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Quinta-feira, 24 de Abril de 2008 I Série — Número 75

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da apresentação da proposta de resolução n.º 78/X, dos projectos de lei n.os 517 a 521/X, da apreciação parlamentar n.º 77/X e dos projectos de resolução n.os 314 e 315/X.
A Câmara apreciou e posteriormente aprovou a proposta de resolução n.º 68/X — Aprova o Tratado de Lisboa, que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa, a 13 de Dezembro de 2007, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates), do Sr.
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado) e dos Srs. Deputados Vitalino Canas (PS), na qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, e Ana Catarina Mendonça (PS) e Mário Santos David (PSD), na qualidade de relatores, os Srs. Deputados Pedro Santana Lopes (PSD) — que também viria a fazer uma declaração de voto —, Jerónimo de Sousa (PCP), Paulo Portas (CDS-PP), Alberto Martins (PS), Nuno Magalhães (CDS-PP), Agostinho Lopes (PCP), João Semedo (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Luís Montenegro (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro

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Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Joaquim Almeida Henriques

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António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral

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José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de resolução n.º 78/X — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e as Nações Unidas sobre a Execução de Sentenças do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia, feito na Haia aos 19 de Dezembro de 2007, que baixa à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 517/X — Considera como custos, para efeitos de IRC, remunerações e outros encargos com licenças de maternidade, paternidade e adopção (PSD), que baixa à 5.ª Comissão, 518/X — Alteração do regime remuneratório do Presidente da República (PS), que baixa à 1.ª Comissão, 519/X — Medidas destinadas à redução da utilização de sacos de plástico (PSD), que baixa à 7.ª Comissão, 520/X — Promove a sustentabilidade dos biocombustíveis (BE), que baixa à 6.ª Comissão, e 521/X — Altera os requisitos para a atribuição e as condições do complemento solidário para idosos e simplifica o acesso a esta prestação (BE), que baixa à 11.ª Comissão; apreciação parlamentar n.º 77/X — Decreto-Lei nº 66/2008, de 9 de Abril de 2008, que regula a atribuição de um subsídio social de mobilidade aos cidadãos residentes e estudantes, no âmbito dos serviços aéreos entre o Continente e a Região Autónoma da Madeira (CDS-PP); e projectos de resolução n.os 314/X — Recomenda ao Governo que reduza o tempo de espera para encaminhar um utente de oftalmologia para o SIGIC (CDS-PP) e 315/X — Recomenda ao Governo que promova a simplificação do

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processo de instrução do requerimento do complemento solidário para idosos e a acessibilidade dos requerentes aos serviços responsáveis pela sua gestão e à informação relativa a esta prestação (BE).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a nossa ordem do dia de hoje será preenchida com a discussão e votação da proposta de resolução n.º 68/X — Aprova o Tratado de Lisboa, que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que Institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa, a 13 de Dezembro de 2007.
Para apresentar a proposta de resolução, que endossa o Tratado, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, José Sócrates.

O Sr. Primeiro-Ministro (José Sócrates): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar pelo ponto essencial — o Tratado de Lisboa é uma vitória da Europa e uma vitória do projecto europeu.
O Tratado de Lisboa é uma vitória da Europa que se afirma na vontade e na visão política, a Europa que se orgulha do seu passado e pretende estar à altura dos novos tempos e dos novos desafios. Esta Europa soube superar o impasse institucional em que tinha caído e estabelecer um compromisso que permite avançar no processo de construção europeia. É um motivo de orgulho para todos os portugueses que tenha sido a nossa Presidência da União a concluir este compromisso e que o novo Tratado leve, agora, o nome de Lisboa.

Aplausos do PS.

Este Tratado é também uma vitória dos valores europeus. Se alguma coisa triunfou na assinatura do Tratado de Lisboa foram os valores europeus. Eles são o que melhor caracteriza a União: a vinculação aos direitos humanos, à paz e ao desenvolvimento; a valorização dos direitos sociais; a preocupação com a coesão; a ênfase na dimensão social da economia e o aprofundamento da democracia.
O Tratado de Lisboa é também uma vitória da abertura da Europa ao mundo. Ao dar um sinal claro de que a Europa progride, o Tratado de Lisboa mostra que a Europa está pronta a assumir as responsabilidades que tem no contexto da política mundial. E como o mundo precisa da Europa — da visão europeia assente na democracia e nos direitos fundamentais, na regulação justa da globalização, no multilateralismo e na solução pacífica dos conflitos! O Tratado traz, agora, os instrumentos necessários para dar mais peso e coerência à política externa e de segurança da União para que ela possa ser, precisamente, o actor político global que novos tempos exigem da Europa.
São três as marcas centrais do Tratado de Lisboa. A primeira marca é a do reforço da cidadania europeia.
A segunda é a da melhoria da arquitectura institucional e do processo de decisão no interior da União. A terceira é a que valoriza o papel da Europa no mundo.
É-me particularmente grato, a mim, que sou um socialista, assinalar os avanços no domínio da cidadania europeia.
A Carta dos Direitos Fundamentais passa a ter valor jurídico idêntico aos tratados, o que representa, na prática, a fundação da cidadania europeia. Nesses direitos fundamentais estão compreendidos os direitos, liberdades e garantias individuais, mas também, o que é muito importante, os direitos sociais. Isto é, a cidadania europeia funda-se naquilo que foi, desde sempre, a nossa visão do modelo social europeu. E esta é, a meu ver, sem qualquer dúvida, uma das maiores conquistas deste Tratado.

Aplausos do PS.

Quanto à cidadania europeia e democracia, foi também objectivo central da reforma reduzir a distância entre as instituições europeias e os cidadãos europeus. O Tratado de Lisboa dá várias respostas a esta preocupação: aumenta o papel do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais; consagra o direito de os cidadãos dirigirem à Comissão Europeia propostas de iniciativa legislativa e consagra o princípio da democracia participativa.
A segunda grande marca do Tratado de Lisboa é a melhoria do processo de decisão no interior da União. A Europa correspondeu muito bem aos desafios que resultaram da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra

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Fria. Soube reencontrar a sua própria história, superando a antiga divisão entre o Leste e o Ocidente.
Procedeu ao alargamento da União, que hoje conta com 27 Estados-membros. E tudo isto colocou na agenda a reforma das instituições e dos processos de decisão, para que a Europa não perca, antes reforce, a sua capacidade de agir no tempo certo.
Deste forma, o aumento do número de matérias que são adoptadas por maioria qualificada e a mudança do método de cálculo desta maioria, a alteração na composição da Comissão, a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu com mandatos de dois anos e meio, entre outras, são medidas destinadas a tornar mais eficazes as instituições e as decisões da União Europeia.
Só com uma arquitectura institucional mais forte e ágil é que a Europa pode cumprir plenamente as suas responsabilidades com os cidadãos europeus, com a economia europeia, mas também com o resto do mundo.
Ao contrário do que alguns dizem, esta é a maneira de combater a lógica do directório de um pequeno número de grandes países sobre os restantes países.
Finalmente, a terceira grande marca do Tratado de Lisboa é o fortalecimento da Europa como actor político do mundo de hoje. A criação do cargo de Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, a formação do Serviço Europeu para a Acção Externa e a cooperação estruturada em matéria de política de defesa são instrumentos para que a Europa tenha maior capacidade de afirmação no quadro político mundial.
É o mundo que tem necessidade da Europa. A Europa tem de saber falar a uma só voz perante o mundo, por duas razões essenciais: desde logo porque cabe à Europa liderar o debate e a acção nas questões que contam para o nosso futuro global, como a promoção da liberdade, da segurança e da justiça, o crescimento económico, o emprego e o progresso social, ou o combate às alterações climáticas e a conservação do ambiente. Porque a política mundial precisa dos valores europeus de sempre, em particular da defesa da solução pacífica dos conflitos, do multilateralismo, do sentido de negociação de compromisso pelo bem comum no mundo. São estes os valores europeus aos quais o Tratado de Lisboa dá agora expressão. É a Europa que está de regresso, e isso são boas notícias para um mundo melhor.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Tratado de Lisboa foi concluído e assinado durante a Presidência portuguesa. Esse era um dos objectivos principais da nossa Presidência e foi totalmente cumprido. Devemos estar orgulhosos por isso. Basta pensar no que estaríamos hoje a discutir se não existisse Tratado — estaríamos certamente a discutir temas como a crise europeia, ou o impasse europeu, ou então a Europa a várias velocidades.
A verdade é que se estamos, hoje, a aprovar o novo Tratado de Lisboa e não a crise europeia, devemo-lo também ao facto de Portugal e a diplomacia portuguesa terem sabido estar à altura das suas responsabilidades e terem sabido ser, no momento certo, ambiciosos, determinados e competentes.

Aplausos do PS.

A Presidência portuguesa deixou três marcas: a União Europeia assinou o Tratado de Lisboa, realizou a primeira Cimeira com o Brasil e retomou finalmente, e pela primeira vez em território europeu, a Cimeira com África. Isto é, soubemos estar à altura do momento delicado que a Europa vivia e, ao mesmo tempo, soubemos imprimir uma marca própria, uma marca portuguesa, na política europeia. Uma marca que projecta o lugar de Portugal, país europeu com pontes para vários continentes, país europeu que compreende a Europa, como alguém disse, como ponte entre o Velho e o Novo Mundo, e membro de uma comunidade de países que partilham a mesma língua.
Por isso, devemos estar também no primeiro grupo de Estados-membros a ratificar o Tratado de Lisboa. Já expliquei, aqui, no Parlamento, no passado mês de Fevereiro, a razão de ser da opção do Governo pela ratificação parlamentar. E é hoje evidente que a opinião pública compreendeu bem essa opção do Governo,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Como é que sabe?!

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O Sr. Primeiro-Ministro: — … fundada no mesmo sentido de responsabilidade que pautou a forma como a Presidência portuguesa concluiu o Tratado de Lisboa e que, agora, pauta também a contribuição portuguesa para a rápida ratificação por todos os Estados-membros, de modo a que o Tratado de Lisboa entre em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Há, felizmente, um grande consenso político e social em torno do Tratado de Lisboa e do que ele significa: um novo e importante passo na caminhada da construção europeia. Aliás, quem está contra o Tratado mal consegue disfarçar que o que realmente contesta é o projecto europeu e a construção europeia.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Parlamento, Casa da democracia, irá aprovar o Tratado de Lisboa hoje, antevéspera do 25 de Abril. Julgo, se me permitem, que esta é uma forma particularmente feliz de comemorar a Revolução democrática do 25 de Abril!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sim, comemorar o 25 de Abril, porque a democracia portuguesa está ligada aos valores, ao projecto e à aventura europeia. A nossa é uma democracia representativa, parlamentar, constitucionalmente vinculada ao conjunto dos direitos civis, políticos e sociais que configuram o modelo europeu. É uma democracia que soube incorporar um processo de desenvolvimento de forte dimensão social e ligá-lo profundamente à integração europeia.
Portugal e os portugueses sentem-se bem na Europa, porque a Europa é a sua raiz e o seu destino. É o rosto com que a Europa fita, como disse Pessoa, e é também o encontro da Europa com outros mundos. Hoje, que aprovamos o Tratado de Lisboa, aprovamos também as mudanças que reforçam a cidadania europeia e a capacidade da Europa para decidir e agir. Mas celebramos também a participação de Portugal, o mesmo país que fez aprovar a Estratégia de Lisboa e que, agora, concluiu o Tratado de Lisboa. Celebramos a participação de Portugal como parte inteira no projecto europeu — uma união de Estados soberanos, baseada num espaço de liberdade e de democracia, de desenvolvimento e de coesão social. E esta é também uma boa maneira de celebrar a Revolução de Abril, isto é, a afirmação do Portugal democrático, desenvolvido e europeu.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, segue-se uma ronda de perguntas e respostas, dispondo cada grupo parlamentar de 2 minutos para formular uma pergunta e o Governo igualmente de 2 minutos para a resposta.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr.
Primeiro-Ministro, comungo das palavras de V. Ex.ª no sentido de que hoje é um dia marcante para Portugal, que coroa os esforços portugueses, do Governo e da diplomacia portuguesa, da Comissão Europeia e do seu Presidente, no sentido de conseguirmos um entendimento sustentado e sustentável sobre esta Convenção internacional.
Mas estando muitos de nós unidos no propósito da ratificação deste Tratado, nomeadamente por esta via, é bom que pensemos no que se vai seguir.
A propósito do que se vai seguir, da sequência do que foi realizado, nomeadamente durante a Presidência Portuguesa, quero colocar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, uma questão sobre as relações com o Brasil e com

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África. Na sequência das Cimeiras, que a Presidência Portuguesa conseguiu levar a cabo, entre a União Europeia e África e entre a União Europeia e o Brasil, o que se vai seguir? E não digo só agora, durante o período da Presidência Eslovena, na perspectiva da União Europeia, mas também para o futuro e na perspectiva de Portugal.
Foram passos importantes os laços estabelecidos entre a União Europeia e o Mercosul, o reforço dos nossos laços com o Brasil e o reforço dos laços da Europa com África.
O que entende que, a este propósito, se vai seguir, Sr. Primeiro-Ministro? Em segundo lugar, a propósito da difusão do Tratado, está previsto, como referiu, no respectivo texto, aprovado por todos os que o vão ratificando, uma transferência de soberania, em determinadas matérias, para a União Europeia.
Julgo que deve ser reconhecido, não por parte do Parlamento — e o Sr. Presidente da Assembleia da República tem-se esforçado para que exista essa divulgação —, mas por parte de todos nós, Governo e oposição, algum défice na divulgação do que vai ser o posicionamento futuro de uma comunidade, a comunidade portuguesa, em relação a essa transferência de soberania.

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Em terceiro lugar — e para terminar, Sr. Presidente —, considera ou não, Sr. Primeiro-Ministro, que, independentemente de diferenças partidárias e de diferentes opções políticas, e tendo em conta o balanço que fazemos do resultado da nossa convergência económica com a União Europeia, devemos aproveitar este momento de convergência jurídica para pormos de lado «receitas» que não têm dado os resultados que pretendíamos e para, todos em conjunto, e cada um segundo as suas opções, procurarmos novas «receitas» para realizar o sonho do povo português de convergência económica e social, para além da convergência política e jurídica?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, hoje é um dia marcante, é verdade. Um dia marcante para Portugal e para a sua participação no projecto europeu.
Para mim, como para muitos políticos da minha geração, o projecto europeu faz parte dos nossos sonhos, dos nossos anseios e dos nossos valores, quando pensamos nos interesses de Portugal e também nos interesses do mundo.
Integrado na Europa, Portugal realiza os seus interesses de uma forma melhor. E quanto mais voz própria tiver a Europa mais defendidos estarão os interesses de Portugal.
É também um dia marcante porque este é um Tratado da Europa, mas tem o nome de Lisboa. Não será certamente o fim da história, porque não há fim da história, mas este Tratado fica para a História, e fica para a História com o nome de Lisboa, assinalando uma Presidência portuguesa que honra os políticos portugueses e a diplomacia portuguesa.

Aplausos do PS.

A propósito do Brasil e de África, o que se vai seguir? — pergunta-me.
Sr. Deputado, nós deixámos uma marca portuguesa na política externa europeia. A política externa europeia ficou mais rica em relação ao Brasil e a África. E desde logo com o Brasil, porque o facto de a Europa ter agora uma parceria estratégica com aquele país significa, dentro da América Latina, uma especial distinção do Brasil. Por outro lado, para a política externa europeia, significa que essa política externa fica mais coerente. Havia já cimeiras anuais com a Índia e a China, mas faltava o Brasil. E não havia razão alguma para que a Europa não realizasse também uma cimeira anual e uma parceria estratégica com outro país BRIC, o Brasil, que se tem afirmado no contexto económico internacional e também no contexto geopolítico.

