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Sexta-feira, 29 de Maio de 2009 I Série — Número 86

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE MAIO DE 2009

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Artur Jorge da Silva Machado

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 11 minutos.
Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 292 a 295/X (4.ª) e da proposta de resolução n.º 136/X (4.ª).
Foi debatido e aprovado, na generalidade, o projecto de lei n.º 788/X (4.ª) — Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado (PS). Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Maria de Belém Roseira (PS), António Montalvão Machado (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP), Carlos Andrade Miranda (PSD), João Semedo (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Bernardino Soares (PCP), Diogo Feio (CDS-PP) e José Paulo Carvalho (N insc.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 59 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 11 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel Amaro Pratas
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade

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José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto

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4 | I Série - Número: 086 | 29 de Maio de 2009

Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel de Campos
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Helena Maria Andrade Cardoso Machado de Oliveira
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa
Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José Eduardo Rego Mendes Martins

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5 | I Série - Número: 086 | 29 de Maio de 2009

José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Magda Andrea Gonçalves Borges
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista

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António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

Deputados não inscritos em grupo parlamentar (N insc.):
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 292/X (4.ª) — Aprova o regime-quadro das contra-ordenações do sector das comunicações, que baixou à 9.ª Comissão, 293/X (4.ª) — Autoriza o Governo a criar um regime especial de aplicável às expropriações necessárias à concretização dos aproveitamentos hidroeléctricos integrados no Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) e os aproveitamentos hidroeléctricos de Ribeiradio-Ermida, no rio Vouga, e do Baixo Sabor, no rio Sabor, que baixou à 6.ª Comissão, 294/X (4.ª) — Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, por forma a criar um regime de tributação das indemnizações por cessação de funções ou por rescisão de um contrato antes do termo, auferidas por administradores, gestores e gerentes de pessoas colectivas residentes em território português, que baixou à 5.ª Comissão, 295/X (4.ª) — Altera o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, previstos, respectivamente, no Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, e na Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, que baixou à 1.ª Comissão; e proposta de resolução n.º 136/X(4.ª) — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a Organização para a Proibição das Armas Químicas sobre os Privilégios e Imunidades da Organização para a Proibição das Armas Químicas, assinado em Haia, em 5 de Julho de 2001, que baixou à 2.ª Comissão.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, a ordem do dia de hoje foi fixada pelo PS e consta da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 768/X(4.ª) — Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado (PS) que, no final do debate, será objecto de votação.
Para apresentar a iniciativa, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, gostava de usar o mecanismo elevatório.

Pausa.

Muito obrigada.
Como vêem, estou a «crescer«»

Risos.

Aliás, o Sr. Presidente, com a ironia que lhe é conhecida, várias vezes disse que este mecanismo elevatório seria estreado por mim...

Risos.

Penso que foi projectado para utilização pelos nossos antigos colegas, Marques Guedes e António Vitorino, mas chamar «pequenino» a um homem nem sempre é um elogio, enquanto que chamar «pequenina» a uma mulher pode ser um mimo....

Risos.

Portanto, Sr. Presidente, muito obrigada pelo mimo.

Risos.

O Sr. Presidente: — Só fizemos accionar o mecanismo porque a Sr.ª Deputada, a propósito deste diploma em concreto, deu o seu consentimento «elevado«»

Risos.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Muito obrigada! Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O projecto de lei que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista hoje apresenta visa, conforme descrito no seu artigo 1.º, regular os direitos dos doentes no exercício da sua autonomia.
Este conceito de autonomia decorre do direito de todos e cada um de nós à personalidade no seu todo, direito que, na feliz e expressiva definição de Orlando de Carvalho, «abrange todas as manifestações previsíveis e imprevisíveis da personalidade, pois é, a um tempo, direito à pessoa-ser e à pessoa-devir ou, melhor, à pessoa-ser-em-devir, entidade não estática mas dinàmica e com jus á sua ‘liberdade de desabrochar’ com direito ao livre desenvolvimento da personalidade«.
Este conceito, que decorre da melhor doutrina aplicável aos Direitos Humanos, tem uma explanação muito própria na sua relação com os cuidados de saúde.
Todos conhecemos a fantástica evolução científica e tecnológica que se verificou no domínio da biomedicina, sobretudo a partir da segunda metade do século passado, e todos conhecemos também as barreiras que essa evolução quebrou, dando origem a uma nova dimensão da ética, a bioética.

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Mas mais coisas mudaram também: o nível de habilitação das pessoas е о acesso á informação, proporcionado pelas novas tecnologias, alterando as regras tradicionais da assimetria dos saberes na relação médico/doente.
Toda esta conjugação implicou uma necessária evolução de um conceito de medicina paternalista — em que o monopólio da informação e da decisão cabiam ao médico — para um conceito de medicina de respeito e responsabilidade, uma relação nova entre médico e doente que começou por ser sentida como necessária nas próprias organizações médicas internacionais.
O Código de Nuremberga, de 1947, precede mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que data de 1948, como sabemos, mas a mais conhecida destas explanações internacionais é, porventura, a Declaração de Helsínquia, de 1964. Nesta se fixa o princípio do consentimento informado, à época apenas aplicado à investigação médica.
Mas a litigância proporcionada pela prestação de cuidados de saúde cada vez mais invasivos, acrescentando-lhe riscos, sustentou o aprofundamento dos direitos dos doentes que, a partir dos anos 70, conhece maior expressão e dá origem a textos legais próprios em muitos países do mundo.
O consentimento informado, tal como é hoje reconhecido, assume uma dimensão ética. Como diz Paul Ricoeur, «entra-se verdadeiramente na ética quando, à afirmação por si da liberdade, se acrescenta a vontade de que a liberdade do outro seja».
Mas ele situa-se também no âmago do aprofundamento da democracia e nos seus conceitos integradores de igualdade e liberdade.
Pois se todos os seres humanos têm a mesma dignidade social, independentemente da sua ascendência, do seu sexo, da sua origem, da sua religião, das suas convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (na versão actual do artigo 13.º da nossa Constituição), a «relação de subordinação» característica do exercício paternalista da Medicina deixou de ser aceitável à luz do que, hoje, civilizacionalmente aceitamos.
Como dizia João XXIII, citado por Feytor Pinto em colóquio promovido pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, já em 1992, «a relação humana é radical, total, plena, permanente, uma relação que tem a verdade como fundamento, a justiça como regra, a liberdade como dinâmica e a harmonia relacional como clima normal de toda a acção humana».
Assim também a relação médico/doente como relação que deve assentar na confiança, no respeito, na abertura e na responsabilidade.
A densificação da relação assim concebida pressupõe, pois, que se ultrapasse a barreira da assimetria do conhecimento.
Ela é uma realidade na maioria das situações e, por isso, o conteúdo e os termos da informação têm de ser ajustados às capacidades de entendimento e às necessidades de cada doente em concreto. Só assim ele poderá ficar habilitado a tomar a decisão que lhe respeita. Por isso, o projecto de lei é detalhado não só no que respeita ao conteúdo como à forma de transmissão da informação.
Mas o direito a saber pressupõe, também, o direito a não saber ou o direito a não ser informado. Aqui, as únicas excepções que relevam são: a da supremacia de direitos colectivos sobre direitos individuais, ou seja, perigo de saúde para terceiros ou para a saúde pública; ou o risco para a vida ou grave dano para a saúde do doente que a comunicação da informação pudesse causar — neste caso, sob avaliação do médico no exercício do «privilégio terapêutico».
Também se reafirma, neste projecto, a titularidade do direito à informação para efeitos de consentimento, na linha do que este Parlamento já tinha definido na Lei n.º 12/2005, relativa à informação de saúde e informação genética pessoal.
Ou seja, o doente é o único titular dessa informação, o que tem como consequência que os seus familiares ou outras pessoas só podem ter acesso à mesma se o doente o consentir, expressa ou tacitamente.
Da conjugação do artigo 1.º com o artigo 8.º do projecto o consentimento prévio passa a ser obrigatório para qualquer intervenção na área de saúde, quer nas relações jurídicas de Direito Privado quer nas de Direito Público, o que significa que, nos estabelecimentos ou nas prestações de saúde públicas, sociais ou privadas, o ónus da prova compete ao estabelecimento ou ao profissional de saúde.
Se não fosse esta última a solução, cairíamos na prova de facto negativo, a chamada «prova diabólica» que retiraria eficácia a todo o processo.

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Toma-se, pois, expressamente, partido a favor da parte mais fraca, o doente.
Quer a forma do consentimento quer a sua recusa ou revogação estão expressamente previstos nos artigos 9.º e 10.º do projecto, que se assume como lei especial perante o Código Civil, nos casos de risco elevado de incapacidade grave ou de morte do doente.
Como não há regra sem excepção e a matéria em apreço, para além da sua complexidade, é especialmente sensível, dispensa-se o consentimento quando a sua obtenção implicasse um adiamento que pusesse em perigo a vida ou em perigo grave o corpo ou a saúde.
No artigo 12.º, explicita-se a forma como pode ser exercida a representação de adultos com «capacidade diminuída» no sentido de que ela possa ser oportuna, limitada ao estritamente necessário e discreta, sem esquecer a possibilidade de o médico actuar segundo consentimento presumido, com as cautelas ajustadas à descoberta da vontade presumida.
A representação de crianças e jovens está vertida no artigo 13.º seguindo as soluções tradicionais do exercício pelos progenitores do seu «poder-dever» mas, de certa forma, consagra uma «maioridade especial», embora cautelosa, a partir dos 16 anos, quanto às decisões de saúde, na esteira de algumas disposições especiais, não só as que desenvolvem a Declaração dos Direitos da Criança como também a regra geral contida no Código Civil, após a revisão de 1977, que manda atender à opinião dos menores e respeitar a sua autonomia nos assuntos relativos à organização da sua vida.

Aplausos do PS.

A Secção IV do projecto refere-se à declaração antecipada de vontade e à nomeação de procurador de cuidados de saúde para acautelar as situações, com elevado grau de probabilidade, de que no momento necessário não se esteja em condições de exprimir a vontade.
Esta matéria tem sido objecto de solução em muitos ordenamentos jurídicos estrangeiros — o que, aliás, tem levado muitos portugueses a fazerem estes chamados «testamentos vitais» no estrangeiro — e, entre nós, tem vindo a ser muito discutida, sobretudo por iniciativa da Associação Portuguesa de Bioética, que, aliás, entregou na Comissão Parlamentar de Saúde, já há mais de dois anos, um projecto de diploma sobre a matéria.
Fazendo esta previsão, não poderia esquecer-se o direito à objecção de consciência dos profissionais de saúde, sem prejuízo da necessidade, sendo caso disso, da conciliação prática dos interesses em causa.
A consagração da proibição da discriminação no acesso aos cuidados de saúde na sequência de directiva antecipada de vontade é também assumida expressamente, porque, na matéria em análise, só se é verdadeiramente livre quando não se tem medo de desvantagens para além daquelas que cada juízo individual aceita suportar.
Quer o processo clínico quer o acesso ao mesmo são objecto de propostas de solução.
Já a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, versão de 2007, como a Lei de Protecção de Dados Pessoais, de 1998, se referiam a esta matéria, alargando-se, no projecto, o regime da primeira às unidades privadas e acrescentando-se, na segunda, o requisito da localização em território português.
Opta-se — opção que sei ser controversa — , no acesso ao processo clínico, por deixar cair a intermediação obrigatória de médico, com excepções, e impõe-se a obrigatoriedade de consentimento prévio no acesso ao processo clínico para finalidades de investigação, excepto após anonimização irreversível.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta matéria consegue ser, ao mesmo tempo, fascinante, difícil e controversa, mas a sua discussão é importantíssima.
A abertura para o fazer deve constituir posição de princípio que aqui assumo. O apelo à participação alargada que a faça sair das paredes desta Casa é um imperativo.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está aberto para a sua discussão, para a análise das propostas de alteração que VV. Ex.as entendam produzir e para o acolhimento de todas aquelas que contribuam para soluções de apoio alargadas.
O nosso objectivo foi tão-só densificar e aprofundar o conceito de autonomia inerente à dignidade humana e, também, aprofundar a relação médico/doente assente, como deve ser e atrás referi, na confiança, no respeito, na abertura e na responsabilidade.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se dois Deputados para fazer perguntas.
Assim, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado António Montalvão Machado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, acabei de ouvir, agora, com muita atenção, a sua intervenção. V. Ex.ª utilizou a expressão «o tema é fascinante, é difícil, é controverso e a sua discussão é importantíssima».
Pois deixe-me dizer-lhe que a minha primeira palavra sobre o momento e a oportunidade em que o projecto é apresentado é de indignação, de profunda indignação!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Como é possível apresentar, ontem, e discutir, hoje, um diploma relativo à decisão sobre a vida e a morte de um ser humano, sem o mais pequeno debate interno em comissão, sem uma nota técnica sequer, sem um relatório de comissão e, sobretudo — e esta é que é a parte decisiva — , sem um debate alargado, sem um debate amadurecido na sociedade portuguesa?!

