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Quinta-feira, 30 de Setembro de 2010 I Série — Número 7

XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE SETEMBRO DE 2010

Presidente: Ex.mo Sr. Jaime José Matos da Gama

Secretários: Ex.mos Srs. Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Abel Lima Baptista

SUMÁRIO O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 08 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 38 e 39/XI (2.ª), da proposta de resolução n.º 27/XI (2.ª) e dos projectos de lei n.os 418 a 424/XI (2.ª).
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco Louçã (BE) deu conta à Câmara das propostas do seu partido para fazerem face à crise orçamental, tendo-se insurgido contra as medidas que o Governo se propõe adoptar nesse sentido. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto (PS) e Bernardino Soares (PCP).
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Assunção Cristas (CDS-PP) alertou para o aumento da despesa e da dívida do sector empresarial do Estado. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Afonso Candal (PS) e Honório Novo (PCP).
Em declaração política, o Sr. Deputado Adão Silva (PSD) defendeu a acção das instituições civis de intervenção social, nomeadamente quando Portugal atravessa uma crise financeira, tendo anunciado a apresentação, pelo seu partido, de uma lei de bases da economia social e do terceiro sector. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Maria José Gambôa (PS), Pedro Filipe Soares (BE) e Jorge Machado (PCP).
Ainda em declaração política, a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros (PS) salientou a importância do serviço público de rádio e televisão e assumiu a sua defesa contra a privatização do mesmo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carla Rodrigues (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Rita Rato (PCP) e Catarina Martins (BE).

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Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) insurgiu-se contra o aumento dos encargos para as pessoas no acesso aos serviços de saúde e na aquisição de medicamentos e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Clara Carneiro (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Maria Antónia Almeida Santos (PS) e João Semedo (BE).
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n.º 37/XI (1.ª) — Cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à 18.ª alteração ao Código do Registo Civil e do projecto de lei n.º 319/XI (1.ª) — Altera o Código do Registo Civil, permitindo a pessoas transexuais a mudança do registo do sexo no assento de nascimento (BE). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária (José Magalhães), os Srs. Deputados José Moura Soeiro (BE), Francisca Almeida (PSD), Miguel Vale de Almeida (PS), Isabel Galriça Neto (CDS-PP), João Oliveira (PCP), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Teresa Morais (PSD).
A proposta de lei n.º 39/XI (2.ª) — Proíbe qualquer discriminação no acesso e no exercício do trabalho independente e transpõe a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, e a Directiva 2006/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, foi também debatida, na generalidade.
Usaram da palavra, além do Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Valter Lemos), os Srs. Deputados Maria da Conceição Pereira (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Cecília Honório (BE), Jorge Machado (PCP) e Jorge Strecht (PS).
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 38/XI (2.ª) — Aprova o regime de certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios do sistema ferroviário, transpondo a Directiva 2007/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, sobre a qual se pronunciaram, além do Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Carlos Correia da Fonseca), os Srs. Deputados Adriano Rafael Moreira (PSD), Artur Rêgo (CDS-PP), Anabela Freitas (PS), Heitor Sousa (BE) e Bruno Dias (PCP).
Por último, a Câmara debateu, na generalidade, o projecto de lei n.º 60/XI (1.ª) — Altera o sistema de qualificação e formação contínua dos motoristas, reforçando a protecção dos direitos dos trabalhadores (PCP) e a petição n.º 12/XI (1.ª) — Da iniciativa do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local — Pela alteração do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, no sentido de que os encargos relativos à aquisição de qualificação inicial e da formação contínua não sejam da responsabilidade dos motoristas profissionais. Intervieram os Srs. Deputados Bruno Dias (PCP), Anabela Freitas (PS), Heitor Sousa (BE), Artur Rêgo (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Adriano Rafael Moreira (PSD).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, autorizando uma Deputada do PS a prestar depoimento por escrito, como testemunha, em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 9 minutos.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 8 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Socialista (PS)
Acácio Santos da Fonseca Pinto
Alberto Bernardes Costa
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Paula Mendes Vitorino
Anabela Gaspar de Freitas
António Alves Marques Júnior
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
António Ribeiro Gameiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Aurélio Paulo da Costa Henriques Barradas
Carlos Filipe de Andrade Neto Brandão
Catarina Marcelino Rosa da Silva
Defensor Oliveira Moura
Deolinda Isabel da Costa Coutinho
Eurídice Maria de Sousa Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Frederico de Oliveira Castro
Horácio André Antunes
Inês de Saint-Maurice de Esteves de Medeiros Vitorino de Almeida
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches
Jorge Manuel Capela Gonçalves Fão
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Manuel Rosendo Gonçalves
José Carlos Bravo Nico
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Pereira Ribeiro
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Rui Alves Duarte Cruz
João Barroso Soares
João Miguel de Melo Santos Taborda Serrano
João Paulo Feteira Pedrosa
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
João Raul Henriques Sousa Moura Portugal
João Saldanha de Azevedo Galamba
Júlio Francisco Miranda Calha
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís António Pita Ameixa

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Luís Miguel Morgado Laranjeiro
Luís Miguel Soares de França
Luís Paulo Costa Maldonado Gonelha
Lúcio Maia Ferreira
Manuel António Gonçalves Mota da Silva
Manuel José de Faria Seabra Monteiro
Marcos Sá Rodrigues
Maria Antónia Moreno Areias de Almeida Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria Helena Figueiredo de Sousa Rebelo
Maria Hortense Nunes Martins
Maria Isabel Solnado Porto Oneto
Maria José Guerra Gamboa Campos
Maria Luísa de Jesus Silva Vilhena Roberto Santos
Maria Manuela de Almeida Costa Augusto
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maria Odete da Conceição João
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria de Lurdes Ruivo
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Miguel João Pisoeiro de Freitas
Miguel de Matos Castanheira do Vale de Almeida
Mário Joaquim da Silva Mourão
Nuno André Araújo dos Santos Reis e Sá
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Pedro Manuel Farmhouse Simões Alberto
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rita Manuela Mascarenhas Falcão dos Santos Miguel
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui José Prudêncio
Rui José da Costa Pereira
Sofia Isabel Diniz Pereira Conde Cabral
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Teresa do Rosário Carvalho de Almeida Damásio
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Brandão de Sousa Fontes

Partido Social Democrata (PSD)
Adriano Rafael de Sousa Moreira
Adão José Fonseca Silva
Agostinho Correia Branquinho
Amadeu Albertino Marques Soares Albergaria
Antonieta Paulino Felizardo Guerreiro
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado

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António Egrejas Leitão Amaro
António Fernando Couto dos Santos
António Joaquim Almeida Henriques
Arménio dos Santos
Carla Maria Gomes Barros
Carla Maria de Pinho Rodrigues
Carlos Alberto Silva Gonçalves
Carlos António Páscoa Gonçalves
Carlos Henrique da Costa Neves
Carlos Manuel Faia São Martinho Gomes
Celeste Maria Reis Gaspar dos Santos Amaro
Cristóvão da Conceição Ventura Crespo
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Emídio Guerreiro
Fernando Mimoso Negrão
Fernando Nuno Fernandes Ribeiro dos Reis
Fernando Ribeiro Marques
Hugo José Teixeira Velosa
Isabel Maria Nogueira Sequeira
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Cláudio de Bacelar Gouveia
Jorge Fernando Magalhães da Costa
José Alberto Nunes Ferreira Gomes
José Eduardo Rego Mendes Martins
José Manuel Marques de Matos Rosa
José Pedro Correia de Aguiar Branco
José Álvaro Machado Pacheco Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Figueiredo Antunes
João José Pina Prata
Luís António Damásio Capoulas
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Margarida Rosa Silva de Almeida
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Francisca Fernandes Almeida
Maria Helena Passos Rosa Lopes da Costa
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto
Maria Luísa Roseira da Nova Ferreira de Oliveira Gonçalves
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Paula da Graça Cardoso
Maria Teresa Machado Fernandes
Maria Teresa da Silva Morais
Maria da Conceição Feliciano Antunes Bretts Jardim Pereira
Maria das Mercês Gomes Borges da Silva Soares
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Jorge Reis Antunes Frasquilho
Nuno Miguel Pestana Chaves e Castro da Encarnação
Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto

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Paulo César Lima Cavaleiro
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Augusto Lynce de Faria
Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva
Pedro Nuno Mazeda Pereira Neto Rodrigues
Raquel Maria Martins de Oliveira Gomes Coelho
Sérgio André da Costa Vieira
Teresa de Jesus Costa Santos
Ulisses Manuel Brandão Pereira
Vasco Manuel Henriques Cunha

Partido Popular (CDS-PP)
Abel Lima Baptista
Artur José Gomes Rêgo
Cecília Felgueiras de Meireles Graça
Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro
José Helder do Amaral
José Manuel de Sousa Rodrigues
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Manuel de Serpa Oliva
João Rodrigo Pinho de Almeida
Luís Pedro Russo da Mota Soares
Maria Antonieta Antunes Dias
Maria de Assunção Oliveira Cristas Machado da Graça
Michael Lothar Mendes Seufert
Nuno Miguel Miranda de Magalhães
Paulo Sacadura Cabral Portas
Pedro Manuel Brandão Rodrigues
Raúl Mário Carvalho Camelo de Almeida
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia
Teresa Margarida Figueiredo de Vasconcelos Caeiro

Bloco de Esquerda (BE)
Ana Isabel Drago Lobato
Catarina Soares Martins
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã
Heitor Nuno Patrício de Sousa e Castro
Helena Maria Moura Pinto
José Borges de Araújo de Moura Soeiro
José Guilherme Figueiredo Nobre de Gusmão
José Manuel Marques da Silva Pureza
João Pedro Furtado da Cunha Semedo
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda
Maria Cecília Vicente Duarte Honório
Mariana Rosa Aiveca Ferreira
Pedro Filipe Gomes Soares
Pedro Manuel Bastos Rodrigues Soares
Rita Maria Oliveira Calvário

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Partido Comunista Português (PCP)
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
António Filipe Gaião Rodrigues
Artur Jorge da Silva Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Francisco José de Almeida Lopes
Jerónimo Carvalho de Sousa
José Honório Faria Gonçalves Novo
João Augusto Espadeiro Ramos
João Guilherme Ramos Rosa de Oliveira
Miguel Tiago Crispim Rosado
Paula Alexandra Sobral Guerreiro Santos Barbosa
Rita Rato Araújo Fonseca

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV)
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
José Luís Teixeira Ferreira

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, peço à Sr.ª Secretária que dê conta do expediente.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.os 38/XI (2.ª) — Aprova o regime de certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios do sistema ferroviário, transpondo a Directiva 2007/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, que baixou à 9.ª Comissão, e 39/XI (2.ª) — Proíbe qualquer discriminação no acesso e no exercício do trabalho independente e transpõe a Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, e a Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, que baixou à 11.ª Comissão; proposta de resolução n.º 27/XI (2.ª) — Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia sobre Transportes Internacionais Rodoviários e de Trânsito de Passageiros e Mercadorias, assinado em Argel, a 9 de Junho de 2008, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 418/XI (2.ª) — Estabelece o princípio da Neutralidade da Rede nas Comunicações Electrónicas (PCP), que baixou à 13.ª Comissão, 419/XI (2.ª) — Aprova o quadro de regulamentação da qualidade de serviço no acesso à Internet (PCP), que baixou à 13.ª Comissão, 420/XI (2.ª) — Altera a «Lei do Cibercrime», descriminalizando o ensino e a investigação científica (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, 421/XI (2.ª) — Estabelece a adopção de normas abertas nos Sistemas Informáticos do Estado (PCP), que baixou à 13.ª Comissão, 422/XI (2.ª) — Cria o Conselho Nacional para as Tecnologias da Informação e da Comunicação (PCP), que baixou à 13.ª Comissão, 423/XI (2.ª) — Regula o empréstimo de manuais escolares (CDS-PP), que baixou à 8.ª Comissão, e 424/XI (2.ª) — Elevação da vila de Albergaria-aVelha, no concelho de Albergaria-a-Velha, à categoria de cidade (PSD), que baixou à 12.ª Comissão.
Em termos de expediente, é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos com um período de declarações políticas.
Para o efeito, em primeiro lugar, em nome do BE, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Presidente da República recebeu hoje e ontem os partidos políticos e o Conselho de Ministros estará, a esta hora, reunido para aprovar as suas propostas para o aumento de impostos e a redução dos salários, enquanto uma vaga de greves

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mobiliza a Europa contra o desemprego e se manifestará em Lisboa e no Porto. Dentro de dias, o Parlamento começará também a discutir o Orçamento.
O Bloco de Esquerda traz, por isso, ao Parlamento, que é o primeiro lugar da decisão sobre a crise orçamental, a resposta clara sobre a diferença entre os dois caminhos que nos são propostos: à direita, a continuação da degradação da economia; à esquerda, a economia responsável.
Este é o debate fundamental. Será que Portugal tem solução? A nossa economia sobreviverá? Haverá respostas para a crise imediata? Devemos desistir do País? Toda a política está submetida a esta obrigação de respostas claras; de medidas consistentes, agora; de correcção das dívidas; de recuperação do emprego; de diminuição da pobreza; de investimento e qualificação; de inversão da desindustrialização galopante.
Nenhuma dessas questões, como bem sabemos, será respondida por jogos irresponsáveis. O País tem a consciência clara de que as encenações, pressões, desorientações, segredos, episódios e chantagens são prova do colapso da política situacionista perante as dificuldades.

Vozes do BE: — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Olhemos, por isso, para a crise, agora mesmo.
A economia portuguesa sofreu dois ataques poderosos e reveladores.
Ontem, os mercados financeiros cobraram um juro de 6,6%, o mais alto da nossa história, aos títulos da dívida soberana. Bancos, incluindo bancos portugueses, são financiados pelo Banco Central Europeu (BCE) a 1% para imporem à nossa dívida um preço sete vezes superior e para lucrarem com a diferença. Os contribuintes portugueses estão a pagar a economia da ganância.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Mas é o BCE, sob a batuta imperial da Sr.ª Merkel, que favorece a especulação contra os Estados, não deixando de se ocupar, entretanto, e com que desvelo, do visto prévio sobre os orçamentos, de várias sanções e, até, de uma caução que as economias que vão sendo prejudicadas por esta política teriam que pagar. Portugal não tem, agora, uma palavra na Europa; e a Comissão Europeia só tem uma política para responder à recessão: quanto pior melhor. Aqui está o essencial: a Europa fracassa como Europa se não houver uma resposta europeia à crise.
Mas o segundo ataque à economia portuguesa, Sr.as e Srs. Deputados, é ainda mais grave, porque mais imediato: é o relatório da OCDE sobre Portugal que configura um plano de destruição da economia, dos serviços públicos e do emprego.
O relatório foi apresentado, como bem sabemos, pelo Ministro das Finanças e logo desdobrado pelo Secretário-Geral da OCDE em entrevistas, conselhos e intimações. Não há registo de um Secretário-Geral tão prolixo como este.
Mas entendamo-nos bem: este relatório é uma mistificação.
O relatório não foi escrito pelos revisores constitucionais do PSD, embora imite muito bem,...

Protestos do PSD.

» nem foi escrito por um ex-ministro do PS que, hoje, aparece a propor que se deve retirar da Constituição o direito à saúde e à educação.
O relatório foi escrito por funcionários do Governo português, em colaboração com outros da OCDE, e vale unicamente pelas recomendações que o Governo faz à OCDE para a OCDE fazer ao Governo.
Naturalmente, ambos estão de acordo consigo mesmos: aumentar o IVA e outros impostos, reduzir salários, desproteger o desempregado, descapitalizar a segurança social — desistir, continuar a política da desistência.
Ao camuflar as suas propostas ao País, por via da voz da OCDE, dois dias antes de falar por si próprio, o Governo usa da intimidação na falta de convicção. O relatório de segunda-feira é a agenda do Conselho de Ministros de quarta-feira. Aliás, é a resposta do Governo: a economia do medo; medo do desemprego, para

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que os trabalhadores aceitem mais desemprego; medo da crise, para que a classe média aceite mais impostos; medo da pobreza, para que todos aceitem menos apoio social; medo do Fundo Monetário Internacional (FMI), para que aceitemos a política do FMI.
A economia do medo, Sr.as e Srs. Deputados, agrava a crise para continuar a tomar medidas que agravam a crise. Ela tem uma única razão: para a OCDE e para o governo, como para a direita, a estratégia necessária é a de baixar os rendimentos da população.
Se os salários forem reduzidos, haverá mais rentabilidade, diz esta doutrina cruel e implacável. Quanto mais pobre for Portugal, melhor estará a sua economia, dizem os nossos salvadores.
É exactamente isso que Sócrates e Passos Coelho pactaram no Programa de Estabilidade e Crescimento.
É o que exigem o FMI, a OCDE, a Comissão Europeia, os especuladores: quanto pior, melhor — desistir.
Dizem-nos agora, aliás, que o pacto está, por uma semana, em crise e que, tendo governado o Orçamento para 2010 e 2011, fica suspenso na indecisão dos seus signatários.
Mas há, hoje, uma certeza na política portuguesa: é que o Governo anunciará, mais logo, novos aumentos do IVA e de outros impostos, diminuirá os salários de funcionários públicos nos próximos três anos e cortará nos serviços sociais e no investimento público.
Sabemos o efeito desta política, não sabemos, Sr.as e Srs. Deputados? Uma recessão mais grave, com mais desemprego.
Aumento de impostos e mais recessão é a receita da desistência.
O Bloco de Esquerda não aceita a desistência.
Há maioria no País para um Orçamento que proteja o Serviço Nacional de Saúde e que fixe o objectivo maior de um médico de família por cada família — é o que proporemos aqui no Orçamento.
Há maioria no País para um Orçamento que cobre impostos a todas as transferências de capitais e às fortunas — é o que proporemos aqui no Orçamento.
Há maioria no País para justiça fiscal, com o fim de benefícios injustificados nos seguros privados de saúde, nos PPR, para impor a obrigação de um pagamento mínimo no IRC em todos os sectores, sem excepção — é o que proporemos aqui no Orçamento.
Há maioria no País para manter os CTT ou os monopólios públicos como serviços públicos — é o que proporemos aqui no Orçamento.
Há maioria no País para cortar o despesismo inútil do Estado e para proteger a segurança social que é precisa — é o que proporemos neste Orçamento.
O Governo, Sr.as e Srs. Deputados, escolherá agora se quer responder a esta maioria do País ou se quer continuar com a direita a política do quanto pior melhor.
O Bloco de Esquerda escolhe a economia contra a desistência.

Aplausos do BE.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se dois Deputados para pedir esclarecimentos.
Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, uma vantagem indiscutível da mundividência do Bloco de Esquerda na política portuguesa é a simplicidade com que a realidade se apresenta aos seus olhos: a de uma vasta conspiração que une a Sr.ª Merkel, o Conselho Europeu, o Governo e o Primeiro-Ministro, a OCDE, o FMI e demais malandros de cartola que conspiram contra Portugal e contra a justiça.
Sr. Deputado Francisco Louçã, as suas preocupações relativamente às consequências da ausência de uma resposta europeia à crise que vivemos e às consequências de uma correcção dos desequilíbrios orçamentais num contexto de crescimento anémico e de um eventual impacto recessivo de procurar fazer o ajustamento orçamental num contexto de agravamento da situação social, do desemprego e de queda das receitas são preocupações legítimas, sérias e que nós partilhamos.

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Aliás, para incomodidade de V. Ex.ª, pelas palavras do Sr. Strauss-Kahn, o FMI também está preocupado com essa possibilidade.
Tendo ouvido V. Ex.ª denunciar a coligação que abrange a selecção do resto do mundo contra Portugal, o nosso povo e os nossos objectivos de desenvolvimento e justiça social, considero que esta era a ocasião de conhecer o pensamento sistematizado do Bloco de Esquerda sobre a União Europeia, sobre a moeda única e sobre o Orçamento para 2011, deixando de fora o offshore da Madeira, os malandros de cartola, os agravos da banca... Vamos conhecer esse pensamento junto ao chão: Sr. Deputado, desça à terra, onde estão os pobres desgraçados dos demais partidos deste Hemiciclo.

Protestos do BE.

Desça à terra e partilhe connosco o pensamento do Bloco de Esquerda para lidar com a situação económica do País, como fazem os demais, que têm que enfrentar a crise e que não se podem limitar a escolher o caminho da denúncia dos malandros de cartola.
Junto ao chão, explique-nos, com humildade e respeito pelos adversários, qual é a resposta do Bloco de Esquerda no plano da política europeia, da moeda única e do Orçamento para 2011.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, deixarei de lado neste debate, porque verdadeiramente não interessa, a não ser a si, todas as referências pessoais.
Repare, estamos perante uma crise orçamental gravíssima. O senhor pode entreter-se com simplicidade, com complexidade, com humildade ou com outras referências, com os malandros de cartola, de que gosta tanto de falar, mas vamos ao essencial, descer à terra.
Falei, hoje, aqui, de um orçamento para o qual há maioria no País.
Há maioria no País para uma política fiscal justa ou não há? Há maioria no País para que haja uma tributação sobre as mais-valias ou não há? Há maioria no País para que haja uma tributação sobre as transferências de capital ou não há? Há maioria no País para que todos os sectores da economia paguem o IRC que deviam pagar, ou não há? Há maioria no País para que a banca não poupe, por dia, 3 milhões de euros de imposto, que não paga e que devia pagar, ou não há? Há maioria no País para o fazer! No entanto, o Governo escolhe um Programa de Estabilidade e Crescimento que não toca no privilégio.
Toca no IVA, porque sabe que atinge o «coração» da economia, a procura das famílias com mais dificuldades,»

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — » e reduz o subsídio de desemprego.
O Sr. Deputado orgulhou-se daquele acordo entre Pedro Passos Coelho e José Sócrates, que, no primeiro «passo de tango», propuseram ao País, como grande medida emblemática, cortar no subsídio de desemprego 40 milhões de euros?

