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Sexta-feira, 2 de novembro de 2012 I Série — Número 19

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

REUNIÃOPLENÁRIADE31DEOUTUBRODE 2012

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas

e 3 minutos. Antes de ter prosseguido o debate conjunto, na

generalidade, das propostas de lei n.os

103/XII (2.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2013 e 100/XII (2.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2013, foi rejeitado um requerimento, apresentado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP), solicitando que, no final, e ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do Regimento, a proposta de lei n.º 103/XII (2.ª) fosse submetida a votação nominal, tendo-se pronunciado, além daquele Sr. Deputado, os Srs. Deputados Luís Montenegro (PSD) e Nuno Magalhães (CDS-PP).

Concluiu-se, depois, o debate daquelas propostas de lei, no qual usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo), os Srs. Deputados Miguel Frasquilho (PSD) (a), Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP), João Galamba (PS), Carlos Zorrinho (PS), Mendes Bota (PSD), Hélder Amaral (CDS-PP), João Semedo (BE), Manuel Pizarro (PS), Miguel Santos (PSD), Teresa Caeiro (CDS-PP), Paula Santos (PCP), Isabel Galriça Neto (CDS-PP), Eduardo Cabrita (PS) e Honório Novo (PCP).

Concluído o debate, os Srs. Deputados Bernardino

Soares (PCP) e Luís Fazenda (BE) sugeriram a interrupção da sessão antes da fase de encerramento, tendo sido aprovada uma proposta da Sr.ª Presidente no sentido da continuação dos trabalhos.

No encerramento, proferiram intervenções os Srs. Deputados José Luís Ferreira (Os Verdes), Luís Fazenda (BE), Bernardino Soares (PCP), Telmo Correia (CDS-PP), Ferro Rodrigues (PS), Carlos Abreu Amorim (PSD) e o Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Paulo Portas), após o que as propostas de lei n.

os 103 e 100/XII

(2.ª) foram aprovadas, na generalidade. Em votação final global, foi também aprovado o texto

final, apresentado pela Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, relativo à proposta de lei n.º 81/XII (1.ª) — Altera vários diplomas aplicáveis a trabalhadores que exercem funções públicas e determina a aplicação a estes dos regimes-regra dos feriados e do Estatuto do Trabalhador-Estudante previstos no Código do Trabalho.

Foram ainda aprovados os n.os

117 a 136 do Diário. A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 14 horas e 51

minutos. ——

(a) Durante esta intervenção foram projetadas imagens.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Jornalistas,

está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 3 minutos.

Peço que sejam abertas as galerias, por favor.

Vamos prosseguir o debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os

103/XII (2.ª) — Aprova o

Orçamento do Estado para 2013 e 100/XII (2.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2013.

A Mesa regista já a inscrição de alguns Srs. Deputados para intervenções, mas, antes, vou dar a palavra

ao Sr. Deputado Bernardino Soares para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, a intervenção é sobre a condução dos trabalhos.

No dia de hoje, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei de Orçamento do Estado.

Trata-se de uma votação da maior importância, das mais importantes que o Parlamento faz, em que a

responsabilidade de cada partido e grupo parlamentar é grande, mas de cada Deputado, individualmente, é

enorme.

Nesse sentido, e para que todas as bancadas possam tomar as providências necessárias para esse efeito,

queremos anunciar que tencionamos requerer a votação nominal da proposta de lei de Orçamento, quando

chegar o período das votações, nos termos do artigo 98.º, n.º 2, do Regimento.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Bernardino Soares, consultámos o artigo 92.º, mas presumo que se

baseia com razão no artigo 98.º, naturalmente, até porque conhece bem o Regimento.

Vamos fazer essa verificação, Sr. Deputado.

Pausa.

Sr. Deputado Bernardino Soares, se bem leio o artigo 98.º, a votação nominal exige a base de um décimo

dos Deputados do Parlamento ou, então, uma deliberação da Conferência de Líderes ou do Plenário.

Se o Sr. Deputado assim entende, interpreto-o como um requerimento, que será aqui votado, com certeza,

e podemos fazê-lo já ou quando chegar a hora da votação.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr.ª Presidente, permite-me uma interpelação à Mesa?

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr.ª Presidente, quero apenas corroborar a interpretação da Mesa, mas

acrescentar uma nuance à interpretação. É que, no caso de o requerimento ser subscrito por um décimo dos

Deputados, tem de incidir, necessariamente, sobre as matérias das alíneas do n.º 1 do artigo 98.º e não sobre

qualquer matéria, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, pode haver votação nominal sobre outras matérias, que não as

referidas no n.º 1, no pressuposto de que sejam a Assembleia ou a Conferência de Líderes a deliberar.

De acordo com o n.º 1 do artigo 98.º, é necessário que o requerimento seja de um décimo dos Deputados e

que o objeto do requerimento incida sobre as matérias nele elencadas. Esta é a boa interpretação, creio eu, do

artigo 98.º.

Portanto, terá de ser um décimo dos Deputados a formular o requerimento.

Vozes do PSD: — Não, não!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, referi, explicitamente, o n.º 2 do artigo 98.º para não

haver qualquer confusão.

Em relação às matérias elencadas no n.º 1, é preciso que o requerimento seja subscrito por um décimo dos

Deputados e, neste caso, não há votação, não há deliberação sobre ele. Nós não estamos a propor isso, o

nosso requerimento é para que se faça a votação nominal e é enquanto grupo parlamentar que o propomos. É

um direito que temos.

Estamos confiantes de que nenhuma bancada rejeitará a explicitação política individual de todos os

Deputados em relação a este Orçamento que, todos o reconhecem, é um Orçamento decisivo para o nosso

País, embora as apreciações sobre o mesmo sejam diferentes de bancada para bancada.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, houve aqui um pequeno erro, da minha parte, em relação ao n.º 1,

pelo que o Sr. Deputado tem razão, ou seja, só sobre as matérias previstas no n.º 1 é que é necessário o

requerimento de um décimo dos Deputados.

O artigo 98.º parece, apesar de tudo, mais fechado do que o Sr. Deputado Bernardino Soares está a

interpretar, porque fecha o conjunto das matérias do n.º 1, submetendo-as à necessidade de haver um

requerimento de um décimo dos Deputados, e fecha todas as outras matérias submetendo-as à necessidade

de ser a Assembleia ou a Conferência de Líderes a deliberar. Mas, se o Parlamento o interpretar do ponto de

vista da liberdade de qualquer grupo parlamentar apresentar requerimentos, creio que a Assembleia pode

fazer uma interpretação mais solta do artigo 98.º, que, verdadeiramente, é mais fechado do que parece à

primeira vista.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, peço desculpa…

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, não é nenhuma interpretação mais solta. Se a

Assembleia delibera é porque alguém o propõe, e nós estamos a propô-lo. É simples!