Aplausos do PSD.

E ainda sem uma qualquer apreciação do Conselho Nacional de Ética das Ciências da Vida?!... É, enfim, uma iniciativa sem reflexão, sem pensamento, sem nada, Srs. Deputados! Sr. Presidente, a oito dias de um acto eleitoral, em plena campanha eleitoral, debaixo do «ruído» de uma campanha eleitoral, a um mês de acabar a Legislatura, o PS, como que «à socapa», «enquanto o diabo esfrega um olho», quer que se discuta, hoje, um diploma que passa a decidir sobre a vida e a morte do ser humano.

Aplausos do PSD.

Creiam, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há 10 anos que sou Deputado e nunca assisti a tanta leviandade política, a tanta imprudência, a tanto oportunismo político, a tanto estratagema político...

O Sr. Alberto Martins (PS): — Tenha juízo!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — ... e, sobretudo, com um assunto sério como é o da vida e da morte.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Tenha juízo!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E o senhor não me diga para ter juízo! O senhor tem a minha idade e o senhor é que tem de ter juízo, porque não lhe reconheço nenhum! O PSD denuncia, pois, esta perfeita instrumentalização para fins político-partidários, para fins políticotácticos, que demonstram a degradação a que o PS conduziu este país.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, para terminar, direi que o PS sabe que, no seio da comissão, tem de se ouvir o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e este diploma não tem tempo nem oportunidade de ser aprovado nesta Legislatura.
E é por saber disso que esta iniciativa, Sr. Presidente, ou é um absurdo político ou é a prova da maior das desonestidades políticas e intelectuais a que se assistiu!

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, com toda a cortesia e com toda a simpatia, devo dizer que fiquei muito perplexa com a sua intervenção por um motivo. Se há coisa que gosto de fazer na vida política é respeitar os direitos de autor e quero recordar ao Sr. Deputado Montalvão Machado que foi pela mão do Sr. Dr. Mário Raposo, ex-ministro da Justiça do PSD, que criou a 1.ª Comissão, que se pronunciou e que desenvolveu pensamento no seio do Governo»

Protestos do Deputado do PSD Luís Campos Ferreira.

Se o Sr. Deputado não se importa, ouvia-me com atenção, porque ouvi o Sr. Deputado Montalvão Machado com toda a atenção e com todo o interesse, porque é assim que respeito os meus colegas.
Ora, como eu dizia, o Sr. Ministro Mário Raposo criou, pela primeira vez, a comissão que, em Portugal, se debruçou sobre a análise das questões éticas face ao avanço da Medicina e à implicação desses mesmos avanços na necessidade de reformular o Direito.
O Sr. Dr. Mário Raposo, depois de ter sido Ministro da Justiça, foi Deputado nesta Casa e Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e, em 1992 — Sr. Deputado, oiça bem, foi em 1992! — , enquanto Presidente deste Conselho, promoveu um colóquio sobre o consentimento informado, cujas actas tenho comigo e de refiro um excerto: «não será, pois, assim, uma ideia ultrapassada e conservadora propor, em certos domínios como este — referia-se ao consentimento informado — , a sua transposição para o direito positivo. Isso não significará, certa e seguramente, amputar-lhe o seu sopro de eternidade e confiná-lo a uma perspectiva positivista. A vida humana e os seus problemas mudam. Como na frase de Meunier, ‘não se poderá responder à angústia dos nossos filhos com a audácia dos nossos avós, mas a pessoa, na sua essência natural, permanece incólume nos decisivos traços definidores’.« Portanto, é desde 1992 que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida considera que é urgente e importante legislar sobre consentimento informado.
Assim, Sr. Deputado, se alguma coisa deveria causar-nos indignação era o atraso com que estamos a fazê-lo no ordenamento jurídico português.

O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Felizmente, consegui, na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, impor esta prática nas nossas instituições. Através de circulares normativas, ela também foi imposta, já em 1998, às nossas instituições.
O que é um facto é que, de acordo com um estudo recentemente levado a cabo pela Entidade Reguladora da Saúde, infelizmente, esta prática não está a ser aplicada e, portanto, tudo aconselha a que possamos legislar sobre esta matéria.
Não é atrevimento, não é algo que nunca tenha sido discutido, nem é sequer algo de vanguarda! É algo profundamente atrasado e penso que se alguma coisa nos devia preocupar era recuperarmos algum desse atraso legislando bem, de forma participada sobre esta matéria e sem os preconceitos de sempre que nos amarram a um atraso que é sinónimo de subdesenvolvimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria de Belém, de facto, no espaço de duas semanas o Partido Socialista faz uma reviravolta inconcebível, mas que já não nos espanta.

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12 | I Série - Número: 086 | 29 de Maio de 2009

Há duas semanas, o Partido Socialista, numa declaração que me pareceu natural e com bom senso, afirmou que já não se poderia debater esta matéria nesta Legislatura, que está prestes a acabar, porque é uma matéria de tal sensibilidade e de tal importância que carece de um debate aprofundado e amplo.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Ora, passados apenas alguns dias sobre esta afirmação do Partido Socialista, os senhores fazem este agendamento potestativo e, partindo do princípio de que os senhores são uma só bancada (embora muitas vezes não pareça!»), ç extraordinário como ç que fazem esta reviravolta, ainda por cima para pior, contrariando uma decisão que era óbvia e sensata! Mais, os senhores fazem-no com três características terríveis: não ouviram ninguém, não deram tempo para que houvesse esse tal debate amplo e aprofundado, nomeadamente com a sociedade civil, e o projecto que apresentam não está bem feito! A Sr.ª Deputada diz que esta matéria carece de regulamentação, de acordo com o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida desde 1992. Mas, Sr.ª Deputada, não se trata de regulamentar e legislar a qualquer custo. É preciso que essa legislação seja feita com qualidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Como é que os senhores apresentam um projecto sobre uma matéria desta importância e desta sensibilidade a um mês e meio do fim da Legislatura sem terem ouvido o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, sem sequer terem feito uma nota técnica no âmbito da 1.ª Comissão, sem terem ouvido demais entidades e personalidades de reconhecido mérito que têm uma palavra a dar sobre esta matéria?! Como é que os senhores não aprenderam sequer com a «novela» que foi a legislação sobre divórcio, cujo autor, o estimável Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, passados uns tempos, veio dizer que a legislação foi feita tão à pressa que está pejada de erros e de omissões?! Ele o próprio autor do projecto de lei sobre o divórcio?!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Como é que os senhores apresentam este projecto de lei, ainda por cima, sem terem feito quaisquer audições? E mais: como é que apresentam este projecto repleto de lacunas, de omissões e de falhas — umas parecenos que voluntárias, outras certamente não o serão... Isto foi um projecto feito de um dia para o outro! Ora, o CDS está disponível para fazer um debate sério sobre esta matéria, nomeadamente sobre as declarações antecipadas de vontade que evitem as situações de obstinação terapêutica, de terapêuticas fúteis e de tratamentos desproporcionados. Estamos obviamente disponíveis para que seja respeitada a autodeterminação e o consentimento informado do doente, mas não estamos disponíveis para uma farsa, Sr.ª Deputada, ainda para mais uma farsa que, contendo estas omissões, abre portas para a eutanásia, que queremos claramente afastar deste debate!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, vou começar pela parte final da sua intervenção, considerando não me sentir ofendida por falar em farsas, porque, como sabe, não sou farsante e penso que a Sr.ª Deputada não queria dizer que eu o era.
Quero sublinhar a sua disponibilidade para discutir esta matéria e, relativamente a tudo o que disse na primeira parte da sua intervenção, quero dizer que esta matéria não é tão nova quanto aqui se pretende fazer parecer.

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A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Mas está mal legislada!

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr.ª Deputada, desculpe, mas o estar bem ou mal é uma questão de avaliação. A Sr.ª Deputada é jurista, tal como eu — aliás, porventura de escolas diferentes e em épocas diferentes, porque sou uma «antiguidade», como já tive oportunidade de referir á Sr.ª Deputada»— e quero referir-lhe que já temos legislação sobre esta matéria no Código Civil, no Código Penal, ratificámos, em 2001, a Convenção de Oviedo, a Convenção dos Direitos Humanos relativa às aplicações da biologia e da medicina aos seres humanos, que abrem portas quase compelindo-nos a legislar sobre esta matéria já a partir de 2001.
Por outro lado, tem havido, como a Sr.ª Deputada sabe, muitos fora, onde provavelmente a Sr.ª Deputada não esteve presente, mas nos quais participei activamente, onde esta matéria é discutida abundantemente há anos.
Devo dizer à Sr.ª Deputada, por exemplo, que integrei a Comissão de Ética do Instituto Português de Oncologia, em 1992, instituição na qual se praticava o consentimento informado a partir dessa data.
Portanto, dizer-se que esta matçria ç desconhecida, que não foi debatida, que não ç praticada» Recordei na minha intervenção que as primeiras entidades a fazerem apelo à necessidade do consentimento informado foram o Código de Nuremberga de 1947 e a Declaração de Helsínquia de 1964. Sr.ª Deputada, por amor de Deus!...
Em 1947, eu ainda não tinha nascido; em 1964, já estava quase a entrar na universidade; em 2009, com certeza que a Sr.ª Deputada compreende que, com a vida activíssima que tive, já tive oportunidade de apreciar o quanto esta matéria é debatida na sociedade portuguesa e as inúmeras vezes que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida se pronunciou sobre a indispensabilidade de legislação sobre esta matéria.
Portanto, Sr.ª Deputada, é uma questão de anos de vida e de experiência profissional, é uma questão de contactos, mas é também uma questão de estar aberta e de ouvir a sociedade civil.
Aliás, devo dizer-lhe que este projecto de lei, que foi entregue no dia 22 de Maio na Assembleia da República, já mereceu, por parte da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos e da Dr.ª Isabel Neto, da Ordem dos Médicos, da Associação Portuguesa de Bioética e do próprio Padre Feytor Pinto, referências que nos fazem recordar que, efectivamente, esta matéria tem sido objecto de profunda análise e debate nas organizações da sociedade portuguesa que têm por tradição e por imperativo ético, moral e, muitas vezes, profissional discutir estas matérias. E basta estar atento aos sinais da sociedade civil.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Devia era ter traduzido esse conhecimento no projecto de lei!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A comunicação que tenho a honra de hoje dirigir a esta Câmara versa sobre a dignidade.
Desde logo, a dignidade da pessoa humana, aquela dignidade da pessoa humana que é proclamada logo no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa como o esteio maior, a trave mestra da República soberana de Portugal, ao dizer-se que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular (»)«, proclamação esta próxima da grandeza lapidar da abertura da Constituição alemã, que refere: «A dignidade da pessoa humana é inviolável.» A pessoa como sujeito e não como objecto; como fim e não como meio de relações jurídico-sociais.
Immanuel Kant, na Fundamentação Metafísica dos Costumes, explicitava: «No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade».

