de obter respostas concretas a estas duas questões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, reparamos que a sua consciência começa a «vir ao de cima» e a obrigá-lo a abordar um conjunto de questões que o preocupam e aos Deputados da bancada do Partido Socialista, quanto ao método usado neste processo legislativo.
Não podemos deixar de registar também o facto de o Sr. Ministro não estar devidamente acompanhado pelo seu colega responsável pela iniciativa legislativa.
Sr. Ministro, o processo legislativo desta proposta é, no mínimo, insólito. De facto, esta iniciativa, que visa limitar o número de trabalhadores que acedem ao crédito de quatro dias por mês para a actividade sindical, não foi alvo de negociação entre os sindicatos e o Governo. Esta é uma matéria que deveria ser negociada. Assim o obriga a lei e o bom senso. Na verdade, impor aos sindicatos limites à sua actividade sem sequer os ouvir «não lembra ao diabo»!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mal lembrou ao Governo!

O Orador: — Na verdade, este comportamento é revelador da atitude do Governo, cada vez mais autoritário, que usa e abusa da maioria parlamentar que tem para impor leituras enviesadas da lei. Sabendo

Página 42

42 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

que o anterior decreto-lei foi negociado com os sindicatos, por que é que esta proposta, que causa alterações profundas no movimento sindical, não o foi?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Orador: — Por muito que o afirme, não está aqui em causa a moralização e o combate aos abusos.
Se assim fosse, o Governo teria de ouvir os sindicatos, muitos dos quais combatem esses mesmos abusos e apresentam propostas concretas a este respeito.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Não! Na presente proposta o que está em causa é um ataque ilegítimo ao movimento sindical. O que o Sr. Ministro e o seu Governo querem é condicionar a actividade sindical dos que têm levantado a voz contra as políticas gravosas deste Executivo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — O Sr. Ministro acredita que pode haver liberdade sindical se não forem garantidas as condições para que os sindicatos a exerçam? Não sei se V. Ex.ª está à vontade nesta matéria, mas importava esclarecer-nos sobre a alteração efectuada no n.º 4 do artigo 12.º. Aqui, a proposta estabelece um mecanismo de regulamentação que pode, através da negociação posterior, estabelecer outros critérios para a determinação dos trabalhadores que podem usufruir do crédito de horas. Sr. Ministro, este n.º 4 calca clara e deliberadamente a linha da não ingerência no movimento sindical. Vão o Sr. Ministro e o seu Governo privilegiar uns sindicatos em detrimento de outros? Em função de quê? Do seu comportamento nas mesas de negociações e da sua actividade reivindicativa?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões colocadas e passo a responder de imediato.
O Sr. Deputado Miguel Santos demorou 4 minutos e 12 segundos para dizer que estava de acordo com a substância da iniciativa do Governo e com a necessidade de regular o uso deste direito. Colocou ainda duas questões, às quais respondo de imediato.
A primeira procurava saber como é que o Governo tenciona agir na determinação do número de associados dos sindicatos, e eu direi que em boa fé e em concertação com os sindicatos, ou seja, acreditando nos valores que estes indicam.
Em segundo lugar, perguntou o que acontece com os dirigentes eleitos. Cumprirão os seus mandatos, sendo certo que o critério que está aqui previsto é suficientemente generoso para que as organizações sindicais dos trabalhadores da Administração Pública sejam fortes, com corpos gerentes na dimensão necessária, e para que os trabalhadores membros destes corpos gerentes tenham direitos, tenham créditos horários para a realização das suas actividades de dirigente sindical.
Para esconder que estava de acordo, o Sr. Deputado teve de fazer umas afirmações que gostaria de contestar, se me permite.
Em primeiro lugar, falou da ausência da Sr.ª Ministra da Educação. Este diploma não valerá apenas para o Ministério da Educação mas, sim, para o conjunto da Administração Pública. Claro que o Ministério da Educação tem aqui uma centralidade, como têm o Ministério da Saúde, do Trabalho e da Segurança Social e outros que dispõem de redes disseminadas em «filigrana» pelo território.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É uma «filigrana» cada vez mais reduzida!

O Orador: — Mas não é apenas o Ministério da Educação que está aqui em causa.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado acusa este Governo de seguir critérios político-partidários na Administração Pública. Está equivocado, pois não está a ver-se ao espelho. Essa bancada e esta, a do CDS-PP, quando estavam no Governo é que propuseram e fizeram aprovar, na Assembleia da República, uma lei sobre os dirigentes na Administração Pública que consagrava a nomeação política «em cascata» até ao nível de chefes de divisão.
E uma das primeiras iniciativas deste Governo e desta maioria parlamentar, sob a forma de proposta de lei, também defendida por mim nessa ocasião, foi justamente repor os concursos públicos nas chefias intermédias, nos directores de serviços e nos chefes de divisão.

Página 43

43 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Portanto, como o Sr. Deputado não está a olhar-se ao espelho, peço-lhe licença para não aceitar esta sua crítica.
Devo dizer que não há afastamento da participação sindical, pois esta proposta de lei cumpre escrupulosamente o que está determinado na Lei n.º 23/98, que regula o exercício da participação sindical na Administração Pública.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Isso não é verdade!

O Orador: — É, sim. O artigo e a alínea invocados estão referidos na exposição de motivos e são acompanhados pelo parecer da 1.ª Comissão, que é, aliás, a Comissão competente. Independentemente de todas as consultas que se entender fazer na Comissão de Trabalho e Segurança Social ou noutras (o Governo está completamente aberto ao que a Assembleia da República entender fazer), a 1.ª Comissão é a competente. Trata-se da regulação do direito de cada membro de um corpo gerente de um sindicato, por si mesmo, ter um crédito horário, que, depois, é transferível e acumulável em certas circunstâncias.
Portanto, não era necessária negociação colectiva, pois não se trata de matéria que exija mais do que a participação, a audição, a consulta das organizações sindicais.
Espanto-me com a concepção, pouco própria de uma democracia parlamentar como é a nossa, de uma suposta menoridade do Parlamento ou da consulta a organizações sindicais quando essa consulta e esse processo de audição são desenvolvidos em sede parlamentar!

Protestos do PCP.

Que estranha concepção de democracia parlamentar é esta! Então, uma consulta e uma participação sindical conduzidas na Assembleia da República são inferiores a processos de consulta conduzidos apenas pelo Governo?! Que concepção tão canhestra do que é a democracia parlamentar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que súbito entusiasmo pelo Parlamento!

