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Quinta-feira, 24 de Junho de 2010 I Série — Número 71

XI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2009-2010)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JUNHO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 14 minutos.
Em homenagem ao escritor José Saramago, fizeram intervenções, além da Sr.ª Ministra da Cultura (Gabriela Canavilhas), os Srs. Deputados Fernando Negrão (PSD), Catarina Martins (BE), Inês de Medeiros (PS), Teresa Caeiro (CDS-PP), Heloísa Apolónia (Os Verdes) e Jerónimo de Sousa (PCP). No fim, foi aprovado o voto n.º 54/XI (1.ª) — De pesar pelo falecimento do Prémio Nobel da Literatura José Saramago, apresentado pelo PCP, PS, PSD, CDS-PP, BE e Os Verdes, após o que a Assembleia guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago (BE) falou sobre a falta de concurso para professores contratados, o encerramento e reorganização da rede de escolas e os planos de austeridade e informou da intenção de o Bloco de Esquerda pedir uma apreciação parlamentar ao novo Estatuto da Carreira Docente. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Rodrigues (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP), Paula Barros (PS) e Pedro Duarte (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro (PSD) também teceu considerações sobre a necessidade de estabilidade nas escolas e o reordenamento da rede escolar, e deu resposta aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Michael Seufert (CDS-PP), Miguel Tiago (PCP), Bravo Nico (PS) e Ana Drago (BE).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Machado (PCP) verberou as alterações às regras de atribuição de prestações sociais introduzidas pelo Decreto-

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Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho. Depois respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Catarina Marcelino (PS) e Mariana Aiveca (BE).
Foram apreciados, em conjunto, e na generalidade, os projectos de lei n.os 299/XI (1.ª) — Reduz as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais (Terceira alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) (BE), 315/XI (1.ª) — Exclui das subvenções públicas, relativas às campanhas eleitorais, as despesas na concepção, produção e afixação de estruturas, cartazes e telas (CDS-PP) e 317/XI (1.ª) — Financiamento dos partidos (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Pedro Soares (BE), José de Matos Rosa (PSD), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Bernardino Soares (PCP), Luís Montenegro (PSD), Luís Pita Ameixa (PS), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Luís Fazenda (BE).
Foram ainda apreciadas, na generalidade, as propostas de lei n.os 18/XI (1.ª) — Regula certos aspectos das condições de trabalho dos trabalhadores que prestam serviços transfronteiriços no sector ferroviário, transpondo a Directiva 2005/47/CE do Conselho, de 18 de Julho de 2005, e 20/XI (1.ª) — Estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, alterada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30 de Janeiro de 2009. Proferiram intervenções o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Pedro Marques) e os Srs. Deputados Carina Oliveira (PSD), Jorge Fão (PS), Heitor Sousa (BE), Artur Rêgo (CDS-PP) e Bruno Dias (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 6 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 14 minutos.

Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS)
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Glória Maria da Silva Araújo
Horácio André Antunes
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Carlos Bravo Nico
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José João Pinhanços de Bianchi
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rui Alves Duarte Cruz
João Barroso Soares
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Paulo Moreira Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
João Saldanha de Azevedo Galamba
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal

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Luís António Pita Ameixa
Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Luísa Maria Neves Salgueiro
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Odete da Conceição João
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Nuno Miguel da Costa Araújo
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

Partido Social Democrata (PSD)
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Adão José Fonseca Silva

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Agostinho Correia Branquinho
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Cândido Monteiro Cabeleira
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carina João Reis Oliveira
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Manuel de Matos Correia
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José de Almeida Cesário
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Margarida Rosa Silva de Almeida
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Paula da Graça Cardoso
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais

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Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto
Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Teresa de Jesus Costa Santos
Ulisses Manuel Brandão Pereira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP)
Abel Lima Baptista
Altino Bernardo Lemos Bessa
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Michael Lothar Mendes Seufert
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE)
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão

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José Manuel Marques da Silva Pureza
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares
Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

Partido Comunista Português (PCP)
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Batista Mestre Soeiro
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, o primeiro ponto dos nossos trabalhos consta da apreciação e votação do voto n.º 54/XI (1.ª) — De pesar pelo falecimento do Prémio Nobel da Literatura José Saramago, apresentado pelo PCP, PS, PSD, CDS-PP, BE e Os Verdes.
Para proceder à leitura do voto, tem a palavra a Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

José Saramago nasceu em Azinhaga (Golegã), em 16 de Novembro de 1922, numa família de pequenos agricultores. Em Lisboa, frequentou um curso técnico e teve o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico. Autodidacta, satisfazia a sua paixão pelos livros passando as noites na Biblioteca Municipal Central de Lisboa.
Em 1947, publicou o seu primeiro romance, Terra do Pecado. Nos anos seguintes, dedicou-se à crítica literária na Seara Nova, à realização de traduções (de Tolstoi, Hegel, Baudelaire, Nazim Hikmet), à poesia, tendo publicado Os Poemas Possíveis (1966), Provavelmente Alegria (1970), O Ano de 1993 (1975), e ao jornalismo, tendo dirigido o Suplemento Cultural do Diário de Lisboa e exercido as funções de Director-adjunto do Diário de Notícias, em 1975. Da sua actividade como jornalista resultaram os livros de crónicas Deste Mundo e do Outro (1971), A Bagagem do Viajante (1973), As Opiniões que o DL Teve (1974) e Apontamentos (1976).
O regresso de José Saramago ao romance, a partir de 1977, com Manual de Pintura e Caligrafia, viria a marcar decisivamente a sua obra e a literatura portuguesa. Em 1980, publicou Levantado do Chão. Em 1982, publicou aquele que é, porventura, o mais celebrado dos seus romances, Memorial do Convento, e publicou, sucessivamente, O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), a História do Cerco de Lisboa (1989), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio Sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes

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(1997), A Caverna (2001), O Homem Duplicado (2002), Ensaio Sobre a Lucidez (2004), As Intermitências da Morte (2005), A Viagem do Elefante (2008), e Caim (2009).
Da obra literária de José Saramago constam ainda livros de contos, literatura de viagens, peças de teatro e vários volumes de diários e memórias.
Ao longo da sua carreira, José Saramago recebeu 18 prémios literários. Ao ser distinguido, em 1998, com o Prémio Nobel da Literatura, o único atribuído, até hoje, a um autor de língua portuguesa, Saramago conferiu uma dimensão mundial sem precedentes à literatura, à língua e à cultura portuguesas e tornou-se o mais universal dos escritores portugueses, traduzido e editado em dezenas de países. Foi condecorado, em Portugal, em 1985, com a Ordem Militar de Santiago de Espada e, em França, em 1991, com a Ordem das Artes e das Letras Francesas. Recebeu o Grau de Doutor Honoris Causa por dezenas de Universidades de todo o mundo.
A obra de José Saramago projectou-se igualmente na música, no teatro e no cinema. Muitos dos seus poemas foram musicados e interpretados por cantores como Manuel Freire, Luís Cília, Carlos do Carmo, Mísia ou Pedro Barroso. O compositor italiano Azhio Corghi levou à cena a ópera Blimunda, baseada no Memorial do Convento, dramas líricos baseados nas peças teatrais In Nomine Dei e Don Giovanni e compôs sinfonias baseadas em vários textos de José Saramago. Os romances Jangada de Pedra e Ensaio sobre a Cegueira foram adaptados ao cinema, com grande sucesso nacional e internacional.
José Saramago destacou-se também por uma intensa acção cívica e política. Em 1948, apoiou activamente a candidatura presidencial de Norton de Matos. Em 1969, aderiu ao Partido Comunista Português, partido de que foi militante, até ao fim da sua vida. Em 1969 e 1973, desenvolveu intensa actividade nas candidaturas da oposição democrática (CDE). Em 1989, integrou as listas da Coligação Por Lisboa, indicado pelo PCP, e foi eleito Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. Foi candidato a Deputado à Assembleia da República, em diversas eleições, pelo círculo de Lisboa e integrou as listas da CDU ao Parlamento Europeu, em todas as eleições, desde 1987 a 2009.
Com uma obra intensamente ligada às mais profundas aspirações de progresso da Humanidade, a dimensão intelectual, artística, humana e cívica que José Saramago assumiu fazem dele uma figura maior da cultura portuguesa e um vulto incontornável da literatura universal. A morte de José Saramago constitui uma perda irreparável para Portugal, para o povo português, para a cultura portuguesa.
A Assembleia da República, reunida em plenário, manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento de José Saramago e expressa aos seus familiares e, em especial, à sua mulher, Pilar del Rio, e à sua filha, Violante Saramago, as mais sinceras condolências.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Faleceu José Saramago. Faleceu quem, para além do mais, nos deixou uma bela lição de vida. A lição de quem tem a sua origem em avós camponeses; de quem começou a vida, sempre de muita disciplina e trabalho, como aprendiz de serralheiro mecânico; de quem foi construindo a sua vida sempre com uma companhia, os livros; de quem, por amor aos livros, se fez escritor; e, por fim, de quem se tornou num dos escritores maiores da nossa Língua e com reconhecimento notório em todo o mundo — é o nosso Nobel.
Por isso, José Saramago, tendo, embora, falecido, continua presente em cada palavra que escreveu da sua admirável obra.
José Saramago tinha ainda a particularidade de nos surpreender — sempre! E fê-lo através dos seus 35 livros publicados. Com a certeza de que continuará a surpreender-nos com a publicação dos inéditos que já se anunciam. Por eles ficaremos a aguardar, como se cada um desses inéditos tivesse sido por ele próprio acabado de escrever.
Mas José Saramago ia sempre mais longe e fazia por nos chocar: ora através da sua militância política, sempre coerente e inquebrantável — e aproveitamos esta oportunidade para saudar o Partido Comunista Português, partido onde José Saramago sempre militou — , ora quando defendeu abertamente uma federação ibérica, ora quando escreveu e publicou obras através das quais afirmava e reiterava a sua condição de ateu convicto.

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Embora fazendo algumas vezes «estalar o verniz», José Saramago obteve o que pretendia: polemizar, obrigar à reflexão, criar ideias, preencher vazios, encontrar novos caminhos, obter respostas diferentes, não só para si mas também, e principalmente, para o povo de onde vinha e onde sempre quis estar.
Termino deixando à família enlutada — em especial, à sua mulher e à sua filha — os nossos sentidos pêsames e a todos uma breve citação daquela que considero uma das suas obras maiores, O Ano da Morte de Ricardo Reis: «Um homem deve ler de tudo, um pouco ou o que puder, não se lhe exija mais do que tanto, vista a curteza das vidas e a prolixidade do mundo».

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente: O voto de pesar pelo falecimento de José Saramago é também um voto de pesar pela nossa imensa perda.
Saramago ofereceu-nos a força mais pura da criação, reflectindo o mundo para nos devolver um outro, renovado e humano, nas suas limitações e deslumbramentos. Nos livros e na vida — nas palavras, em suma — , José Saramago confrontou-se e confrontou-nos com a tragédia de existir, com o amor a ditar-nos a vida, com as marcas que a História feita por ditadores minúsculos deixou em homens e mulheres, aos quais a História nunca deu rosto ou tamanho.
E essa façanha implicou também olhar Deus de frente, encarar de frente o País e a sua mesquinhez, mas também a sua grandeza. O que ele disse mais ninguém escreveria.
E essa coragem deve também agora ser celebrada, para que os tiranetes sejam cada vez menos, para que a tacanhez seja vencida, em nome do espírito livre e de um País que seja mais do que uma organização económica e que não renegue o seu povo, a sua história, a sua cultura. Um País que, agora ainda mais, deverá demonstrar que mereceu esta obra de um homem só sobre muito mais do que um povo só.
Saramago, que soube quebrar todas as fronteiras — fronteiras de língua e de país pelo enorme reconhecimento internacional que teve, mas, mais ainda, fronteiras de linguagens e imaginários — , torna-nos, mais e mais, acompanhados.
Hoje, são parte do que somos todos — e tantos que somos! — o amor de Baltazar e Blimunda, uma península feita jangada, um país de morte suspensa, um deus à semelhança do homem.
Quem nos dera saber contar uma vida assim!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero começar por saudar os familiares e os próximos de José Saramago aqui presentes.
É sempre difícil encontrar as palavras certas e dignas para homenagear um grande fazedor de palavras como era José Saramago. Ficarão sempre aquém daquilo que era a sua arte. O melhor é procurar nas suas próprias palavras ou nas dos seus pares as boas formulações para exprimir todos os sentimentos, de dor e até de revolta, que a morte de um grande escritor provoca, mesmo sabendo que a sua obra é eterna.
Uma obra não é dissociável do seu autor, ela transforma-o, ela, de alguma forma, cria-o.
Um dos momentos mais sensíveis do discurso de José Saramago, quando da entrega do Prémio Nobel, em 1998, foi justamente quando o escritor agradece à sua obra e às suas personagens terem feito dele o homem em que se tornou. E, por isso, passo a citar: «As personagens que viesse a inventar iriam fabricar e trazer-me os materiais e as ferramentas que, finalmente, no bom e no menos bom, no bastante e no insuficiente, no ganho e no perdido, naquele que é defeito mas também naquele que é excesso, acabariam por fazer de mim a pessoa que ainda hoje me reconheço, criador dessas personagens, mas ao mesmo tempo criatura delas. Letra a letra, palavra a palavra, página a página, livro a livro, tenho vindo a implantar no homem que fui as personagens que criei. Creio que sem elas não seria a pessoa que sou hoje, a minha vida não tivesse logrado ser mais do que um esboço impreciso, uma promessa como tantas outras, que de promessas

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não conseguiram passar, a existência de alguém que talvez pudesse ter sido e, afinal, não tinha chegado a ser.» Caro José Saramago, também as nossas vidas de leitores seriam promessas menos cumpridas sem a sua obra.
Para além do estilo muito próprio de José Saramago e de tudo o que ele significou de enriquecimento para este ser vivo e em permanente mutação, que é a língua portuguesa, quero aqui salientar o pensador.
Pirandello dizia «a arte vinga a vida». Um romancista não é um historiador nem um profeta. É um explorador da existência que nos mostra o mundo tal como ele é: um enigma. Se o artista ou o intelectual — deixemos de ter medo desta honrosa designação — alguma função tem, é a de suscitar a interrogação, combater a resignação e o fatalismo, promover o pensamento e, assim, alimentar a esperança.
Não resisto a citar mais uma frase de outro homem de teatro Bertolt Brecht: «Nunca digam é natural para que nunca nada passe por imutável.» Foi o que José Saramago sempre fez: recusar o imutável.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mais do que uma despedida, quero aqui exprimir o nosso agradecimento ao homem escritor José Saramago por todas as perguntas que fez e, como toda a pergunta é um mundo que se abre, por todos os mundos que abriu. A arte vinga a vida e vinga a própria morte. O engenho e a arte de José Saramago nunca morrerão e, para voltar ao início, como ele não é dissociável da sua obra, ele também não.
Quero ainda exprimir a nossa solidariedade e os nossos pêsames para com os seus familiares, a sua mulher, os seus amigos e os seus companheiros.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar, obviamente, os familiares e amigos de José Saramago aqui presentes.
Havia todo um mundo ideológico e político que nos separava de José Saramago: houve divergências históricas, outras contemporâneas; houve divergências marcantes, outras menos relevantes. Havia, sem dúvida, toda uma mundividência que nos opunha. Mas no passado dia 18 houve uma filha, a Violante, que perdeu o pai, uma mulher, Pilar del Rio, que perdeu o marido, uma família que perdeu um dos seus e certamente muitos amigos que perderam um grande amigo. E Portugal perdeu um escritor que contribuiu decisivamente para a divulgação da língua, da cultura e da literatura portuguesas.
O Prémio Nobel da Literatura, o único na nossa língua, consagrou-o definitivamente entre os melhores escritores do mundo e com isso dignificou, e muito, Portugal.
A obra e o pensamento de José Saramago merecerão avaliações diferentes por cada um de nós, mas, tal como nunca devemos confundir a personalidade de um escritor com a sua obra, não devemos cair em sectarismos ideológicos simplórios quanto ao seu legado literário, até porque, quanto ao resto, como o próprio dizia, somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos.
Este autodidacta, porque as circunstâncias da vida e do seu país na altura não permitiram que concluísse o ensino secundário, conseguiu ultrapassar as suas circunstâncias e construir um percurso extenso, rico, multifacetado e mundialmente conhecido e reconhecido.
A sua escrita, tão rica em alegorias, mostrou-nos sempre um grande pensador. Mostrou sempre uma inquietude perante a vida e, sobretudo, uma busca constante por compreender a humanidade.
Concluo, repetindo as palavras de José Saramago quando lhe perguntaram recentemente por que é que escrevia. Ele dizia: «Antigamente, eu respondia que era para não morrer, mas actualmente escrevo para compreender o que é o ser humano.» Podemos não ter compreendido sempre o ser humano José Saramago, mas hoje podemos aqui dizer, na bancada do CDS, que valeu muito a pena ele ter existido e ter escrito, porque ele não vai morrer, certamente, graças à sua obra.
Apresentamos, mais uma vez, as condolências a toda a sua família.

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Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Quero também, em nome do Grupo Parlamentar Os Verdes, começar por saudar os familiares e amigos de José Saramago que se encontram presentes hoje, na Assembleia da República.
A morte de José Saramago tocou este País, porque este País lhe reconhece muito. Ficará entre os maiores autores portugueses, coisa que lhe foi reconhecida em vida, o que não é de somenos importância.
É, pois, da mais elementar justiça que a Assembleia da República, como órgão de soberania, lhe preste justa homenagem.
A Saramago foram atribuídos vários prémios que invocam o apreço pela sua obra literária, incluindo um Nobel de que Portugal tanto se orgulha, não tanto, talvez, pelo prémio em si mas pela dimensão internacional que ele faz transportar ao reconhecimento do tanto que foi contado por Saramago em português.
Viu a sua obra literária espalhada pelo mundo, contada a tantas culturas, em tantas línguas. Viu-a adaptada a tantas outras formas de expressão e de arte, do cinema ao teatro, à ópera, à música. Viu-a nas escolas ensinada aos nossos jovens, ajudando-os a criar gosto pelo que é contado e até pela forma como é contado.
O mundo esquece tanto que nem sequer dá pela falta do que esqueceu. Grande verdade alegada por Saramago que se quer contrariada. Mas há coisas, factos e pessoas que marcam numa tal ordem que o mundo é obrigado a não esquecer. Saramago será assim.
Não foi uma pessoa passiva, felizmente. Foi interventivo. Não se alheou dos problemas do seu País e do seu mundo. E isso é magnífico! Militou, até ao fim da sua vida, no Partido Comunista Português, a cujo projecto cedeu e cujo projecto reconheceu capacidade de transformar.
É devido, então, numa circunstância de perda de um militante desta grandeza, um voto de sentidas condolências ao Partido Comunista Português e, pela dor daqueles que nos habituámos a conhecer como parte de Saramago, fundamentalmente a sua mulher Pilar del Rio e a sua filha Violante Saramago, é devido um muito especial e sentido voto de pêsames e de grande solidariedade.
Esperando, embora, conhecer os seus inéditos, fica-nos o sentimento de perda também por saber que não prolongaremos, como gostaríamos, o apetite de conhecer sempre que outras novas nos trará o próximo livro de Saramago.
Mas fica-nos tudo o que ele nos deu para sempre: uma vasta obra literária para sugar, para aproveitar até à última palavra.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Cultura.

A Sr.ª Ministra da Cultura (Gabriela Canavilhas): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Familiares de José Saramago presentes: No passado dia 18 de Junho, Portugal, o espaço lusófono e o mundo perderam um dos maiores vultos da literatura mundial, José Saramago. Poeta, cronista, ensaísta, dramaturgo mas, sobretudo, como romancista conquistou um lugar ímpar na cena literária mundial.
Desde jovem serralheiro mecânico nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa até se assumir como escritor a tempo inteiro, sempre conquistando a vida a pulso com uma tenacidade invulgar, determinada e pautada por uma disciplina férrea, fez um percurso literário absolutamente extraordinário iniciado pela publicação Terra do Pecado, em 1947, e que, no final da sua vida, contou com 46 títulos, entre vários géneros literários.
Os seus romances conquistaram o mundo com milhões de exemplares vendidos. Só em Portugal vendeu mais de 3 milhões de exemplares. Traduzido em 43 idiomas e publicado em 56 países.
Foi o escritor português que, em vida, obteve a maior projecção internacional de todos os tempos. Entre os inúmeros prémios literários, nacionais e internacionais, que lhe foram atribuídos, destaco: Prémio Camões, Prémio de Romance e Novela, Prémio Vida Literária, Prémio de Teatro, Prémio de Consagração, Prémio Dom

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Dinis, Prémio da Associação de Críticos Portugueses, Prémio Cidade de Lisboa, Prémio PEN Clube Português — todos em Portugal — , Prémio Rosalía de Castro, em Vigo, Prémio Europeu de Comunicação, em Girona, Prémio Canárias Internacional, Prémio The Independent, em Inglaterra, Prémio Internacional Ennio Flaiano, em Itália.
Em 1998, tornou-se o único escritor da nossa língua, a língua portuguesa, galardoado com o Prémio Nobel.
Segundo a Academia Sueca, recebeu o Prémio Nobel da Literatura pela sua capacidade de tornar compreensível uma realidade fugidia com parábolas sustentadas pela imaginação, pela compaixão e pela ironia.
Foi distinguido com a Comenda da Ordem Militar de Santiago de Espada, como Oficial da Legião de Honra francesa, Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras pelo governo francês, entre muitas, muitas outras condecorações atribuídas por diversos governos, como o espanhol, o mexicano e o do Equador.
Doutorado honoris causa por diversas universidades em todo o mundo, das quais destaco a de Coimbra, a de Évora, a Universidade Autónoma de Madrid, a de Sevilha, a de Nottingham, a de Estocolmo, a Universidade Nacional de Irlanda, a de Brasília, a de Minas Gerais, a do Rio Grande do Sul, a de Santa Catarina, a de Buenos Aires, a de Santiago do Chile, etc. Foram muitas.
Os últimos 17 anos da sua vida foram vividos a partir da ilha espanhola de Lanzarote, de onde partia para inúmeras viagens por todo o mundo, divulgando e afirmando a sua obra e, deste modo, afirmando internacionalmente a literatura portuguesa.
A relação íntima que criou com Espanha e também com o Brasil e com a América Latina levou-o a reflectir na sua obra uma dimensão ibérica, quer como percepção de cidadania quer como concepção intelectual iberista, que nunca o impediram de afirmar claramente a sua nacionalidade e a sua portugalidade e de a expressar internacionalmente, como filho da nossa terra e embaixador da nossa cultura.
Com a sua independência de pensamento e as suas convicções inabaláveis, não isentas de contradições, como todos os grandes criadores, Saramago foi voz lúcida, inconformada, firme, insubmissa na luta pelas suas convicções, questionando Portugal e o mundo incessantemente, quer directa quer metaforicamente.
Fiel ao seu compromisso com a consciência, usou a escrita para uma reflexão sobre as grandes causas da Humanidade e deu importante contributo para a reflexão sobre as grandes questões do Homem e também para as pequenas grandes questões mais íntimas com que se debate o ser humano.
Deixa a Fundação José Saramago, que assume, entre os seus objectivos principais, a defesa e a divulgação da literatura contemporânea, a defesa e a exigência do cumprimento da Carta de Direitos Humanos e o cuidado com o meio ambiente.
A literatura portuguesa, as literaturas em português, com Saramago, adquiriram ressonância internacional e prestígio global e, através dela, Saramago afirmou-se como um grande embaixador da cultura portuguesa no mundo.
Como Camões ou Pessoa, Saramago ocupa hoje um lugar intemporal como referência da literatura em português.
Por toda a sua obra e percurso de vida na afirmação da nossa cultura, o Governo português associa-se, sentida e convictamente, ao voto de pesar pela sua morte, apresentado pela Assembleia da República.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Cultura, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A morte de José Saramago constitui uma perda irreparável não só para nós, seus camaradas, mas para o povo português, designadamente para o povo trabalhador, do qual era originário e a quem amou na sua obra e durante a sua vida.
Constitui uma perda para a literatura e a cultura portuguesas, da qual foi representante e embaixador por direito próprio e reconhecido um pouco por todo o mundo, entre os homens da cultura.
A atribuição do Prémio Nobel colocou Saramago na galeria dos escritores maiores, o único até hoje atribuído a um autor de língua portuguesa, que conferiu uma dimensão mundial, sem precedentes, à literatura,