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — A pessoa tem dignidade própria, absoluta, individual, específica e, tal como o genoma humano, irrepetível. O homem é digno porque é pessoa.
É essa dignidade, enquanto valor próprio, que está na base do princípio antrópico, em que a pessoa é o epicentro dos direitos fundamentais (o direito à vida, o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito à integridade física e psíquica, o direito à identidade pessoal, o direito à identidade genética, etc.).

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — O respeito pela pessoa implica necessariamente a defesa da sua liberdade, da sua autonomia, da sua autodeterminação.
O ordenamento jurídico português confere uma ampla tutela ao direito à autodeterminação da pessoa humana. Em consequência, o consentimento livre e esclarecido já se encontra consagrado entre nós, não só enquanto dimensão do direito à integridade pessoal, mas como corolário da autodeterminação da pessoa.
Só um cidadão informado, devidamente esclarecido, pode beneficiar plenamente da liberdade de se autodeterminar.
Sr.as e Srs. Deputados: O debate que o Partido Socialista nos impôs, potestativamente, hoje, versa sobre consentimento informado, sem que, contudo, a Assembleia da República possua informação suficiente para emitir o seu «consentimento» sobre esta matéria.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Este projecto entrou «de mansinho» na Mesa da Assembleia, na passada sexta-feira, tendo o PS tomado as devidas precauções para que não fosse convenientemente divulgado.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Veja-se o pouquíssimo realce que os media lhe dedicaram.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Isso é que é verdade!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Só ontem foi anunciado pela Mesa e, em menos de uma semana, o Partido Socialista coage esta Câmara a tomar decisões,»

Aplausos do PS.

» contra todas as disposições cautelares previstas no Regimento desta Assembleia.
Este simulacro de debate está, assim, viciado à partida.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — As Sr.as e os Srs. Deputados não dispõem da informação necessária e suficiente para ponderarem, em consciência, as consequências gravíssimas que poderiam advir da aprovação deste projecto.
É absolutamente inédito, nunca visto na Assembleia da República, um debate sobre um tema com esta carga ética elevadíssima vir a Plenário e ser submetido a votação sem sobre ele se pronunciar sequer o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Sem informação, Srs. Deputados, a Assembleia da República não tem condições para emitir o seu consentimento informado. Portanto, este projecto, Sr.as e Srs. Deputados, é um acto indigno.

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Sr.as e Srs. Deputados: Para compreenderem melhor o absurdo de estarmos hoje a debater este projecto, permitam-me que partilhe convosco algumas dúvidas que este projecto não resolve e, assim, sem estarem resolvidas, não estaremos em condições de decidir.
Primeira questão: este projecto convoca um conflito entre bens jurídicos. Por um lado, o bem jurídico legalmente protegido, como é a liberdade de dispor do próprio corpo e da própria vida, que se manifesta no momento em que eu recuso terminantemente uma intervenção cirúrgica, mesmo que seja aquela que clinicamente me pode salvar a vida, e que conflitua com o bem jurídico vida, dignidade da vida e da saúde.
Pois bem, Srs. Deputados, qual deles é que este projecto privilegia? E em que medida é que o direito à vida inclui o direito de organização da própria morte? Segunda questão: houve tempo em que a autonomia e a autodeterminação do homem, que estão subjacentes ao direito à liberdade de disposição do próprio corpo e da própria vida, tinham a sua relevância mitigada.
No âmbito da relação médico-paciente, no tocante à prestação de cuidados de saúde, predominou, até há bem pouco tempo, o paternalismo médico — os pacientes são uns ignorantes, que não estão em condições de perceber a tecnicidade da sua situação clínica, e, portanto, não estão habilitados a decidir o que é melhor para eles.
O exercício da medicina equiparava-se, então, a uma «arte silenciosa»: só o médico era o juiz do interesse ou do benefício do doente.
Este princípio do benefício ou da beneficência tem vindo a ser substituído pelo princípio da autonomia, da autonomia da vontade, livre e esclarecida.
O que alterou substancialmente o sentido do acto médico foi a introdução, dentro da relação doente/médico, da ideia forte da autodeterminação do doente. Este deixou de ser entendido como um sujeito meramente passivo para passar a ser um sujeito detentor de direitos, capaz de construir a sua própria vida. A relação médico/paciente tem de conduzir, agora, a um consentimento informado.
Pois bem, digam-me lá, Sr.as e Srs. Deputados, de que forma é que este projecto do PS balanceia estes princípios? Que limitação, ou limitações, estabelece ao principio da autonomia? Como compagina este projecto a liberdade de consentimento com os limites legais à relevância do consentimento contra a lei, da indisponibilidade de determinados interesses jurídicos protegidos e dos bons costumes, como refere o artigo 38.º do Código Penal? Que resposta vos dá este projecto de lei do Partido Socialista? Sr.as e Srs. Deputados, vamos a uma terceira questão e centremo-nos, agora, no domínio dos crimes contra a liberdade. O bem jurídico protegido aqui é a liberdade de dispor do corpo e da própria vida.
No Direito Penal português vigente, o artigo 150.º considera que as intervenções e tratamentos médicocirúrgicos não constituem, em princípio, ofensas corporais. Se as intervenções e os tratamentos forem realizados sem consentimento do paciente, são considerados arbitrários e punidos com prisão até 3 anos.
Encontra-se aqui, na conjugação destes artigos do Código Penal, o cerne da protecção legal máxima do consentimento informado, em matéria de intervenções e tratamentos médicos ou médico-cirúrgicos.
Mas — atenção, Srs. Deputados! — tal como o paciente tem toda a liberdade (constitucional e penalmente, protegida) para emitir o seu consentimento em relação a um determinado tratamento ou intervenção, também goza de igual protecção a recusa de qualquer tratamento ou intervenção, dando corpo à liberdade de autodeterminar o destino do seu corpo e da sua própria vida.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Veja-se, por exemplo, que a dispensa do consentimento, em casos de máxima urgência, tem exactamente como limite que não se verifiquem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado.
Quando o médico tenha conhecimento da vontade presumível do paciente e esta seja no sentido de não consentir no tratamento ou na intervenção, não pode levar a cabo estes tratamentos, sob pena de serem punidos como arbitrários.
Sr.as e Srs. Deputados, a conflitualidade que opõe o bem jurídico legalmente protegido (a liberdade de dispor do corpo e da própria vida) a outros bens jurídicos, como a dignidade da vida e da saúde, resolve-se, nestes casos, com o sacrifício da vida e da saúde.

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O projecto de lei que o Partido Socialista impõe que debatamos hoje passa «como cão por vinha vindimada» por cima de todas estas questões. E, em matéria de recusa do consentimento, o projecto do Partido Socialista derroga e substitui, de forma inconstitucional e ilegal, o Código Penal vigente, confirmando a ideia do atabalhoamento com que esta matéria nos é apresentada.
Sr.as e Srs. Deputados, pedia-vos uma especial atenção para esta que penso ser a questão fundamental deste projecto de lei: procura instituir-se, através deste projecto, um modelo de representação dos incapazes, das crianças e dos jovens, para efeito do consentimento informado, olvidando completamente a outra face do consentimento, que é a recusa do consentimento.
A proposta que nos é apresentada permite que os pais, o procurador ou o tutor possam recusar o consentimento de um tratamento, de uma intervenção cirúrgica, mesmo que daí resulte a previsível morte do seu filho.
O caso de escola é o dos pais de um menor de 11 anos, que, por motivos religiosos, recusam o consentimento para que o filho seja submetido a uma transfusão de sangue vital.
Trata-se aqui, Srs. Deputados, de uma violação flagrante do nosso universo axiológico-normativo de base constitucional. A liberdade de dispor do corpo ou da própria vida é uma liberdade pessoal, que não se comunica, em condições nenhumas, a um representante legal.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — O consentimento necessário dos pais não é a emanação do direito de autodeterminação do próprio paciente mas do direito/dever de assistência desses mesmos pais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, agora, em condições de concluir que o projecto do Partido Socialista representa claramente uma «camuflagem». Sob a capa e a epígrafe do consentimento informado, aqui tratado de forma, umas vezes, redundante e, outras vezes, redutora, esconde-se efectivamente o verdadeiro propósito do Partido Socialista de introduzir, camufladamente, o debate em torno do testamento vital, como forma de institucionalização da eutanásia, pelo menos sob a forma de eutanásia passiva ou por omissão.
Para essa «camuflagem» muito contribui a própria epígrafe do projecto de lei, direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado, sem qualquer referência ao tema que o PS verdadeiramente pretende tratar neste debate, que é o tema do testamento vital.
Este projecto de lei visa claramente instituir o homicídio a pedido da vítima por omissão do médico a quem é ordenado que interrompa um tratamento ou desligue a máquina de reanimação artificial, fazendo letra morta do artigo 134.º do Código Penal.
Sr.as e Srs. Deputados: Estão preparados para, daqui a pouco mais de uma hora, tomarem uma decisão sobre estas questões?

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Receberam VV. Ex.as mandato do povo que vos elegeu para legalizar a eutanásia em Portugal? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O modo como o projecto de lei trata a questão da representação é mais uma vez sintomático da ligeireza, da venalidade com que o PS trata a vida humana,»

Aplausos do PS.