A Sr.ª Presidente: — Tem razão, Sr. Deputado.

Estou confinada a esta questão, sem ter o Regimento à vista, mas tem razão, Sr. Deputado, é mesmo

assim.

Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Sr.ª Presidente, é para anunciar à Mesa que nós, na bancada do PSD,

estamos preparados para votar esse requerimento.

A Sr.ª Presidente: — O problema é que falta ler todo o resto das normas do Regimento conexas, Sr.

Deputado.

Se o requerimento for admitido, nos termos do Regimento, tem de ser já votado.

Portanto, vamos votar…

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria, justamente, chamar a atenção para aquilo

que a Sr.ª Presidente acabou de referir, ou seja, se o requerimento for admitido, tem de ser votado

imediatamente e não em momento posterior, e dizer que bem compreendemos o que está aqui em causa e

bem percebemos que aquilo que o Sr. Deputado Bernardino Soares pretende fazer é protelar os trabalhos

para que possam chegar a determinada hora, com determinados efeitos…

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Vozes do CDS-PP e do PSD: — É verdade!

Protestos do PCP.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Andamos a toque da CGTP?! Era o que faltava!

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos, votando o requerimento.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, peço desculpa, mas não terminei.

A Sr.ª Presidente: — Então, queira terminar, Sr. Deputado Nuno Magalhães.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, se me permite, desde já, a título de declaração de

voto do CDS-PP, quero dizer que não temos qualquer problema e assumiremos, como sempre assumimos —

cada um dos Deputados do CDS —, a votação que vai ter lugar, mas não podemos, em nome de valores

superiores a cada um de nós e às nossas convicções, que são a democracia e o regular funcionamento das

instituições democráticas, entrar em expedientes que não têm outro objetivo que não seja o de pôr em causa

isso mesmo.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado Bernardino Soares, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Vou ser, Sr.ª Presidente.

O Sr. Deputado Nuno Magalhães introduziu aqui outra questão que nada tem a ver com esta.

Vozes do CDS-PP: — Tem, tem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Se me permitem, o Sr. Deputado referiu-se a uma tentativa, que vai

circulando, de não haver Plenário à tarde. Estamos em desacordo com essa nova arrumação dos trabalhos,

digo-o, desde já.

Mas também digo o seguinte, Sr.ª Presidente: se a condição do CDS para aceitar a votação nominal é a de

que o Plenário decorra todo de seguida, pela nossa parte, pode fazer-se assim, ou seja, terminado o debate,

com todos os tempos que estão previstos, passamos à votação nominal. Deste modo, o argumento do Sr.

Deputado Nuno Magalhães fica sem efeito, pois não é essa a nossa intenção.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Magalhães, mas peço-lhe igualmente que seja

breve.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Serei brevíssimo, Sr.ª Presidente, apenas para recordar ao Sr.

Deputado Bernardino Soares aquilo que é óbvio para a Câmara: as coisas acabam quando acabam.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, antes de passarmos à ordem do dia, vamos, então, votar o

requerimento, apresentado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, no sentido de que se proceda à votação

nominal da proposta de lei n.º 103/XII (2.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2013.

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP,

do BE e de Os Verdes.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Tiveram medo! À cautela…

A Sr.ª Presidente: — Agora, sim, Srs. Deputados, vamos prosseguir os trabalhos com a discussão

conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os

103/XII (2.ª) — Aprova o Orçamento do Estado para 2013

e 100/XII (2.ª) — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2013.

A Mesa regista já a inscrição dos Srs. Deputados Miguel Frasquilho, pelo PSD, e Carlos Zorrinho, pelo PS.

Tem a palavra, em primeiro lugar, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Disse

recentemente o escritor e jornalista José Jorge Letria que, e passo a citar, «um país sem memória perde a sua

identidade». Acrescento eu: um país sem memória não tem a possibilidade de aprender com o passado e,

portanto, não conseguirá potenciar a sua capacidade de desenvolvimento.

Numa altura em que os portugueses estão confrontados com o exercício orçamental mais difícil e exigente

da nossa história recente, e que muitos sacrifícios impõem à população do nosso País, proponho, Sr.ª

Presidente e Srs. Deputados, uma breve viagem ao passado.

Uma viagem útil, porque permite localizar as raízes dos nossos problemas crónicos de finanças públicas e

esclarecer as origens do mal económico de que padecemos. Isto para não cometermos os mesmos erros e

não hipotecarmos definitivamente o futuro.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não é de hoje que Portugal tem

problemas com as suas contas públicas. Não é de hoje, nem é de ontem, nem de há dois ou três anos ou,

mesmo, de há 10 anos.

Como os números mostram, as raízes do mal das nossas contas públicas e do nosso definhamento

económico podem ser procuradas a partir de 1995-1996, no início do «consulado» de António Guterres como

Primeiro-Ministro, quando foi decidido que Portugal integraria o euro desde o seu início, em 1999, e perderia

os tradicionais instrumentos de política monetária e cambial. Isto devia ter obrigado o poder de então a

preparar o Estado e o País para o novo mas muito exigente desafio que nos aguardava.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Quanto à necessária transformação estrutural do País, estamos

conversados: estão hoje a ser realizadas, por este Governo, as múltiplas reformas que deviam ter sido

efetuadas na segunda metade dos anos 90 para tornar Portugal mais competitivo. Mas ainda falta uma, que

sempre considerei fundamental: a reforma do sistema fiscal, que tem de ser alterado para ser atrativo para o

investimento e a competitividade. Aliás, a este propósito, quero aqui incentivar e apelar ao Governo para

batalhar junto das instâncias europeias e da troica, no sentido de conseguir condições fiscais mais atrativas

para novos investimentos, que nos permitam, sem perder receita (que todos sabem que não podemos perder),

ficar com o regime de IRC mais competitivo da Europa e um dos mais competitivos do mundo. Uma batalha

que, como há mais de 10 anos venho defendendo, espero que possa ser ganha em prol do crescimento

económico, do dinamismo da atividade e da criação de emprego de que muito estamos necessitados.

Regresso agora à nossa viagem pelo passado.

Durante cerca de década e meia, foi pouco, muito pouco, o que foi feito para tornar Portugal mais

competitivo e produtivo, adaptando-se às exigências da moeda única. O resultado foi o definhamento

progressivo da nossa economia, a redução quase ininterrupta do potencial de crescimento [Imagem 1], que

desde 1991 passou a situar-se claramente abaixo da média europeia. E o resultado foi também a inevitável

explosão do endividamento [Imagem 2], que foi sempre subindo, subindo, desde cerca de 10% do PIB, em

1996, até atingir o máximo de 110%, em 2009, mais do que o PIB produzido nesse ano. Como resultado,

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défices externos cada vez maiores e insustentáveis [Imagem 3], que só agora começam a ser corrigidos. Com

esta envolvente, naturalmente, Portugal foi atirado para o topo dos países mais endividados na Europa.

