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Sábado, 17 de Maio de 2008 I Série — Número 85

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MAIO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 10 minutos.
Foram aprovados os n.os 66 a 78 do Diário.
Procedeu-se a um debate de actualidade, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre o aumento da inflação face aos salários e o abrandamento do crescimento económico. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva), os Srs. Deputados Honório Novo (PCP), Paulo Portas (CDS-PP), Luís Fazenda (BE), Afonso Candal (PS), Ofélia Moleiro (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Bernardino Soares (PCP).
Foi apreciada, e posteriormente aprovada em votação global, a proposta de resolução n.º 71/X — Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004. Usaram da palavra, além do Sr.
Ministro da Cultura (José António Pinto Ribeiro), os Srs. Deputados Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP), Teresa Portugal (PS), Luísa Mesquita (N insc.), João Oliveira (PCP), José Miguel Gonçalves (Os Verdes), Luís Fazenda (BE), Rui Gomes da Silva (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Pedro Santana Lopes (PSD).
Foi ainda discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 191/X — Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, que altera o regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada, tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Rui Pereira), os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Sónia Sanfona (PS), Luís Fazenda (BE) e António Filipe (PCP).
Entretanto, após leitura, foi aprovado o voto n.º 155/X — De pesar pelas vítimas da catástrofe sísmica que atingiu a China (PS), tendo, depois, a Câmara guardado 1 minuto de silêncio.
Foram rejeitados o projecto de resolução n.º 324/X (PCP) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 355/2007, de 29 de Outubro, que estabelece a transferência de atribuições, pessoal e recursos financeiros e materiais do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI, I. P.) com vista a concretizar a sua extinção [apreciação parlamentar n.º 61/X (PCP)], e, na generalidade, os projectos de lei n.os 512/X — Apoios à permanência e integração na família de

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idosos e pessoas portadoras de deficiência (PSD), 513/X — Alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, no que diz respeito à consideração dos rendimentos de referência, no âmbito do subsistema de protecção familiar (PSD), 514/X — Cria o «Cartão da Família» (PSD), 515/X — Lei de Bases da Política de Família (PSD), 516/X — Alarga, no âmbito do IRS, as deduções à colecta das despesas com educação e formação (PSD) e 517/X — Considera como custos, para efeitos de IRC, remunerações e outros encargos com licenças de maternidade, paternidade e adopção (PSD).
A Câmara aprovou, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, relativo ao texto de substituição do projecto de lei n.º 428/X — Estabelece medidas de promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência visual à informação sobre determinados bens de venda ao público (PSD).
Deu-se, ainda, conta da entrada na Mesa da apreciação parlamentar n.º 82/X.
Por último, foi apreciado o Relatório Anual de Segurança Interna – 2007, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr.
Ministro da Administração Interna, os Srs. Deputados Nuno Magalhães (CDS-PP), Luís Campos Ferreira (PSD), Vasco Franco (PS), Luís Fazenda (BE) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António José Ceia da Silva
António José Martins Seguro
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz

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Manuel Maria Ferreira Carrilho
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Irene Marques Veloso
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Joaquim Almeida Henriques
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão

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Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Olímpia do Nascimento Castro Candeias
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo

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João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Miguel Pacheco Gonçalves

Deputado não inscrito em grupo parlamentar:
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 66 a 78 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 2 a 30 de Abril de 2008.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos iniciar a nossa ordem do dia com o debate de actualidade, requerido pelo PCP, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, sobre «O aumento da inflação face aos salários e o abrandamento do crescimento económico».
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Ontem, à hora de almoço, caiu mais um tabu deste Governo. Com o Primeiro-Ministro e o Ministro da Economia fora do País, o Governo despiu, finalmente, a máscara da propaganda e foi obrigado a corrigir em baixa o crescimento económico — uma queda livre superior a 30%, isto é, de 2,2% para 1,5% — e a reconhecer o completo embuste da sua previsão orçamental para a inflação, passando-a de 2,1% para uns ainda pouco realistas 2,6%, o que significa uma subida de 24%.

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Quando, em Outubro de 2007, o Ministro das Finanças dizia que, apesar do contexto internacional, o crescimento económico este ano iria ser superior ao de 2007, estava, conscientemente, a dar uma falsa imagem de confiança e a tentar enganar o País e os portugueses.
Quando, em Novembro de 2007, aprovava sozinho o Orçamento e, em Dezembro, incluía no Programa de Estabilidade, que remeteu para Bruxelas, um crescimento de 2,2%, uma inflação de 2,1%, um preço do barril de petróleo de 75 dólares, uma taxa de juros Euribor a 3 meses de 4,2% e uma taxa de desemprego de 7,6%, o Governo tinha perfeita consciência de que este era um cenário completamente irrealista.

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Apesar do que, na altura, dissemos, apesar de termos sido o primeiro partido em Portugal a propor, logo em Dezembro, um debate sobre as consequências para a economia nacional da crise financeira, o Governo desprezou todos os avisos e «fez ouvidos de mercador». Contrariando

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todas as previsões, desde o Banco de Portugal à Comissão Europeia, o Governo fez como a avestruz e recusou-se, teimosamente, a reconhecer as evidências e a rever atempadamente as suas previsões.
Mas não venha agora o Governo «sacudir a água do capote» e atribuir a outros a responsabilidade única deste enorme trambolhão! Quem, ontem, jurou a pés juntos a robustez da economia nacional não pode, hoje, alijar responsabilidades.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não foi a crise financeira que aprovou uma previsão de crescimento de 2,2% e uma taxa de inflação de 2,1%, que o Governo anda a anunciar há sete meses! Repito: há sete meses!! Não é a crise financeira que permite a manutenção da escalada de preços dos combustíveis em Portugal, sem paralelo no contexto europeu! Não é a crise financeira que faz com que o investimento público em Portugal neste ano e o que está previsto nas Opções do Plano para 2009 se mantenha em níveis completamente inaceitáveis e totalmente divorciados das reais necessidades da economia nacional!

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O mínimo que o País esperava era que o Governo, depois do acto de contrição de ontem, tivesse tomado a iniciativa de vir hoje aqui reconhecer os erros e anunciar as medidas para dinamizar a economia e repor o poder de compra dos trabalhadores.
Esperava-se que o Governo viesse aqui hoje anunciar uma intervenção forte, que controlasse os preços e que impedisse a escalada especulativa e a concertação de preços dos combustíveis que está, há vários anos — pode dizer-se! —, a penalizar a economia nacional.
Hoje, a vida mostra que o PCP tinha razão quando disse que a liberalização dos combustíveis não baixaria os preços, antes permitiria maximizar os lucros das petrolíferas. Hoje, estes grupos económicos ganham a «dois carrinhos», porque, mesmo que aumente muito o preço do barril do petróleo em dólares, tem aumentado muitíssimo menos o seu preço em euros e porque contam com a passividade do Governo, que não lhes controla os lucros nem lhes impede a cartelização.
Esperava-se que o Governo viesse aqui hoje anunciar uma posição clara, devidamente articulada a nível europeu, para fazer baixar as taxas de juro e criar condições mais favoráveis para o crédito às micro e pequenas empresas e para diminuir o esforço das famílias, que se afogam, literalmente, nas prestações dos empréstimos das habitações.
Esperava-se que o Governo tivesse vindo aqui hoje anunciar, sem repetir actos de propaganda nem declarações virtuais, um forte reforço do investimento público e uma utilização acelerada e antecipada dos financiamentos do QREN.
Esperava-se que o Governo viesse aqui hoje repor a justiça e pedir desculpa aos funcionários públicos e aos reformados deste País, anunciando um aumento extraordinário dos salários e das pensões e reformas e corrigindo a inflação mentirosa de 2,1%, com que o Governo decidiu os aumentos para este ano.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Pela parte do PCP temos uma iniciativa legislativa, que irá ser discutida dentro de poucos dias e que, a par da diminuição da taxa do IVA para 19%, actualizará os escalões do IRS de acordo com a inflação próxima da real.
Não podemos aceitar que todos aqueles que, anos a fio, em governos do PSD/CDS e, agora, do PS, sofreram na pele e na carne as consequências das obsessões orçamentais do Pacto de Estabilidade sejam de novo penalizados, quando o então famoso défice está bem abaixo de 3%!! É, assim, fundamental, Sr. Ministro e Sr.as e Srs. Deputados, que este debate coloque na ordem do dia a necessidade imperiosa de diminuir as consequências sociais gravíssimas do sistemático e brutal aumento do

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custo de vida, que está a penalizar, de forma angustiante, a generalidade dos trabalhadores e dos reformados portugueses e a penalizar o desenvolvimento do País.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Bem dizia o Sr.
Primeiro-Ministro que havia outras razões para censurar o Governo…!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Dou-lhes já três só neste debate.
Primeira: a indecorosa cumplicidade do Governo com o aumento louco do gasóleo e da gasolina.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Segunda: a insensibilidade do Governo em relação ao efeito devastador da inflação nas pensões dos mais pobres.
Terceira: a cegueira do Governo, em período de escassez alimentar, em relação à produção nacional de bens primários, nomeadamente de cereais.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É sobre estes três temas que incidirá a intervenção do CDS. Mas convirá, Sr. Ministro, que são três boas razões para censurar o Governo.

Aplausos do CDS-PP.

Em relação à alta desmesurada dos preços nos combustíveis, não é matéria que esteja à disposição desta Assembleia da República controlar factores internacionais, mas é matéria do escrutínio desta Assembleia da República sobre o Governo verificar o que é que o Governo fez, se o fez a tempo e se o fez com suficiente força.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É indiscutível que o Governo foi o último a acordar, o último a perceber, o último a reconhecer que era preciso pedir à Autoridade da Concorrência uma avaliação sobre a formação dos preços. Eu ainda me lembro do que o Governo aqui dizia, quando, por duas vezes, relativamente a preços de bens essenciais, o CDS reclamou essa intervenção junto da Autoridade da Concorrência.

Aplausos do CDS-PP.

E devo também recordar ao Governo que é promessa sua — não é de mais ninguém —, que data de Janeiro deste ano, o portal dos preços das gasolineiras. O Ministério da Economia anunciou em Janeiro que, dois meses depois, teria pronto o portal dos preços das gasolineiras, para que o consumidor pudesse comparar. Onde está ele, Sr. Ministro?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Os senhores demoraram cinco meses a pedir à Autoridade da Concorrência, esperaram por 15 aumentos, obviamente, reveladores de uma formação indevida de preços e

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atrasaram o portal dos preços dos combustíveis por uma única razão, que é preciso que seja aqui dita com toda a clareza: o Governo quer lucrar com o mal que está a acontecer ao automobilista, o Governo ganha todos os dias em IVA, o Governo sabe que a subida do valor de referência significa subida da arrecadação em IVA!! E, quando ontem o Sr. Ministro das Finanças dizia que não ia tocar no imposto sobre os produtos petrolíferos — mais faltava que o fosse aumentar! —, não respondeu à verdadeira questão: é que esta subida da receita do IVA não foi estimada, é receita anómala que estão a obter à custa do sacrifício do contribuinte. E a pergunta verdadeira é se estão disponíveis para, em sede de imposto sobre os produtos petrolíferos, devolver poder de compra ao contribuinte, que está, anomalamente, a ser atacado por via do aumento dos preços e do que o Governo lucra com o aumento dos preços.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Segundo ponto, Sr. Ministro, que lhe quero referir: os senhores inventaram, relativamente ao aumento das pensões, um sistema extraordinário, porque o pensionista mais pobre vai atrás da inflação e, obviamente, perde a corrida com a inflação, porque a inflação é devoradora, face ao poder de compra do pensionista mais pobre. Resposta do Sr. Ministro das Finanças: «Lá para Novembro falamos». Ou seja: quem tem problemas hoje para conseguir chegar ao fim do mês relativamente a um cabaz de compras essencial recebe deste Governo uma mostra de sensibilidade, uma mostra de generosidade, uma mostra de responsabilidade que é esta: «lá para Novembro vemos»… Amanhãs que cantam, quando hoje o dinheiro não chega para comprar os bens essenciais, cuja inflação é, aliás, bem superior porque precisa de ser decomposta relativamente a quem tem maiores dificuldades.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — E, portanto, Sr. Ministro, não lhe pergunto se o Governo está disponível para aceitar o corrector da inflação proposto pelo CDS para defender o poder de compra dos pensionistas, mas dou-lhe uma sugestão: vejam o que fazem os franceses, à esquerda e à direita, há décadas, em que, a meio do ano, há uma revalorização das pensões se o poder de compra for devorado. Aconteceu no dia 1.º de Maio passado.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro: Termino com o último ponto: há uma crise alimentar, há uma alta indevida dos preços dos bens essenciais. A nossa dependência em bens essenciais é de 90% nos cereais e chega a 50% na carne. O que diz o Ministro da Agricultura? Diz uma coisa que mostra toda a sensibilidade do vosso Governo: «a taxa de pobreza em Portugal é reduzida»! Não sei se ele está a falar de Bruxelas ou se está a falar do Portugal da Caritas, do Portugal das paróquias, do Portugal do Banco Alimentar contra a Fome!?

Vozes do CDS-PP: — Exactamente!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Mas mais: em 2005, os senhores disseram que a produção de cereais era para abandonar, não era prioritária. Revelaram visão, não há qualquer dúvida! Mas, em 2008, já com a crise alimentar e a alta dos preços à vista, os senhores dizem outra coisa extraordinária… Abre-se o PRODER e, nos fundos para agricultura e para investimento na produção, quais são os produtos essenciais? Muito bem! Flores de estufa recebem pontuação máxima... Pergunto-lhe: cereais, leite e carne por que é que nem sequer recebem pontuação mínima? Por que é que não são prioridades, Sr. Ministro?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Há pouco tempo atrás, o Bloco de Esquerda fez uma interpelação ao Governo acerca da política de rendimentos e preços e, já então, o Sr. Ministro das Finanças manteve, de uma forma totalmente inflexível, as previsões económicas e, designadamente, a previsão da inflação.
Já na altura se percebia que era manifestamente impossível manter essa expectativa. E nós só podemos, a menos que o Governo emende a mão, ter a percepção de que o Governo o fez não porque sobreavaliou as condições de desempenho da economia mas por pura má-fé, porque o indicador da inflação tem, como se sabe, do ponto de vista da fixação, incidência quer nas pensões dos reformados, quer na avaliação dos salários da Administração Pública, quer até, indirectamente, como ponto de referência para a negociação de salários do sector privado.
E, portanto, o Governo fê-lo por pura má fé ou, então, hoje aqui ou, quando muito, nos próximos dias, o Governo terá de se decidir por aquilo que negou na altura — e até classificou de demagogia a posição do Bloco de Esquerda —, ou seja, por uma rectificação intercalar dos aumentos salariais na Administração Pública, que foram de 2,1%, ou seja, 0,5% abaixo daquilo que é hoje a expectativa do Governo, e não sabemos se ela irá cumprir-se. Mas também em relação às pensões de reforma, porque o Governo encontrou aquela nova legislação acerca da actualização das pensões de reforma que é hoje o último reduto para não haver uma rectificação intercalar.
Hoje já se admite que possa haver uma rectificação intercalar, mas é necessário alterar totalmente aquela legislação da segurança social acerca da actualização das pensões de reforma, porque não é com o critério da inflação passada, quando a inflação prevista e a inflação actual são superiores à passada, que se compensa o que quer que seja do poder de compra dos pensionistas e dos reformados.
Portanto, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, hoje, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças e o Sr.
Primeiro-Ministro, a todo o tempo, se não querem ser considerados responsáveis, por má-fé, por uma previsão de inflação manifestamente inadequada, têm de rectificar os salários da Administração Pública, têm de rectificar as pensões dos reformados, têm de fazer um aumento intercalar em linha com a inflação, que era a vossa promessa. Não era outra se não essa a promessa do Governo! Como todos nos recordamos, na apresentação do Orçamento do Estado para 2008, José Sócrates com Teixeira dos Santos, o que é que vieram dizer-nos? Que os sacrifícios para a Administração Pública tinham acabado; que os aumentos seriam em linha com a inflação. Pois bem, já não são em linha com a inflação! Como é que fica o Governo? Esta é a questão, este é o desafio e esta é a resposta que se espera do Governo, e não outra.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O País tem vários problemas. E tinha, há três anos, dois grandes macroproblemas:…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Dois ou três…!

O Sr. Afonso Candal (PS): — … o problema do desequilíbrio das finanças públicas e o problema da não existência de crescimento económico, o que provocava uma subida do desemprego. Este Governo pôs mãos à obra na resolução desses problemas.
É hoje dado como adquirido que as finanças públicas estão bem melhores. Alguns já dizem que não é preciso muito mais, apenas seguir a linha traçada.
Do ponto de vista económico há muito a fazer. A situação, hoje, é melhor do que era há três anos mas é uma situação de alguma debilidade.
Aquilo que incomoda, e que me incomoda, é ver este momento de triste glória da oposição,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estávamos era caladinhos, não?!…

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O Sr. Honório Novo (PCP): — E a aplaudir…!

O Sr. Afonso Candal (PS): — … que, em vez de contribuir para corrigir o que não está corrigido, aproveita para procurar destruir aquilo que já está no bom caminho.

Vozes do PS: — Muito bem!

Protestos do PCP e do BE.

O Sr. Afonso Candal (PS): — O que a oposição nos traz hoje não são propostas para corrigir o mal: é o agravamento do mal através do aumento de despesa e da redução de receita. Nada mais foi aqui hoje proposto…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O cumprimento da promessa do Governo!

O Sr. Afonso Candal (PS): — … que não fosse aumento de despesa e diminuição de receita.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Isso foram promessas do Governo!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Aquilo que o Governo está a fazer é a estimular as exportações. E há sinais muito positivos que se mantêm e que devem ser acarinhados, apoiados e estimulados,…

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Não leu as previsões para as exportações!

O Sr. Afonso Candal (PS): — … em sectores tradicionais como o calçado, mas também ao nível das novas tecnologias e de fortíssimos crescimentos de receitas em termos turísticos.
É o investimento público em infra-estruturas fundamentais para o País, o apoio e o estímulo ao investimento privado através da atracção desse investimento, como fazem, inclusivamente, o Primeiro-Ministro e o Ministro da Economia e da Inovação. Já foi referido que não estão aqui presentes. Não estão porque estão exactamente a buscar mercados para as nossas exportações e investimentos para o nosso País. É por aí que se vai, pela desburocratização. É também pelo controlo do mercado livre,…

O Sr. Honório Novo (PCP): — Qual livre?!...

O Sr. Afonso Candal (PS): — … tão reivindicado, nomeadamente pelo CDS-PP, a liberalização da fixação de preços.

O Sr. Honório Novo (PCP): — As consequências estão à vista!

O Sr. Afonso Candal (PS): — E, por isso mesmo, o próprio Grupo Parlamentar do Partido Socialista, já em final de Março, requereu a presença da Autoridade da Concorrência na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional,…

O Sr. Honório Novo (PCP): — Já devia ter pedido há dois anos!

O Sr. Afonso Candal (PS): — … que está marcada para o dia 3 de Junho (foi pedida em final de Março!).
Porque há, de facto, necessidade de estimular o controlo e a fiscalização por parte desta entidade…

O Sr. Honório Novo (PCP): — Só agora?

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O Sr. Afonso Candal (PS): — Esta e outras entidades reguladoras, mais do que criticadas, devem ser apoiadas para melhor desenvolver o seu papel.

O Sr. Honório Novo (PCP): — «Casa roubada, trancas à porta»…

O Sr. Afonso Candal (PS): — Não é pondo em causa aquilo que já conquistado do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas que se resolve o problema económico. Está na altura de reforçar as medidas de política económica que o Governo tem posto em acção e esperar uma reacção positiva do País e dos portugueses, como tem acontecido no passado recente, e não pôr em causa tudo aquilo que já foi conquistado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Ofélia Moleiro para uma intervenção.

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O que se passou ontem era previsível já quando o Governo apresentou o Orçamento do Estado para 2008, há quase seis meses.
Apesar de todos os avisos da oposição, apesar dos avisos e dos alertas do PSD, o Governo teimou em manter um cenário macroeconómico absolutamente irrealista, contra todas as previsões de todos os analistas económicos e de todas as organizações internacionais credíveis.

O Sr. Jorge Seguro Sanches (PS): — Mesmo assim crescemos mais do que com os senhores!

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): — Estimava, nesse Orçamento do Estado, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças que o preço médio do petróleo seria de 74,9 dólares por barril. Já nessa altura os analistas previam um preço de cerca de 90 dólares. Afinal, a realidade ainda foi superior às previsões, estando o preço a mais de 100 dólares.
E, portanto, o que se passou foi o Governo prometer aos portugueses riquezas que não lhes podia dar. E o rigor prometido foi uma fantasia, porque nessa altura estava já desencadeada, nos Estados Unidos, uma crise nos mercados financeiros que, todos sabíamos, ir-se-ia alargar rapidamente aos países da Europa.
A subida vertiginosa do petróleo e a espectável quebra da procura das nossas exportações induziriam qualquer um de nós, mais esclarecido, a um menor crescimento económico.
Víamos, já nessa altura, que o Orçamento do Estado não continha as necessárias políticas pró-activas para criar condições objectivas para um novo modelo de desenvolvimento económico…

O Sr. Jorge Fão (PS): — E quais eram?