O Orador: — O Parlamento é soberano. Tem de ouvir os sindicatos nesta matéria, como já o fez — e, se for esse o entendimento do Parlamento, continuará a ouvir —, mas é soberano na determinação desta questão.
Esta não é apenas uma questão interna das organizações sindicais. Aliás, não tem nada a ver com isso, tem a ver com as condições em que as organizações sindicais, organizando-se como entenderem, tendo o número de associados que entenderem, desenvolvendo as actividades que entenderem, podem dispor, através de cada um dos membros dos seus corpos dirigentes, dos créditos horários remunerados para o exercício da actividade sindical. Neste caso é que se trata, Sr. Deputado Jorge Machado, de contrariar, de facto, um abuso de direito.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu a que número chegou, em 2005, o número de professores dispensados totalmente de componente lectiva no Ministério da Educação a título de serem todos membros de corpos gerentes de organizações sindicais: foram 1200, Sr. Deputado! É, manifestamente, um abuso de direito, porque havia uma lacuna na lei. A única coisa que o Governo propõe é que ela seja suprida, com um critério suficientemente generoso.
Sei que o Sr. Deputado Jorge Machado não acredita na contratação colectiva, na negociação colectiva e nos compromissos constitutivos do Estado social.

Protestos do PCP.

Sei que não acredita, pois o seu modelo de Estado é outro. Mas nós acreditamos. É por isso que da mesma lei consta um artigo que refere que, havendo um acordo em sede colectiva, é ele que prevalece; não havendo acordo, há uma cláusula que salvaguarda o interesse público, porque é disso que aqui se trata.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Para o Partido Social Democrata a liberdade sindical é um valor essencial e um pilar insubstituível da democracia económica e social, quer nós estejamos no Governo ou na oposição.
O Partido Social Democrata é portador de um projecto de sociedade moderado e tolerante, preocupado com as pessoas e os seus problemas e, ao contrário de outros, não é um partido agnóstico no plano dos princípios e dos valores.
Sempre nos batemos pela livre iniciativa dos cidadãos, pela economia de mercado, pelo livre associativismo dos trabalhadores, mesmo quando outros tentavam impor modelos castradores dessas

Página 44

44 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

mesmas liberdades.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem lembrado!

O Orador: — Em coerência com esse nosso passado, defendemos, hoje, o direito ao livre exercício da actividade sindical como instrumento fundamental para o funcionamento equilibrado de uma sociedade aberta e participada, dinâmica e moderna, europeia e nacional.
É neste quadro que nos pronunciamos sobre a proposta de lei n.º 145/X.
Atenta a forma como foi apresentada, temos de manifestar a nossa perplexidade face aos seus autores, porque, apesar de terem uma história fiel aos valores do sindicalismo livre, é inquestionável que agora tentam condicionar, de forma autoritária e absolutista, quem não se verga aos medos e ousa criticar democraticamente as políticas erradas do Governo.
De facto, a proposta de lei em debate pretende alterar o Decreto-Lei n.º 84/99, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública, passando a consagrar critérios para o crédito de quatro dias remunerados por mês para o exercício de funções sindicais, limitando esse crédito a um trabalhador por cada 200 sindicalizados, no máximo de 50.
Nós, PSD, nem questionamos a necessidade de se estabelecerem novos e diferentes critérios daqueles que estão em vigor para a concessão desses créditos, em ordem a evitar eventuais abusos, por um lado, e a garantir que sejam salvaguardadas as condições adequadas ao normal funcionamento dos sindicatos, por outro.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Orador: — Mas, tratando-se de matéria de liberdade sindical, que respeita ao regime dos direitos de exercício colectivo, esta proposta de lei devia ter sido objecto de prévia negociação do Governo com os sindicatos da Administração Pública, e não o foi, Sr. Ministro.
Esta medida devia ter sido discutida, primeiro, em sede de concertação social e negociada com os sindicatos do sector e só depois o Governo a devia apresentar na Assembleia da República.
A negociação era, e é, necessária, não apenas por imperativo legal, que já é suficiente, mas porque, por exemplo, uma coisa é um sindicato de 10 000 associados, com âmbito nacional, outra, bem diferente, é um sindicato com os mesmos 10 000 associados mas circunscrito à área geográfica da Grande Lisboa, o que significa que estas realidades não podem ser tratadas de forma igual, como prevê o projecto de diploma do Governo.
Mas o Governo preferiu ignorar a concertação social e desprezar os sindicatos. O Governo fez «tábua rasa» dos direitos negociais e desvalorizou a concertação social e os representantes dos trabalhadores, o que consideramos inaceitável. E, se esta proposta vier a ser aprovada pelo Parlamento sem que haja negociação colectiva e efectiva participação de todas as associações sindicais da Administração Pública, receamos bem que ela esteja ferida de inconstitucionalidade, como, de resto, já sucedeu com anteriores casos semelhantes. É que a audição parlamentar ocorreu ou pode repetir-se, mas não substitui nem substituiu a negociação que só ao Governo cabe e só ele pode fazer.
De resto, não se compreende — aliás, estranhamos muito — a pressa do Governo em querer aprovar com carácter de urgência esta proposta. Até dá a ideia de que estamos em presença de uma medida tão importante que dela depende a viabilidade de grandes projectos de investimento para Portugal, que não se podem perder nem adiar, porque trazem riqueza ao País e criam largos postos de trabalho, tão necessários para o meio milhão de portugueses desempregados. É obvio, infelizmente, que não é esse o objectivo da iniciativa do Governo. O que o Governo apenas pretende com esta iniciativa é voltar a afrontar os funcionários públicos, especialmente os professores, seguindo a linha que tem caracterizado o seu mandato desde o princípio.
É, por isso, mais um passo na sua escalada para desprestigiar a função pública, para fomentar o medo, a instabilidade e a insegurança, agora através da imposição unilateral de restrições às liberdades sindicais.
Este caminho está errado, porque é injusto e desmotiva os funcionários públicos, não resolve nenhum dos problemas dos portugueses e só serve de propaganda à imagem de autoridade que o Governo quer transmitir, mas que, na prática, confunde com autoritarismo.
Fortemente criticado por todos os lados, o Governo recuou e apresenta-se, agora, com aparente disponibilidade para ponderar a sua medida. Registamos esse facto, mas não nos iludimos quanto aos verdadeiros objectivos que presidiram à apresentação desta proposta.
Os tiques de autoritarismo, a arrogância do «quero, posso e mando», que está a semear o medo nos locais de trabalho e na sociedade portuguesa, expressos em casos públicos de delação, de perseguição política e de saneamento profissional, estão subjacentes ao processo de apresentação desta medida pelo Governo, o que é muito grave e não pode ser esquecido.
Por isso, embora esperando que o Governo passe a respeitar a livre negociação, não nos congratulamos com o seu recuo. Antes afirmamos que não consentiremos, com o nosso silêncio, que os direitos e as