» como coisa descartável, pura e simplesmente em uso ou abuso de uma procuração.
Sr.as e Srs. Deputados: O PSD não está disponível para dar cobertura política a este desaforo democrático e tudo fará para que este projecto de lei nunca veja a luz do dia, sem prejuízo de, na próxima legislatura, o PSD poder debater serenamente a melhor forma de regulamentar o artigo 9.º da Convenção da Oviedo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Miranda, ouvi com muita atenção a sua intervenção e devo dizer que concordo com a esmagadora maioria dos argumentos que invocou.
De facto, para além da falta de oportunidade e falta de debate prévio de que já falámos, encontramos neste projecto de lei uma série de falhas e lacunas muito graves.
Destaco apenas algumas.
No que se refere aos artigos sobre o direito à informação ou à representação de crianças e jovens, bem como de adultos com capacidade diminuída, verificamos que esta matéria é tratada com negligência absoluta, não garantindo que as decisões sejam tomadas de forma sustentada, nomeadamente por um consenso de médicos, por mais do que um médico.
Além disso, as questões dos meios de prova sobre a informação que foi prestada e que o consentimento foi efectivamente dado pelo doente são tratadas com enorme superficialidade, nem sempre sendo exigida a forma escrita, como deveria ser.
Mas, Sr. Deputado, gostaria de focar um aspecto que me parece crucial neste debate e que diz respeito às declarações antecipadas de vontade.
Em primeiro lugar, verificamos que não é estabelecido um prazo de validade para a declaração. A declaração, que obviamente pretende antecipar uma vontade que poderá ser tomada numa ocorrência grave, tem de ser actual. Ora, aqui nada se diz. Diz-se apenas que ela pode ser revogada (não se diz como) a qualquer momento.
Vamos imaginar, Sr. Deputado, que é feita uma directiva antecipada. A minha pergunta é se passados 10, 20 ou 30 anos ela ainda está válida. Isto é de uma enorme inconsciência! Mais: como é o médico sabe que um determinado doente fez uma declaração antecipada? Faço esta pergunta porque não se prevê aqui, sequer, que haja um registo nacional de declarações antecipadas de vontade. E quais as consequências no caso de o médico desrespeitar esta directiva? Diz o diploma que ela é revogável a qualquer momento e de qualquer forma, ou seja, por escrito ou verbalmente. Por isso, pergunto: se a revogação de uma declaração for verbal, como é que o médico sabe que essa declaração foi revogada? Isto porque não só não há o registo da declaração como também não há o registo da revogação verbal da mesma.
E aqui chegamos a um aspecto crucial, onde entendemos que está aberto o caminho para a eutanásia, e passo a explicar porquê.
É que não são definidas as regras, os limites, o alcance das declarações antecipadas. Ou seja, se qualquer um de nós quisesse fazer uma declaração antecipada de vontade, não saberia qual o seu alcance. No entanto, está previsto o direito à objecção de consciência, uma vez que, como diz o diploma, o disposto na presente secção não prejudica o direito à objecção de consciência. Só que, ao abrir esta possibilidade, o que se está a dizer é que é possível haver declarações de vontade que belisquem a consciência do médico. Ora, não se estando aqui a lidar com o Código Deontológico, o que é que estamos a dizer? Que os únicos actos susceptíveis de beliscar a consciência do médico são ou a eutanásia ou o encarniçamento terapêutico ou o suicídio assistido.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, faça favor de concluir.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Concluo, Sr. Presidente.
Ora, como a abstenção terapêutica, nos casos de incurabilidade cientificamente comprovada e demonstrada e perante a irreversibilidade rapidamente progressiva para a morte, não é susceptível de beliscar a consciência de um médico, antes fazem parte do seu Código Deontológico e Ético (é exactamente não fazer terapias fúteis), o que estamos a dizer é que pode dar-se o caso de haver declarações que, embora legais ou legalmente admissíveis, vão beliscar a consciência ética do médico, como são os casos de eutanásia ou suicídio assistido.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, muito obrigado pelas questões que colocou, que são profundas, complexas e vêm dar razão à nossa posição (sua e minha) sobre a inoportunidade e sobre a extemporaneidade deste debate, aqui, nesta Assembleia.
Efectivamente, eu próprio senti dificuldade em conseguir interpretar, em toda a sua extensão, o projecto de lei que o Partido Socialista nos traz.
Nestas coisas não basta, Sr.ª Deputada, o circuito da ciência, o circuito dos técnicos, o circuito dos especialistas de direito, não basta percorrer esse circuito fechado para que se possa falar num debate amadurecido da sociedade em torno destas questões. Não basta!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — É preciso que seja dada voz à sociedade como um todo, à opinião pública em geral, a um debate de contraditório franco, aberto, para se poder aquilatar da bondade ou da maleficência deste diploma.
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, de facto, há (e V. Ex.ª notou muito bem) um defeito de base nesta proposta que eu gostaria de salientar.
Quer no domínio do consentimento informado, quer no domínio ou na subespécie das declarações antecipadas de vontade, o que o PS nos traz aqui não contribui absolutamente nada para melhorar o sistema dogmático existente em Portugal neste momento. O regime jurídico do consentimento está perfeitamente definido em Portugal e inclui, naturalmente, a subespécie das declarações antecipadas de vontade. Portanto, isto existe na nossa lei e está perfeitamente claro na nossa lei.
Aquilo que é preciso fazer é regulamentar e densificar e não, como o PS nos propõe, fazer a substituição do regime dogmático existente por um regime mais redundante e mais redutor, como este que nos propõe.
Repare, Sr.ª Deputada, que neste projecto de lei se repete integralmente o teor do artigo 156.º do Código Penal. Mas há algum projecto de lei desta natureza que tenha «pés e cabeça» e que venha repetir ipsis verbis, em três pontos, exactamente os mesmos números do Código Penal?!

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É sério!

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — A liberdade concedida, ou melhor, não diria liberdade, diria discricionariedade, artificialidade ou mesmo venalidade com que é redigido o artigo 14.º deste projecto de lei abre, como V. Ex.ª disse, e muito bem, a porta a todos os tipos de eutanásia passiva que são conhecidos na prática clínica desde há muitos anos e que são repudiados pela legislação portuguesa.
Este artigo 14.º permite tudo. Como referi na minha intervenção, permite, nomeadamente, que a vítima (e por isso se fala em homicídio a pedido da vítima) solicite o auxílio do médico para que lhe desligue as máquinas que o alimentam ou que lhe controlam os sistemas vitais.
Este diploma, Srs. Deputados (e, em particular, uma palavra especial à Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira), é um «cheque em branco» em relação a situações que queremos claramente afastar. Portanto, merecerá com certeza, da parte desta Câmara, um repúdio completo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com todo o respeito pelos autores deste projecto de lei, gostaria de confessar que, quando acabei de o ler, fiquei com a sensação de que me tinha enganado e que tinha acabado de ler o anteprojecto e não o projecto.
Digo isto, mais uma vez, repito, com todo o respeito pelos autores do mesmo, porque este projecto de lei é muito primitivo, muito superficial, alimenta demasiados equívocos e contradições e é, do meu ponto de vista, redutor e facilitista, o que é muito contrastante com a complexidade dos problemas que ele pretende tratar.

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Na sua aparência, este projecto de lei é sobre a informação clínica, sobre o processo clínico, sobre as declarações antecipadas de vontade e sobre o consentimento informado, ou seja, na aparência, é um projecto de lei que tem por objecto estes quatro temas e problemas, é sobre isto tudo, mas, na realidade, é rigorosamente sobre nada.
Do meu ponto de vista, a sua aprovação não resolveria qualquer problema daqueles com que hoje nos confrontamos. Pelo contrário, penso que, pela colisão evidente com a legislação actual sobre muitos destes problemas, creio que este projecto de lei, a ser aprovado, se transformaria num motivo de maior confusão na resolução prática dos problemas com que os serviços de saúde se confrontam hoje.
Além do mais, creio que o projecto de lei tem também áreas e soluções que são redundantes e, em muitos casos e em sentido contrário, soluções que são um recuo relativamente ao que já hoje está legislado ou é praticado nos nossos serviços de saúde.
O que julgo ser mais evidente neste projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista é que procura fugir, procura evitar, não tratar e não encarar de frente aquilo que é hoje um problema da nossa sociedade. Não me refiro apenas à sociedade portuguesa, embora seja sobre essa, fundamentalmente, que estamos a fazer este debate e esta reflexão.
Pergunto-me como é que a legislação pode proteger e defender a humanização na prestação de cuidados e a dignidade da pessoa humana no momento das nossas vidas em que ela é mais posta em causa. Esse é, como todos sabemos, o momento em que adoecemos e o momento em que nos aproximamos e convivemos mais de perto com a morte.
Este projecto de lei tem por principal objectivo afastar a sociedade portuguesa desse debate, que é crucial e inadiável. Mas estou igualmente certo de que, mesmo que venha a ser aprovado, a sociedade portuguesa não deixará em devido tempo de fazer esse debate.

Aplausos do BE.

É flagrantemente chocante que um projecto de lei que visa o objecto que enunciei no início da minha intervenção não tenha uma palavra para três assuntos capitais.
Primeiro, não há uma palavra condenando a má prática médica de obstinação terapêutica, que massacra e que cria acrescentado e inútil sofrimento aos doentes. Nem uma palavra! Segundo, não há uma palavra sobre a consagração e o reconhecimento do direito dos cidadãos portugueses e, em particular, naturalmente, dos doentes, sobretudo dos doentes terminais, a terem ao seu dispor cuidados continuados e a necessidade de, no nosso País, existir uma rede de cuidados paliativos.
Terceiro, não há uma única palavra sobre a definição e as condições em que devia, e poderia, ocorrer a chamada «morte assistida».
Do meu ponto de vista, do ponto de vista do Bloco de Esquerda, falar em declarações antecipadas de vontade sem condenar a obstinação terapêutica, sem garantir, assegurar, permitir o regime de morte assistida e sem reconhecer o direito e a necessidade de uma rede de cuidados paliativos, falar de declarações antecipadas de vontade neste contexto, perante este vazio, julgo que é usar o nome das pessoas e dos seus direitos para os iludir, distrair e ir enganando.
Aproximando-me do fim do tempo de que disponho, gostaria, ainda, de dizer que este projecto de lei tem soluções equívocas. Por exemplo, a declaração antecipada de vontade será cumprida se a vontade de quem a subscreve for igual à do médico. Mas, mesmo nesse momento, se ela existir como manifestação igual, é garantida; se não for igual, o médico pode impor a sua vontade.
Por outro lado, é estranho que se diga que a declaração antecipada de vontade implica uma consciência e um conhecimento aprofundado do doente sobre a sua doença, quando toda a lógica do projecto de lei e toda a lógica desta discussão, das declarações antecipadas de vontade, só tem sentido se tal declaração for subscrita e registada no momento em que uma pessoa não está doente. Isto ç, de facto, uma trapalhada!» Gostaria também de dizer que não me parece aceitável que se exija o consentimento informado para tudo, porque, se for para tudo, ele nunca será exigido para nada! É esta, aliás, a prática e a cultura que é preciso corrigir.