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): — … aproveitando os fundos económicos. O que sabemos é que o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), a última oportunidade, está atrasado.
Passaram quatro meses e a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o próprio Banco de Portugal, pela voz do seu Governador, vieram dizer aquilo que todos prevíamos: a revisão em baixa do crescimento do PIB; o abrandamento das exportações; o menor crescimento do investimento em 2008 e 2009, apesar das promessas e dos anúncios das grandes obras; e, sobretudo, o abrandamento do investimento privado, que os senhores tanto anunciam, todos os dias, nas televisões. Tudo isto a acompanhar um crescimento do consumo público em 2008 e 2009 e, mais grave, um rácio da dívida pública/PIB a ultrapassar novamente os 64%.
Sr. Ministro, as previsões para o mercado de trabalho são ainda mais assustadoras, com uma taxa de desemprego a manter-se nos 7,9% em 2008 e em 2009, uma taxa superior à média europeia. Em mais de 20 anos, isto aconteceu pela primeira vez em 2007, num governo do PS, que supostamente estaria do lado dos trabalhadores, promovendo o mercado de trabalho.

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A par de uma taxa de inflação a aumentar para 2,8% devido à variação dos preços dos produtos energéticos e dos bens alimentares, o caso da taxa de desemprego é um caso grave e paradigmático…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ainda bem que o PSD reconhece isso!...

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): — É porque a taxa de desemprego, na verdade, não reflecte a verdadeira taxa de desemprego portuguesa, porque todos sabemos que, desde 2005, o fluxo emigratório português voltou a aumentar de uma forma absolutamente assustadora e exponencial. E, hoje, esta taxa de desemprego tem um valor que é sustentado por uma válvula de escape, que corresponde aos portugueses que emigram. Mas sabemos que, a breve prazo, a crise do subprime que atingiu gravemente Espanha irá devolver a Portugal milhares de trabalhadores, que aumentarão esta taxa de desemprego. Portanto, a taxa de desemprego mesmo irreal é muito alta quando comparada com a dos outros países.
Sr.as e Srs. Deputados, para finalizar, gostaria de dizer-vos que, ontem, Dia Internacional da Família, o PSD trouxe novamente ao Parlamento medidas de política para a protecção das famílias, curiosamente, no dia em que o Governo teve de dizer aos portugueses que os enganou até agora! Srs. Deputados do PS, o erro do PS será descoberto como o erro de Descartes!... Estão a tempo de emendar a mão se hoje ainda, durante as votações, derem o vosso voto favorável às propostas do PSD de protecção da família.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: A situação que se vive actualmente em Portugal é profundamente grave. Todas as pessoas sentem isso na pele, e o problema é que não perspectivam melhoras para os próximos tempos.
O custo de vida aumenta acima dos salários, há um aumento das taxas de juro, um maior endividamento e mais estrangulador e um menor poder de compra das famílias. E é com isto que as pessoas se confrontam no seu dia-a-dia.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Até quando?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muitos de nós fazemos compras com regularidade nos supermercados, nos hipermercados, nos mercados e bem sabemos que o custo de um cabaz comprado em 2006 era bastante inferior ao custo de um cabaz comprado em 2008. Todos sentimos isso na pele, e é aquilo que os portugueses hoje sentem na pele. Portanto, isto está difícil, e é face a essa dificuldade que há que agir com medidas que corrijam algumas situações, por um lado, e que protejam, por outro lado.
Sabemos que bens tão essenciais como o pão ou o leite sofreram aumentos acima de 30%, o que é algo absolutamente absurdo.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Não é verdade! Porque é que está a dizer isso?!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Há que acautelar aqui qualquer coisa.
O certo é que o Governo, entretanto, fez previsões, como já aqui foi referido por diversas bancadas, perfeitamente irrealistas, em particular no que diz respeito à taxa de inflação. E não é que ninguém tivesse avisado, porque toda a gente avisava, designadamente economistas de nome deste País,…

A Sr.ª Maria Ofélia Moleiro (PSD): — O PSD!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — … várias instituições, várias bancadas parlamentares. E, portanto, não foi por falta de aviso que o Governo fez as previsões que fez. Foi, de facto, porque teve a intenção

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propositada de o fazer, designadamente porque sabia que a previsão que fizesse ia ter reflexos nos aumentos salariais. E porque este Governo se bate pelos baixos salários, porque este Governo tem ideologicamente uma componente prática de baixos salários, entendeu que tinha de fazer a previsão por baixo.
Entretanto, o que se conclui actualmente é aquilo que todos já tinham concluído há não sei quanto tempo, ou seja, que a inflação ficará muito acima da previsão do Governo, enquanto os salários ficaram bem cá em baixo. O que é que isto significa na prática? Que, na verdade, houve uma diminuição real dos salários e que os portugueses, por esta opção do Governo, continuam a perder poder de compra e vêem agravada a sua situação diária. É isto que, na nossa perspectiva, não é sério! É isto que, na nossa perspectiva, tem de ser denunciado. Porque, depois, não podemos admirar-nos com aqueles números que nos dizem regularmente que os níveis de pobreza estão a alastrar sobremaneira entre a classe trabalhadora. Isto é preocupante! Face a esta preocupação, gostava de colocar duas questões concretas ao Sr. Ministro: o Governo, face a esta situação concreta, face ao erro que admitiu e do qual tem de retirar consequências, está ou não disposto, com seriedade, a fazer um aumento intercalar de salários e de pensões, actualizado àquela que, afinal, é a previsão mais realista de inflação para 2008? Por outro lado, o Sr. Deputado Afonso Candal falou das consequências do mercado livre, realçando muito a componente do «livre»..., mas este mercado livre é aquele que aprisiona milhares de pessoas à pobreza, e é isso que os senhores não querem reconhecer!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Ah, pois é!…

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas é que este mercado livre é aquele que aprisiona milhares de pessoas à pobreza, e é isso que os senhores não querem reconhecer, e eu gostava de saber se os senhores estão aqui para defender esse mercado — porque, nele, só se salva o sector financeiro e os grandes grupos económicos, porque os outros são estrangulados — ou se estão aqui para defender as pessoas, até aqueles que vos elegeram. Estas questões não podem ser marginais nem podem passar ao lado, porque há que falar com seriedade nestas matérias.
Por outro lado, a última pergunta que eu gostava de fazer ao Sr. Ministro, é a de saber se não temos de reflectir sobre a hipótese de avançarmos com um tabelamento de preços, designadamente ao nível de produtos tão essenciais como o pão e o leite. É porque estamos a chegar a uma situação perfeitamente insustentável! A fome alastra em Portugal e há que encarar essa situação e, mais do que encarar, há que agir!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É preciso analisar com cuidado a situação que vivemos, que é uma situação complexa, que podemos decompor em várias dimensões. Em primeiro lugar, verificamos, neste primeiro trimestre, um claro abrandamento do crescimento da economia.
Em segundo lugar, verificamos, no mês de Abril, um claro abrandamento da subida de preços;…

Protestos do PCP.

… a taxa homóloga de inflação, que, em Abril, foi de 2,5%, compara com 3,1% em Março; e a variação anual está nos 2,6%.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — As pessoas lá em casa devem estar a gostar de ouvi-lo dizer isso…!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — E, em terceiro lugar, os dados disponíveis do Eurostat indiciam uma significativa descida da taxa do desemprego. A Sr.ª Deputada Ofélia Moleiro já sabe que a taxa de desemprego está nos 7,9%, o INE só vai publicar o valor às 11 horas da manhã; às 11 horas da manhã

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veremos quem tem razão! O que eu digo é «com base nos dados do Eurostat» e a indicação dada pelo Eurostat é a da descida da taxa de desemprego em Portugal nos últimos meses.
Esta complexa situação, com dados contraditórios entre si, tem de ser encarada com realismo, com sentido de responsabilidade e com confiança.
Tem de ser encarada com realismo: a economia portuguesa não está imune aos efeitos da crise internacional — há a crise financeira; há a subida dos preços do petróleo, de matérias-primas e de bens alimentares; há o abrandamento da actividade económica em alguns dos nossos parceiros externos mais importantes; há a subida das taxas de juro ou mesmo a apreciação do euro; e, daí, a revisão das previsões que o Governo fez ontem, quando foram conhecidos os dados do primeiro trimestre. Nós não temos essa reclamação de presciência divina que o PCP aqui apresentou, nem temos esse poder de omnisciência que alguns grupos parlamentares da oposição aqui reclamaram.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Só os senhores é que não têm!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Com o sentido de responsabilidade, verificados os dados do primeiro trimestre, procedemos à revisão das previsões para 2008 e 2009 e fazemo-lo com o sentido de responsabilidade.
A consolidação das Contas Públicas não está terminada, tem de ser prosseguida. E essa é uma responsabilidade do Governo, porque essa é uma variável que está nas mãos do Governo, ao contrário do que sucede com muitas das variáveis que determinam a evolução económica. Por isso mesmo, não devemos ser precipitados em tomar medidas que ou aumentam a despesa pública ou diminuem a receita fiscal ou fazem ambas as coisas e, até, fariam recair no conjunto dos contribuintes os efeitos negativos que hoje sentem algumas actividades económicas ou alguns grupos profissionais.
Ora, é preciso ter em conta que, em virtude do esforço de consolidação financeira feita nos últimos anos, em 2007, Portugal está abaixo da média europeia e da média da Zona Euro em matéria de peso da despesa pública no PIB; e está significativamente abaixo da média europeia e da média da Zona Euro em percentagem e em peso da receita fiscal no PIB.

Protestos do PCP.

Portanto, todas as medidas que impliquem diminuição de receita têm de ser examinadas com muito cuidado e todas as medidas que impliquem aumento da despesa também devem ser analisadas com o mesmo cuidado, prudência e sentido de responsabilidade.

Protestos do PCP.

Ao contrário da visão parcial que o Sr. Deputado Paulo Portas aqui quis trazer, em matéria de preços de combustíveis, o peso da fiscalidade em Portugal, na formação do preço de venda ao público, nos combustíveis está em linha com a média da União Europeia a 15…

Vozes do CDS-PP: — Isso não é verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Os lucros é que não estão em linha!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — E a receita do ISP tem diminuído com o aumento do preço dos combustíveis.

Vozes do CDS-PP: — Não é verdade!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Há que ter também sentido de responsabilidade em evitar mecanismos como a indexação automática de salários ou pensões à subida de preços, que só geram

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novas tensões inflacionistas, que agravam a espiral da subida de preços e, portanto, penalizam o conjunto dos trabalhadores e o conjunto da população,…

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — … sem pôr em causa e sem descurar a necessidade de ter em conta as questões económicas e sociais.

Protestos do PCP.

Por isso mesmo, ao contrário do que sucedia nos três anos de governo em que o Sr. Deputado Paulo Portas era uma figura de relevo, hoje, a reposição do poder de compra para os pensionistas de pensões mais baixas, até 1,5 de indexante a apoios sociais, está garantida legalmente.

Protestos do PCP.

Isso significa que 700 000 pensionistas que sistematicamente perdiam poder de compra têm garantido por lei a reposição do seu poder de compra.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso para matar a fome é muito bom!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Portanto, há que ter sentido de responsabilidade contra qualquer aventureirismo; confiança na economia e nos portugueses contra o tremendismo que faz com que alguns grupos da oposição acolham, como se fosse uma vitória sua, uma dificuldade conjuntural da economia portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: Creio que a sua intervenção é lamentável…

Vozes do PCP: — É uma vergonha!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … a dois títulos, um dos quais é o facto de conseguir intervir neste momento económico e «passar uma esponja» em cima da especulação dos preços dos combustíveis, deixando uma imagem de um Governo absolutamente impotente e inactivo, sob essa espiral de preços. A isso não se chama incapacidade, a isso chama-se conivência com uma situação de facto.
E a sua intervenção é também lamentável a um outro título: é porque, reconhecendo o Governo que há um diferencial na inflação, esse diferencial é prejudicial aos pensionistas e aos trabalhadores da Administração Pública; é prejudicial, em geral, a todos aqueles que têm os seus rendimentos dependentes da taxa de inflação. Sr. Ministro, aquilo que nos disse aqui não é que prejudique a despesa uma indexação automática dos salários e das pensões à inflação. Não! Do que nós precisamos é de um indexador automático das promessas à realidade!

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Porque a promessa do Governo foi a de que os aumentos seriam em linha com a inflação e não estão a ser! Não venham, agora, depois de ter prometido, dizer que não pode ser, que é uma demagogia, que é uma má política de finanças públicas — independentemente de as medidas não serem neutras e de uns estarem a

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sofrer na sociedade portuguesa e de outros não estarem. E o Governo do Partido Socialista não pode, não deve — não deixarão que seja! — ser insensível a esse facto.
Mas o Governo prometeu! É mais uma quebra de palavra que valida a censura, neste Parlamento, ao Governo: foi sobre o Tratado de Lisboa, foi sobre o IVA, foi sobre o Código do Trabalho, é sobre os aumentos dos pensionistas e dos trabalhadores da Administração Pública!! Não vale a pena repetir as imagens, o vídeo da conferência de imprensa do Sr. Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças. Por que é que vem agora aqui o Governo dizer: «não pode ser, não podemos aumentar a despesa pública, não podemos fazer isto e aquilo»… Mas o Governo prometeu! E está, hoje, aqui a dar fé de uma imensa quebra de palavra, de uma enorme falta aos compromissos tomados.
E voltamos sempre a este tema, que valida a censura e o descontentamento dos portugueses em relação ao Governo do Partido Socialista.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, a primeira questão que quero referir é a de que, evidentemente, este debate agendado pelo PCP é da maior importância e actualidade, que é, aliás, o nome que regimentalmente tem.
Também quero dizer que neste debate se estão a comprovar, mais uma vez, as razões que levaram o PCP a apresentar uma moção de censura pela política global do Governo e, porventura, serão estas algumas das razões que o Primeiro-Ministro admitiu que existiam, mas não quis dizer quais eram.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — De facto, Sr. Ministro, quando discutimos o último Orçamento do Estado, já sabíamos que havia crise internacional; só o Governo continuava a dizer, nas palavras do Sr.
Ministro das Finanças, que «tinha revisto o cenário macroeconómico, adoptando uma atitude prudente» — imagine-se o que disse o Sr. Ministro das Finanças no debate do Orçamento do Estado para 2008…!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A situação que estamos a viver é causada, certamente, pela crise internacional e pela má previsão do Governo em relação ao que aí vinha, e é causada também pela política interna do Governo. Porque não pense o Governo que, agora, vai continuar a justificar a imposição de sacrifícios apenas com a crise internacional! A sua responsabilidade é muito grande na situação que, hoje, vivemos!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Este Governo é responsável pela crise económica que vivemos e por este crescimento económico raquítico que estamos a ter na nossa economia, que não cria emprego e que não resolve os problemas da nossa economia e do desenvolvimento.
Afinal, o Governo já teve de abdicar daquela «coroa de glória» que nos atirava em todos os debates que era a de que o crescimento, não muito grande, da economia portuguesa previsto pelo Governo ia, pela primeira vez, convergir, ser superior, à média de crescimento da União Europeia. Tudo mentira! Afinal, vamos continuar este ano a divergir da União Europeia, a crescer menos do que a União Europeia, ao contrário do que o Governo andou a propagandear todos estes anos, fundando-se numa previsão falsa, mentirosa e, apenas, destinada à propaganda política.

Vozes do PCP: — Muito bem!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Governo assumiu, agora — foi obrigado a assumir! —, tudo o que não tinha assumido até aqui.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É verdade!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Baixou a previsão do crescimento, em cerca de um terço daquilo que tinha previsto no Orçamento do Estado; aumentou a previsão de inflação em cerca de um quarto daquilo que tinha previsto no Orçamento do Estado… Não eram previsões! Afinal, eram mera propaganda para ser utilizada na contenção dos salários, na contenção das reformas e na criação de uma imagem que não correspondia à realidade.
O Sr. Ministro das Finanças também disse, nessa altura — citando Santa Ana —, que «quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo». Ora, é o que acontece com o Governo! O Governo, mais uma vez apresentou uma previsão de inflação abaixo do que era realidade, do que iria ser realidade para poder não aumentar, hipocritamente, os salários dos trabalhadores da Administração Pública e dar um mesmo sinal para os trabalhadores do sector privado, cujos salários diminuíram realmente nos últimos três anos, também com as indicações que o Governo dá para a economia.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Há muitas coisas que o Governo não admite. O Governo não quer admitir que o aumento dos combustíveis, que penaliza fortemente os portugueses e a economia portuguesa (e muitos sectores da economia portuguesa), é responsabilidade do Governo, sobretudo porque não toma qualquer medida para impedir a especulação e para impedir a concertação de preços que alimenta os lucros das petrolíferas, designadamente da GALP.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Afinal, o mercado livre e liberalizado é apenas um mercado que é livremente concertado pelos operadores para obterem o máximo lucro à custa da economia portuguesa e da vida dos portugueses. A mesma coisa em relação ao aumento da energia.
Mas o que é espantoso é que agora, que confirma tudo aquilo que andamos a dizer há tantos meses, o Governo não quer admitir que é preciso recuperar os salários, que é preciso recuperar as reformas e devolver, pelo menos, uma parte do poder de compra que, face ao aumento do custo de vida brutal que as famílias estão a sentir, os portugueses estão a perder em cada dia! Este Governo é responsável por um elevado nível de desemprego, pelo raquitismo do crescimento económico, pelo aumento do custo de vida e pelo aumento da pobreza e continua descaradamente a falar da recuperação do défice das contas públicas!...
Sr. Ministro, o discurso do défice não «enche a barriga» a ninguém, não paga as compras no supermercado, nem paga o custo que as empresas têm com o aumento dos combustíveis com a penalização da nossa economia! O discurso do défice não resolve problema algum do País, não resolve o problema do custo de vida, não resolve o problema do desemprego, não resolve o problema do crescimento económico! É um discurso que não serve ao País, tal como não serve ao País a política do seu Governo que tanto nos tem prejudicado nos últimos anos!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, em forma de notas rápidas, porque o tempo é curto, queria dizer que aquilo que não serve ao País, à economia real e à vida dos portugueses é que também o Estado, com o desequilíbrio das suas contas, agrave a situação em que nos encontramos.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diga isso às pessoas que não têm dinheiro até ao fim do mês!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Se tivéssemos hoje a situação que tínhamos há três anos atrás, esse seria um problema acrescido, perante o quadro internacional com que nos deparamos.

Protestos do PCP e do BE.

Felizmente, esse factor de agravamento da nossa situação está, hoje, francamente diminuído. Não quer dizer que não haja factores de agravamento, porque as contas ainda não estão equilibradas. O Estado continua a gastar mais do que aquilo que tem para gastar.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — O Primeiro-Ministro diz que já está resolvida a crise orçamental!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Assim, queria deixar três notas.
Em primeiro lugar, tal como já aqui foi referido pelo Sr. Ministro, é importante que se tenha presente que o Estado, em relação aos produtos petrolíferos, cobra, em termos particulares e especiais, o imposto sobre produtos petrolíferos — sobre a gasolina, o gasóleo e, enfim, todos os produtos derivados do petróleo.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E depois ainda acresce o IVA!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Esse imposto não é percentual em relação ao preço de venda ao público, mas um valor absoluto. Ou seja, o Estado não ganha receita fiscal por cada euro gasto mas, sim, por cada litro comprado. E, uma vez que o aumento de preços tem provocado uma diminuição do consumo, isto é, menos litros têm sido vendidos, o Estado está a perder receita fiscal em sede de ISP.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — É mostrar as contas!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Assim, o Estado não tem interesse em que o preço da gasolina e do gasóleo estejam altos, porque não tem ganho algum em termos fiscais, antes pelo contrário! Por isso, já foi pedida uma investigação à Autoridade da Concorrência.
Quanto a previsões, o Governo e todas as entidades têm a falibilidade face à actual conjuntura muito complexa. O Banco de Portugal e o FMI reviram as suas previsões, assim como todos os nossos parceiros europeus. E, portanto, este Governo tem crédito nas suas previsões.

Risos do PCP e de Os Verdes.

Finalmente, uma palavra para os «profetas do dia seguinte» que hoje, num momento de tristíssima glória, têm falta de confiança nas capacidades dos portugueses e do País.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É mas é no Governo!

O Sr. Afonso Candal (PS): — O País está numa situação complexa. Há dados contraditórios.

Protestos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O próprio PSD, abandonando o papel de «profeta do dia seguinte», já antecipa um agravamento do desemprego. Não é isso que o Eurostat tem dito... Veremos o que é que o INE diz hoje.
Ser «profeta do dia seguinte» é fácil, o que é difícil é fazer previsões acertadas e, mais do que fazer previsões, ter medidas e iniciativas políticas que construam o futuro. E este Governo tem uma linha de rumo, tem políticas para ultrapassar as dificuldades! Nunca escondeu as dificuldades!

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Há muito para fazer e não serão esta maioria e este Governo que, ao primeiro momento de algum agravamento e dificuldade, ainda que haja indicadores contraditórios, pura e simplesmente, põem tudo aquilo que já foi conquistado em causa.
Há que seguir o rumo, há que redobrar esforços, há que pedir mais trabalho e mais confiança aos portugueses!

