I SÉRIE — NÚMERO 33
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primeira tentativa de democratização e de modernização de Portugal do século XX. Mas a República foi uma
longa aprendizagem, uma aprendizagem marcada pela revolução e pela contra-revolução, num caminho de
muitas esperanças e de outras tantas desilusões.
Nestes 100 anos de vida, faz sentido recordar o património de esperança da I República, como a reforma
profunda e modernizadora das instituições, com o casamento civil, o divórcio, o registo civil, a laicidade do
Estado e da escola pública, a fé na educação, como pedagogia da democracia consagrada nos princípios da
universalidade, obrigatoriedade e gratuitidade. Recordemo-los hoje.
Faz também sentido recordar o património das desilusões, das promessas incumpridas, com uma
participação trágica de Portugal na Grande Guerra, essa tragédia humana, militar e financeira, a vaga de
greves, logo em 1911, pela reivindicação de melhores salários e a redução dos horários de trabalho,
duramente reprimida pelas forças policiais, porque a violência foi a resposta da I República aos trabalhadores
e às reivindicações sociais dos mais pobres ou, ainda, a promessa democrática que não aceitou o sufrágio
universal. Mas se a soberania popular ficou restrita aos que foram eleitos só por alguns, a verdade é que a
ideia republicana se alimentou da supremacia do poder legislativo sobre o poder executivo, vista como
garantia da liberdade pública, e dela viveram os debates apaixonados das Constituintes e as Constituições
que deles nasceram.
É já em 1822, e quando a ideia de República era ainda uma perigosa tentação, que Manuel Fernandes
Tomaz dizia: «A Constituição é a ‘nossa Bíblia política’». E, em 1911, no debate na Assembleia Constituinte
sobre os princípios basilares da futura Constituição, sustentava: «Que a lei fundamental ou basilar, a lei
constitucional, em suma, deve ser precisa, clara e explícita (…), e por modo a que não se preste a mais de
uma interpretação, e que por conseguinte constitua um verdadeiro palladio das liberdades públicas e da
democracia social, e nella não fique qualquer pretexto para o aniquilamento da liberdade pela tyrania, nem a
substituição do governo da Nação pelo governo de um só ou pelo governo de uma oligarchia egoísta, brutal e
despótica.»
100 anos de República, e é esta a hora certa para questionar o compromisso dos eleitos e eleitas perante a
Constituição e perante os eleitores, quando o direito ao trabalho, como tantos outros direitos fundamentais,
consagrados constitucionalmente, se encontram ameaçados como nunca; quando cortes abusivos e
temporários nos salários e pensões correm o risco de se tornarem permanentes; quando o horário de trabalho
é estendido, sem salário, à revelia da Constituição e dos compromissos eleitorais.
Um poder político de costas voltadas para os problemas de um País é sinal de uma democracia doente. E
onde há doença da democracia, onde congela a relação entre representantes políticos e cidadãos, onde se
recusa a participação popular face à hegemonia política real da oligarquia mais poderosa, há espaço para
todos os populismos e para as soluções e as tentações autoritárias. A democracia republicana exige
responsabilidade contra a demagogia, e é por isso que os governantes respondem pelo contrato eleitoral que
lhes conferiu poder.
Mas há esperança na República, há toda a esperança para a reinvenção da democracia, a única resposta,
aliás, contra o medo e a fatalidade autoritária; máxima responsabilidade política dos eleitos perante os
eleitores — e vê-la-emos no próximo Orçamento do Estado. O protesto e o protesto social, o protesto da
indignação, a mobilização popular em todos os seus momentos, em todas as suas manifestações, diz ainda,
bem alto, que a voz de um povo em luta pode vencer nesta guerra que o capital move contra o trabalho e
defender os direitos conquistados através da luta de gerações e gerações.
Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Digníssimos Convidados: O património da esperança é, e só pode
ser, mais poderoso do que o das desilusões e o das mentiras. A esperança é a República contra o medo e o
retrocesso civilizacional que está em curso.
Aplausos do BE, do PCP e de Os Verdes.
A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Sr.ª
Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Sr.as
e Srs. Deputados, Ilustres