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Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2008 I Série — Número 28

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE DEZEMBRO DE 2008

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Fernando Santos Pereira
Abel Lima Baptista
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 243 a 245/X (4.ª), da proposta de resolução n.º 116/X (4.ª) e dos projectos de resolução n.os 622 e 623/X (4.ª).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura autorizando a suspensão temporária de um Deputado do PSD e respectiva substituição.
Em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Rosas (BE) manifestou preocupação em relação a um projecto de diploma do Governo relativo ao novo regime jurídico dos bens públicos, que considerou poder originar aluguer ou aquisição privada do património público, designadamente monumental, e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Filipe (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Mota Soares (CDS-PP) salientou os dados publicados pelo INE sobre a pobreza em Portugal, tendo responsabilizado o Governo pelo agravamento das desigualdades sociais. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Maria José Gambôa (PS) e Adão Silva (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado José Soeiro (PCP) culpabilizou o Governo pela situação a que chegou a empresa Pirites Alentejanas SA e pelo consequente despedimento de centenas de trabalhadores, tendo, no final, dado resposta a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Hugo Velosa (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP), Luís Pita Ameixa (PS), Alda Macedo (BE) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Adão Silva (PSD) acusou o Governo de ter rejeitado as propostas do PSD de combate à crise durante a discussão do Orçamento do Estado para 2009 e de, só no passado fim-de-semana, ter aprovado um conjunto de medidas para o investimento e o emprego. Respondeu a pedidos

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de esclarecimento dos Srs. Deputados Maria José Gambôa (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Jorge Machado (PCP).
O Sr. Deputado João Soares (PS), também em declaração política, deu conta do trabalho da Delegação nacional à Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Almeida Henriques (PSD) e José Soeiro (PCP).
Ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República, o Sr. Deputado Jorge Almeida (PS), após ter feito uma resenha histórica sobre as vinhas do Douro, regozijou-se pela construção do edifício sede do Museu de Douro, situado na cidade da Régua, a ser inaugurado no próximo sábado pelo Primeiro-Ministro, José Sócrates.
Procedeu-se a um debate com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre o último Conselho Europeu, e à discussão do parecer da Comissão de Assuntos Europeus, sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado), os Srs. Deputados João Semedo (BE), Maria de Lurdes Ruivo (PS), Diogo Feio (CDS-PP), Umberto Pacheco (PS), Regina Ramos Bastos (PSD) – que, na qualidade de relatora da Comissão de Assuntos Europeus, fez a apresentação do parecer sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009 –, Vitalino Canas (PS), Mário David (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Honório Novo (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Foram ainda debatidos conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.os 452/X (3.ª) — Altera o regime de segredo de justiça para defesa da investigação (alteração ao Código de Processo Penal) (PCP) e 607/X (4.ª) — Altera o Código de Processo Penal - Segredo de Justiça (BE). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Oliveira (PCP), Helena Pinto (BE), Cláudia Vieira (PS), António Filipe (PCP), Luís Montenegro (PSD), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) e Ricardo Rodrigues (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz

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Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira Ferreira Dinis
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Isabel Coelho Santos
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson Madeira Baltazar
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paula Cristina Nobre de Deus
Paulo José Fernandes Pedroso
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato José Diniz Gonçalves
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Zita Barbas Marvão Alves Gomes
António Joaquim Almeida Henriques

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António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado

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Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Helder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 243/X — Aprova a Lei de Defesa Nacional, que baixou à 3.ª Comissão, 244/X — Aprova o Regulamento de Disciplina Militar, que baixou à 3.ª Comissão e 245/X — Aprova a Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas, que baixou igualmente à 3.ª Comissão; proposta de resolução n.º 116/X — Aprova as alterações aos Estatutos do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), adoptadas na X Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Luanda, nos dias 19 e 20 de Julho de 2005, resultantes da adopção da Resolução sobre as alterações aos Estatutos do IILP, que baixou à 2.ª Comissão; e projectos de lei n.os 622/X — Programa de ensino multilingue nos estabelecimentos de ensino público (BE), que baixou à 8.ª Comissão e 623/X — Altera o regime de acesso às pensões de invalidez e velhice pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA, e consagra o direito de acesso a todo o tempo a uma indemnização emergente de doenças profissionais (BE).
Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, dou conta de um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura no sentido de autorizar, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Deputados, por um período não inferior a 50 dias nem superior a 10 meses, com efeitos a partir de 18 de Dezembro de 2008, inclusive, a suspensão temporária do mandato do Sr. Deputado António Montalvão Machado (PSD), círculo eleitoral do Porto, sendo substituído pela Sr.ª Deputada Ana Zita Gomes.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

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Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar ao período de declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fala o projecto de lei do Governo, que agora circula, acerca do regime dos bens que integram a memória colectiva, de se pretender encontrar o «equilíbrio entre protecção e rentabilização» — estamos a falar do Mosteiro dos Jerónimos, do Mosteiro de Alcobaça, da Torre de Belém (para percebermos do que estamos a falar) —, por forma a garantir «uma autêntica comercialidade de direito público» que responda às «novas exigências económicas e sociais que apontam no sentido da rentabilização do domínio público» e de uma «riqueza colectiva a explorar».
As citações que acabei de ler não são da minha autoria, evidentemente. Fazem parte do preâmbulo do novo regime jurídico dos bens públicos proposto pelo Governo. Eu diria que as intenções demonstradas pelo resto do texto são ainda mais perturbantes.
Sr.as e Srs. Deputados, que ninguém tenha dúvidas, como bem assinalam neste momento, alarmadamente, quase todos os agentes culturais que tomaram conhecimento deste projecto. Com esta lei, está oficialmente aberta a corrida à gestão, aluguer ou aquisição privada do património público, designadamente monumental, incluindo, portanto, os principais monumentos e emblemas nacionais.
Já sabíamos que, sempre que possível, a doutrina do Governo é a de entregar a gestão dos recursos públicos à gestão privada, que concessiona o futuro desses serviços a empresas que os vão gerir quase até ao fim do século. Mas o que não pensávamos que fosse possível, apesar de tudo, e daí o espanto, perante esta proposta de lei, que partilhamos com grande parte dos meios culturais portugueses, é que o Governo tivesse o desplante e o topete de se lembrar de privatizar o passado e a memória histórica de uma nação e de um povo. É isso, e nada menos do que isso, que está em causa.

Aplausos do BE.

Ao estabelecer a dissociação — reparem bem — entre propriedade e poderes de domínio, esta proposta propõe a submissão do «património público à propriedade privada, mas mantendo sobre ele um vínculo real de destinação pública». Por outras palavras, o Estado continua a definir os monumentos e edifícios que são merecedores de serem encarados como património público e monumento nacional, independentemente de poderem vir a ser propriedade pública ou privada, ou até geridos privadamente por um concessionário.
Em declarações a um jornal diário, José Aguiar, presidente de um organismo consultor da UNESCO, reconhece que o mote desta lei é «alienar» o património. É uma alteração de paradigma. O património histórico do País deixa de ser encarado como a memória histórica e simbólica de uma nação, defendida e garantida no domínio público, mas como uma mercadoria gerível comercialmente como qualquer outra, transaccionável através dos normais mecanismos de mercado.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Se, como reconhece a própria lei, a gestão do património histórico passar a ser feita em nome das «novas exigências económicas e sociais que apontam no sentido da rentabilização do domínio público» — e estou a falar, Sr.as e Srs. Deputados, de domínio público enquanto monumentos nacionais, tais como o Mosteiro dos Jerónimos, o Mosteiro de Alcobaça, o Mosteiro da Batalha, a Torre de Belém —, cedo percebemos que esta proposta é a receita certa — e estou a medir as palavras que uso — para o maior crime alguma vez efectuado contra a defesa da história e do património colectivo de Portugal.

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Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sempre em nome do que o Governo define como «riqueza colectiva a explorar», é só esperar o dia em que um ministro da cultura com mais jeito para o negócio — e isto é teoricamente possível ao abrigo desta lei — se lembre de entregar a Torre de Belém a uma discoteca, os claustros dos Jerónimos para uma empresa fazer a exposição do último padrão dos seus cortinados, o mosteiro de Alcobaça, como um publicista há dias sugeria, para um hotel de charme e o Palácio da Ajuda, onde jaz um ministério falido e politicamente moribundo, a uma qualquer consultadoria de negócios privados.

Aplausos do PS.

Argumentará o Governo, e a bancada que o suporta, que os exemplos são disparatados e que ninguém de bom senso se lembrará de tal ultraje à memória colectiva. Talvez, mas, Sr.as e Srs. Deputados, as leis não devem ser redigidas a pensar no bom senso de quem as aplica, mas nas possibilidades que entreabrem, nomeadamente a quem não tem bom senso. E essas, «preto no branco», são aquelas que aqui avançámos, sem sombra de dúvida.
Se todo o texto é claro nas possibilidades de rentabilização económica proporcionadas pela alienação do património público, não deixa de ser merecedor da maior preocupação que a gestão do seu estatuto seja confiada a um ministério, como o da Cultura, cujo próprio Ministro reconhece estar falido depois de sucessivos anos de desinvestimento e má gestão dos seus antecessores, como foi o caso do actual Ministro Augusto Santos Silva.
De acordo com o programa que o Partido Socialista levou a votos, o actual Governo propunha no seu Programa «retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram» e «reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento do Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo.» Isto é de fazer rir! Com o PS, o orçamento para a cultura não subiu; desceu, e desceu muito! Não só nunca chegou a 1% do Produto, de que falava o programa eleitoral, como passou de 0,7 para 0,2%! Para quem ia investir na cultura, o seu orçamento é hoje três vezes menor do que há três anos e não representa mais do que 20% do valor que o PS prometeu aos eleitores.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Apesar da forte concorrência, poucas promessas do Governo se revelaram mais falaciosas que a do reforço do investimento na cultura.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei há-de ser esquecida antes de acabar a sua discussão pública. O Governo tem de ouvir as vozes, as organizações e as personalidades que, de todos os quadrantes, se têm insurgido contra este projecto, que é um projecto contra o património, contra a memória e, já agora, contra a dignidade do País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, a questão que aqui traz hoje a Plenário — e por isso o felicito — faz-me lembrar uma pequena história relacionada também com o Parlamento.
Há uns anos atrás, um Deputado do Partido Socialista — mas isso não vem ao caso —, que já não é Deputado há muitos anos, foi motivo de chacota pública, porque um jornal regional, no «dia das mentiras», ou seja, no dia 1 de Abril, publicou uma notícia, segundo a qual a janela da Sala do Capítulo do Convento de

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Cristo, de Tomar, ia ser vendida aos japoneses. Ele acreditou e fez um requerimento. Obviamente, foi motivo de chacota pública.
Sr. Deputado, creio que a realidade começa a aproximar-se perigosamente da ficção. Aquilo que há uns anos atrás foi quase unanimemente considerado motivo de chacota, começa hoje a preocupar-nos muito seriamente. Não propriamente a janela da Sala do Capítulo do Convento de Cristo, que é difícil de levar dali, mas os exemplos que aqui nos trouxe, relativamente aos quais é muito preocupante que possam vir a tornarse realidade. E eles, efectivamente, são possíveis, nos termos do projecto legislativo governamental que por aí circula.
Por isso, em nome da bancada do PCP, quero associar-me à preocupação que aqui expressou pela possibilidade de monumentos nacionais, monumentos importantíssimos para a nossa História, para a nossa memória colectiva, poderem vir a ser entregues à exploração de entidades privadas e sujeitos a uma lógica comercial que nada tem a ver, rigorosamente, com a necessidade de preservação desse riquíssimo património.
Portanto, Sr. Deputado, estranhando até sermos nós os únicos a formular um pedido de esclarecimento perante uma questão que devia preocupar a generalidade das bancadas desta Càmara,»

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — » não quero deixar de associar a bancada do PCP á preocupação que aqui expressou com a preservação do nosso património histórico e dos nossos monumentos nacionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Fernando Rosas, responde individualmente a cada pedido de esclarecimento?

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Havendo mais, Sr. Presidente, respondo individualmente.

O Sr. Presidente: — Então, como só há um pedido de esclarecimento, tem a palavra, Sr. Deputado Fernando Rosas.

Risos do BE.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, começo por lamentar, sinceramente, que o Partido Socialista não tenha contribuído, neste debate, com um mínimo de esclarecimento que pudesse sossegar a angústia das nossas consciências.

Protestos do PS.

Ou a consciência lhes pesa muito ou não sabem o que hão-de dizer, mas, em qualquer dos casos, adensase a nossa preocupação com o facto de o Partido Socialista nada ter a dizer sobre este assunto.
Sr. Deputado António Filipe, antes de mais, agradeço o seu pedido de esclarecimento. A janela da Sala do Capítulo do Convento de Tomar, ao abrigo do projecto legislativo do Ministro da Cultura, não pode ser vendida, mas pode ser alugada. E, provavelmente, é uma sugestão a fazer: alugar a janela ao Ministro da Cultura, para que possa lá ficar a espreitar a «obra» em que vai precipitar os monumentos nacionais.
Quero, aliás, salientar o seguinte, Sr. Deputado: isto não é tão distante e tão absurdo como parece, porque o Cristo Rei, neste Natal, aparece com uma grande saia azul da Samsung.

Vozes do BE: — Exactamente!

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Ao abrigo da tal proposta de lei, qualquer agente comercial pode fazer uma manobra comercial do género na Torre de Belém ou no Mosteiro dos Jerónimos, colocando lá a sua

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publicidadezinha para rentabilizar a coisa. É contra esta infâmia, esta pouca vergonha relativamente ao património nacional, ao património cultural, que digo aos Srs. Deputados o seguinte: provavelmente, a maioria de vós ainda não tomou conhecimento deste diploma, mas leiam-no, estudem-no e verifiquem se não existe razão para a indignação que sinto com o que se prepara contra o património cultural do País.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os dados publicados pelo INE sobre o risco de pobreza em Portugal devem merecer de todos nós uma séria e profunda reflexão: quase 2 milhões de pessoas vivem com menos de 379 € por mês. Esta ç uma pobreza que não afecta só os que eram, tradicionalmente, os mais desprotegidos, como os idosos, os doentes e os excluídos, mas atravessa hoje uma nova realidade, que é a dos «novos pobres».
Os «novos pobres», em Portugal, são, muitas vezes, trabalhadores, gente que trabalha 8 horas por dia, 40 horas por semana, que vive só do seu salário, sem receber qualquer prestação social e que, ao mesmo tempo, se vê incluída nos números da pobreza.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Ao mesmo tempo que a pobreza cresce, aumenta também o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, sendo que 20% dos portugueses concentram em si 80% da riqueza nacional.
Podemos, certamente, apresentar vários factores para este atraso: a baixa taxa de qualificação dos trabalhadores, mas também dos empregadores; as altas taxas de abandono escolar; o laxismo de um sistema de educação que não ensina para o mérito e para a capacitação profissional; a baixa taxa de produtividade; a obesidade de um Estado que gasta cerca de metade da riqueza que é produzida no País. O que, certamente, não podemos esquecer é que a responsabilidade primeira é sempre de quem governa, é sempre de quem está no Governo, é sempre de quem toma as opções e estabelece as prioridades.

Aplausos do CDS-PP.

O Partido Socialista, que tanto gosta de falar da sua consciência social, fica marcado — diz-nos a frieza dos números — como o Governo em que o combate à pobreza e às desigualdades estagna, em que a situação de vida dos que são mais pobres e desfavorecidos se agrava.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — É verdade!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — A taxa de risco de pobreza, que, nos anos de 2003 a 2005, vinha sendo reduzida, pouco, mas reduzida, estagnou em 2006, mantendo-se nuns inquietantes 18% do total da população.
De 2003 a 2005, a primeira prioridade da política social da anterior maioria foi a de aumentar as pensões mínimas de reforma,»

Aplausos do CDS-PP.

» permitindo que quem, na altura, recebia menos de 179 € fosse aumentado em cerca de 35 € em dois anos.
Foi, certamente, pouco — dirão muitos! —, mas a verdade ç que este aumento ficou muito acima dos 13 € de aumento que, em igual período de tempo, o Partido Socialista concedeu aos pensionistas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E mesmo a criação de um complemento solidário para idosos, que nós, em teoria, não questionamos, revela-se, na prática, incapaz de combater a desigualdade e a pobreza mais profunda. Foi no ano da sua criação, em 2006, que a descida da taxa de pobreza parou, verificando-se, pela primeira vez, em muitos anos, uma divergência com o aproximar da média europeia, que tinha vindo a ser conseguido nos anos anteriores. É esta a maior injustiça social que o Primeiro-Ministro se recusa a aceitar e a reconhecer!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Entre as pensões mínimas, as pensões sociais, as pensões de invalidez e as próprias pensões abaixo do limiar da pobreza (379 €), existem, em Portugal, quase 2 milhões de portugueses que tiveram, este ano, um aumento de 2,4% das suas pensões, o que não só é o mais baixo aumento de pensões da nossa história democrática como, pela primeira vez, um aumento de pensões abaixo da taxa de inflação.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Estes portugueses, para o Governo do Partido Socialista, são, muitas vezes, «invisíveis», porque não cortam estradas, porque não fazem manifestações, porque não têm capacidade reivindicativa. Por isso, ano após ano, são esquecidos pelo Governo no que respeita aos aumentos das suas pensões.
Pior: com a nova fórmula de cálculo e de aumento das pensões, os pensionistas, que, geralmente, eram aumentados em Dezembro, recebendo um pouco mais neste mês e um pouco mais no subsídio de Natal, viram-lhes retirada a pequena «alegria» que tinham na quadra natalícia. O Estado não tem ganhos significativos com este adiamento. E este adiamento, para Janeiro, só serve para demonstrar a má consciência do Partido Socialista nesta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

E é pena! É pena, porque quem mais sofre é quem menos tem e, este ano, os pensionistas vão ter, novamente, um Natal mais triste.
Aliás, é curioso que o Sr. Primeiro-Ministro, ontem, anunciasse um aumento de cerca de 3% do complemento solidário para idosos e ainda hoje não saibamos qual vai ser, em Janeiro, o aumento das pensões dos portugueses, que são cerca de 2 milhões e que vivem em grande dificuldade.

Aplausos do CDS-PP.

Mais ainda: a má consciência do Partido Socialista não se vê apenas nesta matéria. Num ano de crise social e económica, são os desempregados que, também em 2009, vão pagar o preço mais alto desta factura social. Quando o CDS, nesta Câmara, propôs o aumento do subsídio de desemprego para quem tinha menos e, acima de tudo, para as famílias em que ambos, marido e mulher, estavam no desemprego, a resposta do Governo do Partido Socialista, através do Sr. Ministro Vieira da Silva, foi, e passo a citar, a seguinte: «As opções que defendem não são as nossas, não são as que defendo. Têm de considerar e saber viver com isso». Vê-se! Vê-se mesmo! E vê-se que a opção do Partido Socialista é diferente da nossa! Para o Partido Socialista, que anunciou, com pompa e circunstância, o aumento do subsídio de desemprego, o que quer dizer com isto é que o subsídio que vai ser aumentado não é o de desemprego mas o subsídio social de desemprego, que é consideravelmente menor. Aliás, nem sequer é o subsídio social de desemprego, porque são apenas 60% do subsídio social de desemprego.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Nuno Teixeira de Melo.

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradeço-lhe que termine.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Para terminar, Sr. Presidente em exercício, que cumprimento daqui, desta bancada, hoje, a verba normal do subsídio social de desemprego ç de 418 € para um desempregado. O que o Partido Socialista se propõe pagar, normalmente, são 251 €, ou seja, menos 130 € do que está, hoje, proposto na lei. É esta a consciência de um partido que se diz popular!» Popular nos grandes interesses, popular na propaganda, popular, certamente, na forma como condiciona a informação, mas não popular junto dos portugueses e, acima de tudo, não popular junto de quem mais sofre.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, em primeira instância, quero agradecer-lhe o contributo do tema que traz a este debate. Efectivamente, a questão da pobreza não é uma questão menor no nosso País.
Ontem, assistimos a um exercício lamentável de retórica, por parte do Sr. Primeiro-Ministro, que ficou contente com a descida de uma décima de um índice internacional. Esqueceu-se de referir que, no âmbito da Europa a 27, só há um país, salvo erro a Estónia, que tem uma desigualdade maior na distribuição da riqueza do que Portugal, pelo que Portugal continua a ser o campeão, a nível europeu, da injustiça social e dos desequilíbrios na distribuição da riqueza, que é uma questão central para combater os fenómenos da pobreza.
E este é um facto que importa salientar: não há política activa de combate à pobreza que não passe por uma melhor distribuição da riqueza.
Importa aqui referir que 85% dos nossos reformados vivem com menos de 360 €. Estamos a falar de um universo de 1,9 milhões de reformados, sendo que, destes, 1,5 milhões recebem menos de 360 €, incluindo a pensão social, a dos trabalhadores agrícolas e outras pensões menores.
Portanto, em face deste universo, em que 85% dos reformados têm menos de 360 €, os desempregados têm dificuldades para viver e a cada vez mais trabalhadores o salário não chega para compensar o aumento do custo de vida, a pergunta que lhe deixo é a seguinte: o que é que o CDS está disposto a fazer? É que, até agora, esteve ausente deste debate e das propostas em concreto para melhorar a distribuição da riqueza! Está disposto a aumentar os salários e as pensões de uma forma digna? Da parte do CDS, aquilo a que se tem assistido é a muita retórica quando está na oposição, mas quando está no exercício de funções governativas não dá os passos necessários para melhorar a distribuição da riqueza, assumindo, antes, o fenómeno da sua concentração como algo inevitável e saudável, numa perspectiva clara de mercado neoliberal.
Coloco-lhe, pois, a seguinte questão: onde esteve o CDS, até agora, nas questões centrais da distribuição da riqueza e do aumento dos salários e das pensões, que são absolutamente fundamentais para termos uma sociedade mais justa? Esteve ausente»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — » e, agora, recupera este tema para fazer o seu «número» eleitoral.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — A Mesa tem a indicação do Sr. Deputado Pedro Mota Soares de que pretende responder, individualmente, a cada um dos pedidos de esclarecimento, pelo que tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, antes de mais, agradeço a sua pergunta, porque espero, de uma vez por todas, conseguir explicar uma coisa à bancada do Partido Comunista Português.

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A opção do CDS sempre foi, na oposição e no Governo, a de dar mais a quem mais precisa e estar mais perto de quem menos tem. E, para nós, quem menos tem são os pensionistas da pensão mínima, gente que trabalhou toda uma vida e que, no final da sua vida, se viu confrontada com uma pensão de reforma de 179 €, que era o que sucedia quando assumimos funções governativas especialmente nesta área. A verdade é que, em cerca de dois anos, também pela responsabilidade de pessoas do CDS, que desempenharam funções nesta área, foi possível estabelecer um princípio de convergência entre o salário mínimo nacional e a pensão mínima. E isto teve uma resposta efectiva: a pensão mínima subiu 35 €! Quando o CDS deixou de ter funções governativas nesta área, a pensão mínima de reforma chegava aos 223 €. Este foi um aumento real, uma melhoria real nas condições de vida de cerca de meio milhão de portugueses que viviam com a pensão mínima, com a pensão social, com a pensão do regime rural. Aplausos do CDS-PP.

