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Quinta-feira, 18 de Março de 2010 I Série — Número 35

XI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2009-2010)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 8 minutos.
Deu-se conta da retirada do projecto de lei n.º 18/XI (1.ª), bem com a entrada na Mesa dos projectos de resolução n.os 78 e 81/XI (1.ª) e dos projectos de lei n.os 165 a 175/XI (1.ª).
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, procedeu-se a um debate de actualidade conjunto, um, requerido pelo BE, sobre as alterações ao subsídio de desemprego anunciadas pelo Governo, pela voz da Ministra do Trabalho, e outro, requerido pelo PCP, sobre as alterações ao subsídio de desemprego previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão) e do Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação (Valter Lemos), os Srs. Deputados José Moura Soeiro (BE), Bernardino Soares (PCP), Maria das Mercês Soares (PSD), José Luís Ferreira (Os Verdes), Maria José Gambôa (PS), Mariana Aiveca (BE), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Helena Pinto e Ana Drago (BE) e Jorge Machado (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues (PS) criticou a norma, aprovada no passado fim-de-semana no Congresso do PSD, em Mafra, que impede os militantes de criticarem a direcção do partido dois meses antes de uma eleição. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD) — que também fez uma interpelação à Mesa, a qual suscitou o uso da palavra, para defesa da honra, pelo Sr. Deputado José Lello (PS) — e Bernardino Soares (PCP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia (Os Verdes) condenou a autorização dada pela União Europeia à produção de organismos geneticamente modificados e deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Miguel Tiago (PCP), Rita Calvário (BE) e Glória Araújo (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado

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Miguel Tiago (PCP) teceu considerações sobre a negociação do Estatuto da Carreira Docente e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Drago (BE), José Manuel Rodrigues (CDS-PP), Paula Barros (PS) e Vânia Jesus (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares (BE) criticou o plano de privatizações constante do Programa de Estabilidade e Crescimento, e deu resposta aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Bruno Dias (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Nuno Magalhães (CDS-PP) chamou a atenção para algumas medidas que o Governo vem tomando e que, não constando do seu Programa Eleitoral, pretendem responder a problemas para os quais o CDS-PP tem alertado. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João Oliveira (PCP).
Por último e também em declaração política, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro (PSD) abordou o problema do bullying e da violência nas escolas e referiu a necessidade de mudança de atitude e de tomada de medidas perante estes fenómenos, nomeadamente a revisão do Estatuto do Aluno. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ana Drago (BE) e Bravo Nico (PS).
Procedeu-se ao debate sobre o inquérito parlamentar n.º 4/X (1.ª) — Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social e, nomeadamente, à Actuação do Governo na Compra da TVI (PSD e BE). Usaram da palavra, além do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Francisco de Assis (PS), Pedro Duarte (PSD), João Semedo (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes), João Oliveira (PCP) e Agostinho Branquinho (PSD).
Foram discutidos, conjuntamente na generalidade, os projectos de lei n.os 30/XI (1.ª) — Altera a Lei da Nacionalidade estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro (PSD), 77/XI (1.ª) — Apoio ao Associativismo Português no Estrangeiro (PSD) e 78/XI (1.ª) — Apoio à comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro (PSD), bem como os projectos de resolução n.os 21/XI (1.ª) — Sobre a problemática da mulher emigrante (PSD) e 22/XI (1.ª) — Acompanhamento dos fluxos migratórios portugueses para o estrangeiro (PSD), e os projectos de lei n.os 168/XI (1.ª) — Cria um Fundo de Apoio Social aos Emigrantes Portugueses (PCP), 169/XI (1.ª) — Movimento associativo das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro (PCP), 170/XI (1.ª) — Criação de um Fundo de Apoio ao Movimento Associativo Português no Estrangeiro (PCP) e 171/XI (1.ª) — Apoio à comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro (CDS-PP), e ainda o projecto de resolução n.º 78/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo quantitativo e qualificativo da nova diáspora portuguesa no mundo (CDS-PP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados José Cesário (PSD), Paulo Pisco (PS), Hélder Amaral (CDS-PP), Defensor Moura e Teresa Damásio (PS), José Soeiro (PCP), Helena Pinto (BE), Carlos Alberto Gonçalves (PSD), António Filipe (PCP), José Manuel Rodrigues (CDS-PP) e Carlos Páscoa Gonçalves (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 8 minutos.

Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS):
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Albano Pereira Marques
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José João Pinhanços de Bianchi
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rui Alves Duarte Cruz
João Barroso Soares
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Paulo Moreira Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal

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Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Odete da Conceição João
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Miguel da Costa Araújo
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

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Partido Social Democrata (PSD):
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Agostinho Correia Branquinho
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Cãndido Monteiro Cabeleira
António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carina João Reis Oliveira
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Henrique da Costa Neves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Manuel de Matos Correia
José Mendes Bota
José de Almeida Cesário
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Margarida Rosa Silva de Almeida

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Maria Francisca Fernandes Almeida
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Paula da Graça Cardoso
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Sérgio André da Costa Vieira
Teresa de Jesus Costa Santos
Ulisses Manuel Brandão Pereira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP):
Abel Lima Baptista
Altino Bernardo Lemos Bessa
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Michael Lothar Mendes Seufert
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE):
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins

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Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares
Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, cumpre anunciar a retirada do projecto de lei n.º 18/XI (1ª) — Alteração ao Código do Processo Penal (CDS-PP).
Deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projectos de resolução n.os 78/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa no mundo (CDS-PP), que baixou à 2.ª Comissão, e 81/XI (1.ª) — Deslocação do Presidente da República à República Checa (Presidente da AR); e projectos de lei n.os 165/XI (1.ª) — Reforça a protecção social na maternidade, paternidade e adopção, dos trabalhadores da Administração Pública (PCP), que baixou à 11.ª comissão, 166/XI (1.ª) — Reforça a protecção a protecção social na maternidade, paternidade e adopção (PCP), que baixou à 11.ª Comissão, 167/XI (1.ª) — Estabelece cotas de emprego público para vítimas de violência doméstica (Os Verdes), que baixou à 1.ª Comissão, 168/XI (1.ª) — Cria um fundo de apoio social aos emigrantes portugueses (PCP), que baixou à 2.ª Comissão, 169/XI (1.ª) — Movimento associativo das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro (PCP), que baixou à 2.ª Comissão, 170/XI (1.ª) — Criação de um fundo de apoio ao movimento associativo português no estrangeiro (PCP), que baixou à 2.ª Comissão, 171/XI (1.ª) — Apoio à comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro (CDS-PP), que baixou à 2.ª Comissão, 172/XI (1.ª) — Regula o acesso à profissão de nutricionista, cria a respectiva ordem

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profissional e aprova o seu estatuto (CDS-PP), que baixou à 11.ª Comissão, 173/XI (1.ª) — Alteração ao Código do Processo Penal (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, 174/XI (1.ª) — Vigésima quinta alteração ao Código Penal (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, e 175/XI (1.ª) — Procede à terceira alteração à Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, que «Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais» (PS), que baixou à 1.ª Comissão.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento da Assembleia da República, vamos proceder à discussão conjunta de dois debates de actualidade, um, requerido pelo BE, sobre as alterações ao subsídio de desemprego anunciadas pelo Governo, pela voz da Ministra do Trabalho, e outro, requerido pelo PCP, sobre as alterações ao subsídio de desemprego previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro (BE).

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Habituado à constante vitimização e desresponsabilização sobre os resultados das suas políticas, o Governo descobriu quem são os culpados da galopante taxa de desemprego em Portugal: os desempregados e os apoios sociais que alguns destes, cada vez menos, recebem.
Para o Ministro Teixeira dos Santos é a «generosidade» do subsídio de desemprego que afasta os milhares de pessoas sem emprego de procurar um posto de trabalho. A generosidade, entendamo-nos, são 520 € por mês, que ç o valor mçdio desta prestação paga a quem para ela contribuiu durante anos com o esforço do seu trabalho. Estranha generosidade esta que deixa quase metade dos desempregados sem nenhum subsídio, um valor sem paralelo em toda a Europa.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Todos, a começar pelos trabalhadores, esperam que o subsídio de desemprego seja passageiro para poderem voltar a ter um trabalho e uma ocupação. O emprego não é só uma questão económica. É uma condição de auto-estima e autonomia de cada um. O que o Governo anuncia não tem nada a ver com a moralização da atribuição desta prestação. Pelo contrário, o que o Governo anuncia é imoral.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Muitas destas pessoas trabalharam toda a vida, e a maioria ganhou pouco para o muito que trabalhou. São vítimas das falências fraudulentas, da precariedade e de uma economia que não consegue criar postos de trabalho. Depois de tudo isso, recebem em mçdia 520 €. É com este dinheiro que vivem os desempregados, que têm que pagar as suas contas para tentar sobreviver e é a estes desempregados que o Governo se atira. É sempre com os mais pobres que o Governo decide cortar.
Quando o desemprego atinge, como atinge hoje, o seu pico histórico no nosso País e quando as sempre optimistas previsões do Governo prevêem recuperar apenas, nos próximos 4 anos, o desemprego criado no último trimestre de 2009, estamos falados sobre a desistência social que caracteriza o Plano de Estabilidade e Crescimento agora apresentado.

Aplausos do BE.

O objectivo deste Plano de Estabilidade e Crescimento foi, aliás, claramente enunciado pelo Ministro das Finanças: cortar no investimento, reduzir a despesa social, reduzir os salários.
Na verdade, o peso do investimento vai baixar para níveis nunca antes vistos na democracia portuguesa.
Os salários do Estado, e, por contágio, os salários de todos os trabalhadores, vão descer para os valores mais baixos desde 1987. O Estado vai cortar como nunca cortou nas transferências para a segurança social. Num País habituado aos desperdícios nas ruinosas parcerias que o Estado estabelece com o sector privado,

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habituado às benesses e às rendas, o Governo pretende diminuir a despesa pública, essencialmente com o corte nas despesas sociais.
O PEC é verdadeiramente uma guerra social contra o País: reduzir as pensões, congelar prestações sociais, privatizar sectores públicos essenciais, como os CTT ou a CP.
O Ministro das Finanças, aliás, já tinha anunciado que o seu objectivo era também cortar nos desempregados e no apoio do subsídio de desemprego.
A Ministra do Trabalho veio anteontem alimentar um discurso de ódio social aos desempregados e aos pobres. Disse a Sr.ª Ministra: «Não podemos continuar com este paradoxo de existirem muitas pessoas desempregadas e ao mesmo tempo postos de trabalho que não são preenchidos».
Estamos a falar de quê, Sr. Secretário de Estado? Que paradoxos movem este Governo? É que o essencial das escolhas políticas deste Governo é feito de outros paradoxos.
Primeiro paradoxo: à medida que aumenta o número de desempregados, diminuem os recursos para lhes responder. Entre 2001 e 2005, o valor gasto em mçdia com os desempregados era de 404 € por mês; hoje, ç de 313 € mensais, dados conhecidos e revelados pelo Jornal de Negócios.
Segundo paradoxo: num contexto como o que vivemos, em que a necessidade de investimento para responder à crise é evidente, o Governo apresenta um Plano de Estabilidade e Crescimento para trazer esse investimento ao nível mais baixo de sempre, para insistir no erro que nos amarra ao atraso e promete arrasar a economia com um programa de ataque aos salários e às pensões.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Terceiro paradoxo: o Governo rejeita aplicar uma taxa sobre as maisvalias bolsistas. Nunca é tempo, nunca há «estabilidade nos mercados financeiros» — aliás, para o Governo, parece que ela nunca existirá. O Governo está disposto, num contexto de crise, a adiar uma tributação que renderia 250 milhões de euros, segundo os cálculos do próprio Governo. Mas nunca existe «instabilidade» que demova o Ministério das Finanças de taxar os mais desfavorecidos e diminuir os apoios a quem deles mais precisam.
No site do Ministério do Trabalho, há um anúncio de emprego para uma auxiliar de limpeza para trabalhar em Mafamude, com 2 turnos, das 12 horas às 14 horas e das 20 horas às 22 horas. O contrato de trabalho é a termo, de seis meses. Está no site do IEFP e a remuneração que é oferecida ç de 2 € por hora, abaixo do salário mínimo.
Entendamo-nos sobre o que estamos a falar, Sr.as e Srs. Deputados. Imaginemos que uma mulher se candidata a este trabalho. Tem filhos, tem de os ir buscar ao infantário. Vai ganhar 2 € por hora para pagar as suas despesas. É este tipo de trabalho que vocês querem impor às pessoas. São preguiçosas aquelas pessoas que não aceitam a chantagem, a exploração, a precariedade e a violência brutal que lhes querem impor com estas alterações?

Aplausos do BE.

Protestos do PS.

O que o Governo pretende, de facto, com estas declarações de extrema violência, é pôr a chantagem para que as pessoas aceitem tudo, toda a precariedade, toda a exploração e é também isso que põe em estado de choque tantos e tantas socialistas.
Diz o Governo que os desempregados são os culpados do desemprego. É preciso impor aos trabalhadores empregos e trabalhos com remunerações abaixo do salário mínimo. O Governo quer fazer uma guerra contra os mais pobres e isso prova bem, Sr.as e Srs. Deputados, não só a natureza de classe deste Governo mas o essencial da política de um governo que, só por despudor, se chama ainda socialista.

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Caeiro.

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A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No início deste debate de actualidade sobre as alterações anunciadas pelo Governo para o subsídio de desemprego, é preciso fazer um ponto de situação.
É que não estamos a discutir a questão do subsídio de desemprego num momento de ausência de crise ou em que o regime em vigor fosse especialmente benéfico para os desempregados. Estamos a discutir a questão do subsídio de desemprego num momento em que grassa uma gravíssima crise económica e social, num momento em que existem mais de 600 000 desempregados, em que se perspectiva (e até o Governo admite) que o desemprego continue a crescer e num momento em que mais de metade dos desempregados, fruto da alteração feita pelo Governo PS em 2006, não tem acesso a esta prestação.
E é neste gravíssimo quadro que o Governo vem propor uma nova restrição nas regras de acesso ao subsídio de desemprego. E fala em três aspectos essenciais.
Propõe a eliminação da garantia de que não há subsídio abaixo do salário mínimo nacional. Ora, se o salário mínimo nacional é uma referência assente na ideia de que o seu valor é indispensável para sobreviver com dignidade e se é até considerado um importante instrumento de combate à pobreza, como se pode aceitar que a prestação substitutiva do salário possa ser inferior a este mínimo nacional? O Governo pretende alterar a relação do subsídio de desemprego com a remuneração do emprego que se perdeu no sentido de a diminuir, sendo hoje já inferior a 65% daquele valor, degradando assim ainda mais as condições de vida dos trabalhadores que ficam desempregados.
O Governo pretende ainda alterar o conceito de emprego conveniente, designadamente no que diz respeito ao nível da remuneração oferecida em relação ao subsídio auferido, baixando esses níveis e assim penalizando os trabalhadores.
Para que se tenha noção do que estamos a falar, hoje o trabalhador já tem de aceitar salários bastante abaixo da sua remuneração anterior, mas o Governo quer baixar ainda mais essa fasquia.
Tudo isto vem, como é costume, embrulhado na habitual demagogia e falsidade da «repartição dos sacrifícios», quando o que se vê é que estão em cursos todas as medidas para penalizar os do costume e nenhuma para penalizar os privilegiados.
O Ministro das Finanças falou ainda, com total hipocrisia política, em incentivar o regresso mais rápido ao mercado de trabalho. Mas que mercado de trabalho? Aquele em que o desemprego aumenta, fruto da política económica do Governo, da sua acção directa na redução de dezenas de milhares de postos de trabalho na Administração Pública? O mercado de trabalho em que aumenta o desemprego em consequência da política económica restritiva de corte no investimento público? Aquele mercado de trabalho em que os grandes grupos económicos e a banca impõem as suas leis com o apoio do Governo? Como pode o Governo prever o aumento do desemprego e ao mesmo tempo afirmar que é preciso tomar medidas para incentivar um regresso mais rápido ao mercado de trabalho? É preciso ter descaramento.
Com esta alteração, teríamos ainda mais desempregados sem subsídio de desemprego, ainda mais pobreza e dificuldades para milhares de famílias portuguesas.
Mais uma vez, o Governo quer fazer poupanças e combater o défice à custa das vítimas de uma política económica errada. Mais uma vez, o Governo só descobre a poupança na retirada de dinheiro a quem está em dificuldades, ao mesmo tempo que facilita e beneficia fiscalmente lucros obscenos, como os da banca, e não impede o money for the boys das empresas públicas ou em que o Estado nomeia administradores, como nos casos da REN e da PT.
Mas esta alteração que o Governo anuncia tem ainda um outro e muito grave objectivo: ela visa deixar os trabalhadores mais desguarnecidos perante a ofensiva aos direitos, sob a ameaça de desemprego, e perante a necessidade de aceitação de níveis salariais mais baixos, por efeito da falta de garantia do subsídio de desemprego.
Se esta alteração avançasse, os patrões teriam mais armas para pressionar os direitos e os salários dos trabalhadores que ainda têm emprego, perante uma protecção diminuída no desemprego. E, se esta alteração avançasse, por outro lado, os trabalhadores no desemprego estariam sujeitos a aceitar salários cada vez mais baixos e cada vez mais degradados.

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É preciso, pois, denunciar que o Governo, ao querer diminuir a protecção do subsídio de desemprego, está objectivamente a promover uma baixa generalizada e progressiva dos salários no mercado de trabalho, fazendo, assim, o jogo dos patrões sem escrúpulos. Trata-se de uma verdadeira operação geral de diminuição dos salários, que o Governo complementa com a diminuição real dos salários da Administração Pública.
Esta é apenas uma das graves medidas previstas no PEC. Elas vão merecer o nosso combate, bem como certamente o dos trabalhadores e das populações. É que a injustiça e o ataque a quem trabalha e a quem está fragilizado na nossa sociedade têm de ser derrotados, assim como tem de ser derrotada a política deste Governo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Concluídas as intervenções de abertura, vamos entrar no debate propriamente dito.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria das Mercês Soares.

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sem cuidar da bondade deste agendamento, que só ao Bloco de Esquerda diz respeito, importa referir que é, de facto, urgente reflectir sobre a maneira como este Governo tem encarado o problema do desemprego e o apoio social aos desempregados.
A sociedade portuguesa encontra-se, hoje, confrontada com um gravíssimo problema, sem precedência na história recente do nosso País: a situação de desemprego que afecta cerca de 600 000 pessoas.
Os homens e mulheres que se encontram desempregados são, hoje, o rosto das políticas erradas do Partido Socialista, da sua propaganda e das promessas não cumpridas.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — Podemos mesmo considerar, sem grande margem para dúvidas, que o sonho prometido pelo Governo se tornou no maior pesadelo com que os portugueses se defrontam e do qual não vislumbram o seu fim.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — O Partido Social Democrata, ao contrário da prática do Partido Socialista, sempre defendeu o rigor na atribuição das prestações sociais e a sua fiscalização como forma de evitar o seu uso indevido para impedir que os impostos dos portugueses fossem desviados para outros fins.
Este Governo refugia-se agora, e só agora, e mais uma vez tardiamente, na necessidade de cortar na despesa, quando, em campanha eleitoral, prometeu aos portugueses o fim da crise.

Aplausos do PSD.

Mais uma vez, «prometeu o céu e está a dar-lhes o purgatório».
A situação de desemprego ç reconhecidamente a situação que mais contribui para о crescimento da pobreza e da exclusão social.
Primeiro, о Governo, sem saber muito bem o que fazer e indiferente ás pessoas, alterou as regras de atribuição do subsídio de desemprego para, à custa de quem se encontra numa fase particularmente difícil da sua vida, poupar uns quantos euros com cada desempregado, uns milhões com o exército de desempregados que criou.
Depois, perante a realidade avassaladora dos desempregados e dada a pressão da oposição, logo o Governo «abriu os cordões à bolsa» e foi legislando novas alterações mais favoráveis.
Agora, encontra-se num aperto financeiro de que é o primeiro responsável, mas que revela não saber combater, porque permite gastos injustificados e imorais.

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Outra vez, o dinheiro à frente e as pessoas depois. Sempre o dinheiro, em primeiro lugar. Estranha forma de governar» Pois não tem sabido incentivar a economia para que esta crie emprego; antes, a estrangula com mais e mais impostos, ontem negados pelo Primeiro-Ministro e hoje evidentes no PEC, de sua responsabilidade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — Quanto às políticas de emprego, é o descalabro. Os centros de emprego, sobrecarregados com o elevado número de desempregados e com o excesso de procedimentos burocráticos e estatísticos, inscrevem os trabalhadores e verificam se estes cumprem as condições necessárias para requerer as prestações de desemprego.
O acompanhamento faz-se, em muitos casos, através da apresentação quinzenal e através da prova de procura activa de emprego, corporizada em carimbos — muitas vezes inúteis e, segundo o noticiado, por vezes atç comprados!» —, o que em nada, mesmo nada, contribui para a sua integração no mercado de trabalho.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD vê com lástima a desorientação do Governo e continua a defender que a avaliação e a fiscalização são as peças essenciais para a moralização e eficácia das medidas.
Ao contrário, o Governo replica programas de duvidosa eficácia, mas que nunca são avaliados.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — A fiscalização é cega e ineficaz.
Temos um Governo acossado, à deriva, sem alma e sem capacidade, que não utiliza os parceiros sociais como parceiros mas como avalizadores das suas políticas, subvertendo a razão de ser da concertação social.
Não se sabe os contornos das propostas que o Governo quer implementar relativamente à legislação sobre o subsídio de desemprego, nem como os parceiros sociais se vão pronunciar; mas já sabemos qual vai ser o sentido imposto pelo Governo através da comunicação social e, agora, pelo PEC.
Mas cumpre aqui lembrar que este Governo, do triste recorde de desemprego, está também no limiar de conseguir o recorde do crescimento da pobreza.
O PSD acredita que, com políticas sociais e de emprego diferentes, é possível construir uma sociedade mais justa, mais solidária, mais feliz.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda há pouco tempo — dois meses, se tanto —, discutimos aqui a necessidade de proceder ao reforço da protecção social em situação de desemprego, nomeadamente com a alteração das regras de atribuição do subsídio de desemprego.
Hoje, voltamos ao assunto, mas num contexto ainda mais negro, já que o Governo pretende alterar essas regras, não no sentido de reforçar essa protecção social mas no sentido, exactamente oposto, de reduzir e limitar ainda mais o acesso ao subsídio de desemprego.
Primeiro, em 2006, quando a situação, em termos de justiça social, reclamava já o reforço dessa protecção social, o Partido Socialista alterou as regras de atribuição do subsídio de desemprego — e fê-lo não só procedendo à diminuição dos períodos de atribuição como também introduzindo um novo conceito de emprego conveniente.

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E o resultado está à vista: com a precariedade a alastrar a toda a velocidade, uma boa parte desses cidadãos desempregados ficaram, pura e simplesmente, excluídos do acesso ao subsídio de desemprego, o que veio penalizar, desde logo, os mais jovens, que são os mais atingidos pelo trabalho precário de curta duração.
Depois, como se fosse pouco, e manifestando, mais uma vez, a sua insensibilidade social nesta matéria, o Governo, impôs o valor do indexante de apoios sociais (IAS), a vigorar em 2010, exactamente igual ao que vigorou em 2009. Ou seja, não há aumentos para os magros apoios sociais.
O Governo agrava, desta forma, as condições de vida das camadas sociais mais fragilizadas, desde logo os desempregados, que vêem os seus rendimentos a distanciar-se cada vez mais da retribuição mínima mensal garantida. Isto sem esquecer os milhares e milhares de desempregados que não têm acesso a qualquer protecção social.
Tudo isto torna, de facto, urgente alterar as regras de atribuição do subsídio de desemprego no sentido do seu reforço, porque a gravidade da situação exige respostas sérias, exige responsabilidade social.
Mas, ao invés de reforçar esta protecção social, o Governo prepara-se para reforçar as limitações impostas em 2006, agravando, ainda mais, a situação. Diz o Governo que as medidas têm como objectivo reduzir as despesas sociais do Estado — outra vez, reduzir; outra vez, as despesas sociais do Estado.
Outra vez, quando o bom senso recomenda prudência na retirada de apoios estabelecidos para combater a crise económica.
Outra vez, quando é imperioso responder a prioridades sociais e se torna absolutamente imprescindível alargar as prestações de desemprego e assumir uma política efectiva de luta contra a pobreza.
Outra vez, a insensibilidade social.
Outra vez, quando o Governo e o Partido Socialista sabem que este não é o único caminho.
É que tanto o Governo como o Partido Socialista sabem que há mais mundo para além do corte nas despesas sociais. Desde logo, o mundo da redução da outra despesa: o da racionalização na aquisição de bens e serviços por parte da administração central e do sector empresarial do Estado, reduzindo substancialmente encargos como aqueles que decorrem de avenças, consultadorias e pareceres, pagos a peso de ouro;»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — » e o da renegociação das parcerias põblico-privadas, que diminua a despesa pública e permita a transferência de risco para o sector privado.
Mas também há o mundo do aumento da outra receita. Mas nesse mundo o Governo teima em não querer mexer. E esse mundo é grande e oferece variadíssimas possibilidades: desde logo, o englobamento dos rendimentos e a eliminação dos benefícios fiscais socialmente injustificados, como aqueles que são concedidos aos operadores financeiros, à banca, mas também aos seguros. Mas aqui o Governo diz que nem por isso» E também a tributação, de forma especial, das grandes fortunas e das transferências para paraísos fiscais.
Aqui igualmente o Governo diz que nem por isso» Ou, ainda, a criação de uma taxa adicional de IRC para empresas com volumes de facturação elevados.
Tambçm aqui o Governo diz que nem por isso» E as possibilidades neste mundo são muitas, mas o Governo e o Partido Socialista escolheram, outra vez, o mais fácil. Outra vez, falta a responsabilidade social.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz hoje a esta Câmara a questão central e mais importante que vivemos, hoje, em Portugal: a questão do emprego, do

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desemprego e da sua protecção. Enfim, uma questão, fundamentalmente, de direitos humanos, que é a do direito ao trabalho.
É verdade, Sr. Deputado Moura Soeiro, que os desempregados são vítimas dos mercados de trabalho e dos sistemas económicos que os sustentam. É verdade que os desempregados são vítimas de uma história social, da sua pertença de classe, quando com menores capacidades académicas, quando sem recursos para esta luta desigual que é, hoje, a luta no mercado de trabalho. É tudo verdade.
Mas também não é menos verdade que o Partido Socialista sempre teve nas suas grandes preocupações as questões do emprego. Durante a última governação e também na actual, as questões do emprego foram sempre devidamente atendidas por nós.
Hoje, temos o plano Emprego 2010, que descola para esta nova governação as questões centrais da protecção ao emprego, nomeadamente ao emprego dos mais jovens, dos mais velhos, dos mais desqualificados e, curiosamente, também dos mais qualificados. É uma luta, é verdadeiramente uma luta que até podemos classificar como uma grande guerra. Esse é o nosso desafio numa época em que meio milhares de portugueses está perante uma situação de sofrimento, de desprotecção não social mas de projecto de vida.
Quando falamos em trabalho, falamos de projectos de vida. Essa é uma matéria extraordinariamente importante para a dignidade das pessoas que, durante toda a vida, desejaram uma única coisa: trabalhar.
Hoje, em Portugal, os mais jovens e os mais velhos não querem subsídios de desemprego, querem trabalho, querem qualificação, querem ir à luta. Ora, é disso que temos de nos ocupar. Temos de nos comprometer profundamente.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Por isso, saúdo o Bloco de Esquerda pelo debate que hoje, num tempo curto, é certo, mas regimental, traz a esta Assembleia.
É absolutamente importante que unamos esforços para conseguir construir propostas que, em sede de concertação social, terão a sua maior reflexão e o seu maior compromisso, mas também os grupos parlamentares não podem ficar alheios a esta questão.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Diga como! Diga lá!

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Tenha calma, Sr. Deputado, que vamos ter tempo de conversar.
Por isso, a tarde de hoje tem essa riqueza, ou seja, a capacidade de começarmos a pensar também um pouco mais além do que aquilo a que estamos habituados a pensar.
Não basta dizer que as taxas de cobertura do subsídio de desemprego são das maiores da Europa, não basta dizer que a taxa de reposição do salário é das melhores da Europa; é importante dizer que o esforço que hoje se coloca em cima da mesa vai no sentido de encontrarmos uma noção correcta e clara para respondermos àquela questão que V. Ex.ª, Sr. Deputado Moura Soeiro, colocou, ou seja, a fractura entre a oferta e a procura. Por que razão hoje a oferta tem determinadas condições e a procura não consegue corresponder a essa oferta? É preciso perceber isso, porque temos milhares de desempregados que não conseguem competir com a oferta.
Essa é uma questão dramática para o trabalho em Portugal. É uma questão séria demais para o trabalho em Portugal e que não pode rentabilizar apenas um pequeno discurso entre nós, as nossas pequenas fracturas ou aquilo que também nos consegue congregar quando falamos do trabalho e de um direito à sobrevivência.
Por isso, Sr. Deputado Moura Soeiro, deixo-lhe uma questão acerca da qual gostava de ouvir a sua opinião. Como comenta hoje os resultados do Banco de Portugal sobre esta fractura, difícil, por vezes, de explicar aos trabalhadores, entre a oferta e a procura no mercado de trabalho para os desempregados?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

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A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Era espectável que a Sr.ª Ministra do Trabalho estivesse neste debate até para nos explicar os tais paradoxos que justificam esta tomada de medidas no Programa de Estabilidade e Crescimento.
Todavia, temos cá o Sr. Secretário de Estado, bem como o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares que, certamente, nos irão explicar o programa eleitoral do Governo do Partido Socialista Avançar Portugal 20092013, que contemplava nas suas páginas 18 e 19 medidas para o emprego e fazia uma referência com a qual, Sr. Secretário de Estado, eu não podia estar mais de acordo: promover o trabalho digno, a participação e a negociação colectiva.
O Partido Socialista, chegado ao Governo, rasga este programa eleitoral. Com este PEC, o que os senhores querem verdadeiramente é fazer recuar Portugal, é fazer ajoelhar os desempregados, é colocá-los em estado de necessidade, é esquecer tudo aquilo que a Sr.ª Deputada do Partido Socialista acabou de dizer.
Curiosamente, também muitas pessoas, digníssimos militantes do Partido Socialista, hoje vêm afirmar publicamente que estão em estado de choque. Aliás, há um militante do Partido Socialista que diz mesmo que hoje se sente particularmente feliz por não ter sido candidato a Deputado nesta Legislatura.
Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro, isto significa que os senhores rasgaram o vosso compromisso eleitoral. Não é aceitável que, numa situação em que são os senhores que perspectivam o aumento do desemprego, venham propor menor protecção aos desempregados e dizer até que essa protecção pode ter um efeito perverso.
Os senhores querem demonstrar que os desempregados são culpados da sua própria condição. Isto é um ataque profundo, sem precedentes, àqueles e àquelas que vivem em absoluto estado de necessidade, que foram despedidos contra a sua vontade por patrões, por empresários sem escrúpulos que provocam falências fraudulentas.
Sr. Secretário de Estado, os desempregados não têm culpa da sua condição. Há mais de 300 000 pessoas que não têm qualquer protecção social.
Por isso mesmo, o que os senhores aqui propõem é absolutamente inaceitável e é uma forma de criar maior convulsão social. Ora, isso o Bloco de Esquerda não aceita e denunciará veementemente!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para um intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há seis anos que o Partido Socialista é governo e em seis anos o desemprego disparou em Portugal.
Há seis anos o Partido Socialista propunha-se reduzir 150 000 desempregados. A verdade é que destruiu 170 000 postos de trabalho em cerca de seis anos.