[Imagem 4] Esta imagem mostra que Portugal é o segundo País mais endividado da União Europeia e é o País

mais endividado da zona euro, claramente uma realidade que não nos deve deixar orgulhosos.

É, portanto, na segunda metade dos anos 90, quando António Guterres e o Partido Socialista governavam

o País, numa fase de forte dinamismo económico, mas já de crescente endividamento, que residem as origens

da nossa fraca competitividade.

Pode parecer longe no tempo, Srs. Deputados, mas é mesmo nesse período que estão as raízes. Raízes,

essas, que os Governos seguintes também não souberam, ou não puderam, combater e avolumaram o

problema.

Mas, como já referi, é na área das contas públicas que as dificuldades têm sido maiores, como, aliás, ainda

hoje se nota.

A quase ininterrupta crescente dimensão da despesa pública até 2010 levou a que mais e mais impostos

tivessem sido lançados para tentar, sem sucesso, reduzir o défice, o que só tem deteriorado a economia.

Quando, entre 1996 e 2000, se exigia rigor, o que tivemos foi um condenável despesismo, sobretudo na

vertente das despesas de funcionamento — que deveriam ter sido controladas e não foram —, mas também

nas despesas sociais, em que múltiplos apoios foram criados sem grandes preocupações de sustentabilidade,

potenciando as consequências do envelhecimento da população.

Sei que muitos me dirão que o verdadeiro descontrolo das despesas de funcionamento aconteceu no início

dos anos 90 com o novo sistema redistributivo para a função pública. Mas os números mostram que entre

1993 e 1995 foi possível, já com o novo sistema a funcionar, reduzir o peso das despesas com o pessoal no

PIB, como bem demonstra esta imagem. [Imagem 5]

Mas, entre 1996 e 2000, com um crescimento nominal médio anual da economia próximo de 8%

(identificado na barra verde), a despesa pública cresceu também a este ritmo; os consumos intermédios

(representados na barra castanha) cresceram a mais de 9%; as despesas com pessoal (estão na barra

vermelha) cresceram quase 10% ao ano; as prestações sociais (representadas na barra azul) cresceram a

9%; a despesa corrente primária subiu 9,5% ao ano; as receitas fiscais subiram quase 10% ao ano (barra

cinzenta), com destaque para os impostos indiretos, nomeadamente o IVA. [Imagem 6] Durante este período,

os juros da dívida pública caíram 5% ao ano — repito, 5% ao ano —, uma «almofada» que foi totalmente

desperdiçada!…

Srs. Deputados, foi uma festa sem dimensão,…

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — … um despesismo cuja conta haveria de ser apresentada a partir de

2001, ano em que Portugal foi o primeiro país da União a reportar um défice excessivo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas sabemos também que os números na altura reportados não estavam corretos. E, Sr.ª Presidente, Srs.

Deputados, nem falo da revisão a que já este ano o Eurostat e o Instituto Nacional de Estatística (INE)

procederam nas contas públicas de Portugal desde 1995, que fez com que soubéssemos que, desde essa

altura, nunca um défice público inferior a 3% do PIB foi alcançado. Não. Falo de revisões anteriores, de 2002 e

2003, em que se soube que os números não estavam certos, de tal forma que, devido às revisões dos défices

de 1997 e 1998, de 2,5% e de 2,3% para 3,6% e 3,2%, Portugal não teria conseguido aderir ao euro. [Imagem

7] Ao todo, em revisões de 1996 a 2001 — e não é a revisão mais recente —, o endividamento público foi

aumentado em cerca de 8800 milhões de euros, ou 8,2 pontos percentuais do PIB médio anual desse período.

E que dizer da evolução da dívida pública nesses anos, que foram os mais ativos em termos de

privatizações? As privatizações, Sr. Deputados, como sabem, abatem na dívida pública.

Entre 1996 e 2000, a receita total de privatizações atingiu mais de 15 000 milhões de euros, equivalentes,

no total, a cerca de 15 pontos percentuais do PIB. Sim, Srs. Deputados, foi o Partido Socialista que procedeu

ao maior volume de privatizações da história da democracia portuguesa —…

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Vozes do PSD: — Bem lembrado!

Protestos do PS.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — … certamente reconhecendo, e bem, os méritos e benefícios para a

sociedade dessas decisões.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Contudo, a redução da dívida face ao PIB durante este período foi de cerca de 10 pontos percentuais. Mas,

espantosamente, não houve um único ano em que a dívida pública não tivesse aumentado em valor absoluto

face ao ano anterior, como bem mostra a imagem. [Imagem 8] Retenho, em especial, o ano de 1997. Nesse

ano, foram abatidos à dívida pública mais de 3000 milhões de euros em receitas de privatizações (à época

mais de 3% do Produto). Mesmo assim, o valor da dívida aumentou face a 1996.

Repito, para que fique muito claro: não houve, neste período, um único ano em que a dívida não tivesse

aumentado em valor absoluto face ao ano precedente! Numa época de forte crescimento económico e de

muitas privatizações, convenhamos, Srs. Deputados, «é obra»! Uma obra que todos estamos agora a pagar!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Em conclusão, o período de 1996 a 2000 foi desperdiçado em termos

de competitividade e de sustentabilidade futura. É, portanto, aí que residem as raízes do mal. Depois… Bem,

depois o carro já estava desgovernado e ninguém foi capaz de fazer o que tinha que ser feito.

Entre 2002 e 2004, com o PSD e o CDS no Governo, tentou-se travar a fundo — o que foi conseguido não

com o sucesso desejado, reconheça-se. Mesmo assim, a despesa pública evoluiu bem abaixo dos anos

anteriores num ambiente já de baixo crescimento e, como as imagens mostram, o ritmo de crescimento do

endividamento foi claramente atenuado. E, em 2002, creio que o País não estava preparado para ouvir dizer

que o rei já ia nu, isto é, que «o País estava de tanga». Estava mesmo, mas ninguém quis ouvir. Pensava-se

que não era possível que fosse verdade, mas era!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E depois de 2005, com José Sócrates e de novo com o PS, a história é conhecida, e também não é

positiva, como todos sabemos.

Em 2011, foi necessário recorrer à ajuda externa para evitar a bancarrota, isto é, para que o Estado

pudesse continuar a satisfazer os seus compromissos quer internacionais quer internos, incluindo o

pagamento de salários e de pensões.

Entre 2005 e 2011, a dívida pública subiu de 62,5% do PIB para 108,1%, isto é, de 96 500 milhões de

euros para 184 900 milhões de euros. Um aumento de 91,6%. Repito: 91,6%!