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Isto foi bom para a Europa, mas é uma marca portuguesa. E lembro, ainda hoje, as palavras do Deputado Manuel Alegre, que, depois de assistir à conferência que eu próprio, o Presidente da Comissão e o Presidente do Brasil fizemos em Bruxelas, disse que, com a Cimeira com o Brasil, levámos a língua portuguesa para a frente da batalha política. Foi um dos momentos de que mais me orgulho durante a Presidência portuguesa.

Aplausos do PS.

Finalmente, em relação a África, o que conseguimos foi absolutamente extraordinário: acabámos com um impasse, sem justificação,…

O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … demos à Europa uma nova prioridade na relação com África. Isso foi bom para a Europa e também para os africanos. Pela primeira vez, temos uma estratégia conjunta, não uma estratégia da Europa para África, não uma estratégia de África para se relacionar com os europeus, mas uma estratégia definida por europeus e por africanos e realizada na Europa. Foi a primeira vez na História que tal aconteceu.
Por último, Sr. Deputado, a convergência económica que tem vindo a ser atingida por todos os países da União Europeia…

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — … deriva também destas normas jurídicas. Foi o facto de termos aderido à Europa, de termos decidido apostar no projecto europeu e de estarmos na linha da frente da construção europeia que tem permitido também a Portugal uma convergência ao nível dos indicadores económicos e dos indicadores sociais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o senhor falou das vitórias. Nós consideramos que houve uma parte da Europa, a Europa dos poderosos e dos grandes interesses, que ganhou. Mas pensamos que Portugal perdeu. Perdeu em peso institucional e em soberania. Aliás, há um elemento que deveria merecer reflexão: todos os países da União Europeia regatearam um pouco, enquanto que Portugal foi um aluno bem comportado, só por causa da sua Presidência, em que não conseguiu nem um pequeno ganho em relação ao conteúdo do Tratado.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que estavam a homenagear o 25 de Abril. Quero lembrar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que do 25 de Abril resultou uma Constituição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Uma Constituição que define claramente, como princípio fundamental, a soberania nacional.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — E como a vida é feita de coisas concretas, gostaria de referir o que diz o artigo 5.º da Constituição da República Portuguesa: «O Estado não aliena qualquer parte do território

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português ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce». Ora, o novo Tratado da União Europeia estabelece uma competência exclusiva quanto à conservação de recursos biológicos do mar, no âmbito da Política Comum de Pescas, ou seja, a perda de soberania nacional quanto à gestão dos nossos recursos biológicos marinhos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Explique esta contradição, Sr. Primeiro-Ministro! Portugal abdica de um aspecto fundamental — o nosso mar, a nossa zona económica exclusiva (ZEE) —, que delega, ao transferir para Bruxelas a possibilidade da gestão dos nossos recursos biológicos.
É por isso que, independentemente da intervenção de fundo que aqui faremos, gostaríamos de perguntarlhe, Sr. Primeiro-Ministro, se é ou não verdade que este novo Tratado reforça os poderes das instituições supra-nacionais em relação a uma questão fundamental, um património único e exclusivo de Portugal, que se traduz nos seus recursos biológicos e marinhos.
Sobre isto não tem nada a dizer, Sr. Primeiro-Ministro? Faz apenas o discurso da propaganda? Já sabíamos que o senhor era um grande europeísta, mas pense em Portugal e pense no 25 de Abril, pense na Constituição e naquilo que definimos como a soberania nacional.
E não se iluda, Sr. Primeiro-Ministro! Pode, no futuro, conseguir grandes louvores no quadro da União Europeia, mas nunca se esqueça de que o poder, a soberania, reside no povo e que um dia, em relação a este Tratado, que hoje atinge a nossa soberania, o povo há-de reconsiderar e exigir a reposição dessa mesma soberania nacional, que foi alcançada com o 25 de Abril de 1974.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, quando a Europa ganha Portugal também ganha!

Protestos do PCP.

Esta é a minha visão dos interesses nacionais. Esta é a minha visão do que são os interesses profundos do nosso país.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é um chavão!

O Sr. Primeiro-Ministro: — E é escandaloso, para não dizer outra coisa, que o Sr. Deputado ache que durante a Presidência portuguesa Portugal perdeu. Não! Portugal ganhou! Ganhou em prestígio, ganhou em consideração por ter feito um grande trabalho ao serviço dos nossos interesses e ao serviço dos interesses europeus.

Aplausos do PS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não apoiado, Sr. Primeiro-Ministro!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sabe, Sr. Deputado, o que nos separa é a visão dessa soberania de que o Sr. Deputado fala. Eu não tenho a velha visão, de há 50 anos atrás, da soberania. Hoje, se queremos defender a nossa soberania, se queremos ser fortes temos de ser capazes de entender uma visão partilhada da soberania, por forma a defendermos os nossos interesses no mundo. Afirmar Portugal não é defender o «orgulhosamente sós» do passado!

Aplausos do PS.

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Protestos do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Atenção a essas comparações!

O Sr. Primeiro-Ministro: — A minha visão do patriotismo — e eu gosto da palavra Pátria! — é a de um patriotismo progressista e também de um patriotismo europeu, porque é aí que se defendem os interesses portugueses.

O Sr. João Oliveira (PCP): — A entregar o país a Bruxelas!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Olhe, Sr. Deputado, não encontro melhores palavras para lhe responder do que as palavras de Eduardo Lourenço.

Vozes do PCP: — E a Constituição?

O Sr. Primeiro-Ministro: — Dizia Eduardo Lourenço: «Ou conseguimos obter os meios de participar, como europeus que somos, ou reinventamos, por conta própria, o fundamentalismo luso, de terrífica memória, para reciclar nele todos os complexos e para continuarmos puros, sem nenhuma contaminação alheia».

Aplausos do PS.

Vozes do PCP: — E a Constituição?

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas fica claro, neste debate, que aquilo que era a posição do Partido Comunista de defesa do referendo é, afinal de contas, apenas instrumental para afirmar a verdadeira posição do Partido Comunista. Os senhores são é contra o avanço da construção europeia!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Nunca enganámos ninguém, como os senhores!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Os senhores são é contra o Tratado de Lisboa!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Então? Não responde?

O Sr. Primeiro-Ministro: — Os senhores são contra os valores que sempre inspiraram a construção europeia!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a Constituição fica no «bolso»!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sintetizando a posição do CDS, direi o seguinte: primeiro, a Presidência portuguesa e a diplomacia portuguesa aproveitaram, com mérito e com talento, uma oportunidade de ultrapassar o impasse em que a Europa se encontrava e que era, a todos os títulos, indesejável.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Segundo, é melhor para a Europa ter um Tratado realista, um Tratado moderado, um Tratado que é um compromisso, do que não ter tratado nenhum, viver um impasse institucional

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e continuar a alimentar fantasias, nomeadamente quanto a projectos federalistas, que não são aceitáveis pelas nações europeias com a sua História e a expressão da sua vontade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Terceiro, consideramos o Tratado satisfatório para os interesses portugueses e achamos importante que a Europa ultrapasse o impasse. Mas consideramos um erro — um erro enorme! — não ser feito um referendo sobre o Tratado de Lisboa.

Aplausos do CDS-PP.

É que não apenas havia compromissos, assumidos junto do eleitorado, que deviam ser cumpridos, como há uma questão de princípio que fica afectada pela decisão de não fazer o referendo. A questão de princípio é esta: quando há transferências de soberania significativas, deve ser directamente a fonte da soberania a autorizá-las.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Dito isto, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de fazer-lhe uma pergunta sobre uma questão que não está escrita no Tratado, mas que é uma questão relevante para a discussão da Europa.
Refiro-me à adesão da Turquia.
Sr. Primeiro-Ministro, a Turquia é, no âmbito da Aliança Atlântica, um aliado insubstituível. Mas, tudo ponderado do ponto de vista da União Europeia, por razões institucionais, a Turquia não é uma democracia normal.
Por razões históricas (todos conhecem o que é que a Turquia significa na História da Europa), por razões culturais sobre a Europa que queremos construir, por razões estratégicas (até onde queremos levar a fronteira da Europa) e por razões demográficas de projecção populacional, não consideramos desejável a adesão da Turquia.
A pergunta que lhe quero fazer, Sr. Primeiro-Ministro, é se considera possível e desejável essa adesão.
Sabemos que há muita gente na Europa que defende ser possível, mas quanto a ser desejável gostaria de saber a sua opinião.
Por outro lado, em complemento desta pergunta, gostaria de saber qual é o seu conceito de Europa. Se a Turquia um dia entrar, qual é o limite estratégico, territorial, fronteiriço da União Europeia em que o Sr.
Primeiro-Ministro acredita?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, em primeiro lugar, como eu disse, o Tratado de Lisboa representa uma vitória de todos aqueles que acreditam no desenvolvimento do projecto europeu.
É um Tratado realista, sim. Ele resulta de um compromisso para fazer avançar a Europa e para que a Europa dê um sinal claro ao mundo de que está a mover-se, a evoluir e que não está parada, nem atascada numa crise da qual não consegue sair.
Quanto à ratificação do Tratado, Sr. Deputado, tenho a dizer-lhe, mais uma vez, que não consinto que se ponha em causa a legitimidade democrática da ratificação parlamentar. Ao invocar uma questão de princípio, espero que o Sr. Deputado não esteja a pôr isso em causa, porque isso seria gravíssimo. A nossa democracia representativa confia à Assembleia da República aquilo que é fonte originária, ou melhor, secundária, da soberania. São os Srs. Deputados que representam o povo e, portanto, quero deixar este ponto bem claro: a legitimidade democrática da ratificação não deve ser diminuída e nenhuma razão de princípio de um

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democrata a pode pôr em causa, como não pode pôr em causa todos os actos passados de adesão à Europa que foram tomados pelos parlamentares.
Finalmente, Sr. Deputado, passo a referir-me à questão da Turquia.
Sr. Deputado, a minha posição é a de defesa da Europa. A Europa abriu negociações com a Turquia, deu uma palavra à Turquia, disse à Turquia «vamos negociar».
Se a Turquia cumprir as regras previstas, fazendo as reformas, por forma a que esteja em condições de aderir à Europa, a Europa deve manter a sua palavra.
Não sou dos que dão uma palavra em nome da Europa e depois, apenas porque me convém mais num momento ou noutro, volto atrás na minha palavra, pondo em causa a boa fé europeia.
A questão principal que se coloca em relação às negociações com a Turquia é a lealdade negocial. Fomos nós que decidimos abrir uma negociação com a Turquia. E o meu entendimento é o seguinte: se os compromissos forem respeitados, se todas as condições para a adesão forem respeitadas, a Turquia deve entrar; se não forem respeitadas, não deve entrar. É a isto que eu chamo lealdade negocial.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas, já agora, Sr. Deputado, gostava de lhe perguntar o seguinte: o Sr. Deputado não estava no governo quando foi decidido abrir as negociações com a Turquia?

Vozes do PS: — Ora, aí está!…

O Sr. Primeiro-Ministro: — Se o Sr. Deputado, quando estava no Governo, tinha essa visão quanto à Turquia, porque é que nunca a referiu?!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É público, Sr. Primeiro-Ministro!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Porque é que Portugal teve sempre uma posição igual à minha: de respeito pela palavra da Europa, Sr. Deputado?

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

A não ser que o Sr. Deputado venha agora dizer que esta matéria também não fazia parte dos 8% da vossa responsabilidade e fosse, mais uma vez, responsabilidade dos 92% do vosso parceiro de coligação!…

Risos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Sr. Deputado, isto não me parece sério. Em matéria de política externa, o mais importante é mantermos constância e fidelidade à nossa palavra.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — E, não esqueça, Sr. Deputado, a Turquia é um aliado nosso, está na mesma aliança de defesa.
Mais: não é apenas a Turquia, é todo o mundo islâmico, que quer saber o que vale a palavra da Europa e, também, a palavra do Ocidente, se é para valer ou se é apenas para fingir uma negociação que começámos

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com má-fé ou com reserva mental. Isso não pode ser! Isso, sim, afectaria a credibilidade e o prestígio que a Europa tem no mundo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, disse-nos aqui que a aprovação deste Tratado seria uma forma de comemorarmos o 25 de Abril.
Sr. Primeiro-Ministro, eu convidava-o a deixar ao 25 de Abril o que é do 25 de Abril.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — O 25 de Abril não conhecia este Tratado, não se fez por causa deste Tratado e não aprovou este Tratado, como é absolutamente evidente.

Protestos do Deputado do PS Mota Andrade.

Sr. Primeiro-Ministro, deve ter reparado, no entanto, que um dos seus mais entusiásticos apoiantes — um homem de direita — propôs, há poucos dias, que o PS e o PSD se fundissem.
Eu não sei se isto resolveria esta «espécie de magazine» em que está a transformar-se a política portuguesa, mas uma coisa traria para este debate: é que já juntaria aqueles que estão de acordo numa conspiração para promover o desinteresse pela Europa. Porque, hoje, aqui confisca-se aquilo que foi prometido aos portugueses.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — O Parlamento não tem o direito de retirar aos portugueses aquilo que todos os partidos prometeram, que era o direito de votarem.

Aplausos do BE.

Essa confiscação não é aceitável, Sr. Primeiro-Ministro. Os portugueses têm o direito de decidir! Mas o que o Sr. Primeiro-Ministro não consegue disfarçar é a razão pela qual não quer discutir com os portugueses esta política europeia. É que, quando olhamos para este Tratado, percebemos que ele nos propõe uma Europa diminuída. Propõe-nos uma Europa que seja uma embaixadora de George Bush — foi assim que se comportou no caso do Kosovo, e é assim que se comporta na política internacional. Propõe-nos uma Europa diminuída, porque é uma Europa do liberalismo mais agressivo.
O Sr. Primeiro-Ministro, ontem, propôs um novo modelo, que é o «despedimento simplex», que faz parte da Constituição económica da Europa. Não há direito ao emprego nesta Europa que despreza os direitos sociais.
Há o direito a procurar emprego, e acontecerá o que acontecer!… Essa Europa que blinda os direitos do Banco Central Europeu, quando o Banco Central Europeu promove desemprego, é uma Europa diminuída! E, Sr. Primeiro-Ministro, é uma Europa autoritária, porque uma Europa diminuída é mais autoritária, e é por isso que tem um directório.
É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que nos opomos a esta confiscação do direito de decidir. É por isso que achamos que, neste debate, tornar claro o futuro da Europa é lutar pela melhor ideia europeia: solidariedade e um projecto europeu.
O Sr. Primeiro-Ministro, infelizmente, desistiu da Europa.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, eu venho aqui a este debate sobre o Tratado de Lisboa e aproveito qualquer oportunidade para debater o Tratado de Lisboa, porque estou bem consciente das minhas responsabilidades e do meu dever de contribuir para o debate.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas, já agora, o Sr. Deputado importa-se de me dizer qual foi a iniciativa que o Bloco de Esquerda tomou nos últimos meses para compensar esse tal debate…

Vozes do PS: — Nenhuma!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … em favor de um melhor esclarecimento dos portugueses? Zero! Zero! Zero!

Aplausos do PS.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Uma moção de censura!

O Sr. Primeiro-Ministro: — E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque toda a agente já percebeu que a questão do referendo não era verdadeiramente uma questão de princípio para vós.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Era, era!. Para si é que não era!

O Sr. Primeiro-Ministro: — O que para vós é de princípio é votarem, como vão votar, contra o Tratado de Lisboa, Sr. Deputado.

Protestos do Deputado do BE Francisco Louçã.