Aplausos do CDS-PP.

Desde que o Partido Socialista é governo existem em Portugal, por ano, mais 29 000 desempregados e em cada dia de trabalho 120 portugueses perdem o seu emprego.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Uma vergonha!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mais de 300 000 mulheres estão hoje no desemprego. Um em cada quatro jovens portugueses não conseguem encontrar, no seu País, um posto de trabalho e são obrigados a ir para o estrangeiro, emigrar, para cumprir os seus sonhos.
Há seis anos José Sócrates dizia, na campanha eleitoral, que, com um desemprego de 7%, a situação era trágica e que «há muito tempo que deveria ter soado a campainha de alarme». Hoje, com um desemprego que

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ultrapassa os 10,5%, não deveriam soar apenas as campainhas de alarme, deviam soar os sinos, os campanários e atç o carrilhão de Mafra!»

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O que está hoje a passar-se é uma situação de catástrofe social.

Aplausos do CDS-PP.

Os 600 000 portugueses que estão no desemprego são a mais infeliz prova de que o Partido Socialista não tem hoje um modelo de desenvolvimento económico mas, sim, uma fábrica de desemprego. É a esta situação que o Partido Socialista está a condenar os portugueses, nomeadamente as gerações mais novas.
Aliás, nem se percebe como é que o Governo demorou seis anos, com uma crise económica, a descobrir que há um problema com a fiscalização do subsídio de desemprego. Toda a gente sabe o que pensamos acerca desta matéria.
Nesta bancada, já apresentámos iniciativas e não estamos disponíveis para deixar de introduzir justiça social no subsídio de desemprego, nomeadamente nas matérias que têm a ver com o facto de se dar um pouco mais aos casais com filhos e que estão no desemprego ou, por exemplo, na mudança das regras para não excluir do subsídio de desemprego os mais jovens que trabalharam.
No entanto, da mesma forma, também não consideramos aceitável que se mantenham as «técnicas do carimbo», em que a única coisa que um desempregado quer é um carimbo num papel para apresentar no centro de desemprego e não um emprego para voltar à vida activa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Por isso mesmo, já apresentámos um conjunto de iniciativas nesta matéria.
Curiosamente, apresentámos uma iniciativa com um princípio que consideramos moral e socialmente justo, o de que ninguém receba mais no subsídio de desemprego do que receberia se estivesse a trabalhar, e que foi chumbada há poucos meses pelo mesmo Partido Socialista que agora diz que é preciso mais rigor e mais fiscalização.
Há também uma enorme diferença entre a bancada do CDS e as bancadas que propuseram este debate e até a própria bancada do Partido Socialista. É que nós sabemos que para reduzir o desemprego — e quando digo reduzir o desemprego falo objectivamente em criar postos de trabalho — é preciso mudar o modelo de desenvolvimento económico, porque só com uma aposta séria, forte e determinada nas pequenas e médias empresas, que, em Portugal, são as que criam e mantêm postos de trabalho, é que é possível inverter esta situação de enorme catástrofe social.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me uma última nota.
Gostava de alertar a Câmara para uma expressão que hoje está no Programa de Estabilidade e Crescimento. No Programa de Estabilidade e Crescimento, o Governo anuncia que, até 2013, se prepara para congelar, para manter, o valor nominal do indexante dos apoios sociais (IAS). Gostava de relembrar a Câmara que todas as prestações sociais, quer as contributivas quer as não contributivas, estão indexadas ao IAS.
Portanto, quando falamos em pensões de velhice, em abonos de família, em subsídios de desemprego, em pensões de invalidez, todas elas correm o risco de ficar nominalmente congeladas até 2013.
Ora, quando sabemos, também pelo PEC, que a inflação até 2013 vai ser de 6,6%, há um perigo real de pensões perderem 6,6% do seu valor até 2013.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Qual é a posição do CDS?!

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O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Gostava de relembrar também que, relativamente à matéria das deduções fiscais, o Governo introduz, pela primeira vez, o princípio de indexar as deduções fiscais não ao salário mínimo mas ao IAS. Isto quer dizer que o Governo «ataca no coração» a classe média portuguesa mas também a pobreza em Portugal. Aliás, é espantoso que o mesmo Partido Socialista que ainda há poucos dias recusou nesta Càmara uma proposta do CDS no sentido de aumentar um pouco as pensões mínimas em 7 €, mesmo com um corte noutras prestações sociais, hoje admita fazer algo que é gravíssimo do ponto de vista social, isto é, permitir que as pensões, nomeadamente as mais baixas, percam 6,6% do seu valor de compra até 2013.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Certamente, terão sempre a objecção enérgica e determinada do CDS nesta matéria.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Mesa não regista mais inscrições, pelo que podemos dar por concluída a discussão conjunta dos debates de actualidade requeridos, respectivamente, pelo BE e pelo PCP, passando às declarações políticas.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa no sentido de perguntar, dado que se trata de um debate de actualidade suscitado por grupos parlamentares, se os grupos parlamentares nada mais têm a dizer sobre o assunto.

Risos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Ministro, caberá aos grupos parlamentares gerir o seu próprio tempo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, nós já fizemos uma intervenção no debate, o Governo é que ainda não fez.
Estamos, portanto, à espera de ouvir a posição do Governo e reservamo-nos o direito de intervir novamente, se assim entendermos. Mas já fizemos uma intervenção na abertura do debate.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Peço também a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, queria também interpelar a Mesa no mesmo sentido. Aliás, registamos a graça feita pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Gostaria de relembrar que, segundo o Regimento da Assembleia da República, é obrigatória a presença do Governo nestes debates. O Bloco de Esquerda já fez uma intervenção na abertura do debate e outra depois.
Esperamos pela resposta do Governo e pela sua participação directa num debate desta importância, se tiver alguma coisa a dizer sobre o tema central, como foi aqui dito pela bancada do Partido Socialista, que é o desemprego no nosso País.

Aplausos do BE.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, é, de facto, assim. O Governo deve estar presente e está presente num debate parlamentar de actualidade.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Mas é para falar e não para ouvir!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — O Regimento não obriga o Governo a usar da palavra.

Risos do PS.

Mas, para que os Srs. Deputados não fiquem desapontados, é com muito gosto, Sr.ª Presidente, que peço para inscrever para o uso da palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Não lhe saiu bem»!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, não vou impedir essa sua inscrição, mas compreenderá que o Governo, nos termos regimentais, tem presença obrigatória e um tempo que lhe é atribuído.
Até agora, o Sr. Ministro não quis intervir e só após ter sido instado pelos partidos preponentes resolve intervir. Penso que isso é auto-explicativo.
Vou aceitar a inscrição do Sr. Ministro, mas penso que cabe às várias bancadas parlamentares gerir o seu tempo e a forma como fazem as intervenções e as interpelações.
Tem a palavra, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não, Sr.ª Presidente. Pedi para inscrever o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Valter Lemos): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O País, como todos sabem, atravessou em 2009 a maior crise das últimas dezenas de anos e o Governo desenvolveu e continua a desenvolver um projecto de trabalho que tem em vista, em primeiro lugar, como foi repetidamente dito pelo Sr. Primeiro-Ministro, promover o emprego e a empregabilidade.
A preocupação do Governo situa-se na criação do emprego e de condições de regresso ao emprego o mais rapidamente possível de todos aqueles que eventualmente sejam atingidos pelo flagelo do desemprego.
E, na criação dessas condições, falamos de todo o tipo de condições, designadamente das medidas activas, para que tal seja possível.
A preocupação do Governo é conseguir que os desempregados possam estar o menos tempo possível no desemprego, não por razão de, com isso, custarem mais ao País mas por razão de terem o direito de tentar cumprir o direito que têm ao trabalho. O Governo parte do princípio de que nenhum desempregado quer estar desempregado. O Governo entende que o interesse do regresso ao trabalho dos desempregados é um interesse de cada um dos desempregados, tal como é um interesse da sociedade no seu todo.
É esse o entendimento do Governo. Por isso, as medidas que tem tomado, e continua a tomar, neste âmbito são as de maximizar, em todos os sentidos, as condições de regresso ao trabalho daqueles que sejam atingidos pelo desemprego. Aumentar o emprego e a empregabilidade continua a ser o objectivo central da política do Governo nesta matéria.

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Relembro aos Srs. Deputados que, logo no início deste ano, o Governo aprovou a Iniciativa Emprego 2010, que constitui o mais completo e pesado conjunto de medidas que até hoje foram tomadas no País para apoiar as políticas activas de emprego. Abrangerá, em 2010, mais de 700 000 pessoas, das quais 240 000 desempregados ou candidatos ao primeiro emprego só nas políticas activas. É com este tipo de política que o Governo pretende alavancar tudo o que sejam condições objectivas de facilitar o regresso ao trabalho de todos os desempregados.
Os tempos são difíceis, como sabemos, mas os sinais também já são positivos nesse aspecto.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito «positivos»!

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional: — Para aqueles que dizem que isto pode ser um ataque»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É evidente!

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional: — » e que tem como objectivo a diminuição dos salários mais baixos, gostaria de dizer que o Governo pode mostrar o trabalho que fez com o aumento do salário mínimo nacional. A política que o Governo pôs no terreno quanto ao salário mínimo nacional comprova a sua preocupação em, pelo contrário, não só não atacar os salários mais baixos como tomar medidas activas para evitar que os trabalhadores com salários mais baixos sejam ainda mais prejudicados.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Subsídio de desemprego, Sr. Secretário de Estado!

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional: — Nesse sentido, os sinais são positivos.
Como sabemos, ainda hoje o Instituto Nacional de Estatística revelou sinais positivos da actividade económica para o ano de 2010, sinais de melhoria da economia.
Outra questão importante é que os números do emprego estão a caminhar para uma estabilização, como todos sabem, e teremos oportunidade de, mensalmente, observar esse esforço. Aliás, o número de inscritos pela primeira vez nos centros de emprego tem estado a diminuir constantemente desde Outubro e não é pelo facto de isto não ser dito que não é uma realidade: o número de inscritos pela primeira vez nos centros de emprego tem vindo a diminuir todos os meses desde Outubro.
Portanto, o nosso objectivo é o de colocar no terreno políticas de apoio de regresso ao trabalho e políticas activas de emprego.
Gostaria de perguntar se alguma vez, na história do País, houve uma medida que permitisse premiar com 4000 € e 36 meses de isenção de contribuição para a segurança social a criação de um posto de trabalho para trabalhadores desempregados com baixos rendimentos»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Subsídio de desemprego é que é o tema deste debate!

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional: — » e se ela consubstancia ou não uma política profundamente justa no sentido de colocar condições de regresso ao mercado de trabalho daqueles que são mais atingidos quer pelo desemprego quer pelas remunerações mais baixas.
Também quero dizer que, no que toca à protecção social, o Governo tem tomado estas medidas mantendo e aumentando os níveis de protecção social. Hoje, segundo todos os dados oficiais da OCDE, Portugal está muito acima da média da OCDE nos níveis de protecção social e esse factor deve-se às políticas que o Governo colocou no terreno. Não aceitamos, por isso, essas acusações. O Governo do Partido Socialista tem tido uma política no sentido de aumentar claramente a protecção social e só para este ano, para 2010, como todos sabem, prolongou o subsídio social de desemprego e alterou o prazo de garantia para a obtenção do subsídio de desemprego, tornando-o num dos mais curtos de toda a OCDE.

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Neste sentido, todas as medidas, seja do ponto de vista administrativo, financeiro ou político, que o Governo tem tomado e tomará nesta área são no sentido de aumentar as condições de empregabilidade e de permitir que o regresso ao trabalho de todos os desempregados se faça nas melhores condições e o mais rapidamente possível. Este objectivo será também feito em concertação, porque, à semelhança do que aconteceu com o salário mínimo nacional e com a Iniciativa Emprego 2010, o Governo levará à concertação social e aos parceiros sociais todas as medidas que tenha para apresentar relacionadas com qualquer prestação social, designadamente com as condições de acesso ao subsídio de desemprego, de acesso ao trabalho e de protecção dos desempregados.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — O Sr. Secretário de Estado tem uma inscrição para lhe pedir esclarecimentos, mas o Governo não tem tempo para responder.
Assim, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado: Percebemos agora a sua dificuldade em falar neste debate.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Até o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos tem alguma dificuldade em apresentar o argumento que o Governo criou para a baixa do subsídio de desemprego.
O que o Sr. Secretário de Estado nos diz neste debate é absolutamente inaceitável e inacreditável: que o Governo baixa o acesso ao subsídio de desemprego para estimular o mercado de trabalho. Este é o argumento liberal de que, se houver mais fome, mais gente aceitará trabalhar em condições absolutamente miseráveis. Esta é a «lei da selva».

Vozes do BE: — Muito bem!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Deputada Maria José Gamboa, muito podemos conversar sobre a fractura e as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, mas, num País que, numa década, teve um crescimento galopante do desemprego, um País que atingiu 600 000 desempregados, metade dos quais não têm subsídio de desemprego, um País que arrastou atrás de si a factura social de 2 milhões de pobres, o que os portugueses querem saber, chegados à discussão do PEC, é a quem é que o Partido Socialista pede a factura. Aos mais pobres dos pobres:»

Vozes do BE: — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — » aos desempregados, aos beneficiários do rendimento social de inserção. É esta a vossa política! O que os senhores fizeram na apresentação do PEC, o que dizem sobre subsídio de desemprego é absolutamente inaceitável.
Deixe-me dizer-lhe as palavras de militantes do Partido Socialista: «Com a apresentação deste Programa (PEC) fica provado que o programa eleitoral do Partido Socialista foi uma brincadeira e que o Governo incorporou a demagogia mais recente de Paulo Portas que fere a identidade política do PS. O País não sustenta uma crise social em que todos os apoios aos desempregados e aos mais pobres dos pobres são reduzidos administrativamente. O País não sustenta este atoleiro social.»

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É absolutamente inacreditável que o Governo reserve 1 minuto do seu tempo para vir a debate sobre o subsídio de desemprego, ainda por cima acrescentando menos do que aquilo que se ouve na comunicação social.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Numa altura em que temos cerca de 700 000 desempregados, 50% dos quais não tem subsídio de desemprego, é, para o PCP, absolutamente inaceitável a redução da protecção social no desemprego. Reduzir o montante do subsídio de desemprego e obrigar o trabalhador a aceitar emprego mesmo que o salário implique uma redução de 25% em relação ao subsídio que auferia é, na nossa opinião, inaceitável do ponto de vista social. E serve — o Sr. Secretário de Estado não o referiu, mas sabe muito bem — para impor piores condições de trabalho aos trabalhadores portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Um trabalhador sem subsídio de desemprego e estando desempregado aceita qualquer tipo de condições: trabalho precário, mais exploração, horários de trabalho desregulados, ou seja, toda e qualquer exploração que lhe seja proposta.
Mais: o Governo sabe, e muito bem, que estas propostas implicam uma fortíssima pressão sobre os salários dos trabalhadores.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E a intenção que aqui está é, claramente, a de reduzir os salários dos trabalhadores portugueses para, assim, beneficiar o patronato.
A hipocrisia das declarações do Sr. Ministro Teixeira dos Santos é visível quando, referindo-se às medidas de combate ao desemprego, diz que é preciso um pouco mais de esforço, mas, no que se refere à tributação das mais-valias, já diz que só será aplicada quando a confiança voltar ao mercado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora»!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Para atacar os trabalhadores é já, mas para tributar as mais-valias, o grande capital financeiro e económico, é preciso esperar pela estabilidade do mercado. Este é um Governo que está preocupado com a estabilidade e com a confiança dos grandes grupos económicos e não quer saber dos desempregados portugueses.
Quanto à desculpa do défice, Srs. Membros do Governo, onde estava o discurso do défice quando se injectaram milhares e milhares de euros na banca? Nessa altura, quando foi preciso injectar dinheiro na banca, não houve um comentador económico, que enchem folhas de jornais e debates na televisão, que tenha referido a questão do défice. Agora, quando se trata de atacar os trabalhadores e o seu direito ao subsídio de desemprego, volta a conversa do défice, porque essa é a desculpa para qualquer tipo de ataque aos trabalhadores portugueses.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Muito bem!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Falam na preocupação quanto à fiscalização, muito bem. Mas onde é que está a preocupação da fiscalização no que diz respeito aos milhões e milhões de euros usados e abusados no lay-off em Portugal? As empresas abusam e o Governo não toma uma medida para fiscalizar devidamente o lay-off.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — O Governo diz que existem entre 10 000 a 12 000 propostas de emprego que não são preenchidas nos centros de emprego e formação profissional. Não há ninguém que se questione sobre a qualidade de emprego dessas 10 000 a 12 000 propostas? Trata-se ou não de salário mínimo com gravíssima exploração dos trabalhadores e com horários de trabalho desumanos? É ou não verdade que se trata de trabalho precário? É ou não verdade que uma boa parte desses 12 000 postos de trabalho por preencher são trabalho precário e em part-time com vencimentos de apenas 300 € por mês? É verdade! E ç por isso que não são preenchidos: porque não há quem sobreviva com aquelas condições de trabalho. É ou não verdade a notícia que vem hoje no Jornal de Notícias de uma trabalhadora que, depois de saltar de emprego em emprego precário, depois dos programas ocupacionais, é enviada para uma fábrica e diz: «fui à fábrica, mas não aceitei ficar. Então eu ia trabalhar para uma confecção que tinha os salários em atraso?».
Isto é absolutamente inaceitável. O que é que o Governo pretende? Que os trabalhadores aceitem emprego onde não se pagam os salários?! É essa a intenção?! Ora, isto é absolutamente inaceitável.
Mesmo que os 12 000 postos de trabalho que existem nos centros de emprego e formação profissional fossem de qualidade, não se resolvia o problema dos 700 000 desempregados que existem no nosso País, pelo que esta é uma medida claramente para enganar os portugueses.
As declarações do PSD e do CDS-PP são particularmente preocupantes. Importa referir que estes dois partidos apresentaram iniciativas legislativas nesta Câmara que visam, mesmo temporariamente, reforçar a protecção no desemprego. Cá estaremos para ver como é que vão votar o PSD e o CDS-PP relativamente às medidas de agravamento e de corte na atribuição do subsídio de desemprego. Como é que estes partidos vão votar? Vão estar contra ou a favor deste PEC? Cá estaremos para analisar o vosso comportamento.
Só o PS, com a cumplicidade do PSD e do CDS-PP, pode criar uma situação absolutamente inaceitável para milhares de trabalhadores.
É urgente alterar, para melhor, as condições de atribuição do subsídio de desemprego, alargando os períodos de concessão.
Na anterior legislatura, apresentámos sete iniciativas legislativas e, nesta Legislatura, já apresentámos duas iniciativas legislativas que visam reforçar essa protecção social.
Para o PCP, este não é o caminho, este não pode ser o caminho aceitável para o nosso País. E cá estaremos para lutar e apresentar propostas alternativas que combatam este rumo, que é absolutamente inaceitável do ponto de vista social, moral e económico.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, vê sinais positivos mas penso que o Sr. Secretário de Estado, às vezes, vê coisas que mais ninguém vê.
Há dois meses, o Sr. Secretário de Estado dizia que conseguia ver com toda a clareza a inversão da curva relativamente à dinâmica do desemprego. De facto, dá vontade de rir.
Na altura, confrontei a Sr.ª Ministra do Trabalho, no Plenário, para saber se ela partilhava dessa leitura e a Sr.ª Ministra não respondeu. Provavelmente, porque não conseguia ver a tal curva que só o Sr. Secretário de Estado viu! Tenho pena que o Governo não tenha tempo para responder, porque gostava de saber se dois meses depois o Sr. Secretário de Estado ainda consegue ver com tanta clareza a inversão da curva no que diz respeito ao desemprego! Já todos percebemos que o Governo pretende alterar as regras da atribuição do subsídio do desemprego.
Já percebemos qual é o alcance e qual é a dimensão. O Governo pretende limitar e condicionar o acesso ao subsídio de desemprego e eu esperava que o Sr. Secretário de Estado nos dissesse quando é que o Governo pretende que entre em vigor o regime que vai aplicar, se é ou não ainda este ano.
Tenho pena de não poder fazer-lhe a pergunta, mas o Sr. Secretário de Estado não dispõe de tempo para responder.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Penso que agora, sim, está concluída a discussão conjunta de dois debates de actualidade, um, requerido pelo BE, e, outro, requerido pelo PCP, sobre as alterações ao subsídio de desemprego, pelo que vamos passar ao período de declarações políticas.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os partidos políticos são associações com consagração constitucional e reflectem, na prática política, não só uma ideologia mas também concorrem democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político.
No nosso sistema político, os partidos têm uma importância fundamental, são eles os principais motores da democracia. Nos termos constitucionais, devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas.
Cada partido tem as suas próprias regras de funcionamento e de organização, mas há princípios como o da transparência, que referi, que têm a ver com todos nós. Ou melhor, os partidos estão obrigados a ser transparentes no seu funcionamento. Impor aos militantes partidários, antes de qualquer eleição, um pacto de silêncio é violar as regras da democracia, é criar uma sombra onde deve existir luz.
Uma coisa é a conformação com os princípios programáticos e com as directrizes dos partidos; outra é criar um regime específico para, em determinada conjuntura, não se poder discordar.
Esta direcção política do PSD começou a querer suspender a democracia por seis meses e acaba o seu mandato com a imposição de um silêncio, quando a massa crítica é necessária.
Foi este PSD que inventou a claustrofobia e a asfixia democrática em que o País vivia. Mas não o conseguiu demonstrar e dá um «tiro no seu próprio pé». Já que não existe asfixia no País, então, vamos tentar criá-la no próprio partido. Foi isso que fez o PSD.

Aplausos do PS.

Esta norma do PSD, já apelidada de inconstitucional por alguns, revela bem o desnorte de quem ditosa imposição quer implantar.
É precisamente antes das eleições que os partidos apresentam os seus programas eleitorais, os seus candidatos aos portugueses. Pois é precisamente nesse período que, no PSD, não se pode discordar.
Este tipo de norma revela bem o que é capaz de fazer o PSD no partido. Esperam os portugueses que não revele bem o que ç capaz de fazer no País!» Quem, para os seus, impõe a lei do silêncio, o que faria se estivesse no poder? Esta, infelizmente, não é uma questão do PSD, mas envolve todo o País e os portugueses, que têm o direito de saber se os políticos estão calados por opção ou por imposição.
É de transparência e de direitos públicos que estamos a falar. É ver os que aplaudiram e rapidamente se arrependeram no interior do PSD.
Estou certo de que este tema acabará por levar a bom porto e a bom caminho os que consideram que se pode suspender a democracia por 60 dias ou por 6 meses. Afinal, todos temos a obrigação de credibilizar o exercício da acção política e estou certo de que assim vai voltar a acontecer.
A democracia portuguesa está consolidada e, por isso, os portugueses saberão reagir a este tipo de intromissão e de atropelo à democracia.
Aquilo que, neste momento, gostava de deixar registado é que para nós, socialistas, com a nossa história, a violação do dever de criticar, a violação dos direitos públicos não existe no Partido Socialista.

Risos do PSD.

Não expulsamos ninguém por delito de opinião. Assim se espera que o PSD cumpra também esta função democrática!

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, brindou-nos, na sua declaração política, com uma mistificação, que considero bacoca, e com uma inovação.
A mistificação bacoca foi o atrevimento que o Sr. Deputado teve de tentar equiparar normas internas dos partidos políticos à claustrofobia e à asfixia democrática em que o País vive nos últimos tempos.

Aplausos do PSD.

É que, Sr. Deputado, a asfixia tem a ver com o comportamento de condicionamento e de pressão sobre tudo o que mexe e tudo o que é contra o Governo e contra a administração que o Governo controla. Isso é que a asfixia democrática!

Aplausos do PSD.

Devo dizer que se trata de uma mancha desta governação e deste Partido Socialista, que não há nenhum discurso que o Sr. Deputado faça da tribuna que possa limpar.
A inovação foi o Sr. Deputado querer quebrar o salutar princípio, que sempre existiu, de os partidos não se imiscuírem, não interferirem, não terem intromissões na vida interna dos outros partidos. O Sr. Deputado, hoje, fê-lo pela pior das razões: por hipocrisia política.

A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Porque os Estatutos do Partido Socialista dizem, relativamente à matéria sancionária, que a pena de expulsão no Partido Socialista pode ser aplicada por falta grave, nomeadamente o desrespeito à linha política do partido e à inobservância das decisões dos seus órgãos, para além de outras matérias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Não tem nada a ver!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Diz, ainda, os Estatutos do Partido Socialista que isto se aplica sempre durante todo o tempo em que alguém é militante e não apenas durante os actos eleitorais.
De resto, devo dizer que o Partido Socialista foi buscar esta norma, provavelmente, aos seus congéneres da Internacional Socialista. Aqui ao lado, o PSOE tem consagrado, no artigo 11.º dos seus Estatutos, que um militante que expresse publicamente as suas opiniões em termos de deslealdade ao partido será sancionado com medidas que podem chegar à expulsão, de acordo com as normas internas vigentes no partido.

Aplausos do PSD.

Esta é que é a prática desde sempre do Partido Socialista e em relação à qual o Sr. Deputado veio fingir que se escandaliza.
Sr.ª Presidente, termino dizendo ao Sr. Deputado, com toda a franqueza, que é muito hipócrita o Partido Socialista tentar apontar aos outros o que não quer ver quando se olha ao espelho.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

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O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Marques Guedes, qualificou a minha intervenção de bacoca.
Tive o privilégio de ser V. Ex.ª, o Secretário-Geral do Partido Social Democrata, a ter de responder a uma intervenção bacoca. Que falha do PSD!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Escolher uma personalidade, que, para além de tudo, também é Presidente da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura desta Casa, para responder a uma intervenção bacoca é dar demasiada importância àquilo que o senhor sabe que tem importância.
Mais: era bom que percebêssemos onde está o PSD, porque é preciso para o País. É preciso saber se o PSD considera esta norma válida ou inválida, é preciso saber se os portugueses, antes das eleições, podem ou não acreditar no PSD. Por isso, esta é uma matéria que envolve Portugal e não é matéria de um partido político.
Sr. Deputado, como sabe, o Partido Socialista não expulsou nem expulsa militantes. Mas o PSD não pode dizer a mesma coisa. Não é uma questão de teoria, é uma questão de teoria e de prática, é uma questão de saber quem tem a teoria e quem tem a prática.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Que fraca argumentação!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Ora, nesse capítulo, como o Sr. Deputado sabe, o Partido Socialista não recebe lições do PSD. Na verdade, no PSD é que é hábito expulsarem-se os militantes.
Todos os candidatos que estiveram presentes no vosso Congresso, que aproveito para saudar, tiveram oportunidade de demarcar-se dessa norma. Uns demarcam-se, mas a norma existe.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Aquilo que tem de ficar esclarecido é o que quer o PSD e o que os portugueses podem perceber desse PSD!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, em primeiro lugar, não vou tecer qualquer comentário sobre assuntos da vida interna de um outro partido, o PSD, que os seus militantes discutirão e decidirão como entenderem, porque essa é a essência do respeito pelo princípio da auto-organização dos partidos, que é um valor constitucional.
O que a nossa Constituição consagra é que os partidos são pilares do regime democrático e que o seu direito à auto-organização e às decisões próprias dos seus militantes é um princípio fundamental. E isto é assim por uma razão muito simples: a forma como um partido se organiza, as regras que define para a sua organização têm a ver com a sua forma de ver a vida política, com a filosofia e a ideologia que perfilham, que tem reflexo na forma como se organiza.
O que eu queria dizer é que ouvi com muita atenção, e até algum gozo póstumo, esta discussão entre o PS e o PSD, que foram precisamente aqueles partidos que há uns anos aprovaram uma lei dos partidos políticos que não tinha outro objectivo senão impor regras àquelas formas de funcionamento que, do seu «alto» critério, o PS e o PSD entendiam que não eram adequadas.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Não eram democráticas!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E, agora, o próprio PSD, que foi parte interessada e motor dessa alteração à lei — aliás, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes teve aí um papel fundamental —»

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Honra lhe seja feita!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — », veio queixar-se das apreciações que o PS,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — » o outro «pai« da mesma lei, tambçm faz sobre a sua vida interna.
Curiosa volta que a história acabou por dar! Ora, isto só demonstra que, onde alguns entendem que é por via da lei que uma parte dos partidos deve impor as regras a outros que entendem ter regras diferentes, nós dizemos que o que a nossa Constituição garante é que cada partido deve ter o direito a organizar-se como os seus militantes decidirem e que isso nada tem a ver com o respeito por princípios de transparência e de democracia, que, pela nossa parte, fazemos questão de respeitar.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, deixe-me dizer-lhe, à laia de brincadeira: quem havia de vir em defesa do PSD!? O Partido Comunista!

Risos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Em defesa?!...

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Nós percebemos muito bem, Sr. Deputado, aquilo que o Partido Comunista diz.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Opacidade!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Deputado, nós, no Partido Socialista, temos um princípio fundamental: o nosso guia e o nosso guião no sistema político é a Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E nós também!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Quer para o caso que o senhor citou quer para o caso que acabámos de referir relativamente ao PSD, não somos contra as regras que os senhores bem querem ter nos vossos partidos — é legítimo, é democrático —, só existe uma excepção: não podem violar a Constituição!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diz muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É essa a regra fundamental! E para nós, no sistema político em que vivemos, a transparência é fundamental.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para nós também!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — E, quer no vosso caso quer no caso do PSD, não podemos compartilhar esse regime de opacidade que existia.

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Tanto as votações de dedo no ar para pessoas em concreto como aquilo que o PSD pretende, volta-se contra o sistema.
Portanto, achamos que a transparência é uma das regras essenciais da democracia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para nós também!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Por isso, Sr. Deputado, temos o direito, e até o dever, de chamar a atenção dos portugueses para aquilo que se passa no nosso sistema político. É porque a credibilização dos políticos faz-se pelas sua prática, faz-se pelas regras, faz-se pelo procedimento. E quer o Partido Comunista quer o PSD andaram mal nessas duas regras. Por isso, aqui está o Partido Socialista»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Aqui está o «polícia» do regime!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — » não para se arvorar em moralista mas para fazer cumprir a Constituição, que é o único documento que guia o Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É, é! Está a ver-se!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr.ª Presidente, é para pedir à Mesa para fazer o favor de mandar distribuir este documento que tem a parte do Estatutos do Partido Socialista — a parte que eu li e não só — por todos os Srs. Deputados, onde constam os artigos ao abrigo dos quais, presumo eu, o Sr. Deputado José Lello, há algum tempo, pediu a expulsão do Partido Socialista do Dr. Manuel Alegre...!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, pode entregá-lo directamente aos serviços, para que o distribuam por todas as bancadas.