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à língua e à cultura portuguesas, tornando-se o mais universal dos escritores portugueses, traduzido e editado em dezenas de países.
Tomando a sua obra notável como um todo, Saramago inventou mais do que um estilo, inventou um inovador ritmo oral na escrita, que não se limitou a narrar para os que liam mas a participar activamente na narração, desenvolvendo e devolvendo a história a todos aqueles que bastas vezes são ignorados pela linha oficial dos que escrevem a história.
Pela sua obra percorre a indignação, o questionamento face a dogmas, a certezas irrefutáveis, à opressão que marcam o quotidiano dos povos.
Comprometido com os explorados, injustiçados e humilhados da terra, assumiu valores éticos e um ideal político do qual não abdicou até ao fim da sua vida neste Partido Comunista Português que quis que fosse o seu.
Amando o seu povo, amou Abril, com tudo o que comportou de concretização do sonho, de transformação e de avanço progressista.
Pode ser abusivo, mas, porventura, José Saramago nunca teria criado a sua obra notável não fora esse Abril onde se assumiu como protagonista.
Morreu o escritor. Dizem que não há palavras para o descrever, porque Saramago levou as palavras todas.
Mas o seu ideal não morreu com ele.
À Pilar del Rio, sua mulher, e à sua família, aqui presentes, reiteramos as nossas condolências e a nossa solidariedade e, tal como ela afirmou no derradeiro adeus a Saramago, não é tempo de choro e de lágrimas pelo privilégio de o termos conhecido, é tempo de prosseguir o seu ideal e a sua luta pelo povo que o homenageou, pelo mundo que quis melhor.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 54/XI (1.ª) — De pesar pelo falecimento do Prémio Nobel da Literatura José Saramago, apresentado pelo PCP, PS, PSD, CDS-PP, BE e Os Verdes.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Sr.as e Srs. Deputados, peço que observemos 1 minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

A Mesa fará chegar este voto aos familiares, mulher, filha e editor de José Saramago, a quem a Assembleia da República também renova as suas profundas condolências pelo falecimento de José Saramago, visto que estão presentes na Tribuna B.
Passando ao ponto seguinte da ordem dia, tem a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi hoje publicado em Diário da República o novo Estatuto da Carreira Docente, que resultou do processo de negociação com os representantes sindicais dos professores.
Aproveito esta ocasião para avisar, desde já, os mais distraídos: em algumas matérias centrais, não vale a pena lê-lo como sendo mais do que uma peça de mera ficção legislativa.
Não tomem os Srs. Deputados, em particular os do Partido Socialista, esta afirmação como sendo uma interpretação do Bloco de Esquerda. A fonte é segura. Foi o Sr. Secretário de Estado da Educação que nos disse, ontem mesmo, na Comissão de Educação.
As matérias relativas a quadros de pessoal e concursos nacionais para colocação de professores do Estatuto da Carreira Docente, hoje publicado, estão lá apenas e só para efeitos decorativos, são para enfeitar.
Porque o que vale, o que vai pender sobre os professores daqui em diante é a Lei n.º 12-A/2008, lei que mata a natureza do vínculo dos profissionais da Administração e dos serviços públicos.

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Para que se entenda: a Lei n.º 12-A/2008 significa a possibilidade de despedimento por extinção de posto de trabalho, a possibilidade de contratação de professores sem recurso aos procedimentos e graduação do concurso nacional, a mobilidade especial e os constrangimentos diversos na progressão da carreira.
Com uma candura, diria, inexplicável, os responsáveis políticos do Ministério da Educação assumiram, ontem, que enganaram os representantes sindicais e os professores.
Relembremos: em meados de Março, o Ministério da Educação fez chegar aos sindicatos uma versão do Estatuto da Carreira Docente que integrava os conceitos do modelo de contrato de trabalho em funções públicas da Lei n.º 12-A/2008. Os professores contestaram — havia um entendimento de que a especificidade do sistema educativo exigia uma adequação própria, e tinha sido esse, aliás, o entendimento até da anterior ministra, a Dr.ª Maria de Lurdes Rodrigues. O Governo acabou por recuar nessa altura e a última versão do Estatuto da Carreira Docente, que foi então conhecida, mantinha a especificidade do vínculo laboral dos professores.
Mas, afinal, explicou ontem o Sr. Secretário de Estado que essa especificidade, mesmo que escrita em letra de lei no Estatuto da Carreira Docente, é absolutamente irrelevante. O contrato em funções públicas e a sua legislação vai aplicar-se ao sistema educativo.
Mais: em declarações à comunicação social, o mesmo Secretário de Estado dá o «dito por não dito» no que toca à integração das dezenas de milhares de professores contratados, alguns dos quais asseguram, aliás, há tantos anos, as necessidades permanentes da escola pública. Afinal, já não se sabe se o compromisso assumido em 2011, o do concurso, se vai realizar. Diz o Sr. Secretário de Estado que esse concurso está dependente da decisão do Ministério das Finanças.
Nem estatuto específico, nem concurso para integração dos contratados, portanto. O Ministério negociou o que, afinal, ç da competência do Ministçrio das Finanças» Ora, quem estabelece um acordo sabendo que não pode cumprir as suas cláusulas, engana.
É, portanto, de fraude política que estamos a tratar.

Aplausos do BE.

É assim que chegamos ao final de mais um ano lectivo, em clima de agitação e mal-estar.
Veja-se: a menos de um mês do final do ano lectivo, o Ministério da Educação anuncia uma profunda reorganização da rede escolar. Até Setembro, pretende encerrar 500 escolas do 1.º ciclo, mais 400 para o próximo ano e proceder à fusão e extinção de agrupamentos de escolas, criando mega-agrupamentos.
Perguntaram pais, autarquias e professores: esta reorganização tem em conta o investimento que foi feito nos últimos anos para requalificar estas escolas? Tem-se em conta as boas escolas, os bons resultados que são o orgulho de tantas comunidades educativas? Serão considerados os resultados da avaliação externa das escolas que nos permitam guiar esse reordenamento por critérios de qualidade?

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Terão em conta o tempo despendido por crianças tão pequenas, entre os 6 e os 9 anos de idade, no transporte escolar? Conhecem o processo que cada concelho fez para construir a sua carta educativa municipal, que é agora totalmente ignorado? Faz sentido criar agrupamentos de escala monumental, perdendo a proximidade e a autonomia de gestão das unidades escolares? Vão afogar de novo as escolas na feitura de regulamentos internos, constituição de conselhos gerais, elaboração de projectos educativos dos novos agrupamentos, quando apenas há um ano as escolas fizeram esse mesmo trabalho e planearam o seu percurso? Nenhuma destas várias questões interessa ao Ministério da Educação. Há apenas uma regra cega estabelecida para o encerramento de escolas do 1.º ciclo — 21 alunos. É o número mágico. Não interessa se foi requalificada, se tem bons resultados, não interessa se é uma boa escola. Tem menos de 21 alunos, é para fechar.
O mesmo acontece no caso dos mega-agrupamentos: não interessa se actualmente têm uma dimensão adequada, um bom projecto educativo, se se vai preparar agora uma unidade sobredimensionada, que terá

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necessariamente uma gestão distante e despersonalizada. Nada disso interessa. Interessa agregar, poupar na gestão e mais facilmente controlar politicamente as escolas a partir da 5 de Outubro.
Por outras palavras: não interessa o acesso, não interessa a proximidade, não interessa a igualdade de oportunidades, não interessa a escala humana na escola pública e o seu enraizamento nas comunidades. Não interessa, portanto, ao Ministério da Educação a qualidade! Se dúvidas houvesse, os PEC (planos de estabilidade e crescimento), os planos de austeridade, os cortes cegos, a precarização e a degradação dos serviços públicos chegaram agora, e com estrondo, ao sistema educativo. Há uma corrida em curso, para baixo, para a desqualificação, para a desmotivação e para o enfraquecimento da escola pública, dos seus profissionais e da sua autonomia.
Era uma vez uma Ministra que chegou sorridente, escoltada por dois diligentes Secretários de Estado, que se anunciaram ao País como os pacificadores de um sistema educativo que tanto sofreu, recentemente, em guerras que em nada serviram para melhorar a escola pública. Um ano lectivo passado e tudo isto se revelou um engano. O Ministério da Educação, a Ministra sorridente e os seus diligentes Secretários de Estado são, afinal, apenas e só um gabinete de relações públicas do Ministério das Finanças.
A guerra, diria mesmo, a obsessão do Partido Socialista em inventar novas guerras e novos problemas aos professores e às escolas está agora, de novo, em curso.
O Bloco de Esquerda assume a defesa da escola pública. Apresentámos já, neste Parlamento, um projecto de resolução que pede à Assembleia da República que defina critérios de qualidade no reordenamento da rede escolar e pediremos, também, à Assembleia da República que proceda a uma apreciação parlamentar do Estatuto da Carreira Docente.
Parece-nos que é tempo de esta Assembleia colocar definitivamente um ponto final na irresponsabilidade do Ministério da Educação!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. José Manuel Rodrigues.

O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Drago, vou colocar-lhe três questões: a primeira é sobre a publicação, no Diário da República, do novo Estatuto da Carreira Docente; a segunda, sobre o concurso dos professores contratados; e, finalmente, a terceira, sobre o reordenamento escolar.
Quanto à primeira questão, a Sr.ª Deputada Ana Drago disse que se tratava de uma pura ficção legislativa.
Ainda não conhecemos o Decreto-Lei, mas pergunto se este novo Estatuto da Carreira Docente respeita ou não o acordo firmado entre o Ministério da Educação e as organizações de professores no início deste ano.
A segunda questão prende-se com o concurso dos professores contratados. Esta Assembleia da República já se pronunciou sobre o assunto, sob proposta do CDS-PP, no sentido de que, até Janeiro do próximo ano, o Governo possa abrir um concurso extraordinário para a colocação nos quadros de professores contratados com mais de 10 anos. Julgo que, apesar das restrições financeiras, é de inteira justiça esta pretensão manifestada, por unanimidade, pela Assembleia da República. Estamos a falar de professores que estão nas escolas não para suprir necessidades pontuais mas para colmatar necessidades permanentes do sistema educativo e dessas escolas. Por isso é que lá estão há mais de 10 anos.
A terceira questão tem a ver com o encerramento de escolas e com o reordenamento do parque escolar. A Sr.ª Ministra da Educação, depois de falar no encerramento de 500 escolas, ontem, veio dizer que, afinal, esse era um número redondo e que, porventura, estaríamos muito aquém de o atingir.
Pergunto, Sr.ª Deputada, se concorda ou não com a resolução já apresentada pelo CDS-PP no sentido de o critério para o encerramento das escolas não ser apenas o ratio do número de alunos mas também as próprias cartas educativas concelhias, a existência de uma melhor escola de destino e de acolhimento em relação à escola de origem, o transporte escolar com uma duração igual ou inferior a 30 minutos e a avaliação dos próprios resultados de cada escola. Não é pelo facto de uma escola ter menos de 21 alunos que tem insucesso escolar, como quer transmitir o Ministério da Educação. Pode haver escolas com um número baixo de alunos e com sucesso escolar numa determinada terra deste País. Estas escolas devem ou não manter-se, na opinião da Sr.ª Deputada Ana Drago?

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Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Drago, inscreveram-se mais três Srs. Deputados para pedir esclarecimentos. Deseja responder individualmente a cada um ou no final, em conjunto?

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Respondo individualmente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Então, tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Rodrigues, as três questões que colocou são, de facto, as três questões que, estranhamente, estamos agora, no final do acto lectivo, a discutir.
Esperámos, durante um ano, por inovações legislativas por parte do Ministério da Educação, na tentativa de resolver algum problema, mas é exactamente agora, na recta final do ano lectivo, quando os professores estão em avaliação, quando os alunos estão a fazer os exames, quando as escolas já estão a programar o trabalho do próximo ano, que há uma enxurrada de novidades bastante assustadoras para o futuro das escolas públicas.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — O Sr. Deputado falou-nos aqui de uma questão que, creio, é importante.
Perguntou se aquilo que foi publicado hoje no Estatuto da Carreira Docente respeita o que foi acordado com as organizações sindicais representantes dos professores.
Devo dizer-lhe que há uma estranheza: o acordo de princípios, lido do princípio ao fim, trabalha sobre a estrutura da carreira — as suas diversas categorias e a progressão na carreira — e o modelo de avaliação e não há, por um momento, uma referência no que toca aos vínculos laborais dos professores com os quadros das escolas e dos agrupamentos.
Ou seja, o Ministério da Educação não chegou, verdadeiramente, a negociar uma transferência dos quadros de escola para mapas de pessoal, porque havia o entendimento, por parte do Partido Socialista, na anterior legislatura, de que a especificidade do sistema educativo exigia que houvesse uma adequação dos vínculos laborais. Era essa a política do Partido Socialista até às eleições de Setembro, em que tiveram maioria relativa.
Porém, em determinado momento, houve uma dúvida. Num documento sobre a possibilidade do novo Estatuto da Carreira Docente, era incluída a expressão «mapas de pessoal». Perante a contestação dos sindicatos, o Ministério recuou e disse que aquilo não era para valer, que aquilo que ia continuar a existir no Estatuto eram os quadros.
De facto, no Estatuto da Carreira Docente, que foi publicado hoje, está escrito «quadros» — quadros de escola e quadros de agrupamento. Contudo, isso não vale nada, podia lá estar escrita outra coisa qualquer.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Podia lá estar escrito aquilo que o Ministério da Educação entendesse, porque o que o Sr. Secretário de Estado ontem nos disse foi absolutamente chocante: que aquilo que vai valer, de forma definitiva e absoluta, é a Lei n.º 12-A/2008.
Portanto, os representantes sindicais foram enganados, e o próprio Estatuto da Carreira Docente é um engano. O Ministério assumiu compromissos que não podia assumir, porque já percebemos que quem manda nisto tudo é Teixeira dos Santos, é o Ministério das Finanças.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Drago, quero, antes de mais, cumprimentar a Sr.ª Deputada por ter trazido este tema a debate na Assembleia, porque parece que, após todo este período de negociações, há nuances ou, pelo menos, alterações no discurso do Governo que nos levantam as maiores preocupações.
É certo que o Estatuto da Carreira Docente, que hoje é publicado, no seu texto, cumpre aquilo que foi negociado com as estruturas sindicais Porém, também é certo que o Governo, ainda ontem, na Assembleia da República, disse que tal não se aplicaria, porque a Lei n.º 12-A/2008, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, é incontornável para todos os corpos da função pública, incluindo os professores.
Portanto, ficamos num limbo, sem perceber se o Governo negociou de má-fé com os sindicatos, sabendo que poderia plasmar no Estatuto da Carreira Docente aprovado aquilo que mais lhe convinha na altura para calar o descontentamento e que não o teria de aplicar porque uma lei hierarquicamente superior se imporia, traindo, por isso mesmo, as negociações. Se, realmente, foi esse o comportamento do Governo e se isso se vier a provar, esperamos que esta Assembleia assuma, de facto, o seu papel.
Até agora, por força do comportamento, principalmente, do PSD e do PS, esta Assembleia não foi capaz de chamar a si a resolução dos problemas quando foi confrontada com essa possibilidade. O PSD «estendeu a mão» ao PS quando foi preciso não suspender a avaliação e, se continuarmos neste «tango» ou nesta «valsa», dificilmente conseguiremos resolver a situação, mesmo com a apresentação de apreciações parlamentares. Aliás, o PCP vai apresentar de imediato um pedido de apreciação parlamentar do Estatuto da Carreira Docente e também em relação a um conjunto de outras matérias que não ficaram resolvidas. Mas com esta conjuntura, o certo é que, sempre que é preciso, o PSD «dá a mão» ao PS! Sr.ª Deputada, gostava ainda de deixar algumas notas sobre a reorganização da rede escolar.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Avaliaremos, obviamente, o projecto de resolução que apresentou, mas há uma questão que é fundamental: este Governo, na reorganização da rede escolar, não está a acautelar a qualidade do ensino no sentido de garantir a qualidade dos processos educativos nas nossas escolas mas apenas a diminuir o número de efectivos — professores, auxiliares e direcções — e a concentrar no litoral e nos centros urbanos todo o País.
Mais valia pôr uma placa no interior a dizer: «Fechou. Desloquem-se para o litoral, que é mais rentável para o Governo e para as empresas privadas»!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, creio que estamos numa situação bastante difícil, mas devo dizer-lhe que entendo que este não é o momento de fazer a avaliação sobre se o Governo actuou de má-fé ou se o Ministério da Educação, pura e simplesmente, foi desautorizado.
A minha interpretação é a seguinte: se há uma Ministra e Secretários de Estado que, no âmbito de uma negociação, dão a sua palavra e estabelecem um compromisso em torno do vínculo laboral dos professores e do concurso de entrada nos quadros dos professores contratados, que respondem a necessidades permanentes do sistema, e são desautorizados pelo Ministério das Finanças, aguardo o pedido de demissão da S.ª Ministra e dos Srs. Secretários de Estado.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Não é sustentável olharmos o Ministério da Educação como mero departamento de relações públicas do Governo no que toca ao sistema educativo. É preciso que aquilo que sai do Ministério da Educação e a palavra dos responsáveis políticos valham, porque, senão, é o absoluto caos.

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Quero também falar-lhe de uma outra matéria que, creio, é importante. Entendo que aquilo que se prepara no âmbito da reorganização da rede escolar é um atentado à democraticidade do sistema educativo. As questões do acesso e da igualdade de oportunidades de crianças tão pequenas não podem ser vista sob a lupa dos custos.
Aquilo que interessa pensar, creio, neste momento, é que já percebemos que o Ministério da Educação fez um trabalho absolutamente preguiçoso. Aparentemente, passou dois anos a estudar números para a rede escolar: pensou no 19, no 23, talvez no 24, e escolheu o 21. É um número mágico e é o nosso século! Entendemos que é necessário que a Assembleia da República assuma o trabalho que o Ministério da Educação, preguiçoso, não quis fazer, trabalhe e saiba discutir critérios de qualidade — as boas escolas, as boas infra-estruturas, escolas que até podem ter mais de 21 alunos mas, se não tiverem qualidade, podem ser encerradas, dando uma melhoria de condições de aprendizagem a estas crianças. São os critérios de qualidade que têm de valer! Mais: creio que todo este movimento de criação de mega-agrupamentos é muitíssimo preocupante e mostra o desnorte do Ministério da Educação e do PS. Há um ano, houve um novo modelo de gestão, novas eleições, constituição de conselhos gerais, de regulamentos internos, de projectos educativos, e agora começa tudo de novo, com uma única intenção: poupar e controlar rapidamente, com um único director, largos conjuntos de escolas, e isso não é aceitável.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — A qualidade tem de estar à cabeça das escolhas em política educativa.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Barros.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Drago, porventura, não será preciso dizer-lhe que é com muito agrado que o Partido Socialista regista as intervenções políticas que versem sobre as questões associadas à educação.
Como sabe, a questão da educação é grata ao Partido Socialista, observada exactamente por aquilo que o Partido Socialista defende em nome da qualidade da escola em Portugal e da igualdade de oportunidades no acesso de todos ao conhecimento, à educação, à qualificação, com o rigor e com a qualidade que para todos desejamos.
Lamentavelmente, não podemos congratular-nos com o conteúdo da sua intervenção. Desde logo, pela forma como, de uma maneira absolutamente vulgar, se utilizam aqui palavras como «fraude». Nós, Partido Socialista, entendemos que fraude é procurar, artificial e desesperadamente, manter um conflito que nem as estruturas sindicais neste momento sustentam.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Se a Sr.ª Deputada estiver atenta às questões de educação vê, porventura, que, no dia de hoje, foi publicado o texto do Estatuto da Carreira Docente e que as estruturas sindicais reagem positivamente a esta publicação.

Vozes do PS: — É verdade!

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Congratulam-se, inclusivamente, com o cumprimento do acordo de princípios estabelecido entre o Ministério da Educação e as estruturas sindicais, exactamente por o verem plasmado no texto da lei.

Aplausos do PS.

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Com isto também a Sr.ª Deputada devia congratular-se e não procurar substituir-se àqueles que, de facto, têm responsabilidade por zelar, de uma forma tão harmoniosa quanto possível — e nós devemos procurar contribuir para acautelar — , a relação entre o Ministério da Educação e os professores, através das suas estruturas representativas, que, verdadeiramente, são as estruturas sindicais.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Faça favor de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — Termino de seguida, Sr. Presidente.
Fraude é também vir aqui invocar um princípio economicista no que diz respeito ao reordenamento de uma rede escolar, o qual não tem senão como maior objectivo conferir a todos igualdade de oportunidades no acesso, com qualidade, ao conhecimento.
Sabe, Sr.ª Deputada, falar aqui do interior e daqueles que estão isolados e querer garantir-lhes igualdade de oportunidades é sacrificar essas pessoas em nome dessa causa, sem pensarmos no que, realmente, é fundamental»

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.ª Deputada, faça favor de terminar.

A Sr.ª Paula Barros (PS): — » em termos e em nome do modelo de desenvolvimento que devíamos defender, à luz da coesão territorial e da coesão social.
Sr.ª Deputada, não termino sem antes lembrar que o maior investimento público que, neste momento, está a fazer-se em Portugal é, em nome destes princípios, na educação, com a construção dos centros escolares onde todos possam ter acesso à qualidade que ambicionamos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Barros, eu via-a, ontem, na Comissão Parlamentar de Educação e estou certa de que é uma Deputada responsável. Acorda de manhã, lê os jornais, em particular sobre a área política em que costuma trabalhar e que é a sua vida profissional, e, portanto, certamente terá visto as declarações do Sr. Secretário de Estado na Comissão Parlamentar de Educação e cá fora, à imprensa.
«O que vai ser publicado previsivelmente amanh㻫 — e é verdade, foi publicado hoje — «» ç um decreto-lei. A Lei 12-A,»« — ou seja, o regime de vínculos, carreiras e remunerações dos funcionários públicos — , «» na hierarquia das leis, naturalmente sobrepõe-se a qualquer lei que define ou regulamente carreiras especiais», afirmou Alexandre Ventura aos jornalistas, no final da audição.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Pois é!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Terei todo o prazer em disponibilizar esta notícia à Sr.ª Deputada.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Ou seja, como a Lei n.º 12-A/2008 acaba com os quadros de pessoal, estabelece os mapas de pessoal e faz a aplicação do contrato de trabalho em funções públicas, o Sr.
Secretário de Estado disse aquilo que, se calhar, é óbvio: os quadros bem podem estar hoje no Estatuto da Carreira Docente que foi publicado, mas são um ornamento,»

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Pois claro!

