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Sexta-feira, 10 de Julho de 2009 I Série — Número 102

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JULHO DE 2009

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 872 e 874/X (4.ª).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos (PS) lembrou os 30 anos da criação do Serviço Nacional de Saúde que vai comemorar-se no dia 15 de Setembro p.f. e manifestou determinação dos socialistas em prosseguir no sentido de garantir o futuro deste Serviço. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Semedo (BE), Bernardino Soares (PCP), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Regina Ramos Bastos (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes (Os Verdes) insurgiu-se contra o Governo pela eventual privatização da CP e da rede ferroviária nacional, tendo respondido, depois, ao Sr. Deputado Bruno Dias (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP), que foi eleito Deputado para o Parlamento Europeu, despediu-se do Parlamento português, com agradecimentos à sua bancada parlamentar, a todos os líderes dos restantes grupos parlamentares e demais Deputados e ao Sr. Presidente, tendo depois os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Luís Fazenda (BE), Paulo Rangel (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Ana Catarina Mendonça (PS) e o Sr. Presidente retribuído os agradecimentos e feito elogios. No final, o Sr. Deputado Diogo Feio (CDS-PP) agradeceu as palavras que lhe foram dirigidas.
Foi apreciado o relatório da Comissão de Inquérito sobre a Situação que Levou à Nacionalização do BPN e sobre a Supervisão Bancária Inerente, tendo intervindo, além da Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira (PS), na qualidade de Presidente da Comissão, e da Sr.ª Deputada Sónia Sanfona (PS), na qualidade de Relatora, os Srs. Deputados João Semedo (BE), Hugo Velosa (PSD), Honório Novo (PCP), Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) — que também exerceu o direito de defesa da honra — e Ricardo Rodrigues (PS).

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Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 531 e 533/X (4.ª).
Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 295/X (4.ª) — Altera o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, previstos, respectivamente, no Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro e na Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira), os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), João Oliveira (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP), Ana Maria Rocha (PS) e Helena Pinto (BE).
A Câmara também apreciou, em conjunto e na generalidade, a proposta de lei n.º 289/X (4.ª) — Aprova a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime, do Conselho da Europa, e as propostas de resolução n.os 132/X (4.ª) — Aprova a Convenção sobre o Cibercrime, adoptada em Budapeste, em 23 de Novembro de 2001, e 134/X (4.ª) — Aprova o Protocolo Adicional à Convenção sobre o Cibercrime relativo à Incriminação de Actos de natureza Racista e Xenófoba Praticados através de Sistemas Informáticos, adoptado em Estrasburgo, em 28 de Janeiro de 2003.
Intervieram no debate, além daquele membro do Governo, os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), Ricardo Rodrigues (PS), António Filipe (PCP), Helena Pinto (BE) e Nuno Magalhães (CDS-PP).
Igualmente na generalidade, foi debatido o projecto de lei n.º 762/X (4.ª) — Reforça a protecção social em situação de desemprego (PCP), conjuntamente com o projecto de resolução n.º 440/X (4.ª) — Recomenda ao Governo que altere as regras da atribuição do subsídio de desemprego, introduzindo uma maior justiça social em momento de crise (BE). Intervieram no debate os Srs. Deputados Jorge Machado (PCP), Mariana Aiveca (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Pedro Mota Soares (CDSPP), Miguel Laranjeiro (PS) e Luís Fazenda (BE).
Procedeu-se à discussão conjunta dos projectos de resolução n.os 495/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a conclusão da classificação do Cavalete do Poço de S.
Vicente e de todo o couto mineiro de S. Pedro da Cova, o desenvolvimento de um projecto de musealização da actividade mineira e a resolução do passivo ambiental de minas (PS) e 526/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a urgente conclusão do processo de classificação do Cavalete do Poço de São Vicente e de todo o couto mineiro de São Pedro da Cova e adopte medidas para a sua urgente recuperação (PCP) e, na generalidade, do projecto de lei n.º 874/X (4.ª) — Cria o Museu Mineiro de São Pedro da Cova (PCP). Proferiram intervenções os Srs. Deputados Isabel Santos (PS), Jorge Machado (PCP), Feliciano Barreiras Duarte (PSD), Alda Macedo (BE), Teresa Caeiro (CDS-PP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 276/X (4.ª) — Autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro. Pronunciaramse, a diverso título, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Carlos Lobo) e os Srs. Deputados Pedro Mota Soares (CDS-PP), Miguel Santos (PSD), Honório Novo (PCP), Costa Amorim (PS) e Luís Fazenda (BE), tendo ainda usado da palavra, sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva).
A Câmara apreciou a petição n.º 433/X (3.ª) — Apresentada pela Associação Portuguesa de Celíacos (APC), solicitando à Assembleia da República que os produtos sem glúten possam ser deduzidos como despesas de saúde em sede de IRS e, consequentemente, sejam taxados com IVA a 5%.
Proferiram intervenções os Srs. Deputados Ana Manso (PSD), Hugo Nunes (PS), Honório Novo (PCP), João Semedo (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP) e Francisco Madeira Lopes (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 27 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Marques Antunes
Alberto de Sousa Martins
Alcídia Maria Cruz Sousa de Oliveira Lopes
Aldemira Maria Cabanita do Nascimento Bispo Pinho
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Cardoso Duarte da Rocha
Ana Maria Ribeiro Gomes do Couto
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António José Martins Seguro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Alberto David dos Santos Lopes
Cláudia Isabel Patrício do Couto Vieira
David Martins
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Elísio da Costa Amorim
Esmeralda Fátima Quitério Salero Ramires
Fernanda Maria Pereira Asseiceira
Fernando Manuel Amaro Pratas
Fernando Manuel de Jesus
Fernando dos Santos Cabral
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Hugo Miguel Guerreiro Nunes
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco de Almeida
Isabel Maria Pinto Nunes Jorge
Jacinto Serrão de Freitas
Jaime José Matos da Gama
Joana Fernanda Ferreira Lima
Joaquim Barbosa Ferreira Couto
Joaquim Ventura Leite
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Monteiro de Almeida
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida

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Jovita de Fátima Romano Ladeira
João Barroso Soares
João Carlos Vieira Gaspar
João Cândido da Rocha Bernardo
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
Júlio Francisco Miranda Calha
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José Mártires Rodrigues
Manuel Luís Gomes Vaz
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Cidália Bastos Faustino
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Eugénia Simões Santana Alho
Maria Helena Terra de Oliveira
Maria Helena da Silva Ferreira Rodrigues
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Idalina Alves Trindade
Maria Isabel Coelho Santos
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Jesuína Carrilho Bernardo
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Júlia Gomes Henriques Caré
Maria Manuel Fernandes Francisco Oliveira
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Matilde Pessoa de Magalhães Figueiredo de Sousa Franco
Maria Odete da Conceição João
Maria Teresa Alegre de Melo Duarte Portugal
Maria Teresa Filipe de Moraes Sarmento
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Fátima Oliveira Pimenta
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Marisa da Conceição Correia Macedo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Mário da Fonseca Oliveira Antão
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo José Fernandes Pedroso

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5 | I Série - Número: 102 | 10 de Julho de 2009

Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Pedro Nuno de Oliveira Santos
Renato Luís Pereira Leal
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rita Susana da Silva Guimarães Neves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sandra Marisa dos Santos Martins Catarino da Costa
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Sónia Isabel Fernandes Sanfona Cruz Mendes
Teresa Maria Neto Venda
Umberto Pereira Pacheco
Vasco Seixas Duarte Franco
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Pinheiro Pereira

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio André Brandão de Almeida Teixeira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel de Campos
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Ribeiro Cristóvão
Arménio dos Santos
Carlos Alberto Garcia Poço
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos Jorge Martins Pereira
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Santos Pereira
Fernando dos Santos Antunes
Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Helena Maria Andrade Cardoso Machado de Oliveira
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
Joaquim Virgílio Leite Almeida Costa

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6 | I Série - Número: 102 | 10 de Julho de 2009

Jorge Fernando Magalhães da Costa
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José António Freire Antunes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
José Manuel Pereira da Costa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Raúl Guerreiro Mendes dos Santos
José de Almeida Cesário
João Bosco Soares Mota Amaral
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Carloto Marques
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Miguel Pais Antunes
Luís Miguel Pereira de Almeida
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Miguel Jorge Pignatelli de Ataíde Queiroz
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira
Paulo Artur dos Santos Castro de Campos Rangel
Paulo Miguel da Silva Santos
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Miguel de Santana Lopes
Pedro Quartin Graça Simão José
Regina Maria Pinto da Fonseca Ramos Bastos
Ricardo Jorge Olímpio Martins
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Zita Maria de Seabra Roseiro

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes

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7 | I Série - Número: 102 | 10 de Julho de 2009

Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
José Hélder do Amaral
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Alda Maria Gonçalves Pereira Macedo
Ana Isabel Drago Lobato
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Helena Maria Moura Pinto
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Mariana Rosa Aiveca Ferreira

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Francisco Miguel Baudoin Madeira Lopes
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia

Deputados não inscritos em grupo parlamentar (N insc.):
José Paulo Ferreira Areia de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Secretária vai dar conta do expediente.
Tem a palavra.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 872/X (4.ª) — Elimina restrições para salvaguardar o direito à greve (PCP), que baixou à 11.ª Comissão, e 874/X (4.ª) — Cria o Museu Mineiro de São Pedro da Cova (PCP), que baixou à 12.ª Comissão.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao período de declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

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A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia 15 de Setembro, comemoram-se 30 anos da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) português.
Nasceu da inteligência e generosidade de um ministro socialista, o Dr. António Arnault, que, no II Governo Constitucional, presidido por Mário Soares, tomou uma decisão histórica: alargar a todos os portugueses o acesso gratuito aos cuidados de saúde, aos centros de saúde, aos serviços médico-sociais da Caixa de Previdência e aos hospitais.

Aplausos do PS.

Ninguém ousará recusar-lhe um papel inovador e revolucionário, sempre imbuído de solidariedade, como continua a ser seu apanágio. «Só a igualdade dá sentido à liberdade», como gosta de dizer — e tão bem! — o Dr. António Arnault.
A igualdade na universalidade no acesso aos cuidados de saúde é um valor fundamental, imprescindível em situações de vulnerabilidade e doença. É justo que este princípio nunca seja esquecido.
Deixo uma pergunta: é justo que haja pessoas que sofrem e morrem por falta de cuidados de saúde visto não os poderem pagar? Não é justo! Quero com isto dizer que não se trata de uma questão só política — é também ética e até moral! Se não é justo, o Estado tem de organizar as prestações de saúde, privilegiando sempre o serviço público, e para todos.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A igualdade na saúde chama-se Serviço Nacional de Saúde.
Além de ser um imperativo ético moral, é, também, um imperativo constitucional — artigo 64.º da Constituição. A primeira versão deste artigo, é bom lembrar, foi votada por unanimidade. Depois, a direita recuou e o CDS, à época, provocou a queda do II Governo Constitucional.
Mas o SNS, que nasceu hostilizado por alguns sectores da direita, goza hoje de um consenso nacional e partidário. 30 anos passados, é hoje reconhecido e citado como a grande realização social de Portugal.
Sr.as e Srs. Deputados, durante três décadas, o Serviço Nacional de Saúde demonstrou ser o serviço público português com maior impacto na evolução do colectivo nacional.
Os níveis de saúde melhoraram muito, todos sabemos — as taxas de mortalidade materna, infantil, perinatal — e a esperança de vida aumentou tanto para os homens como para as mulheres. Não vou maçar as Sr.as e os Srs. Deputados com números, além de mais porque os mesmos estão acessíveis no portal do Ministério da Saúde, mas esta melhoria deve-se, sobretudo, ao papel decisivo do Serviço Nacional de Saúde enquanto estrutura ao serviço de todos os cidadãos.
Mas o Serviço Nacional de Saúde não é uma obra-prima perfeita e acabada. Os governos socialistas já demonstraram que não aceitam a resignação e a rotina, já demonstraram que não hesitam em enfrentar interesses instalados, corporativos ou não, e que a crítica, que é própria destas situações, só reforça a sua determinação em prosseguir, garantindo o futuro do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Há três Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos — um verdadeiro debate sobre o Serviço Nacional de Saúde! —, o primeiro dos quais é o Sr. Deputado João Semedo, a quem dou a palavra.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, gostaria muito de me sentir à vontade para felicitá-la pelo tema que escolheu para a sua declaração política, mas, para ser honesto e transparente para comigo próprio e para todos as Sr.as e os Srs. Deputados, não posso fazê-lo porque, estando de acordo com muitas das suas palavras, encontro nelas uma enorme contradição com o que foram os últimos quatro anos da política do Governo do seu partido.

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Na realidade, o Serviço Nacional de Saúde é uma grande transformação fruto da democracia, tem muito valor e é, de facto, uma grande conquista. O Serviço Nacional de Saúde é um pilar da nossa sociedade no combate às desigualdades sociais e para a estruturação da mesma em torno dos valores da coesão social.
Desse ponto de vista, tem uma enormíssima importância. Por isso, deve manter-se definitivamente o princípio de que todos contribuem para o Serviço Nacional de Saúde e todos beneficiam dele quando precisarem.
O Serviço Nacional de Saúde teve uma grande importância nas enormes transformações no panorama da saúde em Portugal, tão evidenciadas no progresso da maior parte dos indicadores que medem e avaliam a saúde de uma população, no caso concreto, a nossa.
Não obstante, todos temos de reconhecer que estes 30 anos — e os últimos quatro não foram excepção — são também uma história de tudo o que não devia ter sido feito relativamente ao Serviço Nacional de Saúde, todas as perversões das políticas de saúde dos sucessivos governos que subfinanciaram o Serviço Nacional de Saúde, que deixaram sair milhares e milhares de profissionais e não o apetrecharam com as necessárias condições para o seu crescimento, o seu desenvolvimento, a sua renovação e a melhoria da sua qualidade.
Por isso, pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se, ao proferir a sua intervenção, não sentiu um leve incómodo, por muito leve que fosse, quando olhou para os 30 anos de existência do SNS e os comparou com os últimos quatro anos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, quanto a esta breve declaração política da Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, que assinalou por antecipação os 30 anos do Serviço Nacional de Saúde que se comemoram a 15 de Setembro, um dia muito importante, queria fazer um comentário.
É evidente que o Serviço Nacional de Saúde é uma das maiores conquistas da Revolução de Abril, conquista esta que foi inscrita na Constituição de 1976, depois, concretizada por lei nesta Assembleia da República e, posteriormente, no terreno. Mas acho que, passados estes 30 anos, podemos dizer hoje que o Serviço Nacional de Saúde sobreviveu apesar da política de vários governos e da do Governo do PS.
Como imagem deste Governo do PS, fica a questão que sempre tenho posto à Sr.ª Ministra da Saúde e que, como ela não responde, vou agora pô-la à Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.
O Governo deu ordens para que a ADSE financiasse os hospitais privados, designadamente o Hospital da Luz. Toda a gente sabe que esses hospitais não são financeiramente viáveis a não ser com este subsídio público.
A Sr.ª Ministra da Saúde, numa das primeiras reuniões que teve nesta Casa, disse que não estava de acordo com tal subsídio aos hospitais privados e que esse dinheiro da ADSE seria melhor empregue no reforço do investimento nas unidades públicas do Serviço Nacional de Saúde.
Tenho perguntado à Sr.ª Ministra que conclusão tira dessa sua opinião, no âmbito do Governo. Em entrevista, a Sr.ª Ministra disse que já falou nisso ao Sr. Ministro das Finanças, agora também da Economia e da Inovação, e que ele ficou de pensar.
Agora, queria perguntar à Sr.ª Deputada se tem opinião sobre esta matéria e, como é da bancada da maioria, se sabe se a Sr.ª Ministra da Saúde já obteve resposta do Sr. Ministro das Finanças.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, quer responder no fim ou já?

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, há mais um pedido de esclarecimento, não é?

O Sr. Presidente: — Sim.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Então, respondo no fim.

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O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, gostaria de começar por saudá-la por ter trazido a esta Câmara a evocação dos 30 anos do SNS, nesta que é a penõltima sessão antes do encerramento para fçrias»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ai é?!...Vai de férias?

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Deputada, eu, como membro da bancada de uma direita com preocupações sociais, devo dizer que nos congratulamos com os princípios da universalidade, da generalidade e de uma gratuitidade tendencial, ainda que haja aspectos que entendemos que podem e devem ser revistos do ponto de vista da equidade. Não obstante, é evidente que nos revemos nos aspectos essenciais do Serviço Nacional de Saúde.
Sr.ª Deputada, ao fim de 30 anos de existência do SNS, não lhe parece que os princípios da igualdade, da equidade, da justiça no acesso à saúde estão francamente postos em causa? Na realidade, não temos um Serviço Nacional de Saúde universal, se pensarmos nos milhares de cidadãos que não têm médico de família, nos milhares de cidadãos que não conseguem ter acesso a consultas de especialidade e a cirurgias. Isto não é um Serviço Nacional de Saúde universal. E também não é geral, pois muitos só conseguem ter acesso a cuidados de saúde se os pagarem. Daí que Portugal seja um país onde as pessoas, as que podem, são obrigadas a recorrer crescentemente a seguros de saúde ou a pagar do seu próprio bolso os cuidados de saúde.
Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, como é que o Governo socialista pode evocar os 30 anos do Serviço Nacional de Saúde quando, neste momento, o nosso é o país da União Europeia em que as famílias mais despendem directamente do próprio bolso para pagar cuidados de saúde? E porquê? Porque o Serviço Nacional de Saúde não consegue atender às necessidades nem aos objectivos a que se propunha. PPortanto, a universalidade e a generalidade estão verdadeiramente postas em causa.
E digo-lhe mais, Sr.ª Deputada: a universalidade e a generalidade também estão postas em causa, porque a Ministra da Saúde põe à frente dos interesses dos utentes um preconceito ideológico, que está a prejudicálos. Ora, esse preconceito ideológico é evidenciado ao afastar, negligenciar, discriminar os sectores social, cooperativo e privado. Se houvesse vontade de sobrepor os interesses dos utentes ao preconceito ideológico do SNS, certamente que o acesso aos cuidados de saúde seria verdadeiramente universal e geral. Mas, Sr.ª Deputada, tal só se consegue utilizando todos os recursos existentes do sistema nacional de saúde e não apenas do Serviço Nacional de Saúde.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Regina Bastos.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de me dirigir à Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, começando por lhe pedir desculpa pelo meu atraso — não sabia que a Sr.ª Deputada iria fazer uma intervenção.
Gostaríamos de dizer, enquanto obreiros do Serviço Nacional de Saúde, a que não temos complexos de chamar sistema nacional de saõde,»

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Não é!

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — » que este Serviço não pode ser governamentalizado, nem ç monopólio de qualquer partido político deste País. Todos nós, enquanto governantes e governados, temos tentado construir e preservar um Serviço Nacional de Saúde justo, equitativo, universal e tendencialmente gratuito. Mas não temos ilusões de que os tempos da criação do Serviço Nacional de Saúde, há 30 anos, não

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são os mesmos de hoje. Os tempos de hoje exigem uma especial atenção às dinâmicas sociais e, sobretudo, demográficas, que têm vindo a acontecer e que não são exclusivo do nosso País.

Vozes do PSD: — Exactamente!

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Deve também ter-se atenção aos progressos técnico-científicos, que têm o seu expoente máximo nesta área específica da saúde.
Por isso, dizemos que, para nós, é muito importante preservar estas três ideias: o acesso, a universalidade e a gratuitidade tendencial. Mas também é importante assegurar para as futuras gerações que o Serviço Nacional de Saúde seja justo e tenha em consideração as diferentes condições socioeconómicas daqueles que a ele recorrem.
Nesse sentido, gostaria de frisar o que tem sido a nossa bandeira política na área da saúde: a saúde não pode resumir-se a um exclusivo do Estado; tem de ser uma componente de complementaridade entre os vários sectores que estão previstos na Constituição como complementares na prestação dos serviços aos cidadãos.
É preciso que o sector social e o sector privado colaborem de forma equilibrada, diversificada e de modo a dar resposta às várias exigências que são as do mundo de hoje e não as de há 30 anos.
Gostaria de dizer que se há governo que contribuiu para uma diferenciação negativa, injusta e iníqua da acessibilidade à saúde, esse foi o Governo que V. Ex.ª, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, e a sua bancada apoiam.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Regina Ramos Bastos (PSD): — Termino já, Sr. Presidente.
De facto, este Governo acabou com o acesso, acabou com a proximidade dos serviços de saúde e, sobretudo, «deu uma machadada» mortal na sensação de segurança que os portugueses e as portuguesas tinham neste conceito de proximidade das infra-estruturas de saúde, que acabaram por ser encerradas, a eito e de forma cega, o que demonstra a insensibilidade social do actual Governo relativamente às questões da saúde.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente, começo por responder, de uma forma muito breve, à Sr.ª Deputada Regina Bastos. Hoje, já tinha reparado numa notícia de um jornal onde se dizia que o PSD quer saúde paga em função do rendimento das pessoas. Ora, devo dizer que este argumento é capcioso.
A discriminação só pode existir no sistema fiscal. A não ser assim, nunca contarão com os socialistas e espero que nunca contem com a maioria dos portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou guardar essa informação!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — A grande diferença é que, hoje, no Serviço Nacional de Saúde, ninguém pergunta a um utente qual é o seu rendimento, ninguém pergunta: «Quanto é que a senhora, o senhor ou o seu filho ganham?». São todos tratados de forma igual! E é isso que, como socialista, acredito que continuará a acontecer no serviço público, no Serviço Nacional de Saúde, nem que o PSD, algum dia, tente ameaçar a lei instituidora deste Serviço Nacional de Saúde, que, hoje, com muito orgulho, estou aqui a homenagear.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!

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A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Relativamente ao Sr. Deputado João Semedo, percebo as suas palavras e também sei que o Sr. Deputado se orgulha dos 30 anos do Serviço Nacional de Saúde e dos avanços nele registados nestes 30 anos.

O Sr. João Semedo (BE): — É verdade!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Perguntou-me se eu sentia algum incómodo. Respondolhe: nem leve, Sr. Deputado! É evidente que não estou isenta do meu espírito crítico, nem tudo correu bem, mas, no essencial, estou muito orgulhosa deste Governo socialista.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — E digo-lhe mais: os anteriores governos socialistas tiveram sempre — eu já o disse e repito — uma atitude construtiva e inovadora no que diz respeito à saúde.
O Sr. Deputado Bernardino Soares quis fazer-me aqui uma malandrice, ao dirigir-me uma pergunta que disse que a Sr.ª Ministra não respondeu, mas eu digo-lhe com toda a sinceridade que acabou, com a sua pergunta, por dizer qual foi a resposta da Sr.ª Ministra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Qual foi?!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — A si, Sr. Deputado, digo-lhe só isto: a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde é a garantia do Serviço Nacional de Saúde por mais 30 anos, Sr. Deputado. Não fugiremos, mas penso que já está mais do que ciente da minha convicção de que nós precisamos de um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito e universal, para todos. E foi exactamente isso que hoje aqui quis homenagear.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os transportes continuam a ser um dos três sectores que mais energia consome e um dos maiores responsáveis pela emissão de C02 e pela nossa dependência energética do estrangeiro, na ordem dos 86%, 60% dos quais é petróleo, que acaba, de uma forma esmagadora, a ser queimado em motores de explosão que fazem mover veículos automóveis.
Acresce que o sector dos transportes tem conhecido um constante aumento no consumo energético, que perfez, de 1990 a 2005, um aumento de 52%, tendo visto a sua quota de emissões poluentes aumentar dos 16,6% para os 23,4% do total de emissões.
O transporte rodoviário representa 82,2% do total do sector, sendo seguido de longe pelos restantes (o aéreo, 13,8%, o marítimo/fluvial, 1,5%), cabendo à ferrovia apenas 2,6%.
Na verdade, os transportes são um excelente exemplo das péssimas escolhas que têm sido feitas pelos sucessivos governos ao longo dos últimos anos e que, infelizmente, se continuam a fazer com este Governo.
Com efeito, não é simplesmente possível vencer o desafio das alterações climáticas ou os nossos problemas energéticos sem dar a máxima prioridade à poupança e à eficiência energética, sem descurar, naturalmente, a fundamental componente das renováveis.
Ora, a poupança e eficiência energética no pior sector, o dos transportes, tem um nome, Srs. Deputados: chama-se «transportes públicos colectivos», apresentando-se a ferrovia como uma componente fundamental, como alternativa viável de transporte ambientalmente sustentável, seguro, rápido, energeticamente eficiente e capaz de induzir ganhos significativos de desenvolvimento, podendo contribuir para combater o isolamento de populações, garantindo o direito à mobilidade, e as assimetrias regionais.
Mas, infelizmente, nas últimas décadas, construímos 2700 km de auto-estradas e vias rápidas e encerrámos, pelo menos, de acordo como os dados do Governo, 774 km de ferrovia (em 2006, tínhamos uma