Página 45

45 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

liberdades fundamentais dos portugueses, sejam eles quais forem e exerçam a actividade que exercerem, sejam atropelados pelo Governo PS, como o tem feito nos últimos tempos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Como o Sr. Deputado não dispõe de tempo para responder, não poderá haver pedidos de esclarecimento, a menos que haja uma transferência de tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta vem alterar o Decreto-Lei n.º 84/99, que assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.
Um dos pressupostos da liberdade sindical é o de os trabalhadores serem ouvidos quanto às matérias que directamente lhes dizem respeito, o que nos leva a dizer que o Governo começou mal este processo legislativo. Entendeu, no alto da sua arrogância, que esta matéria não estava sujeita a negociação colectiva — e de nada vale afirmar uma suposta valorização por parte do Governo da acção do Parlamento, porque isso não substitui a negociação colectiva.
Assim, esta proposta de lei não teve negociação nem sequer foi alvo de discussão pública, o que levanta sérias dúvidas quanto à legalidade do processo legislativo.
Ora, a Lei n.º 23/98, que estabelece o regime de negociação colectiva, é bastante clara no seu artigo 6.°, alínea h), quando refere que são objecto de negociação colectiva as matérias relativas ao regime dos direitos de exercício colectivo, que é o caso.
Mas, mesmo que se entenda, erradamente, que o processo não obriga a negociação colectiva, a verdade é que o Governo não respeitou os n.os 12 e 13 do artigo 10.º da referida lei, uma vez que não cumpriu o prazo de 20 dias para a apreciação escrita dos projectos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Leu mal, leu mal!

O Orador: — Assim, o Governo, numa matéria tão importante para os trabalhadores e o seu movimento sindical, entendeu, pura e simplesmente, desrespeitar a lei da negociação colectiva.
Este comportamento é revelador, por parte do Governo, da falta de respeito pela negociação colectiva e pelos sindicatos. Face a este comportamento do Governo e face aos legítimos pedidos dos sindicatos para serem recebidos pela Comissão de Trabalho e da solidariedade social e pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta decidiu convocar alguns dos sindicatos ao abrigo da lei da negociação colectiva.
Importa referir que, além do embaraço que estas audições provocaram nos Srs. Deputados do Partido Socialista, elas em nada substituem o processo negocial que o Governo devia ter levado a cabo e a competente audição prévia que a Assembleia da República devia ter promovido, pelo que os vícios de que a presente proposta de lei enferma não foram sanados.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei altera o artigo 12.º e revoga o artigo 13.º e, desta forma, vem impor limites ao número de trabalhadores que podem aceder ao crédito de quatro dias mensais para a actividade sindical.
Com esta proposta, o Governo estipula que 1 por cada 200 trabalhadores sindicalizados tem direito ao referido crédito e, ao mesmo tempo, estipula como limite máximo 50 trabalhadores a quem pode ser dado esse crédito.
Ora, com um máximo de 50 trabalhadores a poderem usufruir desse direito, o mesmo é dizer que num sindicato com mais de 10 000 sindicalizados estes são claramente prejudicados, uma vez que a sua maior representatividade — e, consequentemente, maior actividade — não beneficia de créditos para a actividade sindical. Assim, poderemos ter a situação injusta de um sindicato com mais de 50 000 trabalhadores sindicalizados e outro com apenas 10 000 terem direito ao mesmo número de trabalhadores com créditos para a sua actividade sindical.
Esta proposta de lei não teve em conta as diferentes realidades do movimento sindical. Há sindicatos que têm uma abrangência nacional, pelo que 50 trabalhadores com créditos para a actividade sindical não chegam.
Por fim, o n.º 4 do artigo 12.º abre as portas à ingerência do Governo no movimento sindical. Mas a intenção do Governo não foi, nem é, a de melhorar as condições para o exercício da actividade sindical.
Também não é moralizar o uso desses créditos, nem combater abusos. A verdade objectiva é que o Governo pretende enfraquecer o movimento sindical.
Para perceber como o faz, basta pensar que um sindicato que tenha abrangência nacional, que abarca dezoito distritos e duas regiões autónomas, passa a contar com apenas 50 dirigentes, que é um número

Página 46

46 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

claramente insuficiente para o exercício da sua actividade sindical.
Esta proposta de lei é já a concretização de uma das propostas apresentadas no Relatório da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais, que afirma que há um excesso de dirigentes sindicais e apresenta a proposta de limitar o número de trabalhadores, membros da direcção dos sindicatos, que beneficiem de créditos de horas para a actividade sindical. A semelhança das propostas, torna bem claro que é intenção do Governo atacar todo o movimento sindical.
Se tivermos em conta que esta proposta de lei surge no contexto em que o Governo cria lista de grevistas, numa tentativa ilegítima de dissuadir os trabalhadores de exercerem um direito constitucional; se tivermos em conta as ameaças, os processos disciplinares e de crime promovidos contra quem se manifesta; se tivermos em conta que este Governo envia forças de segurança às uniões dos sindicatos para proceder à identificação dos manifestantes; se tivermos em conta que este Governo está a promover um clima de medo e de perseguição contra quem manifesta a sua opinião quanto a ele, chegamos à conclusão de que o Governo lida muito mal com a liberdade de expressão e com o direito à manifestação, e que tudo faz para silenciar aqueles que lhe são críticos.
Não basta afirmar que existe liberdade sindical se, depois, o Governo não só não cria, como objectivamente dificulta, as condições mínimas para o exercício dessa mesma liberdade.
Esta proposta de lei, ao atacar os sindicatos e a liberdade sindical, constitui um ataque à democracia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Orador: — Não vivemos num País democrático pelo simples facto de ir votar de quatro em quatro anos. A democracia é muito mais que isso e pressupõe, entre muitas outras coisas, o direito de os trabalhadores se organizarem e de terem as condições necessárias para promover a sua luta pela construção de uma sociedade mais justa.
O objectivo deste diploma é tentar fragilizar e silenciar os sindicatos. Mas, se o Governo julga que, com este ataque, consegue calar todos os sindicatos está redondamente enganado. A história do movimento sindical já deu provas suficientes de que nos momentos mais adversos, mesmo durante o regime fascista, quando imbuídos de um projecto de transformação da sociedade e estando associados às aspirações e esperanças dos trabalhadores, estes sindicatos souberam resistir e encontrar as respostas necessárias para os ataques de que eram alvo.
Com este Governo não vai ser diferente, Sr. Ministro!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Saraiva.