São aumentos reais na vida destas pessoas, muito acima da taxa de inflação da altura.
Mas, nós, mesmo na oposição, nunca esquecemos estas pessoas. Sei que estas pessoas têm sido esquecidas — certamente o Sr. Deputado concorda comigo — pela acção do Partido Socialista. Estes são os portugueses que se sentiram penalizados na compra de medicamentos quando lhes retiraram a majoração dos genéricos; estes são os portugueses que, quando tinham pensões de reforma de cerca de 500 €, passaram a ter de pagar IRS; estes são os portugueses que viram o Partido Socialista não só terminar a convergência, mas, acima de tudo, terminar a possibilidade de aumento real, neste Orçamento do Estado, da subvenção para 250 €, retirando esse dinheiro ao rendimento social de inserção, tal como o CDS-PP propôs nesta Câmara e o Partido Socialista chumbou.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, quero cumprimentar o Sr. Deputado Mota Soares e referir algumas questões.
O Sr. Deputado reedita, hoje, uma reflexão que foi feita ontem, durante toda a tarde, pelo Sr. PrimeiroMinistro de Portugal. O Sr. Deputado apresenta um conjunto de números que, ontem, passaram aqui perante todos nós, e traz a informação de que a pobreza baixou pouco. É mesmo verdade que a pobreza baixou pouco. Infelizmente, a pobreza baixou pouco em Portugal, Sr. Deputado, mas baixou, e isso é que é importante!

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado trouxe-nos uma informação sobre alguns portugueses, aqueles que, no tempo do fascismo, passaram muita fome e que não tinham salários nem descontos para a segurança social e que, hoje, são os grandes retratos das pensões baixas em Portugal. É verdade, Sr. Deputado, é mesmo verdade! Mas também é verdade que o Partido Socialista tem procurado combater a pobreza em contexto preventivo. Fazemos, hoje, da escola o principal espaço de luta contra a pobreza do futuro, a pobreza dos jovens e das crianças portuguesas, porque acreditamos que é na escola que se pode vencer a batalha contra a pobreza, pela qualificação académica e profissional.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, há muito pouco tempo, aquando da reforma da segurança social, Portugal conseguiu, pela primeira vez, um acordo quanto ao salário mínimo nacional entre todos os representantes dos trabalhadores portugueses, dos patrões e do Governo. Temos, hoje, um salário mínimo com a dignidade de salário mínimo, não dependente nem das opções políticas, nem de calendários eleitorais, nem de qualquer outro indicador. É a maior forma de luta contra a pobreza, Sr. Deputado! É isto que o Partido Socialista sabe fazer por todos os portugueses!

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente Sr.ª Deputada Maria José Gambôa, há um ponto relativamente ao qual, infelizmente, não posso estar de acordo consigo. Não é por não gostar do seu discurso, mas porque a frieza dos números do Instituto Nacional de Estatística desmente-a.
Sr.ª Deputada, vou dar-lhe conta da evolução da taxa de risco de pobreza em Portugal: de 2003 para 2004, com convergência das pensões, a pobreza caiu; de 2004 para 2005, com convergência das pensões mínimas nacionais ao salário mínimo, a pobreza caiu; de 2005 para 2006, que foram anos da responsabilidade do Partido Socialista, sem convergência de pensões, com complemento solidário de idosos, não desceu, manteve. Portanto, a Sr.ª Deputada pode, de uma forma muito enérgica, dizer que baixou, mas, infelizmente, os números desmentem-na — não sou eu que a desminto, é o Instituto Nacional de Estatística.
Sr.ª Deputada, não me custa falar do futuro; falarei do futuro com a Sr.ª Deputada as vezes que quiser.
Mas, ontem, nesta Câmara, quando o Presidente do meu partido, Dr. Paulo Portas, perguntou ao Sr. PrimeiroMinistro se ele estaria ou não disposto a ajudar à construção de cozinhas económicas, essenciais para matar a fome de muitos milhares de portugueses, essenciais para ajudar muitos milhares de portugueses a chegarem ao fim do dia um pouco melhor, o Sr. Primeiro-Ministro de Portugal riu-se!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Não se riu, não!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Isso é que me custa, Sr.ª Deputada! Isso é que considero inaceitável e de uma má consciência social.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Nós não somos partidários da caridade!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, ser um partido popular é pôr no centro das preocupações quem mais sofre. E quem mais sofre não são as novas gerações, que daqui a muitos anos terão certamente uma melhor vida, mas sim quem, hoje, em Portugal, tem mais dificuldades, quem, hoje, em Portugal, está a ser excluído, quem, hoje, em Portugal, muitas vezes chega ao final do dia fazendo só uma refeição. É para esses que, hoje, os nossos olhos e a nossa acção se devem dirigir. E esses recebem da boca do Sr. Primeiro-Ministro não palavras nem actos, mas sorrisos, o que não aceito, como espero que a Sr.ª Deputada também não aceite.

O Sr. Presidente: — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, cumprimento-o pela sua intervenção e começo por referir que o PSD sente e pensa que, ontem, o Sr. Primeiro-Ministro não tinha tanta razão assim para se ufanar com os números da taxa de risco de pobreza, porque, bem vistas as coisas, entre 2005 e 2006, a taxa de risco de pobreza não baixou, estagnou, parou! Por outro lado, o Sr. Deputado, na sua intervenção, que ouvimos com muita atenção, fez uma correlação entre a taxa de pobreza e as transferências sociais, concretamente pensões.
Percebemos que a taxa de risco de pobreza, em Portugal, antes das transferências sociais, é de 40% e, depois das transferências sociais, fica em 18%, contribuindo as pensões em 16% para esta redução da taxa de pobreza.
Por isso, sabendo que este Governo mexeu no cálculo das pensões em 2006 e 2007, faço uma pergunta ao Sr. Deputado um pouco numa lógica de desafio.
Sabendo que, em 2008, as pensões vão crescer largamente abaixo da inflação, pergunto o que é que poderemos esperar, em 2008, em termos de redução da taxa de pobreza.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, antes de mais, agradeço a sua questão.
O Sr. Deputado tem uma enorme experiência, um enorme conhecimento destas matérias e, certamente, não tem uma dificuldade que, infelizmente, o Primeiro-Ministro de Portugal continua a ter: é que o Sr. PrimeiroMinistro de Portugal continua a não saber ler os quadros do INE e a não perceber que, quando se fala do risco de pobreza em 2007, estamos a falar dos dados do ano anterior, isto é, de 2006. Todos nos lembramos que, no ano passado, o Sr. Primeiro-Ministro veio, muito ufanamente, demonstrar um enorme contentamento porque o complemento solidário de idosos estava a baixar a taxa de pobreza em Portugal, esquecendo-se que estava a falar do ano de 2004, em que não existia complemento solidário de idosos.
Portanto, o desagravamento da taxa de pobreza deveu-se, única e exclusivamente, à convergência das pensões de reforma com o salário mínimo.
Como é óbvio, o Sr. Deputado, sendo atento e informado nestas matérias, não tem a dificuldade que o Sr.
Primeiro-Ministro tem, colocando exactamente o «dedo» numa das maiores «feridas» na ausência de consciência social do Partido Socialista, que é a nova fórmula de cálculo e de aumento das pensões de reforma.
Os pensionistas da pensão mínima, que são quem menos tem e que são os mais numerosos, pela primeira vez em muitos anos não têm a expectativa de ver a sua vida melhorar, de ver a sua pensão de reforma subir um pouco acima da inflação, porque estão condenados, de acordo com a fórmula de cálculo do Partido Socialista, a ficarem todos os anos pelo menos ao nível da inflação, e nalguns casos, como este ano, ficaram mesmo abaixo da inflação. Esta é a maior injustiça que podemos fazer a estas pessoas.
Vemos, muitas vezes, o Partido Socialista a atribuir (e, se calhar, neste caso, o Sr. Deputado já não concorda comigo), e mal, muito dinheiro ao rendimento social de inserção, a pessoas que podiam e deviam estar no mercado de trabalho, quando devi estar a dar este dinheiro a quem menos tem, a quem não tem capacidade de trabalho e a quem, passados muitos anos de trabalho, se vê na contingência de receber pouco mais de 200 € por mês.
Esta é uma pecha social do Partido Socialista. Espero que, em 2009, com uma nova maioria, com diferentes maiorias, se possa retomar um caminho de justiça e de igualdade social.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há apenas sete meses, José Sócrates e Manuel Pinho apontavam aos portugueses a Lundin Mining como o exemplo de modernidade capaz de «competir na economia global e fazer aquilo que é necessário ao País». E proclamavam, confiantes, que «esta mina trouxe investimento, deu trabalho e vai contribuir para aumentar as exportações» nacionais.
João Carrelo, vice-presidente da Lundin Mining, garantia que a a empresa Pirites Alentejanas SA iria trabalhar pelo menos durante 10 anos, iria haver mais investimento e mais emprego, porque o grupo estava apostado na exploração mineira em Portugal.
Na Pirites trabalhavam então 980 trabalhadores.
A 13 de Novembro, cinco meses depois, sem qualquer pré-aviso aos trabalhadores, aos seus legítimos representantes ou à autarquia de Aljustrel, foi feito o anúncio brutal e com efeitos imediatos: a Pirites Alentejanas parava nesse mesmo dia a sua laboração e ao seu serviço iriam ficar apenas algumas dezenas de trabalhadores para assegurar a sua manutenção.
Quem aceitasse a brutal decisão e rescindisse o contrato nos sete dias imediatos receberia três meses de salário; quem o não fizesse seria despedido a partir de 20 de Novembro, sem qualquer direito.

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A esta chantagem inqualificável, a este prepotente e efectivo despedimento colectivo, ainda que encapotado, chamou ontem o Sr. Ministro da Economia «rescisões amigáveis», afirmando não se ter verificado qualquer despedimento.
Que vergonha, Sr.as e Srs. Deputados, ouvir um Ministro de um Governo que se diz socialista dizer uma tal barbaridade. Vergonha que devia fazer corar o Grupo Parlamentar do PS, que tanto aplaude um Ministro que há muito devia ter sido afastado da governação. Em nossa opinião, um Ministro que assim fala não reúne condições para governar. Assim tivessem José Sócrates e o PS um mínimo de respeito pelos trabalhadores, pelos seus direitos, problemas, pelas suas dificuldades e outra seria a sua posição.
Mas mais grave ainda: todo o Governo foi e é cúmplice neste nebuloso e revoltante processo. O Governo sabia há meses tudo o que se estava a passar, sabia que isto ia acontecer e escondeu-o deliberadamente dos principais interessados. Permitiu que a Lundin Mining despedisse centenas de trabalhadores, e tentou ontem, com a cumplicidade de alguns Deputados Partido Socialista, vender-nos a imagem de um Governo que encontrou de imediato uma solução, como se esta fosse a única e a boa solução, como se não fosse o Governo o principal responsável por todo este escabroso processo.
Que hipocrisia a do Ministro dito do Trabalho e da Solidariedade Social ir «dar palmadinhas nas costas» dos mineiros, quando já sabia há meses o que se estava a passar e nada fez para o impedir. Palmadinhas nas costas?! «Punhaladas nas costas», «punhaladas» nos mineiros e na população de Aljustrel.
O que dizer da milagrosa solução agora encontrada e cujos contornos estão longe de estar esclarecidos? Vejamos! No dia 13 de Novembro, o Ministro Manuel Pinho afirmava que havia um «grupo internacional» de investidores «muito interessado» na compra da Pirites. José Sócrates confirmou-o, mas já o Governador Civil de Beja avançava, no dia 14 de Novembro, o nome do Grupo Martifer, dos irmãos Martins, onde trabalha hoje o ex-Director da Direcção-Geral da Energia e Geologia, Miguel Barreto. Por sua vez, o Presidente da Martifer, Carlos Martins, desmentia, no mesmo dia, a compra, afirmando que o sector mineiro não fazia parte «do seu core business», mas assumindo que «esteve nas instalações da Pirites», algumas semanas antes, «para analisar a compra da empresa».
No dia 5 de Dezembro, depois de muito secretismo, Manuel Pinho foi a Aljustrel anunciar que o grande negócio era feito com a MTO, empresa dos irmãos Martins, do Grupo Martifer, onde a Mota Engil é dominante.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Cá está a Mota Engil!

O Sr. José Soeiro (PCP): — A isto é que se pode chamar, com toda a propriedade, «tirar um grande coelho da cartola». Ora, naturalmente, pensamos que isto exige clarificação.
O Sr. Ministro jurou, ontem, a transparência de todo o processo, mas a verdade é que o processo se torna cada vez mais nebuloso e opaco, com a recusa, mais uma vez, da entrega dos documentos requeridos pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Se tudo está tão claro e transparente, se tudo está na Internet, porquê esta fuga à entrega da documentação, relativa aos negócios do Estado com a Eurozinc, envolvendo a Pirites e a Somincor? Porquê invocar a existência de cláusulas de confidencialidade — e isto é uma novidade —, que não permitirão a sua entrega aos Deputados da Assembleia da República? Porquê o silêncio face às pertinentes perguntas que ontem lhe foram colocadas? Afinal, o que esconde o Governo de tão grave para não dar a documentação relativa a todos estes negócios? Porquê esta fuga ao controlo e fiscalização democrática da Assembleia da República dos negócios do Governo, envolvendo recursos públicos? Só uma de duas conclusões se pode retirar: ou a aceitação de compromissos espúrios e inconfessáveis, em que não queremos acreditar, ou a incompetência e a gestão negligente e danosa dos recursos do País.
Se havia compromissos da Lundin Mining de criar 250 postos de trabalho directos e 450 indirectos, como foi repetidamente afirmado, se havia compromissos de manter a laboração por um mínimo de 10 anos, como veio a público, se havia compromissos de investimentos e por isso beneficiou de facilidades e contrapartidas financeiras do Estado português, e se rompeu arbitrariamente com todos estes compromissos, o Governo nunca poderia ter uma postura subserviente e cúmplice, como a que está a verificar-se até ao dia de hoje, face à multinacional Lundin Mining.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Está sempre de cócoras!

O Sr. José Soeiro (PCP): — O cabal esclarecimento de tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, continua a imporse! Os interesses dos trabalhadores e do País assim o exigem.
Pela nossa parte, tudo faremos para que a verdade seja conhecida.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Inscreveram-se cinco Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. O Sr. Deputado José Soeiro pretende responder em conjunto?

O Sr. José Soeiro (PCP): — Não, Sr. Presidente. Responderei a cada Sr. Deputado individualmente.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, quero felicitá-lo pela sua intervenção. Sinceramente, gostei muito da expressão «tirar um coelho da cartola», porque realmente este processo da Pirites Alentejanas é algo de muito interessante. É tão interessante que este é o verdadeiro paradigma da actuação deste Governo e, sobretudo, do Ministro da Economia: apareceu, com o Sr. PrimeiroMinistro ao seu lado, há alguns meses, para anunciar, com pompa e circunstância, a chegada dos canadianos para explorar a Pirites Alentejanas; mas, depois, fez pior, pois, quando as coisas correram mal e os canadianos se piraram — não sei se por causa das pirites e da cotação do zinco» —, o Sr. Ministro da Economia voltou a dizer, com pompa e circunstância, que os postos de trabalho estão assegurados e a exploração das minas garantida.
Ora, bastava ter estado, ontem, presente no debate na Comissão de Economia, para se verificar que as dúvidas do Sr. Deputado José Soeiro — e o PSD, aqui, é insuspeito de ter os mesmos objectivos na forma como quer analisar esta situação, apesar de, em muitos dos aspectos, estar de acordo com aquilo que o Sr. Deputado aqui veio dizer — tinham fundamento.
É que o Sr. Ministro da Economia não deu qualquer garantia quanto ao futuro da exploração daquelas minas ou da mina do Gavião.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Aliás, interrogado sobre o que ia acontecer em relação à nova holding, a MTO, que vai explorar aquelas minas, e como ç que ia ser em relação á mina do Gavião» Enfim, parece que todos sabemos que para qualquer empresa ter também interesse em explorar e fazer um grande investimento na mina do Gavião, terá de esperar muitos anos para conseguir tirar algum proveito da exploração dessa mina.
Portanto, a questão que aqui se coloca é muito clara, e é esta: o Sr. Ministro da Economia, nesta como noutras questões, tenta enganar tudo e todos. Quando vem ao Parlamento, tenta deturpar as palavras dos Deputados de todos os grupos parlamentares, como ainda ontem fez,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — » e denota uma falta de respeito para com os Deputados em relação ao direito da Assembleia da República de fiscalização dos actos do Governo.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Agradeço que termine, Sr. Deputado.

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O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Assim sendo, a questão que lhe deixo, Sr. Deputado, é esta: após essa audição, o senhor ficou com alguma garantia de que estão assegurados os postos de trabalho em relação quer às minas de Aljustrel quer à exploração da mina do Gavião? Esta é a questão fundamental em relação à qual o Sr. Ministro não nos deu quaisquer garantias, pelo que vamos continuar a ouvir propaganda, e nada mais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hugo Velosa, agradeço-lhe a questão colocada, que julgo ter toda a pertinência. De facto, questionado por diversas vezes quanto àquilo que seriam os compromissos que anunciou, em Aljustrel, no dia 5 de Dezembro, designadamente que estavam salvaguardados os postos de trabalho existentes na Pirites Alentejanas, o que o Sr. Ministro disse não corresponde à verdade. Desde logo, porque quem quiser analisar as declarações do Sr. Ministro Manuel Pinho, verificará que ele fala em 200 postos de trabalho e o número que aqui referi, dado pelo Sr. Ministro da Economia, é de 980 postos de trabalho, existentes na Pirites no início do ano de 2008. Logo, de 200 para 980, faltam muitos postos de trabalho.
Mais grave ainda, como o Sr. Deputado disse, é que não foi dada uma data para o começo dos trabalhos.
É que a entrega da mina do Gavião pressupõe a abertura de galerias, o que levará, pelo menos, dois anos a efectivar para se conseguir chegar à jazida — dois a três anos foi, aliás, o que Sr. Ministro disse.
Portanto, estamos aqui perante uma situação, em que não é claro o seguinte: qual foi o acordo firmado com a MTO? Quais são os compromissos da MTO em relação aos postos de trabalho? Quando é que vão efectivar-se as readmissões? Também não sabemos o que vai ser o futuro com a MTO. Nós perguntámos» E esperamos que o Sr.
Ministro e o Grupo Parlamentar do PS se empenhem nisso» É que disseram que estava tudo na Internet, que era tudo claro e transparente» No entanto, o que encontrámos nas respostas foi uma opacidade total no que diz respeito a este negócio, que o Governo encontrou à última hora para tentar apresentar-se «de cara limpa» junto daqueles que andou a enganar durante quatro anos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. José Soeiro (PCP): — É que se existissem os compromissos aqui anunciados, então a Lundin Mining não podia ter agido da forma prepotente e arbitrária como agiu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, quero cumprimentá-lo pela questão que aqui trouxe, amplamente debatida ontem na Comissão de Economia, e dizer-lhe que as suas são as nossas dúvidas. Tem toda a razão em não crer que o Governo tenha, como de facto não tem, qualquer espírito ou sentimento de adivinhação — nem o Primeiro-Ministro, nem a bancada do Partido Socialista têm.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Nós não adivinhamos, mas o senhor adivinha! É bruxo!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Mas era exigível um mínimo de capacidade de previsão, um mínimo de capacidade para poder zelar pelos acordos que assina para que estes sejam cumpridos pelas empresas.
O que acontece é que a Lundin Mining fez um acordo com o Governo português, que pressupunha algumas benesses do Governo português para com a empresa (e que, segundo o Sr. Ministro, nem sequer foi preciso utilizar), mas os canadianos vão-se embora e o Sr. Ministro recusa-se a prestar esclarecimentos sobre

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o que falhou, sobre o que esteve em causa. E o Governo assumiu para si os riscos de uma operação comercial, que deviam ser assumidos pelas empresas.
Portanto, se não espero que o Governo adivinhe, esperava que o Governo tivesse alguma previsão e bom senso, e pudesse eventualmente fazer alguma análise dos mercados, para não passarmos pelo ridículo de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro dizer que estamos perante um modelo único de investimento na Europa, um investimento que será exemplar para o mundo e de, seis meses depois, acabar por não existir nada.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe o seguinte: só tenho a minha convicção pessoal, conheço a nova empresa, é da minha região, é uma empresa jovem e dinâmica, uma empresa que normalmente tem algum critério nos investimentos que faz. E, já agora, «puxando a brasa à minha sardinha», pois é uma empresa de Viseu, tenho alguma garantia de que a empresa fará um investimento sério. Até porque estamos a falar de umas minas que são o maior filão de zinco da Europa, para além da grande riqueza em ferro e em cobre, se juntarmos a mina do Gavião.
A minha pergunta vai, pois, no sentido de saber se o Sr. Deputado considera ou não que o que importa agora, para além de garantir a formação aos trabalhadores, é que o tempo de espera garanta a mobilização dos trabalhadores para que este investimento, desta vez, numa empresa portuguesa, uma empresa dinâmica, tenha algum sucesso.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É que se estivermos à espera que o Sr. Ministro da Economia venha garantir, como garantiu, um maior aumento dos postos de trabalho, temos uma certeza: o Ministro raramente diz a verdade e raramente acerta. A única garantia é que os trabalhadores têm de tomar nas suas mãos o futuro deste investimento e o futuro da exploração dessas minas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Hélder Amaral, agradeço-lhe a sua pergunta, que, creio, suscita pelo menos duas questões muito pertinentes. Uma delas, que considero uma novidade desta governação do Partido Socialista, é esta: até há pouco tempo, o Governo dizia que o mercado devia funcionar, e justificou-o aqui várias através de diferentes ministros; agora, já ouvimos o Sr. Ministro da Economia dizer, como ontem, nesta Casa, que a Lundin Mining tinha sido surpreendida por vários factores, a saber, pela variação do preço dos metais, pela desvalorização do dólar face ao euro (imagine-se!) e pelo facto de o zinco não ter exactamente o teor que calculava que tinha quando apostou no seu investimento.
Lembro, Sr.as e Srs. Deputados, que a empresa que fazia as prospecções nesta zona era precisamente a Eurozinc, com a qual foi feito o primeiro negócio, ainda no tempo de um outro governo do Partido Socialista, que vendeu esta empresa à Eurozinc, em condições que hoje ainda não se conhecem.
Ora, não é aceitável que, cabendo aos Deputados fiscalizar a acção do Governo, haja uma recusa sistemática por parte do Governo de entregar a documentação que permita aos Deputados falar com rigor e objectividade sobre a matéria.
Ouvimos aqui, por vezes, a crítica de que a oposição trabalha em função do que dizem os media, mas a verdade é que, quando queremos trabalhar com os documentos que deviam ser fornecidos atempadamente para fiscalizarmos a acção governativa, invocam cláusulas de confidencialidade, quando não está em causa qualquer segredo de Estado — quanto muito, poderão estar em causa negociatas inconfessáveis, ou incompetência, negligência na gestão da coisa pública.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Ora, é isso que pensamos estar em jogo. É que, quando nos dizem «vejam na Internet», se víssemos na Internet, então, diríamos: andaram quatro anos a enganar o povo português,

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dizendo que havia compromissos da Lundin Mining, quando, afinal de contas, não há compromissos absolutamente nenhuns!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, começo por sublinhar e acompanhar a preocupação de todos sobre a importância que tem para a economia nacional e para a economia regional o projecto mineiro de Aljustrel. Quero igualmente sublinhar que foi justamente devido às alterações das condições de mercado, aliás conhecidas de todos e em todo o mundo, que se criou esta dificuldade na exploração mineira de Aljustrel.
No entanto, é também de assinalar que a reactivação da exploração mineira em Aljustrel ocorre, por duas vezes seguidas, pela acção forte do Governo. Quer em 2006, quer agora em 2008, foi a acção pró-activa do Governo que permitiu que as minas de Aljustrel retomassem e continuassem a sua laboração e criassem emprego na região.
É muito significativa esta intervenção zangada do PCP; quando o problema está resolvido é que o PCP fica zangado.
Também foi muito significativa a intervenção do PSD hoje, como foi ontem, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, acusando o Governo de excesso de acção e mostrandose desconfiado e incomodado com a contribuição que os empresários nacionais podem dar para a resolução dos problemas nacionais e para o progresso da economia portuguesa.
Portanto, Sr. Deputado José Soeiro, as perguntas que lhe quero deixar são estas: como é que o senhor está zangado, agora que o problema está resolvido? Como é que o Sr. Deputado vê a intervenção do PSD? Concorda que há um excesso de activismo, um excesso de acção do Governo para resolver, como resolveu, este problema a favor do País e da região?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pita Ameixa, como alentejano gosto muito de anedotas, mas esta, de estarmos zangados por as minas terem o problema resolvido, é nova! Recomendo ao Sr. Deputado a leitura dos múltiplos requerimentos que fui fazendo ao Governo, desde que entrei nesta Casa, em 2005. Neles, facilmente, o Sr. Deputado constatará que as preocupações que tínhamos em 2005 e em 2006, quando questionávamos o Governo sobre os negócios e a fiabilidade das afirmações do Governo sobre esta matéria, infelizmente vieram a confirmar-se da pior forma. Foi o despedimento de centenas de trabalhadores, foi a negociação dos recursos mineiros, que são sempre escassos e finitos, com uma multinacional, que por sinal era aquela que já fazia as prospecções em toda a zona da faixa piritosa no Alentejo, em condições que ainda hoje não conhecemos e que era bom conhecer.
Portanto, manifestámos sempre essa preocupação e sempre falámos nesta questão, ao contrário do Sr. Deputado, que pelos vistos só agora está preocupado. Há quatro anos, quando defendíamos a retoma da laboração das minas, o Sr. Deputado defendia, na campanha eleitoral, que nós estávamos a fazer demagogia e que éramos populistas. Mas a verdade é que a vida mostrou não só que os mineiros, o povo de Aljustrel e o PCP tinham razão, quando diziam que as minas eram viáveis, mas também que elas nunca deveriam ter sido vendidas!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (PCP): — Se as minas não tivessem sido vendidas como foram, se não tivessem sido vendidos os 51% da Somincor à Eurozinc, depois Lundin Mining, talvez o Sr. Secretário de Estado não tivesse tido necessidade de ir agora ao Canadá propor à Lundin Mining aquilo que o PCP propôs como

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resposta, com vista a uma boa gestão das duas minas, que era juntá-las numa só empresa, a EDM — Empresa de Desenvolvimento Mineiro, para que esta fizesse uma exploração racional dos recursos e não a lavra gananciosa que a Lundin Mining tem estado a fazer.