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extensão total de 3613 km, dos quais 2839 km se encontravam em exploração). Só cerca de metade da rede ferroviária em exploração está electrificada e só 20% tem via dupla e 1,3% via quádrupla.
Vários dos dados que vos referi estão presentes no Plano Estratégico de Transportes (PET), que recentemente o Governo colocou, discretamente, em discussão pública, discussão essa que termina no próximo dia 6 de Agosto, repetindo a prática de aproveitar períodos de férias para fazer correr prazos de consulta e discussão pública.
Infelizmente, o Plano não deixa grandes margens para dúvidas em relação à estratégia que se pretende seguir, referindo, logo na primeira página da introdução, que «Uma das clarificações fundamentais que o PET aporta é a que se refere ao papel reservado para cada sector de actividade. Aos privados, a operação do transporte. Ao Estado, a infra-estruturação, que pode ser conseguida, e é desejável que o seja, em parcerias com o sector privado. Ao Estado compete ainda o papel fundamental de planeador do devir e de regulador do sector. (») promover a concorrência no mercado onde ela seja possível (»)« e a «(») abertura dos mercados, em especial, (»), a do mercado ferroviário;«.
Infelizmente, Sr.as e Srs. Deputados, o Governo do Partido (dito) Socialista — do partido que diz que o neoliberalismo morreu e que o combate — é, por detrás dos discursos de fachada eleitoralista, o Governo que continua a promover as privatizações, directas ou encapotadas, de bens, empresas e serviços públicos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Se o Plano Estratégico de Transportes, que ainda está em consulta pública, vos não convence, Srs. Deputados, a publicação do Decreto-Lei n.º 137-A/2009, no passado dia 12 de Junho, não deixa quaisquer margens para dúvidas.
Este diploma não só transforma a CP em entidade pública empresarial e a CP Carga, no sector das mercadorias, em sociedade anónima, como vem escancarar a porta às concessões ou «privatizações» do serviço ferroviário nacional.
Da sua leitura, percebe-se, desde logo, o caminho que se pretende seguir: o Decreto-Lei dá «cumprimento ao compromisso de liberalização do sector, assumido por Portugal junto da União Europeia», como se lê no preâmbulo, para permitir a «autonomização» de áreas de actividades da CP — leia-se desmembramento — para futura venda a retalho e às peças desta empresa-chave do sector dos transportes nacionais.
Esta possibilidade de «subconcessionar a prestação de serviços de transporte ferroviário de passageiros, através de procedimento concursal», através da qual se pretende vir a ceder o serviço nas linhas que são rentáveis aos privados, obviamente, nelas interessados, é mais uma clara cedência do interesse público à gula imparável de alguns privados de fazerem negócio à custa do património público de todos.
Mas mais: assume-se, com a possibilidade de fazer parcerias com autarquias e outras entidades públicas ou privadas não lucrativas, a cedência, por outro lado, das linhas ditas não rentáveis, numa mera lógica contabilista que se esquece de computar as vantagens ambientais, sociais e de desenvolvimento indirectas, mas com impacto positivo, para que os parceiros assegurem, então, aí o serviço público (apontando-se, desde logo, os exemplos da Linha do Tua ou o troço Pocinho/Barca d’Alva, na Linha do Douro).
Ou seja, de uma vez só, o Governo, primeiro, dispõe-se a alienar as linhas que dão lucro — desperdiçando as receitas da CP — e, segundo, desresponsabiliza-se de «assegurar o serviço público» onde não houver rentabilidade.
Mas, se a CP não tem vocação para assegurar as linhas que têm rentabilidade, nem para as linhas sem rentabilidade, mas fundamentais para o serviço público, pergunta-se, então: o que restará para a CP? Apenas o défice financeiro que, dirão então os preclaros analistas económicos da situação, demonstrará a ineficiência da gestão pública e as vantagens da gestão privada e ditará o encerramento definitivo da CP. É isto que o Partido Socialista se prepara para fazer, na CP e na rede ferroviária nacional.
Finalmente, Srs. Deputados, em Março deste ano, Os Verdes, no seguimento da notícia da decisão de suspender, sem aviso prévio, a circulação nas Linhas do Corgo e do Tâmega, requereram ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações a entrega dos relatórios que apontariam para riscos e com base nos quais foi tomada, em poucas horas, a decisão de suspensão da circulação. Infelizmente, Os Verdes já receberam a resposta do Ministério. E digo «infelizmente», porque apresentámos um requerimento e não uma pergunta e, por isso, esperávamos receber os relatórios e não uma resposta a perguntas que não fizemos,

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dando informações que, pelos jornais, já tínhamos. É mais um mistério, uma falta de transparência, uma violação do Regimento e da Constituição, é mais uma falta de respeito pelo Parlamento.
Esta sonegação de informação, à semelhança do que fizeram por mais de um ano em relação aos acidentes da Linha do Tua, é inaceitável, permite especulações indesejáveis e leva a temer o pior, ou seja, que a suspensão destas Linhas do Corgo e do Tâmega se transforme, infelizmente, em encerramento definitivo, como tantas outras vezes aconteceu na rede ferroviária nacional.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, com alguma surpresa e algum espanto, começo por registar que não há, da parte da maioria parlamentar do PS, qualquer palavra a dizer sobre a matéria importantíssima para o presente e o futuro do País que representa o assunto que V. Ex.ª trouxe a este Plenário, que é o do transporte ferroviário e o serviço público que é prestado, e deve ser defendido, em todo o País e que é ameaçado com estas medidas anunciadas pelo Governo PS.
Não queríamos, pois, deixar de valorizar e sublinhar a importância da sua intervenção e da matéria que suscitou neste Plenário.
Quero destacar, em particular, a situação que está criada com o Decreto-Lei que há poucos dias foi publicado por este Governo, que avança para a alteração dos Estatutos da CP no sentido da consagração de uma política de verdadeiro desmembramento da CP enquanto empresa. É que o Governo não se limita a dividir a empresa em unidades de negócio, vai ao ponto de admitir que as mesmas unidades de negócio podem vir a ser subconcessionadas pela CP a empresas privadas. Como se o País não tivesse já a experiência concreta do que foi a concessão a privados, nomeadamente no Eixo Ferroviário Norte-Sul, o chamado «comboio da ponte», e o que isso significa para os utentes, para as populações e, até, para o próprio Orçamento do Estado!! Neste caso, aparece esta perspectiva de a CP entregar as linhas à gestão privada.
É o prosseguimento da política do PSD e do CDS, das parcerias e acordos com municípios e outras entidades. É, inclusivamente, a gestão à la carte da segmentação regional do País em termos de contratos de serviço público no âmbito do transporte ferroviário.
A pergunta, muito concreta, que colocamos ao Sr. Deputado (e convidamo-lo a ter também aqui uma palavra de reflexão sobre a experiência concreta que o País tem tido) é a seguinte: com este Governo e com esta política de favorecimento dos interesses privados, em detrimento do serviço público, das populações e do desenvolvimento nacional — vide o que se passou com o serviço postal e com os CTT e os escândalos a que temos vindo a assistir pela entrega aos privados e pelas subconcessões por parte da própria empresa CTT —, no caso concreto, estamos ou não perante uma perspectiva muito preocupante para o próprio desenvolvimento harmonioso e integrado do nosso território relativamente a esta «espinha dorsal» para o nosso País, que é, de facto, o serviço ferroviário numa rede integrada coerente e numa perspectiva de desenvolvimento?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, muito obrigado pelas suas considerações e pela questão que deixou.
Começo por me juntar a V. Ex.ª no lamento de que mais nenhuma força política esteja preocupada com a actual situação da ferrovia nacional, que tem vindo a perder e que continua a assistir à suspensão e encerramento de parte do seu serviço negando a possibilidade de usufruto de um serviço fundamental para o desenvolvimento das regiões, para o combate ao despovoamento e à desertificação de várias zonas do País, que é posto em prática por este Governo quando encerra linhas, quando não faz um investimento na ferrovia.
Lamento que, nomeadamente o Partido Socialista, não tenha uma palavra a dizer para responder, muito claramente, a este rumo que o Governo está a seguir, não só na área dos transportes, concretamente

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ferroviários, mas também — infelizmente, os exemplos multiplicam-se —, como V. Ex.ª falou e é verdade, nos CTT (mas outros há»!), demonstrando cabalmente que esta fachada que o Partido Socialista e o Governo têm vindo a encenar dizendo que são contra o neoliberalismo, que são a favor da intervenção do Estado, não passa de uma estratégia temporária com fins claramente eleitoralistas para negarem o que este mandato demonstrou à evidência, que é a cedência aos grandes poderes económicos, que é a secundarização do interesse público face aos interesses privados.
É profundamente grave que, com este Decreto-Lei, o Governo tenha escancarado as portas à privatização e à venda a retalho da CP, com autonomização — chamamos nós, com o desmembramento — dos seus serviços, que tem, aliás, vindo paulatinamente a ser prosseguido com pequenos passos e que este DecretoLei vem assinalar como um marco triste em todo este processo.
Quero dizer também que isto demonstra um preconceito do Partido Socialista em relação à gestão pública: vai entregar aos privados linhas que dão rentabilidade e sustentabilidade económica à CP para lhes permitir prestar serviço público podendo essa rentabilidade económica não ser tão evidente, ficando as linhas com défice para o público para depois, mais tarde, se encerrar definitivamente. É profundamente vergonhoso! Tal como é vergonhoso que o Partido Ecologista «Os Verdes» tenha pedido, através de requerimento, relatórios com base nos quais o Governo tomou uma decisão, profundamente grave, de encerramento de linhas e que o Governo «se faça de novas», não entregue os relatórios e responda como se tivesse sido feita uma pergunta, o que não sucedeu.
Os Verdes voltarão à carga com esta situação, que é uma violação do Regimento e da Constituição e é um desrespeito para com o Parlamento e para com os cidadãos.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Normal seria que eu utilizasse este tempo de declaração política do CDS ou para apresentar um projecto de lei do partido aqui, no Parlamento, ou para fazer uma crítica ao Governo, como membro de um partido da oposição. Hoje, não falo nem a um título nem a outro.
Devo dizer-vos que esta é a intervenção mais difícil que farei neste Plenário. Por várias razões: em primeiro lugar, não gosto muito de falar na primeira pessoa do singular; em segundo lugar, tenho estado dividido, durante os últimos dias. Eu diria que estou a viver durante esta semana — e a minha bancada vai perdoar-me — «o primeiro dia do resto da minha vida«» Queria, fundamentalmente, dar-vos, hoje, uma palavra de agradecimento.
Compreenderão que o meu primeiro agradecimento é à bancada do CDS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Obrigado!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Durante seis anos, fui, e sou, Deputado, e com muito gosto, desta bancada parlamentar.
Deixo uma palavra a todos aqueles que me antecederam no lugar de líder parlamentar e, evidentemente, àquele que me irá suceder na direcção da mesma bancada.
Deixo também uma palavra aos Deputados do CDS por toda a confiança que deles tive durante estes dois anos de mandato. São 10 Deputados, posso afiançar, preocupados; são 10 Deputados que muito me auxiliaram; são 10 Deputados fantásticos! Ao Grupo Parlamentar do CDS, uma palavra de um sincero «Muito obrigado»! Mas quero também, e com um critério objectivo, deixar uma palavra a todas as outras bancadas, que vou personificar naqueles que foram líderes parlamentares durante este meu mandato: o Sr. Deputado Luís Fazenda, pelo Bloco de Esquerda; o Sr. Deputado Bernardino Soares, pelo PCP; a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, pelo Partido Ecologista «Os Verdes»; o Sr. Deputado Alberto Martins, pelo Partido Socialista; os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Pedro Santana Lopes e Paulo Rangel, pelo Partido Social Democrata.
Com todos tive ensinamentos, todos me foram dando lições e todos me permitiam dar uma explicação, que as pessoas não compreendem muito bem. Perguntam-me sempre: «Mas, então, discutem tanto! E, depois,

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como é que se dão?» Ao que eu explicava: «Felizmente, damo-nos bem!» E, nestes 230 Deputados, tenho, felizmente, muitos amigos.
Quero também deixar uma palavra ao Sr. Presidente, Jaime Gama, que é, entre todos nós, o melhor.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Quero agradecer-lhe a forma como tem, com independência, presidido aos nossos trabalhos, o exemplo que dá e, fundamentalmente, a preocupação que tem tido na dignificação do Parlamento.

Aplausos do CDS-PP.

Nestas palavras, também não esqueço os anos em que, como Deputado, fui presidido pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Quero deixar uma palavra para aqueles que, diria, nenhum Deputado esquece: os Srs. Jornalistas, pelo acompanhamento que fizeram de todo o trabalho que esta bancada foi fazendo.
Também para alguém que, muitas vezes, é esquecido — os funcionários parlamentares —,»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — » que queria homenagear na figura da Sr.ª Secretária-Geral.
Eu dispunha de 6 minutos para fazer a intervenção, mas vou ter de começar a habituar-me a conter dentro do tempo, pois — algo que me vai acontecer muito —, nos próximos anos de vida, não terei 4 minutos para falar num Plenário.
Por isso mesmo — e a intervenção vai ser curta, porque, de entre várias características, tenho uma (não deveria dizê-lo), a de me emocionar —, quero dizer uma coisa: como sabem, gosto muito do meu partido, mas (quero dizer) gosto muito do Parlamento! Muito obrigado!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, sou o primeiro, com todo o gosto, a fazer não uma pergunta mas um breve comentário às palavras do Sr. Deputado Diogo Feio.
Quero retribuir-lhe os amáveis cumprimentos que dirigiu a esta bancada, com sinceridade, e salientar o elevado espírito institucional com que sempre pautou, com grande elegância e educação, as relações entre todas as bancadas e o contributo que deu, e não foi pouco, para o correcto funcionamento institucional da Assembleia da República.
Não vou falar das suas qualidades como Deputado, do seu contributo em áreas específicas, como o debate orçamental — esses são conhecidos de todos os portugueses —, quero desejar-lhe felicidades pessoais nas suas novas funções.
Acho que posso dizer-lhe — e não vai levar a mal esta brincadeira — que há uma marca que o Sr. Deputado deixou no seu Grupo Parlamentar: conseguiu conter as defesas da honra,»

Risos do PCP e do CDS-PP.

» e isso tem que lhe ser dado como um grande marco da sua liderança parlamentar!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Deputado Diogo Feio, também em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, quero desejar-lhe as melhores felicidades pessoais nesta sua nova tarefa, neste seu novo cargo no Parlamento Europeu e, desde já, também sublinhar a elevada consideração que temos pelo seu desempenho como líder parlamentar do CDS-Partido Popular e a forma correctíssima e de uma enorme lealdade com que sempre travou relações com o nosso Grupo Parlamentar.
A imagem de marca que nos deixará é a de um homem muito empenhado, apesar de, volta e meia, a perna ter «falhado«»

Risos.

Mas isso até traz algo de picaresco e de elegante ao desempenho da função que teve! Mais uma vez, lhe digo, e com toda a sinceridade: desejo-lhe as melhores felicidades pessoais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel.

O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, meu caro líder parlamentar Diogo Feio, quero apenas associar-me ao gesto dos Deputados dos restantes líderes parlamentares, saudá-lo e dizer que, neste caso, não me vai deixar saudades, uma vez que vou continuar a poder privar da sua companhia e de todas aquelas qualidades que já aqui foram realçadas.
Portanto, quero apenas manifestar este agradecimento que, como também o Deputado Diogo Feio sabe, está muito para lá destas simples relações parlamentares e institucionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, quero, em nome do Grupo Parlamentar «Os Verdes», começar por lhe desejar as maiores felicidades no cargo que o Sr. Deputado, agora, vai ocupar no Parlamento Europeu, deixando, por isso, o Parlamento nacional.
Quero sublinhar que, no decurso deste tempo em que trabalhámos juntos, tivemos as maiores divergências políticas, o que não é de estranhar dado o lugar onde nos situamos neste Hemiciclo, mas quero dizer-lhe que encontrei no Sr. Deputado Diogo Feio uma das pessoas com maior correcção de tratamento com os colegas aqui, na Assembleia da República, e foram diversos os locais onde tivemos oportunidade de trabalhar — essa correcção eu quero sublinhá-la.
Quero também dizer que, da minha experiência no trabalho parlamentar, apesar das divergências políticas das diferentes bancadas, há uma coisa extraordinariamente importante: saber que, com aquela pessoa, se pode contar e que ela é fiel àquilo que diz e àquilo a que se compromete. E, nesta perspectiva, o Sr. Deputado foi muito correcto. Considero que isso é de sublinhar, porque o Sr. Deputado é, de facto, de uma correcção e de uma grande lealdade no trabalho, e a democracia também se faz disso: de lealdade! Quero, portanto, desejar-lhe as maiores felicidades e dizer-lhe que foi um prazer trabalhar com o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito em particular, Sr. Deputado Diogo Feio, quero, em nome da bancada do Partido Socialista, deixar aqui o testemunho do que foi trabalhar consigo enquanto líder parlamentar.
Creio que, para lá das divergências ideológicas de cada um de nós, há um mérito que todos lhe reconhecem e que aqui fica dito, que é o meu testemunho em nome da minha bancada mas também o meu testemunho pessoal: a sua correcção, rigor e palavra e a força das suas convicções, mas sem nunca deixar que isso ponha em causa qualquer bom entendimento parlamentar que deva existir. Creio que, em

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democracia, estas são regras elementares e de boa convivência, mas deixam também a sua marca neste Parlamento.
Estou certa de que, no Parlamento Europeu, se baterá pelas suas convicções, que, infelizmente, não são as minhas e as do projecto europeu que defendo nem são as da minha bancada, mas a democracia faz-se disto mesmo.
Portanto, desejo-lhe os maiores sucessos políticos e, obviamente, os maiores sucessos pessoais e boa sorte para os novos desafios.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Diogo Feio, também não sou indiferente às suas palavras e quero associar-me, em nome da Mesa, a tudo o que foi dito não num voto de pesar — a unanimidade foi tanta que recearíamos que isso acontecesse!» —»

Risos do CDS-PP.

» mas na expressão sincera de uma fantástica cooperação com a Assembleia da Repõblica por parte de um grupo parlamentar que, sendo pequeno, é, como os grupos pequenos, muito empenhado no seu contributo com a iniciativa, a crítica, o controlo da agenda e que teve em V. Ex.ª um agente parlamentar de primeira grandeza.
Vimos como os seus pontos de vista foram defendidos, mas vimos também como a interacção do debate parlamentar provocou em V. Ex.ª ajustamentos de discurso muito centrados na cobertura de posições abrangentes, na negociação patente em imensas reuniões da Conferência de Líderes, no sentido da compatibilização entre a necessidade de intervenção política e as suas convicções profundas, e como académico, como professor, como especialista. Esta é aquela que podemos confiar ser a sua garantia como Deputado ao Parlamento Europeu, oriundo de um Parlamento nacional. Desejo-lhe as maiores felicidades.
Tem a palavra, Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quase quero prometer que esta será mesmo a última vez que intervenho, se bem que, num grupo parlamentar com 11 Deputados, tudo pode acontecer até ao dia de amanhã.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero agradecer, com toda a sinceridade, as palavras que disseram.
Estou já, de facto, com saudades! Faço muito a comparação do sol de Lisboa, ou até do Porto, com as nuvens negras de Bruxelas. Já estou com saudades dos pedidos de defesa da honra que vou tendo, das respostas, das perguntas que se fazem aos restantes grupos parlamentares, das intervenções» Sr.
Presidente, a minha saudade é tanta que até já a sinto em relação às votações do Orçamento! Quero dizer-vos a todos «Muito obrigado». Se, um dia, o meu partido e, evidentemente, os eleitores assim o quiserem, terei muito gosto em aqui voltar. E, esteja onde estiver, estarei a defender o Parlamento! Muito obrigado.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do Relatório da Comissão de Inquérito sobre a Situação que Levou à Nacionalização do BPN e sobre a Supervisão Bancária Inerente.
Vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, por 2 minutos, para, na sua qualidade de Presidente da referida Comissão, dizer o que considerar adequado, se assim o entender, após o que prosseguiremos o debate.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr. Presidente, pensei que disporia de 5 minutos mas, se tenho apenas 2 minutos, deixarei»

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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, os 5 minutos são para a Sr.ª Deputada Relatora,»

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — » que ç uma pessoa parlamentarmente distinta de V. Ex.ª.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Parlamentar, pessoal e juridicamente distinta de mim própria, Sr.
Presidente.
Neste contexto temporal limitadíssimo, resta-me dizer — e deixarei, depois, a minha intervenção, para testemunho, como anexo ao Relatório da Comissão — que tive a honra e o privilégio de assumir este encargo que entendi como mais uma missão pública, das muitas que tenho exercido, e que agradeço, por isso, não só ao Partido Socialista, pelo facto de me ter proposto para essa função, mas também a todos os outros grupos parlamentares, por me terem aceite.
Quero ainda referir que considero que a forma como se desenvolveram os trabalhos fez jus ao espírito de transparência introduzido pelo novo Regimento da Assembleia da República e a publicidade dos trabalhos permitiu o escrutínio público directo permanente de todas as reuniões que foram também públicas.
Quero dizer, igualmente, que se deve sublinhar a colaboração imediata do Sr. Procurador-Geral da República com a Comissão de Inquérito, bem como o facto de essa colaboração ter sido continuada numa interpretação correcta da separação de poderes, que também os membros da Comissão exerceram de forma adequada, assim como se deve sublinhar também, porque penso ser uma nota distintiva, o facto de todos os Srs. Deputados e todos os funcionários ajuramentados terem respeitado a confidencialidade dos trabalhos, naquilo em que foram confidenciais, e a confidencialidade dos documentos que foram considerados como tal.
Esta é uma nota distintiva extraordinária.
O acervo de propostas de alteração legislativa que ficam desta Comissão constituem um legado para a próxima Legislatura, no sentido de aperfeiçoar a eficácia das comissões de inquérito e ajustar o funcionamento das instituições financeiras e das relações entre o mundo financeiro e o mundo da política às exigências do nosso tempo, e contribuirão também para a coerência do quadro sancionatório em termos globais.
Quero também salientar alguns números: das 189 horas e 33 minutos de trabalho, no total das reuniões plenárias realizadas, 310 folhas teve a acta com maior número de páginas e 59 folhas teve a acta com menor número de páginas — das públicas, Sr. Deputado Honório Novo.
Saúdo o facto de termos tido reuniões de coordenação, que ajustaram metodologias e diligências, todas elas também facilitadas pelo Partido Socialista, que exerceu de forma inteligente e colaborante a sua maioria absoluta.
Foi um privilégio e um gosto o exercício desta função e agradeço a todos os meus colegas a forma como aceitaram a minha condução dos trabalhos, no meu estilo irreprimível, espontâneo e sincero, de que não abdico e que pretendo que seja verdadeiro.
Quero ainda agradecer aos três assessores da Comissão, que trabalharam comigo, de forma dedicadíssima, por horas e horas sem fim; a quem transcreveu as actas, em exercício louvável de sacrifício e de competência; a todos os Srs. Jornalistas e a todas as Sr.as Jornalistas que acompanharam os nossos trabalhos; a transmissão pelo Canal Parlamento, que permitiu o tal escrutínio e, ao fazê-lo, permitiu que cada pessoa, em sua casa, fizesse a sua própria avaliação e o seu próprio relatório, que — tenho a certeza! — está muito para além daquele que foi produzido pela Comissão.
Para todas e para todos os meus agradecimentos, não esquecendo o pessoal, que nos apoiou, da cafetaria e da limpeza, e os auxiliares, que, de forma dura, facilitaram os nossos trabalhos.
Resta-me agradecer também ao Sr. Presidente da Assembleia da República a forma como sempre foi sensível aos argumentos que lhe apresentámos para o prolongamento dos nossos trabalhos, porque a sua complexidade, densidade e intensidade a isso nos obrigaram.
Muito e muito obrigada a todas e a todos e até sempre, em jeito de despedida da Legislatura.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para apresentar o Relatório da Comissão de Inquérito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Relatora Sónia Sanfona.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma primeira palavra para fazer minhas as palavras da Sr.ª Deputada Maria de Belém, que presidiu de uma forma muito distinta a esta Comissão de Inquérito, para saudar todas as Sr.as Deputadas e todos os Srs. Deputados que integraram esta Comissão e que, em tudo, contribuíram para que ela tivesse sucesso e para saudar também o trabalho de todos aqueles que nos ajudaram e que, cada um nas suas tarefas, contribuíram para que chegássemos ao final de seis meses consecutivos de trabalho e apresentássemos hoje, aqui, o Relatório e Conclusões que pudemos retirar destes trabalhos.
Quero dizer que foi com gosto e com particular empenho que assumi as funções de relatora e foi no seguimento daquilo que entendo serem os estritos deveres a que um relator de uma comissão de inquérito está vinculado que procurei cumprir essa tarefa.
Como sabem, Sr.as e Srs. Deputados, em 15 de Dezembro, foi tomada uma resolução por esta Assembleia, no sentido da constituição de uma comissão de inquérito, com seis itens que constituem perguntas ou questões que os Srs. Deputados entenderam dever ser respondidas pelos trabalhos da Comissão. Foi precisamente com base na resposta encontrada para essas seis questões que se elaboraram as conclusões deste Relatório.
Assim, procurámos apurar a situação de ruptura do BPN e os fundamentos que levaram à nacionalização; os factos ou situações que contribuíram para facilitar, estimular ou ocultar o conjunto de irregularidades detectadas ou para a sua não detecção atempada; a existência de eventuais défices ou insuficiências estruturais, institucionais e de enquadramento legislativo ou do funcionamento das instituições de crédito e sociedades financeiras que tenham facilitado ou permitido as irregularidades reveladas; a forma como, em concreto, o Banco de Portugal cumpriu plenamente com os seus deveres legais de supervisão em relação ao Banco Português de Negócios, entre 2001 e 2008; as responsabilidades, por acção ou omissão, do Banco de Portugal e dos seus dirigentes, no desempenho dos seus deveres estatutários; e, finalmente, se existe legislação em vigor sobre incompatibilidades e impedimentos de titulares e ex-titulares de cargos políticos e de cargos públicos e se há ou não lacunas ou deficiências de regulamentação ilustradas à luz das ocorrências no BPN.
Sr.as e Srs. Deputados, as conclusões reflectem as respostas a todas as questões que referi.
Em primeiro lugar, apurámos o conjunto de acções mais ou menos transparentes, com indícios e contornos fraudulentos, que foram desenvolvidas ao longo do tempo e que contribuíram, conjuntamente com um universo de outros factores, para a situação de ruptura a que chegou o Banco Português de Negócios.
Foi possível apurar que, para essa situação de ruptura, procuraram encontrar-se algumas soluções, designadamente no seio do mercado financeiro e, no caso, sob proposta da administração do Dr. Miguel Cadilhe, as quais foram desde uma «Operação Cabaz» a um plano desenhado para o efeito. Contudo, também foi possível apurar que, quer uma, quer outra, se mostraram insuficientes ou desadequadas para cumprir com aquele desiderato.
Portanto, atendendo a este conjunto de factores endógenos e exógenos que foi possível apurar durante este período temporal e atendendo à inadequabilidade ou insuficiência dos planos que foram desenhados para obstar à situação, já que nenhum dos dois pôde cumprir essa função, o Estado, sob proposta do Governo e decisão deste Parlamento, optou por nacionalizar o Banco Português de Negócios.
As conclusões deste relatório apontam que essa foi a via correcta, certa, adequada para resolver o problema criado no seio do BPN.
Passando para a segunda questão fundamental que se prende com o exercício da supervisão, também foi possível concluir do exercício da supervisão pelo Banco de Portugal; do cumprimento do quadro legislativo, que é o que vigora em sede de supervisão prudencial; da forma estreita e próxima com que a supervisão foi sempre feita ao longo do tempo, quer com a instituição BPN quer com outras instituições bancárias, mas sobretudo com a instituição BPN; e ainda da forma ponderada, planeada com que foi ocultado um conjunto de informações e de decisões tomadas no seio do BPN, que a supervisão agiu dentro do quadro legal que tinha, cumprindo as suas funções.