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Também me parece que não se pode facilitar ao ponto de dizer que o consentimento informado pode ser transmitido sob qualquer forma, não se exigindo um mínimo, um registo, sequer, escrito, e permitindo até que esta prática seja cada vez mais facilitada, erradamente, no nosso País.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, concluo, dizendo o seguinte: este projecto de lei — permitam-me os Srs. Deputados do Partido Socialista — não é para levar a sério, e, infelizmente, porque ele versa matérias demasiado sérias.
O Bloco de Esquerda, por este ser um assunto demasiado sério, empenhar-se-á, seriamente, para que este projecto de lei, alguma vez, possa vir a dar um contributo sério para a dignificação do ser humano, da sua vida, dos seus direitos, particularmente quando ele está doente ou quando a morte se aproxima.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Eu também tenho de começar esta intervenção com uma confissão, a de que estou um pouco baralhada, porque vim para este debate perfeitamente convicta de que estávamos perante uma matéria relativamente consensual. Devo confessar isso.
Na verdade, tenho estado a ouvir atentamente as intervenções dos diferentes grupos parlamentares e há uma matéria que o Partido Socialista vai ter que esclarecer neste debate: a de saber se estamos aqui perante um projecto de lei para terminar este processo legislativo nesta Legislatura ou se apenas apresentou a iniciativa legislativa para lançar um debate no Parlamento sobre a matéria.
Considero que esta questão tem de ser definida, tem de ficar clara neste debate. É preciso perceber se o Partido Socialista, ao apresentar o projecto de lei, tem a intenção de que haja um trabalho intenso, de auscultação, na especialidade, para terminar na presente Legislatura ou se nada disso vai acontecer e estamos hoje, aqui, numa tarde simpática, a discutir a matéria, mas não vamos passar daqui. Entendo que o Partido Socialista deve dar este esclarecimento à Câmara.
Mas por que é que eu pensava que esta questão era consensual? Quando olhamos para a Lei de Bases da Saõde, na sua Base XIV, lemos expressamente que «Os utentes têm direito a (») b) Decidir, receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes ç proposta (»)«. Então, nós pensamos: se, numa determinado altura, alguém fica incapaz de decidir ou de expressar a sua vontade em relação a essa decisão que lhe cabe, pode ou não manifestá-lo antecipadamente? Acho que ninguém recusará dizer que sim, que pode e deve declarar antecipadamente. E, então, estamos perante a declaração antecipada de vontade.
Olhamos para o Código Civil, olhamos para o Código Penal, olhamos para o princípio da autodeterminação, previsto na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, e nada disto é novo para nós!» Agora, teremos ou não um trabalho a fazer no sentido de tornar este princípio indicativo em vinculativo, para tornar a vontade do utente vinculativa? Sim, temos esse trabalho a fazer! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também não vale a pena virmos aqui dar argumentos perfeitamente demagógicos como se estivéssemos a discutir uma coisa que não está em discussão, que é a eutanásia! Porque, assim, as pessoas ficam a pensar que faltam argumentos para contestar, da vossa parte — neste caso, da direita — , o testamento vital. Não é, de facto, da eutanásia que se está aqui a tratar.
O País merece ou não debater, até com alguma urgência, a questão da eutanásia? Sim! Nesta Legislatura, já percebemos que não houve grupo parlamentar que trouxesse a matéria à discussão. Provavelmente, na próxima legislatura, esse debate tem que se abrir! No Parlamento ou fora dele, provavelmente, tem que se abrir, com alguma urgência! Mas, de facto, não vale a pena estar a fazê-lo agora, porque não é isso que está em causa! Espero, evidentemente, receber resposta por parte do Partido Socialista em relação à seriedade ou ao que se visa com este processo legislativo.
Uma nota lateral ao projecto de lei. Os Verdes têm nota de que as queixas à Entidade Reguladora da Saúde aumentaram imenso no ano passado, as pessoas estão a queixar-se da forma como não têm acesso aos cuidados de saúde, as pessoas estão a queixar-se dos atrasos de atendimento no Serviço Nacional de

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Saúde e nos serviços convencionados e este Parlamento precisa de ter um olhar diário e atento sobre esta realidade do sistema nacional de saúde e da prestação dos cuidados de saúde, em Portugal.
Podemos promover muitos outros debates relacionados com saúde, mas esta matéria é fundamental para o «Dia D» dos cidadãos e é fundamental — fica aqui o apelo ao Partido Socialista, ao partido que apoia o Governo! — para que esta matéria esteja em discussão, a fim de que estejamos, permanentemente, atentos às dificuldades que os cidadãos têm no acesso à saúde.
Termino esta intervenção, dizendo que, em função da resposta do Partido Socialista, se estivermos perante um processo legislativo sério para promover um debate sério na especialidade, agora em relação à questão do testamento vital, o Partido Ecologista «Os Verdes», na votação na generalidade, dará, evidentemente, o seu voto favorável.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema que estamos a debater é muito sério e merece a atenção da Assembleia da República e a profundidade do debate.
Penso que as discussões que já houve na sociedade, por diversos especialistas e por muitas entidades que, por razões religiosas, médicas, éticas ou de outro tipo, estão interessadas nesta matéria, aconselham a que haja uma ponderação destas questões do testamento vital e outras que estão em apreciação com este projecto de lei. A própria Comissão de Saúde já recebeu entidades que pediram a intervenção da Assembleia da República neste sentido.
É evidente que há uma leitura política para, num momento como o que estamos a viver no País, o Partido Socialista agendar potestativamente este projecto de lei, mas isso não significa, para nós, desvalorização do assunto, nem vamos fazê-lo, nem significa dizermos que o assunto não merece um debate aprofundado.
É evidente também que seria desejável que, antes deste agendamento, pudéssemos ter tido um maior contributo de diversas entidades que reflectem sobre esta matéria. Ele não foi inexistente, mas teremos de ir mais além, embora seja justo dizer também que o trabalho de especialidade é, porventura, um momento importante para que todos esses contributos também sejam incorporados e que não vem grande mal ao mundo o facto de — ainda por cima, sendo um legítimo direito de agendamento potestativo — o projecto de lei ter sido agendado para hoje.
Gostaria de salientar que é curioso ver que, neste debate, o projecto de lei é uma coisa para uns e é outra coisa para outros. Para uns, é um projecto de lei que, felizmente, deixa de fora a questão da eutanásia; para outros, é um projecto de lei no sentido de um primeiro passo num caminho que, desejavelmente, há-de levar à questão da eutanásia. É esta a zona cinzenta onde este projecto de lei se procura inserir e penso que não é por acaso! O Partido Socialista quis certamente, com esta iniciativa legislativa, não desmentir completamente aquilo que debateu no seu Congresso em relação ao debate sobre a eutanásia mas, sobretudo, sossegar certos sectores da sociedade portuguesa, que já estariam preocupados com o avanço mais rápido dessa matéria. É este o objectivo táctico do Partido Socialista e, aqui para nós que ninguém nos ouve, provavelmente nem está desligado do período eleitoral em que vivemos, embora à primeira vista este debate nada tivesse de eleitoral!» Dito isto, penso que este projecto de lei necessita, obviamente, de uma grande discussão e debate na especialidade. Há questões que até me parecem contraditórias no seu próprio articulado, mas não queria dedicar demasiado tempo a avaliá-las neste momento de debate na generalidade.
Porém, a questão de fundo merece o nosso acolhimento e penso que a Assembleia da República deve legislar nesse sentido, não de uma forma redundante ou repetindo normas mas, se possível, criando um regime coerente que permita que todos saibam, com a complexidade que estas matérias têm, o que vai acontecer em cada momento, que normas existem e que normas é que se aplicam em cada situação.
O que este debate não pode esconder é que continuamos a ter uma extrema carência em matéria de cuidados paliativos. Sem desvalorizar, nem um milímetro, a importância do consentimento informado, do testamento vital e o debate de outras matérias que também são importantes, é essencial que isso não se faça à custa do esquecimento da carência que o nosso País continua a ter em matéria de cuidados paliativos, como também em matéria — como vai tendo cada vez mais — de acesso a tratamentos de ponta, mais avançados,

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para todos os cidadãos, em condições de igualdade e sem desigualdades socioeconómicas, como acontece no acesso que hoje existe em relação a muitas doenças que podem criar situações de morte.
A terminar, quero dizer que, nesta matéria, a nossa posição será a de não inviabilizar este projecto de lei.
Vamos votar favoravelmente esta iniciativa legislativa, não porque ela não mereça um grande aprimoramento na especialidade e a incorporação de reflexão de várias áreas e de várias sensibilidades mas porque pensamos que isso neste momento deve ser vincado com um voto favorável e com a crítica, na especialidade, àquilo que deve ser criticado.
É, por isso, possível dizer que, nesta matéria, o voto a favor do PCP corresponde a uma espécie de consentimento informado para que esta iniciativa prossiga e para que, depois, em sede de especialidade, possamos fazer dela uma coisa bem melhor do que é actualmente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A posição do CDS em relação a esta matéria já foi sendo explicada pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro nas duas questões que aqui colocou.
No entanto, quero salientar, de forma sistemática, três princípios básicos da nossa posição.
Em primeiro lugar, o CDS é totalmente contra a eutanásia ou qualquer caminho que a ela possa levar.
Em segundo lugar, o CDS defende e considera que se devem intensificar os cuidados paliativos.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Em terceiro lugar, entendemos que a discussão sobre a matéria do testamento vital deve ser séria e rigorosa e deve atender à enorme sensibilidade do tema, não é uma discussão que se possa fazer a correr, não se deve mesmo fazer a correr.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Deve ser uma discussão com rigor técnico, com cuidado jurídico, volto a salientar, com cuidado jurídico, e com sensibilidade no plano humano.
Tudo isto nos parece impossível ou muito difícil com uma iniciativa que é entregue numa sexta-feira e discutida na quarta-feira seguinte,»

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » quando estamos em plena campanha eleitoral. Aliás, os argumentos que aqui ouvimos, de que já foram feitos muitos debates, de que há muitas comissões sobre a matéria, de que há fóruns, enfim, a certa altura, quase parecia que há uma geração a partir da qual já se pode legislar sobre esta matçria,»

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » não nos parecem bons conselheiros. Pense-se noutras situações! Também já se debateu imenso toda a legislação penal em Portugal e vejamos ao que levou uma lei que foi feita de um momento para o outro, as confusões,»

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — As trapalhadas!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » as trapalhadas que começaram a existir.
As correrias legislativas nunca levam a bom resultado.

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Por isso mesmo, o CDS está a trabalhar num projecto próprio sobre esta matéria, que pretende que seja amplamente discutido na sociedade como aquela que é a nossa ideia.
Já fizemos aqui um conjunto de críticas sobre este projecto específico, as quais foram explicadas pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Se o projecto for aprovado, apresentaremos propostas para a sua alteração, mas queremos dizer o seguinte: matérias como esta, independentemente de todos os fóruns, de todos os debates, dificilmente se resolvem em legislação feita a correr. Não se resolvem mesmo! Aquilo que importa saber e que ainda hoje não foi respondido é se o Partido Socialista está ou não disponível para que se acabe, nesta matéria, com uma votação que obtenha o maior consenso possível. Esta é uma questão importante, que exige uma resposta por parte do partido maioritário.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Carvalho.

O Sr. José Paulo Carvalho (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por reconhecer que a intenção da Sr.ª Deputada Maria de Belém, ao apresentar este projecto de lei, era, seguramente, a melhor. Mas, Sr.ª Deputada, não me leve a mal que lhe diga que esta iniciativa, do ponto de vista técnico, porque, repito, não ponho em causa as suas intenções, está muito mal feita, não tem mais do que a dignidade de um rascunho, e nós estamos a legislar sobre matéria muito relevante. E, para não citar anteriores intervenções da minha área política, cito aquilo que disse o Sr. Deputado Bernardino Soares sobre a diferente abordagem da matéria da eutanásia e este mesmo projecto de lei.
A verdade é esta: legislar mal é de evitar, legislar mal sobre matérias relevantes é absolutamente inaceitável.
Pergunto: como é que se faz o controlo da existência da declaração de vontade? Aqui, não se exige rigorosamente nada! Pode ser através do procurador mas este só existe se a pessoa quiser — é uma possibilidade — , pelo que pode não existir.
Exige-se apenas forma escrita, mas qual é a dignidade desta declaração? Como é que se controla que ela existe, se o doente for internado em circunstâncias em que já não esteja capaz, ele próprio, de dizer que fez essa declaração de vontade? Como é que se controla a revogação de anteriores declarações de vontade? Depois, há conceitos que, juridicamente, não existem, como o conceito de adulto e de criança. Há adultos que se comportam como crianças e crianças que são autênticos adultos. Agora, o que sabemos é que, juridicamente, há maiores e menores. Este projecto não faz essa distinção, fala de crianças, de jovens e de adultos mas não distingue se está a falar de maiores ou de menores.
Por outro lado, cria um direito para os menores — falam em jovens mas penso que se referem a menores — , que ç o direito de veto, mas, ao mesmo tempo,»

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. José Paulo Carvalho (N insc.): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, esta iniciativa cria o direito de veto para os menores mas, ao mesmo tempo, estabelece que a decisão é tomada pelos representantes legais. E, relativamente a este direito de veto, não se explica como é exercido, em que condições, como é que se materializa.
Por isso, sinceramente, tendo em conta todo o processo precipitado e a má redacção, só posso votar contra este projecto de lei.