O Sr. Álvaro Saraiva (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, com a proposta de lei n.º 145/X o Governo pretende alterar o Decreto-lei n.º 84/89, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.
Com esta proposta de alteração, o Governo pretende provocar uma maior dificuldade no funcionamento do movimento sindical, neste caso, nos representantes dos trabalhadores da Administração Pública.
A lei sindical corresponde ao desejo centenário dos trabalhadores portugueses de poder usufruir de representantes para a defesa directa dos seus interesses, num mundo cada vez mais regulado por interesses económicos e cada vez menos pelos valores sociais e humanos, com um poder político cada vez mais atado aos interesses das grandes empresas, dos empresários e dos países reguladores da economia mundial e cada vez menos regulado para o bem-estar dos milhões de homens e mulheres que deveriam ser o factor primordial da actuação desse poder.
No decorrer destes dois anos de governação, o Partido Socialista e o Governo têm atentado mais do que há memória desde o 25 de Abril contra os direitos dos trabalhadores, em geral, e da Administração Publica, em particular, como se já não chegassem todos os entraves que foram colocados ao exercício da actividade sindical pelo Código do Trabalho.
Com a presente proposta de lei, numa postura arrogante e castradora dos direitos que a Constituição da República garante, o Governo pretende diminuir a capacidade de organização de trabalho e de iniciativa sindical, reduzindo a um número mínimo os dirigentes com direito a quatro dias por mês de crédito para o exercício da actividade sindical.
Aliás, esta proposta não é ingénua, antes pelo contrário. O Governo, ao não sujeitar a proposta de lei a discussão pública, e por conseguinte ao não cumprimento dos artigos 54.º e 56.º da Constituição da Republica, está a incorrer numa violação da própria Constituição.
Com esta proposta de lei o Governo e o Partido Socialista querem «pôr uma mordaça» ao movimento sindical.
Pode o Partido Socialista vir dizer que os sindicatos vão continuar a ter os créditos para os corpos gerentes, mas a verdade é que esta legislação é limitadora, permitindo um elemento por cada 200

Página 47

47 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

associados, até ao limite de 50 trabalhadores. Estamos, pois, perante uma fórmula que representa uma tentativa clara de enfraquecer a capacidade de intervenção dos sindicatos.
A pressa com que o Governo quer fazer aprovar esta proposta de lei pode ter um horizonte muito próximo. Exemplo disso é o «esquecimento» ou afastamento premeditado, ao não ouvir a FENPROF, assim como o STAL ou o Sindicato dos Enfermeiros. O esquecimento destes sindicatos é demonstrativo das intenções do Governo.
Este Governo tem demonstrado, por várias situações, que convive mal com o exercício do contraditório e a liberdade de contestação.
Para Os Verdes esta proposta de lei tem por base um procedimento antidemocrático por parte do Governo, tendo como pressuposto o fragilizar dos sindicatos da Administração Pública.
Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Os direitos sindicais têm um papel importante na defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores, com vista a um desenvolvimento social e humano e à modernização do País, tendo por base o respeito pelos direitos e justiça social.
A luta dos trabalhadores, apoiada sempre pelas suas organizações sindicais, tem causado um grande incómodo ao Governo.
A lei sindical conforma-se com a Constituição da República Portuguesa do pós-25 de Abril, no que concerne aos direitos, liberdades e garantias fundamentais. A alteração da lei sindical que se pretende é uma afronta a esses direitos fundamentais.
É ainda uma tentativa de coerção, de gestão externa, das direcções sindicais e associativas, ao limitar a actividade dos seus corpos gerentes através da imposição de um limite de elementos com direito a actividade, sem ter em conta as especificidades do trabalho sindical, em função dos diferentes grupos profissionais, do seu número e da sua dispersão territorial.
Aliás, propositadamente, tentando legislar desta forma, inibe-se a actividade sindical da maioria dos grandes sindicatos nacionais e da Administração Pública, que, ao terem os seus corpos gerentes limitados em número e em dias de actividade sindical permitidas por lei, não poderão proporcionar o acompanhamento cabal dos interesses dos seus associados e das classes profissionais que representam.
Os Verdes manifestam toda a solidariedade ao movimento sindical, pedra fundamental da luta por uma maior justiça e progresso social.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 145/X, que altera o Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.
Dizia há pouco o Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, que a proposta de lei visa estabelecer um regime de paridade entre o que se passa hoje com o exercício da actividade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e o que está estabelecido no Código do Trabalho relativamente aos trabalhadores do sector privado.
Nesse sentido, Sr. Ministro: bem-vindo! Finalmente, é bom ver um socialista a reconhecer que há, de facto, um conjunto de matérias onde deve haver uma paridade entre o que se passa na função pública e o que se passa no sector privado. Bem-vindo! Finalmente, há gente da maioria, que ainda há três anos dizia exactamente o contrário, a assumir esse princípio. Nós ficamos contentes.
Acho que não há nada como «um banho de governo» para dar uma perspectiva do que é a realidade e, nomeadamente, do que é a realidade do mundo do trabalho.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és»!

O Orador: — Portanto, ainda bem que o Sr. Ministro agora, na sua intervenção, já vem defender um conjunto de aspectos do Código do Trabalho, contra o qual, ainda há três anos, a bancada do PS, na altura na oposição, vociferava e votava acerrimamente contra, com pedidos de inconstitucionalidade a propósito de tudo e de nada.
Sobre o conteúdo material desta matéria, quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que nos parece que o que aqui está proposto é razoável e sensato, exactamente porque estabelece alguma paridade entre o sector público e o sector privado.
Neste ponto até estamos muito distantes da intervenção do Deputado do PSD, que fez aqui a defesa de um conjunto de aspectos que nos parecem não fazer muito sentido. Por exemplo, não me parece que faça muito sentido pedir que seja aplicado aos dirigentes sindicais da função pública um regime que seja substancialmente diferente daquele que existe hoje no sector privado.
Portanto, quanto ao conteúdo material da proposta de lei, não existe qualquer matéria profunda que nos separe daquilo que o Governo nos propõe.

Página 48

48 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Pois claro!