Ainda por cima, o Sr. Deputado vem com o argumento — que ninguém levanta em lado nenhum da Europa — de que este Tratado de Lisboa não avança no domínio social.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Recua!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Deputado, se há avanço no domínio social, isso está bem expresso na Carta dos Direitos Fundamentais. Mais: também na chamada «cláusula social horizontal», que estabelece a obrigação legal de, em todas as políticas e acções, a União ter em conta a promoção do elevado nível de emprego, a garantia de uma protecção social adequada, a luta contra a exclusão social e o elevado nível de educação, formação e protecção humana.

Aplausos do PS.

Este é o nosso modelo social!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — O seu modelo é o Banco Central Europeu!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Os senhores estão apenas a levantar desculpas para continuar, como tradicionalmente sempre estiveram, contra a Europa.

Protestos do BE.

Sim, Sr. Deputado Francisco Louçã, a Europa tem muito a ver com o 25 de Abril.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Eh!…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — A Europa tem. O Tratado é que não!

O Sr. Primeiro-Ministro: — O que o 25 de Abril trouxe à nossa democracia foi a promessa de liberdade e de democracia, e é isso que nós encontramos no centro, no coração, no ADN do projecto europeu.
É por isso que assinalar o 25 de Abril, aprovando o Tratado de Lisboa, é um contributo para defendermos os ideais de Abril, por mais que lhe custe, Sr. Deputado!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado traz também à colação uma proposta do Dr. José Miguel Júdice. Isso também não faz parte do Tratado de Lisboa; no entanto, quero responder-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Tenho ouvido muitas vezes o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, a propósito da crise dentro do PSD, dizerem, os dois, que a culpa é do Partido Socialista.

Risos do PS.

Essa, de eu ser o causador da crise dentro do PSD, não me tinha passado pela cabeça! Mas para esta esquerda — Partido Comunista e Bloco de Esquerda — tudo é culpa do Partido Socialista! O vosso sectarismo, a vossa vontade de considerar o Partido Socialista como o primeiro dos inimigos, a vossa vontade de atacar o Governo é tal que, se acontece alguma coisa à direita, se a direita entra em crise,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso são ciúmes!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … é culpa do Partido Socialista.
Mas, Sr. Deputado, não haverá nada na política que não seja culpa do Partido Socialista?!

Aplausos do PS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — O PSD está a substituir os seus homens por causa da vossa política de direita. É por causa disso!

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, quero dizer que Os Verdes consideram que este processo de ratificação, que hoje, aqui, está a ter lugar, relativamente ao Tratado europeu está ferido de legitimidade política. Mas sobre essa matéria não queremos fazer perguntas ao Sr. Primeiro-Ministro. De resto, já conhecemos as respostas. Queremos afirmar, e afirmálo-emos, na nossa intervenção de fundo neste debate.
Agora, talvez convenha perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro, até para que o PS também possa ouvir e, depois, pronunciar-se, porque já por diversas vezes, nesta Casa, foram confrontados com essa questão concreta — aliás, hoje, o Sr. Primeiro-Ministro também já o foi, mas não respondeu — sobre a questão dos recursos biológicos do mar.
Vou sustentar o meu pedido de esclarecimento numa imagem, para tornar mais clarificador aquilo que nós queremos dizer.

Neste momento, a oradora exibe o mapa de Portugal.

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A questão é a seguinte: este é o mapa de Portugal, incluindo a nossa zona económica exclusiva.
O que este Tratado propõe é que tudo aquilo que neste mapa, que exibo, está assinalado a azul mais forte passe a ser, única e exclusivamente gerido pela União Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essa é que é a verdade!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Ou seja, os recursos que aqui estão passam a ser geridos, única e exclusivamente, pela União Europeia. O mesmo é dizer que uma parte do nosso território e a riqueza que ele agrega passa a ser gerido por Bruxelas e não por Portugal.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — É um facto!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O que quero perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro, em nome de Os Verdes, é se considera que o Governo português é incompetente para gerir os recursos biológicos do mar, da nossa zona económica exclusiva, em função até dos interesses da preservação dos ecossistemas e dos interesses dos pescadores portugueses. O Sr. Primeiro-Ministro considera que a União Europeia é mais competente do que o Governo português para fazer esta gestão? E fá-lo-á em nome e em função dos interesses de quem?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — A gestão dos nossos recursos do mar estará, Sr. PrimeiroMinistro, melhor servida sendo transferida de Lisboa para Bruxelas?

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Era importante que o Sr. Primeiro-Ministro, o Governo e o Partido Socialista, que já por diversas vezes foram confrontados com esta matéria, respondessem concretamente à questão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, eu já respondi várias vezes a essa pergunta, o Governo português já respondeu a várias requerimentos de Deputados.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não respondeu, não!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas digo-lhe, uma outra vez, para que a sua demagogia não prevaleça:…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Exactamente!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … não há qualquer alteração da situação jurídica actual no Tratado. Nenhuma alteração!

O Sr. Honório Novo (PCP): — É mentira!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Esta disposição não faz mais do que afirmar aquilo que é a actual competência da União Europeia no domínio da política comum da pesca.

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Protestos do PCP e da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

Ó Srs. Deputados, mais valia que ouvissem com o mesmo respeito com que eu vos oiço, se não se importam! Já é da União a competência quanto à conservação dos recursos biológicos do mar. Quanto ao resto, é uma matéria de competência partilhada, Sr.ª Deputada. Esta é que é a verdade! A verdade, por muito que lhe custe, desmente aquilo que é a demagogia. Em nenhum outro país que tenha mar essa matéria foi levantada! Essa matéria é apenas um espantalho que alguns sectores, que são contra a Europa, levantam para evidenciar uma quebra na soberania, que, de facto, não existe.
Repito: não há qualquer alteração da situação jurídica actual.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É falso!

O Sr. Primeiro-Ministro: — A disposição reafirma a competência actual da União Europeia no domínio da política comum da pesca.
No que diz respeito à conservação dos recursos biológicos, a competência é da União e, já no que diz respeito aos restantes aspectos, a política comum da pesca é competência partilhada.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que vergonha!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Primeiro-Ministro, não chame «espantalho» à Constituição!

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Martins para pedir esclarecimentos, tenho de lhe pedir para ser generoso para com o Governo…

Pausa.

Dizem-me que já houve uma transferência de tempo. Fantástico! Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, já foi afirmada a generosidade que V. Ex.ª invocou.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a aprovação do Tratado de Lisboa é um grande momento para Portugal, para a Europa e para esta Assembleia da República.
Temos consciência de que há duas datas ou duas referências temporais solares na democracia portuguesa: o 25 de Abril de 1974 e a adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Por isso, podemos dizer, sem risco de sermos consistentemente desmentidos, que as datas solares do Portugal moderno são o 25 de Abril e a integração na Europa.

Aplausos do PS.

Assim sendo, tudo o que seja aprofundar o legado do 25 de Abril e aprofundar o legado da construção europeia é bom para a democracia, é bom para a liberdade, é bom para os cidadãos portugueses.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Aliás, a Europa formou-se e Portugal aderiu contra uma outra Europa existente, contra uma outra Europa que perdurou, que foi a Europa do Muro de Berlim.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Bem lembrado! É isso que vos dói!

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O Sr. Alberto Martins (PS): — Foi contra essa Europa que nos colocamos!

Aplausos do PS.

Por isso, a Europa em que estamos é a Europa de sempre, uma Europa moderna, uma Europa que faz a ligação de Portugal e da identidade histórica de Portugal entre o mar e o continente europeu, uma Europa cuja jóia da coroa, como todos, hoje, sabemos, é o seu modelo social, o seu Estado social, capaz de se afirmar no continente e até no resto do mundo como referência.
Neste sentido, a questão que coloco ao Sr. Primeiro-Ministro, basicamente, é a seguinte: o Tratado de Lisboa é um tratado institucional, é um tratado de regras de comportamento e de comprometimento social, político, económico, cultural, ambiental, mas é, nuclearmente, um projecto de organização da solidariedade no Estado europeu. Esta organização da solidariedade tem como metas o pleno emprego, as políticas sociais e o diálogo social. A questão que se coloca na Europa que vamos continuar a construir é a de saber quais os trilhos que vamos ter de aprofundar não só para dar mais Europa institucional, mais democracia à Europa que temos, mas também para dar mais solidariedade à Europa que temos e, sobretudo, à Europa que queremos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, afirmei, no meu discurso, que o Tratado de Lisboa representa uma vitória dos valores europeus. E representa a vitória dos valores europeus naquilo que tem a ver com a cidadania europeia.
Quantos de nós, nos últimos 30 anos em que nos envolvemos no projecto europeu, não sonhámos com o momento em que se estendessem a todo o território europeu os mesmos direitos fundamentais e também os mesmos direitos sociais?! Quantos de nós não lutámos por isso, não fizemos disso um dos grandes objectivos do nosso empenhamento político?! Pois, chegou o momento! Chegou o momento, de algum modo, fundador da cidadania europeia, mas também de uma certa visão da Europa a propósito dos direitos sociais. E estes direitos sociais, que estão nos direitos fundamentais, são, hoje, juridicamente vinculativos, isto é, podem ser reclamados. Este é um progresso, um avanço que só a cegueira política de uma esquerda que está presa a preconceitos não consegue ver!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — A direita é que está a cegar!

O Sr. Primeiro-Ministro: — Mas a vitória dos valores europeus não se dá só aqui, dá-se também na sua promoção pelo mundo, porque o Tratado de Lisboa, ao permitir uma Europa mais forte, o que faz é afirmar em todo o mundo os valores da paz…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Da paz?!

O Sr. António Filipe (PCP): — Da paz?! Onde?

O Sr. Primeiro-Ministro: — … e da resolução pacífica de conflitos, o valor do multilateralismo…

O Sr. Francisco Louçã (BE): — «Só contaram p’ra você»!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … e o valor da negociação e do compromisso, que fazem parte dos valores que estruturam a política externa da União Europeia.

Aplausos do PS.

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Os democratas e os amantes da liberdade, que, em todo o mundo, lutam por um mundo de paz, por um mundo melhor, defendem uma Europa mais forte. Só aqui, com esta esquerda, que, de vez em quando, reclama mais acção da Europa, é que se luta para derrotar um Tratado que dá melhores condições à Europa para afirmar os seus valores em todo o mundo.
Este Tratado de Lisboa é a vitória desses valores, desses bons valores europeus,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Americanos!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … desse poder da Europa, que é um poder que deve ter cada vez mais força para que o multilateralismo tenha mais peso, para que a visão multipolar do mundo tenha mais força e para que o mundo possa ser melhor, não apenas com um pólo de poder mas com vários pólos de poder que convivam, que pratiquem a negociação e o compromisso,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — À Bush!

O Sr. Primeiro-Ministro: — … a bem de um projecto de paz, de liberdade e de democracia, que sempre foram as grandes aspirações daqueles que se bateram pela Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): — É só fartura!

O Sr. Presidente: — Vamos passar a uma nova fase deste debate, destinada às intervenções dos Srs. Deputados Vitalino Canas, na qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, Ana Catarina Mendonça e Mário David, na qualidade de co-relatores.
Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, entendo utilizar estes minutos para dois tópicos que visam elucidar os Srs. Deputados e a opinião pública em geral em relação à preparação que a Assembleia da República fez, através da Comissão de Assuntos Europeus, para este debate e que está já a fazer para, uma vez aprovado e ratificado o Tratado, poder executá-lo convenientemente.
A Assembleia da República, através da Comissão de Assuntos Europeus, desde Junho de 2005 — momento em que aqui entrou o Tratado Constitucional — até ao dia de hoje, realizou numerosas sessões, reuniões, debates, com o fito de discutir e apresentar o, agora, Tratado de Lisboa. Realizou 21 reuniões ordinárias; 19 reuniões com membros do Governo; 62 reuniões, audiências e encontros com embaixadores; 12 debates em Plenário; 2 consultas — uma em 2006, outra em 2008 — a 149 entidades representativas da sociedade civil e dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e às 11 comissões especializadas permanentes desta Assembleia.
A Comissão de Assuntos Europeus realizou também dois ciclos de debates sobre as questões europeias associadas aos Tratados. O primeiro ciclo decorreu no 1.º semestre de 2007, com reuniões descentralizadas, ou seja, procurámos levar a informação e o debate sobre os Tratados também para fora desta Assembleia da República; o segundo ciclo decorreu já no início deste ano, antes do debate de hoje, e foi também descentralizado, para fora desta Assembleia da República.
Foi publicada uma versão consolidada do Tratado, a partir de uma versão preparada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, e aproveito para agradecer, uma vez que se trata de uma versão de excelente qualidade.
Para além disso, a Assembleia da República e a Comissão de Assuntos Europeus procuraram também criar já condições, em face das novas responsabilidades que o Tratado de Lisboa entregará à Assembleia da República e aos restantes Parlamentos nacionais, para que o Tratado de Lisboa possa começar, de imediato, assim que entrar em vigor, a ser executado.

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Por isso, para além de termos promovido a aprovação de uma nova lei de acompanhamento das questões europeias, através da Assembleia da República, lei esta que foi aprovada por unanimidade, começámos já a experimentar alguns dos mecanismos que estão previstos no Tratado de Lisboa e nos seus Anexos, designadamente tendo em conta que a Assembleia da República irá ter novas competências mas, acima de tudo, novas responsabilidades. No que diz respeito ao teste da subsidiariedade, à verificação e fiscalização do teste da subsidiariedade, começámos já a fazer alguns testes, utilizando as oito semanas que estão previstas no Tratado de Lisboa, em conjugação com os restantes Parlamentos nacionais, testando o tempo, o método e a forma de realizar esses testes.
Não quero deixar de realçar aqui a importância dos testes de subsidiariedade, porque se há poder que a Assembleia da República passe a ter que não seja meramente simbólico, no âmbito do Tratado de Lisboa, é justamente o poder de apreciar a aplicação do princípio da subsidiariedade por parte das instituições europeias. Para além disso, a Assembleia da República participará também, de forma activa, no desenvolvimento do IPEX (Interparliamentary EU Information Exchange), o qual permite dar informação aos cidadãos e aos Parlamentos nacionais sobre aquilo que se vai passando.
Para terminar, Sr. Presidente, agradecendo o tempo que me foi concedido, quero também assinalar que, este ano, a Assembleia da República detém a Presidência da Conferência de Presidentes dos Parlamentos da União Europeia, a que V. Ex.ª preside, cujo tema central da agenda da reunião que ocorrerá em Junho de 2008, por proposta do Presidente da Assembleia da República, será dedicado às novas responsabilidades atribuídas pelo Tratado de Lisboa aos Parlamentos nacionais, não apenas à fiscalização do princípio da subsidiariedade mas a todas as novas responsabilidades no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça, da revisão dos Tratados, das novas adesões de outros Estados e de outras competências que o Tratado de Lisboa confere aos Parlamentos nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça, na qualidade de co-relatora da Comissão de Assuntos Europeus.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em 3 minutos e como co-relatora, quero deixar três ideias a esta Câmara sobre o Tratado de Lisboa, as quais estão reflectidas no extenso relatório que apresentámos à Comissão de Assuntos Europeus.
Em primeiro lugar, sublinho a ideia de que este Tratado de Lisboa é melhor para os cidadãos. E é melhor para os cidadãos porque a Carta dos Direitos Fundamentais assume um valor jurídico nunca visto, um valor jurídico de direito primário, um valor jurídico de direito imperativo para todos os Estados.
Este Tratado é melhor para os cidadãos, porque promove um desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado, na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva mas que tenha como meta, inscrita no artigo 2.º do Tratado da União Europeia, o pleno emprego e também o progresso científico e técnico.
O Tratado de Lisboa define os fundamentos democráticos da União e é por isso que se pode falar numa democracia participativa inscrita, pela primeira vez, num Tratado como este.
Mas este Tratado também é melhor para os cidadãos, porque os direitos de cidadania que vêm do Tratado de Maastricht são agora reforçados e a cidadania europeia acresce à cidadania nacional, não a substituindo.
A segunda ideia que vos deixo é a de que o Tratado de Lisboa é melhor para o funcionamento das instituições da União Europeia.
É melhor, porque o Parlamento Europeu reforça e estende os poderes nos processos de decisão.
É melhor, porque o Parlamento Europeu tem um novo sistema de distribuição de lugares assente no princípio da proporcionalidade degressiva. O Conselho Europeu torna-se uma instituição independente. O mandato do Presidente será conferido por dois anos e meio, promovendo uma maior visibilidade e uma maior estabilidade à sua presidência.
É melhor também, porque o Conselho de Ministros terá um novo sistema de exercício das presidências numa representação mais igualitária entre os Estados-membros, altera-se o sistema de votação por maioria