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A Sr.ª Ana Drago (BE): — » são um ornamento, e o compromisso político que o Ministçrio da Educação assumiu»

Protestos da Deputada do PS Paula Barros.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — É verdade!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — » a 23 de Março, afinal, não vale para nada! E esse é que é o problema! É porque a fraude política está em levar à Av. 5 de Outubro os representantes sindicais dos professores a negociar e depois dizer-lhes: «Afinal, nós aqui não decidimos nada! Nós aqui servimos chá, conversamos, escrevemos uns projectos de lei, mas, na prática, na prática, o que vai valer é o que é decidido no Ministério das Finanças!».

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — É verdade!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — E isso é que é grave, porque a importância do sistema educativo para as crianças deste país, para o futuro deste país, deveria exigir mais responsabilidade ao Ministério da Educação.
Por fim, gostaria de dizer-lhe uma frase de alguém que a Sr.ª Deputada também admira, o PrimeiroMinistro José Sócrates: «A escola tecnologicamente mais evoluída do País (José Sócrates, Microsoft) recebeu um prémio». E vai fechar, Sr.ª Deputada! São estes os critérios de qualidade que o Ministério da Educação defende?

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Agradeço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Vai fechar, Sr.ª Deputada? Como é que a Sr.ª Deputada explica isto? Economicismo! Regra cega!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Pois é!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Preguiça! Falta de responsabilidade!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Duarte.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, gostaria de cumprimentá-la por trazer este tema a esta Casa. De resto, o Partido Social-Democrata, através do Sr. Deputado Emídio Guerreiro, irá hoje proferir uma declaração política sobre este mesmo assunto.
Seja como for, gostaria de fazer algumas considerações e colocar algumas questões.
Em primeiro lugar, relativamente ao Estatuto da Carreira Docente, hoje publicado no Diário da República, consideramos que o princípio da confiança e da boa-fé é fundamental nas relações do Governo com os diferentes parceiros, designadamente com os sindicatos. Portanto, se de alguma forma esse princípio foi violado, evidentemente que seremos os primeiros a penalizar o Governo por essa atitude.
Admitimos que tal possa não ter acontecido e que as dúvidas sobre as quais estamos a dialogar advenham de umas declarações infelizes e despropositadas do Governo, designadamente do Sr. Secretário de Estado, ontem, na Comissão de Educação. Por um lado, desejo sinceramente que assim seja, mas, por outro lado, também tenho de manifestar o meu lamento por mais este sinal de desorientação e, se calhar, algum tique que veio ao de cima de uma vontade escondida por parte do Governo de querer impor algumas medidas, que passam, designadamente, por não reconhecer a especificidade da carreira docente no âmbito da função pública. Quanto a isso, as posições do Partido Social-Democrata são absolutamente claras: total reconhecimento da especificidade da carreira docente!

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Por outro lado, relativamente à questão do reordenamento da rede escolar, que nos preocupa de forma muito vincada, para nós, o critério tem de ser, evidentemente, o da qualidade do ensino. Não pode ser outro! As pessoas — os jovens, as crianças, os estudantes, os alunos — do nosso país não são números! São muito mais do que isso! Portanto, não será um critério estatístico ou um critério contabilístico que venha a ser decidido na Av. 5 de Outubro que será soberano nesta matéria. Cada caso é um caso, temo-lo dito muitas vezes.
Por conseguinte, criticamos aqui o desnorte — que, aliás, a Sr.ª Deputada aqui bem enfatizou — do Governo relativamente a esta matéria, desde logo na oportunidade para tomar estas decisões. É porque estamos no fim do ano lectivo e, como ontem vimos na Comissão de Educação, o Governo não tem ideia de quantas escolas vão fechar daqui a duas ou três semanas!» Não tem ideia nenhuma de quantas escolas vão reabrir no início do próximo ano lectivo»! Por outro lado, ainda, criticamos a forma arrogante, prepotente, profundamente centralista com que esta medida está a ser implementada.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Agradeço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Termino, Sr. Presidente, perguntando à Sr.ª Deputada Ana Drago se, mesmo colocando a hipótese de que a nossa rede escolar necessite de ajustamentos, de adaptações aos fluxos demográficos, às necessidades educativas do País, não concorda que uma alteração desta natureza tem inevitavelmente de ter como parceiros as autarquias locais e as comunidades locais para que possa ter eficácia, designadamente na melhoria das aprendizagens do nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Duarte, agradeço a questão que me coloca.
O Bloco de Esquerda acaba de anunciar o pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei sobre o Estatuto da Carreira Docente e eu creio que teremos bastante tempo ainda para discutir estas matérias.
Relativamente a todo o processo de reorganização e reordenamento da rede escolar, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que creio que estamos a tratar desta matéria com carácter de urgência.
Sobre as medidas que estão a ser tomadas — nomeadamente, na situação em que o Ministério ameaça não colocar professores caso as autarquias teimem em manter abertas as escolas do 1.º ciclo das localidades que são distantes mas em que as escolas estão em boas condições — , creio que, até ao final desta sessão legislativa, esta Assembleia da República tem de assumir responsabilidades.
E fico satisfeita por perceber que também o PSD acredita que são os critérios de qualidade que têm de guiar este processo.
Penso que ninguém pode dizer: «Mantenham-se todas as escolas abertas ou fechem-se 500 escolas».
Este tipo de afirmação é que é absolutamente infundado e irresponsável. Creio que temos de olhar para cada escola no seu contexto e perceber se é uma boa escola, mesmo que tenha poucos alunos, e se faz sentido mantê-la aberta, ou seja, se é estruturadora da comunidade, se é motivo de orgulho para a comunidade, se tem bons resultados.
Se é uma escola que até tem mais de 21 alunos, mas não tem infra-estruturas, tem maus resultados e se há uma outra solução que é melhor para aqueles alunos, então encerra-se essa escola!

A Sr.ª Conceição Casa Nova (PS): — É isso que está a ser feito, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Ana Drago (BE): — O que é preciso é perceber qual é a oferta educativa no território, qual a ligação à comunidade e, portanto, lá está, como o Sr. Deputado diz, é preciso ouvir os pais, ouvir as autarquias, ouvir as comunidades, ouvir os professores! É isto que é fundamental! Por isso mesmo, o projecto de resolução que o Bloco de Esquerda apresentou estabelece primeiro esses princípios de audição de qualidade e estabelece um prazo.

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Penso que devemos, ao longo do próximo ano lectivo, trabalhar, conhecer o sistema, utilizar os dados que já temos para fazer essa planificação. O que não pode ser é ter esta regra cega de fechar as escolas com menos de 21 alunos e manter más escolas com mais de 21 alunos. Isto é que não faz qualquer sentido!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A estabilidade é um bem precioso na política educativa.
Todos reconhecemos que um dos problemas mais graves do nosso sistema de ensino se prende, precisamente, com as constantes mudanças legislativas, com as permanentes oscilações políticas e com a frenética produção normativa.
A tudo isto, devemos associar a grande instabilidade promovida pelo anterior governo nas nossas escolas.
A comunidade educativa ansiava, assim, por tranquilidade para o sector e desejava um governo ponderado, que promovesse as reformas de que a Educação precisa! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A educação é o desafio central do nosso país.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — O futuro vence-se combatendo a baixa qualificação dos portugueses.
Não compreender isto, não promover políticas neste sentido é continuar a comprometer as próximas gerações.
Qualificar não é certificar. Não é promovendo facilitismos que qualificamos os portugueses. Não é um mero diploma que nos torna mais competentes, mais qualificados, mais capazes. O percurso que nos leva ao diploma é que é determinante.
As nossas escolas têm de ensinar mais e melhor. Os jovens no final do seu percurso educativo têm de saber fazer mais e melhor, e acreditar que a aprendizagem se prolongará ao longo de toda a vida.
Este princípio básico, verdadeiramente nuclear, não é percebido pelo Partido Socialista, como, de resto, o recente exemplo das passagens quase administrativas do 8.º para o 10.º ano bem evidencia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Neste contexto, não deixa de ser absolutamente surpreendente a decisão do Governo de alterar — abrupta e unilateralmente — o ordenamento da rede escolar.
Num belo dia, o País acordou com o anúncio de que o Governo iria fechar 900 escolas com menos de 21 alunos. São 500 agora e 400 para próximo ano.
Tudo nos era apresentado com grande naturalidade. Tudo parecia ter sido programado com as autarquias e com as famílias. Mas não! Tudo foi feito à revelia das autarquias e nas costas das famílias!

Aplausos do PSD.

Mais, a decisão nem sequer foi articulada com as escolas! A planificação do próximo ano escolar já estava concluída e não teve em conta estes encerramentos! Ou seja, estamos perante mais um exemplo de uma decisão centralista, prepotente, tomada por alguém sentado num gabinete da 5 de Outubro, que pensa que o País é todo igual, que pensa que fechar uma escola com 18, 19 alunos no interior é o mesmo que fechar uma escola da mesma dimensão numa área metropolitana!

Aplausos do PSD.

O que temos visto em nada dignifica o Governo. Afinal, os critérios não são estáveis; são flexíveis e parecem variar conforme os decibéis que os autarcas utilizam.

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É lamentável que em plena época de exames, no fecho do ano escolar, se assista a este triste espectáculo em que o Governo não sabe e não faz ideia de quais as escolas que, dentro de dois meses, estão a abrir o ano escolar.
Ouvir, como ontem ouvimos neste Parlamento, a Sr.ª Ministra da Educação afirmar que o número de escolas anunciado era apenas indicativo e estimativo é bem o espelho do desnorte e da incompetência deste Governo! Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: E que dizer da criação dos chamados «mega agrupamentos»? Fundir agrupamentos a «granel» será a solução para os desafios da escola portuguesa? É impondo unidades de gestão com inúmeras escolas e milhares de alunos que resolvemos os constrangimentos das nossas escolas? Não nos parece! E que dizer da forma como foi decidida esta solução? Mais uma vez verificamos que a incompetência, a prepotência e o centralismo imperaram! As cartas educativas, tantas vezes afirmadas como peças centrais no ordenamento da rede escolar, não são tidas em conta! Os directores de escolas, eleitos ao longo dos últimos meses e semanas, não foram tidos nem achados! Os conselhos gerais das escolas foram esquecidos e desprezados! Os pais e as autarquias não foram chamados para a construção do novo modelo.
É o centralismo absoluto no seu melhor! Em Lisboa decide-se e depois alguém impõe ao resto do País a solução! E, entretanto, vão-se nomeando alguns boys para substituir os directores eleitos em conselho geral por toda a comunidade educativa»!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é assim que resolvemos os problemas que existem nas nossas escolas; não é assim que respondemos à necessidade absoluta de vencer o desafio da qualificação; não é assim que promovemos uma escola de qualidade mais exigente e rigorosa; não é assim que criamos confiança nos parceiros decisivos, como são as autarquias e os pais.
O Governo anda de trapalhada em trapalhada a promover de novo uma grande instabilidade nas escolas.
E enquanto anda neste pobre registo não faz o que deve: não promove a autonomia das escolas; não cria as condições para que as escolas possam ser o motor da mudança; não promove a alteração curricular que se impõe para que as escolas qualifiquem melhor os nossos jovens; não potencia um clima escolar onde o mérito e o trabalho sejam valores essenciais transmitidos aos estudantes; não promove a escola de qualidade e de exigência de que o país precisa.
O Governo anda obcecado a anunciar números, estatísticas e estimativas.
O Governo esquece-se das pessoas!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é disto que Portugal precisa, não é isto que os portugueses querem! Por detrás de cada um desses números que estão nas estatísticas oficiais, manipuladas pelo facilitismo do Governo, está um jovem que será um adulto amanhã e que tem de vencer os desafios de um mundo cada vez mais exigente! Estes últimos anúncios de encerramento de escolas e de fusão de agrupamentos, burocraticamente impostos, são mais um lamentável exemplo desta desastrosa e incompetente política socialista! Já se perdeu tempo demais com questões acessórias. É tempo de fazer o que ainda não foi feito!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — O Sr. Deputado tem três pedidos de esclarecimento. Agradeço que informe a Mesa se quer responder isoladamente ou em conjunto.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Isoladamente, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Michael Seufert.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, lembrou aqui, em boa hora, algumas questões que também têm preocupado o CDS e que, aliás, nas passadas semanas, foram alvo de diplomas que apresentámos aqui, na Assembleia da República. Desde logo, a questão da autonomia das escolas e a de permitirmos que sejam as famílias, em vez dos burocratas, sentados no Ministério da Educação, a decidir, por exemplo, a escola a que as crianças terão acesso. A escolha livre da escola e do projecto educativo, dentro de uma rede pública em que se encontram as escolas públicas detidas pelo Estado, mas também as privadas que queiram aceder a essa rede pública, em determinadas condições, são alvo de um dos projectos que o CDS aqui entregou e que será, em devida hora, discutido, momento em que poderemos analisar a que consequências leva o PSD a vontade da autonomia e da livre escolha.
A questão da estabilidade é outra, bem evidente, que aqui suscitámos, na passada semana. E, no que diz respeito à reorganização da rede escolar, apresentámos um projecto de resolução, que também será discutido em devido tempo, onde se coloca a questão de, de repente, passarmos do número mágico de 11 para 21 alunos, como limite para o encerramento de escolas, sem outros critérios.
O Sr. Deputado José Manuel Rodrigues já aqui referiu, e eu repito, que, para nós — e fazemos disto alvo de recomendação ao Governo — , também devem ser critérios para o reordenamento da escola, como muito bem referiu, a concertação com as autarquias, no âmbito das cartas educativas, a existência de transporte escolar de qualidade e com monitores, como define a lei, que o tempo de percurso entre a nova escola e a casa não seja superior a um tempo razoável de transporte, que a escola, já agora, tenha tido a avaliação devida pela Inspecção-Geral de Educação, que as escolas com boas avaliações e bons resultados não sofram o mesmo destino que as escolas más, independentemente do número de alunos que tenham, e a existência de obras feitas e de melhores condições na nova escola do que naquela que vai ser encerrada.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Quero, pois, perguntar-lhe, Sr. Deputado, se estas questões preocupam o PSD e se pode o CDS, por isso, contar com o apoio do PSD para estes projectos e para a resolução que aqui apresentámos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Michael Seufert, agradeço imenso as questões que me colocou, porque me dão oportunidade para voltar a frisar aquilo que levou, hoje, o PSD a fazer esta declaração política.
Para que as coisas funcionem, é fundamental que exista articulação. Não faz qualquer sentido chegarmos ao final do ano lectivo, em pleno mês de Junho, e sermos confrontados com um reordenamento das escolas proposto, unilateralmente, pelo Governo. Não faz qualquer sentido que isto seja feito à revelia das autarquias, sem articulação com aqueles profissionais que, dentro das escolas, estiveram a planificar o ano lectivo que começará no dia 1 de Setembro, ou seja, dentro de pouco mais de dois meses.

O Sr. Pedro Duarte (PSD): — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Nada disto faz sentido! Aquilo que faz sentido é que estes processos sejam realizados com tempo, com ponderação, com eficácia, com competência, se quiserem, Sr.as e Srs. Deputados.

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Vozes do PSD: — Exactamente!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Do que se trata aqui é de que as coisas sejam feitas com competência.
E não há qualquer dúvida de que, em particular neste processo de reordenamento da rede, o Governo se pautou exactamente pelo contrário, ou seja, por uma grande incompetência e por uma grande ineficácia, o que faz com que, de repente, quando tudo parecia estar mais calmo e estável, o ambiente, nas escolas, de norte a sul do País, esteja completamente inflamado, sem qualquer necessidade, porque não é disto que as escolas precisam.
Por isso, Sr. Deputado, agradeço, efectivamente, as questões que colocou, porque permitem centrar, novamente, o debate nesta matéria, em que é exigível ao Governo que governe, mas que governe bem, com competência. Lamentavelmente, não é a isso que temos vindo a assistir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Tiago.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, antes de mais, quero referirme à primeira parte da sua intervenção, sobre certificação versus qualificação e à evidência entre esse antagonismo que tem surgido por força das políticas do actual Governo, orientado, claramente, para a manipulação das estatísticas, e o branqueamento das estatísticas. E agora aproveita também, de certa forma, a boleia da alteração legislativa introduzida na Lei de Bases do Sistema Educativo para o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, não tomando medidas para que, de facto, os estudantes adquiram o conhecimento necessário para poderem prosseguir os seus estudos e criando mecanismos paralelos e alternativos, muito próximos daquilo a que o Sr. Deputado chamou a «passagem quase administrativa».
Para o PCP — e é importante que isto fique claro — todo esse tipo de mecanismos constitui não apenas uma tentativa de branqueamento estatístico mas também o defraudar das expectativas das pessoas e, particularmente, dos estudantes. É porque o direito que os portugueses têm é o direito a aprender, a fruir, a criar e a difundir o conhecimento, não é o direito a um carimbo de «apto para o mercado de trabalho».
Quanto à segunda questão que suscitou na sua intervenção, Sr. Deputado, da parte do PCP, gostaríamos de aprofundar a posição do PSD, porque o PSD — permita-me a expressão — «dá uma no cravo e outra na ferradura»: o PSD diz que quer menos funcionários públicos, que quer fragilizar e aligeirar o peso do Estado, que não quer despesa — e também não quer receita, curiosamente, só quer cortar do lado da despesa — , mas vem aqui criticar uma medida que o próprio Governo anuncia como economicista. É certo que, depois, o Ministério da Educação tentou disfarçar e dizer que, afinal, era uma questão de qualidade do ensino, mas todos ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro dizer aqui, nesta Assembleia, que esta era uma medida orientada para satisfazer os compromissos que, aliás, o próprio PS assumiu com o seu partido, Sr. Deputado, de diminuição da despesa pública.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Nós bem sabemos que PSD e PS convergem no essencial, no sentido de aligeirar de tal forma o Estado que ele quase desaparece. Aliás, já vieram as escolas privadas dizer que, se lhes derem dinheiro, asseguram e garantem o serviço público naquilo que o Estado não quiser. Por isso, num futuro não muito distante, veremos o PS, certamente, a entregar a chave do ensino e das escolas públicas às empresas privadas. Até lá, o que importa mesmo perceber é o posicionamento do PSD, isto é, se quer escolas públicas no interior ou se, afinal de contas, é mesmo a favor de, por cada cinco que saem, só entrar um e não há escola para ninguém.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

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O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, começo por dizer o seguinte: se ainda não conseguiu perceber as diferenças abissais»

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Abissais?! Está a exagerar um bocadinho!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — » que existem entre esta bancada e a bancada do PS, no que respeita a matérias de educação, ao fim de tantos debates que aqui tivemos, com a participação do Sr. Deputado, não consigo fazer mais.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Depois, quando chega a hora da votação é que se vê!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Peço desculpa, mas, de facto, não consigo fazer mais, porque só não vê quem não quer.
Permita-me que lhe diga o seguinte: nós expressámos, desde há muito, a grande divergência que temos relativamente ao Partido Socialista e aos governos socialistas, no que diz respeito quer à qualificação, quer à certificação e, sobretudo, quer à qualidade do ensino. Nós não aceitamos que a bitola esteja a ser colocada por baixo aos nossos jovens, que a vontade seja certificar, certificar, dar diplomas, dar diplomas, sem que os jovens aprendam, sem que os jovens saiam do percurso educativo a saber mais e melhor. E esta é uma diferença de fundo, Sr. Deputado!

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Com menos funcionários, menos professores e menos escolas?!»

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Para nós, o mais importante não são as estatísticas! Essa é uma preocupação do Partido Socialista e do Governo, que alteram a realidade para melhorar, estatisticamente, os resultados do País. É com isto que o PSD não concorda. O PSD entende que a escola tem de ser um espaço de exigência, tem de ser um espaço onde, de facto, as crianças e os jovens aprendam mais e melhor. É necessário fazermos aquilo que ainda não foi feito! Quando é que se faz a alteração curricular para que as pessoas aprendam mais e melhor?! Sr. Deputado Miguel Tiago, em função daquilo que tem vindo a ser feito, desde 2005, nas escolas, o que se está a comprometer é o futuro de gerações de portugueses. E isto, sim, preocupa-nos e é por isso que não concordamos com as políticas que o Governo tem vindo a seguir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bravo Nico.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, não posso deixar de lhe dizer, no início deste pedido de esclarecimentos, que as palavras que José Saramago nos deixou ainda hoje influenciam o nosso pensamento e é um pouco com base nessas palavras que lhe coloco uma questão.
Desde logo, começo por fazer aqui um pequeno memorial da governação PSD/CDS, que terminou em 2004/2005. A última memória, pequena memória que temos dessa governação é a de um concurso de colocação de professores absolutamente caótico, em que «estabilidade» foi palavra que, de facto, não existiu.
Esse governo deixou a escola pública com menos 40 000 alunos no ensino secundário do que temos hoje; com menos um milhão de adultos do que aqueles que temos hoje, a frequentar a iniciativa Novas Oportunidades; com menos 750 000 crianças e jovens com apoio social do que aqueles que temos hoje; com muito menos famílias com acesso à escola a tempo inteiro do que aquelas que temos hoje, que são todas; com muito menos escolas construídas do que aquelas que já construímos e estamos a construir.
O vosso governo, Sr. Deputado Emídio Guerreiro, foi um governo de pequenas memórias, mas a obra que foi feita pelo PS, desde então, é uma obra de grande memória»

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Protestos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ahhh!» A ministra Lurdes Rodrigues teve uma estafa!»

Risos do PCP e do BE.

O Sr. Bravo Nico (PS): — » e que vai ficar para a história de Portugal e para a história da educação portuguesa.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PCP Miguel Tiago.

Sr. Deputado Emídio Guerreiro, o direito à educação que os senhores nos deixaram era um direito intermitente, não era um direito para todos; era um direito apenas para as famílias que tinham a possibilidade de o comprar, não era um direito para um milhão de adultos que, hoje, frequenta a escola. O direito à educação que estamos, hoje, a construir é um direito que não é intermitente, é um direito completo, para todos os cidadãos, independentemente das suas circunstâncias.
Para terminar, Sr. Deputado, quanto à escola pública, que os senhores tanto maltrataram, que os senhores tanto apoucaram, que os senhores tanto desqualificaram, estamos a levantá-la do chão, a redignificá-la, a darlhe outro valor e a fazer dela aquilo que ela foi e sempre será.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Bravo Nico (PS): — Termino, Sr. Presidente.
A escola pública como grande instrumento de construção de igualdade de oportunidades e de justiça social é a nossa grande memória e há-de ser o memorial do nosso Governo, muito, muito longe do memorial e das pequenas memórias do vosso Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Lamentável!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bravo Nico, quero começar por dizer-lhe que a sua intervenção ç, verdadeiramente, um ensaio sobre a cegueira»

Aplausos do PSD.