Vozes do BE: — Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Malandros dos desempregados!» Aos malandros de cartola dos desempregados, vamos tirar-lhes o subsídio de desemprego — foi essa a medida que o senhor aprovou.
A política não são só palavras, são decisões. Aqui tomou-se uma decisão de agravar a recessão. Diz o Sr. Deputado, cheio de floreados: «Eventualmente, há uma política recessiva». Tire o «eventualmente»! Hoje à tarde, o Governo — e vai ter o seu apoio amanhã — vai aumentar os impostos, vai anunciar que vai

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apresentar um Orçamento com mais impostos, com mais recessão, com mais injustiça, com um aumento do desemprego e com uma redução dos salários. E o senhor dirá: «Eventual política recessiva». Isto é, sim, recessão! Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, o Partido Socialista fará o percurso que entender, tem o direito de o fazer e olhamos para ele com respeito, mas o que está a dizer-nos é que a solução para a crise económica é a recessão, que a solução para a dificuldade do desemprego, da precariedade, da destruição da economia, da desindustrialização é reduzirmos o rendimento das pessoas, através do aumento de impostos e por redução de salários, de todas as formas! É claro que essa é a política do FMI. Não se proteja com Strauss-Khan. A política do FMI é exactamente isso, ou seja, a economia recupera se estiver mais pobre, o País estará melhor se estiver mais pobre, é preciso que haja mais desemprego.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Queira fazer o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Concluo já, Sr.ª Presidente.
O que os nossos salvadores estão a dizer-nos é que o caminho está certo! Mas cada medida que tomam agrava a recessão para, depois, tomarem novas medidas e dizerem: «Agora, sim, vamos salvá-los!». E, agora, novas medidas recessivas. E daqui a um ano, Sr. Deputado, qual será a salvação que os salvadores nos trarão? Mais medidas recessivas! É altura de cortar com essa política, em nome da maioria do País.
O Programa de Estabilidade e Crescimento que os senhores querem recuperar com o PSD para manter o aumento de impostos quer dizer exactamente isto: menos salário, mais pobreza, mais ataques aos serviços públicos, privatização dos CTT, degradação do Serviço Nacional de Saúde. E o senhor sabe-o, sabe perfeitamente! Toda a bancada do PS sabe, por isso nunca poderemos invocar a desculpa de que tomam as decisões de agravar a economia por desconhecimento, porque conhecem perfeitamente o objectivo desta política.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado Francisco Louçã, usou o dobro do tempo de que dispunha para a resposta.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, queria saudar a sua intervenção e começar por referir-me à questão do escândalo, do roubo dos recursos nacionais pelos grandes bancos internacionais, que, obtendo a baixas taxas de juro recursos junto do Banco Central Europeu, depois vêm emprestar aos Estados, e a Portugal em particular, montados na especulação dos mercados e das agências de rating, com juros absolutamente proibitivos que levam a que embolsem, sem nada fazerem, e de um dia para o outro, milhões e milhões de euros, centenas de milhões de euros que são património de todos os portugueses e que não podemos deixar sair daqui.
Este é, aliás, um dos sinais fundamentais desta desgraçada construção europeia, que é sempre para favorecer os mercados financeiros, sempre para favorecer os grandes grupos económicos europeus e as potências mais fortes da União Europeia.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E aqui, no nosso país, o que temos como possibilidades, do PS e do PSD e dos seus comentadores de serviço, dos seus justificadores de serviço, que pululam por toda a sociedade portuguesa a dar palpites sempre no mesmo sentido? São as mesmas políticas de sempre. Como se houvesse grandes divergências» Pergunto-lhe, Sr. Deputado Francisco Louçã, se considera que há grandes divergências nas medidas de política que agora se querem aprovar entre o que o PS e o PSD propõem; se considera que estiveram ou não

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de acordo com o corte, o roubo dos salários que já se fez este ano, em 1% e 1,5%, e que, porventura, se pode vir a repetir — talvez seja esse um dos anúncios de hoje tarde; se não considera que o PS e o PSD estiveram de acordo em relação ao roubo nas prestações sociais de dezenas de milhares de pessoas que estão a ver cortado o seu subsídio social de desemprego, o seu abono de família, o seu subsídio de maternidade por causa das injustas regras que foram aprovadas por aqueles dois partidos; se não considera que é verdade que, com a quebra do investimento, estamos a dar mais uma machadada na nossa economia; se não considera que é verdade que o PS e o PSD estão de acordo em continuar a não tributar justamente a banca; se considera que não é verdade que aqueles partidos fecham os olhos a que PT e os seus accionistas não tenham de pagar, neste momento, nem 1 cêntimo dos 6000 milhões de euros de mais-valia que fizeram da venda da Vivo no Brasil.
Num dia em que o povo português também se manifesta, como outros povos noutros países da Europa, contra estas políticas, contra este caminho, pergunto, Sr. Deputado Francisco Louçã, se podemos continuar a aceitar uma política económica que, em lugar de promover o emprego, promove o desemprego, se podemos continuar a aceitar uma política económica em que, em vez de ser a economia a matar o défice, é o défice a matar a economia!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, obrigado pela sua questão.
Ontem reuniu-se, num elegante hotel de Lisboa, um conjunto de economistas para apresentar soluções nesta disputa que há entre o Governo e Pedro Passos Coelho. E juntaram-se numa espécie de consenso previsível, dizendo o seguinte: é preciso cortar rapidamente as despesas sociais.
Neste momento, temos um Governo que, prometendo a protecção do Serviço Nacional de Saúde, prometendo a protecção da segurança social, leva mais de 1 milhão de beneficiários de prestações sociais, incluindo de prestações sociais muito baixas, como o abono de família ou a acção social escolar, a filas imensas nos centros de emprego para justificarem os seus rendimentos, visto que não têm outra forma de o fazer.
Uma economia com exigência teria de usar critérios transparentes sobre toda a sociedade, mas o que verificamos é que quem nos está a propor que a linha orçamental seja a de destruir o Serviço Nacional de Saúde, destruir a segurança social, reduzir o subsídio de desemprego encontra já um eco favorável nas propostas que o Governo tem vindo a aplicar. E talvez o mais preocupante da política portuguesa é como os sectores mais vulneráveis da sociedade têm sido atingidos por esta orientação.
É certo que o exemplo da Portugal Telecom é muito relevante a este respeito. A PT realizou um dos maiores negócios do mundo, na economia do mundo — a tal «conspiração mundial» de que falava com tanto entusiasmo o Deputado do Partido Socialista — e o imposto normal, normalíssimo!, que a lei deveria fazer pagar àquela empresa é bastante superior ao total do efeito do aumento do IVA pago por todos os portugueses. E, no entanto, nós temos duas certezas: os portugueses pagam o aumento do IVA e a PT não vai pagar nada!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exactamente!

O Sr. Francisco Louçã (BE): — A grande diferença é esta! É inaceitável que se possa perder receitas e degradar o serviço de saúde, ou prejudicar a recuperação das pensões mais pobres, e não intervir numa economia para a criação de emprego quando os recursos que existem podem ser obtidos tanto do lado do corte da despesa como do lado da recuperação de receitas que a evasão fiscal rouba ao País. E essa política consistente com a democracia não é adoptada como uma prioridade e uma urgência.
É por isso que a resposta, neste Parlamento, deve ser esta: há uma maioria no País para um orçamento do Serviço Nacional de Saúde; há uma maioria no País para um orçamento de justiça fiscal; há uma maioria no

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País para contas certas no Orçamento. E essa maioria tem de lutar contra a governação do desemprego e da austeridade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro) – Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A dívida do sector empresarial do Estado, descontando a saúde e a Parpública, subiu no primeiro semestre deste ano 12,33% em relação ao período homólogo — os dados saíram hoje e estão na página 16 do Boletim Informativo sobre o Sector Empresarial do Estado.
Estamos a falar de aumentos de endividamento de 13,9% no sector das infra-estruturas e de 11,3% no sector dos transportes. Estamos a falar de mais de 19,5% de dívida na ANA, de 11,6% nas administrações portuárias, de 9,4% na REFER, de 41,3% na Estradas de Portugal, de 16% na CP, de 8,7% no Metropolitano de Lisboa, de 10% no Metro do Porto e de 6,4% na Carris.
Em euros, isto significa mais 2329 milhões de euros em relação ao ano passado.
Ora, estes dados, só por si, já mereciam a nossa preocupação — são graves! Porquê? Porque mais dívida corresponde a mais juros que, directa ou indirectamente, saem do bolso dos contribuintes; porque mais dívida contraída pelo sector empresarial do Estado ç menos crçdito disponível para as empresas,»

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — » nomeadamente para as micro, as pequenas e as mçdias empresas, que empregam 80% das pessoas em Portugal;»

Aplausos do CDS-PP.

» porque mais dívida hoje, sabemos todos, são mais impostos para amanhã; porque mais dívida hoje ç maior dependência dos credores e, portanto, mais fragilidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas, Sr.as e Srs. Deputados, deixem-me citar um documento que todos conhecemos, mas que vale a pena relembrar hoje: «A par da maior selectividade do investimento a levar a cabo através da Administração Pública, reforçar-se-ão os critérios de exigência e selectividade a levar a cabo no âmbito do sector empresarial do Estado, acautelando a sua sustentabilidade e volume em termos compatíveis com a capacidade de financiamento e de endividamento das empresas e do Estado.
Neste sentido, é fixado um limite máximo para o crescimento anual do endividamento das empresas públicas não financeiras, tendo por referência um crescimento médio anual de cerca de 5,5%, até atingir um nível mais sustentável de 4% em 2013». E, neste documento, o quadro II.5 é muito claro: limite máximo de 7% de endividamento em 2010, 6% em 2011, 5% em 2012 e 4% em 2013.
Meus senhores, este documento é o PEC, mais precisamente o PEC 1, aprovado em Março de 2010.
Ora, o contraste entre o compromisso do Governo e a realidade é hoje, mais uma vez, gritante.

Aplausos do CDS-PP.

O Governo compromete-se a limitar em 7% o endividamento e só no primeiro semestre deste ano passa os 12%, em termos homólogos, o que corresponde a mais 1322 milhões de euros acima do limite definido anualmente.
Cabe perguntar: quem tem a culpa? É o Governo que não manda? São os gestores públicos que não cumprem? Alguém não está a cumprir a promessa e é preciso perguntar o que vai acontecer!

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Aplausos do CDS-PP.

Também neste PEC 1 o Governo determinava que os gestores que incumprissem o limite de endividamento estariam sujeitos à destituição por justa causa. Pergunto se é isso que vai acontecer.

Aplausos do CDS-PP.

Ou será que se vão multiplicar os pedidos das empresas públicas para ultrapassar esse limite, à semelhança do que já aconteceu com a Águas de Portugal, a REFER ou a CP? Mas vale a pena ir um pouco mais fundo para perceber o que foi discutido muito recentemente nesta Casa a propósito de um relatório do Tribunal de Contas, que é o seguinte: muitas vezes é ao próprio Governo que convém manter esta situação de endividamento das empresas públicas, porque o Governo não se quer endividar directamente, porque está limitado pelo Orçamento de Estado, não transfere para as empresas as indemnizações compensatórias que lhes eram devidas e atira-as para o crédito. É uma dívida do Estado mascarada e que penaliza ainda mais o contribuinte.

Aplausos do CDS-PP.

Volto a perguntar: quem manda? Que ordens deu o Governo? Quem está a incumprir? Que consequências vão ser retiradas? Enquanto o Governo não assumir que não é possível viver mais com uma dívida pública, directa e indirecta, que já ultrapassará 110% do PIB,»

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É verdade!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — » todos vamos sofrer, e muito.
Na semana passada, o relatório da execução orçamental pôs a nu o aumento de despesa. Hoje, o Boletim Informativo sobre o Sector Empresarial do Estado põe a nu o aumento da dívida. O Governo faz exactamente o inverso daquilo a que se compromete, e com isso a dependência dos credores vai crescendo cada vez mais! Depois, minhas senhoras e meus senhores, o Governo que não se queixe!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, compreendemos perfeitamente a sua intervenção de hoje: uma intervenção de actualidade conjuntural,»

Vozes do CDS-PP: — Conjuntural?!

O Sr. Afonso Candal (PS): — » pontual, que de alguma forma permite também fugir à actualidade que nos tem acompanhado, a actualidade estrutural.
V. Ex.ª sabe bem dos problemas que o País enfrenta, sabe bem das razões que levaram, nomeadamente, ao desequilíbrio e ao aumento do défice das contas públicas.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sabemos bem!

O Sr. Afonso Candal (PS): — Não foi de 2008 para 2009 que se deu a viragem e o desequilíbrio das contas públicas devido ao descontrolo da despesa: V. Ex.ª sabe que, de 2008 para 2009, o défice aumentou com um decréscimo da despesa em 1%. Aquilo que levou ao défice foi uma queda brutal das receitas.

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Portanto, não é razoável expectar que um problema que resultou de uma queda de receitas possa vir a ser resolvido por uma diminuição da despesa, que não foi a componente que provocou o problema do défice.
É evidente que a despesa deve e tem de ser controlada. Ela está controlada, mas temos, neste momento, e ainda, um problema de receita. A receita, em 2010, pelos dados de Janeiro a Agosto, está a subir 1,8%; no ano passado, por esta altura, entre Janeiro e Agosto, estava a decrescer 15%. Dos 15% de redução da receita nem 2% ainda recuperámos. Portanto, continuamos hoje a ter um significativo problema de receita.
É evidente que a situação em que nos encontramos não decorre só dos problemas orçamentais, decorrendo essencialmente de um problema de uma atenção, porventura exagerada, dos mercados internacionais sobre a dívida portuguesa, sendo que a dívida não diz respeito tão-só à dívida pública mas, sim, à dívida externa do País, que é outra particularidade do nosso País.
Sr.ª Deputada, a sua intervenção é extremamente redutora, porventura até desresponsabilizante, porque este deve ser um esforço do Estado e das entidades públicas, mas também dos particulares e das empresas.
É que o problema do País não é um problema de dívida pública, é um problema de dívida externa, que é maior do que a dívida pública. Portanto, esta é uma tarefa que deve chamar-nos a todos — entidades políticas, entidades públicas e entidades particulares, sejam elas empresas, sejam elas famílias.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Afonso Candal (PS): — Concluo já, Sr.ª Presidente.
Hoje, ao colocar dívida pública a 10 anos a taxas acima de 6,5%, estamos a sujeitar o País a um encargo que vai ter nos próximos 10 anos. Não é para o mês que vem, não é para este Orçamento, não é para o próximo, é durante 10 anos! E aquilo que nos deve mobilizar a todos não é estabelecer divergências, é estabelecer convergências e construir algo que possa evitar que o País seja submetido a este drama em que estamos, que pode, de facto, ser fortemente agravado.
Quanto ao que a Sr.ª Deputada diz, alguma razão lhe assiste, com certeza, porventura não toda. Aquilo que nos deve mobilizar hoje é a resolução do problema da imagem externa do País, e isso, Sr.ª Deputada, resolve-se num momento decisivo e determinante, que é na votação do Orçamento do Estado para 2011. Não há outro momento! V. Ex.ª pode fazer uma intervenção sobre o tema que entender. Nós cá estaremos para ver qual é a posição do CDS quando, de facto, for a sério.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, agradeço muito a sua intervenção, mas devo dizer-lhe que está ao lado daquilo que eu disse.
O senhor começou por dizer que o problema da dívida das empresas públicas é conjuntural, não é estrutural. Pois lamento dizer-lhe que se engana muito.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — O problema da dívida das empresas públicas — e esse é outro dos grandes problemas que temos — é um problema estrutural. E é um problema também de financiamento das empresas públicas que o Governo teima em não resolver.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — É tão estrutural como a miopia! É de fundo!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — No que respeita à preocupação do PS com a receita, bem o compreendo, Sr. Deputado, porque é mesmo assim: o PS e o Governo socialista vivem pendurados na receita

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— se a receita está mal, está mal; se a receita está bem, está melhor —, mas não fazem nada do lado da despesa, como lhes compete fazer, tal como não fazem do lado do endividamento.

Aplausos do CDS-PP.

Sr. Deputado, já agora, recomendo-lhe que leia com atenção, se é que não leu, a Conta Geral do Estado elaborada pelo Tribunal de Contas relativamente a 2008, onde aparece de forma muito clara que o famoso défice a que o Governo de José Sócrates chegou em 2008 deve-se, em grande parte, a receitas extraordinárias, nomeadamente da concessão dos recursos hídricos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Portanto, vale a pena olhar de novo para esse relatório, que é muito esclarecedor.
Para terminar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que a nossa preocupação é mesmo essa: não é uma coisa para agora, é para daqui a 10 ou 20 anos. E, por isso, citei aquela parte do PEC que o Sr. Deputado ignorou, onde se diz que o investimento vai ser selectivo e que a dívida vai ser controlada.
Por que é que não respondeu à minha pergunta? Quando o Governo assume num documento que, este ano, a dívida não pode ultrapassar os 7% como é que as empresas já vão em 12,3%?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Exactamente!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Como é que o Sr. Deputado comenta isto? Não comenta, porque não tem como comentar! Já agora, para lhe dizer quão importante é esta matéria, pelo menos ao nível das declarações políticas, vale a pena citar palavras do Sr. Primeiro-Ministro, que não são conjunturais, não são de 2010, mas, sim, de Novembro de 2006, na apresentação do quarto Orçamento do Estado. Dizia o Sr. Primeiro-Ministro o seguinte: «Uma nação endividada não é uma nação livre».
Pois é para isso que queremos trabalhar, para uma nação livre, e é para isso que pedimos ao PS para ver se controla, ou não, e como é que controla, estas empresas públicas e este endividamento. Porque, Sr. Deputado Afonso Candal, vão ser os meus e os seus filhos a pagar!

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Honório Novo.

O Sr. Honório Novo (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Assunção Cristas, a sua intervenção motiva-me, em réplica e em comentário, uma série de contra-perguntas, para as quais solicito adequada resposta.
Quando fala de dívida das empresas públicas, creio que estamos a fugir a duas outras questões, uma delas o endividamento externo do País. E, imediatamente, surge-me uma pergunta: este é o problema estrutural de Portugal. O que é que Portugal tem de fazer? A Sr.ª Deputada concorda, ou não, com a posição que o PCP tem veiculado, e que tem transmitido reiteradamente nesta Câmara, de que só se combate o endividamento externo através de um reforço, de uma defesa da capacidade produtiva instalada, por todos os processos, que seja capaz de substituir importações por capacidade produtiva instalada? Esta é uma primeira questão, sobre a resposta estrutural ao endividamento externo.
A segunda questão que vou colocar já aqui foi colocada: diz respeito aos juros da dívida pública e às dificuldades que isso traz para o crédito à economia. O que pensa a Sr.ª Deputada? Acha aceitável a banca privada financiar-se a 1% no Banco Central Europeu e o Estado pagar 6,5% pela tomada da sua dívida soberana?

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Está ou não de acordo com o PCP quando dizemos que isto demonstra a paralisia do Governo, a paralisia das instituições europeias, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, que em vez de financiar directamente os Estados, a dívida soberana, a taxas de juro baixas impede esse financiamento e só financia a banca privada, fazendo, por exemplo — esta é uma questão que levantou —, com que estes recursos também cheguem à economia, portanto, não apenas aos Estados mas à economia, a taxas de juro absolutamente incomportáveis, com spreads absolutamente inaceitáveis através de uma usura e de uma agiotagem absolutamente inaceitáveis?

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Finalmente, falando também das empresas e da dívida das empresas públicas, receio que a Sr.ª Deputada tenha corrido o risco de meter tudo no mesmo saco. E se é verdade que é necessário combater desperdício, combater, por exemplo, a compra de frotas automóveis na Águas de Portugal, a verdade é que as dívidas das empresas públicas, no fundamental, não são da responsabilidade das empresas públicas, são da responsabilidade e têm crescido por irresponsabilidade do Governo. Dou-lhe dois exemplos: um deles é o das indemnizações compensatórias.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
O Estado não contratualiza o serviço público, não paga as indemnizações compensatórias; ao longo de anos, sonega o financiamento das indemnizações compensatórias às empresas, designadamente às empresas de transporte. Pior do que isso: o Estado mantém um modelo de financiamento ao investimento destas empresas públicas absolutamente escandaloso, indigente, fazendo com que o fundo perdido em projectos de transporte em Portugal não atinja sequer os 25%, quando sabemos que qualquer projecto de investimento em obras públicas de transportes implica um fundo perdido de cerca de 50%.
E é esta irresponsabilidade do Governo, esta recusa em alterar o modelo de financiamento das empresas públicas que vai, depois, causar um endividamento, não por má gestão, não porque tenhamos de abandonar os investimentos dessas empresas públicas, não por irresponsabilidade das empresas ou por desnecessidade dos investimentos públicos mas, sim, por responsabilidade do Estado, que não altera os modelos de financiamento das empresas públicas.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Cristas para responder.

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, muito obrigada pelas suas perguntas e pelos seus comentários.
Como o CDS já disse repetidas vezes, obviamente o problema estrutural do nosso País chama-se crescimento económico, chama-se fragilidade do crescimento económico, chama-se falta de competitividade do nosso País.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — E aí estamos todos unidos na necessidade de criar condições para que haja mais produção de riqueza e mais crescimento económico.
Porém, Sr. Deputado, aquilo que nos distancia, aquilo que separa o CDS do PCP é que o CDS acha que o crescimento económico é feito com recurso às empresas, às pessoas, com disponibilidade de crédito para as pequenas, médias e micro empresas, mas também para as grandes empresas; que elas são o grande motor da economia; que são elas que arriscam, que aceitam juntar os factores de produção e contribuir para criar riqueza para todos.

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Aplausos do CDS-PP.

O PCP prefere achar que é o Estado que deve continuar a ser esse motor. Portanto, quanto a este objectivo comum, defendemos meios para lá chegar substancialmente diferentes.
Se não, então expliquem-me a revisão da vossa doutrina.
Sr. Deputado, como é evidente, há um problema de dívida, mas há também um problema de despesa. E enquanto o Estado não perceber que não pode viver consumindo o crédito como consome, esgotando o crédito como esgota e gastando o que gasta, enquanto não perceber que não se pode viver muito acima daquilo que se produz e da riqueza que se consegue gerar, continuaremos a ter graves problemas.
É isso que este Governo ainda não percebeu!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Sr. Deputado, no que respeita às dívidas, concordo com o Sr. Deputado. Aliás, estávamos na mesma audição onde esta matéria foi debatida, nomeadamente em relação aos transportes.
É evidente que falta fazer contratualização do serviço público. Mais: no PEC também se diz que será feito até ao final do ano. Veremos se será feito ou não.
É óbvio que há um subfinanciamento das empresas públicas e que o Estado opta por se financiar indirectamente — aliás, eu disse-o —, não transferindo o dinheiro para as empresas públicas e atirando-as para o endividamento, enquanto o próprio Estado limita esse endividamento porque tem os tectos do Orçamento do Estado. Mas isso, Sr. Deputado, não nos leva a esquecer o essencial, que é perceber para que servem estas empresas públicas, qual o serviço público que prestam, em que termos é que o prestam, quanto é que o Estado está disposto a pagar por isso e como utilizou os recursos que tem ao seu dispor: se com as tais despesas supérfluas ou se garantimos estritamente o fornecimento desse serviço público.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Confrontados com a iminência do abismo financeiro e do desastre social, para onde alegremente nos conduziu o actual Governo, os portugueses, a sociedade portuguesa, as famílias portuguesas não podem baixar os braços.
Porque baixar os braços é sinal de resignação face ao número de desempregados, que atinge valores nunca vistos — mais de 700 000 portugueses.
Porque baixar os braços é evidência de aceitação de que não nos importamos com o destino dos mais pobres e dos mais carenciados, cujo número aumenta, apesar dos desmentidos do Governo.
Porque baixar os braços é demonstração de que já não nos importamos com um número crescente de falências de empresas, grandes e pequenas, e especialmente de milhares e milhares de empresas de base familiar.
Porque baixar os braços é ignorar que o País tem reservas de energia, tem suplementos de alma que devem ser mobilizados e optimizados para responder a situações de crise aguda, como aquela que esta governação leviana do Partido Socialista criou em Portugal.
O Partido Social Democrata não baixa os braços, porque os portugueses também não os baixam. Nós não viramos as costas aos clamores dos carenciados. Nós não amesquinhamos as capacidades dos portugueses para se organizarem e para agirem.
Pelo contrário, o Partido Social Democrata pretende convocar, motivar e animar uma vasta rede de instituições sociais, nascidas e enquadradas pela sociedade civil, para que dêem uma ajuda no propósito de resgatar Portugal desta crise em que lamentavelmente nos afundamos.

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O nosso pensamento é muito simples: ninguém fica dispensado de dar o seu contributo para que Portugal seja capaz de ultrapassar estes tempos difíceis em que vivemos. E pensamos mais: já que este Governo se revela incapaz de encontrar soluções, vamos procurá-las junto das organizações da sociedade civil.
Portugal, é bom lembrá-lo, detém um património singular: uma vasta rede de instituições da economia social, onde se destacam as multicentenárias misericórdias, mas também as mutualidades, as instituições particulares de solidariedade social, as cooperativas, etc.
Estas instituições, criadas e administradas pelas populações e para servir as populações, têm de ser incentivadas para prosseguirem o seu meritório trabalho de intervenção social de forma desassombrada e sem estarem submetidas à omnipresença do Estado, que quase sempre redunda num exercício de manipulação.
Há demasiado Estado na gestão de instituições que se querem livres na sua administração, porque livre e espontânea foi a sua criação.

Aplausos do PSD.

O Partido Social Democrata vai apresentar em breve uma lei de bases da economia social e do terceiro sector. Não se trata de mais uma lei para infernizar e vasculhar o quotidiano destas instituições, como tem feito este Governo. Bem pelo contrário, trata-se de um diploma em cuja génese estará a participação activa das próprias instituições, de forma aberta e sem segredos.
Trata-se de uma lei que pretende sublinhar e dar o justo relevo a instituições que vêm desenvolvendo uma acção meritória na promoção dos valores da solidariedade, da justiça e da equidade sociais.
Trata-se de uma lei que se propõe definir com mais rigor o âmbito de acção destas instituições, para que o terceiro sector, o sector da economia social não seja uma espécie de parente pobre, constrangido entre o sector público e o sector privado, uma espécie de filho de um deus menor.
Trata-se de uma lei que abraça os desafios colocados pelos tempos da globalização, do envelhecimento crescente, dos novos fenómenos de pobreza e de exclusão, dos minguados crescimentos económicos e dos défices crescentes em que vivem muitos Estados e que são, na hora em que vivemos, particularmente dramáticos em Portugal.
Mais do que nunca, para responder a estes desafios, necessitamos do contributo activo, pioneiro e empenhado das instituições do terceiro sector e da economia social, instituições livres na sua natureza, desinibidas no seu funcionamento, audazes nos seus propósitos, solidárias na sua vocação.
O projecto de lei que, dentro em breve, apresentaremos neste Parlamento é também a nossa forma de dizer que acreditamos e defendemos intransigentemente o Estado social: um Estado social que não seja monopólio do Estado e muito menos dos governos; antes pelo contrário, um Estado social que seja obra de todos e também das instituições da sociedade civil, que podem dar um contributo determinante, como tem abundantemente demonstrado o seu historial: um contributo determinante, porque elas estão mais perto dos problemas e dos cidadãos que mais necessitam; um contributo determinante, porque elas congraçam a sociedade de forma descentralizada; um contributo determinante, porque elas mobilizam recursos, animam energias e concitam vontades como ninguém mais consegue fazer.
Perante os desafios que se colocam hoje a Portugal, esta é uma resposta que o Partido Social Democrata propõe à sociedade portuguesa, uma resposta que não pode tolerar a demissão de ninguém.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa.

A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, ouvi atentamente as suas reflexões a propósito daquilo que, hoje, um grupo do Partido Social Democrata reflectiu durante a manhã e quero dizer-lhe que estranho muito que venha aqui reflectir nos termos em que o fez. Digo-o porque o Partido Socialista e o Partido Social Democrata têm tido caminhos, estratégias, compromissos diferentes com as IPSS em Portugal.