O Sr. José Lello (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Lello (PS): — Sr.ª Presidente, fui invocado aqui, de uma forma despropositada, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes»

Risos do PSD.

» e gostava de dar explicações á Càmara.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — O Sr. Deputado não foi directamente interpelado.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não foi?!

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Pode corrigir uma declaração, se assim o entender, se a considerar falsa. Para esse efeito, poderei dar-lhe a palavra.

O Sr. José Lello (PS): — Se V. Ex.ª considera que a declaração despropositada do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que é totalmente falsa, não afecta a minha honra, é a consideração de V. Ex.ª...

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Considera esclarecida a questão, Sr. Deputado, visto que a interpelação visava apenas um pedido de distribuição de um documento? Mas, se a sua honra foi ofendida, penso que poderá pedir a palavra para defesa da sua honra pessoal. É disso que se trata, Sr. Deputado?

O Sr. José Lello (PS): — Sr.ª Presidente, como, nessa invocação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, en passant, ele disse uma coisa que era falsa e que se referia a mim, apenas queria dizer que era falsa. Eu nunca disse essas palavras, portanto, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no mínimo,»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Quer, então, fazer uma defesa da honra? É, Sr. Deputado?

O Sr. José Lello (PS): — » devia retratar-se.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Quer fazer uma defesa da honra pessoal?

O Sr. José Lello (PS): — Já está!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Considera reposta a honra. Muito bem, Sr. Deputado.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Para dar explicações?! Quem devia dar explicações era o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Lello, percebo que o Sr. Deputado tenha dito que se considerava satisfeito, para ver se eu não dizia mais nada, mas tenho de dizer, em boa verdade, que não só eu mas também milhares ou milhões de portugueses o ouvimos (a ele) dizer, inclusive na televisão, que achava que o Sr. Deputado Manuel Alegre, com as atitudes de desrespeito e contra as orientações do partido, devia ser expulso do partido. Portanto, tenho imensa pena, o Sr. Deputado pode estar arrependido do que disse, mas eu ouvi-o dizer isso!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Lello (PS): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Foi novamente ofendido?

O Sr. José Lello (PS): — Não fui. Há pouco, nem sequer pedi a palavra para defesa da honra, coisa que faço agora.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. José Lello (PS): — Sr.ª Presidente, é porque, agora, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes ofendeu a verdade, dizendo coisas que eu não disse. E acho desagradável que, numa disputa política, o Sr. Deputado utilize uma forma enviesada»

Vozes do PSD: — Ahhh!»

O Sr. José Lello (PS): — » de colocar em causa as pessoas.
O que eu disse, na altura, em relação ao Sr. Deputado Manuel Alegre foi apenas que uma determinada atitude que ele tomou demonstrava falta de carácter. A mesma coisa digo agora ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes: o que está a dizer, enviesando a verdade, é uma falta de carácter manifesta.

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr.ª Presidente, com toda a franqueza, devo dizer que não esperava da parte do Sr. Deputado José Lello nem que desmentisse aquilo que disse no passado e muito menos que tentasse, para se defender do indefensável, atirar «lama» para cima dos outros.
Acho que foi um momento infeliz do Sr. Deputado José Lello, por isso não lhe levo a mal, porque não ofende quem quer, ofende quem pode, e penso que o Sr. Deputado hoje não quis ofender.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta declaração política de Os Verdes visa fazer um alerta a todos os Srs. Deputados e, simultaneamente, um apelo a toda a Assembleia da República relativamente àquilo que se está a passar a nível europeu com os organismos geneticamente modificados.
Srs. Deputados, no início de Março, a Comissão Europeia autorizou o cultivo de dois tipos de batata transgénica de uma multinacional alemã — a BASF — e de mais três novas variedades de milho transgénico, este para comercialização.
Há 12 anos, Sr.as e Srs. Deputados, que na União Europeia não se autorizava o cultivo de espécies transgénicas. A última autorização tinha sido em 1998, com a autorização do cultivo do milho MON 810, da multinacional Monsanto.
Esta batata transgénica, que agora foi autorizada a nível europeu, vai servir para produzir amido e para alimentação animal. Tem um marcador, Srs. Deputados, de genes de antibiótico, que vai ser introduzido na cadeia alimentar, por via da alimentação animal.
A autorização em questão foi muitíssimo polémica ao nível do Conselho Europeu, não obteve, nem de perto nem de longe, unanimidade, nem pouco mais ou menos. Mas, face a esta polémica, cá esteve a Comissão Europeia, empossada há tão pouco tempo, para, imediatamente, tomar, justamente, a decisão de autorizar esta espécie transgénica. Claro! A favor da multinacional do sector agro-alimentar, com todas as incertezas existentes sobre o efeito deste produto, o que levaria, naturalmente, à aplicação do princípio da precaução, que a Comissão Europeia muito apregoa, mas pouco pratica.
Vários países da União Europeia, como a Itália ou a Áustria, já declararam, directa e peremptoriamente, que não darão autorização ao cultivo desta batata nos seus respectivos territórios. A França já mandou a sua autoridade de segurança alimentar analisar este transgénico, porque não confiou na avaliação que foi feita a nível europeu, para, posteriormente, tomar essa decisão.
Ora, a pergunta que se impõe é: onde é que se coloca Portugal no meio de tudo isto? Como se posicionou? O que fez ou o que está a fazer? Foi, justamente, esta a pergunta que ontem, em sede da

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Comissão de Agricultura, Os Verdes dirigiram ao Sr. Ministro. Eis, senão, quando o Sr. Ministro da Agricultura foi extraordinariamente claro, dizendo que, até agora, Portugal nada fez, nada pensa fazer e deixará tudo ao critério da EFSA, ou seja, da Autoridade Europeia da Segurança Alimentar.
Sr.as e Srs. Deputados, já chega de Portugal não ter cabeça para pensar a nível europeu! Já chega de Portugal não defender os seus interesses e fazer tudo, absolutamente tudo, aquilo que é ditado ao nível europeu! Aquilo que é possível para outros países, por exemplo, a utilização da cláusula de salvaguarda em relação aos transgénicos, em Portugal acha-se sempre que não é possível utilizar. Ou seja: aquilo que é um mecanismo de defesa para os outros, o Governo português e as maiorias parlamentares acham sempre que não é um mecanismo de defesa para nós. Basta de confiar tanto na União Europeia em detrimento dos nossos próprios interesses — aliás, o PEC, que vamos discutir para a semana, é um exemplo claro de como a União Europeia manda e nós fazemos. Chega! Não podemos mais tolerar estas situações! É este o alerta que Os Verdes aqui querem hoje deixar, porque mais perigos vêm aí, Sr.as e Srs. Deputados. A Bayer, outra multinacional alemã já pediu à União Europeia autorização para comercializar arroz transgénico. Sr.as e Srs. Deputados, será o primeiro OGM a ir directamente para o nosso prato. Até agora, os transgénicos têm sido utilizados fundamentalmente ao nível da indústria e da alimentação animal, mas este destina-se directamente ao nosso prato, irá directamente para a nossa cadeia alimentar!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso é muito grave!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É um transgénico criado, Sr.as e Srs. Deputados, para ser resistente a um herbicida. Cai, portanto, por terra a ideia de que os OGM previnem a poluição. Este arroz transgénico será semeado e pulverizado com o herbicida, que deixará o arroz incólume. Adivinham, Srs. Deputados: a Bayer comercializa a semente e o herbicida!! Vejam bem o negócio! E rapidamente, como é natural, deixará de ser só comercializado para passar a ser cultivado. Vejam bem o negócio frutuoso!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isto é um escândalo!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Hão-de reparar, Sr.as e Srs. Deputados, que estas multinacionais pegam, a este nível, nos cereais que são a base da alimentação a nível mundial, porque é aí que se faz e se cria a grande negociata e a forma como monopolizarão a alimentação ao nível mundial. Isto é muito, mas muito, grave, Sr.as e Srs. Deputados!! O apelo que Os Verdes aqui hoje querem deixar é: por favor, estejam atentos, não sejam alheios a estes perigos que nos querem impor!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Sejamos activos a nível nacional e também a nível europeu, em defesa, de facto e concretamente, do princípio da precaução e da saúde pública.
Muito obrigada pela tolerância, Sr.ª Presidente.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Há três pedidos de esclarecimento.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, antes de mais, quero saudá-la pela intervenção que acabou de fazer e a matéria que nela aborda. Aliás, trata-se de um assunto que deve estar sempre presente nas nossas preocupações, particularmente quando a União Europeia se comporta claramente como a «comissão de negócios» destas grandes empresas multi e transnacionais, que lidam com os transgénicos.

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Cada vez está mais à vista de todos (e julgo que deste debate deve resultar também esta nota) que os transgénicos não são um instrumento para satisfazer as necessidades alimentares do globo, antes são um instrumento para aumentar a capacidade de acumulação do lucro das empresas que referiu. Falou da Bayer, mas poderíamos falar também da Pioneer, da Syngenta ou de outras tantas, como a Monsanto, que a Sr.ª Deputada também mencionou. São empresas que com isto dominam, inclusivamente, a produção agrícola dos países e que com isto colocam nas suas mãos e nos seus mealheiros a soberania alimentar dos povos e a independência dos povos no que toca à sua produção agrícola.
Portugal é um país com características muito mais viradas para uma produção agrícola completamente distinta desta, que é de uma monocultura intensiva, com custos ambientais enormíssimos e dificilmente recuperáveis ao nível dos solos e das águas.
Da nossa parte, este pedido de esclarecimento tem como intenção deixar bem claro que responderemos positivamente ao apelo que aqui deixou. Estaremos vigilantes e mais: proporemos e defenderemos a proibição do cultivo de transgénicos, a não ser para fins muito definidos, nomeadamente no campo da investigação científica e da produção de medicamentos.
Trata-se de um desafio que já lançámos a esta Assembleia. Esperamos que este debate e a necessidade de pôr fim à utilização da terra, do território e da agricultura como uma forma de acumulação de lucro, para dar lugar à sua utilização como uma forma de suprimento das necessidades das populações e de garantia da soberania alimentar presida na consciência dos partidos e dos Srs. Deputados, que, também nesta Casa, sistematicamente, vão «fazendo o jeitinho» a essas empresas que querem utilizar o território nacional e o território de todo o mundo para amealhar sempre mais, à custa sempre dos mesmos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Calvário.

A Sr.ª Rita Calvário (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, o Bloco de Esquerda considera profundamente lamentável esta decisão da Comissão Europeia, mas também considera lamentável a política do Governo português relativamente aos transgénicos. O Governo tem seguido sempre as decisões europeias sem recorrer ao mecanismo de salvaguarda.
Com este Governo não verificamos mudança de posições. Ainda ontem, ao questionarmos o Ministro da Agricultura sobre estas novas variedades transgénicas, o que nos disse foi que nada tem contra os transgénicos, que apenas segue o que vem da Comissão Europeia e até diz que se outros países os usam também Portugal os deve usar, por motivos de competitividade. Veja-se bem!! Diz também o Ministro que se guia pelo princípio da precaução. Ora, numa matéria em que há tanta incerteza científica e em relação à qual tantos riscos são apontados, nomeadamente no que se refere à segurança alimentar, à saúde pública e também ao ambiente, gostaria de saber se a Sr.ª Deputada considera que é compatível dizer que se aplica o princípio da precaução ao mesmo tempo que se está a permitir o uso e o cultivo de transgénicos no País.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Glória Araújo.

A Sr.ª Glória Araújo (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, já não é a primeira vez que discutimos esta matéria aqui, em Plenário, e, portanto, não será talvez necessário esgrimir os argumentos do costume. É público, notório e reconhecido, inclusivamente pela Sr.ª Deputada, que a Europa continua a ter a legislação mais restritiva a nível mundial no que diz respeito à aprovação de organismos geneticamente modificados.
No entanto, Sr.ª Deputada, em relação a esta matéria devo dizer-lhe que, com a evolução científica e a avaliação cada vez mais aturada e rigorosa (exaustiva, até) dos riscos efectuada pela EFSA, que é a

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Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, onde considero e considera a própria União Europeia que está salvaguardado o princípio da precaução e da saúde pública, a Sr.ª Deputada corre o sério risco (pelos vistos, acompanhada por mais bancadas) de evoluir de uma situação de neovitalismo para uma situação de total catalepsia. A Sr.ª Deputada não aceita que seja possível evoluir no conhecimento acerca destas matérias. Este é um facto indesmentível.
A Sr.ª Deputada falou na defesa dos nossos interesses — e muito bem! É aí, precisamente, que gostaria de centrar a minha pergunta. A Sr.ª Deputada, persistindo nesta sua dúvida metódica até ao limite da razoabilidade, tem de reconhecer que isso implicará coerência de pedir, por exemplo, a proibição de importação de carnes com origem no Brasil e na Argentina, do leite e ovos provenientes de todos esses países onde os animais são alimentados com matérias-primas que os Estados-membros usam.
Sabendo a Sr.ª Deputada (e julgo que, pelo menos, considerará a questão da perda de competitividade) o que isso significa para a agricultura e o sector agro-alimentar europeus, está a Sr.ª Deputada na disponibilidade de pedir a proibição desse tipo de produtos?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Miguel Tiago e às Sr.as Deputadas Rita Calvário e Gloria Araújo as questões que colocaram e dizer o seguinte: Sr. Deputado Miguel Tiago, sim, é verdade que este princípio da precaução está completamente desvirtuado a favor, sempre, dos negócios que são criados em torno do sector agro-alimentar. E, sendo a alimentação um sector vital para a humanidade, é evidente que outra lógica deveria gerir toda esta política em torno da qualidade e da segurança alimentar.
Sr.ª Deputada Rita Calvário, sim, é verdade. Até a legislação que se criou em Portugal para a criação de zonas livres de transgénicos é uma verdadeira aberração, porque foi criada de modo a que elas não pudessem ser criadas. Foi esse o único objectivo do Partido Socialista, que, com maioria absoluta, quis instaurar ao nível legislativo no sentido justamente de abrir todas as portas ao negócio e de não haver barramentos por parte da vontade dos agricultores, designadamente no sentido de não cultivar organismos geneticamente modificados.
Também nos devemos questionar sobre se porventura a França aprovou o cultivo do milho MON 810, da multinacional Monsanto. Por que carga de água, Sr.ª Deputada Glória Araújo, terá a França, há relativamente pouco tempo, feito a proibição daquilo que tinha autorizado há uns anos?... Não lhe passa pela cabeça o que terá acontecido? Não terão sido realizados estudos que indicaram que aquele cultivo estava a ter implicações sobre a saúde pública?

A Sr.ª Glória Araújo (PS): — Não!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não?! Diz a Sr.ª Deputada! Pois não! A França é tonta! E então o que fez? Permitiu o cultivo e depois proibiu-o porque passou pela cabeça de alguém. Não! Foi porque naturalmente se concretizou aquilo que a Sr.ª Deputada quer inviabilizar e não lhe passa pela cabeça que se possa fazer em Portugal, porque a Sr.ª Deputada acha que não devemos ser activos nesta matéria. É até uma matéria, se calhar, em relação à qual não deveríamos ter qualquer preocupação. Os outros que façam e que decidam por nós! Pois não é essa a nossa postura, Sr.ª Deputada! Lamentamos! São questões de liberdade que aqui se colocam!

Protestos do PS.

Se os Srs. Deputados respondessem a esta matéria com tanta veemência como responderam às questões de liberdade de há pouco, estavam os portugueses salvos.

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Protestos do Deputado do PS Sérgio Sousa Pinto.

Mas não! Os senhores põem-se com questões laterais, e as questões que são verdadeiramente importantes para a liberdade de opção dos portugueses, essas ficam completamente marginalizadas! Em relação à evolução científica, Sr.ª Deputada, sabe que há evolução científica para todos os gostos. A Sr.ª Deputada já deveria saber disso. A Sr.ª Deputada até sabe que há estudos científicos que já concluem aquilo que politicamente se concluiu. Ou não sabe? Sabe, com certeza, Sr.ª Deputada, porque não somos ingénuos e não andamos aqui todos a dormir! A questão é a seguinte: o princípio da precaução não é aquilo que apetece ao PS, Sr.ª Deputada! O princípio da precaução é assim: em caso de dúvida científica, que é exactamente o que acontece ao nível dos transgénicos, aplica-se aquilo que melhor salvaguarda a saúde pública. É tão simples quanto isto! Por isso é que uns autorizam o cultivo e depois retiram essa autorização. Nós não estudamos, continuamos a cultivar, fazemos tudo o que a União Europeia determina e, Sr.ª Deputada, a União Europeia, face à posição que alguns países tomaram de rejeição liminar deste cultivo, até veio dizer que, «provavelmente, até ao Verão, vamos facilitar a norma para que os países possam rejeitar as autorizações que nós damos». Veja bem, Sr.ª Deputada, ao ponto a que isto chegou!...
Mas sabe qual é a confiança da União Europeia? Haverá sempre uns «pobrezinhos», como o Governo português faz de nós, que aceitarão e abrirão a porta do mercado a estas grandes multinacionais.
É isto! É este o papel que fazemos e recusamos liminarmente esse papel, em favor da saúde pública, dos nossos interesses nacionais e mundiais.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, há mais quatro inscrições para declarações políticas, mas como já terão verificado, o som tem algumas deficiências. Portanto, pedem-nos os técnicos de som que interrompamos os trabalhos por 3 minutos, de modo a poder ultrapassar este problema, pelo que vamos suspender os nossos trabalhos.

Pausa.

Srs. Deputados, os problemas com o som estão ultrapassados, pelo que estamos em condições de retomar os nossos trabalhos.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O sorriso aparentemente simpático da Sr.ª Ministra da Educação é afinal o sorriso matreiro de quem aguarda o adversário numa esquina, para preparar, de surpresa, sobre ele, uma emboscada.
Passados dois meses e meio sobre o início das negociações, dois meses de continuação da instabilidade e da incerteza nas escolas, de confusão entre sistemas de avaliação de desempenho docente, de sobrecarga de professores e órgãos de direcção das escolas, o Governo apresenta aos sindicatos um documento — a que chama versão final do Estatuto da Carreira Docente — no qual insere ataques absolutamente inaceitáveis à dignidade da carreira docente.
Durante dois meses e meio, o Governo fez criar a ideia de que estaria, de facto, a negociar, no âmbito do mandato que lhe foi atribuído pela Assembleia da República, através até de um projecto de resolução, para que, passados todos os prazos, à margem de todo o processo negocial, viesse a quebrar os compromissos assumidos com os parceiros e com a própria Assembleia da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É certo que, desde logo, o PCP denunciou o conteúdo vago dessa resolução e o recuo político do PSD.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Desde logo, afirmámos, sem dúvidas, que a única forma de criar condições para a resolução dos problemas criados pelo anterior Governo, na carreira docente e nas escolas, seria a da suspensão da vigência do sistema de avaliação de desempenho. A realidade veio, uma vez mais, a dar razão ao PCP: as escolas vivem um clima de confusão, duplicando esforços administrativos e o processo negocial não deu resposta a significativas reivindicações dos professores, reivindicações, essas, que constituíram motivos fundamentais para a justa e grande luta dos professores portugueses.
Os horários, a prova de ingresso, a transição entre modelos, o modelo de gestão autocrático e antidemocrático, a distribuição insuportável da componente lectiva e não-lectiva, a aplicação do regime de avaliação «Simplex», a não integração na carreira de professores contratados e, agora, a reviravolta e a peripécia do Governo ao introduzir novos constrangimentos no Estatuto, já depois de ter terminado o processo negocial com as estruturas sindicais, revelam, no mínimo, má-fé na forma como foi gerida a negociação por parte do Governo.
O Governo prolongou por dois meses e meio a dúvida, negociou um conjunto de aspectos e, efectivamente, pôs fim à divisão hierárquica da carreira. Mas a que custo, Srs. Deputados?! Será que o Governo teria conseguido a assinatura de um acordo de princípios com os sindicatos se tivesse revelado a totalidade da sua estratégia?! Na verdade, a apresentação de um diploma que contém disposições que não chegaram em momento algum a ser negociadas vem pôr, objectivamente, em causa o carácter especial da carreira docente.
À margem do processo negocial, revelando ausência de rectidão e frontalidade, o Governo, num acto de ataque à escola pública, vem pôr fim aos mecanismos de mobilidade docente, acabar definitivamente com os quadros e aplicar normas de precarização e desvalorização da carreira. Permitiu avanços na regulamentação da carreira — é certo! —, mas tudo fará agora para que ninguém lhes aceda! O que o PCP, hoje, aqui vem dizer é muito claro: a ausência de ética negocial, o ataque à escola pública e a política educativa de direita não podem esconder-se por detrás de caras novas, para manter no essencial a mesma política. Dizemos que os problemas com que se confrontaram os professores e as escolas não se prendiam apenas com a postura mais ou menos simpática do anterior Ministério mas com a orientação política de ataque aos direitos de todos os trabalhadores, nomeada e particularmente os da função pública.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O PCP denunciou o projecto quase escondido do Governo do PS para pôr fim aos processos de recrutamento por concurso nacional com base em lista graduada e o Governo vem, na fase final de uma negociação sindical, dar um grande passo nesse mesmo sentido: finge negociar, mantém o essencial na mesma e não tem, sequer, a coragem política de o assumir perante os parceiros.
O comportamento do Governo foi de tal ordem manipulador e cínico que apenas divulgou o documento final após a passagem de todos os prazos, nomeadamente do prazo para a requisição do período suplementar de negociação. Isto é vontade de dialogar, Srs. Deputados? Não, não é! Isto é afronta! O projecto de resolução do PSD veio a revelar-se o instrumento de que o Governo precisava para ganhar tempo e enganar os portugueses, em particular os professores, assim mantendo a sua linha de ataque político à sua dignidade profissional e à qualidade da escola pública. O Governo e o Ministério da Educação, com o apadrinhamento do PSD, mantêm a sua intransigência, agora disfarçada com uma cara diferente.
Aparentemente diferentes, Maria de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada são, afinal de contas, «as gémeas na aventura contra a escola pública». São «gémeas», pesem as diferenças de estilo, no objectivo central de manipular as estatísticas, no objectivo de privatizar as escolas e de fragilizar a posição profissional dos professores. Se se vier a verificar o conteúdo dos documentos anunciados pelo Governo aos sindicatos, estaremos perante novos motivos para que os professores tornem a adoptar a posição de combate e de luta contra essas medidas.
O PCP já propôs um novo regime de gestão escolar, para repor e aprofundar a democracia nas escolas; já propôs alterações ao regime de concursos que o Governo agora, pura simplesmente, vem liquidar; já propôs o fim das quotas na avaliação e o descongelamento das carreiras para fins de progressão. As imposições agora

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apresentadas pelo Ministério da Educação só merecerão, da parte do PCP, o redobrar dos esforços, aqui, na Assembleia da República, mas também fora dela, e poderão os professores contar, como sempre, com esta força coerente e comprometida, não comprometida com a agenda mediática mas com a luta em defesa de uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos. E desde já afirmamos que a Sr.ª Ministra da Educação terá de prestar cabais esclarecimentos a esta Assembleia já na próxima reunião agendada, na Comissão de Educação e Ciência, sobre esta matéria.
O Governo quebrou a confiança nesta negociação. Caberá à luta e ao protesto, mas também a esta Assembleia, de uma vez, não permitir mais traições aos professores!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Mesa registou quatro inscrições para pedidos de esclarecimento, a primeira das quais é a da Sr.ª Deputada Ana Drago, a quem concedo a palavra.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, de facto, todos fomos surpreendidos, ontem, pela notícia de que o último projecto de Estatuto da Carreira Docente, apresentado pelo Ministério da Educação aos sindicatos que firmaram o Acordo, em 8 de Janeiro, continha aspectos que nunca, nunca foram discutidos, ao longo de, diria, quase quatro meses da negociação que decorreu entre sindicatos de professores e Ministério da Educação. Isto é, de facto, inqualificável e mostra uma profunda falta de seriedade em todo este processo.
Se havíamos tido uma enorme imobilidade do Ministério da Educação no sentido de dar resposta às negociações, fica agora explicado. Todo o horizonte de esperança que estas negociações, em determinado momento, podiam fazer perceber, afinal, esboroou-se, não há esperança nenhuma! E creio que esta é, de facto, a pior notícia para as escolas e para os professores.
Sabemos que o sistema educativo está absolutamente atolado em problemas para os quais não tem tido respostas, por parte do Ministério da Educação. Pelo contrário, a anterior legislatura foi, aliás, pródiga em acrescentar novos problemas à escola: criou uma divisão absurda da carreira docente; dificultou a progressão, com um modelo de avaliação de desempenho absolutamente inaplicável e que para nada servia, em termos de qualidade das escolas; sobrecarregou o horário dos professores; criou um modelo de gestão absolutamente autocrático, como se a gestão das escolas necessitasse de confiança política — e, portanto, permitiu a entrada de lógicas clientelares e partidárias na gestão das escolas; dificultou o acesso à formação contínua; e manteve uma inqualificável precariedade em tantos professores contratados — quase um quarto dos professores do sistema educativo têm um vínculo precário.
Estas negociações, às quais, aliás, este Parlamento deu espaço, no sentido de que algum dos problemas do «novelo» criado por Maria de Lurdes Rodrigues pudesse ser resolvido, afinal, nada parecem ter resolvido.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente.
O projecto de que tivemos conhecimento ontem parece indiciar apenas uma coisa: os professores continuam a ser o alvo preferido do Governo do Partido Socialista.
A Assembleia da República, obviamente, tem de assumir as suas responsabilidades, que, creio eu, há uns meses atrás, não assumiu na totalidade.
O Bloco de Esquerda assume que chamará este diploma para discussão na Assembleia da República, no âmbito de uma apreciação parlamentar, e o que lhe pergunto, Sr. Deputado Miguel Tiago, é se o Partido Comunista Português assume a mesma responsabilidade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, de facto, fomos surpreendidos com a forma como o Governo permitiu ou planificou um processo negocial, demonstrando uma táctica intocável mas, do ponto de vista ético, absolutamente condenável.
O Governo tentou fazer-nos crer, a todos, não foi apenas aos professores, que estava, efectivamente, disponível para negociar. E, hoje e ontem, na Comissão de Educação, ouvimos diversas estruturas sindicais dizerem que, por momentos, confiaram e pensaram que, de facto, existia disponibilidade para negociar. O Governo planificou essa ilusão de tal forma ao pormenor que só passados todos os prazos de negociação apresentou um documento repleto de disposições que nunca tinham estado em cima da mesa negocial com os seus parceiros, neste caso, os sindicatos. Isto revela uma ausência de carácter tal que roça o inqualificável! Portanto, fomos, de facto, surpreendidos na forma, Sr.ª Deputada, mas deixe-me dizer-lhe que talvez não tanto no conteúdo. É porque o PCP depositou poucas esperanças na alteração da figura da Sr.ª Ministra e nos sorrisos ou na maior simpatia. Para nós, era claro que a orientação política deste Governo continuava a ser a do desmembramento da escola pública e do ataque aos professores, estava apenas em causa se os professores conseguiriam conter esse ataque ou se o Governo conseguiria levar a cabo a sua estratégia.
Sr.ª Deputada Ana Drago, deixo uma resposta concreta à sua questão: é óbvio que o PCP tudo fará, como no passado, incluindo a apreciação parlamentar dos diplomas — aliás, já o manifestámos junto das estruturas sindicais —, para que esta Assembleia não deixe que lhe escape, outra vez, por entre os dedos, a solução deste problema.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — O PSD garantiu ao Governo o espaço de que veio a precisar para enganar os professores, mas esta Assembleia não pode dar-se ao luxo de permitir que a solução lhe escape, outra vez, por entre os dedos. O PCP estará do lado dos que apertam a malha, não estará do lado dos que recuam nos compromissos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Rodrigues.

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, com as suas políticas, com os seus avanços e recuos, este e o anterior Governo desautorizaram os professores, lançaram a instabilidade nas escolas, contemporizaram com a indisciplina, as faltas e mesmo o laxismo de alguns alunos.
O Governo quer uma avaliação rigorosa e, às vezes, injusta para os professores, mas não se compromete com a promoção do mérito, do esforço e do aproveitamento dos alunos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Horácio Antunes (PS): — Não é verdade!

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — É verdade, Sr. Deputado, que fomos surpreendidos com uma possível versão final do decreto-lei relativo ao Estatuto e à avaliação da carreira docente, o qual terá representado, na sua própria opinião, uma traição aos sindicatos e às organizações sindicais. Pela minha parte, entendo que foi uma traição aos sindicatos,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E aos professores!

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — » mas, mais do que isso, aos professores e tambçm a esta Assembleia da Repõblica,»

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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — » que havia dado um mandato claro ao Governo para negociar com as organizações sindicais um novo Estatuto e um novo modelo de avaliação mas não para ir tão longe quanto, pelos vistos, foi, prejudicando quer os concursos quer outras matérias, designadamente, o ingresso na carreira.
A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado Miguel Tiago, é esta: afinal, que avaliação de desempenho dos professores vamos ter, este ano, quando se anuncia mais uma ronda negocial possível para o dia 24 de Março, quando há avaliações intercalares para fazer e também avaliações dos professores contratados?!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado José Manuel Rodrigues, antes de lhe responder, permita-me que faça também algumas considerações sobre as suas declarações iniciais.
É um facto que este Governo tem dirigido uma política educativa que visa, no essencial, a manipulação estatística para satisfazer determinados objectivos políticos, e quer fazê-lo à custa dos professores. Mas não partilhamos da ideia, pelo menos da forma simplista como a tentou colocar, de que isso se faz à custa do laxismo para o estudante. Se é verdade que falta um normativo transparente e claro, no que toca ao Estatuto do Aluno, não é menos verdade que falta um conjunto de iniciativas públicas junto da escola, para garantir que a escola consegue assegurar a sua missão relativamente aos estudantes e que é promover o seu sucesso escolar e a sua integração, quer social quer do ponto de vista do trabalho.
Por isso mesmo, não entendemos que haja para os professores um aperto muito forte e para os estudantes uma grande folga; há é uma tentativa de atacar os direitos de todos, porque de certa forma também os direitos dos estudantes são defraudados, sendo igualmente os estudantes atacados por esta política, mais que não fosse por lhes estar a ser negado o direito ao conhecimento, o qual incumbe ao Estado garantir.
Sobre as questões que colocou, tenho a dizer-lhe que, de facto, há uma traição — e eu disse-o dali — a esta Assembleia da República, porque, muito embora o projecto de resolução do PSD fosse vago, ele partia de um conjunto de pressupostos que todos sabemos que foram ludibriados pelo Governo. Muito embora ele tivesse e criasse brechas, sabemos bem que o Governo se aproveitou delas e as abriu com toda a sua força.
Portanto, há de certa forma uma traição ao espírito da resolução que a Assembleia aqui permitiu, com a abstenção de alguns partidos, que fosse aprovada.
Mas também não nos enganemos: existiam projectos de resolução em discussão nesta Assembleia, nomeadamente o do PCP, que não teriam permitido esta jogada por parte do Ministério.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Dizia eu que esses projectos de resolução não teriam permitido esta fuga por parte do Ministério nem esta manobra de engano junto dos professores.
Que avaliação vamos ter? Ora, aí está uma pergunta com que certamente todos os dias os professores, os órgãos de gestão e os directores se confrontam nas escolas, enquanto andam a aplicar o «Simplex» a uns e a ver já que daqui a poucos meses terão de preparar um novo calendário de avaliação para outros, entretanto, ninguém sabe de coisa nenhuma, e os efeitos disto sentir-se-ão na carreira dos professores.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Barros.