«Mais cego do que aquele que não vê é aquele que não quer ver», Sr. Deputado! E se o Sr. Deputado invoca aqui a memória, eu invoco apenas um número, Sr. Deputado: a situação que temos resulta do facto de, nos últimos 15 anos, os senhores terem governado doze anos e meio. É esta a memória que precisa de ser invocada, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

É vossa a responsabilidade, Sr. Deputado, e em muitos sectores! Nós temos memória, Sr. Deputado! E sabe de quê? De vermos professores na rua, como nunca vimos, por vossa causa! E temos uma memória mais recente, Sr. Deputado, muito mais recente, já deste Governo. Sabe

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qual é, Sr. Deputado? A de a actual Ministra da Educação fazer de conta que a anterior não existiu! É essa a memória que também aqui invocamos, Sr. Deputado!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Má memória têm os senhores do vosso governo!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Por isso, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que compreendo as vossas dificuldades, mas há uma coisa que temos de vos solicitar, em nome dos portugueses: peçam ao vosso Governo para que, nestas matérias, seja competente, Sr. Deputado. Façam as coisas bem feitas!

O Sr. Bravo Nico (PS): — Estamos a fazer!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Antes de dizerem: «Vamos fechar isto», falem com as pessoas, preparem as soluções, para que, quando elas aparecerem, apareçam em paz, Sr. Deputado» Porque a paz ç necessária nas escolas, Sr. Deputado! Ao longo de cinco anos, os senhores esqueceram-se de uma coisa muito importante: nas escolas, aprende-se melhor quando todos estão em paz e quando existe harmonia entre todas as pessoas envolvidas no sector. Os senhores são um foco de instabilidade e é pena que queiram continuar a sê-lo, mesmo em situações que seriam fáceis de resolver, onde, facilmente, se conseguiriam resolver os problemas, se se actuasse de forma competente e eficaz.

O Sr. Bravo Nico (PS): — É o que estamos a fazer!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Faça esse favor a todos os portugueses e ponha o seu Governo a trabalhar de forma competente, porque quem não é competente, Sr. Deputado, não faz falta, não está cá a fazer nada. Se esta equipa ministerial não é competente, mudem-na, troquem-na, porque, de facto, está a prejudicar as escolas portuguesas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.

A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Emídio Guerreiro falou-nos deste anúncio absolutamente imponderado por parte do Ministério da Educação, matéria que tem trazido muita preocupação a tantos pais, a tantas escolas e a tantas autarquias nas õltimas semanas» Mas creio tambçm que permitiu trazer aqui um debate que, provavelmente, não tem sido o que mais espaço tem ocupado no debate público, que é a questão dos mega-agrupamentos.
Muito se tem falado sobre o encerramento de escolas do 1.º ciclo, mas penso que, presumivelmente, parte da opinião pública não tem consciência exacta do que é que significa este movimento de criação de mega agrupamentos. Devo dizer-lhe que julgo que nem mesmo na bancada do Partido Socialista há hoje um único defensor deste processo de reordenamento da rede escolar.

Protestos do PS.

Quando ouvimos o Sr. Deputado Bravo Nico invocar aquele famoso concurso — de facto, absolutamente desastroso! — de Maria do Carmo Seabra ç porque não há mais argumento nenhum», só indo buscar ao baõ da História qualquer coisa para atirar ao adversário. De facto, não há um único argumento que a bancada do Partido Socialista possa, hoje, utilizar.
Creio que temos de ter muito cuidado, porque o que está em causa é um ataque à qualidade das nossas escolas.
Se alguma coisa aprendemos em matéria de gestão pública, nas últimas décadas, foi a importância da existência de órgãos de gestão dotados de autonomia em pequenas unidades de funcionamento. É uma lógica

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de gestão de proximidade, que tem contacto pessoal com os actores da escola (com os professores, com os funcionários, com os alunos), que gera uma gestão de qualidade que permite prevenir problemas e não a criação de megaestruturas burocráticas, com inúmeros quadros intermédios, porque depois nada funciona.
Portanto, o que percebemos é que o Ministério da Educação pretende poupar nas direcções dos órgãos de gestão das escolas. Mas, mais do isso, aquilo a que temos assistido, um pouco por todo o País, é à criação de comissões instaladoras. Ou seja, já tivemos como modelo de gestão a «morte» da gestão democrática das escolas e, agora, temos a «morte» de qualquer pequena participação democrática por parte das comunidades educativas com esta nomeação das comissões instaladoras dos novos agrupamentos.
Sr. Deputado, queria perguntar-lhe se o PSD acompanha as intenções manifestadas e os projectos já apresentados nesta Assembleia da República, nomeadamente pelo Bloco de Esquerda, no sentido de travar este processo não-democrático, totalmente desastrado e irresponsável, de reordenamento da rede escolar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Drago, agradeço as questões que me colocou.
Penso que o que importa, neste momento, é afirmar a grande preocupação que todos sentimos pelo modo como o Governo está a liderar este processo de fusão de agrupamentos, porque somos confrontados com o que se passa no dia-a-dia, com a realidade das escolas.
Estamos a assistir a quê? Há directores que tomaram posse há meia dúzia de dias e que de repente são confrontados com o seguinte: aquilo para que tomaram posse deixou de existir. À revelia de quê? À revelia daquilo que está na carta educativa — ainda hoje pudemos ver o exemplo de Miranda do Douro, que é uma autarquia socialista; à revelia dos conselhos gerais das escolas, ou seja, à revelia da comunidade educativa.
Algo está mal! Nesta matéria, mais uma vez, e infelizmente, sou obrigado a constatar que o Governo não é capaz de ser eficaz, não é capaz de fazer as coisas bem feitas. É, sim, capaz de no final do ano lectivo, em plena época de exames, criar de novo uma grande instabilidade, fazendo com que a comunidade educativa em vez de se concentrar naquilo que é essencial, que neste momento são os exames e o arranque do próximo ano lectivo, esteja a discutir não se sabe bem o quê.
Mas também constatamos outra coisa ao longo deste processo: é que os boys já começam a ser nomeados. Destituem-se aqueles que a comunidade educativa elegeu no conselho geral das escolas, aqueles que resultam da vontade de toda a escola, e substituem-se por quem? Não sabemos por quem, mas será alguém que está a ser escolhido na 5 de Outubro. Para isso não podem contar com o PSD!!

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Não é verdade! Isso não é sério!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Podem contar com o PSD, sim, para reordenar a rede de forma eficaz e competente. Para esse desafio podem contar connosco, para desafios que resultam de práticas incompetentes e ineficazes é com o Partido Socialista que podem contar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa versão adulterada de Robin Hood, PS e PSD «roubam» aos pobres para dar aos ricos. Depois do assalto — que só não foi à mão armada — aos salários e às pensões com o aumento do IVA e do IRS, este Governo, que na prática é do PS e do PSD, desfere um novo ataque, desta vez contra os desempregados e contra as famílias que recebem prestações sociais.

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Numa altura em que o desemprego já afecta mais de 730 000 trabalhadores e os problemas sociais não param de crescer, o Governo aprovou dois decretos-leis que revelam não só a sua insensibilidade social mas também que PS e PSD querem que sejam os mais pobres, os mais desprotegidos do nosso país a pagar as asneiras e a crise do sistema financeiro.
O Decreto-Lei n.º 70/2010, que altera as regras de atribuição de um conjunto muito vasto de prestações sociais — como o subsídio social de desemprego, os apoios à natalidade, a acção social escolar, a comparticipação de medicamentos, o pagamento de taxas moderadoras e, entre outros, os apoios à habitação social — , não visa combater as fraudes e os abusos, visa, isso sim, retirar 200 milhões de euros a apoios essenciais para milhares de famílias!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Com este Decreto-Lei, о Governo alarga os membros do agregado familiar cujos rendimentos contam para a atribuição de prestações sociais e altera, de forma gravosa, a fórmula de cálculo.
De acordo com um exemplo referido pela CGTP, numa família de quatro elementos, dois adultos e dois menores, com rendimentos de 800 €, a capitação era de 200 €. Com estas novas regras passará a ser de 296 €. Assim, o Governo aumenta, artificialmente, o rendimento per capita para impedir o acesso a estas prestações sociais.
Outro aspecto nefasto deste Decreto-Lei é o facto de passarem a ser considerados rendimentos que até aqui não eram contabilizados para a atribuição destas prestações. De facto, rendimentos como bolsas de estudo e de formação, que visam permitir o acesso à educação, podem impedir que um outro membro do agregado familiar receba uma prestação tão importante como o subsídio social de desemprego ou uma comparticipação nos medicamentos que compra.
As pensões por acidentes de trabalho e doenças profissionais, que são da responsabilidade das entidades patronais e que visam reparar um acidente ou uma doença profissional, também contam, escandalosamente, como rendimentos.
Os apoios dados na habitação social, tais como a renda apoiada ou a renda social, passam a ser considerados como rendimentos e, assim, o facto de viver em habitação social pode determinar que uma família seja excluída destes apoios.
Verdadeiramente vergonhosa é a situação de um idoso que possui um pequeno terreno agrícola, onde pratica uma agricultura de subsistência. Para o Governo e para os partidos de direita esse terreno é considerado rendimento, logo pode impedir que este idoso tenha comparticipação na compra dos remédios.
Quanto ao rendimento social de inserção, o Governo cede em toda a linha ao populismo e à demagogia do CDS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Em vez de combater as situações de fraude e de abusos, o Governo, com o aplauso da direita, ataca todos os beneficiários desta importante prestação social. Não só reduz o montante desta prestação — importa referir que o valor mçdio do rendimento social de inserção ç de 89 € — como acaba com todos os apoios complementares às grávidas, às pessoas com deficiência e aos idosos com elevada dependência.
Importa, por fim, referir que estas regras se aplicam a quem já está a beneficiar destas prestações. O Governo assume que pretende fazer a reavaliação de todas as prestações, o que pode levar à exclusão de milhares de famílias que já as recebem.
O objectivo deste Decreto-Lei é claro: não visa impor mais rigor na atribuição das prestações, não visa impedir que os mais ricos acedam a estas prestações, o objectivo é poupar 200 milhões de euros.
Ontem mesmo, a Sr.ª Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, confrontada com a questão de quantas pessoas ou famílias deixariam de receber estas prestações para atingir a poupança de 200 milhões de euros, pura e simplesmente, não respondeu. E não respondeu porque não quer admitir que para atingir

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este montante o Governo se prepara para impor sacrifícios a milhares de pessoas, e precisamente às que são as mais carenciadas no nosso país.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Outro decreto-lei que o Governo fez aprovar, com o bafiento apoio do PSD, alterou para pior as regras de atribuição do subsídio de desemprego. Não satisfeito com o facto de cerca de 50% dos mais de 730 000 desempregados não receberem qualquer apoio no desemprego, o Governo piora as regras de atribuição do subsídio de desemprego.
Por um lado, o Governo reduz o montante deste subsídio, uma vez que passa a considerar como limite 75% da remuneração de referência — о que leva a que o subsídio mçdio, que hoje ç de 525 €, passe a ser, com este diploma, de 478 €, isto ç, menos 46 €/mês — »

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — » e, por outro lado, quer obrigar quem está desempregado há menos de um ano a aceitar uma proposta de emprego se o salário proposto for 10% superior ao subsídio de desemprego — cerca de 65% do salário que recebia no anterior emprego. Se o trabalhador estiver desempregado há mais de um ano, então fica obrigado a aceitar uma proposta de emprego de valor igual ao subsídio.
Com esta regra, o Governo promove deliberadamente a diminuição dos salários. Com este diploma, um desempregado pode perder entre 25% a 35% do seu anterior salário em pouco mais de um ano de desemprego.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma vergonha! É revoltante!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Citando a própria Ministra do Trabalho, numa entrevista, «é preciso reduzir os custos indirectos e directos do trabalho». O que a Sr.ª Ministra está a dizer é que é preciso reduzir os salários dos trabalhadores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora, aí está!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atacar quem menos tem não é um acto de coragem, é antes uma injustiça e uma cobardia, por isso o PCP já pediu a apreciação parlamentar destes decretos-leis para lutar, dentro e fora desta Assembleia da República, contra estas medidas.
Este PS e este PSD, que nada pedem aos patrões, que nada pedem àqueles que além de provocaram a crise continuam a engordar os seus lucros, que não obrigam a banca a pagar 25% de IRC — como faz qualquer pequeno comerciante — , que não obrigam a pagar 20% de imposto a quem transfere dinheiro para os offshore, este PS e este PSD, dizia eu, são os mesmos que atacam os que menos têm.
Aprovar estas medidas que vão aumentar a pobreza, no Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, é uma profunda hipocrisia que vai merecer o empenho e a luta do PCP para a construção de uma verdadeira alternativa para o nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado Jorge Machado, inscreveram-se dois Srs. Deputados para lhe pedirem esclarecimentos. Depois, informará à Mesa se pretende responder isoladamente ou em conjunto.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Marcelino.

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, começou a sua declaração dizendo que o PS e o PSD roubam aos pobres para dar aos ricos.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — É verdade, dizem os senhores.
Mas os senhores já se aperceberam de que o PSD está a propor retirar da Constituição o princípio da gratuitidade no acesso à educação e à saúde? Será que com esta proposta o PCP já percebeu que há diferenças entre o PS e o PSD? É porque o PS, Srs. Deputados, defende os serviços públicos de qualidade para todos, enquanto o PSD está a defender a qualidade só para alguns! Será que o PCP já percebeu que, dada a limitação de recursos do País, é fundamental lutar verdadeiramente para que o sistema social para todos tenha sustentabilidade? É porque o diploma de que o Sr. Deputado falou, que tanto criticou, tem dois objectivos que os portugueses percebem: criar coerência no acesso às diferentes prestações do sistema de solidariedade e defender o sistema de protecção social. É porque os portugueses também percebem que é melhor ter um sistema baseado nos recursos existentes do que não ter sistema nenhum.
Sr. Deputado Jorge Machado, gostava que me respondesse ao seguinte, perante esta Câmara, sem ficcionismo, com realismo e objectividade: afinal, com que pode contar o País, por parte do PCP, na defesa dos trabalhadores e dos mais pobres num momento difícil de crise e de contenção?

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os Srs. Deputados têm uma «lata» incalculável!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Catarina Marcelino, agradeço desde já a pergunta que me colocou na medida em que me permite explanar um bocadinho mais a nossa opinião relativamente a esta matéria.
Fala de coerência e de combate às situações de fraude e de abuso, mas deixo-lhe o exemplo de um estudante do ensino superior que tem uma bolsa de estudo que serve precisamente para o isentar do pagamento de propinas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Essa isenção de propinas vai contar como rendimento para atribuição de prestação social e impedirá, por exemplo, que o seu pai ou a sua mãe recebam o subsídio social de desemprego. É isto que está em cima da mesa, Sr.ª Deputada! Acha que isto é justo? Acha que isto visa a sustentabilidade?

Protestos da Deputada do PS Catarina Marcelino.

Ó Sr.ª Deputada, o Secretário de Estado deixou muito claro qual é a posição do Governo relativamente a esta matéria: o objectivo deste decreto-lei não é o de ser mais justo ou mais rigoroso na atribuição; visa, apenas, poupar dinheiro — 200 milhões de euros!

Vozes do PCP: — É cortar!»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É cortar, «a torto e a direito»! Diga-me, Sr.ª Deputada, com este diploma, quantas famílias é que vão ficar com menos prestações sociais? O que faz relativamente ao rendimento social de inserção? A Sr.ª Deputada pergunta com que ç que pode contar da parte do PCP» Quanto ao PCP já lhe respondo.
Agora, no que diz respeito ao PSD, a Sr.ª Deputada diz que o PS não é a mesma coisa que o PSD, mas aquilo a que assistimos, sabe ao que é, Sr.ª Deputada? De passo em passo, de recuo em recuo, o PS vai preenchendo a agenda quer do PSD quer do CSD, no que diz respeito ao rendimento social de inserção.

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A Sr.ª Catarina Marcelino (PS): — Isso não tem nada a ver!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Veja o que aconteceu com o rendimento social de inserção: atacam todos os beneficiários do rendimento social de inserção! Não combatem o abuso, não combatem a fraude! O que fazem é entrar no discurso demagógico e populista do CDS e atacam todos os beneficiários! Porquê? Porque querem poupar dinheiro à custa destas prestações sociais. O PCP afirma a sustentabilidade.
Quer receitas para combater os problemas das contas públicas, Sr.ª Deputada? Tribute a banca!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Tribute quem envia dinheiro para offshore! Porque é que não opta por essa via?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Porque é que opta por penalizar aqueles que pouco ou nada têm para sobreviver?! Este caminho não é, pura e simplesmente, aceitável e é bem revelador de como o PS não só se posiciona à direita como preenche, totalmente, a agenda política que era do PSD e do CDS-PP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Machado, quero cumprimentá-lo pelo facto de trazer a esta Câmara uma situação tão escandalosa como é esta que o Governo nos traz nos últimos dias.
Efectivamente, o objectivo primeiro destes cortes nas prestações sociais não-contributivas e contributivas resulta, apenas — e o Sr. Deputado disse-o e o Bloco de Esquerda concorda — , de uma opção muito clara, aliás, certificada, ontem, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública pela Sr.ª Ministra do Trabalho e, hoje, na Comissão de Trabalho pelo Sr. Ministro das Finanças: o que se pretende aqui é, exactamente, poupar 90 milhões de euros, em 2010, e 199 milhões de euros, em 2011! Por isso, o Ministro das Finanças disse-nos, hoje, também na Comissão que é impensável, irrealista poder taxar as transferências em offshore, porque quando fossem taxar o dinheiro já tinha fugido; ou seja, o Governo assume a sua incompetência de fiscalizar os mais ricos. Contrariamente, assume toda a competência do mundo para fiscalizar os mais pobres, não reconhecendo, até, que os meios humanos ao seu dispor são claramente insuficientes — mas esse não é o cerne da questão.
O Sr. Ministro das Finanças disse-nos também, hoje, curiosamente, que o País não tem recursos e que tem de «cortar», que não podemos «dar um passo maior do que a perna», que não é só para os mais pobres, é para todos.
A verdade que aqui vemos — o Sr. Deputado exemplificou-a e o Bloco de Esquerda concorda com a sua exemplificação, relativamente às bolsas, mas também a outras situações, nomeadamente no rendimento social de inserção (RSI) e no complemento solidário para idosos (CSI) — é que, afinal, o Governo demonstra bem que só tem «mão pesada» para os mais pobres, que fez a sua opção de classe, que cedeu à pressão do PSD e à do CDS — o Governo quer ganhar lugar no pódio, mas, neste momento, quem tem, de facto, a medalha são os partidos da direita.
Por isso, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que o Bloco de Esquerda também pediu a apreciação parlamentar do decreto-lei e pergunto-lhe se estamos, então, juntos neste combate contra estas políticas do «centrão».

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, quero agradecer-lhe a questão que me põe e dizer o seguinte: percebe-se qual é a intenção da sua intervenção, mas não se trata aqui de uma questão de incompetência.
Quisesse o Governo tributar os mais ricos, o dinheiro que vai para os offshore — tributar efectivamente, de uma forma justa, a banca e os grandes grupos económicos — , e conseguiria fazê-lo com uma facilidade gigantesca! Não se trata de uma questão de incompetência! Trata-se, sim, como também referiu, de uma opção, claramente, de classe: o Governo PS juntamente com o PSD e o CDS-PP não querem exigir um cêntimo que seja aos mais ricos, aos grupos económicos, à banca, que provocou esta crise que levou a estas situações que, hoje, vivemos mas, a eles, não lhes é exigido nem mais um cêntimo! Portanto, o Governo sabe muito bem que o que está aqui em cima da mesa é o seguinte: chegando a altura de pagar a factura, quem é que paga a factura? Para o PS, para o PSD e para o CDS são os pobres, são os trabalhadores!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — E eu aproveito para falar aqui da questão do subsídio de desemprego, porque a alteração proposta às regras da atribuição do subsídio de desemprego é verdadeiramente escandalosa: além de reduzir o montante do subsídio de desemprego, o que se quer fazer com a alteração aqui proposta é reduzir os salários dos trabalhadores portugueses, como se os salários não fossem suficientemente baixos! O que se quer fazer com a alteração das regras é obrigar o desempregado, depois de um ano de desemprego, a aceitar uma proposta de emprego com salário igual ao valor do subsídio de desemprego, sabendo muito bem que esse valor do subsídio de desemprego é 65% do valor de referência, o que quer dizer que ele é obrigado a aceitar um salário 35% mais baixo! Mas as declarações da Sr.ª Ministra são claríssimas como a água: «Temos de reduzir os custos directos e indirectos do trabalho»» O que a Sr.ª Ministra diz ao País, sem qualquer pingo de vergonha, é que temos de baixar os salários dos trabalhadores! Queríamos deixar aqui uma última mensagem: no Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social, é absolutamente escandaloso que PS, PSD e CDS-PP batam palmas a estas medidas, que, objectivamente vão provocar uma situação de maiores problemas sociais, de maior pobreza, que vai ser criada no nosso país.
É contra estas medidas que importa lutar e para isso podem contar com o PCP!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr.as e Srs. Deputados, não havendo mais inscrições de oradores para intervir nesta matéria, vamos passar à apreciação, em conjunto e na generalidade, dos projectos de lei n.os 299/XI (1.ª) — Reduz as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais (Terceira alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais) (BE), 315/XI (1.ª) — Exclui das subvenções públicas, relativas às campanhas eleitorais, as despesas na concepção, produção e afixação de estruturas, cartazes e telas (CDS-PP) e 317/XI (1.ª) — Financiamento dos partidos (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado Pedro Soares.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O financiamento, tendencialmente público, das campanhas eleitorais constitui um instrumento central na exigência de equidade e de

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transparência na nossa democracia. Temos total clareza sobre esta questão: o Bloco de Esquerda não cede a demagogias fáceis.
Porém, financiamento público das campanhas não pode ser sinónimo de despesismo, de gastos desmesurados, de regabofe autêntico. Não nos parece aceitável, por exemplo, que o PS tenha gasto, nas últimas legislativas, um milhão de euros em brindes — cartas de jogar, esferográficas, pins, etc. — e que não seja equacionável uma simples redução séria nas despesas de campanha.
Esta é uma matéria que não tem a ver, apenas, com a crise. O Bloco de Esquerda defendeu a redução de gastos nas campanhas no seu Programa Eleitoral, quando o PS ainda andava a dizer que não havia crise nenhuma e o défice estava sob controlo. Esta é uma questão de decência elementar, transversal a todos os tempos! De facto, a crise só veio reforçar os argumentos e tornar a diminuição dos gastos e das subvenções absolutamente urgente. Este Parlamento deve legislar de modo a que а próxima campanha presidencial, já, no início de 2011, esteja sujeita a limites mais estritos quanto a gastos e subvenções. Este é o sinal imediato que os portugueses, decerto, esperam deste Parlamento.
Não podem os partidos do centro, PS e PSD, responsáveis, por exemplo, nas últimas autárquicas, por 42 milhões de euros de gastos — num total de 50 milhões de euros! — , andar a exigir sacrifícios aos portugueses, especialmente às famílias com menos recursos, e depois ficarem muito «incomodados», quando também se lhes exige que reduzam gastos nas campanhas eleitorais.
O projecto do Bloco de Esquerda prevê a redução, para metade, dos limites das despesas em todos os actos eleitorais, e uma redução global nas subvenções públicas que — levariam — levam a uma diminuição da despesa, na ordem dos 40 milhões de euros, no conjunto do ciclo eleitoral. As candidaturas serão obrigadas a gastar menos, porque os limites da despesa passam a ser mais baixos; e também receberão menos do erário público, porque não poderão ultrapassar esses limites legais.
Para todas as forças políticas e candidaturas, somente isto: contenção na despesa pública, onde essa contenção deve ser feita! Isso não diminui a capacidade de comunicação das forças políticas, apenas exige melhores opções e, certamente, com impactes ambientais muito positivos.
Esta é a medida cirúrgica de alteração da lei que permite resultados imediatos e que, confiamos, pode originar um entendimento mais alargado nesta Assembleia.
Os restantes aspectos da lei, que são importantes, a lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais precisam de ajustamentos? Claro que sim! Faremos esse debate, que se advinha complexo. O Bloco de Esquerda apresentará as suas propostas.
Contudo, seria considerada uma manobra dilatória fazer depender a redução das despesas das campanhas e de todas as mudanças que cada grupo parlamentar considerasse necessárias na lei do financiamento.
Aprovando, hoje, esta alteração, que reduz os limites e as subvenções das campanhas eleitorais, daremos já um passo nesse caminho difícil, adiantaremos trabalho, no que é possível adiantar e que se torna, objectivamente, urgente.
Mas é lamentável que tenham surgido algumas vozes, alarmadas e num certo tom intimidatório, que pretenderam fazer crer que o debate sobre diminuição de gastos nas campanhas conduziria ao debate sobre o número de deputados. São declarações infelizes, lamentáveis, que misturam uma mera, mas justa e inadiável, redução nos gastos das campanhas, que não coloca em causa o exercício das condições democráticas, com um ataque directo à representatividade deste Parlamento, à expressão proporcional da diversidade política e territorial da nossa sociedade.
Não aceitamos esta chantagem! Rejeitamo-la liminarmente! Aquelas declarações, sim, inscrevem-se na mais baixa demagogia populista.
Saudamos os contributos dos partidos que apresentaram projectos de lei para este debate.
No entanto, seria bom clarificar que o projecto do CDS-PP não promove qualquer redução na despesa ou nas subvenções, apenas exclui os outdoors das contas que justificam a atribuição das subvenções; mas, aquilo que não fosse gasto em outdoors, poderia sê-lo em caravanas automóveis,»

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é verdade!