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Moura Soeiro, permita-me que o cumprimente por trazer esta questão aqui hoje, porque a mesma foca dois pontos de vista em relação aos quais gostaria de lhe colocar duas questões absolutamente paradigmáticas.
Não se trata apenas de as minas de Aljustrel representarem um factor importantíssimo para o desenvolvimento regional, mas é que, na verdade, aquilo que ocorreu no debate ontem, com o Sr. Ministro da Economia, releva para dois problemas em relação aos quais não se pode fechar os olhos.
O primeiro problema é esta invenção, que o Governo agora faz, em que introduz um eufemismo absolutamente extraordinário ao dizer que as pessoas não são desempregadas, há é trabalhadores que rescindem contratos por pressão da empresa.
O facto de ficarem desempregados, pelos vistos, é irrelevante, do ponto de vista do Governo.
Na verdade, por insistência das perguntas que foram feitas pelos Deputados da esquerda, ontem, naquela reunião, o Ministro da Economia acabou por desvendar o facto de que, num momento de pico, as minas teriam à volta de 200 trabalhadores e, na actualidade, terão à volta de 100. Portanto, metade dos postos de trabalho perdeu-se neste processo. Houve 100 pessoas que ficaram sem o seu trabalho. E isto, na opinião do Partido Socialista, é resolver o problema! Sr. Deputado, não conseguimos perceber como é que o Partido Socialista se contenta com tão pouco, que baixe os braços, que se conforme com esta perda sistemática de postos de trabalho e de emprego.
A segunda questão tem a ver, justamente, com o argumento que foi aduzido e que se relaciona com a justificação da flutuação do valor do minério nos mercados internacionais para, de alguma maneira, desculpabilizar as empresas por aquilo que é responsabilidade sua perante a conservação dos postos de trabalho e da actividade.
Termino, Sr. Presidente, perguntando ao Sr. Deputado José Soeiro se não lhe parece que o facto de estarem a explorar o minério, que é um recurso natural, que é propriedade colectiva e património de nós todos, não confere a qualquer empresa de exploração mineira uma responsabilidade acrescida pela manutenção da actividade e pela conservação e dignidade do trabalho.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, agradeço à Sr.ª Deputada Alda Macedo as duas perguntas que colocou.
Em relação à primeira, de facto, chamar rescisão amigável à chantagem feita aos trabalhadores no sentido de que ou aceitam de imediato o despedimento, recebendo três meses de salário, ou são despedidos sem direitos sete dias depois é qualquer coisa que eu não pensava poder ouvir da boca de um Ministro de um Governo que se diz socialista.
Infelizmente, essa foi a realidade. E neste momento as Pirites Alentejanas têm 100 dos 980 trabalhadores que tinham no início deste ano, o que, naturalmente, gera uma situação social inaceitável. E a situação é tanto mais inaceitável quando, na verdade, o Governo, que agora procura apresentar-se como o campeão das soluções, é o primeiro e único responsável pelo sucedido, porque foi o Governo que entregou à Lundin Mining, nas condições que agora se vão descobrindo a pouco a pouco e que nos mostram que, pelos vistos, não houve quaisquer exigências quanto à salvaguarda do emprego e gestão racional dos recursos no que se

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refere ao compromisso assumido pela empresa em relação ao investimento e exploração das minas durante 10 anos.
É sobre isto que temos de pedir contas ao Governo do Partido Socialista e à maioria que o sustenta.
Quanto à segunda questão, há pouco não a desenvolvi muito porque o tempo não deu para mais, mas agradeço a pergunta, porque quando eu disse que este Governo encontrou uma nova forma de encarar o mercado é porque é assim: o mercado é bom quando é para dar lucros para as multinacionais. Aí, o mercado deve funcionar. No entanto, ao primeiro problema, as multinacionais não respeitam os compromissos que o Governo diz que tinham assumido. Mas a preocupação que o Governo tem é em justificar a posição inaceitável das multinacionais,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. José Soeiro (PCP): — » em lugar de intervir com firmeza, exigindo o cumprimento daquilo que dizem que tinham sido esses compromissos. Nós não sabemos. Estamos à espera dos documentos para podermos verificar o que há de verdadeiro naquilo que foi anunciado durante quatro anos como garantia de 250 postos de trabalho efectivo nas Pirites e, ainda, 450 postos de trabalho, o que se traduziria em 700 postos de trabalho, no mínimo, que teriam de ser criados e que neste momento não existem, porque estão reduzidos a 100.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Soeiro, começo por saudar V. Ex.ª pelo assunto que aqui trouxe hoje e pela oportunidade que nos deu ontem de, em sede de Comissão, debater este assunto com o Sr. Ministro da Economia, usando para tanto o agendamento potestativo do PCP, depois de o Partido Socialista ter inviabilizado,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — » por consenso, a vinda do Sr. Ministro da Economia a prestar esclarecimentos sobre esta questão à Assembleia da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não estavam interessados!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — De facto, foi muito interessante ouvir o Sr. Ministro da Economia, que nos brindou, como já é hábito, com algumas declarações absolutamente espantosas, designadamente no que toca aos despedimentos e à extinção de postos de trabalho, que, aliás, Sr. Deputado Pita Ameixa, estão muito longe de estarem garantidos, ao contrário daquilo que V. Ex.ª pretendeu aqui dizer hoje.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — A verdade é que o Sr. Ministro veio aqui tentar fazer um truque de ilusão. Veio dizer: «Não, o nosso objectivo é garantir 200 postos de trabalho». Pois é, mas o problema é que não eram 200 postos de trabalho que estavam em causa e que já nem sequer lá estão, eram 980 postos de trabalho que ali estavam no início de 2008! Portanto, quando dizem que vão garantir 200 postos de trabalho, só posso perguntar o que aconteceu aos outros 700. Na realidade, havia ali uma situação de muitos mais postos de trabalho do que aqueles que o Sr.
Ministro quer agora admitir, pese embora já tenha reconhecido os números originais, em documentos que fez chegar à Assembleia da República.
Mas o Sr. Ministro também veio dizer que já tinha conhecimento da situação há vários meses, o que é absolutamente extraordinário. Portanto, o Sr. Ministro, já sabendo da situação há tantos meses, nada fez para

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resolver o problema e não conseguiu atenuar a situação antes de ela acontecer. Em vez de dar respostas em relação a isto, não, o Sr. Ministro teve foi uma grande preocupação em desculpar e justificar o que aconteceu com a multinacional canadiana. Coitada da multinacional canadiana!» Nas palavras do Sr. Ministro, foi «apanhada de surpresa» pela desvalorização do euro face ao dólar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Estava «distraída»!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Realmente, quem é que poderia contar com essa desvalorização? Um facto absolutamente inédito e inesperado! Depois, veio desculpar a multinacional, dizendo que afinal a cotação também baixou. Como o Sr. Deputado José Soeiro já aqui disse, e muito bem, o mercado serve para dar lucro às multinacionais, mas já não serve para justificar quando a multinacional assume compromissos que eram para 10 anos e que, afinal, acabaram por ser apenas para 10 meses.
O que queremos dizer é que, para as multinacionais, o risco é zero, com o Governo a amparar-lhes os golpes e com o Governo a garantir tão rapidamente os interesses das multinacionais e tão tardiamente os interesses públicos e dos trabalhadores de Aljustrel.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, gostava de referir esta dualidade do Sr. Ministro da Economia.
Quando lhe perguntei como era possível terem sido vendidas as acções das Pirites Alentejanas, na altura, 100% propriedade da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, respondeu-me o Sr. Ministro da Economia que entendia que não era necessário ouvir a comissão de trabalhadores nem o representante dos trabalhadores, porque não estavam em causa os postos de trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exacto!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Agora repare-se na diferença! Sabendo, havia meses, que iriam ser despedidos centenas de trabalhadores, o Governo nada fez para informar a comissão de trabalhadores, nada fez para informar sobre as negociações que estava a desenvolver e, ainda hoje, os trabalhadores, tal como nós, Deputados nesta Casa, estamos sem saber o que são as negociações que estão em curso. Porque o Sr.
Ministro afirmou que estavam garantidas para a semana passada, mas quem esteve atento já verificou que, na verdade, não há qualquer assinatura concreta feita com a MTO ou com qualquer outra empresa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nada!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Portanto, precisamos de saber como é que o Sr. Ministro vai garantir o cumprimento da sua palavra, dada aos mineiros, de que, em Janeiro, todos os trabalhadores seriam readmitidos nas Pirites Alentejanas.
Estamos cá para ver e estamos cá para pedir contas ao Sr. Ministro! Como disse também e como já foi aqui referido várias vezes, temos um Governo que não tem quaisquer pruridos em investir milhares de milhões de euros para salvar bancos na falência, que não hesita em mobilizar milhares de milhões de euros não para garantir os dinheiros dos pobres contribuintes, dinheiros esses que estariam nos bancos e que teriam de ser acautelados, mas para salvar um banco como o BPP, que é o banco das grandes fortunas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para esse há dinheiro!

O Sr. José Soeiro (PCP): — Efectivamente, para esse não falta dinheiro!

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Pergunto: não seria mais razoável o Estado, num caso como este, ter intervindo e exigido o retorno à EDM das Pirites Alentejanas, da Somincor, a sua junção e a sua exploração ao serviço do desenvolvimento do País? Parece-nos que este é que era o caminho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Durante o debate do Orçamento, há pouco mais de 15 dias, o PSD, pela voz do seu Secretário-Geral, Deputado Luís Marques Guedes, foi premonitório ao qualificar o Orçamento do Estado para 2009 como um «Orçamento mentiroso em que ninguém de bom senso acredita».
Pelos vistos, nem o próprio Governo acreditava, apesar da sua notória falta de bom senso.
De facto, ao aprovar, no fim-de-semana passado, um conjunto de medidas para o investimento e o emprego, o Governo está a realizar o primeiro Orçamento rectificativo de um Orçamento que só entrará em vigor dentro de algumas semanas. É obra, para um Governo que tanto se ufana de não apresentar Orçamentos rectificativos.
Como chegámos a esta situação caricata que enche de ridículo o Governo e devia fazer corar de vergonha o seu Primeiro-Ministro? Chegámos a esta situação deplorável, porque o Governo esteve cego perante os sinais da crise, que já eram evidentes há meses, esteve surdo perante os clamores das empresas e das famílias, sobressaltadas por causa das dificuldades do quotidiano, esteve mudo e quedo quando devia anunciar e tomar medidas eficazes e determinadas.
Chegámos a esta situação de desgraça, porque o Governo menorizou e vilipendiou as medidas de combate à crise que o Partido Social Democrata, oportunamente, apresentou.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!

O Sr. Adão Silva (PSD): — O Governo foi, mais uma vez, igual a ele próprio: arrogante e autista. E, desta vez, também distraído e leviano.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Se assim não fosse, teria levado em devida conta os avisos que, há mais de meio ano, a Presidente do Partido Social Democrata, Dr.ª Manuela Ferreira Leite, lançou, ao referir que Portugal estava a entrar num perigoso estado de emergência social.
Se assim não fosse, teria acolhido, como contributos bem pensados e bem estudados, as propostas orçamentais que o PSD apresentou em Outubro passado, das quais destaco duas: a redução das contribuições das empresas em 1 ponto percentual da taxa social única para a segurança social e o prolongamento, até um ano, do período de atribuição do subsídio de desemprego.
Não! O Governo, firme na sua arrogância, tentou desacreditar as propostas do PSD, dizendo, nomeadamente, que elas se traduziam num aumento inaceitável do défice orçamental.
Neste ponto preciso, o Governo tinha razão: as medidas que o PSD propunha para atalhar aos efeitos da crise nascente em Portugal aumentavam o défice orçamental em 0,2%.
Porém, um mês volvido, aí está o Governo, sorrateiramente, a propor, em parte, as medidas que antes vilipendiara e rejeitara, já não se importando em agravar o défice orçamental para 2009 em, pelo menos, mais 0,8%.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — É verdade!

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O Sr. Adão Silva (PSD): — O Governo foi incapaz de ler os sinais da crise que se estava a abater sobre as empresas e as famílias portuguesas e por isso, em vez de antecipar a iniciativa, vem agora, apressadamente, anunciar um conjunto de medidas cujos efeitos não sabe quantificar nem é capaz de prever.
Uma coisa lhe dizemos, desde já: esses efeitos são seguramente prejudicados pelo atraso na sua adopção, por teimosia e miopia da exclusiva responsabilidade da maioria socialista.
Pergunta-se ao Primeiro-Ministro, como ontem fez o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Deputado Paulo Rangel, qual seria a diferença na taxa de desemprego para 2009 sem este conjunto de medidas e com este conjunto de medidas, e ele não responde, porque não sabe.
Interpela-se o Primeiro-Ministro sobre os efeitos das medidas no crescimento da economia e do Produto em 2009, e ele responde que, lá para Janeiro ou Fevereiro, se verá»! Estamos, assim, perante um Primeiro-Ministro não apenas mal preparado»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Irresponsável!

O Sr. Adão Silva (PSD): — » para enfrentar a crise que ele próprio classifica como muito grave, como, ainda por cima, ignorante, flagrantemente ignorante, face aos efeitos das medidas que ele próprio mandou elaborar e fez aprovar.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pode o povo confiar num Governo e num Primeiro-Ministro inseguro e insensível?

Vozes do PSD: — Não!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Podem os portugueses dar crédito a um Governo que não age no tempo em que devia de forma a prevenir os males maiores que se anunciam e actua, depois, a reboque dos acontecimentos, sem estratégia nem linha de rumo?

Vozes do PSD: — Não!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Quem poderá dar confiança aos trabalhadores portugueses que vêem o seu emprego em risco? Às famílias que, sem perceberem porquê, ouvem anúncios de aumentos desmedidos do preço do pão e da energia? Às empresas que definham por falta de crédito e por estrangulamento do consumo? A sociedade, em geral, de quem se apossou o medo e a descrença? Não será, seguramente, este Governo nem tão pouco este Primeiro-Ministro minado pela desconfiança e pelo atabalhoamento, enredado num jogo de aparências e de faz-de-conta, que perdeu definitivamente a validade e a eficácia!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, três Srs. Deputados. O Sr. Deputado Adão Silva informou a Mesa que pretende responder individualmente a cada pedido de esclarecimento.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, ouvi-o com muita atenção, aliás, naturalmente, como os demais Deputados presentes nesta Casa.
O Sr. Deputado falou muito no sentido de responsabilidade que, neste momento, Portugal tem de ter perante os portugueses — é verdade! E falou da crise, que também é verdade.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — E também falou de irresponsabilidade do Primeiro-Ministro!

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A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — No entanto, Sr. Deputado, provavelmente, as melhores medidas de combate à crise poderiam ter sido um défice não tão elevado como aquele que os senhores nos deixaram quando tomámos conta de Portugal.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª trouxe aqui um conjunto de pequenos atributos, nem sempre muito bem qualificados do ponto de vista, acredito eu, do que é o seu pensamento político e o seu sentido de responsabilidade em relação aos governantes portugueses, mas há uma coisa que sabe, porque todos nós também sabemos. O Governo de Portugal, hoje, assume, de uma forma exemplarmente responsável,»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Irresponsável!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — » a crise que o mundo tem perante todos nós.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Não é a crise portuguesa, é o mundo na sua própria crise, com a crise de todos os sistemas.
O Sr. Deputado sabe, porque foi governante e governou dentro de um quadro político que era o seu, o do seu partido e o da sua coligação, que assumir as responsabilidades perante os portugueses é um acto de uma enorme dignidade, mesmo quando os momentos de crise não nos permitem o «folclore» das decisões.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Deputado, assumir responsabilidades hoje, de acordo com o plano que o Governo português aprovou no dia 13 deste mês perante os portugueses, os trabalhadores, os empresários e as instituições, quer queiramos ou não, quer estejamos muito próximos uns dos outros ou não, é um acto de uma enorme dignidade e de um enorme sentido de responsabilidade. Estou certa de que o Sr. Deputado comungará comigo esta mesma ideia.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr.ª Deputada, agradeço que termine.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Termino, Sr. Deputado, pedindo-lhe um comentário sobre o que fazer, em Portugal, pelos portugueses, hoje, no fim deste ano, com um princípio de um ano difícil que se avizinha.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Gambôa, para mim, é sempre um prazer ouvir V. Ex.ª A Sr.ª Deputada iniciou o seu pedido de esclarecimento, remontando ao défice orçamental herdado.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Aquela vergonha»!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Deputada, vou dar-lhe um conselho de amigo: não olhe dessa forma insistente para trás, porque um dia destes, lamentá-lo-emos todos, ficará com um torcicolo e nós não queremos.

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Vamos olhar para o futuro! O futuro é que importa para os portugueses: o dia de hoje e o dia de amanhã! Quanto à questão da assunção de responsabilidades, o que consideramos importantíssimo e mesmo fundamental é o tempo em que se assumem essas responsabilidades, porque na política o essencial é o sentido de oportunidade. As responsabilidades assumem-se com grande sentido de oportunidade, de temporalidade! Verdadeiramente, o que lamentamos e criticamos é que este Governo não tenha o sentido de oportunidade. Este Governo reage depois de estar mais do que evidente a crise, mais do que evidente a forma devastadora como afecta as famílias, as empresas e a sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Deputada, para terminar a resposta, vou dar-lhe um exemplo. O Sr.
Primeiro-Ministro disse ontem, aqui, no debate, que a prioridade das prioridades é o desemprego. A Presidente do PSD dizia, no dia 2 de Novembro de 2008, há um mês e meio: «A prioridade, neste momento, é o combate ao desemprego».
Aqui se nota a diferença entre o sentido de oportunidade e do tempo correcto para as medidas e o sentido de alguma distracção, para não dizer alguma leviandade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, antes de mais, gostava de o cumprimentar pelo tema que trouxe aqui, ao Plenário. É um tema, de facto, muito importante.
Não resisto, no entanto, permita-me, a fazer um brevíssimo comentário à intervenção da Sr.ª Deputada Maria José Gambôa, porque tivemos, em 2 minutos, o resumo do que têm sido as justificações sistemáticas do Partido Socialista. O culpado de tudo, nesta Casa, era, primeiro, o défice e, depois, a crise internacional. Claro que não há responsabilidades do Governo do País»!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Não»!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mas o grande problema que o País hoje tem é que o Partido Socialista já tem o seu próprio défice, já tem o seu próprio passado.
O Sr. Deputado lembra-se, como eu me lembro — pelos vistos, na bancada socialista é que a memória é fraca! —, de um Primeiro-Ministro que dizia: «A nossa prioridade é criar 150 000 postos de trabalho». Passado quase quatro anos, volta ao início, numa lógica de eterno retorno, voltando à mesma prioridade.
O que considero espantoso, Sr. Deputado — e era sobre isso que gostava de o questionar —, é esta enorme insensibilidade social do Partido Socialista.
Num cenário de crise económica, mas, acima de tudo, num cenário de crise social, da qual os maiores responsáveis são os dirigentes e os governantes do PS, num cenário em que toda a gente — os partidos da oposição, designadamente o CDS, o Conselho Económico e Social, os sindicatos — avisou o PS que se estava a viver uma crise económica,»

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Orelhas moucas!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » que o desemprego em Portugal era cada vez mais de longa duração e que era preciso mudar as regras do subsídio de desemprego, o Partido Socialista, primeiro, recusou e agora quer conceder o que não posso deixar de apelidar, politicamente, como uma «fraude».

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O Partido Socialista não quer aumentar o subsídio de desemprego nem sequer o subsídio social de desemprego. O que o Partido Socialista quer criar é uma prestação nova muito inferior ao que é, hoje, a prestação do subsídio de desemprego.
Repare, Sr. Deputado: normalmente, paga-se de subsídio social de desemprego 418 € por mês, um valor semelhante ao indexante dos apoios sociais (IAS), e o Partido Socialista quer pagar agora em extensão cerca de 251 €, ou seja, menos 150 € do que normalmente se paga a um desempregado.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Adão Silva, considerando que muitas famílias hoje vivem um drama, que é ter ao mesmo tempo o marido e a mulher desempregados, considera que esta prestação social do Governo é uma prestação de justiça social ou, única e exclusivamente, mais uma acção de propaganda do Partido Socialista?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, obrigado pela pergunta que me colocou, com a pertinência que lhe é habitual.
De facto, o anúncio que o Governo aqui fez de que vai aumentar o período de atribuição do subsídio social de desemprego deve encher-nos de perplexidade, verdadeiramente, acho até que é um embuste. Diria mesmo que dificilmente se compreende o que o Governo está a prometer.
Queria alertar os Deputados do Partido Socialista para a situação, se é que ainda não se aperceberam.
Porquê? Porque o Decreto-Lei n.º 220/2006, deste Governo, relativo ao subsídio de desemprego, estabelece, no seu artigo 30.º, que o valor do chamado «subsídio social de desemprego» é 80% do salário mínimo nacional, podendo ir até 100% do mesmo. No entanto, na Medida 11, em que se prolonga o tempo de atribuição do subsídio social de desemprego, é dito algo verdadeiramente extraordinário porque estabelece que, no período de seis meses adicionais de prestação, o valor do subsídio corresponderá a apenas 60% do IAS.
Portanto, o Partido Socialista cria uma situação verdadeiramente extraordinária, espantosa. Faz lembrar aqueles comboios de antigamente: comboios de 1.ª classe — subsídio de desemprego; comboios de 2.ª classe — subsídio social de desemprego tradicional; e, agora, o comboio de 3.ª classe — aquele onde se arruma um conjunto de cidadãos que vão receber muitíssimo menos, situação verdadeiramente injusta, intolerável, indigna do ponto de vista social e do ponto de vista humano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, quem ouve o PSD falar dos problemas da crise que o País enfrenta tira a conclusão de que o PSD e também o CDS-PP parecem não ter qualquer responsabilidade na situação concreta em que o País se encontra actualmente.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — E é verdade! O PS é que tem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O Sr. Deputado fez várias referências ao Orçamento do Estado. Ora, importa lembrar as opções fundamentais do mesmo e as «diferenças», que não existem, entre o PSD e o PS.