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A Sr.ª Paula Barros (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, quem surpreendeu hoje, aqui, com esta intervenção foi mesmo o Sr. Deputado, porque fundou toda a sua intervenção em palavras como «suspeição», «manipulação», «fim de negociação» e tudo isto rima com uma palavra simples que é «indigestão»...

Aplausos do PS.

Provavelmente, a «indigestão» que provocou ao Sr. Deputado — e é isso que hoje, aqui, nos revela — o facto de, a 8 de Janeiro de 2010, ter sido possível a assinatura de um acordo de princípios entre as estruturas sindicais e o Ministério da Educação em relação a questões de superior interesse e que por esse mesmo motivo não devem ser confundidas nem remetidas para o palco do, puro e simples, ataque político-partidário.
Sr. Deputado, convém trazer a este Plenário, sim, a verdade, e teríamos muito gosto em que da Tribuna tivesse informado esta Câmara acerca da verdade dos factos.
E a verdade dos factos é que esta Assembleia da República constituiu um grupo de trabalho para acompanhamento das negociações entre as estruturas sindicais e o Ministério da Educação, as negociações decorreram normalmente, culminaram com a assinatura de um acordo de princípios a 8 de Janeiro de 2010 e, a partir daí, o próprio Sr. Deputado argumentou, para a manutenção deste grupo de trabalho, que as negociações não estavam fechadas, e as negociações não estão fechadas.
O que ouvimos das estruturas sindicais em Comissão de Educação e Ciência — todas elas vieram entre o dia de ontem e o dia de hoje à Comissão — foi que o que estava assinado em termos de acordo de princípios estava vertido no texto da proposta de decreto-lei relativo ao Estatuto da carreira docente.
Para além disso, existia um outro conjunto de matérias que não tinha sido ainda alvo de negociação e ouviu provavelmente, como eu, que essa negociação continuará a 24 de Março — está já agendada — entre o Ministério e as estruturas sindicais.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não é verdade!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — É isto, Sr. Deputado, que deve ser respeitado a bem de uma solução definitiva para a situação da escola pública em Portugal, que o Sr. Deputado tanto diz defender, bem como a classe dos professores. Mas, no fundo, o que aqui demonstra é que a sua defesa da classe dos professores é, mais uma vez, querer pôr os professores na rua para desse modo se servir em termos de protagonismo próprio, procurando por essa via suplantar-se inclusivamente às estruturas sindicais.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é má consciência! É má consciência vossa!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Agradeço-lhe que termine, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — A má consciência é do PCP, que até ao momento não conseguiu «digerir» este acordo, que não consegue orientar a sua política no sentido da defesa real da escola pública — que era aquilo que deveria fazer — e se serve desta situação para aproveitamento político-partidário!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr.ª Deputada, tem mesmo de terminar.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Isso não lhe fica bem, Sr. Deputado; deveria respeitar também as estruturas sindicais.

Aplausos do PS.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

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O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Paula Barros, vou tentar manter alguma seriedade na minha intervenção, mas confesso que será difícil depois de ter sido torpedeado por tanta»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Tanta demagogia!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — » demagogia — é a palavra que o Sr. Deputado Bruno Dias me fornece neste momento.
A Sr.ª Deputada não percebe uma coisa: quem está a pôr os professores na rua não é o PCP, são o PS e o seu Governo que sistematicamente os atacam. E põem-nos na rua de duas maneiras: porque põem-nos fora da carreira, fora do sistema e porque mantêm a precariedade, pois não os contratam. Ainda ontem ficámos a saber que no quadro dos professores por cada 36 que saem entra 1. Bem, é uma frente de ensaio para as políticas deste Governo de «saem 3, entra 1»...! A Sr.ª Deputada tem de perceber que o que põe os professores na rua, seja no «olho da rua» seja na rua a lutar, são as políticas que este Governo tem dirigido contra a escola põblica»

Aplausos do PCP.

» e que obviamente provocam junto dos professores o maior repõdio pela forma como o Governo trata a escola.
A Sr.ª Deputada invocou a verdade dos factos. Eu teria muita dificuldade em fazê-lo estando no seu papel; teria muita dificuldade em conseguir manipular a realidade dessa forma, porque escondeu que o acordo de princípios incidia sobre três aspectos e que, dando resposta a esses três aspectos, o Governo mexeu num conjunto de outros de que nunca falou, tendo escondido até ao último momento que iria mexer neles.
A grande questão que se coloca para termos a plenitude da verdade dos factos é a seguinte: será que o Governo e os sindicatos conseguiriam assinar um acordo de princípios se se soubesse à partida que aqueles três itens não eram os únicos em cima da Mesa, que o Governo ia acabar com os concursos de professores, ia acabar com os quadros e criar mapas e ia acabar com a mobilidade dos professores?!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Já vai ter a minha resposta a isso!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Será que teria conseguido esse acordo? Portanto, o Governo usou má fé na forma como negociou, porque colocou apenas três itens em cima da mesa para negociar e na verdade trouxe mais uma catadupa de outros, os quais nunca teve sequer a dignidade de dizer aos professores que estavam em cima da mesa para negociação.

O Sr. João Oliveira (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Deputada, deixo-lhe uma última nota sobre a verdade dos factos.
A Sr.ª Deputada não sabe, ou finge não saber, que os processos negociais em Portugal também são regulamentados por lei e que há calendários de negociação!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está farta de saber!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — A negociação terminou, Sr.ª Deputada! Uma carta ou um e-mail do Ministério a dizer aos sindicatos que no dia 24 se juntam todos lá para trocarem opiniões não é negociação sindical, não é negociação laboral! A negociação laboral tem um calendário definido pelo Governo, o qual foi discutido pelos sindicatos, cumprido e terminou, e no fim desse calendário o Governo traiu a negociação!

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Jesus.

A Sr.ª Vânia Jesus (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, relativamente à matéria trazida a discussão por parte do PCP, gostaria de lembrar, particularmente ao Sr. Deputado, que se houve grupo parlamentar que procurou criar condições para que houvesse negociação entre as estruturas sindicais e o Governo foi o do PSD,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O resultado está à vista!...

A Sr.ª Vânia Jesus (PSD): — » quando apresentou um projecto de resolução nesta Casa»

Aplausos do PSD.

» para que houvesse uma pacificação, após os quatro anos de instabilidade que se viveram nas nossas escolas devido aos factores negativos do Estatuto de 2007 e contra o qual, se a memória não me falha, nenhum dos grupos parlamentares votou contra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Veja lá!

A Sr.ª Vânia Jesus (PSD): — Aliás, o que esteve na base do projecto de resolução está hoje no acordo de princípios que foi assinado entre o Governo e as estruturas sindicais, nomeadamente a eliminação da dupla carreira, o novo modelo de avaliação e a não penalização dos professores que não cumpriram o estipulado no modelo.
A primeira nota que quero deixar é a de que estamos satisfeitos, sim, com a assinatura do acordo, mas estamos extremamente preocupados, com certeza, após as audiências de ontem e o testemunho deixado hoje pelas estruturas sindicais na Comissão de Educação e Ciência,» O Sr. Bruno Dias (PCP): — É um «contentamento descontente»...!

A Sr.ª Vânia Jesus (PSD): — » com o impacto que isto poderá ter nas nossas escolas. É porque, após o aparente período de tréguas e clima de entendimento pós-negocial decorrente do acordo entre as estruturas sindicais e o Governo (a verdade é que se assistiu a um abrir de braços por parte do Ministério), esta semana o Ministério veio impor um documento que o transforma e que traz alterações substanciais que nunca estiveram sobre a mesa das negociações com os sindicatos — ainda ontem havia quem chamasse a isso «traição negocial»...! Lembro também que foi enviado um documento às estruturas sindicais que, segundo nos foi dito, era confidencial. Os Deputados e as Deputadas desta Assembleia da República foram deixados à margem dessas informações, sendo que bem sabe a Sr.ª Ministra da Educação que foi criado — como foi dito aqui, hoje — um grupo de trabalho para acompanhar estas matérias.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Vânia Jesus (PSD): — Por isso, termino dizendo ao Sr. Deputado Miguel Tiago que, mais do que chamar à responsabilidade o Partido Social-Democrata e esta bancada, seria útil chamar à responsabilidade o Governo e a bancada do PS para que não se assista ao percurso que vivemos neste últimos quatro anos e a esta inversão de marcha nas negociações.
A verdade é que só ontem, depois de recebermos os sindicatos na Comissão de Educação e Ciência, é que o Ministério voltou a reabrir um período de negociações. Logo, isto não é sério. É preciso percebermos que rumo é que isto vai ter e chamar igualmente à responsabilidade, sobretudo, a bancada do Partido Socialista.

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Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago, para responder.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Vânia Jesus, se o PSD tentou criar condições para resolver o problema dos professores ou o problema do Governo é uma dúvida que persistirá para sempre,»

Risos do Deputado do PCP Bruno Dias.

» porque aquilo que hoje temos de palpável prova que foi mais prestável ao Governo do que aos professores.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — E não foi por falta de aviso, Sr.ª Deputada.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está a ver?!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Não estamos, obviamente, a reduzir a zero a importância da resolução da Assembleia da República — aliás, porque é ela que mandata o Governo para fazer a negociação. Mas todos os partidos desta Assembleia deixaram bem claro que havia formas de limitar a negociação, curiosamente com excepção daquele que conseguiu aprovar, até com a complacência do PS, o projecto de resolução. E estão à vista os resultados quer queiramos quer não. Agora, poderá o PSD dizer: «Ah, mas não era essa a nossa intenção.». E é bom que o diga, para que se perceba o grau de traição e de quebra de confiança entre o Governo e a Assembleia da República.
Sr.ª Deputada, a verdade é que desde o primeiro momento dissemos — e não fomos o único partido a afirmá-lo — que o vosso projecto de resolução deixava espaço ao Governo para conseguir prolongar e manipular a negociação. O PSD persistiu, o PS e os restantes partidos viabilizaram-no, mas viabilizaram-no por motivos distintos. Percebemos muito bem quais foram os motivos na intervenção da Sr.ª Deputada do Partido Socialista, pois agora veio valorizar o projecto de resolução. Obviamente, porque hoje está claro que para o Governo e para o Partido Socialista esse projecto de resolução foi a salvação. E também está claro que para a oposição foi o mal menor, porque naquele dia o PSD impossibilitou uma solução de compromisso que resolvesse de facto os problemas dos professores.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Responsabilizamos ambos os partidos, é verdade, mas responsabilizamos de forma diferenciada, Sr.ª Deputada.
O Governo tem responsabilidades, porque conduz o processo e apresenta à última da hora um projecto que nada tem a ver com a negociação feita até então.
A Sr.ª Deputada disse na sua intervenção que se abriu um novo processo de negociação. Já agora, sei que não poderá responder-me, mas deixo-lhe uma pergunta.
Não temos nenhuma prova de que está aberto um novo processo negocial. Há uma reunião agendada para dia 24 de Março, via e-mail, junto das estruturas sindicais, a qual tanto pode ser para abrir um novo processo negocial, que pode durar outros três meses, como para juntar todos os sindicatos»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir, por favor.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — » e dizer «aqui está a versão final do documento«.
O que sabemos é que, para haver um processo negocial, ele tem de ser calendarizado e o calendário tem de ser discutido com os sindicatos, o que até agora não foi feito.

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Sr.ª Presidente, peço-lhe uma tolerância de um segundo.
Sr.ª Deputada, qualquer dos desfechos é grave, porque se houver um novo processo negocial significa que o Governo está a fazer tudo para dilatar o processo e não resolver o problema nas escolas, enquanto continua a pender sobre os professores o regime que o seu partido não quis suspender. E, se não for um processo negocial, é pior ainda, porque vai impor, desde já uma nova legislação aos professores com quem não negociou.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Informo a Câmara de que ainda haverá duas declarações políticas, pelo que dou agora a palavra ao Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que, como nota prévia, dê conhecimento a esta Câmara de que acabámos de tomar conhecimento, por parte da comunicação social, de que o Presidente da República promulgou as alterações feitas por esta Câmara à Lei das Finanças Regionais.
Não é demais realçar, não é demais chamar a atenção para o facto de que foi o PS o primeiro partido, através do Deputado Ricardo Rodrigues, depois de todas as discussões que tivemos nesta Câmara, a congratular-se por essa promulgação.

Vozes do BE e do PCP: — Ora viram»?!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Passo agora, então, ao objecto da minha intervenção.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Programa de Estabilidade e Crescimento, que o Governo ontem apresentou, é dos mais violentos ataques às pessoas e aos serviços e bens públicos que o País conheceu, até hoje. O programa de privatizações que se anuncia não deixa quaisquer dúvidas. É um programa economicamente errado e socialmente injusto, que hipoteca o presente e desiste do futuro.
As contas são claras: o Estado perde muito mais do que ganha. O que o Governo prevê poupar, por ano, com a lista interminável de privatizações, é igual aos dividendos que, também por ano, ganha só com os CTT e a EDP.
E qual é a justificação que o Governo nos dá para todas estas privatizações? Que estranho desígnio nacional obrigará a este ataque aos serviços públicos? Diz-nos Teixeira dos Santos que é para poupar 170 milhões de euros anuais. Mas estes 170 milhões de euros são os mesmos que o Governo ganhou em dividendos dos CTT e da EDP, são os mesmos que, anualmente, deixará de ganhar, com a privatização destas empresas. Se a estas duas empresas juntarmos a ANA, percebemos que, anualmente, perderemos continuadamente dinheiro com todas estas privatizações.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — É verdade!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — O Governo apresentou-nos também uma conta sobre a redução dos juros da dívida pública, conta essa que resultará de todas estas privatizações. Em 2011, todas — repito: todas! — estas privatizações representarão 50 milhões de euros de redução do custo dos juros da dívida pública.
Mas, ao mesmo tempo, o Governo está disposto a adiar uma tributação sobre as mais-valias bolsistas, medida essa que renderia 250 milhões de euros, segundo cálculos do próprio Governo.
O Governo do PS está a leiloar o País e a desistir do futuro.

O Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E não nos perguntaram opinião.
A privatização da ANA, da REN, da CTT, da EDP, da TAP — e, sabemos agora, uma parte da CP e dos Estaleiros de Viana do Castelo — não estavam nos compromissos eleitorais do Partido Socialista. Não estão no Programa do Governo!

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Para que serviram estes compromissos? Onde está a palavra dada? Não foi com esta privatização cega de sectores fundamentais que o Partido Socialista ganhou as eleições.
Trata-se de um feroz ataque do Governo ao bem público.
O Bloco de Esquerda denunciou-o: o Partido Socialista tinha um programa oculto de privatizações, que não queria revelar aos portugueses. E tínhamos razão. Aqui está o PEC! Aqui está o fim do mistério sobre o plano de privatizações que o Governo escondeu dos portugueses, enquanto lhe deu jeito.

Vozes do BE: — Exactamente!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Aliás, com o novo aeroporto e o TGV «em banho-maria», com a violência social exercida sobre os mais fracos, é a hora para perguntar: o que fez o PS das suas bandeiras eleitorais? Meteu-as na gaveta, tal como meteu o investimento público, que, ainda há tão pouco tempo, fazia vibrar o Sr. Primeiro-Ministro.
E a lista negra das privatizações é o preço que cada um e cada uma de nós pagarão. Aqui estão os bens e serviços a que qualquer cidadão tem direito, e que se converterão em mais uma negociata, a que já nos fomos habituando, pela mão do Governo PS.
Onde irá cada reformado levantar a sua reforma, no final de cada mês? E como o fará, com a privatização dos CTT? Por que é que este Governo aceita penalizar sempre os mais fracos, conformando-se com as desigualdades e com a desertificação do interior do País? A privatização da REN é mais um exemplo de outro monopólio natural que será detido por privados e que nos fará reféns da política do lucro.
Façamos as contas e falemos claro: a opção privatizadora não serve para garantir a estabilidade das contas públicas; é um ataque às posições estratégicas que o Estado detém, degradando as contas públicas.
Sr.as e Srs. Deputados: A política de privatizações que o Governo está a levar a cabo é o maior frete à direita que alguma vez foi feito no nosso país.
Como é possível dizermos que se defendem os serviços públicos quando se procede à delapidação do Estado?! Como poderemos defender os serviços públicos quando se corta nos financiamentos?! Como se pode dizer que se defendem os interesses dos portugueses quando se privatizam monopólios naturais?! E é essa a matriz privatizadora do Governo: privatização de monopólios naturais, colocando serviços públicos fundamentais nas mãos dos privados. São os CTT, é a REN, mas é também a CP Carga... Até o transporte de mercadorias!!!! Nada escapa a este saque do Governo! Sr.as e Srs. Deputados: Este é o exemplo das políticas que o PS criticou quando a direita estava no Governo. Já se esqueceram! Hoje, «vão-se os dedos e os anéis», com o silêncio cúmplice da direita. É tudo o que lhes faz falta e bate no coração: serviços públicos desmantelados; interesses privados a deitarem-lhes a mão; diminuição brutal dos apoios sociais; ataque ao rendimento social de inserção, aos desempregados — os mesmos de sempre que aguentem a factura da crise! O Programa de Estabilidade e Crescimento é o «casamento» entre o PS e a direita sem convenção antenupcial.
Privatizar empresas que entregam dividendos ao Estado e que asseguram serviços fundamentais é um disparate económico e uma ofensa contra a democracia.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Informo que há um pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado Bruno Dias.
Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não suscitou dõvidas, ali na direita!»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, pela parte do PCP — pelos vistos, única e exclusivamente pela parte do PCP —, entendemos que esta é uma matéria importante e queremos sublinhar que é, de facto, urgente e indispensável colocar no centro do debate político a denúncia e o combate a estas privatizações, agora anunciadas pelo Governo.
Esta é, seguramente, uma das áreas em que as opções concretas, mais claramente, definem a linha de fronteira entre a esquerda e a direita. E bem podia o PS «bater no peito» e proclamar-se de esquerda que, em alturas como esta, «cai a máscara» e, novamente, se verifica que é o Governo PS a levar a cabo as políticas que o PSD e o CDS-PP gostariam de fazer.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma vergonha que este Governo de um partido que se diz socialista, mais uma vez, se comporte como um conselho de negócios do grande capital, como o gestor liquidatário do património público e da economia nacional!

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É preciso desmascarar esta fraude política, este monumental embuste, que o Governo quer criar, aliás, com o apoio prestimoso, mais uma vez, da direita e do poder económico! É porque, quando se fala na dívida pública, como pretexto para desbaratar sectores estratégicos para o País, é preciso que se saiba que, entre 1987 e 2005, enquanto os governos de Cavaco Silva e de António Guterres privatizavam a eito, a dívida pública saltou para 63,6% do PIB!!! Agora, o Governo dá o tiro de partida para uma das maiores operações de desmantelamento de sectores públicos — aqueles que são, obviamente, apetitosos para os grupos económicos e para os interesses privados. Mas esta operação vem sendo preparada há anos, destruindo postos de trabalho, sacrificando os trabalhadores e os utentes dos serviços que estas empresas prestam, alterando estatutos das empresas, como, recentemente, vimos, com a alteração aos estatutos da CP.
O que está em causa são sectores de importância evidente para a economia nacional, para a vida das pessoas, para a própria soberania do nosso País! A privatização dos Correios, da TAP, da ANA Aeroportos, do sector energético, de todo o sector de segurança social da Caixa-Geral de Depósitos, a entrega aos interesses privados de linhas da CP, da manutenção ferroviária, da CP Carga, das indõstrias de tecnologias de defesa»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr.ª Presidente, dizendo que todo este «cardápio» só pode ter uma resposta muito clara no nosso País.
E é esta a questão que queremos deixar também aqui: é que a resposta para esta política vai ter de ser, necessariamente, muito clara: a mobilização e o esclarecimento e a luta — sim, Srs. Deputados! —, a luta dos trabalhadores e das populações contra esta política ruinosa para o interesse nacional e para o nosso futuro colectivo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, muito obrigado pela sua questão.
Efectivamente, não podemos deixar de comentar e de observar esta muralha de silêncio que não esconde o incómodo que as Sr.as e os Srs. Deputados do PS têm para com esta política privatizadora do Governo.

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Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Mas se não esconde este incómodo também não esconde a conivência que a direita tem para com todas estas políticas, que serão tão nefastas para os portugueses!

Protestos do CDS-PP.

Dizia eu que o Governo desistiu do futuro — e, nem aí, o PS reagiu! Dizia eu que o Governo hipotecou o presente — e, nem aí, o PS reagiu! É curioso! É curioso, Srs. Deputados, porque o Governo manda tanto que esta bancada silencia, que esta bancada cala; e manda o suficiente para que os Deputados desta bancada tenham duas palavras — uma antes de eleições e outra após eleições.

Aplausos do BE.

Protestos do Deputado do PS José Lello.

Por parte do Bloco de Esquerda devo dizer-vos que este foi o primeiro passo. Foi o primeiro passo na luta e na resistência contra todas estas privatizações. Não nos calaremos e não deixaremos de nos juntar aos portugueses e às portuguesas que se mobilizarão contra esta política suicida para o País.
Percebemos que a política do PS é a de deixar a privados a gestão do País. Mas percebemos que a democracia é, exactamente, o âmbito do público, o âmbito de todos nós termos em mãos a definição da nossa sociedade, o que é a construção do País.
A CP, os CTT, a REN, monopólios naturais que são deixados para os privados, monopólios que é importante estarem na esfera do Estado pela coesão territorial que representam e o próprio ataque à coesão territorial, que fica em causa com esta política do PS.
Entristece-nos! Esperávamos que o PS tivesse voz! Essa era aquela posição que vocês tinham, antes das eleições.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Mas nem programa nem voz: é o silêncio, é o silêncio do pecado!

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde que tomou posse, todos os dias este Governo se queixa de que quer governar com o seu Programa e não o deixam! Não é verdade, todos nós bem sabemos disso! Percebemos, agora, que não é verdade, pois o programa que este Governo pretende executar é totalmente diferente daquele que os portugueses votaram, em Setembro, na habitual diferença entre aquilo que o PS diz e aquilo que o PS faz.
Nos impostos, desde logo: o Governo comprometeu-se a não aumentar os impostos.
Cito, José Sócrates, em Maio de 2009, quando, questionado justamente sobre este aumento, exclamava: «Aumentar impostos? Era só o que faltava! Numa altura em que o País enfrenta uma crise destas, acha que proporia aumentar os impostos?» Hoje, os portugueses podem, e com razão, responder ao Sr. Primeiro-Ministro: achamos? Não, temos a certeza!

Aplausos do CDS-PP.

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Quanto ao défice: em Setembro de 2009, o Governo anunciava um défice de 5,9% e o CDS bem avisava que nunca seria, certamente, abaixo dos 8,5%. Depois das eleições os portugueses ficaram a saber que, afinal, o dçfice era de 9.3%! Um «pormenor«, claro» E como combatê-lo? Na mesma entrevista, de Maio de 2009, repito, José Sócrates tranquilizava os portugueses, dizendo: «O défice será reduzido com estabilizadores automáticos, não é preciso pedir sacrifícios especiais a ninguém». Não era preciso, Sr. Primeiro-Ministro, pedir sacrifícios especiais a ninguém? Mesmo a ninguém?!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não! Hoje os portugueses sabem que é a todos, a todos os portugueses, e atç aqueles que ganham 570 €/mês agora vão passar pagar mais ao Estado no seu IRS!

Aplausos do CDS-PP.

Na segurança, em 2009, o País tinha leis penais adequadas ao crime grave e violento, assegurava o Primeiro-Ministro, secundado, aliás, pelo então líder da bancada do PS, Alberto Martins; os juízes tinham férias a mais, porque trabalhavam pouco, e os tribunais tinham uma gestão de meios adequada, porque havia um novo mapa judiciário.
O CDS avisou a tempo: Portugal tem leis penais que, em vez de combater os criminosos, combatem as vítimas, desautorizam as polícias e descredibilizam os magistrados!

Aplausos do CDS-PP.

Agora, em Março de 2010, afinal, a redução da prisão preventiva foi um «errozito», o julgamento rápido até pode ser necessário, os juízes já não têm férias demais e a reforma dos tribunais, o mapa judiciário foi para a «gaveta».
É caso para dizer: Costa faz, Martins desfaz!

Aplausos do CDS-PP.

Na educação, a reforma de Maria de Lurdes Rodrigues e o «eduquês» do PS, finalmente, iriam avaliar os «preguiçosos» dos professores e trazer uma suposta igualdade a todos os alunos – os que estudam e os que não estudam, os que vão e os que não vão às aulas, os que respeitam os professores e os que os insultam.
Então, o CDS denunciou o desassossego que existia nas escolas portuguesas.
Pois bem, meses depois, a aventura parecia ter terminado, a história era outra, as personagens são diferentes e, afinal, a avaliação dos professores (ainda que suspensa) já não ç assim tão boa» Só que a indefinição é pior, a instabilidade nas escolas é pior e a autoridade dos professores na sala de aula não é mais do que uma boa memória do passado.

Aplausos do CDS-PP.

Nas obras públicas, a opção das cinco linhas do TGV, enquanto motor de recuperação económica, era «forever», agora é «jamais»!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É caso para perguntar: onde está o tão apregoado crescimento económico e o modelo do Partido Socialista?

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Na agricultura, o PRODER tinha um grau de execução dos melhores da União Europeia, não havia atrasos nos pagamentos e só o CDS apoiava os «malandros» dos agricultores que queriam viver à custa do dinheiro da Europa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Agora, como o CDS bem avisou, o PRODER é um calvário de burocracia, os «calotes» do Estado aos agricultores têm dois anos e até o Ministro da Agricultura confessa que não sabe «como é que as pessoas aguentaram tanto tempo sem fazer uma revolução». E de quem é a culpa? — perguntamos nós. É da «calamidade Jaime Silva», ex-ministro do Partido Socialista!

Aplausos do CDS-PP.

Na saúde, a política do medicamento era exemplar. Ao fim de 5 anos como suposta prioridade, os medicamentos em dose individual foram regulamentados em «cima do joelho» e, seis meses depois, nenhuma farmácia tinha aderido. O CDS apresentou uma proposta no Orçamento do Estado e o PS rejeitou-a. Agora, no PEC, afinal, aquilo que levaram seis anos a introduzir já era para ontem!

Aplausos do CDS-PP.

E o que dizer das taxas moderadoras para cirurgias em ambulatório e internamentos? Estavam correctas?! Quando o CDS propôs a sua revogação, «chumbaram-na» para, na mesma semana, propor o quê? Essa mesma revogação! Isto é que é a estabilidade socialista!

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PS governa com um programa que não é o seu por uma simples razão: não é por a oposição não o deixar, é porque o PS se «esqueceu» do seu Programa Eleitoral, perdeu-o, desapareceu, meteu-o na gaveta! Porque disse e desdisse vezes demais, governou vezes de menos e mal e só acerta quando corrige e aceita as propostas do CDS.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Foi assim com a majoração do subsídio de desemprego para os casais desempregados com filhos, com o reembolso do IVA a 30 dias ou com o pagamento de juros de mora, quando o Estado não paga, como era seu dever (deveria dar o exemplo), a tempo a horas às empresas.

Aplausos do CDS-PP.

Pelo que temos visto, e termino, Sr.ª Presidente, o PS insiste em erros que vão custar muito aos portugueses, a gerações de portugueses.
Insiste no aumento de impostos para as classes média e média baixa; na manutenção do pagamento especial por conta que asfixia as PME, gerando ainda mais desemprego; na não admissão de mais polícias (quiçá, até 2011!), quando o crime é maior e mais grave; nos «remendos» das leis penais que ou são frouxos ou não chegam;»

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro) — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Termino já, Sr.ª Presidente.
Também no esquecimento dos que menos têm, ao preferir dar a quem abusa do rendimento mínimo em vez de dar a quem trabalhou toda uma vida e tem pensões de miséria.

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Aplausos do CDS-PP.

Cá estaremos para lembrar ao Governo o seu Programa e as suas promessas eleitorais, para insistir e insistir com o Governo até que acerte e, sobretudo, para propor medidas que resolvam os reais problemas dos portugueses, que são muitos.
É este o nosso compromisso, foi esse o nosso Programa e, ao contrário do PS, temos boa memória.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado João Oliveira, a quem dou a palavra.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, a postura do CDS é feita de afirmações e oratórias «musculadas» mas, depois, quando é preciso assumir a coragem na hora das decisões, «assobiam de fininho»! De facto, Sr. Deputado Nuno Magalhães, esta sua intervenção «musculada», proferida do alto da tribuna, não bate certo com a viabilização do Orçamento do Estado para 2010, que os senhores acabaram de garantir ao Partido Socialista, ainda há alguns dias atrás. Um Orçamento que, aliás, contribui decisivamente para o desastre da governação deste Governo do Partido Socialista, o que já se verificava com o anterior.
Queria chamar a atenção do Sr. Deputado e solicitar-lhe alguns esclarecimentos sobre duas questões em concreto que aqui nos trouxe.
A primeira questão tem a ver com o Estatuto do Aluno, porque os senhores parecem não aprender com os erros. Foi o vosso governo – o Governo do CDS e do PSD – que, em 2003, quis aprovar o Estatuto do Aluno, entendendo que era preciso criar um «Código Penal dos pequeninos«»

O Sr. António Filipe (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. João Oliveira (PCP): — » que resolvesse os problemas da indisciplina e da violências nas escolas, recorrendo, portanto, a uma solução «musculada».
Ora, de 2003 até hoje, essa vossa solução «musculada» deu em nada: a violência e a indisciplina mantiveram-se, porque não é uma resposta «musculada» a essas realidades que permite ultrapassá-las. Isso só é possível com outro tipo de resposta para o qual os senhores também não têm estado disponíveis.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Em relação às questões penais e da justiça, Sr. Deputado Nuno Magalhães, as afirmações, mais ou menos categóricas, que os senhores fazem, sucessivamente, no que se refere à necessidade de agravamento das penas – e, portanto, recorrendo, mais uma vez, a respostas «musculadas» –
, depois, do ponto de vista da realidade, também não têm tradução nem consequência. E porquê? Porque dos erros que repetidamente têm sido cometidos pelo PS, mas também pelo CDS e pelo PSD quando têm estado no governo, parecem não retirar qualquer tipo de consequência.
Em 2007, quando foram introduzidas alterações ao Código de Processo Penal, qual foi a resposta «musculada» que os senhores deram? Abstiveram-se na votação! Em suma, Sr. Deputado Nuno Magalhães, não há correspondência entre as afirmações que fazem do alto da tribuna e, depois, a atitude que assumem quando é preciso tomar decisões e assumir opções corajosas, essas sim, no combate à criminalidade e na correcção dos erros que ainda hoje se mantêm, do ponto de vista legislativo, com a conivência do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Posto isto, Sr. Deputado Nuno Magalhães, gostaria que respondesse à seguinte questão: qual é a correspondência que os senhores estão dispostos a dar às afirmações categóricas

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que fazem do alto da tribuna quando, no próximo dia 24, forem discutidas as alterações ao Código de Processo Penal, corrigindo erros para os quais os senhores contribuíram em 2007?