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Não precisámos que a crise batesse à porta de Portugal para nos lembrarmos que as IPSS são, verdadeiramente, o parceiro fundamental para um conjunto de áreas essenciais para Portugal.
As IPSS sempre foram os parceiros que, juntamente com os governos, estiveram na luta contra a pobreza e contra a exclusão.
Quando chegámos ao Governo, há 6 anos, a dívida do Estado e do Governo do partido de V. Ex.ª em relação às IPSS era preocupante. Os protocolos, de acordo com as IPSS portuguesas, eram preocupantes.
Não precisámos que o desemprego subisse em Portugal para criarmos, há 4 ou 5 anos, protocolos sobre emprego e formação profissional. Recordo-lhe o Inov-Jovem, o Inov-Social, o programa para os beneficiários do rendimento social de inserção. Mais: recordo-lhe todo o estatuto que temos vindo a conferir às IPPS no sentido de parcerias nas áreas da saúde, da educação, do apoio à terceira idade, do desenvolvimento local, da própria formação em estágios profissionais e, mais recentemente, do acompanhamento das famílias beneficiárias do rendimento social de inserção.
Sr. Deputado, o que me impressiona no discurso de V. Ex.ª — sei que é uma pessoa estudiosa e, naturalmente, merecedora da confiança que lhe temos sempre depositado — é que, de uma matéria tão séria, que tem a ver com o compromisso político, uma grande nota de oportunismo tenha rodeado a intervenção de V. Ex.ª.

Aplausos do PS.

E por uma razão muito simples: porque, em Portugal, as IPSS sabem quem tem estado com elas na primeira linha, sabem quem promoveu o estatuto de parceria. Nós não as reduzimos a meras depositantes de subsídios do Estado, mas com elas protocolamos actividade, compromisso, desenvolvimento. E, por isso, a avaliação do trabalho e da sustentabilidade dos projectos que todas as IPSS em Portugal têm tido, é para nós absolutamente determinante como uma mais-valia do sentido da responsabilização social.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Adão Silva, o terceiro sector cumpre uma função essencial em Portugal na criação de emprego, distribuição de riqueza e, por isso, também tem sido alvo das preocupações por parte do Bloco de Esquerda. Aguardaremos a lei de bases que o PSD anunciou hoje e discutiremos no futuro, em profundidade, essa mesma lei.
Mas a pergunta que lhe tenho a fazer é sobre uma temática mais específica relativa a este terceiro sector.
Em Dezembro passado, o Conselho de Ministros criou o Decreto-Lei n.º 12/2010. Este diploma possibilita a criação de sociedades vocacionadas para o microcrédito. Como sabe, o microcrédito é um factor fundamental na criação de emprego, com provas dadas por todo o mundo, e que possibilitaria o acesso ao crédito a pessoas economicamente mais desfavorecidas, que vêm esse acesso impossibilitado pelas instituições bancárias actuais. Por isso, por todo o mundo, com esse crédito, muitas pessoas que criaram pequenos negócios deram emprego, criaram microempregos, criaram microempresas, dinamizaram a economia, resolveram muitos problemas de pobreza e promoveram a inclusão social.
A pergunta que lhe faço é simples. O Bloco de Esquerda já fez chegar ao Governo a preocupação com o atraso na regulamentação desse Decreto-Lei, para com as portarias que ainda não saíram e que, desde Dezembro, tardam em sair. Por isso, Sr. Deputado, pergunto-lhe se acompanha as preocupações do Bloco de Esquerda nesta matéria e se o PSD também tem preocupação relativamente à regulamentação do microcrédito em Portugal.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

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O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Adão Silva, concordo com a primeira parte da sua intervenção, em que faz uma análise da realidade social. Efectivamente, hoje temos mais de 700 000 desempregados e cerca de metade destes não recebe qualquer apoio na protecção do desemprego também por responsabilidade do PSD.
A culpa do actual Estado social que o País enfrenta não é da exclusiva responsabilidade da bancada do PS. A sua bancada, Sr. Deputado, partilha responsabilidades. Como disse, o PSD não baixa os braços. É verdade! Mas a verdade é que o PSD «abraça» o PS nas mesmas políticas, nas mesmas opções políticas que levam à situação desastrosa que hoje vivemos.

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Há vários exemplos que podemos aqui deixar, Sr. Deputado: os baixos salários, com os quais o PSD concorda; a precariedade, que o PSD promove juntamente com o PS, através das alterações ao Código do Trabalho; a exploração de quem trabalha; o corte nas prestações sociais, que discutimos na semana passada, e em que o PSD votou ao lado do PS — um corte absolutamente desastroso de prestações sociais, que são fundamentais para combater a pobreza; é o PEC 1, o PEC 2 e o PEC 3; são os «tangos«,». Trata-se, portanto, de manter os apoios aos mais ricos e aos mais privilegiados. Nesse aspecto há pura convergência do PSD com o PS. Nesse aspecto não são diferentes, são iguais, exactamente iguais.
Mas falemos da economia social.
Quero dizer-lhe que a pobreza e a exclusão social combatem-se com mais justiça social, olhando para os salários, olhando para as condições de trabalho, dignificando o trabalho, dando os salários competentes, aumentando reformas e pensões para diminuir a pobreza e, quanto a isso, como disse, o PSD nada fez, antes pelo contrário, está de mãos dadas com o PS no agravamento da pobreza no nosso País.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — No que diz respeito à economia social, às misericórdias, às IPSS, que nós consideramos que desempenham um papel muito importante na nossa sociedade, queremos dizer duas coisas.
Primeiro, elas deviam ter um papel complementar e não um papel predominante. Isto é, o Estado deveria assumir uma rede pública de equipamentos sociais, mas não o faz e atira responsabilidades para as IPSS.
Segundo, todo este discurso da economia social tem um grande objectivo: atirar responsabilidades que são do Governo para as IPSS, para as misericórdias e assim «sacudir a água do capote» e não intervir. Ora, isso nós consideramos que é absolutamente inaceitável quando, ainda por cima, colocam as IPSS, nomeadamente as mais pequenas, numa situação de grande dificuldade económica.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Porquê? Porque quer o PS, quer o PSD, nos protocolos que fazem com as IPSS estão sistematicamente a subfinanciar, a não transferir as verbas necessárias para que elas possam funcionar.
Hoje, temos uma situação verdadeiramente dramática de milhares de IPSS, das mais pequenas, daquelas que estão inseridas em contextos sociais mais desfavorecidos, que estão — perdoem-me a expressão — com «a corda ao pescoço», Sr. Deputado.
Pergunto: considera ou não que o Estado deve assumir as suas responsabilidades e, em primeira instância, construir uma rede de equipamentos sociais, seja nas creches, seja nos equipamentos para idosos, e, em segunda instância, tratar com respeito o trabalho das IPSS, porque o PS não o fez, tal como o PSD não o fez no passado?

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, vou procurar responder aos três Srs. Deputados que tiveram a bondade de me colocar algumas questões.
Disse a Sr.ª Deputada Maria José Gambôa que estranha a nossa reflexão. Sr.ª Deputada, V. Ex.ª devia ter ouvido hoje o que disseram as instituições durante o seminário que promovemos sobre a economia social e o terceiro sector. Garanto-lhe que o que eu disse da tribuna está muito sincronizado com o pensamento dessas instituições, repito, está muito sincronizado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não está sincronizado é com a vossa política!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Em relação às questões das IPSS e do tratamento que tem sido feito por este Governo, gostava de lhe dizer que este Governo está a tratar muito mal as instituições. E o sinal de que está a tratá-las muito mal é que desde há meses que se arrasta a negociação do protocolo para 2010 que estabelece a relação entre o Governo e instituições particulares de solidariedade social, e não se sabe quando é que será assinado. Ora, isto deixa uma grande instabilidade no governo de cada uma destas instituições. Parece-me que isto é altamente penalizante para as instituições e a culpa é da obstinação do Governo do Partido Socialista.
Sr.ª Deputada, quanto ao não ter achado oportuna a nossa intervenção, discordo, penso que é muito oportuna. E quem disse que é muito oportuna foram exactamente as instituições que ouvimos por todo o País e que hoje tivemos a oportunidade de, frente a frente, cara a cara, voltar a ouvir.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, agradeço a sua disponibilidade para estudar e debruçar-se acerca do nosso projecto de lei sobre economia social. Não o conhece, há-de conhecer, mas agradeço essa sua nota, contrariamente à Sr.ª Deputada Maria José Gambôa que, aparentemente, desde já, se recusa a discutir uma matéria que ainda nem sequer foi entregue no Parlamento.
Agradecemos, Sr. Deputado, essa sua disponibilidade que, obviamente, abona a esse espírito democrático.
Em relação à regulamentação do microcrédito, ouvimos a Sr.ª Ministra há meses e meses dizer que ia avançar com esta grande medida. E é uma grande medida! Legislou sobre ela, mas não a regulamentou, não a tornou operacional e, por isso, esta medida não está a surtir os efeitos que devia e se esperava, sobretudo num tempo muito delicado como aquele que hoje vivemos.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Machado, quero dizer o seguinte: é verdade, existem 700 000 desempregados. E veja bem, Sr. Deputado, são 700 000 trabalhadores criados no âmbito da actividade destas instituições da economia social. Mais de 700 000 trabalhadores da economia social e não apenas das instituições particulares de solidariedade social — 4% do PIB, da riqueza nacional, passa por estas instituições. Estas instituições deram provas, através da sua história, de que são meritórias, de que têm todo o crédito. Por isso lhe digo que o PSD se encontra com estas instituições, revê-se na sua acção, exalta a sua acção, sublinha a sua acção e apoia a sua acção.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adão Silva (PSD): — Temos uma discrepância: V. Ex.ª entende que quem deve fazer a rede de equipamentos sociais deve ser o Estado»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Também!

O Sr. Adão Silva (PSD): — » e nós entendemos que não, entendemos que deve ser mobilizada a sociedade civil, através desta rede das instituições, para que, de facto, possa ter um papel prevalecente, dominante, até, em muitas áreas da acção social e de intervenção social. Diferenças ideológicas que, seguramente, não serão ultrapassadas neste debate, mas tenho a certeza de que paulatinamente, pouco a pouco, com o exemplo dado por estas instituições, até o PCP se há-de reconverter a esta justa razão.

Aplausos do PSD.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente; Sr.as e Srs. Deputados: No único projecto de revisão constitucional até hoje conhecido, existe uma estranha proposta relativamente ao serviço público de rádio e televisão que não pode deixar de nos interpelar. Estranha pela forma como é introduzida e estranha pelas contradições que em si mesmo comporta.
No n.º 5 do artigo 38.º da Constituição relativo à liberdade de imprensa e meios de comunicação social está claramente definido que «O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão».
A proposta do PSD não prevê qualquer alteração neste ponto, o que significa que se mantém fiel ao que foi definido no protocolo do Tratado de Amesterdão de 1997 e que, desde então, tem sido sucessivamente reiterado pelo Conselho da Europa, o Parlamento Europeu, os Conselhos de Ministros da União Europeia e, até, a própria Unesco.
Existe na Europa um consenso alargado do que deve ser uma missão de serviço público nesta área.
Ora, surpreendentemente a discretíssima proposta do PSD de alteração do n.º 6 do artigo 38.º vem contradizer, na prática, o que acabara de ser afirmado no número anterior.
Diz assim o projecto: «A estrutura e funcionamento dos meios de comunicação social do sector público, quando exista, devem salvaguardar a sua independência perante Governo, a Administração e os demais poderes põblicos (»)«. Ou seja, ao introduzir o termo «quando exista« introduz-se a hipótese de uma não existência de uma estrutura de meios de comunicação social do sector público. Aceita-se a possibilidade de a RTP/RDP vir a ser privatizada.
Queremos aqui deixar bem clara a nossa frontal oposição a essa hipótese de privatização.

Aplausos do PS.

Mas, por respeito democrático, tentemos imaginar em que moldes ela poderia ser feita.
De forma resumida, existem duas possibilidades: ou concessionando o canal público de televisão a uma entidade privada ou criando um complexo sistema de cotas de programas considerados de serviço público, a serem inseridos na grelha de uma estação de televisão privada.
Relativamente a esta segunda hipótese, só a Nova Zelândia adoptou este regime, que já abandonou por os resultados não serem particularmente eficazes.
Já a primeira hipótese, a de concessionar, levanta problemas ainda mais complexos. O primeiro deles é claríssimo. Isso implicaria uma efectiva intromissão quanto mais não seja para fins de fiscalização do poder político ou administrativo na linha editorial de uma entidade privada, o que contradiz o próprio princípio de independência, previsto no mesmo artigo e não contestado.
Em qualquer dos casos seria sempre o Estado a financiar o serviço público, só que deixaria de ter os benefícios desse investimento. Não é concebível que uma entidade privada concessionária cumpra essa missão sem acrescentar aos custos inerentes a essa actividade os lucros que justifiquem a sua disponibilidade para esse desempenho.
Não deixa de ser curioso que um partido que se diz tão preocupado com as contas públicas venha a conceber negócios, a médio prazo, forçosamente ruinosos para o próprio Estado.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A bancada do Partido Socialista está consciente de que, graças aos avanços tecnológicos, vivemos um período extremamente criativo em tudo o que diz respeito à difusão de conteúdos e serviços interactivos, seja através da salutar multiplicação de canais temáticos ou via Internet.
Não temos qualquer dúvida de que um serviço público eficaz exige que se repense não só a forma de melhor assegurar a sua missão mas também o seu modo de financiamento. E é o que tem vindo a ser feito! Ao nível nacional, importa aqui salientar o que tem sido feito do ponto de vista financeiro para minimizar os custos e melhorar a gestão da empresa RTP/RDP.

Vozes do CDS-PP. — E bem!

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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Foi, aliás, o governo PSD/CDS-PP que, em 2003, elaborou, e bem, um plano estratégico a 16 anos para liquidação das dívidas da RTP, que está a decorrer e que termina em 2019.
Na anterior legislatura, foi estabelecido um novo contrato de concessão que densifica as obrigações da RTP e cria um sistema de avaliação, permitindo assim monitorizar o seu cumprimento.
À ERC, ao Parlamento e ao Conselho de Opinião foram atribuídas competências acrescidas para acompanhamento da execução da missão de serviço público.
Na Europa, excepto o actual PSD, ninguém contesta a necessidade de uma estrutura pública porque todos os parceiros reconhecem que, por não estar exclusivamente sujeito à lógica das audiências, o sector público é o que melhor pode garantir uma informação imparcial e independente do poder político e dos poderes económicos; desenvolver uma programação pluralista, inovadora; fomentar a tolerância e as relações intracomunitárias; defender a língua, a cultura, o património nacional e europeu; contribuir para a criação e produção audiovisual.
Resumindo — e estou a citar textos oficiais —, o serviço público de rádio e televisão tem de ser um exemplo de qualidade que não se submeta a uma lógica exclusiva de mercado e preencha objectivos sociais e culturais, ajudando a formar públicos exigentes, motivados e intervenientes.
Em contrapartida, a proposta que hoje aqui analisamos, ao concentrar-se na eventualidade de uma privatização, denota um total desfasamento em relação aos verdadeiros debates que um pouco por todo o mundo se têm travado e constituiria uma absurda excepção no panorama europeu onde existe um vasto consenso social e de todas as famílias políticas.
A ser concretizada ela iria contra os interesses do Estado e dos portugueses, lesaria o desenvolvimento da indústria audiovisual e causaria graves prejuízos para o próprio sector privado de rádio e televisão, uma vez que a entrada de um conjunto de novos canais no mercado publicitário teria inevitáveis consequências na saúde financeira das empresas.
Estamos abertos ao diálogo e à reflexão, desde que essa reflexão seja no sentido de reforçar e melhorar o serviço público e não de o fragilizar ou mesmo aniquilar.
Para terminar, gostaria, ainda, de referir que há um outro aspecto, de cariz mais ideológico, nesta proposta, que não pode ser omitido. Sejam quais forem os argumentos utilizados para a sua justificação, na base desta proposta de alteração constitucional está a ideia, que tem vindo a ser sistematicamente veiculada, de que o Estado está na origem de todos os males que nos afectam. Ora, esta posição nada tem a ver com políticas económicas ou financeiras, é pura ideologia.
No conturbado e difícil período em que vivemos, onde todos, tanto à esquerda como à direita, procuramos soluções para a saída de uma crise que, como é mundialmente reconhecido, não foi criada pelos Estados e cujas soluções passam por um reforço do poder regulador desses mesmos Estados, a pergunta que se impõe é: por que é que o maior partido da oposição, cego a tudo o que se passa no mundo, insiste em defender o enfraquecimento do mesmo? Anacronismos, Sr. Deputados, anacronismos, falta de visão estratégica e desfasamento.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se quatro Srs. Deputados.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Rodrigues.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, antes de mais, gostaria de agradecer-lhe por nos trazer hoje a debate um assunto que é muito caro não só ao PSD mas também à generalidade dos portugueses.
Vamos colocar a questão nos seus devidos termos, centrando o discurso naquilo que é essencial e não nos deixando perder em discussões normalmente histçricas»

Vozes do PS: — Estéreis! Estéreis!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Não, histéricas! Foi mesmo histéricas!

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A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — » em torno de questões político-ideológicas. Centremo-nos, então, no serviço público de televisão.
Como a Sr.ª Deputada referiu, o serviço público de televisão nasceu no pós-II Guerra Mundial, há 60 anos.
Nessa altura, havia vários motivos que justificavam o nascimento do serviço público de televisão, nomeadamente questões tecnológicas, financeiras e de valores.
No entanto, Sr.ª Deputada, volvidos 60 anos, nenhuma destas razões existe, nos dias de hoje — nem de carácter tecnológico, nem de carácter financeiro, nem de valores.
A tradição do PSD aponta, de forma muito clara, para uma visão onde o livre mercado funcione e exista uma regulação exigente, a par de mecanismos de auto-regulação fortes, partilhados pelos diferentes actores da actividade televisiva.
Ultrapassadas as limitações que referi há pouco, o que lhe pergunto é se há alguma coisa que justifique, nos dias de hoje, a existência de um serviço público de televisão e, caso entenda que há, o quê.
Falou de questões financeiras e referiu que é uma questão de contas públicas. Relembro à Sr.ª Deputada que, no ano de 2009, o serviço público de televisão custou ao Estado português 188 milhões de euros em indemnizações compensatórias, 119 milhões de euros em contribuições para o audiovisual e um aumento de capital de 188 milhões de euros, num total de 355 milhões de euros, ou seja, cerca de 1 milhão de euros por dia.
A questão que lhe coloco é esta: nos dias que correm, há alguma coisa que justifique tão pesado encargo para o erário público? Pergunto-lhe ainda se não entende que, nos dias que correm, há canais privados de televisão que desempenham tão bem ou melhor do que os canais põblicos o serviço põblico de televisão»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Onde é que já ouvi isso?

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — » e se não poderá o Estado concessionar esse serviço põblico aos canais privados que existem, sem este elevado encargo para o erário público.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Para finalizar, o que lhe pergunto, Sr.ª Deputada, é se acha que os portugueses estão dispostos a continuar a pagar, directa ou indirectamente, este montante brutal para um serviço público de televisão que em nada difere dos privados.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — A Sr.ª Deputada Inês de Medeiros responderá, em conjunto, aos vários pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, ouvimos a sua intervenção sobre, no fundo, a questão da privatização, ou não, da RTP e devo dizer-lhe — aliás, já discutimos várias vezes este assunto na Comissão de Ética — que o CDS continua a ter exactamente a mesma posição: o CDS não é favorável à privatização da RTP e acredita que deve haver um serviço público de televisão, em Portugal.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Agora, deixe-me também dizer-lhe, com franqueza, o seguinte: estamos a discutir um assunto que nos é muito caro. É caro a nós, mas também é caro ao País. E é caro ao País em vários sentidos: é caro, porque acredito que os portugueses querem um serviço público de televisão, mas também é caro porque, francamente, ele custa muito dinheiro.

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O que lhe pergunto é se não lhe parece que os principais inimigos do serviço público de televisão são não aqueles que o põem em causa mas, sim, aqueles que fazem uma má gestão dos fundos públicos que lhe são afectos.
É que repare no seguinte: nós concordamos que é preciso um serviço público de televisão, mas este serviço põblico tem de ser bem gerido»

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Claro!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — » e tem de custar o mínimo possível ao contribuinte.

Aplausos do CDS-PP.

É que é muito difícil explicar que este serviço nos custe tanto dinheiro, nesta altura tão difícil em que estamos a pedir tantos sacrifícios às pessoas.
Percebo que não seria a privatização da RTP que iria resolver o problema do défice público — claro que não! Mas também é com alguns pequenos exemplos que se percebe onde está a boa gestão e onde há práticas que podem ser corrigidas.
Vou perguntar-lhe a sua opinião acerca de alguns pontos. Por exemplo, o Conselho de Administração da RTP tem cinco administradores. A Sr.ª Deputada não acha que seria sensato reduzi-los para três, como, aliás, se passava anteriormente?

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Ou para dois!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Bem sei que isso não resolveria todos os problemas, mas seria um sinal.
Um outro exemplo é este: foi feita a fusão com a rádio pública, mas mantiveram-se directores de programas separados, directores de informação separados. Não poderiam criar-se aqui sinergias? Não poderiam fazer-se aqui algumas poupanças?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por exemplo, a Sr.ª Deputada acha razoável que haja alguns quadros da RTP que recebem salários que são manifestamente mais do dobro do salário do Presidente da República?

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Ora bem! Pronuncie-se, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pergunto: isto é sensato? Isto é razoável, nesta altura? Por último, devo dizer-lhe que acredito num serviço público de televisão, mas num serviço público de televisão que cumpra as regras. Ora, a RTP já foi chamada, várias vezes, a atenção por não cumprir as regras do pluralismo. Não lhe parece que deveria haver sanções para este não cumprimento e que, se estamos a falar em serviço público de televisão, ele deveria sê-lo mesmo a sério e diferenciar-se mesmo do serviço privado?

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Rato.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, de facto, a questão que hoje aqui nos traz, em forma de declaração política, merece, desde há muito, a preocupação do PCP. Entende o PCP que é parte integrante de uma política de serviço público de televisão e rádio uma profunda reestruturação e estabelecimento de princípios de uma gestão rigorosa, de uma gestão profissional e

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independente do poder político e económico, bem como é fundamental valorizar e apoiar efectivamente a comunicação social, regional e local.
No entanto, entendemos que não bastam palavras em defesa do serviço público de rádio e televisão.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E bem pode a Sr.ª Deputada, em forma de declaração política, vir defender o serviço público de televisão, quando, na prática, através de medidas concretas de restrição orçamental, põe em causa a qualidade desse mesmo serviço público de televisão, nomeadamente através do atraso no pagamento da indemnização compensatória à RTP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Assim sendo, a questão que gostaria de colocar-lhe é como é que a Sr.ª Deputada lida com esta dualidade e com esta incoerência, de não disfarçar, com a defesa de um serviço público de televisão, uma política de privatizações de 17 empresas estratégicas essenciais à economia nacional.
É porque bem pode vir o Grupo Parlamentar do Partido Socialista «lançar palavras ao vento» em defesa do cumprimento da Constituição, quando, através da sua política de direita, mais não faz do que colocar em causa as funções sociais do Estado e desperdiçar um recurso importantíssimo que são empresas estratégicas nacionais, aprovando um PEC que prevê a privatização de 17 empresas essenciais à nossa economia, abrindo, assim, caminho às privatizações. Portanto, «não bate a bota com a perdigota».

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Haja coerência da parte do Partido Socialista e afirme-se que é fundamental o Estado ter ao seu dispor mecanismos e alavancas essenciais ao desenvolvimento económico e social! Portanto, a par do serviço público de televisão e rádio de qualidade, independente do poder económico e político (mais uma vez, o afirmarmos), também é fundamental ter, no plano económico, um conjunto de empresas essenciais, como os estaleiros de Viana do Castelo, a Galp, a EDP, a REN ou a TAP. Mas, aí, não há acérrima defesa da Constituição que valha ao Partido Socialista! Aliás, aí, dão a mão ao Partido Social Democrata e há uma política de privatizações que destrói a economia nacional e contribui para a nossa dependência em relação ao exterior.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, há dois anos, o Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, disse, nesta Assembleia, o seguinte: «O Partido Socialista é o campeão das privatizações». Aliás, o Partido Socialista tem feito tudo para ser o campeão das privatizações. CTT, Galp e EDP são algumas de tantas empresas estratégicas que o Partido Socialista, de braço dado com o Partido Social Democrata, quer agora privatizar! Portanto, a Sr.ª Deputada vir aqui falar-nos da privatização da RTP parece-nos um pouco «atirar areia para os olhos».
Mas acompanhamo-la na defesa da RTP. Mais: acompanhamo-la até no discurso que faz sobre quão ruinosa é a privatização de sectores estratégicos para o País — ruinosa, do ponto de vista do serviço público, com certeza, e ruinosa também do ponto de vista financeiro.
A primeira pergunta que quero fazer-lhe é esta: tendo em conta que concorda que a privatização de serviços públicos estratégicos, de empresas públicas estratégicas, é ruinosa, qual é a sua posição sobre a privatização dos CTT, da EDP e da Galp?