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O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, na sequência do debate e das várias intervenções que foram feitas, gostaria de dizer algumas coisas.
Em primeiro lugar, a Assembleia da República está na plenitude dos seus poderes e deveres. Agora, há algo muito interessante, que resultou da discussão desta tarde e relativamente ao qual, porventura, quem esteja a assistir a este debate ficará com uma enorme perplexidade. É que este projecto foi acusado, pelo PSD e pelo CDS-PP, de ser, encapotadamente, um projecto que promete e pretende promover a eutanásia e foi acusado, pelo Bloco de Esquerda, de ser um projecto que falha, precisamente porque não assume a eutanásia.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, gostava de referir aqui, de uma forma muito clara e sem nenhum subterfúgio, que a distorção tem limites e, hoje, foram feitas muitas distorções relativamente àquilo que está inscrito neste projecto. Por escassez de tempo, vou referir-me apenas a duas distorções.
Primeira distorção: a de que a representação dos menores ou a sua manifestação de vontade seriam completamente ultrapassadoras da identificação do melhor interesse para o menor. É falso! Rigorosamente falso! Lamento muito que os colegas que intervieram não tenham a noção da remissão que é feita para a decisão do pai, quando estiver em causa, por decisão do menor, algo que possa pôr em perigo a sua vida ou a sua saúde e lamento muito que não tenham presentes os poderes-deveres paternais e não saibam que o direito maternal e paternal é um direito potestativo, o que significa que é um poder-dever e implica que não possa ser exercido pelo seu titular como queira mas pelo modo exigido pela função do direito (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica).

Aplausos do PS.

Aliás, Srs. Deputados, devo dizer-vos que, nestas circunstâncias, e quando não é defendida a vida do menor, é sempre o Ministério Público que decide e o Ministério Público e o tribunal têm sempre decidido no sentido da vida.
Portanto, esta distorção é completamente falsa, gravíssima e absolutamente inaceitável.
Segunda distorção: a de que os direitos dos médicos não são respeitados. Os Srs. Deputados omitiram completamente a existência do privilégio terapêutico, omitiram completamente o direito de objecção de consciência e omitiram completamente o facto de o médico se poder recusar a seguir a vontade do doente, se ela for contrária à lei, à ordem pública e às boas práticas.

Aplausos do PS.

Portanto, Srs. Deputados, há limites para a distorção, há limites para a falta de cultura e há limites para a falta de estudo. Até porque, Srs. Deputados, se estudassem, se lessem os pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida»

O Sr. Alberto Martins (PS): — Isso dá trabalho!

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Isso dá muito trabalho, mas eu estou habituada a trabalhar muito, como é demonstrável e objectivável!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Estou a falar de mim própria — penso que é um dado objectivo — e peço aos Srs. Deputados que me reconheçam o direito de falar de mim própria. Eu estudo, eu leio, eu trabalho, eu ouço e eu vejo!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Não é a única!

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A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr.as e Srs. Deputados: Devo dizer-vos que o Partido Socialista, com este projecto, não está, como é evidente, a discutir a eutanásia, considera, aliás, que não tem mandato para isso, e assumirá, relativamente a este diploma, as suas responsabilidades.
Aquilo que, para mim, seria expectável ouvir, Srs. Deputados, com tanta competência jurídica, com tanto ataque ao diploma pelas soluções encontradas, com a má redacção, com as redundâncias, seria o vosso contributo. Por que não contribuem, com o vosso saber, a vossa ciência, a vossa cultura, a vossa capacidade,»

Aplausos do PS.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Vamos fazer isso!

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — » para melhorar este projecto, em sede de especialidade?! Aliás, quando se apresenta um projecto para votação, na generalidade, é isso que se pretende, é suscitar contributos, como, de resto, disse, quando terminei a minha intervenção inicial.

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.

O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira sabe o conceito elevado que tenho de V. Ex.ª, sabe que lhe reconheço capacidades de trabalho quase ilimitadas mas, no entanto, tem de reconhecer que este projecto de lei não é nem pode ser, de forma nenhuma, o seu «cartão-de-visita», não pode passar à história política deste País como o seu «cartãode-visita». Pelo contrário!

Aplausos do PSD.

Este projecto fere várias facetas da personalidade política de V. Ex.ª e isto não pode ficar sem suprimento.
Portanto, Sr.ª Deputada, permita-me apenas que suscite questões que vão ao seu encontro, ou seja, questões com as quais V. Ex.ª, seguramente, concordará.
A primeira tem a ver com o facto de, em conjunto, reconhecermos que as declarações antecipadas de vontade são uma espécie do género mais lato, que é o consentimento informado. V. Ex.ª também reconheceu, na sua intervenção, que, em termos dogmáticos, no ordenamento jurídico português, o consentimento informado, em todas as suas vertentes, a do consentimento presumido e a da vontade hipotética, cobre já o âmbito das declarações antecipadas de vontade. Ou seja, elas já têm, hoje, valor jurídico, já têm repercussão na vida dos nossos concidadãos — V. Ex.ª concordará com isto! O que se impunha fazer era, portanto, uma regulamentação específica do consentimento informado e das declarações antecipadas de vontade e não, como V. Ex.ª apresentou, um novo paradigma dogmático do consentimento informado e das declarações antecipadas de vontade, em que V. Ex.ª substitui, nomeadamente em sede de consentimento informado, dezenas de diplomas legais que especificam esse mesmo consentimento informado. Daí que este projecto seja claramente redutor! Em relação às declarações antecipadas de vontade, era necessário especificar a sua regulamentação e não, como VV. Ex.as fizeram, deixar a porta aberta aos maiores disparates éticos que se podem cometer neste País.
Portanto, aquilo que dirijo ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista é um convite a que nos dêem oportunidade de fazer tudo de novo e bem feito. Retirem este diploma! Retirem este projecto! Não é possível trabalhar na especialidade neste projecto, Sr.ª Deputada!

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, registei que, na sua intervenção, quando falou de distorções, não incluiu nenhum argumento crítico apresentado pelo Bloco de Esquerda. Espero — é essa a minha expectativa — que isso signifique que o Partido Socialista está disposto para, na especialidade, introduzir neste projecto de lei aquilo de que ele precisa, e de que eu falei, no sentido de poder vir a ser uma lei que, no futuro, dê um contributo sério para a resolução de graves problemas que temos na temática que estamos a discutir.
Disse, justamente — é essa a nossa opinião — , que uma das graves lacunas deste projecto de lei do Partido Socialista é não incluir a possibilidade de os cidadãos, no momento em que a sua morte se aproxima, terem a morte que desejem, sem sofrimentos, libertos dessa carga desnecessária e inútil de que muitos cidadãos se querem libertar! É exactamente por essa razão, pela expectativa que temos de que o Partido Socialista está na disposição de melhorar o projecto de lei, que nos vamos abster nesta votação.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Volto a intervir até porque, por falta de tempo, há pouco não dei resposta a algumas questões colocadas pelos Srs. Deputados, nomeadamente a uma pergunta que foi feita pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Deputada perguntou se era intenção do Partido Socialista legislar sobre o âmbito deste diploma tal como está, nesta Legislatura. Devo responder-lhe afirmativamente.
Este diploma tem vindo a suscitar interesse em determinados sectores da sociedade portuguesa — há pouco referi-o, mas repito-o porque parece que as pessoas não ouvem o que não querem ouvir: a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, a Associação Portuguesa de Bioética, a Ordem dos Médicos, a Igreja Católica, que considera o testamento vital legítimo, o padre Feytor Pinto, que é o coordenar da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, entre outros.
Devo dizer-lhe também que no meu correio electrónico pessoal tenho recebido inúmeras manifestações sobre a importância desta temática e o atraso que Portugal tem relativamente ao seu enquadramento legal numa perspectiva coerente e abrangente.
Também referi — e com isto respondo ao Sr. Deputado João Semedo — que o Partido Socialista considera não ter mandato para discutir a eutanásia. Mas, ao dizer isso, não deixo de referir que os cuidados paliativos e os cuidados continuados — os Srs. Deputados reconhecerão — tiveram um avanço muito significativo durante esta Legislatura, através da acção do actual Governo, com recurso às verbas do euromilhões.
Trata-se de canalizar a solidariedade dos portugueses para servir uma área que, apesar das poucas unidades que existiam, a primeira das quais foi inaugurada pelo Dr. Paulo Mendo enquanto Ministro da Saúde, e a segunda por mim, toda a política relativa ao controlo da dor» Srs. Deputados, tenho tantos anos disto que conheço a sua história, conheço os autores, conheço as preocupações das pessoas, conheço os problemas com que se debatem. Considero, pois, absolutamente essencial que não percamos esta oportunidade de legislar sobre uma matéria que precisa de condensação coerente, de sistematização cuidada, e que, evidentemente, poderá beneficiar muito com todos os apports que os Srs. Deputados queiram dar.
Tem que se promovida uma discussão ampla e até descentralizada. Acho que deveria fazer-se um debate alargado em Lisboa, no Porto e, porventura, noutros locais do País no sentido de o maior número possível de pessoas debaterem esta matéria, não dispensando, como é evidente, todas as organizações profissionais que já contemplam nos seus códigos as questões da obstinação terapêutica e das boas práticas nestes domínios, as quais, evidentemente, têm a maior das competências para se pronunciarem sobre esta matéria e que constituirão contributos relevantíssimos para a Assembleia da República.

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Termino como comecei, referindo que a Assembleia da República está na plenitude dos seus poderes e, estando-o, está também na plenitude dos seus deveres.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos entrar no período regimental de votações.
Antes de mais, procederemos à verificação do quórum de deliberação, utilizando o cartão electrónico. Peço que liguem os vossos computadores e se preparem para a certificação de presenças.
Os Srs. Deputados que, por qualquer razão, não conseguirem utilizar o cartão electrónico, terão de sinalizar à Mesa a vossa presença e, depois, fazer o respectivo registo presencial.

Pausa.

O quadro electrónico regista 199 presenças (109 do PS, 59 do PSD, 11 do PCP, 8 do CDS-PP, 8 do BE, 2 de Os Verdes e 2 de Deputados não inscritos), às quais se acrescenta a de 1 Deputado do PS, perfazendo 200 Deputados presentes, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 788/X (4.ª) — Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita, votos contra do PSD, do CDS-PP, de 1 Deputada do PS e de 1 Deputado não inscrito e abstenções do BE e de 1 Deputada do PS.