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É certo, dirão os Srs. Deputados, que os resultados que se conseguiram obter não foram os melhores. É verdade que não foram. O problema é que vivemos num meio de supervisão internacional, num quadro que não é só português, e foi o modelo de supervisão que falhou, não foi, em concreto, o supervisor que, em Portugal, falhou.
Termino, Sr. Presidente, com a sua benevolência, referindo apenas um último quadro das conclusões, que julgo importante, que se prende com o conjunto de propostas, de sugestões em matéria legislativa, que este Parlamento pode e deve apresentar na próxima legislatura àqueles e àquelas que aqui estiverem a representar o País, para que possam pegar nesses contributos, porque são sérios, ponderados e feitos à custa da discussão, no seio da Comissão, com todos os Srs. Deputados. Esses contributos são fundamentais para aperfeiçoarmos o quadro legislativo que temos nas variadíssimas cambiantes destes assuntos.
Muito obrigada, Sr. Presidente, pela sua tolerância; muito obrigada, Sr.as e Srs. Deputados.

Aplausos do PS.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Filipe.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao debate do Relatório.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo. O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Fraude, supervisão e nacionalização ou, dito de outra forma, banqueiros, Banco de Portugal e Governo, foi disto que tratou a Comissão de Inquérito ao caso BPN.
As conclusões do Relatório, aprovadas apenas pelo PS, são meias verdades sobre a fraude e os banqueiros, uma meia mentira sobre a supervisão e o Banco de Portugal e uma mentira e meia sobre a nacionalização e o Governo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Faltam verdades no Relatório que o PS aprovou sozinho, verdades incómodas ou inconvenientes, mas verdades incontornáveis. O PS absolve o Banco de Portugal, protege o seu Governo, o Bloco de Esquerda só podia mesmo votar contra este Relatório.

O Sr. Fernando Rosas (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — O Grupo SLN/BPN foi arquitectado e construído para ser aquilo que exactamente veio a ser: um complexo político-financeiro destinado a fazer circular muito dinheiro entre uma elite privilegiada de accionistas, administradores e grandes clientes, escolhidos pela simpatia e confiança política, provenientes muitos deles dos gabinetes ministeriais dos governos do chamado período cavaquista ou das fileiras do partido que sustentava, na altura, esses governos.
Financiamentos sem regras, comissões e prémios a pedido, compra e venda de acções com mais-valias garantidas, assim se recompensaram no BPN os amigos, mesmo que para isso fosse necessário violar todas as regras e todas as leis.
A história do Grupo SLN/BPN ilustra com clareza a promiscuidade entre a política e os negócios que empobrece e desgasta a democracia portuguesa.
A primeira conclusão que retiramos deste inquérito é que é tempo de limpar estas nódoas, é tempo de pôr termo aos favores políticos recompensados com bons negócios, é tempo de acabar com os bons negócios permitidos pelos favores políticos.

Vozes do BE: — Muito bem!

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O Sr. João Semedo (BE): — Diz o Relatório, diz o PS, que o Banco de Portugal podia ter sido mais incisivo e diligente. Dito isto pelo Partido Socialista, não há melhor confissão de que o Banco de Portugal não foi nem incisivo nem diligente.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Ao contrário, o Banco de Portugal foi efectivamente muito passivo e demasiado negligente.
Negligenciou os factos graves que conhecia e que ano após ano constatava nas suas próprias inspecções, negligenciou os alertas da Procuradoria-Geral da República, negligenciou a «Operação Furacão».
O Banco de Portugal foi passivo não só porque não procurou a informação que podia ter obtido se quisesse ter essa informação, mas passivo, sobretudo, porque tolerou, para além dos limites do absurdo, que as suas recomendações e orientações fossem sistemática e sucessivamente ignoradas ou desrespeitadas pelos mandantes da Sociedade Lusa de Negócios e do BPN.
Não há qualquer dúvida que o Grupo SLN/BPN desenvolveu uma estratégia de ocultação. Mas outra coisa não seria de esperar. Não há crimes com pré-aviso nem é habitual que os criminosos sejam colaborantes. O Banco de Portugal devia saber disso e não pode desculpar-se com isso.

Aplausos do BE.

O que se espera de um supervisor é que ultrapasse as manobras de ocultação, que procure, antecipe, previna a fraude e o crime e que actue sem hesitações e no tempo certo. O Banco de Portugal fez exactamente o contrário.
O Relatório aprovado pelo PS subscreve por inteiro e acriticamente as teses do Governo quanto à nacionalização, recusando toda e qualquer outra alternativa, mas deixa por explicar muitas decisões, quer quanto ao tempo da nacionalização quer quanto às condições em que foi concretizada.
Por exemplo, o Governo devia ter actuado no momento em que José Oliveira Costa foi obrigado a demitirse e todo esse tempo foi tempo perdido, custando hoje muito dinheiro ao País.
A nacionalização realiza-se sem uma avaliação rigorosa dos seus custos — que, aliás, Sr.as e Srs. Deputados, ainda não pararam de crescer —, sem ponderar sequer outras alternativas que eram possíveis e que existiam, sem incluir (e isto é grave) outros activos financeiros do Grupo e, muito mais grave ainda, descomprometendo os accionistas da SLN de qualquer responsabilidade, apesar de terem sido eles os principais responsáveis da crise e das fraudes.

Vozes do BE: — É verdade!

O Sr. João Semedo (BE): — Ao Dr. Vítor Constâncio não lhe pesa a consciência; ao Governo não lhe pesa a responsabilidade. E com tanta leveza, Sr.as e Srs. Deputados, quem sente verdadeiramente este peso todo são as vítimas do costume, são os portugueses, que neste momento pagam 2,7 mil milhões de euros, que é o dinheiro que foi injectado pelo Estado na SLN/BPN.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Por último, Sr.as e Srs. Deputados, as recomendações sugeridas no Relatório.
Elas eram inevitáveis: se o Relatório acha que a supervisão esteve bem e o supervisor ainda melhor, então, o problema é das regras da supervisão — não podia mesmo deixar de concluir que era necessário alterá-las.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, alterar regras» Olhando para esta Legislatura, olhando atç que fosse apenas para a última sessão legislativa, como se pode acreditar que alguma coisa vá mudar com a actuação que o Partido Socialista teve sobre estas matérias? Recomendações ou piedosas intenções? Julgo que são piedosas intenções.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Semedo (BE): — Estou a concluir, Sr. Presidente.
Com tão pouca vontade política por parte do Partido Socialista é difícil acreditar que alguma delas venha a ser concretizada.
As conclusões, Sr.as e Srs. Deputados, são frustrantes aos olhos dos portugueses, tanto mais que os trabalhos da Comissão permitiram que todos ficassem a conhecer melhor o que se passa nos bancos portugueses.
Ficámos a saber em que gente o Banco de Portugal confiou e ficámos a saber que, quanto mais o Banco de Portugal confia nessa gente, mais razão há para os portugueses desconfiarem dessa gente e do Banco de Portugal.

Aplausos do BE.

As conclusões deste inquérito não são seguramente as que deviam ter sido. A Comissão devia ter ido mais longe, bastante mais longe.
Mas a Comissão, Sr.as e Srs. Deputados, «não morreu na praia», nem precisa de uma segunda existência,»

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Nem se lembraram dela!

O Sr. João Semedo (BE): — » que foi proposta, o que, do nosso ponto de vista, nem sequer ç para levar a sério.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, tem que concluir.

O Sr. João Semedo (BE): — Para responder às expectativas e às exigências que ela despoletou na sociedade portuguesa e na consciência dos cidadãos, o que é mesmo necessário, Sr.as e Srs. Deputados, é uma nova maioria, um outro governo, uma esquerda determinada a pôr na ordem esta desordem criada pela cumplicidade e a subserviência perante o poder do dinheiro.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A primeira palavra é de saudação à Sr.ª Presidente de Comissão e a todos os Deputados que integraram a Comissão de Inquérito, naturalmente com uma palavra especial para os coordenadores dos vários grupos parlamentares e para a Sr.ª Deputada relatora. Feita esta saudação sincera, vamos às não saudações.
Infelizmente, a Comissão de Inquérito concluiu sem fundamentar, aceitou a solução da nacionalização só com base na versão do Governo e faz somente uma leve e ligeira crítica à supervisão, dizendo que podia ter sido mais incisiva e diligente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para nós, ficou claro que o Partido Socialista, na Comissão de Inquérito, protegeu o Banco de Portugal e o seu Governador — foi uma clara protecção política ao Dr. Vítor Constâncio.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Em resumo, entendemos que o que o Partido Socialista fez foi um branqueamento, através da sua maioria absoluta, de evidentes falhas de supervisão.
Para o Partido Socialista, todos falharam menos a supervisão. É curiosa a seguinte conclusão: «o Banco de Portugal acompanhou o BPN de forma estreita e contínua». Entendemos que deveria ter acompanhado de

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forma larga e clara, e não o fez. Pelo contrário, para nós, da parte da supervisão o que se apurou foi passividade, resignação, benevolência e ingenuidade. Mais: conivência e confiança da supervisão no Dr.
Oliveira Costa! Isto mesmo foi dito pelo Sr. Governador do Banco de Portugal, que considerou que tinha sido ingénuo ao aceitar aquilo que a administração do BPN dizia que fazia, ou não dizia que fazia e escondia, exactamente porque ele tinha sido supervisor, tinha desempenhado outros cargos. Esta situação é grave. Para nós, perante o Banco de Portugal, todas as instituições devem ser iguais.
A Comissão de Inquérito deveria ter concluído que existiram falhas graves de supervisão, sobretudo por omissão e por não ter usado poderes e competências em tempo útil. Vou dar alguns exemplos.
A não utilização dos mecanismos legais do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nomeadamente os previstos no artigo 116.º deste Regime.
Negligência grosseira ao não interpretar indícios sérios de irregularidades, que eram do conhecimento público e constavam dos relatórios de inspecção. Por que é que não aprofundou a fiscalização perante tais evidências? Só em meados de 2008 ou no Verão de 2008 é que o Banco de Portugal notificou a Fincor para juntar documentos comprovativos da venda do Banco Insular a uma entidade terceira, quando essa era uma exigência que o Banco de Portugal tinha feito seis anos antes.
A auditoria externa transversal ao Grupo foi primeiro uma iniciativa da administração do Dr. Miguel Cadilhe e só depois o Banco de Portugal teve essa iniciativa.
No Verão de 2007, o Banco de Portugal detectou transferências, a partir de uma conta do Banco Insular, no Montepio Geral e só comunicou essa operação à Procuradoria-Geral da República em 2 de Janeiro de 2008, ou seja, seis meses depois. Perguntamos porquê.
De facto, já no Verão de 2007 — e não por denúncia em Fevereiro de 2008 — o Banco de Portugal associava o Banco Insular ao Grupo BPN/SLN. Então, por que não aprofundou a situação? Por que não determinou auditorias especiais nos termos de lei? O Banco de Portugal soube, por exemplo, da possibilidade da venda do Banco Insular a terceiros pelos menos desde Abril de 2008 e não agiu.
Ao longo dos anos, o Banco de Portugal exprimiu, em reuniões, cartas e relatórios inspectivos, dificuldades em relação ao BPN e só em 2008 instaurou processos de contra-ordenação contra o Banco Português de Negócios por violação do dever de informação. Por que é que não o fez antes? O Banco de Portugal não explicou.
Além disso, não suspendeu administradores que não cumpriam deveres de prestação de informação, o que teria sucedido se tivesse instaurado processos de contra-ordenação, o que não fez.
Portanto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, são muitos os factos que o Partido Socialista não quis integrar no Relatório final, e são factos contra os quais não pode haver argumentos.
Quanto à solução da nacionalização, com base na posição do Governo, o Partido Socialista, com a sua maioria absoluta, concluiu que a nacionalização era a única solução — não nos convenceu, nem convence ninguém. Tratou-se de uma conclusão precipitada e que parecia já estar tomada antes daquele domingo, 2 de Novembro.
Também é preciso lembrar que esta decisão sobre a nacionalização foi tomada não tendo em atenção a mínima análise dos custos da nacionalização nem dos custos previsíveis da nacionalização. Como pode concluir-se que a nacionalização era a única solução se a Comissão de Inquérito não chegou a essa conclusão? E, por outro lado, não pode dizer-se que era a única solução. Ficou provado!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — O Sr. Ministro de Estado e das Finanças disse, na Comissão, que o plano da administração do BPN era negociável em todas aquelas matérias, matérias que o Governo veio, desde logo, pôr em causa e que, apesar de tudo, não negociou. Porquê? Porque já tinha a decisão da nacionalização tomada.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — É evidente!

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O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, sei que já ultrapassei o tempo de intervenção de que dispunha, mas gostaria de dizer que a Comissão, apesar de tudo, teve coisas boas.
Esta Comissão de Inquérito permitiu que tivéssemos a noção do que é necessário fazer para que não voltem a ocorrer situações deste tipo. Nós próprios propusemos medidas para que isto não volte a repetir-se.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — E teve outro aspecto positivo, o de a população poder seguir os trabalhos da Comissão e constatar que não há dúvida que o Parlamento pode ser prestigiado pelo trabalho que pode desenvolver nestas matérias, nomeadamente numa comissão de inquérito.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Termino, mas antes tenho de dizer o que correu pior na Comissão, Sr.
Presidente.
O pior foi a maioria absoluta do Partido Socialista, que impôs o Relatório;»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — » o pior foram os problemas do levantamento do segredo profissional e bancário, que não nos permitiram ir mais longe na produção de prova; o pior foi o nervosismo e, até, o ataque feito à Comissão de Inquérito por parte do Governador do Banco de Portugal, quando nela foi ouvido; o pior foi a intromissão do Sr. Ministro de Estado e das Finanças no que se refere às conclusões da Comissão de Inquérito.

O Sr. José Manuel Ribeiro (PSD): — Uma vergonha!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E do Primeiro-Ministro!

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Foi pena que o Partido Socialista tivesse impedido outro resultado para os trabalhos da Comissão de Inquérito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É positivo que as conclusões da Comissão de Inquérito acabem por dizer, por proposta do PCP, que foi «ilegítima a invocação pelo Banco de Portugal do segredo profissional e bancário para recusar entregar documentação e prestar informação à Comissão de Inquérito».
É também positivo que as conclusões considerem, mais uma vez por proposta do PCP, ilegítimo o comportamento em idênticas questões do Dr. Bandeira, do Banco Português de Negócios.
Apesar de — lamentavelmente e de forma reincidente — também esta Comissão, por vontade isolada da maioria absoluta do PS, ter permitido a subjugação de um órgão de soberania à vontade autocrática do Banco de Portugal e do BPN e ter recusado accionar os mecanismos disponíveis em sede judicial, a verdade é que fica expressa e reconhecida a falha de colaboração do Governador do Banco de Portugal e da actual Administração do BPN com os trabalhos desta Comissão de Inquérito.
Quanto à substância política, Sr.as e Srs. Deputados, pode dizer-se — infelizmente sem surpresa — que «a montanha pariu um rato».
No BPN aconteceu o que de pior se pode imaginar: uma rede ardilosa montada no final da década de 90 por certos accionistas de referência, por administradores e directores — e não apenas pelo Dr. Oliveira Costa —, que serviu para evasão fiscal, para esquemas fraudulentos com quase 100 offshore, para branqueamento

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de capitais, para ocultar prejuízos, para esconder créditos sem garantias e para desviar dinheiro em proveito próprio, dinheiro que era do banco e dos clientes.
Todavia, ao longo destes 10 anos da vida do BPN e do Grupo SLN, ocorreram igualmente falhas graves — por omissão e por demissão — na supervisão bancária. E isso não está contemplado nas conclusões.
Há factos incontestáveis e incontestados, há documentos que provam objectivamente a falha da supervisão. Não são opiniões, não são depoimentos. São coisas concretas e objectivas que não podem, Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, ter duas leituras.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Só podem ter a leitura do PCP!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E o que o PS fez foi demitir-se de concluir, foi impor ideias que branqueiam a inacção do Banco de Portugal, a sua permanente indolência, a sua distracção quase conivente, a sua incapacidade em aprofundar as investigações, a não utilização dos instrumentos legais que possui, se tivesse querido agir.
O Banco de Portugal nunca fez uma auditoria informática que o poderia levar à descoberta do Banco Insular, nunca determinou a realização de uma auditoria externa nem a suspensão de administradores, nunca nomeou administradores delegados nem qualquer comissão de fiscalização, tudo isto, repito, contemplado na actual legislação. E nada disto foi feito apesar de uma inspecção ter chegado a determinar rácios de solvabilidade de 4,8% para um mínimo de 9%! Não colocamos no mesmo nível os crimes cometidos no BPN com as falhas do Banco de Portugal. Não!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Por mais que o PS o diga, nunca o fizemos nem fazemos. Mas entendemos, sem qualquer tibieza, que não é possível ter uma postura ética e politicamente isenta nesta Comissão se não concluirmos pela existência de falhas graves e prolongadas do Banco de Portugal Lamentavelmente, as conclusões impostas pela maioria absoluta do PS branqueiam a acção do Banco de Portugal e protegem pessoalmente o actual Governador.
Sr.as e Srs. Deputados, esta não é, porém, a única malfeitoria que o PS fez à Comissão de Inquérito. O PS determinou também, como conclusão, a versão do Governo sobre a nacionalização do BPN.
Escondeu que era possível nacionalizar toda a área financeira do BPN; escondeu que tinha sido possível nacionalizar todo o Grupo; escondeu que tinha sido possível nacionalizar activos imobiliários que, mesmo aos preços actuais, podiam valer bem mais de 1000 milhões de euros; escondeu que, com esses activos, o País poderia equilibrar os prejuízos e o «buraco» do BPN que todos nós estamos hoje a pagar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Mas as conclusões que o PS aprovou sozinho têm ainda outras duas implicações muito graves.
Dizer que a crise internacional é que determinou a ruptura no BPN é não só uma inverdade como encerra em si uma perigosa conclusão. É podermos retirar daí que, se não tivesse ocorrido a crise, tudo podia ter continuado na mesma, sem qualquer responsabilização, sem qualquer punição, desde a fraude do Banco Insular às sucessivas e permanentes ilegalidades e irregularidades, quiçá o próprio Oliveira Costa mais os seus «braços direitos», Luís Caprichoso ou Francisco Sanches, poderiam até continuar numa nova administração do Grupo.
Como incólume também poderia continuar a supervisão do Banco de Portugal, a única — repete-se, a única! — que, no plano internacional, onde ocorreram situações semelhantes à do BPN, continua a dizer, teimosa e cegamente, com o beneplácito da maioria absoluta do Partido Socialista, que não cometeu qualquer erro nem incorreu em qualquer falha! Sr.as e Srs. Deputados: Uma palavra final para referir que o PCP apresentou um Relatório alternativo de conclusões e recomendações.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Só nós o fizemos, apesar de outros o terem também insistentemente anunciado. Anunciámos que o iríamos fazer e cumprimos, mesmo quando — ao contrário de outros — dissemos, na altura e no momento próprio, que 24 horas para debater e propor alterações às conclusões do Partido Socialista era demasiado pouco tempo.
Era essa a nossa obrigação política, foi esse o compromisso público perante a Comissão de Inquérito e perante o País, que, naturalmente, cumprimos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta minha última intervenção política — amanhã, tencionarei fazer uma pequena alusão de despedida, que é devida —, queria começar por saudar o Sr. Deputado Pedro Mota Soares, que acaba de ser eleito Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, a quem desejo muita sorte: a sua sorte é a sorte deste partido e é benefício deste país.
Queria saudar a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira pelo trabalho, sempre difícil mas muito competente, que desenvolveu à frente da Comissão, bem como cada uma das Sr.as Deputadas e cada um dos Srs. Deputados que a integraram, mas gostaria de dizer que a nossa discordância em relação ao Relatório que discutimos não podia ser maior.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Em boa verdade, hoje não discutimos o Relatório da Comissão, discutimos um documento do PS, o que é algo bem diferente, e é pena! Este Relatório lembra um pouco aqueles quadros do tempo soviético em que, apagando uma ou outra personagem, quem o fazia ficava convencido, no dia seguinte, que a realidade tinha sido mesmo assim. Mas não era, as pessoas tinham estado mesmo lá!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Honório Novo (PCP): — É como o quadro do Freitas do Amaral!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não sei porquê, mas quando falo de sovietes, o Deputado Honório Novo começa logo aos saltos!» Sinceramente, passados tantos anos, não consigo perceber porquê!?

Risos do CDS-PP.

Devo dizer que, infelizmente, temos hoje um Relatório completamente politizado, no sentido de partidarizado, porque não expressa, minimamente, mais de seis meses de trabalhos da Comissão, nomeadamente: não reflecte as audições efectuadas nem os documentos juntos; tenta restringir «cirurgicamente» as fraudes do BPN a quem dá jeito, porque se quer estabelecer uma ligação óbvia que não começou hoje; inclui pela negativa, como responsáveis do BPN, curiosamente, o único administrador que até colaborou com o Banco de Portugal.
Em relação ao Banco de Portugal, branqueia completamente o que devia ter sido — e não foi — uma acção de supervisão decente e aligeira a forma pouco documentada como a nacionalização foi feita.
Em boa verdade, é o último passo de um processo que começou nas eleições europeias, com um candidato cabeça-de-lista socialista que deu início a essa politização, continuada depois pelo Primeiro-Ministro José Sócrates, consequência da aprovação, dias antes, do Relatório pelo Ministro Teixeira dos Santos,

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tentando pressionar essa aprovação, e com expressão máxima em conclusões que nada têm a ver com o que aconteceu na Comissão Parlamentar de Inquérito.
Começando pelas fraudes, para quem em algum momento insinuou que a preocupação do CDS era a «cabeça» do Governador, insisto em dizer que se o País sabe hoje das fraudes que ocorreram no BPN deveo, em primeiro lugar, ao CDS. E essa é a melhor prova de que nunca esteve em causa a «cabeça» do Governador mas, sim, a verdade e um novo paradigma de supervisão,»

Aplausos do CDS-PP.

» que, a partir do momento em que este Relatório foi aprovado, não será mais possível, porque o Partido Socialista acabou de garantir, ontem, que continuará tudo na mesma.
Em relação às falhas na supervisão, queria lembrar o que ao Partido Socialista não ocorreu, demonstrando-o de forma muito ostensiva: ofícios da Procuradoria-Geral da República a informar o Banco de Portugal, desde 2004, sobre o envolvimento do Banco Insular em criminalidade de dimensão internacional; procedimentos irregulares e ilícitos — muitos! — detectados em diferentes relatórios de inspecções do Banco de Portugal, isto em 2002, 2005 e 2007, reiteradamente, mostrando que nada mudou, apesar de tudo ter sido detectado; recusa de informações pedidas; documentos negados; processos de crédito incompletos; exposição no sector imobiliário; concessão de créditos sem pareceres e garantias; sistema de controlo interno insuficiente; simulação de negócios na separação da área financeira e não financeira; utilização de sociedades offshore, que identifica neste e noutros expedientes; contas domiciliadas no BPN Cayman e no BPN IFI, com lacunas na identificação dos dados dos clientes; operações intragrupo, sem cumprimento de instruções do Banco de Portugal; facilidades em empresas, como a do Grupo El-Assir, sem existirem informações; os aspectos determinantes dos negócios de Porto Rico, que hoje, ao que parece, chocam o País, mas que o Banco de Portugal conhecia desde 2002.
Tudo isto está nesses documentos, em sucessivos relatórios de inspecção do Banco de Portugal, de 2002, de 2005 e de 2007, e o Banco de Portugal não agiu.

Aplausos do CDS-PP.

Saliento que a supervisão não é aquela que o Dr. Vítor Constâncio quer, a supervisão é, necessariamente, aquela que a legislação consagra.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — E, quando, hoje, o Governador do Banco de Portugal diz, em sua defesa, que a supervisão é meramente prudencial, compreende-se, porque a supervisão do Governador do Banco de Portugal foi só prudencial, esqueceu-se das medidas de saneamento, das medidas extraordinárias, esqueceu-se que, sem utilizar nem uma coisa nem outra, poderia ter utilizado auditorias externas, que estão previstas no artigo 116.º do Regime Jurídico aplicável (a única que foi requerida foi-o por decisão da administração do Dr. Miguel Cadilhe). Esqueceu-se da nomeação de administradores provisórios, que poderiam ter estado no meio dos administradores do BPN, mas isso nunca foi determinado, e de práticas restritivas de crédito, tão fáceis, quando, ao longo dos anos, se dizia que a concessão ilícita de crédito era um dos motivos das fraudes do BPN. Nada disto foi feito! A supervisão falhou, e falhou de forma grave e reiterada. O País inteiro sabe, o País inteiro o percebeu; o País inteiro o viu demonstrado todos os dias, atravçs do Canal Parlamento,»

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — » em sucessivas audições e por documentos juntos. Só o Partido Socialista assim não quis.

Aplausos do CDS-PP.