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Quero ainda fazer-lhe outras duas perguntas, estas sim, sobre a RTP. É que nós não defendemos a RTP serviço público, dizendo simplesmente «Queremos muita RTP e a RTP é um serviço público essencial»; é preciso defender a RTP com actos.
Discutimos aqui a lei da televisão e a lei da rádio. O Bloco de Esquerda apresentou projectos de defesa da RTP para que na lei da televisão estivesse expressamente dito, porque não está — como foi também retirado da lei da rádio e não devia ter sido —, que o serviço público de televisão é feito pela RTP, pela empresa pública RTP. O Partido Socialista não aceitou estas alterações. Pergunto: no debate, na especialidade, o Partido Socialista vai aceitar que, na lei da rádio e na lei da televisão, se diga que o serviço público de rádio e de televisão é feito pela RTP? Sim ou não? A segunda pergunta, muito simples, tem a ver com o seguinte: a RTP tem tido, sabemos, uma gestão ruinosa. E não tem sido sempre um serviço público; tem sido, muitas vezes, pouco serviço público. E não há, como diz o PSD, um serviço público fornecido pelos privados — isso não existe, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Existe!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Ou, então, temos a bitola de serviço público de televisão tão em baixo que até achamos que isso acontece.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não é essa a opinião do Bloco de Esquerda que acha que um serviço público de televisão deve estar ao serviço da cultura, do conhecimento, da pluralidade de informação, dos contactos entre comunidades, da afirmação, da partilha. E esse é um serviço público que tem estado aquém do que deveria estar, mas não é, com certeza, fornecido pelos operadores privados.
A pergunta que lhe faço é esta: aceita que, no debate, na especialidade, da lei da televisão e da lei da rádio, seja introduzida, como já foi proposto pelo Bloco de Esquerda e chumbado pelo Partido Socialista, a ideia de que é preciso um plano estratégico para a RTP, a ser discutido nesta Câmara juntamente com o Conselho de Administração da RTP, para que a RTP seja desgovernamentalizada e se torne num instrumento de serviço público e não dos governos do momento?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Carla Rodrigues, agradeço as questões que me colocou.
Em relação a discussões histéricas, como as denominou, permito-me relembrar aqui algumas declarações.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Estéreis!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Ah, estéreis! Também se aplica ao que vou dizer.
Passo, então, a citar excertos de um debate ocorrido nesta Câmara, em que alguém dizia: «É que se a RTP for colocada em causa, então, toda a discussão que tanto gostam de alimentar fica à partida prejudicada, os direitos dos trabalhadores comprometidos e o nome da empresa definitivamente prejudicado. Sem RTP, o debate sobre serviço público de televisão torna-se quase virtual — não se discute o ‘sexo dos anjos’ ou se tenta salvar a televisão pública. Para nós, não há qualquer dúvida nos dois compromissos básicos que assumimos: defender a televisão pública em Portugal e lutar, até ao limite das nossas forças, para que a sua reconstrução se faça a partir da RTP e não sobre os escombros da sua extinção».
Sabe quem disse isto? Na altura, o Sr. Deputado Nuno Morais Sarmento.

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Há quantos anos?

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A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — O PSD já não concorda com isto.
Mas há mais, Sr.ª Deputada! A saber: «Hoje, a batalha da soberania passa muito pela defesa da língua portuguesa, pela defesa de um serviço público de qualidade, que é o que nós não temos, em Portugal». Isto foi dito, na altura, sabe por quem? Pelo Dr. Durão Barroso.
Verifico que o PSD mudou de posição em relação a esta matéria. Não sei se isso tem a ver com a tradição ou se é definitivamente um corte com a tradição.
Relativamente à questão sobre a concessão do serviço público de televisão a canais privados, penso que já respondi. Aliás, esperava que a Sr.ª Deputada me respondesse como tencionam concessionar um canal sem que isso implique uma intromissão do poder político e administrativo na linha editorial. É só um pequeno problema constitucional que, pelos vistos, a Sr.ª Deputada considera menor e irrelevante!

A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Na revisão constitucional, discutiremos esse assunto, não agora!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, acho que é importante sermos minimamente rigorosos. É verdade que os custos operacionais da RTP representam cerca de 300 milhões de euros, mais precisamente 298 milhões de euros. Em relação ao plano estratégico que foi criado — e, tal como eu disse na intervenção, trata-se da defesa de um serviço público, de uma televisão pública —, é importante salientar que 50 milhões de euros se destinam ao pagamento da dívida e 50 milhões de euros se destinam à rádio. Destes custos operacionais nunca ninguçm se lembra» Ora, os 190 milhões que restam são para pagar a RTP 1, RTP 2, RTP Madeira, RTP Açores, RTP N, RTP África, RTP Memória, RTP Mobile. Podemos discutir, numa óptica de como melhorar o serviço público, se todos estes canais são ou não importantes. Mas é bom pôr as coisas no seu devido lugar.
Por outro lado, também convém desfazer a ideia de que os contribuintes pagam demais pelo serviço público. Ou seja, relativamente aos custos operacionais da RTP que constam dos 300 milhões de euros do orçamento, se fizermos um cálculo em relação à população portuguesa per capita ou por lar, para cada habitante, mensalmente, o contributo ç de 2,3 €/mês e por lar ç de 4,3 €/mês.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas isso é muito dinheiro!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — São custos muito abaixo de qualquer serviço público na Europa.
Qualquer serviço público na Europa tem custos muito superiores.
Portanto, temos de ser coerentes. Eu não estou a dizer que o serviço público não implique custos, porque implica. Obviamente, temos de ser rigorosos na sua gestão. Devo salientar que a RTP/RDP tem feito um esforço para serem coerentes, para terem uma gestão rigorosa. Podemos melhorar? Podemos, certamente, em particular na oferta.
Infelizmente, os partidos da extrema-esquerda, mesmo quando estão de acordo, arranjam maneiras de não estar, e a única maneira que encontraram para não estarem de acordo é misturar tudo. Ora, isto não enriquece o debate político, Srs. Deputados!

Aplausos do PS.

Protestos do BE.

Podemos misturar tudo, mas o que se espera de um debate nesta Câmara, o que se espera de nós, sobretudo quando, de alguma forma, somos especialistas numa determinada área, é que sejamos concretos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a indemnização compensatória?!

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Deputada Catarina Martins, até poderei discutir consigo os CTT, a ANA e a Galp, mas neste momento o que está a decorrer é um debate sobre a televisão pública.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada, por favor.

A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Vou já concluir, Sr.ª Presidente.
Essa sistemática fuga em frente, porque tudo é melhor do que concordar com o PS, enfraquece o debate político.
Já tive ocasião de dizer em comissão que o Partido Socialista não tem posições dogmáticas. Não somos forçosamente contra as privatizações nem somos forçosamente a favor das nacionalizações. Cada caso é um caso e os casos têm de ser estudados na sua especificidade.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Não havendo mais pedidos de esclarecimentos, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vamos a questões concretas, pois parece que é essa a vontade do Partido Socialista.
Nos últimos dias, tivemos muitas declarações e até um fórum muito participado, com a presença do Primeiro-Ministro, com a intenção de demonstrar que, por reacção à proposta do PSD para a revisão constitucional, o PS não aceita desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde. Mais: segundo vários responsáveis governamentais e do Partido Socialista, no debate do próximo Orçamento, o PS não aceita cortes na saúde.
Perguntamos: o que tem andado o PS a fazer no Governo? Quem aumentou as taxas moderadoras, e o que é isso senão um corte na saúde, passando custos para os utentes? Quem é que aumentou os medicamentos durante os últimos anos, e o que é isso senão um corte na saúde, passando custos para os utentes? Quem é que estrangulou os hospitais públicos — e, provavelmente, aí iremos encontrar uma boa parte da justificação para a aflição da execução orçamental em que o Governo parece estar — com contas escondidas nos hospitais públicos, nos hospitais EPE, sabendo que no último Orçamento do Estado, aquele que está a ser aplicado, a verba para o Serviço Nacional de Saúde, na realidade, diminuiu em relação ao Orçamento do Estado para 2009, se descontarmos o artifício contabilístico, que não corresponde a um aumento, de introduzir as verbas da ADSE logo no início do Orçamento, verbas que não aumentam o Orçamento em relação ao ano anterior mas apenas antecipam o momento em que são injectadas no Serviço Nacional de Saúde? Portanto, o Orçamento do Estado para 2010 foi inferior ao Orçamento do Estado para 2009, e essa é uma das razões para o garrote financeiro em que estão as instituições do Serviço Nacional de Saúde.
Ouvimos o Dr. Correia de Campos — esse insigne ex-governante! — a criticar as propostas do PSD, a dizer que não podia ser, que o PSD quer destruir o Serviço Nacional de Saúde. E leu até o livro do Dr. Passos Coelho. Ora, eu também tenho comigo o famoso livro do Dr. Correia de Campos, onde explica, quando saiu do Governo, que as medidas que tomou na área dos medicamentos levaram, e cito, «indiscutivelmente a aumentar a percentagem de desembolso das famílias nos medicamentos (»)«. Ele explica tambçm por que ç que tinham de aumentar as taxas moderadoras. Dizia ele: «(.») a razão mais importante para o alargamento das taxas moderadoras não foi nem o objectivo moderador, nem o objectivo financiador mas sim uma preparação da opinião pública para a eventualidade de todo o sistema de financiamento ter de ser alterado».

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Aí está!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Este é que é o Prof. Correia de Campos e a sua política de saúde.
Quase que me apetecia dizer que ouvir o Dr. Correia de Campos a defender o Serviço Nacional de Saúde seria quase como ouvir o Secretário de Estado Laurentino Dias a defender o ex-seleccionador Carlos Queiroz!»

Risos do PCP e do PSD.

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Queria ainda referir-me ao aumento dos custos dos medicamentos para os utentes, recentemente aprovados pelo Governo, e explicitar o que significam estes valores para os utentes.
Revisão da comparticipação de 100% para idosos com reforma inferior ao salário mínimo, repito, para idosos com reforma inferior ao salário mínimo — esta comparticipação baixa para 95%. Como a própria Ministra da Saúde afirmou que custava, num ano, 100 milhões de euros, significa que vão ser pagos 5 milhões de euros a mais pelos idosos com reformas inferiores ao salário mínimo! Baixa do escalão A de 95% para 90% de comparticipação. Lembre-se que Correia de Campos já tinha baixado de 100% para 95%. É uma segunda baixa no escalão A, nos últimos anos. Fazendo as contas com valores de 2008, que são os últimos disponíveis e aplicando as taxas de crescimento da despesa moderada, calculando por baixo, chegamos à conclusão de que a percentagem de comparticipação significará, pelo menos, mais 13 milhões de euros para os utentes! Depois, temos a passagem dos medicamentos antiulcerosos, antiácidos e anti-inflamatórios do escalão B para o C, o que significa deixarem de ser comparticipados a 69% e passarem a ser comparticipados a 37%. O valor que se transfere para os utentes com esta alteração é de quase 70 milhões de euros, repito, 70 milhões de euros, com os antiulcerosos e antiácidos — estes são alguns dos medicamentos mais consumidos em Portugal — e 37 milhões de euros com os anti-inflamatórios (o Nimesulide, o Nimed e outros) que são também muito consumidos no nosso País.
Uma outra medida: a retirada da possibilidade de invocar uma portaria de 2004 nos antidepressores, nos medicamentos psiquiátricos, que permitia que, quando o médico entendesse adequado, a comparticipação fosse de 69% e não de 37%, como estava estabelecido. Isto significa que cerca de 106 milhões de euros, que é a diferença entre uma coisa e outra, vão ser transferidos para os doentes, pessoas que precisam destes medicamentos para terem uma vida estabilizada, para manterem a sua produtividade, a sua assiduidade ao trabalho, a sua estabilidade nas relações familiares. Ora, muitos deles não vão poder pagar estes medicamentos, e isso trará sérios prejuízos para as suas vidas e para o País.
Mais: o Governo propõe que o preço de referência baixe novamente e que, mesmo quando um médico receita um medicamento e o doente não pode trocá-lo por um medicamento genérico, seja o doente a pagar a diferença, uma diferença que agora será ainda maior. Ainda não é possível calcular essa diferença, mas serão, certamente, muitos milhões de euros.
Só em relação às outras medidas, excluindo esta que não é possível calcular desde já, a transferência de custos para os utentes é de 230 milhões de euros. Pelo menos, são 230 milhões de euros que vão ser transferidos para os utentes e que o Estado vai deixar de comparticipar.
É esta a política de defesa do Serviço Nacional de Saõde que o PS nos apresenta!»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma vergonha!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — São cortes na saúde, são cortes na vida das pessoas, são cortes no acesso aos medicamentos.
Portanto, escusam de invocar a proposta do PSD, porque a vossa política é a mesma que o PSD propõe para ser incluída na Constituição.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É por isso que dizemos, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, que não é possível continuar a resolver os problemas do défice orçamental atacando sempre os mesmo, atacando sempre os que mais precisam, cortando na despesa social, que é o que o PS faz, e depois querer disfarçar esta política de corte social, esta política de abandono dos que mais precisam com inflamados discursos ou sessões muito concorridas a fingir que defendem o Serviço Nacional de Saúde. Na realidade, não o defendem e contribuem para o afundar com a vossa política, mesmo que a queiram disfarçar com o vosso discurso.

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Inscreveram-se quatro Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Clara Carneiro.

A Sr.ª Clara Carneiro (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, ouvi com muita atenção a sua explanação. De facto, o PSD concorda com o que o Sr. Deputado disse: o que interessa ao PSD é que haja justiça social.
Portanto, a proposta de revisão constitucional do PSD não vai tocar nem destruir o Serviço Nacional de Saúde, que é aquilo a que temos estado a assistir nos últimos tempos, pois todas as medidas que têm sido tomadas não são medidas de justiça social.
O Sr. Deputado referiu que foi o governo socialista que introduziu taxas moderadoras em duas situações que consideramos inaceitáveis e que o PSD revogou nesta Câmara. Refiro-me às taxas moderadoras a internamentos e às taxas moderadoras em cirurgia. Felizmente, foram revogadas nesta Câmara por iniciativa do PSD, porque nós defendemos o Estado social.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, o que o PSD defende — sempre o disse — é que tem de haver equidade no acesso. É no acesso que se pratica a equidade, não é no financiamento. Portanto, o acesso é que tem de ser igual para todos no que toca ao sistema. Ora, aquilo a que temos assistido no que diz respeito aos medicamentos, onde, como o Sr. Deputado sabe, há um co-pagamento, nesse ponto de contacto, o PS não tem praticado equidade.
O que o PS fez em relação ao pacote dos medicamentos — a que o Sr. Deputado chamou «política do medicamento» e eu pergunto onde é que está a política do medicamento deste Governo! — foi tocar não só nos doentes que mais necessitam (aqueles que recebem o salário mínimo nacional, aqueles a quem o Sr.
Eng.º José Sócrates prometeu em campanha eleitoral medicamentos gratuitos) mas também nos medicamentos mais imprescindíveis, aqueles que fazem mais falta em termos terapêuticos. Isso é que nos dói neste momento. Se queriam cortar — e nós somos a favor de que se racionalize e se corte na despesa —, tivessem-no feito num escalão menos doloroso, num escalão de muito maior consumo como é o escalão C, em que se verifica sessenta e tal por cento de consumo de medicamentos.
O Sr. Deputado, que tem experiência nesta Câmara, que está cá há vários anos, já alguma vez experimentou, nos anos em que aqui tem estado, uma panóplia tão grande de alterações na mesma área como este Governo fez? Já mexeu profundamente seis vezes na mesma área, de cabo a rabo. O Sr. Deputado já assistiu a este desnorte, a esta não política do medicamento desde que aqui está?

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Clara Carneiro, diz a Sr.ª Deputada que concorda com o que acabámos de dizer. Fiquei com curiosidade em saber se concorda com o que o PSD tem dito sobre o Serviço Nacional de Saúde na Constituição.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A proposta que os senhores agora apresentam têm-na apresentado em várias revisões constitucionais com uma forma mais ou menos semelhante, mas sempre no mesmo sentido. Da primeira vez que a apresentaram, em 1982, um Deputado da sua bancada explicou qual era o seu objectivo: «Ao deixar cair o termo gratuito, temos obviamente um objectivo: abrir as portas ao aparecimento de outras formas de financiamento do sistema de saúde, como os seguros de doença e os sistemas organizados de formas diversas.» Era o Deputado Luís Filipe Menezes — não sei se já ouviu falar»!? — que justificava, com esta clareza e de forma cristalina, o objectivo da proposta do PSD.
Os senhores, hoje, têm mais ou menos a mesma proposta, com uma formulação um pouco diferente, mas com o mesmo objectivo, e querem disfarçar esse objectivo — que é o real objectivo do PSD — com uma conversa acerca da defesa do Serviço Nacional de Saúde.

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O PS diz que não quer a proposta do PSD, porque quer defender o Serviço Nacional de Saúde. No outro dia, Sr.ª Deputada, ouvi o líder parlamentar da sua bancada dizer que as propostas do PSD são para salvar o Serviço Nacional de Saúde. Então, quem é que estará a atacar o Serviço Nacional de Saúde? Seremos nós, aqui, nesta bancada?

Vozes do PS: — São!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Seremos nós? Sr.ª Deputada, a equidade de que tanto fala tem de a procurar nos impostos. É aí que temos de ir buscar aos que mais têm e não aos que menos têm, para depois podermos ter serviços públicos que beneficiem todos de igual maneira porque uns pagaram mais do que outros quando se tratou de taxar o rendimento.
Sr.ª Deputada, de facto, agora há muitas e gravíssimas alterações da parte do PS. É aqui que estão a fazer o corte. No entanto, o seu partido também tem de esclarecer, quando fala em corte na despesa pública, onde é o corte, porque não pode defender todos os dias o corte na despesa pública e depois vir dizer-nos, quando falamos de um corte em particular, que nunca é esse, que é sempre outro, mas não sabe onde. Gostava de saber onde é o corte que pretendem na despesa pública.
Para terminar, Sr.ª Deputada, uma das medidas agora anunciada foi, mais uma vez, baixar o preço de referência. Quem é que inventou o sistema de preço de referência?

O Sr. Bruno Dias (PCP): —- Ora bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Foi o PSD e o CDS! Como não têm coragem para impor aos médicos a prescrição pelo princípio activo, inventaram o preço de referência para poupar dinheiro ao Estado à custa dos utentes. E é este sistema que agora o PS utiliza para desguarnecer ainda mais os utentes do nosso País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, felicito o PCP por trazer a debate um tema tão importante que tem a ver com os gastos e os desperdícios no Serviço Nacional de Saúde e, ao mesmo tempo, com a protecção dos utentes.
Gostava de obter o seu comentário, Sr. Deputado, relativamente a algo que considero espantoso.
Em Maio de 2005, já lá vão mais de cinco anos, o Governo do Partido Socialista estabeleceu um compromisso para a saúde, no qual o Partido Socialista, liderado por José Sócrates já na altura, dizia que era essencial legislar em matérias como a dose individual e a prescrição por denominação comum internacional.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Compreendo-os. Considero que o Partido Socialista tinha razão nesse compromisso. É possível, com um sistema de unidose, garantir que os doentes só compram o que precisam e que o Estado só gasta aquilo que verdadeiramente deve. É o sistema que faz sentido. Tal como a prescrição por denominação comum internacional faz sentido, desde que possível, garantindo sempre a liberdade de escolha aos doentes e mantendo princípios básicos de qualidade, de efeito terapêutico e de segurança.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — O CDS tem vindo a apresentar um conjunto de propostas — e voltaremos a elas — como, por exemplo, a unidose efectiva para os doentes que não são doentes crónicos.
A verdade é que os gastos com medicamentos no SNS têm vindo a subir de uma forma exponencial. É muito curioso, aliás, verificarmos que o Governo previa um aumento com gastos com medicamentos no SNS

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apenas de 1% e neste momento já chega aos 12%, podendo mesmo atingir os 13% até ao final do ano, o que se soma ao descalabro das contas do SNS.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Teremos, nesta matéria, propostas e esperemos que muitos daqueles que estão preocupados com o desperdício no SNS se unam às nossas propostas, quem sabe até garantindo um resultado semelhante ao que vários partidos conseguiram quando extinguiram as taxas moderadoras para o internamento que o Partido Socialista tinha proposto na legislatura passada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — A verdade é que, por causa das dificuldades de acesso aos cuidados de saúde das famílias portuguesas devido ao preço dos medicamentos, a parte do orçamento que as famílias portuguesas têm para gastos com a saúde é muito elevada, uma das mais elevadas na Europa, cerca de 6%, não contando aqui com todos aqueles gastos indirectos para o SNS por via do aumento de impostos.
Por isso mesmo, gostava de perguntar ao Sr. Deputado se lhe parece normal que a consequência de tudo isto, a consequência do facto de o Partido Socialista não ter coragem política para cortar o que é desperdício seja, do ponto de vista social, muito injusta. De facto, como o PS não tem coragem para cortar o desperdício do SNS com o medicamento, faz ao contrário e limita o acesso dos mais idosos, dos mais dependentes, dos que têm maiores encargos na comparticipação com medicamentos.
Considera que esta é uma política social que faz sentido? Peço-lhe uma resposta, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pedro Mota Soares, o Governo assinou dois compromissos: um, com a indústria farmacêutica, e outro, com o sector das farmácias. E o que aconteceu, por exemplo, em relação ao da indústria farmacêutica, foi que tudo o que eram medidas para favorecer os interesses da indústria farmacêutica foram aplicadas e as medidas que criavam algum entrave aos lucros muito grandes que a indústria farmacêutica multinacional tem no nosso país ficaram no papel. É o caso da prescrição por DCI, que o PCP há décadas anda a propor nesta Casa e que, desde há alguns anos para cá, o CDS também passou a apoiar, e ainda bem. É uma medida essencial, porque visa a racionalização dos gastos com o medicamento. Não se trata de diminuir, porque precisamos de apoiar mais as pessoas com os gastos com medicamentos, mas de racionalizar, usar bem o dinheiro, e não o contrário.
A unidose é um instrumento que também deve ser utilizado. No entanto, chamo a atenção para um outro aspecto. Estes governos também aprovaram no Infarmed a obrigatoriedade de redução da dimensão das embalagens para que as pessoas não precisassem de comprar embalagens de 60 comprimidos quando só tinham de tomar 20 ou 25. Contudo, essa redução nunca passou à prática, porque o Governo cedeu à indústria farmacêutica e recuou nas determinações que tinha aprovado.
Sr. Deputado, depois de terem sido tomadas estas medidas todas, o que é que temos? Os gastos do Estado com medicamentos a subir e os utentes a pagarem mais. E para onde vai este dinheiro? Não é, certamente, para corrigir as contas orçamentais, mas para quem lucra com este sector à custa do dinheiro público e à custa do dinheiro dos utentes. Contudo, o Governo, que não quer tomar medidas para diminuir as margens dos que lucram muito de forma a poder equilibrar as suas contas e, sobretudo, a apoiar mais as pessoas que mais precisam de apoio nos medicamentos, só tem força para aplicar medidas aos reformados com pensões abaixo do salário mínimo, às pessoas que precisam desesperadamente, por causa das suas doenças crónicas, de medicamentos que estão no escalão mais alto da comparticipação, às pessoas que precisam de antidepressores para a sua vida no dia-a-dia, às pessoas que precisam dos seus remédios e que tantas e tantas vezes e cada vez mais não conseguem comprá-los na farmácia, porque não têm dinheiro para pagar o que lhes é prescrito.

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Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos.

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, a verdadeira defesa do Serviço Nacional de Saúde é a que estamos a fazer, introduzindo alguma racionalidade para que o Serviço Nacional de Saúde continue a ser justo, equitativo e solidário. Esta perspectiva prevê reajustamentos conforme a realidade.
O Sr. Deputado não estranha, com certeza, que os socialistas não tenham a visão imobilista do Partido Comunista Português querendo manter tudo na mesma. Se assim fosse, já não tínhamos Serviço Nacional de Saúde.
Quero também lembrar-lhe que as últimas medidas que têm a ver com a política do medicamento foram tomadas tendo em conta o equilíbrio — como o Sr. Deputado acabou por dizer — e no sentido de introduzir alguma racionalidade e de combater alguns abusos que infelizmente existiram.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Abusos?!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Abusos, sim, Sr. Deputado. O Sr. Deputado sabe e a Sr.ª Ministra e vários membros do Governo já o afirmaram que, infelizmente, houve abusos nalgumas medidas e foi preciso este reajustamento para introduzir alguma racionalidade no consumo de medicamentos.
Sr. Deputado, concordamos consigo no que diz respeito à prescrição electrónica, à redução das embalagens»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Concordam, mas não fazem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Todas essas medidas vão ser concretizadas. No entanto, como são complexas, não se implementam de um dia para o outro. Se assim fosse, não acha que outros governos já as teriam introduzido? Talvez o Sr. Deputado devesse ser um pouco sério e pensar que há, de facto, medidas, mas que, como são complexas, para serem concretizadas com segurança precisam ser estudadas.
O Sr. Deputado referiu a modificação dos escalões de comparticipação, mas também lhe quero lembrar que na maior parte dos casos existem medicamentos alternativos de preço mais baixo.
Para terminar, quero dizer que estranhei um certo alinhamento do Sr. Deputado com queixas de sectores que têm grandes interesses económicos na área do medicamento e não tanto com as queixas dos utentes, dos doentes. Com esses, sim, estamos preocupados.