Sei que muitos me vão dizer que a culpa é da crise financeira internacional, cujos efeitos foram mais

sentidos a partir do final de 2008. Sim, é verdade, a crise ajudou, sem dúvida, a apressar o pedido de ajuda

externa. Mas não nos iludamos: várias análises sugerem que já antes da crise a nossa trajetória de

endividamento era absolutamente insustentável. [Imagem 9] Quer num cenário mais otimista (representado na

linha vermelha), quer noutro mais pessimista (representado na linha verde), a dívida iria sempre subir para

níveis incomportáveis.

Exigia-se, portanto, outro tipo de atuação que, com exceção da reforma da segurança social realizada em

2007, não existiu. E mesmo essa reforma, que foi apregoada como o garante da sustentabilidade da nossa

segurança social durante várias décadas, afinal, sabemos agora, deve evitar a rotura do nosso sistema

apenas até ao final desta década.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É verdade!

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O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Mesmo sem crise internacional, Portugal iria acabar sempre por

embater na parede. A crise apenas apressou o nosso triste destino.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Acabei de descrever factos que, creio, devem merecer por parte todos nós

uma profunda reflexão.

Não vale a pena ignorar a realidade.

Portugal está submetido a um programa de ajustamento muito duro, assinado pelo Governo de José

Sócrates em maio de 2011, e também, com grande sentido de responsabilidade e de Estado, pelo PSD e pelo

CDS, ambos na altura na oposição. Um acordo que obrigou Portugal a colocar-se nas mãos daqueles que são

os nossos credores e que aceitaram financiar-nos.

Passado um ano e meio da assinatura do Memorando de Entendimento, creio que pode concluir-se que,

com uma exceção, todas as áreas deste Programa estão a ser cumpridas como previsto, e algumas mesmo

mais rapidamente do que o previsto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

É o caso da transformação estrutural da economia, que deve ter reflexos positivos a médio prazo no

potencial de crescimento; é o caso da estabilização do sector financeiro de forma a assegurar, no futuro, a

fluidez do crédito e o normal funcionamento da economia; é o caso do desendividamento do País, que tem

vindo a decorrer mais depressa do que tinha sido previsto, em consequência de um padrão de ajustamento

diferente do inicialmente projetado.

Depois de várias décadas de crónicos défices externos, prevê-se que se possa atingir um histórico

excedente nas contas com o exterior em 2013, devido à quebra das importações (maior do que a previsto) e

ao dinamismo notável das exportações. Ou seja, pela primeira vez em décadas, a nossa balança de

pagamentos é positiva — um pormenor que faz toda a diferença!

Claro que nos preocupa muito a subida do desemprego. Como poderia não nos preocupar? Ela tem sido

muito superior ao previsto. E preocupam-nos também as dificuldades nas contas públicas, a área de exceção

no Memorando. Vale a pena referir, contudo, a este propósito que, apesar das dificuldades que estão a ser

sentidas, a queda da despesa pública de 2011 para 2012, de 8600 milhões de euros, não encontra paralelo no

passado. No entanto, devido à conhecida decisão do Tribunal Constitucional de julho deste ano, mesmo com a

revisão em alta das metas de 2012 a 2014 para o défice — que resultou das negociações com a troica por

iniciativa do Governo português —, estamos confrontados, no Orçamento para 2013, com o conhecido enorme

aumento de impostos.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ao abrigo do Programa assinado em maio de 2011, estamos a tentar

corrigir rapidamente os erros de quase duas décadas. Mais rapidamente ou menos rapidamente, mais

depressa ou mais devagar, é preciso termos a consciência de que, apesar dos enormes, enormíssimos,

esforços até agora feitos pelos portugueses, eles ainda não são suficientes para que a atual dificílima situação

seja ultrapassada. Desengane-se quem assim pensa.

É preciso transformar o insustentável em sustentável e é ao nível do Estado, do seu papel e das suas

funções que esta questão se coloca. Tem que existir esta consciência para que este trabalho de reforma e

racionalização da despesa pública seja realizado. Só assim o combate ao défice pode ser continuado em 2014

com a redução estrutural prevista de cerca de 4000 milhões de euros na despesa pública.

É, pois, altura de cada um assumir as suas responsabilidades e de mostrar que compreendeu os erros

cometidos no passado e que está à altura da situação.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Apesar de os tempos serem de enormes dificuldades e agruras, os portugueses não compreenderiam que

não fizéssemos tudo e déssemos o nosso melhor para ultrapassar a atual situação. É o futuro do País que

está em equação. Todos não seremos demais para vencer esta causa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Miguel Frasquilho, inscreveu-se para pedir esclarecimentos o Sr.

Deputado Adolfo Mesquita Nunes, do CDS-PP.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, acaba de

nos fazer um relato sobre como chegámos até aqui.

Hoje, não é o momento de falarmos de passado, é o momento de falarmos de presente e de futuro. Mas

para sabermos como é o nosso futuro, temos de perceber o que fizemos de errado no passado.

Há uma tese muito popular em adolescentes, que já repeti uma vez aqui, neste Parlamento, que diz que a

melhor cura para a ressaca é não para de beber. É nessa tese, muito adolescente, que eu penso quando vejo

o Partido Socialista aqui defender que devemos continuar e agravar a fundo o ritmo que vínhamos fazendo de

endividamento e de despesa.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Mas já que todos, hoje, reconhecemos aqui que o nosso

maior problema é o endividamento, é preciso perceber por que é que chegámos ao endividamento.

O endividamento tem servido para cobrir os défices, têm servido para cobrir as despesas que o Partido

Socialista, ao longo de 15 anos, agravou e agravou!

O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Hoje, quando falamos de endividamento, falamos do

pagamento, falamos não da dívida mas dos défices que nos foram sendo deixados. Os défices que permitiram

ao Partido Socialista fazer a política que fez.

Por isso, Sr. Deputado, tendo em conta que este é, de facto, um Orçamento muito difícil, um Orçamento

que penaliza os portugueses, um Orçamento que impõe uma carga fiscal que, sabemos bem, é insustentável

por muito mais tempo, pergunto, em primeiro lugar, se está o Grupo Parlamentar do PSD na disposição,

juntamente com o Grupo Parlamentar do CDS, de, de forma articulada, e honrando o nosso mandato de

Deputados e as nossas funções orçamentais, apresentar as alterações necessárias a este Orçamento para

podermos atenuar um pouco a carga fiscal que estamos a impor aos portugueses e, em segundo lugar, porque

este trabalho não pode ficar por aqui, de passarmos os próximos dois anos a fazer um esforço — um esforço

que temos de fazer — para a redução da despesa do Estado.

Mas é preciso também trazer e convocar o Partido Socialista para este debate.

Ouvimos, ontem, o Secretário-Geral do Partido Socialista falar numa nova política e numa nova alternativa,

sem impostos mas com mais despesa, sem impostos mas com mais endividamento. É a versão Midas do

Partido Socialista: em tudo o que tocam devem fazer ouro. Porque só o ouro é que pode agora salvar as

despesas que fazem! Mas, olhando para a festa que foram os últimos seis anos, o ouro em que o Partido

Socialista transforma tudo o que toca não passa, afinal, de pechisbeque que pouco vale.