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E nisso houve uma tremenda irresponsabilidade de quem, tendo a maioria, devia fazer alguma diferença.
Em relação ao défice de informação na nacionalização, não espanta que o Governo aqui tenha proposto uma nacionalização, dizendo ao País que ia custar 700 milhões de euros, que hoje se sabe que vai já em 2550 milhões de euros.
E isso também tem ligação com ligação ao Banco de Portugal, pois trata-se de uma nacionalização proposta sem um único parecer, uma única estimativa, um único cálculo, excepção feita a um ofício do Banco de Portugal, que juntei na Comissão, remetido ao Ministério das Finanças dois dias antes da nacionalização, que, num único parágrafo de sete linhas, sugere essa nacionalização, sem dizer quais os prejuízos do BPN, sem dizer qual o risco sistémico, como seria suposto dizer, caso a nacionalização não acontecesse, sem dizer qual o custo para os contribuintes, sem dizer coisa alguma.
Assim se fazem nacionalizações em Portugal, tal e qual no PREC. Era suposto que, passados 30 anos, fossem feitas um bocadinho melhor.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Vou terminar. Sr. Presidente.
Também quero dizer que considero inaceitável — e registo aqui que é pena que, antes de mim, ninguém o tenha feito — a falta de colaboração do Banco de Portugal com este órgão de soberania,»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — » numa rejeição que tem de ser expressa tambçm aqui neste Plenário.
Foi este Plenário que decidiu a constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito; foi este Plenário que disse que a supervisão tinha de ser avaliada; foi este órgão de soberania que decidiu que o Banco de Portugal estaria obrigado a colaborar com cada um dos seus Deputados, principalmente com aqueles que integravam esta Comissão; foi o Banco de Portugal que esteve para com o Parlamento como o BPN esteve para o Banco de Portugal, pois recusou informações e rejeitou pedidos de documentos. É inaceitável mas para o Partido Socialista parece normal, e, no dia seguinte, continua tudo na mesma.
Por isso, eu disse, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, que a seguir vai usar da palavra, e Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, que a Comissão esteve bem ao longo de todos estes seis meses e podia ter terminado com «chave de ouro«, com conclusões unànimes»

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Com as suas conclusões!

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — » que retratassem um mínimo de verdade, mas acaba com a verdade do Partido Socialista.
Também por isso, quero dizer ao Partido Socialista que maioria absoluta não é poder absoluto e o CDS, nesta bancada, integrado hoje por estes Deputados, tal como amanhã por aqueles que nos substituírem e pelos que se mantiverem, continuará este trabalho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem de terminar. Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente.
E não tem a ver com a supervisão, não tem a ver com o Governador do Banco de Portugal,»

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Que ideia!

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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — » tem a ver com a saõde do sistema financeiro e do sistema bancário, para protecção de depósitos, para protecção dos portugueses e para que alguém perceba que, para além dos socialistas, há quem aqui se preocupe com os portugueses, com os impostos e com a sua aplicação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Comissão de Inquérito ao BPN foi, aos olhos dos portugueses e aos nossos próprios, um êxito da Assembleia da República, que fica a seu crédito, pela intervenção sábia, competente e dedicada da sua Presidente, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira, mas também pela colaboração de todos os Srs. Deputados, da qual não excluo, naturalmente, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo e todos aqueles que falaram. Todos tiveram colaborações importantes para o funcionamento da Comissão.
Em democracia — todos nós o sabemos — há regras. E a primeira regra é que são aqueles que, por vontade dos portugueses, têm a maioria que conduzem o sistema democrático.
No funcionamento desta Comissão — todos tiveram oportunidade de o dizer — houve sempre decisões consensuais. O Partido Socialista não inviabilizou um único pedido que tivesse sido solicitado por qualquer dos grupos parlamentares. Não sei se, neste particular, isso é inédito, quer nesta legislatura, quer em legislaturas anteriores, mas nenhuma medida de prova e nenhum pedido de documento foi inviabilizado. O Partido Socialista manteve-se, como sempre, um partido colaborante, tendo a descoberta da verdade como seu objectivo único.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Todos nós assistimos, desde o início desta Comissão, ao facto de alguns, sobretudo a direita, em particular o CDS, quererem fazer rolar a cabeça do Governador do Banco de Portugal. Nunca esconderam essa vontade nem esse objectivo.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Desde o início!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo fez conferências de imprensa a pedir a cabeça do Sr. Governador do Banco de Portugal antes de termos qualquer conclusão da Comissão de Inquérito. Esse era o objectivo e tinha uma razão: todos sabemos que o Sr. Governador e o Banco de Portugal, no início desta legislatura, elaborou um relatório que condenava a política da direita, a política do CDS e do PSD, que reflectia um défice público superior a 6%, da responsabilidade do Ministro Bagão Félix.
Essa era a «pedra no sapato» que o CDS, durante todos os trabalhos desta Comissão de Inquérito, nunca conseguiu tirar dos seus objectivos.

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E isso ficou visível aos olhos dos portugueses.
Mas vamos aos factos. Então, o Partido Socialista não esteve sempre disponível para aceitar todos os factos? São mais de 200 páginas de factos dados como provados, que nós consensualmente colocámos no Relatório e que resultaram da colaboração de todos os grupos parlamentares. Então, o Partido Socialista não esteve aberto às vossas colaborações? Claro que esteve e está.
Mesmo no próprio relatório foram colocadas várias propostas quer do PCP quer do PSD. Do PCP no que se refere a conclusões e do PSD no que se refere a recomendações legislativas. Portanto, a abertura do Partido Socialista foi e será sempre a abertura da democracia e do Estado de direito.

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A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas a direita, o CDS, já disse o que pretendia: quer impor a sua vontade. Em minoria, quer impor à maioria uma vontade. Quem está em minoria já disse que se ficar aqui nas próximas eleições, então, sim, vai fazer vingança. O CDS prepara-se, juntamente com o PSD, para ser o terror da próxima legislatura, se acaso vencerem as eleições.
Mas os portugueses percebem que o Estado de direito tem regras e que nós, nesta Comissão, avaliámos tudo o que havia para avaliar e não deixámos ao CDS a possibilidade de exercer a vingança que os portugueses, naturalmente, não querem.
Vamos aos factos. Quanto à supervisão, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista alguma vez disse, por acaso, que o Banco de Portugal tinha feito tudo bem? Não! Essa não é a conclusão da Comissão de Inquérito.
A Comissão de Inquérito, pelas mãos da Sr.ª Deputada relatora – que aqui aproveito para elogiar, no sentido sincero do termo, salientando as suas qualidades de independência, de honestidade e a qualidade que podemos ver neste Relatório –, concluiu que o Banco de Portugal podia ter sido mais incisivo e mais diligente.
Esta é uma crítica que fazemos ao Banco de Portugal, não branqueamos qualquer função do Banco de Portugal.
Por outro lado, sabemos que a supervisão falhou em todo o mundo. Falhou noutros Estados e também falhou no nosso.
Mas, Srs. Deputados, o que temos de dizer, com toda a naturalidade, é que a supervisão do BPC, do BPP e do BPN ç a mesma de todos os outros bancos,»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Esse é o mal!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » que não têm qualquer problema de funcionamento. O que tivemos aqui nestes três bancos foi a prática de crimes, que não competem à supervisão. Esse é o vosso equívoco!

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mais: o vosso equívoco é tratarem os criminosos com «luva branca» e aqueles que exerciam a supervisão como se fossem criminosos. Isso não é justo e não é verdadeiro!

Aplausos do PS.

Também é verdade que apontam algumas falhas à supervisão em relação à nacionalização. Vamos, então, ver este aspecto.
Aquilo que a direita queria era que não nacionalizássemos mas que o Estado entrasse com o dinheiro suficiente para valorizar as acções dos privados,»

A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Exactamente!

Protestos do Deputado do PSD Hugo Velosa.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » para que o Estado não mandasse na SLN nem no BPN. É uma vergonha usar o dinheiro público para valorizar as acções de privados!

Aplausos do PS.

Ficou claro que a nacionalização também se deveu ao risco sistémico. Todos nós pudemos ouvir o Sr.
Ministro das Finanças dizer que, se acaso deixássemos correr a situação do BPN conforme estava, estavam em causa 17 000 milhões de euros de dinheiro público. Isso os senhores também esqueceram!

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O que é verdade é que os senhores se esqueceram de muitos factos, não conseguiram provar outras tantos e vêm aqui invocar, com alguma ligeireza, aquelas que são as vossas conclusões, querendo impor aos portugueses e a esta maioria as conclusões da minoria. Isso é que é a vossa democracia, mas não é a nossa! Nós demos como não provados alguns factos e concluímos pela crítica também ao Banco de Portugal, pela crítica que é merecida não só ao Banco de Portugal mas também à supervisão a nível internacional.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente.
Finalmente, quero dizer que espero que os portugueses tenham percebido qual é o risco desta direita. É o risco de uma direita que pretende voltar para fazer vingança, para implantar o terrorismo político, e é isso que os portugueses, naturalmente, não deixarão nas próximas eleições.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, qual foi a expressão utilizada que considera ofensiva da sua bancada?

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, para além das expressões «terrorismo» e «vingança», consideramos objectivamente ofensivo, para quem requereu a constituição desta Comissão num espírito de verdade e nela muito trabalhou, dizer-se que a única motivação foi a de querer, desde o início, antes mesmo dos trabalhos realizados, a cabeça do Governador do Banco de Portugal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, concedo-lhe a palavra por 2 minutos, mas vou ser rigoroso, na medida em que este debate já extravasou largamente o tempo que lhe estava atribuído.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, quero dizerlhe que vergonha é verificar hoje, nesta Assembleia, que há Deputados que não conseguem distinguir o Governador do Banco de Portugal do camarada do Partido Socialista, no Dr. Vítor Constâncio. Isto é que é uma vergonha e tem implicações graves para este país!

Aplausos do CDS-PP.

Até lhe digo mais, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues: foi o CDS que requereu a constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito; o Partido Socialista não queria a sua constituição.
Foi o CDS que revelou, nesta Comissão Parlamentar de Inquérito, a maior parte das fraudes — nada tem a ver com a supervisão, tem a ver com a gestão do BPN — e o Partido Socialista não revelou nenhuma.
Foi o CDS que juntou os documentos, audição após audição, comprovativos disso mesmo; o Partido Socialista juntou coisa nenhuma.
Foi o CDS que, entre outros, juntou este documento, cujo nome é SLN — O Estado da Nação— Março 2008, comprovado e admitido, inclusivamente, por quem solicitou, em co-autoria, a sua elaboração, que, entre outras coisas, revela com minúcia as fraudes e quantifica-as: contas de investimento 517 milhões de euros; Banco Insular 585 milhões de euros; acções da SLN detidas por offshores 80 milhões de euros; compromissos extrapatrimoniais 145 milhões de euros; insuficiência de provisões 230 milhões de euros. Este foi um documento que o PS não teve sequer a decência de permitir que fosse incluído nas conclusões. Porquê? Porque no momento em que o fizesse tinha de dizer quem o requereu e, no momento em que dissesse quem o requereu, tinha de incluir no relatório quem dele quer excluir, demonstrando assim, também, como este é um relatório parcial, que visa atingir alguns e excluir os outros, dependendo do partido a que pertencem ou da motivação que têm quando quiseram fazer a sua aprovação.

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Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, para terminar, quero dizer-lhe que não fazemos nenhuma confusão entre crimes cometidos por quem exerceu funções de gestão, e não só no BPN, e falhas de supervisão de quem exerce funções no Banco de Portugal.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Quem manifesta excesso é o PS, que acha que admitir falhas graves de supervisão é dizer que quem falhou gravemente na supervisão cometeu crimes. Nós não! Queremos simplesmente uma economia de mercado saudável, o que significa supervisão capaz. Com os senhores, a garantia que o País inteiro tem é que, a partir de amanhã, podemos ter mais BPN, mais BPP, porque com este relatório fica tudo na mesma!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, em tom de brincadeira e de despedida, quero dizer-lhe que aguardei até à última palavra que dissesse qual foi a ofensa à honra.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Não percebeu?

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mas nós todos nos habituámos ao seu estilo durante estes quatro anos e meio, ou seja, sempre pedindo a palavra para defesa da honra e, depois, a sua honra ou a da sua bancada não ser invocada na sua predilecção.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Disse-o, durante 2 minutos!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Mesmo assim dá-me oportunidade de lhe dizer que a Comissão de Inquérito existe por resolução unânime desta Casa. Não queira arrogar para si direitos que não tem.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe, com toda a amizade, que todos os Deputados desta Comissão de Inquérito foram muito benevolentes consigo. Fomos todos muito benevolentes.
Na verdade, o Sr. Deputado usou todos os expedientes que a lei não lhe conferia e que nunca quisemos invocar para não ultrapassar uma questão de companheirismo. Por isso, Sr. Deputado, não se queixe!» Tempos piores virão!» O Sr. Deputado não tem razão nenhuma quanto a essa matéria. E mais: foi para nós muito difícil perceber que o Sr. Deputado tinha informações parcelares, informações de uma área, de determinado grupo do BPN, e que tínhamos de compensar isso com outras áreas, de outros grupos, para que a Comissão de Inquérito não ficasse enviesada com uma das versões, que era a versão da qual V. Ex.ª recebia documentos.
V. Ex.ª recebia documentos de uma área,»

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — Olhe que não!»

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » não recebia de todas, e nós tínhamos de compor isso. Ou seja, V.
Ex.ª serviu-se e deixou-se levar por alguns, mas soubemos conter essa sua versão unilateral para uma determinada facção do BPN.

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Vamos continuar, naturalmente, a manter esse equilíbrio na Assembleia da República, a manter esse equilíbrio num Estado de direito democrático, para que não haja abusos e para que consigamos continuar a viver em democracia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, dou por concluído este debate.
A Sr.ª Secretária vai dar conta de expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de resolução n.os 531/X (4.ª) — Recomenda ao Governo medidas de resposta à crise no distrito do Porto (BE), que baixou à 6.ª Comissão, e 533/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a aplicação de medidas de incentivo à utilização do transporte ferroviário na Linha do Minho, nomeadamente na ligação de Barcelos ao Porto e à Linha do Norte, e recomenda igualmente o alargamento do comboio intercidades a Braga, Famalicão e Barcelos (PSD), que baixou à 9.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, vamos passar ao próximo ponto da nossa ordem de trabalhos, a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 295/X (4.ª) – Altera o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, previstos, respectivamente, no DecretoLei n.º 423/91, de 30 de Outubro e na Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei importa benefícios por quatro razões fundamentais.
Em primeiro lugar, alarga as situações em que as indemnizações podem ser concedidas, aumenta o nível de protecção das vítimas e contribui para que o tratamento das vítimas de crimes violentos e de violência doméstica possam ser mais protegidos. Com esta proposta, passam a ser indemnizáveis os danos morais e os danos não intencionais, ou seja, aqueles que resultam de crimes cometidos com negligência. Isto permite, portanto, beneficiar mais pessoas.
Mas, além disso, esta proposta de lei viabiliza também um tratamento de proximidade, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, uma proximidade que é essencial para as vítimas terem um tratamento mais favorável.
Em segundo lugar, esta proposta de lei também simplifica o procedimento de concessão das indemnizações, o que permite tornar esse procedimento, e logo a atribuição da indemnização, mais rápido.
Por um lado, a indemnização passa a ser atribuída pela Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes e deixa de ter de aguardar pela decisão do membro do Governo; por outro lado, a indemnização passa a ser atribuída directamente por cada membro da Comissão, não precisando esta de se reunir constantemente para decidir acerca de um caso concreto, que pode ser urgente e precisar de um tratamento o mais rápido possível.
Em terceiro lugar, introduzem-se também novidades que permitem uma melhor gestão dos dinheiros públicos e que a Comissão e a atribuição destas indemnizações possa funcionar não apenas com base no Orçamento do Estado mas também noutras contribuições. Por exemplo, o presidente da Comissão passa a ter um papel activo e pró-activo na busca de novas fontes de financiamento, nomeadamente contribuições mecenáticas, que muito podem contribuir nesta nobre tarefa de ajudar as vítimas de crimes violentos e de violência doméstica.
Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, queria referir um aspecto não menos importante, ou seja, rigor na verificação dos requisitos de concessão das indemnizações e rigor na concessão e na verificação do reembolso, pelos agressores, das quantias que o Estado adiantou a título de indemnização. É também um aspecto fundamental nesta proposta de lei que hoje é aqui submetida.
Reforce-se, portanto, para concluir, a importância central deste regime no quadro de medidas de protecção às vítimas de crimes. A aprovação desta proposta de lei seguramente que servirá os interesses de um Estado mais solidário para com as vítimas de crime e de violência doméstica, que seguramente merecem toda a

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nossa atenção e todo o nosso melhor empenho para que tenham um bom regime de tratamento e de concessão de adiantamentos de indemnizações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei começa por dizer, na sua exposição de motivos, que é obrigação de um Estado de direito investigar, julgar e condenar quem pratica crimes. E acrescenta que é preciso fazer mais, que é preciso dar protecção àqueles que são vítimas de crimes.
Ora, dentro deste quadro referido na exposição de motivos, não quero deixar de dizer que já temos um regime legal de concessão de compensações indemnizatórias para as vítimas dos crimes — o estipulado na Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro. E, naturalmente, se o Governo apresenta uma nova proposta de lei, a expectativa é que a mesma só poderá ser melhor. Infelizmente, não é esse o caso: esta proposta de lei traz grande prejuízo para as vítimas de crimes. Passo a explicar porquê.
Por exemplo, quanto ao adiantamento de indemnização, o limite máximo fixado por cada lesado, no actual quadro legislativo, é o equivalente ao dobro da alçada da Relação. A alçada da Relação são 30 000 euros, logo o dobro são 60 000 euros. Esta proposta de lei vem fixar esta indemnização em 304 unidades. Cada unidade de conta são 102 euros. Fazendo as contas, a indemnização fica reduzida a quase metade daquela a que a uma vítima de um crime pode hoje dispor, ou seja, passa de 60 000 euros para 34 680 euros.
Sr. Secretário de Estado, diga-me por que é que as indemnizações foram quase todas reduzidas a metade.
No artigo 4.º, n.º 1, em todos os itens, as indemnizações às vítimas dos crimes estão reduzidas a metade.
Mas mais, Sr. Secretário de Estado: no artigo 7.º, que se refere à Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, o que temos é a governamentalização desta Comissão.
Na actual legislação, esta Comissão tem como presidente um juiz nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, um advogado indicado pela Ordem dos Advogados e um alto funcionário do Ministério da Justiça indicado pelo Ministro da Justiça. Estas três pessoas são substituídas por dois, no máximo quatro, membros designados pelo Governo. Sr. Secretário de Estado, o único objectivo é reduzir o montante das indemnizações a aplicar a cada uma das vítimas dos crimes.
Sr. Secretário de Estado, há aqui, nitidamente, um abandono das vítimas dos crimes, e o Governo tem de explicar por que faz isso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira para uma intervenção.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje aqui discutimos é um exemplo das piores práticas do Governo e do PS.
Desde 2006, o Governo e o PS alteraram três vezes o Regime Jurídico de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos — em 2006, em 2007 e em 2008. Agora, o Governo vem apresentar uma proposta de lei que revoga o decreto-lei e que repete quase na íntegra tudo aquilo que aquele diploma dizia.
Mas, Sr. Secretário de Estado, quero começar por registar alguns aspectos positivos desta proposta de lei.
Registo, ao contrário do que disse agora o Sr. Deputado Fernando Negrão, aumentos ligeiros nos limites máximos de indemnização. A verdade é que algumas das alterações que o PS fez aos limites indemnizatórios baixaram esses limites, havendo agora alguns ligeiros aumentos — de 30 000 para 34 000 euros; de 11 200 para 11 650 euros. Portanto, há uns ligeiros aumentos em algumas situações, apesar de, noutros casos, haver algumas reduções.
Registamos como positiva também a concessão do apoio social educativo às vítimas de crimes violentos e também a abrangência dos danos morais no âmbito das indemnizações a atribuir.

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Porém, Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei nem sequer tem em conta a proposta de lei que está, neste momento, em discussão na especialidade, relativa à violência doméstica.
Se o Sr. Secretário de Estado reparar, o n.º 8 do artigo 4.º desta proposta de lei não é compatível com o artigo 21.º da proposta de lei sobre a violência doméstica, em relação à obrigação do tribunal considerar a necessidade de indemnização mesmo que a vítima não o requeira. A verdade é que, se isso é possível naquela proposta de lei da violência doméstica, nesta proposta de lei a vítima é prejudicada por o não ter feito.
Portanto, alguma coisa tem de ser alterada para haver aqui uma compatibilização.
A verdade, Sr. Secretário de Estado, é que o Governo repete nesta proposta de lei muitas das normas do decreto-lei relativo à protecção das vítimas de crimes violentos e da própria lei de adiantamento de indemnização às vítimas de violência doméstica, introduzindo, no entanto, algumas alterações que nos parecem ser muito prejudiciais.
Primeiro, onde antes se previa um direito de indemnização às vítimas de crimes violentos agora há um adiantamento da indemnização. E se já se previa a possibilidade de reembolso do Estado, se já se previa a sub-rogação do Estado nos direitos das vítimas, por que é que há esta alteração na proposta de lei? Segundo, o Governo governamentaliza por completo a Comissão. Onde antes havia uma comissão com um magistrado indicado pelo Conselho Superior da Magistratura, um advogado indicado pela Ordem dos Advogados e um funcionário superior indicado pelo Ministério da Justiça, agora passa a haver uma Comissão completamente governamentalizada, indicada pelo Governo.
Para além do mais, burocratiza estes procedimentos. Veja-se as normas respeitantes às competências e aos procedimentos da Comissão e percebe-se a burocratização que o Governo impõe nesta matéria.
Sr. Secretário de Estado, perde-se aqui uma belíssima oportunidade para resolver problemas que existiam no decreto-lei e na lei que agora se revogam e para se dar alguns passos em frente.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo já, Sr. Presidente.
Dou-lhe os exemplos da possibilidade de alargar o conceito de crimes violentos também às situações de tráfico de seres humanos e de tráfico com vista à prostituição.
Por fim, não se resolve o problema da discricionariedade dos poderes da Comissão, que agora — veja-se bem! — até tem a possibilidade de criar tabelas ou grelhas para decidir das situações.
Portanto, em nosso entender esta é uma proposta de lei que introduz, de facto, grandes prejuízos naquilo que é a necessidade de protecção e de reparação às vítimas de crimes violentos, mas, ainda assim, esperamos que, na especialidade, estes aspectos possam ser corrigidos para que não tenhamos um regime mais prejudicial e possamos, de facto, dar alguns passos em frente na protecção destas vítimas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei que vem alterar a concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e violência doméstica, no mínimo o que se pode dizer é que é uma proposta de lei oportuna. E oportuna porquê? Porque vivemos num País em que no último ano o crime grave e violento aumentou 11%, a criminalidade cometida por gangs aumentou 35%, as agressões a polícias para cima de 100%, e a violência doméstica também — e, não menos preocupantemente, de uma forma muito significativa! Portanto, estar a reforçar o estatuto da vítima, estar a combater aquilo que muitas vezes é um «politicamente correcto» que faz das vítimas criminosos e dos criminosos vítimas, nesse aspecto, Sr.
Secretário de Estado, quero dizer-lhe que esta proposta de lei é, no mínimo, oportuna e que, na generalidade, até merece alguma simpatia por parte do CDS.
Sr. Secretário de Estado, dito isto, quero dizer-lhe, também, o seguinte: é evidente que consideramos positivo o alargamento a novas situações, como já aqui foi dito, nomeadamente englobando os danos morais na determinação da indemnização, as medidas de apoio social e educativo, até a simplificação, pelo menos

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aparente, esperamos que também real, dos procedimentos, mas temos algumas dúvidas — e era bom que fossem esclarecidas pelo Sr. Secretário de Estado no minuto que ainda tem para orar.
Essas dúvidas têm que ver com três aspectos muito concretos: primeiro, parece haver, claramente, uma incoerência entre esta proposta de lei e aquilo que está para aprovação nesta Assembleia em matéria de violência doméstica e, nessa matéria, eu gostaria que ficasse aqui explícito aquilo que já foi questionado.
Quero dizer-lhe também que temos dúvidas em relação à comissão da protecção das vítimas, não quanto ao facto — e bem! — de tratar casos urgentes mas, sim, quanto a alguma governamentalização que pode, de facto, surgir, e sobretudo porque remete para um orçamento próprio e esse orçamento próprio requer verbas próprias.
Ora, essas verbas só serão conhecidas em Outubro de 2009, com a proposta de lei de Orçamento do Estado — preferencialmente com outro governo, porque este já fez mal que chegue, nomeadamente em matéria de segurança... —, portanto só então é que vamos saber se esta comissão pode, de facto, operacionalizar ou não.
Isto porque, repito, só então saberemos a verba que estará disponível para estes casos urgentes de apoio às vítimas de criminalidade violenta e violência doméstica.
Por fim, Sr. Secretário de Estado, também era bom que ficasse claro se há ou não a tal redução dos montantes indemnizatórios às vítimas, porque ouvi com atenção a primeira intervenção do Sr. Deputado Fernando Negrão que tem algumas dúvidas, as quais partilho, embora me pareça que o artigo 7.º do DecretoLei n.º 307/2007 resolva essa questão. Mas, para que não fiquem dúvidas, seria útil que esta situação fosse esclarecida, pois seria inadmissível que assim acontecesse, isto é, que não se consagrasse essa redução de apoio às vítimas, sobretudo ao nível das indemnizações.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Já tinham baixado os limites, por isso é que eles agora sobem.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Rocha.