Vozes do PCP: — É um facto!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PS aposta na obsessão pelo défice. Quem é que tinha obsessão pelo défice no anterior governo? Eram o PSD e o CDS-PP! O PS corta no investimento público. Quem é que foi responsável por anos sucessivos de corte no investimento público? PSD e CDS-PP! O PSD e o CDS-PP apostaram numa política de baixos salários, atirando para a pobreza milhares e milhares de trabalhadores. Quem é que continua essa política? É o Partido Socialista! Portanto, nos últimos 20 ou 30 anos, quem tem responsabilidades sobre a situação do País são todas essas bancadas que, em termos de grandes opções, são uma única bancada, Sr. Deputado. Não são duas nem três bancadas, é uma só, porque as opções de fundo são exactamente as mesmas.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado, explique lá a profunda contradição entre o seu discurso e a postura da bancada do PSD, em termos do Orçamento do Estado, relativamente a três propostas fundamentais, que vou recordar.
O Partido Comunista Português propôs aumento extraordinário das pensões. Como é que o PSD e o CDSPP votaram? Abstiveram-se.

Vozes do PSD: — E o PS?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PS votou contra!

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Repito: o PSD e o CDS-PP abstiveram-se!

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não fiquem contentes com uma abstenção envergonhada! Teriam de ter votado a favor da proposta do PCP! Em matéria de aumento dos salários, a mesma conversa: o PS, o PSD e o CDS-PP nunca aprovam aumentos extraordinários de salários, questão fundamental para combater a pobreza.
Mais; relativamente ao investimento público, o PIDDAC, instrumento fundamental para combater a situação que encontramos hoje, como é que o PSD e o CDS-PP votaram? Votaram contra as propostas apresentadas em sede de PIDDAC.
Portanto, Sr. Deputado, relativamente a estas questões da crise e de como vivem os trabalhadores portugueses, neste Hemiciclo só existe uma outra bancada, onde há consenso quanto à política neoliberal, onde o PS, o PSD e o CDS-PP em nada se distinguem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, com todo o respeito e toda a simpatia, vou dar-lhe o mesmo conselho que dei à Sr.ª Deputada Maria José Gamboa. Não continue a olhar tanto para trás porque vai ficar com um torcicolo e vamos ter de receitar-lhe algum medicamento que, se calhar, nem sequer é genérico, que vai custar-lhe «os olhos da cara» e, portanto, escusamos de ter esse acréscimo de despesa agora, no Natal, época em que as famílias fazem tantas despesas. Sr. Deputado, olhemos para o presente e para o futuro.
Digo-lhe é que o PSD não enjeita o seu passado, mas não pode assumir responsabilidades sobre governação que não é dele.
É que, repare, o PSD nada tem a ver com a situação de intranquilidade criada a 200 000 portugueses»

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Protestos do PS.

» que são trabalhadores independentes e que, por falta de um papel inõtil, se viram absurdamente acossados pelo fisco para pagarem algumas centenas de euros que totalizariam uma entrada de cerca de 50 milhões de euros nos cofres do Ministério das Finanças.
Por outro lado, os governos do PSD nada têm a ver com a situação de os aposentados da função pública continuarem a descontar sobre 14 meses para a Caixa Geral de Aposentações. Tal não é da responsabilidade do PSD.
O PSD, obviamente, assume as suas responsabilidades. Por isso, fez propostas concretas durante o debate do Orçamento do Estado, nomeadamente de redução de 1 ponto percentual nas contribuições a pagar pelas empresas para que estas tivessem maior capacidade de se abalançarem, para que pudessem ter equilíbrio orçamental, e, por outro lado, de aumento do tempo da prestação de subsídio de desemprego, medida que, porventura, aproveitaria a cerca de 350 000 cidadãos, muito superior ao verdadeiro embuste que é a medida que o Partido Socialista nos traz.
O PSD assume as suas responsabilidades e, sobretudo, no momento certo, cá está para apresentar as medidas correctas que, meses depois, curiosamente, o Governo, de forma mais ou menos atabalhoada, vai procurar implementar quando, por todo o lado, a crise já está a romper com o equilíbrio orçamental das empresas e das famílias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Soares.

O Sr. João Soares (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há alguns meses, subi a esta tribuna do Plenário da Assembleia da República para dar conta do trabalho, perdoe-se-me a imodéstia, dinâmico, qualificado e empenhado, da Delegação nacional à Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE).
O que ora aqui me traz de novo é o dever e o prazer de vos dar conta dos desenvolvimentos desse esforço continuado, plural, em termos de contribuição político-partidária nacional, e diversificado, em termos do universo plurinacional em que trabalhamos.
No decorrer do último ano, o mundo viveu acontecimentos importantes, por vezes dramáticos, que marcam a História recente. A crise financeira internacional, o conflito no Cáucaso, a crise energética, os ataques terroristas, a afirmação crescente, na cena internacional, da Federação Russa ou a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA são alguns deles.
Vivemos um ano difícil em que as crises e os conflitos, por vezes, puseram em causa a esperança. No entanto, não podemos deixar de lutar, na medida das nossas possibilidades, por um mundo melhor, de paz, liberdade e tolerância, onde se respeitem os direitos fundamentais, um mundo de diálogo e abertura onde caibam, de uma forma digna, todas as gentes e etnias, todas as formas de crença e todas as culturas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. João Soares (PS): — No último ano, a OSCE e a sua Assembleia Parlamentar estiveram, de uma forma activa, no centro do debate e da procura de soluções para muitos destes conflitos e problemas.
Apesar de ser a menos mediática das organizações internacionais, a OSCE é, seguramente, uma das mais eficazes. O seu trabalho no terreno, dos Balcãs à Ásia Central, passando evidentemente pelo Cáucaso, através de uma estratégia alargada que abarca as áreas de segurança, do desenvolvimento sustentável e do respeito pelos direitos humanos, tem resultados que são conhecidos da opinião pública mundial.
No Cáucaso, por exemplo, a OSCE é a única organização internacional a ter missões no terreno dentro da Ossétia do Sul. Daí, também, a importância de continuar a apoiar esta Organização.

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Embora algumas das suas áreas de actuação não sejam tradicionalmente prioritárias para a diplomacia portuguesa, não posso deixar de chamar a atenção para a importância, até ao nível dos recursos energéticos, do Cáucaso e da Ásia Central onde Portugal ainda não tem embaixadas.
Esta análise resulta da experiência adquirida pelo colectivo da Delegação da Assembleia da República à Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e Cooperação Europeia. O nosso empenho nas múltiplas actividades desta Organização, sempre em articulação com o Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. Jaime Gama, e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, resulta de acreditarmos no trabalho da OSCE, confirmado por uma experiência de presença no terreno, e, por outro lado, nas oportunidades que alguns destes países representam para Portugal.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem

O Sr. João Soares (PS): — Como parte integrante da OSCE, a Assembleia Parlamentar está envolvida em muitas frentes, de modo a contribuir para a paz e o diálogo n a resolução e prevenção de conflitos e no respeito pelos direitos humanos, no combate ao tráfico e no reforço das missões de observação eleitoral da OSCE.
Só no último ano, tivemos oportunidade de observar, entre outras, as eleições legislativas na Rússia, as eleições presidenciais e legislativas na Geórgia e as eleições presidenciais norte-americanas, mas também, e sobretudo, de organizar, por iniciativa dos parlamentares portugueses, um debate, pioneiro e único até agora, entre russos e georgianos e entre todas as delegações representadas na Assembleia Parlamentar da OSCE, que decorreu em Toronto, por ocasião da nossa sessão plenária de Outono.
A Assembleia Parlamentar da OSCE tem também um papel de relevo nas relações com os parceiros mediterrânicos e asiáticos. Neste contexto, gostaria de sublinhar a presença activa nas reuniões da Assembleia Parlamentar de Deputados em representação de países como Argélia, Marrocos, Jordânia ou Israel, com os quais os Deputados portugueses têm mantido relações de diálogo político e até, nalguns casos, boas relações pessoais de amizade.
A Assembleia Parlamentar da OSCE tem ainda feito um esforço para reforçar as suas relações com o Afeganistão. Todos sabemos que a situação militar, política e social neste país é muito difícil. Daí que o esforço feito tenha em consideração que soluções estritamente militares nem sempre dão os melhores resultados, como, aliás, bem recentemente e tragicamente, vimos no Iraque. Neste caso, o soft power pode ser muito mais eficaz do que o hard power.
A nossa Organização é um instrumento de diálogo político que assegura paz, segurança e liberdade e deve continuar a trabalhar para uma Europa sem divisões.
Neste contexto, gostaria de sublinhar as propostas dos Presidentes Nicolas Sarkozy e Dmitry Medvedev para a realização de uma cimeira no âmbito da OSCE, em que seja discutida a nova arquitectura europeia de segurança, proposta que a Assembleia Parlamentar da OSCE apoia com grande entusiasmo e empenhamento.
A Delegação portuguesa orgulha-se dos resultados que atingiu. Temos uma participação constante, visível e influente nas actividades da Assembleia Parlamentar da OSCE. Acreditamos que o nosso trabalho tem contribuído para aumentar o prestígio de Portugal e da Assembleia da República, de Vancouver a Vladivostok.
A Acta Final de Helsínquia, em 1975, criou a então Conferência de Segurança e Cooperação Europeia, um documento revolucionário que contribuiu para o desenvolvimento das relações Leste-Oeste.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. João Soares (PS): — Termino já, Sr. Presidente.
A OSCE é talvez a única organização internacional que tem o potencial, simultaneamente, para se renovar e para renovar o espaço euro-atlântico-asiático.
A Assembleia Parlamentar da OSCE, com a participação activa da Delegação portuguesa no seu colectivo plural, contribuirá para esse esforço de paz e cooperação na Europa e no mundo que bem precisam dele.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Luís Campos Ferreira.

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O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Almeida Henriques e José Soeiro.
Sr. Deputado João Soares, pretende responder em conjunto ou separadamente?

O Sr. João Soares (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostava de começar por cumprimentar o Sr. Deputado João Soares pelo teor da intervenção que trouxe a este Plenário. É, de facto, uma intervenção esclarecedora e, por outro lado, é um prestar de contas ao Plenário por um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no seio da Assembleia Parlamentar da OSCE e, mais concretamente, da Delegação portuguesa.
Aproveito para, em Plenário, testemunhar o excelente papel que o Sr. Deputado tem vindo a desempenhar enquanto Presidente da Assembleia Parlamentar, realçando o que disse na sua intervenção, ou seja, que este foi um trabalho de toda a Delegação portuguesa e que, efectivamente, levou a que, hoje, o Sr. Deputado tenha o lugar de responsabilidade que tem na Assembleia Parlamentar da OSCE, a qual, de facto, tem a importância que referiu.
São 56 os países que têm assento na Assembleia Parlamentar que é um espaço de concertação para a paz e a segurança e no qual têm sido travados debates de grande importância.
Referiu, e muito bem, que se a OSCE teve um papel decisivo para a democratização dos países de Leste, está hoje a ter um papel também muito importante ao nível da Ásia Central e do Cáucaso. Portanto, não devemos desvirtuar a importância de uma organização como esta e devemos continuar a ter um empenhamento activo porque, efectivamente, são necessárias estruturas como a OSCE, é preciso o empenhamento dos parlamentares para a construção de um mundo melhor, o tal mundo de paz e de prosperidade.
Não obstante, Sr. Deputado, não deixam de existir algumas nuvens no horizonte, designadamente quanto à forma de que se reveste a articulação entre a Assembleia Parlamentar da OSCE e a dimensão governamental da OSCE, sobretudo no que diz respeito à monitorização dos actos eleitorais.
Em várias ocasiões que temos estado juntos em monitorizações eleitorais, temos verificado que nem sempre existe uma boa concertação entre a Assembleia Parlamentar e a dimensão governamental.
Gostava que, na sua qualidade de Presidente da Assembleia Parlamentar da OSCE e de Deputado, nos dissesse como acha que, no futuro, se poderá fazer uma maior concertação de esforços.
Por outro lado, em termos da dimensão mediterrânica que referiu, como é que a OSCE pode contribuir para que, efectivamente, o Mediterrâneo seja um espaço de paz e também de prosperidade para o mundo?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Soares, participando, nesta Legislatura, na Delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar da OSCE, temos vindo a acompanhar com muito interesse o trabalho desta Organização que, em nossa opinião, merece a melhor atenção. Desde logo, como já foi referido, na sua origem, a Acta Final de Helsínquia, em 1975 e as preocupações que animam esta Assembleia Parlamentar — contribuir para a paz, a cooperação, o diálogo entre povos muitos distantes, com culturas muito distintas, com processos de evolução muito diferenciados. Naturalmente, a existência desta Assembleia Parlamentar pode e deve continuar a constituir um importante espaço de procura de respostas, sobretudo, no mundo conturbado em que vivemos hoje.
O Sr. Deputado falou-nos da perspectiva de realização de uma cimeira da OSCE na qual se poderá aprofundar o que deve ser esta Organização. Teremos oportunidade de, no quadro das nossas discussões, trocar opiniões mais aprofundadas, mas, estando o Sr. Deputado, neste momento, na qualidade de Presidente

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da Assembleia Parlamentar da OSCE, se pudesse adiantar-nos mais algumas ideias, que estejam já hoje clarificadas, sobre quais poderão ser os objectivos mais precisos dessa Assembleia, creio que teria uma grande importância para a nossa reflexão colectiva e para podermos avançar com o melhor contributo para o sucesso da mesma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado João Soares.

O Sr. João Soares (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados José Soeiro e António Almeida Henriques, agradeço as palavras simpáticas que me dirigiram e, sobretudo, a oportunidade que me dão de esclarecer, aqui, algumas questões que me parecem decisivas na afirmação da organização internacional a que pertencemos no quadro das nossas responsabilidades na Assembleia da República.
O Sr. Deputado António Almeida Henriques está, como eu, nesta organização internacional desde 2002 e tem sido um companheiro de todos os dias nas várias jornadas em que temos participado, como, aliás, o Sr. Deputado José Soeiro, por isso sublinhei que o esforço e os resultados que temos obtido não são mérito de nenhum dos membros mas, sim, do colectivo nacional que integra a delegação da Assembleia da República nesta organização internacional.
Queria dizer também — talvez não o tenha dito com tanta clareza na minha intervenção — que considero, muito sinceramente, que, neste momento, esta é a mais activa das organizações internacionais em termos de presença no terreno.
Claro que todos temos que ter respeito pelas Nações Unidas e pela própria União Europeia mas, do ponto de vista da eficácia da intervenção no terreno, nomeadamente nos países da Ásia Central, do Cáucaso e dos Balcãs, não há nenhuma comparação entre a Organização de Segurança e Cooperação Europeia e qualquer outra das organizações internacionais.
O mesmo se pode dizer em termos das reflexões que se podem fazer no que diz respeito à relação entre custos e benefícios. Nesse plano, então, a Organização de Segurança e Cooperação Europeia é absolutamente imbatível no cenário das organizações internacionais. Talvez porque seja, como disse, há tempos, um embaixador de Portugal, numa peça que escreveu, uma sedimentação relutante de uma conferência internacional de uma organização que ainda não engrossou como a generalidade das organizações internacionais, embora haja questões que também se prendem com esse «engordar» da estrutura central de que me pude aperceber justamente na última visita que fiz ao Conselho Permanente na Áustria, em Viana, como sabem. E aqui há, obviamente, também um problema de relacionamento — que, aliás, foi aflorado pelo Sr. Deputado António Almeida Henriques com a sua vastíssima experiência de trabalho na OSCE — entre a componente governamental e a componente parlamentar.
Não vou poder estar presente no debate com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não sei se virá a caso falar sobre essa matéria, mas valeria a pena insistir — como temos insistido sempre que temos estado com o Sr. Ministro, nomeadamente o Sr. Deputado António Almeida Henriques e eu — no sentido de Portugal assumir um papel de liderança no reforço da componente parlamentar, que pode assegurar a transparência e o rigor das contas de uma organização internacional que tem, como todas as outras, uma certa tendência para «engordar» em termos de estrutura central, abandonando, evidentemente, o trabalho no terreno, apesar de o trabalho no terreno ser, do ponto de vista comparativo, mesmo hoje, completamente superior ao de qualquer outra organização internacional.
E vimo-lo no conflito do Cáucaso. Ninguém teve uma presença no terreno, nomeadamente a componente parlamentar. Eu próprio, enquanto Presidente da Assembleia Parlamentar, fui a Moscovo falar com o Sr.
Lavrov e com o Sr. Gryzlov, que é o Presidente da Duma. Além disso, enviámos um dos nossos colegas, anterior presidente da Assembleia Parlamentar, à Geórgia, o qual, aliás, esteve na Geórgia, no Azerbaijão e na Arménia a falar com os responsáveis do lado georgiano daquele conflito. Neste momento, somos os únicos que temos uma presença efectiva no terreno nos territórios da Abcásia e da Ossétia do Sul.
Em muitas circunstâncias, invocámos o precedente que tínhamos — e que, infelizmente perdemos! — de termos sido o único país da União Europeia que não tinha reconhecido o Kosovo, no quadro de uma ausência completa de problemas de natureza regional, como alguns dos nossos parceiros que ainda não reconheceram

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o Kosovo. Infelizmente, perdemos esse argumento, mas que foi, para nós, importante, nomeadamente nas discussões que tivemos em Moscovo, para conseguir aquilo que não conseguimos. Mas a verdade é que há aqui um empenho plural que queria sublinhar e agradeço a todos.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Srs. Deputados, ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Almeida.

O Sr. Jorge Almeida (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: 10 de Setembro de 1756 — é assinado o alvará régio que institui a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e a consequente demarcação pombalina que introduziu, pela primeira vez na história mundial do vinho, a ideia moderna de denominação de origem controlada.
2 de Dezembro da 1997: a Assembleia da República aprova, por unanimidade, a Lei n.º 125/97, que cria o Museu do Douro, um compromisso histórico de parlamentares desta Câmara.
14 de Dezembro de 2001: classificação do Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. O anfiteatro de xisto construído, moldado e vivido ao longo de séculos, uma das grandes parcerias da história da humanidade feita entre o criador e os durienses, cujo resultado foi uma das mais incríveis e fantásticas criações cénicas reconhecida pela UNESCO naquela data como paisagem evolutiva e viva. O tributo prestado a um povo que a pá e ferro, pedra a pedra, cepa a cepa, ano após ano, soube construir com tanta dor, suor, lágrimas, paixões, amarguras, desavenças e amor um incomensurável património paisagístico, cultural e social.
Junho de 2004: o antigo edifício da Real Companhia Velha, a popularmente conhecida Casa da Companhia, é adquirido pelo Ministério da Cultura, através da Direcção-Geral do Património. Edifício verdadeiramente emblemático do Douro setecentista que funcionou durante mais de dois séculos como centro administrativo das actividades da Companhia do Alto Douro.
15 de Dezembro de 2005: é aprovado em Conselho de Ministros o decreto-lei que cria a Fundação Museu do Douro e aprova os respectivos estatutos, tendo como fim a instalação, manutenção e gestão do Museu do Douro, instituição museológica de âmbito regional vocacionada para a inventariação, recolha, investigação, preservação, valorização e divulgação do património material e imaterial do Douro Vinhateiro.
Uma medida política da maior assertividade foi também a confirmação e a institucionalização de um modelo museológico que fez evoluir a noção convencional de museu, edifício, colecção, para o novo paradigma de um museu aberto e interactivo com o seu território de referência, onde habitam as comunidades detentoras e produtoras permanentes de uma cultura multivalente, comunidades essas que são precisamente o principal activo da classificada paisagem evolutiva e viva.
Um museu que não se vai afirmar pelas peças ou colecções de valor intrinsecamente técnico e científico mas, sobretudo, pela representação e interacção com um meio natural e cultural a perceber como um todo, recebido por herança, que se valoriza, cria e recria pela acção do Homem de forma a melhor explicar a natureza e a história dessa mesma herança.
20 de Dezembro de 2008: no próximo sábado, o Primeiro-Ministro, José Sócrates, vai inaugurar o edifício sede do Museu de Douro, situado na cidade da Régua, uma grande obra de requalificação da Casa da Companhia.
Um investimento total de 7 milhões de euros, com 7500 m2 de área funcional, um espaço aberto de valorização social, cultural e turística, um dos maiores, senão o maior e mais ambicioso investimento cultural realizado pela administração central na região, bem no coração do Alto Douro Vinhateiro, na sua cidade de referência administrativa e comercial, a cidade do Peso da Régua.
Uma obra lançada após decisão pragmática e inadiável do Ministério da Cultura e executada, sem qualquer derrapagem orçamental ou temporal, em 21 meses.
Em hora de regozijo e exaltação regional, gostaria de deixar duas notas.
Uma, de reconhecimento a ex-Deputados desta Casa, como António Martinho, Lino de Carvalho e outros, que tão bem souberam interpretar o sentimento dos durienses ao construírem e fazerem aprovar, por unanimidade, a lei que criou o Museu — os durienses nunca os esquecerão — e a governantes de três

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Executivos, como Augusto Santos Silva, Pedro Roseta e Isabel Pires de Lima, cujas decisões plenas de justiça e oportunidade histórica foram determinantes para a evolução e consolidação do processo.
A outra nota tem a ver com a lição de abrangência e transversalidade dada pelos partidos políticos desta Casa, aquando da feitura da lei, bem como o exemplo de sentido de Estado, continuidade e complementaridade dados por três governos de partidos políticos diferentes que conduziram a bom porto tão importante desígnio regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Douro necessita de investimentos estruturantes, dirigidos ao fundamental das suas valências, que são o vinho, o turismo, a paisagem e a cultura, como muito bem definiu o Primeiro-Ministro. Investimentos que reproduzam bens materiais e imateriais e que invertam decididamente o ciclo de perda dos seus activos mais importantes, que são as populações.
A entrada em funcionamento do Museu do Douro enquanto museu do território, polinucleado e multifuncional, constituirá, para além do símbolo da memória viva do povo, um elemento decisivo na construção de uma plena oferta turístico-cultural de alto valor qualitativo, capaz de captar o exigente fluxo turístico a que se destina.
O Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro, agora em fase de operacionalização, disponibiliza substanciais apoios ao investimento na criação de novas unidades hoteleiras de alta gama, bem como nas pequenas unidades de turismo em espaço rural, valorizando e potenciando o espaço agrovinícola, numa lógica de multifuncionalidade das quintas e fruição da paisagem classificada.
A alteração do processo logístico do Vinho do Porto atrai para a região do Douro os principais agentes económicos do sector actualmente sedeados no litoral. Uma fileira que, concentrada na região onde o vinho se produz, pode reduzir custos de contexto, melhorar os tempos de envelhecimento, aproveitar as novas infraestruturas rodoviárias e fluviomarítimas, tornar mais competitivo o Vinho do Porto e deixar no Douro aquilo que hoje ruma a outras paragens: emprego qualificado e dinheiro circulante.
O Vinho do Porto, a Denominação de Origem Controlado (DOC) Douro, e o de mesa. As dificuldades tremendas por que passam milhares de produtores do Douro, que não encontram nas instituições a que pertencem as soluções de organização e gestão para os mercados capazes de lhes garantir preços justos e pagamentos atempados. Um esforço redobrado que é exigível a todos: à administração central, disponibilizando e facilitando os instrumentos previstos para ajudar à mudança, mas, sobretudo, às organizações de produtores de cuja modernização da gestão depende a valorização comercial dos produtos e a melhoria dos rendimentos dos 40 000 agricultores.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