O Partido Socialista é contra o aumento de impostos, e bem! Mas, depois, é contra o fecho dos governos

civis, contra a reforma autárquica, contra o aumento de taxas moderadoras da saúde, contra a privatização da

RTP, contra a suspensão dos salários dos funcionários públicos, contra o encerramento da maternidade

Alfredo da Costa e de outros serviços hospitalares, contra o encerramento de escolas, contra o aumento do

número de alunos por turma, contra cortes nas prestações sociais, que se duplicam em determinados

agregados familiares, contra os cortes do investimento público, contra o encerramento das fundações na área

da cultura, contra a austeridade porque causa efeito recessivo… No fundo, o Partido Socialista não está

disposto a abdicar do Estado social e também não está disposto a abdicar de nenhuma das suas fontes de

financiamento.

A segunda pergunta que lhe faço é esta: há em Portugal, hoje e nesta Câmara, um largo consenso contra o

aumento de impostos.

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Risos do PS.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Por isso era importante a votação nominal! Era importante para que

cada um expressasse a sua posição!

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — Mas a verdade é que a questão que temos de colocar hoje…

Protestos e risos do PS.

Vozes do CDS-PP: — Tenham calma! Ouçam!

A Sr.ª Presidente: — Pedia ao Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes que concluísse, tanto mais que já

terminou o tempo de que dispunha para formular a sua pergunta, e aos Srs. Deputados que deixassem

concluir.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — É natural. Sabe, Sr.ª Presidente, durante seis anos

habituaram-se a que as bancadas da maioria servissem como caixa-de-ressonância para aplaudir e dizer

«Muito bem!» àquilo que vinha do Governo e estou pouco habituado a que eles tenham um juízo crítico!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira terminar, por favor.

O Sr. Adolfo Mesquita Nunes (CDS-PP): — É preciso dizer às pessoas que se o Estado social não for

pago com impostos é pago com défices e, se for pago com défices, será pago com mais impostos.

É este o desafio que temos de passar. Temos de explicar aos portugueses por que é que o combate ao

endividamento e o combate à despesa pública são o combate para menos impostos.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado Carlos Zorrinho, sinalizou um pedido de palavra à Mesa.

Faça favor.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr.ª Presidente, reparei, há pouco, que a Sr.ª Presidente anunciou apenas

o nome do Deputado Adolfo Mesquita Nunes como estando inscrito para formular pedidos de esclarecimento

ao Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

Houve, certamente, um lapso de comunicação, porque a nossa intenção é que o Sr. Deputado João

Galamba também formule um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Presidente: — Se a Câmara e o Sr. Deputado Miguel Frasquilho não se opuserem, darei a palavra

ao Sr. Deputado João Galamba.

Pausa.

Como não há oposição, tem a palavra, Sr. Deputado João Galamba.

O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados, Sr. Deputado Miguel Frasquilho, lamento informá-lo mas o seu exercício de releitura histórica está

incorreto.

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…

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O Sr. João Galamba (PS): — A «festa» socialista que o Deputado Miguel Frasquilho diz que começou em

1995 e durou 15 anos teve, entre muitas outras coisas, este extraordinário resultado do qual um País como

Portugal só se pode orgulhar: a taxa de pobreza baixou de 23% para 18%, tirando mais de 500 000

portugueses da pobreza; a taxa de pobreza nos idosos baixou de 38% para 20%. Sabe que dois dados são

estes? Representam a maior queda da pobreza em todos os países da União Europeia!

Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

Eu não envergonho de pertencer a um partido que conseguiu esses resultados…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Oficializaram a pobreza! Foi o que fizeram!

O Sr. João Galamba (PS): — … e esperava que o Deputado Miguel Frasquilho, como português, também

não se envergonhasse, porque é um feito extraordinário num dos países mais desiguais da União Europeia!

Mas não é apenas isto, Sr. Deputado Miguel Frasquilho. A transformação estrutural de que este Governo

tanto fala e que o Sr. Ministro das Finanças, embora já esquecido, incluiu numa apresentação que fez em

Nova Iorque, em Washington ou em Londres (não me lembro ao certo), em que disse que a transformação

estrutural já estava a ocorrer, é em grande parte obra de medidas de Governos socialistas.

Risos do PSD e do CDS-PP.

O aumento do valor acrescentado das exportações, a diversificação de produtos, a diversificação de

mercados, a qualificação dos portugueses, tudo isto o Ministro das Finanças reconheceu que era uma

transformação estrutural importante. E aconteceu neste período que o Sr. Deputado Miguel Frasquilho escolhe

caracterizar como «festa».

Mas, Sr. Deputado, sabe muito bem que a causa da crise de 2008 não está na dívida pública. A dívida

pública é uma consequência, não uma causa, porque aquilo que verdadeiramente aumentou

exponencialmente desde a entrada no euro — e o Sr. Deputado sabe isto melhor do que ninguém! — foi a

dívida privada. A dívida pública entre 2005 e 2008 quase não mudou — a variação é de 61% para 63%. Há

uma explosão, a seguir, como houve em quase todos os países europeus.

Protestos do PSD.

Mas, Sr. Deputado, sobre a resposta à crise financeira, vou ler-lhe uma curta citação de uma pessoa que

conhece certamente muito bem: «O Governo tem estado bastante bem nas respostas que tem encontrado

para a crise financeira, que, de resto, não são respostas muito originais, são concertadas a nível europeu, mas

que têm funcionado bem em Portugal.» Estas respostas, Sr. Deputado, incluíram, entre muitas outras coisas, o

reforço do investimento público, nomeadamente na Parque Escolar.

Vozes do PSD: — Ah!…

O Sr. João Galamba (PS): — Sabe quem é o autor desta citação? É o Sr. Primeiro-Ministro, Pedro Passos

Coelho, à altura, líder do PSD. Portanto, não nos venha com revisionismo histórico!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Galamba (PS): — Vou terminar.

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Sr. Deputado Miguel Frasquilho, queria fazer-lhe uma pergunta. O PIB potencial está a cair. Sabe porquê?

Porque houve, ao contrário do que esta maioria diz, uma queda muito significativa do investimento público e

privado, em percentagem do PIB, na década que referiu. Agora, ainda cai mais! E o que este Governo está a

fazer é a destruir as bases de crescimento da economia portuguesa. Não está a criar nada!

Protestos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Galamba (PS): — Porque as exportações, como o Sr. Ministro das Finanças já tinha dito, vêm

detrás, não são novas com o Programa de Ajustamento. A única novidade é o colapso da procura interna.

Agora, queria fazer-lhe uma pergunta muito concreta e peço-lhe uma resposta para a mesma. O Sr.