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: A presente proposta de lei n.º 295/X (4.ª) altera o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, unificando, num único diploma, matéria que hoje se encontra dispersa e introduzindo um conjunto de novidades com vista ao seu aperfeiçoamento.
Deste modo, a proposta de lei alarga as situações em que podem ser concedidos adiantamentos de indemnizações, bem como o tipo de protecção a conceder à vítima, abrangendo casos de danos morais sofridos pela vítima e prejuízos relativos a crimes por negligência.
De igual modo, é também alargado o âmbito de protecção de que a vítima pode beneficiar, podendo parte da indemnização traduzir-se em medidas de apoio social, educativo ou terapêutico, com vista à recuperação física, psicológica e profissional da vítima.
É criada a comissão de protecção às vítimas de crimes, que passa a funcionar a tempo inteiro, e simplificase o processo necessário à concessão de adiantamentos de indemnização, havendo uma estreita colaboração com esta comissão e demais organismos públicos ou privados que prestam apoio às vítimas. Neste sentido, a Comissão passa a dispor de mais meios para verificar a real situação económica dos requerentes, permitindose exclusivamente para esse fim a consulta a bases de dados do registo, havendo agora maior exigência para o exercício do direito de regresso sobre os responsáveis pelos danos, permitindo ao Estado, desta forma, recuperar os montantes que adiantou.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso já existia!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Finalmente, são definidas regras no sentido de uma mais rigorosa verificação dos requisitos com vista à concessão destes adiantamentos e passa a comissão de protecção às vítimas de crimes a dispor de receitas próprias.
É ainda alargado o prazo para requerer a indemnização,...

O Sr. João Oliveira (PCP): — Só pode ser prorrogado uma vez.

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A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — ... que era de três meses e passa para seis meses, em casos de crimes de violência doméstica.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso não é verdade! Fica exactamente na mesma!

A Sr.ª Ana Maria Rocha (PS): — Deste modo, estamos perante uma iniciativa do Governo que corrige um conjunto de aspectos menos conseguidos até esta data, incorporando uma série de aperfeiçoamentos que vão, certamente, tornar o sistema mais justo, mais eficaz, mais célere e de mais fácil operacionalização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Srs. Deputados: o diploma hoje em apreço, esta proposta de lei do Governo, é um diploma muito importante e isto é a primeira coisa que queremos dizer.
O apoio do Estado às vítimas de crime assume um valor acrescentado nas funções do Estado de direito e na aplicação da justiça. Penso que é preciso sublinhar esta questão nesta fase do debate, pois é muito importante que o Estado assuma o seu papel no apoio e no ressarcimento das vítimas de crimes violentos e, também, de violência doméstica. Por isso, aprofundar a legislação existente era imperioso e fazia falta, nomeadamente o que tem que ver com algum reforço dos poderes e da capacidade da intervenção da agora chamada comissão de protecção às vítimas de crime.
Assim, surge a nossa primeira dúvida e a nossa primeira perplexidade em relação a um diploma que se pretende que seja, e que signifique, um avanço em relação à actual situação.
De facto, quando olhamos para a nova proposta de composição desta comissão ficam-nos muitas reservas e muitas apreensões, pois passamos para um modelo em que é o Governo que nomeia praticamente toda a comissão e isso, Sr. Secretário de Estado, não é admissível e era bom que se pronunciasse sobre a abertura do Governo, nomeadamente, a produzir alterações neste aspecto em sede de especialidade.
Depois, concordamos com a inclusão da situação das vítimas de violência doméstica neste diploma, pensamos que é correcto, só que como já aqui foi referenciado está neste momento em discussão, e em sede de especialidade, uma lei sobre a violência doméstica que o que se exige no mínimo é que exista uma articulação entre o que tem que ver com as vítimas e o adiantamento de indemnização às vítimas constante deste diploma com aquilo que está escrito no diploma sobre violência doméstica de que, por acaso, até é autor também este Governo.
Por isso, é preciso que fique clarificado em que sentido é que isso seria alterado na especialidade e neste caso concreto este diploma, porque o outro diploma é muito mais benéfico para as vítimas, como sabemos, por isso essa seria uma outra questão.
Ora, isto leva-me ainda a uma outra dúvida, Sr. Secretário de Estado, que me parece fundamental também abordar e que, muito recentemente, veio a público. Trata-se da forma como as vítimas, nomeadamente de violência doméstica, recebem estes adiantamentos às suas indemnizações, principalmente nos casos em que isso é feito por transferência bancária e em que no banco existem contas do agressor que tem dívidas servindo o dinheiro dado pelo Estado de adiantamento pela indemnização às vítimas para pagar as dívidas do agressor. Ora isto é uma situação completamente inaudita e completamente injusta, completamente disparada e completamente contra todo o sentido da protecção das vítimas!! O próprio actual presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes já veio reconhecer esta situação!...

O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Concluo já, Sr. Presidente.

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É preciso que isto fique acautelado na lei, pois nem todas as vítimas de violência doméstica vão receber em numerário as indemnizações e, com certeza, que têm o direito a receber através de transferência bancária, mas não podem ser penalizadas por um pensamento dominante, errado, completamente errado e patriarcal, que é o de o seu marido, embora seja o agressor, poder ficar com esse dinheiro em nome da vítima. Gostava de obter uma resposta do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, agradeço as questões que me foram colocadas pelos Sr.as e Srs. Deputados e em primeiro lugar, gostaria de me referir à questão que a Sr.ª Deputada Helena Pinto colocou. Essa é uma questão muito importante e muito relevante, simplesmente o que sucedeu foi que para determinadas indemnizações as vítimas indicaram contas que são contas conjuntas.
A Sr.ª Deputada disse que é preciso acautelar isto e faz bem dizê-lo! Tem razão, nós também achamos, e foi por isso que fizemos um processo de diálogo com a Comissão, exactamente para que a vítima possa ser informada, desde o primeiro momento, de que pode existir esse problema e, portanto, tem de se precaver e tomar as devidas cautelas nomeadamente exigir outra forma de pagamento ou outra conta onde possam ser depositados os montantes.
Já foram tomadas essas providências, já foi restabelecido o diálogo com a Comissão para que isso passe a ser assim, mas se a Sr.ª Deputada tem sugestões em relação à redacção deste diploma aquilo que lhe posso dizer é que temos todo o empenho e interesse — como, aliás, isto já demonstra, porque já o fizemos — em que essa situação não ocorra. Actuámos num primeiro momento, queremos continuar a actuar agora e, sem dúvida, que é uma situação que precisa de ser abordada e resolvida.
Em relação às outras sugestões dos Srs. Deputados quero dizer que temos toda a abertura para discutir e fazer evoluir estas soluções na discussão em sede de especialidade.
Há, contudo, aqui dois aspectos que merecem ser referidos. O primeiro é referente à suposta governamentalização da Comissão. Srs. Deputados, antes e hoje em dia, para que uma indemnização seja dada é preciso um despacho de um membro do Governo e o que se faz aqui neste diploma é acabar com isso, pois passa a ser a Comissão, sem despacho de membro do Governo, a atribuir essas indemnizações.
Portanto, Srs. Deputados, lamento, mas o que está aqui em causa é o contrário de governamentalização, é a desgovernamentalização porque deixa de ser necessária a decisão de um membro do Governo.
Quanto ao mais, temos toda a disponibilidade para discutir na especialidade.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Nuno Teixeira de Melo.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, terminou o seu tempo.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, termino já.
O Sr. Deputado Fernando Negrão disse que as indemnizações desciam, o que não é verdade. Pelo contrário, o que se faz neste diploma é aumentar as situações em que há direito à indemnização, casos de negligência, casos de danos morais... O que se pretende com este diploma é aumentar as situações em que há direito à indemnização.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não é verdade!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Lamento, mas se o Sr. Deputado tem alguma dúvida podemos esclarecê-la na especialidade, pois o que queremos é mesmo aumentar, como, aliás, o Sr. Deputando Nuno Magalhães também referiu neste debate.
Portanto, Sr. Deputado, lamento, mas não arranje desculpas para o PSD votar contra! O que está aqui em causa é aumentar a protecção das vítimas e aumentar as indemnizações.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 289/X — Aprova a Lei do Cibercrime, transportando para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o Direito interno à Convenção sobre Cibercrime, do Conselho da Europa, e das propostas de resolução n.os 132/X (4.ª) — Aprova a Convenção sobre o Cibercrime, adoptada em Budapeste, a 23 de Novembro de 2001, e 134/X (4.ª) — Aprova o Protocolo Adicional à Convenção sobre o Cibercrime relativo à incriminação de actos de natureza racista e xenófoba praticados através de sistemas informáticos, adoptado em Estrasburgo, a 28 de Janeiro de 2003.
Para apresentar a iniciativa, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei vem actualizar e aperfeiçoar a legislação de combate ao cibercrime e alinha-a com os padrões do Conselho da Europa e da União Europeia.
Portugal passa a estar dotado de medidas de investigação e de cooperação mais eficazes contra os novos fenómenos criminais no ciberespaço.
Em primeiro lugar, actualizam-se e clarificam-se os crimes previstos na actual Lei da Criminalidade Informática e criminalizam-se certas condutas que até aqui não eram punidas, como, por exemplo, a produção e difusão de programas destinados a praticar crimes contra sistemas informáticos.
É o caso da possibilidade de ordenar a preservação expedita de dados armazenados num sistema informático quando sejam necessários à produção de prova e se receie que se possam perder ou alterar e é, também, o caso da injunção, que permite à autoridade judiciária ordenar imediatamente que determinados dados informáticos sejam comunicados ao processo.
Prevêem-se, além disso, novos meios mas também se adaptam à realidade deste tipo de criminalidade os que hoje existem, como, por exemplo, no caso das buscas e das apreensões.
Em terceiro lugar, prevêem-se regras relativas à cooperação internacional, que gostava de referir, e, para prestação de assistência imediata, consagra-se um ponto de contacto permanente, 24 horas/dia, 7 dias/semana, na Polícia Judiciária.
A aprovação desta proposta de lei reforça, assim, o combate ao cibercrime ao mesmo tempo que assegura a protecção dos direitos, liberdades e garantias e da segurança das pessoas contra este tipo de criminalidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nas sociedades modernas as redes de comunicação são hoje um instrumento fundamental, e realço, obviamente, a comunicação através da Internet.
A par da evolução da Internet veio a prática de ilícitos criminais. Nesse sentido e também por recomendação do Conselho da Europa, foi aprovada, em 1991, a Lei n.º 109/91, que estipula um naipe de crimes designados por «crimes informáticos». Porém, aquele diploma está hoje desactualizado.
A sofisticação na prática de crimes através da Internet é cada vez maior. Por isso, por recomendação do Conselho da Europa, o Governo apresenta esta proposta de lei, por meio da qual acrescenta a tipificação de novos crimes, como, por exemplo, falsidade informática, sabotagem informática, que é da maior importância, acesso ilegítimo, intercepção ilegítima, reprodução ilegítima de programa protegido e outros que diria de menor importância.
Sr. Secretário de Estado, vou formular-lhe uma questão.
Por que é que não foi contemplada neste diploma a possibilidade de as entidades de investigação criminal introduzirem em determinado sistema que esteja sob investigação o que podemos designar por «cavalo de Tróia informático», para poder obter informação contínua e em tempo real, assim facilitando as investigações criminais, designadamente através dos meios informáticos?

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Sr. Secretário de Estado, ainda relativamente a este diploma, pergunto-lhe porquê a reprodução, no artigo 9.º, da criminalização da associação criminosa.
A figura da associação criminosa está prevista e punida no Código Penal e, no presente diploma, o que vemos é a reprodução integral dessa mesma disposição legal. Parece-me que não havia absolutamente necessidade alguma de fazer isto, uma vez que, repito, já consta do Código Penal e trata-se de uma repetição de normas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, para uma intervenção.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, analisamos hoje, nesta Casa, o novo regime penal e processual penal relativo à criminalidade informática.
Na verdade, tal como já foi dito pelo Sr. Deputado Fernando Negrão e pelo Sr. Secretário de Estado, adaptamos o Direito interno à Convenção sobre Cibercrime, do Conselho da Europa, mas também transpomos para a nossa ordem jurídica a Decisão-Quadro do Conselho, de 2005, sobre a mesma matéria.
É muito actual a exigência de termos em atenção aqueles que usam para fins ilícitos os meios que a ciência, a informática e a técnica podem proporcionar-nos.
Temos de ter em atenção que, hoje, esta é uma matéria muito importante sobre a qual Portugal entra em consenso com outros Estados europeus — as definições devem ser as mesmas, pelo que as normas que agora analisamos vão «beber» à doutrina internacional sobre a matéria.
No diploma em análise procede-se à tipificação de novos crimes informáticos e o Governo aproveita para também introduzir normas de Direito Processual Penal que, no seu conjunto, aperfeiçoam todo o sistema penal que tem a ver com a informática.
Nesta como em outras matérias, nós, Partido Socialista, Governo e Grupo Parlamentar do PS, estamos disponíveis para acolher todos os contributos que os outros grupos parlamentares pretendam introduzir, sendo certo que, em sede de comissão, havemos de encontrar um consenso, pois trata-se de uma matéria que me parece consensual.
O diploma não é tão vasto quanto isso, pelo que creio que, em próxima reunião da competente comissão e porque estamos em marcha contra o tempo, encontraremos um consenso, já que, repito, acho que esta não é uma das tais questões fracturantes e não vai haver qualquer problema na sua aprovação.
Por isso mesmo, creio que o contributo de todos vai ser útil para que possamos contar não só com a adaptação ao Direito interno da Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa mas também com a transposição da já referida Decisão-Quadro da União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, em nome da bancada do PCP, queria salientar dois aspectos.
O primeiro é o de que, no quadro das convenções internacionais e do Direito comunitário a que Portugal está vinculado, é natural que se proceda à revisão da Lei da Criminalidade Informática. Aliás, esta lei foi aqui aprovada há já muitos anos, em 1991, num quadro muito diferente do actual e, portanto, como é óbvio, está completamente desactualizada em função da realidade tecnológica actual e, também, da criminalidade informática existente.
Portanto, é natural que se faça essa actualização e que se proceda à transposição de instrumentos de Direito internacional subscritos pelo Estado português e cuja ratificação por esta Assembleia também está proposta precisamente neste debate.

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Outra questão é a forma que é utilizada pelo Governo para transpor estes instrumentos de Direito internacional — e, aí, entramos na proposta de lei que está em discussão.
Relativamente a esta proposta de lei, temos algumas reservas que queria suscitar, sendo certo que, porventura, o debate na especialidade que vamos travar, e muito em breve, na medida em que estamos nos últimos dias de trabalhos desta Legislatura, poderá vir a preveni-las.
Em primeiro lugar, quer-nos parecer que, neste diploma, há molduras penais desproporcionadas relativamente ao conjunto do nosso sistema penal.
Ainda há pouco estivemos a discutir um projecto de lei relativo à violência doméstica, crime cuja gravidade todos conhecemos, e, agora, estamos a discutir uma proposta de lei para a criminalidade informática que tem molduras penais muito mais elevadas, algo que não nos parece muito bem.
De facto, há aqui comportamentos para os quais se prevê penas de prisão até 10 anos, pelo que nos parece que, apesar de tudo, vale a pena ponderar se não estaremos a exagerar relativamente à gravidade de determinados ilícitos em comparação com a forma como o nosso sistema penal trata outros.
Convém que haja alguma coerência, para não estarmos a tratar situações de forma discrepante que possa trazer alguma incoerência às molduras penais existentes no ordenamento jurídico português — este é o primeiro ponto.
Há uma outra questão que não podemos deixar passar, que é a de saber qual é a latitude da incriminação que aqui se propõe.
É porque não se propõe apenas a incriminação de comportamentos ilícitos, designadamente intromissão em sistema informático, como, por exemplo, a introdução de um vírus num sistema informático! Criminaliza-se também a produção de programas susceptíveis de gerar esse tipo de comportamentos. Quer-nos parecer que isso é um pouco confundir o crime de homicídio com o fabrico da arma que pode ser utilizada num homicídio, situações que são completamente diferentes e que, portanto, não podem ser tratadas como se fossem uma mesma.
Ou seja, é perfeitamente possível conceber programas informáticos, até para efeitos de investigação com vista à prevenção e mesmo à repressão da criminalidade informática, sem que, obviamente, essa produção intelectual seja criminalizada. Só que neste diploma é-o, efectivamente.
Portanto, há aqui algo que tem que ver já não apenas com a prevenção da criminalidade mas mesmo com a proibição de produção intelectual e até de investigação científica e tecnológica. Essa separação teria de ser feita na proposta de lei, mas não, «mete tudo no mesmo saco». Este é um aspecto que consideramos fundamental e que, do nosso ponto de vista, terá de ser corrigido na especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto, para uma intervenção.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, em relação a esta proposta de lei, há sobretudo três questões que preocupam o Bloco de Esquerda, uma das quais acaba de ser abordada pelo Sr. Deputado António Filipe, no final da sua intervenção.
Gostaria muito de colocar a questão directamente ao Sr. Secretário de Estado, até porque fez uma boa gestão do tempo, que é muito curto para este debate e quase não permite pedidos de esclarecimento mas, assim, podemos fazê-los.
Nesta proposta de lei, nesta transposição da directiva comunitária e nesta convenção há um problema: na prática, proíbe-se (e nalguns casos criminaliza-se) que os cidadãos possam escrever software e possam, por exemplo, investigar na área da segurança. É o problema do software livre, Sr. Secretário — também não vale a pena estar a divergir.
Lembremo-nos, por exemplo, de que esta Assembleia da República já aprovou resoluções em que recomenda o uso do software livre na própria Assembleia da República.
Até que ponto esta proposta de lei, estruturada como está, não vem limitar a investigação e o escrever desse software, mas, depois, criminaliza tudo?

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Lendo a proposta de lei, ficamos com a sensação de que só são tratados dois sectores, se assim me permitem: por um lado, os criminosos e, por outro, as autoridades que vão perseguir esses criminosos. Mas há outras situações que não estão devidamente acauteladas» Gostava muito de ouvir a sua opinião sobre isto e a sua disponibilidade para a discussão em sede de especialidade, que teremos de fazer no espaço de tempo de que dispomos.
Permita-me, também, dizer que esta é outra proposta de lei do Governo apresentada à última hora e que merecia, no mínimo, um conjunto de audições no sentido de dotar a comissão de informação para melhor legislar. Infelizmente, nesta recta final temos de viver com o que temos» Sr. Secretário de Estado, coloco-lhe ainda uma questão quanto aos artigos 17.º e 18.º, relativos à pesquisa de dados informáticos e à sua apreensão.
O Governo, mais uma vez, apresenta, numa proposta de lei, a possibilidade de tal ser feito por órgãos de polícia criminal sem autorização de um juiz — está escrito no artigo.
Se o Sr. Secretário de Estado considera ser mentira, diga que não é — pode ser uma interpretação errada e, então, vamos mesmo mudar a lei na especialidade. É porque, em algumas situações, o juiz é informado disso a posteriori. Trata-se da pesquisa de dados informáticos e também da sua apreensão, o que nos parece extremamente preocupante.
Embora o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues chame a esta matéria processo penal e processual penal do ciberespaço, como acabou de dizer, também não vamos entrar em completa contradição com os códigos que nos regem sobre esta matéria!! O tempo não dá para mais e gostaríamos de ter a oportunidade de ouvir o Sr. Secretário de Estado sobre estas duas questões, até porque são importantes para a determinação do sentido de voto da bancada do Bloco de Esquerda.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, refiro três notas muito breves em relação a esta proposta de lei.
A primeira é a de que o CDS-PP está de acordo com a aprovação de convenções internacionais, de decisões-quadro comunitárias em matéria de combate ao cibercrime e a crimes relativos à utilização destes meios informáticos. O CDS-PP está de acordo com uma maior harmonização das legislações dos Estadosmembros da União Europeia, com uma maior cooperação, com o alargamento da criminalização de alguns actos e até com a operacionalização, tornando mais célere a cooperação judiciária internacional.
Sr. Secretário de Estado, portanto, quanto a esta matéria, não há dúvidas algumas, tem total apoio da parte do CDS-PP.
Trata-se de uma matéria, infelizmente, cada vez mais complexa, do ponto de vista do crime. É onde os criminosos têm maior oportunidade e meios para cometer os seus actos criminosos e, portanto, nessa matéria estamos de acordo.
Tenho algumas dúvidas em relação a certos aspectos da lei. Desde logo, registo que o Ministro, que tão cioso é do seu Código de Processo «Penalzinho»,...

Risos do CDS-PP.

... faça com que ele vá mudando devagarinho»

Risos do CDS-PP.

Ora, é a lei das armas, ora é a lei do cibercrime, ora é uma coisinha ou outra e, portanto, o Código de Processo «Penalzinho», tão cioso que o Sr. Ministro é dele, tão mal que faz, lá vai fazendo o seu «caminhozinho«»

Risos do CDS-PP.

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Portanto, espero que, brevemente, possamos mudar e, já agora, revogar — para não utilizar o verbo «rasgar»..., isso é mais aqui para o lado do PSD... —...

Risos do CDS-PP.

... o Código de Processo Penal, que tanto mal fez ao País.
Devo dizer, também, que, como diz o Sr. Deputado António Filipe, me surpreendem algumas penas previstas, mas, se calhar, no sentido oposto do do Sr. Deputado. O problema não está nas penas que são previstas; o problema está nas penas que estão previstas no Código Penal português para alguns crimes.
Não deixo de notar que há uma certa desproporcionalidade, embora reconheça que certo tipo de crimes, no âmbito do cibercrime, podem causar danos incalculáveis até do ponto de vista dos Estados e da segurança interna e, portanto, percebo essa questão das penas.
Nesta matéria, concordo também com o que foi dito: a incriminação vai longe demais e parece-me boa a comparação que foi feita.
Em suma, Sr. Secretário de Estado, os objectivos parecem-nos bons. Nada temos contra a harmonização da legislação europeia nesta matéria — pelo contrário, julgamos que é positiva e necessária. Mas, em sede de especialidade, há muito trabalho para fazer e, sobretudo, Sr. Secretário de Estado, de uma vez por todas, alterem o Código de Processo Penal!

O Sr. António Filipe (PCP): — Outra vez?! Está sempre a ser alterado!

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço os comentários que fizeram.
O Sr. Deputado Nuno Magalhães está com uma verdadeira preferência por diminutivos... Só faltou mesmo dizer «abalozinho»... Não chegou a esse ponto!

Risos.

Sr. Deputado, quero descansá-lo e descansar também a Sr.ª Deputada Helena Pinto, esclarecendo que as soluções desta proposta de lei estão e querem estar totalmente em linha com o Código de Processo Penal.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Pois, o problema é esse!...

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Aliás, houve uma grande preocupação em fazê-lo e em assegurar a coerência entre essas soluções.
Houve para aí umas notícias de que isso não aconteceria com esta proposta de lei..., simplesmente essas notícias baseavam-se em versões de trabalho que nunca foram validadas politicamente.
A proposta de lei aprovada pelo Governo é uma solução completamente em linha com o Código de Processo Penal e que quer estar em linha com o Código de Processo Penal.
Sr. Deputado, Sr.ª Deputada, se houver dúvidas sobre isso, esclareçam-se em comissão e estaremos cá, com todo o gosto, para ajudar e trabalhar o diploma.
Falou-se também em várias questões, nomeadamente quanto à proporção de determinadas penas estabelecidas neste diploma. Sr. Deputado, já não é a primeira vez que se aborda esse tema a propósito de várias matérias e de vários diplomas. É conhecida a tradição que este Governo tem mantido, e a do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, em estar mais do que disponível na comissão para alterar o que for de alterar.

