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57 | I Série - Número: 083 | 23 de Julho de 2010

comunicação social fez eco, mas ignorou — desprezou! — o consenso gerado há mais de quatro décadas
quanto ao crime continuado e que desde então tem sido aceite e aplicado pela doutrina e pela jurisprudência.
Aliás, só quem não quis ler a doutrina e a jurisprudência — que em matéria de crime continuado, após a
reforma penal, prosseguiu exactamente o mesmo caminho iniciado há décadas — pode dar ouvidos aos
apelos não fundamentados e, em alguns casos, lançados apenas para projecção mediática pessoal.
E sobre esta matéria, muito escreveu a jurisprudência, que vale a pena ler, nomeadamente o acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 12 de Junho de 2008, processo 08P1771, no qual se refere:
«O artigo 30.º do Código Penal teve por fonte principal o artigo 33.º do Projecto da Parte Geral do Código
Penal de 1963, o qual traduz o pensamento de Eduardo Correia, autor daquele projecto, primeiramente
expresso na sua dissertação de doutoramento sobre A teoria do concurso em Direito Criminal, Unidade e
Pluralidade de Infracções — Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz. Tal artigo do projecto foi discutido
na 13.ª sessão da Comissão Revisora, em 8 de Fevereiro de 1964, sendo que aí foi aprovado, por maioria, um
último período para o n.º 2, com a seguinte redacção: «A continuação não se verifica, porém, quando são
violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma vítima». Eduardo Correia, na ocasião,
referiu que esse acrescentamento podia realmente ser consagrado, embora não fosse de reputar de todo
indispensável, uma vez que a conclusão que ele contém já se retiraria da expressão ‘o mesmo bem jurídico’.
A circunstância de tal acrescentamento ter acabado por ser suprimido não significa que outra solução deva
ser adoptada, mas tão-só que o legislador considerou a afirmação dele constante desnecessária, por resultar
já do preceito, bem como por constituir orientação pacífica assumida então, quer pela doutrina quer pela
jurisprudência.
Com efeito, estas vinham desde há muito entendendo que, quando, tratando-se de bens jurídicos
eminentemente pessoais, são ofendidos vários indivíduos, a possibilidade da continuação fica logo excluída,
visto que são diversos os bens jurídicos violados, e correspondentemente, numa adequada interpretação das
normas, porque são preenchidos vários tipos legais, exclusão que não se verifica, porém, sendo a vítima a
mesma.
O n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, dispositivo ora aditado por efeito da publicação e da entrada em
vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, tem rigorosamente o mesmo conteúdo e alcance do
acrescentamento feito ao seu n.º 2 no seio da Comissão Revisora do Código, o qual acabou por ser suprimido
por haver sido considerado desnecessário.
Por isso, tal aditamento não é mais ou menos favorável ao recorrente, posto que se limitou a estatuir
regime que se encontra implícito no seu n.º 2 e que a doutrina e a jurisprudência sempre assumiram, mesmo
antes da versão originária do Código, sendo que foi esse o regime aplicado ao arguido na decisão
condenatória proferida nos autos, designadamente por este Supremo Tribunal de Justiça ao apreciar o recurso
interposto da decisão de 1.ª instância».
De uma clareza cristalina é também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2008,
Processo 08P2872, que aqui não podemos deixar de citar:
«A alteração introduzida, à parte a evitável polémica interpretativa que trouxe (cfr. a Circular Interna da
PGR n.º 2/2008-DE, de 9 de Agosto de 2008, citada pelo Ex.º Magistrado do Ministério Público em 1.ª
instância, tendo presente a errada divulgação da notícia, pelos mais díspares meios de comunicação
social, de que a norma do n.º 3 viria permitir uma punição leve dos abusadores sexuais, fez questão de
significar que «as críticas conhecidas não abalaram o entendimento firmado de décadas», que já se
deixou expresso), é, pois, pura tautologia, de alcance limitado ou mesmo nulo, desnecessária, na medida em
que é reafirmação do que do antecedente se entendia a nível deste Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, de
que quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa e
cometido num quadro em que, por circunstâncias exteriores ao agente, a sua culpa se mostre
consideravelmente diminuída, sem prescindir-se — como, aliás aquela Circular fez questão de sublinhar — da
indagação casuística requisitos do crime continuado, afastando-o quando se não registarem.
Sobre esta hipótese o legislador manteve um eloquente silêncio, de forma alguma afirmando
automaticamente, sem mais, o crime continuado, excluindo-o fora daquele favorecente circunstancialismo.
Esse aditamento não permite, pois, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de
bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzisse ao crime continuado,
afastando-se um concurso real (Cfr. Ac. do STJ, de 8.11.2007, P.º n.º 3296/07 — 5.ª Sec., acessível em

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