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe os elogios que fez em relação à minha capacidade oratória e aos «músculos» que não tenho – devo dizer-lhe que vou trabalhar para isso, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado disse, com alguma nota de humor, que o CDS «assobia de fininho». Pelo menos, não somos como VV. Ex.as, que tocam sempre a mesma música. É sempre a mesma cassette!

Aplausos do CDS-PP.

Quanto à questão de o CDS viabilizar o Orçamento, o Sr. Deputado bem sabe que Portugal está sob ameaça externa, sob ameaça de agências internacionais poderem intervir na nossa governação e, pior do que isso – porque se fosse só na nossa governação, até não era mau! –, na vida dos portugueses e no que os portugueses pagam aos bancos.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Portanto, quanto a essa questão estamos conversados.
Em relação ao Estatuto do Aluno, vai ou não o PCP perceber, um dia, que o «eduquês» não chega, que o «eduquês» não resulta? Respondendo à pergunta que fez, faço-lhe outra pergunta: o Sr. Deputado acha que é «musculado» defender que o aluno que, reiteradamente, falta às aulas, não estuda e ofende os professores tenha de ser sancionado?! É assim que deve ser um sistema educativo que visa criar condições para as pessoas serem competitivas no futuro?

Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.

Não quero acreditar que o Partido Comunista pense deste modo.
Quanto ao Códigos Penal e de Processo Penal, o CDS agendou o dia 24 para a sua discussão e estamos à espera do projecto de VV. Ex.as.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — É o CDS que agenda? Não é o Governo?!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Nesse dia, vai ter oportunidade de perceber o seguinte: entre os criminosos e as vítimas, não temos dúvidas de que não estamos do lado dos criminosos. Assim esperamos que também o PCP possa estar do lado das vítimas e não do lado dos criminosos.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tragédia de Mirandela relançou o debate sobre a indisciplina e a violência nas escolas. A palavra bullying, nas últimas semanas, passou a fazer parte do dia-a-dia das famílias portuguesas.
A sociedade mediática de hoje alimenta-se de episódios e tragédias e depois esquece a matéria de fundo.
Recordo aqui os debates apaixonados de 2008 devido a uma luta por um telemóvel. Muito se disse, muito se escreveu, mas pouco, muito pouco se resolveu.

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O Sr. Pedro Duarte (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sejamos claros, o bullying não é de hoje e não se acaba por decreto, mas não pode continuar a ser escondido e omitido.
Para que o combate a este fenómeno seja eficaz temos de olhar de frente para o problema, não podemos aceitar que responsáveis escolares digam aos pais: «Não ligue, são coisas de crianças».

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Não podemos aceitar que a resposta dada à criança vítima seja um afagar de cabelo, seguido de um vago «eles não voltam a fazer».

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Não podemos aceitar que apenas se diga aos agressores: «Vou dizer aos teus pais».
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O primeiro passo para vencer esta batalha é reconhecer que o problema existe e que deve ser assumido e debatido no espaço escolar com as famílias.
É fundamental que cada agente educativo saiba o seu papel neste combate. Os colegas, a família, o funcionário, o professor e os dirigentes da escola têm de ser capazes de despistar situações de risco e de reportar as mesmas para que se possa intervir de imediato.
Os sinais de alerta estão bem estudados e tipificados: perda de rendimento escolar, isolamento, recusa em ir à escola e tristeza, entre outros. E, se assim é, não podemos continuar a permitir que as situações não se resolvam e que apenas metade das vítimas participem os abusos de que são alvo. O medo de represálias apenas existe porque a vítima não sente que a participação resolva o problema e, muitas vezes, acha que até pode piorar.
E isto, Sr.as e Srs. Deputados, não pode acontecer! A vítima tem de sentir que pode e deve participar o abuso e o agressor, o abusador tem de saber que vai ser punido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vencer o bullying, reduzir a indisciplina e a violência nas escolas passa por uma mudança de atitude perante estes fenómenos. Mobilizar toda a comunidade educativa para esta nova atitude é muito importante e decisivo mas deve ser acompanhada por outras acções.
Desde logo, não podemos continuar a aceitar que nos relatórios do Observatório de Segurança na Escola os dados relativos ao bullying não estejam diferenciados. Estão como que diluídos nos crimes de ofensas à integridade física e em outras tipologias. Para quê? Porquê esconder os números relativos ao bullying? Serão difíceis de contabilizar? Não nos parece,»

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Não?!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — » pois quando perguntamos os responsáveis da Escola Segura dizem que aumentou 3% este ano.
O coordenador do Observatório até é mais preciso, dizendo que, no ano lectivo de 2004/2005, existiram 1876 acções de bullying (reparem no preciosismo, 1876!) e que no ano lectivo seguinte, de 2005/2006, aumentaram para 2160 acções. Ou seja, os dados são conhecidos pelos responsáveis mas omitidos nos relatórios públicos. Esta desvalorização do fenómeno não contribui para o seu combate e não faz sentido que se mantenha.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mas não é apenas nos relatórios públicos que temos de mudar.

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Ao longo dos últimos cinco anos, os governos de José Sócrates desvalorizaram o papel do professor na escola e na sala de aula. O clima de guerrilha permanente com os docentes e a evidente desautorização do papel disciplinador do professor não ajudou a combater estes fenómenos associados à indisciplina e à violência.
O PS e o Governo desvalorizaram sempre este assunto. Apesar de terem elogiado o relatório do grupo de trabalho criado na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, esqueceram-se pura e simplesmente de adoptar as medidas que o relatório propunha! O Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário que a anterior maioria aprovou deu sinais errados à comunidade educativa. Valores como a assiduidade, a disciplina, o trabalho e o rigor foram postos de parte.

O Sr. José Cesário (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Basta ir às escolas e falar com os jovens que rapidamente se ouve que agora já não se chumba por faltas e que ninguém pode ser expulso!

Aplausos do PSD.

Sr.as e Srs. Deputados, existe um clima geral de impunidade que não prepara os nossos jovens para os difíceis desafios que terão no mercado de trabalho.
E que dizer das situações de risco? Para termos uma nova atitude perante este tipo de problemas temos de ter respostas eficazes. Hoje, existem várias respostas sociais que acompanham as crianças, os jovens e as suas famílias, mas ficam todas à porta da escola. Por isso, na discussão do actual Estatuto do Aluno, o PSD propôs a criação de equipas multidisciplinares para intervirem no espaço escolar, trabalhando em rede com as respostas que existem fora da escola.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Infelizmente, a maioria socialista não viabilizou esta proposta.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cada dia que passa torna mais evidente que estas equipas multidisciplinares são fundamentais nas escolas. O PSD vai recuperar esta proposta e, no âmbito da obrigatória revisão do Estatuto do Aluno, procurar a sua concretização.
Consideramos ainda essencial alterar a abordagem que se dá ao papel das famílias, quer das vítimas quer dos agressores. A vítima e a sua família, sempre que se justifique, têm de ter apoio especializado de imediato.
A família do agressor não pode continuar a alhear-se da resolução do problema. Tem de ser envolvida e, se não assumir as suas responsabilidades, têm de existir sanções para as mesmas. O PSD, também aqui, vai propor alterações significativas ao actual modelo de intervenção.
Mas existem mais matérias que vamos rever no Estatuto do Aluno. Temos de recuperar os valores da assiduidade, da disciplina, do rigor, da exigência e do trabalho. Queremos que os jovens saiam da escola preparados para o futuro, contribuindo para o desenvolvimento de Portugal.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se formos capazes de adequar o Estatuto do Aluno a uma nova atitude que as escolas e as famílias têm de ter com a educação das crianças e dos jovens, acredito que seremos capazes de reduzir os abusos. Temos de agir de forma célere e concertada, pois a violência, a indisciplina e o bullying não são «coisas de criança» mas, sim, problemas de todos nós.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao orador.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, trouxe-nos hoje uma questão que muito tem agitado a sociedade portuguesa e à qual, creio, devemos dar toda a atenção.
Penso que há concordância nesta Câmara e na sociedade portuguesa em que nenhuma tolerância pode haver no que toca à violência escolar. Ela é absolutamente inaceitável na concepção humanista que todos temos daquilo que deve ser a relação entre as pessoas e entre os alunos, mas é também particularmente desestruturadora da instituição escolar, dos seus valores e da sua missão.
Creio, portanto, que temos uma concordância: todos os episódios de violência no espaço escolar têm de ser realisticamente sinalizados e contabilizados, temos de ter a percepção exacta do que está a acontecer nas nossas escolas e sobre estes dados tem de haver consequências.
Tem havido, nos últimos tempos, algumas respostas que creio serem particularmente erróneas e que dão alguma ilusão de resposta aos pais, às famílias, aos alunos e aos professores. Há quem tenha vindo a propor que um novo tipo penal pode dar resposta a esta situação. Foi esta, aliás, a abordagem do CDS-PP na anterior legislatura. Devo dizer que se trata de uma abordagem absolutamente facilitista e ilusória, pois escrever mais uma coisa no Código Penal não vai resolver os episódios de violência nas nossas escolas.
Mas o Sr. Deputado faz-nos hoje aqui uma outra proposta que creio ser também muito preocupante: criar um tipo de penalização monetária aos pais, como se dos episódios de violência nas escolas pudéssemos retirar prestações sociais aos pais, isto é, dizer «esta agressão vale 200 euros por mês», «esta agressão vale 100 euros por mês». Foi isto que veio aqui propor-nos, ou seja, veio secundar uma proposta que surgiu na anterior legislatura para que houvesse algum tipo de sanção pecuniária aos pais e aos encarregados de educação. Acho que não é por esse caminho que vamos lá.
O problema da violência escolar é bem mais complexo, mas temos de o abordar, havendo dois aspectos a ter em conta.
Em primeiro lugar, temos o Estatuto do Aluno, do qual o Sr. Deputado falou. Como todos os grupos parlamentares alertaram o Governo, esta resposta política do anterior governo não resolveu absolutamente nada. Precisamos de criar instrumentos que criem uma aprendizagem daquilo que é a responsabilidade individual dos alunos. Um acto de agressividade e de violência na escola tem de ter consequências individuais, mas não é a suspensão, não é enviar o aluno para casa, é responsabilizá-lo dentro do espaço escolar.
Temos, depois, um outro aspecto, que é a organização das escolas. Sabemos que lhes faltam hoje auxiliares de acção educativa; sabemos que temos turmas com um número excessivo de alunos; sabemos que precisamos de equipas multidisciplinares. Tudo isto demorará tempo, mas é a única resposta, porque é aquela que cria uma aprendizagem da responsabilidade individual dos alunos e é aquela que tem uma atitude preventiva em relação à violência no espaço escolar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço as questões que lançou mas penso que não terá ouvido bem aquilo que eu disse. Terei todo o gosto em voltar a explicá-lo.
A Sr.ª Deputada falou aqui em multas, em dinheiro, e penso que fez confusão, mas isso não é o que importa. O que importa aqui é que tem de haver tolerância zero para as questões ligadas à violência nas escolas.
E há outra coisa importante, que volto a explicar aqui: é fundamental que, nas escolas e nas famílias, haja uma nova atitude, uma atitude diferente perante este assunto. Não podemos aceitar que isto continue a ser uma coisa envergonhada, que se «varre para debaixo do tapete». Não, tem de ser debatida, tem de ser discutida, tem de ser partilhada por todos os elementos da comunidade educativa! Queremos que, neste processo, haja uma responsabilização das famílias, porque não faz sentido que não exista.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — O que é que isso significa?

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O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Por isso, entendemos que, para além desta atitude diferente perante o problema, é necessário também criar os tais instrumentos que poderão auxiliar essa resposta. Não compreendemos, assim, por que é que a anterior maioria não quis a criação das equipas multidisciplinares nas escolas, que, interagindo com as redes de apoio que existem fora da escola, poderiam dar uma ajuda extraordinária na resolução de tantos e tantos problemas. Isto é que é fundamental.
É preciso, de facto, revermos o Estatuto do Aluno, porque é importante, cada vez mais, que os jovens portugueses, quando saem da escola, tenham, sobretudo, competências e ferramentas para vencer os desafios que terão pela frente. E a situação não é fácil, não vale a pena escamoteá-lo: os desafios que a sociedade lança às gerações vindouras é grande e ganharão esta batalha pelo desenvolvimento e pela competitividade os países que forem capazes de dotar os seus jovens não de certificados mas, sim, de competências. Este é o desafio que temos pela frente e entendemos que este é o nosso contributo positivo para que isto seja uma realidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, a realidade que nos traz hoje a este Plenário através da sua intervenção é uma realidade que nos preocupa seriamente a todos, mas é uma realidade, simultaneamente, muito complexa, pois é sistémica e tem variadíssimas variáveis que fazem com que a geometria com que possamos olhar para ela seja, de facto, muito complicada.
Indisciplina escolar, violência escolar, violência em zonas próximas da escola ou bullying são fenómenos diferentes, têm causas muitas vezes diferentes, consequências diferentes e necessitam de respostas complementares mas também específicas para cada um destes episódios.
Esta realidade sistémica e complexa é ela própria incompatível, na nossa opinião, com narrativas simples e que levem a respostas que, à primeira vista, podem parecer respostas eficazes porque são rápidas e resolvem imediatamente os problemas. Todos sabemos, porém, que nesta matéria não há respostas milagrosas, porque não há respostas rápidas e não há remédios que curem definitivamente esta realidade.
Estas respostas, normalmente, ficam frágeis e susceptíveis de serem capturadas por algum populismo e por alguma demagogia, que é de todo evitável nesta matéria, e, aí, felicito o PSD pela forma como coloca a questão e apresenta as suas iniciativas e as suas propostas. Esperemos que todos se comportem da mesma forma ao abordar esta questão.
Os episódios de violência escolar e de bullying são condenáveis e todos devemos ser completamente solidários no sentido de os prevenir, de os reprimir, de tentar erradicá-los do nosso sistema educativo.
Devemos tudo fazer para mitigar as consequências destes fenómenos junto dos seus alvos, junto daqueles que são as vítimas de toda esta violência e bullying, que hoje é visível – disse bem –, mais do que nunca. Mas isso deve-se a políticas de transparência não só deste Governo mas também do anterior, em particular pela criação do Observatório de Segurança na Escola e pela divulgação de relatórios anuais sobre esta matéria.
Hoje temos uma noção mais clara da realidade do que tínhamos há apenas cinco anos, portanto, penso que avançámos. Conhecemos melhor a realidade, conhecemos melhor a quantidade de episódios que existem nas nossas escolas e estamos todos mais conscientes para este fenómeno. Por isso mesmo, estamos mais habilitados a trabalhar aqui, em equipa, com seriedade e com muita responsabilidade, no sentido de encontrarmos respostas que diminuam significativamente a ocorrência destes fenómenos.
Sr. Deputado Emídio Guerreiro, a questão que lhe deixo é no sentido de saber se o PSD acompanha esta minha leitura e se, perante este assunto, que é grave, é dos partidos e dos grupos parlamentares que se colocam ao lado das soluções construtivas e responsáveis para este problema ou se o PSD, à semelhança, infelizmente, de outros partidos e de outros grupos parlamentares, se aproveita do problema para retirar dele dividendos políticos.
Sr. Deputado, é esta simples pergunta que lhe coloco.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro para responder.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bravo Nico, agradeço-lhe a questão que me coloca.
Permita-me que comece por dizer-lhe que frágeis foram as alterações que o anterior governo lançou no Estatuto do Aluno. De facto, criou situações de grande fragilidade porque vieram contribuir não para as soluções para as quais o Sr. Deputado quer que os partidos se mobilizem, mas, sim, para o contrário, ou seja, para a criação de problemas e para a criação de um ambiente que em nada é propício a que se consolide junto dos jovens a ideia de que na escola se está para aprender e que, depois de se criarem ritmos de aprendizagem, é muito mais fácil criarem-se hábitos de trabalho, porque valores como os do rigor, do trabalho, da disciplina e do mérito são fundamentais não só durante o período escolar mas também ao longo da vida de trabalho.
Por isso, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que o PSD acompanha as preocupações que esta matéria suscita mas não se revê, de forma alguma, nas propostas que os senhores, unilateralmente, colocaram no terreno — é que foi a maioria socialista do governo anterior que, sozinha, criou o esquema que, hoje em dia, vigora nas escolas.
No entanto, estamos inteiramente disponíveis para, no actual quadro da Assembleia da República, participarmos na criação de soluções que não sejam tão frágeis como aquelas que os senhores criaram e que dêem um contributo sólido para que esta situação se inverta de forma consistente e consolidada nos próximos tempos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte da ordem do dia, que é o debate, requerido pelo PS, sobre o inquérito parlamentar n.º 4/XI (1.ª) — Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social e, nomeadamente, à Actuação do Governo na Compra da TVI (PSD e BE).
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, solicitámos a realização deste debate, aqui, no Plenário para afirmarmos muito claramente a nossa posição em relação à constituição desta Comissão de Inquérito.
Do nosso ponto de vista, ela é inútil na perspectiva da obtenção da verdade, porque essa verdade já ficou claramente demonstrada nas audições que se têm vindo a realizar no âmbito da Comissão de Ética, é meramente instrumental no plano do confronto político quotidiano que travamos, em Portugal.
Mas também queremos deixar claro que não temos o mais ligeiro temor em relação a esta Comissão e, como tal, vamos participar na mesma activamente.
Recordemos todo o processo que conduziu à constituição desta Comissão.
Há já alguns anos, o PSD desenvolveu a teoria da «claustrofobia democrática». Foi precisamente aqui, neste Parlamento, e ali, naquela tribuna, que o Dr. Paulo Rangel, então Deputado e não me recordo se líder parlamentar do PSD, desenvolveu essa teoria sem qualquer adequação à realidade, a teoria de que haveria uma perigosa situação de «claustrofobia democrática» no nosso País.
Depois, passaram para a teoria da «asfixia democrática». Não foram capazes de a comprovar e não foram capazes de suscitar a mais ligeira adesão do País a essa ficção absoluta que tinham desenvolvido. Por isso, perderam, como perderam, as últimas eleições legislativas, em que travaram um combate contra o Partido Socialista alicerçado na ideia de que o PS tinha um plano para asfixiar o exercício das liberdades cívicas e das liberdades públicas, no nosso País.

Aplausos do PS.

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Mais tarde, mais recentemente, já no âmbito da presente Legislatura, construiu uma outra teoria, a de que haveria, no nosso País, graves limitações à liberdade de expressão e que essas limitações obrigavam mesmo a que o Parlamento se pronunciasse sobre elas e que, no âmbito da Comissão de Ética, se desenvolvessem diversíssimas audições, com o intuito de demonstrar a inexistência dessa mesma liberdade de expressão, em Portugal.
Ao fim de algumas semanas, o que podemos todos constatar é uma evidência muito clara: de todas as personalidades que foram ouvidas — e foram ouvidas, até hoje, personalidades indicadas pelo próprio Partido Social Democrata —, não foi possível, até hoje, com rigor e seriedade, retirar a inferência de que, no nosso País, há qualquer tentativa de pôr em causa o exercício da liberdade de expressão.

Aplausos do PS.

Essa é que é a evidência absoluta dos trabalhos realizados, até hoje, no âmbito da Comissão de Ética.
E o PSD, compreendendo, que a coisa lhe estava a correr mal, decidiu aderir à proposta inicial do Bloco de Esquerda, no sentido da constituição de uma comissão de inquérito, como o objecto assente em duas questões: em primeiro lugar, saber se haveria, ou não, um tenebroso plano, elaborado pelo Governo com o intuito de controlar a TVI, com recurso à Portugal Telecom; em segundo lugar, saber se o Primeiro-Ministro tinha, ou não, mentido numa declaração feita aqui, no Parlamento, em Junho passado.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, para nós, é absolutamente evidente que o PSD foi a reboque do Bloco de Esquerda, pela simples razão de que a sua estratégia anterior tinha clamorosamente falhado. Isto é, a tentativa de fazer a demonstração de havia ataques insidiosos à liberdade de expressão, em Portugal, tinha falhado. É que, depoimento após depoimento, declaração após declaração (e declarações feitas por personalidades que aqui vieram a convite do próprio PSD), o que se verificou é que isso não tinha qualquer adesão à realidade. E querem, agora, seguir neste caminho.
O que queremos dizer muito claramente é o seguinte: o que se vai debater nesta Comissão — e nós vamos estar particularmente activos no acompanhamento destes trabalhos — é uma disputa entre quem, como nós, exige a apresentação de factos como demonstração da veracidade das teses que têm sido enunciadas e aqueles que, infelizmente, se limitam a apresentar opiniões e insinuações para sustentar uma campanha caluniosa dirigida contra o Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PS.

Essa é a questão fundamental.
E quero dizer-vos, Srs. Deputados, que, no final, vamos fazer uma avaliação, porque o que está em causa, a partir de agora, não é apenas saber, o que para nós é uma evidência, se o Primeiro-Ministro mentiu ou não, ou se existia ou não o plano, mas também saber se os senhores, quando fazem acusações, as fazem com fundamento ou as fazem apenas da forma mais caluniosa, irresponsável e ignominiosa possível, como estamos absolutamente convencidos que fizeram.

Aplausos do PS.

Por isso, esta Comissão, que é inútil do ponto de vista do apuramento da verdade, pois, do nosso ponto de vista, ela já está apurada, que é meramente instrumental e, nesse sentido, negativa, porque rebaixa o estatuto das comissões de inquérito neste Parlamento e não concorre para a dignificação da própria vida parlamentar, esta Comissão, apesar de tudo, tem uma única virtude: a de que estou convencido de que, no final dos trabalhos, o que se vai apurar é que, de um lado, houve quem tendesse a caluniar, a insultar e a difamar e, do outro, estivemos nós, a lutar justamente pela prevalência da verdade.
Nesse sentido, esta vai ser uma Comissão da verdade contra a calúnia, do rigor contra a insinuação, dos factos contra as meras opiniões. É por isso que nós vamos estar atentos e activos nos trabalhos desta Comissão e exigimos que os outros se comportem como nós.
Quem faz determinadas afirmações de enorme responsabilidade e com as maiores consequências na vida pública do País, tem a obrigação absoluta de fazer a prova dessas mesmas afirmações. Por isso, aqueles que

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exigiram esta Comissão ficam, agora, com um ónus, perante o Parlamento e o País, um ónus muito simples: ou provam aquilo que afirmaram ou o País todo chegará á conclusão de que os senhores, em lugar das ideias, dos projectos e dos argumentos, preferem seguir pela via da insinuação, do insulto e da calúnia. E devo dizervos que essa é a pior forma de servir a democracia e de prestigiar o Parlamento português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Não posso deixar de começar por lamentar, apesar de perceber, o desconforto — diria até estridente — com que o Partido Socialista encara esta Comissão Parlamentar de Inquérito.

Vozes do PSD: — Muito bem! Vozes do PS: — Oh!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E digo-o porque algumas das afirmações aqui deixadas pelo Sr. Deputado Francisco de Assis só são entendíveis porque o Sr. Deputado não integra a Comissão de Ética e, portanto, provavelmente, não assistiu àquilo que foram as audições que lá decorreram.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Mas acompanho os trabalhos!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Portanto, se me permite, vou contrapor à mera retórica parlamentar, tentando trazer para a arena da mera dialçctica esta questão,»

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não é dialéctica! São factos!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — » precisamente factos, algo que o Sr. Deputado, perdoar-me-á, não trouxe.
E vou recordar aquilo que nos leva a tirar a conclusão de que esta história de aquisição da TVI por parte da PT é uma história muito mal contada.
Recordo-lhe aquilo que foi afirmado na Comissão de Ética pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração da PT. Disse-nos que, numa primeira fase (e afirmou-o publicamente), no dia 23 de Junho passado, informou o Sr. Primeiro-Ministro de que a PT iria enviar um comunicado à CMVM, informando que iria estabelecer um negócio de compra da TVI. Disse numa segunda declaração pública, contradizendo o que disse anteriormente, que terá falado com o Primeiro-Ministro sobre o assunto, pela primeira vez, já não no dia 23 mas no dia 25 de Junho (e o que aconteceu, entretanto, no dia 24, recordo-o, foram as afirmações do Sr.
Primeiro-Ministro, neste Parlamento). E no dia 25 de Junho já não era para informar o Primeiro-Ministro de que iria estabelecer um negócio, mas era, ao contrário, para informar o Primeiro-Ministro de que tinha desistido do negócio.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Exactamente!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Portanto, não foi um problema de equívoco de datas, como disse aqui o Sr.
Presidente do Conselho de Administração da PT, mas um problema muito mais grave: é diferente informar-se de que vai haver um negócio ou informar-se de que não houve negócio algum.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Mas o que é que isso prova?!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Mas, já agora, dou-lhe mais um facto.
O mesmo Sr. Presidente do Conselho de Administração da PT afirmou que, no tal dia 25 (no dia 25, à noite, ali na residência oficial de São Bento), informou o Governo de que já não havia negócio. Como é que

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explica, Sr. Deputado, que, no dia 26, o Governo tenha informado a PT de que iria vetar o negócio?! Negócio que presumivelmente o Governo já sabia que não existia» Sr. Deputado, «a bota não bate com a perdigota«! Uma coisa «não bate» com a outra.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão): — Ridículo! Tudo tão ridículo!...

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — É ridículo?» Sei que ç ridículo » É ridículo, ç! Tambçm acho, Sr. Ministro, mas ç por isso mesmo que queremos esclarecer tudo, ao contrário de outros» Mas, já agora, há mais um facto. A PT, através do Sr. Presidente da Comissão Executiva, que era só a compra de 33% e, portanto, a PT não iria ter o controlo da TVI.
Então, como é que explica, Sr. Deputado que, no dia 23, não havendo ainda sequer qualquer negócio firmado, o Sr. Presidente da Comissão Executiva, como nos disse na Comissão de Ética, já tivesse apresentado uma proposta ao director-geral de informação da TVI, que passava por esse mesmo directorgeral, José Eduardo Moniz, deixar a direcção de informação da TVI?! Veja lá! Não tinha nada a ver com a linha editorial mas já tinha feito essa proposta e ainda nem o negócio estava concretizado!»

Protestos do PS.

Ó Sr. Deputado, há muito, muito mais! Por exemplo, nunca ninguém nos explicou por que razão é que o administrador destacado para estabelecer este negócio era o administrador que tinha os pelouros do imobiliário, dos patrocínios institucionais ou da relação com os clubes de futebol. Por que é que foi ele que tratou deste negócio com os espanhóis da Prisa? É porque este administrador é precisamente o administrador indicado pelo Estado, cuja principal qualidade que se lhe conhece é ser do círculo próximo, da confiança pessoal do Sr. Primeiro-Ministro — não lhe conhecemos outra qualidade» Ninguçm nos explicou porquê. Perguntámos ao responsável da PT, perguntámos ao próprio, mas ninguém nos soube explicar. O Sr. Deputado sabe explicar-nos? Provavelmente, não.
A questão é que tudo isto, e muito mais, foi apurado na Comissão de Ética e isso permitiu evidenciar a falta de transparência, a opacidade de todo este negócio. E é por isso que se justifica claramente a criação desta Comissão Parlamentar de Inquérito, Sr. Deputado.
O trabalho realizado por todos na Comissão de Ética permitiu-nos hoje dar o salto precisamente para a Comissão Parlamentar de Inquérito, para podermos esclarecer aquilo que alguns tentaram esconder na Comissão de Ética, designadamente os Srs. Administradores da PT, que se resguardaram em mil e uma justificações para não responderem e para omitirem esclarecimentos ao Parlamento. Ora, é isso que esta Comissão Parlamentar de Inquérito poderá proporcionar.
Sr. Deputado, esta comissão parlamentar de inquérito é justificada e compreendida por todos — por todos os partidos da oposição e, principalmente, pelos portugueses. Só não é compreendida por quem se sente desconfortável com esta busca do esclarecimento e da verdade, Sr. Deputado. É que há muito facto para apurar, a história continua muito, muito mal contada.
E, já agora, mais um facto. O Sr. Primeiro-Ministro afirmou, no dia 24 de Junho, no Parlamento, que o Governo não recebeu (e vou citá-lo literalmente) «qualquer tipo de informação» sobre o negócio da PT de aquisição da TVI — repito, «qualquer tipo de informação». No dia 13 de Novembro, fez uma afirmação diferente e disse o seguinte: «Uma coisa são conhecimentos informais, outra coisa é conhecimento oficial do negócio», indiciando, portanto, que poderia haver um conhecimento informal.
Acontece que, no dia 9 de Fevereiro deste ano, disse o seguinte: «Mantenho tudo o que disse no Parlamento», e o que disse no Parlamento foi que não tinha qualquer tipo de informação, ou seja, voltamos à versão inicial.
O Sr. Deputado (ou o Sr. Ministro, que ainda vai usar da palavra) pode esclarecer-nos a que se devem estas oscilações nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro?

Aplausos do PSD.

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É que nós queremos, de facto, apurar o que está aqui em causa, o que está escondido por trás desta tentativa de negócio.
Para terminar, Sr. Deputado, permita-me dizer-lhe o seguinte: nós não temos qualquer obsessão nem entramos em qualquer campanha pessoal contra o Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: — Não...!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não!! E não nos repugna irmos a reboque — não é o caso, mas nem que fosse — do Bloco de Esquerda, do PCP, do CDS, de Os Verdes ou do Partido Socialista se o que estiver em causa for a busca da verdade! Não há direita nem esquerda quando se trata disso, Sr. Deputado! Não há tacticismo político, não há posicionamentos ideológicos quando vamos atrás da verdade em contraponto à mentira; quando vamos atrás da transparência em contraponto à opacidade! Aí, vamos atrás seja de quem for se for esse o caminho da verdade e da transparência! Sr. Deputado, os líderes passam, mas o nosso apego à verdade e aos valores que são basilares para o Estado de direito ficam. É isso que nos move!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a propor a realização de uma comissão de inquérito à tentativa de aquisição da TVI pela PT.
Pretendíamos, e pretendemos, apurar se o Governo interferiu, ou não, nessa operação e se houve, ou não, o intuito de alterar a linha editorial desta estação televisiva.
Entende o Bloco de Esquerda que, perante as sucessivas contradições do Sr. Primeiro-Ministro sobre esta matéria, e atendendo ainda ao contexto político criado pelas sistemáticas críticas feitas pelo Sr. PrimeiroMinistro, ou pelo Secretário-Geral do Partido Socialista, à informação produzida pela TVI, se impõe a clarificação absoluta sobre os contornos deste negócio, entretanto fracassado, como todos sabemos.
Em democracia, as dúvidas ou mesmo a suspeição vencem-se com o esclarecimento e a transparência só é possível com o apuramento da verdade. Não é o escrutínio público dos actos do Governo que enxovalha ou deita lama sobre quem quer que seja, como o Partido Socialista insiste e não se cansa de afirmar.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Exactamente!