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Menos salários e mais trabalho!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, gostaria de aproveitar o pouco tempo que me resta para fazer um apelo.
As dificuldades por que passa, conjunturalmente, a economia portuguesa são conhecidas. Gostaria de fazer um apelo aos grupos parlamentares da oposição: não usem essas dificuldades para dizer aos portugueses para, desbaratando o esforço e o sacrifício que tiveram nos últimos três anos, abandonarem agora toda a preocupação com a consolidação orçamental, com a saúde das finanças do Estado e com os motores de crescimento da economia.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Devia ter vergonha!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Porque, se a crise financeira não estivesse resolvida como está, a nossa vulnerabilidade à crise económica internacional seria muito maior.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Para que é que isso serve?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O meu apelo é, justamente, para que encaremos todos com confiança esta conjuntura, porque aquilo que os portugueses fizeram nos últimos três anos permite agora usar medidas anti-cíclicas que combatem, por exemplo, a inflação, como a baixa da taxa do IVA, que entrará em vigor no próximo dia 1 de Julho e que permite ter hoje uma política económica activa de atracção do investimento e de promoção das exportações.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Que descaramento!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Portanto, o meu apelo é este: não desanimemos à primeira dificuldade conjuntural que enfrentamos. Pelo contrário, enfrentemos essas dificuldades com o sentido de confiança de que fizemos, a tempo, o esforço de consolidação orçamental que era necessário e que estamos, hoje, em melhores condições — o Estado, os trabalhadores, os empresários — de responder à incerteza da economia internacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da ordem do dia, que é a apreciação da proposta de resolução n.º 71/X — Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (José António Pinto Ribeiro): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apesar do curtíssimo tempo de que disponho, permitam-me que saúde esta Câmara, o Parlamento, este órgão de

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soberania onde sempre me habituei a ver a sede do poder do povo nos regimes democráticos e representativos.
É a primeira vez que, como membro do Governo, venho ao Parlamento apresentar e defender uma proposta de resolução a ser tomada por esta Câmara, que cumprimento.
Trata-se de um assunto simples, como, nos considerandos, a proposta de resolução se refere.
Em 1990, foi assinado, por todos os governos dos Estados da CPLP, um acordo internacional relativo à ortografia da língua portuguesa. Este Acordo ficou, no que à sua entrada em vigor se referia, sujeito à ratificação até 1 de Janeiro de 1994 por todos e cada um dos sete Estados contratantes.
Portugal concluiu em Agosto de 1991 este processo de ratificação, a Assembleia da República ratificou o Acordo Ortográfico, o Presidente da República emitiu o decreto de ratificação e ambos foram publicados no Diário da República.
Assim sendo, por que estamos aqui? Porque se verificou que o processo de ratificação não foi igualmente célere em todos os Estados da CPLP e em 1994, na data inicialmente prevista, não estava o acordo ainda ratificado por todos e cada um dos Estados contratantes.
Daí que, em 1998, os governos dos mesmos sete Estados que formavam a CPLP à época tenham assinado o Primeiro Protocolo Modificativo não do Acordo Ortográfico mas de uma regra do Tratado que o contém: a que definia a data da sua entrada em vigor como sendo 1 de Janeiro de 1994 — data essa já então ultrapassada por não ter o Tratado sido ratificado pelos sete Estados. A regra passaria a ser a da entrada em vigor do Acordo Ortográfico logo que ratificado pelos sete Estados, independentemente da data em que o fizessem. E Portugal ratificou imediatamente este Primeiro Protocolo Modificativo.
Percebeu-se, porém, que o processo de ratificação por parte dos Estados da CPLP era, apesar de tudo, especialmente moroso, por razões compreensíveis: alguns deles encontravam-se em guerra, alguns deles tinham processos legislativos e parlamentares não estabilizados. E daí que, em 2002, na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, se tenha deliberado que os tratados celebrados no âmbito da CPLP passassem a entrar em vigor logo que ratificados por quaisquer três membros.
Todos os tratados eram assinados pelos governos membros da CPLP, mas o processo de ratificação, para a entrada em vigor dos tratados, passaria a ser suficiente quando levado a cabo por três.
E colocou-se a questão de saber se devem ou não os tratados anteriores também ser submetidos a esta nova regra de entrada em vigor com apenas três ratificações. Foi decidido que seria visto caso a caso e que, relativamente ao Acordo Ortográfico, o tratado que contenha o Acordo Ortográfico passasse a entrar em vigor logo que ratificado por três Estados-membros. Foi isso que passou a constar do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico e é isso que aqui hoje vos trago.
Aquilo que o Governo propõem hoje à Assembleia da República é apenas que ela aprove uma resolução de ratificação do Segundo Protocolo Modificativo ao Tratado que contém o Acordo ortográfico, já ratificado por esta Câmara e pelo Sr. Presidente da República, de modo a que entre em vigor já, porque ratificado por três Estados, e não apenas em prazo e em data incerta e dependente da ratificação de ainda três Estados, a saber: Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
Quer Portugal decidir que o Acordo Ortográfico entre em vigor já no nosso país ou, pelo contrário, prefere esperar? É apenas isso de que estamos hoje a tratar. É isso que se coloca perante esta Câmara.
Deixem-me que, para não me acusarem de não me referir ao Acordo Ortográfico propriamente dito, uma vez que este já foi ratificado há 17 anos por Portugal, teça algumas considerações breves sobre o mesmo.
O Acordo Ortográfico é um tratado internacional que visa regular e unificar, na medida do possível, a forma de escrever de uma mesma língua, a portuguesa, usada por mais de 220 milhões de pessoas — forma de escrever essa que tem diferenças que tendem a aprofundar-se se não houver um esforço de regulação unificadora.
A unificação só poderá ser feita na base da facilitação, da simplificação do seu uso como língua de circulação, contacto e comunicação. E o Acordo Ortográfico faz isso mesmo: olear os regulamentos da língua portuguesa para facilitar o seu uso entre pessoas com graus de instrução e erudição muito diversos, mas todos com igual direito ao uso da sua língua — a língua portuguesa.
E se se pode perceber que alguns eruditos mais habituados à escrita e com uma relação verdadeiramente sensorial e afectiva mais intensa com as palavras escritas na ortografia, conforme a vigente à norma

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ortográfica europeia, possam estranhar e reagir a essa mudança e, eventual e pontualmente, até ter razão, no sentido de que a solução aqui ou além não tenha sido a mais bem conseguida para o propósito em causa — a de unificar a ortografia e a facilitação da aprendizagem e da comunicação em língua portuguesa —, é preciso compreender que a língua portuguesa é de todos os seus utilizadores.
Por um lado, a norma ortográfica europeia sofreu grandes e profundas alterações no século XX. Apesar de a língua ser de todos os que a usam, alguns de nós, os utilizadores da ortografia na sua norma erudita europeia, não conseguimos que essa norma ortográfica fosse generalizadamente vigente na sua escrita por quem fala e escreve em português e só temos de nos culpar a nós mesmo e a mais ninguém. É porque fomos nós que não fizemos um dicionário da Academia da língua portuguesa no século XVIII! Outrossim, a nossa Academia, os nossos eruditos, os nossos melhores, apenas publicaram um volume relativo à letra a em 1793, que foi republicado, com a correcção ortográfica devida, em 1976. A Academia nunca se adentrou pelas outras letras até ao ano 2000.
E, não o tendo feito, D. João VI, quando foi para o Brasil, não pôde levar consigo, além da tipografia e de tudo aquilo que era necessário para criar e estruturar um Estado autónomo e depois independente, os instrumentos de estabilização da língua, a saber: um dicionário da Academia. Assim, não o pôde mandar imprimir no Brasil e, consequentemente, não houver exemplares do dicionário que pudessem ser consultados por quem deles necessitava.
Gostava ainda de referir que se a língua inglesa não fez acordos ortográficos foi porque disso não necessitou, por razões muito simples e singelas: porque fez a Reforma e, tendo-a feita, traduziu a Bíblia para inglês, que passou a ser lida por cada um em sua casa. Os emigrantes ingleses que foram fundar as colónias para os Estados Unidos lançaram mão desse instrumento para aprender a ler e, como era o Livro sagrado, não alteravam nem sequer uma letra das palavras que o compunham.
Por outro lado, o sistema jurídico inglês foi um sistema exportado na base de sentenças e acórdãos escritos por juízes ingleses em língua inglesa. Foi assim que Lincoln aprendeu Direito, lendo o Blackstone, lendo os volumes de sentenças e acórdãos ingleses.
Finalmente, gostaria de dizer que a língua e a ortografia impõem-se e sobrevivem na base da sua unidade ortográfica essencial e da sua utilização na net e na comunicação escrita por todos os meios: dos sms aos documentos de trabalho das organizações internacionais; da literatura aos escritos académicos; da língua de circulação à vulgar língua e à língua erudita. Se não unificássemos a ortografia portuguesa estaríamos a dar uma machadada profunda na nossa própria língua, na nossa capacidade de universalizarmos, por falta de uma ortografia comum.
Estou certo de que os Srs. Deputados comungam com o Governo desta preocupação e aprovarão o Segundo Protocolo Modificativo para que rapidamente se inicie o processo possível de reunificação ortográfica da língua portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Cultura: Argumenta-se, a favor deste Acordo, que numa língua falada por mais de 200 milhões de pessoas a uniformização ortográfica garante o futuro e que, pelo contrário, a sua falta determinará uma separação inevitável do tempo. Devo dizer-lhe que não me parece.
Confesso-lhe que não sou um opositor dogmático, não sou contra porque sim. Não tenho, nesta matéria, uma oposição motivada por um patriotismo nostálgico, que, em boa verdade, só invoca quem ainda não percebeu que a grandeza da língua só acontece porque, apesar da paternidade que temos, o português é falado por muitos mais em todos os continentes, sem crises de auto-estima. Somos os pais da língua, não somos os donos da língua! No entanto, questão diferente é a de saber se este Acordo é preciso ou até se resolve alguma coisa. E aí, sinceramente, também penso que não.

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Tal qual o inglês, língua uma pouco mais falada do que o português, convenhamos, sendo sabido que se expandiu e mantém sem ortografia definida por acordo, e sem que daí venha mal à Rainha ou ao mundo e também sem que o exemplo que acabou de dar, porventura, nos explique algo.
O inglês europeu escrito é perfeitamente inteligível na América do Norte, apesar de todas as suas diferenças — que também existem.
Tal qual como o castelhano, diga-se, que vive sem acordo e vê na diversidade riqueza. Do mesmo modo, o português que se escreve neste canto europeu é lido e entendido no Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe ou Timor, com a mesma naturalidade com que nos é inteligível o que por lá se escreve. Em todos os casos, é do português que se trata.
Coisa diferente são as diferenças que o vocabulário ou a gramática impõem. Mas a essas não há acordo que nos valha.
Não será pelo Acordo que cá se vai usar o infinitivo menos do que lá se usa o gerúndio; ou que atacador deixará de ser cadarço; que apelido deixará de ser alcunha; que assobio deixará de ser silvo; que biberão deixará de ser mamadeira; que imposto deixará de ser propina; que cueca deixará de ser calcinha; ou que gira deixará de ter muita graça.
Tal como não é por falta de acordo que os autores brasileiros deixarão de ser cá lidos, muito lidos, ou que os nossos melhores deixarão de ser por lá admirados — precisamente por isso, porque são os nossos melhores.
Claro que, pelo caminho, haverá sempre quem se sinta tentado a argumentar com a ameaça, convencido de que também é critério e quem julgue que a língua se negoceia como se fosse petróleo, coisa que, diga-se, nos dava imenso jeito, mas infelizmente não temos ou pelo menos ainda não encontrámos.
Como o José Eduardo Agualusa, escritor angolano, que num artigo de opinião recente dispara assim: «Caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado — por resistência de Portugal —, entendo que Angola deveria optar pela ortografia brasileira. Somos um país independente. Não devemos nada a Portugal. O Brasil tem 180 milhões de habitantes e produz muito mais títulos, e a preços mais baratos, do que Portugal. Assim sendo, parece-me óbvio que temos mais vantagem em importar livros do Brasil do que de Portugal.
No futuro, Portugal pode sempre unir-se à Galiza.» Devo dizer que os equívocos de Agualusa quanto à origem da língua que fala são os que menos me importam. E bem que poderia até discutir de como deve a Portugal, mais que não seja, essa língua que utiliza e que até lhe vai servindo para vender um ou outro livro por cá…, não sei se pela Galiza também… Mas confesso que o número de títulos que produz ou o preço a que os venderá são, seguramente, o último dos argumentos capazes de me impressionar, até porque — como contraponto menos mercantilista, é certo! — sempre encontraria melhor exemplo na grandeza maior daquele Fernando Pessoa para quem «a pátria era a língua portuguesa»!... A língua que, em muitos momentos, só não vai mais longe porque, infelizmente, no que mais importa, muito mais do que neste Acordo, há quem, infelizmente, tendo o poder de decidir em Portugal, não tenha visão ou não tenha noção. Como recentemente na Venezuela, quando se pediu auxílio a Portugal para que o português lá fosse ensinado, respondeu-se simplesmente que não há recursos. Aí, sim, onde conta e onde se poderia marcar a diferença não se faz. Ora, esse é também um problema que este Acordo não resolverá.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Portugal.

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura: Começo por dizer que há alguma expectativa em relação a este debate parlamentar que assenta num equívoco. E esse equívoco já foi esclarecido pelo Sr. Ministro da Cultura, que fez bem, por isso, em situar o tema central deste debate no conteúdo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Portanto, o tema central deste debate não versa, de facto, os conteúdos do Acordo Ortográfico mas, sim, os conteúdos do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. É isso que nos traz esta proposta de resolução.

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Também já foi dito a esta Câmara que esse Protocolo Modificativo tem apenas dois artigos: um, que propõe a adesão de Timor Leste; e outro, que substitui uma anterior obrigação de todos os Estados signatários terem que depositar os seus instrumentos de ratificação e agora serem apenas três Estados signatários.
Assim, a consequência da aprovação deste Segundo Protocolo Modificativo será a entrada em vigor do Acordo Ortográfico nos prazos e nas condições propostos pelo Governo, que se compromete a salvaguardar uma transição sem rupturas, de que falarei mais adiante.
Os termos deste Segundo Protocolo assinalam um acto de diplomacia política, que opta por uma solução capaz de operacionalizar a entrada em vigor entre os oito países que o assinaram e que decorre do arrastado processo de ratificação, apenas cumprido, como já foi dito, por quatro dos países em causa.
Claro que, subjacente ao Protocolo — eu diria, até, no centro do Protocolo — continua a estar o acordo ortográfico. Mas sobre o acordo ortográfico já tudo foi dito, porque houve tempo em excesso para todos os pronunciamentos em volta daquilo que já foi chamado uma «demanda ortográfica» e sobre a qual já se usaram palavras como «guerra», «peleja», «combate», porque como toda a gente já percebeu, esta é uma longa demanda que se iniciou no tempo da 1.ª República, com uma versão ainda hoje altamente respeitada.
Há dois olhares sobre o acordo ortográfico: o olhar do património e da ciência da língua e um olhar de natureza política.
A tal arrastada, acesa, apaixonada polémica, que colheu grande participação de artistas, linguista, filólogos, escritores, professores, cidadãos anónimos, que se têm mobilizado até à última semana e que, muito recentemente, apresentaram uma petição na Assembleia da República, expressa o primeiro desses olhares, aquele que se concentra nas questões do foro linguístico e do património da língua.
No outro olhar prevalecem razões de natureza política que, partindo da importância geoestratégica da língua portuguesa no mundo actual, consideram a necessidade de um código ortográfico unificado entre os países de expressão portuguesa.
E sobre a necessidade de um código ortográfico unificado, há um consenso muito alargado, mesmo entre os mais radicais opositores ao acordo ortográfico, como é o caso do Professor Ivo Castro, que chegou mesmo a dizer, em determinado momento, o seguinte: «é intrinsecamente bom que se crie um código de ortografia que valha para todos os territórios onde se escreve português.» ou, a fonte das fontes, o Professor Óscar Lopes, que se pronunciou também nesta linha, dizendo que o acordo era um meio importante de preservar tradições culturais entre os, à época, sete países signatários e que agora são oito.
As razões que propõem a existência de um acordo são, portanto, respeitáveis. Desde logo dizer «acordo» é dizer «entendimento» e neste acordo entenderam-se nada menos do que oito Estados. Fizeram-no, aliás, no exercício da sua soberania e num acto de vontade própria, sem submissões nem constrangimentos. São todos países livres e independentes,…

A Sr.ª Manuela de Melo (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — … não há dominadores nem dominados, uns e outros, em pé de igualdade, decidiram aplicar um código ortográfico unificador à língua que a história se encarregou de salvaguardar como língua oficial comum a estes territórios.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Portugal (PS): — Aliás, no artigo 2.º da Constituição da República Federativa do Brasil e também nos países ex-colónias portuguesas está expresso como um acto de vontade livre desses países de o Português ser a sua língua oficial.
O que os motivou a esta decisão? O facto de existirem duas grafias diferentes — a de Portugal e a do Brasil.
Entendo que desta decisão pode ter surgido um facto novo: a criação de uma gestão em rede de língua portuguesa que deve ajudar a salvaguardar interesses comuns.
Foi também Óscar Lopes quem percebeu que «entre as 10 línguas mais faladas no mundo, o Português é a única que não tem um código ortográfico comum a todas as variantes nacionais».

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E eu acrescento que, entre as quatro línguas usadas nas relações internacionais (o Inglês, o Francês, o Espanhol, o Português), a única com duas grafias é o Português, o que arrasta consequências na sua utilização em todos os encontros internacionais.
Faz sentido, portanto, pôr a questão: deveria Portugal virar as costas a esta desvantagem internacional que, a continuar, acabaria por afectar o uso do Português relativamente às outras três línguas internacionais? Cuidar da internacionalização da língua portuguesa obriga-nos a estar atentos ao confronto com línguas com poder hegemónico, como é o caso do Inglês e do Espanhol.
Disse um escritor contemporâneo — creio que foi o Fernando Dacosta —, que «a língua não se muda por acordos nem por decretos, vai fluindo por si própria e pelos povos que a fazem.» Afectuosamente, vou citar Sottomayor Cardia, que, por ocasião do anterior debate, em 1991, disse a esta Assembleia: «a escrita não constitui apenas notações. É parte essencial da própria língua, é património e capital simbólico.» Acho que têm razão. É também desta maneira que sinto a minha relação com o património inestimável que é a nossa língua.
Mas não deixo de perguntar: poderá a língua caminhar sozinha neste mundo global e altamente marcado pela evolução tecnológica? Volto ao diploma do Governo e aos compromissos assumidos, porque eles merecem destaque, uma vez que respondem às grandes questões que são colocadas por artistas, por editores e por outros cidadãos: a primeira é a salvaguarda de uma transição sem rupturas, nomeadamente no que se refere ao ensino da língua portuguesa; depois, a não interferência na liberdade de escrita por parte dos criadores — eles também não precisariam que o Acordo ou o Protocolo dissessem isto, mas é importante que o diga!; por último, a criação de medidas de apoio ao sector editorial. Estas medidas acautelam as três áreas mais atingidas pelo Acordo e por isso saudamos essas medidas.
A terminar, formulo dois votos: primeiro, que este Acordo seja indicativo de um tempo novo em matéria de relações culturais com a lusofonia; segundo, que este Acordo sirva a língua portuguesa, que há muitos séculos partiu em «caravellas» — ao tempo escrevia-se com dois ll e depois a reforma ortográfica da 1.ª República encarregou-se de retirar um l — que regressariam com ouro e canela, mas deixariam por lá a língua que haveria de ser partilhada por milhões de cidadãos nos diferentes continentes do planeta Terra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Acho que a história deste Acordo define bem o teor da sua importância.
Adoptado em 1990, nunca foi possível a sua entrada em vigor e agora os dois Protocolos Modificativos demonstram essa mesma dificuldade. Limpámos datas e exigimos cada vez menos. Agora só três Estados têm necessidade de depositar a ratificação deste Acordo.
Não tenho, sobre esta matéria, a visão irrealista, e mesmo superficial, de que este passo é fundamental à promoção e à defesa da língua e da cultura portuguesas no mundo. Mas também não subscrevo as avaliações conspirativas de outros tantos.
Mas considero que as questões são outras e essas, sim, na minha opinião, de grande importância e de grande preocupação.
Em primeiro lugar, as incorrecções científicas e técnicas do Acordo de 1990 e que permitiram decisões erradas, que estão em cima da mesa e que esta Câmara não pode esquecer.
Em segundo lugar, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, a facilidade com que o poder político produz legislação com tanta importância sobre uma matéria tão especializada, tão secularmente estudada e de forma tão leviana.
Em terceiro lugar, os conceitos retrógrados e conservadoras leituras sobre um organismo vivo que é a língua, com dinâmicas próprias e a que se chama, neste caso, a língua portuguesa.
Ficamos a saber, segundo alguns responsáveis por este diletante processo, que ele constitui uma estratégia de expansão e afirmação da língua na escala mundial.