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O Sr. Deputado sabe, tão bem como nós, que muitas vezes esse é um trabalho jurídico fino e queremos fazer melhor. Portanto, Sr. Deputado, aqui tem a nossa disponibilidade de sempre para o fazer na comissão e, seguramente, também, do grupo parlamentar, como disse o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
Portanto, Sr. Deputado, esteja descansado também quanto a essa matéria: não queremos estabelecer qualquer tipo criminal, nenhuma pena desproporcionada.
Sr.ª Deputada Helena Pinto, quase que já respondi às questões sobre as dúvidas quanto à disponibilidade do Governo para trabalhar em comissão. É uma disponibilidade total e é total também nas outras matérias que levantou.
O que queremos, como disse o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, é um diploma o mais consensual possível, numa matéria fundamental e que, afinal, trata de cumprir compromissos internacionais.
Mas não quero terminar sem dizer que tem razão quando diz que, neste tipo de relações penais, não basta ter em conta esses dois tipos de intervenientes no processo penal. Partilhamos dessa opinião e queremos ir ao encontro dessas preocupações na comissão, em sede de especialidade, para fazer evoluir o diploma, e vamos ver em que aspectos, agora, discutindo-os pormenorizadamente.
É verdade: o processo penal não é apenas um processo penal de duas partes — nisso estamos de acordo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, é apenas para reiterar as perguntas que formulei, mas a que o Sr. Secretário de Estado não respondeu.
A primeira era a de saber o porquê da repetição da figura da associação criminosa neste diploma.
Perguntei qual era a lógica de, de diploma em diploma, entramos num processo de repetição da figura da associação criminosa, mas o Sr. Secretário de Estado não respondeu.
Em segundo lugar, perguntei o seguinte: por que não a criação de um novo tipo legal de crime, que facilitaria a investigação criminal, no sentido de introduzir «cavalos de Tróia» informáticos nos sistemas informáticos, para facilitar a investigação criminal? Era só para registar que o Sr. Secretário de Estado não respondeu a qualquer destas perguntas.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Sr. Deputado, o Sr. Secretário de Estado também já não dispõe de tempo para responder. Talvez possa fazê-lo noutra altura, porventura na sequência dos trabalhos em sede de especialidade, se for caso disso.
Concluído o debate, conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 289/X (4.ª) e das propostas de resolução n.os 132 e 134/X (4.ª), vamos iniciar a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 762/X (4.ª) — Reforça a protecção social em situação de desemprego (PCP) e do projecto de resolução n.º 440/X (4.ª) — Recomenda ao Governo que altere as regras da atribuição do subsídio de desemprego, introduzindo uma maior justiça social em momento de crise (BE).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS, além de ser responsável, por via dos despedimentos que promove na Administração Pública e das suas erradas opções políticas, pela mais elevada taxa de desemprego desde o 25 de Abril de 1974, que, hoje, em sentido real, afecta mais de 600 000 trabalhadores, é também responsável pelo facto de cada vez mais trabalhadores, estando desempregados, não terem acesso ao subsídio de desemprego.
Na verdade, em 2006, o Governo PS alterou para pior a legislação do subsídio de desemprego. Hoje, as consequências são claras e evidentes: entre 2007 e 2009, o Governo retirou do Orçamento do Estado cerca de 400 milhões de euros a esta importante prestação social e hoje temos a inaceitável situação de mais de 300 000 trabalhadores desempregados não terem acesso ao subsídio de desemprego.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Face a esta ofensiva, que deixa estes trabalhadores mais fragilizados do ponto de vista social, mas também do ponto de vista negocial, uma vez que são obrigados a aceitar salários mais baixos, o PCP apresentou uma apreciação parlamentar, um projecto de lei e um projecto de resolução. A todas estas iniciativas legislativas o PS disse «não». Insensível, o PS assiste e não corrige esta injustiça!!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É um escândalo!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Por isso, o PCP apresenta, hoje, um novo projecto de lei. É a última oportunidade que o PCP dá ao PS para corrigir a injustiça na atribuição do subsídio de desemprego, a injustiça dos critérios de atribuição desta importantíssima prestação social.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É, pois, o momento para aprovarmos uma alteração legislativa que aumente o número de desempregados abrangidos pelo subsídio de desemprego.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O PS refugia-se nas alterações «cosméticas» (diga-se de passagem) ao subsídio social de desemprego, que, além de não se aplicar a um número significativo de pessoas, não resolve o problema de fundo.
Importa, sem prejuízo de uma revisão global do regime de protecção no desemprego, indexar as prestações do desemprego ao salário mínimo e não ao indexante dos apoios sociais; majorar a prestação do desemprego, se houver mais do que um desempregado na família; alterar a contagem dos prazos de garantia e reduzir o prazo de garantia, bem como aumentar o prazo de concessão do subsídio de desemprego.
Isto para que o PS tenha aqui uma oportunidade para resolver este problema, porque, se não, perde, de uma vez por todas, a possibilidade de corrigir esta injustiça.
Esta importante prestação social implica uma alteração de fundo e, se o PS não o fizer, fica definitivamente associado não só à mais elevada taxa de desemprego alguma vez verificada desde o 25 de Abril de 1974 como ao momento em que mais desempregados estão sem qualquer tipo de protecção face à eventualidade do desemprego, o que, nos dias de hoje, é absolutamente inaceitável e importa corrigir.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Nuno Teixeira de Melo): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz também aqui hoje uma iniciativa legislativa, a saber, um projecto de resolução, em que propõe a alteração às regras de atribuição do subsídio de desemprego.
Este Governo fica com a marca de uma governação altamente falhada no que aos desempregados diz respeito. E se, em 2004, 7% de desemprego era a marca de uma governação falhada — e era! —, hoje, estamos com uma taxa de desemprego que ultrapassa já os dois dígitos. E dizemo-lo com a convicção de que há muitos mais desempregados e desempregadas do que aqueles e aquelas que realmente constam das estatísticas.
O Governo e o Partido Socialista sabem bem isto! Os últimos dados do desemprego demonstram que é no segmento etário mais jovem que o desemprego mais sobe. O Bloco de Esquerda acha que quem ficou sem emprego não pode ficar sem protecção. E é esta falta de protecção que o Governo do Partido Socialista adquiriu como boa e da qual fez sua bandeira.

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São mais de 200 000 os desempregados e desempregadas que não têm acesso ao subsídio de desemprego, situação que decorre de uma medida tomada, em 2006, pelo Governo do Partido Socialista, em que dificultou o acesso a esta prestação social.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Bem lembrado!

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.as e Srs. Deputados, estamos a discutir, na especialidade, o código relativo ao regime de contribuições para a segurança social. Acontece que, quando discutimos, na especialidade, este código, verificámos as reais intenções do Governo do Partido Socialista no que à matéria de segurança social diz respeito. Se tomarmos, como exemplo, a taxa de desagregação das contribuições, verificaremos que, em 2009, essa desagregação contava no orçamento da segurança social, que são cerca de 13 000 milhões de euros, com uma percentagem de 5,22%. A proposta hoje em discussão, contida no artigo 51.º do Código Contributivo, prevê que essa verba seja de 5,14%, o que significa que muito rapidamente se irá esgotar a verba adstrita na segurança social ao subsídio de desemprego e que novas medidas virão por aí.
Por isso, o Bloco de Esquerda aconselha a que se alterem as regras, encurtando o prazo necessário para a concessão e alargando também o período dessa mesma concessão, para dar resposta, nomeadamente, aos jovens.

Aplausos do BE.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O desemprego é, hoje, o problema social mais grave do País, tal como já o era antes da crise financeira internacional.
Por mais argumentos que o Governo apresente, procurando imputar as culpas do desemprego a factores externos, os portugueses não se deixam iludir. Naturalmente que a crise acentuou os nossos problemas, mas as fragilidades já cá estavam, são da responsabilidade do Governo e este é, hoje, incapaz de lhe dar uma resposta adequada.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Arménio Santos (PSD): — Por mais medidas que o Governo anuncie, supostamente destinadas a apoiar o emprego e a combater o desemprego, o que as empresas, as famílias e os trabalhadores sentem é a ineficácia dessas medidas.
Por mais anúncios ridículos que o anterior ministro da Economia ou o actual façam, decretando o fim da crise, o que todos os dias acontece são dezenas e centenas de novos desempregados a engrossar as fileiras do desemprego, em Portugal.
Esta é a realidade concreta e traduz-se em cerca de 600 000 desempregados, um terço dos quais sem acesso ao subsídio de desemprego. Desemprego que atinge todos os escalões etários e todos os sectores sociais, assistindo-se à queda de muitas famílias da classe média na situação de pobreza e de insolvência.
Os jovens são o escalão mais desprotegido do apoio no desemprego, com todas as consequências que daí resultam para o seu futuro na sociedade e na família.
Perante estes factos altamente preocupantes, o Governo sente-se contente e feliz com as suas políticas.
Políticas do Governo que não respondem aos problemas dos desempregados, nem aos problemas da pobreza, da exclusão ou dos mais carenciados, à frente dos quais estão os mais idosos.
O PSD, atento a este realidade, apresentou, em Janeiro, um projecto de lei que visava alargar o prazo e o montante do subsídio de desemprego aos que se encontrassem nessa situação. Era uma medida excepcional, porque, perante situações excepcionais, impõem-se também respostas de emergência.
O Governo e о PS desdenharam da nossa iniciativa e «chumbaram -na», numa manifesta e inadmissível prova de arrogância e de insensibilidade social.

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Porém, para o PSD, o apoio social ao desemprego é essencial, mas não é a solução final para o problema.
Para o PSD, a questão central situa-se no funcionamento da economia real, no apoio efectivo às micro, pequenas e médias empresas, porque são elas que criam riqueza e geram emprego. Foi com este objectivo que também apresentámos um plano de apoio às pequenas e médias empresas, sustentado num conjunto de medidas concretas, coerentes e integradas, de aplicação directa e simplificada.
O Governo também ignorou essas propostas e nunca olhou as pequenas e médias empresas com o respeito que mereciam. Agora, a poucos meses de eleições, passou a falar das micro e das médias empresas, mas o resultado das suas medidas é o que se vê: um labirinto de burocracia e de nada.
O PSD não se resigna a esta situação e os portugueses também não. São possíveis novas políticas, capazes de devolver a esperança aos portugueses e de mobilizá-los para construir um futuro melhor.
E o combate ao desemprego, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será uma das nossas preocupações centrais, porque o futuro constrói-se com a economia a funcionar, com emprego e com a justa distribuição da riqueza em torno de políticas sociais avançadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos um problema muito grande em Portugal, de resto, várias vezes discutido, no decurso desta Legislatura, que tem a ver com o aumento exponencial do desemprego.
É triste verificá-lo e devemos apontar responsabilidades concretas a um Governo que, infelizmente, contribuiu também para o agravamento do desemprego e para a não criação de emprego, em Portugal, não coincidindo, de facto, com o discurso que o Governo tem relativamente a esta matéria e com os diversos anúncios que o Governo vai fazendo em relação a esta matéria. É porque quando o Governo mantém, nesta altura de crise, uma regra absurda na Administração Pública, no sentido de que «saem dois, entra um», ou seja, fechando a porta a empregos que, ainda por cima, são necessários no País, à entrada de jovens na Administração Pública, automaticamente está a remeter jovens para o desemprego; quando o Governo cortou no investimento público, cortou numa ajuda à criação de emprego, em Portugal e, designadamente, como alavanca do investimento privado; quando o Governo fez o que fez com a empresarialização do Arsenal do Alfeite, contribuiu para o desemprego em Portugal; quando o Governo contribuiu para não integrar os trabalhadores da Gestnave na Lisnave, contribuiu para a fragilização do emprego e para o desemprego em Portugal! E, portanto, há um sem número de casos, que poderíamos aqui focar, de opções tomadas por este Governo que generalizaram, ajudaram, infelizmente, ao fomento do desemprego no nosso País. Considero isto de tal maneira grave que tem de ser verdadeiramente denunciado! Mas, depois, temos outro problema: é que face ao crescimento do desemprego em Portugal e àquilo que se perspectiva, de resto, para os próximos tempos, de aumento do desemprego em Portugal, o que é que verificamos? O Governo alterou as regras do subsídio de desemprego em 2006, por forma a abranger menos pessoas nesta prestação social, mas, alteradas as condições da crise em que vivemos, uma brutal crise económica e social, o Governo não terá olhos para ver que não pode manter estes critérios, porque há um sem número de pessoas que estão sem apoio social?! O Governo não percebe que quase 50% dos desempregados estão sem apoio social? O subsídio de desemprego não se destina aos desempregados? Destina-se! Então, como é que quase 50% dos desempregados não tem subsídio de desemprego?! Como é que o Governo não é sensível a esta questão, que deixa muita gente sem qualquer perspectiva de apoio, numa fase bastante dura da sua vida, que é justamente a do desemprego com que, hoje, muitas famílias se confrontam — se no dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte, ainda conseguirão manter o seu emprego?! Ora, um Governo de tal forma insensível a esta questão é um Governo que não merece credibilidade em relação aos esforços que diz fazer para o combate ao desemprego e para o apoio aos desempregados. Eis

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senão quando o Governo, para disfarçar esta sua insensibilidade, cria o subsídio social de desemprego, que não é nada, que é uma migalha face ao apoio do subsídio de desemprego que o Governo tenta — até no seu discurso, se bem reparamos — fazer confundir com o subsídio de desemprego, para que toda a gente ande aí um bocado baralhada, para que se perceba que o Governo, afinal, dá o apoio social que não dá, porque retirou, com a alteração de regras do subsídio de desemprego! O que Os Verdes pedem, e sempre pediram, nos debates que se fizeram durante esta Legislatura, designadamente nos últimos tempos, nesta Casa, é que o Governo tenha a sensibilidade de olhar para os problemas reais do País, para os problemas concretos com que os portugueses se confrontam, de modo a poder dar-lhes resposta. O Governo que não invente um País que não existe, que olhe os verdadeiros problemas e lhes dê resposta! Para isso, nesta altura, é fundamental que o Governo deixe de parte a sua teimosia em relação ao subsídio de desemprego e que aproveite estas iniciativas legislativas para alterar as regras, de modo a que os desempregados possam ter acesso ao subsídio de desemprego, porque é a eles que este apoio social se destina.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mais uma vez a Câmara se reúne para discutir o que se passa hoje relativamente ao subsídio de desemprego.
Como já aqui hoje foi lembrado — e bem! —, em 2006, o Governo do Partido Socialista, através de decreto-lei, recusando até depois, no Parlamento, todas as alterações que a oposição sugeriu, impôs um conjunto de novas regras de subsídio de desemprego, tendo como finalidade um quadro nacional em que se dizia, no preâmbulo deste decreto-lei, que se esperava um aumento do emprego.
Todos estamos recordados do que eram aqueles anos em que o Partido Socialista, ainda nessa altura, prometia a criação de novos 150 000 postos de trabalho...! Sucede que, hoje, a situação é exactamente a contrária; hoje, estamos confrontados com um País onde existem mais de meio milhão de desempregados.
Hoje, estamos confrontados com um País onde cerca de 200 000 portugueses não auferem qualquer espécie de apoio ou de prestação social.
Hoje, estamos confrontados com um País onde só cerca de 300 000 portugueses têm alguma espécie de subsídio de apoio ao desemprego, sendo que uma grande parte desses já estão só a auferir o subsídio social de desemprego, que, como todos sabemos é de uma importância extremamente diminuta.
Perante este cenário de enorme dificuldade social, a Câmara já foi confrontada, várias vezes, com projectos e propostas de vários partidos da oposição, nomeadamente com projectos e propostas por parte do CDS, quer em sede de Orçamento do Estado quer em sede de iniciativas legislativas. Estes têm tido todos, sistematicamente, o mesmo destino, que é o «caixote do lixo da justiça social» do Partido Socialista, porque o Partido Socialista se tem recusado, de forma determinante, a mudar qualquer espécie de regra relativamente ao subsídio de desemprego.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Quando sabemos que existem, hoje, situações dramáticas no nosso País, famílias nas quais não existe um único posto de trabalho, olhamos para o Partido Socialista e vemos que o Partido Socialista nem sequer aceita mudar, por exemplo, uma regra, tal como o CDS já propôs.
Esta é uma regra no sentido de que, se, no mesmo agregado familiar, pai e mãe, marido e mulher, estiverem os dois ao mesmo tempo a auferir subsídio de desemprego, se permita que, de alguma forma, se possa majorar este mesmo subsídio de desemprego, dando uma resposta acrescida em tempos de crise, a quem está com enormes carências e dificuldades sociais.

O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O Partido Socialista tem sido completamente insensível a estas respostas, tal como tem sido completamente insensível ao facto de muitos jovens, que trabalharam durante

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mais de um ano, no início das suas carreiras profissionais e se vêem confrontados, face à crise, com o cenário do desemprego, não poderem auferir qualquer espécie de prestação social em sede de apoio à sua situação de desempregados. Por isso mesmo, também é urgente que esta regra seja alterada.
O Partido Socialista vai ficar, de facto, com esta marca e é com ela que vai ser confrontado em próximas eleições, como, aliás, já sucedeu nas últimas.
O Partido Socialista, nesta Câmara, pode não perceber, mas quem está lá fora, os portugueses que olham para nós percebem muito bem de que é que o CDS e muitos outros partidos estão neste momento a falar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Laranjeiro.

O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer ao PCP e ao Bloco de Esquerda a oportunidade que nos deram de debatermos estas matérias, primeiro, pela sua importância e, depois, pela possibilidade que temos de explicar a questão do desemprego e do subsídio de desemprego.
O desemprego é, certamente, a questão social mais difícil e mais grave com que Portugal e os portugueses se confrontam e atinge milhares de famílias. Porém, Portugal não está imune ao crescimento do desemprego, estamos a meio da maior crise de que há memória na História dos últimos 80 anos. E se algum dos Srs. Deputados conhece algum país onde o desemprego não esteja a subir mas, antes, a diminuir, diga-o aqui, porque este é o local certo.
Os Srs. Deputados falaram das alterações à protecção no desemprego, que foram promovidas em 2006.
Vamos a isto! Tratou-se de um trabalho de concertação e diálogo social. Aliás, a maior oposição às alterações não veio do lado dos sindicatos mas das confederações patronais. A própria CGTP considerou muito adequadas muitas das matçrias que foram apresentadas e aprovadas pelo Executivo,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essa declaração vaga é para não se perceber nada!

O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — » consistindo em mais exigência para o serviço põblico de emprego, maior proximidade com os desempregados, com planos pessoais de emprego e formação profissional, mais exigência e eficácia para o modelo. Isto sucedeu em 2006! Em 2008, como todos sabemos, fomos atingidos por uma crise internacional, o que justificou mais apoios e reforço das ajudas aos desempregados. Foi neste sentido que foram promovidas alterações, com especial atenção em relação aos mais desfavorecidos: o prolongamento por seis meses do subsídio social de desemprego naquelas situações em que o subsídio social de desemprego termina durante o ano de 2009 e, ainda mais recentemente, o apoio aos desempregados mais carenciados, através do aumento das condições de recurso, de 80% para 110% do indexante de apoios sociais, abrangendo, assim, milhares e milhares de cidadãos nacionais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O subsídio de desemprego é, de facto, um direito de todos os trabalhadores que descontam para o sistema de segurança social.
Mas também importa dizer que Portugal, em termos internacionais, está entre os países com maior cobertura da taxa de substituição e também dos prazos de atribuição do subsídio de desemprego.
A nossa preocupação deve ser sempre reforçada relativamente a esta matéria, nomeadamente no que diz respeito aos mais carenciados. É isto que tem sido feito! Apoio ao desemprego e aos desempregados?! Obviamente que sim! É claro! E vamos continuar a aprofundar estas matérias! Mas a nossa política também é a de favorecer a manutenção do emprego, o regresso ao mercado de trabalho. E, por isso, aprovámos aqui, com os votos contra de toda a oposição, uma iniciativa para o investimento e o emprego. Toda a oposição votou contra! São 2200 milhões de euros para investimento que cria emprego! Reduzimos a taxa social única para manter o emprego! Neste momento, há 68 000 micro e pequenas empresas, que abrangem 180 000 trabalhadores, que já têm uma redução de 3% na taxa social única. A oposição votou contra!

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Creio que a matéria do desemprego não deve servir como simples arma de arremesso político, porque, certamente, a todos nós os desempregados merecem o maior respeito. Mas prometer tudo a todos e a todo tempo não é a nossa política. Isto tem um nome: é demagogia! Os portugueses saberão avaliar quem sempre escolhe o caminho mais fácil, mas não o caminho mais sério!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fica claro, com esta intervenção do Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, que o Partido Socialista rejeita liminarmente discutir propostas alternativas que visem reforçar a protecção dos trabalhadores desempregados.
O PS, hoje, é o responsável pelo aumento de trabalhadores sem qualquer protecção no desemprego. E, Sr. Deputado Miguel Laranjeiro, por muitas voltas que tente dar, não há-de conseguir inverter os dados e os factos.
Actualmente, mais de 300 000 trabalhadores não têm subsídio de desemprego, situação que se agravou desde a última alteração legislativa promovida pelo Partido Socialista. As alterações ao subsídio social de desemprego são mera cosmética que não resolve o problema.
Por isso, o PS perde aqui a última oportunidade que tinha para resolver esta injustiça social, perde aqui uma oportunidade fulcral para alterar a legislação. O PS, que, em tempo record, alterou a legislação para salvar e injectar milhões e milhões de euros na banca, não é capaz de aproveitar esta oportunidade para resolver o problema do subsídio de desemprego e corrigir as injustiças que se verificam.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É bem demonstrativo da realidade, das propostas, da acção concreta do Partido Socialista: uma política anti-social que coloca os trabalhadores cada vez mais fragilizados tanto do ponto de vista social como do ponto de vista negocial. E o PS e o PSD estão de acordo em relação a esta matéria: quanto menos subsídio de desemprego houver, mais fácil é baixar os salários dos trabalhadores, mais fácil é aumentar a sua exploração.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É por causa disso que o PSD ora vota contra, ora se abstém em relação aos projectos do PCP.
Fica, pois, aqui, bem claro o que o «bloco central» considera dever ser a protecção no desemprego.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo dos últimos dois anos, esta deve ser, talvez, a décima vez que discutimos o regime do subsídio de desemprego, por variadíssimas iniciativas de todos os partidos da oposição, Sr. Deputado Miguel Laranjeiro.
E há uma coisa que o Partido Socialista nunca consegue explicar: por que é que mudou a lei, por que é que mudou o regime do subsídio de desemprego e diminuiu o universo dos desempregados que estão abrangidos.

Vozes do BE: — Ora aí está!

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — É escusado falar-nos do subsídio social de desemprego, falar-nos de n coisas, porque do que nunca fala é da única coisa concreta que fez: mudou o regime e diminuiu o número de desempregados abrangidos. Já era altura de o Partido Socialista chegar aqui e assumi-lo!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Claro!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não deviam vir aqui fazer comparações internacionais — aliás, já foram perdendo a convicção nisso — ou falar de acordos sociais e de outras coisas. Não! O Partido Socialista tem de assumir que a lei que fez prejudicou os desempregados. É tão-somente isto! Por obstinação política do Partido Socialista, vamos chegar ao fim da Legislatura sem ter ouvido uma autocrítica, sem ter ouvido a confissão do erro.

Aplausos do BE.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos à apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 495/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a conclusão da classificação do Cavalete do Poço de S. Vicente e de todo o couto mineiro de S. Pedro da Cova, o desenvolvimento de um projecto de musealização da actividade mineira e a resolução do passivo ambiental de minas (PS) e 526/X (4.ª) — Recomenda ao Governo a urgente conclusão do processo de classificação do Cavalete do Poço de São Vicente e de todo o couto mineiro de São Pedro da Cova e adopte medidas para a sua urgente recuperação (PCP) e, na generalidade, do projecto de lei n.º 874/X (4.ª) — Cria o Museu Mineiro de São Pedro da Cova (PCP).
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Santos.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Breves notas sobre as três iniciativas em discussão.
O Cavalete de São Vicente das minas de São Pedro da Cova constitui uma estrutura única e notável no panorama da arqueologia industrial e uma marca da actividade mineira que, durante mais de 170 anos, foi exercida naquela vila. Trata-se de um elemento simbólico que marca, hoje, a paisagem urbana daquela zona e também a paisagem humana, porque dele se fez símbolo da memória dos milhares de homens e mulheres que, durante séculos, exerceram a sua actividade em condições perfeitamente desumanas.
Sucede que esta estrutura, tal como tudo o que resta do couto mineiro, está em crescente estado de degradação, apesar de, em 1996, ter sido dado despacho ao processo de início de classificação desta estrutura pelo IPPAR. Mas, até hoje, esse processo não foi concluído.
O projecto de resolução do PS surge em resposta a um movimento amplo de cidadãos que se uniu em defesa desta estrutura.
Assim, entendemos que este Cavalete, mesmo sendo revitalizado, não resistiria, por si só, se não houvesse um projecto integrado de desenvolvimento, do qual ele fosse uma alavanca. Por isso, a proposta do PS passa não só pela classificação e reabilitação do Cavalete de São Vicente das minas de São Pedro da Cova mas também aponta no sentido do desenvolvimento de um projecto para a musealização da actividade mineira, encontrando-se as necessárias parcerias para a sua prossecução.
Para além disso, propomos também que sejam tomadas urgentes medidas no sentido da resolução do passivo ambiental que resta desta actividade. Não podemos esquecer que as escorrências das minas continuam a contaminar o lençol freático e que a conversão das escombreiras a céu aberto continua a contaminar o ar com efeitos nocivos para esta população.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Bem-vinda, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Bem-vindo, Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Já cá estou há muito tempo, Sr.ª Deputada!

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A Sr.ª Isabel Santos (PS): — O Sr. Deputado, ao longo do tempo, foi apresentando algumas propostas em sede de PIDDAC, esquecendo-se que havia uma lei de bases do património»

Vozes do PCP: — Oh!»

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — » que era necessário ter em conta para a reabilitação desta estrutura e para a sua classificação! O senhor, mais uma vez, embarca em pura demagogia,»

Vozes do PCP: — Mõsica!»

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — » trazendo aqui um projecto de lei para a criação de um museu começando o projecto pelo telhado! Porque o senhor não tem um projecto para a criação de um museu, não sabe como vai fazer e, então, vem aqui com uma proposta de lei de duvidosa constitucionalidade, pois mexe na estrutura orgânica e nos recursos do ministério sem ser da sua competência proceder desta forma! Além do mais, o Sr. Deputado Honório Novo apresenta também um projecto de resolução que vai um pouco a reboque do projecto de resolução aqui apresentado pelo PS, apontando na mesma direcção. Gostaria muito de acompanhá-lo não fossem os processos de intenções que são levantados quanto à intenção do PS em relação á sua proposta de resolução » O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — » e que, mais uma vez, dentro da lógica de actuação do PCP, acabam por nos afastar em relação a esse projecto! É que o couto mineiro, ao contrário daquilo que tem feito o PCP ao longo de décadas, não é uma coutada do PCP. E sobre esta matéria o Sr. Deputado não dá lições ao PS e muito menos a mim!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Isabel Santos está chateada com o PCP, mas, Sr.ª Deputada, não é com o PCP que deve estar chateada; olhe para a sua bancada, olhe para o seu Governo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Também acho!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Deputada, o PCP apresentou um projecto de lei propondo a criação de um museu mineiro em S. Pedro da Cova em 1984.

Vozes do PCP: — Está a ouvir? Veja lá!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Hoje, reapresentámos um projecto de lei nesse sentido e vai ser obrigada a votá-lo.

Vozes do PS: — Oh!»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E não invente desculpas de inconstitucionalidade onde elas não existem, porque há vários projectos de lei que criam museus que não interferem em absolutamente nada. Portanto, a Sr.ª Deputada vai ter que votar o projecto e veremos qual vai ser o seu sentido de voto relativamente ao mesmo.

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Vozes do PS: — Oh!»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Apresentámos também um projecto de resolução. Porquê? Porque temos acompanhado a questão de S. Pedro da Cova e do Cavalete do Poço de S. Vicente com muita preocupação.
Fizemos várias perguntas, dirigidas a diferentes ministérios, exigindo a sua classificação e apresentámos aqui um projecto de resolução, porque sabemos quanto ele é importante para a população, para os exmineiros que trabalharam em S. Pedro da Cova e porque conhecemos a exploração a que foram sujeitos. Sr.ª Deputada, não nos tire o mérito dessa luta.
Relativamente à acusação de demagogia, tenho a dizer-lhe que o PCP apresentou uma proposta perfeitamente concretizável em sede de Orçamento do Estado. Era a seguinte: «classificação e recuperação do Cavalete do Poço de S. Vicente». Qual foi sentido de voto do PS quanto a essa proposta? Em 2006, contra! Em 2007, contra! Em 2008, contra!