O Sr. Jorge Almeida (PS): — A navegabilidade do rio não só de Barca d’Alva atç ao Porto mas tambçm de Barca d’Alva para todo e qualquer porto comercial europeu será, em breve, concretizada graças á construção dos molhes da foz de Douro, uma infra-estrutura vital para o aproveitamento integral da navegabilidade do rio que um governo socialista lançou e outro Governo socialista concluiu.
A requalificação da Linha do Douro, um troço ferroviário que atravessa três Patrimónios da Humanidade — o Porto, o Alto Douro Vinhateiro e as Gravuras de Foz Côa — que ainda se encontra «mutilado» a montante do Pocinho e que urge recuperar.
As infra-estruturas rodoviárias. A conclusão da A24 e da A7 e o lançamento do túnel do Marão, da A4, até Bragança, e do IC5 são medidas de uma dimensão nunca vista em termos de investimento em Trás-osMontes e Alto Douro.
Mas, se os durienses se revêem nos ganhos que essas obras trazem para a região no seu todo, não podem deixar de marcar com grande ênfase a importância da construção do IC26, que ligará Amarante a Régua, a via mais importante para a actividade económica das populações ribeirinhas cujo tráfego, nalguns troços, é feito através de uma estrada pombalina alcatroada.
Deixo aqui o apelo para que nada, mas mesmo nada, faça adiar o processo em curso e o cumprimento dos prazos pré-estabelecidos para o IC26.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o Museu, o Douro fica mais e melhor equipado, mais preparado para os desafios do futuro. Mas o Museu constitui também para dentro, para a própria região, um enorme desafio: o

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da sua potenciação integral, de acordo com o modelo legislativo conceptual que o criou e com a aposta da administração central.
O Museu do Douro, museu de território, polinucleado, o Museu de Lamego e o Museu do Côa constituem uma oferta integrada e coerente, ligada pelo grande rio e pela paisagem evolutiva e viva.
As dificuldades podem existir, mas estou certo de que as populações, as instituições, os fundadores, as empresas, as associações recreativas e culturais, a Liga dos Amigos do Museu e as autarquias saberão sempre e a todo o momento construir as imprescindíveis convergências, introduzir os inputs necessários que garantam uma boa funcionalidade ao Museu e as enormes externalidades que todos esperam desta grande obra.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao debate com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre o último Conselho Europeu. Também será discutido, em conjunto, o parecer da Comissão de Assuntos Europeus, sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me, nos termos regimentais, apresentar a posição do Governo de balanço da Presidência francesa da União Europeia, em particular dos resultados do último Conselho Europeu, dando conta à Assembleia, naturalmente, das posições do Governo português sobre esse mesmo exercício da Presidência francesa ao longo dos últimos seis meses.
É sabido que a avaliação que fazemos da Presidência francesa é positiva. Foi uma Presidência bemsucedida sob todos os aspectos, com liderança, com iniciativa, com criatividade, pressupostos fundamentais para o exercício de uma Presidência da União Europeia com sucesso.
Sobretudo num tempo de crise como aquele que vivemos, sobressai a qualidade política da liderança no exercício de uma Presidência e a França soube liderar a União Europeia e soube, através dessa liderança, afirmar a capacidade de a União Europeia liderar o sistema internacional na resposta a uma crise com a gravidade que conhecemos.
A liberdade de reagir aos principais acontecimentos internacionais, salvaguardando a afirmação do sistema de valores da União Europeia, a singularidade do seu modelo económico e social e a especificidade do seu processo de integração foram possíveis justamente pelas qualidades evidenciadas pela Presidência francesa, que contou sempre, nos capítulos essenciais, com o apoio do Governo português.
Num processo de decisão a 27 Estados, há um valor fundamental para a afirmação dos interesses da União Europeia: a coesão da aliança que representa a União Europeia. Para esse esforço de coesão, também nós contribuímos, sobretudo nos momentos mais críticos que esta Presidência enfrentou. A saber: Em particular, a crise geopolítica que a Europa conheceu durante o mês de Agosto com os acontecimentos na Geórgia, em que a gestão inteligente, criativa, com capacidade de gerar consensos no seio do Conselho no que se refere ao relacionamento com a Rússia foi determinante para o sucesso da intervenção da União Europeia nessa crise.
Em segundo lugar, a crise financeira a partir do mês de Setembro, em que soube dar uma resposta rápida, interrompendo uma deriva unilateralista de reacção a essa crise financeira (que nos teria arrastado para uma situação com efeitos devastadores) e sabendo coordenar a resposta que, no plano financeiro, os diferentes Estados puderam dar a essa crise.
Mais concretamente, no presente mês de Dezembro, garantiu o sucesso de um Conselho, que se apresentava como muito crítico, através da obtenção de compromissos fundamentais em torno de algumas questões de grande importância para o futuro da União, designadamente: a resposta à crise económica que se desenvolve com uma celeridade vertiginosa e que se precipita na Europa; todo o pacote relativo ao sector energético e às alterações climáticas; e, também, o compromisso que foi possível obter para ultrapassar a crise provocada com a rejeição ao Tratado de Lisboa.

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Três dossiers fundamentais a que, como referi, a Presidência francesa soube responder com responsabilidade, com liderança, com criatividade, garantindo os compromissos indispensáveis para o sucesso desse Conselho.
Muito sucintamente, quanto às questões relacionadas com a resposta inadiável que a União Europeia tem de dar a uma crise económica que se precipita no continente Europeu, diria que a Presidência francesa soube gerir um compromisso muito importante em relação a três aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar, garantindo o apoio ao plano de relançamento da economia europeia, consagrado num volume significativo de intervenção de despesa pública e de investimento, orientando esse investimento para domínios fundamentais na afirmação da competitividade europeia na economia global, designadamente em todo o sector da energia e das tecnologias de informação, e, ao mesmo tempo, garantindo um equilíbrio macroeconómico indispensável para preservar o futuro da economia europeia.
No conjunto da economia global, a economia europeia é hoje uma economia em equilíbrio, do ponto vista macroeconómico, independentemente dos desequilíbrios que conhece internamente. Esse equilíbrio é garantido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e o plano de relançamento que a Comissão apresentou garante que o Pacto de Estabilidade é uma referência fundamental para o futuro da economia europeia, aplicando os mecanismos de flexibilidade que ele próprio prevê.
O plano de relançamento da actividade económica garantiu equilíbrios essenciais e contou, desde o início, com o apoio português. Seguramente, ele permite à Europa encarar esta crise com moderado optimismo, tendo em consideração as dificuldades que se põem à gestão desta crise do ponto de vista económico, sendo hoje possível perceber que a Europa reage mais facilmente à crise financeira do que ao impacto da crise económica, dada a circunstância de ter um modelo de governação económico pouco adaptado à existência de uma União Económica e Monetária.
Essa é uma das dificuldades que temos de enfrentar e é, sem dúvida, um dos grandes desafios que se colocam à economia europeia e que este plano de relançamento da actividade económica na Europa, apesar de tudo, procura reequilibrar.
Em segundo lugar, o Conselho teve um resultado muito importante do ponto de vista das expectativas criadas em relação ao pacote energia-clima, salvaguardando uma função de liderança da União Europeia, antevendo a Cimeira de Copenhaga em tudo o que representa para o cenário pós-Quioto. Creio que esse compromisso conseguido preserva, apesar de tudo, os interesses fundamentais que nós próprios defendemos, em relação às posições do Governo português.
Finalmente e em terceiro lugar, em relação às questões que se prendem com o Tratado de Lisboa, o compromisso assumido garante, do nosso ponto de vista, o equilíbrio essencial entre a resposta à crise aberta na Irlanda e a necessidade de o governo irlandês responder às expectativas que esse referendo projectou no sistema político irlandês, sem pôr em causa o Tratado de Lisboa, sem obrigar a uma renegociação nem à reabertura do processo de ratificação nos Estados que já o fizeram — 25 Estados já ratificaram.
Por tudo isto, fazemos um balanço muito positivo da Presidência francesa, em particular dos resultados do Conselho Europeu, pois deram-nos um contributo importante, com exigente criatividade e com exigente liderança.
Regozijamo-nos pelo facto de, no essencial, as posições da Presidência francesa terem sido também marcadas por um apoio sistemático do Governo português e por uma aproximação a pontos de vista que não se afastaram muito dos compromissos propostos pelo Governo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, deixe-me confrontar o seu moderado optimismo e a sua avaliação positiva com o que considero ter sido um péssimo ano, um mau ano para a elite política que tem comandado os destinos da União Europeia. Passou apenas um ano mas já não existe o ambiente festivo do champanhe e dos confettis do final da Presidência portuguesa, como todos constatamos, certamente.

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Queria lembrar-lhe três momentos: primeiro o «não» do povo irlandês ao Tratado; depois a importação da crise financeira que se transformou, rapidamente, numa recessão económica e no agravamento da crise social na maior parte dos países da União Europeia; e, por último, uma péssima notícia para essa elite europeia, que viu recusada, pelo Parlamento Europeu, uma proposta — inconcebível! — de alargamento do horário de trabalho semanal até às 56 horas.
É exactamente sobre estas três questões que lhe vou dirigir as minhas perguntas, começando pelo fim.
A primeira pergunta é de espanto: como é que o Governo português se abstém na votação de uma proposta — reconheço que os senhores vêm com o balanço (ou com o lance, como se diz no Porto) da aprovação do código laboral — que prevê o alargamento do horário semanal até às 56 horas? Não acham que isso é demais para qualquer governo, sobretudo para um governo que tem a chancela de socialista? Não acham que é um exagero, que é algo que não faz sentido nos tempos modernos que vivemos? Gostaria que nos explicasse como é que o Governo português se absteve nessa votação.
Relativamente ao Tratado de Lisboa e às respostas que foram dadas pela elite europeia — pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu — à rejeição do povo irlandês, quase me atrevia a dizer que são a homenagem que o vício presta à virtude. E digo isto fazendo-lhe as seguintes perguntas: o Sr. Ministro não se sente, hoje, na sua consciência, incomodado com a trapalhada — se me permite o termo — política e jurídica relativamente à inclusão da Irlanda entre os signatários do Tratado? Então, e os portugueses? E os franceses? E os holandeses? E todos os outros povos que não tiveram a oportunidade de fazer um referendo e de exprimir livremente a sua opinião? Não mereceriam eles, igualmente, ver plasmadas no Tratado as suas preocupações, as suas condições? Como membro de um Governo que recusou — apesar de o ter prometido — um referendo, sente-se hoje inteiramente à vontade para olhar os portugueses quando lemos que vai ser plasmado no Tratado de Lisboa, em anexo, um conjunto de exigências do governo irlandês, em respeito pela vontade dos cidadãos irlandeses, apesar de ela ter sido manifestada em sentido contrário? Gostaria que nos esclarecesse qual é a sua atitude perante esta situação.
A terceira e última questão prende-se com o famoso plano de relançamento da economia europeia. Sr.
Ministro, temos de reconhecer que o plano é uma «mão cheia de nada»! 200 000 milhões de euros é, de facto, um volume de fundos muito grande, mas a verdade é que o investimento europeu corresponde a apenas 15% desta verba, o que significa que os mais fortes economicamente, aqueles que têm mais condições e são mais desenvolvidos terão, naturalmente, mais instrumentos para fazer face às dificuldades, à crise e à recessão; aqueles que são mais fracos, que têm mais dificuldades e menos condições, esses, continuarão a ficar fora destas medidas, fora da possibilidade de relançar a sua economia e de vencer a crise social.
Com tão poucas medidas, sem uma palavra sequer sobre a especulação financeira, sem uma palavra sequer sobre as transferências e circulação de capitais na União Europeia, sem uma palavra sequer sobre as offshore, pergunto o que é que fica deste plano e em que é que ele poderá beneficiar a economia portuguesa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Lurdes Ruivo.

A Sr.ª Maria Lurdes Ruivo (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, gostaria de sublinhar a importância dos resultados obtidos no último Conselho Europeu, designadamente os ambiciosos e importantes compromissos assumidos pela União Europeia, em matéria de energia e alterações climáticas, as metas para 2020.
Sendo imperativo intensificar as acções para melhorar a eficiência energética dos edifícios e as infraestruturas energéticas, promover os produtos «verdes» e apoiar o esforço da indústria automóvel para produzir veículos mais amigos do ambiente, considera o Sr. Ministro que a Europa está, finalmente, no caminho da segurança e solidariedade do sector energético?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

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O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, quero começar por referir, em nome do CDS, que consideramos que houve um esforço positivo por parte da Presidência francesa, esforço esse que foi, evidentemente, personificado no Presidente francês, Sarkozy, que, mais uma vez, teve a oportunidade de demonstrar a sua vontade e a possibilidade que tem de se afirmar como um grande político na cena europeia.
O esforço comum de que o Sr. Ministro nos veio falar é, desde logo, demonstrado por uma ligação evidente entre a opção da Comissão e a opção do Conselho relativamente à resposta à crise que hoje vivemos.
Mas, Sr. Ministro, nas conclusões do Conselho vem referido um esforço relativamente a um valor de 1,5% do PIB de toda a União Europeia. Parece-lhe possível alcançar este valor? Parece-lhe possível que o estímulo à economia alcance valores como este? Por outro lado, em relação ao caminho a seguir, a Comissão refere, de um modo muito claro, a importância que pode ter o alívio da carga fiscal. Por exemplo, o Primeiro-Ministro Gordon Brown, o trabalhista Gordon Brown,»

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » bem recentemente, anunciou que a taxa normal do IVA no seu país passaria de 17,5% para 15,5%. Ora, em Portugal, a opção fiscal é subalterna, não é fundamentalmente por ela que passa o plano de relançamento da economia. Com isto, há uma discordância do Governo português em relação à vontade expressa pelo Sr. Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, na quebra fiscal ou, então, em relação à opção de natureza política que tomou o Primeiro-Ministro Gordon Brown de baixar em dois pontos percentuais a taxa normal do IVA.
Por outro lado, Sr. Ministro, gostaríamos de saber o modo como o Conselho, em ligação com a Comissão, pretende tratar a questão das desigualdades. Evidentemente que, quando se fala na questão das desigualdades, lembramo-nos logo do problema relacionado com os altos salários que vão sendo conhecidos em algumas áreas. O CDS é um partido que defende o mercado, é um partido que não vem propriamente com soluções absurdas de taxas de tributação na ordem dos 75%, mas, por exemplo, também tomámos nota da preocupação e da vontade de resolver este problema demonstrada pela Chanceler Merkel.
Pretendo saber, Sr. Ministro, se esta matéria já foi discutida, se pretende, em relação a este assunto, tomar uma posição comum e se, por outro lado, também está entre os temas que o Conselho — não sei se através de uma separação que a Comissão faça relativamente ao mesmo — pretende tratar o problema da supervisão, que tem aspectos comunitários e aspectos internos, como é evidente.
Termino, dizendo que fazemos uma análise positiva desta Presidência francesa e que esperamos que o esforço comum possa alcançar resultados.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Umberto Pacheco.

O Sr. Umberto Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, a estratégia política anual da União para 2009, que foi aprovada em Fevereiro deste ano, assenta basicamente em dois pressupostos: o de que o Tratado de Lisboa entraria em vigor no início de 2009 e o de que a crise financeira, que começou nos Estados Unidos, não teria o impacto que veio a revelar a posteriori. Os dois pressupostos estão errados. O referendo irlandês demonstrou isso mesmo e a recessão à porta das economias demonstrou que a deficiência de análise e de previsão relativamente à situação financeira também falhou.
O Conselho de 12 de Dezembro responde a estas duas questões, reafirmando a celeridade de princípios para um acordo com a Irlanda, a fim de viabilizar a ratificação do Tratado, e aprovando, em resposta ao segundo pressuposto falhado, um conjunto de medidas de carácter económico, que o Governo português, em boa hora, já seguiu, para superar o problema da crise económica que temos à porta.

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Mas esta crise também veio evidenciar uma constatação, que é minha, e questiono o Sr. Ministro se concorda com ela ou não: esta crise revela que a Europa carece urgentemente de uma nova arquitectura institucional que lhe permita, atempada e coordenadamente, responder a situações imprevisíveis, como foi esta.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Em que cada um tratou de si!

O Sr. Umberto Pacheco (PS): — A questão que lhe coloco é esta: que passo daremos seguidamente para viabilizar a ratificação final do Tratado de Lisboa e, nomeadamente, os detalhes mais concretos do acordo com a Irlanda? A segunda questão, correlativa e paralelamente a esta, tem a ver com a disponibilidade manifestada por Portugal de receber prisioneiros de Guantanamo. Gostava que nos esclarecesse sobre os contornos dessa decisão ou dessa manifestação de disponibilidade, que é louvável, por parte do Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Sr. Presidente, dentro dos limites do tempo escasso que tenho, vou responder com muito prazer às questões que me foram colocadas.
Sr. Deputado João Semedo, relativamente à directiva que referiu, sabe que o sentido da abstenção é, no fundo, um não apoio. É esse o processo de votação na União Europeia»

O Sr. Honório Novo (PCP): — É uma nova versão!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — » e a circunstância de Portugal não ter votado a directiva significa, efectivamente, o mesmo do ponto de vista político que não a ter votado.

O Sr. Honório Novo (PCP): — É essa a forma de a viabilizar!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Não é! É essa a forma de votação que a União Europeia assume.
Em relação ao referendo, Sr. Deputado João Semedo, há muito tempo, já tivemos oportunidade de discutir as questões relacionadas com o Tratado de Lisboa. Tivemos, aliás, em comissão, um debate muito aceso sobre esta matéria.
A questão da legitimidade para a ratificação do Tratado de Lisboa pelo Parlamento é uma questão que não abrimos, e o Sr. Deputado pretende abri-la. Não aceitamos uma capitis diminutio, do ponto de vista da legitimidade política, do Parlamento e dos Deputados e, aliás, somos acompanhados nessa interpretação pela esmagadora maioria, quase a totalidade, dos Estados-membros. Foi esse o procedimento adoptado para a ratificação em 26 Estados-membros da União Europeia e é nossa convicção de que essa foi a via correcta para o fazermos também em Portugal.
Relativamente ao Tratado de Lisboa, dir-lhe-ei que o Tratado que foi apresentado ao povo irlandês é o mesmo que, agora, nos termos deste acordo, será submetido a referendo, que foi determinado pelo governo legítimo e soberano da Irlanda na sequência das deliberações tomadas no Conselho Europeu de Dezembro.
Sei que o Sr. Deputado fica muito incomodado com esse facto,»

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não, não! As contrapartidas!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — » pois gostaria de ver o Tratado, como, aliás, disseram, morto e enterrado, mas o Tratado ainda não está morto nem enterrado, está vivo, e «até ao lavar dos cestos é vindima». Vamos ver se, de facto, é ou não possível o Tratado entrar em vigor, como foi deliberado no Conselho, até ao final do ano de 2009.

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Sr. Deputado, em relação ao plano de relançamento da economia, de facto, é essa a circunstância que temos. Na União Europeia, o modelo de governação económica é pouco ambicioso em relação às responsabilidades de gestão de uma União Económica e Monetária, e eu sublinhei-o na minha curta intervenção. O peso da União Europeia previsto neste plano representa apenas, como disse, 15% da despesa prevista e, confrontando-nos com o que é, por exemplo, o plano Obama anunciado, de 800 000 milhões, que representará cerca de 6% do PIB americano, é óbvio que há aqui alguma dificuldade, como tive oportunidade de dizer. Nós reagimos, provavelmente, melhor à crise financeira, com a resposta coordenada que lhe demos, do que vamos ser capazes, por estas circunstâncias, de reagir ao impacto que a crise económica não deixará de ter na União Europeia.
Este é um processo que resulta, necessariamente, do sistema que temos e de alguma debilidade institucional, que, manifestamente, reconhecemos e para a qual, aliás, o Tratado de Lisboa propõe algumas soluções, não completamente satisfatórias neste domínio da governação económica, mas, apesar de tudo, mais ambiciosas do ponto de vista institucional, para configurar uma matriz institucional à dimensão dos desafios que a União Europeia hoje tem pela frente.
Sr.ª Deputada Maria de Lurdes Ruivo, como sabe, relativamente ao pacote da energia e das alterações climáticas, as metas eram muito ambiciosas e houve dúvidas sobre a capacidade de a Presidência francesa de poder garantir o compromisso necessário para impor essas metas, que são absolutamente fundamentais também para que a União Europeia possa chegar a Copenhaga, em Dezembro, com uma função de liderança relativamente»

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, peço-lhe que conclua.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — » ao desenho de um processo pós-Quioto mais ambicioso para a estabilidade energética do sistema internacional.
Mas, apesar de tudo, esse compromisso foi possível e satisfez-nos. Relativamente àqueles que eram os objectivos da negociação pela parte portuguesa, ficámos satisfeitos com os resultados obtidos.
Sr. Deputado Diogo Feio, já respondi em relação às limitações institucionais que, em termos macroeconómico, não deixamos de ter para reagir à crise económica. Dir-lhe-ei apenas que, relativamente à opção consumo e investimento, como sabe, o plano de relançamento não podia ser mais do que aquilo que é, isto é, menu de opções que os Estados, depois, adaptam à realidade das políticas económicas que desenvolvem. E, como sabe, a opção de estimular o desenvolvimento e o crescimento económico pela via do consumo e da redução fiscal é apenas assumida por poucos Estados-membros da União Europeia e, pelo contrário, o modelo mais intervencionista de recurso ao investimento e à despesa pública é assumido em termos mais significativos.

O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, tem de concluir.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Terei oportunidade, eventualmente, se o Sr.
Presidente, no final, me der tempo para uma síntese curta»

O Sr. Presidente: — Transferirei todo o tempo que o Grupo Parlamentar do PS lhe conceder.

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — » ou no tempo do Grupo Parlamentar do PS, se ele me for cedido, de responder às questões do Sr. Deputado Umberto Pacheco.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Antes de passarmos ao período de intervenções, tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Bastos, como relatora do parecer da Comissão de Assuntos Europeus sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009, que, a partir daqui, também estará em debate, conjuntamente com o debate sobre as conclusões do último Conselho Europeu.

