I SÉRIE — NÚMERO 33
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deliberações tomadas pelos parlamentares de então, nossos longínquos predecessores na suprema honra de
assumir a representação nacional.
As crises governativas, os crónicos problemas financeiros, a generalizada carestia de vida, as conspirações
nos quartéis, a insegurança nas ruas foram tendo sempre eco e busca de soluções neste lugar.
Destaco o indignado repúdio da Câmara dos Deputados pelos assassinatos de António Granjo, presidente
do ministério, Machado Santos, herói da Rotunda, um dos fundadores da República, Carlos da Maia e vários
outros cidadãos, na noite fatídica de 19 de Outubro de 1921, fez ontem precisamente 90 anos. O relato da
sessão de 2 de Março de 1922 — a primeira que teve lugar depois de tão torpes acontecimentos, por terem,
entretanto, ocorrido eleições — revela bem o escândalo e o sobressalto cívico pelo ódio e pela violência ao
tempo grassantes no panorama político nacional.
A agonia da I República, com o seu natural dramatismo, também por aqui passou. E o triste fim do regime
ficou simbolizado numa fotografia famosa: um militar da GNR fecha os portões de ferro exteriores do Palácio
de São Bento.
Com plena legitimidade democrática, a representação nacional só regressou a esta Casa com a
Assembleia Constituinte resultante da Revolução do 25 de Abril.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Mota Amaral (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: A Constituição de 1911,
de que também justamente se celebra o Centenário, foi elaborada muito rapidamente. A Assembleia Nacional
Constituinte era praticamente monocolor, composta por 229 Deputados eleitos nas listas do Partido
Republicano Português, três independentes e dois socialistas. Uma Comissão, liderada por Sebastião de
Magalhães Lima, passou a escrito as propostas programáticas do partido quanto à estruturação do Estado.
Alguns recalcitrantes apresentaram soluções alternativas, naturalmente rejeitadas. Logo em 18 de Agosto a
Constituição foi aprovada, entrando imediatamente em vigor, com a designação dos membros das duas
câmaras entre os Deputados constituintes e a eleição do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga.
Impõe-se-me lembrar aqui o inglório esforço de um outro Deputado açoreano, Manuel Goulart de Medeiros,
para fazer passar, entre outras, e com argumentos adequados à época, uma norma sobre igualdade de
direitos políticos para as mulheres. Esquecendo promessas anteriores, a República não correspondeu à
reivindicação das sufragistas, e só uma delas conseguiu votar nas eleições de 1911, conforme ilustra a
exposição documental apresentada nos Passos Perdidos, e não conseguiu repetir o feito em eleições
posteriores, porque a lei eleitoral foi alterada precisamente para o impedir.
Bem diferente foi o que se passou na Assembleia Constituinte eleita em 1975.
Desde logo, o povo português escolheu uma Assembleia de composição plural, amplamente representativa
das livres opções políticas presentes ao sufrágio.
Os trabalhos da Constituinte duraram 10 meses e foram marcados por discussões muito vivas — e sem
limites de tempo de intervenção… A Constituição que nos rege inclui propostas de origem diversa e assenta
em compromissos, ao tempo amplamente consensuais.
O regime democrático instituído pela Constituição de 1976 — a II República, por retomar os princípios e os
valores democráticos expressamente exautorados pelo Estado Novo — tira a sua força do consenso social e
refresca a sua legitimidade mediante eleições regulares, livres e justas, para os órgãos de soberania formados
a partir do sufrágio universal, directo e secreto.
Daí a vitalidade da nossa democracia, a capacidade sempre renovada para enfrentar situações e
problemas novos, com novas equipas e propostas novas também.
A ruína da República de 1910 ficou a dever-se, em boa parte, à fragmentação partidária, ao sectarismo, à
incapacidade de diálogo e eficaz colaboração dos responsáveis políticos, tendo em vista o bem-comum.
Hoje, quando alguns dos mais sufocantes problemas nacionais parecem tragicamente reproduzir,
ampliados, aqueles que levaram ao colapso da I República — nomeadamente, a dependência financeira do
exterior e as modalidades da ajuda estrangeira e do acompanhamento a ela associado — convém-nos muito
ter os olhos bem abertos e não repetir erros antigos.
Vozes do PSD: — Muito bem!