Deputado disse que estamos a desalavancar. Qual é o seu comentário ao facto de, entre 2010 e 2011, a

dívida das famílias, em percentagem do PIB, ter passado de 104% para 101%, a dívida das pequenas

empresas ter passado de 29,9% para 28,9%, a dívida das microempresas ter passado de 47% para 46,7% e a

dívida das médias empresas ter passado de 31,8% para 31%?

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, queira concluir, por favor.

O Sr. João Galamba (PS): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Todos estes valores — todos! —, esta trajetória decrescente se inverteu com o Orçamento para 2012.

Porquê? Porque não se pagam as dívidas empobrecendo e o que este Governo tem como estratégia para o

País é empobrecer e, portanto, minar a capacidade de Portugal pagar a sua dívida.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, reconhece, ou não, que em 2012, ao contrário do que tem sido dito,…

A Sr.ª Presidente: — Queira concluir.

O Sr. João Galamba (PS): — … houve uma inversão do ciclo e este Governo está neste momento, ao

contrário do que diz, a aumentar o endividamento, em percentagem do PIB, de todos os setores institucionais

e, portanto,…

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa, mas já esgotou 5 minutos quando dispunha de 2 para

formular o pedido de esclarecimento.

O Sr. João Galamba (PS): — … a inviabilizar a desalavancagem da economia portuguesa.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Frasquilho.

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr.ª Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Adolfo

Mesquita Nunes e João Galamba pelas questões variadas e vou procurar responder-lhes.

Começo pelas questões que o Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes me colocou…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — As perguntas do Deputado Adolfo Mesquita Nunes eram para o

Ministro das Finanças!

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O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — … dizendo que, sim, Srs. Deputados, espero que todos possamos

aprender com os erros cometidos no passado. Aliás, eu mesmo disse que o PSD e o CDS estiveram no

Governo entre 2002 e 2004 e por isso também temos de tirar ilações desse período.

Mas se temos de tirar ilações desses três anos, que dizer do Partido Socialista, que estiveram doze anos e

meio? Que ilações deve o Partido Socialista retirar?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Ficarei à espera de uma resposta.

É evidente que estamos totalmente disponíveis para melhorar, dentro do possível, este Orçamento do

Estado. Sabemos que a margem é muito estreita e estamos disponíveis para trabalhar não só com o CDS —

evidentemente, nosso parceiro privilegiado na coligação —, mas também com as outras bancadas da

oposição, nomeadamente a do Partido Socialista, de quem esperamos contributos relevantes para, se

possível, melhorar este Orçamento e para também, no futuro, garantir a sustentabilidade do Estado social e da

despesa pública.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr. Deputado João Galamba, o senhor falou — e bem! — da redução

da taxa de pobreza. São dados positivos. Mas, Sr. Deputado, poderia ter referido, por exemplo, que a taxa de

pobreza entre 2002 e 2005 baixou 2 pontos percentuais.

Portanto, essas preocupações não são um exclusivo do Partido Socialista, todos os governos têm! O

Governo de 2002 a 2005 teve, o atual Governo também tem, e os dados mostram isso muito claramente.

Protestos do PS.

Mas, Sr. Deputado, queria só referir-lhe um pormenor e perguntar-lhe se não considera isto preocupante.

Em 1995, os impostos indiretos cobrados estavam acima do total das prestações sociais; em 2000, já não

chegavam para pagar o total das prestações sociais; e em 2011, o total da receita fiscal era igual às

prestações sociais que temos de pagar.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois é!…

O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr. Deputado João Galamba, isto não lhe diz nada? Não lhe diz nada

em termos de sustentabilidade?

É evidente que é desejável — e todos queremos — que a taxa de pobreza diminua. Mas, Sr. Deputado, o

que temos de garantir é que isso é sustentável. Mas isso não foi garantido ao longo da última década e meia,

e é isso que temos de garantir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do Deputado do PS João Galamba.

Finalmente, Sr. Deputado, mostrei aqui vários números, várias figuras e vários quadros, que mostram que a

desalavancagem do País está a ocorrer. Está a ocorrer, em termos do País como um todo, a um ritmo maior

do que o previsto, com outras consequências que bem conhecemos. Mas o facto de, em 2013, termos um

excedente das contas externas, vai ajudar — e de que maneira! — à desalavancagem do País.

Sr. Deputado, o caminho — mais rapidamente ou menos rapidamente — não poderia ser senão este.

Estamos muito empenhados, pelo que esperamos e convidamos o Partido Socialista, como ainda ontem o

Primeiro-Ministro referiu, a fazer esta trajetória connosco, porque é do futuro do País que se trata e todos não

seremos demais.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PS, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Carlos

Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e

Srs. Deputados: Estamos a viver um dos momentos mais nobres da atividade parlamentar — a apreciação na

generalidade do Orçamento do Estado para 2013. Um Orçamento que repete e agrava a receita aplicada em

2012.

Este estudo de caso, tão próximo e tão evidente, é o mais potente instrumento que todos nós temos para

avaliar com rigor o que nos espera, ou seja, a clonagem feita pelo Sr. Primeiro-Ministro e líder do PSD, Passos

Coelho, pelo Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e líder do CDS, Paulo Portas, e pelo Ministro de

Estado e das Finanças, Vítor Gaspar, do Orçamento de 2012 para o Orçamento do Estado para 2013.

O Orçamento do Estado para 2012, ainda em execução, falhará estrondosamente o seu principal objetivo:

o controlo do défice público. A sobrecarga de austeridade aplicada à economia portuguesa teve em relação ao

défice um resultado dececionante — o défice ficará acima de 6% do Produto, quando tinha sido projetado para

4,5% do Produto. Mas o Orçamento do Estado para 2012 terá também um forte impacto negativo na dívida

pública, que se aproximará perigosamente da barreira dos 120% do Produto. O desemprego, que se tinha

previsto atingir 13,4%, afinal, ficará quase a tocar os 16%, o maior desemprego de sempre da sociedade

portuguesa.

É por isso, Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados,

perante estes resultados da aplicação em curso do Orçamento do Estado para 2012, que temos todos, os

Deputados de todas as bancadas, a obrigação de nos interrogarmos: tanto corte, tanto sacrifício, tanto

sofrimento, tanto empobrecimento forçado, tantos impostos e, afinal, os resultados são estes? Estes

resultados só podem ter um qualificativo: um falhanço, um absoluto falhanço da execução orçamental!

Aplausos do PS.

Mas, Sr.as

e Srs. Deputados, errar é humano. É verdade que o Governo não tem perdão ao cometar um

erro monstruoso como cometeu este ano, porque desde o primeiro dia foi alertado pelo Partido Socialista para

o caminho errado que estava a percorrer; no entanto, quis experimentar, quis fazer dos portugueses cobaias, e

falhou.

