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I SÉRIE — NÚMERO 62

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Sei como a infertilidade é uma barreira duríssima à realização de componentes importantes da felicidade

pessoal: o nosso próprio prolongamento noutra geração, como pai ou como mãe.

Mas, ao contrário do que frequentemente ouço dizer, eu penso que ninguém tem o «direito a ter filhos».

Acho que a palavra não é «direito». Não é nem a palavra, nem o conceito. Não é a palavra; e não é o conceito.

Eu que, graças a Deus, fui pai, acho que nunca tive direito a nenhum dos meus filhos; e que não tenho

direito a nenhum deles. Creio, aliás, falando da ideia e do conceito de «direitos», que é mais o direito deles a

terem pai, do que meu o direito a ter filhos. É deles o direito a terem pai e a terem mãe, tal como eu tive o meu

direito a ter o meu pai e a minha mãe.

De pais para filhos, ninguém tem o direito a outrem, ninguém tem o direito sobre outrem.

O Direito, a linguagem jurídica, tem uma insuperável dificuldade em subsumir nos seus quadros realidades

humanas que são muito mais densas e muito mais ricas, tal como acontece nomeadamente com todas as

relações familiares e, mais ainda, quando consanguíneas. O Direito não tem outro remédio senão procurar

enquadrá-las o melhor que pode e sabe. Mas, para o fazer — e não começar a ofender, em vez de servir, a

realidade humana —, o Direito tem que ter a humildade de reconhecer a limitação dos seus quadros

conceptuais e da sua ferramenta.

Por exemplo, eu creio que o casamento não é um contrato — é muito mais do que isso. A palavra

«contrato» era apenas a coisa mais parecida de que o Direito Privado dispunha para o qualificar, quando as

modernas leis civis quiseram enquadrar e regular o casamento. Mas todos — ou quase todos — coincidiremos

em que o casamento não é da mesma ordem que a compra e venda, ou um mútuo, ou um comodato, ou um

arrendamento ou aluguer, ou uma associação ou sociedade civil. É de outra ordem.

Também, por exemplo, é conhecido que, em matéria do chamado «poder paternal», mesmo a doutrina

jurídica clássica, já em parte ultrapassada, teve sempre que dobrar a língua e dizer que esse «poder», esse

«direito», não é bem um poder, mas um «poder-dever», um «poder funcional», isto é, um «direito», se assim

se pode dizer, mais no interesse do seu destinatário do que no interesse do seu titular.

A vida humana é mais rica do que a quadrícula mental do Direito. E o Direito corre o risco de agredir a

pessoa humana, em vez de a servir, como é a mais nobre vocação do Direito, quando desatemos a fazer

ginástica com os vocábulos jurídicos e os seus conceitos instrumentais, em vez de observarmos atentamente

as realidades humanas a que os aplicamos.

Quanto tratamos de filhos, o fundamental são os filhos, a pessoa deles, a sua absoluta integridade pessoal,

desde a sua identidade plena à sua dignidade inviolável. Não há direito quanto a eles, não há direito sobre

eles.

A medicina pode ser importante ajuda aos pais em falha de saúde reprodutiva, ou clinicamente assistida e

verificada; mas a medicina, porque é medicina, não deve ser instrumentalizada, a meu ver, como uma

engenharia de substituição. Nem a medicina, nem os serviços sociais.

11 — Enfim, segunda reflexão, sobre a adoção.

Em todos os quadros de PMA heteróloga e de maternidade de substituição, há uma componente implícita,

não declarada, de adoção. Mesmo tratando-se de um filho gerado ex novo, o recurso técnico a material

genético de terceiros ou a um útero alheio representa, em certa medida, o estabelecimento jurídico — e afetivo

— de uma filiação que não é a filiação biológica, isto é, implicitamente de uma «adoção» parcelar, nos planos

afetivo e jurídico.

Ora, além dos outros problemas éticos e humanos inerentes a essas situações, eu creio que, assim sendo,

então a resposta social mais correta é a adoção propriamente dita.

Sabemos o drama das crianças por adotar. E conhecemos a necessidade de maior sensibilização para o

instituto da adoção. É importante ampliar, em vez de estreitar, a consciência a este respeito.

Por isso, penso que essa deve constituir também, sempre com forte sensibilidade humana, uma clara

prioridade social, naqueles casos de casais com forte vocação parental e que quadros de infertilidade ou

esterilidade privem de ter filhos (ou de ter mais filhos) biológicos.

A melhor alternativa social à filiação biológica é, penso, a filiação adotiva.

O Deputado do CDS-PP, José Ribeiro e Castro.

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