O Orador: — Mas já não podemos dizer o mesmo quanto ao cumprimento de regras legais, que são essenciais até para conformarem o conteúdo material da lei. E parece-me que há alguma confusão na «cabeça» do Governo entre o que é um direito de participação e um direito de negociação colectiva.
O Sr. Ministro dizia há pouco que não diminui em nada o Parlamento que a participação e a audição sejam feitas aqui. É verdade! Eu não discordo disso, excepto num pequeno ponto, que é o do cumprimento dos prazos obrigatórios para a audição pública. E, Sr. Ministro, aí estamos a falar de regras imperativas.
Contudo, Sr. Ministro, há um aspecto em que estamos em absoluto desacordo com a maioria e com o Governo, que é o facto de esta ser uma matéria que carece de negociação colectiva. E parece-me que hoje a maioria também já se apercebeu disso, mas, de facto, não é possível fazer essa negociação colectiva no Parlamento, porque o Parlamento não é a entidade patronal. Quem, objectivamente, é a entidade patronal nesta matéria é o Governo, razão pela qual o Parlamento não se pode substituir ao Governo.
Por isso, Sr. Ministro, lhe digo — e não tenho grande jeito para as expressões mais populares e até mais rurais que o Sr. Ministro costuma utilizar — que «não se pode ter sol na eira e chuva no nabal». Espero não me ter enganado na expressão.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Essa é fácil!

Risos do PCP e do BE.

O Orador: — O que não pode dizer-se, Sr. Ministro, é que o que aqui está em causa é, única e exclusivamente, um regime de faltas e de créditos de horas e que, por isso mesmo, não é preciso haver negociação colectiva. Não! Esta matéria de faltas e de créditos de horas teve de ir à 1.ª Comissão, porque é uma matéria de direitos, liberdades e garantias, e de direitos sindicais.
De duas, uma, Sr. Ministro: se o conteúdo desta matéria é, única e exclusivamente, um conteúdo laboral, ela deveria ter ido à 12.ª Comissão, Comissão de Trabalho, se é uma matéria de liberdade sindical devia ter ido à 1.ª Comissão e, obviamente, carece de negociação colectiva.
O que, acima de tudo, nos choca um bocadinho, Sr. Ministro, é a insensibilidade e alguma gestão menos cuidadosa deste dossier, porque esta matéria, se tivesse tido negociação colectiva, certamente teria ficado melhor.
Todos nós tivemos oportunidade de ver e ler os pareceres de um conjunto de sindicatos que cá vieram.
Muitos deles até disseram que concordavam com um conjunto de regras que foi proposto e que, acima de tudo, estavam dispostos a negociá-las com o Governo. Eventualmente, se se tivesse conseguido cumprir escrupulosamente a lei de negociação colectiva, estaríamos hoje aqui, depois de recebidos os seus contributos, em condições de fazer uma votação totalmente diferente. É para isso que a negociação colectiva serve…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Como é óbvio!

O Orador: — … e, nesta matéria, até houve uma grande abertura negocial por parte dos sindicatos. Nós entendemos que o Governo, ao não a fazer, perdeu uma oportunidade.
Agora, o PS está a tentar «corrigir um bocadinho a mão», porque vem pedir a baixa desta matéria, sem votação, à Comissão pelo prazo de 90 dias. Mas há aqui, de facto, um «pecado original» que só pode ser corrigido pela bancada do Governo e na esfera do Governo, que é o «pecado» de não ter havido negociação colectiva, a qual só pode ser feita pelo Governo.
Portanto, se o Governo quer corrigir esse «pecado», ainda vai a tempo de o fazer. Pela nossa parte, não pomos qualquer obstáculo a que ele seja corrigido e a que ainda haja negociação colectiva. Mas pôr o Parlamento a fazer uma negociação colectiva que só pode ser feita pelo Governo, isso é que não podemos viabilizar nem votar a favor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei vem hoje a discussão em claro contraciclo com os princípios legais e democráticos da negociação colectiva na Administração Pública.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

Página 49

49 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

A Oradora: — Não seria expectável que um Governo que tanto apregoa o diálogo social, a participação e a concertação (e, ainda por cima se intitula de socialista) apresentasse uma alteração a uma lei que versa o exercício de direitos colectivos sem ter em consideração os protagonistas primeiros desses mesmos direitos.
Mas o Governo do PS cada vez nos brinda com mais surpresas. É a política do «vale tudo» na pressa estonteante que imprime ao corte dos direitos das pessoas.
É a política do cortar a direito e à direita, sem ter em consideração que, no caso dos funcionários públicos, todas estas medidas contribuem e agravam o clima de instabilidade e medo, que tem, inevitavelmente, repercussões no seu desempenho e, em consequência, contribuem para degradar a qualidade dos serviços, que deveriam caminhar no sentido da qualidade e do rigor, porque é isso que os portugueses e as portuguesas esperam desses serviços.
O Governo tentou com esta proposta, «jogar o barro à parede», atirou a «batata quente» para a Assembleia da República, substituindo a negociação por audições em sede de comissões parlamentares, e provocou uma trapalhada tal que levou a que se agendasse esta discussão para dia 11 de Julho e, depois, que se adiasse para hoje, vindo hoje propor que a proposta de lei baixe à comissão sem votação.
O Governo foi dizendo que o objectivo era o de acabar com os abusos — e o Sr. Ministro hoje reiterou essa posição — de milhares de dirigentes sindicais a tempo inteiro, mas nunca mostrou claramente onde e em que sindicatos existiam esses abusos, muito menos fez o que quer que fosse para conversar com eles no sentido de acabarem.

Vozes do BE: — Exactamente!

A Oradora: — Ora, uma lei que se pretende rigorosa tem que ser forçosamente acompanhada desses dados para que todos tenhamos a consciência e também os discutamos e percebamos o seu verdadeiro alcance.
Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A limitação que se pretende impor por via da alteração do artigo 12.° da actual lei da liberdade sindical da Administração Pública, em que se institui que só terá direito a um crédito de quatro dias pagos um dirigente sindical por cada 200 associados, significa uma inusitada subversão dos direitos sindicais.
Em primeiro lugar, porque não estamos a falar de mera justificação de qualquer tipo de faltas individuais mas, sim, de faltas que resultam do exercício de um direito colectivo constitucionalmente consagrado.
Em segundo lugar, porque será sempre impossível aferir quem são e quantos são os sindicalizados, porque tal questão faz parte, e muito bem, do conjunto de direitos e liberdades das pessoas individualmente consideradas.
Em terceiro lugar, porque só aos trabalhadores compete definir as suas formas de organização e intervenção, tendo em conta a defesa dos seus direitos individuais e colectivos, pelo que não pode nem este nem qualquer governo pretender interferir, de uma forma prepotente, nessa mesma organização, o que aqui claramente quer fazer.
O Governo do PS consegue também aqui fazer pior do que o «Código Bagão Félix»…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — … e tenta, com esta proposta de lei, aplicar, antecipando mesmo, as famosas conclusões do relatório do retrocesso apresentado na passada semana, onde também vêm plasmadas propostas de ataque aos direitos sindicais.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Pior que no privado!