O Sr. João Semedo (BE): — Devia ter sido, aliás, o Partido Socialista a propor a comissão de inquérito que hoje aqui discutimos,... O Sr. Francisco de Assis (PS): — Essa é boa!

O Sr. João Semedo (BE): — ... sem subterfúgios, vitimizações ou acusações gratuitas aos partidos da oposição. Se há, como insistem dirigentes do Partido Socialista, uma campanha em curso contra o PrimeiroMinistro, nada mais normal e adequado do que o seu cabal esclarecimento e onde ele deve ser feito: na Assembleia da República!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Não há nada de pessoal nesta comissão de inquérito. Estamos perante um processo político, que apenas à política diz respeito, que recorre aos instrumentos de que a democracia dispõe para fiscalizar os actos do Governo: um inquérito parlamentar.

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A esta comissão cabe apurar factos, identificar contradições e responder às perguntas que todo o País coloca: saber se o Governo «empurrou», ou não, a administração da PT para adquirir a TVI; se essa operação tinha por objecto alterar a linha editorial desta televisão; se, ao contrário do que afirmou no Parlamento, o Primeiro-Ministro conhecia, ou não, este negócio; e como é que o Governo acautela os interesses do Estado numa empresa em que detém uma importante posição.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Só o Partido Socialista e o Governo não vêem que estas perguntas não podem deixar de ter resposta.
Sr.as e Srs. Deputados: Os factos falam por si e os testemunhos entretanto recolhidos nas audições da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, bem como as declarações públicas de vários administradores da Portugal Telecom (Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Rui Pedro Soares), reforçam, pelo seu conteúdo contraditório, equívoco ou mesmo obscurantista, a necessidade e a utilidade desta comissão de inquérito.
Pela nossa parte, estamos convictos de que a democracia convive melhor com a transparência do que com a suspeição permanente. Essa, sim, é que corrói a democracia.
Sr.as e Srs. Deputados: Como se costuma dizer: «Quem não deve não teme»!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS tem tido sempre, desde o início, a mesma postura em relação a esta questão. É uma postura muito focada. O que nos interessa saber são duas coisas fundamentais. A primeira é: tem, ou não, o Governo uma interferência ilegítima; a segunda é: tinha, ou não, o Sr. Primeiro-Ministro conhecimento da intenção da PT de aquisição da TVI via Media Capital? Sobre esta última questão entrámos com muitas dúvidas na Comissão de Ética e devo dizer que saímos de lá ainda menos esclarecidos.
Vejamos ainda uma breve cronologia. No dia 24 de Junho, o então líder parlamentar do CDS, Deputado Diogo Feio, questionou o Sr. Primeiro-Ministro sobre este negócio, o qual responde nunca ter recebido qualquer tipo de informação sobre o negócio. Mais tarde, o próprio Sr. Primeiro-Ministro corrige, dizendo que «não tinha conhecimento formal» do negócio.
Mais recentemente, o líder parlamentar do CDS, Deputado Pedro Mota Soares, questiona novamente o Sr.
Primeiro-Ministro — deve ser um karma do Sr. Primeiro-Ministro que os líderes parlamentares do CDS façam sempre as perguntas certas e embaraçosas sobre esta questão.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas, como eu dizia, o Deputado Pedro Mota Soares levantou uma questão muito simples: se o Sr. Primeiro-Ministro não tinha conhecimento no dia 24, como é possível que o Presidente da PT, Dr. Henrique Granadeiro, diga em declarações que deu conhecimento ao Sr. PrimeiroMinistro e ao Sr. Ministro da tutela»

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Mas já desmentiu, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Ó Sr. Deputado, posso falar?! Eu percebo que esteja perturbado porque no seu lugar eu também estaria embaraçada, mas no meu não estou. Portanto, continuarei.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

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Disse ele que seria uma descortesia não informar o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da tutela e deixálos saber do negócio pelo site do CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).
Ora, o negócio foi para o site da CMVM no dia 23 e o Sr. Primeiro-Ministro no dia 24 diz que não sabia de nada!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — É só fazer as contas!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — No meio de tudo isto só queremos saber qual é a versão verdadeira, qual é a versão conveniente.
Mas as confusões não ficam por aqui, porque o Dr. Henrique Granadeiro disse mais. Disse também que no dia 25, dia do famoso conselho de administração da PT, foi decidido que afinal o negócio não ia para a frente.
Só que nesse dia 25 à noite há dois factos simultâneos: por um lado, temos na RTP o Eng.º Zeinal Bava a defender um negócio que, afinal, já não ia para a frente; por outro, temos o Dr. Henrique Granadeiro e o Sr.
Primeiro-Ministro num jantar, em que o Dr. Henrique Granadeiro afirma que deu conhecimento ao Sr. PrimeiroMinistro, mas deu-lhe também conhecimento de que afinal o negócio já não o era e já não ia existir.
Pergunto: é plausível que o Primeiro-Ministro de Portugal saiba ao mesmo tempo que a Dr.ª Judite de Sousa e os telespectadores da RTP da existência de um negócio desta dimensão, que implica uma participada do Estado comprar uma televisão portuguesa? O que explica que, depois de ter sido informado de que o negócio afinal já não ia para a frente no dia 25, no dia 26 o Governo venha dizer que vai usar um direito de veto, ou seja, que vai vetar um negócio que afinal já não ia existir? Acresce a esta confusão que os próprios responsáveis da PT dizem que este veto não pode ser utilizado.
Mas há mais dúvidas: gostávamos de saber também qual é o papel do «extraordinário» Dr. Rui Pedro Soares neste negócio. É porque se o Estado tem representantes nas suas participadas — e compreendemos que os tenha — também é importante que esta Casa comece a perguntar quais são os critérios que justificam as suas escolhas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mais: o que terá motivado esta escolha em particular? Foi o seu currículo fulgurante?

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Mas é isso que vão tentar saber nessa comissão!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, temos consciência de que esta matéria é importante e apoiamos esta comissão parlamentar de inquérito, mas também não podemos esquecer outras coisas que são muito importantes e tão importantes como esta comissão parlamentar de inquérito. Ou seja, o desemprego galopante que não pára de aumentar, o crescimento medíocre que o Governo promete continuar, a carga fiscal cada vez mais asfixiante, a insegurança crescente, o endividamento a aumentar»

Protestos do PS.

Eu sei que os senhores não gostam de ouvir a verdade, mas vão ouvir! É a verdade!.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Nós não nos desviamos deste problema e, portanto, não nos vamos pôr de lado. Mas podem ter consciência de que nesta comissão parlamentar de inquérito vamos continuar exactamente com o mesmo trabalho que temos tido até agora: objectivo nas intenções, focado nas questões para podermos ser rigorosos nas conclusões.

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate sobre a comissão eventual de inquérito parlamentar relativa às relações do Estado com a comunicação e nomeadamente à actuação do Governo na compra da TVI, Os Verdes sublinham, desde logo, que as relações entre a comunicação social, o poder político e o poder económico constituem pilares fundamentais do universo em que se move a nossa convivência democrática. Estamos a falar de relações que se pretendem absolutamente transparentes num Estado de direito democrático.
A transparência que deve nortear as relações entre a comunicação social, o poder político e o poder económico é uma exigência da nossa democracia. E esta Assembleia não pode ficar alheia, sobretudo quando há indícios de uma certa perturbação nebulosa na desejável transparência que envolve ou envolveu a essas relações durante um determinado período de tempo.
As audições que têm vindo a decorrer no âmbito da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura têm produzido muita informação que tem vindo a aumentar ao ritmo do avolumar das dúvidas que se vão instalando. Dúvidas, interrogações, perguntas que a comissão eventual de inquérito parlamentar que agora está a ser discutida certamente procurará dissipar e para as quais procurará respostas.
É preciso esclarecer se houve ou não um plano do Governo para controlar os media através da compra da TVI pela PT.
Como é que os portugueses aceitam que a reunião onde se terá acertado o negócio da TVI, a 19 de Junho, tenha sido agendada apenas para tratar de aspectos relacionados com a internet e acabou por se transformar na reunião que definiu a compra da TVI? Até o anúncio publicitário de quem vai comprar um simples clip e acaba por comprar o escritório todo parece, neste contexto, mais credível do que esta alteração de propósitos que se verificou nessa reunião de 19 de Junho...!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Ainda por cima, nessa reunião terá estado também presente, sem se perceber muito bem a que título, o administrador nomeado pelo Estado que, pelos vistos, andava há mais de um mês a recolher informações e documentos sobre o negócio da TVI.
É necessário saber quem, dentro da PT, iniciou o processo negocial com a Prisa, com vista à aquisição de 30% da Média Capital, quem lhe pôs fim e com que motivação. Importa esclarecer, se houve ou não intervenção do Governo na suspensão do Jornal Nacional da TVI e perceber os exactos moldes em que se processou o afastamento dos jornalistas Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz.
É preciso esclarecer se houve ou não dependência dos meios de comunicação social face ao financiamento bancário e às encomendas publicitárias; se houve ou não interferência do Governo para assegurar «imprensa amiga», privilegiando alguns órgãos de comunicação no acesso à informação e ocultando-a a jornalistas incómodos.
Todas estas respostas poderão ser procuradas no âmbito do trabalho da comissão eventual de inquérito parlamentar cuja criação estamos agora a discutir. Trabalho que poderá aproveitar a vasta informação que resultou dos diversos depoimentos na Comissão de Ética, procurando o apuramento dos factos e respostas para todas estas e outras dúvidas que estão instaladas e que em nada contribuem para credibilizar a política e as instituições democráticas.
Comprar uma estação de televisão não é como ir ao mercado e comprar maçãs ou figos. Comprar uma estação de televisão é muito mais do que isso e não pode ser feito em segredo, porque tratou-se de uma tentativa de negócio tão secreta que nem o Sr. Primeiro-Ministro sabia de nada»! Faz, portanto, todo o sentido a criação desta comissão eventual de inquérito porque se reclamam muitos esclarecimentos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos a constituição desta comissão de inquérito no momento em que o País e os portugueses vivem gravíssimos problemas económicos e sociais como resultado da política de direita resolvida pelo Governo do PS.
No momento em que fazemos esta discussão importa começar com esta referência para deixar bem claro que da parte do PCP não precisamos de fazer nem faremos desta comissão de inquérito um instrumento de prova da nossa oposição às políticas do Governo.
Não iremos ceder a tentativas de instrumentalização que procurem reduzir a oposição ao Governo a esta comissão de inquérito nem iremos ceder a lógicas mediáticas que procurem esconder por detrás desta comissão de inquérito a convergência objectiva com o Governo que outros partidos desta Assembleia da República têm realizado em matérias essenciais, essas sim, para o País, como aconteceu no último Orçamento do Estado aprovado na semana passada com a viabilização do PSD e do CDS.
Queremos registar o nosso acordo com a constituição desta comissão de inquérito, particularmente tendo em conta a gravidade das informações que têm vindo a público nomeadamente nas audições que têm sido realizadas pela Comissão de Ética nos últimos tempos.
Queremos destacar aqui o papel importantíssimo que têm tido estas audições da Comissão de Ética não só pela análise aprofundada de problemas que se verificam no sector da comunicação social, questões essas que têm que ver com a precariedade laboral a que os jornalistas estão sujeitos, mas que também têm que ver com tentativas de condicionamento por parte do Governo com o objectivo de garantir apenas a chamada «boa imprensa», as «boas notícias» para a imagem do Governo, recorrendo a todos os meios, silenciando jornalistas e órgãos de comunicação social eventualmente incómodos, numa estratégia que parece partir da definição daqueles que são os «grupos amigos da comunicação social», os «grupos amigos do Governo» e aqueles que não o são.
De facto, estas audições na Comissão de Ética têm de ser valorizadas pela análise aprofundada que têm permitido em relação a estes problemas.
A verdade é que, pelas respostas dadas, pelos silêncios assumidos e pelas contradições registadas, estas audições têm permitido à Assembleia da República confrontar-se com um conjunto de informação que, obviamente, tem também relevância no que diz respeito ao objecto desta Comissão de Inquérito.
De facto, só por desatenção ou por deliberada intenção é que se podem compreender as palavras do Sr. Deputado Francisco de Assis, porque só assim é que se pode ignorar a gravidade das afirmações que têm sido feitas nestas audições.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado afirma que, das audições, resulta claro que não há qualquer tentativa de condicionamento do Governo em relação à comunicação social, mas esse é um facto que não pode registar de acordo com o que tem sido dito nestas audições na Comissão de Ética.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Factos!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Deputado, quando temos tido, nesta Comissão de Ética, relatos concretos de intervenção directa do Sr. Primeiro-Ministro tentando evitar a publicação de notícias em jornais, tentando evitar que jornais levem por diante investigações em relação a processos judiciais em curso onde o Sr. Primeiro-Ministro é visado, tentado evitar a todo o custo que os rotundos falhanços da política deste Governo sejam notícia nos órgãos de comunicação social, não pode dizer que não há tentativas de condicionamento da comunicação social por parte do Governo.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Não há é poucas!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Quando temos assistido, nesta Comissão de Ética, a relatos concretos de como são utilizadas empresas públicas, mas também empresas privadas, grupos económicos privados, grupos financeiros privados nessas estratçgias de condicionamento que o Governo tentou levar a cabo,»

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O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não há factos!

O Sr. João Oliveira (PCP): — » o Sr. Deputado não pode dizer que não há factos que comprovem tentativas de condicionamento da comunicação social.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Não há! Há opiniões!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Todos estes factos, Sr. Deputado, são da maior gravidade, porque põem em causa aspectos determinantes do Estado de direito democrático e têm obrigatoriamente de ser tidos em conta por esta Assembleia da República.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Portanto, Sr. Deputado, quando ouvimos na Comissão de Ética respostas como, por exemplo, a que foi dada pelo Sr. Henrique Monteiro, Director do Expresso, que afirmou textualmente que neste país só não são condicionados os órgãos de comunicação social que à partida estejam alinhados com o poder político ou com o poder económico, consideramos que é uma exigência a constituição desta Comissão de Inquérito.

Protestos do PS.

Tal como consideramos que é uma exigência a constituição desta Comissão de Inquérito quando, no âmbito das audições que foram realizadas na Comissão de Ética, não ficaram explicados aspectos essenciais sobre negócios em concreto onde a intervenção do Governo é uma suspeita.
Quando temos uma empresa pública com a dimensão da PT, onde há um administrador que tem a seu cargo pelouros como o imobiliário e outros conexos, que tem, como histórico da sua vida passada, o registo de ter sido dirigente do Partido Socialista mas não tem, do ponto de vista empresarial ou pessoal, qualquer característica especial que o indique como administrador para participar no negócio com a TVI e acaba envolvido nesse mesmo negócio, temos de saber porquê, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Os senhores é que têm de apresentar factos!

O Sr. João Oliveira (PCP): — E não nos podemos conformar com respostas categóricas que, sem qualquer sustentação nos factos, nos digam que o Governo não teve intervenção. Temos de ter estas respostas e queremos saber por que é que isso aconteceu! Tal como queremos saber o que aconteceu na reunião do Conselho de Administração da PT do dia 25 de Junho, porque, das respostas que já obtivemos por parte de três administradores e do Presidente do Conselho de Administração, sabe o que resulta, Sr. Deputado Francisco de Assis? Resulta quatro respostas diferentes, com contradições nítidas entre elas e contradições entre o que foi a resposta dada pelo Presidente da Comissão Executiva na Comissão e na entrevista à RTP.
Por todas estas dúvidas, Sr. Deputado, aquilo que pode esperar do PCP é uma postura séria e empenhada para apurar a verdade. Não é para embarcar em lógicas mediáticas de transformação desta Comissão de Inquérito na antecâmara de uma qualquer moção de censura, mas para apurarmos a verdade e os factos que, em torno destas questões, têm de ser apurados. E desses factos que vierem a ser apurados, da verdade que esperamos obter nesta Comissão de Inquérito, retiraremos as devidas consequências políticas, porque são essas que nos importam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O caso do inquérito que aqui nos ocupa é revelador até onde pode chegar o desnorte da luta política.
Vai o propósito inquisitorial investigar comportamentos governativos que tenham estado na origem de um qualquer dano ao interesse público? Manifestamente, não é o caso, pois do que se trata é de tentar imputar responsabilidades por factos que, por absurdo, face às imputações, nem sequer se produziram.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Do que se trata é de, por via política, proceder a uma tentativa de julgamento do Primeiro-Ministro, dada a enorme frustração dos seus inimigos ao vê-lo ilibado de qualquer responsabilidade por via judiciária.
Perpassa, em tudo isto, uma singular ironia: os que tão diligentemente se obstinaram em invocar a permanência das suas dúvidas sobre os riscos de controlo sobre a comunicação social são os mesmos que abertamente se opuseram a dotar a ordem jurídica dos instrumentos legais capazes de assegurar, sem margem para instrumentalizações, o pluralismo, a independência, a transparência da propriedade e a não concentração dos meios de comunicação social.

Aplausos do PS.

Isso implica que não se mobilizem pelo que faz sentido. O que faria sentido era tomar posição sobre se, em matéria de comunicação social, a transparência se afere pelo conhecimento por parte do poder político das mudanças na titularidade das empresas ou, antes, pelo conhecimento das entidades reguladoras independentes, podendo por elas, em tempo útil, ser devidamente sindicadas.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Escamoteando, afinal, o que faz sentido, chega a ser confrangedor ver o PSD convocar a sua extraordinária muleta parlamentar, o Bloco de Esquerda,»

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Que vergonha! «A ocasião faz o ladrão»!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » na promoção de uma aliança que só por si diz tudo quanto ao grau de oportunismo político a que a direita em frustração e a esquerda radical podem chegar na sua cegueira de poder e contra-poder a qualquer preço.
Vieram as autoridades judiciárias afirmar, em definitivo, que nenhum ilícito é atribuível ao PrimeiroMinistro? Vieram. Vieram os responsáveis empresariais assegurar que nem o Primeiro-Ministro nem qualquer outro membro do Governo receberam ou deram instruções, salvo as finais e publicamente conhecidas, sobre os negócios da PT em relação à Media Capital? Vieram. Mas que importa isso contra a resiliência obstinada da intenção persecutória? Como todos puderam ver, à medida que na Comissão de Ética se esmiuçaram depoimentos, esvaziados ficaram os afamados indícios de contradição de declarações e de abuso de poder junto da comunicação social. Todavia, completamente ao contrário do inicialmente dito pelo PSD – que justificou a audição parlamentar sobre a liberdade de expressão como um pórtico necessariamente prévio a qualquer comissão de inquérito, cuja eventual viabilização só resultaria se o impusesse a gravidade das conclusões a apurar no final de tais trabalhos –, afinal, contra todas as evidências, a saga inquisitorial precipitou-se.
Moral da história: se daquelas audições nenhuma conclusão credível poderia vir a ser retirada em justificação do inquérito, o necessário era correr a alimentar, por qualquer meio, a campanha de detracção contra o Primeiro-Ministro – e aqui a temos, para que não arrefeçam as brasas na fogueira em que se consomem os adeptos da devassa, arvorada em método de acção política.

Aplausos do PS.

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Vai longo o rol dessas tentativas frustradas contra os principais dirigentes do PS. Desde António Guterres, passando por Ferro Rodrigues, a José Sócrates, sucedem-se as múltiplas tentativas de assassinato de carácter para as quais tem valido tudo: de todas as vezes, o mesmo esforço para desacreditar pela insídia os dirigentes e governantes do PS, à míngua de grandeza e capacidade para os enfrentar no terreno aberto e no terreno leal do combate democrático.
Srs. Deputados, o que está em causa, com esta Comissão de Inquérito, é a utilização de um instrumento parlamentar de último recurso apenas para sustentar a radicalização da luta política. Aquela versão radicalizada da luta política que se alimenta de um só desígnio: tentar enfraquecer o PS como partido de Governo, por forma a fazer vergar a espinha dorsal da democracia e, assim, poder relativizar o valor da alternância política baseada em eleições livres,»

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Isso é um delírio!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » a legitimidade e autoridade do poder político democrático,»

Aplausos de Deputados do PS.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Nem a bancada do PS acredita no delírio!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — » o significado político da vontade popular que, contra ventos e marés e o escândalo dos ideólogos decadentistas do regime, insiste em que seja a esquerda moderna e moderada a governar Portugal.
É esclarecedor, é totalmente esclarecedor assistir-se à hipocrisia particularmente evidenciada pela liderança do PSD na defesa da liberdade de expressão. Venham-nos ainda dizer que foi uma ironia mal conseguida a ideia de suspender por seis meses a democracia para impor medidas de autoridade! Venham dizer-nos isso à luz da medida, expressamente apoiada, de instalar, por 60 dias, a «lei da rolha» em vésperas de actos eleitorais!

Protestos do PSD.

Quem não se inibe de defender uma verdadeira asfixia democrática, no País e no seu próprio partido, não se inibe de julgar os outros à sua medida, de caluniar sem provas e sem sobressalto ético por as não ter, de instrumentalizar a justiça para fins de combate político e de se associar, sem olhar a quem, só para estimular a suspeita e o ódio.
O PSD, a sua liderança, os seus responsáveis destacados escrevem, eles sim, uma verdadeira página negra de autoritarismo e de ataque à liberdade de expressão e à ética democráticas: asfixiam-se a si próprios, querem condicionar e até demitir o Procurador-Geral da República, pressionam e desacreditam o poder judicial e de há muito que pretendem manietar o Primeiro-Ministro, até na liberdade de se defender, só não consideram que devam inflectir o seu próprio comportamento, que, invocando a verdade como dogma, tem feito da calúnia a mais aviltante arma de luta política.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E sobre o negócio da TVI? Zero!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Não há, pois, invocação do interesse de Estado que resista à evidência do lamentável procedimento que tudo isto representa.

O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Cabe ao Primeiro-Ministro e ao Governo continuar a fazer o que devem: com determinação, governar Portugal e ocupar-se do interesse dos portugueses, custe o que custar e custe a quem custar, sem virar a cara

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a quaisquer confrontos, mas dando prova de plena responsabilidade pela exigência da função e garantindo que são os problemas das pessoas e os desafios do futuro e não as frustrações dos derrotados e os ajustes de contas com um passado mal resolvido que fazem mover as energias do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Agostinho Branquinho pediu a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, o PSD pede a defesa da honra da bancada porque o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, no seu delírio discursivo,»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — » disse uma sçrie de disparates do ponto de vista político que se impõem corrigir aqui, nesta Casa.

Protestos do PS.

Sr. Ministro, julgava que a questão da intromissão do Partido Socialista na vida interna do PSD tinha ficado esclarecida nas declarações políticas, aquando da intervenção do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues e da respectiva resposta do Secretário-Geral do PSD e Deputado desta Câmara.
Lamento que um membro do Governo, no momento em que está a utilizar da palavra em nome do Governo, se imiscua dessa forma negativa (e estou a ter cuidado com os adjectivos para não ferir a sensibilidade de V. Ex.ª) na vida interna de um partido. É total falta de sentido de Estado um membro de um governo imiscuir-se na vida interna de um partido.

Aplausos do PSD.

Sr. Ministro, lamento que V. Ex.ª tenha perdido esta oportunidade de intervir neste Plenário para falar sobre o tema da comissão de inquérito.
O tema da comissão de inquérito não interessa a V. Ex.ª. Não interessa a V. Ex.ª falar sobre o negócio da TVI. V. Ex.ª veio falar de vitimização do Partido Socialista e do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Esclareça!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Já várias vezes dissemos a V. Ex.ª e ao Governo que vítimas do Sr. Primeiro-Ministro são os 600 000 desempregados, são as diversas classes de profissionais que os senhores atacaram e, portanto, é sobre isso que os senhores devem ter responsabilidade!

Aplausos do PSD.

Sr. Ministro, aquilo que estava em causa nesta discussão é o negócio da TVI, e sobre isso V. Ex.ª «zero», disse «nada». Não terá talvez a consciência tranquila.
Vamos esperar pelos resultados da comissão de inquérito para averiguar se há ou não interferências, se houve ou não intromissão do Governo nesse negócio. Não vamos, hoje, tirar conclusões.
Hoje, estamos de cabeça aberta, de alma aberta para querer saber o que se passou, não para tirar conclusões, como o Sr. Ministro pretendeu fazer, vitimizando-se a si e ao Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

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Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, existe uma lei (aliás, já hoje recordada nesta Casa), a Lei dos Partidos Políticos, que também foi aprovada pelo PSD, que estabelece um conjunto de princípios e de regras sobre o funcionamento básico dos partidos políticos no nosso País.

O Sr. António Filipe (PCP): — Alguns deles abusivos!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — E fá-lo por razões evidentes: porque os partidos políticos não são associações de interesse meramente particular, os partidos políticos são estruturais à vida da democracia e o que neles se passa é relevante para a cidadania democrática, para toda a cidadania democrática.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Aquilo que o Sr. Deputado Agostinho Branquinho não entende é que, quando um partido democrático estabelece nas suas regras internas o princípio de proibição aos seus militantes de usarem a liberdade de expressão precisamente no momento mais crítico, no momento em que há eleições no País, o que esse partido está a fazer é uma gravíssima imputação do estatuto democrático devido à cidadania plena no nosso País.

Aplausos do PS.

Esse não é só um problema do PSD, é um problema de todos nós.
Por isso, afirmo e reafirmo o que disse e só lamento que o Sr. Deputado não esteja à altura da exigência ética democrática pela qual deveria estar e pela qual deveria saber bater-se.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não conhece os Estatutos do PS!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Quanto ao segundo ponto, o de dizer que o Governo nada tem a ver com o objecto deste inquérito, então não é o Sr. Primeiro-Ministro nem é o Governo que vão ser ouvidos para se saber se fizeram ou deixaram de fazer determinada coisa?! Então, o que os senhores, mais uma vez, aqui vêm dizer é que a vossa atitude em função da pseudodefesa da liberdade de expressão é de tal maneira hipócrita que até vêm dizer no Plenário da Assembleia da República: «Cale-se! Cale-se o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, porque não tem o direito de falar sobre as iniciativas do PSD em matéria sobre a qual o próprio Governo vai ser politicamente avaliado». É o máximo da hipocrisia, Sr. Deputado!

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Não foi nada disso! Não percebeu nada!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Quanto ao verdadeiro significado deste problema, Sr. Deputado Agostinho Branquinho, quem acusou gravemente o Sr. Primeiro-Ministro de ter mentido foi, entre outros, a ainda líder do seu grupo parlamentar e do seu partido, Dr.ª Manuela Ferreira Leite.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — E quanto ao negócio?!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Deputado Agostinho Branquinho, tenho a esperança de que seja o PSD a pedir à Dr.ª Manuela Ferreira Leite que vá à comissão de inquérito fazer a prova das

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calúnias que até agora fez para que possamos, finalmente, saber quem falou verdade nesta Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. É muito rápido.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado»

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Não vou fazer nenhuma intervenção, Sr. Presidente. À custa da interpelação, não vou desfigurar essa figura regimental.

O Sr. Presidente: — Julguei ouvi-lo dizer «não vou fazer nenhuma interpelação», mas, como diz que não vai fazer nenhuma intervenção, tem a palavra.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): — Sr. Presidente, peço à Mesa, através de V. Ex.ª, que entregue uma cópia dos Estatutos do Partido Socialista, que foram distribuídos no início da sessão, porque o Sr.
Ministro não tem e julgo que isso poderá ser útil para as suas reflexões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Já foram distribuídos pela Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, ao ouvi-lo, esta Câmara assistiu a uma grande metamorfose da sua pessoa: julgávamos que estávamos a ouvir o Ministro dos Assuntos Parlamentares, mas, na realidade, o senhor apresentou-se como o «padrinho» das virtudes e do bom carácter do Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — Mas está enganado, porque não é isso que está em discussão. Eu não quero saber do carácter do Sr. Primeiro-Ministro, se é bom, se é mau, se tem ou não tem — essa é uma questão para os amigos de José Sócrates e do Sr. Primeiro-Ministro resolverem. A comissão de inquérito não discute o carácter do Sr. Primeiro-Ministro, discute os factos em torno do negócio, que foi conhecido e que todos sabemos como acabou!

Protestos do PS.

Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, para si nada aconteceu. Mas recordo-lhe que, pelo menos, dois administradores da empresa que quiseram comprar a TVI já não são administradores da TVI.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Pois ç»!

O Sr. João Semedo (BE): — Isso não o inquieta? Não faz com que lhe surja nenhuma pergunta? Não imagina o que é que poderá ter estado por detrás dessas demissões?

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares é membro de um Governo. Acha natural que uma empresa em que o accionista Estado, que é representado pelo Governo, não saiba que essa empresa vai comprar um canal televisivo? Acha que isto é normal? Acha natural que um Governo, por uma razão política conjuntural, que foi a proximidade das eleições, tenha aconselhado uma empresa a não comprar essa estação de televisão? Acha isto natural? Nada disto o faz interrogar? Não se questiona? O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acha que ninguém, em Portugal, ouviu as diatribes do Sr.
Primeiro-Ministro e do Secretário-Geral do Partido Socialista contra a informação produzida, designadamente pela TVI? Não se lembra das campanhas «negras»? O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acha que isto não é suficiente para nos interrogarmos? Pois eu acho, tal como o Bloco de Esquerda, outros partidos desta Câmara e os portugueses em geral que muita coisa está por esclarecer.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Exactamente!

O Sr. João Semedo (BE): — É o esclarecimento de que os senhores fogem, porque têm medo de inquirir, de perguntar, de conhecer a realidade, que iremos levá-lo até onde for possível!

Aplausos do BE.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para que efeito, Sr. Presidente?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, nesta singela interpelação, gostaria de dizer ao Sr. Presidente que teria todo o gosto em responder a todas as perguntas do Sr. Deputado João Semedo, não fosse não ter tempo para o efeito. Mas fica aqui a declaração de intenção de que, onde quiser, terei todo o gosto em dar todas as respostas às suas perguntas.

Aplausos do PS.

Risos do Deputado do BE Francisco Louçã.