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O Sr. Pedro Soares (BE): — » em propaganda de avionetas, em milhares de panfletos de papel, em esferográficas, barretes coloridos — possivelmente, tudo isto com muito maior impacte ambiental do que os próprios outdoors!

Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.

Portanto, este projecto de lei, quanto a redução de gastos e a diminuição das subvenções, corresponde, Sr.as e Srs. Deputados, a zero! É, efectivamente, uma ficção, mas é, sobretudo, uma ficção pouco rigorosa, adianta valores sobre as campanhas dos outros partidos, nomeadamente, do Bloco de Esquerda, que não correspondem à realidade — reduzam, no que diz respeito ao Bloco de Esquerda, lá para metade e ficarão próximos da verdade, Srs. Deputados!

Risos de Deputados do CDS-PP.

Esta é uma matéria da maior importância para a nossa democracia. Exige-se uma atitude elevada de grande responsabilidade por parte de todos os partidos, por parte desta Câmara!

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Rosa.

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Soares, o projecto de lei do Bloco de Esquerda, que diz não ser demagógico, propõe a redução na subvenção a distribuir e limita despesas máximas admitidas em campanhas eleitorais, o que provoca, à partida, uma tripla diminuição, no que respeita ao valor das subvenções a distribuir por via da redução da despesa.
Reduz os gastos com subvenções públicas para campanhas eleitorais para o Presidente da República, para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Assembleias Legislativas Regionais em 25%, sendo o valor da subvenção nas autárquicas reduzido de 150% para 100% nas despesas máximas admitidas por município.
O limite das despesas de campanha eleitoral»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Antigamente era de 50%!

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Sr. Deputado, a seguir, já lhe respondo.
Como dizia, o limite das despesas de campanha eleitoral para Presidente da República, Assembleia da República, Assembleias Legislativas Regionais e Parlamento Europeu tem um corte de 50% e, no caso das autarquias locais, é de aproximadamente 45%.
Sr. Deputado, até 2013, só está prevista uma eleição com direito a subvenção estatal, a eleição presidencial, porque, como sabe, as eleições intercalares autárquicas para as assembleias de freguesia não têm direito a subvenção. Sendo assim, a vossa proposta limita-se a ser uma «mão cheia de nada», ou de quase nada.
Por que razão, pergunto-lhe, a proposta não altera também os limites do n.º 3 do artigo 20.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, no que diz respeito às eleições para as assembleias de freguesia? Terá sido esquecimento ou foi propositado? Depois, a proposta do Bloco só se refere à redução dos limites de despesa e das subvenções a distribuir em campanhas eleitorais, não se debruçando sobre outras situações relativas à actividade corrente dos partidos. Qual o porquê dessa opção no vosso projecto de lei? Sendo uma proposta de oportunidade devido à conjuntura económica, ou oportunista, por pouco ou nada poupar nos próximos quatro anos, este projecto de lei serve mais os interesses do Bloco de Esquerda, parecendo um fato quase feito à medida.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Soares.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Matos Rosa, agradeço-lhe as questões colocadas.
Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que este problema do financiamento com base no IAS ou no salário mínimo nacional está resolvido pela Lei do Orçamento do Estado para 2009. Portanto, não há qualquer alteração sobre essa matéria, que continuará em vigor, sendo também essa a intenção do Bloco de Esquerda quando pretende produzir esta alteração, ou seja, a de manter essa determinação da lei orçamental.
Portanto, sobre essa matéria não vejo qualquer dificuldade.
Agora, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado se esqueceu de uma eleição, absolutamente fundamental, que vai ter lugar até 2013, que é a eleição para as Assembleias Legislativas Regionais. Como sabe, elas vão decorrer e estarão também sujeitas a redução nos limites das despesas e nas subvenções.
Quanto às outras questões que coloca, nomeadamente o porquê de outras alterações à lei ou por que não outras alterações à lei, tive oportunidade na minha intervenção de referir precisamente isso: o que se torna urgente e sobre o que é possível, desde já, criar algum consenso neste Parlamento, é precisamente em relação à redução dos gastos em subvenções e dos limites da despesa da campanha. Esta é uma questão fundamental,»

O Sr. Matos de Matos Rosa (PSD): — Mas quanto é que vale? Quanto é que reduz este ano com essa alteração?

O Sr. Pedro Soares (BE): — » que, nas próximas eleições presidenciais terá já efeito, com uma poupança de, pelo menos, 1 milhão de euros. Portanto, há um efeito imediato no global, no ciclo eleitoral: poupar-se-ão 40 milhões de euros, em termos de subvenções públicas.
Também referi, Sr. Deputado, que este não é um problema só da crise, é um problema de decência, de comportamento dos partidos relativamente aos gastos nas campanhas eleitorais. Não é admissível que, no conjunto, PS e PSD, nas últimas eleições autárquicas, tenham gasto 42 milhões de euros, num «bolo» total de 50 milhões de euros!

O Sr. Matos de Matos Rosa (PSD): — A quantas câmaras é que o vosso partido concorreu?

O Sr. Pedro Soares (BE): — Portanto, devo dizer-lhe que é preciso ter alguma humildade, estar de acordo com aquilo que é também o sentimento das pessoas e credibilizar a política e a nossa democracia.

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Isso é demagogia!

O Sr. Pedro Soares (BE): — Ficamos à espera das propostas do PSD, precisamente para isso.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta, hoje, uma iniciativa relativa à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais.
Apresentamos a alteração que, neste momento, nos parece pertinente e susceptível de causar e motivar o consenso suficiente para que consigamos atingir um objectivo de redução das verbas gastas com as campanhas eleitorais naquilo que, de facto, é supérfluo. É por isso que defendemos a redução numa matéria muito específica.

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Mas para apresentar iniciativas neste âmbito é preciso avaliar a legitimidade de cada um para poder fazêlo, e o CDS apresenta esta iniciativa depois de, em dois anos consecutivos com quatro actos eleitorais, ter sido o partido que menos gastou em cada um desses actos eleitorais.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Foi o partido que menos gastou nas eleições regionais dos Açores;»

O Sr. Pedro Soares (BE): — Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — » foi o partido que menos gastou nas eleições europeias;»

O Sr. Pedro Soares (BE): — Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — » foi o partido que menos gastou nas eleições legislativas;»

O Sr. Pedro Soares (BE): — Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — » e foi o partido que menos gastou nas eleições autárquicas.

O Sr. Pedro Soares (BE): — Não é verdade!

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não aparecemos, agora, por oportunismo político, a falar dos excessos nas campanhas eleitorais. Dissemos, durante as próprias campanhas eleitorais, que era perfeitamente excessivo aquilo que se gastava em cada uma delas»

Aplausos do CDS-PP.

» e que iríamos ser consequentes com os mandatos que merecêssemos dessas mesmas campanhas eleitorais.
Dirigimos este nosso projecto para uma matéria concreta que também abordámos durante as campanhas eleitorais. Todos nós, todos os portugueses assistiram à vergonha que foi, no último ano, desde Maio até praticamente ao fim do ano, ver todas as aldeias, vilas e cidades do nosso País pejadas de cartazes, em tudo quanto era canto. Não havia rotunda que não tivesse três ou quatro outdoors; não havia monumento que não estivesse coberto por esses mesmos cartazes; não havia vista que não estivesse tapada por esses mesmos cartazes.
A pergunta que se faz é muito simples: é isto que é a democracia, em Portugal? É isto que é a democracia no século XXI? É preciso cometer atentados ambientais deste género para fazer uma campanha eleitoral ou a democracia passa pelo esclarecimento das ideias,»

Aplausos do CDS-PP.

» pelo esclarecimento dos eleitores e pela utilização dos meios mais eficazes para transmitir uma mensagem? É que, como é sabido, na altura das campanhas eleitorais, todos querem fazer notícia, dizendo que são os mais modernos. É até hábito haver uma disputa entre o PS e o PSD para dizer quem vai buscar mais consultores e ideias às campanhas feitas noutros países, em tempos próximos. Mas não vemos, depois, do ponto de vista da evolução civilizacional, qualquer desenvolvimento por parte desses mesmos partidos.
E volto a dizê-lo: falamos também disto com a legitimidade de ter sido o partido que menos outdoors teve em todas as campanhas eleitorais, tendo até feito a campanha eleitoral nos Açores sem utilizar um único outdoor e com resultados eleitorais que até foram bastante satisfatórios.

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Aplausos do CDS-PP.

Aliás, convém também dizer que não estamos a falar de dinheiro que os partidos geram por si mas, sim, de subvenções públicas. E, falando de subvenções públicas, convém também analisar o custo de oportunidade da utilização destes meios de campanha e os resultados que alguns partidos tiram, apesar do manifesto desperdício que fazem com este meio de campanha.
Mas a nossa proposta é muito concreta: destina-se a poupar, em relação àquilo que foram os gastos de campanha no último ano eleitoral, 22 milhões de euros.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Depende!»

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Foram 22 milhões de euros o que foi gasto com estes meios de campanha, no último ano eleitoral.
E esta nossa proposta não limita, em nada, a opção de cada partido utilizar os meios que quiser — simplesmente o Estado não paga.
Por outro lado, chamo a atenção do Bloco de Esquerda, que leu mal o projecto de lei do CDS, para o facto de não ser verdade que esse valor possa ser redistribuído por outros meios de campanha. É que o projecto de lei do CDS diz claramente que o valor gasto em outdoors dá para o cálculo da subvenção, mas, depois, esse valor não é atribuído e não é redistribuído, como consta do último número da proposta do CDS. De facto, ao entrar para o cálculo e não ser redistribuído, obviamente que não pode ser utilizado noutros meios de campanha.

Aplausos do CDS-PP.

É uma questão de ler com atenção o projecto de lei.
Mas percebo que o Bloco de Esquerda queira desvalorizar este meio de campanha, porque toda a gente viu o número de outdoors que o Bloco de Esquerda tinha espalhado pelo País nas últimas campanhas eleitorais e muita gente não percebeu como eles apareciam.

Protestos do Deputado do BE Pedro Soares.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não, não temos «dor de cotovelo», porque, com menos outdoors, conseguimos obter melhores resultados, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS-PP.

Quando falava, há pouco, do custo de oportunidade, o custo de oportunidade do CDS foi manifestamente superior ao custo de oportunidade do Bloco de Esquerda, que, apesar desse despesismo, não conseguiu ter resultados à altura.
Mas avançando para outros dados concretos, o projecto de lei do CDS não tem apenas implicações financeiras mas também implicações muito importantes do ponto de vista ambiental e vem na senda de medidas que foram tomadas, felizmente por consenso entre os vários partidos, sobre outros meios de campanha que já foram utilizados no passado.
Toda a gente se lembra do que eram as pinturas nas paredes em alturas de campanha eleitoral, neste País. Toda a gente se lembra do que eram os cartazes colados, sem regra, em todas as paredes de edifícios de propriedade pública ou privada, de monumentos, de edifícios classificados, cartazes de todos os partidos, por essas cidades fora. Toda a gente se lembra do triste espectáculo que eram os postes de iluminação carregados de pendões de plástico e de material não biodegradável. Toda a gente se lembra do manifesto excesso de sacos de plástico,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Nas feiras!

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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — » de aventais de plástico e todo outro material, tambçm este não biodegradável, que empestavam as feiras e os mercados do nosso País.
Houve uma evolução relativamente a todos esses meios de campanha e os partidos conseguiram entender-se para que melhorássemos o nível das campanhas eleitorais no nosso País, para que as tornássemos mais sustentáveis.
Ora, é esse o passo que queremos dar neste momento: torná-las ainda mais sustentáveis, eliminando mais um meio de campanha que pouco traz para o esclarecimento dos cidadãos, muito custa aos contribuintes e pouco dá aos cidadãos eleitores de esclarecimento sobre as ideias de cada um dos partidos.
Mas podemos até, em termos comparados, avaliar os gastos que temos em Portugal e os gastos que outros países têm com as mesmas campanhas eleitorais.
Espanha também teve eleições gerais, também tem subvenções públicas para essas eleições gerais e gastou na campanha eleitoral 40 milhões de euros com as subvenções públicas de toda a campanha eleitoral.
Em Portugal, só em outdoors, gastou-se 22 milhões de euros. Espanha é quatro vezes maior do que Portugal e tem quatro vezes o número de leitores de Portugal. Este exemplo demonstra a forma irracional como este meio de campanha é utilizado e é pago pelos contribuintes.

Aplausos do CDS-PP.

Mas podemos também analisar os argumentos daqueles que querem misturar tudo neste debate, que confundem outdoors com Deputados e acham que se pode discutir ao mesmo tempo, porque é igual para a democracia, a utilização de um meio de campanha e o número de Deputados na Assembleia da República, como se isso fosse exactamente a mesma coisa para a democracia portuguesa.
Vamos até fazer o favor a esses Deputados de referir um caso prático sobre isso. Podemos analisar o que custaram os Deputados e o que custaram os outdoors, no ano passado. Consultando as contas da Assembleia da República, ficam os Srs. Deputados e os contribuintes a saber que os 230 Deputados eleitos para a Assembleia da República custaram aos contribuintes, no ano passado, 20 milhões de euros, enquanto que os outdoors utilizados nas campanhas eleitorais pelos partidos custaram 22 milhões de euros. Srs. Deputados, se calhar, era mais fácil acabar com outdoors do que acabar com Deputados — e ficava a democracia a ganhar!

Aplausos do CDS-PP.

Por último, relativamente a esta matéria, quero dizer que houve, de facto, no passado, outras iniciativas de revisão da lei noutros aspectos e que o CDS concorda com algumas dessas iniciativas. Concordamos com a revisão da lei relativamente às eleições intercalares para as autarquias locais ou em relação à questão das segundas voltas nas eleições presidenciais, mas este não é o momento para misturarmos uma discussão com a outra. Sabemos perfeitamente o que aconteceu com esse processo legislativo: houve acordo na Assembleia da República e o projecto final foi vetado pelo Sr. Presidente da República.
Em momento oportuno, far-se-á, com tempo e de forma aprofundada, esta discussão sobre os vários aspectos da lei do financiamento dos partidos, onde fazemos questão de incluir uma matéria que, para nós, é fundamental e que tem a ver com a salvaguarda da proporcionalidade no financiamento público. Não aceitamos que continue a vigorar um sistema em que as subvenções são proporcionais mas as multas são absolutas, um sistema em que os grandes partidos se protegem a si próprios, obrigando os outros partidos (médios e principalmente até os pequenos, que não têm representação parlamentar) a pagar multas que tornam totalmente insustentável o exercício da sua actividade política.

Aplausos do CDS-PP.

Relativamente a estas matérias, não deixaremos de apresentar iniciativas. Mas, neste momento e com total abertura para discutirmos outras iniciativas, a do CDS é muito clara e a escolha é evidente: queremos, ou não, dar um passo na qualidade da nossa democracia, eliminando mais um meio de campanha que é totalmente dispensável? Queremos, ou não, tornar as nossas campanhas mais sustentáveis? E podemos, ou não, dar o

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exemplo, reduzindo a despesa dos contribuintes com o funcionamento da democracia naquilo que é acessório, concentrando esses recursos naquilo que é essencial?

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apresenta hoje um projecto de lei de alteração ao regime de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.
A lei em vigor, aprovada em 2003, constitui um grave ataque à liberdade de organização partidária e, em particular, à forma própria de organização e intervenção do PCP. Em simultâneo, esta lei aumentou brutalmente as subvenções do Estado aos partidos, bem como os limites de despesas com as campanhas eleitorais.
Por isso, propomos uma diminuição acentuada destas subvenções, tendo como referência os valores da lei de 1998 e reindexando ainda as subvenções aos grupos parlamentares ao indexante de apoios sociais em vez de ao salário mínimo nacional, tal como estava proposto na alteração aprovada em 2009, aqui, na Assembleia da República, por unanimidade, e que foi vetada pelo Presidente da República. Esta não alteração, a não reindexação, significou que, em 2010, a subvenção aos grupos parlamentares aumentou 5,7% e significa que, se nada se fizer, em 2011, o aumento será, em relação a 2009, de 17,4%.
Propomos também a correcção de algumas das normas que nesta lei foram incluídas visando claramente limitar a actividade do PCP. Tratou-se de impor absurdas restrições à contribuição militante, designadamente nas quotas, e à recolha financeira em iniciativas próprias, como é o caso da Festa do Avante, procurando que isso servisse de justificação ao indecoroso aumento das subvenções aos partidos.
Lembre-se, por exemplo, que, com a lei de 2003, só o PS e o PSD conseguiram para si, com a alteração das normas, um aumento de subvenções anuais, que só na subvenção anual corrente foi de mais de 4,5 milhões de euros por ano, correspondendo a um aumento de mais de 65%. Lembre-se que as subvenções eleitorais e os respectivos limites de despesa foram aumentados pelo menos para o dobro e nalguns casos para o triplo e para o quadruplo, como adiante referirei.
Sob a capa do apego à transparência, desejavam impedir a realização da Festa do Avante, limitar a participação militante na angariação de fundos. Os mesmos que promovem a promiscuidade dos governos com o poder económico nos grandes negócios consideram que não há transparência na possibilidade de um militante pagar a sua quota de 1 €, 2 € ou 5 € em dinheiro. São os que querem transformar os partidos em repartições públicas, vivendo às custas do Orçamento do Estado.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma lei que visa impedir ou condicionar, como esta visa, a realização da maior iniciativa política ou cultural do País e que quer excluir uma legítima concepção de militância partidária não é uma lei transparente nem democrática.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma lei que pretende impedir que haja partidos que preservem a sua autonomia de financiamento face ao Estado e às entidades públicas não respeita a pluralidade democrática.
Com este projecto, introduzimos, por isso, a correcção de algumas das normas mais graves da Lei n.º 19/2003, sem prejuízo de uma alteração mais profunda, que certamente será necessária.
O PCP nunca contribuiu nem contribuirá neste debate para as demagógicas campanhas contra os partidos e o regime democrático, em geral, e contra a Assembleia da República, em particular, promovidas pelos que pretendem absolver a política de direita de sucessivos governos, garantindo a sua continuidade, pelos que pretendem igualizar os partidos na responsabilidade pela situação a que o País chegou. São os que procuram

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introduzir alterações no sentido do ataque às liberdades e a aspectos essenciais do regime democrático, como é o caso da alteração das leis eleitorais. São os mesmos que patrocinaram a lei em vigor, visando, com isso, atingir o PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A proposta que apresentamos, de diminuição das subvenções aos partidos e às campanhas eleitorais e dos limites de despesa nestas campanhas, corresponde à posição que sempre exprimimos em relação a esta matéria e não a uma posição conjuntural, de repente encontrada para o momento actual.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Num quadro em que são impostas severas e injustas penalizações aos trabalhadores, aos reformados e à população em geral, a diminuição destas subvenções não pode deixar de ser colocada em debate.
O nosso projecto assenta em dois vectores essenciais, sendo o primeiro a diminuição das subvenções.
Propomos que diminuam todas as subvenções: as subvenções para campanhas eleitorais, tal como propõe o projecto do Bloco de Esquerda, embora em montantes diferentes, naturalmente, mas também a subvenção anual para os partidos,»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ora bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — » e ainda a subvenção para os grupos parlamentares, reindexando ao indexante de apoios sociais, como já foi feito com as subvenções aos partidos e as subvenções às campanhas eleitorais mas não foi feito em relação aos grupos parlamentares, por causa do veto do Presidente da República Cavaco Silva a uma lei que foi aprovada aqui, por unanimidade. O nosso objectivo é repor, pelo menos, os níveis de 1998.
O que é que aconteceu em 2003? Aconteceu que a subvenção para as eleições para a Assembleia da República aumentou para o dobro, a subvenção para as eleições para a Presidência da República e para o Parlamento Europeu aumentou para o dobro, a subvenção para as eleições nas regiões autónomas aumentou para o quadruplo e as verbas para as autarquias locais aumentaram exponencialmente, porque, ao mesmo tempo que se aumentou o limite de referência das despesas de campanhas eleitorais, também se aumentou a percentagem dessas despesas de 50% para 150%, potenciando para muito mais do quadruplo as subvenções para campanhas eleitorais nas eleições autárquicas. Como já disse, a subvenção corrente anual foi aumentada em cerca de 66% em relação ao que vigorava anteriormente.
Com a proposta que agora fazemos e sem contabilizar a parte das subvenções para os grupos parlamentares, considerando um período de quatro anos em que, por ano, se poupará, com a nossa proposta, um valor de 27 milhões de euros por ano na subvenção corrente anual para todos os partidos, considerando a poupança que propomos nas subvenções para campanhas eleitorais, que, grosso modo, significará uma poupança no ciclo eleitoral — isto é, uma eleição para a Assembleia da República, uma eleição para o Parlamento Europeu, uma eleição para as autarquias locais, uma eleição para as assembleias legislativas regionais, uma eleição para a Presidência da República — de cerca de 10 milhões de euros, significa que, somando estes dois valores (quatro anos de subvenção anual mais um ciclo eleitoral), a poupança se aproximará dos 120 milhões de euros no ciclo eleitoral de quatro anos que estamos aqui a tomar como referência. É isto que propomos, repito, excluindo ainda a subvenção aos grupos parlamentares que não contabilizamos nestas contas.
O segundo vector da nossa proposta tem a ver com a correcção pelo menos de algumas das mais graves normas desta lei que limitam o contributo militante para os partidos. Esse é um valor que tem de ser protegido pelo nosso regime democrático.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É positivo e não negativo que os militantes de um partido queiram contribuir para o seu financiamento. É positivo e não negativo que um partido tenha iniciativas que, pelo seu valor próprio, possam também contribuir para o seu financiamento, o que nada tem a ver com a transparência, com o rigor e com a fiscalização, porque cada uma dessa iniciativas pode ser rigorosamente fiscalizada.
Propomos até, como sempre propusemos, que, por exemplo, iniciativas especiais de angariação de fundos, como é o caso da Festa do Avante, tenham uma contabilidade própria, autónoma, para além de se integrarem nas contas gerais dos partidos, e que possam ser fiscalizadas. Aliás, a Festa do Avante deve ser a iniciativa mais fiscalizada deste país, porque é fiscalizada, com muito gosto do PCP, pela Entidade das Contas, pela ASAE, pela Direcção-Geral da Saúde, pela Inspecção de Espectáculos e por um sem número de outras entidades inspectivas. Não temos nada a esconder e procuramos melhorar sempre em relação às observações que nos são feitas por várias destas entidades.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Queria, no entanto, salientar o absurdo dos limites que estão hoje na lei. A lei hoje diz que não pode haver entregas em numerário, anualmente e por partido, superiores a indexantes de apoios sociais no valor de 426 €, o que significa um valor total anual de 21 300 €.
Pois, pensem comigo, Srs. Deputados: se 355 militantes do PCP pagarem uma quota de 5 €, 12 vezes por ano, que é o número de meses que existem, se essa quota for paga em dinheiro, já ultrapassamos este limite anual. Ora, naturalmente, a maior parte das pessoas não utilizam cheques e transferências bancárias para pagar uma quota de 5 €. Mais: temos muitos militantes que, por exemplo, pagam quotas de apenas 1 €; se 1775 desses militantes quiseram pagar essa quota de 1 € em dinheiro, como ç normal, e não em cheque ou por transferência bancária, já ultrapassaremos o limite desta lei. Isto é um absurdo, tanto mais que ninguém pode ser obrigado a ter uma conta no banco — e há muitos portugueses que ainda não têm — para poder ser militante de um partido.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Com esta lei, desta forma, quem quiser ser militante de um partido é compelido a ter de ter uma conta bancária para pagar as suas quotas ou as suas contribuições através de cheque ou por transferência bancária.
Mais: há um limite geral para as iniciativas de angariação de fundos. Também não estamos de acordo com ele, mas queria chamar a atenção sobretudo para o facto de que as receitas em numerário nestas iniciativas tambçm contam para o limite dos 21 300 €.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isto é, para além das quotas, do que os militantes pagam, tudo o que se fizer em numerário na Festa do Avante tambçm tem de se incluir no limite dos 21 300 €.
Ora, partindo do princípio que os Srs. Deputados sabem que há muitas dezenas de milhares de pessoas que vão todos os anos à Festa do Avante — são cerca de 100 000 pessoas em cada um dos três dias — , fiz aqui uma continha à base de cafés, que é a seguinte: se 6500 pessoas (e são muito mais que isso, como sabem) forem durante os três dias à Festa do Avante e em cada dia tomarem dois cafés a 55 cêntimos cada cafç,»