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O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Não quero traduzir estas afirmações como saudosismo e até com algum tom imperial, mas gostaria de chamar a atenção para aquilo que Mia Couto afirmou esta semana: não há nenhum político, não há nenhum poder político, nem mesmo o democrático, que possa unificar a língua.
Por isso, solicito aos Srs. Deputados e ao poder político deste país que depois da aprovação, hoje — porque é isso que vai acontecer —, se constitua uma comissão de especialistas, da qual não sejam afastadas as Academias, nomeadamente, neuropsicólogos, linguistas, filósofos, docentes, e que essa comissão, durante estes seis anos, possa garantir que não estamos a delapidar um património simbólico tão importante como é a língua portuguesa, quer para os diferentes falantes, quer para o mundo que nos escuta e escreve connosco.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de resolução que agora discutimos visa a ratificação por Portugal do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Sendo certo que o Protocolo em questão apenas altera as condições de entrada em vigor do Acordo Ortográfico, a discussão que hoje fazemos não deve ser apenas sobre aspectos meramente formais. A discussão desta proposta de resolução não pode ser desligada do conteúdo material do Acordo Ortográfico que se pretende que entre em vigor, nem se pode alhear dos efeitos que o Acordo produzirá e do processo político que está em causa.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — O Acordo Ortográfico, assinado em 1990 e ratificado por Portugal em 1991, prevê como condição para a sua entrada em vigor a ratificação por todos os Estados signatários que então correspondiam aos sete Estados-membros da CPLP: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Até hoje, apenas Brasil, Cabo Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe procederam à referida ratificação, pelo que o Acordo nunca chegou a entrar em vigor.
O Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, assinado por todos os Estados-membros da CPLP em 2004, incluindo já Timor Leste, procura ultrapassar o impasse, alterando as condições de entrada em vigor do referido Acordo para que esta pudesse ocorrer mais rapidamente.
Assim, para que o Acordo entre em vigor passa a exigir-se como condição a ratificação por apenas três dos Estados signatários, prevendo-se que esta alteração às regras de entrada em vigor do Acordo entre em vigor logo que três Estados ratifiquem o próprio Protocolo Modificativo.
Tendo em conta que Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe já ratificaram o Acordo e os dois Protocolos Modificativos, logo surgiu quem defendesse que o Acordo já estaria em vigor para todos os Estados signatários, incluindo aqueles que não procederam à ratificação deste Segundo Protocolo Modificativo.
Perante a impossibilidade de detalhar os argumentos que se impõem, apenas diremos que não se pode aceitar que um Estado fique vinculado a um tratado internacional que não ratificou e que, portanto, se continue a exigir que cada um dos Estados signatários proceda à ratificação deste Segundo Protocolo Modificativo para que o Acordo entre em vigor no seu território.
Esta é a questão que continuará sem resposta. Continuaremos sem saber se os países que até hoje não ratificaram o Acordo o farão no futuro. Continuaremos sem saber se o Acordo Ortográfico poderá algum dia vir a entrar em vigor em todos os Estados-membros da CPLP ou se continuarão a ficar de fora Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste.
Por outro lado, a própria proposta de resolução parece frustrar os objectivos do Protocolo Modificativo. Se a intenção do Protocolo é a de criar condições para que o Acordo entre em vigor mais rapidamente, como é que

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se compreende que a proposta de resolução preveja uma moratória de seis anos para que o Acordo entre em vigor em Portugal? A realidade, Sr.as e Srs. Deputados, é que o processo do Acordo Ortográfico é um processo marcado por contradições e impasses.
Apesar das violentas críticas que sofreu por parte de utilizadores qualificados da língua portuguesa e das promessas do então Secretário de Estado da Cultura, Pedro Santana Lopes, de que os erros seriam corrigidos e as deficiências ultrapassadas, o conteúdo concreto do Acordo nunca sofreu alterações nestes 18 anos em que andou a marcar passo.
Apesar de o Acordo prever a elaboração de um vocabulário ortográfico comum de terminologias técnicas e científicas, passaram 18 anos desde a sua assinatura e não há ainda vocabulário comum.
Apesar de já, em 1990, se assinalar a necessidade de proceder a uma avaliação rigorosa dos efeitos do Acordo Ortográfico, designadamente no plano linguístico, editorial e educativo, essa avaliação continua por fazer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP: — Exactamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — O PCP reafirma, hoje, a posição manifestada em 1990, com todas as críticas, reservas e preocupações que então existiam.
Um bom acordo ortográfico pode, de facto, ser um instrumento importante no âmbito de uma política da língua mais abrangente que considere outros aspectos fundamentais como a empenhada promoção do livro e dos autores portugueses, o aprofundamento das relações de cooperação com os PALOP ou uma intervenção diplomática verdadeiramente apostada na divulgação dos autores e criadores portugueses. No entanto, é fundamental que a implementação de qualquer acordo ortográfico seja atempadamente preparada e os seus efeitos devidamente tidos em conta e minimizados, quando negativos.
Este Acordo Ortográfico continua a ser um mau Acordo. Continua a não responder às críticas feitas em 1990, entre outros, pelos docentes de linguística da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pela Comissão Nacional da Língua Portuguesa, pela Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário ou pela Associação Portuguesa de Linguística. Críticas encabeçadas por pessoas como, por exemplo, Óscar Lopes ou Vítor Aguiar e Silva, críticas essas que foram agora inteiramente recuperadas com total justeza.
Portugal não pode, no entanto, ficar à margem de um processo em que se lhe exige especial responsabilidade e intervenção.
É fundamental que o Governo português desenvolva as iniciativas necessárias à correcção dos aspectos que necessitam de ser corrigidos e que tome as medidas adequadas a evitar efeitos económicos negativos no sector editorial e livreiro português ou no sistema educativo.
É fundamental que o Governo português assuma a necessidade de uma verdadeira política da língua nos termos que atrás referimos, não negligenciando as potencialidades que um bom acordo ortográfico pode trazer nesse âmbito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Miguel Gonçalves.

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para Os Verdes, a língua portuguesa não tem que ser estática e pode e deve ser dinâmica.
Julgamos, por outro lado, que, a serem introduzidas mudanças, estas devem fazer-se em comum acordo com todos os povos que falam a língua portuguesa, no sentido da sua aproximação em termos escritos e de oralidade e no sentido de facilitar a sua aprendizagem, sem que tal signifique um caminho que esqueça as origens da língua.
Não nos move nenhum sentimento de que qualquer alteração tem de vir no sentido de aproximar os outros países de língua oficial portuguesa ao Português escrito e falado em Portugal, uma vez, que para nós, a língua portuguesa não é pertença de nenhum país em concreto mas é pertença de todos aqueles que a falam e a

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responsabilidade de cuidar e zelar pela mesma deve caber a todos os países que a adoptaram, por questões ditadas pela história, como língua oficial.
Consideramos, por outro lado, que as alterações que venham no sentido de aproximar o Português escrito e falado entre os países de língua oficial portuguesa, trarão benefícios na afirmação da língua a nível internacional.
Julgamos que a riqueza da língua não fica em causa com esta aproximação, porque entendemos que essa está principalmente no vocabulário que existe entre os diferentes países e que existe, nomeadamente, dentro do nosso país e que se deve manter.
Todos nós, com certeza, consideramos como positivo que em Portugal todos tenhamos o mesmo Português escrito e falado, independentemente das diferenças de vocabulários e pronúncias existentes de norte a sul do País, entre o continente e as ilhas.
Mas, apesar destas considerações, Os Verdes não votarão favoravelmente o Acordo aqui em discussão e irão abster-se, porque consideramos, acima de tudo, que este só deve existir se reunir o consenso de todos os países de língua oficial portuguesa, o que, no caso, não está garantido.
Não vemos sentido num acordo se este nos aproximar de uns, mas, ao mesmo tempo, nos afastar de outros, considerando que os passos a serem dados nesta matéria devem ser sempre passos seguros e consensuais.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputados, Srs. Deputados: Ao contrário do que faria crer uma acesa polémica que temos travado sobre o Acordo Ortográfico, não é exactamente este que estamos, hoje, aqui a debater e a votar mas a sua entrada em vigor. Esse Acordo Ortográfico foi votado por unanimidade, nesta Câmara, em 1991 — aliás, privilégio que o Bloco de Esquerda não teve porque não existia à época.
Acerca do conteúdo do Acordo Ortográfico, devo dizer que, respeitando as opiniões de autores, de cientistas, de especialistas de que uma ou outra solução técnica possa não ter sido a mais perfeita, não é isso que pode impedir um olhar político e uma perspectiva de futuro acerca do idioma, acerca da língua portuguesa. Inclusivamente, será no curso da aplicação deste Acordo Ortográfico que se podem prever revisões, melhorias, aperfeiçoamentos, e não é numa atitude isolacionista que isso pode vir a consumar-se de algum modo.
Mesmo assim, também diremos que os efeitos deste Acordo, dito de unificação ortográfica — na realidade, de aproximação ortográfica —, são os que estão previstos do ponto de vista da grafia, porque não há consequências em termos de pronúncia, como já foi dito, e muito menos implicações do ponto de vista da restrição vocabular ou de construção sintáctica no exercício da língua. Por isso direi, com o maior respeito e apreço que tenho pela obra do Dr. Vasco Graça Moura — a quem, hoje de manhã, ouvi dizer algo que me parece ser um manifesto exagero —, que nenhum português, por cair uma consoante, vai deixar de dizer «contracetivo», abrindo a vogal e, para dizer «contracetivo», fechando a vogal e. Nenhum português deixará de o fazer. É um manifesto exagero, é um empolamento de uma realidade que o Acordo não consente! Sr.as e Srs. Deputados, entendemos que o valor primacial a debate é exactamente aquele que não se faz da dialéctica dos «umbigos» dos vários falantes dos portugueses mas daqueles que são exteriores à língua portuguesa, daqueles que, em tempos de globalização, procuram aprender e conhecer o Português.
Nesse aspecto, se queremos uma afirmação internacional da língua portuguesa, não exactamente uma expansão, é absolutamente essencial que haja alguma concertação do idioma, uma aproximação das grafias.
Sr.as e Srs. Deputados, não nos iludamos. Os opositores do Acordo não querem outro. Não querem acordo na sua generalidade, na sua larga maioria. Porquê? Porque respeitavelmente defendem que não é necessário e que isso até facilitaria a diversidade das línguas. É uma opção perfeitamente estimável e respeitável, mas temos a obrigação de tomar uma decisão política. E porquê? Entende a bancada do Bloco de Esquerda — creio que o senso comum o perceberá, independentemente do exercício da pureza do idioma — que daqui a alguns anos, não ferindo este Acordo a diversidade linguística, o modo do Português que se imporá

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naturalmente é o Brasileiro. Portanto, quem tem essa opção acerca da diversidade da língua pela inexistência assumirá também a responsabilidade de uma defesa eventual e abstracta de um património, que se vai esvanecer perante a afirmação do modo e da grafia brasileira no contexto internacional.
São estas as opções que temos pela frente, e por isso a decisão é sumamente política.
Não deixaria passar a ocasião sem contextualizar que não será pela eficácia simples de um acordo ortográfico que podemos ter uma política de afirmação da língua portuguesa.
Nesse aspecto, muito mais importante do que este Acordo Ortográfico e do que uma certa «tempestade num copo de água» que se gerou à volta da sua aprovação e da sua entrada em vigor, é muitíssimo mais premente que discutamos linhas governamentais dos poderes públicos, da sociedade civil, da universidade, das editoras, de todos os que são agentes no curso e no devir da língua, para que o Português tenha outra afirmação no mundo, e com novos sinais de uma certa co-gestão da língua, que são ínsitos à aprovação deste Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura: Em 25 de Julho de 2004, em S. Tomé e Príncipe, Portugal e os países de expressão portuguesa assinaram o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que, por sua vez, havia sido assinado, em Lisboa, no dia 16 de Dezembro de 1990.
Com este diploma que o Governo nos traz, reabre-se o debate que a sociedade portuguesa tem vindo a manter, em torno do Acordo Ortográfico, pelo menos desde 1990.
A uniformização da escrita tem, no caso da língua portuguesa, uma dimensão histórica.
A primeira reforma ortográfica data de 1911, mas só em 1931 foi aprovado o Primeiro Acordo Ortográfico entre Portugal e Brasil, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa.
Ainda assim, não foi então alcançada a unificação ortográfica pretendida, pelo que se lhe sucederam a Convenção de 1943 e a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945.
Podemos dizer que, desde então, vigora, no Brasil, o Formulário Ortográfico de 1943 e, nos restantes países de expressão oficial portuguesa, o Acordo Ortográfico de 1945.
A continuação da língua portuguesa deve ser o nosso desafio e essa deve ser a medida das posições de todos os que se preocupam com o futuro da língua portuguesa, recusando seguir posições e posicionamentos que Camões tão bem retratou e deu a conhecer como de «Velhos do Restelo».
Com uma ligação, aliás, assinalável do PSD a este mesmo Acordo Ortográfico, mantemos o que dissemos em 1991 e em 1999.
Em 1990, foi o então Secretário de Estado, Pedro Santana Lopes, quem representou Portugal nas negociações e na assinatura do texto inicial, no Palácio da Ajuda, em Lisboa, tendo o Segundo Protocolo Modificativo vindo a ser assinado posteriormente, quando Pedro Santana Lopes, hoje líder parlamentar do PSD, exercia as funções de Primeiro-Ministro de Portugal.
O PSD reconhece a importância de um acordo ortográfico enquanto instrumento de manutenção da solidariedade do domínio do Português falado, contributo para o desenvolvimento controlado das inevitáveis derivas diversificadas da língua portuguesa, meio de valorização da nossa língua, salvaguarda de um património comum, forma de fortalecer e consolidar as relações culturais que unem os países que nela oficialmente se exprimem, meio de estabelecimento de uma forma única de escrever o Português.
Num ponto todos estamos de acordo: a defesa e a valorização da língua portuguesa são valores cimeiros e devem merecer de todos nós especial atenção e cuidado.
O Acordo Ortográfico, que se refere fundamentalmente à preservação e à uniformidade da língua escrita, é também um instrumento estratégico e fundamental para a preservação desses valores cimeiros.
O que está aqui hoje em discussão — no fundo, o conteúdo deste Segundo Protocolo Modificativo — é a entrada em vigor desse mesmo Acordo Ortográfico, a sua abertura à República Democrática de Timor Leste e o prazo limite de seis anos para adaptação dos manuais. Isto, depois de um Primeiro Protocolo Modificativo

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que alterara o texto inicial, quando este previa, como prazo para ratificação por todas as partes signatárias, a entrada em vigor do próprio Acordo Ortográfico no ano de 1994.
Este será um passo determinante para a incontornável assunção do Português como língua plurinacional e multicultural e com estatuto reconhecido no contexto internacional.
Estamos, contudo, não a discutir o texto do Acordo mas modificações e adaptações ao Acordo Ortográfico que foi aprovado aqui, na Assembleia da República, em 4 de Junho de 1991, onde eu próprio tive a honra e a oportunidade de intervir, em nome e em representação do Partido Social Democrata, votação essa que, na altura, apenas teve a abstenção do PCP e votos contra de 16 Deputados do Partido Socialista e de 3 Deputados independentes.
No dia 18 de Novembro de 1999, a Assembleia da República votou por unanimidade aquele que foi o Primeiro Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico. Portanto, estamos num bom momento para aprovar, também por unanimidade — e é esse o desafio que aqui vos deixamos! —, este Segundo Protocolo Modificativo.
Desde há mais de meio século que se impõe a necessidade de promover a uniformização do léxico, principalmente técnico e científico, num dicionário comum. Essa uniformidade é muito importante em vários domínios: no domínio técnico e científico, no da intervenção de Portugal nos organismos internacionais, ao nível da sociedade da informação, da inovação e da tecnologia.
Cada vez mais nos deparamos com estrangeirismos escritos, de tal forma que praticamente já fazem parte do léxico, o que seria inimaginável, sobretudo face à regra.
Mas a uniformização do léxico também é fundamental, nomeadamente no que tem a ver com a edição de livros e com um sector económico fundamental que é o sector livreiro.
Conhecemos a posição de diversos editores e livreiros portugueses sobre a questão, mas também sabemos — e disso nos congratulamos — da existência de dicionários em conformidade com o próprio Acordo.
Creio é que não é possível manter por muito mais tempo um discurso antagónico de afirmação e expansão da língua portuguesa no mundo, ignorando, ao mesmo tempo, o que os outros países falantes da língua pensam sobre a matéria.
Portugal, Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, Srs. Deputados, não deve aliar-se da sua história, não deve temer pelo seu papel no mundo. Deve, antes, apoiar o desenvolvimento e a herança cultural dos que reclamam a sua pertença ao espaço da lusofonia,…

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — … esse espaço com cerca de 200 milhões de falantes.
Uma palavra de elogio é aqui devida ao Professor Malaca Casteleiro,…

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): — … de reconhecimento pelo muito que fez para que o Acordo Ortográfico fosse possível e, depois, aprovado pelo governo de Aníbal Cavaco Silva e ratificado pelo então Presidente Mário Soares.
A história, Srs. Deputados, provou-nos em demasiados momentos que Portugal não é, de todo, um Estado com vocação para isolacionismos. Sempre que o fizemos perdemos o rumo de um povo vocacionado para «dar novos mundo ao mundo».
Saibamos ser os legítimos herdeiros de quem não temia o novo, de quem ousava descobrir novos rumos de progresso.
Por isso, o nosso voto favorável à proposta de resolução aqui trazida pelo Governo, que visa aprovar o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, assinado em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1990.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares para uma intervenção.

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como se compreenderá pela circunstância de, em representação do Grupo Parlamentar do CDS, haver duas intervenções não em sentido concordante, é óbvio que a nossa bancada tem liberdade de voto nesta matéria.
Queria defender aqui uma posição diferente da que foi assumida pelo meu colega de bancada Nuno Melo.
Hoje, estamos a falar sobre um acordo da língua portuguesa, e muito foi dito sobre a mesma.
A nossa língua foi a construtora da nossa independência. A língua portuguesa é uma referência da nossa identidade e, certamente, é também um valor da nossa soberania. Mas, acima de tudo, a língua portuguesa é o maior património que Portugal tem no mundo, não só do ponto de vista social, não só do ponto de vista político, mas, hoje, certamente também do ponto de vista económico. Essa é uma dimensão que não podemos esquecer.
Ouvi com muito agrado referências ao exemplo inglês.
O que acontece aos países que, como Portugal, não valorizam a tradição e o costume é terem sempre de se socorrer da lei e muitas vezes de acordos para estabelecer a língua.
O que tem de ser dito é que, ao contrário do exemplo inglês, em que há um dicionário de referência, o Dicionário de Oxford, que dita as normas da língua inglesa, em Portugal não existe um tal dicionário de referência da língua portuguesa. Mas, a existir, certamente não seria português e, porventura, seria brasileiro, pelo que manter-se-iam todas as questões relacionadas, por exemplo, com a utilização do gerúndio ou do trema.
Por isso mesmo, olhando para uma língua que hoje é imposta por decreto e por convenção, o que temos de nos perguntar é se faz ou não sentido que essa língua seja comum a 250 milhões de lusófonos em todo o mundo.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Se é verdade que a língua portuguesa é nossa, não podemos esquecer que também é de uma comunidade de oito Estados, de uma comunidade formada por 250 milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo.
É também verdade que a língua é um factor da nossa soberania, mas não esqueço o que o Professor Adriano Moreira referiu, num colóquio sobre esta matéria, organizado neste Parlamento. Disse ele que se a língua é um factor da nossa soberania, a verdade é que a soberania portuguesa não é dona da língua portuguesa.
Por isso mesmo, não podemos deixar de perguntar aos que, muitas vezes e hoje ainda, questionam este Acordo o que têm feito, por exemplo, para defender a língua portuguesa que é tão maltratada nas nossas escolas, no nosso sistema de ensino,…

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem! Aí tem toda a razão!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — … ou se não compreendem que, se não houver um acordo que una a grafia da língua portuguesa, ficará tremendamente dificultado o ensino do Português em todo o mundo.
Eu próprio, tal como muitos Sr.as e Srs. Deputados, assisti a um lancinante apelo de um português que está em Timor e que pedia que se ratificasse este Acordo Ortográfico para que possa ser uma realidade o ensino do Português em Timor Leste, com professores portugueses mas também brasileiros, ou angolanos, ou moçambicanos.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Se, há 500 anos, Portugal conseguiu tornar grande a língua portuguesa no mundo, foi porque soube abrirse ao exterior e soube que a sua fronteira não podia limitar-se ao continente.

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Hoje, o que estão a pedir-nos muitos, os que estão contra o Acordo, é que voltemos a fechar a nossa fronteira e não tenhamos dimensão. Ora, Portugal só pode ser grande no mundo se, mais uma vez, estiver virado para o mar, virado para o Atlântico.

Aplausos de Deputados do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Espero que consigamos aprovar por unanimidade este Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Não que, juridicamente, isso represente uma diferença mas será muito significativo simbolicamente.
Queria realçar e repetir que a única coisa de que estamos a tratar e a discutir é da entrada em vigor, em Portugal, deste tratado que contém o Acordo Ortográfico, o qual já vigora no Brasil, em S. Tomé e Príncipe e em Cabo Verde.
Gostaria também de realçar que ortografia nada tem a ver com todo o resto da língua. Ortografia não altera o léxico, a gramática, a sintaxe, a pronúncia.
Este Acordo é muito relevante para efeitos de relação com organizações internacionais, com outros Estados, como o Massachusetts, e para o ensino do Português como segunda língua. Isto por forma a que não se repitam situações como a que se verificou no tempo da Comissão dos Descobrimentos, em que, no fim de cada reunião, eram emitidos dois comunicados, e, ainda, para que o College Board possa aceitar o Português como língua em que serão prestadas as provas por parte de alunos que queiram frequentar as universidades americanas.
Gostaria, ainda, de explicar que não estamos aqui a discutir nenhuma moratória. Do que se trata é da entrada em vigor do Acordo Ortográfico e, depois, de um período de transição para absorção, por toda a comunidade, das novas regras do Acordo Ortográfico.
Finalmente, gostaria de dizer que o Acordo Ortográfico é indispensável, é essencial para que se possa levar a cabo uma política que cumpra as palavras que foram proferidas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, no dia 25 de Abril, nesta Câmara, para que possamos desenvolver uma política que permita a «definição de um enquadramento institucional e de uma atribuição de recursos à altura das responsabilidades da tarefa, tendo a coragem de começar por confessar a incipiência, o amadorismo e a falta de meios com que o assunto é tratado, sobretudo quando comparado com o modelo em vigor noutros países com responsabilidades semelhantes.» A proposta de resolução apresentada refere que o Governo prosseguirá uma política de salvaguarda de uma transição sem rupturas, nomeadamente ao nível do sistema educativo em geral e, em particular, do ensino da língua portuguesa, com incidências no currículo nacional, programas e elencações curriculares e pedagógicas, bem como no que se refere aos manuais escolares e outros recursos didáctico-pedagógicos.
Queria referir que a entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa na ordem jurídica interna não interferirá com a total liberdade de criação ao nível da escrita, como não interferiram os anteriores Código Ortográfico, de 1911, o Acordo Interacadémico, de 1931, e o Acordo Complementar, de Agosto de 1945, este saído da Conferência Luso-Brasileira desse mesmo ano.
Portanto, a liberdade estará integralmente salvaguardada para todos os criadores e para todos aqueles que usarem a nova ortografia ou a antiga ortografia portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes.