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qualificada, assente agora no princípio da dupla maioria. A Comissão Europeia terá, a partir de 2014, uma nova composição com base no sistema de rotação igualitária.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, neste domínio também é de focar a criação da figura do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que tem uma dupla missão: é o mandatário do Conselho para a Política Externa e de Segurança Comum, mas é também o VicePresidente da Comissão para a Política Externa.
A terceira e última nota sobre o Tratado de Lisboa é a de que é melhor para os parlamentos nacionais. O poder dos parlamentos nacionais é reforçado: passam a ser notificados dos actos legislativos e não legislativos da União Europeia. É a primeira vez que um Tratado se refere aos parlamentos nacionais — há neste Tratado 46 referências à sua importância. O Tratado apresenta uma inovação essencial, uma vez que sugere que os parlamentos nacionais sejam directamente associados ao controlo da boa aplicação do princípio da subsidiariedade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Enquanto relatora, cumpre-me dizer que este é um Tratado que representa um aprofundamento dos direitos fundamentais e dos valores da União, mas é também um aperfeiçoamento do funcionamento democrático das instituições.
É, em suma, uma vitória para o projecto europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Santos David, na qualidade de co-relator da Comissão de Assuntos Europeus.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, permita-me que comece por evocar a memória de Rui Moreira, um competente e interessado jornalista e subdirector da Lusa, ontem desaparecido, que consagrou alguns anos da sua curta vida em Bruxelas ao projecto europeu.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Coube-me a honrosa tarefa, juntamente com a Sr.ª Deputada que me precedeu, de ser corelator do relatório e parecer sobre a proposta de resolução n.º 68/X, que aprova o Tratado de Lisboa.
Procurámos elaborar um documento que pudesse permanecer como uma súmula factual de todo o processo desde o Tratado Constitucional ao Tratado de Lisboa, bem como do seu conteúdo, assim como deixar bem patente a forma séria e profunda como o assunto foi abordado pela Assembleia da República, envolvendo todas a suas comissões especializadas, com particular destaque, obviamente, para a Comissão de Assuntos Europeus.
Uma palavra de muito apreço pela alta qualidade da assessoria técnica desta nossa Comissão.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Um Tratado que traduz a vontade expressa desde a Declaração de Berlim em que a Presidência alemã deixou claro querer responder à crise institucional, que se instalara com as rejeições do Tratado Constitucional em França e nos Países Baixos, com um Tratado que correspondesse ao grau de ambição do próprio projecto europeu, à sua capacidade em responder aos desafios do alargamento, às expectativas crescentes dos cidadãos, às ambições que foram sendo fixadas desde 1957 e ao papel que a União Europeia deve desempenhar no mundo.
Já tivemos, neste Plenário, oportunidade de debater, em 27 de Junho passado, os resultados do Conselho Europeu que concluiu a Presidência alemã, em que foi conferido à Presidência portuguesa um mandato extremamente preciso e concreto para a Conferência Intergovernamental que se seguiu e que deveria elaborar um Tratado Reformador. E, na sequência do êxito que obviamente constituiu o acordo conseguido em Lisboa a 19 de Outubro sobre o futuro Tratado, tivemos um debate em Plenário a 20 de Dezembro sobre a sua substância.

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No seguimento da moção de censura apresentada pelo Bloco de Esquerda, a sessão plenária de 7 de Fevereiro último debateu a questão do referendo ao Tratado de Lisboa. Daí esperarmos que o debate de hoje possa ser consagrado ao conteúdo do Tratado e às suas implicações no quotidiano da vida dos cidadãos e das instituições e não a temas colaterais já ultrapassados e decididos nesta sede.
Externamente, e para além do portal expressamente criado pela Comissão de Assuntos Europeus sobre o tema, realizámos uma série de audiências, consultas públicas e conferências em vários pontos do País. Mas é vontade desta Comissão que este esforço de difusão e debate plural sobre o novo Tratado não se esgote hoje e aqui, e por isso é nossa intenção prosseguir tal discussão noutras cidades e nas regiões autónomas, até à sua entrada em vigor que esperamos a 1 de Janeiro próximo.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Assim, cumpridos os preceitos constitucionais e regimentais previstos, a proposta de resolução n.º 68/X está em condições de ser discutida e votada pelo Plenário da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Tratado de Lisboa afirma a União Europeia como uma comunidade política mais social, coesa e solidária, mais respeitadora dos direitos dos Estados-membros e dos cidadãos, mais capaz de intervir de forma coerente e resoluta na cooperação externa, na manutenção da paz e na regulação da globalização.
A Europa, com o Tratado de Lisboa, responde melhor aos grandes desafios mundiais.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — O desafio da segurança, nascente de um mundo fragmentado, com agudas tensões políticas, conflitos militares crónicos e os novos riscos resultantes das alterações climáticas, das pandemias, do crime internacional e do terrorismo global.
O desafio da sustentabilidade, ou de como fazer com que o crescimento económico exigido pelas necessidades do presente não se alcance à custa dos recursos naturais e da depreciação das condições e necessidades das gerações futuras.
O desafio da solidariedade, eliminando o abismo entre ricos e pobres, que hoje mesmo mantém na pobreza e na exclusão metade da população mundial.
O desafio da indivisibilidade dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, isto é, o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual.
O desafio da regulação política, por último, mas também, e decisivamente, da regulação económica e comercial, que permita, através da resposta global a problemas globais, criar emprego, fomentar o progresso social, impor o comércio justo, promover o desenvolvimento sustentável e aprofundar a democracia. Em suma, garantir a transferência das funções do Estado social do quadro nacional para as instâncias supranacionais para alcançar uma globalização solidária.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Tratado introduz uma reforma profunda do quadro institucional.
As alterações, já aqui esmiuçadamente referidas, vão indiscutivelmente no sentido de uma maior democraticidade, de mais responsabilidade e de uma maior transparência da vida política da União.
Sr.as e Srs. Deputados: Temos que ter sempre presente, nesta reforma da União Europeia, a referência matricial de que a liberdade não é dissociável das condições do seu exercício.
O princípio da coesão económica, social e territorial, consagrado na Estratégia de Lisboa, afirma-se no Tratado, designadamente com a «economia social de mercado altamente competitiva que tem como meta o

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pleno emprego e o progresso social»; no protocolo sobre os «serviços de interesse geral» com uma cláusula essencial para garantir as políticas públicas;…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Oh!…

O Sr. Alberto Martins (PS): — … na cláusula de solidariedade com os Estados-membros em caso de calamidade, uma referência também matricial de solidariedade; mas, sobretudo, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
E, de facto, com o Tratado de Lisboa, os cidadãos estão no centro da construção europeia. A atribuição de carácter vinculativo à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a adesão à Convenção Europeia dos Direitos Humanos são particularissimamente relevantes.
A Carta é integrada pelo Tratado de Lisboa no acquis europeu,…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Oh!…

O Sr. Alberto Martins (PS): — … passando a conhecer o estatuto, até agora negado, de direito primário europeu. A Carta assume-se como um compromisso com os valores matriciais humanistas da civilização europeia e consagra o carácter indivisível e imperativo dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais.
A Carta dos Direitos Fundamentais — e não se perde em relevá-lo — como instrumento jurídico vinculativo consagra os valores individuais e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da cidadania e da justiça.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E o direito ao trabalho está lá?!

O Sr. Alberto Martins (PS): — E com este código genético das «liberdades não só como fins primordiais do desenvolvimento, mas também seus meios principais» a União Europeia torna-se o referente mais avançado, no contexto internacional, na defesa do Estado de direito e da democracia.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e, agora, com a Carta, a União Europeia fica dotada dos meios mais adequados para combater com sucesso, a nível interno e a nível externo, pela liberdade e pela solidariedade, pela paz e pela democracia.
Mas o Tratado de Lisboa, ao criar um novo quadro de relações externas e de cooperação para o desenvolvimento mais coerente e eficaz, habilita a União a regular o processo de globalização de acordo com o interesse de todos os cidadãos, ao encontro de princípios e valores fundamentais partilhados pelos povos europeus.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados: O Tratado de Lisboa oferece um novo quadro institucional a partir do qual se poderá, com vantagem, desenvolver o conceito estratégico de desenvolvimento de uma Europa social.
As novas realidades e os novos desafios da Europa são evidentes para todos: uma Europa avançada, transformada pelas novas tecnologias e pelo conhecimento; uma Europa onde as pessoas vivem mais tempo e com mais saúde.
Mas também uma Europa que tem que superar a situação dos cerca de 20 milhões de cidadãos no desemprego, socialmente excluídos e vivendo na pobreza. Por isso, ao preservar os seus valores, a Europa tem de reformar e modernizar as suas instituições e políticas.

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Sr. Alberto Martins (PS): — O Tratado de Lisboa constitui um passo decisivo nesse sentido, na convicção de que com a União Europeia, através da cooperação e acumulação dos recursos, os Estadosmembros alcançam mais soberania real (e não formal) e reforçam o seu princípio legitimador.
A agenda política desta nova Europa social declina-se em vários pontos.
A ideia seminal da Comunidade não esgotou ainda o seu potencial. A Europa deve continuar a ser um espaço em que a segurança colectiva se alcança através da integração económica. A Europa será um factor político de paz, contribuindo para a estabilidade e segurança, dentro e fora das suas fronteiras.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — A Europa deve permanecer na dianteira do desenvolvimento, assumindo o papel liderante numa nova estratégia de desenvolvimento para a justiça social, na qual o comércio, a ajuda humanitária, o investimento e as migrações são elementos que se reforçam mutuamente, no compromisso com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da Organização das Nações Unidas.
Ora, actualmente, a União Europeia não tem outra escolha senão ser um actor geopolítico global, em suma, um «poder regional desenvolvido» com influência considerável nas questões mundiais.
No espaço europeu os princípios da não-discriminação e da inclusão devem ser levados à prática de forma intransigente. Nas últimas décadas, a Europa tem liderado o combate contra a xenofobia e a exclusão social, mantendo elevados padrões laborais e sociais. A nossa visão de uma nova Europa é a de uma sociedade inclusiva e paritária baseada na solidariedade.
O progresso económico não se pode alcançar sem protecção ambiental e social. A Europa deve concretizar a sua estratégia de longo prazo, a Estratégia de Lisboa, de pleno emprego e crescimento económico, sem exaurir os recursos naturais. A Europa tem de se tornar a mais dinâmica economia baseada no conhecimento do mundo e a sociedade mais responsável, tanto para as pessoas como para o planeta.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

O Sr. Alberto Martins (PS): — Esta é uma visão de sustentabilidade e de prosperidade partilhada.
Sr.as e Srs. Deputados: Para que a Europa continue a ser um espaço de democracia, de liberdade, de tradições cívicas e de coesão social e territorial; para que se concretize a nova ideia de Europa, a ideia de uma Europa social que é mais do que um mercado, de uma Europa que harmoniza liberdade, competitividade, solidariedade e respeito pelo ambiente; para que a Europa continue a ser uma encruzilhada admirável, um local onde as pessoas se encontram em liberdade para se exprimir, comerciar e viver; para tudo isto e por tudo isto, o Partido Socialista apoia o Tratado de Lisboa e votará a sua aprovação na Assembleia da República, com vista à sua próxima ratificação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Santos David.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República aprova hoje o Tratado de Lisboa, um Tratado que nos honra, para mais ficando ligado ao nome da nossa capital. Mas, recuando na história, o que vamos efectivamente fazer é debater e aprovar o terceiro Tratado de Lisboa! Na verdade, a 13 de Fevereiro de 1668 foi assinado entre os Reis Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, com a mediação de Carlos II de Inglaterra, o primeiro Tratado de Lisboa, pelo qual a Espanha reconhece finalmente a independência de Portugal, a legitimidade do seu monarca, e marca o fim da Guerra da Restauração.
Em 1859, um segundo Tratado de Lisboa, entre Portugal e a Holanda, fixa as fronteiras entre Timor português e as Índias Orientais holandesas.

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A 13 de Dezembro de 2007, os Chefes de Estado e de Governo dos 27 Estados-membros da União Europeia, bem como os Presidentes da Comissão e do Parlamento Europeus, assinaram o Tratado Reformador, o terceiro Tratado de Lisboa, que tinha sido acordado a 19 de Outubro do ano passado.
Não deixa de ser uma feliz coincidência, uma premonitória afirmação do nosso desígnio histórico: no seguimento da Revolução de 1 de Dezembro de 1640, o primeiro Tratado de Lisboa reafirma Portugal como Nação independente e o terceiro perdurará, seguramente por muito tempo, como a Magna Carta do nosso projecto colectivo de partilha voluntária de soberania.
Não tenhamos dúvidas de que a unanimidade requerida para a alteração dos Tratados, disposição que é mantida, será cada vez mais difícil de alcançar numa União que se aproxima dos 30 Estados-membros. Por isso, o Tratado de Lisboa prevê, e bem, as cláusulas de evolução para novas fórmulas de adopção de legislação comunitária, bem como novos domínios de intervenção ao nível europeu.
Mas é importante que as portuguesas e os portugueses se sintam também, individual e colectivamente, solidários e vinculados ao seu conteúdo, que sintam por que se deve dizer «sim» a um Tratado que terá efeitos determinantes no seu quotidiano e no seu futuro. Não porque, incontestavelmente, a União Europeia contribuiu e continua a contribuir muito significativamente para o progresso e desenvolvimento do nosso País, não porque uma força política com que mais nos identificamos nos aconselha a também o subscrever, mas sentir esse «sim» por conhecerem a realidade do Tratado de Lisboa e compreenderem os benefícios que ele trará para todos e cada um de nós.
Estamos a construir uma União Europeia baseada em valores, de que destacamos o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito, o pluralismo, a nãodiscriminação, a justiça, a tolerância, a solidariedade e a igualdade de género.
Um espaço de livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais, de livre estabelecimento, proibindo a discriminação por razões de nacionalidade. Uma União que promove a paz, os seus valores e o bem-estar. Um espaço de liberdade e segurança, com um mercado único baseado na livre concorrência não falseada, fomentando um desenvolvimento sustentado numa economia social de mercado, protegendo e melhorando a qualidade ambiental.
Para o PSD, julgamos oportuno utilizar este debate para realçar novamente o que muda, já que a estrutura escolhida, seguindo a tradição dos anteriores Tratados de Maastricht, de Amesterdão e de Nice, baseia-se em alterações aos anteriores Tratados, o que torna a sua leitura complexa para os principais destinatários, os cidadãos europeus. Continuamos a não entender por que não se preparou, desde o início, uma versão consolidada oficial em todas as línguas da União e por que não foi esta a ser subscrita no Mosteiro dos Jerónimos.
Daí, mesmo correndo o risco de sermos repetitivos, considerarmos nunca ser demais realçar que o Tratado de Lisboa é imprescindível, já que era necessário a União Europeia conjugar alargamento com aprofundamento. E fê-lo de uma forma equilibrada, credível e justa, melhorando a coerência, a legitimidade, a democraticidade, a eficácia e a transparência do processo decisório, clarificando a repartição de competências entre a União e os Estados-membros.
A União fica mais segura e assume um novo protagonismo na cena internacional nesta nova era da globalização, mais consentânea também com a sua posição de maior doador mundial.
O Tratado valoriza o princípio de igualdade entre todos os Estados Membros, bem como o reconhecimento explícito da dupla natureza da União Europeia: uma União de cidadãos e de Estados em estrito plano de igualdade. Mantendo o respeito pela identidade nacional, a cidadania europeia não a substitui mas torna-se complementar desta.
A rotação estritamente igualitária da representação dos Estados-membros na Comissão Europeia a partir de 2014, quando esta for composta por um número de Comissários representando dois terços dos Estados, é uma prova suplementar e irrefutável deste princípio de igualdade.
A Carta dos Direitos Fundamentais assume força jurídica vinculativa — os seus 54 artigos reflectem os valores da liberdade, da igualdade, da dignidade, da justiça, da solidariedade e da cidadania por que nos regemos —, confirma os direitos económicos e sociais, o direito à propriedade, os direitos dos trabalhadores e dos parceiros sociais, da segurança social e da assistência social, mas também consagra os chamados direitos da terceira geração, da protecção de dados, da bioética e da boa governança.