A Oradora: — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe aqui perguntar: em que capítulo do Programa do Governo se anunciam também os cortes aos direitos sindicais? Cabe perguntar: a quem interessam estas proibições? Cabe perguntar: que organizações concretas se visam atingir, as de maior dimensão ou tão-somente acabar com as mais pequenas? Impõe-se a este Parlamento, particularmente aos Deputados e às Deputadas do PS, que assumam aqui os seus valores democráticos e não permitam que se desvirtue a organização tão duramente conquistada e que ao longo de anos e anos, mesmo em condições duras e difíceis, resistiram e souberam dizer «não!».
Os sindicatos, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, são pilares das sociedades democráticas e só em regimes de ditadura poderão ser perseguidos ou proibidos.
A sociedade portuguesa é uma sociedade democrática!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gameiro.

Página 50

50 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa do Governo vem ao encontro e sublinha a coerência do processo de reforma da Administração Pública em curso pelo Governo do PS.
Esta proposta de lei vem, igualmente, aliás, como muitas outras, no sentido de melhorar os níveis de transparência e de racionalidade de todos os agentes públicos e privados que se relacionam ou pertencem à Administração Pública.
A reforma da Administração Pública é uma bandeira única, incomparável e simbólica da inegável coragem, força política e esforço reformista deste Governo.
Apesar de muitos a terem anunciado, este Governo concretizou-a! Apesar de muitos terem feito prognósticos e profecias sobre ela, a verdade é que, hoje mesmo, até esses, aqui e ali, a vão elogiando.
Aliás, é de sublinhar que em dois anos desta Legislatura, nenhum partido da oposição tenha apresentado qualquer iniciativa legislativa nesta Câmara sobre a reforma da Administração Pública ou matéria conexa, apesar de tantos a sublinharem como primordial para o futuro de Portugal e de tantos a tentarem aproveitar politicamente com total descaramento, sem ideias políticas e a valerem-se de vaias políticas devidamente orquestradas!

Protestos dos Deputados do PCP Bernardino Soares e do BE Luís Fazenda.

Este Governo tem, neste momento, os elementos constitutivos do PRACE concluídos! As leis orgânicas dos ministérios e dos serviços estão quase todas publicadas, com a redução de 140 lugares dirigentes e de 187 extinções e fusões de serviços! 187 serviços e menos 25% de dirigentes, Srs. Deputados! Mas se estes elementos em si são apenas legislativos, o facto é que o PRACE reformulou as funções do Estado e acabou com as muitas competências duplicadas e com as redundâncias funcionais que, desde Abril de 1976, se tinham vindo sempre a complicar e a acumular.

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

O PRACE assumiu um novo paradigma para a vida de todos os portugueses, porque soube assumir o que era preciso ser feito, ou seja, dar transparência ao Estado e às suas instituições, clarificar as suas funções e, sobretudo, simplificar os procedimentos administrativos para que os cidadãos vejam, hoje, as suas pretensões atendidas de forma mais fácil e célere.

Protestos do Deputado do BE Luís Fazenda.

Exemplos dos sucessos e do trabalho reformista do Governo nesta matéria são bem visíveis: Documento Único Automóvel; Empresa na Hora; Loja do Cidadão em cada um dos 308 concelhos do País; o novo regime de licenciamento de obras particulares pelos municípios; e Cartão do Cidadão, etc., etc.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O que é que isso tem a ver com a lei sindical?!

O Orador: — O Governo do PS, com coragem, acabou com o estatismo e inamovibilidade dos funcionários públicos e está em marcha uma mudança dos funcionários de onde não são tão úteis nem tão eficazes, para serviços necessitados e para funções públicas de soberania,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O que é que isso tem a ver com a lei sindical?!

O Orador: — … através de uma formação prévia adequada e de um regime que se espera mais potenciador de uma outra produtividade na Administração Pública.
Por outro lado, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a reforma da Administração Pública está prestes a culminar a reforma das reformas, através da aprovação nesta Câmara da nova lei das carreiras, remunerações e vínculos e do novo sistema de avaliação dos funcionários e dos serviços, reforma esta, aliás, amplamente apoiada por diversas e representativas forças sindicais, o que é de sublinhar! Novo regime de carreiras, onde o tempo contará, mas a produtividade, assiduidade e eficácia são factores de avaliação…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com o «cartão do PS»!

O Orador: — … para efeitos de progressão e promoção.
Neste mês de Julho, a reforma da Administração Pública tem o seu mais significativo avanço, porque se consubstanciam as duas mudanças mais profundas de organização, funcionamento e avaliação da função pública, dos seus funcionários, serviços e instituições.
Neste momento, estamos a discutir mais um passo para a credibilização daqueles que desempenham

Página 51

51 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

funções públicas, que reconhecemos de grande prestígio e importância: o regime de créditos de cada um dos gerentes para o exercício de funções sindicais.
Ora, estas funções estiveram por regulamentar entre 1975 e 1999 e foi pela mão do governo do Eng.º.
Guterres que vieram a ver, finalmente, a luz da lei.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Através de negociação!

O Orador: — Todavia, esse Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, não estabeleceu por omissão nenhum critério para determinar o número de gerentes sindicais com direito ao crédito de 4 dias, remunerados, por mês, para o exercício dessas funções.
Ou seja, a lei deixou que, por exclusão de partes, fossem as próprias forças sindicais a determinar por força dos seus estatutos, o número dos seus dirigentes e logo dos funcionários que poderiam usufruir deste regime de 4 dias remunerados por mês, para efeitos de funções sindicais.
Esta proposta de lei vem estabelecer um critério que não qualificamos e que, em sede de especialidade, estamos dispostos a analisar, porque se trata de uma proposta inovadora e que, após a audição das mais diversas forças sindicais nas 1.ª e 11.ª Comissões, parece haver motivos para ponderar sobre alguns dos seus aspectos.
Todavia, na nossa perspectiva, é fundamental credibilizar a forma como esta matéria deve ser tratada, para que o Estado possa comportar a necessidade das forças sindicais através de uma metodologia racional — sublinho: racional — e mais transparente destes créditos cedidos pelo Estado, mas pagos com os impostos dos cidadãos. É por isso que este diploma vem prestigiar as forças sindicais e reconhecer-lhes utilidade.