O Sr. João Oliveira (PCP): — O que até não é muito!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — São apenas dois cafés, não estou a exagerar.
Como estava a dizer, se 6500 pessoas pagarem esses dois cafés por dia, nos três dias da Festa do Avante, a 55 cêntimos, imaginam que já ultrapassámos o limite da lei, ou seja, já está para além daquilo que a lei aceita que seja pago em numerário. Ora, é ou não é um absurdo total haver este tipo de limitações?

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O ponto que queremos salientar é que não pode haver grandes contribuições em numerário mas tem de haver flexibilidade para estas pequenas contribuições, garantindo que ela só se aplica às que são pequenas e é por isso que estamos de acordo com a limitação de que não se possam entregar contribuições em numerário superiores a 25% do indexante de apoios sociais. E esta limitação até se pode baixar, se assim o entenderem, porque, a partir desse limite, justifica-se, de facto, que elas sejam tituladas por cheque ou por transferência bancária em todas as situações. Não temos nenhuma dúvida sobre isso.
É preciso, por isso, não confundir a vida real, a militância e a participação cívica com o rigor que desejamos que exista na fiscalização das contas. Somos, aliás, o partido que consolida todas as suas contas, inclusive das estruturas regionais nas contas anuais do PCP, coisa que, penso, nem todos os partidos desta Assembleia se podem gabar, isto é, de fazer anualmente a entrega das contas ao Tribunal Constitucional.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Queria dizer também, em relação aos outros projectos, que o projecto do Bloco de Esquerda vai no mesmo sentido do projecto do PCP, embora com variantes e não em todos os aspectos que propomos, mas, portanto, acolhemo-lo favoravelmente.
Também estamos disponíveis para discutir na especialidade o projecto do CDS. No entanto, queria chamar a atenção para o facto de que, para além da questão de saber se devemos limitar as opções de campanha eleitoral de cada um dos partidos — é uma questão discutível — , o CDS não propõe, em rigor, uma diminuição das despesas eleitorais, porque se um partido optar por não usar outdoor a subvenção não é diminuída, é exactamente a mesma que está hoje prevista. Portanto, a proposta do CDS visa onerar o uso de outdoor.
É justo que seja proposto, não estamos a discutir a legitimidade dessa proposta. Contudo, o CDS tanto falou de custo de oportunidade que parece querer ter, com este projecto, uma oportunidade de participar no debate sem nenhum custo na subvenção para as campanhas eleitorais.
Especialmente dirigindo-nos aos que tantas vezes dizem que o Estado deve recuar na sociedade, que a sociedade civil, a iniciativa e a participação cívica devem ter uma maior oportunidade, o que queremos, Sr.
Presidente e Srs. Deputados, é que apliquem essa lógica ao financiamento dos partidos políticos, mantendose a subvenção pública em termos razoáveis para o nosso País e para as necessidades de funcionamento do nosso regime democrático mas valorizando-se e não se proibindo a participação militante, garantindo-se que a participação cívica é acarinhada, que é um bem e não é um mal e, com isso, enriqueceremos a nossa democracia e teremos um regime de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais mais justo do que este que hoje temos, que é iníquo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Rosa.

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, depois de dois cafés na Festa do Avante, e porque o motivo da nossa vida não é só a Festa do Avante, vamos fazer-nos ao País real.
A presente iniciativa legislativa visa introduzir alterações à Lei n.º 19/2003 relativamente às subvenções para as campanhas eleitorais, aos limites de despesa destas, e, articulando com o que diz respeito à angariação de fundos e receitas em numerário, elimina a norma segundo a qual, nas campanhas eleitorais, o montante das angariações de fundos tem de ser abatido à subvenção estatal.
As alterações propostas são de dois tipos: umas relativas à gestão corrente dos partidos e as outras quanto às próprias campanhas eleitorais.
Assim, o PCP propõe reduzir o limite da despesa de actos eleitorais e as subvenções públicas, tentando regularizar algumas situações que precisam de clarificação, ou até de correcção, na Lei n.º 19/2003.
Quanto às propostas de redução de subvenção e despesas de campanhas, o PCP apresenta uma redução mais acentuada do que o Bloco, sendo dentro da mesma linha.
Lembro que as subvenções à gestão corrente dos partidos estão congeladas desde o ano de 2008, por via do Orçamento do Estado.

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Por outro lado, o PCP propõe diversos aumentos bem significativos noutros limites; propõe um aumento de mais do dobro do limite relativo à angariação de fundos — o produto de iniciativas de angariações de fundos não pode exceder, anualmente, diz o PCP, 4000 IAS, situando-se, actualmente, em 1500 IAS — e um aumento dos montantes de donativos em dinheiro ou em espécie de 50 IAS, como acabou de referir, para 4000 IAS.
Verifica-se, assim, um aumento maior relativo à angariação de fundos e aos donativos do que no corte nas subvenções e limites de despesas de campanha. A proporção não é bem a mesma.
O PCP pretende, assim, regularizar os seus problemas na gestão corrente do partido, não sendo a proposta mais do que um «fato à medida» do PCP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — São seis cafés!

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Disse o Presidente do seu grupo parlamentar que eram só dois!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vezes os três dias!

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — No que concerne à diminuição do limite de despesas de campanhas eleitorais e de subvenções a distribuir, por que não alterou o PCP os limites do n.º 3 do artigo 20.º, em relação às assembleias de freguesia? Durante o ano de 2010 já houve uma série de eleições e estão marcadas mais eleições intercalares para as assembleias de freguesia.
Há ainda uma questão que não consegui compreender. O PCP propõe uma diminuição da subvenção estatal, por um lado, e aumenta-a por outro. É esta a minha opinião e leitura, ou seja, «dá com uma mão e tira com a outra», uma vez que retirou do n.º 4 do artigo 19.º da Lei n.º 19/2003 a menção de que a angariação de fundos abate à subvenção estatal, o que vai provocar a duplicação do financiamento privado com o financiamento público e o aumento das subvenções.
Gostaria que me explicasse qual a razão desta situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Matos Rosa, quanto à questão das freguesias, admito que possa haver algum lapso, mas a nossa ideia é a de que ela caminha no mesmo sentido que todos os outros limites e, portanto, estamos disponíveis, na especialidade, para introduzir essa alteração.
Sr. Deputado, sabe por que é que mudamos essa norma em relação à angariação de fundos? O que hoje está em vigor é o seguinte: quem angariar fundos para as campanhas eleitorais, isto é, partidos cujos militantes dêem um contributo para a sua campanha eleitoral — e muitas vezes até são candidatos e ajudam na própria eleitoral — é penalizado com a lei.
O sistema perverso que hoje temos é este: se, por exemplo, o PCP angariar um determinado valor para as campanhas eleitorais, em vez de isso ser considerado positivo como uma forma de potenciar a participação cívica, o que é que acontece? Tudo o que angariar é diminuído na subvenção pública e, mais, é redistribuído pelos outros partidos.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Não podem dar lucro, é tão simples quanto isso!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isto é, aquilo que os militantes do PCP contribuem para o seu próprio partido vai beneficiar os outros partidos, o partido do Sr. Deputado, o PS, o CDS-PP, e também o Bloco de Esquerda — não quero deixá-los de fora! Isto é a perversidade total! Os militantes do PCP, ou de qualquer outro partido, quando estejam a angariar fundos, dentro das normas da lei, para a sua campanha eleitoral, em vez de estarem a beneficiar o seu partido, estão a beneficiar todos os outros. Isto é um absurdo total, Sr. Deputado!

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Portanto, o que defendemos, não havendo nenhuma contradição, é que diminuam as subvenções e se permita que a participação militante tenha cabimento nesta lei, pois actualmente quase não tem.
Quanto à questão do aumento do limite para as angariações de fundos, é verdade que propomos um aumento de 1500 para 4000.
Mas vou dar uma novidade ao Sr. Deputado: nesta Assembleia, em 2009, foi aprovada uma lei que consagrou já o limite de 3000, com o acordo do PSD, pois foi esse o acordo a que chegámos nesta Câmara, mas ela, infelizmente, foi vetada.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É verdade!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A nossa proposta inicial nesse debate, que aqui retomamos, era de 4000. Mas, Sr. Deputado, se quiser já «arrematar» aqui os 3000, até lhe pago um café na Festa do Avante!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutir o regime do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais é um exercício importante para a vida democrática do País, pois em causa estão quer os limites quer os meios que a lei disponibiliza aos partidos para o exercício cabal da sua actividade política.
O nosso princípio firme é o de que a lei não pode deixar de garantir que os partidos disponham dos meios financeiros suficientes e indispensáveis para desempenharem a sua actividade e prosseguirem os fins para que foram criados, designadamente concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e para a organização do poder político e que o façam num quadro de transparência e igualdade de oportunidades.
Tendo os partidos políticos como principais objectivos a representação política global da comunidade e a participação no funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído, entendemos que deve caber essencialmente ao Estado assegurar a dotação dos seus recursos financeiros.
Pugnamos, assim, pela manutenção do actual modelo de financiamento, por ser aquele que melhores garantias dá de independência e de transparência e de maior impermeabilidade a práticas de corrupção ou clientelismo.
Logicamente que um modelo como o nosso, de financiamento tendencialmente público, assume-se bastante oneroso para o Estado. Mas quem acredita num modelo vincadamente transparente e equitativo não deve deixar de entender esse custo como um custo da democracia plural e de um poder político absolutamente independente do poder económico.
Esta posição de princípio não é incompatível com a compreensão que nos merece o actual contexto económico-financeiro do País e, sobretudo, com o facto de este exigir uma maior contenção nos gastos públicos, que se devem pautar por padrões de maior rigor, razoabilidade e adequação.
Aliás, quando o PSD sinalizou os agentes políticos como os primeiros a quem se devia pedir o exemplo, muitos desdenharam e falaram em deriva demagógica. Agora, esses mesmos aderem — muitas vezes com inegável exagero — à linha de rigor e contenção que o PSD preconizou.
Por nós, mantemos a mesma perspectiva que presidiu às medidas de redução do orçamento da Assembleia da República e dos vencimentos dos titulares de cargos políticos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Todavia, a nossa disponibilidade não vai ao ponto de subverter o actual modelo de financiamento, cujo paradigma entendemos que se deve manter.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as iniciativas que hoje discutimos visam alterar a lei no sentido de reduzir as subvenções públicas e os gastos com as campanhas eleitorais.
O Bloco de Esquerda propõe uma redução de 25% das subvenções para a generalidade das campanhas eleitorais e de 50% para as campanhas autárquicas (curiosa selectividade»), bem como uma redução de 50%

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do limite das despesas nessas campanhas. Não terá nada a ver com a representatividade do Bloco de Esquerda nestes órgãos»

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Nada! É pura coincidência»

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O PCP, por seu lado, propõe um corte de 40% da subvenção do financiamento dos partidos políticos, uma redução de 50% na subvenção para a generalidade das campanhas eleitorais, mas de 75% nas campanhas eleitorais para as assembleias legislativas das regiões autónomas.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Tambçm ç mera coincidência»

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — E corta 50 a 80% no limite das despesas para as campanhas eleitorais, consoante as eleições lhe interessam mais ou menos.
Em contrapartida, o PCP aumenta 166,66%, isto é, mais do que duplica, o limite anual das receitas provenientes da angariação de fundos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essas não são pagas pelo Estado!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Por outro lado, o PCP aumenta 80 vezes o limite anual imposto ao valor das receitas pecuniárias dos partidos não tituladas por cheque ou outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem.
O PCP admite, ainda, pagamentos em numerário em montantes inferiores a 104 €, em nõmeros redondos, desde que não ultrapassem anualmente 1 676 800 €, quando o limite actual ç apenas de cerca de 20 000 €.
О PCP ç, de resto, o õnico partido que propõe um corte na subvenção do financiamento dos partidos políticos, mas também é o único a aumentar o financiamento privado dos partidos. Dir-se-á mesmo que esta é uma proposta feita à justa medida do PCP. Um verdadeiro «fato à medida» do PCP.
Ora, nestes termos e em termos quantitativos, a proposta é inaceitável. O que não significa que não se reconheça que a actual lei é excessivamente exigente no que toca às receitas derivadas de iniciativas de angariação de fundos, tendo sido este ponto, aliás, como já hoje se disse, um dos que, na anterior legislatura, se procurou corrigir em iniciativa que chegou a ser aprovada, por unanimidade, em votação final global, mas que foi vetada pelo Sr. Presidente da República.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — O PSD mantém a sua total disponibilidade para, dentro de padrões de razoabilidade e adequação, melhorar e aperfeiçoar a lei em vigor, contudo — e isto é muito importante — , sem alterar o actual modelo de financiamento tendencialmente público, que, repito, se deve manter.
Não aceitamos, por isso, medidas demasiado exageradas, irrealistas e ultra-demagógicas nos financiamentos dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas onde é que isso está?!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — О PCP e о Bloco de Esquerda não podem querer na «secretari a» uma dimensão eleitoral que os cidadãos lhes não facultam nas urnas! Os cortes propostos pelo PCP nem sequer obedecem a uma lógica de equidade, pois variam consoante as eleições que estão em causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o esforço de contenção da despesa pública não justifica, de todo, estes cortes acentuados e ainda por cima discricionários, que são agravados pelo facto de, quer o BE, quer o PCP, preverem a aplicação imediata do indexante de apoios sociais (IAS) como unidade de referência ao cálculo das subvenções, não salvaguardando, como previsto no Orçamento do Estado para 2009, a aplicação do salário mínimo nacional de 2008 enquanto o IAS não atingir esse valor.
A proposta que o PSD sustentará em sede de especialidade basear-se-á num corte efectivo, universal e uniforme em todas as despesas decorrentes do funcionamento dos partidos e das campanhas eleitorais.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foi o que os senhores fizeram em 2003!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se aprovarmos um corte de 10% em todas estas despesas, a direito, para tudo e para todos, iremos além do que já fomos aqui mesmo no orçamento do Parlamento.
Cumpre ainda dizer, a bem da verdade e da responsabilidade, que a lei de 2003, aplicável às campanhas a partir de 2005, trouxe um regime bem mais rigoroso e transparente do que o antecedente. Todos o reconhecem! O financiamento partidário é, hoje, mais escrutinado e garante, de forma mais efectiva, a transparência e a independência da acção política; sendo também mais equitativo é, porventura, diria, mais democrático, Com este espírito, o PSD está disponível para alargar a este sector medidas de contenção e ajustamento, sem demagogias balofas e, sobretudo, sem pensar em si próprio.
Quanto à proposta do CDS-PP, no sentido de excluir totalmente da subvenção de campanha eleitoral as despesas efectuadas com a concepção, a produção e a afixação de estruturas, de cartazes e de telas que se destinam à utilização na via pública, parece-nos demasiado isolada. Mesmo que se compreendam as razões financeiras e ecológicas subjacentes a esta proposta, estas não justificam a eliminação pura e dura dos outdoors.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em síntese, o PSD admite correcções pontuais à Lei do Financiamento, nomeadamente que sejam feitos ajustamentos nos limites das despesas de campanha eleitoral e nos montantes das subvenções públicas, montantes esses, como também aqui hoje já referimos, que se encontram «congelados» desde 2008. Mas estas diminuições devem promover-se com sentido de responsabilidade, não prejudicando o âmbito da actuação política dos partidos.
Finalmente, estas alterações, como, de resto, toda a lei, não devem implementar-se a pensar no partido A ou no partido В ,»

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Muito bem!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — » ç um esforço que deve ser igual para todos.
Só assim será sério e correcto mais este sinal de rigor e de contenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É, confessadamente, a crise financeira e económica com incidência forte nas finanças do Estado que dá combustível à iniciativa propulsionada pelo Bloco de Esquerda no sentido de alterar o regime de financiamento da democracia, especificamente no que diz respeito às diversas campanhas eleitorais.
O momento que se vive, exigente na definição de gastos públicos e privados, será um adequado molde para enquadrar a nossa decisão de acompanhar os objectivos gerais do projecto de lei n.º 299/XI (1.ª), o que, desde já, anuncio. Mas não queremos deixar de esclarecer que o fazemos numa base programática esclarecida, coerente e firme, que não faz cedências populistas contra a vida democrática, contra os partidos e contra a política.
Por outro lado, a deliberação de contenção de gastos — que, como disse, aprovamos — deverá ser tomada tendo na sua base um pensamento lúcido, recto e consequente, segundo o qual não se pode deixar margem de retrocesso para a obscuridade dos financiamentos privados em detrimento da clareza do financiamento essencialmente estatal, que, felizmente, passou a vigorar e vigora entre nós.
Chamamos a atenção que um tratamento menos prudente do financiamento da democracia pode tornar-se uma cavalgada para pôr em causa a própria representação, plasmada, desde logo, no universo dos Deputados, por exemplo, tal como uma muito drástica restrição do financiamento público pode reabrir as portas à entrada larga dos privados onde não devem.

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Podemos e devemos conjugar adequadamente a restrição financeira, reclamada pelo momento, pela conjuntura, com o financiamento tendencialmente público dos partidos e das campanhas eleitorais como opção estrutural da nossa democracia.
Aliás, convém sublinhar que já tínhamos tomado a decisão de não só diminuir como conter as subvenções públicas e os gastos autorizados para os partidos políticos e para as campanhas eleitorais. Com efeito, ao aprovarmos aqui o Orçamento do Estado para o ano passado, para 2009, substituiu-se о paràmetro do salário mínimo nacional por outro que passou a ser o indexante dos apoios sociais.
Importa assinalar que, de 2008 para 2010, em resultado da boa política prosseguida, o salário mínimo nacional subiu qualquer coisa como 11,5%. Ora, pela lei vigente, as despesas e as subvenções destinadas aos partidos e às campanhas eleitorais teriam acompanhado esse aumento grande, de 11,5%, apenas nestes dois anos.
Mas não é nem foi assim. Primeiro, porque a referência ao indexante dos apoios sociais comporta um valor bem diferente, para menos; segundo, porque tambçm ficou estabelecido о congelamento das subvenções estatais para os partidos e as campanhas aos valores daquele momento, de 2008, e assim congelados ainda continuam.
Por mero exemplo, podemos dizer que, no caso da eleição do Presidente da República, a alteração já produzida significa uma diminuição próxima de 0,5 milhões de euros nos limites de gastos de campanha eleitoral e respectiva subvenção estatal, atendendo só à primeira volta.
Como se vê, a decisão política destinada a fazer com que a subvenção de financiamento aos partidos e às campanhas eleitorais acompanhe a crise e as restrições que são pedidas aos demais sectores da sociedade já tinha sido tomada.
O Bloco de Esquerda quer agora legislar de modo mais draconiano, como o mestre de leis ateniense, apesar de, por pura ironia do sentido da lei, esta ir levar a campanhas, certamente, mais espartanas.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — É de Atenas ou é de Esparta?!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Temos, por outro lado, o CDS-PP, que vem com uma proposta um bocadinho mais para o esdrúxulo, talvez. Quer pôr na letra da lei uma espécie de consignação financeira negativa, em que о financiamento põblico não possa ser gasto em ce rto tipo de cartazes, ditos outdoors.
Ora, para além das evidentes dificuldades de definição e fiscalização da espécie, esta medida mostra-nos um CDS-PP que quer o Estado a optar em vez dos cidadãos e das organizações cívicas.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Também parece ignorar que, actualmente, os ditos outdoors já só são elegíveis nos seus custos por valores limitados, constantes de uma lista publicada, previamente, pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, porque assim já manda a lei actual.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Foram 22 milhões de euros!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — O CDS-PP, se já vê por bem a longa mão do Estado a tomar em si as decisões dos particulares, mais parece imbuído da ideologia estatizante, que gosta de verberar aos seus antípodas políticos.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, curioso é que, se o CDS-PP parece ter-se passado de campo, o PCP não lhe fica atrás.
O PCP diz que, neste caso do financiamento político, agora que há uma primazia do público sobre o privado, é contra. O PCP, agora, convém-lhe ser contra o que é público e convém-lhe ser a favor do que é privado. Imagine-se!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não percebeu nada ou está a ser desonesto!