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Com o Tratado de Lisboa, a União Europeia fica dotada com o primeiro documento à escala internacional juridicamente vinculativo e que congrega, num único texto submetido ao mesmo mecanismo de controlo jurisdicional, os direitos cívicos, políticos, sociais e económicos, valores de que nos orgulhamos e que queremos promover à escala mundial.
Sai, como já foi referido, bastante ampliado o papel dos parlamentos nacionais, que passam a ter uma intervenção fundamental no processo de decisão ao poderem accionar o mecanismo de alerta precoce sempre que considerem estarem a ser violados os princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade. Passam ainda a dispor de mais tempo, de seis para oito semanas, para analisar os projectos legislativos e emitirem os seus pareceres.
Não podemos deixar de realçar o facto de, mesmo sem ter ainda a obrigação legal de o fazer, o Presidente da Comissão Europeia ter voluntariamente imposto este procedimento desde o início do seu mandato.
Aumenta substancialmente o poder e legitimidade do Parlamento Europeu, ao alargar significativamente o campo de aplicação da co-decisão a novas áreas, bem como ao passar a dispor de direito de iniciativa quanto à revisão dos Tratados. Daí que as eleições europeias ganhem uma importância acrescida, e é imprescindível que os nossos povos se habituem a encará-las como tão importantes quanto as eleições legislativas em cada Estado na definição do seu futuro.
O modelo social europeu é amplamente reflectido em todo o Tratado de Lisboa.
A política social passa a competência partilhada, o progresso social e o pleno emprego passam a fazer parte expressamente dos objectivos da União e o Tratado contém uma cláusula social que obriga a que as questões sociais sejam sempre tidas em conta, horizontalmente, quando da definição e aplicação de todas as políticas.
O Tratado reconhece ainda os serviços públicos enquanto instrumentos de coesão regional e social, daí ter merecido o apoio da Confederação Europeia dos Sindicatos.
O Tratado de Lisboa é também fundamental para reforçar o espaço de liberdade, segurança e justiça de que carecemos, já que possibilitará: os meios adequados a melhor agirmos conjuntamente contra o terrorismo e a criminalidade; dotar a União de uma efectiva política comum de asilo e imigração; termos um estatuto uniforme para os refugiados e uma melhor gestão integrada das fronteiras externas.
Ficaremos todos mais protegidos pois teremos, por um lado, uma melhor cooperação em matéria civil, com vantagens no reconhecimento mútuo das decisões, na cooperação na obtenção de provas e no acesso à justiça, ao mesmo tempo que haverá uma melhor cooperação policial e judiciária em matéria penal, com repercussões na luta contra o terrorismo, o tráfico de drogas e armamentos, a exploração sexual, o branqueamento de capitais, a corrupção e outras formas de crime organizado.
Com o novo Tratado, os cidadãos europeus passam a usufruir de maior protecção consular e diplomática.
E a criação do cargo de Alto Representante para a Política Externa e de Segurança tornará mais coerente toda a acção externa da União, tanto nos vectores políticos como nos económicos ou humanitários.
A política comum de segurança e defesa é talvez o aspecto mais inovador do Tratado, já que prevê que, por unanimidade, haja uma definição progressiva de uma política de defesa comum, complementar e não concorrencial com a OTAN. É uma área em que está expressamente prevista a possibilidade de cooperação estruturada permanente entre os Estados que queiram avançar mais rapidamente em questões de segurança e defesa.
A nova regra de votação no Conselho passará a ser, a partir de 2014 ou de 2017, por maioria qualificada, alargada a 45 novas áreas, que obedecerá aos requisitos de uma dupla maioria de 55% dos Estadosmembros, com um mínimo de quatro, e representando 65% da população. Note-se, no entanto, que o voto por unanimidade continua a ser necessário em assuntos de política externa e de defesa e em áreas como os quadros financeiros plurianuais, os recursos próprios e a fiscalidade, bem como na política social. A futura existência de um presidente do Conselho Europeu conferirá maior coerência, continuidade, visibilidade e estabilidade ao seu funcionamento.
O novo Tratado atribui personalidade jurídica única à União, o que reforça o seu poder de negociação na cena internacional e lhe permite subscrever tratados internacionais; cria uma cláusula de solidariedade entre os Estados-membros em caso de catástrofe natural ou de ataque terrorista; reconhece e enfatiza a especificidade do Estatuto das Regiões Ultra-Periféricas; reforça o princípio da coesão económica, social e territorial, já que sem solidariedade a própria União Europeia não faz sentido. E, a confirmar a maior

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transparência e democraticidade, pela primeira vez um Tratado prevê a possibilidade de um Estado-membro querer deixar de pertencer à União, já que esta se baseia numa partilha voluntária de soberania.
O Tratado de Lisboa reforça a União Europeia e o método comunitário, não renacionalizando competências e confirmando o direito de iniciativa da Comissão, ao mesmo tempo que dota a União de maiores poderes nas áreas da segurança, justiça, liberdade e imigração e alarga a sua competência a outros domínios, como as alterações climáticas, os serviços de interesse geral, a saúde pública, a protecção civil, a política energética, a ajuda humanitária, a propriedade intelectual, a política comercial, o desporto, o espaço, o turismo, a investigação, a coesão territorial e a cooperação administrativa.
Muito se tem discutido do primado da legislação comunitária sobre a nacional. A questão está, e já estava antes da adesão de Portugal, efectivamente dirimida, já que o Tribunal de Justiça da União, através de jurisprudência paulatinamente consolidada — a primeira vez a 15 de Julho de 1960, reiterada, depois, em 1965, em 1970, em 1978, em 1996 e, mais recentemente, em 2000 —, proclamou o princípio do primado incondicional de todo o direito comunitário sobre todo o direito nacional, seja este ordinário ou mesmo constitucional. E a justificação é facilmente compreensível: por motivos de uniformidade e eficácia de aplicação do direito comunitário, as normas da União têm de ter em todos os Estados-membros o mesmo significado, a mesma interpretação, a mesma força obrigatória e o mesmo conteúdo invariável. Senão, era fácil cada país tentar «fintar» a legislação comunitária.
Para que um projecto assente em tanta diversidade possa ter sucesso, tem de se basear essencialmente em valores, em critérios e em objectivos comuns, em que todos os povos se revejam. Cada vez mais temos a convicção de que só juntos poderemos levar de vencida os desafios do século XXI. Juntos, com as potencialidades e mais-valias que o Tratado encerra, teremos uma massa crítica que se traduzirá no reconhecimento de uma potência não só económica como também política, cultural e mesmo moral, incontornável na cena mundial.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Com a votação que encerrará o nosso debate, Portugal será o nono Estado-membro a concluir o processo de ratificação, depois da Hungria, Eslovénia, Malta, Roménia, França, Bulgária, Polónia, Bélgica e Eslováquia, seguindo-se a Áustria, que já o aprovou na Câmara Baixa e o vota amanhã no Bundesrat.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Quando da intervenção enquanto relator referi que o PSD entende que o esforço de divulgação do Tratado deve continuar até à sua entrada em vigor. Mas queremos ir muito mais além. Face ao impacto e à influência quotidiana da União Europeia na vida de cada cidadão, tenho o prazer de anunciar uma iniciativa legislativa que o PSD vai apresentar a esta Câmara, para a qual esperamos poder contar com o apoio das restantes bancadas e do próprio Governo. Considerando o défice de informação sobre os fundamentos, valores, competências, objectivos e modo de funcionamento da União Europeia, o PSD vai propor a inclusão, no 9.º ano de escolaridade, de um novo conteúdo curricular de carácter obrigatório consagrado a esta temática.

Aplausos do PSD.

Tal como é referido frequentemente, o PSD orgulha-se de ser, desde sempre e simultaneamente, o mais português dos partidos portugueses, ao mesmo tempo que foi sempre acérrimo defensor do projecto europeu.
Muito nos orgulhamos do facto de ter sido Francisco Sá Carneiro o primeiro estadista português a ir a Bruxelas, logo em Setembro de 1974, expressar a vocação europeia de Portugal, bem como de ter sido a estratégia delineada por Aníbal Cavaco Silva que nos permitiu aderir ao euro desde o seu lançamento, e, finalmente, de ser Durão Barroso o nosso primeiro compatriota a desempenhar as mais altas funções no seio da União Europeia.
Há mais de duas décadas que os destinos de Portugal e da União Europeia estão indelevelmente ligados.
A Europa é o nosso espaço vital e o que é bom para a Europa é bom para Portugal. É, seguramente, o caso deste Tratado.

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Com a sua entrada em vigor, a União Europeia encerra um longo debate sobre a sua organização e funcionamento e poderá concentrar-se mais, e com novos instrumentos, nos verdadeiros desafios que enfrentam os europeus: a competitividade, o crescimento e o emprego.
O PS tem orgulho de ter estado sempre na vanguarda do projecto europeu, faz parte do nosso património genético. Daí que o PSD vá votar, consciente e convictamente, com sentido de Estado e patriotismo, a ratificação do Tratado de Lisboa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs.
Ministros, Sr. Secretário de Estado, começo com uma nota prévia, Sr. Primeiro-Ministro: permita-me que diga a V. Ex.ª que não anda tão bem informado como muitas vezes pretende fazer crer.
Em primeiro lugar, porque o pedido de adesão da Turquia remonta aos anos 60 — veja bem! Em segundo lugar, porque a primeira decisão visando a abertura das negociações com a Turquia é bem anterior ao governo PSD/CDS. Aliás, é de outro tempo. De um tempo que lhe é muito próximo, de um passado que é seu e que quer fazer outro.
E, já agora, deixe-me que lhe diga também que as reticências do CDS foram sempre expressas publicamente, antes, durante e depois de ter feito parte do governo a que pertenceu e que uma coisa é os Estados europeus negociarem com a Turquia, outra bem diferente é concluir essas negociações e outra ainda mais diferente é que os povos europeus aceitem essa adesão. Mas cá estaremos para ver! Cá estaremos para ver!

Aplausos do CDS-PP.

Sobre o Tratado, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados e Sr. Primeiro-Ministro, o CDS tem uma posição clara, mas, aqui e agora, reafirmamos que a importância do momento, o impacto que este Tratado terá no futuro e o seu conteúdo exigiam um amplo debate em que todos os portugueses pudessem participar. Ou seja, o Tratado de Lisboa merecia e devia ser objecto de um referendo.

Aplausos do CDS-PP.

Foi, aliás, o que prometemos, foi o que cumprimos e foi o que propusemos. Pena é que nem todos, hoje, possam dizer o mesmo.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vamos, então, ao debate sobre o Tratado. E, para fazê-lo, necessitamos de uma leitura realista sobre o que ele representa e importa recuar no tempo, a 2005 e à rejeição do Tratado Constitucional pelos povos holandês e francês.
Nesse momento, ficou claro, a nosso ver, que as Nações europeias não estão disponíveis para a criação de um Estado europeu.
Também é certo que, tendo todos os Estados igual legitimidade jurídica, a verdade é que variam no respectivo peso demográfico, territorial e económico. Ora, o princípio essencial da condução da política externa é o realismo. E é com realismo, de acordo com o estatuto internacional que temos e pensando, sobretudo, naquele que desejamos ter, que Portugal deve decidir sobre este Tratado.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por isso, parece-nos relevante que a Europa tenha parado para pensar; que a Europa tenha controlado o seu idealismo; que a Europa tenha removido o dogma federal que se

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vinha propagando; que a Europa tenha temperado uma desmesurada ambição institucional, ganhando, em troca, um Tratado aceitável por todos e que é, ao mesmo tempo e mais importante, o fim de um impasse que estava a ter graves consequências.
É certo que este Tratado não resolve, por si só, os problemas dos Estados europeus, nem tão-pouco aqueles que lhes são comuns. Terão de continuar a ser estes Estados europeus, individualmente, com as capacidades e as valências dos seus cidadãos, das suas empresas e das instituições democráticas, a desenvolverem esforços que, conjuntamente, reformem o espaço comum à União Europeia.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — O que a história nos provou é que a construção e a integração europeia não podem ser feitas à custa dos Estados e, muito menos, contra os Estados, anulando as suas capacidades individuais, pois o compromisso comum é sempre melhor do que o pensamento único.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Por isso, ao invés, deve ser construída pelos Estados e para os Estados, sublinhando o que a União tem de diferente: uma diversidade histórica e cultural que tem sabido respeitar, aproximar e solidificar.
É, pois, e acima de tudo, um Tratado realista, que vinca uma visão oposta a uma Europa hostil aos alargamentos, sendo o primeiro, aliás, após o grande alargamento de 2004. E este facto tem um enorme significado político, pois a União soube acolher países com quem esteve de costas voltadas durante décadas, por força de regimes opressores que condenaram centenas de milhares de pessoas à pobreza, sob o jugo da ex-União Soviética.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É também um Tratado que não deixa de ter uma marca claramente euro-atlantista, que honra a história do nosso país, pois sublinha a política de defesa e segurança comuns em cooperação com — e não contra — a Aliança Atlântica, como muitos preconizam, agilizando os processos de decisão, pois a sua nova dimensão carecia de um novo arranjo decisional, mais célere numas matérias, mas mantendo a unanimidade noutras.
Estabiliza-se, assim, a coordenação inter-estadual em questões como a justiça e assuntos internos, onde, manifestamente, os Estados, por si só, não conseguem combater ameaças tão complexas como o terrorismo, a criminalidade transnacional, a imigração ilegal ou o tráfico de seres humanos.
Este facto, num contexto internacional de competição na hierarquia das potências, muitas delas emergentes, que procuram retirar ao espaço euro-atlântico, e, em particular, à Europa, a sua tradicional importância e centralidade na ordem internacional desenvolvida desde a II Guerra Mundial e sedimentada com o fim da União Soviética, é para nós muito importante.
Por isso mesmo, um aspecto que consideramos de relevar é a vontade dos Estados em conferirem um maior grau de operacionalidade entre a figura do Alto Representante para as Relações Externas e a Comissão Europeia.
Não negamos a dificuldade de coordenação que daí pode resultar, mas, de igual modo, não podemos deixar de nos questionar se a «questão do Kosovo» seria tão erraticamente conduzida como foi se esta figura existisse.
Este Tratado confere ainda aos pequenos e médios Estados garantias mínimas de bloqueio decisional.
Para um país como Portugal, trata-se de uma matéria relevante na defesa dos seus interesses, pois a construção europeia não pode anular a defesa dos interesses nacionais. O que deve, ao invés, é consagrar um modelo em que esses interesses possam ser defendidos de forma comum.
Também não gostaríamos de deixar de salientar alguns aspectos que não consideramos positivos, como a consagração da regra da rotatividade dos comissários europeus, a existência de uma solução a la carte para a

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composição do Parlamento Europeu e, sobretudo, a atribuição de competência exclusiva à União Europeia na gestão dos recursos marítimos biológicos.
Mas, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, ainda assim, temos uma avaliação satisfatória deste Tratado, o que reforça, em coerência com a valorização dos cidadãos no processo de integração que tantos apregoam, a proposta do CDS da consulta popular, através do referendo, para ratificação deste Tratado.
Fizemo-lo por três razões: por respeito às promessas eleitorais; por respeito à Assembleia da República, que aprovou uma revisão constitucional precisamente para permitir a realização de um referendo sobre a Europa; e por considerarmos que existem transferências de soberania neste Tratado que, independente da opinião de cada um, careciam de ser amplamente conhecidas e discutidas pelos portugueses.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
Por isso, o CDS foi o único partido em Portugal que assumiu uma posição corajosa e ao mesmo tempo transparente,…

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — … favorável ao Tratado e ao referendo, pois o CDS não sacrifica um compromisso com os portugueses em nome de qualquer outro compromisso, nem tão-pouco defende que uma Europa forte se construa com medo dos referendos e dos cidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É o 25 de Abril data maior da nossa Pátria, afirmação maior da soberania e da independência nacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Afirmação de uma Pátria liberta de comandos, subordinações, subserviências ao estrangeiro, que não manifestação xenófoba ou serôdia visão autárcica do País num mundo de intersecções e interdependências de nações e povos. Bem pelo contrário! Umbilical da afirmação de uma pátria liberta do labéu colonialista, que não podia ser livre quem oprimia outros povos. Afirmação de dignidade de um povo soberano na escolha do seu futuro colectivo, como comunidade humana com mais de oito séculos de História. Escolha que pressupunha, e pressupõe, o livre e responsável exercício da democracia, da participação democrática e soberana do povo nessa escolha, que a hoje pretendida ratificação parlamentar nega, em vésperas das comemorações dos 34 anos de Abril.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Ratificação de um Tratado que ofende e viola o principal fruto do «dia inicial inteiro e limpo», a Constituição da República Portuguesa.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Ratificação que aparece, assim, objectivamente como provocação política à própria Revolução de Abril.