O Sr. Pedro Santana Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que terá havido lapso da Mesa ou da nossa bancada, pois eu tinha pedido para usar da palavra antes do Sr. Ministro, embora o Regimento a isso não obrigue.
Reafirmando as palavras do Deputado Rui Gomes da Silva, queria dizer quanto nos congratulamos, para lá das diferenças de opinião também existentes na nossa bancada, com a aprovação deste Segundo Protocolo

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Modificativo, assinado em S. Tomé e Príncipe, como foi dito, na altura em que, nesta Assembleia, debatíamos o programa do meu governo. Por isso, tratava-se de um documento que vinha na sequência de diligências várias da diplomacia portuguesa em governos anteriores, mas que resultava, e muito, da iniciativa diplomática do Presidente Lula da Silva.
Num primeiro momento, quando da assinatura, em 1990, não pode deixar de se reconhecer a existência de reticências por parte da República do Brasil.
Na altura em que Cavaco Silva me convidou para Secretário de Estado da Cultura, entregou-me duas grandes incumbências: assegurar o projecto e a construção do Centro Cultural de Belém a tempo da Presidência de Portugal da União Europeia; e as negociações do Acordo Ortográfico.
Já aqui foi dada uma palavra ao papel da Academia das Ciências, nomeadamente ao Professor Malaca Casteleiro.
Quero sublinhar o que me foi dito pelo hoje Presidente da República, Cavaco Silva, Primeiro-Ministro nessa altura, argumento a que aqui também fez alusão o Deputado Luís Fazenda, para além do próprio Sr. Ministro.
Dizia-me então Cavaco Silva que, no século XXI, temos de ter a noção de que o Português mais falado no mundo vai ser o falado à moda de 160 milhões de seres humanos como os que tem o Brasil.
Dizia, ainda, que, para assegurarmos a uniformidade e que seja o Português que continua a ser falado nos leitorados portugueses, nas organizações internacionais, nos museus de todo o mundo, que visitamos e onde lemos traduções em Português mas, depois, escutamos a fala em Português do Brasil, temos de ter esta consciência de que não podemos ser fixistas e rígidos no tempo, de que temos de olhar para o interesse da CPLP, que tanto cantamos, tanto elogiamos e tanto destacamos, e de que é nestes momentos que devemos tomar as opções adequadas.
Lembro-me de ter visitado oficialmente o Brasil, em 1993 — era Ministro da Cultura António Houaiss, autor do Dicionário de Língua Portuguesa —, de ter ido à Academia Brasileira de Letras — cujo Presidente era ainda Austregésilo de Athayde —, e de ter ido ao Congresso brasileiro fazer uma intervenção em nome do Governo português, que foi recebida ainda com muita frieza pelas autoridades brasileiras.
Hoje — e o Sr. Ministro da Cultura esteve no Brasil com o Sr. Presidente da República —, é outra a posição dos outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. E se todos acordaram, por unanimidade, que bastava a ratificação de três Estados para entrar plenamente em vigor, está respeitada a soberania, nos termos das normas de Direito Internacional Público e do nosso direito interno, e este Acordo pode produzir plenamente os seus efeitos.
De Cavaco Silva a Mário Soares, de muitos nomes de vários quadrantes políticos, este Acordo merece apoio. Mas também merece reserva de nomes ilustres da nossa cultura. Como já foi dito, a ninguém fica castrada a liberdade de criar segundo as regras da sua própria escrita.
Por isso mesmo, é uma honra para todos aqueles que acolhem com entusiasmo este Acordo e que sabem que é uma decisão política poderem votar favoravelmente hoje, para que Portugal e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa dêem um muito importante passo em frente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito rapidamente, em jeito de conclusão, quero apenas deixar duas notas. Uma primeira nota, que é, de facto, uma conclusão que resulta deste debate, é que uma verdadeira política da língua não se pode ficar pela entrada em vigor de um acordo ortográfico.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Nem mais!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma verdadeira política da língua exige muito mais do que aquilo que tem sido feito por este e por outros governos, neste domínio.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — La Palice!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma segunda nota é para registar uma discordância com uma posição que aqui foi deixada por alguns intervenientes neste debate. É que aqueles que pretendem encontrar na uniformização e na unicidade da língua portuguesa um instrumento da sua promoção e da sua afirmação no mundo não o encontram neste Acordo Ortográfico, pois ele não prevê uma uniformização da língua — aliás, permite até, com uma regra da facultatividade, que a palavra «facto» continue a escrever-se, em Portugal, com um c e, no Brasil, sem c.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Portanto, com este Acordo, não teremos a uniformização que muitos entendem ser um valor fundamental a defender. Esta perspectiva é também a confirmação de que muitas das críticas que foram feitas ao conteúdo concreto do Acordo Ortográfico carecem ainda de ter resposta por quem, na altura, o apresentou e defendeu e por quem, ao longo dos anos, tem tentado transformá-lo na peça central da política da língua, que continua a não existir, em Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, dado que ainda faltam 2 minutos para as 12 horas, hora regimental das votações, vamos passar ao ponto seguinte, à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 191/X — Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, que altera o regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada.
Para apresentar o diploma, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Rui Pereira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Estratégia de Segurança para 2008 compreende 15 medidas fundamentais. Entre elas, conta-se a reforma da segurança privada.
O Governo aprovou já, por decreto-lei, o novo regime de segurança privada dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas. Passa a exigir-se pórtico para fiscalização de armas nos estabelecimentos com lotação superior a 100 pessoas; as coimas previstas para o incumprimento das regras de segurança são agravadas em 20%; e, no caso das infracções mais graves, os governadores civis poderão determinar o encerramento provisório do estabelecimento, fixando o prazo de regularização da situação, sob pena de encerramento definitivo.
No âmbito do transporte, guarda, tratamento e distribuição de valores, foi já publicada a Portaria n.º 247/2008, de 27 de Março, que define um conjunto de medidas destinadas a prevenir crimes. As alterações introduzidas reforçam a segurança no transporte de valores e protegem esta actividade. Trata-se de regras relativas à segurança do veículo de transporte, às condições em que ele pode circular e à protecção dos seus profissionais (por exemplo, passa a exigir-se a presença de três elementos). Introduzem-se, além disso, mecanismos de segurança baseados nas tecnologias de informação. O incumprimento das regras constituirá sempre contra-ordenação.
Para concluir a sua estratégia de segurança no domínio da segurança privada, o Governo propõe agora à Assembleia da República a criminalização do exercício ilícito desta actividade. O exercício ilícito da segurança privada põe em causa bens da maior importância, como a vida, a integridade física e a liberdade, e causa um enorme alarme social. A exigência de alvará, licença ou cartão profissional destina-se a garantir que ela se realiza de forma a não colocar em risco esses bens.
A prestação de serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou o exercício de funções de vigilância por não titulares do cartão profissional constituem comportamentos equiparáveis ao crime de usurpação de funções, previsto no artigo 358.º do Código Penal e punido com prisão até dois anos ou com multa até 240 dias. Trata-se de condutas dotadas de danosidade social e ressonância ética negativa idênticas.
Propõe-se, por isso, a criminalização do exercício ilícito da actividade de segurança privada com a mesma penalidade. E consagra-se ainda, nos termos gerais do Código Penal, a responsabilização das pessoas colectivas e equiparadas, incluindo as que prestam e as que beneficiam culposamente dos serviços ilícitos.

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Além disso, tendo em conta que a actividade (lícita) de segurança privada é complementar da acção das forças de segurança, permite-se o recurso a meios de defesa não letais, que abrangem aerossóis, armas eléctricas e coletes de protecção balística. No âmbito do uso e porte de arma (já hoje permitido, nos termos gerais), passa a exigir-se que a entidade patronal comunique à entidade fiscalizadora (a PSP), no prazo máximo de 24 horas, a concessão de autorização de porte de arma em serviço a qualquer funcionário.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Concluo já, Sr. Presidente.
Por fim, para evitar a impunidade dos comportamentos agora criminalizados anteriores à entrada em vigor do novo regime, introduz-se uma norma transitória que determina que eles continuam a ser sancionados como contra-ordenações. Trata-se de um regime compatível com a irretroactividade da lei menos favorável, que evita um indesejável vazio sancionatório — uma espécie de amnistia ilegítima, não aprovada pela Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar ao período de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Recordo aos Srs. Deputados que não puderem utilizar os meios electrónicos que deverão assinalar à Mesa a respectiva presença e, depois, deverão assinar, junto dos serviços de apoio ao Plenário, para que seja registada a sua presença efectiva nas votações e na reunião plenária.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 197 presenças, às quais se somam 4 registadas pela Mesa, perfazendo 201 presenças, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, começamos por votar o voto n.º 155/X — De pesar pelas vítimas da catástrofe sísmica que atingiu a China (PS).
Para proceder à respectiva leitura, tem a palavra a Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Na última segunda-feira, o mundo foi surpreendido por um fortíssimo sismo que atingiu, principalmente, a província de Sichuan, no centro da China.
A intensidade e a duração do tremor de terra foram registadas no mundo inteiro e permitem afirmar que se trata de um dos abalos mais violentos. Os seus efeitos na cidade de Chengdu e nas zonas mais próximas do epicentro foram devastadores, destruindo centenas de milhares de edifícios e soterrando homens, mulheres e crianças que ali prosseguiam a sua vida quotidiana.
À medida que as equipas de salvamento avançam no terreno, atingindo zonas menos acessíveis, aumenta o conhecimento da dimensão da catástrofe. As imagens da dor, da morte e da destruição, difundidas pelos meios de comunicação social, são aterradoras.
A Assembleia da República apela à mobilização de recursos a nível multilateral, complementando os esforços desenvolvidos pelo Governo chinês e dando resposta às enormes necessidades de apoio de que carecem as populações atingidas.
A Assembleia da Republica exprime ao povo chinês o mais profundo pesar pela tragédia que o atingiu.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto que acabou de ser lido.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço que observemos 1 minuto de silêncio pelas vítimas do sismo na China.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de resolução n.º 324/X (PCP) — Cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 355/2007, de 29 de Outubro, que estabelece a transferência de atribuições, pessoal e recursos financeiros e materiais do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI, I. P.) com vista a concretizar a sua extinção [apreciação parlamentar n.º 61/X (PCP)].

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do PCP, do CDS-PP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e a abstenção do PSD.

Uma vez rejeitado o projecto de resolução, o processo referente à apreciação parlamentar n.º 61/X, do PCP, caduca.
Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 512/X — Apoios à permanência e integração na família de idosos e pessoas portadoras de deficiência (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, do BE, de Os Verdes, de 3 Deputadas do PS e de 1 Deputada não inscrita.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 513/X — Alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, no que diz respeito à consideração dos rendimentos de referência, no âmbito do subsistema de protecção familiar (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do BE e votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 514/X — Cria o «Cartão da Família» (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 515/X — Lei de Bases da Política de Família (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita, votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções de 3 Deputadas do PS.

Segue-se a votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 516/X — Alarga, no âmbito do IRS, as deduções à colecta das despesas com educação e formação (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do BE, votos a favor do PSD, do CDS-PP e de 1 Deputada do PS e abstenções do PCP, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 517/X — Considera como custos, para efeitos de IRC, remunerações e outros encargos com licenças de maternidade, paternidade e adopção (PSD).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita, votos a favor do PSD e abstenções do CDS-PP e de 1 Deputada do PS.

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Vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 71/X — Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PSD): — Sr. Presidente, é para declarar que considero que existe um conflito de interesses entre esta votação e a minha qualidade profissional de editora e, portanto, informo o Sr. Presidente que vou ausentar-me da Sala.

O Sr. Presidente: — É uma objecção de consciência, pelo que ficará registada como tal.

O Sr. Henrique Rocha de Freitas (PSD): — Sr. Presidente, peço também a palavra para comunicar a V.
Ex.ª que não participarei na votação desta proposta de resolução.

O Sr. Presidente: — É um direito regimental. Fica registado, Sr. Deputado.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para declarar que também não participarei na votação desta proposta de resolução, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Vamos, então, em votação global, proceder à votação a proposta de resolução n.º 71/X — Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do BE e de 7 Deputados do CDSPP, votos contra de 1 Deputado do PS, de 2 Deputados do CDS-PP e de 1 Deputada não inscrita e abstenções do PCP, de Os Verdes e de 3 Deputados do CDS-PP.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra apenas para informar a Câmara que apresentarei na Mesa uma declaração de voto sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, também peço a palavra para anunciar que, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, entregaremos na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço também a palavra para dizer que apresentarei, na Mesa, uma declaração de voto relativamente a esta votação.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): — Sr. Presidente, também peço a palavra para informar a Mesa que apresentarei uma declaração de voto relativamente a esta votação.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

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A Sr.ª Luísa Mesquita (N insc.): — Sr. Presidente, peço também a palavra para informar que entreguei na Mesa uma declaração de voto em meu nome.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, relativo ao texto de substituição do projecto de lei n.º 428/X — Estabelece medidas de promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência visual à informação sobre determinados bens de venda ao público (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária da Mesa vai dar conta de um diploma que, entretanto, deu entrada na Mesa.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, unicamente para informar a Câmara que deu entrada na Mesa, e foi aceite, a apreciação parlamentar n.º 82/X — Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação préescolar e dos ensinos básico e secundário (PSD).
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Afonso Candal pediu há pouco a palavra. Para que efeito?

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr. Presidente, apenas com o objectivo não de menorizar problemas que existem mas de dar uma palavra e números de confiança e, acima de tudo, dar um esclarecimento queria solicitar a V. Ex.ª que permita que seja distribuído pela Câmara o relatório das estatísticas de emprego do INE, publicado às 11 horas de hoje — ou seja, depois do encerramento do primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos —, que vem mostrar que há mais de 45 000 empregos…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, será distribuído o documento, mas não vai agora fazer uma intervenção, a posteriori, sobre um tema que já foi discutido num outro ponto da ordem de trabalhos.
Não posso dar-lhe a palavra, mas o documento será distribuído.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos prosseguir com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 191/X — Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, que altera o regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Falar sobre a actividade de segurança privada é falar de um tema da maior sensibilidade e importância, uma vez que constitui uma excepção ao monopólio do uso da força que cabe ao Estado ou o exclusivo da administração da violência que cabe, igualmente, ao Estado.
Ao longo da história, não tem sido este o princípio. O princípio, no regime feudal, era o da proliferação de exércitos privados. Com as monarquias absolutas, a tendência foi para a concentração de poder na figura do Príncipe. Nas sociedades contemporâneas, mantém-se a concentração de poder. Porém, esta tem como objectivo exclusivo a garantia da segurança e das liberdades.
Nas sociedades modernas, assiste-se, assim, a um movimento de privatização do risco, no sentido de que a lei permite que determinados sectores tenham a possibilidade de fazer a segurança das actividades pelas quais são responsáveis.
Neste sentido, o monopólio abre excepções, excepções, essas, cada vez maiores. Isto gera a necessidade de criar limites que se destinam não só a proteger a sociedade de eventuais excessos praticados pelos

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trabalhadores das empresas privadas, como também de proteger as próprias empresas e serviços de segurança daquilo a que alguns criminalistas designam como síndroma do trabalho sujo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, desta forma temos que a actividade de segurança privada tem vindo a ampliar-se, constituindo o seu universo, hoje, em Portugal, 166 entidades, das quais 110 são empresas especificamente destinadas à prestação dessa actividade a terceiros e 56 a funcionarem em regime de autoprotecção, sendo que estão inscritos como efectivos 36 998 vigilantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma actividade com potencial cada vez maior na nossa sociedade, atendendo ao número de trabalhadores e de empresas envolvidos.
Porém, nesta área, tem aumentado a actividade à margem da lei e temos tido notícia disso através da criminalidade na noite. Têm proliferado igualmente os seguranças ilegais e, por isso, são bem-vindas as medidas de criminalização do exercício ilícito desta actividade, sendo necessários alvará ou licença para o exercício da vigilância.
Fazendo ao contrário, estaríamos a contribuir para o aumento do alarme social ou do sentimento subjectivo e objectivo de insegurança por parte da população.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para terminar, só uma nota para dizer que é à PSP que, desde há um ano, cabe a coordenação e formação de toda esta área da segurança privada.
Por isso, é bom, Sr. Ministro, que se tenha em atenção a necessidade do reforço não só financeiro como das competências técnicas por parte da PSP para esta área.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei altera o regime do exercício da segurança privada, uma actividade que assume cada vez maior importância, com mais meios, mais competências, exercida em mais locais e que, em nosso entender, desde que mantenha o carácter subsidiário e complementar da actividade das forças de segurança, parece-nos positivo. No entanto, deve a mesma ser enquadrada por um regime rigoroso na fiscalização — nomeadamente por parte das forças e serviços de segurança, neste caso concreto, por parte da PSP, sendo importante dotar a PSP dos meios para que essa fiscalização seja rigorosa — e simplificada nos requisitos para o seu exercício.
Trata-se de uma actividade que é cada vez mais global e também cada vez mais lucrativa. Por isso, esta actividade deve ser objecto da necessária harmonização legal ao nível europeu, que, aliás, como o Sr. Ministro sabe, tem sido alvo de inúmeras decisões até jurisprudenciais do Tribunal Europeu, algumas delas condenando até o Estado português. Mas isso já lá vai, já foi há bastante tempo.
Portanto, gostaria de deixar uma nota relativamente ao esforço que o Governo português deve fazer no sentido de promover, ao nível da União Europeia, a harmonização das normas regulamentadoras desta actividade.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Na última alteração, de 2004, concretizaram-se as funções a desempenhar pela segurança privada, introduzindo-se uma figura que me parece importante, a da possibilidade de revistas de prevenção e segurança pelos vigilantes em certas ocasiões e em certos locais, e simplificou-se o regime.
Agora, volvidos estes quatro anos, vem este Governo apresentar basicamente duas propostas: uma pretende criminalizar o exercício ilícito da segurança privada do mesmo modo que o crime de usurpação de poderes; a outra tem por objectivo clarificar os meios susceptíveis de serem utilizados.
Quanto à primeira, como o próprio preâmbulo da proposta de lei refere, já era crime, através da figura do crime de usurpação de poderes. Parece-nos que o entendimento do Governo, no sentido da necessidade de autonomizar este crime, face ao alarme social que provoca, face à gravidade e tendo em atenção que o exercício ilícito deste tipo de actividades interfere com direitos, liberdades e garantias, é correcto.