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A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Uma consideração prévia relativamente ao parecer que elaborei sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009, que tem a ver com a circunstância actual que vivemos. Se a Comissão Europeia não tivesse elaborado esta Estratégia antes de Junho e o tivesse feito agora mais próximo da situação que temos vindo a viver a nível de crise financeira europeia e global, teria, certamente, incluído na sua estratégia outras medidas económicas e o reforço das nela já previstas, designadamente teria incluído o chamado Plano Barroso, que já foi aqui aludido há pouco.
Como relatora, contudo, compete-me fazer uma análise mais ou menos crítica da estratégia apresentada pela Comissão Europeia.
Assim sendo, entendemos que, para o próximo ano, a Comissão Europeia apresenta acções prioritárias e um quadro geral de recursos humanos e financeiros que entendemos adequado e bem planeado.
Neste documento estratégico, a Comissão tem como medidas e acções prioritárias o crescimento e o emprego, as alterações climáticas e uma Europa sustentável, a realização de uma política comum de imigração, a prioridade aos cidadãos, a Europa como parceiro mundial, legislar melhor e, finalmente, a comunicação sobre a Europa.
A Comissão pretende que o próximo ano seja um ano de maior aproximação aos cidadãos europeus e, por isso, pretende simplificar os procedimentos que influenciam directamente a sua vida.
Entendemos que a Comissão apresenta um conjunto equilibrado e racional de prioridades, que, aliás, vem no seguimento do que tem sido o seu mandato, que é corresponder, de forma eficiente e eficaz, aos desafios do presente e do futuro da Europa.
O documento objecto deste parecer assenta, em grande parte, na presunção da vontade da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, considerado pela Comissão Europeia como uma peça fundamental para o bom funcionamento das instituições comunitárias.
Na verdade, Sr. Ministro, 2009 vai ser um ano muito importante para a Europa, com um novo Parlamento Europeu e uma nova Comissão Europeia, que irão reflectir, como é óbvio, uma nova vontade dos cidadãos europeus e um novo equilíbrio institucional.
Os europeístas como nós entendem que o actual quadro institucional não se mostra adequado a responder aos desafios internacionais e à própria evolução da União, resultante dos sucessivos processos de alargamento. Mas também entendemos que o projecto de construção europeia, iniciado há 50 anos com seis Estados-membros, é hoje uma realidade compartilhada por 27 Estados-membros que comungam dos mesmos objectivos e princípios de paz, progresso e coesão sociais, e é com todos, Sr.as e Srs. Deputados, que deverá prosseguir.
O resultado do referendo irlandês deixou, na verdade, a União Europeia num impasse institucional, que o Conselho Europeu da passada semana pretendeu ultrapassar com a reafirmação expressa de garantias, já antes acauteladas, com o intuito óbvio de serenar os cidadãos irlandeses em troca de um compromisso político de realização do novo referendo no próximo Outono, situação que não criticamos, pelo contrário.
A entrada em vigor do Tratado de Lisboa é, deste modo, essencial para dar um novo impulso ao processo de integração europeu, ao dotar a União de uma estrutura mais flexível e mais próxima dos cidadãos e capaz de se mostrar mais coesa em termos institucionais e mais forte em termos externos.
Uma última palavra para concluir que esta estratégia anual da Comissão Europeia é ambiciosa. Esperemos que a Comissão Europeia, com o apoio da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, tenha força para fazer o projecto europeu prosseguir com o entusiasmo com que tem vindo a ser prosseguido nos últimos 50 anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados: Durante a Presidência francesa, as instituições europeias conseguiram encontrar respostas para uma agenda em rápida mutação e cheia de imprevistos.
Em Agosto, na Geórgia, um erro de avaliação das autoridades forneceu o pretexto para uma resposta desproporcionada por parte da Rússia. Alguns temeram que a União Europeia se remetesse à atitude de

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outros tempos: «assobiar para o lado», invocar a sua incapacidade e ficar à espera que os aliados americanos assumissem as despesas da diplomacia ou de uma eventual guerra. Mas a União Europeia agiu com rapidez e mostrou liderança e equilíbrio.
Os seus esforços talvez tenham evitado uma guerra de consequências humanitárias e geopolíticas imprevisíveis, mas também evitaram a tentação do isolamento da Rússia, com a qual a União Europeia tem de construir uma relação mais profunda a médio e longo prazo.
A Presidência francesa beneficiou com esse seu sucesso. Ele foi como que o tónico para uma dinâmica de confiança que afastou o espectro de uma Presidência vergada pelo resultado do referendo irlandês, insegura perante a ameaça da recessão e com dificuldades com dossiers complexos no plano interno.
No início dessa Presidência, o contexto era o da ressaca do referendo irlandês.
Os costumeiros profetas da desgraça, alguns com indisfarçável regozijo, anunciavam a morte do Tratado de Lisboa, às mãos de uma coligação de correntes ultraconservadoras e ultranacionalistas, com radicais da esquerda anti-europeia, cavalgando alguns mal entendidos sobre o Tratado, o seu conteúdo e o seu significado.
Mas a perspectiva mais sombria foi sendo gradualmente desmentida e a própria crise internacional veio reforçar a necessidade do Tratado de Lisboa. Não surpreende, portanto, que as ratificações tenham prosseguido, como aconteceu, recentemente, na Suécia. E também não surpreende que tenha sido possível chegar a um calendário para a realização de um novo referendo na Irlanda até ao final do mandato da actual Comissão.
Concessões foram feitas, é certo, mas essas concessões, no que se refere à composição da Comissão, a temas fiscais, de segurança e defesa, de família e respeitantes a direitos dos trabalhadores, são, seguramente, razoáveis.
Com distinção foi também o modo como a União Europeia fechou o acordo respeitante ao pacote legislativo, que materializa os objectivos em matéria de energia e de clima, assumidos em 2007.
Em Posnan, há exactamente uma semana, Ban Kin-Moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, pedia, em nome do mundo, que os Estados Unidos e a Europa mostrassem capacidade de liderança e ambição no estabelecimento de medidas e de metas — e no seu cumprimento — na perspectiva da construção do pósKioto. A União não perdeu tempo a corresponder a esse apelo e continua a ser a zona do globo mais avançada e mais ambiciosa no estabelecimento de objectivos de luta contra as alterações climáticas.
Até 2020, a União Europeia propõe-se atingir objectivos ambiciosos: menos 20% de emissões de gases com efeito de estufa, com a possibilidade de se elevar a meta para 30%.
Na sequência da Cimeira de Washington, de 15 de Novembro, realizada por iniciativa da União Europeia, foi aprovado, no Conselho Europeu, um plano de relançamento da economia europeia, orçado em cerca de 1,5% do PIB da União (valor equivalente a cerca de 200 000 milhões de euros).
O nosso grande desafio, agora, é criar condições para que estas medidas ao nível europeu, conjugadas com as medidas que já estão a ser adoptadas pelos governos e, designadamente, pelo Governo português, se traduzam numa resposta efectiva e realmente sentida pelas famílias e pelas empresas, em especial as pequenas e médias empresas.
Conhecendo-se o papel de charneira, insubstituível, que o sector financeiro é chamado a desempenhar aí, é importante o uso de todos os instrumentos políticos para que esse sector resolva os seus próprios problemas mas nunca descure, ou coloque em plano secundário, os problemas dos cidadãos e da economia real.
Os cidadãos olham para as instituições europeias e para todos nós com expectativa, nestes tempos de crise e de ansiedade em relação ao futuro. Não os defraudemos, pois!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Santos David, para uma intervenção.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao fazermos o balanço do Conselho Europeu que marca o fim da Presidência francesa, é da mais elementar

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justiça começar por saudar o brilhantismo, a coragem, a persistência e a seriedade que levaram ao sucesso que testemunhámos.
Ao longo da história da União foram, na maior parte das vezes, Estados de menor dimensão que, ao quererem demonstrar a plenitude das suas capacidades, proporcionaram as melhores e mais competentes presidências, enquanto os maiores países atribuíram menor importância ao exercício dessas funções, daí resultando, por vezes, menos entusiasmo e eficácia.
Numa União em que o primado da igualdade entre os Estados é um princípio crucial e basilar do seu funcionamento, os Estados com maior dimensão geográfica, demográfica ou económica não têm, nem podem ter, por força disso, maiores direitos. Mas sem que isso esteja, obviamente, consagrado nos tratados, esses maiores Estados têm, indubitavelmente, maiores responsabilidades, já que dispõem de recursos mais amplos, quer humanos quer materiais, que podem colocar à disposição do projecto comum.
Foi, por isso, um feliz acaso que, neste conturbado semestre, tenha a União sido presidida por um líder como Nicolas Sarkozy que, com o seu carisma, visão e coragem de assumir a mudança, prestou um enorme serviço à causa europeia.
Fê-lo sempre, mas rigorosamente sempre, na mais estreita cooperação e sintonia com o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. É óbvio que muito desta pública e evidente cumplicidade entre os dois resulta de uma confiança e de uma empatia de quem partilha os mesmos objectivos e preocupações. E, ao fazê-lo, prestigiou o executivo comunitário, que soube, por sua vez, estar à altura de todos os desafios que se lhe depararam. Desde logo, não receando os perigos de uma mediação pessoal que levou à suspensão do conflito na Geórgia, evitando uma guerra que facilmente poderia assumir as trágicas dimensões do que ocorreu, há poucos anos, nos Balcãs Ocidentais...

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — » e fazendo aprovar, mais recentemente, o Plano de Relançamento da Economia Europeia preparado pelo Presidente Barroso, estranhamente denegrido pelo Ecofin e que agora mereceu o acordo unânime dos chefes de Estado e de governo. Um plano em que acreditamos, um plano, Srs. Ministros, que não apela ao investimento público só pelo princípio doutrinário de ser público mas, sim, a investimentos inteligentes e comprovadamente rentáveis, como o PSD tem reiteradamente defendido.
É um lugar comum, mas este Governo tem que ser repetidamente avisado que deitar dinheiro, sem uma estratégia, em cima dos problemas não os resolve, apenas os adia e agrava, ficando a factura para ser paga pelas gerações futuras.
Mais, Srs. Ministros: o Plano prevê o apoio vigoroso às pequenas e médias empresas, não só ao nível do seu financiamento como reduzindo os custos não salariais do trabalho, onde se realça, expressamente, a redução dos encargos sociais. A maioria das PME não necessita de mais linhas de crédito nem de se endividar mais, precisa, isso sim, que o Estado lhes pague o que lhes deve, como o PSD, há muito, vem exigindo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Não podemos deixar de notar, Srs. Ministros, a dualidade de critérios do Governo português e da maioria socialista que o sustenta, que, em Portugal, critica, ataca e rejeita as propostas do PSD e em Bruxelas, no dia seguinte, aplaude, defende e aprova essas mesmas medidas.
Sintomática a forma desleal e arrogante como o Governo entende usar a sua maioria e tenta silenciar a oposição e iludir a opinião pública portuguesa. A seu tempo, seguramente, o Governo Sócrates acabará, mais uma vez, por recuar e nos dar razão. Virá, então, invocar que até votou o mesmo, anteriormente, em Bruxelas.
Em matéria de política energética e de preservação ambiental, e no seguimento dos ambiciosos objectivos assumidos na Presidência alemã, traduzidos no triplo 20 — o que quer dizer menos 20% de emissões, 20% de economia de energia e 20% de energia a partir de fontes renováveis em 2020 —, o Conselho Europeu aprovou também um pacote energia/alterações climáticas que reitera a intenção da Europa em continuar a liderar o processo, visando um compromisso à escala planetária na próxima Conferência de Copenhaga.

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Realce ainda para o novo impulso relativamente à política europeia de segurança e defesa, reforçando as capacidades europeias e reiterando a vontade de actuação ao serviço da paz e da segurança, quer interna quer internacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma palavra sobre o processo de ratificação do Tratado de Lisboa.
O Conselho voltou a demonstrar que o projecto europeu tem que se basear em solidariedade e respeito mútuos. Para ultrapassar as dificuldades resultantes do «não» irlandês, o Conselho Europeu manifestou disponibilidade para dar formalmente garantias à Irlanda quanto à manutenção da neutralidade nas tarefas de defesa, à votação por unanimidade em matérias fiscais, à liberdade de opção sobre questões éticas e de sociedade, como o divórcio ou o aborto. Declarações que, na verdade, nada alteram, pois está tudo já previsto no Tratado de Lisboa, dúvidas que apenas se colocam resultado da campanha de mentira quando da realização do referendo.
Quanto à questão do colégio da Comissão Europeia continuar a ser composto por um nacional de cada Estado-membro, os 26 parceiros comprometeram-se com a Irlanda a tomar uma decisão nesse sentido, desde que o Tratado de Lisboa entre em vigor em tempo útil para a nomeação da próxima Comissão.
Simultaneamente, o Governo irlandês comprometeu-se a submeter novamente o Tratado a referendo.
Dois comentários: por um lado, para manifestar o nosso cepticismo quanto à capacidade e vontade política do Governo irlandês para honrar este compromisso; por outro lado, para dizer que já adivinhamos os argumentos que a esquerda anti-europeia vai esgrimir, insurgindo-se quanto à falta de respeito pela democracia quando se exige ao povo irlandês que vote novamente o Tratado. Admiramos a coerência destes argumentos, particularmente quando recordamos a atitude dessa mesma esquerda em Portugal relativamente ao referendo sobre o aborto. Esse, sim, já podia, e devia, ser repetido!

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

O Sr. Mário Santos David (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes tempos conturbados, de incerteza, espera-se que a Europa mantenha a unidade e o espírito construtivo que testemunhou neste Conselho Europeu. Só assim transmitirá confiança aos agentes económicos.
Neste final de ano, imbuídos do espírito natalício, gostaríamos de pedir ao Governo uma nova atitude mais coerente, mais sensata, menos demagógica e menos arrogante. Mas a prática de quase quatro anos deste Governo faz-nos recear estar a pedir demais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães para uma intervenção.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Momentos difíceis como aqueles que atravessamos exigem políticas firmes, mas exigem também políticos determinados e por isso mesmo é justo, agora que está a findar, saudar a Presidência francesa e, sobretudo, o Presidente Sarkozy pela capacidade de liderança demonstrada na resolução de várias crises, desde a crise entre a Rússia e a Geórgia até à criação da União para o Mediterrâneo, à conclusão do pacto para a imigração ou ao combate a esta crise económica e financeira que, num espaço de seis meses, conseguiu colocar a Europa no centro das decisões, de onde não diria que estava afastada mas não ocuparia, certamente, o lugar que hoje ocupa e que merece.
Por isso mesmo, essa Europa, que hoje, muito por força do esforço do Presidente Sarkozy, se encontra neste papel, necessita de instituições a funcionar, de instituições que o façam de uma forma ágil e, nesse aspecto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a conclusão do Tratado de Lisboa, com as garantias de excepção ou de salvaguarda — como se queiram chamar — dadas à Irlanda, para salvar o Tratado de Lisboa, ao nível da neutralidade militar, da fiscalidade ou do respeito pela sua Constituição em matérias de política de família ou de educação, parece-nos que não augura bons tempos para essa necessária criação de instrumentos europeus ágeis e determinados.

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Sr. Ministro, sejamos claros: o CDS é favorável à entrada em vigor do Tratado de Lisboa — desde sempre, aliás, o foi — mas também não é a favor da entrada em vigor do Tratado de Lisboa a todo o custo e muito menos com algumas estratégias de chantagem à livre demonstração do voto para com os irlandeses.
E não nos parece que este tipo de cláusulas de excepção e de salvaguarda sejam também o melhor caminho a seguir e tudo seria diferente»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não tenha medo de usar a palavra, Sr. Deputado, diga mesmo «chantagem»!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — » – e vejo o incómodo da esquerda — se outros países e outros partidos tivessem tomado a posição responsável que o CDS então tomou. Vamos envolver os cidadãos no projecto europeu, vamos referendar, mas pelo «sim» não contra a Europa, pela Europa e foi em nome desses valores que o CDS se apresentou na altura.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Se então tivesse acontecido, provavelmente, essas conclusões não dariam estas cláusulas de excepção à Irlanda; provavelmente, os cidadãos europeus, a começar pelos portugueses, sentir-se-iam mais envolvidos do que, de facto, estão num projecto que é de todos e o qual nós valorizamos e não instrumentalizamos, ao contrário de outros na Europa, para ir contra os valores da democracia e da liberdade de expressão que a Europa defende.
Por isso mesmo, terminando com conclusão positiva, saudamos o reforço que surgiu, neste Conselho, da cooperação entre a União Europeia, a política de segurança europeia, e a NATO. Ao contrário de algumas vozes que procuravam criar um clima de tensão entre a União Europeia, a política de segurança e defesa europeia, e a NATO, este Conselho reafirmou claramente que não é possível uma política de segurança segura sem a participação indispensável dos Estados Unidos e da NATO.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A primeira questão que gostaríamos de abordar neste debate tem que ver com a directiva sobre horários de trabalho.
As propostas da Comissão e do Conselho — isto é, por arrastamento, do Governo português, por mais que o Sr. Ministro diga que não — para alargar até às 65 horas semanais o horário de trabalho foram, para já, felizmente, derrotadas.
Pode dizer-se que venceu a razão da luta de milhões de trabalhadores europeus; pode dizer-se que foram clamorosamente derrotadas as propostas que pretendem fazer regressar a situação laboral na União Europeia a um regime de quase escravatura, mas importa, sobretudo, Sr. Ministro, conhecer de forma clara a posição que o Governo português vai assumir no futuro próximo. É que é sabido que, na prática, o Governo português viabilizou, no Conselho, por omissão ou abstenção, esta inqualificável proposta de aumento do horário de trabalho para as 65 horas, mas é também sabido que o Governo português vai ter de tomar, de novo, posição sobre o alargamento do horário de trabalho.
E é aqui, nesta Casa, na Assembleia da República, que o Governo Português tem de dizer o que pretende fazer: se vai votar a favor ou vai votar contra uma qualquer nova proposta da Comissão Europeia sobre o aumento do horário semanal de trabalho. E se for preciso, Sr. Ministro, peço ao Sr. Presidente da Assembleia 2 minutos para que o senhor possa clarificar a posição que o Governo português vai tomar sobre esta medida.
Uma outra questão prende-se com o Plano Barroso. Sobre ele podem colocar-se duas questões, sem prejuízo de muitas outras, que já abordámos com o Primeiro-Ministro e com o Ministro das Finanças.
Depois de a Comissão e de o Conselho terem atribuído a deficiências de regulação muitas das causas da actual crise financeira, depois de tantos e tantos crimes e burlas, recentemente descobertos, se terem servido

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da utilização dos paraísos fiscais, nada, nem uma só palavra, Sr. Ministro, se diz sobre estas questões nas conclusões do Conselho de 11 e 12 de Dezembro. É quase inacreditável! Então, está ou não a União Europeia disposta a reforçar as condições e instrumentos da regulação? Então, está ou não a União Europeia disposta a eliminar os paraísos fiscais? E o que é que Governo português diz sobre isto? Nada?! Está à espera que outros digam por ele alguma coisa? Que propostas fez o Governo português? Acha o Governo português que eliminar os paraísos fiscais também pode colocar em risco a credibilidade e a imagem do País? Uma outra questão sobre o Plano Barroso. Dos 200 000 milhões de euros anunciados, apenas 30 000 — isto é, 15% — correspondem a meios comunitários. Por isso cabem duas questões: é apenas com estes meios que a União Europeia quer fazer face à crise? É apenas com 0,225% do PIB comunitário que a União Europeia quer ajudar os seus membros, designadamente os mais periféricos e os que têm economias mais débeis? É que todo o bolo financeiro restante (os restantes 170 000 milhões de euros aprovados pela União Europeia) tem exclusivamente a ver com dotações nacionais, são unicamente dirigidos aos problemas próprios dos diferentes países, o que, inquestionavelmente, acrescenta apenas mais diferença e discriminação onde ela já existe, permitindo, naturalmente, beneficiar quem já mais tem e quem já mais pode.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Europeu trouxe mais duas novidades, por sinal preocupantes: a primeira tem que ver com o conjunto de decisões e orientações adoptadas na área da segurança e da defesa.
A União Europeia assume-se, cada vez mais, como um claro bloco de natureza militar — defendendo uma «acção e uma intervenção plenamente complementares relativamente à NATO». Transcrevi o que dizem as conclusões do Conselho.
A declaração conjunta aprovada chega ao desplante de caracterizar cenários, de caracterizar respostas militares, elencando ao pormenor as necessidades militares conjuntas nesta área. Esta é uma via que o País tem que rejeitar, que é manifestamente contrária à letra da Constituição da República Portuguesa e que devia exigir uma posição clara de afastamento e recusa do Governo português.
Infelizmente, também neste aspecto, a submissão nacional a esta estratégia militarista é total.
Finalmente, a questão do Tratado da União Europeia.
Como seria de esperar, a pressão sobre a Irlanda intensifica-se. E a pressão — eu diria a chantagem — chega ao extremo de acenar com a hipótese de a Comissão poder vir a ser constituída por um nacional de cada Estado-membro – não se sabe, Sr. Ministro, se com natureza permanente; não se sabe, Sr. Ministro, se apenas para a Irlanda; não se sabe, Sr. Ministro, se necessitando ou não de alterar a proposta de Tratado e, naturalmente, de exigir novos processos de ratificação por se tratar, de facto, de um novo texto.
A verdade é que nada se sabe! Nem parece que, para os «donos» da União Europeia, isso tenha qualquer importância especial.
É que o objectivo não é mudar e refazer um Tratado sem condições nem conteúdo, adaptado aos interesses da União Europeia, para entrar em vigor. É que o objectivo é, tão somente, repetir a ratificação na Irlanda (se possível, até sem referendo) tantas as vezes quantas as que forem necessárias para que o resultado seja «sim».
Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, o objectivo não é, nem nunca foi, ouvir a opinião autêntica dos cidadãos e dos povos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, confesso que, decorrido já uma boa parte do debate, fico incrédula com a naturalidade com que o Governo português, na Assembleia da República e fora dela, fala do volte-face que se está a fazer relativamente à situação do Tratado Europeu na Irlanda. E ficarei também incrédula — como muitos cidadãos de todos os países da União Europeia ficarão incrédulos — quando ouvir outros líderes das elites europeias fazer a mesmas afirmações nos respectivos parlamentos e fora deles.

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Sr.as e Srs. Deputados, estamos aqui perante uma atitude hiper anti-democrática. E como é que conseguimos olhar para isto com a maior das naturalidades?! Quando houve o «não» da Holanda e o «não» da França, as elites europeias entenderam que isto não podia continuar assim. Qual foi a decisão? «Não há mais referendos para ninguém! Ratificação parlamentar do Tratado, para que ele passe garantidamente!».
Azar dos azares! Na Irlanda não era possível! O único sítio onde se fez um referendo, onde se deu a voz ao povo, por obrigatoriedade constitucional, o povo – azar! – disse «não». Pois as elites europeias não aceitam a vontade do povo e querem impor um «sim»!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Calma!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não é «calma», Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, porque isto deveria indignar-vos. Os senhores, que se dizem tão democráticos, deveriam ficar indignados. A mim, indigna-me e indigna, com certeza, muitos cidadãos de diversos países da União Europeia. Os senhores «enchem» sempre a boca com a democracia mas isto é um acto hiper anti-democrático, não tem outro nome, ou seja, obrigar um povo a dizer o contrário daquilo que disse porque isso não agradou às elites europeias, porque as elites europeias querem construir a Europa à sua voz, à sua medida, e não à medida dos interesses dos cidadãos. Esta é que é verdade, isto deve irritar-vos e tem de ser denunciado – de resto, como essa subserviência do Governo português em relação à União Europeia.
Quando da discussão do Orçamento do Estado, perante a nossa insistência no aumento do investimento público, no mínimo, até aos 3%, o Sr. Ministro disse que não podia ser, que as nossas contas públicas não davam, que andámos a trabalhar, etc., e agora, depois do Conselho Europeu, já tudo é possível, já não há problema com as contas públicas, há grande flexibilidade, etc.
Mas os senhores foram eleitos pelos portugueses ou foram eleitos pelos líderes europeus e pelas elites europeias? Já chega! Há que olhar para os interesses do nosso país, há que olhar para os interesses da democracia e há que olhar para os interesses concretos do povo. É isso que verdadeiramente vos começa a faltar.
Depois, vimos aqui falar das metas ambiciosas das alterações climáticas. Olhe, Sr. Ministro, não dou uma gargalhada porque agora não estou com grande sentido de humor, mas era o que me apetecia.
Primeiro, estas metas não são novidade nenhuma, já foram repetidas 300 vezes e aparecem agora como se fossem uma grande novidade, e o senhor sabe que todos os movimentos ecologistas e ambientalistas, a nível europeu, a nível mundial e a nível nacional, consideram estas metas muito pouco ambiciosas, porque, face aos objectivos que pretendem de combate às alterações climáticas, elas são muito redutoras, face ao compromisso global que se deve atingir. Portanto, a União Europeia parte com objectivos pouco ambiciosos para o acordo internacional que se visa atingir em 2009.
Mas isso de definir metas até nem é o mais complicado, isso de definir metas até é «pêra doce», desculpe a expressão; o problema é como é que essas metas vão ser cumpridas e a União Europeia não consegue fugir da compra e venda de emissões, do comércio de emissões, não consegue entrar directamente nas medidas internas, que é, de facto, aquilo que nos faz falta.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Termino, sim, Sr. Presidente, referindo uma última nota sobre as conclusões do Conselho Europeu, que me parece extremamente preocupante pois tem a ver com o reforço da intervenção militar da União Europeia ao serviço da NATO, numa autêntica subordinação à NATO. Esta é uma nota à qual os portugueses devem estar bem atentos, porque vem aí perigo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputados: Primeiro, tenho de confessar que já não tenho idade para essas modernices em que, nas votações em que se quer dizer não, uma pessoa abstém-se. Essa é uma modernice que ainda não entendi, mas o Sr. Ministro, um dia, terá tempo para me explicar»

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sobretudo quando a Espanha vota contra!