O Sr. Presidente: — Concluído este debate, passamos à apreciação, conjunta e na generalidade, dos projectos de lei n.os 30/XI (1.ª) — Altera a Lei da Nacionalidade estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro (PSD), 77/XI (1.ª) — Apoio ao Associativismo Português no Estrangeiro (PSD) e 78/XI (1.ª) — Apoio à comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro (PSD), bem como dos projectos de resolução n.os 21/XI (1.ª) — Sobre a problemática da mulher emigrante (PSD) e 22/XI (1.ª) — Acompanhamento dos fluxos migratórios portugueses para o estrangeiro (PSD), e dos projectos de lei n.os 168/XI (1.ª) — Cria um Fundo de Apoio Social aos Emigrantes Portugueses (PCP), 169/XI (1.ª) — Movimento associativo das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro (PCP), 170/XI (1.ª) — Criação de um Fundo de Apoio ao Movimento Associativo Português no Estrangeiro (PCP) e 171/XI (1.ª) — Apoio à comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro (CDS-PP), e, ainda, do projecto de resolução n.º 78/XI (1.ª) — Recomenda ao Governo a elaboração de um estudo quantitativo e qualificativo da nova diáspora portuguesa no mundo (CDS-PP).
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Cesário.

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O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD volta, hoje, a trazer ao Plenário da Assembleia da República questões marcantes para a vida das comunidades portuguesas no estrangeiro. Fazemo-lo em obediência à nossa tradição nesta área.
Hoje, como no passado, então com Manuela Aguiar, com Correia de Jesus, com José Vitorino, sempre recusámos uma postura passiva relativamente à nossa diáspora. Sempre sentimos que a representação dos nossos compatriotas que se encontram no exterior não pode passar apenas por meros discursos. Simples palavras não são mais do que meras intenções e, como diz o povo, «palavras leva-as o vento».
Hoje, Sr.as e Srs. Deputados, precisamos, sobretudo, de acções, de acções claras. Acções que demonstrem que as nossas comunidades são mais do que tema para palavras de circunstância em recepções mais ou menos formais, acções que tornem inequívoco quem, de facto, luta pela aproximação entre Portugal e todos os portugueses, indiferentemente do local onde se encontrem, acções que permitam concretizar políticas dirigidas a quem é tão português como qualquer um de nós, mas que, por vezes, é ignorado como se não existisse.
Daí estas iniciativas que colocamos, hoje, à vossa apreciação.
Trata-se de propostas em domínios que consideramos vitais no contexto da problemática migratória.
Propomos fazer uma alteração à Lei da Nacionalidade de forma a estender a nacionalidade originária aos netos de cidadãos portugueses, o que permitirá estreitar relações com milhares de pessoas que se assumem orgulhosamente como portugueses, mas que, legalmente, se vêem impedidos de o ser.
Propomos a criação de um quadro legal que enquadre as associações portuguesas mais activas e credíveis, constituindo-as como parceiros privilegiados para as acções de acompanhamento dos fluxos migratórios, para a divulgação da nossa cultura e para o próprio ensino do Português.
Apostamos nos órgãos de comunicação em língua portuguesa que existem um pouco por todo o mundo — televisões, rádios, jornais —, que se podem assumir como veículos extraordinários para a circulação de informação e de cultura junto dos que procuram manter viva a sua relação com Portugal e as suas regiões.
Propomos o incentivo para acções de fomento da participação cívica e política da mulher nas instituições comunitárias e na vida pública das sociedades de acolhimento e de combate à violência de género, que tanto abominamos.
Fazemos uma recomendação ao Governo no sentido de desenvolver políticas activas de acompanhamento dos fluxos migratórios, apostando no envolvimento de instituições locais com experiência na área social e no próprio movimento associativo enquanto elemento agregador de cada comunidade.
Tudo isto, Sr.as e Srs. Deputados, conscientes de um conjunto de aspectos que consideramos vitais e que não podem ser esquecidos no momento da definição de qualquer política para as nossas comunidades.
Em primeiro lugar, não temos medo de ser muito mais do que somos hoje. Se há pessoas que partilham da nossa cultura e dos nossos valores e que são descendentes de quem nasceu entre nós e que querem ser portuguesas, devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o conseguir. Ainda por cima, tratandose em muitos casos de cidadãos com enorme visibilidade local.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Cesário (PSD): — Em segundo lugar, não podemos continuar a «assobiar para o lado», ignorando que há, hoje, muitos milhares de portugueses que se vêem obrigados a sair de Portugal, muitas vezes em situações dramáticas, para ganharem o pão para si e para os seus, sem esquecer por vezes as situações de exploração e de humilhação a que se sujeitam, que a todos nos envergonham.
Em terceiro lugar, os actuais problemas com que nos confrontamos obrigam-nos, mais do que nunca, a olhar para aqueles que temos no exterior para que, juntos e não separados, consigamos mais facilmente ultrapassar os enormes escolhos que se colocam para as vidas dos cerca de 15 milhões de portugueses que somos no mundo.
E, finalmente, não podemos continuar a assistir ao enorme divórcio que grassa entre o actual Governo e todas estas nossas comunidades, que se vêem, sistematicamente, esquecidas por acção ou por omissão, desprezando-se, assim, os nossos melhores embaixadores no estrangeiro, ou seja, aqueles que, sendo portugueses como nós, sentem os nossos problemas como se fossem seus.

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Sr.as e Srs. Deputados, termino apenas com uma nota final: estamos, como é óbvio, perfeitamente disponíveis para um trabalho de especialidade que permita aperfeiçoar estas iniciativas. Não temos a presunção de querer saber tudo e, por isso, consideraremos bem vindos todos os contributos que visem melhorar as soluções que colocamos à vossa consideração, pelo que, naturalmente, viabilizaremos todos os diplomas em discussão.
Encaramos, assim, este momento da vida parlamentar como um desafio particularmente importante para demonstrarmos que aqui, na Assembleia da República, as comunidades portuguesas nunca foram e continuam a não ser esquecidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, quatro Srs. Deputados.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, o PSD traz-nos hoje aqui cinco diplomas exactamente iguais àqueles que apresentou na anterior legislatura. Dá-se, inclusivamente, ao luxo de nos trazer aqui um diploma que já tem cinco anos e não teve qualquer alteração, o que se refere ao movimento associativo.
No fundo, as coisas mudam, mas o PSD não! O PSD não se adapta, não traz aqui algo de novo. É este o retrato do PSD na sua relação com as comunidades, o retrato de um partido que encara as comunidades de forma paternalista, de forma demagógica, sem qualquer tipo de consideração sobre as transformações que, entretanto, ocorreram.
Aliás, com todo este conjunto de projectos, o PSD não traz nada de inovador, e isso é o que é mais confrangedor, na medida em que há já respostas dadas por programas e por diversos instrumentos para todos estes domínios que aqui são apresentados.
Uma análise cuidada a estes projectos transmite-nos que eles são inconsistentes, na sua grande maioria, na forma como misturam objectivos e repetem apoios que já existem, ou, então, são financeiramente insustentáveis, como acontece com os projectos de lei relativos ao movimento associativo e à comunicação social.
E, quando não são inconsistentes nem financeiramente insustentáveis, são absolutamente redundantes, porque já existe um registo para as associações, um regulamento que dá uma resposta cabal aos apoios ao movimento associativo, uma promoção do ensino, que tem vindo a aumentar o número de professores, alunos e de cursos, um organismo para acompanhar os fluxos migratórios, caso ainda não se tenham dado conta,»

O Sr. José Cesário (PSD): — Demos conta é que não há nada!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — » apoios sociais, ao abrigo do ASIC e do ASEC e as assinaturas dos jornais.
Quero centrar-me num dos diplomas que me parece verdadeiramente emblemático, que é o que se refere ao movimento associativo. É que, se os outros não têm grandes virtudes, este ainda tem menos, porque não só não incentiva quaisquer formas de autonomia, de gestão ou de espírito estratégico no movimento associativo como não promove qualquer criação de vínculo à região, como devia acontecer, nem qualquer sentido cívico e, pelo contrário, cria uma subsidiodependência, que é pouco saudável para a autonomia do movimento associativo, que, ainda por cima, é de difícil controlo.
Mas o pior de tudo é que, neste diploma, o PSD pretende transformar as associações em escolas. É verdade que há associações que até têm um bom ensino, agora não se pode generalizar, ainda por cima com carácter obrigatório e prioritário,»

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — » as associações em escolas, porque isso, certamente, levaria a uma degradação do ensino, nem atribuir subsídios da forma como o PSD pretende atribuir.
Quero deixar-lhe apenas duas questões.

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No que diz respeito ao movimento associativo, não acha que o Despacho n.º 16 155/2005 já dá uma resposta cabal e é muito mais objectivo, muito mais abrangente, do que aquilo que aqui pretende aprovar? Também relativamente ao ensino, não acha que este modelo que pretende aprovar é totalmente contrário àquilo que se quer de um ensino integrado de qualidade, porque vem aumentar o ensino paralelo,»

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — » com tudo o que isso tem de dificuldade para os alunos?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, quero felicitar o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata por ter trazido aqui algumas iniciativas com as quais, genericamente, estamos de acordo; no entanto, até para definir melhor o nosso sentido de voto, há algumas questões que importa esclarecer.
Em relação ao associativismo, julgo que há aqui uma tentativa de ser simpático, porque, em vez de potenciar e de reforçar aquilo que é um movimento saudável de associativismo na nossa comunidade, capaz de a congregar naquilo que é um sentimento, que nós também partilhamos, ou seja, de tirar dela todo o potencial, tem alguns critérios que me parecem ser muito assistencialistas e que, de alguma forma, criam, de facto, alguma subsidiodependência, ou seja, são contrários àquela velha linha de que «é preciso ensiná-los a pescar, em vez de lhes dar o peixe».
Por outro lado, tendo em conta o que disse, a nova realidade da nossa emigração e que ela é cada vez mais dispersa, porquê o critério de um mínimo de 300 associados? Pergunto-lhe se não se deve baixar um pouco a fasquia, porque estamos a falar de comunidades que muitas vezes têm números reduzidos. E não acho que, hoje, se deva deixar de fora comunidades muito mais dispersas e, eventualmente, com um número mais reduzido de pessoas, impedindo-as de poderem ter acesso a este modelo.
Gostaria também que explicasse melhor este critério da educação. É um facto que há bons exemplos.
Julgo até que o modelo do Partido Comunista Português é um pouco mais eficaz e mais assertivo nessa matéria. Não seria preferível apoiar bolsas de estudo e criar condições para que nenhum aluno possa ficar longe ou distante do ensino da língua, em vez de transformar as associações em escolas, criando um sistema paralelo e, inclusivamente, deixando dúvidas em relação ao controlo quer em relação à qualidade quer em relação à existência de um sistema integrado? Porque o que interessa não é um ensinamento puro e simples mas, sim, um ensinamento com qualidade, que seja proveitoso para a comunidade e que a traga, de facto, os nossos valores da cultura e da língua portuguesas.
São dúvidas que me parecem pertinentes e, embora tenha deixado a porta aberta para, em comissão, podermos melhorar estas matérias, o que é um bom sinal, gostaria de saber algo mais.
Há um outro diploma que, genericamente, também nos merece concordância e em relação ao qual também temos algumas dúvidas, o do acesso à nacionalidade portuguesa.
Não fica claro de que forma podemos avaliar os critérios que podem aferir a ligação à comunidade, à cultura e à língua portuguesas nem, tão-pouco, fica claro (e por isso gostava de ouvir a sua opinião) se é ou não razoável — e isto parece-me relevante — que a aquisição da nacionalidade seja a requerimento do próprio e não automaticamente, sem que seja o próprio a requerê-la. É uma dúvida que gostava de ver esclarecida e por isso agradeço uma resposta.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Defensor Moura.

O Sr. Defensor Moura (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, desde 1981 tem sido publicada variada legislação sobre a nacionalidade e sobre a emigração, progressivamente melhorada ao longo dos

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anos — isto aconteceu em 1994, em 2001, em 2003, em 2004 e em 2006 —, que nos tem aproximado dos legítimos anseios das populações emigradas.
A lei orgânica de 2006 trouxe-nos, de facto, avanços significativos em vários sectores, como, por exemplo, o do reconhecimento da nacionalidade, que é o tema que vou agora abordar. De facto, nessa altura, foram criados e facilitados mecanismos de aquisição da nacionalidade, como também de reconhecimento de algumas pessoas como portugueses de origem.
Ora, esta proposta feita do PSD foi uma das que, na altura, não foi incluída na lei orgânica e que agora é retomada, insistem, tentando beneficiar de uma nova maioria absoluta da Assembleia, que não é igual à anterior. Penso, porém, que esta proposta do PSD, que se propõe alterar a Lei da Nacionalidade estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro é uma insistência exagerada.
E vou dizer-lhe porquê.
De facto, o articulado actual diz que podem adquirir a nacionalidade portuguesa os filhos de mãe ou de pai portugueses nascidos no estrangeiro, se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses. Agora, os senhores propõem que podem adquirir a nacionalidade portuguesa os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa até ao 2.º grau da linha recta e que não tenham perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses ou se inscreverem o nascimento no registo civil português. Só que não dizem como é que deve ser a evolução familiar, que idade deve ter o requerente, se deve ou não ter maioridade e, principalmente, não dizem se fala português e se tem algum conhecimento da cultura portuguesa.
Vou dar-lhe um exemplo: imagine um jovem aventureiro português que foi, por exemplo, para a Tailândia.
Casou e teve um filho lá e esse filho viveu uma vida inteira como tailandês, sem ter, sequer, qualquer conhecimento da origem do pai. Passados vinte e tal anos, esse tal filho tem um filho, que é o neto que os senhores agora propõem que seja reconhecido como português de origem. Ele pode nem sequer falar português, nem saber onde é Portugal e até nem conhecer nada da cultura portuguesa, mas encontra o passaporte do avô. Com esta vossa proposta, ele é imediatamente reconhecido como português originário.
Pode chegar a Presidente da República, sem falar português, sem saber onde é Portugal e sem conhecer a cultura portuguesa. Acho, claramente, um exagero.
Tenho comigo um mail — que com certeza todos receberam — de uma jovem brasileira, que nos diz que é neta de um português e que o pai morreu cedo e não teve oportunidade de lhe transmitir a cultura portuguesa nem dar-lhe a nacionalidade. Agora pede para ser portuguesa. Esta pessoa — não é uma portuguesa de origem, como é evidente — é facilmente reconhecida como portuguesa se pedir a naturalização, que lhe é reconhecida imediatamente, através do artigo 6.º. Mas é-lhe reconhecida a seu pedido. O Governo concede a nacionalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do artigo 1.º, desde que tenha a maioridade, fale português, conheça minimamente a cultura portuguesa e não tenha um registo criminal carregado. É fácil adquirir a nacionalidade portuguesa através da naturalização.
Esta vossa proposta de reconhecimento automático como português de origem para quem pode não ter sequer conhecimento onde é Portugal e da língua e cultura portuguesas, acho que é um erro e, por isso, vamos votar contra ela.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Damásio.

A Sr.ª Teresa Damásio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, o projecto de lei em apreço reproduz, ipsis verbis, o projecto de lei n.º 480/X (3.ª), apresentado pelo PSD na legislatura anterior e, posteriormente, rejeitado na generalidade em reunião plenário de 30 de Outubro de 2008.
Reconhecendo o importante papel dos media, em particular dos media das comunidades portuguesas, para a promoção da língua e cultura portuguesas no mundo e para a manutenção dos laços com Portugal, o Governo tem vindo a apoiar diversas iniciativas, entre as quais destacamos: a celebração de um Protocolo entre a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas e a Agência Lusa, com o objectivo de disponibilizar o acesso gratuito à secção de notícias sobre as comunidades portuguesas de todos

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os jornalistas da diáspora; a celebração de um Protocolo entre a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas e o jornal O Emigrante; o pagamento; o pagamento de assinaturas de diversos jornais e revistas de língua portuguesa a muitas associações de língua portuguesa espalhadas pelo mundo; a criação de um observatório da diáspora portuguesa.
No nosso entender, a existência de um registo nacional de órgãos de comunicação social em língua portuguesa, previsto no artigo 3.º do presente projecto de lei, é uma necessidade não justificada, assim como o artigo 4.º, ao exigir a prévia inscrição no registo para que possa haver o acesso aos apoios enunciados no artigo 2.º Fixemo-nos no que está literalmente expresso no projecto de lei n.º 78/XI (1.ª).
Em primeiro lugar, no que se refere à avaliação dos projectos, o artigo 5.º abarca um conjunto vasto de aspectos que não é claro se são ou não cumulativos, e que são de difícil quantificação, três desses aspectos que, no nosso entender, são suficientemente objectivos. Acerca desta questão, gostaria que o Sr. Deputado José Cesário fizesse um esforço de esclarecimento, pois entendemos que a norma sub judice cria causas justificadas que restringem a capacidade de iniciativa individual e colectiva, a liberdade de constituição de empresa e a liberdade de imprensa.
A condição sine qua non que está subjacente à redacção deste projecto de lei é a promoção do contacto das comunidades portuguesas com as suas terras de origem e a defesa e promoção da língua portuguesa no estrangeiro.
Porém, em relação ao primeiro objectivo enunciado, encontramos a previsão mas não encontramos a respectiva estatuição.
Quanto ao segundo objectivo, o diploma não procede a qualquer previsão das verbas necessárias à concretização do sistema que pretende adoptar, limitando-se a propor a criação de auxílios estatais.
Além disso, há no articulado um conjunto de condições específicas que contêm elementos subjectivos ou apresentados de forma demasiado vaga. Nesse sentido, são particularmente relevantes as omissões quanto à gestão do sistema de incentivos proposta, ficando sem se saber que entidade seria responsável pela atribuição de tais subsídios e como seria fiscalizada a sua aplicação.
Convém enfatizar que estamos perante entidades empresariais, com a sede social fora de Portugal e que se regem pelo ordenamento jurídico do Estado em que estão registadas. E temos como certo que as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados não querem nem desejam que o Estado português se imiscua na vida política e no ordenamento jurídico dos outros Estados soberanos onde se verifica a presença de comunicação social em língua portuguesa.
Não estão, igualmente, identificados os encargos que o diploma forçosamente representa.
Sr. Deputado José Cesário, de forma a podermos clarificar as dúvidas que consideramos relevantes, gostaríamos que esclarecesse três questões fundamentais: a gestão de incentivos que propõe; a entidade responsável pela concessão dos apoios; e como seria feita a fiscalização.
Para terminar, gostava de deixar expresso que, nestes e noutros domínios, no Partido Socialista acompanhamos as tendências do nosso tempo e que, portanto, nos parece muito pertinente lembrar que é importante apoiar o desenvolvimento de redes de aplicações computacionais em língua portuguesa e fomentar a I&D, com vista à produção de novos conteúdos para a Internet.
A globalização traz-nos novos desafios a que temos que estar atentos sob pena de, Sr. Deputado, nos transviarmos no caminho que conduz ao futuro! Direcção certamente incontestável no delineamento desse caminho é a que, livremente, cada um faça nascer, a partir do capital de iniciativa e de empreendedorismo que a sociedade, no seu conjunto, seja capaz de proteger e incentivar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, uma das tendências do nosso tempo é os pedidos de esclarecimento terem 2 minutos.

Risos do PCP.

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Sr. Deputado José Cesário, faça favor de responder.

O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queridos Deputados socialistas, fico muito sensibilizado com VV. Ex.as pelo número de questões que me colocaram. Aliás, isto permite-nos ver aqui vários PS: há, nitidamente, um PS mais complexado, marcado pela derrota eleitoral das últimas eleições legislativas neste círculo, mais colado ao Governo, que não admite qualquer crítica, qualquer solução alternativa às suas posições; e há um PS mais construtivo que procura colocar as suas dúvidas, e esses foram os Srs. Deputados Defensor Moura e Teresa Damásio.
Ora bem, Sr. Deputado Paulo Pisco, vamos ver se nos entendemos. V. Ex.ª tinha todas as razões para estar calado, porque um partido que ç incapaz de apresentar aqui uma õnica iniciativa legislativa,»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Cesário (PSD): — » um partido que apoia um Governo que não tem praticamente iniciativa que mereça o seu apoio relativamente às comunidades o mínimo que pode fazer é «sair de fininho e caladinho».

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, V. Ex.ª é a imagem dessa omissão!

Protestos do PS.

Muito francamente, não consigo entender como é possível acusar-nos de demagogia, quando faz parte de um partido que apoia um Governo que anuncia sistematicamente fóruns, plataformas informáticas, encontros disto, daquilo e daqueloutro, programas que não concretiza, e quando concretiza alguma coisa é para mal!? A Sr.ª Deputada Teresa Damásio colocou a questão da comunicação social. Pergunto: os senhores já se esqueceram que acabaram com o porte pago para o envio de publicações portuguesas para o estrangeiro?!

Aplausos do PSD.

Os senhores já se esqueceram que até o acordo com a agência Lusa para o fornecimento de material à imprensa das comunidades deixou de ser satisfeito por parte do vosso Governo,»

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. José Cesário (PSD): — » facto que foi recentemente anunciado aqui por parte do Director de Informação da agência Lusa?! Srs. Deputados, vamos a ver se temos bom senso!» Sr. Deputado Paulo Pisco, ainda bem que falou na questão da responsabilidade do movimento associativo em matéria de ensino. Longe de querermos substituir o ensino integrado pelo ensino paralelo. Agora que há todas as razões para não desconfiar do ensino associativo, para reconhecer que ele cumpre um papel sério em prol da divulgação da língua e cultura portuguesas, há. Ainda bem que o senhor disse que desconfia deles, que não acredita neles, porque essa é a imagem do vosso Governo. Está colocada a nu! Sr. Deputado Defensor Moura, a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização tem implicações gravíssimas nalguns casos, nomeadamente a perda da outra nacionalidade em vários países. É sobre estas matérias que os meus colegas Carlos Páscoa e Carlos Gonçalves irão dar esclarecimentos. Mas é evidente que esta é uma implicação e, por isso, não podemos obrigar os outros a esta situação.
Quanto à questão da língua, Sr. Deputado, no mundo de hoje, isso não pode ser argumento. Quantos portugueses há, hoje, que não falam português? Quantos? Esta é que é a questão. Não desconfie deles! Nós não desconfiamos deles!

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Sr. Deputado Hélder Amaral, é evidente que, quanto a critérios, estamos disponíveis para os acertar. Mas há uma coisa que para nós é essencial: a partir de um registo nacional de associações portuguesas, que sejam parceiras do Governo em matéria de execução de uma série de políticas de natureza social, educativa e cultural, temos de reconhecer as que são mais credíveis e que têm uma dimensão mais significativa. É isto que está em causa. Aliás, temos o cuidado de o reconhecer sempre. Daí este registo.
Quanto aos critérios do vínculo à comunidade e a Portugal por parte dos cidadãos que pretendam a tal nacionalidade originária, é óbvio que também estamos disponíveis para discutir essa questão, mas parece-nos que é fundamental, neste momento, aproveitar esta altura para garantir o essencial.
Termino com uma nota: estas iniciativas que em debate, se forem levadas à prática — e, se o PS não for capaz, nós damos uma ajuda ao ocuparmos nós o Governo, temos oportunidade de governar, aliás, já o fizemos em muitos destes aspectos! — aumentarão a receita do Estado de forma significativa. Os senhores não percebem como, mas nós depois explicamos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.

O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português intervém neste debate em que temos em apreciação sete projectos de lei e três projectos de resolução, com três projectos de lei que visam, no essencial, o reconhecimento do movimento associativo, da sua importância e do papel que desempenham nas comunidades portuguesas, substituindo-se muitas vezes ao papel que deveria ser assumido pelo Estado português, visando assegurar um segundo aspecto que tem a ver com um fundo de financiamento e um terceiro aspecto que se prende com o apoio social aos emigrantes que têm necessidades reconhecidas no estrangeiro.
Fazemo-lo com o espírito de encontrarmos na Assembleia da República a resposta às preocupações que os representantes das comunidades portuguesas nos têm feito chegar repetidamente.
Certamente que se fazemos das associações um instrumento precioso de afirmação da língua e cultura portuguesas, se reconhecemos que são um instrumento de proximidade das comunidades que fazem um trabalho que importa apoiar e incentivar, se, na verdade, tivermos presente aquilo que todos temos, em termos de discurso, sobre as comunidades portuguesas no estrangeiro, creio que, mais do que passarmos o tempo a olhar para trás, a procurar responsabilidades pelo que não foi feito e que nos é dito que falta fazer, importaria que na Assembleia da República houvesse vontade, determinação, espírito construtivo para, com abertura, construirmos as respostas que os portugueses no estrangeiro esperam que a Assembleia da República lhes dê.
É com esse espírito de abertura que os nossos projectos de lei devem ser entendidos. Devem ser vistos como um contributo do Grupo Parlamentar do PCP para, em conjunto com todos, podermos encontrar o melhor caminho e as melhores soluções para responder aos desafios que os representantes das comunidades nos deixaram quer em termos de Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas quer nos encontros que tem tido com os diferentes grupos parlamentares. Parece-nos que esta deveria ser o espírito com que todos os grupos parlamentares deveriam estar.
É certo que pouco foi feito nos últimos anos. Deram-se uns pequenos passos. Mas eu penso que o Partido Socialista precisa de sair da sua posição defensiva, estática e perceber que os passos que demos foram insuficientes, porque não respondem às aspirações das nossas comunidades.
Temos de ir mais longe! É necessário ir mais longe! Com sentido de responsabilidade, com a noção de que não estaremos de acordo em tudo o que está contido nos diferentes projectos de lei, com a percepção de que temos de assumir um caminho, que é possível encontrar resposta para esse caminho e deixarmos de ouvir os representantes das nossas comunidades virem a esta Casa dizer que estão fartos de discursos, que não acreditam em ninguém e que nada tem sido feito no fundamental do que eles necessitam que se faça e ultrapassarmos situações de bloqueio, com um espírito construtivo. Penso que é possível e necessário fazer isto e que este é o caminho que precisamos percorrer.
As comunidades portuguesas no estrangeiro são demasiado importantes para que não assumamos nós também, com responsabilidade, aquilo que se impõe assumir nesta Câmara.

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Neste sentido, independentemente dos desacordos, das opiniões diferentes, das divergências em relação a este ou àquele ponto, esperamos que, no debate de especialidade, possamos encontrar um espaço de viabilização dos projectos que estão na Mesa, vendo o Partido Socialista a participar de forma construtiva, também com as suas propostas, para chegarmos ao fim e trazermos a este Plenário, para votação final global, resposta para o nosso movimento associativo, resposta para as nossas comunidades e para a melhoria dos nossos serviços no exterior. A partir daí, seguramente, deixaremos de ouvir as críticas, justas, com que somos sistematicamente confrontados quando somos contactados quer pelos que cá vêm quer quando vamos ao exterior.
Naturalmente, a realidade do movimento associativo não é igual em todo o lado, nem no plano geográfico nem no plano dos objectivos. Há muita coisa que é preciso colocar em cima da mesa e sobre a qual importa reflectir, mas estou convencido de que, se ouvirmos, se tivermos disponibilidade para ouvir e construir, temos o saber suficiente e somos capazes de encontrar os meios suficientes para responder ao desafio que temos pela frente, com sucesso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tive oportunidade de dizer que, em relação aos diplomas que estão em apreço, estamos, genericamente, disponíveis para trabalhar, em sede de comissão, e alguns deles merecem-nos mesmo aprovação fácil, como o da problemática da mulher emigrante, o do apoio à comunicação social em língua portuguesa, que nos parece fazer todo o sentido, embora entendamos que deva ser daqui para lá e de lá para cá, ou seja, deve existir alguma reciprocidade nessa matéria.
Outras matérias são mais sensíveis, como a de se poder estender a nacionalidade portuguesa originária a netos de portugueses, desde que estejam salvaguardados os critérios e se possa fazê-lo com rigor — e aqui o rigor é também uma forma de justiça —, para que, de facto, não se levante qualquer problema em relação a uma solução para a qual também queremos contribuir.
Outra matéria sensível é a do associativismo, onde me parece que são muito mais adeptos da contratualização, em transformar o apoio programa a programa do que propriamente em dar mais subsídios.
De qualquer forma, parece-me que todas estas iniciativas — e espero não ser injusto com isto — tentam responder a uma realidade que existe e, como costumo dizer, tudo o que pudermos fazer pela nossa comunidade não é um custo, é um investimento. É preciso ter em atenção que a nossa diáspora é estratégica para o País e, por isso, deve ser prioritária, ou seja, temos ali muitos concidadãos e muitos dos nossos familiares que nos podem servir de ajuda e que precisam de ouvir uma palavra de conforto e de apoio da parte da Assembleia da República.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Gostaria, no entanto, de trazer para a discussão uma nova realidade, colaborando, no fundo, como é nossa intenção, nesta matéria. Devemos dedicar uma atenção muito especial às segunda e terceira gerações, já que muitos deles ocupam posições relevantes quer no plano económico e social quer no plano político e muitos impedem até que os da primeira geração regressem, na medida em que ganham raízes nos países para onde emigraram, tornando difícil o regresso da primeira geração, que, às vezes, está em tempo de voltar à sua terra pátria para poder voltar a usufruir do esforço do seu trabalho.
Gostava também de chamar a atenção para algo que me pareceu ficar fora deste debate, que é a nova emigração, hoje, com uma realidade completamente diferente, de altos quadros, de quadros médios, essencialmente de alunos ligados ao ERASMUS — dados da União Europeia dizem que são à volta de 4753 e, se repararmos, este número aumenta de forma muito sustentada ao longo dos anos. Ora, muitos destes jovens fixam a sua actividade profissional, muitas vezes, no país onde tiram os seus cursos.
Julgo que esta é uma oportunidade que não deve ser deixada ao acaso. Ou seja, numa altura em que o País atravessa dificuldades económicas, numa altura em que temos dificuldade em captar investimento