O Orçamento do Estado para 2013 era a oportunidade para um Governo humilde e com sensibilidade

social reconhecer o seu erro e arrepiar caminho. No entanto, pasme-se, o Governo não só não arrepiou

caminho como pretende repetir a receita, agravando a dose. As consequências estão à vista: mesmo com um

cenário macroeconómico irrealista de derrapagem de apenas 1% do Produto, teremos um enorme aumento de

impostos, um aumento da dívida pública e do desemprego, uma periclitante consolidação do défice, no mesmo

valor que tinha sido projetado para 2012. Teremos, sobretudo, Sr.as

e Srs. Deputados, uma economia que

congelou, uma sociedade que paralisou de medo, um País que se esvai na emigração forçada, uma brutal

desvalorização do nosso capital humano e uma tremenda desqualificação do nosso tecido empresarial e do

nosso território.

Por isso, Sr.as

e Srs. Deputados, nos últimos tempos, os portugueses têm-se visto na triste contingência de

ouvir falar todos os dias de milhares de milhões de euros e de contarem em cada mês os parcos tostões, ou

seja, os parcos euros de que dispõem para viver. Sejamos, por isso, objetivos, porque é isso que esperam

aqueles que nos ouvem e aqueles que seguem este debate.

Há dois critérios simples para avaliar o desempenho orçamental em 2012 e a sua projeção para 2013.

O primeiro é o critério social. As pessoas, em média, vivem melhor? Os indicadores sociais melhoraram? A

resposta é não. A generalidade dos portugueses vive pior e os indicadores sociais estão a afundar-se. Com o

Orçamento do Estado para 2013, as pessoas vão viver ainda pior e os indicadores derraparão ainda mais.

O segundo é o critério económico. A economia está mais saudável? Os indicadores económicos são

melhores no plano macroeconómico e no plano empresarial? A resposta é, de novo, não! Um retundo não! O

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Orçamento do Estado para 2013 tudo agravará, exceto, esperemos, o défice público. A resposta, portanto, é

não, e não. Os Orçamentos não enganam. Este Orçamento é mau, é mesmo um Orçamento muito mau!

Aplausos do PS.

Por isso, o PS votará contra este Orçamento.

Temos consciência de que aos Deputados das bancadas do PSD e do CDS que vierem a votar

favoravelmente este Orçamento o Governo também está a pedir um exercício muito doloroso, um exercício

feito — pondero bem o que digo — com duvidosa consciência.

Todos sabemos que o Primeiro-Ministro anunciou que ia enviar uma carta ao Secretário-Geral do PS

procurando condicionar este debate; no entanto, as oito intervenções feitas ontem em Plenário pelos

Deputados do PSD foram, todas elas, centradas num ataque sem tréguas ao Partido Socialista. Houve, hoje,

uma exceção que devo referenciar, o tom diferente do Sr. Deputado Miguel Frasquilho. Não contou a história

toda, contou uma história incompleta, mas teve um tom diferente. Porém, «uma andorinha não faz a

primavera».

Aplausos do PS.

Do PSD não se ouviu, ao longo deste debate, um único contributo construtivo. A isto chama-se má-fé ou

esquizofrenia política. Por carta convida-se à participação; nas palavras prevalece a agressividade, roçando a

teimosia, a cegueira e o deslumbramento com o poder.

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — O vosso!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Este aparente paradoxo nas hostes do Governo, e em particular do PSD,

revela, no entanto, Sr.as

e Srs. Deputados, uma outra coisa: a agenda escondida da maioria; a agenda que

constitui o seu principal desígnio — a agenda da demolição do Estado social. Uma agenda que nasceu com o

projeto de revisão constitucional apresentado ainda na oposição e atabalhoadamente retirado para não

prejudicar a operação de tomada de poder.

O Primeiro-Ministro, na altura líder da oposição, recuou mas não desistiu. Montou uma estratégia de

chegada ao poder e ganhou legitimidade democrática. Depois, montou uma outra estratégia ainda mais

sofisticada, uma estratégia de empobrecimento, seguida de uma bomba atómica fiscal, para tentar fazer com

que os portugueses aceitem a destruição do Estado social. Com esta estratégia, manietou ao mesmo tempo o

CDS, emaranhado que está no seu labirinto de escolha entre ser o partido do contribuinte, que já foi, ou

partido da coligação dos impostos, que agora é.

Os portugueses, Sr. Primeiro-Ministro, não aceitarão, dirão não à sua estratégia. Os portugueses não

aceitarão a demolição do Estado social e terão sempre o PS ao seu lado para evitar a ofensiva que contra ele

está lançada.

Iniciei esta breve intervenção chamando a atenção para a solenidade do momento, para a sua importância

democrática. Este debate, Sr.as

e Srs. Deputados, não é um ritual. Estamos aqui para decidir sobre a vida das

pessoas, sobre os seus sonhos e projetos, sobre as suas expetativas e desejos. Somos representantes dos

eleitores na Casa da democracia. Não podemos faltar à verdade objetiva: este Orçamento é mau, este

Orçamento é mesmo muito mau. Não merece ser aprovado, terá o voto contra do Partido Socialista e deveria

ser rejeitado por esta Câmara.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mendes Bota e

Hélder Amaral.

Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

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O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, V. Ex.ª tem todo o direito de

vir aqui exprimir as suas discordâncias, mas tem o ónus de argumentar. Ora, assistimos há pouco, da tribuna,

a uma argumentação vazia de conteúdo, a uma argumentação completamente vazia de quaisquer propostas

concretas.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Mais radica num complexo de intuitos político-partidários do que

propriamente no sublimar da razão.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Deputado, queria recordar-lhe que foi Almeida Santos quem disse, um

dia, que Francisco Sá Carneiro, no tempo da ditadura, era um Deputado a sério num Parlamento a fingir. Eu,

que tenho tanta consideração pessoal e política por V. Ex.ª, lamento bastante ter aqui assistido hoje ao Sr.

Deputado prestar-se ao papel de ser um Deputado a fingir num Parlamento a sério.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vou dizer-lhe em que consistiu esse papel de fingimento. O Sr. Deputado conseguiu falar durante todos

aqueles minutos e fingir que nada aconteceu até ao dia 6 de junho de 2011. Fingiu que nada responsabiliza o

Partido Socialista na situação que deixou para o Governo atualmente em funções; fingiu que nada aconteceu

num partido que sustentou um Governo que deixou o País à beira da bancarrota, à porta do cemitério

económico, a pagar juros pela esmola que recebe lá de fora.

O Sr. Deputado esqueceu-se, mas o povo português não esquece, porque não tem a falta de memória que

muitos pensam, sobre aquilo que se passou. E entre aquilo que se passou tivémos a máquina de propaganda

oficial do anterior Governo. Não esquecemos o teleponto; não esquecemos os comícios com figurantes

estrangeiros de turbante; não esquecemos quem colocou o País no top 10 dos países mais endividados do

mundo; não esquecemos quem proliferou o amiguismo e a mordomia dos interesses instalados; não

esquecemos quem preferiu que houvesse uma generalização da desorçamentação dos investimentos públicos

para escapar ao controlo parlamentar. Não estamos esquecidos dos sonhos caros — do aeroporto da Ota, da

terceira travessia sobre o Tejo, do TGV, das PPP, do Magalhães. O povo português, de facto, não esqueceu!