O Sr. João Semedo (BE): — Uma imaginação fantástica, até porque há votos contra! Tanto quanto a imprensa comunicou, a Espanha votou contra, o governo grego votou contra» Mas o Sr. Ministro explicar-meá essa modernice, quando for oportuno.
Agora, queria, de facto, lembrar que é verdade, que o Sr. Ministro tem razão, tivemos uma vivíssima discussão sobre isto. Não quero retomar essa discussão, mas queria lembrar por que é que essa discussão foi tão viva. O que estava em causa era que, por um lado, o Governo português e os governos europeus recusaram, de facto, o referendo e, por outro, recusaram também o resultado do referendo irlandês.
Bem, vamos lá a ver, sejamos sérios: aconteceu, finalmente, aquilo que toda a gente sabia que ia acontecer, ou seja, os irlandeses vão novamente a referendo! Isto era o que estava em cima da mesa e foi a constatação desse facto que tanto incomodou, na altura, o Sr. Ministro, e, agora, pelos vistos, não! Mas a questão política não é essa, ainda. Hoje, podemos pôr uma outra: como é que se vai resolver o problema sem rever o Tratado de Lisboa? E o que é que diz aos portugueses e aos outros povos da Europa que não tiveram a oportunidade de ver consagrado no Tratado uma série de questões que são, naturalmente, do seu interesse concreto, próprio, específico da sua nacionalidade? Foram essas questões que o Sr. Ministro ladeou na sua intervenção, na gestão do tempo que fez, mas são essas questões políticas que estão em cima da mesa. Na realidade, o que todos nós hoje vemos é que a Comissão Europeia (que, como o Sr. Ministro dizia, era indiferente à evolução da situação na Irlanda), agora, tem uma «cenoura» com que acena aos irlandeses, na renovação. Isso é democrático?! Isso é política ou é apenas um truque?

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Semedo (BE): — Estou a concluir, Sr. Presidente, dizendo que é exactamente o continuar a construir a União Europeia através de sucessivos truques que esvazia e desvaloriza o valor político da União Europeia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Não há mais oradores inscritos, pelo que declaro encerrado o debate com o Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre o último Conselho Europeu e a discussão do parecer da Comissão de Assuntos Europeus sobre a Estratégia da Comissão Europeia para 2009. O Sr. Honório Novo (PCP): — O Governo não pede que lhe concedam tempo para responder?! A vontade também não ç muita!»

O Sr. Presidente: — Passamos, assim, ao ponto seguinte da nossa agenda, a apreciação conjunta dos projectos de lei n.os 452/X (3.ª) — Altera o regime de segredo de justiça para defesa da investigação (Alteração ao Código de Processo Penal) (PCP) e 607/X (3.ª) — Altera o Código de Processo Penal — Segredo de Justiça (BE).
Para apresentar a iniciativa legislativa do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para que se entenda com clareza aquilo de que estamos agora a tratar, analisemos três exemplos ficcionados, cuja semelhança com a realidade é pura coincidência.
Primeiro exemplo: um conjunto de grandes empresas e bancos engendram um esquema de fuga às suas obrigações fiscais, com recurso à migração de empresas para paraísos fiscais, a partir de operações clandestinas feitas num balcão virtual de um banco. O Estado é lesado em centenas de milhões de euros e está em causa um furacão de crimes de fraude e evasão fiscais, falsificação de documentos, burla qualificada, branqueamento de capitais e gestão danosa.

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Segundo exemplo: um banco, perto da falência, é nacionalizado pelo Estado e um seu ex-presidente é sujeito a prisão preventiva por suspeita da prática de crimes de branqueamento de capitais, abuso de confiança agravado, aquisição ilícita de acções, falsificação de documentos, infidelidade, burla e fraude fiscal qualificadas.
Terceiro exemplo: um indivíduo furta de casa do sogro uma baixela de prata que, posteriormente, vende a um outro indivíduo, a troco de estupefacientes.
Há nestes exemplos uma nota óbvia que distingue os dois primeiros do terceiro. Enquanto que, no último, a investigação é de reduzida complexidade e o acesso aos autos pode não constituir entrave à sua eficácia, nos dois primeiros, a dificuldade de obtenção da prova torna a investigação complexa e morosa e o acesso aos autos pode significar o fracasso do processo penal e a impunidade dos autores dos crimes.
O que o PCP traz hoje à discussão desta Assembleia é uma proposta de alteração do Código de Processo Penal, visando a correcção de um problema para o qual alertámos em devido tempo.
Os problemas que são, hoje, publicamente conhecidos e reconhecidos na investigação da criminalidade mais grave e complexa e que resultam do novo regime de segredo de justiça, foram por nós atempadamente identificados e denunciados.
Quando votámos sozinhos contra o actual artigo 86.º, «cozinhado» entre PS e PSD, quando avocámos para Plenário as propostas de alteração ao segredo de justiça, quando apresentámos a declaração de voto, na votação final global, fizemo-lo alertando para o prejuízo que resultaria deste novo regime para o combate e a eficácia da investigação da criminalidade mais grave e complexa, nomeadamente para a grande criminalidade económica e financeira e a corrupção.
Os recentes acontecimentos em torno da «Operação Furacão», demonstram como a investigação e combate a este tipo de criminalidade podem ficar comprometidos em nome da alteração do paradigma do segredo de justiça.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Quando se trata de criminalidade grave e complexa, Sr.as e Srs. Deputados, estamos a falar de crimes cuja investigação é difícil e morosa.
É difícil porque implica a investigação de redes de crime organizado, porque implica a realização de perícias económicas e financeiras especializadas, porque implica a investigação de movimentação de capitais através de paraísos fiscais sem qualquer controlo, porque implica a obtenção de provas facilmente ocultáveis às entidades responsáveis pela investigação criminal.
É morosa porque implica a recolha e análise de milhares de documentos, porque implica a cooperação com autoridades judiciárias estrangeiras, porque, por exemplo, a movimentação de capitais por paraísos fiscais que se consegue fazer em 10 minutos, a partir de um computador, pode demorar às autoridades judiciárias mais de três anos a reconstituir.

O Sr. António Filipe (PCP): — É verdade!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Dos pareceres que recebemos sobre o projecto de lei apresentado pelo PCP é de registar que a única opinião discordante surge da parte da Ordem dos Advogados, que entende que a eficácia da investigação e o combate à criminalidade mais complexa podem ser sacrificados perante o direito de informação dos arguidos e o controlo dos prazos de duração dos inquéritos.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses confirmam a justeza e a necessidade das soluções que propomos e apontam algumas sugestões, que entendemos serem de acolher, no sentido de melhorar a lei processual penal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de introduzir alterações ao regime do segredo de justiça actualmente em vigor foi já reclamada pelas autoridades judiciárias — Procurador-Geral da República incluído — e por vários órgãos de polícia criminal.
A questão que o PCP, hoje, coloca a esta Assembleia é a de saber quem está disposto a contribuir para essas alterações, para que possa haver verdadeiro combate à criminalidade grave e complexa, nomeadamente à grande criminalidade económica e financeira e à corrupção.

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O que hoje está em causa é saber se PS e PSD, que «cozinharam» a última revisão do Código de Processo Penal, estão dispostos a garantir uma alteração fundamental para o sucesso do combate à criminalidade grave e complexa, ou se, pelo contrário, pretendem manter um regime de segredo de justiça que, independentemente das intenções que o justifiquem, serve objectivamente apenas os interesses do crime organizado, de corruptos, corruptores e dos senhores das grandes fraudes económicas e financeiras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o projecto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A última reforma do Código de Processo Penal foi fonte de controvérsias e polémicas. Fruto de um Pacto de Justiça entre o PS e o PSD, a reforma acabou por ser uma oportunidade perdida e não correspondeu àquilo que a justiça necessitava.
Discordamos de muitas das soluções encontradas e temos de apontar a responsabilidade do grande falhanço desta reforma ao Partido Socialista, mas também ao PSD, naquilo que será uma marca indisfarçável que ficará colada a esta Legislatura. A reforma não correspondeu ao salto de qualidade na justiça que os cidadãos e as cidadãs esperavam, não conseguiu resgatar a confiança no sistema de justiça.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Apresentamos as nossas ideias sobre uma matéria das mais sensíveis e polémicas nesta reforma: o segredo de justiça. Sensível por ser uma componente estruturante da investigação criminal; sensível por ser uma baliza indiscutível da garantia de direitos.
O Bloco de Esquerda considera que as actuais regras do segredo de justiça não correspondem às necessidades da investigação criminal, com as características que certos tipos de criminalidade muito complexa assumem na actualidade. Consideramos que o caminho não é voltar para trás, não é voltar ao anterior paradigma em que tudo estava sujeito a segredo.
A transparência do processo e da actuação do Ministério Público são fundamentais, assim como é fundamental a existência e o cumprimento de prazos processuais. Mas a justiça, a sua organização e a sua aplicação não podem estar desligadas da realidade social e das necessidades objectivas que se colocam na sociedade dos nossos dias. A justiça tem de responder às situações e aos problemas que hoje estão colocados. Em nossa opinião, o Código de Processo Penal não responde a uma questão fundamental: como garantir o equilíbrio necessário entre a natureza do crime a investigar e as condições indispensáveis à eficácia dessa mesma investigação.
Retomamos, pois, as nossas anteriores propostas, assim como acolhemos as sugestões do ProcuradorGeral da República. Por isso, propomos que a publicidade do processo, durante a fase de inquérito, dependa da natureza do crime — privada, semi-pública ou pública.
Crimes de natureza privada são sempre públicos; aos crimes semi-públicos deve aplicar-se o segredo de justiça até ser deduzida a acusação, com possibilidade de ser levantado desde que não ponha em causa a investigação ou os sujeitos processuais.
Para crimes públicos deve existir sempre segredo de justiça até ser deduzida a acusação com possibilidade de prorrogação dos prazos nos casos de criminalidade organizada, corrupção económicofinanceira.
Se é praticamente consensual que, em relação a determinados tipos de crimes, nada obsta ao facto de a instrução e inquérito decorrerem sob a regra da publicidade, sem daí resultar o prejuízo quer para a investigação quer para os direitos dos intervenientes, já a mesma situação não se coloca quando se trata de investigação da criminalidade violenta e altamente organizada, assim como dos crimes de natureza económica e financeira, que implicam condições e meios muito específicos para a sua investigação.

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Sr.as e Srs. Deputados: A nossa proposta, será uma forma equilibrada de conciliar a publicidade do processo e as garantias necessárias à eficácia da investigação, especialmente complexa, que caracteriza grande parte da criminalidade actual.
Consideramos ainda essencial consagrar uma regra específica para os processos relativos aos crimes de corrupção, de criminalidade organizada, ou aos crimes de natureza económico-financeira, de modo a que não subsistam dúvidas de interpretação quanto à aplicação das regras do segredo de justiça nestes casos.
Quanto à questão dos prazos, queremos deixar claro que consideramos que devem existir prazos e que estes devem ser cumpridos em nome da clareza e da celeridade no funcionamento da justiça.
Mas a questão que colocámos anteriormente em relação ao equilíbrio necessário entre os valores em causa assume também pertinência neste contexto. E dada a complexidade de determinados crimes, a sofisticação da criminalidade económica e financeira, as teias de protecção que envolvem estes criminosos, não temos dúvidas sobre a necessidade de consagrar a possibilidade de alargamento do prazo para a manutenção do segredo de justiça, em nome, em muitas situações, até de subsistência do próprio processo.
Já o dissemos e repetimos: o Código de Processo Penal, para nós, não é um dogma, pode e deve ser alterado sempre que tal se justifique.
O Governo e o Partido Socialista, numa teimosia arrogante, ergue um muro de resistência, preferindo manter uma situação altamente contestada, a corrigir, nem que seja pontualmente, aquilo que de errado fez aprovar. O mesmo Governo — e o mesmo Partido Socialista — que tem sido incapaz de responder aos grandes desafios deste sector, e que chega ao fim da Legislatura sem conseguir resgatar a confiança do povo português em relação ao seu sistema de justiça.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projectos de lei hoje em discussão, da autoria dos Grupos Parlamentares do PCP e do BE, expressam, no essencial, uma vontade de recuar no tempo e de regressar ao indesejável e abandonado regime estabelecido na anterior redacção do Código de Processo Penal.
De facto, as duas décadas de vigência do anterior regime do segredo de justiça não só demonstraram que os direitos dos arguidos, tal como os dos ofendidos, eram fortemente prejudicados pela demora excessiva e injustificada das investigações, como determinaram a sua alteração.
A desproporção entre a tutela dos interesses da investigação e a defesa dos direitos do arguido era manifesta e inadmissível. Desproporção que as iniciativas legislativas hoje aqui em discussão pretendem repor, em violação do legítimo direito de defesa dos arguidos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As alterações introduzidas à redacção destes artigos assentaram em claras opções pela celeridade processual com respeito pelo equilíbrio entre a garantia da eficácia no combate ao crime e a defesa dos direitos dos arguidos, privilegiando também a tutela dos direitos das vítimas.
É, pois, inegável que o regime do segredo de justiça actualmente em vigor é equilibrado, tanto mais que permite que o inquérito seja secreto até ao seu termo, quando tal se justifique, ficando excluído nos processos nos quais não reveste qualquer utilidade.
Solução, aliás, muito mais flexível do que aquela que é proposta pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, que condiciona o segredo de justiça à natureza do crime, quando as razões que o justificam não têm qualquer relação directa com a natureza do crime quanto ao princípio da oficialidade.
Para além disso, a actual redacção do Código de Processo Penal já prevê a possibilidade dos prazos máximos de duração do inquérito serem prorrogados sempre que tal se justifique e não apenas por três meses, saliente-se, mas sim pelo período que for objectivamente necessário às exigências do processo em concreto, como vem sendo, de resto, a interpretação dada ao n.º 6 do artigo 89.º pela jurisprudência dos Tribunais da Relação.
É, pois, inaceitável a proposta do Grupo Parlamentar do PCP de suprimir a obrigatoriedade de o segredo de justiça cessar, em absoluto, como consequência de se excederem os prazos máximos de duração do inquérito, mantendo assim «impune ou não sancionado» o não cumprimento dos prazos fixados para o

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decurso do inquérito e que, no passado, contribuíram decisivamente para a demora injustificada na tramitação dos inquéritos.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Extraordinário! Essa afirmação tem um cunho de classe!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta Assembleia não pode, nem deve, legislar leviana e irresponsavelmente. Isto é, não pode, nem deve, proceder à alteração de normas em vigor há apenas um ano, período demasiado curto para que se possa proceder à avaliação do seu real impacto quer para a investigação criminal, quer para os arguidos, quer para as próprias vítimas e, por consequência, retomar os preceitos legais abandonados por uma larga experiência de 20 anos, que demonstraram não salvaguardar os direitos e os interesses dos diferentes sujeitos processuais.
Esta é uma proposta nitidamente corporativista, pois dela só beneficiará, como beneficiou no passado, quem não quer cumprir os prazos previstos na lei.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — De facto, a implementação do novo regime do segredo de justiça não evidencia qualquer anomalia na tramitação normal do inquérito. Antes pelo contrário, revela que é diminuto o número de processos em que o Ministério Público solicita a prorrogação do seu prazo de duração e 98% destes pedidos são objecto de deferimento pelo juiz de instrução, como resulta, aliás, do primeiro relatório semestral, da Monitorização da Reforma Penal, que é do conhecimento de todos os Srs. Deputados e de todos os agentes ligados à justiça.
Na verdade, não existe nem pode existir, ainda pelo curto período de vigência da reforma, uma avaliação séria sobre o real impacto do novo regime geral do segredo de justiça, pois à jurisprudência não foi ainda concedido o tempo necessário para criar uma orientação, sendo pois demagogo, lamentável e irresponsável afirmar que «este regime não durará muito tempo».
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está ciente das suas responsabilidades e só depois de concluída a Monitorização da Reforma Penal, a cargo do Observatório Permanente Para a Justiça Portuguesa, ou quando existir uma efectiva e real orientação da jurisprudência susceptível de o justificar, tomará, de forma séria e serena, a iniciativa de apresentar e aprovar nesta Assembleia os aperfeiçoamentos que se venham a revelar necessários.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cláudia Vieira, a pergunta que me apetece fazer é no sentido de saber se ponderou devidamente o que acabou de dizer em nome do Partido Socialista, designadamente as acusações que fez relativas à responsabilidade e a outros termos que utilizou.
Efectivamente, as alterações introduzidas no Código de Processo Penal em matéria de segredo de justiça, que tinham consequências graves e prejudiciais no combate à criminalidade mais sofisticada, foram feitas há muitos meses, designadamente pelo Procurador-Geral da Repõblica,»

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É parte interessada!

O Sr. António Filipe (PCP): — » que, aliás, enviou a esta Assembleia, em Março de 2008, sugestões, alertando precisamente para as dificuldades que este novo regime iria criar à criminalidade mais complexa.

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Vai dar trabalho, vai!

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O Sr. António Filipe (PCP): — Veja-se o que foi dito, recentemente, pela directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) relativamente às dificuldades que esta nova legislação criava à investigação no âmbito da Operação Furacão.
Evidentemente, há um balanço que é preciso fazer, há um equilíbrio que é preciso estabelecer em matéria de segredo de justiça, entre os direitos dos sujeitos envolvidos e a defesa da investigação. Ora, os senhores tomaram a opção de prejudicar a investigação.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não é verdade!

O Sr. António Filipe (PCP): — Objectivamente! Quando me referi ao Procurador-Geral da República e o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues dizia aqui, de forma audível, que ele era parte interessada, eu digo: é parte interessada no combate à criminalidade.

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É, é!

O Sr. António Filipe (PCP): — É parte interessada e ainda bem que é, porque é essa a sua função constitucional.
Mas é dever da Assembleia da República encontrar uma solução equilibrada e não uma solução que venha, de forma objectiva, independentemente das intenções, prejudicar a criminalidade altamente organizada.
A Sr.ª Deputada até dizia mais, o que considero grave: que não pode ficar impune a violação de prazos para acusação por parte do Ministério Público. Pergunto: Sr.ª Deputada, considera que num processo tão complicado, como por exemplo é o da Operação Furacão, em que é necessária uma cooperação internacional com autoridades de outros países que demoram a dar resposta, devem ser sancionados os magistrados (quando falou em impunidade) que não consigam cumprir os prazos apertados para o segredo de justiça que são estabelecidos no Código de Processo Penal? Portanto, Sr.ª Deputada, creio que a irresponsabilidade é de quem fecha os olhos, perante uma situação grave que vivemos neste País, em que as autoridades que estão encarregadas de investigar crimes extremamente complexos não disponham dos meios processuais para o fazer nas melhores condições. Esta é uma irresponsabilidade de quem alterou o regime do segredo de justiça no Código de Processo Penal, é uma irresponsabilidade de quem insiste em manter esse regime, contra todas as opiniões e, sobretudo, contra a opinião daqueles que estão no terreno a dar o melhor de si próprios para combater essa mesma criminalidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Couto Vieira.

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, agradeço a sua questão, pois entendo que é importante esclarecê-la.
A revisão subjacente ao regime jurídico do segredo de justiça teve por base princípios e equilíbrios muito fortes não apenas no âmbito do Ministério Público, que investiga, mas também no dos interesses e direitos quer das próprias vítimas, quer dos arguidos. É exactamente para este efeito que devemos legislar, tendo em consideração esse equilíbrio.
Portanto, esta, foi, efectivamente, uma solução equilibrada; desequilibrada é a alteração que VV. Ex.as pretendem aqui introduzir.
Para além disso, como resulta, aliás, de um relatório que todos conhecemos, o da Monitorização da Reforma Penal — Primeiro Relatório Semestral —, é expressamente reconhecido que essas vozes do Ministério Público, de que V. Ex.ª é porta-voz,»

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A Sr.ª Helena Terra (PS): — É bom lembrar!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS) — » se fundamentam não naquilo que, efectivamente, está a acontecer, porque a reforma, pelo seu curto período de tempo de vigência, não permite falar em situações concretas, mas, sim, naquilo que temem. Estamos, portanto, a falar no plano das hipóteses.
Ora, não é sensato que qualquer grupo parlamentar, falando no plano das hipóteses, venha aqui defender os interesses de um determinado grupo.

Protestos do PCP.

Como exerço, sinto-me completamente à vontade para dizer o que estou a dizer.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não sabe da «Operação Furacão»?!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Sei! E sabe quando é que se começou a investigar a «Operação Furacão», Sr. Deputado? Em 2004!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Extraordinário!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — Considera isto admissível num Estado de direito?! Por amor de Deus! Em 2004?!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Extraordinária afirmação!

A Sr.ª Cláudia Couto Vieira (PS): — É, sem dúvida! Repare, para além dos prazos previstos, é expressamente consignada a prorrogação do prazo e, para além do prazo de três meses mais três meses, a própria jurisprudência veio já fixar, na interpretação do n.º 6 do artigo 89.º, que pode adequar-se às circunstâncias do caso.
Penso que a «Operação Furacão» é um bom exemplo daquilo com que devemos acabar, dando, realmente, prazos e exigindo que se cumpram os que estão legalmente estabelecidos para os inquéritos, sob pena de a lei não ser eficaz, de as penas não serem eficazes e os cidadãos não sentirem a justiça como, efectivamente, devem sentir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O segredo de justiça constituiu um dos pontos essenciais da revisão do Código de Processo Penal operada em 2007.
Assegurou-se que o segredo só releva nas situações em que é realmente necessário, para defesa da eficácia da investigação ou dos direitos das vítimas ou dos arguidos, e garantiu-se que, quando exista, tenha de ser respeitado por todos.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Isso é que é!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Todos se lembram do tempo em que os processos se arrastavam anos a fio em segredo de justiça e de como os arguidos eram, com isso, prejudicados pela excessiva e, na maioria das vezes, injustificada demora das investigações.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Essa é que é a verdade!

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Ninguém se esquece dos efeitos resultantes das fugas de segredo de justiça, cujo responsável nunca era identificado. E todos se lembram também do consenso gerado na comunidade jurídica, de que esta situação não se poderia manter como estava.
A revisão de 2007 veio precisamente inverter, de forma positiva, essa situação, restringindo, dentro de parâmetros justos e adequados, a aplicação do segredo de justiça.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Com efeito, procedeu-se a uma profunda mudança de paradigma: o segredo de justiça deixou de ser a regra para imperar a publicidade do processo nas fases de inquérito e da instrução.
Por outro lado, para garantir o respeito do segredo, determinou-se a vinculação ao mesmo de todos aqueles que tivessem conhecido elementos pertencentes ao processo, independentemente de terem contactado directamente com ele.
Decidiu-se, ainda, que o segredo de justiça não pode perdurar por mais de três meses para lá dos prazos de duração máxima do inquérito, acautelando-se, contudo — e isto é extremamente relevante, Srs. Deputados —, a investigação da criminalidade mais grave e complexa, como, por exemplo, ao contrário daquilo que os senhores afirmam, o branqueamento, a corrupção e o tráfico de pessoas,»

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Exactamente!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » porquanto se garante, nestes casos, que o segredo da investigação possa ser prorrogado por um prazo objectivamente indispensável à respectiva conclusão da investigação (citei o n.º 6 do artigo 89.º).