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O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — O PCP insiste também em ignorar e contrariar o veto do Presidente da República, ainda recente, com o qual, aliás, a Assembleia se conformou.
A proposta do PCP vai no sentido de dar livre curso à penetração dos interesses privados dentro da vida dos partidos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Falso!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Por exemplo, onde о Presidente da Repõblica, para vetar, alegou que se estava a abrir a porta á entrada nos partidos de montantes em dinheiro vivo»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Lá vem o dinheiro vivo!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — » sem identificação e que se aumentava tal para 60 vezes mais, agora о PCP, na mesma norma, propõe que se aumente isso para 80 vezes mais.
Assim, poderia atingir-se, anualmente, os 1,7 milhões de euros, aproximadamente, de entradas, eventualmente obscuras, nos cofres dos partidos políticos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Qual obscuras?! Está a falar do seu partido!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, para finalizar, quero dizer o seguinte: quem conhece a história tem perfeita consciência de que há dois pecados mortais para a democracia, o exagero e destempero dos que a gerem e a exaltação populista dos que a destratam. E, em tempo de crise, tais riscos agudizam-se.
Sejamos, pois, tanto prudentes como firmes. A contenção — a fazer, já o dissemos — não deve resvalar para essa espécie de doença infantil de todas as crises: a autoflagelação dos políticos.
Sumamente importante é que o financiamento político deve ser transparente e deve ser essencialmente público, para garantir a independência dos eleitos. O financiamento público liberta.
O que devemos querer é presidentes, ministros, deputados, autarcas, em geral os dirigentes políticos, de mãos livres para tomarem decisões, para aprovarem ou não o que é da sua competência legal, em nome do interesse público, sem relutância de agradar ou desagradar a quem pagou a sua eleição ou reeleição.
A angariação de fundos privados deve ser residual, não decisiva e, preferencialmente, no meu ponto de vista pessoal, intermediada pelo Estado.
Mais: ainda a meu ver pessoal, não se compreende que o financiamento dos partidos seja essencialmente público e devidamente fiscalizado, mas a eleição dos dirigentes partidários seja feita à margem disso. Assim, é como fechar a porta da frente ao mesmo tempo que se abre a das traseiras.

O Sr. José de Matos Rosa (PSD): — Cada um sabe de si!

O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Por razões de igualdade, de transparência, de isenção e de independência, os candidatos internos partidários deveriam ver escrutinada publicamente a sua concorrência eleitoral interna e devia ser disciplinada a origem dos fundos que a suportam.
Sr.as e Srs. Deputados: A transparência é, para a política democrática, uma essência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um conjunto de iniciativas legislativas que pretendem reduzir as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais.
Gostaria de começar por dizer que Os Verdes acompanham os objectivos destas iniciativas legislativas porque também consideram muito elevados tanto os montantes das subvenções públicas como os limites

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máximos das despesas eleitorais. E acompanhamos esses objectivos porque consideramos que os valores, desde 2003, são exagerados, são muito altos.
Sobretudo numa altura em que se exigem mais esforços à generalidade dos cidadãos para o equilíbrio das contas públicas, esta poderá ser também uma forma de alargar este contributo aos partidos políticos, ainda que Os Verdes entendam que os valores são altíssimos com ou sem crise. Os valores, desde 2003, são muito elevados.
As iniciativas legislativas que hoje estão em discussão, tanto o projecto de lei do Bloco de Esquerda, como o projecto de lei do Partido Comunista Português, pretendem reduzir, pela via legislativa, tanto os montantes das subvenções públicas como os limites das campanhas eleitorais.
Refiro-me apenas a duas das iniciativas legislativas que estão em discussão porque, de facto, no projecto de lei do CDS-PP esta redução não é automática. É certo que se pretende excluir das subvenções públicas relativas às campanhas eleitorais as despesas de concepção, produção e afixação de estruturas, cartazes e telas para colocação na via pública, mas não é líquido, nem para nós nem, creio eu, para ninguém, que esse facto venha a representar, por si só, uma redução na subvenção pública, porque, para isso, era ainda necessário que principalmente as forças políticas que mais gastam se abstivessem de gastar esses valores que são destinados aos outdoors noutros materiais, era necessário que essas forças se abstivessem de gastar essas verbas noutras iniciativas de campanha, o que não é, de todo, um dado adquirido, nem de longe nem de perto.
De qualquer forma, nos projectos de lei que pretendem, de facto, reduzir as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais, não está em causa, nem deve estar, quanto a nós, o princípio actualmente consagrado na lei, que favorece o financiamento público das campanhas eleitorais, embora apontando para uma significativa e desejável redução das subvenções públicas e dos limites dos gastos das campanhas eleitorais, tanto no que diz respeito à eleição para o Presidente da República, à eleição para a Assembleia da República, à eleição para o Parlamento Europeu e à eleição para as Assembleias Legislativas Regionais como no que diz respeito à eleição para as autarquias locais.
É verdade que o volume ou a dimensão da redução varia entre os dois projectos de lei — o do PCP varia mais e o do Bloco de Esquerda varia menos — , mas, certamente, no âmbito da comissão, se lá chagarmos, haverá condições para se chegar a um acordo quanto ao montante a reduzir.
A redução deverá ser, no nosso entendimento, substancialmente grande, mantendo, no entanto, como disse há pouco, o princípio que esteve sempre consagrado na lei, que favorece o financiamento público das campanhas eleitorais. Trata-se de um princípio importante para nós, enquanto reforço da garantia desejável da separação do poder político e do poder económico.
Os Verdes entendem, assim, que é indispensável reduzir as subvenções públicas e os limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais, bem como indispensável se torna, na nossa perspectiva, remover as limitações ao financiamento dos próprios partidos, que é obtido através da respectiva actividade partidária, porque, na verdade, para além de ninguém compreender a sua consagração legal e o alcance dos seus verdadeiros propósitos, em nada prejudica a transparência do financiamento partidário.
Como, aliás, já foi aqui referido hoje, o reforço do financiamento público aprovado, em 2003, pelo PS, PSD e CDS-PP, foi também acompanhado pelo propósito claro de estabelecer limitações ao financiamento próprio dos partidos e que, na nossa perspectiva, importa também alterar.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bom que se esclareça o fulcro do debate que estamos a ter.
Estamos a debater alterações à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e é desejável que esse debate não esteja associado nem se entrecorte com outro tipo de debates, como sejam as reduções temporárias de salários de políticos ou a redução do número de Deputados ou o que quer que seja. O debate vale por si e vale por aquilo que é a concepção que podemos ter do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

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O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O Bloco de Esquerda não acelerou as suas opiniões pelo facto de se ter agravado a crise financeira ou de se terem imposto medidas de corte sucessivo da despesa pública. Na última campanha eleitoral, o Bloco de Esquerda fez inscrever no seu programa a proposta de diminuição para metade dos montantes que o Estado subsidia das campanhas eleitorais.
Entendemos que essa não é uma medida temporária, mas uma medida necessária para que o debate político-eleitoral seja um debate de conteúdos e menos um debate de política-espectáculo, que se promova mais a equidade entre as diversas candidaturas e menos a política de um certo populismo mediático eleitoral, que os maiores partidos estabelecem, em particular nas candidaturas autárquicas.
É, portanto, disto que estamos a falar. Não estamos movidos por uma espécie de febre de redução da despesa pública só pela redução da despesa pública, não visamos alcançar outro objectivo que não seja o de melhorar os conteúdos e a intencionalidade do debate político-eleitoral.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Esclarecido isto, importa que digamos que somos a favor de um modelo de financiamento tendencialmente público e entendemos que é uma escolha acertada. Mas esse modelo pode ser organizado de vários modos, de várias formas e com combinações bem diferenciadas daquilo que possa ser o financiamento de cidadania, do financiamento estatal, de outras formas de garantir e de condicionar certo tipo de despesas nas campanhas eleitorais ou certo tipo de despesas por parte dos partidos políticos na sua actividade corrente.
Não acompanhamos uma iniciativa do género daquela que o PCP aqui produziu, embora votemos genericamente a seu favor por uma questão, pura e simplesmente, de oportunidade, porque percebemos que se procurarmos, neste momento, alterar as subvenções às campanhas eleitorais e as subvenções partidárias não lograremos qualquer efeito, porque não há possibilidade, neste momento, de a generalidade dos partidos acompanharem alterações às subvenções partidárias que não sejam simbólicas.
No entanto, podemos atingir realmente resultados se, neste momento — sem prejuízo de, em ulterior circunstância, voltarmos a este debate e alterarmos, de fundo, a lei de 2003 — , conseguirmos obter algum ganho de causa em relação à redução dos gastos públicos nas campanhas eleitorais.
É por isso que procurámos um projecto de lei onde se defendeu o menos e onde não se defendeu o mais, como fez o PCP. Acompanhamos o PCP em muitas das suas análises e disposições e votaremos a favor do seu projecto de lei porque entendemos que o modelo de financiamento público não deve ser estendido ao extremo de se considerar que os partidos são secções do aparelho de Estado e que não podem ter qualquer tipo de financiamento de cidadania, qualquer tipo de compromisso público da parte dos cidadãos, dos particulares, na vida dos respectivos partidos ou dos partidos que apoiam.
Portanto, cingimo-nos aqui a uma proposta que visa encontrar o mais largo consenso e que permita uma poupança de gastos, uma contenção, que não será espartana (talvez também não seja ateniense), mas adequada às nossas necessidades, começando já na campanha eleitoral das presidenciais, continuando nas eleições regionais e ficando já estabelecida para próximas eleições legislativas — sabe-se lá quando serão, talvez mais cedo do que tarde. Isto na premonição do Sr. Deputado José de Matos Rosa, do PSD, que acha que isso será lá para as calendas (gregas, talvez, espartanas ou atenienses), mas, na verdade, elas até podem ser bem mais cedo do que se julga.
Bom, a precaução em matérias atinentes à República é sempre um bom conselho, funcionam sempre muito bem.
Gostaria agora de me debruçar sobre a principal objecção do PS e do PSD, que é a seguinte: uma redução muito acentuada da despesa de financiamento público para as campanhas eleitorais pode levar à tentação do financiamento oculto.
Essa é uma matéria que creio ser de grande seriedade e que merecia uma discussão, porque, na verdade, esse é sempre um travão eterno e será sempre, inclusivamente, um mistério e uma dúvida, porque, sabe-se lá qual é a fasquia que verdadeiramente previne o financiamento oculto.

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O desafio que devemos fazer perante os nossos concidadãos é baixar essas fasquias e consolidar todo esse muro, para que não haja qualquer contemporização com financiamentos ocultos, para que não haja a tentativa de encontrar outros modelos de populismo de campanha eleitoral que têm financiamentos obscuros.
Esse é um aspecto pedagógico, é um aspecto do cumprimento da legalidade, é um aspecto de iniciativa dos próprios partidos políticos e com maior responsabilidade, compreenda-se, dos partidos que têm maior expressão eleitoral. E é neste momento que creio que devem fazer exemplo disso, que devem dar corpo de delito, em concreto.
Nós aceitamos uma redução conscientes de que os nossos partidos têm força e convicções suficientes para, ao baixar as despesas, impedir qualquer tipo de financiamento oculto ou mais obscuro que ele seja.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Portanto, esse é um desafio que nos está colocado a todos (não nos pomos de parte) mas que deveria comprometer bastante os partidos mais importantes.
Lamentamos que, neste debate, o Partido Socialista não tenha apresentado ainda qualquer proposta.
Esperamos que o venha a fazer. Iremos analisar a proposta do Partido Social Democrata com toda a atenção, mas a ideia de levar 10% em tudo parece uma ideia que não tem em atenção o conjunto das várias circunstâncias e de uma medida eventualmente temporária e simbólica.
Nós não vemos a questão desse modo. Achamos que deve ter uma eficácia diferente e deve ter uma perspectiva de futuro de uma redução acentuada dos gastos em campanha eleitoral. Mas estamos abertos a discutir reduções nas subvenções, nas subvenções aos grupos parlamentares, quaisquer que sejam as áreas.
O Bloco de Esquerda estará aberto a medidas desse género.
Gostaria de repor que aquilo que o Bloco de Esquerda defende é uma limitação de 50% nas despesas para um conjunto de actos eleitorais, desde as eleições presidenciais às regionais, passando pela Assembleia da República e o Parlamento Europeu, e de 45% nas autarquias locais, atendendo também à especificidade das campanhas. É uma proposta como outra qualquer.
Não creio que abone a favor de alguém, particularmente de quem não tem grande autoridade para tal, dizer que uns ou outros propõem medidas por conveniência. Não será assim, e creio que conviria alguma humildade da parte de partidos que, inclusivamente, não apresentaram ainda propostas detalhadas nem sequer despoletaram este debate e que cremos que o farão muito em breve.
Gostaria ainda de me pronunciar sobre o projecto de lei do CDS. É uma opção discutível aquela que aqui trouxeram, mas quero referir apenas dois aspectos, como esclarecimento — dado que não estamos aqui num campeonato sobre quem apresentou propostas há uns anos ou agora — , que a proposta do CDS, como está, sem mais, não diminui um cêntimo às subvenções, mas proíbe o Estado de financiar determinado tipo de propaganda. O que nós pretendemos, e esperamos que o CDS nos acompanhe, é chegarmos a um conjunto de propostas que diminuam os gastos das campanhas eleitorais.
Por outro lado, a forma como apresentaram essa opção, identificando rubricas de propaganda e informação no seu total, como se fossem todas gastas em outdoors pelos diversos partidos, também não é rigorosa. No que ao nosso partido diz respeito, não é absolutamente nada rigorosa, pelos dados que temos, pela documentação que entregámos no Tribunal Constitucional, na unidade de contas, em tudo isso.
Na verdade, em termos de cidadania, somos por uma diminuição dos gastos públicos nas campanhas eleitorais. É esse o ponto que quisemos trazer, de conflito com um excesso que, manifestamente, é mal visto pela população.
Se alguém se interroga se, ao reduzirmos este ou aquele aspecto da vida pública, este ou aquele elemento na actividade ou no funcionamento dos partidos políticos, não estaremos a abrir o flanco àqueles que fazem campanha contra a representação proporcional, àqueles que fazem campanha contra o sistema representativo, nós pomos o problema ao invés: manifestamente, o excesso dos partidos, especialmente dos maiores partidos, é que traz lesões à ideia, à confiança e à sustentabilidade do sistema representativo.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Portanto, há que pôr as coisas nos seus devidos termos e há que chamar a atenção para o facto de que aqui também teremos de ser mais proporcionais e mais poupados.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de deixar algumas notas relativamente ao projecto de lei que o CDS aqui apresenta e a questões que foram levantadas sobre esse mesmo projecto de lei durante este debate.
Em primeiro lugar, gostaria de tranquilizar o Sr. Deputado do Partido Socialista que mostrou preocupação, dizendo que o CDS tinha mudado de lado. Pode estar descansado, Sr. Deputado, que não o CDS mudou relativamente à intervenção do Estado. Exactamente ao contrário, Sr. Deputado, o CDS entende que o Estado não tem o direito de usar o dinheiro dos contribuintes para um tipo de campanha eleitoral que é totalmente dispensável, opção que já fez — lembro disso o Sr. Deputado — em relação a outros meios de campanha, designadamente por questões ambientais, que são aquelas que estão também na base do nosso projecto de lei.
Isto serve não só para as questões colocadas pelo Partido Socialista, mas por todos os outros também. É um facto que projecto de lei do CDS não tem como fundamento apenas questões financeiras. É verdade! É verdade que o projecto de lei é discutível e que a opção é discutível. Com certeza, é uma opção que é feita em nome de princípios financeiros, mas muito também em nome de princípios ambientais e de sustentabilidade das campanhas. E isso, sim, é uma opção, uma opção em nome da sustentabilidade dessas campanhas, mas também uma opção em nome da utilização do dinheiro dos contribuintes que é empenhado nestas subvenções.
Portanto, relativamente a isso, o que entendemos é que o Estado tem de proteger o dinheiro que os contribuintes pagam e não andar a escolher quais são os meios de campanha. Se os partidos, com o dinheiro que não constitui subvenção estatal, quiserem pôr outdoors, é uma opção deles. Depois respondem, em sede de responsabilidade financeira e de responsabilidade ambiental, pelas suas campanhas eleitorais, mas tal não limita em nada a possibilidade de os partidos poderem usar esse meio de campanha.
Foi colocada a questão de o projecto de lei do CDS, como está neste momento, não eliminar qualquer despesa. O projecto de lei do CDS, se existisse no ano passado, teria eliminado 22 milhões de euros. É tão simples quanto isto!

Aplausos do CDS-PP.

E se o projecto de lei se destina a campanhas eleitorais e este ano não houve campanhas eleitorais, obviamente que não pode eliminar! Eu também digo que os projectos de lei do BE e do PCP, este ano, também não reduzem em nada a despesa. Porquê? Porque não há campanhas eleitorais e os projectos destinam-se a reduzir essas subvenções.

Aplausos do CDS-PP.

O problema é exactamente o mesmo! Acontece que a opção dos partidos políticos, legítima ou ilegítima, nas últimas campanhas eleitorais, foi a de empenhar um terço dos seus orçamentos neste meio de campanha. Repito: um terço dos seus orçamentos neste meio de campanha! Obviamente que podemos partir do princípio que agora, de repente, nenhum partido vai usar vai usar esse terço do orçamento e que o vai usar noutros meios. Mas, para tranquilizar os Srs. Deputados, ainda que assim fosse, está o CDS completamente disponível para incluir um duplo tecto, exactamente para as situações em que os partidos façam essa opção, para que haja na mesma uma redução.

Protestos do PCP.

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Como há muitas coisas que não estão no projecto de lei do PCP e que, se Deus quiser, vão estar, porque o projecto fica muito melhor do que os senhores o apresentaram, relativamente a isso não tenha qualquer problema.
O que é essencial é que este é um projecto, como disse, que tem em vista a sustentabilidade das campanhas eleitorais e a qualidade da democracia.
Há duas questões que se colocam na discussão deste projecto: há ou não, neste momento, um gasto excessivo em outdoors, nas campanhas eleitorais, em Portugal? Qualquer comparação com a realidade de outros países mostra-nos que há um gasto excessivo.
E há ou não, do ponto de vista ambiental, consequências desta opção? Basta olhar para o que foi a realidade das nossas vilas, aldeias e cidades, no último ano, para percebermos o impacte ambiental da utilização destes meios de campanha.
Portanto, se essas duas realidades existem, a pertinência do projecto de lei está comprovada e, por isso, resta-nos aprová-lo, dando, assim, mais um passo no sentido da melhoria da qualidade da democracia e das campanhas eleitorais, em Portugal. Será um passo muito importante, na senda de outros acordos que já foram realizados nesta Câmara, e que poderá melhorar, em muito, as campanhas eleitorais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também convergir com algumas intervenções que aqui foram feitas, no sentido de que é muito importante não fazer demagogia nem determinado tipo de campanhas anti-partidos e contra o Parlamento na situação difícil em que o País vive, mesmo sabendo nós que os sacrifícios estão a ser impostos, por alguns, aos mesmos de sempre.
Da nossa parte, as propostas que apresentamos não são originais, incidem sobre questões que, repetidamente, temos vindo a suscitar, em todos os momentos em que esta questão tem vindo a ser debatida.
Aliás, quero lembrar que nem fomos nós que desencadeámos o agendamento desta matéria; respondemos, sim, a um agendamento, com as nossas propostas habituais.
Quero também explicar ao Sr. Deputado Luís Montenegro por que é que cortamos mais nas assembleias legislativas regionais. Não é por qualquer vezo em relação às assembleias regionais, mas porque foi exactamente aí que os senhores mais aumentaram as subvenções.
Ó Sr. Deputado, em 2003, os senhores aumentaram a subvenção para as campanhas, nas regiões, de 1000 salários mínimos para 4000 salários mínimos. Aquilo que fazemos é, simplesmente, adoptar o critério da lei de 1998, isto é, diminuímos essa subvenção no montante em que foi aumentada pela lei de 2003. É um critério objectivo, não tem qualquer arbitrariedade, consoante as eleições, como o Sr. Deputado aqui quis fazer crer.
Gostaria também de dizer que não se pode confundir aquilo a que se chama, de forma pejorativa, financiamento privado com o que nós consideramos ser um valor para a democracia, que é o financiamento militante, a possibilidade de os militantes de um partido poderem contribuir, com o seu trabalho, com a sua intervenção e também com os seus recursos financeiros, para que esse partido tenha condições de realizar as suas actividades políticas. Somos um partido que, nas contas recentemente apresentadas, relativas ao ano de 2009, inscrevemos um valor recebido, em quotizações e contribuições dos militantes, superior a 4 milhões de euros. Lamento, Srs. Deputados, mas este é o valor da contribuição dos nossos militantes partidários — e eles não são, certamente, em geral, pessoas muito abastadas — , que resulta, sobretudo, de pequenas contribuições que concorrem para este financiamento.
Quero ainda dizer que rejeito totalmente a ideia do «papão» do dinheiro vivo. O dinheiro com que os nossos militantes contribuem para a actividade do seu partido é um dinheiro vivo, porque é vivo em relação à participação política, porque é vivo em relação à intervenção cívica.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E é esta vivacidade que queremos proteger e que queremos garantir que a lei não proíba.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Somos um partido em que 90% das receitas não provêm da subvenção estatal. 90% das nossas receitas provêm de iniciativas e de contribuição militante. E nada temos contra a estrutura de despesa e de receita dos outros partidos — é lá convosco! — , porque cada um se organiza segundo os seus princípios, segundo a sua forma própria de existir e de se organizar. Mas não podemos aceitar que a lei, à conta de beneficiar, com o aumento das subvenções públicas, a estrutura de uns, venha, ao mesmo tempo, criar imensas dificuldades àqueles que querem continuar a assentar o fundamental das suas receitas no financiamento militante, na actividade dos seus militantes, no contributo dos seus militantes.
Por isso lhe digo, Sr. Deputado Luís Montenegro, mais uma vez, que não queremos uma lei feita à nossa medida. O problema é que, em 2003, os senhores, o CDS e o PSD, fizeram uma lei à vossa medida e também à nossa, no sentido de nos prejudicar nas actividades e na forma de organização que os senhores bem sabiam que tínhamos»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — » e que sabem que não pode ser alterada, porque está intrinsecamente ligada ao partido que somos e que, certamente, vamos continuar a ser.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está concluído o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.os 299/XI (1.ª), 315/XI (1.ª) e 317/XI (1.ª).
Passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que consta da apreciação conjunta, generalidade, das propostas de lei n.os 18/XI (1.ª) — Regula certos aspectos das condições de trabalho dos trabalhadores que prestam serviços transfronteiriços no sector ferroviário, transpondo a Directiva 2005/47/CE do Conselho, de 18 de Julho de 2005, e 20/XI (1.ª) — Estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, alterada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30 de Janeiro de 2009.
Para apresentar as propostas de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social (Pedro Marques): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As presentes propostas de lei do Governo correspondem a avanços importantes na regulação das condições laborais e da sã concorrência no sector dos transportes, em Portugal.
A proposta de lei n.º 18/XI (1.ª) visa transpor uma directiva comunitária sobre condições de trabalho nos serviços ferroviários transfronteiriços, evitando, assim, a confusão de regras diferentes e a eventual desprotecção dos trabalhadores de diferentes países. Esta legislação é particularmente importante, porque nasce de um acordo celebrado entre a Comunidade dos Caminhos-de-Ferro Europeus (CER) e a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF). A matéria é inovadora na ordem jurídica dos diversos Estados-membros, e daí a oportunidade da iniciativa dos parceiros sociais do sector.
Trata-se de uma medida que se destina a criar regras comuns para os trabalhadores no transporte transfronteiriço e a obviar ao desvirtuamento da concorrência, com base na diferença de condições de trabalho. As regras definem, assim, os tempos mínimos de repouso durante a jornada de trabalho e entre cada dia de trabalho, bem como as semanas de trabalho e os tempos máximos de condução. É, por isso, um diploma relevante para os trabalhadores e para as empresas portuguesas, que esperamos poder vir a ser aprovado por esta Assembleia.