Protestos da Deputada do PS Isabel Santos.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Como é que é possível?

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Em 2009 — há pouco tempo atrás — qual foi o sentido de voto do Partido Socialista relativamente a essa proposta? Contra! E não se encontra presente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Uma vergonha!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — » que ç candidato á Assembleia Municipal de Gondomar, que tambçm teria que explicar por que é que o seu Governo nunca aprovou, em sede de Orçamento do Estado, as propostas de alteração que visam precisamente a recuperação do Poço.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Vêm agora a correr!

Protestos da Deputada do PS Isabel Santos. O Sr. Jorge Machado (PCP): — Aliás, queria saudar a população de S. Pedro da Cova, aqui presente,»

Vozes do PSD: — Ah!»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Eles bem sabem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — » e deixar bem claro que só por demagogia se pode apresentar um projecto de resolução nesta altura do «campeonato», com fins claramente eleitorais, para as eleições autárquicas e não para resolver o problema.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mais: a culpa de o problema não estar resolvido hoje reside única exclusivamente na bancada do Partido Socialista, que nunca votou a favor das propostas do PCP quando poderia tê-lo feito, assim resolvendo o problema.
É falta de honestidade política trazer este tema desta forma, acusar o PCP desta forma, quando foi o Partido Socialista que não resolveu o problema, porque não quis fazê-lo. E, agora, apresenta este projecto de resolução para fins meramente eleitorais, para a campanha autárquica da Sr.ª Deputada, quando durante este tempo todo nunca resolveu o problema e deveria tê-lo feito.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Feliciano Barreiras Duarte.

O Sr. Feliciano Barreiras Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As iniciativas legislativas aqui em discussão têm um denominador comum — a defesa e a valorização do Cavalete do Poço de S. Vicente e de todo o couto mineiro de S. Pedro da Cova e ainda a promoção e o desenvolvimento de um projecto de musealização da actividade mineira, bem como a procura da resolução do passivo ambiental das minas.
São três iniciativas que, no seu conjunto, têm o mesmo objectivo: a recuperação, a classificação e a valorização do património cultural e ambiental que se encontra em estado de degradação. Trata-se de património situado numa das freguesias mais emblemáticas do concelho de Gondomar, situado no distrito do Porto, património esse com relevância histórica, económica e social para a vida daquelas comunidades e com importância e peso na formação dos seus sentimentos identitários.
Aliás, é digno de registo e que se enfatize que o município de Gondomar, já há alguns anos a esta parte, promoveu várias diligências, sobretudo junto do Instituto Português do Património Arquitectónica (IPPAR), para que se procedesse à recuperação e classificação destes bens culturais. É que o Cavalete do Poço de S.
Vicente das minas de S. Pedro da Cova é um dos exemplos de um elemento edificado com melhor relevância na memória histórica da actividade mineira desenvolvida durante cerca de 170 anos, tendo desempenhado até 1972, data do seu encerramento, um papel catalisador da criação de emprego e de riqueza na região.
A mina de S. Pedro da Cova, descoberta no último quartel do século XVII, está integrada na bacia carbonífera do Douro e associada à sua própria laboração está muita da memória histórica e da identidade de S. Pedro da Cova.
É por tudo isto que ter em conta as pretensões das iniciativas legislativas aqui em discussão é promover não só a valorização cultural e ambiental como também contribuir para a preservação de parte relevante da memória histórica daquelas comunidades.
O PSD entende dar o seu apoio a estas iniciativas pelos fundamentos referidos anteriormente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Santos para interpelar a Mesa.
Como é membro da Mesa, tem deveres especiais em relação às interpelações.

A Sr.ª Isabel Santos (PS): — Sr. Presidente, cumprirei rigorosamente esses deveres especiais.
Pretendo apenas pedir à Mesa que proceda à distribuição da lei de bases do património ao Partido Comunista Português, para que de uma vez por todas entenda que não é através de introdução em PIDDAC de uma verba para a reabilitação que se pode fazer a intervenção que é necessária numa estrutura que ainda hoje é propriedade privada.

Aplausos do PS.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Desculpas de mau pagador!

O Sr. Presidente: — Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, exactamente nos mesmo termos, solicito à Mesa que faça distribuir a toda a Càmara, com particular carinho á Sr.ª Deputada Isabel Santos,»

Vozes: — Ah!»

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — » as propostas de 2006, de 2007, de 2008 e de 2009, para que a Sr.ª Deputada possa distribuí-las à população de S. Pedro da Cova com um rótulozinho, dizendo «voto contra do Partido Socialista» O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é que era!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — » a uma proposta do Orçamento do Estado que poderia e deveria ter resolvido o problema do Cavalete do Poço de S. Vicente em S. Pedro da Cova».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Alda Macedo.

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permita-me que comece por dirigir um cumprimento, em nome do Bloco de Esquerda, aos cidadãos de S. Pedro da Cova que se dirigiram hoje à Assembleia da República e que têm aqui um momento que é particularmente exemplificativo de que este ano é um ano cheio.
Na verdade, este ano cheio de momentos eleitorais dá lugar a pequenas disputas desta natureza e vale a pena reequacionar e recolocar as coisas na justa dimensão que elas merecem, porque Gondomar foi, ou tem sido, durante anos, um concelho vítima de abandono, vítima do maior desleixo! É com atraso que o Partido Socialista chega a uma área onde já devia ter chegado há mais tempo,»

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Oh!»

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — » mas ainda bem que chega! As iniciativas legislativas que hoje aqui discutimos — dois projectos de resolução e um projecto de lei — dão corpo a uma necessidade que é absolutamente central para o concelho de Gondomar, em particular para uma população que vive e conhece a sua história.
Estamos a falar de um património arqueológico absolutamente notável, que está desaproveitado e que foi completamente votado ao abandono ao longo de sucessivos anos e que já devia ter merecido uma intervenção.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Fomos nós que o trouxemos aqui agora!

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Ao contrário do que disse a Deputada Isabel Santos, esta intervenção não se justifica apenas porque se acumulou ali um passivo ambiental que é urgente resolver, mas também, e sobretudo, porque este património arqueológico se prende com a nossa história colectiva de construção de identidade em relação a um passado, a uma vida, a um momento do que foi o desenvolvimento da industrialização, através da exploração dos recursos que havia naquele território e que o deixou ligado a tudo o que resta ou sobra dos equipamentos que existiram.
Esse património é também uma memória do que foram as grandes lutas operárias do século XX. Foram lutas operárias essenciais, porque fizeram prevalecer o que o capitalismo, nos anos mais recentes, tem tentado desvalorizar: o valor intrínseco do trabalho para a criação da riqueza.

O Sr. Renato Sampaio (PS): — Exactamente!

A Sr.ª Alda Macedo (BE): — É esse valor intrínseco do trabalho para a criação da riqueza que está bem patente neste património, que deve e merece fazer parte da recuperação desta memória, porque ela valoriza o papel do trabalho e, sobretudo, porque é uma lição de como se conquistaram direitos de protecção face ao desemprego, direitos de protecção face ao desvalor e ao acidente de percurso social.
Essa história merece ser preservada, mantida e alimentada, porque ela faz parte da nossa evolução. Mas ninguém é dono dela, Sr. Deputada Isabel Santos, ninguém é proprietário do que é a memória da história do

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movimento operário do século XX. E, para as gerações vindouras, vale a pena construir este processo e deixar este património bem tratado, bem acarinhado.
O Bloco de Esquerda votará a favor das três iniciativas legislativas, apesar das dúvidas que temos em relação ao projecto de lei, do ponto de vista do seu enquadramento jurídico. Todavia, ele representa uma vontade em relação a um equipamento cuja construção já devia ter sido iniciada.
É pena que se comece tarde a fazer maioria de vontade para este fim. É pena, mas ainda bem que se faz: antes tarde do que nunca!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por saudar as pessoas que aqui se deslocaram, vindas de São Pedro da Cova, para assistirem ao debate destas iniciativas.
Entendo também que saber honrar a nossa história, saber preservar o nosso património e a nossa memória é a melhor forma — senão a única forma — de uma sociedade viver o presente e preparar o seu futuro.
Os projectos em causa (que não devem ser explorados do ponto de vista partidário) visam, em primeiro lugar, preservar a nossa história, a história da actividade mineira; em segundo lugar, preservar o edificado como um grande valor cultural do ponto de vista da arquitectura industrial; e, em terceiro lugar, preservar o nosso meio ambiental.
É nestes três vectores que o CDS se revê nas propostas que aqui foram apresentadas. Evidentemente, não estamos de acordo com todos os aspectos nem com todas as minúcias, mas concordamos com estes três eixos que, como sociedade, importa preservar urgentemente.
Já aqui foi referida a importância do Cavalete do Poço de São Vicente como memória histórica do que foi a actividade mineira durante 170 anos, da energia que foi produzida durante tanto tempo, quer para o consumo doméstico quer para o consumo industrial, e que mais tarde fez circular a rede de eléctricos do Porto.
Também já aqui se falou da importância da arquitectura industrial que constituía a relevância deste monumento. Mas, à semelhança do que acontece com tanto património, até com aquele que foi classificado como património universal pela UNESCO, este encontra-se num estado de grande degradação e de inaceitável abandono. Esta é uma situação que importa inverter urgentemente, a história esquecida — como é dito — da ruína das minas.
A classificação do imóvel impõe-se com grande urgência, tendo já sido reclamada pela câmara municipal num processo que está a demorar, convenhamos, para além do que é aceitável, pondo claramente em risco a preservação deste monumento. É uma demora com a qual não podemos pactuar e que impõe o desenvolvimento de um projecto mais consistente para a musealização da actividade mineira, para além da preservação do património.
Por último, importa referir o aspecto ambiental. Não podemos deixar como herança às gerações vindouras todo o passivo que foi deixado por esta actividade extractiva, que está a penalizar não só a população de São Pedro da Cova como também de toda a região e, inclusive, de todo o País.
Quer para a população actual quer para as gerações vindouras, temos a estrita obrigação de resolver este problema ambiental antes que se torne num verdadeiro atentado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na discussão dos projectos de resolução n.os 495/X (PS) e 526/X (PCP) e do projecto de lei n.º 874/X (PCP), o Partido Ecologista «Os Verdes» gostaria de começar por observar que as três iniciativas vão no mesmo sentido e têm por objectivo a classificação do Cavalete do Poço de São Vicente e do couto mineiro de São Pedro da Cova e o desenvolvimento de um museu para aquela zona, que valorize o património ali existente.

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Estes objectivos, como é óbvio, são acompanhados pelo Partido Ecologista «Os Verdes».
Saudamos as iniciativas, saudamos a população e as associações aqui presentes, entre as quais o Movimento Cívico de Defesa do Património Histórico-Cultural de São Pedro da Cova, e saudamos, essencialmente, a intenção de recuperar aquele espaço, aquele património e o facto de se estar aqui a assumir algo que deve ser um princípio fundamental da parte do Estado, que é este: retirou-se um benefício económico público para todo o País com a exploração daquelas minas, onde existe hoje um passivo ambiental, tendo o Estado a obrigação de corrigir esse passivo ambiental e de devolver as oportunidades de desenvolvimento àquelas populações e àquela zona.
As iniciativas do Partido Comunista Português são coerentes com o trabalho que fez desde 1984, data em que propôs, pela primeira vez, a musealização daquela zona, e são coerentes com as várias propostas que tem apresentado ao longo dos anos, até mesmo nesta Legislatura, através de uma proposta, em sede de Orçamento do Estado, para recuperar aquele espaço.
Já quanto ao Partido Socialista — temos de o dizer —, não se percebe qual é a sua coerência.

Protestos do Deputado do PS Renato Sampaio.

Ora o Partido Socialista chumba as propostas para recuperar aquele espaço, ora o Partido Socialista, que está no Governo e que tem responsabilidades de tutela sobre o IGESPAR, não é capaz de explicar por que razão a classificação não chega ao fim e vem aqui, extraordinariamente, recomendar ao Governo (que é do Partido Socialista!) que conclua o processo de classificação que está pendente há não sei quantos anos! A Sr.ª Deputada Isabel Santos deveria explicar por que é que esse processo ainda não chegou ao fim!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Deveria explicar por que é que, tendo o PS a maioria absoluta, «a faca e o queijo na mão«,»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — » não usa esses recursos para ajudar aquela zona, para recuperar aquele património e tornar o que é hoje um passivo ambiental e um travão do desenvolvimento e da qualidade de vida num activo de desenvolvimento para aquelas populações.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — O Partido Socialista tem, pois, esse ónus e não é com esta iniciativa de última hora que o vai resolver.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, terminada a apreciação conjunta dos projectos de resolução n.os 495/X (4.ª) e 526/X (4.ª) e do projecto de lei n.º 874/X (4.ª), passamos à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 276/X (4.ª) — Autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Carlos Lobo): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei de autorização legislativa que agora se apresenta à Assembleia da República visa alterar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, bem como o Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, que o aprovou, com o objectivo de adequar aquele instrumento às novas realidades inerentes à evolução da profissão, nomeadamente as relacionadas com a entrada em vigor do novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

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Este é o quarto pilar de uma verdadeira revolução operada por este Governo ao nível da contabilidade.
O primeiro pilar traduziu-se na adopção do novo SNC, que tornará compatível a contabilidade nacional com a contabilidade internacional, concretizando a reforma mais profunda de sempre a este nível.
O segundo pilar traduziu-se na adaptação de todo o sistema fiscal nacional às novas normas internacionais de contabilidade.
O terceiro pilar consistiu na renovação total da Comissão de Normalização Contabilística, reforçando a componente de auto-regulação do sector e o papel das instituições reguladoras e supervisoras na senda das recomendações do G20.
A transformação da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas é, assim, o quarto pilar desta verdadeira revolução contabilística que foi operada neste mês.
As alterações que se propõem são o resultado da experiência colhida nos 10 anos de aplicação do Estatuto — de 1999 a 2009 —, bem como de novas realidades subjacentes ao exercício da actividade dos técnicos oficiais de contas.
A universalidade da intervenção da profissão, bem como a complexidade das matérias que lhe são inerentes, a sua importância na economia nacional e a alteração radical que o ordenamento sofrerá a partir de 2010 implicará um upgrade da profissão de Técnico Oficial de Contas, que o Estado tem a obrigação de reconhecer.
Acresce a isto a introdução de um Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas. O aumento das funções implica um aumento da responsabilidade.
Com esta proposta, pretende-se um reconhecimento elevado da profissão e um aumento da responsabilização dos técnicos oficiais de contas, não só tendo presente o recente quadro legal de responsabilidade actual, como também a dignificação do processo de acolhimento das normas internacionais de contabilidade, que implicam a participação activa de todos os operadores económicos.
Em todo o caso, o Governo encontra-se aberto a acolher propostas de alteração em sede de Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mais à frente farei uma intervenção sobre a importância das ordens profissionais, designadamente desta, mas, para já, gostava de lhe colocar uma questão que se prende com o seguinte: existe um problema técnico com esta proposta de lei. Trata-se de uma proposta de autorização legislativa e, como é normal na Assembleia, os pedidos de autorização legislativa são votados ao mesmo tempo na generalidade, na especialidade e em votação final global.
Ora, sucede que hoje fomos confrontados publicamente com declarações, até de V. Ex.ª, no sentido de que o Governo quer alterar um dos pontos que está nesta proposta de lei, que é, sem sombra de dúvida, um ponto polémico, que tem a ver com o facto de se obrigar as empresas de contabilidade a pertencerem a contabilistas.
Este ponto gerou muita polémica, até nos trabalhos que já têm sido realizados, e achei curioso que o Sr.
Secretário de Estado não tenha dito nada sobre isso, que tenha omitido completamente o facto de o Governo querer alterar esse ponto, que é um ponto muito substantivo nesta autorização legislativa, onde, aliás, há uma falha, porque não se prevê isso claramente, embora conste do decreto-lei autorizado.
Por isso mesmo, Sr. Secretário de Estado, é fundamental que saibamos o que é que o Governo quer fazer sobre esta matéria. O que o Parlamento não pode fazer, certamente, é dar um «cheque em branco» ao Governo, para este, depois, dizer que quer fazer alterações, quando, ainda por cima, nem sequer tem poder legislativo para o fazer, o que geraria uma inconstitucionalidade, coisa que o Governo tem feito muitas vezes.
Portanto, gostava que o Sr. Secretário de Estado nos prestasse aqui um esclarecimento claro sobre o que ç que tenciona fazer»

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Não tenciona fazer nada!

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » e como ç que o tenciona fazer.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, relativamente à questão suscitada, devo dizer que, no âmbito da proposta de lei de autorização legislativa, o Governo optou por solicitar uma autorização ampla a esse respeito, ou seja, pediu o mais. Entretanto, com o evoluir da questão, chegámos à conclusão de que aquilo que foi solicitado — o mais — não seria o âmbito da concretização dessa autorização, por isso optámos por uma situação de menos, que está claramente no âmbito da autorização legislativa suscitada.
O que o Governo fez foi demonstrar a sua vontade de, no projecto de decreto-lei autorizado, que vai acoplado à proposta da lei, por questões regimentais, dar um sinal de que, em relação a essa questão das sociedades de contabilistas, pretende optar por não exigir que a propriedade pertença a técnicos oficiais de contas, mas exigir unicamente a nomeação de um responsável técnico.
O que nos interessa a esse respeito é garantir que existe responsabilidade disciplinar e não efectuar qualquer protecção do mercado.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, a proposta de lei n.º 276/X (4.ª), com o objectivo de alterar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, está uma grande trapalhada. Para além das opções políticas que são feitas nesta proposta de lei, sobre as quais poderei adiantar alguma coisa dentro do breve tempo de que disponho, há muita incompetência, Sr. Secretário de Estado, na forma como ela é apresentada.

O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Pois é!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Aliás, nem sei como é que os Deputados do Partido Socialista se deixaram envolver nesta embrulhada. Até admito que muitos deles também não saibam como isso aconteceu.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Nem perceberam!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Gostava de dar conhecimento público a todos os Srs. Deputados de que, na passada terça-feira, foi aprovado na Comissão de Trabalho e Segurança Social um parecer acerca desta proposta de lei, cuja conclusão, que também foi aprovada, diz o seguinte: «A proposta de lei foi apresentada sem respeitar a legislação relativa a associações públicas profissionais — a Lei n.º 6/2008 —, pelo que não se encontra em condições para subir a Plenário para discussão e votação, até porque levanta legítimas dúvidas relativamente à sua conformidade constitucional e bem assim com a legislação comunitária». Isto foi aprovado na Comissão de Trabalho! De facto, Sr. Secretário de Estado, julgo que há aqui muita incompetência à mistura, porque existe uma série de ilegalidades e de inconstitucionalidades nesta proposta de lei.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Pois é!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Percebo agora que o Governo ou, eventualmente, o Partido Socialista se tenha apercebido, nas últimas duas semanas, do que verdadeiramente estava aqui em causa, através das inúmeras solicitações que foram feitas aos Deputados, aos grupos parlamentares e à própria Comissão criticando as diversas soluções que aqui são apontadas, nomeadamente aquela que já foi referida, da qual não percebo qual é o fundamento ou o objectivo e o que é que vai trazer de bom para o País o facto de se obrigar as sociedades por quotas a serem detidas na totalidade por técnicos oficiais de contas e a sua gerência a ser exercida em exclusivo também por técnicos oficiais de contas.

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Pergunto-me o que é que se vai passar com as sociedades existentes que prestam um serviço mais abrangente aos profissionais e às empresas, através de advogados, de economistas e de técnicos oficiais de contas. O que é que esta ingerência na liberdade contratual irá provocar? Que eles tenham de vender as suas quotas compulsivamente? É evidente que não. Isso não faz qualquer sentido.
Tudo isto foi mal feito, foi feito em «cima do joelho». E foi apresentado à última da hora não sei para cumprir que tipo de objectivos, ou para agradar a que tipo de públicos. Tem, claramente, um objectivo eleitoralista. Só se pode entender assim, pelo facto de ter sido apresentado agora, «em cima do joelho» e à última da hora.
Sinceramente, não sei como é que o Partido Socialista, o Sr. Secretário de Estado e o Governo vão conseguir «descalçar esta bota», porque, de facto, criaram aqui uma situação bastante constrangedora.
E, para além do processo que foi seguido, a maior parte das opções que são tomadas na proposta de lei não têm cabimento. A criação da Ordem, com o bastonário, com as secções regionais, será, eventualmente, uma forma, mas isto tem de ser tudo pensado, não pode ser feito assim. Por outro lado, há também necessidade de garantir a fiscalização do Tribunal de Contas, a existência de relatórios anuais, a própria eleição dos órgãos»

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Há muita, muita, leviandade nesta proposta de lei e está claro de perceber o que é que vai acontecer com ela e qual vai ser o apoio que o Partido Socialista lhe vai dar até ao fim.
Naturalmente que vamos estar atentos, mas está claro de ver o que é que vai acontecer. E tudo seria evitável, Sr. Secretário de Estado, com um bocadinho mais de parcimónia e de dedicação ao estudo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Confesso que pensei, até há momentos atrás, que o Sr. Secretário de Estado vinha aqui hoje comunicar à Câmara que, por iniciativa do Governo, ia ser retirada a presente proposta de lei. Às vezes, ainda consigo ter a alma cristã de acreditar e de dar o benefício da dúvida ao Governo. Pode parecer espantoso, mas às vezes ainda consigo fazer esse esforço.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, existe um parecer que diz que esta proposta de lei não se encontra em condições de subir a Plenário para discussão e votação.
Já sei que há um requerimento no sentido de esta proposta baixar à especialidade sem votação, só que nós não estamos a votar, estamos a discutir! E como é possível estarmos aqui a discutir um tema que é objecto de um parecer aprovado, sem oposição, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública?!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É extraordinário!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Como é possível?! Tenho 10 anos desta Casa e não me lembro de ver um parecer de uma comissão com esta clareza ser completamente desprezado como o é por esta maioria absoluta.

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — É verdade!

O Sr. Honório Novo (PCP): — De facto, a maioria absoluta serve para quê? Para funcionar como rolo compressor dos direitos dos trabalhadores mas também da própria lei, se for o caso, como é, de facto.
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, temos, naturalmente, de reafirmar, para além destas questões, que esta proposta de lei tem de respeitar os procedimentos determinados na lei e tem, sobretudo, de respeitar a Constituição. E a verdade, Sr. Secretário de Estado, é que qualquer votação final que os senhores venham a

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impor desta autorização legislativa tem de ser precedida da sua correcção aqui e agora, e não mais tarde, no seu gabinete. É aqui, e não no seu gabinete, que têm de ser corrigidas as claras insuficiências constitucionais que reconhecidamente vários pareceres apontam a esta proposta de autorização.
Não é possível que as sociedades constituídas sejam obrigadas a sujeitar-se a novos regimes, que não podem nem devem ter carácter retroactivo. Não é possível, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Já referi isso! Não ouvem o que digo?

O Sr. Honório Novo (PCP): — Olhe a substância da inconstitucionalidade! Não é possível aceitar que, havendo múltiplos pareceres apontado a inconstitucionalidade, a sua correcção possa ser remetida para fora desta Assembleia. As inconstitucionalidades têm de ser aqui corrigidas.
Esperamos que o sejam, vamos ver em que sentido.
Uma palavra sobre uma outra questão que se prende com esta proposta de lei.
Transformar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em ordem não nos oferece objecção relevante, superadas que sejam as questões levantadas por pareceres que têm sido formulados sobre a temática.

Vozes do PS: — Ah!»

O Sr. Honório Novo (PCP): — O que lamentamos, Sr. Secretário de Estado, é a forma trapalhona de compadrio com que apresenta esta proposta de lei à Assembleia.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!

O Sr. Honório Novo (PCP): — E esta é a questão a que o senhor não quer responder. Vamos ver se responde no minuto que lhe sobra.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Amorim.

O Sr. Costa Amorim (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de autorização legislativa com a qual pretende alterar o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e bem ainda, em consonância, o Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, que consagrou a alteração da designação de associação para Câmara dos Técnicos Oficias de Contas.
A figura do técnico de contas foi institucionalizada através do Código da Contribuição Industrial, bem como a sua articulação com o tratamento contabilístico das contas das empresas através da exigência de profissionais qualificados e credenciados à data, entretanto modificada, no seu plano institucional, com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Mas o reconhecimento da natureza pública da sua função motivou a necessidade de se regulamentar também legalmente esta importante figura e motivou alterações, quer de natureza substancial quer formal, acolhidas no mencionado Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, e até em respeito aos preceitos constitucionais e regime das demais associações públicas.
É inegável, como justifica a presente proposta, uma cada vez maior exigência de o adequar, à data, às novas realidades inerentes à evolução da profissão, nomeadamente as relacionadas com a entrada em vigor do novo Sistema de Normalização Contabilística e a sua consideração já não como câmara mas, sim, como ordem, com as consequências, mormente orgânicas, que tal alteração comporta.
A universalidade da intervenção da profissão e a sua importância, pela intrínseca ligação à economia nacional, onde cada vez mais são irrefutáveis as exigências de especialização, são princípios justificativos para a presente proposta, daí deverem ser dirimidas todas as dõvidas,»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não se esqueça de falar do parecer da Comissão de Trabalho!

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O Sr. Costa Amorim (PS): — » mormente de considerações jurídicas diversas, que possam subsistir no respectivo texto, em face até da sua eventual implicação com a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, entretanto aprovada, e com a submissão às exigências imprescindíveis ao protestado propósito.
Está, pois, o PS aberto a debater a proposta com todos os demais partidos no enunciado propósito de a consensualizar, em consequência até dos muitos contributos e explicitações recebidas, quer nas audições ocorridas nesse âmbito quer noutros, das diversas entidades que, entretanto, entenderam por bem remetê-las.
Daí que tenha sido apresentado o requerimento para baixar à respectiva comissão a presente proposta de lei sem votação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda para uma intervenção.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Não houve recurso da admissão, não houve recurso para Plenário, mas há uma praxe nesta Casa, há muitos anos — os pareceres que vêm das comissões não são vinculativos, contudo ninguém se lembra de um agendamento com parecer negativo. E o parecer da Comissão de Trabalho dizia taxativamente que a proposta de lei não se encontrava em condições de subir a Plenário.