Aplausos do PCP.

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Srs. Deputados, o que se contesta na ratificação parlamentar não é a sua legitimidade formal, a sua conformidade formal com as atribuições e competências desta Assembleia, é o uso oportunista dessa possibilidade da letra da lei para a negar, na sua materialidade essencial, a soberania do povo e a missão e imperativo constitucional de «aprofundamento da democracia participativa», conforme o artigo 2.º da Constituição.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E se o povo não exerce essa intervenção na avaliação de um Tratado internacional que, bom ou mau, atrela o País a um quadro institucional com tão profundas consequências para o seu futuro, tão radicais constrangimentos no seu relacionamento internacional, tão complexas limitações ao exercício da soberania, onde está, Srs. Deputados, o tema, o assunto, a opção que deva considerar-se como reclamando a sua participação e decisão por referendo? Depois, a recusa do referendo é coberta por uma fraude política gigantesca, bem claramente vista numa argumentação capciosa que já tivemos ocasião de denunciar e que nada justifica, porque é falsa. Uma mentira política declaradamente assumida, onde a única verdade é o medo, o imenso medo que as forças ditas socialdemocratas ou conservadoras, as forças do grande capital que governam os Estados da União Europeia, têm — e despudoradamente o confessam — que um qualquer referendo possa fazer ruir o Tratado.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — O que se contesta no Tratado é a sua brutal confrontação e desconformidade ao texto constitucional, que estabelece, sem margem para ambiguidades, no artigo 8.º, que «As disposições dos tratados que regem a União Europeia (…) são aplicáveis na ordem interna (…) com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.» Ora, esse imperativo respeito não está considerado no Tratado da União Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — No artigo 5.º estabelece-se que «O Estado não aliena qualquer parte do território ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce (…)».
O Tratado em causa aliena «os recursos biológicos do mar». Aliás, vai ser interessante ver como vota o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, um dos primeiros subscritores da petição a exigir referendo por causa desta matéria.

Vozes do PCP e de Os Verdes: — Bem lembrado!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Aliena poderes soberanos do Estado em matéria de política externa, de defesa nacional e de direitos, liberdades e garantias, e aliena mesmo competências exclusivas da Assembleia da República.
No artigo 7.º, Relações Internacionais, estabelece-se que «Portugal rege-se (…) pelos princípios da independência nacional, (…) da igualdade…» — sublinho — «… entre os Estados (…)». O Tratado consolida um modelo federal de poder na União Europeia, institucionalizando a desigualdade de voto nas decisões e na condução da União Europeia entre os grandes e os pequenos e médios países, na base da dimensão das populações, consagrando de facto e na letra do Tratado o directório das grandes potências.
No mesmo artigo 7.º, n.º 2, estabelece-se: «Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral e controlado, a dissolução…» — sublinho — «… dos blocos político-militares (…)». O Tratado visa a constituição de um pólo imperial europeu, sob direcção da Alemanha e de outras potências, o reforço armamentista da União Europeia e a consolidação da NATO no seu pilar europeu, com articulação e comando dos EUA.

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A Constituição da República, na Parte II, Organização Económica, define e assume uma clara matriz social e económica de intervenção e regulação do Estado, com a subordinação do poder económico ao poder político e o planeamento do desenvolvimento económico e social, assegurando simultaneamente «o funcionamento eficiente dos mercados». O Tratado perfilha e constitucionaliza o neoliberalismo como ordem económica e social, com a transformação da «concorrência não falseada» em sacrossanto princípio fundador da União Europeia,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … paradigma da livre circulação de capitais sem entraves, do livre comércio e motor da globalização imperialista.
Tratado que reconhece a Carta dos Direitos Fundamentais, atribuindo-lhe «o mesmo valor jurídico que os tratados», onde se inscreve não o «todos têm direito ao trabalho» do artigo 58.º da Constituição da República mas, em contraposição, «o direito de trabalhar», em estranha, ou talvez não, coincidência com a Constituição de 1933, de Salazar.

Vozes do PCP: — É verdade!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Alguém disse a propósito da Revisão Constitucional de 2004, que o PS, o PSD e o CDS aprovaram para acolher o primado do direito da União Europeia, inscrito no defunto tratado dito constitucional: «o sintoma que historicamente mais revela a decadência das classes dirigentes em Portugal é o cansaço de ser autónomo. Cansaço que leva essas classes dirigentes a aceitarem a perda da autonomia nacional…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … sem um momento de reflexão, nem sequer de hesitação. O que se passou na Assembleia da República com esta Revisão Constitucional foi um dos momentos mais tristes e deprimentes de toda a nossa história parlamentar fora do período ditatorial».

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Quem disse isto, Srs. Deputados, não foi nenhum comunista antieuropeísta impenitente mas, sim, João Ferreira do Amaral, prestigiado professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, membro do PS, recordando, a propósito, 1385 e 1580, datas de crise da independência nacional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Infelizmente para o País, vamos ter hoje a repetição desses momentos tristes e deprimentes com a ratificação do Tratado! Srs. Deputados, quando caminhamos para os nove séculos de História nada nem ninguém poderá retirar ao povo português o imprescritível direito de escolher o seu futuro colectivo como povo e País soberano.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — O Tratado da União Europeia é, e será, independentemente do grave significado antipatriótico e anticonstitucional do seu conteúdo, apenas mais um episódio da triste história das traições das classes dominantes em Portugal, subordinando os interesses nacionais aos seus mesquinhos e privados interesses de grupo!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

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O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — A ratificação parlamentar do Tratado a 23 de Abril, excluindo a participação e a decisão por referendo do povo soberano, em vésperas do 25 de Abril, assume uma particular gravidade, mas esclarece também o caminho a prosseguir pelos portugueses. Esclarecimento porque convoca a luta dos portugueses, dos trabalhadores e camadas antimonopolistas, dos patriotas, dos homens e mulheres que não se resignam a ver este País, Portugal, feito região de um super Estado europeu, dirigido pelas grandes potências e pelo grande capital transnacional, a levantar uma barreira, a construir o «não» à Europa do capital, a continuar a resistência para depois vencer o federalismo, o neoliberalismo e o militarismo a que o Tratado quer amarrar o País.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Resistir e lutar por Portugal é hoje, em primeiro lugar, lutar contra o projecto de União Europeia consubstanciado no Tratado; é resistir e lutar por uma Europa de cooperação entre povos e países soberanos e iguais em direitos, por uma Europa de paz e de cooperação com todos os povos do mundo.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo para uma intervenção.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A ratificação do Tratado que hoje aqui tem lugar é o culminar de um processo que se encontra manchado. Manchado porque resulta na inqualificável quebra de um compromisso eleitoral de realizar um referendo no nosso País;…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — … manchado porque é um processo de ratificação envergonhado e escondido da população;…

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — … e manchado ainda porque este Tratado hipoteca o futuro da própria Europa, definitivamente entregue a um directório dos grandes países europeus.
Falta democracia nesta Europa, uma evidência agravada com este Tratado onde, cada vez mais, as verdadeiras decisões que contam são tomadas onde não existe a necessária legitimidade democrática.
O Parlamento Europeu, o órgão eleito da União Europeia, continuará entretido com os pormenores, ao mesmo tempo que conselhos e comissões não eleitos, não sujeitos ao escrutínio popular, vão garantindo a decisão daquilo que verdadeiramente conta. E o que verdadeiramente conta nesta União Europeia, com Tratado ou sem ele, é o mercado e os grandes negócios.
A chamada e recorrente «crise institucional da Europa» tornou-se o denominador comum para garantir todos os saltos institucionais da União. E é em nome desta suposta crise que governantes europeus nos têm tentado convencer da bondade das mudanças nesta arquitectura institucional.
Foi assim com Maastricht, com Nice, com o Tratado Constitucional e agora com o Tratado de Lisboa.
Dizem que a Europa vive uma crise que só o esforço legislativo e a mudança institucional poderão resolver.
Facilmente se percebe, Sr.as e Srs. Deputados, ao olharmos para as hesitações da Europa relativamente ao Kosovo, que as razões por que hoje a União só alcança consensos de menor denominador comum são de ordem exclusivamente política, mas mesmo do ponto de vista institucional, o Tratado de Lisboa cria mais problemas do que aqueles que supostamente resolve.
Sr.as e Srs. Deputados, pensemos novamente nos acontecimentos do Kosovo: com o Tratado já em vigor não só continuaríamos sem ter qualquer decisão comum, como teríamos três porta-vozes a debitar a sua

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posição sobre o assunto: o Presidente do Conselho, o Presidente da Comissão e, ainda, o Alto Representante para a Política Externa…! Para quem reclama a necessidade de uma Europa a uma só voz, convenhamos, Sr.as e Srs. Deputados, que é cacofonia a mais.
Compreende-se a opção pela unanimidade na política externa, mas esta escolha engloba uma outra escolha e uma outra opção: a União só tem política externa onde esta seja irrelevante para a Casa Branca.
Por outras palavras: nas questões da guerra e da paz, nas questões internacionais, o Tratado decide que a União Europeia ou não existe ou alinha com os Estados Unidos da América.
Este modo de construir a projecção externa da União condena-a à continuidade na pior das suas tradições: a da irrelevância e da subserviência políticas.
Em matéria económica e social a palavra de ordem é «continuidade». Não se toca no mercado interno, na Política Agrícola Comum, nos movimentos de capitais ou na liberalização e privatização de empresas e serviços públicos, apenas e salvo para precisar decisões por maioria qualificada ou mesmo por unanimidade — como é o caso da política fiscal — apenas para evitar decisões incómodas às principais potências europeias.
E «continuidade» significa também adaptar a letra dos Tratados às práticas já existentes, desde a gestão dos recursos biológicos do mar, como competência exclusiva da União, até à economia e à política financeira.
Vejam-se os estatutos do Banco Central Europeu e o objectivo da estabilidade dos preços, agora anexados aos Tratados.
Neste particular, a União Europeia revela-se ainda mais liberal do que os próprios Estados Unidos da América, onde a Reserva Federal inclui o emprego entre os seus objectivos estatutários. Embora o Tratado se esforce por afirmar o contrário, é a política monetária que comanda as políticas económica e orçamental, não apenas da União como de cada Estado-membro, assim reduzindo o espaço para políticas criadoras de emprego e de respeito pelos direitos de quem trabalha, sacrificados estes, neste caso, à ditadura do lucro a qualquer preço.
A verdadeira crise da Europa não é institucional nem monetária; é a incapacidade de responder ao desafio da qualificação imposta por uma economia desregulada e globalizada. Mas é aqui, onde era necessário mais Europa, que encontramos uma Europa ausente e sem a ambição, sem verdadeiras políticas à escala do Continente capazes de integrar e potenciar investigação científica, desenvolvimento económico, criação de emprego, solidariedade social e protecção do ambiente.
Esta sessão, Sr.as e Srs. Deputados, não justifica qualquer euforia. O nome da capital portuguesa pode ficar consagrado no Tratado, mas isso está longe de ser motivo de orgulho. Nem euforia, nem orgulho que tanto contentam a maioria nesta Câmara. A Europa que está neste Tratado é uma Europa fraca e sem ambição, uma Europa das desigualdades sociais.
O Bloco de Esquerda vota contra esta ideia desta Europa empobrecida e diminuída, de uma Europa construída à revelia dos cidadãos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: seria conveniente, neste debate, percebermos de que espécie de democracia europeia estamos nós a falar.
Para isso, talvez seja importante fazer algum historial recente, em relação designadamente à elaboração do Tratado, cujo processo de ratificação estamos hoje aqui a tratar, porque tenho ideia de que se alguns partidos nesta Casa pudessem apagar da memória aquilo que aconteceu apagariam, inevitavelmente.
É porque no Tratado Europeu aquilo que aconteceu foi a definição de regras para a sua aprovação e para a sua ratificação, entre as quais constava a regra da unanimidade. Acontece que em França e na Holanda, que fizeram o seu processo de ratificação por referendo, ditaram os povos destes países um «não» a esse Tratado. Imediatamente as elites europeias mandaram as mãos à cabeça e a primeira coisa que fizeram foi tentar convencer que ainda assim, mesmo com aqueles dois «nãos», se poderia avançar.