O Sr. Francisco de Assis (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Vamos continuar a lutar por um maior acesso com equilíbrio e com racionalidade e a combater a visão imobilista do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos, também tenho aqui uma citação para si. Na revisão de 1989, quando foi introduzido o carácter tendencialmente gratuito da Constituição, o PS justificou o que é que isto significava. Dizia o Deputado Ferraz de Abreu o seguinte: «Naturalmente que a introdução da frase ‘tendencialmente gratuito’, que tem sido aqui objecto de tanta discussão, para nós tem apenas um significado: é que a tendência que já vinha sendo aplicada e reconhecida vai continuar sem retrocesso. Portanto, caminharemos para a gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde.»

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Chegados aos tempos de hoje, vemos que o PS caminha, cada vez mais, para o pagamento do Serviço Nacional de Saúde. E até o Dr. Correia de Campos já reconheceu, no livro que há pouco citei, que é a ideia da introdução do co-pagamento que está na base dos aumentos das taxas moderadoras e de um cada vez maior pagamento pelos serviços de saúde.
Sr.ª Deputada, quer justificar as medidas que tiram benefício aos reformados com reformas abaixo do salário mínimo com a ideia da racionalidade dos gastos?! Com o facto de o Serviço Nacional de Saúde ter de ser justo e solidário?! Como é que o Serviço Nacional de Saúde é justo e solidário, quando retira aos mais pobres um apoio para comprarem os seus remédios? Essa é que é a sua ideia de justiça e solidariedade? Sr.ª Deputada, penso que tem de mudar o seu léxico ou, então, mudar a sua ideia sobre justiça e solidariedade.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quanto aos abusos, Sr.ª Deputada, estamos fartos de ouvir, aqui, nesta Assembleia, o PS e o seu Governo justificarem os cortes nas prestações sociais com os abusos que existem nalgumas situações. Se há abusos, têm de os fiscalizar e não cortar para todos aquilo que é um apoio justo, necessário e indispensável para que tenham acesso aos medicamentos.
A Sr.ª Deputada fez uma insinuação a que não vou responder. Mas quer falar de abusos? Fale, por exemplo, com o seu Governo dos abusos dos que vendem medicamentos e recebem a comparticipação do Estado quando recebem de borla uma boa parte das embalagens desses medicamentos. O seu Governo já prometeu atacar esses abusos e nunca mais tomou essa medida. Abusos é haver quem receba da indústria embalagens de borla e as cobre ao utente e cobre a comparticipação ao Estado sem que o Estado faça nada para corrigir isso. Quer falar de abusos? Vamos falar, então, desses abusos!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, apesar de eu estar sentado numa cadeira situada atrás de si, não poderia estar mais do seu lado na argumentação e no problema que trouxe aqui, a esta Câmara.
De facto, é absolutamente extraordinário que, à medida que o discurso dos dirigentes do Partido Socialista e dos Membros do Governo se inflama em defesa do SNS, mais os portugueses pagam pelos medicamentos que compram. É uma contradição que merece alguma discussão.
Não nos enganemos, porque a Ministra da Saúde tem, nos últimos dias, mentido descaradamente sobre a realidade das consequências deste aumento de preços. Trata-se do maior aumento de sempre do custo dos medicamentos em Portugal, que vai atingir não apenas os sectores mais fragilizados (os doentes crónicos, os idosos, os pensionistas) mas todos aqueles que vão à farmácia comprar os medicamentos de que necessitam.
O Governo ainda não disse tudo o que vai constar da legislação que está a preparar para aplicar a partir do dia 1 de Outubro.
Diz a Sr.ª Ministra que era preciso acabar com a fraude e com a burla porque os encargos dispararam. Diz que tinham previsto gastar 40 milhões e gastaram 100 milhões e, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bernardino Soares, alguém acredita que os médicos e os doentes deste país, num intervalo de tempo que não chega a um ano, conseguem uma burla de 60 milhões de euros em facturas de medicamentos?! Alguém acredita nisto?! Burla são as razões invocadas pela Ministra, porque não é a crise social que a Sr.ª Ministra evoca que explica, no ano passado, o aumento das comparticipações que o Governo deu como uma benesse eleitoral.
O que está em crise é a política do Governo e isso é que tem de ser contestado. A política do medicamento do Governo é errada, porque pretende diminuir apenas a despesa do Estado, aumentando a despesa do utente.
Há uma política alternativa, sobre a qual gostaria de questionar o Sr. Deputado Bernardino Soares, para conseguir poupar para o Estado mas também para o consumidor que compra medicamentos. Esta alternativa é simples: chama-se promover energicamente a prescrição e a aquisição dos genéricos.

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No entanto, para isso, é preciso que o Partido Socialista tenha coragem de fazer aquilo que está escrito no seu Programa e que, há muitos anos, não sai do mesmo, isto é, a prescrição por substância activa, a promoção dos genéricos, permitindo que seja o utente, com base na prescrição do médico e no conselho do farmacêutico, a escolher o medicamento que compra na farmácia com o seu dinheiro e traz para casa.
Essa é a única alternativa possível para esta política errada, dispendiosa, que promove o desperdício e que cede a interesses, que não são legítimos, e a práticas profissionais que têm mais de corporativo do que de racional. É isso que o Governo não tem coragem para fazer.
É muito simples ir ao bolso dos consumidores e dos utentes, mas isso vai ter um impacto negativo na saúde dos portugueses e na saúde pública deste país.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro). — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Semedo, a sua posição na bancada não significa que esteja numa posição recuada em relação à política do medicamento. Aliás, isso comprova-se porque não tenho aqui qualquer citação de revisão constitucional para lhe ler, à semelhança do que fiz para o PSD e para o PS: De facto, trata-se de um aumento que, mesmo excluindo o efeito do abaixamento do preço de referência, porque é difícil de calcular, neste momento, vai significar uma transferência de mais 230 milhões de euros para a população portuguesa em custos com os medicamentos.
A verdade é que a população portuguesa não vai gastar estes 230 milhões de euros, porque muitos não vão ter dinheiro para comprar os remédios, o que se traduzirá num problema gravíssimo de saúde pública, que vai ter consequências na vida das pessoas, no acesso aos serviços de saúde, na ida mais frequente aos serviços de saúde, na produtividade no País e vai ter consequências gerais na nossa sociedade.
Disse o Sr. Deputado João Semedo, e muito bem, que a Sr.ª Ministra tem andado a mentir aos portugueses, porque não é verdade que não haja aumentos superiores a 1 euro. Isso é totalmente mentira, porque quando um medicamento tem 69% de comparticipação e passa para 37%, o aumento não é de 1 euro, mesmo que seja um medicamento genérico dos mais baratos.
A verdade é que estes aumentos vão ser incomportáveis para a maioria das pessoas neste país, alguns medicamentos aumentam mais de 10 vezes e são dos mais consumidos porque são utilizados por muitas pessoas.
A verdade é que o Governo, que tanta fala de abusos, como referiu o Sr. Deputado João Semedo, fala de abusos nas receitas. Então, o Governo não fez um contrato com uma grande multinacional para fazer o acerto das contas das receitas, para fazer o cruzamento das facturas e das receitas?! E não deu a essa multinacional mais de 30 milhões de euros para instalar esse sistema?! Então, utilize esse dinheiro para combater os abusos e as burlas! Ou esse acordo foi só para dar dinheiro àquela multinacional que está a fazer um serviço que devia ser feito pelos serviços públicos? Aí é que estão os abusos, aí é que está a inaceitabilidade destas medidas.
Finalmente, Sr. Deputado João Semedo, precisamos de impor a prescrição por princípio activo como regra no Serviço Nacional de Saúde, no ambulatório tal como já é no internamento, e isso é indispensável para que avancem boas políticas do medicamento, que racionalizem os gastos do Estado, melhorem a prescrição e a sua qualidade e garantam um maior apoio à população portuguesa.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Fica assim concluído o período das declarações políticas.
Vamos entrar no segundo ponto da ordem do dia, de que consta a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 37/XI (1.ª) — Cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à 18.ª alteração ao Código do Registo Civil e do projecto de lei n.º 319/XI (1.ª) — Altera o Código do Registo Civil, permitindo a pessoas transexuais a mudança do registo do sexo no assento de nascimento (BE).

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Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária.

Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária (José Magalhães): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, caros colegas do Governo, a proposta de lei n.º 37/XI tem um único objectivo: acabar com uma situação cruel e injustificável, resultante de um concreto aspecto do regime vigente em Portugal em matéria de transexualidade.
Pode sintetizar-se assim: devido ao silêncio da lei, o Estado mantém, hoje, no limbo, durante meses, amarradas ao seu bilhete de identidade antigo, pessoas que, cumprindo todas as regras jurídicas, foram objecto de tratamento médico e mudaram a sua identidade de género.
Essa situação, que queremos alterar, tem uma originalidade insólita: as regras aplicáveis aos actos médicos de tratamento da perturbação de identidade do género estão claramente definidas, obedecem aos padrões internacionais, constam do Código Deontológico, aprovado pelo regulamento n.º 14/2009, da Ordem dos Médicos e têm vindo a ser aplicadas pelos responsáveis clínicos sem darem origem a qualquer disputa fracturante.
Não viemos abrir qualquer disputa desse tipo nem a queremos. É só das modificações de registo que estamos a tratar. As modificações de registo, que são uma consequência óbvia e necessária do tratamento médico, só podem ser feitas após decisão judicial através de acção declarativa. Um juiz tem de ser chamado a integrar a lacuna legal, criando ad hoc a norma que o intérprete criaria «se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema», como manda o artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil.
A seguir, é accionado um moroso processo probatório daquilo que, afinal, a medicina já mudou e que já foi, aliás, decidido e consumado. Só então é mudado o registo e, durante meses, há quem seja confrontado com as vicissitudes amargas de viver uma identidade com papéis que referem outra que deixou de existir.
O que vos propomos é que o silêncio do legislador se quebra através de um mecanismo não judicial, simples, célere e justo, como o que consta da proposta de lei.
Fazemos uma separação de águas muito clara: aos clínicos, o diagnóstico e o tratamento, segundo as regras da Medicina; ao Estado o reconhecimento de uma nova identidade emergente do tratamento. Isto e só isto.
Seguimos o caminho trilhado por outros países, seguimos as recomendações da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do seu comissário dos direitos humanos, que recebi, em nome do Ministério da Justiça, e que me transmitiu o apelo a que o Governo português se empenhasse nesta mudança e estamos a concretizar a mudança que prometemos.
Por último, gostaria de agradecer a todos os que contribuíram para esta proposta. Além dos vários departamentos governamentais — tenho ao meu lado a Sr.ª Secretária de Estado para a Igualdade, que participou neste processo, assim como outros membros do Governo —, dirijo uma palavra especial ao Dr.
Pedro de Freitas, à Dr.ª Inês Monteiro e ao Dr. João Décio Ferreira pela sua contribuição para a mudança do quadro legal e da vida de muitos seres humanos em Portugal.

Aplausos do PS.

Saúdo o facto de o Parlamento ter escolhido esta data e julgo que, aprovando esta lei, daremos um passo que dignificará os cidadãos, o direito, a justiça e a República.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero começar por cumprimentar os activistas e as pessoas transexuais que estão a assistir a este debate e dizer-vos que existe, em Portugal, neste momento, um vazio legal que significa uma ausência de reconhecimento da identidade de género deste

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conjunto de pessoas que as atira e lhes impõe um processo longo, quantas vezes humilhante, de desfecho incerto nos tribunais.
A ausência completa de reconhecimento tem como consequência impactos brutais no quotidiano das pessoas: numa entrevista de emprego, em que se exibem documentos não coincidentes com a forma como a pessoa se apresenta, no exercício do voto, num contrato de arrendamento de uma casa, no acesso a cuidados de saúde. Trata-se de consequências concretas e quotidianas deste vazio legal.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Muito bem!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É preciso acabar com a descoincidência entre a verdadeira identidade das pessoas, a forma como elas se apresentam e são reconhecidas pelos outros e os seus documentos, porque aquela é uma das razões concretas para a discriminação destas pessoas. É a isso que o projecto de lei do Bloco de Esquerda pretende responder, porque não é aceitável que o desconhecimento que existe e a ausência de uma lei sobre esta questão atire e imponha a estes cidadãos a humilhação, o sofrimento e a exclusão.
O projecto do Bloco de Esquerda pretende retirar este processo dos tribunais, reconhecer a identidade de género destas pessoas, fazer corresponder os documentos à verdadeira identidade que elas têm e estabelecer prazos que as protejam em relação a um prolongamento indefinido do processo médico ou do processo do reconhecimento legal.
Assim, com a aprovação desta lei, acabará umas das razões fundamentais para esta discriminação e começaremos a reconhecer direitos a estas pessoas, uma vez que o respeito por todos é, num País democrático, sempre uma prioridade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Francisca Almeida.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as. e Srs. Deputados: O Governo e o Bloco de Esquerda trazem hoje a Plenário a consagração de um processo que, administrativamente, permita aos transexuais a mudança de registo do sexo no seu assento de nascimento.
Da parte do Governo, compreendemos bem o desígnio que se esconde por trás deste agendamento.
Numa altura em que as contas põblicas derrapam aos olhos do País»

Protestos do PS.

» e na iminência da apresentação de um Orçamento francamente penalizador para todos os portugueses, interessa desviar a atenção dos cidadãos, da opinião pública e publicada, para questões consabidamente fracturantes e amplamente controversas.

Aplausos do PSD.

O expediente, de resto, nem é novo. Já foi assim às portas do Orçamento para 2010, com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e é assim hoje, a quase duas semanas da apresentação do Orçamento para 2011.
Então como agora, o Partido Social Democrata não partilha da agenda, mas não se demite do debate e, contrariamente a outras bancadas, assegura uma vez mais aos seus Deputados inteira liberdade de voto.

Aplausos do PSD.

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Social Democrata não é indiferente aos constrangimentos vividos pela comunidade transexual no nosso país; reconhecemos o direito

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que lhes assiste de verem alterado, em conformidade, o assento de nascimento e sabemos que esse processo tal qual se configura actualmente é, pela sua própria natureza e morosidade, causa de inquestionável sofrimento para os próprios e para as suas famílias.
Reconhecemos, aliás, as vantagens de afastar estes processos do foro judicial, mas não podemos consentir que essa alteração se faça sem a ponderação de aspectos determinantes que vão muito além da esfera de interesses dos próprios requerentes.
A proposta que o Governo nos apresenta é, para nós, inaceitável. Aliás, é tão pretensamente moderna e progressista que não conhece paralelo na grande maioria dos países europeus.
O Governo limita-se a exigir a apresentação de um relatório de uma equipa multidisciplinar que ateste a perturbação de identidade de género, mas nada diz sobre os termos, os procedimentos e os requisitos desse mesmo relatório. Não prevê nenhuma regulamentação, não remete para nenhum diploma, e isto, para mais, quando aceita acriticamente relatórios vindos do estrangeiro»

Protestos do PS.

O vanguardismo do Governo socialista vai ao ponto de não exigir expressamente na lei nenhuma alteração física para a mudança de sexo no registo civil, nem exige sequer que o requerente se assuma socialmente como vivendo no sexo ora reclamado.
Sr. Presidente, Sr.as e Sr.as Deputados: Com esta proposta, o Governo ultrapassou a esquerda pela esquerda.

Risos do PS e do BE.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Fazem-vos o favor de vos acusar de serem de esquerda!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Apesar das suas fragilidades, a iniciativa aqui hoje trazida pelo Bloco consegue ser menos liberal e mais equilibrada. Ainda assim, em momento algum, o PSD poderá prescindir de condições que considera fundamentais mas que dela, manifestamente, não constam.
Com efeito, nenhuma das iniciativas ponderou a irrepetibilidade da alteração do registo ou estabeleceu o que quer que seja em matéria de procriação. Não está por forma alguma garantido nas iniciativas que quem pretenda ver alterado o seu registo de nascimento do sexo feminino para o sexo masculino tenha de abdicar, por alguma forma, das faculdades reprodutivas do sexo feminino, que renegou.
Terão os proponentes ponderado a situação – de resto, já vista e revista noutros países – de homens transexuais que, reconhecidos socialmente como tal, decidem, ainda assim, engravidar?! Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD não se absterá de, em sede de especialidade, apresentar as condições que considera essenciais. Mas que fique desde já claro: não contem com o Partido Social Democrata para desviar as atenções daquilo que, no actual cenário, verdadeiramente tem preocupado a esmagadora maioria dos portugueses.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Vale Almeida.

O Sr. Miguel Vale Almeida (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Caros Colegas Deputados e Deputadas: Gostaria de saudar estas iniciativas legislativas, muito em particular a proposta de lei apresentada pelo Governo, porque elas vêm, justamente, colmatar uma lacuna legal gravíssima que temos, a qual tem como consequência uma enorme perturbação da vida das pessoas transexuais, que se vêem excluídas e discriminadas no campo do trabalho, do emprego, do arrendamento, do acto eleitoral e por aí fora.
Gostaria também de saudar as pessoas transexuais, aqui presentes ou não, e de lhes pedir desculpa pelo relativo insulto a que foram submetidas ao ser dito pela minha colega Deputada Francisca Almeida — que, normalmente, muito respeito — que, se calhar, este era um debate para fingir que se estava a «tapar o Sol

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com a peneira» em relação a questões relacionadas com a crise económica e social. Os direitos das pessoas transexuais, como todos e quaisquer direitos, são absolutamente prioritários.

Aplausos do PS e do BE.

Estamos disponíveis, de uma forma, aliás, bastante positiva, para, em sede de especialidade, articular a proposta de lei do Governo, o projecto de lei do Bloco de Esquerda e, eventualmente, outras propostas positivas de outras bancadas que venham a favor dos direitos das pessoas transexuais, agora não transigiremos em duas coisas: uma tem a ver com a noção da irreversibilidade, que aqui foi colocada e que já tem sido colocada nalguns fora, que tem a ver, justamente, com uma espécie de proibição da mudança de sexo a posteriori, o que constituiria uma inovação absolutamente bizarra.
Outra, que é absolutamente grave, é que não aceitaremos qualquer proposta que vá no sentido da esterilização das pessoas, porque isso é um autêntico atentado à dignidade física das pessoas, à sua liberdade de escolherem os procedimentos médicos, à pessoa humana e remete para as piores tradições de eugenia, cujo momento histórico europeu em que foi utilizada me escuso de referir.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Independentemente de vivermos hoje problemas graves que atingem milhares de portugueses e que requerem a nossa prioridade e empenho, as matérias que hoje debatemos merecem a nossa atenção e o nosso respeito, porque, em matéria de direitos, as pessoas contam.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Exactamente!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — As propostas contidas nos diplomas que hoje discutimos, sobre a permissão de mudança de sexo a pessoas transexuais, abordam uma matéria delicada e complexa de uma situação que afecta algumas pessoas, pessoas que não nos são indiferentes, que respeitamos e que têm uma identidade.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Não as pretendemos discriminar e, por isso, entendemos a necessidade de haver para elas e para esta matéria um tratamento específico, vigoroso, que não embarque em experimentalismos jurídicos e garanta a segurança e o rigor técnico-científico que uma matéria tão delicada e estas pessoas nos merecem.
Assim, entendemos a necessidade de agilização do procedimento formal, de um reforço das garantias de confidencialidade e de não exposição pública.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Importa sublinhar que, num processo e numa decisão com a dimensão da que hoje discutimos, é para nós fundamental que exista uma prova científica cabal, credível e irrefutável da irreversibilidade da mesma.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Não é, pois, concebível para nós uma lei que seja vaga ou omissa sobre este tópico, o que, do ponto de vista técnico, médico e humanista, é incontornável.

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Ora, Sr.as e Srs. Deputados, nenhum dos diplomas em discussão trata de forma inequívoca e rigorosa o tópico da irreversibilidade.
Numa matéria em que se desejaria consenso, segurança e rigor não podemos deixar de lamentar que o Governo não tenha procedido a um amplo debate, envolvendo a comunidade médica, científica e judicial, sobre as melhores e mais adequadas soluções para estas pessoas.
Tudo isto será relevado e considerado no sentido e na orientação de voto do CDS, que será crítico e exigente.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Jaime Gama.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As iniciativas legislativas que hoje discutimos merecem a concordância genérica do PCP.
O que está em causa, hoje, nesta discussão é uma questão muito concreta e objectiva, que é a de saber se o Estado português deve ou não continuar a exigir a pessoas a quem foi diagnosticada a perturbação da identidade de género, mais comummente designadas transexuais, que se sujeitem a um processo judicial invasivo da sua intimidade e até da sua integridade para que possam alterar o seu registo civil.
A realidade que hoje vivem estas pessoas é, de facto, a da sujeição a uma devassa da sua intimidade e da reserva da sua vida privada, quando não mesmo o condicionamento da sua integridade física e biológica, apenas para que possam ver garantida a concordância do registo civil com a sua identidade pessoal.
Passando à margem dos juízos morais, que alguns, certamente, não resistirão em fazer, como já hoje aqui aconteceu, sobre como e se a sociedade deve ou não aceitar os comportamentos dos cidadãos perante si mesmos, o que o PCP destaca como nuclear nesta discussão é o respeito e a dignidade que qualquer pessoa deve merecer do Estado português, particularmente perante a justiça.
Uma alteração do registo civil como a que está em causa não deve implicar uma acção intentada em tribunal, obrigando ao pagamento de custas, à constituição de advogados, à realização de audiência de julgamento, à inquirição de testemunhas, à associação de quem intenta a acção e a um sem número de condicionamentos à sua dignidade pessoal e até à sua integridade física e psíquica, antes deve ser um processo expedito, em que o Estado se baste com a constatação da nova condição dessa pessoa perante o registo civil, bem como que nesse processo houve e continuará a haver o devido acompanhamento clínico.
Apesar de diferentes entre si, ambas as iniciativas legislativas avançam nesse sentido e, por isso, serão acompanhadas pelo PCP. À partida, a proposta de lei parece-nos mais acertada em dois aspectos.
Por um lado, ao estabelecer a necessidade de apresentação de um relatório elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, a proposta de lei permite maior adequação das exigências à situação concreta de cada pessoa, permitindo igualmente maior validade da formulação legal, face à evolução científica e clínica que neste domínio possa vir a registar-se.
Parece-nos ser preferível esta solução à alternativa apresentada pelo BE de fixar o conjunto de requisitos a verificar.
Por outro, ao fazer intervir uma equipa clínica multidisciplinar na produção de um relatório global e não, como faz o BE, apenas um médico para cada um dos requisitos fixados, a proposta de lei parece ser mais ajustada e mais eficaz do ponto de vista da economia processual.
Colocam-se ainda em ambas as iniciativas outras questões e dúvidas quanto à definição de prazos, à possibilidade de rejeição do pedido de alteração do registo, à aplicação da lei quando esteja pendente acção judicial ou outras, que, no entanto, julgamos poderem ser ultrapassadas em sede de discussão na especialidade.
Para o PCP, o que importa é que este processo legislativo permita pôr fim ao verdadeiro calvário que vivem os cidadãos que apenas pretendem que o seu registo perante o Estado corresponda à sua verdadeira identidade.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: As duas iniciativas legislativas que estão em discussão são movidas pelas mesmas preocupações e têm o mesmo objectivo e o mesmo fim, que é estabelecer um quadro legal que permita a pessoas transexuais a mudança do registo do sexo.
De facto, actualmente, em Portugal, o reconhecimento legal do género da pessoa obriga a um longo e tantas vezes humilhante processo em tribunal, onde os requisitos para esse reconhecimento acabam por ser completamente arbitrários. E acabam por ser arbitrários porque são estabelecidos de forma diferente para cada caso concreto, violando frequentemente, nessa circunstância, direitos fundamentais e, desde logo, o princípio da dignidade.
E é ainda mais grave se tivermos em conta que, para interpor uma acção contra o Estado em tribunal, as pessoas têm de percorrer ainda um longo caminho prévio, que passa por vários anos de avaliação médica, por tratamentos destinados a sincronizar as suas características físicas às correspondes ao sexo agora pretendido e por aguardar, pacientemente, por um parecer da Ordem dos Médicos, cuja emissão pode durar três anos. E só depois deste longo caminho é que se pode recorrer à via judicial. Tudo somado, significa que um reconhecimento do género da pessoa em Portugal pode demorar quase uma década.
Ora, durante este período — de quase uma década —, obriga-se a pessoa transexual a viver no sexo social desejado sem, contudo, lhe ser facultada qualquer possibilidade de os respectivos documentos poderem corresponder ao género em que vive. E esta desconformidade provoca consequências graves para estas pessoas, nomeadamente ao nível do acesso aos cuidados de saúde mas também nas habituais situações de candidaturas a empregos e de aquisição de habitação.
Os Verdes consideram que estamos perante uma situação que não faz qualquer sentido, desprovida de qualquer bom senso, geradora de flagrantes injustiças e, sobretudo, a exigir respostas e soluções.
Assim, à semelhança do que se passa já em muitos outros países, Os Verdes consideram urgente e fundamental legislar no sentido de garantir o reconhecimento da identidade do género das pessoas transexuais. A solução apontada pelas duas iniciativas legislativas que agora estamos a discutir, regulando o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio, simplificando o processo e transferindo para o registo civil a competência da decisão, é, em nosso entender, a solução que se exige.
Neste sentido, Os Verdes vão votar a favor tanto do projecto de lei do Bloco de Esquerda como da proposta de lei do Governo, que agora estamos a discutir.