A Sr.ª Matilde Sousa Franco (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Matilde Sousa Franco (PS): — Sr. Presidente, quero anunciar que vou apresentar na Mesa uma declaração de voto por escrito. O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.
Tema a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, é também para anunciar que eu o Sr. Deputado Marcos Sá iremos apresentar uma declaração de voto conjunta sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: — É para o mesmo efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sim, Sr. Presidente, é igualmente para informar que irei entregar na Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra com o mesmo intuito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, informo que eu próprio e um conjunto de Deputados do PSD apresentaremos também na Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: — Fica igualmente registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está concluída a nossa ordem do dia de hoje.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 10 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: segunda volta da eleição para o cargo de Provedor de Justiça; apreciação da proposta de lei n.º 262/X (4.ª) — Aprova a lei sobre política criminal, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009/2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal), do projecto de lei n.º 672/X (4.ª) — Cria, junto da Presidência do Conselho de Ministros, a Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Novo Regime Jurídico do Divórcio (CDS-PP), dos projectos de lei n.os 658/X (4.ª) — Impõe limites à cobrança de despesas de manutenção de contas bancárias (Os Verdes) e 785/X (4.ª) — Estabelece limites à cobrança de comissões por descoberto em conta (BE), da proposta de lei n.º 265/X (4.ª) — Regula a forma de intervenção dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público junto dos tribunais administrativos, no âmbito de aplicação da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto, dos projectos de lei n.os 663/X (4.ª) — Institui um regime especial de aposentação para educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público em regime de monodocência que concluíram o curso de magistério primário e educação de infância de 1975 e 1976 (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE, Os Verdes e Deputados N insc.) e 764/X (4.ª) — Regime especial de aposentação para os educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico do ensino público, em regime de monodocência possuindo, em 31 de Dezembro de 1989, 13 ou mais anos de serviço docente (PCP), da proposta de resolução n.º 120/X (4.ª) — Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e prevenir a evasão fiscal, assinada em Lisboa, em 17 de Outubro de 2008, da proposta de resolução n.º 122/X (4.ª) — Aprova o Protocolo estabelecido ao abrigo do artigo 34.º do Tratado da União Europeia que altera, no que se refere à criação de um ficheiro de identificação dos processos de inquérito aduaneiro, a Convenção sobre a Utilização da Informática no Domínio Aduaneiro, assinado em Bruxelas, em 8 de Maio de 2003, da proposta de resolução n.º 128/X (4.ª) — Aprova o Tratado entre a República Portuguesa e a República de Cabo Verde no Domínio da Fiscalização Conjunta de Espaços Marítimos sob Soberania ou Jurisdição da República de Cabo Verde, assinado na Cidade do Mindelo, em 16 de Setembro de 2006, da proposta de resolução n.º 129/X (4.ª) — Aprova o Acordo sobre Privilégios e Imunidades do Tribunal Internacional do Direito do Mar, adoptado em Nova Iorque, em 23 de Maio de 1997; e da proposta de resolução n.º 130/X (4.ª) — Aprova a Emenda à Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, adoptada em Almaty, em 27 de Maio de 2005. Haverá também votações regimentais às 12 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 16 horas e 59 minutos.

—— Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas ao projecto de lei n.º 788/X (4.ª)

Julgo importante haver testamento vital, cuidados paliativos e direitos conexos, no entanto vi-me agora em consciência obrigada a votar contra o projecto de lei n.º 788/X (4.ª) — Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado (PS) (cujo título é muito controverso em relação ao conteúdo), por três motivos básicos, os quais devo explicitar.
A minha primeira objecção é quanto ao modo de apresentar a lei. Como infelizmente tem acontecido também quanto a outros diplomas sensíveis e importantes, este não foi atempadamente referido, ou discutido,

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no Grupo Parlamentar do PS e na sociedade, e só depois da aprovação na generalidade vai ser objecto de escassa discussão pública, tendo pequena margem de alteração.
Este projecto de lei só deu entrada na Mesa da Assembleia da República há seis dias, a 22 de Maio de 2009 (6.ª feira), e só ontem foi anunciado pela Mesa, o que impediu que chegasse ao conhecimento, ou imprescindível análise, quer de Deputados, quer de especialistas, apesar de ser assunto da maior relevância e de a sua discussão ser importantíssima.
Gostava que tantos anos depois do 25 de Abril, Portugal fosse uma melhor democracia, com maior participação dos Deputados à Assembleia da República e da Comunidade.
A segunda objecção prende-se com o conteúdo do diploma. Apesar da surpresa com o diploma, ainda antes do debate, várias entidades apolíticas e laicas, como a Ordem dos Médicos, já se manifestaram contra «aspectos com relevância», a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) alerta para riscos, a Federação Portuguesa pela Vida aponta para princípios já ultrapassados nos EUA e adverte para cláusulas que podem abrir portas à eutanásia, o ex-Ministro da Saúde do PS Paulo Mendo diz que medidas destas devem ser feitas com calma e não em ano de crise e de eleições e que a Lei causa motivos de apreensão, podendo fazer com que o «doente viva no terror» e ser contra o próprio interesse do doente. Afinal, opiniões convergentes com as do cidadão comum e com as da Igreja Católica, que, ao contrário do que às vezes se veicula, não é contra um testamento vital e defende-o há anos, só que alertou também para esta lei poder não respeitar a pessoa e abrir a porta à eutanásia.
Considero também extremamente preocupantes vários aspectos, sobretudo a possibilidade de abertura à eutanásia, prática que, aliás. o PS já anunciou ir colocar no programa eleitoral da próxima legislatura e para a qual já tem feito campanhas de sensibilização a favor. É evidente que testamento vital e eutanásia são matérias diversas, mas é inseparável o debate substancial.
É também muitíssimo grave não haver neste projecto de lei devidas referências à primazia da dignidade da pessoa humana em que a Constituição da República Portuguesa insiste, nem à essencial e moderna prática dos cuidados paliativos, os quais evitam sofrimentos desnecessários, a eutanásia e o encarniçamento terapêutico, chamado distanásia.
Sejamos claros: os cuidados paliativos são mais caros do que a eutanásia, mas são muito mais humanos e urge fazer intensa pedagogia e dar meios para esta finalidade. De facto, os cuidados paliativos melhoram imenso a sociedade e a nossa morte, e todos nós merecemos uma morte digna e o mais feliz possível; todos, ricos e pobres temos esse direito.
Em 27 de Maio de 2009, véspera do debate em Plenário da Assembleia da República, a Lusa noticiava o projecto de lei poder ser melhorado, mas será sempre uma melhoria relativa, por já ter sido aprovado na generalidade, e vão-se gastar verbas que poderiam ter sido poupadas.
A minha terceira objecção tem, por um lado, um aspecto filosófico e por outro aspectos muito pragmáticos, relacionados com o que acabo de escrever.
Começo pelos aspectos pragmáticos. Ainda há dois dias, em 26 de Maio, a Assembleia da República organizou um Colóquio sob o tema «A qualidade da Legislação — Um desafio para o século XXI» no qual a directora do CEJUR (Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros) afirmou que a má qualidade legislativa custará ao Estado cerca de 7,5 mil milhões de euros por ano, ou seja, pelo menos 4,5 por cento do PIB, um valor acima da média europeia que ronda os 3,4%.
Considero estranho que Portugal, um país pobre e em grave crise económica, financeira e social, continue a desperdiçar dinheiro com leis a corrigir, que ainda por cima por vezes não são urgentes, nem faziam parte do Programa Eleitoral, como é também o caso desta, e aplique medidas economicistas em áreas sobretudo de vida e de morte, como está também agora a ser noticiado, revelando falta de respeito pela vida das pessoas.
Cito, como Deputada eleita cabeça-de-lista por Coimbra, agora o caso dos conceituados Hospitais da Universidade de Coimbra, que se encontram em convulsão e onde, por exemplo, o Director do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica ameaça demitir-se, porque critica a redução de horas da sua equipa para empregar novos profissionais, trocando experiência por inexperiência e reduzindo em muito o número destas 750 cirurgias anuais urgentes, quando os argumentos invocados pela administração seriam uma poupança de cerca de 250 mil euros e o serviço tem saldo positivo anual de milhões de euros. Outras desumanizadas notícias da área da saúde, que terão também a ver com economicismo, são a de os hospitais privados não serem obrigados a concluir o tratamento dos seus doentes cancerosos quando se esgota a cobertura do

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seguro e de os hospitais públicos não os poderem acolher por falta de meios, e de terem duplicado, em relação a 2007, as queixas à Entidade Reguladora de Saúde (ERS), relacionando-se estas sobretudo com atrasos no atendimento e falta de atenção dos profissionais. Os cuidados de saúde melhoraram substancialmente com o SNS, mas devem ser aperfeiçoados, pois são essenciais à felicidade.
O aspecto filosófico da minha terceira objecção é a constatação indesmentível do facto de a morte, infelizmente, ser ainda o grande tabu do séc. XXI, como o sociólogo britânico Geoffrey Gorer foi o primeiro a denunciar, em 1955, em The Pornography of Death.
Sobre o exercício da Medicina e sobre testamento vital, é vital ler o livro do Coordenador da Comissão Nacional da Pastoral de Saúde, Padre Vitor Feytor Pinto Saúde para Todos. Para os crentes (e não só), anoto o texto do Testamento Vital, que tem como referência uma declaração similar de um grupo americano e que foi assumido num Encontro Ibérico de Setembro de 1989 por um grupo de Bispos, Sacerdotes e Leigos da Religião Católica (pp 271-272) Na página 274, escreve Monsenhor Feytor Pinto: «São inúmeras as questões que se levantam. Subsiste porém em todas elas uma preocupação dominante, a de servir o homem em crise e de lhe dar a esperança de que ele é capaz. Todos somos homens terminais, todos temos diante de nós a certeza da morte como acontecimento universal. Mas o doente terminal tem mais próxima a morte. O importante é ajudá-lo a viver esse momento como a síntese de toda a vida, com o sentido que marcou todos os caminhos já percorridos. O grande convite que é feito ao técnico de saúde é que, perante o doente terminal, se aproxime, pare, aceite ter tempo para escutar e acompanhe esse homem que sofre e que, em última análise, apenas espera uma outra mão para segurar a sua própria mão. É que a presença de um amigo é sempre uma nova razão de esperança».
«Todos somos homens terminais», quer sejamos politicamente de esquerda ou de direita, ateus, agnósticos, crentes. Certamente todos ficamos mais confortados se os nossos últimos momentos forem mais humanizados, tivermos, se necessário cuidados paliativos, presenças amigas, «sempre uma nova razão de esperança». Para isso é essencial legislar bem.
Vários estudiosos, entre os quais me incluo, defendem que a presente centúria tem a máxima urgência em se distinguir pela afirmação dos Direitos Humanos, ser o verdadeiro Século dos Direitos Humanos. Portugal que, ao longo da História, tem sido pioneiro do Humanismo, devia aproveitar esta temática (como outras que venho apontando desde há anos, inclusivamente também através de declarações de voto), para ser pioneiro do Humanismo, sabendo educar para a morte como se educa para a vida, com a necessidade de ressocializar a morte, que foi dessocializada devido às características da sociedade industrial e urbana. A prática dos cuidados paliativos é essencial neste Humanismo, enquanto a eutanásia aprofunda a desumanização e a infelicidade da sociedade.

A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.

—— Os Deputados signatários da presente declaração consideram incompreensível e inaceitável a forma como foi apresentado e colocado a votação o projecto de lei n.º 788/X.
Com efeito, a proposta do PS versa sobre uma matéria particularmente sensível com complexas implicações de índole médica, jurídica e, principalmente, ética.
Não é, como tal, compreensível que se precipite uma decisão, condicionadora e limitadora do debate, sobre uma questão que carece de ponderação dos seus fundamentos técnico-científicos, de consideração dos direitos fundamentais em causa e da imprescindível avaliação de valores éticos eventualmente conflituantes.
A natureza do tema é, de facto, demasiado complexa e relevante para ser alvo de instrumentalizações fundadas em mero oportunismo partidário.
Estas reservas quanto ao «processo-relâmpago», que o Partido Socialista impôs, fundamentam o voto contrário dos Deputados signatários.
Contudo, pretende-se com a presente declaração deixar expresso que, independentemente de profundas dúvidas sobre as soluções (e omissões) encontradas em determinadas cláusulas do projecto de lei, têm os Deputados signatários uma posição convicta, por princípio, aberta à busca de soluções legais que conformem

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e reforcem o respeito pela dignidade humana e pela autodeterminação do doente, quando sujeito a diagnóstico ou tratamento médico.
Nesse sentido, deve a sociedade portuguesa aprofundar o debate público, tendo em vista a aprovação — com outra sustentação distinta da actual — de novos direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado.