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Mas isto era de tal maneira escandaloso que voltaram um pouco atrás à reelaboração de um Tratado que queriam que se pudesse assumir como diferente, mas cujo conteúdo é perfeitamente idêntico àquele que tinha sido rejeitado e em termos de metodologia aquilo que fizeram foi garantir, inevitavelmente, que não haveria hipótese alguma de qualquer povo da Europa ditar um «não» àquele Tratado.
Esta é a democracia de que estamos a falar, ou seja, aquilo que as elites europeias fizeram foi fazer tudo, passar por cima de tudo, inclusivamente dos povos dos Estados-membros da União Europeia, para que o seu objectivo fosse cumprido e se é a isto que chamamos Europa democrática ou Europa que envolve os povos dos respectivos Estados-Membros, penso que estamos, de facto, a enganar não sei bem quem, se a nós próprios, se aos outros, se a quem… Outra questão que importa referir é a forma como Portugal aderiu a esta tese de não permitir que alguém dissesse «não» ao Tratado e, portanto, imediatamente, o Governo não teve pudor em rejeitar a hipótese de um referendo quando na verdade havia assumido esse compromisso eleitoral — pasme-se! — «para reforçar a legitimidade democrática da União Europeia». É o que está escrito no Programa do Governo, agora já não é preciso reforçar a legitimidade democrática da União Europeia porque isso não convém às elites europeias.
E é por isso que dizemos que este processo que hoje aqui estamos a viver está ferido de ilegitimidade política… Há pouco o Sr. Primeiro-Ministro referia que a democracia representativa tinha de respeitar também as decisões da Assembleia da República, mas alguém tem dúvidas disso?! O problema é que a democracia representativa sustenta-se num aspecto determinante que são os compromissos eleitorais de que muitos partidos agora — designadamente aquele que está no Governo — fazem tábua rasa, como se valessem absolutamente nada e isto é gravíssimo, também, para a democracia representativa.
Quero, ainda, salientar, Sr. Presidente, que nos debates que a Comissão de Assuntos Europeus realizou para supostamente divulgar muito o conteúdo do Tratado — o que não aconteceu, evidentemente! —, aquilo que foi perfeitamente perceptível, sabendo que estavam pessoas a favor do Tratado e pessoas contra o Tratado naqueles debates, é que todos afirmaram que houve uma quebra de compromisso do PS. Isso estava perfeitamente assumido, uns diziam que ainda bem, outros diziam que ainda mal, mas o PS deve determinar que, de facto, houve essa quebra de compromisso, porque a seriedade também passa por aí.
Para além disso, quer aqueles que estavam a favor do Tratado quer aqueles que estavam contra o Tratado garantiram fielmente que havia uma transferência clara, e muito grande, de soberania dos Estados-membros para a União Europeia. Ora, aquilo que verificamos é que há um afastamento claro do processo decisório dos Estados-membros para a União Europeia. E, Srs. Membros do Governo, o 25 de Abril nada tem, absolutamente nada que ver com isto! O 25 de Abril foi um todo de aproximar os centros do poder ao povo. Foi isso, também, que representou o 25 de Abril, agora o que está a acontecer com este Tratado é exactamente o contrário, é um afastamento dos centros de decisão…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, o que está a acontecer com este Tratado é um afastamento dos centros de decisão em relação às populações e um passo enorme no caminho para o federalismo, ainda por cima, entre Estados desiguais, porque os Estados mais fortes valem mais do que os outros.
Portanto, bem se vê que interesses é que vão ser prosseguidos com este Tratado da União Europeia!...
Sr. Presidente, mesmo para terminar, direi que este Tratado é muito mau, é aquilo que Os Verdes querem salientar e se portugueses conhecessem bem o conteúdo deste Tratado, o resultado não seria nem de perto nem de longe aquele que hoje vamos ter com uma ratificação parlamentar se fosse feito por referendo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Tratado de Lisboa, já muitos o disseram, é um grito de afirmação de um novo espírito da União Europeia.

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Através do Tratado de Lisboa, a Europa diz ao mundo: «não enjeitamos as nossas responsabilidades na defesa dos nossos valores».
Sabemos que o mundo está em rápida mudança e nem todos os indicadores dessa mudança são positivos: o mundo está mais desgastado do ponto de vista ambiental e dos recursos; enfrenta novas ameaças; há novos perigos de instabilidade e de desregulação; os actores internacionais e os equilíbrios de poder sofrem dramáticas alterações.
Um mundo em rápida mudança, um mundo perigoso, um mundo inseguro perante o futuro, necessita de uma Europa forte, de uma Europa disponível para lutar pelos valores da democracia, dos direitos, da tolerância, da transparência e da justiça nas trocas internacionais. Uma Europa solidária com outras zonas do Globo; uma Europa garante da paz e da estabilidade internacionais.
O mundo sabe que alguns dos actores internacionais emergentes, de dimensão gigantesca não têm esses valores na sua agenda de prioridades. E à medida que essas potências emergentes vão adquirindo poder económico, que rapidamente se transforma em institucional, político e militar, as chamadas potências europeias e até os nossos aliados tradicionais, como os Estados Unidos, vão perdendo dimensão e capacidade para impor esses valores.
A Europa necessita, por isso, de dar um passo para ser maior do que a simples junção de algumas dezenas de Estados-membros preocupados com o seu crescimento económico; tem de continuar aberta a novas adesões, dos Estados balcânicos, da Turquia, da Moldávia, da Ucrânia; tem de melhorar os seus mecanismos de funcionamento, para poder falar com voz única nos fora internacionais, depois de ter tomado decisões de forma eficiente, democrática e transparente. A Europa necessita de «músculo»: de uma verdadeira política comum de segurança e defesa, que possa vir a resultar numa defesa comum e que seja colocada ao serviço da defesa dos nossos valores, quando eles sejam desafiados.
Contra o Tratado de Lisboa opõem-se aqueles que se refugiam num soberanismo serôdio. Alguns são soberanistas de última hora — «de última hora» porque ainda devem conservar, nos seus programas políticos, o internacionalismo proletário ou a revolução proletária mundial. Outros são, simplesmente, nacionalistas, que propõem, tal como aqueles, num mundo globalizado o, puro e simples, isolamento.
Mas a questão da soberania merece um debate, porque há cidadãos que genuinamente a colocam.
Portugal perde ou não soberania com o Tratado de Lisboa? Bem vistas as coisas, pesado os deves e os haveres, os Estados-membros da União têm, sem dúvida, um saldo positivo ao nível da soberania.
Porque a verdade é que os poderes que são transferidos para as instituições da União Europeia não se perdem, apenas se transformam: passam a ser exercidos em comum.

Risos do PCP.

A União Europeia não é uma entidade externa, estranha, diferente dos Estados e dos seus cidadãos. A União é feita de Estados e de cidadãos e são estes que mantêm o poder, são estes que o exercem, agora de forma mais democrática.

Aplausos do PS.

E no plano externo de gradual decadência da capacidade de afirmação soberana, de facto, de cada um dos Estados-membros da União isolados, mesmo dos maiores, a consolidação do projecto europeu é a chave para a reafirmação da soberania desses Estados-membros no concerto internacional.
Alguém é capaz de sustentar que Portugal seria mais capaz de defender os seus interesses estratégicos de parceiro global fora da União Europeia? Alguém é capaz de imaginar o que seria Portugal fora na União Europeia, no contexto do mundo de hoje? Alguém é capaz de sustentar que Portugal seria pouco mais do que irrelevante nesse cenário? O saldo da soberania para os Estados-membros, para Portugal, é seguramente um saldo positivo.
Sr. Presidente, o espírito da União Europeia de que falei no início é o espírito de Lisboa. Não utilizo esta expressão como manifestação de qualquer macrocefalismo da capital portuguesa. Utilizo-a como uma mera epígrafe, que resume e encarna o espírito e a forma de os portugueses estarem na União Europeia.

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Vitalino Canas (PS): — É o espírito da Estratégia de Lisboa, centrado nos valores tradicionais do modelo europeu: de solidariedade, de mérito, de criatividade e inovação e de conhecimento.
É o espírito de uma Europa aberta a todos, sem receios, liderante, que não se limita, nas suas relações, a ser empurrada para as relações que é obrigada a ter, porque necessita delas, mas que procura relações também com aqueles que comungam dos seus valores ou necessitam da Europa para consolidar o seu processo de desenvolvimento.
É o espírito de uma Europa que não hesita em alargar o Espaço Schengen. É o espírito de uma Europa que rejeita o neoliberalismo e aposta no seu modelo social.
O espírito de Lisboa é, pois, isto, mas é, sobretudo, o Tratado de Lisboa que aqui hoje, historicamente, aprovamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A ratificação do Tratado de Lisboa hoje, neste Parlamento, é um acto da máxima importância e como tal deve ser entendido por todos os portugueses.
O PSD teve, perante todo o processo de participação de Portugal na construção europeia, uma postura positiva, balizada sempre pela defesa do interesse nacional.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sempre entendemos que a participação na União e os contributos de Portugal para o processo de construção europeia foram, são e serão valores fundamentais para a paz, para a prosperidade do espaço que partilhamos.
Acreditamos que ninguém aqui, nesta Câmara, duvida do carácter verdadeiramente essencial que a União tem desempenhado para o desenvolvimento de Portugal aos mais diversos níveis. A adesão foi um factor fundamental da consolidação da nossa democracia e do desenvolvimento económico e social do País.
O Tratado de Lisboa que aqui hoje debatemos é, de facto, um marco relevante na história da União Europeia, porque, desde logo, permitiu pôr fim ao impasse institucional que se abateu sobre a União após o chumbo do Tratado Constitucional nos referendos de França e da Holanda em 2005.
O Tratado poderá, através da nova estrutura institucional alcançada, garantir decisões mais eficazes, mais rápidas, contribuindo para uma aproximação entre a Europa e os cidadãos e procurando dar realmente resposta aos verdadeiros problemas dos europeus.
Este Tratado, Sr.as e Srs. Deputados, não irá contribuir, como alguns mais pessimistas — diria mesmo sempre mais pessimistas — defendem para um avanço federalista cego e sufocador das soberanias nacionais. Não partilhamos essas perspectivas mais negras nem entendemos dessa maneira o processo de integração europeu. Pensamos, antes, que este Tratado consegue um equilíbrio entre aqueles que são os objectivos gerais da União e os interesses próprios de todos e cada um dos Estados-membros.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Consideramos também, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que a União irá sair reforçada, quer interna quer externamente, ganhando maior visibilidade e protagonismo num sistema internacional cada vez mais exigente e onde as novas ameaças obrigam a um enorme esforço de unidade e de solidariedade.
O Tratado de Lisboa reflecte também o modelo social europeu, na medida em que estipula que deverá ser respeitada, em cada decisão das instituições europeias, uma preocupação social, que se torna importante

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exactamente por ser de carácter transversal e que tem um grande acolhimento no Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, que considera este um ponto nevrálgico do processo de construção europeia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD defendeu, antes mesmo do Governo, que a ratificação do Tratado deveria ser feita no Parlamento e, dessa forma, abriu caminho para essa via, considerando-a como a mais racional e adequada à prossecução do interesse de Portugal.
Fizemo-lo, porque considerávamos que Portugal se deveria assumir como um exemplo positivo neste processo, contribuindo para continuar a dar um impulso positivo ao processo de integração, e sabendo, como todos sabemos nesta Câmara, que a ratificação por via parlamentar não tem menor legitimidade democrática do que a opção por via referendária.
O Grupo Parlamentar do PSD irá, assim, convictamente, votar a proposta de resolução que aqui hoje debatemos, na certeza de agora, operada a estabilização institucional da União, avançarmos com redobrada energia para os superiores trabalhos da construção europeia: dinamizar as economias dos Estados-membros, impondo mais justiça social, mais equidade, mais qualidade de vida e mais cidadania, assegurando e aprofundando o funcionamento da democracia, com mais justiça, com mais segurança, preservando a identidade individual dos povos na unidade colectiva do espaço europeu.
E, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, fazer tudo isto em paz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cabe-me a honra de encerrar este debate. Foi um debate semelhante a tantos já travados aqui, nesta Assembleia, ao longo dos últimos 20 anos sobre o processo europeu. Não houve qualquer surpresa.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — A surpresa seria o referendo!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — As forças políticas arrumadas de acordo com as linhas de força que marcam a sua adesão ou não adesão ao projecto europeu.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Faltaram às promessas!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Houve uma clara definição de que há as forças que na sociedade portuguesa, do ponto de vista político, lideram o processo de adesão de Portugal à construção europeia e as forças que, por preconceito ideológico, se opõem, protestam, gritam às vezes, mas seguem. Há quem lidera e há quem segue, porque não propõem alternativa.

Protestos do PCP e do BE.

Vão-se, aliás, ajustando, ao longo dos anos, às diferentes etapas de que se reveste o processo de integração europeia. E, não tendo alternativa, porque a posição que têm está dominada por um preconceito ideológico e a função da ideologia é justamente enublar a realidade, a única posição que têm é de se acomodar e de seguir.

Protestos do PCP.

Gostava, muito rapidamente, de pontuar três críticas que foram feitas à posição do Governo sobre esta matéria.

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A primeira foi cobrir de ridículo a questão da data, como se a data escolhida para este debate não fosse uma data politicamente relevante,…

Protestos do PCP, do BE e de Os Verdes.

… marcada de simbologia e a mais genuinamente identificadora com a natureza do projecto europeu, tal como ele foi interpretado pelas forças democráticas em Portugal a seguir ao 25 de Abril.
Compreende-se a posição do Partido Comunista e de outras forças totalitárias na rejeição do projecto europeu, designadamente na sua ligação ao 25 de Abril.

Protestos do PCP.

Percebem que o sucesso das forças democráticas sobre o projecto totalitário que pretendiam imprimir após o 25 de Abril soçobrou pela força catalisadora que o projecto de integração na Europa desenvolveu em toda a sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — As forças democráticas cumprem as promessas!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Foi essa circunstância que marcou a posição do Partido Comunista durante 30 anos: de ressentimento em relação à Europa. A Europa derrotou o Partido Comunista em Portugal!

Risos do PCP.

E o preconceito ideológico do Partido Comunista impede-o de se adaptar a essa realidade e de acompanhar o desenvolvimento que outras forças políticas, designadamente à esquerda na Europa, souberam assumir! É por isso que esta é uma data simbólica e relevante para que o Parlamento se pronuncie hoje sobre este Tratado, nesta Assembleia.
Uma segunda linha de crítica tem a ver com a opção pela rejeição do referendo. O Governo fez bem, agiu com responsabilidade,…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mentiu!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … não apenas porque se trata de um Tratado diferente do Tratado Constitucional mas, sobretudo — nem sempre este elemento é referenciado —, porque o contexto estratégico mudou muito nos últimos anos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Zapatero diz que não!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — O ambiente estratégico europeu tem mudado radicalmente nos últimos anos e a primeira responsabilidade de um político, de quem tem soluções governativas, é a de saber acompanhar a mudança de ambiente com que a acção governativa se confronta no seu dia-a-dia. Seria absolutamente irresponsável do ponto de vista político se o Governo agisse sem ter em consideração uma alteração de circunstâncias.
Meus senhores, a ética política não é apenas a dos compromissos.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ai não?!

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O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — É também a ética da responsabilidade política.

Aplausos do PS.

Por isso, seria politicamente irresponsável que o Governo não tivesse tomado a decisão que tomou, como foi politicamente responsável a posição de leitura correcta da situação e da evolução dos acontecimentos que a Direcção do Partido Social-Democrata assumiu. Infelizmente, o Partido Popular, também muito preocupado com a manobra táctica de diferenciação à sua direita, não foi capaz de perceber a importância de alinhar com o projecto de reconhecimento do Tratado que se impunha pela forma de ratificação parlamentar.
Por último, quanto à crítica relativamente ao papel da Europa, é curioso ver como o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda caem numa posição tão paradoxal.
O Partido Comunista considera que a Europa é forte de mais…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Governo é que é fraco! É subserviente!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … e que, sendo forte demais, condiciona a soberania do Estado. Não percebem que os limites para a acção soberana dos Estados estão, hoje, perfeitamente identificados e que mesmo a grande potência que tanto combatem já percebeu, antes dos senhores, os limites da acção unilateral de um Estado soberano como é a potência americana.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vê-se!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Por isso, Srs. Deputados, acompanhem com razoabilidade e com racionalidade a marcha dos acontecimentos. Estamos à beira de uma crise internacional muito grave. Estamos a ser dominados por um tempo de incerteza, de instabilidade e de insegurança e, felizmente, uma grande maioria percebe que é fundamental reforçar o papel da Europa no sistema internacional e para o fazer é necessário sair do impasse em que a Europa mergulhava e aprovar o novo Tratado. Daí não se perceber a contradição do Bloco de Esquerda, que considera que a Europa é fraca de mais e, no momento em que se quer reforçar o seu papel, rejeita-se um passo tão significativo como aquele que é dado pelo Tratado de Lisboa para reforçar o projecto europeu!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Esse é um passo contra a Europa!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — É um passo muito significativo, que permite criar um pólo de poder no sistema multipolar de referência de princípios e de valores europeus que está em gestação e este Tratado é um passo incontornável nesse sentido.
Não se percebe que o Bloco de Esquerda, num exercício de demarcação táctica à esquerda, não seja mais consequente e não reconheça que a Europa precisa de ser mais forte, e não reconheça o passo importante que este Tratado representa justamente para fortalecer o papel da Europa no sistema internacional.
Há, por isso, um mar de contradições em que as forças que não acompanham, que não se alinham na aprovação deste Tratado aqui hoje, uma vez mais, evidenciam.
Gostava apenas, como nota final, de chamar atenção para a responsabilidade política. O Governo tem necessariamente uma responsabilidade única que decorre das funções, competências e atribuições que legitimamente lhe estão atribuídas. Assumiu-as, continuará a assumi-las nesta matéria de adesão e de construção do projecto europeu. No momento em que se reforça a legitimidade democrática, numa arquitectura institucional nova como a que a Europa recebe deste Tratado, é importante que os Deputados, os membros da democracia representativa portuguesa também assumam as suas responsabilidades.
Vamos assistir, justamente, pela entrada em vigor do novo Tratado, a um novo processo de articulação entre os poderes dos parlamentos nacionais, entre a legitimidade dos Estados e o Parlamento Europeu e as instituições europeias. É fundamental que nos preparemos para isso — o Governo está a preparar-se para isso, a Administração Pública está a preparar-se para isso e é fundamental que o Parlamento, hoje mesmo,

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com o exercício desta votação, dê o primeiro passo no sentido de se preparar para o futuro que temos pela frente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos passar ao período de votações.
Para esse efeito, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Recordo aos Srs. Deputados que não puderem utilizar os meios electrónicos que deverão assinalar à Mesa a respectiva presença e, depois, deverão assinar, junto dos serviços de apoio ao Plenário, para que seja registada a sua presença efectiva nas votações e na reunião plenária.
Aproveito para informar a Câmara de que haverá declarações de voto, para o que cada grupo parlamentar disporá de 2 minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 198 presenças, às quais se somam 8 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de resolução n.º 68/X — Aprova o Tratado de Lisboa, que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa, a 13 de Dezembro de 2007.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE, de Os Verdes, de 1 Deputado do PSD e de 1 Deputada não inscrita.