Vozes de Os Verdes: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Vale Almeida.

O Sr. Miguel Vale Almeida (PS): — Sr. Presidente, Caros Colegas: Em 45 segundos, que é muitíssimo pouco tempo, gostaria apenas de referir aquilo que para mim é o essencial, para lá da «espuma dos dias» ou de algumas fracturas que aqui nos possam, eventualmente, dividir.
Ora, o essencial é não só estarmos a preencher uma lacuna legal gravíssima como também estarmos a dar maiores possibilidades para os nossos concidadãos e para as nossas concidadãs transexuais poderem ultrapassar os gravíssimos problemas de discriminação e de marginalização a que são sujeitos.
E não estou a falar apenas de discriminação psicológica ou de serem vítimas de preconceito, que o são, ao ponto de, em algumas situações, serem assassinados, como (e todos nos recordamos) no infeliz caso de Gisberta Salce Júnior, estou a falar de uma discriminação e de uma marginalização que tem efeitos directos na vida quotidiana — no emprego, no arrendamento de casa, no contacto com os outros, na descoincidência constante perante os serviços, no usufruto dos bens, nos serviços públicos e privados. Eu, que tenho vindo, felizmente, ao longo dos últimos anos, a conhecer pessoas transexuais, apercebi-me do calvário — para usar uma expressão um pouco religiosa de mais para este contexto — por que estas pessoas passam.

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No fim do dia, quando tivermos aprovado esta legislação, aquilo que teremos também, para lá da superação desse sofrimento e dessa discriminação, é, finalmente, a dignificação e o reconhecimento destas pessoas como cidadãos de pleno direito da nossa comunidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Francisca Almeida, acho que não vale pena trazer para este debate fantasmas e confusões, porque esta é uma discussão simples e uma temática urgente. Trata-se de criar um procedimento que permita reconhecer a estas pessoas a identidade que elas têm.
Os e as transexuais deste país não vivem num país à parte, cruzamo-nos com eles todos os dias e, certamente, a Sr.ª Deputada também. Também estão desempregados, Sr.ª Deputada!...

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Ninguém diz o contrário!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Também sofrem da precariedade, também estão nas filas da segurança social para receber ou para verem cortadas as suas prestações, também sofrem da pobreza, também se confrontam com a degradação do Serviço Nacional de Saúde! Têm todos os problemas que têm todos os cidadãos portugueses, mais um, que é este que se trata de resolver. E fazê-lo não nos atrasa na resolução de todos os outros problemas que precisamos de resolver, porque os direitos humanos e o respeito têm de ser sempre uma prioridade para quem se preocupa com as pessoas e com os seus concidadãos.
Creio que deveríamos conhecer um pouco melhor a realidade e acompanhar as experiências de outros países. Como sabe, em Espanha, uma lei semelhante, em muitos aspectos, à proposta pelo BE, e que responde também às preocupações do diploma do Governo, foi aprovada, por consenso, no Senado.
De facto, no Estado espanhol, aqui ao lado, da esquerda à direita, houve um consenso para aprovar um projecto que é, no essencial, semelhante ao do BE.
Portanto, acho que precisamos de aprender com essa realidade e aprender com o benefício que isso trouxe ao respeito e ao reconhecimento destes cidadãos aqui ao lado, em Espanha.
Não vou hoje entrar no detalhe da discussão na especialidade, mas creio que nessa sede podemos discutir algumas das questões que foram aqui invocadas, nomeadamente sobre a definição de prazos, do diagnóstico e de como é que isso pode ser feito da forma melhor. Porém, o que temos como certo é que todas as propostas e qualquer reconhecimento não podem menorizar os cidadãos transexuais em relação aos outros cidadãos,»

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Ninguém põe isso em causa!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — » têm, sim, de reconhecer a sua autonomia e a sua capacidade de decisão, a sua autonomia e a sua capacidade de decidirem sobre si próprios. Não podem impor esterilizações à força, certamente, nem podem condená-los á exposição põblica»

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Ninguém disse isso!

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — No fundo, gostava de apelar a todos os Deputados desta Câmara, e, em particular, aos Deputados do PSD, que têm liberdade de voto, a que percebam esta questão e votem pelo respeito, porque se estas propostas passarem viveremos num país mais respeitador dos seus concidadãos e de todas as pessoas. E este voto pelo respeito honrará, certamente, todas as Deputadas e todos os Deputados que assim entenderem fazer.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Tem, ainda, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, também nós queríamos e queremos o consenso. Este debate reforça a sua necessidade, mas isso exige um esforço de aproximação e, Sr.ª Deputada Francisca Almeida, ouvindo-a, se não estivesse a vê-la, acreditava que tinha nascido em 5 de Outubro de 1910!...

Risos do PS.

Não se fala assim dos direitos das minorias. As minorias são minorias mas não são titulares de direitos menores. Isto é a básico!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Ninguém disse isso!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Em segundo lugar, Srs. Deputados, há limites para a incoerência. Reconhece-se o sofrimento, reconhece-se o absurdo do quadro legal, reconhece-se a necessidade de judicializar»

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Isso foi reconhecido!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Então, vote as propostas. É isso que elas fazem; não fazem outra coisa!

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Mas eu disse o meu sentido de voto?!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Terceiro: nada de acusações descabidas. A proposta do Governo não regula o acto médico? E quer escondê-lo? Não, Sr.ª Deputada, não queremos escondê-lo; o que nós dizemos é que o regulamento da Ordem dos Médicos enquadra o acto médico. Leia, Sr.ª Deputada! Trabalho de casa, faz bem!...

Protestos da Deputada do PSD Teresa Morais.

Leia o Regulamento n.º 14/2009! Depois, o registo é regulado por uma lei da República. Não podemos atingir consenso em torno desta plataforma? Por último, esterilização forçada? No século XXI? A esta hora?

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Mas quem falou nisso?!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Estamos disponíveis para ir à 1.ª Comissão debater com base em princípios e apelamos a que se estabeleça um consenso alargado com respeito por esses princípios, que constam, aliás, da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da bancada.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Sr. Presidente, dir-se-ia que este debate até correu bem, com alguma razoabilidade e alguma tolerância até ao momento em que o Sr. Secretário de Estado, José Magalhães, decidiu ser deselegante, radical e provocador, como é seu hábito.

Aplausos do PSD.

E nós a isso temos de reagir, porque, no mínimo, fomos apelidados de retrógrados, de não considerarmos aqui os direitos das minorias e de termos feito uma intervenção que faria a apologia da esterilização forçada.
Ora, nada disto é verdade e, portanto, Sr. Presidente, agradeço-lhe ter-me dado a palavra para responder ao Sr. Secretário de Estado da seguinte forma: reconhecemos aqui – ainda ontem recebemos a ILGA e, perante essa associação, reconhecemo-lo – que há um problema de sofrimento, que há um problema de direitos humanos, que há um problema de lacuna na lei e que o Estado deve assumir a responsabilidade de o resolver.
Mas o que também queremos aqui dizer é que a proposta do Governo – e isto reiteramo-lo – é inaceitável, porque não faz o mínimo de exigências para que este processo possa suceder com clareza e com respeito pela função do conservador que, perante a comunidade, tem de atestar a veracidade do registo que altera.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — É importante frisar que, perante o conservador, tem de aparecer um processo absolutamente claro que o leve a alterar o nome e o registo da pessoa em causa sem que tenha dúvidas sobre a situação que lhe é colocada.
O registo é um acto que se destina a dar publicidade e a assegurar a autenticidade do acto que é conferido»

Protestos do PCP.

» e, portanto, não se pode chegar ao conservador sem estas garantias, porque os conservadores não são bonecos nem são instrumentalizados pelo governo de nenhum país decente deste século.

Aplausos do PSD.

Queria também dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que a questão da esterilização foi inventada neste debate pelo PS e também pelo BE que, perante aquilo que já sabiam ser os nossos argumentos desde ontem, porque eles foram tornados públicos, resolveram criar um fantasma. Ninguém falou em esterilização! Não somos apologistas desta medida.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Ai não?!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Aquilo que aqui dizemos é que, no mínimo, é razoável que a uma pessoa que nasce, por hipótese, mulher e tem uma identidade de género que se identifica com o género masculino assuma também uma transformação física consentânea com a mudança de registo que quer obter e não é razoável pedir-se à comunidade e ao Estado que essa pessoa permaneça com toda a sua capacidade reprodutora feminina quando se assume publicamente como homem.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É mesmo a esterilização!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Desta forma, aquilo que criaríamos era uma situação de ambiguidade e de situações que, socialmente, julgo eu, a maioria dos portugueses não se revê nelas.

O Sr. Luís Montenegro (PSD). — Muito bem!

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A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Portanto, não se trata de esterilização.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Então, o que é?!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Trata-se de que alguém que quer assumir uma mudança de sexo assuma que quer assumir esse sexo por inteiro e, portanto, deixará de pertencer ao sexo a que pertencia até ao momento em que pede essa alteração.

Protestos do PS.

Esterilização forçada foi um chavão que o Sr. Secretário de Estado utilizou para destorcer aquilo que foi o nosso debate e, portanto, rejeitamos essa acusação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Explicações?!...

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Teresa Morais, interpretou francamente mal a minha intervenção»

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Ai sim?! Está gravado!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: —» e, dizendo-se vítima de radicalização, levou a radicalização até ao tecto da Câmara. Mas convém, agora, que a baixe ao nosso nível, para podermos discutir.

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — É permanentemente provocatório!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — A defesa da bancada teve uma vantagem: explicitou que alguns no PSD – porventura V. Ex.ª e outros que a acompanham –, querem a esterilização mas não querem que se lhe chame esterilização.

Protestos do PSD.

E toda a sua discussão anda à volta disso: uma esterilização que tenha os efeitos da esterilização mas que não se chame esterilização.
Sr.ª Deputada, nem no Tribunal Constitucional, nem no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos esse tipo de actividades curvilíneas e «curváceas» enganam o juiz e, portanto, não vale a pena ir por aí.
Sr.ª Deputada, gostaria de desradicalizar» A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Agora? É tarde!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Não, desde o princípio até ao fim! Sr.ª Deputada, ç sempre tempo para o diálogo»

Vozes do PSD: — Oh!...

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O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — A verdade é que se a Sr.ª Deputada está empenhada em acabar com o sofrimento é preciso votar uma lei e nós temos uma proposta honesta para esse efeito. Chega de silêncio da lei. Estamos em desacordo? Não, estamos de acordo! Boa interpretação e boa defesa da bancada.
Em segundo lugar, a Sr.ª Deputada responde dizendo que a proposta do Governo diz o que não diz. Então, dispensamos o relatório médico, sério e honesto, feito por uma equipa multidisciplinar? Não, Sr.ª Deputada! Leia a proposta!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Já a li há muito tempo!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Agora, a Sr.ª Deputada insiste em transformar esta lei numa coisa que ela não deve ser no entendimento do Governo. Discutimos isto durante muitos meses, com diversos tipos de peritos e estamos hoje mais convictos ainda da necessidade dessa separação de águas. Para quê, nesta lei registral, regular matérias que estão reguladas em regulamento da Ordem dos Médicos?

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Então, remeta para essa lei!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — Para quê? Não faz nenhum sentido misturar as águas. Não faz sentido nenhum! E se conseguirmos resolver bem este problema, acabando com o sofrimento, acabando com a burocracia, simplificando, e fazer isso por voto alargado, não estaremos a fazer, como foi aqui bem lembrado, o mesmo que outros fizeram bem, aqui ao lado e noutros países?

A Sr.ª Francisca Almeida (PSD): — Isso é mentira!

A Sr.ª Teresa Morais (PSD): — Não há nenhuma lei na Europa nesse sentido!

O Sr. Secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária: — É momento de o fazer e, portanto, em vez da honra ofendida da Sr.ª Deputada Teresa Morais podíamos ter o voto cooperante da Sr.ª Deputada Teresa Morais.
Apelo a que isso aconteça e na Comissão teremos ocasião de chamar peritos, de travar um diálogo alargado e de chegar, porventura, a um consenso ainda mais largo, que vai permitir, se esta proposta for aprovada, dar um grande passo em frente na defesa de direitos fundamentais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 39/XI (2.ª) — Proíbe qualquer discriminação no acesso e no exercício do trabalho independente e transpõe a Directiva 2000/43/CE, do Conselho, de 29 de Junho de 2000, a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, e a Directiva 2006/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, gostaria de interpelar a mesa não só sobre esta proposta de lei mas também sobre a que discutiremos imediatamente a seguir.
Estas duas propostas de lei foram agendadas em conferência de líderes embora, na altura, ainda não fossem do conhecimento das diversas bancadas, por razões de entrega e de admissão pela Mesa. Em nosso entendimento, tanto a proposta de lei n.º 39/XI (2.ª) como a 38/XI (2.ª) versam sobre matérias em que a

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Assembleia da República está obrigada a fazer consulta pública às organizações representativas dos trabalhadores.
É certo que as propostas já estão agendadas e, portanto, não estou a sugerir, de imediato, como seria o mais adequado, que sejam retiradas da ordem de trabalhos, mas penso que é avisado, no mínimo, que se suspenda a sua votação até se fazer a consulta pública, após o que se procederia à sua votação em momento adequado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para, em nome da bancada do PSD, aderir à leitura que acabou de ser feita pelo Deputado Bernardino Soares.
De facto, não podemos inviabilizar a discussão destas duas iniciativas, mas não devíamos provocar a votação das mesmas antes do decurso do tempo da consulta pública, conforme já foi aqui adiantado.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, se esse for o entendimento de V. Ex.ª, na sequência da interpelação do Sr. Deputado Bernardino Soares, da parte do Governo não vemos qualquer inconveniente a que se faça nesses termos.

O Sr. Presidente: — Então, assim se procederá. Reservaremos a votação para momento posterior à conclusão da discussão pública.
Para apresentar a proposta de lei n.º 39/XI (2.ª), tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Valter Lemos): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O objectivo desta proposta de lei é completar a transposição das directivas que proíbem todas e quaisquer formas de discriminação e definem soluções adequadas para a promoção dos princípios da igualdade, nomeadamente entre mulheres e homens no acesso ao trabalho independente. Aliás, o Código do Trabalho já procedeu à transposição de parte das directivas em matérias de igualdade e não discriminação, mas tal não se aplica ao trabalho independente e não confere às associações representativas legitimidade para intervir em processos judiciais e administrativos.
Assim, com o diploma, procurou-se estender ao trabalho independente algumas das regras de igualdade de tratamento, já consagradas para o trabalho dependente em sede de Código de Trabalho, e para o respectivo exercício, bem como prever a legitimidade processual de organizações cujo fim seja a defesa ou a promoção dos direitos e interesses das pessoas contra a discriminação.
Tal como se realça na «Exposição de motivos» do diploma, é necessário garantir às pessoas que se candidatem ou exerçam trabalho independente em qualquer sector de actividade o direito à igualdade, nomeadamente no que respeita a critérios de selecção, condições de contratação, pagamento de serviço e à cessação da relação contratual.
Quanto ao âmbito de aplicação, a proposta pretende abranger as actividades dos sectores privado, cooperativo, social da administração pública central, regional e local, dos institutos públicos e das demais pessoas colectivas de direito público e, no que concerne à legitimidade processual, estabelece que as organizações cujo fim seja a defesa ou a promoção dos direitos e interesses das pessoas contra a discriminação, respeitantes ao acesso ao emprego, à formação ou às condições de prestação do trabalho independente ou subordinado, têm legitimidade processual para intervir em representação da pessoa interessada, desde que se inclua, expressamente, nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a defesa dos interesses em causa ou exista, naturalmente, autorização expressa da pessoa representada.
Por fim, importará, ainda, salientar que o diploma também simplifica a linguagem, de forma a tornar a leitura mais clara e a uniformizar os conceitos utilizados na ordem jurídica, optando por uma linguagem inclusiva, na linha do que tem vindo a ser feito em diplomas que regulam esta matéria.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Pereira.

A Sr.ª Maria da Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresentou a esta Assembleia a proposta de lei n.º 39/XI (2.ª) que regula o acesso ao trabalho independente.
Trata-se, sem dúvida, de um diploma importante, que completa a transposição de diversas directivas comunitárias que proíbem toda e qualquer forma de discriminação no acesso ao trabalho independente e seu exercício e, ainda, prevê a legitimidade processual de organização cujo fim seja a defesa ou a promoção dos direitos e interesses das pessoas contra a discriminação. Penso que este tema vai muito bem, hoje, no nosso Plenário.
O PSD, que tem sempre bem presente a sua matriz ideológica, de forte pendor social, humanista e universalista, não pode deixar de registar como útil o reforço das garantias dos profissionais e a não discriminação.
Independentemente do sector de actividade dos profissionais, uma base de igualdade real deve ser assegurada quer no acesso às oportunidades, quer na não discriminação por razões de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Sendo certo que o princípio da não discriminação já existe em importantes diplomas do nosso ordenamento jurídico, o certo é que o seu reforço prestigia a nossa democracia e garante, a quem for objecto de discriminação, à revelia da lei e do Estado de direito, o direito à indemnização. Este direito à indemnização desmobiliza eventuais vertigens discriminatórias e tem um efeito reparador essencial para quem vê os seus direitos cerceados, desde que tal não se prolongue no tempo e não venha até a tornar-se um factor discriminatório.
Uma palavra ainda para realçar o facto de o Governo considerar, no diploma sub judice, implicitamente e na esteira dos princípios que sempre enformaram a história do direito laboral, o favor laboratoris, em contraste com o que defendeu e fez aprovar na Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, o Código do Trabalho. Será que mudou de opinião? Quer discriminar, agora positivamente, as vítimas de discriminação negativa? Na impossibilidade de aprofundarmos esta temática neste momento particular, não posso deixar de alertar a Câmara para a necessidade de uma reflexão sobre a mesma.
Em todo o caso e apesar das aparentes tergiversações do Governo, acolhemos como boa a presente iniciativa, na expectativa de que estas boas intenções não se fiquem apenas pelas intenções mas passem à concretização, pois todos vemos, dia-a-dia, os nossos idosos a serem discriminados, os nossos deficientes com muitas dificuldades, com os Centros de Actividades Ocupacionais (CAO) fechados e eles à porta, e os nossos jovens que, na esperança de um emprego que não surge, se sentem discriminados, num País sem futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos, hoje, a discutir a proposta de lei n.º 39/XI (2.ª), que transpõe para o ordenamento jurídico português três directivas, duas de 2000 e uma de 2006, que, acima de tudo, pretendem proibir qualquer discriminação no acesso e no exercício do trabalho independente.
Antes de mais, convém referir que as directivas já deviam ter sido transpostas e que, mais uma vez, infelizmente, o Governo ultrapassa um prazo, deixando trabalhadores independentes numa situação que, obviamente, não é salutar para ninguém. Mas a proposta de lei, e reconhecemo-lo, vem consagrar a não discriminação em face de um conjunto de formas, tais como os critérios de selecção, as condições de contratação, o pagamento de serviços e a cessação da relação contratual.
Portugal já tem, e bem, um conjunto de regras que proíbem a discriminação, quer na Constituição da República Portuguesa, quer em normas relativas ao contrato de trabalho e ao contrato de trabalho em funções

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públicas. Com a transposição destas directivas, a verdade é que a não discriminação dos trabalhadores independentes passa a estar mais clarificada e mais salvaguardada.
Contudo, neste debate, não podemos deixar de fazer uma reflexão sobre uma discriminação de que os trabalhadores independentes, bem como os membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, são vítimas, que é a discriminação de não poderem aceder à protecção no desemprego (mesmo pagando as suas contribuições), na eventualidade do desemprego involuntário. Esta continua a ser uma discriminação clara no nosso ordenamento jurídico, relativamente à qual o CDS já apresentou iniciativas, designadamente, nesta mesma Legislatura, o projecto de resolução n.ª 54/XI (1.ª),»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Gostava de ver era um projecto de lei!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — » que recomenda ao Governo que legisle de modo a atribuir aos sócios-gerentes das empresas que encerram e aos trabalhadores independentes uma prestação social por desemprego involuntário.
Estes beneficiários do regime da segurança social já são abrangidos num conjunto de prestações, como, por exemplo, a maternidade, a paternidade e a adopção, a invalidez, a velhice e a morte e as doenças profissionais, mas, mesmo pagando, mesmo contribuindo, mesmo descontando para a segurança social, continuam a não ter direito a aceder a uma prestação de subsídio de desemprego pelo desemprego involuntário.
Na anterior Legislatura, quando o Governo do Partido Socialista apresentou o famigerado Código Contributivo, tinha, na mesma proposta de lei, um famoso artigo que autorizava o Governo, pelo prazo de 180 dias, a criar um regime jurídico de protecção, na eventualidade do desemprego involuntário, para grupos de beneficiários específicos, de entre os órgãos estatutários das pessoas colectivas e os trabalhadores independentes. A verdade é que o PS deixou cair essa autorização legislativa e recusou mesmo, com o seu voto, propostas do CDS nesse sentido.
Por isso mesmo, se esta situação é de uma intolerável discriminação, também sobre ela a Câmara se deveria pronunciar.
Pela nossa parte, estamos perfeitamente disponíveis para corrigir todas as situações injustificadas de discriminação que possam existir no mercado laboral, mas, então, vamos mesmo corrigir todas e vamos passar das palavras aos actos, nomeadamente nesta, que tem a ver com o pagamento do subsídio de desemprego, pelo desemprego involuntário, aos membros dos órgãos estatutários e aos trabalhadores independentes.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Ainda para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei em apreciação visa salvaguardar os direitos fundamentais e dignificar o trabalho independente, mas, se me permite, Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, há aspectos de temporalidade que convém esclarecer.
Esta proposta de lei foi admitida em 27 de Setembro, é debatida hoje, em Plenário — não é, certamente, a resposta do Governo ao protesto social que as ruas, hoje, conheceram —, mas é uma proposta de lei que procede à transposição de duas importantíssimas directivas comunitárias com 10 anos de atraso, já que são do ano de 2000. Portanto, estes aspectos do calendário e estes desacertos de tempo fazem também parte desta discussão.
Se a proposta de lei tem o formato e a configuração da defesa de princípios fundamentais de dignificação dos trabalhadores independentes, se proíbe todas as formas de discriminação, salvaguardando a prestação deste trabalho em igualdade de circunstâncias com os demais trabalhadores, se evoca, em todas as vertentes, a igualdade de oportunidades como estruturante da dignidade do trabalho independente, se tem um conjunto de enunciados que são, certamente, consensuais e justos e representam princípios assertivos e patamares

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mínimos da dignidade do trabalho numa democracia do século XXI, há, no entanto, Sr. Secretário de Estado, e aproveito a sua presença, uma questão muito mais profunda do que esta e que não está prevista.
Refiro-me aos falsos trabalhadores independentes, aos mais de 600 000 recibos verdes deste País, ao falso trabalho independente, que é aquele que não convive com enunciados bonitos, com princípios que ficam numa proposta de lei e que não resolvem os problemas da vida de milhares de pessoas, em Portugal. Não sei se o Sr. Secretário de Estado, que é especialista em números, tem um número diferente deste drama, da realidade destes milhares de pessoas, que são falsos trabalhadores independentes e são discriminados, diariamente, exactamente porque são falsos recibos verdes.
Portanto, se me permite, darei oportunidade ao Sr. Secretário de Estado de dizer se o seu Governo tem alguma resposta consistente para esta exploração e para a indignidade da situação destes milhares de profissionais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Machado.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma primeira referência não pode deixar de ser feita sobre todo o processo relativo a esta proposta de lei.
Esta iniciativa legislativa deu entrada na segunda-feira passada, não teve direito a relatório e não teve direito a discussão pública. Já foi aqui adiada a sua votação, mas importa sinalizar a falta de respeito pelas regras normais de funcionamento da Assembleia da República, da única e exclusiva responsabilidade do Governo, que deveria ter tratado do processo com a devida antecedência e de uma outra forma.
Em relação à matéria propriamente dita, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a proposta de lei proíbe qualquer forma de discriminação no acesso ao trabalho independente e nas condições de prestação desse trabalho, em todos os sectores de actividade, seja no público, seja no privado. Proíbe a discriminação no acesso, por exemplo, quando prevê que um concurso não possa preterir alguém em função do sexo; proíbe, também, a discriminação na formação e nas condições de trabalho, entre muitas outras situações.
A transposição das directivas que estão em cima da mesa não corresponde, no entanto, a nenhuma novidade jurídico-laboral, porque estes princípios, estas matérias já estão concretizadas no nosso ordenamento jurídico, como refere, aliás, o próprio preâmbulo da proposta de lei. O princípio da proibição da discriminação já está largamente assumido no nosso ordenamento jurídico, pelo que não é, de facto, uma novidade.
Importa, no entanto, aqui referir que a proposta de lei não aborda outros problemas dos trabalhadores independentes. Hoje, de acordo com o INE, existe mais de 1 milhão de trabalhadores por conta própria e muitos deles, senão a larguíssima maioria, são falsos recibos verdes. Trata-se de um flagelo social que não encontra qualquer resposta por parte do Governo. Estes trabalhadores, estes falsos recibos verdes são diariamente discriminados, nomeadamente no acesso ao contrato de trabalho a que têm direito, no acesso à segurança social, como qualquer outro trabalhador, na estabilidade da sua relação laboral e num conjunto de direitos que deveriam ter no âmbito da contratação mas que lhes é, pura e simplesmente, retirado.
Quanto a esta discriminação, importa dizer que o Governo nada fez e nada pretende fazer, tanto quanto se percebe pela intervenção dos membros do Governo nesta matéria.
Convém lembrar que o Governo, que promoveu uma alteração à legislação laboral, não mexeu uma palha que fosse no que diz respeito à situação dos falsos recibos verdes no nosso País, que representam uma situação de flagelo social relativamente à qual o Governo fica impávido e sereno. Aliás, aproveitou, isso, sim, o Código do Trabalho para piorar as condições da generalidade dos trabalhadores.
No que diz respeito à ACT, a Autoridade para as Condições do Trabalho, que é uma entidade fundamental para combater as ilegalidades, o que é que o Governo faz? Pouco ou nada, na medida em que não pára de aumentar o número de situações de falsos recibos verdes, incluindo na própria Administração Pública, o que é um sinal claro de vergonha para o próprio Governo.
Entretanto, utilizando a legislação do Código Contributivo, e aposto que o Sr. Secretário de Estado a vai utilizar hoje, mais uma vez, qual é a grande solução do Governo para os falsos recibos verdes? Tributá-los,

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com a taxa social única de 5%, como se esta fosse a solução, quando, pelo contrário, é muito mais barato para qualquer entidade patronal pagar 5% de contribuições para a segurança social por um falso recibo verde do que pagar 23,75%. Desta forma, o Governo, mesmo no Código Contributivo, está a promover e a incentivar a utilização do falso recibo verde.
Portanto, sobre esta discriminação, sobre esta realidade, em concreto, o Governo, infelizmente, não aproveita esta iniciativa legislativa, nem aproveitou outras no passado, para resolver este problema, o que não podemos deixar de registar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Strecht.