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estrangeiro, aqui está a verdadeira diplomacia económica. E penso que só dizemos bem daquilo que gostamos!» É esta geração, são estes portugueses, é esta comunidade que nos pode servir de apoio e que pode ser, de facto, a nossa verdadeira diplomacia económica, não só fortalecendo e reforçando a nossa presença no mundo mas também trazendo aquilo que o Sr. Deputado José Moura Soeiro referiu como algum proveito económico — aliás, basta olhar para a redução das receitas dos emigrantes.
Portanto, não podemos deixar de lado os portugueses que, hoje, exercem um direito fundamental e legítimo, que é o direito de estar e de andar de lugar em lugar. Nunca como agora qualquer um de nós pôde exercer esse direito! O que não devemos fazer, uma vez que não temos nem criamos aqui condições, na terramãe, para que eles se possam fixar e produzir, sendo obrigados a emigrar, é esquecê-los! Não falo da primeira geração, embora os números digam que estamos, outra vez, com os níveis de emigração dos anos 60, mas quero reforçar que, hoje, a emigração é diferente. Hoje, trata-se, de facto, do exercício do direito de estar e andar, não se trata de uma emigração tout court, pelo que devemos olhar para esta realidade com novos dados.
Sei que há um Observatório que vai regulando os fluxos migratórios, mas esse Observatório não responde com a eficácia e com a atenção que aqui pretendemos.
Por outro lado, também me parece útil que uma reestruturação legítima da rede consular, uma avaliação dos serviços consulares e dos serviços da República portuguesa à nossa comunidade tenha em atenção estes novos fluxos, esta nova emigração, que é muito mais dispersa e que, eventualmente, tem necessidades que a primeira geração não teria. Errado será ignorar toda esta matéria e reformular a rede consular sem se saber se estamos a responder, em concreto, às necessidades e às vontades desses cidadãos, no âmbito de uma relação que tem de ser bilateral e é até mais do nosso interesse do que propriamente do de alguma desta nova geração, que, obviamente, tem sucesso lá fora, consegue criar riqueza, consegue sentir-se bem na comunidade onde se insere, mas deve ser também, para nós, um factor relevante.
Portanto, peço a atenção de todos para estas questões e quero dizer que, obviamente, estamos disponíveis para que, também em relação à nossa iniciativa, possamos fazer as alterações necessárias, por forma a não deixar de fora toda esta nova geração e comunidade que se vai espalhando pelo mundo, utilizando, como disse, o seu direito de estar e de andar e de produzir e fixar-se lá fora.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos um conjunto alargado de diplomas, apresentados pelas bancadas do PSD e do PCP, que versam sobre a temática da emigração e que contêm um conjunto, também ele alargado, de medidas dirigidas às comunidades portuguesas no estrangeiro.
Da parte do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, gostaria de centrar a nossa intervenção naquilo que consideramos serem os aspectos fundamentais que, de alguma forma, estas iniciativas abarcam.
O primeiro aspecto prende-se com as características da actual emigração, um pouco até na sequência da intervenção do Sr. Deputado Hélder Amaral, que nos disse que a emigração dos dias de hoje já não é propriamente a «emigração tout court» — a expressão é sua, não minha, Sr. Deputado Hélder Amaral. E gostaria de focar algumas características da actual emigração que nos preocupam e que devem, de facto, estar no centro da análise dos novos fluxos migratórios.
A emigração está a aumentar — penso que, hoje em dia, já ninguém diz o contrário, os dados são objectivos —, o que tem uma relação directa com o desemprego que se vive em Portugal, mas já não é só com o desemprego, é também com os baixos salários que se praticam no nosso País. E esta necessidade, para a emigração, colocou e coloca novos problemas, que têm a ver com questões muito preocupantes, como, por exemplo, o tráfico de seres humanos — é preciso dizê-lo! —, situações de perfeita escravatura em que são colocados alguns trabalhadores que saem do nosso País e que vão para outros países, inclusive para países da Europa. Por isso, há, com certeza, necessidade de continuar a estudar os fluxos migratórios, há, com certeza, necessidade de acompanhar e de fazer as análises devidas, de olhar para esse novo fluxo migratório dos quadros técnicos, de que falava o Sr. Deputado Hélder Amaral — nada tenho contra isso —, mas é preciso ver a realidade destes milhares de trabalhadores que vão trabalhar para Espanha, França, Holanda,

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sem nenhuma garantia, sem nenhum direito e que, por vezes, são obrigados a viver em condições de absoluta escravatura.
Mas também é preciso fazer outra coisa, Sr.as e Srs. Deputados — e é preciso ir um bocadinho mais longe, provavelmente, em alguns projectos apresentados pelo PSD —, é preciso exigir do Governo a garantia de serviços capazes de acompanhar e atender, nos locais, a estas novas situações. E é aqui que o Governo falha e falhou na reestruturação da rede consular, nomeadamente ao retirar os conselheiros sociais dos consulados e das embaixadas. Nós sabemos que há uma grande falha e todos os dias ouvimos falar dessas situações.
Depois, outro aspecto que, sobretudo, o PCP traz a este debate, através de um projecto de lei que nos parece importante e que gostaríamos de sublinhar — e que, de alguma forma, também está ligado com o que disse anteriormente — tem a ver com a situação de pobreza de muitos emigrantes, propondo a criação do fundo de apoio social aos emigrantes, no sentido de colmatar as insuficiências dos apoios do Governo já existentes e que são, como é do conhecimento de todos nós, perfeitamente insuficientes.
O apoio social aos emigrantes carenciados deixa muito a desejar, perante as situações concretas que sabemos que se vivem por esta Europa e por este mundo fora. De facto, é preciso um apoio social aos emigrantes, com a característica concreta dos emigrantes idosos e idosas, muitos dos quais estão em situações de grande aflição, às quais temos a obrigação de responder.
A criação deste fundo traz, pois, dois aspectos muito importantes, Srs. Deputados do Partido Socialista: o fundo passa a ter dotações regulares e não fica sujeito a haver ou não dinheiro. É uma medida positiva que pensamos dever ser implementada.
Relativamente à situação das mulheres emigrantes, Sr.as e Srs. Deputados, temos também um projecto semelhante. E, nesta matéria, não posso deixar de saudar as representantes da Associação Mulher Migrante, que têm estado firmes, nas galerias, nesta longa tarde de debate. Ainda bem! Saúdo a vossa Associação, a vossa presença nesta Casa e todo o vosso trabalho, já de há muitos anos.
De facto, a situação das mulheres emigrantes precisa de ser vista com as especificidades concretas. Neste sentido, é preciso englobar a preocupação da perspectiva de género e de acompanhamento dos fenómenos, também eles muito preocupantes nas comunidades portuguesas, de violência doméstica, fruto, em muitos casos, de não serem apenas os homens a emigrar e de esta nova emigração também não levar a mulher a seguir ao homem, isto é, a própria mulher vai por si e, muitas vezes, para dar sustento aos seus próprios filhos.
Portanto, a preocupação da perspectiva de género, em todas as políticas relativas às comunidades portuguesas, é fundamental e deve ser devidamente implementada.
Outro aspecto importante é o dos apoios à comunicação social. Nesta matéria, já aqui foi lembrada, pelo Sr. Deputado José Cesário, a questão da eliminação do porte pago, que deu grande discussão na anterior Legislatura, como alguns e algumas de nós estão lembrados. De facto, esta questão foi assim, digamos, uma «mancha negra» na política do Partido Socialista em relação à emigração. Teremos de considerar que sim! O papel da comunicação social na comunidade portuguesa é muito importante, porque significa coesão, faz com que as pessoas partilhem a informação e o conhecimento, o que é muito importante para quem vive no estrangeiro e, muitas vezes, tem uma grande sede de informação sobre o seu País.
Quero também dizer, com toda a frontalidade, à bancada do PSD que não seguimos todas as medidas apresentadas no vosso projecto de lei. Consideramos que existem aqui medidas excessivas, de algum proteccionismo, de subsídios, que deverão ser evitadas. Mas, depois, em concreto, na discussão na especialidade, poderemos ir mais longe.
Outro aspecto que quero referir é o dos apoios ao associativismo, onde temos projectos do PSD e do PCP.
Seria um lugar comum falar do papel das associações e da sua importância, já aqui houve outras intervenções nesse sentido e não vou repisar essa questão, porque penso ser do senso comum. Considero, no entanto, que todos os apoios que venham no sentido de apoiar a dinamização das actividades, que permitam a continuação de um trabalho em condições de dignidade, por parte dessas mesmas associações, são bem-vindos, porque — e nunca é demais dizê-lo — as associações contribuem para a organização das comunidades, promovem a participação, divulgam a língua portuguesa, divulgam a cultura portuguesa e promovem a ligação das gerações mais novas ao nosso País. O trabalho das associações é fundamental e, por isso, devem existir mecanismos de apoio para que esse trabalho seja feito em completas condições de dignidade.
Agora, passo a referir a última questão, que é a alteração à Lei da Nacionalidade.

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Srs. Deputados da bancada do PSD, Sr. Deputado José Cesário (dirijo-me ao Sr. Deputado, porque foi o único que falou), nesta matéria o Bloco de Esquerda já não acompanha o PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Não acompanhamos, porque consideramos que esta questão já está de alguma forma prevista na Lei da Nacionalidade e é possível resolver as situações que os senhores invocam como exemplo através da naturalização. É possível, sim, Sr. Deputado! Se o Sr. Deputado me disser: «Bom, mas esse é um processo demasiado burocratizado; bom, mas isso leva muito tempo», tudo bem, estamos disponíveis para ver a possibilidade de agilizar, ou não, estes processos.
Contudo, o facto de ter uma avó, ou um avô, não pode determinar por si só e de forma automática a nacionalidade portuguesa. Não pode determinar. Se aceitamos que a ligação cultural e o conhecimento da língua são critérios fundamentais para aceder à nacionalidade em todas as outras situações, isso também tem de verificar-se neste caso concreto.
Se dissçssemos: «não, mas estão completamente impedidos«» Não ç assim, a Lei da Nacionalidade tem, de facto, a possibilidade da naturalização e pensamos que através desse mecanismo é perfeitamente possível resolver as situações que aqui foram apresentadas.
Queria ainda dizer que temos algumas reticências em relação a alguns diplomas, não acompanhamos todas as soluções apresentadas, mas consideramos que, em sede de especialidade e na Comissão própria, seria ocasião de fazer um bom debate sobre um conjunto de medidas absolutamente necessárias de apoio às comunidades portuguesas e para tal apresentamos a nossa total disponibilidade. Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alberto Gonçalves.

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nos últimos anos, Portugal assistiu a um novo movimento de saída de portugueses para o estrangeiro que só tem comparação com aquilo que aconteceu na segunda metade do século XX e nos anos coloniais com a ida para a França, a Alemanha, o Luxemburgo ou a Suíça.
Os números de todos estes nossos compatriotas que optam hoje por sair de Portugal são verdadeiramente impressionantes e, Srs. Deputados, devem-nos fazer reflectir.
Devemos mesmo fazer-nos as seguintes perguntas: porque saem os portugueses? O que os leva a procurar outros países para construir o seu futuro deixando a sua terra, os seus amigos, a sua família? No fundo, o que os leva a deixar Portugal? São as perguntas que devemos colocar para compreender este fenómeno da sociedade portuguesa a que alguns continuam a tentar chamar de normal movimento de pessoas dentro do espaço europeu e fruto de novas organizações de sociedades a fim de escamotear uma realidade que é, infelizmente, a melhor prova do fracasso da governação do Partido Socialista.
É porque, Srs. Deputados, estamos convictos de que todos estes portugueses saem não por uma verdadeira opção de vida mas antes por uma real necessidade, já que em Portugal não encontram as oportunidades que lhes permitam garantir a sobrevivência do seu agregado familiar. É esta a primeira e a verdadeira razão para a saída de Portugal; as pessoas necessitam verdadeiramente de emigrar perante um vazio de esperança que encontram aqui.
Srs. Deputados, ninguém emigra por prazer! As pessoas emigram por necessidade!

O Sr. José Cesário (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Alberto Gonçalves (PSD): — Estes novos emigrantes levantam problemas diferentes e colocam ao Governo novos desafios que tardam em ser verdadeiramente enfrentados e resolvidos com eficácia. Falo, por exemplo, das questões relacionadas com a área social, com a integração desses

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portugueses nas sociedades de acolhimento; das questões relacionadas com o ensino da língua portuguesa ou até, como já foi aqui referido, com o apoio administrativo de que vão necessitar.
Enfrentar e acompanhar esta problemática seria a acção acertada de um Governo que tivesse sensibilidade para esta área de governação, o que poderia evitar as inúmeras notícias vindas a público na imprensa sobre variados problemas, incidentes e atropelos dos direitos de tantos portugueses que emigram em busca de novas oportunidades.
Uma outra vertente deste novo movimento migratório que se verifica na sociedade portuguesa é o facto de poder estar a sair uma parte importante das pessoas mais dinâmicas e activas do tecido laboral, o que acabará certamente por ter consequências negativas na economia portuguesa. São trabalhadores, muitas vezes qualificados, que não têm outra possibilidade senão a de ir para o estrangeiro.
Ao mesmo tempo, verificamos uma saída de jovens licenciados e de jovens quadros. Isso não é apenas fruto da evolução da própria mobilidade e da globalização, como alguns querem dar a entender, mas, Srs. Deputados, infelizmente é bem mais o espelho de um País que não dá oportunidades aos seus jovens de aqui construírem uma carreira compatível com a sua formação.
Foram estas as razões que nos levaram a apresentar este projecto de resolução de acompanhamento dos fluxos migratórios, cujo primeiro objectivo consiste em trazer esta questão a debate na Assembleia da República e possibilitar que nesta Câmara se encontre um consenso no sentido de esta questão passar a ser uma prioridade política permanente dos órgãos de soberania, particularmente do Governo, que está ausente neste debate, que deverá desenvolver os mecanismos adequados para garantir um permanente conhecimento da evolução deste fenómeno e a consequente defesa dos cidadãos envolvidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando falamos de comunidades portuguesas, um dos temas associados a esta realidade é a necessidade de preservar a difusão da nossa língua e da nossa cultura, sendo a comunicação social em língua portuguesa um elemento primordial na sua preservação.
Nesta lógica, a defesa destes órgãos de informação seria, à partida, a política mais correcta a seguir mas, infelizmente, o Governo tem vindo a optar por uma progressiva atitude de desvalorização deste sector, o que vem claramente prejudicar a ligação a Portugal dos portugueses que residem no estrangeiro e contrariar aquilo que é dito no próprio Programa de Governo.
Temos mesmo assistido a uma clara diminuição da aposta neste sector tendo a decisão de acabar com o porte pago, como foi aqui referido, sido a mais emblemática pelo prejuízo claro em que se traduziu para as comunidades portuguesas.
Assim, este projecto lei tem como objectivo definir o apoio à comunicação social no estrangeiro, através da comparticipação do Estado em projectos jornalísticos que valorizem a cidadania e a cultura portuguesas, assegurando também as liberdades de expressão e de informação. Nele estão contidas as modalidades de apoio, as condições específicas de acesso, a avaliação de projectos e, sobretudo, um registo nacional dos órgãos de comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro.
Como é referido na exposição de motivos do nosso projecto de lei, é necessário garantir aos portugueses residentes no estrangeiro o acesso a diversos órgãos de comunicação a fim de permitir-lhes manter o contacto com a realidade das suas terras de origem e com o País em geral. Estaremos assim, Srs. Deputados, a contribuir para a defesa da língua e da cultura portuguesas e, no fundo, a afirmar Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria só fazer uma breve intervenção sobre o projecto de lei do PSD relativo à alteração da Lei da Nacionalidade, sobre o qual a posição da bancada do PCP é diferente da posição que tem em relação aos demais projectos de lei, a que se referiu o meu camarada José Soeiro.
Esse projecto conta com a nossa oposição, porque abre a porta à atribuição da nacionalidade portuguesa originária por conveniência. Senão vejamos: estamos a falar de cidadãos relativamente aos quais nenhum dos progenitores é português, nem o pai nem a mãe, nenhum deles tem a nacionalidade portuguesa. E esses progenitores não adquiriram a nacionalidade portuguesa originária, porque os seus pais ou pelo menos um

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dos seus pais, sendo portugueses não o quiseram, e também não a obtiveram por naturalização, pois não quiseram, uma vez que nunca a requererem ou, tendo-a a requerido, não lhe foram reconhecidos pelo Estado português os requisitos necessários para a terem.

O Sr. José Cesário (PSD): — Não!

O Sr. António Filipe (PCP): — Agora, alguém que invoca o facto de ter tido um avô ou uma avó com a nacionalidade portuguesa vem pretender a nacionalidade de um dos seus avós, originária, quando tem toda a possibilidade, nos termos de lei (isso mesmo é reconhecido no preâmbulo do projecto de lei do PSD), se o quiser, de requerer que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa por naturalização. É legítimo perguntar: «Então por que não o fazem?». Porque não faz sentido dizer o seguinte: «quero ser português, pois quero ter uma forte ligação à comunidade nacional e a Portugal, mas só se for a nacionalidade originária, porque a naturalização já não quero».

O Sr. José Cesário (PSD): — O Sr. Deputado não se preparou!

O Sr. António Filipe (PCP): — Srs. Deputados, de facto, do nosso ponto de vista, isso não é legítimo.
Depois, há alguns cidadãos que invocam a morte prematura dos seus pais como razão para não serem portugueses; e aí importa registar que os seus pais enquanto foram vivos nada fizeram para lhes dar a nacionalidade portuguesa, que, aliás, eles próprios não tinham. A lei permite, mais uma vez, que esses cidadãos requeiram a nacionalidade portuguesa por naturalização se tiverem para isso, evidentemente, os requisitos necessários.
Srs. Deputados, tenho uma mensagem — julgo ser a mesma a que o Sr. Deputado Defensor de Moura há pouco aludiu — que diz o seguinte: «Amigo Deputado, sou neto de português, meu pai nasceu no Brasil e faleceu muito doente, muito cedo. Para lutar pela sua vida, ele não se preocupou em manter o vínculo com o consulado português; assim, perdi o direito de manter minhas origens com Portugal. A aprovação desta nova lei vai resgatar meus direitos portugueses, que até hoje me mantenho português, mas sem direitos. Grato.».
Ora bem, Srs. Deputados, esta mensagem seria susceptível de merecer toda a nossa atenção e consideração não fosse o caso de a mesma nos ter sido enviada por vários cidadãos, o que põe, obviamente, completamente em crise a sua idoneidade. O facto de vários cidadãos repetirem exactamente a mesma mensagem — que é uma história de vida e não é possível os mais diversos cidadãos terem exactamente a mesma história de vida... — deve levar o legislador a desconfiar seriamente da idoneidade de algumas destas mensagens.
Portanto, este projecto de lei não terá a nossa aprovação.

O Sr. Presidente: — Agora, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Rodrigues.

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tarda a encontrar a estratégia e os meios adequados para fazer de cada uma das suas comunidades no estrangeiro um vector de afirmação do nosso País no mundo quer no plano político, designadamente na sua política externa, quer nos planos económico e cultural.
Hoje, apreciamos algumas iniciativas legislativas que podem ajudar a desenvolver os laços de ligação à pátria e a melhorar o estatuto das novas gerações no quadro legislativo português.
Importa, no entanto, não esquecer que é sobretudo nos domínios do ensino e da cultura que a aposta tem de ser feita tendo em conta quer a conhecida realidade dos luso-descendentes quer a realidade emergente da nova emigração, composta por jovens qualificados que são obrigados a procurar no estrangeiro a concretização de uma carreira profissional.
Neste quadro, o CDS apresenta duas iniciativas: a primeira para apoiar a comunicação social em língua portuguesa no estrangeiro; a segunda para que se elabore um estudo quantitativo e qualificativo da nova diáspora portuguesa no mundo. Serão contributos importantes que, a par de outras iniciativas em debate, podem ajudar a uma maior aproximação dos portugueses ao seu País.

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Faz falta, no entanto — e o CDS propõe-se fazê-lo oportunamente —, uma abordagem mais aprofundada da questão central, que é o ensino do português no estrangeiro.
O Governo, na anterior legislatura, pretendeu inovar nesta matéria elaborando o Decreto-Lei n.º 165/2009.
Seguiu, no entanto, o caminho errado: ao mesmo tempo que valorizava o português como língua de comunicação internacional, descurou o ensino do português como língua materna das comunidades, afastando os luso-descendentes da sua matriz materna. É o próprio Conselho das Comunidades Portuguesas que contesta esta opção que colide com a defesa do princípio da língua portuguesa como factor agregador da identidade entre gerações de emigrantes.
O que se exige, se esta é realmente uma opção estratégica do Estado, é a requalificação da rede de ensino do português no estrangeiro, desde o ensino pré-escolar aos ensinos básico e secundário, e não a condenação dos luso-descendentes à opção única do português como segunda língua ou como língua estrangeira nos países de residência.
Mesmo em tempo de dificuldades financeiras este é um investimento essencial e, porventura, um dos investimentos mais reprodutivos que se poderá fazer para o futuro de Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD agendou para hoje a discussão de um conjunto de diplomas sobre vários aspectos de vida das comunidades, precisamente os mesmos que apresentou na anterior legislatura, sem a mínima alteração — nem sequer as gralhas foram corrigidas.

Protestos do PSD.

Nos debates que então existiram foram expostos argumentos e ideias para cada uma das áreas aqui em discussão. Porém, nada foi aproveitado pelo PSD, que insiste em apresentar propostas «requentadas» sem qualquer sustentabilidade ou carácter inovador. Não apresenta agora ideias novas e exequíveis, como não o fez durante os últimos três anos em que governou, entre 2002 e 2005.
Em vez de contributos para promover as condições de vida e de integração nas sociedades de acolhimento ou para a valorização e reconhecimento das nossas comunidades, apresenta-nos propostas cristalizadas no tempo sem qualquer esforço de adaptação à realidade actual. E, não obstante, Portugal e as suas circunstâncias mudaram, as mentalidades, as expectativas e a situação dos portugueses que, hoje, vivem no exterior são diferentes. A globalização e as tecnologias de informação e comunicação transformaram a relação das nossas comunidades com o País e com a sua administração.
Portanto, a discussão destes diplomas, apresentados pelo PSD, insere-se mais na categoria do «número político» do que numa efectiva vontade de encontrar soluções.
Avaliados em conjunto, os projectos em discussão têm deficiências de vária ordem, sendo, em alguns casos, redundantes; noutros, inexequíveis ou insustentáveis, financeiramente; noutros, ainda, demagógicos.
No diploma sobre o associativismo, foi olimpicamente ignorada a existência do Regulamento 16155, de 2005, que é mais claro, objectivo e abrangente nos apoios concedidos ao movimento associativo.
Mas, transformar as associações em escolas, de forma generalizada, entregar a atribuição de bolsas de estudo à discricionariedade das suas direcções e dar-lhes um subsídio mensal, equivalente a duas remunerações mínimas, tudo isto com «carácter prioritário e obrigatório», é um caminho pouco razoável. É pura demagogia! E é profundamente contraditório com as orientações aprovadas em Agosto do ano passado, do Quadro de Referência do Ensino do Português no Estrangeiro, que pretende, precisamente, elevar a qualidade do ensino e integrá-lo nos currículos oficiais, reconhecendo e certificando os cursos, tornando-os, assim, um importante instrumento de valorização pessoal e profissional.
Por outro lado, quando lemos a resolução sobre os fluxos migratórios, o exagero é tal que mais parece que estamos perante a narrativa bíblica do êxodo dos judeus para a Terra Prometida. Percebe-se que o PSD queira dramatizar a situação económica do País. Mas a verdade é que não há sinais de ruptura nos postos

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consulares por causa da chegada de portugueses, que, de resto, têm capacidade de resposta de uma forma geral.
Além disso, o projecto de lei pretende que seja feito o acompanhamento dos fluxos migratórios, mas como o PSD acha que nada muda, ainda não reparou que o Observatório da Emigração já está a funcionar — e bem! — e que começa a haver, finalmente, um considerável volume de informação objectiva sobre este fenómeno, hoje mais bastante complexo e difícil de apreender.
As migrações existem, claro, como sempre hão-de existir, e preocupam-nos, obviamente! Mas estão muito longe das características que tinham nos anos 60 e 70, como o PSD, ainda as vê, preso ao vetusto conceito do emigrante pobre e sem escolaridade.
Caso ainda não se tenham dado conta, fazemos parte da União Europeia, que incentiva à mobilidade profissional e garante a igualdade de direitos, tal como há muitos empresários que, naturalmente, procuram novos mercados, estudantes que vão para universidades estrangeiras e quadros profissionais que dinamizam projectos de cooperação em diversos países de expressão portuguesa. Mas o PSD não resiste a reduzir tudo à velha emigração económica, criando cenários negros, que estão muito longe da realidade, mas ajudam a criar um clima de depressão nacional, propicio aos seus interesses partidários.
De resto, o PSD não tem nenhum pudor em atingir o nosso orgulho colectivo, como, lamentavelmente, aconteceu no Parlamento Europeu, com um seu dirigente que, para fins de consumo interno, não hesitou em denegrir a imagem de Portugal, perante Deputados de 27 países.
Não será, nunca, essa a nossa atitude, seja quais forem as circunstâncias!

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Quanto ao aumento dos fluxos migratórios, recordo-me bem daquilo que disse, recentemente, o coordenador do Observatório da Emigração na Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas: que não são muito diferentes do que sempre foram; que há, hoje, uma enorme e fácil circulação de trabalhadores; e que duvidava muito de que, em 2009, tivesse havido um grande aumento da emigração. E compreende-se: é porque a migração de desempregados para países onde o desemprego também aumentou muito, e sempre em maior proporção entre as comunidades estrangeiras, está muito longe de ser garantia de emprego imediato. É o que acontece, por exemplo, em países, como a Suíça, a França, o Luxemburgo e outros.
Mas não podia deixar de referir também uma proposta que levanta muitas dúvidas e que não pode ser tratada sem uma análise aprofundada.
Trata-se da atribuição da nacionalidade a cidadãos que, pelo menos, tiveram um avô português. É uma questão complexa e delicada que deve ser tratada com muita ponderação, particularmente, dado o nosso passado colonial.
Um dos exemplos que justifica a necessidade de sermos cuidadosos podemos encontrá-lo na vasta área de jurisdição do Consulado de Manchester, onde haverá à volta de 100 000 cidadãos com passaporte português, mas em que cerca de metade tem outra nacionalidade, seja de países asiáticos ou de países africanos com quem temos relações históricas.
Em muitos casos, esses cidadãos não falam português nem se revêem na nossa identidade, estando, provavelmente, mais interessados em ter acesso ao espaço da União Europeia do que em aprofundar a sua ligação efectiva a Portugal. A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, que estabelece as condições para a aquisição da nacionalidade, já é bastante generosa e corrige falhas inaceitáveis para um país como o nosso.
Nestas matérias, é preciso bom senso e tentar evitar embaraços para os nossos parceiros comunitários e, até, ao nome de Portugal.
Sobre as políticas para as comunidades, o Partido Socialista não receia comparações. Pelo contrário, foram governos socialistas que criaram os primeiros apoios sociais para idosos e carenciados — o ASIC (Apoio Social a Idosos Carenciados) e o ASEC (Apoio Social a Emigrantes Carenciados) — e o programa «Portugal no Coração», que fizeram as reformas consulares e mudaram a sua imagem, quando a degradação das instalações e a ineficiência dos serviços era chocante. Foram governos socialistas que introduziram nos consulados passaportes seguros e modernos e a última tecnologia com o cartão do cidadão, além de outros programas que facilitam a vida aos portugueses.

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Foram os nossos governos que lançaram as primeiras políticas públicas para empresários nas comunidades, agora, com o Netinvest.
Foi com governos do PS que as novas gerações ganharam projecção e passaram a ser reconhecidos aqueles que se destacavam nos vários sectores da vida em sociedade, com os programas Lusavox e Talentos.
Finalmente, é com um Governo do PS que está em curso uma profunda valorização do ensino do português no estrangeiro e da afirmação da nossa língua e cultura. Como vector estratégico da afirmação de Portugal no mundo, envolvendo todas as nossas comunidades.
Por isso, qualquer semelhança entre o muito que os governos do PS têm feito pelas comunidades e o deserto das concretizações e ideias do PSD será sempre pura coincidência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Páscoa Gonçalves.

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade da emigração, nomeadamente para os países de Fora da Europa, demonstra que, nas últimas décadas, praticamente não existiu.
O que verificamos, na realidade, é que nas Comunidades Portuguesas cresce o número de lusodescendentes que procura a nacionalidade portuguesa o que, no nosso entender, é extremamente positivo. O PSD sempre teve uma grande preocupação com esses luso-descendentes, pois serão eles que, com certeza, irão assegurar a presença de Portugal nestes países.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Aliás, o PSD já demonstrou essa preocupação aquando da última revisão da Lei da Nacionalidade, em 2006, ao propor que fossem portugueses de origem os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa até ao 2.º grau na linha directa.
Contudo, esta proposta não foi, então, acolhida, muito embora se verificasse um avanço significativo nesta matéria.
A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, veio facilitar a situação dos netos de portugueses cujos pais não tenham declarado querer ser portugueses. Esta lei, apesar de não lhes atribuir nacionalidade originária, como era inicialmente proposto pelo PSD, veio permitir a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização.
No entanto, em inúmeras situações, trata-se de luso-descendentes com enorme capacidade de intervenção e visibilidade nos países onde nasceram.

Vozes do PSD: — É verdade!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Por tudo isso, entendemos que é tempo de se acabar com uma situação discriminatória que concede a um neto a nacionalidade portuguesa, porque seu pai decidiu declarar que queria ser português, e nega-a a um outro neto do mesmo avô, somente porque seu pai não decidiu declarar que queria ser português.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

Protestos do BE e do PCP.

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Para acabar com esta discriminação que ninguém consegue perceber, o PSD apresenta este projecto de lei e convoca os demais partidos a votarem favoravelmente, no sentido de, de uma vez por todas, repararmos esta injustiça para com estes luso-descendentes.

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Eu, que visito com regularidade muitas destas comunidades, sou permanentemente confrontado com estas situações que são incompreensíveis para todos,»

O Sr. José Cesário (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — » pois realmente ninguçm compreende que, tratando-se de dois netos descendentes de um mesmo avô, que um possa ter a nacionalidade e outro não possa, somente porque seus pais tomaram atitudes diferentes quanto a obterem a nacionalidade portuguesa.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Gostaria também de dizer que a naturalização, de que tanto se diz aqui ter resolvido o problema, ela não é solução na maioria dos países, porque, quando um natural de um desses países pede a naturalização, perde a sua nacionalidade de origem. Também gostaria de dizer que, na maioria dos países da América do Sul, durante muitos e muitos anos, os que pedissem a nacionalidade portuguesa perdiam não só a sua nacionalidade de origem, em alguns países, como também o visto de trabalho e de permanência em muitos outros países.

Vozes do PSD: — Isso é verdade!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Daí a razão pela qual muitos filhos de portugueses obtiveram a nacionalidade ou pediram ou declararam que queriam ser portugueses e muitos outros, por essas razões, não o fizeram.

Vozes do PSD: — Exactamente!

O Sr. Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): — Por isso, entendemos, nós do PSD, que é por motivo de justiça que devemos corrigir esta situação.
Aos Deputados do Partido Socialista, eu gostaria de dizer que, quando temos resultados de eleições, nas comunidades, normalmente procuram fantasmas pelos maus resultados, principalmente fora da Europa.
Se verificarem, hoje, a intervenção dos senhores em relação às comunidades, terão aí a resposta para os seus fantasmas.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, assim, chegámos ao fim deste debate e dos nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária será amanhã, dia 18, pelas 15 horas, e terá como ponto exclusivo a interpelação n.º 3/XI (1.ª), sobre a política de recursos humanos do Serviço Nacional de Saúde e o seu impacto no acesso, funcionamento, capacidade e qualidade assistencial dos serviços públicos de saúde, apresentada pelo BE.
Boa noite a todas e a todos, as Sr.as e os Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos.

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS):
João Saldanha de Azevedo Galamba

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José Eduardo Vera Cruz Jardim

Partido Social Democrata (PSD):
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
José Pedro Correia de Aguiar Branco
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves

Partido Popular (CDS-PP):
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto

Bloco de Esquerda (BE):
José Manuel Marques da Silva Pureza

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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27 | I Série - Número: 035 | 18 de Março de 2010 Vozes do PS: — Muito bem! O Sr. Rica

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