Aplausos do PS e do PSD, de pé, e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Quartin Graça.

O Sr. Pedro Quartin Graça (PSD): — Sr. Presidente, quero anunciar que vou fazer a entrega na Mesa de uma declaração de voto escrita sobre esta votação.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar que, em meu nome e no de outros Srs. Deputados, vou apresentar na Mesa uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, é também para anunciar que, em meu nome e no do Sr. Deputado Pedro Mota Soares, apresentarei, por escrito, uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar à Câmara que apresentarei, por escrito, uma declaração de voto em meu nome e no do Sr. Deputado Joaquim Ponte.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

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O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, é para o mesmo efeito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António da Silva Preto.

O Sr. António da Silva Preto (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar que vou apresentar uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, é para anunciar que os Srs. Deputados Guilherme Silva e Correia de Jesus e eu próprio apresentaremos uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, apenas o Grupo Parlamentar do PSD pediu a palavra para uma declaração de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O nosso grupo parlamentar votou, com honra, como tivemos ocasião de dizer, este Tratado. E gostaria, não para efeitos de aplauso mas de registo de respeito e cortesia institucional, no momento em que votamos, pela via parlamentar, a ratificação deste Tratado, de fazer a devida menção ao Presidente do meu partido, Dr. Luís Filipe Menezes, que, como foi referido pelo Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, em tempo, exprimiu também a sua posição de apoio a esta ratificação e a esta via de ratificação.
Por isso mesmo, especialmente neste momento, quero fazer este registo por entender ser de justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, estão concluídos os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realiza-se amanhã, pelas 15 horas, dela constando: a aprovação dos n.os 55 a 65 do Diário; declarações políticas; um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre evolução da política orçamental e orientação da política fiscal; a apreciação da petição n.º 359/X (2.ª) — Apresentada por Paulo Miguel Nunes do Carmo e outros, solicitando que Assembleia da República aprove urgentemente legislação sobre o consumo de tabaco, com extensão da proibição a todos os locais de trabalho, incluindo restaurantes e estabelecimentos similares; e a apreciação do relatório final do Grupo de Trabalho sobre o processo relativo à determinação, negociação e acompanhamento de contrapartidas.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação

Lamento que, por razões conhecidas, não se tenha realizado o referendo.
Apesar de todas as suas imperfeições, votei a favor do Tratado de Lisboa, pelos seguintes motivos:
1 — Cria um novo quadro institucional que possibilita a saída do impasse em que a Europa se encontrava;
2 — Consagra a Carta dos Direitos Fundamentais;
3 — Define os fundamentos democráticos da União Europeia (igualdade democrática, democracia
representativa e democracia participativa);
4 — Institui o direito à petição;
5 — Reforça o poder dos parlamentos nacionais na aplicação do princípio da subsidiariedade.
O Tratado é instrumento jurídico, não se substitui à vontade política. É dentro desta Europa, com todas as
suas contradições e apesar dos pressupostos neo-liberais da sua Constituição económica não escrita, que

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temos de lutar por uma Europa com mais coesão social, mais emprego, mais solidariedade, mais e melhor
democracia.

O Deputado do PS, Manuel Alegre.

———

1 — Votei a favor da proposta de resolução n.º 68/X, que aprova o Tratado de Lisboa, e fiquei orgulhosa
por este diploma ter sido assinado em Portugal, o que foi mérito da Presidência Portuguesa da União
Europeia, do Primeiro-Ministro e da Diplomacia Portuguesa.
2 — O Tratado de Lisboa representa um decisivo passo na construção europeia, refundando a União
Europeia na base de valores como a paz, a segurança, a justiça, o rigoroso respeito pelo Direito Internacional.
A vontade política implícita é para o aprofundamento da democracia, com mais e mais vivida solidariedade,
salvaguardando os interesses dos pequenos e médios países como Portugal.
3 — Portugal tem a especificidade não só de ser das mais antigas nações da Europa mas também de ser
intimamente europeu desde a sua fundação e de, através das navegações, ter de forma pró activa contribuído
para o renascimento europeu, disseminando um pioneiro Humanismo. O nosso europeísmo está há séculos
enriquecido com a dimensão marítima, o que propiciou, por exemplo, as recentes cimeiras com o Brasil e com
África.
Portugal, no contexto europeu, tem mais-valias extraordinárias, únicas. Lembro Fernando Pessoa: «De
todos os povos da Europa somos aquele em que é menor o ódio a outras raças ou a outras nações» (In Obras
de Fernando Pessoa, Lello & Irmão — Editores, vol. III, pág. 649). Espero que se concretizem os votos do
poeta em a Mensagem: «E outra vez conquistemos a Distância — Do mar ou outra, mas que seja nossa!»

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.

———

Os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira votaram favoravelmente a ratificação do
Tratado de Lisboa.
Fizeram-no exclusivamente por disciplina de voto visto que defenderam e defendem que a ratificação do
Tratado de Lisboa devia ter sido objecto de referendo, discordando, por isso, da orientação da Direcção do
PSD e da alteração ou não cumprimento da promessa do PS de referendar o Tratado Constitucional.

O Deputado do PSD, Hugo Velosa.

———

Acompanhámos, por imposição da disciplina de voto, a posição da bancada do PSD.
Posição que, contudo, consideramos errada e que não dignifica a política.
Se é verdade que existe em Portugal uma inquestionável adesão ao projecto europeu, e que essa adesão
vem sendo sucessivamente sufragada pelos portugueses no apoio esmagador que têm dado aos partidos que,
na primeira linha, defendem esse projecto, não é menos verdade que a convocação dos cidadãos ao debate e
à participação referendária na tomada de opções que bulem decisivamente com o nosso futuro colectivo é
uma mais-valia para a qualidade da democracia.
É essa a essência do instituto do referendo — instrumento privilegiado da democracia participativa.
E, embora respeitemos profundamente aqueles que entendem não deverem, por definição, os tratados
internacionais ser objecto de consultas populares, em nossa opinião é um erro aplicar essa doutrina à reforma
do Tratado Europeu.
Um erro porque se essa doutrina é compreensível no plano abstracto, de um qualquer tratado, os altos e
baixos, os avanços e recuos, os sucessos e os inêxitos por que tem passado a construção europeia e o défice
de envolvimento das populações neste processo recomendam, incontornavelmente, esse refrescamento de

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legitimidade democrática, sob pena de perdurar o gosto amargo da dúvida sobre se os cidadãos europeus
aceitam e se revêem no caminho a trilhar.
O erro não é tanto não consultar os cidadãos, é deixar medrar a sensação de que é duvidoso o seu apoio
ou se teme a sua rejeição.
Mas, além de errada, achamos que a opção pela aprovação parlamentar, no caso português, não dignifica
a actividade política.
Duplamente.
Por um lado, nada faz pior à dignificação da política do que a quebra grosseira de compromissos
assumidos e repetidamente afirmados.
Por outro, o argumentário construído para suportar o rompimento dessa promessa não é, a meu ver,
politicamente dignificante, por partir da premissa de que as pessoas não percebem as coisas ou, pior, aceitam
qualquer desculpa esfarrapada que se lhes dê.
O compromisso de aproveitar a reforma do tratado europeu para envolver e reganhar o apoio dos
portugueses no projecto europeu foi não só unânime entre todas as forças políticas como solene e para levar a
sério. E a ficção de que houve uma alteração de conteúdo, substância e circunstâncias no novo texto, não
passa disso mesmo: uma ficção que não dignifica a relação de verdade que deve existir entre a política e os
cidadãos.

Os Deputados do PSD, Luís Marques Guedes — António Almeida Henriques — Regina Ramos Bastos —
Miguel Macedo.

———

Votei, em sintonia com o Grupo Parlamentar do PSD, a favor da aprovação do Tratado de Lisboa.
Mantenho, no entanto, que teria sido preferível submeter tão importante documento a um referendo
simultâneo nos 27 Estados-membros da União, dando assim formal legitimidade popular à pretendida nova
arrancada no processo de construção europeia.
Por outro lado, o conteúdo do Tratado merece-me críticas várias, das quais destaco:
— enfraquecimento do peso político dos países pequenos e médios e, portanto, de Portugal, por via da
eliminação das presidências rotativas, da rotação dos membros da Comissão por nacionalidades e da redução
do número de deputados no Parlamento Europeu;
— não reconhecimento institucional do protagonismo europeu dos Parlamentos nacionais, nomeadamente
em matéria de política externa e de defesa, o que exigiria a criação de uma Assembleia Inter-parlamentar
Europeia;
— entrega da gestão dos recursos marinhos à União, com manifesto risco para os interesses nacionais,
muito em especial da Região Autónoma dos Açores.
O Governo deveria ter-se empenhado mais na obtenção de resultados favoráveis quanto a estes pontos.

O Deputado do PSD, Mota Amaral.

———

«The difference between the original Constitution and the present Lisbon Treaty is one of approach, rather
than content (…) the proposals in the original constitutional treaty are practically unchanged. They have simply
been dispersed through old treaties in the form of amendments. Why this subtle change? Above all, to head off
any threat of referenda by avoiding any form of constitutional vocabulary… But lift the lid and look in the
toolbox: all the same innovative and effective tools are there, just as they were carefully crafted by the
European Convention.» (Valery Giscard D'Estaing, antigo Presidente da República de França e Presidente da
Convenção que redigiu a Constituição Europeia, The Independent, Londres, 30 de Outubro de 2007).
«The substance of the constitution is preserved. That is a fact». (Ângela Merkel, Chanceler Alemã,
Parlamento Europeu, 27 de Junho de 2007).

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«The good thing is (… )that all the symbolic elements are gone, and that which really matters — the core —
is left.» (Anders Fogh Rasmussen, Primeiro-Ministro da Dinamarca, Jyllands-Posten, 25 de Junho de 2007).
«The Constitution is the capstone of a European Federal State» (Guy Verhofstadt, Primeiro-Ministro belga,
Financial Times, 21 de Junho de 2004).
As citações de vários altos responsáveis europeus que acima transcrevo espelham bem a realidade
inerente à aprovação do Tratado de Lisboa: um Tratado que nasceu de uma metamorfose do rejeitado projecto
de Constituição; um Tratado que, no fundo, procura esconder o enorme défice democrático que condicionou,
desde o primeiro dia, a sua aprovação.
Assim, são sete as razões que me levam a rejeitar e a votar naturalmente contra a aprovação na
Assembleia da República do Tratado de Lisboa.
Em primeiro lugar temos o enorme défice democrático na aprovação do Tratado, fruto de o mesmo não ter
sido objecto de qualquer referendo como defendemos ser necessário no passado.
Em segundo lugar, trata-se de um texto confuso e ilegível, em que as novas disposições foram dispersas
por todos os antigos Tratados, sob forma de emendas, numa técnica que, uma vez mais, impede a correcta
percepção por parte dos povos da Europa das leis fundamentais que os irão (eventualmente) reger.
Em terceiro lugar, é um Tratado potenciador da criação (uma vez mais sem consulta às populações) de um
super Estado europeu, de características federais, projecto este que tem vindo a ser sucessivamente
derrotado ao longo da História e que agora surge, de novo, de forma encapotada.
Em quarto lugar, é um Tratado com uma inapropriada centralização de poderes, em detrimento dos
poderes dos Estados-membros, e que não lhes dá margem a qualquer possibilidade, de no futuro, restaurarem
as suas competências individuais, se então o entenderem como desejável, centralização esta que se
concretiza através da figura do Presidente da União Europeia, com prejuízo das presidências rotativas até
agora existentes.
Em quinto lugar, assistimos à perda de um comissário por Estado já que apenas 2/3 dos Estados passam a
ser representados.
Em sexto lugar, que não menos importante, existe uma real perda do peso de Portugal, do seu poder
institucional, nomeadamente no Conselho, devido à alteração de equilíbrios dentro da instituição a favor dos
Estados mais populosos prevista no Tratado de Lisboa.
Na verdade, Portugal passará de 3,74% para 2,14%, alterando-se assim os equilíbrios de poder no seio da
União, em favor dos Estados mais populosos.
Em sétimo lugar, a perda importantíssima que representa para Portugal a passagem da «gestão» que até
agora exercia da sua zona marítima exclusiva para a competência da União Europeia, situação esta que, na
prática, nos trará os maiores prejuízos naquela que é a nossa única riqueza da actualidade: o mar.
São assim sete, e muito importantes, as razões que nos levam a rejeitar o Tratado de Lisboa, não porque
sejamos contra a Europa mas, sim, porque desejamos que a Europa a construir seja uma Europa democrática,
verdadeiramente representativa das populações que a compõem e em que estas se revejam nos seus líderes.
A tudo isto o Tratado de Lisboa não dá resposta. Uma vez mais estamos a construir uma Europa de costas
viradas para os cidadãos europeus. Até quando e com que consequências?

O Deputado do PSD, Pedro Quartin Graça.

———

Nota: As declarações de voto anunciadas pelos Srs. Deputados António Preto, Guilherme Silva e Correia
de Jesus do PSD e Pedro Mota Soares e Telmo Correia do CDS-PP, serão publicadas oportunamente.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves

Partido Social Democrata (PSD):

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António Alfredo Delgado da Silva Preto
Arménio dos Santos
Carlos Jorge Martins Pereira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge José Varanda Pereira

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
Artur Jorge da Silva Machado

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues

Partido Social Democrata (PSD):
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Luís Miguel Pereira de Almeida

Partido Popular (CDS-PP):
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro):

Partido Socialista (PS):
João Barroso Soares
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos

Partido Social Democrata (PSD):
José Mendes Bota
Paulo Miguel da Silva Santos

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António José Ceia da Silva
António Ribeiro Gameiro
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Manuel José Mártires Rodrigues
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro

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Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Carlos António Páscoa Gonçalves
José de Almeida Cesário
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Sérgio André da Costa Vieira

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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