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Porém, justamente por este motivo, já não concordamos que, autonomizando-se o crime, se mantenha a pena que anteriormente era aplicada por via do crime de usurpação de funções. Ou seja, a nosso ver, se é verdade e se concordamos com V. Ex.ª que, face ao alarme social que causa e à danosidade e perigosidade que acarreta, seja um crime autónomo, parecia-nos curial que a pena, que para o crime de usurpação de funções é até dois anos ou multa até 240 dias, poderia e deveria ser aumentada. É uma sugestão que faremos na especialidade.
Quanto ao segundo objectivo, gostaria de dizer que concordamos com ele na generalidade. Porém, há também críticas na especialidade, como, por exemplo, a inclusão da figura dos porteiros, que não me parece muito adequada numa lei de segurança privada.
A questão da obrigatoriedade de distribuição de coletes à prova de bala pelos vigilantes parece-nos bem, mas há aqui, julgamos nós, uma gralha, pois não sabemos quem avalia o risco, porque se é o presidente da empresa de segurança privada não cremos que tenha competência para o efeito…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, queira terminar.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr. Presidente.
E, já agora, quem suporta os custos, pois uma lei eficaz é aquela que é exequível.
Em todo o caso, faremos as nossas propostas, na especialidade, no sentido de melhorar uma lei que, na generalidade, nos parece adequada.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em apreço, que preconiza a alteração do regime jurídico do exercício da segurança privada, é bem vinda a esta Câmara. Reveste-se de uma importância absolutamente incontornável, quer pela sua actualidade, quer pela sua necessidade.
De facto, o exercício ilícito da actividade de segurança privada põe em causa bens jurídicos fundamentais dos cidadãos e, nessa medida, deve ser vista e considerada a possibilidade de introduzir maior rigor na disciplina desta actividade. Por essa razão, fica-nos que o exercício desta actividade esteja sujeito a requisitos que são muito próprios, como o alvará, as licenças, as aprovações das licenças, ou o cartão profissional, de modo a que se garanta de uma forma rigorosa que tais bens jurídicos não estarão em perigo.
Ora, uma vez feito o diagnóstico da realidade, daquilo que é a nossa vivência em sociedade diariamente, e tomando em conta as últimas notícias que fomos tendo, ao longo de alguns meses, relativamente a episódios de violência que tinham ligação, directa ou indirectamente, com actividade de segurança privada, mostrou-se necessário agir de modo a introduzir aqui um maior rigor, desde logo, que vem traduzido nas propostas que o Governo apresenta nesta matéria, sendo fundamental e estruturante da proposta de lei a criminalização do exercício ilícito da actividade de segurança privada.
Na verdade, Sr.as e Srs. Deputados, esta medida é a correcta, porque aquilo que acaba de dizer o Sr. Deputado Nuno Magalhães, do nosso ponto de vista, não colhe, porque se a pena, neste caso, não fosse equiparada à usurpação de funções, como está previsto, mas fosse mais grave, introduzia um elemento de diferenciação que não corresponde verdadeiramente àquilo que se pretende. Ou seja, punir-se-ia mais gravemente o exercício ilícito desta actividade do que se puniria, por exemplo, o exercício ilícito da actividade de polícia através da usurpação das funções. Ora, no nosso entendimento, isto não tem razão de ser, nem se fundamenta naquilo que é a razão da proposta que está em causa.
Em segundo lugar, relativamente à responsabilização criminal das empresas, esta é uma introdução importante, aliás, no seguimento das medidas que nesta matéria se tomaram em sede das alterações ao Código Penal.
Em terceiro lugar, quanto à clarificação de meios a utilizar em determinadas categorias específicas desta área e em determinadas áreas mais sensíveis, é importante perceber-se que vai ser alargado o espectro dos meios de defesa, com armas não letais, a esta classe profissional.
Em quarto lugar, refiro o reforço dos poderes do Conselho de Segurança Privada, que passa a poder pronunciar-se sobre a concessão de licenças e alvarás, para além da competência relativa à sua atribuição e à

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fiscalização ser – e, do nosso ponto de vista, muito bem – transferida para a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública.
Concluo, Sr. Presidente, referindo que o Governo vem assim ao encontro das necessidades dos cidadãos, desde logo da salvaguarda dos seus direitos, liberdades e garantias que podem estar em causa com o exercício menos correcto ou ilícito desta actividade e, bem assim, da melhoria das condições de segurança em que vivemos quotidianamente, sendo certo que não posso deixar de referir que o Relatório de Segurança Interna, que vamos discutir a seguir, nos dá uma realidade menos preocupante do que aquela que tem vindo a ser apresentada por algumas outras bancadas.
Portanto, fica uma palavra de apreço pela proposta apresentada, com a qual o PS se identifica e que, naturalmente, apoia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, esta proposta de lei tem um aspecto que reputamos de muito positivo, a criminalização do exercício ilícito da actividade de segurança privada.
Porém, temos uma opinião crítica sobre a possibilidade de utilização de armamento não letal e, no limite, a autorização para o porte de arma. Esse é o lado menos «luminoso» desta proposta de lei para a nossa observação. Porquê? Porque entendemos que o monopólio da coacção e do uso da força está cometido ao Estado e, no limite, deixamos aqui uma zona de enorme ambiguidade, muito pouco transparente, e esse aspecto retrai-nos em relação a uma apreciação totalmente favorável desta proposta de lei.
Contudo, ressalvamos esse aspecto da criminalização, que nos parece um avanço e uma das alterações essenciais deste diploma.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta de lei tem sentidos algo contraditórios, porque, por um lado, se contém uma medida necessária e positiva, que é a da criminalização do exercício ilegal da segurança privada, que faz todo o sentido que exista, por outro lado, dá um sinal permissivo relativamente a uma utilização potencialmente abusiva da segurança privada.
Temos vindo a assistir com alguma preocupação à proliferação de segurança privada nos mais diversos domínios e, mais do que isso, a uma ocupação do espaço de segurança que deve competir ao Estado por parte das empresas privadas de segurança.
Obviamente que a criminalização da actuação ilícita ou do exercício ilícito de segurança privada poderá vir limitar isso e responsabilizar mais esse exercício, mas se aceitamos que nem todas as funções de segurança podem ser levadas a cabo pelo Estado, dada a sua dimensão e dada até a existência de funções auxiliares que podem, sob vigilância das forças de segurança, ser exercidas por privados, não se deve ultrapassar alguma supletividade desse exercício.
Ora, aquilo a que temos vindo a assistir é à substituição da força de segurança pública por empresas privadas de segurança, nos mais diversos domínios. Aliás, já nos chegaram até notícias de actividades de segurança privada que se confundem quase com o policiamento que é normalmente exercido pelas forças de segurança.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — Por exemplo, se verificarmos o que se passa hoje nos aeroportos, vimos que o que houve foi, pura e simplesmente, uma substituição da PSP por empresas privadas de segurança, que, nos termos da lei, deveria ser absolutamente excepcional, mas todas as pessoas que com o mínimo de regularidade passam no aeroporto verificam que não é excepcional. É regra, é permanente.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Assim, o que esta proposta de lei vem fazer é legalizar uma situação que hoje está a funcionar numa legalidade mais que discutível, tendo em conta a natureza excepcional que a lei lhe confere.
O que o Governo aqui vem propor é que essa excepção passe a ser regra, porque a excepcionalidade desaparece. Por outro lado, permite-se a utilização de meios coercivos, designadamente de armas, embora não letais, mas armas, apesar de tudo, com alguma perigosidade, designadamente aerossóis, por parte de empresas de segurança privadas.
Consideramos isso muito discutível, achamos que pode vir a causar enormes problemas, porque pode vir a ofender, com alguma gravidade, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que estejam sujeitos à vigilância por parte dessas empresas.
Portanto, esta proposta de lei tem aspectos contraditórios: contém um aspecto positivo mas contém alguns de maior permissividade e que podem vir a dar azo a potenciais abusos por parte de empresas de segurança privada, e, obviamente, pensamos que esses pontos deveriam ser corrigidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do Relatório de Segurança Interna – 2007.
Para apresentar o documento, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na sociedade democrática e aberta em que vivemos, o quadro de ameaças à segurança impõe uma estratégia de resposta inovadora e global.
Na área da administração interna, o Governo está a desenvolver um trabalho que nos dá a certeza do dever cumprido perante os portugueses. As reformas em curso ou já levadas a cabo – que incluem uma lei de programação que permitirá duplicar o investimento em instalações, viaturas, armas, meios de comunicação e equipamentos informáticos – demonstram que, para nós, a segurança é um direito de importância capital.
O Relatório de Segurança Interna relativo a 2007, que hoje apresento, constitui uma oportunidade soberana para reflectir sobre os desafios complexos que se nos colocam.
Com base na informação da criminalidade registada pelas forças e pelos serviços de segurança em 2007, gostaria de focar, desde já, três aspectos essenciais: primeiro, observa-se uma tendência de estabilização da criminalidade participada às forças e aos serviços de segurança – houve um aumento de 0,1 %; segundo, a criminalidade violenta e grave registou um decréscimo de 10,5% relativamente ao ano transacto, sendo de realçar que o homicídio decresceu 31,4%; terceiro, registaram-se igualmente diminuições da delinquência juvenil (3,6%) e da criminalidade grupal (7,1%).
Permito-me também recordar que só o aumento dos crimes de condução com excesso de álcool ou sem habilitação legal, resultante do reforço da acção de polícia, se traduziu num aumento de 465 e 906 casos, ou seja, de 2,3% e 4,5%, respectivamente.
Outros exemplos do reforço da actividade das forças de segurança são fáceis de identificar no caso da violência doméstica, dos maus-tratos e do aumento de armas apreendidas. Paradoxalmente, o aumento de participações criminais exprime, nestes casos, um aumento da segurança.
Sabemos, porém, que há muito a fazer e a melhorar. Qualquer crime é, como tenho dito, um crime a mais e há alguns dados negativos referentes a 2007. É o caso do carjacking, que contabilizou um acréscimo de 33,7% relativamente a 2006.
Para melhor combater este crime, o Ministério da Administração Interna constituiu um grupo de trabalho, composto por elementos das forças de segurança e por representantes da indústria automóvel, abrangendo os sectores de renting e de leasing, e das seguradoras. Este grupo de trabalho apresentou, em 28 de Abril, um relatório preliminar com um diagnóstico da situação e uma proposta de medidas. Até ao final deste mês, iremos densificar essas medidas e celebrar as parcerias público-privadas que se impõem.

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Por outro lado e contrariamente ao que tem sucedido nos anos anteriores, o Relatório que agora apresento não corresponde a uma mera análise da criminalidade participada. Inclui, pela primeira vez, uma estratégia de segurança para o corrente ano. Esta prática é a expressão cabal da importância que o Governo atribui às questões de segurança.
Da estratégia de segurança para 2008 ressaltam as seguintes orientações: segurança comunitária, policiamento de proximidade, programas especiais de protecção de jovens, idosos e outras pessoas particularmente vulneráveis; acções sistemáticas de controlo das fontes de perigo e aproveitamento das novas tecnologias.
Estas orientações serão concretizadas através das seguintes medidas: reforço do efectivo policial; programa de formação e treino das forças de segurança; plano de intervenção em zonas problemáticas; desenvolvimento do Programa Nacional de Videovigilância; desenvolvimento de programas de georeferenciação; reforma da segurança interna, incluindo a revisão da Lei de Segurança Interna e da Lei de Organização da Investigação Criminal; reforma da segurança privada, que estamos a concluir; reforma das polícias municipais; realização de um inquérito nacional ao sentimento de segurança e à vitimação; criação de um observatório da delinquência juvenil, no Porto e em Lisboa; execução da Lei de Programação de InfraEstruturas e Equipamentos; celebração de contratos locais de segurança; criação de novos postos mistos de fronteira; criação dos conselhos coordenadores distritais de segurança rodoviária; e criação, a qual já foi efectivada, da 2.ª Companhia de «Canarinhos» e de Equipas de Intervenção Permanente.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todas as medidas que referi respeitam o compromisso que assumimos com os portugueses no início da Legislatura, constituem uma resposta firme aos fenómenos criminais que enfrentamos e permitirão reforçar o sentimento colectivo de segurança.
Prometemos ao País trabalhar a sério para criar as condições do exercício responsável da autoridade do Estado e da fruição da cidadania plena. Tudo faremos para honrar a nossa promessa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — A Mesa registou a inscrição de um Sr. Deputado para formular um pedido de esclarecimentos.
Assim sendo, tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª apresentou hoje o Relatório Anual de Segurança Interna – 2007. Deixe-me dizer-lhe que traçou um quadro cor-de-rosa, como seria de esperar, que me parece — permita-me que lhe diga — que só V. Ex.ª consegue ver, porque, infelizmente, os portugueses vivem noutro mundo e com outras dificuldades, como terei oportunidade de comprovar na minha intervenção.
Neste pedido de esclarecimento, quero fazer uma pergunta muito concreta ao Sr. Ministro sobre um fenómeno muito concreto que V. Ex.ª abordou na sua intervenção,…

Vozes do PCP: — O carjacking!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É justamente o carjacking! O Sr. António Filipe (PCP): — Que surpresa!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Trata-se de um crime violento que, cada vez mais, passa das zonas urbanas para o interior do País, causando enorme alarme social, apesar de certa esquerda e extremaesquerda preferirem ficar autistas em relação a esta matéria. Trata-se de um crime que cresceu exponencialmente nos últimos anos. Recordo que, em 2003, houve 103 crimes participados; em 2004, houve 178; em 2005, houve 330; em 2006, também houve 330, mas este ano, 2007, neste Relatório, registam-se

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cerca de 488 crimes participados, ou seja, ocorreu, no ano de 2007, mais de um crime e meio de carjacking por dia, com um aumento global de quase 34%.
O Sr. Ministro prometeu medidas urgentes em 30 dias. Ora, o CDS fez o seu trabalho de casa e apresentou um projecto de lei e um projecto de resolução com cerca de quinze medidas sobre esta matéria, de que destaco cinco: a elaboração de um plano nacional anti-carjacking; o reforço de meios humanos, materiais e informáticos nas forças de segurança; a criação de brigadas anti-carjacking na PSP, na GNR e na Polícia Judiciária, nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa e em Setúbal; uma linha de apoio às vítimas; e, nos contratos locais de segurança, uma identificação dos locais carentes de iluminação pública, para além do aumento das penas mínimas previstas no Código Penal para este crime.
Sr. Ministro da Administração Interna, estes projectos vão ser discutidos nesta Casa, justamente de hoje a 15 dias. Estão ou não, o Governo e V. Ex.ª, através do Partido Socialista, dispostos a aprovar o contributo do CDS-PP? Se o fizer, demonstrará sentido de Estado, facto que registamos e aplaudimos; se não o fizer, demonstrará a insegurança da política de segurança deste Governo, o que lamentamos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, quero recordar-lhe que, embora V. Ex.ª o diga, nunca uso cor-de-rosa para descrever a criminalidade. Na realidade, há um pequeno equívoco. Digo sempre algo que V. Ex.ª esquece: qualquer crime é um crime a mais e o Relatório Anual de Segurança Interna descreve fenómenos preocupantes. Apenas refiro números, quando tenho a obrigação estrita de o fazer, porque estou a falar num Relatório, caso contrário, prefiro falar em medidas. E, por isso, mesmo hoje falei em medidas, falei naquilo que o Governo está empenhado em fazer para combater a criminalidade.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, a propósito do carjacking, quero referir o seguinte: quando o Ministério da Administração Interna anunciou a constituição de um grupo de trabalho e a apresentação de um relatório no prazo de 30 dias, cumpriu. Por coincidência — nem falo noutra coisa!… —, o CDS, no exacto dia em que terminava o prazo para apresentação do relatório, apresentou também um conjunto de medidas.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Trabalhou!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Mas fez bem! Fez bem! Seguiu o exemplo do Governo e do Ministério da Administração Interna!

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Diga isso à bancada do PS, que tem tanta gente e não apresentaram nada!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Pela nossa parte, actualmente, estamos a concluir a densificação das medidas.
Quanto à votação de propostas legislativas do CDS, quero recordar ao Sr. Deputado que Portugal, felizmente, é um Estado de direito democrático, onde há divisão de poderes, e não cabe ao Ministro da Administração Interna dar instruções ou ordens aos Srs. Deputados,…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Vai aprovar!…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … incluindo os Srs. Deputados do Partido Socialista, sobre a forma de votar. Mas posso acrescentar o seguinte: tenho toda a confiança no sentido de responsabilidade dos Srs. Deputados do Partido Socialista…

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O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Essa parte agora…

O Sr. Ministro da Administração Interna: — … para votarem da forma que melhor sirva os interesses do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Campos Ferreira.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Embora esteja de camisa cor-de-rosa, também não entendo que a situação, no que toca à segurança, seja cor-de-rosa.
Estamos, como todos sabemos, a falar de uma área fundamental da organização do Estado e da estruturação da nossa democracia. Uma área que cruza as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas.
Uma área indispensável e conexa com a prossecução de todas as políticas sociais. Uma área relevante para o funcionamento e crescimento da nossa economia e fulcral para a nossa afirmação externa.
A segurança efectiva de pessoas e bens e, antes disso, o sentimento de segurança dos cidadãos constituem um verdadeiro catalisador da qualidade de vida de uma sociedade, não só numa dimensão puramente material mas, e sobretudo, numa perspectiva de autenticidade e qualidade de vida em democracia.
O medo, a coacção ou a intranquilidade são inimigos da liberdade, do desenvolvimento e da justiça social.
Estamos, naturalmente, preocupados com a evolução da criminalidade, da sua tipologia, da sua manifestação territorial e etária e com tudo o que diz respeito à criação de situações na sociedade que possam levar ao aumento da criminalidade.
Estamos preocupados com a investigação criminal e com o aproveitamento dos recursos humanos e materiais e estamos expectantes e preocupados acerca da implementação futura do sistema integrado de segurança interna.
O Partido Social Democrata mantém as reservas na construção desse modelo potenciador de governamentalização da investigação e da informação criminal, por um lado, e da disseminação das competências investigatórias, por outro. No entanto, já tivemos oportunidade de enunciar as críticas ao modelo de segurança interna e de organização da investigação criminal, no debate que teve lugar nesta Câmara há pouco mais de uma semana.
No domínio dos equipamentos e dos meios humanos, já defendemos maiores transferências financeiras para os órgãos de polícia criminal e discordámos do congelamento das admissões na PSP e na GNR, assim como do encerramento de postos e esquadras, porquanto uma e outra medida, além de despropositadas, transmitem uma ideia perigosa de afastamento, contrária à ideia de proximidade que deve existir entre as forças e serviços de segurança e as populações.
Felizmente, neste campo, o Governo arrepiou algum caminho, deu o dito por não dito e não concretizou os anúncios convictamente feitos pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Quanto ao Relatório de Segurança Interna – 2007, em concreto, este documento já foi alvo de amplo debate dentro e fora do Parlamento. Resta-nos reiterar as nossas posições anteriormente assumidas, em especial em sede de comissão parlamentar, com a presença do Sr. Ministro da Administração Interna.
A análise da evolução da criminalidade é uma matéria que merece não apenas uma análise fria dos números mas também das medidas concretas necessárias para responder a esse fenómeno. E são medidas que, com certeza, não se ficam apenas pelo sistema de segurança interna, muito pelo contrário. Referimo-nos, naturalmente — e isto é algo que nos merece uma grande atenção —, às condições socioeconómicas, ao desemprego e à desigualdade, que se vão agravando na sociedade portuguesa.
Infelizmente, é neste contexto que germinam a pobreza, a miséria, a exclusão social, as desigualdades e, naturalmente, muitas vezes, nasce aqui o caminho para a criminalidade.
Passando agora à análise mais detalhada, aqui ficam algumas reflexões acerca dos dados constantes do Relatório Anual de Segurança Interna.

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Em primeiro lugar, quero registar o seguinte: a bancada do Partido Social Democrata, por um dever de responsabilidade, não tem uma visão alarmista dos números que são expressos no Relatório, o que não quer dizer que não possamos elaborar algumas reflexões sobre algumas das realidades que nele se evidenciam.
No que concerne aos dados constantes do Relatório Anual de Segurança Interna – 2007, a nossa posição, hoje como ontem, é a de olhar para os números, causas e consequências da criminalidade com um olhar de reflexão, enfatizando os indicadores que revelam tendências positivas e não afastando, como faz sempre o Governo, os dados que expressam evoluções mais preocupantes.
Do nosso ponto de vista, as duas coisas são necessárias, na medida em que este documento, além de ser um indicador da actividade de todas as forças e serviços de segurança, deve ser essencialmente um instrumento de decisão política em matéria de combate à criminalidade.
Numa perspectiva global, destacam-se os 391 611 casos participados, em 2007, às forças de segurança — GNR, PSP e PJ —, que representam um ligeiro acréscimo de 526 casos relativamente ao ano anterior.
Face aos resultados fornecidos pelo Relatório, é reconhecido que, de algum modo, existe uma divergência entre os dados estatísticos compilados e o que se qualifica como o sentimento de insegurança e de medo do crime, instalado na nossa sociedade.
Hoje, existe uma visão mais abrangente do que significa a segurança. O significado de segurança, nas sociedades contemporâneas, equivale ao estatuto de bem público e de direito fundamental, sendo percepcionada como um factor de desenvolvimento económico, coesão social e estabilidade política.
Produzir mais segurança não passa somente pela diminuição dos níveis de insegurança objectiva mas também pela manutenção dos níveis de segurança subjectiva.
O presente Relatório, tal como os anteriores, faz uma compilação estatística dos crimes, enquadrando-os qualitativamente na tipificação legalmente prevista. Não sendo uma crítica mas, antes, uma reflexão, tendo em consideração a assumida e notória alteração da complexidade criminal a que temos assistido nos últimos tempos, em nossa opinião, o Relatório deveria abordar este fenómeno de forma bem mais detalhada.
O Relatório demonstra mais uma vez que Portugal, em termos internacionais, é um dos países onde, felizmente, o nível de criminalidade e de insegurança é dos mais baixos, no contexto internacional.
De acordo com o Relatório, a criminalidade violenta e grave registou, em 2007, uma variação muito favorável, com uma descida de 10,5%. Tal não exclui, pelo contrário, que, por detrás de um balanço globalmente positivo, o Relatório revele alguns indícios preocupantes que merecem uma reflexão aprofundada e uma especial atenção por parte das entidades competentes.
No entanto, nesta categoria, nem todos os crimes desceram no ano passado. O pior exemplo é o aumento de ocorrências criminais do roubo de veículos com a utilização de violência, em particular com o recurso a armas de fogo, comummente designado por carjacking e que, infelizmente, já entrou no léxico de todos os portugueses.
No que toca à violência doméstica, as forças de segurança registaram um acréscimo significativo de ocorrências — foram 21 907! Este volume de registos, que respeita a todo o território nacional, representa um aumento de 6,4% relativamente ao ano de 2006. É, pois, fundamental que este ilícito mantenha a sua natureza de crime público e que se acentuem as medidas de protecção das respectivas vítimas.
O crime de violência doméstica deixou de ser um crime escondido socialmente e o respectivo aumento, sustentado ao longo dos últimos anos, resulta de uma subida da taxa de participação das suas vítimas, mais conhecedoras dos seus direitos e mais confiantes no sucesso da denúncia.
Em relação ao Programa Escola Segura, que está integrado no policiamento de proximidade e que envolve duas forças de segurança (a PSP e a GNR), como se pode verificar pelos dados constantes do Relatório, os meios humanos e materiais envolvidos são bastante expressivos.
Segundo os dados reportados, no ano lectivo de 2006/2007, o número de ocorrências participadas, no interior e no exterior dos estabelecimentos de ensino, registou uma diminuição, correspondendo a um decréscimo de 35,9% relativamente ao ano lectivo anterior. Sem querer colocar a questão em termos de eficácia das forças de segurança em relação a estes números, que denotam um decréscimo de participações, pensamos que deve haver lugar a uma reflexão sobre o porquê de uma descida tão acentuada, que de algum modo contraria o que tem vindo a ser publicamente exposto. Há que acautelar aqui se não se passa exactamente o inverso do que acontece com a violência doméstica e existem crimes que «nascem e morrem» dentro da escola, sem serem notificados pelas respectivas vítimas.