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui para tratar de uma coisa simples e elementar, que é a extensão da não discriminação aos trabalhadores independentes. Portanto, como é evidente, estamos fora do âmbito da legislação laboral e também me parece, mas acho que isso absolutamente despiciendo, que a questão do debate público até nem tem qualquer razão de ser, uma vez que não se trata de legislação laboral; trata-se de avenças.

Protestos do Deputado do PCP Jorge Machado.

Ó Sr. Deputado, não se meta nisso! Trata-se do Código Civil! O trabalho independente está regulado no Código Civil, não está regulado no Código do Trabalho, nem pode estar! Mas não vou discutir isso, uma vez que o Governo disse, magnanimamente, que era irrelevante e que não se importava. Pois, muito bem, faça-se a tal célebre discussão. Vamos ao que interessa.
E o que interessa é muito simples: foi aqui dito, e é verdade, que a nossa Constituição resolveu, há muito tempo, um problema que as directivas vieram resolver mais tarde.
O artigo 13.º da Constituição há muito que proíbe qualquer tipo de discriminação, portanto esta proposta mais não faz do que proceder a uma transposição das directivas e, já agora, levar à legislação ordinária o princípio constitucional. Acho que isso deveria ser saudado por todas as bancadas, mas parece que não é, não obstante ser positivo! Há questões vindas do lado do CDS e questões vindas do lado do PCP e do BE.
Pois, muito bem, a questão do CDS é que os senhores sócios-gerentes das sociedades, coitados, não têm fundo de desemprego»

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não é subsídio!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Bom, não têm, porque não descontam. Como não descontam e como a medida é retributiva, não podem ter!!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Não descontam?! Descontam e não é pouco!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Mas no código contributivo, por cujo adiamento o CDS é responsável, com a conivência de partidos como o BE e o PCP, estava regulada e resolvida essa questão! Não está resolvida por culpa estrita de todas as bancadas, à direita e à pretensa esquerda.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Não é verdade!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — Quanto à questão dos falsos recibos verdes, é espantoso como o PCP e o BE trazem novamente á colação um pretexto absurdo para corroborar a direita»

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Não sabe o que está a dizer!

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O Sr. Jorge Strecht (PS): — » no adiamento do código contributivo! Refiro-me aos célebres 5% de esforço contributivo de quem recebe o trabalho independente no que toca à segurança social, quando é sabido que, como é óbvio, não é o código contributivo da segurança social que resolve ou deixa de resolver o problema dos recibos verdes! É evidente que não!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — O Governo disse o contrário!

O Sr. Jorge Strecht (PS): — E mais: silenciam, de forma sistemática e mentirosa — sublinho: sistemática e mentirosa! —, que o Código do Trabalho resolveu, e bem, a questão dos recibos verdes invertendo o ónus da prova no que toca aos falsos recibos verdes!! Contudo, há uma coisa que o Código do Trabalho não pode fazer, que é substituir-se aos trabalhadores que trabalham a falsos recibos verdes nas acções que têm de propor para que os tribunais decidam — como não pode deixar de ser num Estado de direito democrático — se o seu contrato é ou não um contrato de trabalho subordinado! Ó Srs. Deputados do BE e do PCP, melhor fariam se se dirigissem às forças sindicais, a quem o PS, aliás, já fez um convite sistemático, para que elas, em primeiro lugar, sindicalizassem todos os trabalhadores a falsos recibos verdes e, em segundo lugar, em nome deles agissem nos tribunais de trabalho convolando os falsos recibos verdes em contratos de trabalho! Os senhores sabem que num Estado de direito democrático não há forma administrativa de convolar um contrato a num contrato b! Portanto, do que os senhores aqui vieram falar, mais uma vez, foi da vossa própria responsabilidade na não resolução de problemas, os quais não resolvemos porque os senhores impediram. Esta é que é a verdade! Votem a favor desta proposta de lei! Os senhores sabem muito bem que não podem recusar votar a favor da proposta de lei que hoje, aqui, é submetida à vossa apreciação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Do lado do Governo, poderemos dizer que ficamos satisfeitos com a aparente disposição das bancadas no sentido de acharem — aliás, isso sucedeu nas palavras da Sr.ª Deputada Cecília Honório — que a proposta tem enunciados consensuais e justos.
Portanto, esperamos, naturalmente, que a proposta venha a ser votada favoravelmente por esta Câmara, mas não posso deixar de fazer uma nota sobre dois aspectos concretos: os falsos recibos verdes e a segurança social dos trabalhadores independentes.
No que respeita aos falsos recibos verdes, gostaria de dizer que a proposta não trata de falsos recibos verdes; trata, sim, de trabalho independente, e há que separar a questão dos trabalhadores independentes da questão dos falsos recibos verdes.
Quanto aos falsos recibos verdes, trata-se de uma questão de cumprimento da lei, de não cumprimento da lei neste caso. E eu gostaria de relembrar que essa questão foi reforçada pelo Governo no Código do Trabalho. Pela primeira vez foi instituída a «presunção de laboralidade» no Código do Trabalho com o pressuposto do combate aos recibos verdes.
Mas, uma vez mais, também não posso deixar de lembrar aqui que as medidas previstas no código contributivo tinham em vista reforçar o combate aos falsos recibos verdes e a oposição unanimemente, numa coligação negativa, não deixou que o mesmo entrasse em vigor – portanto, colocou dificuldades a esse combate!! Idem para a resposta ao CDS e ao Sr. Deputado Pedro Mota Soares no que respeita ao problema da segurança social. Aliás, já foi referido pela bancada do PS, mas repito-o no que respeita à questão da segurança social dos trabalhadores independentes.

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Contudo, também gostaria de dizer ao Sr. Deputado que essa matéria está a ser objecto de trabalho e de negociação com os parceiros sociais no âmbito do Pacto para o Emprego – como, aliás, é sabido e já foi várias vezes dito pela Sr.ª Ministra do Trabalho em intervenções públicas. Essa análise está em cima da mesa, ainda que o CDS, em conjunto com os partidos da esquerda, não tivesse deixado entrar em vigor o código contributivo, onde estava prevista a possibilidade de se legislar expressamente sobre isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Os partidos da esquerda» Disse muito bem, Sr. Secretário de Estado! Fugiu-lhe a boca para a verdade!

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, solicito a V. Ex.ª que diligencie no sentido de distribuir, nomeadamente à bancada do Partido Socialista e à bancada do Governo, um diploma que penso que elas não conhecem.
Refiro-me à proposta de lei n.º 270/X (4.ª), que é o famigerado código contributivo, que, de facto, no artigo 4.º, n.º 1, concedia uma autorização legislativa para se legislar no que respeita ao subsídio de desemprego para os trabalhadores independentes, a qual foi retirada. É que acho que, provavelmente, a bancada o Governo não sabe que essa medida foi retirada pelo próprio Governo»!

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Oh», mas isso ç «um pequeno detalhe«»!

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos a apreciar a proposta de lei n.º 38/X (2.ª) — Aprova o regime de certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios do sistema ferroviário, transpondo a Directiva 2007/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007.
Para apresentá-la, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes (Carlos Correia da Fonseca): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Coube-me a honra de apresentar a esta Assembleia a proposta de um novo quadro normativo para a certificação de maquinistas de locomotivas e comboios para o transporte de passageiros e de mercadorias, transpondo a Directiva 2007/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, tendo em vista promover regras comuns relativamente às condições de habilitação.
Tal regime jurídico resulta da necessidade de harmonização europeia das diversas legislações nacionais que estabeleciam diversos graus de exigência, através da criação de modelos únicos de certificação válidos em toda a União.
A directiva referida e a presente proposta de lei seguem e inspiram-se, em grande medida, no histórico acordo paritário entre a Comunidade dos Caminhos-de-Ferro Europeus (CER) e a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) sobre as condições de trabalho dos trabalhadores móveis que prestam serviços de interoperabilidade transfronteiriça.
Instituindo-se um modelo único de certificação, os maquinistas deverão passar a possuir aptidões e habilitações necessárias para conduzir comboios, titulados pelos dois seguintes documentos: Em primeiro lugar, a carta de maquinista de âmbito geral, que comprova o preenchimento pelo maquinista de requisitos mínimos em matéria de saúde e de condição física adequada, de escolaridade básica e de competências profissionais gerais; Em segundo lugar, certificados de âmbito específico indicando as infra-estruturas em que o maquinista é autorizado a conduzir e o material circulante que o maquinista poderá operar.
Qualquer maquinista com as referidas habilitações passará a poder operar na totalidade da rede europeia, desde que para cada uma das redes, para além da carta, possua certificado ajustado ao tipo de comboio e à rede local.

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Trata-se, portanto, de um enorme passo no sentido da interoperabilidade do sistema ferroviário europeu.
Se até à existência desta lei o maquinista tinha de abandonar o comboio ao passar a fronteira, sendo substituído por outro maquinista certificado no país de atravessamento, passa agora a poder levar o seu comboio pelas fronteiras apenas limitado pelos tempos máximos de operação durante o seu dia de trabalho.
O sistema preconizado pressupõe a existência de entidades formadoras e de entidades com a capacidade para realizar avaliações médicas e psicológicas competentes e idóneas, cujo reconhecimento oficial deve ser efectuado no âmbito das entidades competentes, envolvendo o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres do Ministério das Obras Públicas.
No prazo de sete anos a contar da data da entrada em vigor do diploma, todos os maquinistas deverão ser titulares de cartas de maquinista e de certificados.
No entanto, os maquinistas autorizados a conduzir em conformidade com as disposições actualmente em vigor poderão continuar a exercer a sua actividade profissional com base nos títulos de condução existentes e actuais pelo prazo máximo de sete anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo assumiu um compromisso com os portugueses, quando viu aprovado nesta Assembleia o Programa do Governo, definindo o objectivo de promover a interoperabilidade do sistema ferroviário, e este é um importante passo nesse sentido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esta não me parece ser a melhor altura para lembrar o Programa do Governo, Sr. Deputado»!

Risos do PCP e do BE.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: — Esta iniciativa resultará numa procura crescente de maquinistas formados e certificados para operarem em mais de que um Estado-membro, abrindo novas oportunidades de trabalho aos maquinistas e permitindo às empresas novos horizontes de negócios.
É minha profunda convicção que esta iniciativa constitui um importante estímulo para o sector ferroviário nacional que dele tem estado tão carente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que estamos a discutir pretende transpor para o ordenamento jurídico nacional uma directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, relativa à certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios no sistema ferroviário da Comunidade Europeia; pretende dar cumprimento ao denominado Pacote Ferroviário III, que enquadra a liberalização do transporte ferroviário internacional de passageiros. Este processo legislativo foi iniciado em 2001 com a aprovação pela comunidade europeia de três directivas — o chamado Pacote Ferroviário I — com vista à liberalização e à promoção do transporte ferroviário.
Em 2002, a Comissão Europeia financiou um estudo que concluiu pela existência de uma grande diversidade de regimes de certificação de maquinistas nas legislações dos Estados-membros.
A partir de então foram iniciados os trabalhos com o objectivo de concretizar a política comunitária de livre circulação dos trabalhadores, neste caso relativamente aos maquinistas que, face aos diferentes regimes de certificação, se viam impedidos de exercer a sua profissão fora do país natal.
Além da mobilidade dos maquinistas, foi desde logo assumido que um regime de certificação ao nível europeu contribuiria também para evitar distorções de concorrência.
Em 2005, no seio do CER, organização que reúne os operadores de serviços ferroviários da Europa, foram apresentados os princípios de um acordo com as associações sindicais e que vieram a servir de base à Directiva europeia.

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A Directiva em apreço, ao estabelecer um quadro normativo de certificação dos trabalhadores maquinistas, contribui para o aumento dos níveis de segurança, promove a concorrência entre os operadores e facilita a mobilidade dos maquinistas no espaço europeu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo legislativo europeu foi um processo longo e participado, durante o qual trabalhadores e entidades reguladoras deram os seus contributos.
Definidos os princípios, aguardava-se com expectativa a sua regulamentação pelo Estado português.
Utilizamos o termo regulamentação e não transposição porque a Directiva contém meras orientações deixando aos Estados-membros uma grande liberdade para a definição de regras e procedimentos. Trata-se de uma matéria da máxima importância e que merece toda a atenção desta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Directiva comunitária deveria ter sido transposta para o Direito interno antes de 4 de Dezembro de 2009.
O Governo português não cumpriu e foi chamado à atenção para a sua falta. Trata-se de uma matéria importante e urgente. Cabia ao Governo legislar, sem perda de tempo — sem perda de tempo, mas sem pressa, Sr. Secretário de Estado! Daí que não consigamos compreender a extrema urgência com que a proposta foi agendada para discussão em Plenário.
Com efeito, a proposta de lei n.º 38/XI (2.ª) foi agendada para Plenário, ainda sem ter dado entrada nos Serviços da Assembleia da República, o que veio a acontecer, apenas, na passada sexta-feira, dia 23, e a mesma ainda não foi distribuída à respectiva comissão parlamentar.
Acresce que não conseguimos apurar se os destinatários da lei tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a mesma. Ora, para uma boa discussão desta matéria, é da máxima importância conhecer as posições do IMTT (Instituto de Mobilidade e Transportes Terrestres), bem como as dos operadores e trabalhadores.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Aqui, cabe fazer uma especial referência à importância em conhecer-se a posição do SMAQ (Sindicato Nacional dos Maquinistas), que, apesar de representar a quase totalidade dos maquinistas portugueses, não foi ouvido pelo Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: A bondade da iniciativa, Sr. Secretário de Estado, não está em questão — é a transposição de uma directiva que, é evidente, irá habilitar os maquinistas português a conduzirem fora das fronteiras portuguesas.
O que está aqui em questão — e vou ser muito directo e sucinto — é o seguinte, Sr. Secretário de Estado: todas as transposições de directivas, que vieram a esta Câmara trazidas pelo Governo, nesta Legislatura, vieram fora de prazo; não foram sujeitas a discussão pública, quando o deveriam ter sido, como é o caso desta; não foram distribuídas, em devido tempo, às comissões respectivas para serem apreciadas pelo Parlamento e pelos Deputados da respectiva comissão, como o deveriam ter sido. Ou seja, a característica comum a todas elas demonstra à evidência: desleixo, pouco rigor e laxismo da parte do Governo. Para além dessas características comuns que tem com as outras todas propostas de lei, esta, em particular, ainda tem outras características que muito nos surpreendem e delas irei enunciar só duas ou três.
Sr. Secretário de Estado: o valor das coimas previstas para o caso de não cumprimento da directiva, nomeadamente de não certificação, situa-se entre 1000 € e 5000 €, para as entidades certificadas em Portugal — que nós sabemos quem é: é uma, é a CP, que é uma empresa pública; é uma única!! No entanto, o Governo já trouxe aqui pedidos de transposição de outras directivas europeias em que se propunham, na proposta de lei — e também aplicáveis ao sector privado, justamente em áreas onde predominam as pequenas e médias empresas —, contra-ordenações cominadas como graves e muito graves e coimas que iam atç 50 000 €»!

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Considero extraordinária esta diferença de tratamento que o Estado – que este Governo! — tem quando se destina a aplicar ao sector privado ou a punir-se a ele mesmo por ser relapso, o que é evidente que é e está demonstrado à evidência!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Mais: comina à entidade certificada, neste caso, a CP, empresa pública, nomeadamente a obrigação de zelar para que os maquinistas tenham os certificados em dia, para que, assim que adquiram novas competências, seja feito o exame para que eles possam actualizar o seu certificado.
No entanto se, fruto de uma acção inspectiva, for verificado que o maquinista não tem o certificado em dia ou devidamente actualizado, voilà!, aqui está o Governo, com uma coimazinha de 1000 € para a CP» E o maquinista com a licença suspensa, com a sua actividade suspensa e sem poder exercer aquilo que é o seu ganha-pão, cabendo, depois, à entidade certificada, que é a principal responsável pela situação, avaliar as causas e a responsabilidade desta situação!

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Para concluir, eu diria que nesta proposta de lei, mais uma vez, o Governo demonstrou, nestas pequenas coisas, a atitude «atenta» que tem ao cumprimento e ao rigor.
E eu só teria uma coisa a dizer, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, e isto ensinaram-mo desde os tempos de escola: é que quem é desmazelado, laxista, relapso e pouco rigoroso nestas pequenas coisas, regra geral e por maioria de razão, sê-lo-á nas grandes. Se calhar é essa a razão por que o País está no estado em que está e pela actuação que o Governo tem tido, na legislatura passada e nesta, com o estado das finanças.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Freitas.

A Sr.ª Anabela Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei, em apreço, que visa transpor para a ordem jurídica nacional a Directiva 2007/59/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, tem como objecto estabelecer um quadro normativo para a certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios no sistema ferroviário da Comunidade, para o transporte de passageiros e mercadorias.
A definição do modelo proposto assenta no conjunto de medidas definidas pela União Europeia para a liberalização da prestação de determinados serviços de transporte ferroviário, que integram o vulgarmente conhecido «Pacote Ferroviário III», e contribui para a harmonização das legislações nacionais, em termos de graus de exigência quanto às habilitações necessárias.
A transposição da presente directiva para a ordem jurídica interna, que comporta inegáveis vantagens para o sector, tem um duplo sentido: primeiro, ao nível das empresas e serviços de transporte ferroviário — ao facilitar o reconhecimento das cartas dos maquinistas pelas empresas, ao contribuir para o respeito das exigências de segurança do sector ferroviário, e ao concorrer para prevenir distorções de concorrência; segundo, ao nível dos trabalhadores — facilita e incentiva a mobilidade dos maquinistas entre países da União Europeia e entre empresas do sector.
Neste contexto, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 38/XI (2.ª) encerra objectivos globalmente positivos para o sector ferroviário e, nessa medida, merece a nossa total concordância.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

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O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado dos Transportes, Sr.as e Srs. Deputados: Percebo, perfeitamente, a bondade da iniciativa legislativa do Governo, quando o Sr. Secretário de Estado a centra sobre a necessidade de criar as melhores condições para a interoperabilidade ao nível do sector ferroviário na União Europeia.
Isso é, Sr. Secretário de Estado, permita-me que lho diga, um objectivo que é independente do Programa de Governo. Não vale a pena invocar o Programa de Governo para justificar a introdução desta iniciativa, já que ela deveria ocorrer com este ou com qualquer outro governo que existisse, neste momento.
Por outro lado, não posso deixar de começar esta intervenção por reclamar contra duas práticas que o Governo sistematicamente teima em repetir. A primeira reclamação tem a ver com o método que o Governo usa, quando pretende transpor, por exemplo, directivas comunitárias referentes a condições de trabalho de profissionais de um determinado sector social.
Tenho a certeza de que, se o Sr. Secretário de Estado norteasse a sua actuação exclusivamente pelo bom senso, ter-se-ia lembrado de que, tratando-se de uma directiva que transpõe para a nossa legislação interna a definição das condições de trabalho e de exercício de uma determinada categoria profissional, tenho a certeza, pois, de que o Sr. Secretário de Estado pegaria no telefone por pensar assim: «Deixa-me cá ver, deixa-me cá falar com os maquinistas porque, afinal de contas, esta é uma legislação que vai incidir sobre as suas condições de trabalho; deixa-me cá ver o que é que eles pensam sobre o assunto». Mas, não! O Sr.
Secretário de Estado provavelmente estará constrangido a ter de se comportar num Governo que não tem bom senso e que faz tudo de forma completamente á toa e atrapalhada» Porque, Sr. Secretário de Estado, se não fosse assim, teria, pelo menos, que atender à segunda reclamação que eu vou fazer.
Nós tivemos o cuidado de consultar, pelo menos o Sindicato dos Maquinistas e recebemos da sua parte um conjunto de observações, extremamente pertinentes, que nos levam a rejeitar o conteúdo essencial deste decreto e desta proposta de lei.
Dou-lhe dois exemplos, Sr. Secretário de Estado. Um exemplo: por que razão é que as cartas dos maquinistas só têm uma validade de 10 anos? Compare, Sr. Secretário de Estado, com aquilo que acontece com outras profissões e com a habilitação de outras profissões, como o caso, extremamente exigente, dos pilotos de avião. Quando um piloto de avião tira uma carta de condução, portanto, um brevet, tira-o para toda a vida!

A Sr.ª Anabela Freitas (PS): — Não tem nada a ver!

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Digamos que a certificação dessa condição de piloto é que é aferida regularmente, sobretudo determinadas condições. Agora, a carta de condução de piloto de avião, essa é uma certificação para toda a vida.
Veja-se o caso de um motorista profissional: quando um motorista profissional de transportes internacionais de mercadorias tira uma carta de condução de motorista, tira-a para toda a vida!

Protestos do PS.

As condições de exercício dessa actividade é que impõem uma determinada actualização, que é feita de tempos a tempos ou, então, dependendo do limite de idade que o profissional tem.

O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Portanto, Sr. Secretário de Estado, há um conjunto de aspectos da transposição desta proposta de lei que são extremamente discutíveis, que não têm em conta a opinião dos profissionais que estão no sector e que deveriam ser corrigidas numa técnica legislativa, porventura mais pensada, com mais bom senso e, sobretudo, com muito mais respeito democrático pelas pessoas que exercem a profissão e, já agora, pelos partidos representados nesta Assembleia.