Risos do Deputado do PCP Jorge Machado.

Concluindo, esta proposta de lei enquadra-se em matéria da competência relativa — sublinho, relativa — desta Assembleia e assume uma importância fundamental para prestigiar e credibilizar as forças sindicais.
É por isso que muitas das intervenções aqui feitas foram, a meu ver, caracterizadas por um grande equívoco, um equívoco que, como alguém já disse, «não havia necessidade»… Temos, nesta Câmara, os mais insignes e sublimes juristas de todos os grupos parlamentares e todos sabem que esta matéria é da competência relativa da Assembleia da República. Por isso é que foi possível aprovar o decreto-lei em 1998, porque houve pedido de autorização legislativa. E se houve pedido de autorização legislativa foi porque era matéria…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Houve negociação!

O Orador: — Houve pedido de autorização legislativa, Srs. Deputados! E por isso é que foi possível fazer negociação! Mas teve de se pedir autorização legislativa à Assembleia da República, nos termos da alínea t) do artigo 165.º da Constituição.

Vozes do PCP e do BE: — Não é o caso!

O Orador: — É por isso que eu estranho, aliás, todos os portugueses estranham, que, por exemplo, o Grupo Parlamentar do PSD tenha feito aqui o discurso que fez pela voz do Deputado Arménio Santos, quando nas comissões votaram favoravelmente no sentido do raciocínio jurídico que aqui estou a fazer.
Mas o grande equívoco também tem que ver com os prazos, e o Sr. Deputado Mota Soares não ouviu aquilo que o Sr. Ministro disse. É pelo facto de querermos cumprir todos os prazos de direito de participação que estendemos, durante 90 dias, a possibilidade de na 1.ª ou na 11.ª Comissão ouvirmos as restantes forças sindicais.
Há, ainda, um outro equívoco: é que, sendo esta matéria da competência relativa da Assembleia da República, o Governo podia optar por pedir a autorização legislativa ou por tomar a iniciativa, nos termos do artigo 177.º da Constituição, o que fez.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não fez foi a negociação!

O Orador: — A verdade é que a Assembleia da República não está habituada a processos em que tenha que assumir as suas competências em matéria em que o Governo concorrentemente não opta por legislar mas, sim, por apresentar a iniciativa legislativa nesta Câmara.

Vozes do PCP e do BE: — Não, não!

O Orador: — É por isso que VV. Ex.as entraram em equívoco.
Neste momento, como resulta claro, o significado de mais esta iniciativa demonstra a clareza da postura

Página 52

52 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

do Governo ao apresentá-la nesta Casa, não se refugiando na figura da autorização legislativa, e, uma vez que se trata de matéria de direito de participação das associações sindicais, nos termos da Constituição e da lei, foi bem admitida.
O Grupo Parlamentar do PS assume a responsabilidade de apoiar esta iniciativa legislativa, no sentido de dar assentimento e coragem ao Governo para continuar a aprofundar e a executar a reforma da Administração Pública, para que esta se transforme num exemplo de transparência, de celeridade, de organização e de funcionamento.
Esta reforma tem vindo a exemplificar aos cidadãos portugueses que o Governo do PS quer uma Administração aberta, próxima e credível. Esta iniciativa demonstra bem o que é necessário fazer, a bem do Estado e do País.
Muitos se têm manifestado contra esta iniciativa e contra tudo o que o Governo apresentou nesta matéria, mas fica claro aos olhos dos portugueses, que, hoje, só e só o PS tem uma ideia clara para melhorar a nossa Administração Pública,…

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É mentira!

O Orador: — … para credibilizar a função pública e os seus funcionários e para, sobretudo, modernizar Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É mentira!

O Sr. Presidente: — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Muito honestamente, nem estava a pensar usar, de novo, a palavra, mas considerei esta intervenção do Sr. Deputado António Gameiro tão esclarecedora que, sinceramente, não ficava de bem comigo próprio e com a minha consciência se ficasse calado. É que o Sr. Deputado António Gameiro, de facto, provou, por a+b, onde está o erro e a premissa errada do Governo.
O Sr. Deputado António Gameiro veio aqui dizer, com muita propriedade, que esta matéria é da competência relativa da Assembleia, e foi assim que sucedeu em 1999, tendo o Governo vindo à Câmara pedir uma autorização legislativa para, depois, fazer a negociação colectiva com os sindicatos. De facto, nesse ponto e nesse particular, parece-me que o Deputado António Gameiro é capaz de ter trazido aqui um conjunto de luzes sobre esta questão, porque aquilo que o Governo não fez, nesta matéria,…

O Sr. António Gameiro (PS): — Mas não tem de fazer!

O Orador: — … foi exactamente isso, a negociação colectiva. E o problema que se coloca aqui não é o de saber se a negociação tem de ser prévia à proposta de autorização ou à própria proposta de lei mas exactamente o de acentuar que o que é necessário é haver um momento de negociação. E este momento de negociação, Sr. Deputado, obviamente, só pode ser feito pelo Governo, nunca pode ser feito pelo Parlamento, pela Assembleia da República, que, nesta matéria, obviamente, não é entidade patronal.
Mas o Sr. Deputado também disse uma outra coisa muito curiosa: o Governo e a maioria, percebendo que, de facto, os prazos de participação não tinham sido respeitados, por isso mesmo, pediram mais 90 dias…

O Sr. António Gameiro (PS): — Não está a perceber!