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É fundamental que o Governo deixe de olhar para a criminalidade em Portugal de um ponto de vista meramente estatístico.
O modo de prática de crimes está a mudar, tornando-se complexo e organizando-se com mais violência e com piores consequências. E os portugueses já perceberam que o Governo ainda, ainda, vai a caminho. Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Franco.

O Sr. Vasco Franco (PS) — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate anual do Relatório de Segurança Interna proporciona-nos uma oportunidade para reflectir seriamente sobre uma matéria que todos encaramos sempre com alguma apreensão. Nesta temática não há resultados que nos satisfaçam nunca, nem há comparações que nos tranquilizem, por muito favoráveis que sejam.
Neste quadro, a primeira grande novidade que o Relatório de 2007 nos anuncia é assumpção de um risco calculado: o Governo decidiu aprofundar o conhecimento de uma realidade que temos tratado de forma parcial, baseados em números, que sabemos traduzirem apenas uma fracção do problema, e em intuições, que sabemos não terem nenhuma base consistente.
Ao anunciar, como faz neste Relatório, a realização de um inquérito ao sentimento de segurança e à vitimação o Governo vem dizer-nos que não se contenta com especulações sobre cifras negras nem com palpites sobre os sentimentos de insegurança;…

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Vasco Franco (PS) — … vem dizer-nos que quer conhecer com rigor científico uns e outros.
Todos sabemos o que isto significa: o risco de por má-fé ou por ignorância se começar a comparar, depois, o que não é comparável.
Um inquérito à vitimação revelará, em particular no que respeita à criminalidade de mais baixo perfil, números muito superiores aos que nos são dados pelas estatísticas policiais.
Têm sido feitos, em Portugal, poucos estudos sobre esta matéria, ao contrário do que acontece, há imensos anos, nos Estados Unidos, no Reino Unido, em França e em muitos outros países. Mas toda a experiência nos mostra que em determinado tipo de crimes as participações podem corresponder a pouco mais de 30% das ocorrências.
Inquéritos de vitimação são instrumentos de trabalho preciosos para as autoridades policiais e para os decisores políticos, pois produzem informação só comparável em séries sucessivas de inquéritos da mesma natureza e permitem leituras paralelas e complementares em relação às estatísticas, mas não podem ser transformados em objecto de especulação alarmista. Fica feito o aviso.
Se um inquérito revela um número de ocorrências muito superior ao das estatísticas isso não significa que a criminalidade aumentou; significa apenas que se tornou visível o que era oculto, aquilo que era objecto de especulações e de palpites.
Saudamos, pois, esta iniciativa que consideramos importante para a afinação de estratégias e para o ajustamento dos programas de intervenção nas vertentes da prevenção e da repressão da criminalidade, o mesmo acontecendo, aliás, com o Observatório da Delinquência Juvenil, também agora anunciado.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Vasco Franco (PS) — Saudamos ainda uma outra inovação patente no Relatório de 2007: a inclusão de um capítulo em que o Governo se compromete com medidas concretas para implementação da estratégia definida para o ano em curso. A isso já se referiu o Sr. Ministro da Administração Interna e vou dispensar-me de repetir.
Passando a analisar alguns números mais relevantes do Relatório, destacaremos vários aspectos.
A criminalidade violenta e grave registou uma descida de 10,5% – a maior dos últimos 10 anos.

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Neste capítulo está incluído um tipo de criminalidade cuja dimensão as cifras negras podem ocultar parcialmente, como diferentes formas do crime de roubo, mas também crimes em relação aos quais a percentagem de não participação é tendencialmente pouco expressiva, como acontece nos crimes de roubo a bancos, de ofensa à integridade física voluntária grave, de rapto, de sequestro ou de tomada de reféns, ou mesmo tendencialmente nula, como acontece no caso do homicídio voluntário consumado. Portanto, não falemos de cifras negras nesta matéria.
Numa análise aos últimos 10 anos, a descida da criminalidade participada em matéria de homicídio, de ofensa à integridade física voluntária grave e de violação tem sido constante. Em 2007, o número de homicídios ocorridos correspondeu a 39% dos registados 10 anos antes, ou seja, 61% menos.
Entre 2006 e 2007, baixaram igualmente, de forma relevante, as participações em relação aos crimes de rapto, de roubo na via pública e de roubo a banco.
De entre os crimes em que o número de participações cresceu, merece destaque o carjacking, como aqui já foi referido. E o Governo está atento ao assunto, como também já foi mencionado pelo Sr. Ministro da Administração Interna.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Vasco Franco (PS) — Quanto ao Programa Escola Segura, que abrange actualmente quase 1,8 milhões de alunos, assinala uma diminuição de 35,9% de ocorrências registadas, e o rácio de ocorrências é de 2 ocorrências por 1000 alunos.
O Sr. Deputado Luís Campos Ferreira levantou algumas dúvidas quanto a esta matéria, perguntando se não estaríamos perante uma situação de aumento das ocorrências não participadas.
Queria fazer notar ao Sr. Deputado que esta descida é coerente com outras descidas. A delinquência juvenil e a criminalidade grupal baixaram: a primeira teve o menor número de participações nos últimos 7 anos e a segunda menos 7,1%, em relação ao ano anterior Particular apreensão merece o crescimento continuado dos crimes de maus-tratos, a maioria dos quais relacionado com violência doméstica. As ocorrências que chegaram ao conhecimento das forças de segurança aumentaram 6,4% e as participações subiram 10,1%. É um facto que, em parte, isso se pode dever ao alargamento da rede de apoio à vítima, mas não pode deixar de suscitar o nosso mais vivo repúdio e o prosseguimento dos esforços de toda a sociedade para combater essa chaga que nos envergonha.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Vasco Franco (PS) — Uma nota ainda sobre o combate ao tráfico de estupefacientes.
O Relatório regista um aumento muito grande das quantidades de haxixe apreendidas e uma diminuição no que se refere a cocaína, a heroína e a ecstasy.
A análise destes números deve ter em linha de conta os ciclos de desmantelamento e reconstituição das redes de tráfico, que são perceptíveis se compararmos o que aconteceu entre 2005 e 2006 e entre 2006 e 2007 no que se refere às duas drogas que circulam em quantidades incomparavelmente maiores do que as restantes: a apreensão de cocaína aumentou 91%, no primeiro período, e diminuiu 79%, no segundo, enquanto com o haxixe se passou exactamente o contrário, uma diminuição de 70%, entre 2005 e 2006, e um aumento de 416%, no último período.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Devemos estar tranquilos com esta evolução globalmente positiva da criminalidade mais violenta? Não estamos. Nunca estamos tranquilos nesta matéria. Mas devemos olhar para os números com seriedade e devemos dar o nosso contributo responsável para que os sentimentos de insegurança se situem dentro de parâmetros correspondentes à nossa realidade.
A verdade é que, em 2007, ainda foram assassinados 133 cidadãos, menos 207 do que 10 anos antes, menos 61 do que em 2006, mas todos queremos que aquele número continue a baixar.
Portugal continua a ser, como o Relatório recorda, um dos países mais seguros do mundo. Temos um índice de criminalidade participada que nos coloca em 9.
o lugar entre 25 países europeus analisados e um rácio de polícias por número de habitantes que é também dos melhores – 45 por 10 000. Estes factos não

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podem ser menosprezados pela demagogia fácil do combate político nem pelas parangonas de primeiras páginas sensacionalistas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Por muito que o Governo e o Partido Socialista se esforcem, por muito que atirem números, por muito que anunciem grupos de trabalho e medidas reiteradamente, umas após as outras, a realidade, que até este Relatório de Segurança Interna comprova, é justamente a que o CDS-PP tem vindo a denunciar.
Em primeiro lugar, o sentimento de insegurança das populações é grande e tende a aumentar.
Em segundo lugar, há certos tipos de criminalidade específica, particularmente violenta, grave e nova, que está a aumentar em Portugal, causando alarme social, e que é preocupante.
Em terceiro lugar, a criminalidade global participada tem aumentado de forma constante em áreas específicas e fortemente populosas como as Áreas Metropolitana de Lisboa, do Porto e de Setúbal.
Quanto à primeira realidade, o sentimento de insegurança, é preciso referir que este Relatório de Segurança Interna é sobre criminalidade participada.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Este e os anteriores! Sempre foi assim!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Mas ainda assim, se fizermos a junção da estabilização – para utilizar uma palavra do Sr. Ministro da Administração Interna – ou da subida – para utilizar uma expressão mais correcta – de 0,1%, importa recordar que, nos últimos dois anos, esta criminalidade participada subiu 2,1%: 0,1% neste relatório, 2% no relatório anterior – justamente os dois relatórios com a marca socialista. É bom, quando se fala de números, ter este rigor.
Mas o pior, a nosso ver, e que origina este sentimento de insegurança, é uma política que gera a não participação dos crimes, justamente aqueles que causam muita insegurança, sobretudo os que têm que ver com o património, precisamente porque os portugueses, por força de uma reestruturação das forças e serviços de segurança, sobretudo da PSP, que lhe atribui mais competências sobre mais territórios com os mesmos efectivos, deparam com as esquadras com apenas um polícia, onde nem sequer uma participação pode ser feita em segurança. É isto que tem que ver com a insegurança, Sr. Ministro.
Segundo exemplo: a criminalidade específica, particularmente violenta e nova em Portugal, como é o caso do carjacking.
Sr. Ministro, a sua resposta demonstrou o costume: preocupação, anúncio de medidas, anúncio de grupos de trabalho, mas obviamente respeitando – como sempre fazemos – a separação de poderes.
Ficámos a saber ou que não leu as nossas propostas ou que, tendo lido, não quer dizer a sua opinião, que até é favorável. Mas de uma coisa começámos hoje a ficar com a certeza: o Partido Socialista, pelo simples facto de terem vindo do CDS-PP, vai rejeitar propostas operacional e juridicamente acertadas. Lamentamos, Sr. Ministro.
Terceiro e último exemplo: a criminalidade global participada nas Áreas Metropolitanas de Lisboa, do Porto e de Setúbal, nos últimos dois anos, tem vindo a aumentar: Lisboa, mais 2,7% – 206 000 crimes; Porto, mais 3,3% – 124 000 crimes; Setúbal, mais 10,5% – um total de 74 000 crimes.
Ora, nos últimos dois anos, nas três grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa, Porto e Setúbal, cometeramse mais de 403 000 crimes, o que corresponde a um aumento total de 16,5%! São os anos do Partido Socialista! São os anos da política insegura, quanto à segurança, do Partido Socialista, que fez com que não tenha acertado uma única lei orgânica.
A Lei Orgânica da PSP é má! A reestruturação foi falhada. A Lei Orgânica da GNR é má e foi objecto de um veto presidencial. Para terminar, na Lei Orgânica da Polícia Judiciária falta a fiscalização por parte do Ministério Público, tão reclamada pelo Procurador-Geral da República, ainda na quarta-feira, e é uma lei que é inconstitucional, pois remete para portarias a definição de competências concretas da parte das unidades de missão da Polícia Judiciária, onde faltam meios e há enorme instabilidade.

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Por outro lado, uma Polícia de Segurança Pública teve dois directores nacionais em três anos; a GNR que vai ter dois comandantes-gerais em três anos e a Polícia Judiciária tem três directores nacionais em três anos, com três estratégias diferentes.
É este o estado da Nação, da «insegurança da política de segurança» do Partido Socialista! E não basta anunciar, pela vigésima vez, a lei de programação de investimento das forças de segurança, porquanto todos sabemos, sobretudo os homens e as mulheres que servem nas forças de segurança, que, até hoje, dos 64 milhões de euros que deviam já estar investidos nas forças de segurança, nem 1 € entrou! É este o exemplo que o Partido Socialista dá em matéria de segurança. Mais uma vez é insegura e não acerta!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Farei alguns breves comentários sobre o Relatório Anual de Segurança Interna.
Em primeiro lugar, regista-se uma diminuição da criminalidade mais violenta, aspecto que deve merecer toda a centralidade da nossa observação e deste debate. Não é, por isso, aceitável que, por exemplo, quando debatemos a Lei de Segurança Interna, o pano de fundo tenha sido o de uma preocupação securitária e de algumas soluções securitárias da parte do Governo. Realmente, o pano de fundo não é esse; o pano de fundo tem sido uma diminuição do concentrado mais violento do crime em Portugal.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Naturalmente, esses resultados são sempre precários, não só porque os ganhos de eficácia podem ser consumidos mas porque, estruturalmente, temos uma situação social difícil, que pode ajudar ao desenvolvimento dos fenómenos criminais mais negativos. Sabemos que o conjunto da política económica, ao longo dos últimos anos, tem deixado alastrar grandes debilidades sociais, debilidades que permanecem sempre como uma bomba ao retardador para efeitos nocivos nesta área.
O segundo comentário prende-se com a violência doméstica, não só para reafirmar a importância de que se mantenha como um crime público, porque isso favorece o seu combate ao nível quer da prevenção quer da repressão, como para notar a hesitação deste Governo numa medida absolutamente essencial (que era promessa do Partido Socialista), a de fazer a identificação, por meios electrónicos, dos agressores, medida dissuasora e importante no combate à violência doméstica. Só que não há modo de o Governo resolver este problema! Todavia, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, creio que não devemos ter ilusão em relação ao número crescente de casos de violência doméstica. Não se trata apenas, como se tem dito, de a violência doméstica ter adquirido uma maior visibilidade que não teria outrora, há que perceber que, na sociedade portuguesa, estão a ocorrer alterações que têm a ver não apenas com a identificação dessas situações mas também com o conflito em relação ao que era o patriarcado dominante.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Portanto, esta situação deve merecer a melhor atenção porque é uma alteração sociológica importante que tem a ver com a repressão de comportamentos. Infelizmente, é previsível que esse tipo de crimes venha a aumentar, pelo que precisamos de respostas globais do ponto de vista da sociedade e dos poderes públicos.
Por isso, teremos de estar muito atentos a todos estes casos de violência doméstica, nas suas diferentes facetas e nas várias vítimas que ela pode ter, deixando muito claro à sociedade portuguesa que, realmente, como se tem escrito e muitos criminalistas e sociólogos têm observado, o lar é o lugar mais perigoso em relação à segurança dos cidadãos. É o que atentam todas as estatísticas.
E se estamos preocupados com o carjacking…

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ah!…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … e com medidas efectivas de o combater, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, estamos muito preocupados com o que podemos chamar «home danger», até pela observação empírica de que temos 17 homicídios de mulheres fruto de violência doméstica em apenas três meses, já em 2008, porque é aí que se morre mais, em Portugal, e não nos semáforos das vias.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É verdade que já tivemos oportunidade de, em comissão, até por mais de uma vez, abordar, de alguma forma, os problemas que estão reflectidos neste Relatório de Segurança Interna relativo a 2007. E, como é sabido, da parte do PCP, não há uma leitura «tremendista» das questões de segurança que possa vir a causar qualquer tipo de alarme ou justificar qualquer medida de natureza securitária.
Entendemos que o Relatório de Segurança Interna é um auxiliar importante para se poder verificar as tendências existentes em matéria de segurança e reflectir sobre as medidas necessárias para procurar resolver os problemas que se colocam.
É evidente que este Relatório aponta para alguma estabilização em matéria da criminalidade, em termos globais, e para o aparecimento, ou algum agravamento, de um certo tipo de crimes que, pela sua especificidade, justificam uma reflexão própria e, eventualmente, a ponderação das medidas que são adequadas.
Já aqui foi referido o roubo de veículo, agora designado pela expressão inglesa carjacking, que registou algum agravamento, e o mesmo aconteceu, aliás, com os assaltos a postos de abastecimento de combustível, relativamente aos quais se verificaram 241 ocorrências em 2007, o que correspondeu a um aumento de 8,6%, aspecto que deve constituir, também, uma preocupação específica, porque se trata de um tipo de assaltos que, nalgumas ocorrências, foi praticado com um grau muito elevado de violência, inclusivamente com o recurso ao homicídio de funcionários destes postos de abastecimento.
Mas se é verdade que houve uma estabilização global da segurança, também temos de registar que o sentimento de insegurança continuou bastante elevado e, dada a repercussão mediática de alguma criminalidade violenta, até poderá ter-se acentuado, o que não pode ser ignorado.
Com efeito, existe nos cidadãos um sentimento de insegurança relativamente ao qual importa tomar medidas. Estas têm de passar, obviamente, pelo policiamento de proximidade e pela adopção de medidas que tranquilizem de alguma forma os cidadãos. Aqui, sim, há alguns elementos de preocupação, que o próprio Governo reconheceu quando admitiu que tinha de inflectir a orientação que tinha aquando da aprovação da lei sobre investimentos nas forças de segurança.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — O Governo já teve de admitir que aquele pressuposto de que não haveria cursos de formação e de que não haveria novas admissões durante mais dois anos, depois dos agentes que foram admitidos no início de 2008, não pode ser! Teve de abandonar esse pressuposto.
Importa agora que, apesar do abandono desse pressuposto, que era importante na engenharia financeira da lei relativa a investimentos nas forças de segurança, os investimentos sejam feitos na mesma…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Temos que os exigir!

O Sr. António Filipe (PCP): — … e que não venha dizer-se, daqui a uns anos: «Tenham paciência, nós não pudemos fazer os investimentos porque um dos pressupostos era o de que não haveria admissões e teve de haver»!

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Portanto, importa assegurar os objectivos que estão estabelecidos na lei sobre investimento nas forças de segurança.
Efectivamente, em 2007 — é o Relatório que o refere — houve um défice de 61 elementos no conjunto das forças e serviços de segurança. Ou seja, foram mais aqueles que saíram do que aqueles que entraram em 2007, situação terá sido invertida em 2008, pelas admissões houve no início do ano. Mas esperemos que, de facto, não venha a verificar-se que houve uma redução da capacidade operacional das forças de segurança devido ao número de efectivos das forças de segurança que, efectivamente, ao longo de 2008, também vão sair. É que não se trata apenas de considerar que as admissões que se fizeram em 2008 são um acréscimo líquido, porque não são! Quando chegarmos ao fim do ano, vamos ter de fazer, no Relatório do ano seguinte, o balanço dos que entraram e dos que saíram e verificar se, de facto, estes défices estão, ou não, a ser colmatados.
Há aspectos que são, obviamente deficitários.
Desde logo, quando olhamos para os meios que são afectos à Escola Segura e a importância que tem, para a generalidade da população, a segurança dos seus filhos (não estou a falar no interior das escolas mas, sim, nas imediações dos estabelecimentos de ensino) e verificamos que, para o policiamento de cerca de 11 000 escolas, temos cerca de 575 efectivos, o que dá qualquer coisa como um elemento para 20 escolas, temos de reconhecer que é com grande dificuldade que pode garantir-se um nível adequado de segurança nas imediações dos estabelecimentos de ensino.
Portanto, há áreas que justificam uma atenção muito especial em matéria de policiamento de proximidade.
Já agora, convinha que nos fosse dada alguma notícia sobre um dos pressupostos da lei dos investimentos (e que, aliás, consta do Programa do Governo), que é a substituição dos efectivos policiais por funcionários não polícias para o cumprimento de uma série de missões de natureza burocrática, as chamadas «tarefas saturantes» das forças de segurança, que podem ser feitas, com vantagem, por outro tipo de funcionários sem formação policial, permitido libertar os efectivos das forças de segurança para o que eles efectivamente servem, que é o desempenho de funções de segurança.
Isto constava do Programa do Governo, era um dos pressupostos da lei de programação de investimento das forças de segurança, mas não temos notícia, até agora, de que algum elemento de forças de segurança tenha sido substituído nessas missões por outro tipo de funcionários. De facto, era bom que o Governo pudesse dar-nos alguma informação acerca disso ou, então, dissesse se é para esquecer. Se é para esquecer, nós esquecemos, mas consta do Programa do Governo e é um pressuposto da lei de programação.
Queria deixar uma última questão que se prende com o SEF, apesar de o Relatório de Segurança Interna não referir nada disto.
Foi com alguma estupefacção que o País tomou conhecimento, através de um estudo que foi difundido na comunicação social, dos emolumentos que são praticados pelo SEF relativamente ao tratamento de documentação por parte dos imigrantes.
Como se sabe, os imigrantes são uma camada da população particularmente fragilizada; como se sabe, a regularização da situação dos imigrantes é um martírio, porque perdem dias de trabalho e dias de vida no SEF, em que lhes é exigida documentação por vezes exorbitando o que a própria lei exige. Mas o problema já não é só esse! O problema é que os imigrantes originários de países que não tenham com Portugal acordos bilaterais que permitam baixar os emolumentos que são praticados são verdadeiramente espoliados pelos montantes que são exigidos pelo SEF como emolumentos para poderem tratar da documentação relativa à sua legalização em Portugal.
Sr. Ministro, creio que isto é desumano, é imoral e só nos envergonha. Portanto, creio que devia ser praticada uma outra política que não procurasse financiar o Estado português ou o SEF à custa da situação de fragilidade em que se encontram os cidadãos imigrantes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu agradecimento pela cedência de tempo por parte dos Grupos Parlamentares do Partido Socialista e de Os Verdes.