Os Deputados do PSD, Pedro Duarte — José Matos Correia — Agostinho Branquinho — Sérgio Vieira — Miguel Macedo — Ana Manso — Miguel Almeida — Emídio Guerreiro.

—— О Partido Socialista apresentou o projecto de lei n.ª 788/X, relativo aos direitos dos doente s à informação e ao consentimento informado.
Consideramos que esta matéria se reveste de enorme importância, evidenciando um cariz de sensibilidade extrema, pelo que se constitui como um assunto socialmente fracturante para o qual temos alguma abertura.
Votámos contra este projecto de lei. Fizemo-lo em consciência e no uso pleno da nossa liberdade. Foram vários os motivos que nos levaram a optar por este sentido de voto, a saber: Esta iniciativa legislativa foi entregue na Mesa da Assembleia, no passado dia 22 de Maio (sexta-feira), ficando a ideia de que o PS terá tomado as devidas precauções para que a mesma não fosse convenientemente divulgada. Ou seja, o projecto de lei entrou de supetão, numa espécie de «operação relâmpago». Não foi, assim, estranho verificar a falta de destaque que a comunicação social deu à iniciativa.
De referir, ainda, que o projecto de lei em questão só foi anunciado pela Mesa da Assembleia no passado dia 27 de Maio (quarta-feira) e o debate sobre a matéria ocorreu no pretérito dia 28 de Maio (quinta-feira), sob a forma de agendamento potestativo, nos termos regimentais.
O debate que o Partido Socialista impôs «potestativamente» versava sobre «Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado» sem que, contudo, a Assembleia da República possuísse informação suficiente para emitir o seu «consentimento» sobre esta matéria tão delicada. Isto é, em menos de uma semana, o Partido Socialista quis «coagir» o Parlamento a tomar decisões basilares e vitais que têm impacto directo na essência da vida humana e no bem-estar e saúde dos cidadãos. Na verdade, com esta atitude, o PS mais não quis fazer do que um simulacro de debate, com um insultuoso propósito eleitoralista.
Não podemos deixar de chamar a atenção para a gritante ausência de informação presente em todo este processo. Informação que era essencial para que, em consciência, se pudesse reflectir sobre as consequências gravíssimas que poderiam advir da aprovação deste projecto de lei.
Será absolutamente inédito, porventura nunca antes visto na Assembleia da República, que um debate sobre um tema que faz emergir tantas questões do foro ético, aconteça em Plenário e seja submetido a votação sem que sobre ele se tenha pronunciado o Conselho Nacional de Ética sobre as Ciências da Vida.
Inédito, incompreensível e até inaceitável.
Resulta daqui que, sem informação, a Assembleia da República não tem condições para, de forma objectiva e consciente, emitir o seu «consentimento informado».
Por outro lado, fica a ideia que, em matéria de recusa do consentimento, o projecto de lei do PS derroga e substitui, de forma inconstitucional e ilegal, o Código Penal (CP) vigente (cfr. o art.º 11.º do projecto de lei em confronto com o art.º 156.º do CP).
Não podíamos, igualmente, deixar de criticar as circunstâncias em que todo o processo se desenrolou.
Esta matéria não foi alvo de uma discussão séria e profunda, que deve necessariamente contar com o total envolvimento da sociedade portuguesa. Esta seria uma condição sine qua non para que se pudesse colocar dignidade e rectidão em todo este processo. Deliberadamente, e de forma sintomática, o PS não quis levar a cabo qualquer discussão pública.
O momento da sua apresentação é não só inapropriado como também irresponsável. Os portugueses vivem momentos muito difíceis, numa conjuntura complexa, em plena crise económica e financeira nacional, europeia e internacional. Introduzir esta matéria no debate político, nesta fase, é no mínimo caricato; mas tornou-se já apanágio do PS o recurso a todo o tipo de meios para desviar as atenções da sua provada

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incapacidade governativa, independentemente dos custos sociais que deles decorram. Infelizmente, é a habitual agenda política do PS.
Por último, consideramos totalmente desajustado — em matéria de condução processual e adequação temporal — que um assunto desta importância seja introduzido com total irresponsabilidade na actual agenda política, no ruído de uma campanha eleitoral.
Esta iniciativa traduz-se num mero sketch de oportunismo político, revelador de uma extrema leviandade face à abordagem desta temática. Tal atitude é merecedora do nosso mais veemente repúdio, uma vez que não nos revemos de forma alguma neste modus operandi.

Os Deputados do PSD, José Manuel Ribeiro — Magda Borges.

—— No passado dia 28 de Maio foi apresentado, discutido e votado potestativamente em sessão plenária o projecto de lei n.º 788/X, do Partido Socialista, que visa regular os direitos dos doentes, no exercício da sua autonomia, em relação ao seu processo clínico e na prestação de cuidados de saúde através do consentimento informado, aplicando-se nas relações jurídicas de direito privado ou de direito público.
O CDS-PP já afirmou que é essencial regular o consentimento informado e que encara com total abertura a discussão sobre as directivas antecipadas de vontade. Entendemos que esta não deve ser uma questão fracturante e que as respostas deverão ser consensuais. No entanto, sempre deixámos claro que é indispensável que se estabeleça bem a distinção entre as directivas antecipadas de vontade (ou testamento vital) e a eutanásia.
Ora, o projecto de lei n.º 788/X falha na oportunidade, careceu de debate plural e encerra erros de conteúdo que motivam a nossa objecção.
Em primeiro lugar, o projecto é apresentado a um mês e meio do fim da Legislatura, contrariando a posição assumida, umas semanas antes, pelo próprio partido autor da iniciativa. No passado dia 5 de Maio, aquando da audiência sobre o testamento vital na Comissão Parlamentar de Saúde com o Prof. Dr. Rui Nunes, Presidente da Associação Portuguesa de Bioética, a posição assumida pelo PS foi no sentido de se aguardar por melhor oportunidade para se legislar sobre a matéria. A coordenadora socialista afirmou na referida audiência que «(») por mais pressa e por mais urgência que este tema tenha não me parece, sinceramente, muito viável que esta proposta venha a ter êxito ainda nesta Legislatura. Mas também penso que legislar à pressa não é bom e, portanto, teremos todo um trabalho pela frente.» Em segundo lugar, recomendam a seriedade e o bom senso que matérias desta sensibilidade, por lidarem com a saúde, a vida e a morte de seres humanos, mereçam um debate ponderado, abrangente e aprofundado. Mais uma vez, o próprio PS havia afirmado essa necessidade na comissão parlamentar do dia 5 de Maio: esta «tem de ser uma matçria muito acautelada. (») Eu acho que, na hipótese da elaboração de uma lei futura, nós temos obrigatoriamente de ouvir o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida mas, também, a Comissão Nacional de Protecção de Dados.» Convém salientar que os autores não auscultaram ou requereram parecer a qualquer destas entidades previamente à apresentação da iniciativa.
Aliás, os vários erros, lacunas e omissões detectados no articulado do projecto de lei, revelam bem a pressa e leviandade com que foi efectuado. Para além de diversas incorrecções do ponto de vista técnico e legislativo, o projecto de lei não acautela suficientemente o direito ao consentimento informado; não protege devidamente os cidadãos menores de idade ou incapazes; não define a extensão e alcance das directivas antecipadas de vontade; não assegura uma actualidade mínima dessas mesmas declarações; não prevê um registo nacional de directivas antecipadas; não salvaguarda o doente de práticas que possam ser entendidas como eutanásia. O Partido Socialista, autor da iniciativa e responsável pelo seu agendamento potestativo extemporâneo, parece querer insistir nos erros do passado: legislar à pressa dá maus resultados e pode ter consequências inaceitáveis quando lidamos com a vida humana.

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Saliente-se, a título exemplo, a proposta de lei que apresentou em 1997 sobre a regulação das técnicas de procriação medicamente assistida. Esta iniciativa mereceu, em 30 de Julho de 1999, um veto por inconstitucionalidade do então Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, que o fundamentou da seguinte forma: «(») não existindo, entre nós, qualquer enquadramento jurídico específico desta matçria, urge criá-lo em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana.
Não se pode esquecer, porém, que a complexidade das questões em causa, pela delicadeza da necessária composição de direitos fundamentais e outros interesses constitucionais envolvidos e pelas dúvidas científicas e interrogações éticas que suscitam, exige a maior prudência da parte do legislador.
Estamos num domínio caracterizado por grande mobilidade e controvérsia — seja no plano da evolução científica, médica e tecnológica, seja no plano da diversidade de concepções filosóficas, morais ou políticas a que faz apelo — e, por isso mesmo, carente de uma regulação apta à consideração das circunstâncias do caso concreto avaliadas segundo as regras da boa prática médica, bem como estruturalmente aberta à actualização e aperfeiçoamento apoiados em consensos sociais e políticos progressivamente solidificados.
Tratando-se, para mais, de uma primeira lei específica sobre o tema, parece aconselhável que o legislador, assegurando a realização plena do valor da dignidade da pessoa humana, tal como ele é partilhadamente assumido pela consciência jurídica das nossas sociedades pluralistas, procure evitar soluções demasiado regulamentadoras, rígidas ou objectivamente indutoras do dissenso.
(») Atentas as dificuldades inerentes a uma primeira regulação jurídica de matçrias tão complexas e afectando valores tão relevantes na sociedade portuguesa, parece-me, por outro lado, altamente aconselhável que os sectores sociais, científicos e profissionais mais directa e quotidianamente confrontados com estas realidades sejam chamados a participar na busca de soluções legislativas que, procurando constituir uma primeira resposta do direito às dúvidas e interrogações que todos partilhamos, possam constituir motivo de integração e não de fractura social. (»)« O CDS-PP entende que este veto do Presidente Jorge Sampaio tem de ser tido como um bom exemplo de como estas questões tão delicadas e sensíveis devem ser tratadas e debatidas.
Como se pode verificar, são várias e muito plausíveis as razões que levaram o CDS-PP a votar contra este projecto de lei. No entanto, estamos dispostos a trabalhá-lo em sede de especialidade, apresentando as nossas propostas de alteração.

A Deputada do CDS-PP, Teresa Caeiro.

—— Nota: A declaração de voto anunciada pela Deputada Maria Antónia Almeida Santos (PS) não foi entregue no prazo previsto no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da República.

—— Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS): João Barroso Soares

Partido Social Democrata (PSD): Jorge Tadeu Correia Franco Morgado José António Freire Antunes Mário Patinha Antão

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS): José Carlos Bravo Nico Luís António Pita Ameixa Manuel Alegre de Melo Duarte Maria Jesuína Carrilho Bernardo Paula Cristina Nobre de Deus

Partido Social Democrata (PSD): António Ribeiro Cristóvão Carlos Jorge Martins Pereira Henrique José Praia da Rocha de Freitas José Mendes Bota Mário Henrique de Almeida Santos David Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel Pedro Augusto Cunha Pinto Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos

Partido Popular (CDS-PP): João Nuno Lacerda Teixeira de Melo Paulo Sacadura Cabral Portas Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Srs. Deputados que faltaram à verificação do quórum de deliberação (n.º 29 da Resolução n.º 77/2003, de 11 de Outubro): Partido Socialista (PS): Fernando Manuel de Jesus Leonor Coutinho Pereira dos Santos Maria Cidália Bastos Faustino Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes

Partido Social Democrata (PSD): Emídio Guerreiro Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa José Eduardo Rego Mendes Martins José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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