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — É só ler!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Trata-se, Srs. Deputados, de uma válvula de segurança que protege a investigação, a qual foi, aliás, consagrada tendo em consideração, nomeadamente, as preocupações expressas, em audição parlamentar, pelo Sr. Procurador-Geral da República.
Recorde-se que, em crítica ao disposto no já citado n.º 6 do artigo 89.º da primitiva proposta de lei n.º 109/X, que só permitia um único adiamento do acesso aos autos, por um período máximo de três meses, o Sr.
Procurador-Geral da República afirmou — foi ele que afirmou — que a criminalidade a que se referem as alíneas i), j), l) e m) do artigo 1.º do Código de Processo Penal deveria ser excepcionada desse regime,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas os senhores «cozinharam» com o PS a proposta de alteração ao segredo de justiça!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » o que veio a ficar consagrado numa proposta de alteração que foi apresentada, conjuntamente, pelo Partido Socialista e pelo PSD.
Apresentámos uma proposta de alteração — e já vou ao que V. Ex.ª disse, Sr. Deputado João Oliveira — que consagrou expressamente aquelas que foram as observações do Sr. Procurador-Geral da República.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não, não!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — E, já agora, Sr. Deputado João Oliveira, até vou referir, em abono da reposição da verdade histórica, que foi muito pela insistência do Partido Social Democrata que essa válvula de garantia da investigação mais grave e complexa vingou na versão final.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Bem lembrado!

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Cremos, assim, Sr.as e Srs. Deputados, que a reforma do segredo de justiça foi positiva e equilibrada e respondeu às preocupações que, na época, eram colocadas. A prova disto mesmo, Srs. Deputados, foi a forma como decorreram as votações na especialidade. Não tendo sido unânimes, as votações não revelaram muita oposição ao novo regime proposto. Senão, vejamos: nas 13 normas que compõem o artigo 86.º, o PCP votou contra 6, mas absteve-se nas restantes 7, o Bloco de Esquerda só votou contra 1 das normas e absteve-se nas restantes 12;»

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » o artigo 87.º do Código de Processo Penal foi aprovado por unanimidade; no artigo 88.º, não se registou nenhum voto contra; quanto às 6 normas do artigo 89.º, o PCP votou metade contra, abstendo-se nas restantes. Isto é apenas para demonstrar que os obstáculos que vêem agora no regime do segredo de justiça, à época não os conseguiram ver.
Mas o que é que justifica, apenas um ano volvido sobre a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, as alterações propostas pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda? Ambos vêm alegar a necessidade de compatibilizar o regime do segredo de justiça com as exigências de eficácia da investigação criminal mais complexa, para fundamentar as suas iniciativas legislativas.
E o que é que propõe o PCP? Propõe um regresso ao passado, um déjà vu, um regresso ao regime que todos os operadores judiciários repudiaram. O Partido Comunista pretende que a regra volte a ser a do segredo na fase de inquérito e de instrução. E, relativamente aos exemplos, aos casos virtuais que o Sr. Deputado João Oliveira aqui trouxe, é muito fácil: para que seja imposto o segredo de justiça que possa acautelar a investigação e proteger os sujeitos processuais, basta apenas apresentar um requerimento ao juiz de instrução e ele deferi-lo que, neste caso, o segredo será decretado. De resto, também quero referir que, no relatório do Observatório, que já hoje foi aqui referenciado, diz-se que 98% desses pedidos são deferidos.
Portanto, é muito simples a resposta à pergunta colocada pelo Sr. Deputado João Oliveira: a lei tem um mecanismo que garante a imposição do segredo de justiça para serem protegidos quer a investigação quer o interesse e os direitos de defesa de todos os sujeitos processuais.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, não é o caminho que nos propõem que deve ser seguido, até porque há uma outra nota a referir: não está ainda demonstrado que a solução vigente seja errada; inverter a marcha, numa situação destas, é uma irresponsabilidade.
Criticamos igualmente a iniciativa do Bloco de Esquerda, porque opta por um regime alternativo ao vigente sem que ele tenha sido testado e privilegia a natureza dos crimes em detrimento da eficácia da investigação e da garantia dos direitos dos sujeitos processuais, o que, do nosso ponto de vista, não é a melhor solução.
Já fiz referência ao primeiro relatório do Observatório Permanente de Justiça Portuguesa, que, a propósito das preocupações do Ministério Público, diz que elas são mais psicológicas, que ainda não estão demonstradas, »

A Sr.ª Helena Terra (PS): — É bom lembrar!

O Sr. Luís Montenegro (PS): — » mas os Srs. Procuradores consideram que a situação, no futuro, se irá colocar.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, a solução normativa encontrada na revisão de 2007 de permitir a prorrogação do segredo de justiça por mais três meses, que pode também sofrer uma segunda prorrogação no caso da criminalidade mais violenta, mais grave, mais organizada, responde de uma forma equilibrada quer à preocupação do Sr. Procurador-Geral da República quer à dos grupos parlamentares.
Sr.as e Srs. Deputados, um regresso ao passado não nos seduz minimamente. Os processos em segredo de justiça não podem durar ad aeternum. Por isso, não pode deixar de haver consequências processuais para o não cumprimento dos prazos do inquérito.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado António Filipe, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Filipe (PCP): — Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Montenegro aludiu a uma votação, o que é um dado objectivo.
Tenho comigo o relatório das votações na especialidade do Código de Processo Penal, onde se refere que, quanto ao artigo 86.º, relativo ao segredo de justiça (e é desse que estamos a falar), os n. os 1, 2, 3, 4 e 5, sobre os quais incidem propostas que estão hoje em discussão, foram aprovados, com os votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, com os votos contra do PCP e a abstenção do BE. Isto é objectivo, daí que não pudesse deixar de o referir.
Portanto, as votações dos artigos sobre os quais incidem propostas do PCP correspondem às que foram feitas, em sede de especialidade, a propósito do Código de Processo Penal.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Montenegro, também pediu a palavra para o mesmo efeito?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sim, Sr. Presidente, para fazer uma interpelação à Mesa no mesmo sentido da anterior.
O Sr. Deputado António Filipe não traz novidade ao debate, pois não disse coisa diferente daquela que afirmei.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Disse, disse!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Aquilo que lhe disse, e que, de resto, está escrito, foi que, em relação às 13 normas que compõem o artigo 86.º, o Partido Comunista votou contra 6 e absteve-se em relação a 7. E nessa votação e nas subsequentes não apresentou os temores que apresentou hoje.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Devo começar por dizer que não nos parece, tal como ao PS, que esta proposta do PCP seja lamentável ou sequer irresponsável. De facto, não é. Se o fosse, não teria méritos registados em pareceres da Procuradoria-Geral da República ou da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, entidades que não me ocorre serem irresponsáveis ou lamentáveis! Já quanto ao pacto, ou a muitas das consequências dele, a conversa seria outra e, em larga medida, poderíamos falar de irresponsabilidade e de muita coisa que foi responsável.
Quando, hoje, os principais destinatários das medidas firmadas nesta reforma processual penal, acordada nesse pacto, garantem que a criminalidade violenta aumentou em consequência dele, por alguma coisa será, e não é por serem irresponsáveis ou por as apreciações serem lamentáveis. O que ainda assim não faz deste um bom projecto quanto às soluções consagradas, de muitas das quais nos afastamos.
O PCP quase que pretende repristinar o regime processual penal em vigor antes da reforma de 2007.
Consagra, por exemplo, com nuances, expedientes de registo sobre a consulta dos autos e quem a eles tem acesso. Isso até não nos pareceria mal, mas convenhamos que, com um regime de segredo de justiça consagrado na lei, todos os dias aparecerem processos escancarados em todas as páginas nos jornais será, no mínimo, um paradoxo!

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Era isso que o regime anterior a essa reforma processual penal de 2007 permitia. Todos os dias, nas páginas dos jornais, havia muitos processos, muitos deles polémicos, com julgamentos sumários feitos publicamente na base de notícias de jornais, relativamente a partes que, mesmo quando constituídas arguidas, deveriam — era suposto — beneficiar da presunção da inocência que a Constituição também consagra.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Portanto, sendo nós favoráveis, por uma questão de princípio, à existência de um segredo de justiça na fase de inquérito e, até, na fase de instrução, pressupondo que o inquérito e a instrução decorram dentro dos prazos que a lei consagra — algo que neste País também não se via há já muitos anos! —, não faz qualquer sentido consagrar um segredo de justiça com regras que potenciam a sua violação. E potenciam a sua violação através da base mais perversa, que é a da comunicação social, face à exposição que possibilita.
Ora, devo dizer que não se compreende a objecção do Partido Comunista Português àquela que terá sido uma das principais vantagens da reforma de 2007, que consta do n.º 4 do artigo 88.º do Código de Processo Penal, onde se refere que «Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação.» O que significa isto? Significa a consagração de uma regra que, para além de mais, deveria ser de bom senso. Se um processo está sob segredo de justiça, não deve ser permita a sua publicação! É isso que a lei diz e parece-nos bem.
Se, por outro lado, sobre um arguido impende a consagração do princípio da inocência até ao trânsito em julgado de uma decisão judicial, também faz sentido que não sejam publicados indiscriminadamente, muitas vezes sem qualquer critério do ponto de vista jurídico, aspectos fundamentais de um processo que está em fase de inquérito ou de instrução, na base da maior impunidade, como sempre aconteceu.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Isto significa a perversão do próprio sistema, isto é, arvorar-se e querer consagrar-se a existência de um segredo de justiça, mas, ao mesmo tempo, criar, na lei, todos os expedientes para a violação desse segredo de justiça, com recurso à comunicação social.
E, neste caso, pergunta-se, muitas vezes, porquê. Porque também, neste caso, está a permitir-se algo perverso numa justiça digna deste nome, que é a instrumentalização de um processo, que deverá ser julgado por alguém que está supra-partes, que é o magistrado, através da comunicação social.
É que também sabemos muito bem que, quando muitos desses extractos de processos que estão sob segredo de justiça são publicados na comunicação social, não é por razão propriamente inocente, nem é a pensar apenas na magnânime tarefa da comunicação social. Registamos que a comunicação social faz o seu papel: deve informar, tem curiosidade própria e, naturalmente, se os processos lhe chegam às redacções, não faz outra coisa que não seja dar deles conhecimento público. Compreendemos a perspectiva da comunicação social. O que não compreendemos é que quem muitas vezes tem o processo à sua guarda e a obrigação de garantir que esse segredo de justiça não é violado permita que ele seja violado todos os dias, na maior impunidade e sem qualquer consequência.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Isso é simplesmente inaceitável! E foi isso que, nessa parte, a reforma de 2007, com alguns méritos, tentou.
A terminar, Sr. Presidente, se registamos a boa vontade na iniciativa do PCP, naquilo que tem a ver com a consagração do segredo de justiça como vantagem para a investigação criminal, não lhe vemos qualquer mérito na forma como potencia a possibilidade da violação desse segredo de justiça na maior impunidade.

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Uma última palavra para a iniciativa do Bloco de Esquerda, apenas para dizer que, por razão de princípio, não nos faz sentido uma diferenciação do regime do segredo de justiça ou, se quiserem, da publicidade dos processos, em função da natureza dos crimes — particulares, semi-públicos ou públicos —, pela simples circunstância de que, por exemplo, alguns crimes, semi-públicos ou públicos, têm, do ponto de vista do interesse da investigação criminal, rigorosamente as mesmas preocupações, quer em relação ao Ministério Público, que investiga, quer em relação aos magistrados, que são chamados a apreciar o processo na fase de instrução. Mais até: por vezes, processos que têm na sua essência crimes semi-públicos justificam maior reserva e maior salvaguarda na base do segredo de justiça do que outros crimes que são públicos. Essa diferenciação ç uma diferenciação cega,»

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não é cega, não!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — » não faz sentido, não concordamos com o projecto de lei.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tivemos hoje neste debate os portavozes do bloco central de interesses a fazer a defesa do seu Pacto para a Justiça, que redundou na realidade que hoje temos.
Ficámos a saber que, para o PS e o PSD, os arguidos em processos como o da «Operação Furacão» não devem se prejudicados pela morosidade da justiça e, portanto, «conheçam lá o processo«!» Ficámos a saber que, para o PS e o PSD, a complexidade da investigação criminal deve ser sancionada com a publicidade do processo e com a impunidade de quem pratica os crimes.
A pergunta que se impõe, Sr.as e Srs. Deputados do PS e do PSD, é se acham ou não que é complexo um processo que obriga um juiz de instrução a analisar 200 CDRom como documentos que precisam de ser analisados. Se acham ou não que é complexo um processo que obriga à análise de milhares e milhares de documentos, que obriga à realização de complicadíssimas perícias sobre esses documentos para a apreciação da prova. Se entendem ou não que, às vezes, há demoras nas perícias por falta de meios, que, muitas vezes, não estão ao dispor da investigação criminal. Se entendem ou não como aceitáveis os atrasos que por vezes decorrem da necessidade de cooperação com autoridades judiciárias estrangeiras. E se acham ou não que, perante esta realidade, é justificado que o processo se mantenha a coberto do segredo de justiça para salvaguardar a eficácia da investigação criminal.
A propósito da monitorização da reforma processual penal, Srs. Deputados, não chega já a monitorização daquilo que está a acontecer com o processo concreto da «Operação Furacão»? Não chegam já seis decisões contraditórias de um Tribunal da Relação sobre a apreciação do regime actualmente em vigor do segredo de justiça? Não chega já isto para se perceber que o regime legal tem de ser alterado?

A Sr.ª Helena Terra (PS): — E não chegam já as «desculpas de mau pagador»?!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não chegam já as propostas de alteração ao Código de Processo Penal, que o Procurador-Geral da República, os juízes e os magistrados do Ministério Público apresentaram, para se perceber que aquilo que temos pela frente é uma porta escancarada para a impunidade da criminalidade mais grave e mais complexa, para a impunidade económica e financeira, para a corrupção? Não chega já tudo isto para se perceber o que está em causa? Sr.as e Srs. Deputados, no nosso projecto de lei, fazemos o justo equilíbrio entre aquilo que é a salvaguarda da eficácia da investigação criminal e os direitos de acesso aos autos por parte dos arguidos. Fazemo-lo precisamente por ter em conta que por vezes é necessário que os arguidos tenham acesso aos autos para prepararem a sua defesa, para responderem, por exemplo, à aplicação de uma medida de coação — é necessário ter acesso aos autos e nós prevemos essa possibilidade. Prevemo-la é salvaguardando aquilo que é a eficácia da investigação criminal, porque um arguido não pode ter acesso aos autos nos termos em que

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actualmente o Código de Processo Penal prevê, sob pena de se pôr em causa a investigação criminal, sob pena de ficarem completamente impunes os senhores das grandes fraudes económicas e financeiras do nosso País, os corruptos e os corruptores, que neste País vão vivendo «à grande e à francesa», brincando com o sistema de justiça, situação para a qual os senhores hoje contribuem decisivamente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostava de referir um facto que me parece um pouco desajustado da realidade.
O Sr. Deputado João Oliveira referiu casos concretos em investigação na justiça e, no meu modesto entender, julgo que um titular de um órgão de soberania deveria abster-se de citar essas situações concretas.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Trata-se de processos a decorrer e não fica bem a um órgão de soberania interferir em processos em curso. Não fica bem!

A Sr.ª Helena Terra (PS): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é boa!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Devo dizer-lhe que a Assembleia da República deve legislar, e vai continuar a legislar, com o Partido Socialista para o País e para os portugueses.
Temos todo o respeito por todos os intervenientes processuais, mas não estamos aqui para fazer qualquer frete, nem dar boleia a qualquer dos intervenientes em concreto. O que dizemos é que a justiça deve ser feita e que qualquer processo deve ter em conta os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a dignidade da pessoa humana, dignidade que a lei deve servir.
E não são as parangonas sobre processos concretos que alteram a determinação do Partido Socialista nesse particular.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Não são parangonas, são preocupações do Sr. Procurador-Geral!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas, Sr. Deputado, o Observatório Permanente da Justiça dir-nos-á o que se passa sobre essa matéria.
O Partido Socialista está naturalmente disponível para encontrar soluções alternativas, se, na prática, aquilo que é o Código em concreto vier trazer problemas à investigação criminal.
Estamos convencidos de que a investigação criminal já dispõe de todos os meios para poder fazer uma investigação célere e digna. Já foi aqui dito que, no n.º 6 do artigo 89.º, está previsto que o juiz possa prolongar o prazo da investigação por um tempo objectivamente necessário à mesma.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Pode»

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Temos processos com quatro anos, e mais, de investigação; o que os senhores propõem é que uma investigação criminal possa levar 10, 15 ou 20 anos a ser concluída. Ora, isso não é compatível com o epíteto de justiça.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Dizer isso é descabido!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Por esse caminho, nós não vamos.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por dizer ao Sr. Deputado João Oliveira que não lhe reconheço autoridade moral para julgar o interesse que subjaz à opinião política desta bancada.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Essa é boa!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Esta bancada privilegia as opções políticas que faz de acordo com aquilo que acha que é a prossecução do interesse público e do interesse nacional.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E nós julgamos o mesmo!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A sua intervenção, eivada de uma desonestidade intelectual elevada,»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » vem, com demagogia, com irresponsabilidade e de uma forma insidiosa, colocar em cima desta bancada uma acusação que não está demonstrada.
A solução que preconizámos, aquando da reforma de 2007, e que hoje aqui reiterámos, é uma solução que, do nosso ponto de vista, protege os interesses da investigação; é uma solução que, do nosso ponto de vista, protege as garantias de defesa e os direitos dos sujeitos processuais; é uma solução que, como V. Ex.ª bem sabe, protege investigações complexas, relativas a criminalidade violenta e a criminalidade económica,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — A realidade desmente-o!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » seja branqueamento, seja corrupção, seja aqueles crimes que estão em causa em muitas das investigações que V. Ex.ª aqui indevidamente referiu.
De resto, referiu até investigações que ocorreram e se desenvolveram ao abrigo do regime anterior, que é, além de mais, aquele que V. Ex.ª preconiza.
E, mais, Sr. Deputado: V. Ex.ª esquece, na sua intervenção, que os sujeitos processuais, nomeadamente os Srs. Magistrados do Ministério Público, podem requerer, se assim justificar a necessidade da investigação, o decretar do segredo de justiça.
E quando V. Ex.ª vem a esta Câmara dizer que as investigações estão impedidas de ter sucesso por causa da solução legal que introduzimos na reforma de 2007, está indirectamente a passar um atestado de incompetência, puro e duro, injusto aos magistrados do Ministério Público, dizendo que eles não estão a aproveitar os mecanismos que a lei prevê que possam aproveitar para garantir uma investigação exigente e bem sucedida.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Se lesse os pareceres do Ministério Público, não diria nada do que está a dizer!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — A sua intervenção envergonha, do meu ponto de vista — e é com lamento que lho digo! —, o Partido Comunista Português e a Assembleia da República, porque julga, indevida e injustamente, aqueles que são os propósitos justos de uma bancada responsável como é a minha.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração da bancada.

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O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado é dirigente da bancada?

O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente. Sou Vice-Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, pedi a palavra para defender a honra desta bancada, porque o Sr. Deputado Luís Montenegro afirmou que uma intervenção do Deputado do PCP deveria envergonhar este partido.
Quero dizer-lhe muito claramente, Sr. Deputado, que nós não nos envergonhamos de defender, nesta Assembleia e em qualquer parte, aquilo que consideramos justo e não nos envergonhamos de defender uma solução legal que, do nosso ponto de vista, proteja este País da criminalidade organizada. Repito: não nos envergonhamos disso e assumimos esta posição.
Consideramos que este é um interesse público fundamental e assumiremos esta posição aqui e em qualquer parte,»

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — » porque a temos como justa, independentemente daquela que seja a vossa opinião ou a opinião de qualquer outro partido.
Entendemos que a solução que defendemos é a que melhor corresponde à defesa deste interesse fundamental do Estado de direito democrático, que é a protecção da sociedade portuguesa contra os criminosos e contra a criminalidade organizada.
Pensamos também que a solução legal que os senhores adoptaram na última revisão do Código de Processo Penal não corresponde minimamente a esse objectivo, dado que põe objectivamente em causa a capacidade do Estado português para defender a legalidade e para combater a criminalidade mais grave e organizada. É por isso que defendemos esta proposta e, como é óbvio, não nos envergonhamos minimamente de a defender com todas as nossas forças.
É isto que quero deixar muito claro, Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Aproveito para esclarecer o Sr. Deputado António Filipe que a observação que fiz tinha apenas a ver com a circunstância de saber que é um Deputado extremamente interveniente, mas identificava-o apenas como Vice-Presidente da Assembleia da República. Peço-lhe desculpa por esse facto.
O Sr. Deputado Luís Montenegro pediu a palavra para defesa da honra da bancada?

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não, Sr. Presidente, até porque não o posso fazer nesta circunstância, mas apenas para dar explicações.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, eu assino por baixo tudo aquilo que acabou de dizer. Acontece que aquilo que V. Ex.ª disse, que não se devia envergonhar das soluções legais que preconiza, não tem nada a ver com a afirmação, a insinuação, de que a intervenção que eu produzi corresponde ao bloco central de interesses que visa proteger os arguidos deste ou daquele processo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

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O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É que há uma diferença ciclópica entre aquilo que V. Ex.ª afirmou e aquilo que o Sr. Deputado João Oliveira disse há momentos.

Aplausos do PSD.

Portanto, Sr. Deputado António Filipe, quero dizer-lhe o seguinte: tenho muita consideração pessoal e política quer por si quer pelo Sr. Deputado João Oliveira e tenho muita consideração democrática pelo Partido Comunista Português, mas continuo a entender que a insinuação que aqui foi feita relativamente àquilo que foi a expressão de uma vontade política que eu fiz em nome da bancada do Partido Social Democrata foi injusta e envergonhou os trabalhos desta Assembleia. Tenho de o dizer com toda a frontalidade, porque não considero, não admito, não posso admitir nunca, que a expressão de uma vontade política, de uma ideia política, possa ser confundida com a protecção de um interesse, ainda para mais de um interesse que VV. Ex.as consideram ilegítimo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Concluída a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 452/X (3.ª) e 607/X (4.ª), resta-me anunciar que a próxima sessão plenária se realiza amanhã, com início às 10 horas, e terá como ordem de trabalhos a eleição de um membro para a Comissão Nacional de Protecção de Dados e contará com o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 231/X (4.ª) — Estabelece o regime jurídico do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a que se seguirá a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 219/X (3.ª) — Alteração ao Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de Junho, que define o regime jurídico aplicável aos bombeiros portugueses (ALRAM), após o que passaremos à apreciação, também na generalidade, da proposta de lei n.º 167/X (3.ª) — Fundo Nacional de Integração Desportiva (ALRAM). Seguidamente, procederemos à reaprecição do Decreto da Assembleia da República n.º 246/X — Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Haverá ainda lugar a votações às 12 horas.
Sr.as e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS):
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
Fernando Manuel de Jesus
João Carlos Vieira Gaspar
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Social Democrata (PSD):
António Alfredo Delgado da Silva Preto
Arménio dos Santos
Domingos Duarte Lima
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Luís Fazenda Arnaut Duarte

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Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Comunista Português (PCP):
Francisco José de Almeida Lopes
José Honório Faria Gonçalves Novo

Deputados não inscritos em grupo parlamentar:
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal

Partido Social Democrata (PSD):
José de Almeida Cesário
Luís Miguel Pais Antunes
Melchior Ribeiro Pereira Moreira

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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