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29 DE OUTUBRO DE 2011

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Nos termos da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro (Lei das Finanças Regionais — LFR), o IRS

gerado nas Regiões Autónomas é receita regional (artigo 16.º). O Estado é meramente representante das

Regiões na cobrança dos impostos, sendo os seus serviços utilizados mediante compensação [artigo 51.º, n.º

2, alínea c)], a qual, caso não seja cobrada, deve ser contabilizada como transferência estadual para as

Regiões.

Perante este quadro regulativo, a «norma interpretativa» constante do artigo 202.º da proposta de LOE

gera justificada perplexidade.

Como ponto de partida, retenha-se, pois, que a receita de IRS gerada na Região Autónoma é da

titularidade da própria região, como resulta, com clareza, da LFR. Nos termos desta Lei, o papel do Estado em

relação a uma receita da titularidade da Região não é mais do que o de representar a Região na cobrança, por

razões de praticabilidade. A atribuição à Região da titularidade da receita visa assegurar a autonomia

patrimonial constitucionalmente consagrada. Recorde-se que o artigo 227.º, n.º 1, alínea j), determina que as

Regiões têm o poder de dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação

nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva

solidariedade nacional.

A circunscrição, nos termos da LFR, da intervenção estadual à representação na cobrança dos impostos —

com exclusão de qualquer outra — torna-se, na verdade, evidente quando se verifica que nunca a Lei permitiu

qualquer outra actuação do Estado na transferência de recursos que à Região pertencem, mesmo que apenas

a título representativo, única possibilidade, aliás, que, em face da autonomia financeira da Região, seria

pensável.

Assim, actualmente, o quadro constitucional e legal vigente contempla a atribuição às Regiões das receitas

de IRS nelas geradas. Não poderia, pois, o legislador — através de Lei ordinária ou mesmo de valor reforçado

— dispor de receitas da titularidade da Região, atribuindo-as a sujeito jurídico distinto, mesmo que se trate de

municípios da Região, os quais não se confundem, naturalmente, com a Região.

A norma legal que retire à Região receita que, nos termos constitucionais lhe compete, é materialmente

inconstitucional. Assim sucede, pois, independentemente do destino que se dê à receita: a Constituição é clara

na atribuição da receita à própria Região e não às respectivas autarquias locais. O poder dispositivo dos

Estatutos e da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, reconhecido pela alínea j) do artigo 227.º da

Constituição da República Portuguesa (CRP), nunca poderia alterar a afectação da receita constitucionalmente

consagrada e muito menos isso poderia ocorrer através da LFL.

Esta Lei até à proposta de LOE para 2012 e à proposta de alteração à LOE para 2011, nunca pôs em

causa a atribuição de receitas à Região. O artigo 19.º, n.º 1, alínea c), da LFL sempre teve um âmbito de

aplicação claro: respeita, na realidade, à repartição de receitas entre o Estado e os municípios. Não regula

essa repartição entre a Região e os municípios. Aliás, para tanto não teria competência: não só por se tratar

de lei ordinária (insusceptível, por isso, de derrogar a LFR), como também por, nos termos constitucionais,

estar garantida a autonomia patrimonial e a titularidade das receitas pela Região.

Por outras palavras, o artigo 19.º, n º 1, alínea c), conjugado com o artigo 63.º da LFL, nunca poderia ser

interpretado no sentido de retirar à Região receitas nela geradas, pela simples razão de que tal interpretação

tornaria a norma inconstitucional (por violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j) e ilegal (por contrariedade ao

artigo 16.º da LFR, de valor reforçado). Tratar-se-ia de uma encapotada subtracção de receitas que, nos

termos legais e em conformidade com a CRP, pertencem à Região, das quais o Estado não teria competência

ou legitimidade para dispor.

De acordo com o artigo 238.º, n.º1, da CRP, os municípios dispõem de património e finanças próprios.

Naturalmente, porém, que este não pode ser obtido à custa do património que, também nos termos

constitucionais, pertence à Região, tanto mais que o artigo 238.º, n.º 2, determina que o regime das finanças

locais visa a justa repartição de recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias. É inequívoco, assim, que o

artigo 19.º, n.º 1, alínea c), da LFL, que visa dar execução àquela norma da Constituição, se reporta,

exclusivamente, à repartição das receitas do Estado — nunca, evidentemente, da Região — com os

municípios.

É, pois, neste cenário regulativo que surgem as «normas interpretativas» acima apontadas. Bem se vê que

estas apenas na sua designação revestem carácter interpretativo.

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