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Vou aproveitar para tentar responder a algumas questões essenciais que foram colocadas.
Em relação ao Sr. Deputado Nuno Magalhães, queria dizer-lhe o seguinte: nunca vi um ilustre Deputado desta Casa citar tantos números como o senhor, que passa a vida a dizer que eu falo em estatísticas.
Acontece que o Sr. Deputado passa a vida a falar em números mas com a particularidade de que só fala dos números que aumentaram em matéria de criminalidade!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — São os que preocupam os portugueses!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Por outro lado, queria dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado tem uma visão correcta, segundo a qual a criminalidade se analisa em grandes ciclos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Por isso, quando fala no aumento de algum crime, devia começar com uma autocrítica, por ter sido secretário de Estado há alguns anos atrás. O senhor é o primeiro a não ignorar que os resultados da criminalidade reflectem longos ciclos! Por fim, em relação a uma esquadra com um só polícia, queria dizer-lhe que, no seu tempo, havia várias esquadras com um só polícia. A diferença é que eu dei uma determinação às forças de segurança para que a reorganização do dispositivo não permitisse, no futuro, que haja esquadras com um só polícia, porque entendo que assim não podem funcionar.
Quanto ao Sr. Deputado Campos Ferreira, queria dizer-lhe o seguinte: assinalo o tom de Estado e o sentido de Estado com que analisou o Relatório, mas gostava de dizer que a crítica de governamentalização que é feita à reforma da segurança interna não é justa.
Se quer dizer que o Governo é responsável pela condução da política de segurança interna, é uma crítica que não tem sentido, porque, constitucionalmente, o Governo tem essa responsabilidade; se quer dizer que o Governo tem cada vez um maior domínio, não é verdadeira, porque na reforma a Assembleia da República tem um papel cada vez mais interventivo – por exemplo, passa a ouvir, antes da nomeação, o SecretárioGeral, o que hoje não acontece, e passa a ter dois Deputados no Conselho Superior de Segurança Interna.
Sr. Deputado Luís Fazenda, estou completamente de acordo com a ideia de o crime de maus tratos e de violência doméstica continuar a ser público, pois trata-se de uma ideia pela qual sempre batalhei. Quero dizerlhe, no entanto, em relação a esses crimes, que tenho a profunda convicção de que o aumento dos números exprime um aumento da acção policial.
Em Portugal, no passado, também houve violência doméstica, mas hoje o aumento dos números exprime, felizmente, uma maior percepção das pessoas que são vítimas dessa violência.
Quanto a securitarismo, certamente que o Sr. Deputado concorda que se tomem medidas para defender esse direito fundamental que é o direito à segurança. O Governo, quando apresenta um relatório, não deve ser um mero espectador da realidade, tem de agir sobre ela.
Sr. Deputado António Filipe, o senhor voltou a falar na admissão de polícias e no encerramento de postos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Não! Está enganado!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Eu quase noto uma certa mágoa da sua parte por o Governo estar no bom caminho. O senhor não concorda com a admissão de polícias?

O Sr. António Filipe (PCP): — Concordo!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Se concorda, então, devia aplaudir!

O Sr. António Filipe (PCP): — Pois aplaudo! Não aplaudi?!

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O Sr. Ministro da Administração Interna: — Em relação aos emolumentos e aos imigrantes, quero dizerlhe o seguinte: nós cobramos emolumentos exactamente iguais, taxas absolutamente iguais, para nacionais e imigrantes; o contrário é que violaria a igualdade.

O Sr. António Filipe (PCP): — Mas quais são os nacionais que têm autorização de residência?! Eu não tenho!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Isso está devidamente explicado no âmbito do sítio do SEF.

O Sr. António Filipe (PCP): — Essa agora! O que é que os nacionais têm a ver com isso?!

O Sr. Ministro da Administração Interna: — Não há, portanto, qualquer discriminação.
Por último, Sr. Deputado Vasco Franco, quero saudá-lo pelo que disse em relação ao conhecimento da realidade. O Governo não foge da realidade, não teme o conhecimento da realidade. E é por isso que vamos fazer um inquérito nacional à vitimação e criar um observatório da delinquência juvenil.
A terminar, quero agradecer a todos os Srs. Deputados pela forma responsável e atenta como analisaram este relatório. Obrigado a todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, estão, assim, concluídos os nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária terá lugar quarta-feira, dia 21, às 15 horas, e terá como ordem do dia o debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, nos termos da alínea a) do artigo 224.º do Regimento da Assembleia da República. Aguardamos a indicação do tema por parte do Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 30 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas a:
Votação global da proposta de resolução n.º 71/X

Votei contra a proposta de resolução n.º 71/X, que aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, pelas seguintes razões:
Sempre considerei que o acordo não é necessário;
É tecnicamente muito discutível;
A língua, incluindo a ortografia, faz parte do nosso património e da nossa identidade, tal como a terra, o
mar e a História;
Nenhum acordo poderá unificar uma língua cuja riqueza reside na sua diversidade;
Como costumava dizer Mário Cesariny, a língua portuguesa, tal como hoje a falamos nos diversos países
que escolheram o português, é, na sua estrutura essencial, a língua que Luís de Camões escreveu; mas é
também a língua de Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, de Luandino Vieira e Pepetela, de
Mia Couto, Germano de Almeida e de todos aqueles que em português se exprimem e nas suas obras
alargam e tornam mais rica a língua comum;
A língua é feita pelos povos, pelos poetas e pelos escritores, não por via burocrática ou diplomática.

O Deputado do PS, Manuel Alegre.

———

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1 — A língua é uma obra de Cultura, com séculos de existência; faz de tal maneira parte integrante do ser
humano que o problema do seu uso, presente e futuro, é também, praticamente, uma questão de consciência.
Por isso, senti o dever ético de me expressar a propósito.
2 — No mundo, o português é das línguas mais faladas, e queremos que o seja muito mais. Além de falado
nos países da CPLP e nas comunidades lusas e luso-descendentes espalhadas pelos cinco continentes, o
português identifica-se, por exemplo, no ladino, nos numerosos crioulos de África, das Américas (do Sul e
Central), da Ásia, etc., o que constitui diversas mais-valias para todos. Com a utilização do português nos
organismos internacionais, nas novas tecnologias, etc., abrem-se agora outras imensas janelas de
oportunidade.
3 — Quanto mais estudei a problemática do Acordo Ortográfico, mais fiquei de acordo com o meu colega
Deputado do PS, especialista na matéria, Luís Fagundes Duarte, o qual está ligado à origem do recente
manifesto/petição em defesa da língua portuguesa.
4 — Concordo com este manifesto em defesa da língua portuguesa e com o facto de urgir valorizá-la, dado
o seu «aviltamento inaceitável», que «fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo
legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros... Para o
desenvolvimento civilizacional por que os nossos povos anseiam é imperativa a formação de ampla base
cultural (e não apenas a erradicação do analfabetismo), solidamente assente na herança que nos coube e
construída segundo as linhas mestras do pensamento científico e dos valores da cidadania».
5 — Assim, pedi licença para votar contra; foi-me dito tal ser impossível devido à disciplina de voto e
evidentemente obedeci, mas foi-me concedida autorização para me ausentar no momento da votação, o que
fiz. Subscrevi a referida petição na Internet, havendo já então 35 mil subscritores.
6 — Têm-se este ano estado a comemorar, com o Brasil, os 200 anos da ida da corte portuguesa para lá,
felizmente já sem quaisquer traumas. Dura há cerca de 100 anos o compreensível problema com a primeira
grande reforma ortográfica, e acordos posteriores, que, apesar de bem intencionados, foram inúteis, por vezes
até perniciosos.
7 — 2008 é o Ano Internacional das Línguas, da UNESCO. Espero que, sem traumas de ninguém mas em
verdadeira igualdade e espírito de unidade, como todos pretendemos, na CPLP lutemos pelo nosso comum
bem inestimável que é a Língua Portuguesa.
Os provérbios populares, como a língua, também são património cultural partilhado por todos, e gostava
que sobretudo dois estivessem bem presentes quanto à língua portuguesa: «A união faz a força»; «A união é
força, como a divisão é fraqueza».

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.

———

Apenas razões inerentes aos procedimentos políticos e legislativos e, designadamente, a envolvência e
compromissos já assumidos com terceiros Estados, levaram o signatário a votar favoravelmente a proposta de
resolução n.º 71/X, que aprova, para ratificação, o Acordo Ortográfico.
Trata-se, aliás, de processo que reporta os seus antecedentes a 1990.
Não está em causa a normal evolução da língua escrita e falada e a necessidade ou conveniência da
actualização da ortografia, como não está em causa a compreensão para a circunstância de, por razões
históricas da expansão, a língua portuguesa ser actualmente falada por um número considerável de muitos
milhões de cidadãos, bem superior aos nacionais portugueses.
Hoje, a língua portuguesa é tão nossa quanto o é dos povos a quem ensinámos o nosso falar.
É natural, pois, que o acordo ortográfico, ou a sua revisão, contemple as várias influências e mutações que
a língua portuguesa foi recebendo, ao longo de séculos, no espaço multicontinental onde é falada.
Porém, tal qual a matriz e a génese, a medida da evolução ortográfica oficial da língua portuguesa deve
caber a Portugal, que tem o dever de a perseverar e defender de desvirtuamentos inadmissíveis, de
descaracterizações excessivas e injustificadas, e mesmo, em alguns casos, chocantes.
Podemos perceber e aceitar que, no domínio político e económico, o peso de Portugal não é hoje
comparável ao de outros países de língua oficial portuguesa, parte neste Acordo.

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Todavia, não é nesse domínio e patamar que se deve colocar um Acordo Ortográfico relativo à língua que
desejamos cada vez mais falada, muito para além das nossas fronteiras, mas que é e continuará a ser, para
todo o sempre, a língua de Portugal!
Foi, pois, com reserva e pelos motivos institucionais enunciados, que votei favoravelmente a proposta de
resolução n.º 71/X.

O Deputado do PSD, Guilherme Silva.

———

Desde 1990 que o PCP tem bem clara a sua posição sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Por um lado, consideramos que a existência de um Acordo pode ser um factor positivo se integrado no
contexto mais global e exigente de uma verdadeira política da língua. Uma política que promova maior
cooperação com os países de língua portuguesa, nomeadamente os países africanos, que assuma a
necessidade de promoção e difusão do livro e dos autores portugueses, que integre uma intervenção
diplomática promotora e valorizadora da língua portuguesa enquanto factor de aproximação e cooperação
entre povos.
Por outro lado, o Acordo Ortográfico assinado em 1990 entre todos os Estados membros da CPLP não é
um bom acordo. Apesar de ter sido objecto de fortes críticas por parte de alguns dos mais qualificados
utilizadores da língua portuguesa — escritores, linguistas, editores, jornalistas —, o Acordo mantém as
«numerosas insuficiências e deficiências científicas e técnico-linguísticas» assinaladas em 1989 pelo parecer
da Comissão Nacional da Língua Portuguesa (CNALP), coordenado pelo Professor Victor Aguiar e Silva e que
contou com contributos tão qualificados como o do Professor Óscar Lopes.
Passados 18 anos da aprovação para ratificação do Acordo pela Assembleia da República, a situação é
sensivelmente a mesma em que nos encontrávamos em 1990.
O Acordo não entrou em vigor, uma vez que não foi ratificado por todos os Estados signatários, não se
conhecendo as razões que justificam essa falta de ratificação pelos Estados de Angola, Moçambique e Guiné-
Bissau ou, mais recentemente, Timor-Leste.
Nenhuma das críticas feitas às Bases do Acordo em 1990 obteve até hoje resposta, pelo que mantêm
inteira actualidade. Nenhum erro foi corrigido, nenhuma insuficiência foi ultrapassada.
O vocabulário comum de terminologias técnicas e científicas previsto no Acordo de 1990 continua por
elaborar, sem perspectivas de que o possa vir a ser nos próximos anos.
Continuam por avaliar os impactos da entrada em vigor do Acordo Ortográfico no sector editorial e livreiro
português, desconhecendo-se por conseguinte as medidas a adoptar pelo Governo português no sentido da
minimização desses impactos.
O processo político do Acordo Ortográfico é um processo marcado pela inércia e pela hesitação.
Apesar da discussão pública do Acordo não ter sido pacífica nem em Portugal nem no Brasil, a verdade é
que não houve por parte de nenhum governo a iniciativa de proceder à renegociação das Bases do Acordo ou
à adopção das correcções necessárias.
Não se conhecem quaisquer iniciativas dos governos portugueses no sentido de identificar os obstáculos à
ratificação do Acordo por todos os Estados membros da CPLP, muito menos de tentativas para que tais
obstáculos fossem ultrapassados.
Ao invés, o Governo português propõe apenas que a Assembleia da República ratifique uma alteração às
condições de entrada em vigor do Acordo com o objectivo de que este possa entrar em vigor mais
rapidamente. Não obstante esta intenção, a proposta de resolução prevê uma moratória de seis anos para a
entrada em vigor do Acordo no território nacional, contrariando a intenção do Segundo Protocolo Modificativo
ao Acordo Ortográfico.
O PCP continua a entender que Portugal não se pode alhear de um processo como este, em que se
promove uma aproximação das normas ortográficas da língua portuguesa. Continuamos a entender que o
Estado português deve assumir as responsabilidades que lhe cabem na elaboração de um Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa que sirva de facto a valorização da língua portuguesa e a sua promoção e difusão no
mundo. Esta exigência impõe, no entanto, que o Governo português assuma a necessidade de uma profunda

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alteração das políticas até hoje seguidas, não só no âmbito cultural mas também no que se refere às relações
com os países de língua portuguesa, aprofundando os laços existentes e promovendo uma verdadeira
cooperação.
Por outro lado, entendemos que o Governo português deve promover a renegociação do Acordo
Ortográfico, procedendo às correcções dos erros e insuficiências existentes, atendendo às críticas feitas ao
longo dos anos por especialistas em linguística, professores universitários, escritores e editores. Tendo em
conta a moratória de seis anos que a presente proposta de resolução prevê, consideramos que o Governo
português dispõe de todas as condições para levar a cabo essa tarefa.

O Deputado do PCP, João Oliveira.

———

A história deste acordo define o teor da sua importância.
Adoptado em 1990, nunca foi possível a sua entrada em vigor e os dois Protocolos Modificativos tiveram
um só objectivo.
Perante as dificuldades e o desinteresse, limpou-se a data e diminui-se o número de Estados necessários à
ratificação para a entrada em vigor do Acordo.
Agora passam a ser só três os Estados que precisam de ratificar o texto para que ele entre em vigor.
Não tenho sobre esta matéria a visão irrealista e superficial que este passo é fundamental à promoção e
defesa da língua e cultura portuguesas. Também não subscrevo as avaliações conspirativas de outros.
Considero que as questões são outras, e essas, sim, parecem-me preocupantes.
Em primeiro lugar, as incorrecções científicas e técnicas do acordo desde 1990, e em nome delas as
decisões erradas.
Em segundo lugar, a facilidade com que o poder político produz legislação com um grau de
desconhecimento de matéria tão especializada e secularmente estudada.
Em terceiro lugar, os conceitos retrógrados, as conservadoras leituras sobre um organismo vivo e com
dinâmicas próprias a que se chama língua, e neste caso a portuguesa
Ficámos a saber que, segundo os responsáveis por este titubeante processo, ele constitui uma estratégia
de expansão e afirmação de poder à escala mundial.
Não querendo traduzir estas afirmações, não posso deixar de as considerar repletas de saudosismo e de
tom imperial.
Considero que a divulgação da cultura e da língua é um dever por parte dos governos e uma necessidade
de cooperação e vivência pacífica entre os povos e que os recursos financeiros nesta área constituem um
importante investimento quer no reforço do ensino do português no estrangeiro, quer no apoio à
internacionalização da criação artística, quer no apoio à divulgação das políticas culturais.
No entanto, estes são objectivos de permanente retórica e sem medidas políticas, essas sim ao dispor dos
governos, para as concretizar. E estes problemas não se resolvem com a uniformização da grafia como diz
Mia Couto.
Quanto às consequências desta ratificação, estou convicta que o futuro dirá da sua inoportunidade em
termos internacionais e da sua negatividade no sistema educativo nacional.
Quanto à aproximação das diversas variantes do português, ao contrário do que é dito, pouco ou nada
acontecerá.
A riqueza linguística que decorre desta diversidade assumida pelos falantes irá de facto continuar e a
consagração das diferenças — na sintaxe — na semântica e no vocabulário terá o seu aprofundamento de
acordo com as dinâmicas dos respectivos povos. E nenhum acordo nem nenhum governo poderá impedir os
percursos naturais da vida das línguas e dos traços essenciais que distinguem as variantes.
Por todas estas razões votei contra.

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Finalmente, o Governo deverá aproveitar os próximos anos para reflectir sobre este Acordo, com dois
objectivos: não lesar um capital simbólico e um património histórico, desfigurando a língua um nome de um
«potencial económico e geopolítico»; não esquecer a língua escrita como factor de coesão social. Só assim
serão limitados os efeitos negativos desta decisão.

A Deputada não inscrita, Luísa Mesquita.

———

Votação, na generalidade, dos projectos de lei n.os 512, 513, 514, 515, 516 e 517/X

1 — É um marco civilizacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), cuja publicação foi
determinada em Portugal (aviso de 19-1-78, in D.R. 1.ª Série, n.º 57, de 9-3-1978) porque, segundo o n.º 2 do
artigo 16.º da Constituição, «os direitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem».
Este documento de âmbito mundial claramente define: artigo 16.º «1 - A partir da idade núbil, o homem e a
mulher têm o direito de casar e de constituir família (…); 3 — A família é o elemento natural e fundamental da
sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado».
Hoje, 15 de Maio, é o Dia Internacional da Família, e o conceito de família deve naturalmente ser este, o
estipulado pela ONU, sempre.
2 — A minha defesa da família tem bases objectivas, fundamentos pluridisciplinares mas não religiosos,
como tenho manifestado, designadamente na Assembleia da Republica, através de várias declarações de
voto. Entre as últimas sobre esta temática destaco a de ontem (projecto de lei n.º 465/X) e as publicadas no
Diário da Assembleia da República, I série, de 8 de Junho de 2007, pp.49 a 51, de 28 de Março de 2008, pp.
38 a 40, de 17 de Abril de 2008, pp. 48 a 51, de 3 de Maio de 2008, p. 52.
3 — Perante as alterações da sociedade, têm-se publicado normas pelas instituições da União Europeia.
Não compreendo como o conceito de família é por vezes diferente do da ONU, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
A título de exemplo, vejam-se: da Comissão Europeia, a comunicação de 10 de Maio de 2007, intitulada
«Promover a solidariedade entre as gerações»; do Parlamento Europeu, as Conclusões do Conselho de Julho
de 2007 sobre a importância das políticas favoráveis à família na Europa e a criação de uma «Aliança para as
Famílias», a qual funcione como plataforma de troca de conhecimentos e perspectivas sobre as políticas a
favor da família na União Europeia.
Como escrevi na referida declaração de voto publicada em 17 de Abril de 2008 (pág. 50): «É fundamental
que, com urgência, aprendamos com os erros dos outros».
4 — Em Portugal, como venho anotando, a situação das famílias apresenta graves problemas, muitos dos
quais de forma crescentemente preocupante, apesar de inovadoras e recentes medidas deste Governo. Por
isso, após pedir autorização superior, me senti no dever ético de apoiar algumas propostas do PSD sobre a
família, votando a favor dos projectos de lei n.os 512, 513 e 516/X, tendo-me abstido quanto aos projectos de
lei n.os 515 e 517X e votado contra o projecto de lei n.º 514/X, esperando que o PS arranje legislação que
apoie mais as famílias, sobretudo as pessoas mais vulneráveis: as crianças, as mulheres, os deficientes e os
idosos, principalmente os mais pobres.
Quanto aos idosos, não posso deixar de sublinhar que, quando é possível, devem passar os últimos
tempos no meio familiar em vez de institucionalizados, pois é essencial nascer, viver e morrer rodeado de
afecto.

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
José Augusto Clemente de Carvalho
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Rita Susana da Silva Guimarães Neves

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP):
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Bloco de Esquerda (BE):
Helena Maria Moura Pinto

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues

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Vitalino José Ferreira Prova Canas

Partido Social Democrata (PSD):
Agostinho Correia Branquinho
José Mendes Bota

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de
11 de Outubro).

Partido Social Democrata (PSD):
Fernando dos Santos Antunes

Partido Popular (CDS-PP):
José Helder do Amaral

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luísa Maria Neves Salgueiro
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel

Partido Social Democrata (PSD):
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Manuel Filipe Correia de Jesus

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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