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A proposta de lei n.º 20/XI (1.ª) diz respeito ao quadro sancionatório aplicável à violação das normas sociais no transporte rodoviário. Estas normas, quanto aos tempos de condução, pausa e repouso, bem como as relativas à utilização dos tacógrafos, encontram-se fixadas, de modo uniforme, para os Estados-membros da União Europeia, através do Regulamento (CE) n.º 561/2006. Importa, por isso, proceder à transposição das directivas relativas ao quadro contra-ordenacional, o qual é suscitado pelo incumprimento de tais normas sociais. O diploma assume, assim, que, em face da natureza das normas, por se tratar da regulação de relações laborais, estão em causa contra-ordenações de natureza laboral, de forma inequívoca.
É conferida particular importância à efectividade do sancionamento do incumprimento dos tempos de condução, dos tempos de pausa e dos períodos de repouso dos condutores, pela importância crítica destes factores nas condições de trabalho dos próprios e na segurança rodoviária em geral.
A regulação comunitária relevante tem como propósito, igualmente, a harmonização das condições de concorrência entre empresas do transporte rodoviário, melhorando as condições de trabalho e segurança rodoviária. Este diploma consagra tais preocupações.
O sancionamento efectivo de todos os transportadores a operar em território nacional, nacionais e estrangeiros, é garantido através do sistema de cauções agora criado e as sanções são determinadas em função da gravidade da infracção e da culpa do infractor, viabilizando, deste modo, os processos de controlo a condutores e empregadores nacionais e estrangeiros.
É, mais uma vez, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, uma proposta de lei da maior importância na protecção dos trabalhadores e dos cidadãos em geral e, por isso, esperamos que mereça o acolhimento deste Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carina Oliveira.

A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: As propostas de lei que estão em discussão visam, sobretudo, regular questões que seriam de puro bom senso se vivêssemos numa sociedade perfeita. Mas, como a sociedade não é perfeita, temos necessidade de harmonizar conceitos de trabalho, ao nível europeu, que vão das pausas a tempos de descanso e a paragens obrigatórias no decurso das actividades.
No primeiro diploma, as disposições centram-se nos profissionais de transporte de mercadorias ou passageiros e prevê-se que a fixação das regras relativas a limites máximos de tempos de condução/durações mínimas de pausas e períodos de repouso possam ser fiscalizadas, de forma mais eficaz, através da utilização e controlo por tacógrafos. Pretende-se minimizar toda e qualquer situação em que a falta de descanso possa causar fadiga e, com isso, propiciar o acidente, melhorando, assim, as condições de segurança na circulação rodoviária.

O Sr. Amadeu Soares Albergaria (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — No segundo diploma, pretende-se estabelecer um equilíbrio entre a necessidade de garantir a protecção adequada da saúde e da segurança dos trabalhadores por ele abrangidos e as exigências de uma adequada flexibilidade de funcionamento das empresas de transporte ferroviário, na perspectiva de um espaço ferroviário europeu integrado. Também aqui são estabelecidas e regradas as pausas para descanso, no domicílio e fora dele, entre outras questões de protecção aos trabalhadores.
Duas notas quanto a estes diplomas: tal como tudo o que é regra neste País, a sua eficácia prende-se, em grande medida, com a fiscalização que será feita do seu cumprimento.
Muito do que é agora proposto coloca a um nível de igualdade o plano dos direitos e o plano sancionatório.
Quanto à utilização, por exemplo, dos tacógrafos, importará realizar formação, promover a adequação dos meios de inspecção pelas entidades competentes, como sejam, por exemplo, a GNR e a PSP, e dotá-las de meios e qualificações que lhes permitam o reconhecimento dos cumprimentos e dos incumprimentos dos tempos de pausa e condução. Não bastará estar escrito, sob a forma de lei, é preciso que seja cumprido e verificado na prática, naquilo a que chamamos o País real.

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Por último, quero apenas referir que há uma vertente que nunca deverá ser descurada, que é a do equilíbrio entre as necessidades de organização das empresas e a conciliação entre a vida profissional, familiar e privada dos trabalhadores e a sua saúde, seja no plano nacional, seja ao nível das harmonizações no plano europeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Fão.

O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, Sr.as e Srs. Deputados: As duas iniciativas legislativas que estão em discussão, as propostas de lei n.os 18/XI e 20/XI, procedem à transposição de duas directivas comunitárias para o ordenamento jurídico nacional. Uma directiva versa, essencialmente, sobre matérias relacionadas com o sector ferroviário, embora da área da regulação das condições de trabalho, e a outra, no sector rodoviário, versa sobre questões relacionadas com o ordenamento das condições de trabalho e com a utilização de equipamentos de controlo do exercício da actividade profissional.
Relativamente ao primeiro caso, estamos a falar da Directiva 2005/47/CE, de 18 de Julho, que estabelece e consagra o regime jurídico das normas que definem as condições do exercício da profissão dos chamados «trabalhadores móveis» do sector ferroviário na área da prestação de serviços de interoperabilidade transfronteiriça.
Pretende-se, fundamentalmente — esses são os objectivos desta Directiva e, consequentemente, da legislação nacional que se pretende agora consagrar — , por um lado, estabelecer condições de harmonização das regras do exercício da actividade, e com isto também disciplinar as regras da concorrência, e, por outro lado, aumentar as condições de segurança no exercício da actividade ferroviária — o transporte de pessoas e mercadorias. São, naturalmente, motivações nobres e atendíveis, tal como já foi aqui referenciado pelo Sr.
Secretário de Estado da Segurança Social.
As questões que se pretendem regular com esta proposta de lei são, genericamente, as relacionadas com a duração do tempo de trabalho, ou seja, os períodos de descanso, a duração máxima do tempo de condução, os registos efectivos do tempo de condução, portanto tudo tendente a melhorar as condições de trabalho dos profissionais do sector ferroviário nesta área de actividade e, naturalmente, a aumentar as condições de segurança do exercício desta actividade nas zonas transfronteiriças para além de 15 km de linhas de fronteira.
Portanto, parece-nos que, de uma forma geral, não só os objectivos subjacentes a esta iniciativa legislativa mas particularmente o seu conteúdo que são de registar com agrado e de merecer a concordância desta Câmara.
A segunda proposta de lei tem a ver com o sector rodoviário e pretende igualmente, nos seus objectivos gerais, harmonizar as condições de funcionamento no que diz respeito ao exercício da actividade dos profissionais condutores de veículos de transporte de mercadorias e de passageiros.
Para além de regular os tempos de descanso, o tempo máximo de duração do exercício da actividade e de exigir o registo do desenvolvimento de toda esta actividade nas empresas, traz um conjunto de novas normas que normalizam a concorrência no exercício da actividade e se estendem a países terceiros, fora do espaço europeu, obrigando também os condutores de veículos de transportes de passageiros e de mercadorias a respeitá-las. Clarifica ainda um conjunto de aspectos relacionados com a instalação e a utilização dos tacógrafos.
Esta proposta de lei, transpondo a Directiva comunitária, tem anexos, os quais definem ao pormenor a forma como se exerce o controlo, quer na estrada quer nas empresas, dos históricos registados nos tacógrafos.
Mais uma vez, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que se pretende é melhorar as regras de exercício da actividade nestes dois sectores e clarificar as questões relacionadas com a concorrência.
As duas propostas de lei respeitam as regras previstas quer no Regimento quer na lei enquadradora pelo que nos parece terem todas as condições para merecer a aprovação desta Câmara.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: Não vou repetir o conteúdo das normas que as duas propostas de lei contêm; ambas regulamentam as condições de trabalho dos profissionais de sectores do transporte ferroviário e rodoviário e podemos dizer que, genericamente, estamos de acordo com a transposição destas directivas comunitárias sob a forma de propostas de lei, que agora o Governo nos apresenta. Portanto, dispensar-me-ei de repetir os objectivos destas propostas de lei.
De todo o modo, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, farei três comentários sobre estas duas propostas de lei.
Em primeiro lugar, quero notar que o Governo, nesta matéria, não fez o trabalho de casa em tempo devido, porque em ambos os casos a transposição das directivas já deveria ter ocorrido de há alguns anos a esta parte.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Inclusivamente, no caso da directiva que se refere ao transporte rodoviário internacional de passageiros e mercadorias, o Governo já foi condenado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 2009. Portanto, o Governo chega com um ano de atraso, pelo menos em relação à decisão do Tribunal de Justiça Europeu, para fazer a transposição dessa directiva.
O Governo está também em atraso, o que já motivou, por parte da Comissão Europeia, a abertura de um processo, provavelmente contra-ordenacional, em virtude de não ter feito em devido tempo a transposição da directiva correspondente às condições de trabalho dos trabalhadores ferroviários.
Em segundo lugar, quero dizer que, com a transposição destas directivas, há uma uniformização das condições de trabalho para os trabalhadores a nível da União Europeia e para os operadores de transportes que actuam quer no sector ferroviário quer no sector rodoviário.
Existe um certo contraste para o qual não queria deixar de chamar a atenção das Sr.as e Srs. Deputados: é que, de facto, as propostas de lei, embora incidam sobre a mesma matéria, nomeadamente as condições de trabalho e a segurança no trabalho, são muito mais desenvolvidas no caso dos trabalhadores ferroviários do que no dos trabalhadores rodoviários. Provavelmente, se houvesse uma uniformização completa, talvez não fosse de excluir que as vantagens da directiva que se aplica aos trabalhadores ferroviários se pudessem aplicar aos trabalhadores rodoviários, porque é evidente, considerando o texto das propostas de lei, que há mais vantagens do lado da protecção dos direitos dos trabalhadores do sector ferroviário do que do lado dos trabalhadores do sector rodoviário.
Por último, não posso deixar de referir, Sr. Secretário de Estado, que é com alguma curiosidade que vou ver como é que o Governo irá aplicar as regras que a proposta de lei impõe ao nível do controlo da sua aplicação no sector rodoviário de mercadorias e de passageiros. E digo-o porque a proposta de lei estabelece um conjunto de inspecções, de controlos, por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT) e da Guarda Nacional Republicana, que, sinceramente, vai obrigar o Governo a mudar muita daquela que é sua prática fiscalizadora e inspectiva.
Ficamos com muita curiosidade em ver se, dentro de um ou dois anos, o Governo vai aplicar o que anuncia nesta proposta de lei.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, Sr.as e Srs. Deputados: Escuso-me também de repetir os fundamentos das propostas de lei em discussão, porque o Sr.
Secretário de Estado e todos os oradores que me antecederam já se pronunciaram suficientemente sobre essa matéria. Resta-me chamar a atenção para duas ou três questões.

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Em primeiro lugar, quero referir que as propostas de lei são apresentadas na sequência de directivas comunitárias, uma delas na sequência da Directiva 2005/47/CE, do Conselho, cuja transposição já deveria ter sido feita em Portugal até 27 de Julho de 2008, portanto há praticamente dois anos, mas o Governo nada fez.
Em 1 de Outubro de 2008, a Comissão notificou Portugal devido a essa infracção e em 5 de Maio de 2010 — parece-me que terá sido essa a génese da celeridade do Governo em apresentar agora a proposta de lei — a Comissão chegou ao ponto de ter de instaurar um processo contra Portugal no Tribunal de Justiça.
A outra directiva também deveria ter sido transposta até ao fim do ano transacto. Não o foi, e só agora é que é apresentada a respectiva proposta de lei.
Queria deixar uma nota, com tristeza: sem necessidade nenhuma, mais uma vez — e não é caso único nestas situações de transposição de directivas — , o Governo falhou os prazos e transmitiu para a comunidade internacional e para a União uma imagem de falta de eficácia, de relaxe e de algum laxismo.
Queria ainda dizer — ninguém chamou aqui a atenção para isso — que as exposições de motivos de ambas as propostas de lei referem que a matéria das mesmas não tem só a ver com questões laborais, tem também a ver com a harmonização das condições de concorrência entre empresas. Portanto, estamos já a falar do mercado concorrencial e não propriamente das condições de trabalho dos trabalhadores dos sectores rodoviário e ferroviário.
É evidente que estamos plenamente de acordo que no espaço comunitário as condições concorrenciais devem ser idênticas e o mais possível uniformes. Contudo, queria sublinhar dois pontos.
Em primeiro lugar, para que o Governo chame a atenção da União Europeia, se é que ainda não o fez, para que há uma grande preocupação em harmonizar as normas concorrenciais entre os Estados-membros, não obstante as realidades sociais e económicas dos mesmos serem, em muitos casos, profundamente diferentes, sendo agravadas agora pela crise que estamos a atravessar. Por exemplo, é muito mais difícil aos operadores rodoviários portugueses cumprirem determinadas normas comunitárias e determinados regulamentos — o que se verificará, nomeadamente, no caso da presente proposta de lei — do que aos operadores rodoviários de França, da Alemanha ou de outros países comunitários. A minha primeira nota traduz-se, pois, num objectivo de harmonização.
Gostaríamos ainda que a União tivesse esta mesma preocupação relativamente à uniformização e ao aperfeiçoamento das normas de concorrência entre os diversos países no que diz respeito ao comércio externo com países não pertencentes à União. É que sabemos que as empresas dos diversos sectores produtivos da União concorrem muitas vezes de forma extremamente injusta, e com factores concorrenciais extremamente injustos, com países terceiros de outras zonas do globo onde não existem as regras, os encargos sociais, os encargos fiscais e a ordem laboral que existe na Europa, os quais impõem às empresas europeias uma série de encargos e de custos de produção que empresas de outros países não têm.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Feitas estas notas, direi que as propostas de lei conformam-se nos conteúdos das directivas comunitárias, pelo que não vejo que o Parlamento não deva aprová-las.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: As duas propostas de lei que o Governo nos apresenta são exemplos concretos de como matérias de grande importância, factores de justiça e de defesa de direitos, podem ser tratadas de uma forma perversa e injusta e transformadas em leis que servem para deixar passar, ou até acentuar, a exploração sobre quem trabalha.
Senão vejamos: em relação aos serviços transfronteiriços do sector ferroviário, o Governo propõe um diploma que consagra a contabilização anual — sublinho, anual — dos períodos de descanso face à jornada de trabalho. E chega a admitir que o descanso semanal possa ser inferior ao que hoje é praticado, que é de 48 horas, com mais um repouso associado de 12 horas. É um retrocesso inaceitável, quando a regra actual é de

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que o descanso semanal é gozado após a jornada semanal, e isso é fruto da contratação colectiva, que foi uma conquista dos trabalhadores e da sua luta de muitas dezenas de anos no nosso país.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E o que tem que aplicar-se é o princípio do tratamento mais favorável e não o retrocesso social, Srs. Deputados.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas há outras malfeitorias: por exemplo, a redução do tempo de refeição do trabalhador — o Governo acha, talvez, que actualmente 45 minutos serão demasiado; ou ainda o «pé na porta» a abrir caminho ao aumento da jornada de trabalho por via da alteração do regime dos tempos de repouso.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Governo, de uma penada, coloca mais uma vez a legislação ao serviço do capital contra os trabalhadores.
Ora, aqui está, para quem tivesse dúvidas, a demonstração evidente dos resultados das políticas liberalizadoras dos «pacotes» ferroviários e quejandos: o ataque aos direitos, a degradação das condições de trabalho e, por essa via, da própria qualidade e da segurança do serviço prestado às populações e à economia.
E a mesma lógica, a mesma marca de classe é evidenciada na proposta do Governo em relação aos tempos de condução, às pausas e aos tempos de repouso, bem como ao controlo dos tacógrafos no transporte rodoviário.
O Governo chega ao ponto de definir um quadro sancionatório para infracções nos tempos de condução e de repouso, que é precisamente igual para a empresa e para o trabalhador. Os montantes são os mesmos, como se fosse tudo a mesma coisa! E escusam o Governo e o PS de justificar estas opções com a transposição de directivas: é que as directivas não têm as «costas assim tão largas», Srs. Deputados! E os senhores tem a obrigação de saber, como nós sabemos, o que acontece neste sector, com a prática, que campeia, de pagamentos ao quilómetro, ao frete e à viagem!

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aliás, se não o sabem, fiquem a saber que há muitos e muitos motoristas que recebem salários-base inferiores à componente das ajudas de custo. Foram vários os trabalhadores que nos mostraram isso mesmo nos seus recibos de vencimento.
A situação que se abate sobre inúmeros trabalhadores neste sector é a de chantagem e pressão permanentes! O argumento que eles enfrentam é a ameaça do costume: «a porta da rua é a serventia da casa» — e, assim, aparece, agora, o Governo, com esta proposta, a definir um quadro contra-ordenacional, em que a empresa pode defender-se, formalmente, ficando a culpa do lado do trabalhador, se ele nada puder fazer para provar a chantagem a que tenha sido sujeito.
Mas vejam, Srs. Deputados, a situação espantosa em que este quadro legal nos coloca: a empresa transportadora pode provocar uma situação em que os tempos de condução e de repouso sejam totalmente desrespeitados, resultando num desgaste e numa fadiga brutais para o motorista. A fadiga mata, o acidente pode acontecer, o erro humano pode causar mortes na estrada. Qual é o resultado? A empresa pode incorrer numa contra-ordenação e pagar uma coima por violação dos tempos de repouso, e o trabalhador pode ser condenado a pena de prisão por crime de perigo!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Vejam bem a proporção!

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma verdadeira iniquidade, que não podemos aceitar — aí tem, Sr.
Secretário de Estado, a proposta «de avanço» que aqui nos trouxe! É preciso que a memória não seja curta, Srs. Deputados: há três anos, num debate de alteração ao Código Penal, o PCP propôs a criminalização da organização do trabalho, imposta pelas empresas aos motoristas, que ponha em causa a segurança no transporte rodoviário.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É isso que põe em causa a segurança nas nossas estradas, e essa não é uma questão de ordenação laboral; é uma atitude criminosa, e não por parte dos trabalhadores, que são sempre a parte mais fraca!

Vozes do PCP: — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — A proposta do PCP foi rejeitada pelo PS, em 2007, mas esta é uma ideia que não perdeu actualidade.
Esta suposta neutralidade do PS, mais uma vez, significa apoiar aqueles que «têm a faca e o queijo na mão». Não é desse lado que estamos; nós estamos do lado de quem trabalha, interviremos empenhadamente neste processo legislativo, contra estas malfeitorias e continuaremos, com os trabalhadores, na luta pela justiça e pelo trabalho com direitos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito obrigado pelas questões colocadas.
O processo de transposição destas directivas foi complexo, na justa medida em que procurámos — e, como se sabe, a transposição das directivas deixa margem para a legislação nacional, por isso é que não são regulamentos, são directivas» E, já agora, vale a pena aproveitar para dizer que, quando foi referido pela bancada do Bloco de Esquerda que a transposição ou que a legislação podia ser da mesma natureza para os ferroviários e para os rodoviários, provavelmente o Sr. Deputado estava a referir-se àquilo que, nos rodoviários, está disposto por regulamento comunitário, e é igual para toda a União Europeia. Portanto, essa questão não tem muito sentido.
Mas quero dizer que, de qualquer forma, o processo foi complexo, na justa medida em que procurámos, precisamente, favorecer, privilegiar a sã concorrência entre as empresas portuguesas, mas também com os operadores internacionais que operam no espaço nacional.
Foi nesse sentido que criámos o regime inovador de cauções, por exemplo para as contra-ordenações, e que trabalhámos para chegar, de forma efectiva, a um dos objectivos da legislação.
Mas o principal objectivo é, efectivamente, o da protecção das condições laborais dos trabalhadores e da segurança rodoviária.
O Sr. Deputado Bruno Dias, do PCP, construiu aqui toda uma intervenção em torno da ideia do ataque aos trabalhadores, do ataque à contratação colectiva, quando, como muito bem sabe — e isso deita por terra toda a sua intervenção — , esta legislação não afasta o direito à contratação colectiva, não afasta a contratação colectiva do sector, como é natural e, portanto, há todas as condições para fixar regras mais favoráveis, se for o caso.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Vêm nivelar por baixo!

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O Sr. Secretário de Estado da Segurança Social: — Não se esqueça de que estamos a transpor directivas, Sr. Deputado.
Mas, como digo, a contratação colectiva não está em causa. Esta legislação foi estabelecida para privilegiar a segurança rodoviária. E não é por acaso, Sr. Deputado. Leia a proposta do Governo — que omitiu e escamoteou na sua intervenção: optámos, claramente, por dizer que este é um regime de natureza laboral, estas são contra-ordenações de natureza laboral, porque assim protegemos mais os trabalhadores. Mas isso o Sr. Deputado quis esquecer! Com as propostas que apresentámos, estamos, efectivamente, a proteger os direitos dos trabalhadores, a proteger a segurança rodoviária, e por isso consideramos que estas são boas propostas e devem ser aprovadas!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, concluída esta discussão também chegam também ao fim os nossos trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, às 15 horas, constando, da ordem do dia, para além de declarações políticas, a apreciação do Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2009, a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 28/XI (1.ª) — Revoga o sistema de Identificação Electrónica de Veículos e o Dispositivo Electrónico de Matrícula (PCP), 15/XI (1.ª) — Revoga os diplomas reguladores do dispositivo electrónico de matrícula (PSD), 26/XI (1.ª) — Revoga o Decreto-Lei n.º 111/2009, de 18 de Maio, o Decreto-Lei n.º 112/2009, de 18 de Maio, e o Decreto-Lei n.º 113/2009, de 18 de Maio, referentes à regulamentação do uso de dispositivos electrónicos de matrículas em veículos automóveis, seus reboques, motociclos, ciclomotores, quadriciclos, máquinas industriais e máquinas industriais rebocáveis (BE) e 320/XI (1.ª) — Revoga os Decretos-Lei n.º 111/2009, de 18 de Maio, n.º 112/2009, de 18 de Maio, e o n.º 113/2009, de 18 de Maio, referentes aos sistemas de identificação electrónica de veículos e o dispositivo electrónico de matrícula (CDS-PP) e ainda o debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.os 175/XI (1.ª) — Procede à alteração da Lei n.º 23/06, de 26 de Julho, que «Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais» (PS), 205/XI (1.ª) — Procede à terceira alteração da Lei n.º 23/06, de 26 de Julho, estabelecendo a impossibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais em situação de carência económica (BE) e 305/XI (1.ª) — Determina um prazo máximo de 2 dias úteis para os procedimentos cautelares em matéria de serviços públicos essenciais (PCP), havendo ainda votações regimentais.
Sr.as e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 6 minutos.

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS)
António Ramos Preto
José Eduardo Vera Cruz Jardim
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo

Partido Social Democrata (PSD)
João Bosco Soares Mota Amaral
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
José Mendes Bota

Partido Popular (CDS-PP)
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

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64 | I Série - Número: 071 | 24 de Junho de 2010

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missão parlamentar:

Partido Social Democrata (PSD)
Maria Francisca Fernandes Almeida

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)
José Carlos Correia Mota de Andrade
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues

Partido Social Democrata (PSD)
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
Carlos Henrique da Costa Neves
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Sérgio André da Costa Vieira
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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