Aplausos do BE.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PCP sempre afirmou com clareza a sua concordância com opções e medidas que promovam a qualidade e a segurança do transporte ferroviário, e também a formação e a certificação dos trabalhadores e o seu reconhecimento aquém e além fronteiras.
Agora, coisa diferente, em relação à qual temos reiteradamente alertado e manifestado a nossa total discordância, é quando a certificação de trabalhadores é usada como um instrumento, como um pretexto para aprofundar a liberalização do sector, a sua entrega aos grandes grupos económicos transnacionais e a precariedade e a exploração dos trabalhadores.
Veja-se tudo o que tem acontecido com o pacote ferroviário — os sucessivos pacotes ferroviários — e a sua introdução na legislação nacional.
Depois, o problema ainda está na forma como se aplica esse sistema de certificação. Vejamos, no concreto, alguns exemplos do que o Governo pretende consagrar nesta transposição de directivas.
O processo de organização e de realização dos exames e controlos periódicos a que o trabalhador se sujeita para renovar a sua certificação cabe, exclusivamente, às empresas que empregam ou contratam o maquinista de acordo com o seu próprio sistema de gestão; a periodicidade dos exames é definida nos mesmos termos — a empresa «tem a faca e o queijo na mão». Nem uma palavra se encontra na proposta sobre a forma de participação e de envolvimento dos trabalhadores e das suas estruturas representativas nestes processos.
Em caso de resultado negativo no exame, a empresa ferroviária afasta, de imediato, o maquinista do desempenho de funções, mas nada é dito em relação a quaisquer mecanismos — que o Governo nunca prevê! — para evitar que o trabalhador seja, sumária e liminarmente, condenado ao desemprego, designadamente com possíveis processos de reclassificação ou de transferência de serviço.
«Se uma empresa tomar conhecimento (») de que o estado de saõde do maquinista se deteriorou»« toma «» de imediato as medidas que se revelem mais adequadas (») se necessário, a retirada do seu certificado (»)«. Nós perguntamos: e depois, o que acontece ao trabalhador? Logo se vê!» Podemos ter situações de cassação da certificação profissional, em casos de baixa por doença ou em casos de irregularidades, como falsas declarações, por exemplo, em que é prevista, automaticamente, a revogação ou a recusa de emissão da carta de maquinista. Nós perguntamos: podemos correr o risco de estar perante uma espécie de pena perpétua, administrativamente aplicada, sem mecanismos de audição prévia? Em que termos é feita a instrução do devido processo? O limite de idade para o certificado, para a carta de maquinista, é de 65 anos; e, depois, o maquinista é obrigado a ir para a reforma com a penalização, tendo em conta a legislação gravosa em relação à segurança social e às reformas que o PS, o PSD e o CDS têm aplicado?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: é particularmente grave que o Governo tenha aparecido, tarde e a más horas, com uma proposta, no mínimo discutível quanto às soluções que preconiza, e que precipite, desta forma, um processo legislativo que começa da pior maneira. Esta proposta de lei foi admitida na Mesa anteontem, não tivemos tempo de ler o texto, a Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, obviamente, não teve tempo de aprovar o necessário parecer para este debate em Plenário, os trabalhadores não foram ouvidos sobre o seu teor, nem, muito menos, se realizou o indispensável processo de consulta pública, com a publicação da proposta, a audição das organizações e a abertura para a apresentação de pareceres.
A Assembleia da República não podia adivinhar o que estava escrito na proposta do Governo, por isso não podia partir do princípio de que seria necessária a consulta pública. O Governo é que tinha a obrigação de ter em conta o teor da sua própria proposta, em vez de fazer do Parlamento uma «almofada de carimbo»! Há que garantir, nos termos da lei, a devida informação e a audição dos trabalhadores e das suas estruturas, numa matéria desta incidência e deste significado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já se torna muito claro para nós que vai mesmo ser preciso tratar de propostas de alteração do texto, na especialidade. Apresentaremos essas propostas no devido momento, mas queremos aqui sublinhar que é antes da discussão na especialidade que o processo de consulta pública tem de acontecer,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » para que não se verifique mais uma vez a transformação de uma proposta eventualmente boa numa má medida, lesiva para os trabalhadores.
Disso já tivemos demasiados exemplos e, convenhamos, «para pior já basta assim»!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Transportes.

O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, devo dizer que foram auscultadas todas as entidades que o processo do circuito legislativo impunha, nomeadamente o IMTT, como é óbvio. É evidente que há-de haver uma consulta pública, mas essa é uma responsabilidade da Assembleia da República num projecto deste tipo.
Em relação aos atrasos, deixem-me dizer-vos, por favor, que a Secretaria de Estado dos Transportes tem feito um esforço notável para actualizar a transposição de directivas e, neste momento, estamos a chegar ao «atraso zero» e garantimos que, até ao fim do ano, não haverá atrasos na transposição de directivas.
No que respeita a coimas, é evidente que aqui as coimas são proporcionais ou estão consistentes com o sector de actividade. Portanto, não há grande contradição com outros sectores.
Permitam-me dizer ainda que a questão do prazo de validade, os 10 anos, está na própria directiva. E, Sr. Deputado Heitor Sousa, também num brevet de aviação, se não tivermos as tantas horas de voo, podemos continuar a ter o brevet de aviação, mas ele não serve para nada, porque não podemos pilotar! Penso que o paralelo é abusivo.
Quanto às demais questões, a participação dos trabalhadores está na lei geral. Se um trabalhador não tem saúde ou não tem conhecimentos não pode exercer, como em qualquer outra actividade, e, portanto, há que estudar o acesso a cuidados médicos para poder voltar a trabalhar. Ou seja, esta é uma questão que também não é específica deste diploma.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluída a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 38/XI (2.ª), passamos à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 60/XI (1.ª) — Altera o sistema de qualificação e formação contínua dos motoristas, reforçando a protecção dos direitos dos trabalhadores (PCP), conjuntamente com a petição n.º 12/XI (1.ª) — Da iniciativa do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, pela alteração do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, no sentido de que os encargos relativos à aquisição de qualificação inicial e da formação contínua não sejam da responsabilidade dos motoristas profissionais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queremos saudar, em nome do PCP, em primeiro lugar, os trabalhadores do sector dos transportes, da administração local e de muitos outros sectores, todos os motoristas e as cerca de 6000 pessoas que se dirigiram à Assembleia da República através desta petição. E saudamos, em particular, os promotores desta petição, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações e o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, que trazem ao Parlamento uma questão muito concreta de evidente justiça e razoabilidade.

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Está em causa, aliás, o sistema de qualificação e de formação contínua dos motoristas, actualmente definido pelo Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, e o que os trabalhadores reivindicam, os peticionários pedem ao Parlamento e o PCP propõe, através do projecto de lei que aqui está em debate, é que, muito simplesmente, se ponha termo à situação actual, por forma a que os encargos para a obtenção dos certificados de aptidão e as acções de formação deixem de decorrer a expensas dos trabalhadores e num horário que vem penalizar a vida dos trabalhadores, ou seja, no seu próprio período de descanso.
O que propomos, designadamente, é a isenção de taxas e de emolumentos na emissão dos documentos de certificação, os quais, sendo condição obrigatória para a prática da profissão, não podem significar que o motorista tenha de pagar para trabalhar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Srs. Deputados, convenhamos, isto já acontece demasiadas vezes nestes sectores, em que os trabalhadores têm de pagar para trabalhar de acordo com as exigências que a lei lhes coloca! Propomos o pagamento pela entidade patronal das despesas relacionadas com a frequência da formação contínua pelo motorista — não estamos a falar, especificamente, do acesso à profissão, mas da formação contínua. Nós temos de sublinhar que as questões da segurança rodoviária, da qualificação, da certificação são muito importantes e interessam a todos, não apenas aos motoristas. Não são os trabalhadores os únicos responsáveis por garantir que essas matérias são tidas em conta, cumpridas e respeitadas.
Propomos a realização da formação contínua durante o período laboral do motorista, não aumentando assim a sua jornada semanal de trabalho, bem como a garantia de que as despesas com as deslocações são assumidas pelas entidades patronais e que o tempo dispendido com estas deslocações, até à acção de formação, seja considerado como tempo de trabalho. É escusado estarmos a definir tempos de trabalho e de repouso para os motoristas para, depois, impor que, nos tempos de repouso dos trabalhadores, eles tenham de frequentar cursos de formação. Isto ç absolutamente absurdo»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exacto!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » e, no mínimo, injusto, desde logo.
Propomos ainda a salvaguarda do direito de opção pelo motorista sobre a entidade formadora, onde este realize a formação contínua.
O nosso projecto de lei, Sr.as e Srs. Deputados, é uma oportunidade concreta não para, um dia destes, reflectirmos, mas, sim, para, aqui e agora, podermos tomar uma decisão relativamente ao que os trabalhadores colocam ao Parlamento, que é um mínimo de justiça do ponto de vista das relações de trabalho e um mínimo de segurança do ponto de vista da organização em termos jurídicos, formais e técnicos da organização do sector.
Sr.as e Srs. Deputados, está ao nosso alcance, neste momento, legislar e decidir para, de uma forma coerente e consequente, resolver o problema que está colocado em cima da mesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Freitas.

A Sr.ª Anabela Freitas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, o projecto de lei n.º 60/XI (1.ª), da iniciativa do PCP, que visa alterar o sistema de qualificação e de formação contínua dos motoristas de pesados, consubstanciando a primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, e ainda a petição n.º 12/XI (1.ª), sobre a mesma matéria.
Permitam-me, em primeiro lugar, saudar os peticionários e, em nome da bancada do Partido Socialista, deixar uma palavra de solidariedade a todos os profissionais motoristas de pesados de serviço internacional, que, no dia de hoje, se encontram retidos em vários países europeus.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não podemos deixar de manifestar estranheza quanto às alterações propostas pela iniciativa ora apresentada e secundada pela petição. Passo a enumerar apenas algumas.
Desde logo, a proposta introduzida de avaliação dos motoristas na sequência de acções de formação contínua. E, Sr. Deputado Bruno Dias, a actual legislação não prevê em lado nenhum qualquer tipo de avaliação — e falo de formação contínua. O que os peticionários no disseram em sede de audiência, preocupados com essa questão, foi que não estava prevista qualquer segunda hipótese, caso falhassem na avaliação.
Repito: a actual legislação em lado nenhum prevê um momento avaliativo no caso de formação contínua! Propõe ainda o Partido Comunista Português, sendo também pretensão dos peticionários, a eliminação da figura de tutor. Ora, a eliminação da figura de tutor não só contraria todas as normas comunitárias relativas à formação profissional como retira flexibilidade ao sistema de formação, o qual envolve, necessariamente, a prática de condução em ambiente real de circulação rodoviária.
E, por fim, não se vê vantagem na revogação do artigo 4.º da Portaria n.º 1200/2009, de 8 de Outubro, relativa à equipa formativa, nem no aditamento ao Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, de uma norma com o mesmo sentido, dado que, salvo melhor opinião, estamos perante matéria de natureza regulamentar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A legislação actualmente em vigor é aplicável a motoristas de veículos pesados de passageiros e de mercadorias, quer estejam abrangidos por contratos de trabalho por conta de outrem quer exerçam actividade por conta própria, e, à semelhança de outros regimes relativos à obrigatoriedade da formação e de certificação de outras categorias de motoristas, não é especificado a quem compete suportar os encargos com a referida formação.
No entanto, não deixamos de alertar para o facto de que estamos perante um sector de actividade com grandes disparidades, porque, se por um lado temos empresas que, quer pela sua dimensão quer pela sua sustentabilidade financeira, podem suportar os custos da formação contínua, outras existirão, com certeza, que não detêm tal capacidade. E alertamos ainda para o facto de a realização da formação no decurso do período normal de trabalho poder ser limitativo para a organização dos tempos de trabalho.
Esta é, aliás, uma matéria que, no nosso entendimento, deveria ser objecto de reflexão pelos parceiros sociais do sector, no sentido de encontrarem as melhores soluções, tendo em conta as especificidades desta actividade económica.
Em suma, o Partido Socialista está disponível, como sempre esteve, para debater e reflectir sobre o sistema de formação e de certificação dos trabalhadores, em geral, e dos motoristas de veículos pesados de mercadorias e passageiros, em particular, no sentido da sua melhoria e adequação às exigências da profissão, condições que não se verificam na iniciativa em apreço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a esta questão o Bloco de Esquerda deve começar por reafirmar a total concordância com os objectivos dos peticionários, na medida em que esta questão de saber em que condições concretas os trabalhadores profissionais deste sector vão exercer ou responder à obrigação de obter determinados níveis de qualificação está isenta exactamente no decreto-lei que regula esta matéria — o Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio.
É precisamente por que o Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, é omisso numa série de questões que as entidades patronais têm avançado no sentido de exigir que a obtenção desses níveis de qualificação seja feita a expensas dos próprios trabalhadores e dos próprios motoristas, exactamente porque a lei não diz rigorosamente nada sobre uma questão magna, a de saber quem é que paga a formação contínua, quem é que paga a qualificação dos motoristas! Quem é que paga tudo isso? Ora, se a lei nada diz sobre o assunto e apenas refere que é o IMTT que vai regular e regulamentar essas matçrias»

Protestos da Deputada do PS Anabela Freitas.

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Sr.ª Deputada, agradecia-lhe que ouvisse o que tenho para dizer, caso contrário não vale a pena» Se a única coisa que o decreto-lei faz é estabelecer as condições técnicas que precedem à obtenção de um determinado grau de qualificação por parte dos motoristas profissionais, seja de qualificação inicial, seja de qualificação acelerada, seja de formação contínua, estamos no domínio da arbitrariedade, porque pode haver uma entidade patronal que reclame junto do motorista para saber das razões por que ele não obteve determinada certificação e, não tendo ele obtido essa certificação, pode esse profissional ficar automaticamente fora das condições de exercício da profissão, pelo menos naquela empresa.
Portanto, o mérito da proposta do PCP é de, pelo menos, obrigar à clarificação deste tipo de situações.
É por essa razão que, embora tenhamos dúvidas em relação a algumas propostas nele inseridas, somos a favor de que o projecto de lei do PCP seja aprovado, para que, em sede de discussão na especialidade, possamos, em conjunto, burilar e, porventura, alterar e precisar algumas das matérias nele apresentadas.
Em resumo, estamos totalmente ao lado dos trabalhadores nas preocupações que aqui trouxeram através de uma petição em que exigem claramente a alteração do Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, no sentido em que o mesmo preveja que as acções de formação decorram no período normal de trabalho e que os encargos de participação nas mesmas e obtenção dos certificados não sejam suportados pelos trabalhadores — esta é uma petição absolutamente clara nos seus objectivos.
Estamos também a favor de que o Decreto-Lei n.º 126/2009 seja alterado no sentido das propostas que o PCP ou outros grupos parlamentares venham a apresentar em sede de discussão na especialidade.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Artur Rêgo.

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No CDS também estamos a favor dos trabalhadores e agradecemos ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e à Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações a petição que trouxeram aqui, tal como agradecemos a iniciativa do Partido Comunista.
Quero dizer que, efectivamente, também estamos ao lado dos trabalhadores, mas estar ao lado dos trabalhadores não é criar condições impossíveis para que uma empresa, que é composta por trabalhadores e empregadores — trabalhadores não são só os motoristas, neste caso, também são os funcionários administrativos, etc. —, sobreviva.
Estive nas audiências; falei com os sindicatos; estive na comissão parlamentar onde isto foi discutido; debati este assunto, na altura, com os representantes do Grupo Parlamentar do PCP; e disse que a melhor solução aqui era uma solução de bom senso — as próprias entidades patronais querem resolver este assunto com bom senso. Porém, a realidade é que, no nosso País, a grande maioria das empresas do sector do transporte são pequenas e micro empresas, ou seja, empresas que têm dois, três, quatro ou cinco camiões. E, dada a especificidade do sector, não têm um motorista por camião, têm de ter uma série de motoristas, por causa dos horários de descanso, dos períodos de descanso, etc. Toda a gente sabe disso! Portanto, quando se pretendia que a proposta do PCP, efectivamente, defendesse os trabalhadores, quando se pretendia que o PCP efectivamente viesse aqui com bom senso e razoabilidade procurar o acolhimento dos restantes grupos parlamentares para que se obtivesse uma solução que englobasse trabalhadores e entidade patronal, permitindo assim desbloquear este assunto — essa seria a proposta razoável —, a proposta do PCP não faz nada disso! A proposta do PCP, pura e simplesmente, ignora que uma empresa é uma sociedade complexa, composta de empregadores e de trabalhadores, sendo que uns sem outros não existem, e impõe em todo o clausulado encargos e custos, tudo chutado para cima das entidades empregadoras.

O Sr. Heitor Sousa (BE): — Coitadinhas!»

O Sr. Artur Rêgo (CDS-PP): — Considerando, como eu já disse, que a maioria são pequenas e micro empresas, digam-me qual é a capacidade de sobrevivência que a grande maioria dessas empresas ia ter se, para além dos custos que já suportam, ainda tivesse de suportar esses custos todos.

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A questão é que se pusermos demasiada pressão sobre essas pequenas empresas elas encerram as portas. Digam-me: se isso acontecer, o Partido Comunista, com uma proposta dessas, está a defender os trabalhadores? Em nossos entender, não está! Em nosso entender, a melhor defesa dos trabalhadores é uma proposta equilibrada, de concertação, por comum acordo! Aliás, nas audiências que tive com os sindicatos e as entidades patronais, tanto uns como outros mostraram interesse numa solução concertada. Não é, obviamente, o que aqui acontece e lamentamos.
Esta proposta do PCP tem pontos positivos, tem méritos, mas no geral vê só um dos lados, condenando à inviabilidade uma outra parte do sector e automaticamente os postos de trabalho daqueles que, em abstracto, diz estar a defender.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», gostaria de saudar os cerca de 6000 cidadãos que subscreveram a petição que pretende alterar o Decreto-Lei n.º 126/2009, de 27 de Maio, por forma a que os encargos relativos à aquisição de qualificação inicial e à formação contínua não sejam da responsabilidade dos motoristas profissionais.
Gostaria também de saudar o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações e o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, que foram as entidades que promoveram a petição que estamos também a discutir e cujo assunto é, na nossa perspectiva, da maior importância.
De facto, o Governo, através do Decreto-Lei n.º 126/2009, veio estabelecer o regime da qualificação inicial e da formação contínua dos condutores de determinados veículos rodoviários de mercadorias e de passageiros.
Ora, Os Verdes também consideram útil a consagração de um sistema de formação que possa contribuir não só para a melhoria da segurança no trabalho e da segurança rodoviária mas também para uma maior eficiência no transporte e para uma maior dignificação destes profissionais. Porém, não podemos concordar com a forma como o Decreto-Lei foi trabalhado pelo Governo e muito menos com alguns aspectos do seu conteúdo.
Relativamente à forma, recorde-se que o Governo e o PS impuseram este regime sem ouvir os interessados, ou seja, excluindo os trabalhadores e as suas organizações da discussão de uma matéria fundamental para o exercício da profissão e para a actividade dos motoristas de mercadorias e de passageiros.
Quanto ao conteúdo do Decreto-Lei, a nossa discordância recai sobretudo sobre as regras que transportam para o motorista a responsabilidade total pelo cumprimento das exigências constantes do novo regime com vista ao exercício da profissão.
É para nós inadmissível que a aquisição de novos conhecimentos e aptidões, que visam sobretudo a defesa do interesse público e a melhoria da eficiência de uma determinada actividade económica, imponha ou traga novos encargos para os trabalhadores ou penalize ainda mais os seus tempos de lazer.
Os Verdes partilham, assim, das preocupações da petição e apoiarão todas as iniciativas legislativas que venham dar seguimento a estas pretensões, como é o caso, aliás, do projecto de lei do Partido Comunista Português agora também em discussão, o qual altera o sistema de qualificação e formação contínua dos motoristas, reforçando a protecção dos direitos desses trabalhadores. Os Verdes vão votar a favor deste diploma exactamente porque vem ao encontro das pretensões levantadas na petição, porque alguns pensam nas empresas, outros nos trabalhadores.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira.

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O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão em análise, no presente ponto da agenda parlamentar, dois documentos. O primeiro deles, subscrito por mais de 5000 portugueses, pretende sensibilizar os grupos parlamentares para a necessidade de se proceder à alteração do Decreto-Lei n.º 126/2009.
Este diploma, de Maio de 2009, é a transposição de uma directiva comunitária relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afectos ao transporte de mercadorias e de passageiros, com vista à melhoria das condições de segurança, numa dupla perspectiva: incidindo sobre a segurança rodoviária e sobre a segurança dos próprios motoristas.
Além da qualificação inicial obrigatória para a obtenção de certificado de aptidão para motorista e para o exercício da respectiva profissão, foi consagrada a obrigatoriedade de formação contínua, obrigatória, de cinco em cinco anos. Esta formação contínua obrigatória é necessária para a renovação do certificado profissional e, consequentemente, para manter condições para o exercício da profissão de motorista.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É esse o problema!

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Os signatários da petição pretendem que no referido diploma seja efectuado um aditamento no sentido de o mesmo passar a prever que as acções de formação contínua decorrerão no período normal de trabalho e que os custos não serão suportados pelos trabalhadores.
O Decreto-Lei n.º 126/2009 nada refere sobre estas matérias. A formação contínua está hoje enquadrada pelo Código do Trabalho, nos artigos 135.º e seguintes, por força dos quais o trabalhador tem direito a um crédito de horas para formação, com direito a retribuição e contagem como tempo de serviço. Está ainda previsto no Código do Trabalho que, por acordo individual ou colectivo, pode ser estabelecido um subsídio para pagamento do custo de formação. Conclui-se, assim, que os subscritores já encontram na legislação vigente uma via para alcançarem as reivindicações apresentadas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O segundo documento em discussão é uma iniciativa do PCP, que, à semelhança do anterior, pretende introduzir alterações no Decreto-Lei n.º 126/2009.
A iniciativa do PCP acolhe as reivindicações dos signatários da petição anteriormente analisada e amplia os pedidos de subsidiação aos candidatos a formação inicial e contínua de motoristas.
Ambos os documentos em discussão se limitam às questões relativas aos custos para a obtenção e renovação da carta de motorista e outras reivindicações de carácter laboral.
O Decreto-Lei que se pretende alterar não se debruça sobre as questões agora em apreço. Sem prejuízo de uma posterior análise do impacto do Decreto-Lei n.º 126/2009 nos domínios expostos, no curto prazo não se encontram fundamentos que devam conduzir à alteração deste diploma.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, será em sede de negociação individual ou colectiva de trabalho»

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Individual, então»!?

O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — » que as questões apresentadas em ambos os documentos devem ser discutidas e negociadas. Não deve o legislador substituir-se à liberdade negocial que o Código do Trabalho pretendeu atribuir às entidades empregadoras, aos trabalhadores e aos respectivos representantes associativos e sindicais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito rapidamente, quero apenas dizer que, pelo que sei, não estamos perante a votação final global do projecto de lei em discussão. Havia todo um trabalho – e digo «havia» pelo que acabei de ouvir das intervenções dos Srs. Deputados —, todo um caminho de discussão na especialidade que poderia servir para discutir opções e encontrar as melhores soluções para um texto que, obviamente, não está fechado e em relação ao qual temos, como sempre tivemos, total disponibilidade para discutir de forma séria e construtiva.

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Agora, vamos às questões essenciais. E a questão essencial é esta: quem deve pagar para que um motorista tenha acesso àquilo que impede, ou não, que ele trabalhe?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — É muito simples! Foi aqui dito que há empresas que podem custear os cursos de formação obrigatórios e que há outras que os não podem pagar, mas a pergunta é óbvia: e os trabalhadores?!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Esses podem sempre!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Podem sempre?! Aqueles que podem pagam, e aqueles que não podem fazem o quê? Deixam de trabalhar?! É esta a questão de fundo, Srs. Deputados!! O PS está disponível para discutir tudo desde que agora não se mude nada,»

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — » desde que nada se faça, nada!, e tudo fique na mesma. E isto vem daqueles que sempre nos acusam de imobilismo e de querer deixar ficar as coisas como elas estão! Nós queremos mudar, mas mudar para melhor, Srs. Deputados! E esse é o problema que está em causa nesta discussão.
Não ignoramos a situação das micro, pequenas e médias empresas, pelo contrário! Não esquecemos as reais causas dos seus problemas! Intervimos sobre eles e propomos soluções, desde logo o pagamento especial por conta (PEC) — e não mudámos, à última da hora, de posição sobre a extinção do PEC!... —; o garrote do crédito na banca; os preços dos combustíveis — há anos que falamos dos problemas que afectam as pequenas empresas do sector! Mas não aceitamos que a responsabilidade e a factura dessa crise vão sempre para os trabalhadores, que se não tiverem dinheiro para pagar os cursos que agora os obrigam a frequentar simplesmente deixam de poder trabalhar. Isto é imoral, Srs. Deputados! Isto é inaceitável! Não é de estranhar que o CDS e o PSD tomem o lado que sempre tomaram, porque no último momento e na hora da verdade a política significa tomar decisões e escolher de que lado se está.
Aquilo que, neste momento, e depois das reuniões que tivemos nas audições sobre a petição com as organizações que aqui recebemos, esperávamos o mínimo de decência em termos de discussão política para encontrar uma solução e uma discussão construtiva para resolver os problemas. Neste momento, aqui temos o exemplo concreto de como a política significa escolher de que lado se está. Nós não temos dúvidas sobre o lado em que nos encontramos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, concluímos este ponto da nossa ordem do dia.
A Sr.ª Secretária vai dar conta de um parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura.

A Sr.ª Secretária (Celeste Correia): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Juízo de Instrução Criminal — Juiz 1, de Aveiro, Comarca do Baixo Vouga, Processo n.º 362/08.1JAAVR, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Sr.ª Deputada Ana Paula Vitorino (PS) a prestar depoimento por escrito, como testemunha, no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, concluímos, assim, os nossos trabalhos de hoje.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, às 15 horas, tendo como ordem do dia um debate quinzenal com o Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, sobre orientações da política económica e das finanças públicas.
É tudo, por hoje, Sr.as e Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 9 minutos.

Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Socialista (PS)
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
José João Pinhanços de Bianchi
Luísa Maria Neves Salgueiro
Maria da Conceição Guerreiro Casa Nova
Ricardo Manuel de Amaral Rodrigues

Partido Social Democrata (PSD)
José de Almeida Cesário
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Mendes Bota

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)
Glória Maria da Silva Araújo
João Paulo Moreira Correia
Nuno Miguel da Costa Araújo
Paula Cristina Barros Teixeira Santos
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio

Partido Social Democrata (PSD)
António Cândido Monteiro Cabeleira
Carina João Reis Oliveira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
José Manuel de Matos Correia
Luís Filipe Valenzuela Tavares Menezes Lopes
Manuel Filipe Correia de Jesus
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Vânia Andrea de Castro Jesus

Partido Popular (CDS-PP)
Filipe Tiago de Melo Sobral Lobo D' Ávila
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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