O Orador: — … para a iniciativa baixar à comissão.
Sr. Deputado, todos estamos sujeitos a cometer lapsos, essas coisas acontecem-nos, mas, certamente, não percebeu que uma das últimas alterações muito importantes, exactamente na lógica da participação, é a de prevenir que a participação seja prévia aos debates em Plenário, porque é precisamente isso que valoriza a participação das entidades sindicais num processo para o qual a sua opinião conta muito, tem de ser valorizada e, obviamente, não o pode ser depois do debate em Plenário.
Nesse sentido, Sr. Presidente, penso que esta intervenção foi muito esclarecedora, pelo que quero agradecer, sentidamente, ao Sr. Deputado António Gameiro por nos ter ajudado aqui a provar a nossa teoria e o nosso ponto de vista.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, beneficiando de uma cedência de tempo do PS, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Página 53

53 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço as intervenções que enriqueceram, sobremaneira, este debate e gostaria de dar a minha opinião sobre cada um dos pontos que está aqui em causa.
O primeiro ponto é a questão do processo. Não temos nenhuma divergência sobre o facto de que o regime de direitos de exercício colectivo implica negociação colectiva. Não é esse o caso e, como não é esse o caso, o que se aplica aqui é o direito de participação das organizações sindicais representativas da Administração Pública na elaboração da legislação. E este direito de participação, à luz do artigo 10.º da Lei n.º 23/98, assume a forma de consulta oral ou escrita. A 1.ª Comissão procedeu às consultas orais que a Lei prevê.
Uma das Frentes Sindicais, que, aliás, é uma Frente que negoceia com o Governo como tal,…

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Está mandatada para isso!

O Orador: — … declarou, na 1.ª Comissão, que, para este efeito, não era Frente e a 1.ª Comissão consultou, por escrito, essa organização e as organizações suas constituintes. Por isso mesmo, solicitei, na Conferência de Líderes, o diferimento do agendamento em Plenário de 11 para 18 de Julho.
Agora, aparentemente, lê-se no relatório que outras organizações sindicais pedem à Comissão de Trabalho e Segurança Social para serem também ouvidas. O grupo parlamentar da maioria diz: «Que sejam ouvidas!» e que o diploma desça, sem votação, à comissão, para se poderem ouvir todos. Ou seja, a Lei está escrupulosamente cumprida!

O Sr. António Gameiro (PS): — Muito bem!

O Orador: — A consulta não só é oral, como a Lei manda, mas é também uma consulta escrita, que a Lei diz ser apenas facultativa. Isto, quanto ao processo! Verifico que as bancadas do PSD e do CDS estão de acordo com o conteúdo da lei.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Pudera!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso é normal!

O Orador: — Percebem que é necessário regular este direito, mas, como não querem ficar envolvidas numa votação com o Governo, inventam um pretexto processualista…

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Se o Sr. Ministro estivesse agora sentado na bancada do PS, já estaria aos gritos a dizer que era inconstitucional, como acontecia quando era Deputado!

O Orador: — … e dizem: «Ah! Isto está tudo bem, tudo maravilhoso, há 'chuva no nabal e sol na eira', mas há aqui um pequeno problema, porque os senhores tinham de negociar antes».

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É a lei!

O Orador: — Não! Não é assim! E o direito de participação está cumprido escrupulosamente pela Assembleia da República! Os senhores estão de acordo com a regra, porque percebem que os direitos não resistem ao abuso de direitos! Há sindicatos que comunicam, formalmente, à Administração Pública que têm 5000 associados e 1000 dirigentes, ganhando, com isso, créditos horários que permitem que 200 pessoas estejam dispensadas da actividade profissional. Isto é tolerável? Não é! E os dados são conhecidos!

O Sr. António Gameiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Onde é que estão esses dados?!

O Orador: — Uma das primeiras coisas que este Governo fez, quando tomou posse, foi denunciar o facto de ser inadmissível, inaceitável, intolerável que 1200 professores estivessem totalmente dispensados da componente lectiva, a pretexto de que eram membros de corpos gerentes de organizações sindicais. E de imediato se iniciou um processo de negociação com esses sindicatos, do qual resultou um primeiro despacho que tabelou esses créditos em 300.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Agora é que não houve negociação!

O Orador: — Ainda agora, o Ministério da Educação entabulou uma nova ronda negocial com os sindicatos para ver se esse despacho pode ter continuidade.

Página 54

54 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas por que é que, agora, não houve negociação?!

O Orador: — O que estamos aqui a colocar em questão é uma regra geral e abstracta que se aplica a toda a Administração Pública. É essa regra que não existe na actual lei e que, a nosso ver, tem de existir! Agora, com as bancadas do PCP e do Bloco de Esquerda a questão é totalmente diferente, é uma questão de concepção. Os senhores não admitem nenhum limite, embora o primeiro limite tenha sido criado em 1975, por iniciativa do PCP. Os senhores entendem que colocar limites a este direito aos créditos horários, que é um direito instrumental face ao direito de actividade sindical, é uma espécie de interferência do Estado na actividade sindical.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — E é!

O Orador: — Não, não! É que nós defendemos o sindicalismo livre e não o sindicalismo incrustado no aparelho do Estado, que vive do abuso do direito não em favor dos seus representados mas, sim, em favor das suas cliques dirigentes. Essa é que é a nossa diferença de concepção! É a diferença de concepção que separa o sindicalismo livre, social, próprio da Europa quer democrata-cristã quer social-democrata, socialista e trabalhista, e o sindicalismo revolucionário ou o sindicalismo «correia de transmissão». Essa divergência está aqui presente, como o estará sempre que discutirmos a questão do sindicalismo e a forma de organização do sindicalismo. Totalmente livre!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Quer negociar sindicato a sindicato para condicionar as suas posições!

O Orador: — Porém, o que não pode haver é abusos de direito, porque os abusos de direito viram-se contra os direitos. E nós aqui devemos defender não os abusos de direito mas, sim, os direitos dos trabalhadores e das organizações sindicais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, estão concluídos os trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, com início às 15 horas. Do período da ordem do dia, constará a aprovação dos Diários n.os 91 a 100, a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 152/X, a discussão de iniciativas legislativas sobre a reforma do Parlamento, bem como a apreciação da proposta de resolução n.º 48/X e a apreciação do projecto de resolução n.º 228/X. As propostas de resolução n.os 55 a 60/X serão votadas, juntamente com outros diplomas, no período regimental de votações, que será no final da reunião plenária.
Informo, ainda, que acabou de ser distribuído um guião de votações provisório, que amanhã será consolidado definitivamente antes das votações.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Pedro Nuno de Oliveira Santos

Partido Social Democrata (PSD):
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge José Varanda Pereira
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Pedro Augusto Cunha Pinto
Vasco Manuel Henriques Cunha

Página 55

55 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007

Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão

Partido Social Democrata (PSD):
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Miguel Pais Antunes

DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Páginas Relacionadas
Página 0050:
50 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007 O Sr. António Gameiro (PS): — Sr. Presiden
Página 0051:
51 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007 funções públicas, que reconhecemos de gran
Página 0052:
52 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007 do Governo ao apresentá-la nesta Casa, não

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×