Vozes do BE e do PCP: — Que vergonha!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Esperava-se o gesto proporcional do Governo de retirar a proposta de lei.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Que favor estão a prestar?

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E, de facto, logo, acto seguinte, a bancada maioritária pede a baixa à comissão de uma autorização legislativa — estranhe-se —, por 10 dias, para reapreciação.
Creio que nem sequer há muita lisura nesta relação com a Câmara por parte do Governo, porque tenho a sensação um pouco surreal de estar a assistir a um funeral da lei ainda antes do certificado de óbito. A não ser que o PS queira mais uma daquelas leis que se vão arrastar pelo Verão de forma esquisita, situação contra a qual várias entidades têm feito os seus avisos.
Não entendemos esta insistência, não parece proporcional, não é adequada, não é democrática no sentido da praxis da Assembleia da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E há um ponto fundamental de conteúdo, que foi apreciado em comissão, e sobre o qual o Sr. Secretário de Estado disse nada: esta proposta de lei não tem conformidade com a legislação aprovada por esta maioria. Não tem uma conformidade grosseira em relação à constituição de ordens profissionais.
Portanto, se assim é, se isso mesmo foi reconhecido pelos Deputados do PS, não se entende que se faça um braço de ferro para tentar fazer esta discussão e para tentar levar até ao fim um processo legislativo que está manifestamente inquinado.

Aplausos do BE.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Que não reste qualquer dúvida na Câmara — o CDS não tem nenhum problema, muito pelo contrário, é favorável, quanto à criação de ordens profissionais sempre que estas se justifiquem, porque entendemos que o reconhecimento e a resolução de certos problemas são muito melhor conseguidos dentro do escopo de cada uma das profissões, nomeadamente problemas de ordem deontológica e profissional.
Muitas vezes, é preferível que seja a própria ordem profissional, os próprios profissionais da classe, a organizadamente resolverem este problema em vez de sistematicamente estarem a correr para a entidade central, que é o Estado, para resolver problemas que são maioritariamente seus. E, por isso mesmo, o CDS entende que seria positivo e útil e criação da ordem dos técnicos oficiais de contas.
E, verdade seja dita, sabemos que o Governo teve todo o tempo do mundo para o fazer. Quando o Orçamento do Estado para 2009 foi entregue nesta Câmara, ainda em 2008, continha uma norma que concedia ao Governo uma autorização legislativa para transformar a actual Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas em ordem profissional. Temos essa memória!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sabemos que há mais de um ano que o Governo tem este desiderato e nada fez, enviando para o Parlamento, em final de sessão legislativa, exactamente para a mesma comissão parlamentar que tem hoje, para apreciar, imensos diplomas, e de um grau de tecnicidade muito elevado — como o código contributivo, os acidentes laborais ou as contra-ordenações laborais —, uma comissão que, até ao dia 23, tem um rol de trabalhos extensíssimos, mais uma proposta de lei que, ainda por cima, tem dificuldade técnicas, ilegalidades e, quiçá mesmo, inconstitucionalidades.
E não posso aceitar que o Sr. Secretário de Estado venha a esta Câmara dizer «bem, o Governo pede o mais para depois fazer o menos», não dando sequer uma explicação pública na Câmara — teve de ser o CDS a confrontá-lo — com o que anda a dizer lá fora aos jornalistas, nomeadamente dizendo que a questão das empresas de contabilidade que pertencerem a contabilistas poderia ser resolvida.
Este é o Governo que olhou para as farmácias e disse que a lei da propriedade das farmácias era «arcaica» — foi o termo que o Governo usou. Pelos vistos, para o Governo, que as empresas de contabilidade tenham de pertencer obrigatoriamente a contabilistas já não é arcaico, porventura será até moderno ou progressista. Mas essa não é a visão do CDS.
O que não é possível, Sr. Secretário de Estado — nós não lhe damos esse cheque em branco! —, é levar daqui uma autorização legislativa para fazer tudo e para depois não fazer nada.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não é para não fazer nada, é para fazer mal.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, permita-me fazer um elogio, que penso ser merecido, ao Sr. Deputado Miguel Santos, que foi o relator desta proposta de lei em comissão e que levantou aqui um conjunto de problemas quanto à sua legalidade que têm de ser muito bem vistos. Se calhar, estaremos todos confrontados com mais uma iniciativa legislativa do Governo que, depois, força a Assembleia, através da maioria, a aprovar leis inconstitucionais e ilegais, nomeadamente nestas matérias que têm que ver com as ordens profissionais e, acima de tudo, com a legislação laboral.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Vai dizer que vai retirar a proposta?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, recordo que o artigo 2.º da lei geral refere que a lei-quadro se aplica a associações públicas profissionais que sejam criadas após a sua entrada em vigor. Essa lei é de 1998.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Leu a lei até ao fim?

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Faço notar que a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas foi criada em 1999.
Relativamente a esta situação, penso que quando o legislador distingue e refere explicitamente uma opção, nós devemos seguir essa opção. Mas, independentemente das questões técnicas que se colocam — e penso que a discussão em comissão é uma boa sede para o fazer —, o que está aqui em causa é o cumprimento de um imperativo de justiça e o reconhecimento que o Estado deve a uma profissão, a dos técnicos oficiais de contas,»

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não venha com demagogias!

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Não é isso que está em causa!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — » que prestam serviços extremamente relevantes ao nosso país; que são parceiros da administração fiscal na luta contra a fraude e a evasão; que são parceiros da administração fiscal na desmaterialização e no cumprimento das obrigações declarativas dos sujeitos passivos; que são parceiros dos sujeitos passivos na realização de determinadas opções de que a economia portuguesa deriva; e que foram os técnicos oficiais de contas que, este ano, com a adopção do sistema de normalização contabilística, disseram «nós estamos dispostos a alterar radicalmente, de uma forma revolucionada, tudo aquilo em que nós trabalhamos, todo o nosso ordenamento normativo, porque consideramos que as normas internacionais de contabilidade são boas para a economia portuguesa e nós aceitamos que, a partir de 2010, possamos trabalhar num ambiente totalmente distinto».
É esse esforço, é esse sentido de responsabilidade dos técnicos oficiais de contas que eu penso que o Estado deve reconhecer. E é da mais elementar justiça que o Estado português reconheça a dignidade do técnico oficial de contas e que hoje em dia, e nesta sede, se permita a criação da ordem dos técnicos oficiais de contas.
Também foram os técnicos oficiais de contas que nunca questionaram o aumento de responsabilidade que lhes impõem: responsabilidade no cumprimento das obrigações fiscais, responsabilidade no cumprimento das obrigações da segurança social, responsabilidade na regularidade financeira e responsabilidade na prestação de contas.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Quem não tem responsabilidade no cumprimento das suas obrigações é o Governo.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: — Srs. Deputados, podem criticar o que pretenderem, mas denoto que todos os argumentos aqui aduzidos foram argumentos de demolição pura e nunca de construção. E eu penso que a profissão de técnico oficial de contas merecia um esforço construtivo da vossa parte no reconhecimento de um Estatuto que o Governo propõe.
No entanto, como disse, o Governo está a aberto a qualquer alteração que seja feita em comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, através da Mesa, solicito que seja distribuída ao Governo, em particular ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, que, para além daquilo que o Sr. Secretário de Estado citou ao ler o artigo 2.º relativamente à metodologia a usar para a criação de ordens profissionais, lá mais para a frente diz — o Sr. Secretário de Estado não chegou a ler — que isso é aplicável para a formação de novas instituições, mas também para a alteração do Estatuto das actuais.
Como, pelos vistos, o Sr. Secretário de Estado só lê as leis da Assembleia da República até metade, peçolhe a fineza, Sr. Presidente, de entregar uma edição completa ao Sr. Secretário de Estado.

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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra também para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, solicito-lhe que tenha a gentileza de também distribuir ao Sr. Secretário de Estado o parecer que foi aprovado na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, na passada terça-feira, com a conivência do Partido Socialista, que permitiu que esse parecer fosse aprovado, para que o Sr. Secretário de Estado»

O Sr. Presidente: — Mais do que com a conivência, com a aprovação.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Tem toda a razão, Sr. Presidente, com a aprovação. E, por isso mesmo, muito mais nos espanta a discussão que aqui está a acontecer e o facto de o Sr. Secretário de Estado, quando agora interveio pela segunda vez, não ter esclarecido rigorosamente nada do mal que foi feito e de como vai sair desta embrulhada e de simplesmente ter referido questões paralelas, genéricas e que não foram questionadas por nenhum dos grupos parlamentares, que, com certeza, reconhecem e acarinham o papel dos técnicos oficiais de contas e que por isso entendem que esta profissão merecia muito melhor sorte do que aquela que o Sr. Secretário de Estado lhes conseguiu arranjar.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva): — Sr. Presidente, peço a palavra também para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, em nome do Governo, quero agradecer a gentileza de ambos os grupos parlamentares, mas peço à Mesa que poupe o trabalho de mandar distribuir dois documentos que o Governo conhece bem,»

O Sr. Luís Campos Ferreira (PSD): — Se conhece, então ainda é mais grave.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » que leu atentamente e em função dos quais acompanha também o requerimento apresentado pelo grupo parlamentar da maioria, que, a ser aprovado, permitirá que este texto da proposta de lei de autorização legislativa, como já aconteceu no passado nesta Câmara com outros textos, possa ser objecto de alteração de forma a que o consenso que é claro nesta Câmara e que existe sobre a substância da iniciativa principal do Governo se materialize na autorização legislativa que o Governo pede.
O Sr. Secretário de Estado interveio exactamente para valorizar essa iniciativa e as alterações que os vários grupos parlamentares tiveram a bondade de apresentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, peço a palavra igualmente para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, não creio que da parte do Bloco de Esquerda ou de qualquer outra bancada tenha havido desatenção ou qualquer tipo de subestimação dos profissionais de que aqui estamos a falar. Pelo contrário, há, da nossa parte, a maior valorização e apreciação de que sejam parceiros no combate à fraude e à evasão fiscais e a reconhecida dignidade profissional a que têm direito.

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Esse argumento não deveria ter sido trazido para este debate pelo Sr. Secretário de Estado, porque, com essa declaração de princípio e de amor aos profissionais, quis acobertar os seus erros e um percurso do processo legislativo que é ziguezagueante e incerto.
Ninguém pôs aqui em causa a dignidade profissional deste sector.
Não só o Sr. Secretário de Estado, mas também o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, não explicaram à Câmara por que é que, havendo um parecer negativo da comissão, entenderam, mesmo assim, manter a proposta de lei. Essa é uma marca que fica.
E vamos ver o percurso legislativo seguinte. O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares diz que tem precedentes. Não basta ter precedentes, o processo legislativo está inquinado.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao último ponto da nossa ordem do dia, que consta da apreciação da petição n.º 433/X (3.ª) — Apresentada pela Associação Portuguesa de Celíacos (APC), solicitando à Assembleia da República que os produtos sem glúten possam ser deduzidos como despesas de saúde em sede de IRS e, consequentemente, sejam taxados com IVA a 5%.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Manso.

A Sr.ª Ana Manso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, a petição n.º 433/X, apresentada em 25 de Fevereiro de 2008 pela Associação Portuguesa de Celíacos e subscrita por 5539 cidadãos.
Através desta iniciativa popular, os peticionários pretendem, e bem, que os produtos sem glúten possam ser deduzidos como despesas de saúde em sede de IRS e, consequentemente, passem a ser taxados com IVA a 5%.
Poucos portugueses sabem, ainda hoje, o que é, o que significa e quais as consequências provocadas pela doença celíaca.
A doença celíaca é, como os peticionários bem lembram, uma intolerância alimentar crónica e permanente ao glúten, substância presente em cereais como o trigo, o centeio, a cevada, a aveia e respectivos derivados.
Esta doença caracteriza-se pelo facto de a ingestão de glúten provocar uma reacção imunológica no organismo contra o intestino delgado, a qual provoca lesões na sua mucosa.
É, assim, uma doença gastrointestinal, que não tem cura e atinge todos, tanto crianças quanto adultos.
Calcula-se que a doença celíaca atinja cerca de 1% da população europeia, sendo certo que se estima que essa percentagem, em Portugal, seja menor e na ordem dos 0,5%. Porém, é nossa convicção que, na realidade, os números são bem mais elevados.
A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que, entre nós, muitas pessoas padecem desta doença, mas não têm disso consciência, e esse desconhecimento provoca uma quebra na sua qualidade de vida e bem-estar.
Se é certo que o único remédio dos celíacos é a observância de uma dieta variada, não é menos verdade que em inúmeros produtos dietéticos de que eles necessitam, por serem isentos de glúten, existem preços elevadíssimos quando comparados com produtos similares.
E têm razão os peticionários: se esses produtos são já taxados com IVA de 5%, devendo ser considerados como despesas de saúde, não raro tal entendimento não é claro e pacífico e muito menos uniforme por se suscitarem dúvidas interpretativas que comprometem a igualdade destes doentes no acesso aos alimentos sem glúten de que necessitam para combater a sua doença.
Ora, esta situação não é aceitável.
Há que garantir, é justo garantir, diria mesmo que é inadmissível não garantir que os produtos sem glúten sejam claramente considerados como despesas de saúde e incluídos para efeitos fiscais.
O PSD compreende, pois, a preocupação dos peticionários. E entendemos que a actual indefinição não pode nem deve continuar.
Para o PSD, é clara a necessidade de alterar esta situação. Por isso, os peticionários podem contar connosco e o PSD dará o seu apoio a esta petição.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Nunes.

O Sr. Hugo Nunes (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Gostava, antes de mais, de felicitar os subscritores da petição e a Associação Portuguesa de Celíacos por terem trazido ao Parlamento esta questão e permitirem também que a sua petição seja utilizada como um exemplo da importância e do próprio papel que as petições dirigidas à Assembleia da República podem ter.
A Associação Portuguesa de Celíacos e um conjunto de cidadãos apresentaram a esta Assembleia uma petição que reclama o tratamento uniforme em sede de recolha de imposto sobre o rendimento das despesas realizadas com a aquisição de produtos alimentares sem glúten. Solicitam os peticionários que esses alimentos sejam tratados, para efeitos fiscais, como medicamentos.
Essa pretensão faz todo o sentido, mas também é verdade que, para todos os efeitos, já assim era. Ou seja, o Governo, tanto o Ministério da Saúde como o Ministério das Finanças, entendia que os produtos alimentares sem glúten, desde que acompanhados de uma indicação médica, podiam ser considerados despesas fiscais dos cidadãos, permitindo a sua dedução à colecta para efeitos de IRS.
Acontece que, nalgumas repartições de Finanças do nosso País, esta interpretação não estava garantida.
Foi possível, através da disponibilidade do Governo, emitir uma circular com efeitos interpretativos que garante a uniformidade da classificação das despesas para aquisição de alimentos sem glúten como medicamentos, garantido, por isso, que todos os portugueses que sejam portadores da doença celíaca possam deduzir, em sede de IRS, as despesas que têm com a aquisição de alimentos sem glúten. Dessa forma, todos têm acesso a um tratamento igual e uniforme.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Hugo Nunes (PS): — Sr. Presidente, termino como comecei, felicitando os subscritores e dizendo que esta sua petição, através da sua tramitação, permitiu à Assembleia reafirmar a importância e o papel deste instrumento parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, esta petição, que foi subscrita pela Associação Portuguesa de Celíacos e por mais de 5000 cidadãos, visa permitir que as despesas com produtos alimentares sem glúten possam vir a ser deduzidas como despesas de saúde em sede de IRS, isto é, possam ser objecto de deduções de 30% do respectivo valor.
Ao que parece, no desenvolvimento desta petição na Comissão de Orçamento e Finanças, o entendimento do Governo, quer da parte do Ministério das Finanças quer da parte do Ministério da Saúde, vai no sentido de permitir que estes produtos alimentares concebidos especialmente para doentes celíacos possam ser objecto dessa dedução, desde que — e isso é importante, naturalmente — essa necessidade clínica seja atestada por relatório médico, anexo à despesa.
Este entendimento (soube também a Comissão de Orçamento e Finanças no desenvolvimento do debate da petição) foi já objecto de uma circular interpretativa oriunda da Direcção-Geral dos Impostos por determinação do Secretário de Estado Carlos Lobo, que já saiu, mas que podia ter ficado mais um pouco, pois, ao menos, ouvia um elogio desta bancada. Enfim, só ouviu críticas e, agora, ouviria um elogio! Como estava a dizer, fez bem e, naturalmente, face a estas determinações, o objecto desta petição está, no nosso entendimento, ultrapassado.
É, portanto, o testemunho de que vale a pena os cidadãos intervirem através de petições, pois, muitas vezes — bem menos do que as que gostaríamos e desejaríamos —, vêem satisfeitas as razões justas que os motivaram a fazê-las.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, as minhas primeiras palavras são dirigidas aos peticionários e à Associação não apenas pela boa iniciativa que tiveram de fazer esta petição mas, sobretudo, pela excelente actividade que têm vindo a desenvolver nos últimos anos em defesa dos doentes portadores de doença celíaca.
Esta petição tem duas curiosidades.
A primeira é a de que todos estão de acordo com o objecto da petição, mesmo os próprios organismos da Administração Pública e o Governo, mas creio que, na realidade, esta é uma situação, como muitas outras, em que a Administração Pública e sucessivos governos conseguem encontrar, através de mil e um estratagemas, uma forma de ir dificultando a concretização do que é justo e em torno do qual há uma ampla concordância, como acontece neste caso. Não daria tão precipitadamente os parabéns ao Sr. Secretário de Estado na exacta medida em que, até à aplicação e à concretização do despacho do Governo, há um conjunto de outros passos de natureza técnica e administrativa que é necessário serem dados para que, efectivamente, seja possível a estes doentes deduzirem em sede de IRS as suas despesas com a aquisição de produtos alimentares que são absolutamente indispensáveis para a conservação da sua saúde.
À medida que a Medicina for evoluindo, situações como esta irão colocar-se em relação a outras patologias, na exacta medida em que cada vez mais é possível ir identificando um maior número de patologias que estão directamente relacionadas com produtos habitualmente utilizados na alimentação mas que, para certos tipos de pessoas com determinado tipo de problemas, geram sintomas diversos.
Esta petição também chama a atenção para a necessidade de, no âmbito das políticas de saúde, se considerarem cada vez mais os regimes alimentares como instrumentos terapêuticos em determinadas situações bem identificadas, naturalmente.
Termino, dizendo que a Associação Portuguesa de Celíacos e os peticionários, no que diz respeito ao objecto desta petição e ao conjunto das suas actividades, podem contar com o nosso contributo e a nossa ajuda, na medida das nossas possibilidades, para resolver os problemas com que se confrontam no dia-a-dia estes portugueses portadores de doença celíaca.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece por fazer um merecido elogio à Associação Portuguesa de Celíacos — aliás, parece que este fim de tarde vai caracterizar-se por alguns elogios — pelo trabalho que tem vindo a desenvolver e que, nomeadamente, conseguiu reunir 5539 subscritores que se dirigiram à Assembleia da República para tentarem obter a resolução de um problema que durante muito tempo não conseguiram ultrapassar, ainda que, pelos vistos, a lei já pudesse dar-lhes protecção, ainda que, pelos vistos, o Ministério da Saúde entendesse que havia uma interpretação errónea da lei e das disposições legais, ainda que o próprio Ministério das Finanças também entendesse que a interpretação da lei, porventura, não estaria a ser a melhor.
Não obstante a lei não ser clara mas, pelos vistos, conferir alguma protecção a estes portugueses que têm um problema muito específico, a verdade é que não conseguiam resolver, de outra forma que não através de uma petição à Assembleia, um grande problema com que se deparam diariamente na vida.
Para estes portugueses, a aquisição de um conjunto de alimentos essenciais à sua saúde não é um luxo, não é uma questão de escolha, é, objectivamente, uma obrigação imposta pela patologia de que padecem.
Por isso mesmo, e continuando com os elogios, queria dizer, em meu próprio nome e no do meu grupo parlamentar, que nos sentimos honrados por ser possível resolver estas matérias através da Assembleia da República.
Entendo que é igualmente justo fazer um elogio, também merecido, à Comissão de Orçamento e Finanças e, especificamente, ao Sr. Deputado Hugo Nunes que foi o relator desta petição e que, com o seu esforço e o seu empenho até junto do Governo, conseguiu que, finalmente, tenha havido uma clarificação do que podia parecer óbvio desde o início mas que, infelizmente, não o era, pelo menos no entendimento dos serviços de Finanças.

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Assim, hoje, felizmente, o problema está resolvido a contento dos peticionantes e penso que também de todos, Sr.as e Srs. Deputados, porque acho que cumprimos bem o nosso papel, qual seja o de conseguirmos dar respostas concretas aos problemas concretos dos portugueses que, muitas vezes, vêem na Assembleia da República não só um local de discussão e legítimo confronto político mas também um local a que podem dirigir-se para ver resolvidos os seus problemas.
Fica, pois, o meu elogio ao Sr. Deputado Hugo Nunes e à Comissão de Orçamento e Finanças e, nesse sentido, também a toda a Assembleia.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Madeira Lopes.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes também começam por saudar os peticionantes e a Associação Portuguesa de Celíacos que promoveu esta petição n.º 433/X (3.ª), porque o princípio é correcto e o objectivo era, e é, legítimo.
Com efeito, a doença celíaca, que atinge 1% dos portugueses, é muito específica, alertando a Associação para o facto de o único tratamento ser o cuidado ao nível da dieta, isto é, o medicamento é o próprio alimento livre de glúten. Ora, o glúten está presente em muitos alimentos-base da nossa dieta, designadamente os cereais, pelo que é muito complexo retirar o glúten e providenciar uma alimentação equilibrada e correcta, o que implica que este alimento acabe por ter um preço elevado no mercado.
Apesar de contar com o apoio, em termos de IVA, a 5%, havendo, portanto, um IVA reduzido no que diz respeito à aquisição destes produtos, a realidade é que se justifica que seja considerado como um medicamento e, como tal, possa ser dedutível à colecta em termos de IRS.
Este objectivo era prosseguido já há bastante tempo pela Associação Portuguesa de Celíacos.
Devemos dizer que, apesar de este entendimento ser relativamente unânime em várias instâncias, designadamente junto do Ministério das Finanças, a realidade é que havia opiniões diversas, não só apenas da parte de algumas repartições ou técnicos de Finanças mas também da parte de contabilistas que tratavam das questões fiscais de alguns dos seus clientes, o que, ao longo dos anos, trouxe dificuldades a estes doentes no sentido de poderem descontar os alimentos sem glúten no seu IRS.
Os Verdes receberam, em 2007, em audiência, a Associação Portuguesa de Celíacos, que explicou esta situação, o que levou a que se procurasse resolver este problema. Mais concretamente, em 2007, apresentámos uma proposta de alteração em sede de Orçamento do Estado para 2008 e, novamente, em 2008, apresentámos uma proposta de alteração para o Orçamento do Estado para 2009, propondo a alteração do artigo 82.º do Código do IRS no sentido de se acrescentar a expressão «incluindo as despesas relativas à aquisição de alimentos dietéticos destinados a fins medicinais específicos». Era esta a redacção constante da lei que definia os produtos medicinais.
Neste momento, com a prelação de uma circular do Ministério das Finanças, aparentemente, o problema estará ultrapassado. Esperamos que seja assim. Não podemos, contudo, deixar de lamentar que isto só aconteça em 2009, quando Os Verdes tinham avançado com uma proposta de resolução, que poderia estar em vigor desde o início de 2008 e ajudar ao esclarecimento da interpretação da lei e à resolução do problema destes doentes.
Esperamos que, para o futuro, a situação esteja resolvida e que não seja preciso voltar a esta Casa uma proposta para acabar de vez com este problema.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluídos os trabalhos de hoje, resta-me informar que a próxima reunião se realiza amanhã, com início às 10 horas, e da ordem do dia, para além da aprovação dos n.os 52 a 87 do Diário, haverá eleições do Provedor de Justiça, de seis membros efectivos e seis membros suplentes para o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, de dois membros efectivos e dois membros suplentes para a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial e de um VicePresidente da Mesa da Assembleia da República, proposto pelo CDS-PP.
Serão apreciadas, na generalidade e em separado, as propostas de lei n.os 291/X (4.ª) — Autoriza o Governo a aprovar o Estatuto das Estradas Nacionais, definindo as regras tendentes à protecção da estrada e sua zona envolvente, fixando as condições de segurança e circulação dos seus utilizadores, bem como as condições de exercício das actividades que se prendem com a sua exploração e conservação, 292/X (4.ª) —

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Aprova o regime-quadro das contra-ordenações do sector das comunicações, 279/X (4.ª) — Autoriza o Governo a regular o acesso à actividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento, bem como a definir um quadro sancionatório no âmbito da actividade de prestação de serviços de pagamento, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno; 268/X (4.ª) — Procede à primeira alteração ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21 de Abril, 263/X (4.ª) — Procede à primeira alteração do Decreto-Lei n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro, que aprovou o Estatuto do Pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 274/X (4.ª) — Define a natureza, a missão e as atribuições da Polícia Judiciária Militar, bem como os princípios e competências que enquadram a sua acção enquanto corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça, e 290/X (4.ª) — Autoriza o Governo a fixar as incompatibilidades que condicionam o exercício da actividade de avaliação médica e psicológica, bem como a prever os ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, decorrentes do novo Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir Haverá, ainda, votações regimentais no final do debate.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 27 minutos.

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
António Ramos Preto
Luiz Manuel Fagundes Duarte

Partido Social Democrata (PSD):
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Gameiro
Marta Sofia Caetano Lopes Rebelo
Paula Cristina Nobre de Deus

Partido Social Democrata (PSD):
Mário Henrique de Almeida Santos David
Mário Patinha Antão

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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66 | I Série - Número: 102 | 10 de Julho de 2009 O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. President

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