O Sr. Deputado Carlos Zorrinho fez aqui um exercício de acusação infundada. Disse, ou previu, que este

Orçamento do Estado falhará estrondosamente os seus objetivos em 2013. Também disse que foi um absoluto

falhanço a execução orçamental de 2012. Disse ainda que este Orçamento é mau e que o PS irá votar contra

ele. Mas qual é a novidade? O PS até anunciou que ia votar contra ainda mesmo antes de conhecer qual era o

conteúdo deste Orçamento.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vem o Sr. Deputado Carlos Zorrinho dizer que nós, PSD e CDS, as bancadas que apoiam este Governo,

estamos aqui a apelar a um consenso, a apelar ao diálogo com o Partido Socialista mas que no discurso não

fazemos mais do que acusar o Partido Socialista.

Faço lembrar aquele discurso, no 25 de Abril, há muito pouco tempo, onde foi o Sr. Deputado Carlos

Zorrinho a defender que houvesse em Portugal uma rutura democrática. Esse não é o caminho que Portugal

precisa.

AplausosdoPSD e do CDS-PP.

O Sr. Deputado Carlos Zorrinho pretendeu cavalgar a onda do descontentamento em cima da prancha da

demagogia e isso não o vai levar a lado nenhum.

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Protestos do PS.

Sr. Deputado Carlos Zorrinho, falou em representação de um partido onde, desde o dia 6 de junho do ano

de 2012, todos fazem enormes declarações de generalidades…

A Sr.ª Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — … sobre como governar o País, onde são todos sábios, como outros

professores eméritos, como outros empresários de topo, como banqueiros, como muitos governantes, hoje

toda a gente sabe como se há de governar este País.

Mas, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, o que temos a dizer a este Governo é que precisamos de um Partido

Socialista que diga claramente se está ou não disponível para discutir os limites do Estado social, porque há

um limite constitucional que é o limite «dentro do possível».

A Sr.ª Maria das Mercês Soares (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Temos de discutir até onde pode ir a carga fiscal, a carga social e até a

carga territorial, porque, em última análise, são os portugueses, com os seus impostos, que pagam a fatura

que aqui decidirmos.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Por isso, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, o senhor está em falta, não propôs

nada, e precisamos que dê uma resposta a esta questão.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: O Sr.

Deputado Mendes Bota fez aqui um desenvolvimento em torno do conceito de fingimento. Mas que fingimento

maior podemos nós encontrar do que neste debate do Orçamento?! Temos uma maioria que colocou 132

Deputados a fingirem que acreditam num Orçamento em que mais ninguém acredita! Como é possível?

Aplausos do PS.

Isso sim, é fingimento!

Não há oito sem nove. O Deputado Miguel Frasquilho, de facto, foi uma andorinha na primavera. Não há

oito sem nove.

Protestos do CDS-PP.

Os senhores desistiram de governar; os senhores não têm nenhuma ideia para o País; os senhores não

têm nenhuma opção e, por isso, especializaram-se no ataque pessoal, especializaram-se em fazer oposição à

oposição,…

Protestos do PSD e do CDS-PP.

… especializaram-se a usar o tempo com o vazio, porque se o senhor tivesse alguma ideia, Sr. Deputado

— e eu acredito em si e no seu bom íntimo —, o senhor teria dado respostas aos desempregados, respostas

às empresas que fecham, respostas aos problemas da sua região, o senhor teria feito propostas concretas e

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não teria feito esse discurso, que foi um discurso de fingidor, de quem, de facto, tem a dor do poeta mas não

tem nenhuma solução para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — O discurso é seu, não é meu!

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hélder Amaral.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Deputado Carlos Zorrinho, por quem Deus nos manda

avisar! Exatamente por aquelas bancadas que aprovaram todos os orçamentos que nos trouxeram a esta

situação.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora bem! Ora bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Quem são essas bancadas? Nós é que não somos! Curiosa

afirmação!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O Sr. Deputado abordou, da tribuna, algumas coisas sobre as quais

queria pedir-lhe esclarecimentos.

É verdade que revimos metas, mas V. Ex.ª também disse «tanto corte, tanto sacrifício, tanto sofrimento,

para ter este resultado», e retira a consequência errada. Os portugueses sabem isso e sabem que tal só foi

possível porque se fizeram tantas e tantas asneiras no passado.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — É verdade! É verdade!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Tudo isto significa, afinal, que as asneiras eram imensas, que o buraco

era imenso e tínhamos, obviamente, de ser sujeitos a um enorme sacrifício.

Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.

Quero também dizer-lhe, como ficou aqui provado na intervenção do Deputado Miguel Frasquilho, que

somos o segundo país mais endividado da zona euro. Tudo começou, como sabemos, com as paixões de

António Guterres.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Uma delas foi pelo CDS!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Continuou com as luas-de-mel e com as festas do Eng.º Sócrates,

pagas com crédito, porque já não havia dinheiro, e o que quero saber é o que V. Ex.ª diz sobre a controladora

das obras públicas do Eng.º José Sócrates, que dizia que havia crédito, que havia megalomania e a fatura era

para pagar depois.

Vozes do CDS-PP: — Ora bem! Ora bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Ao menos, há aqui alguém que foi lúcido no seu devido tempo. E

quando eu estava à espera que V. Ex.ª reconhecesse estes erros e explicasse à Câmara, já que estamos a

discutir o Orçamento, qual é o conteúdo e o teor da sobretaxa sobre as PPP, eis que passou no mais profundo

silêncio, na mais profunda ignorância,…

Vozes do CDS-PP: — Ora bem! Ah, pois é!

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O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … sobre a medida que tudo iria resolver tudo. Não ouvimos ainda nada

sobre essa sobretaxa, Sr. Deputado!

Vozes do CDS-PP: — Ora bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Gostava de poder perceber essa sobretaxa.

O Sr. Deputado diz que estamos aqui para resolver os problemas das pessoas. É verdade. O País está à

espera que possamos ter aqui soluções, possamos inverter o descalabro que nos trouxe até aqui e possamos

corrigir os defeitos do Estado.

VV. Ex.as

são responsáveis por terem criado a maior quantidade de pessoas subsídio-dependentes…

Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.

… e de terem ligado as empresas públicas à máquina do Estado. Não conseguiram fazer nenhuma reforma

estrutural para pôr os portugueses a dependerem do seu mérito, do seu esforço e da sua capacidade de

trabalho,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ora bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … não conseguiram transformar a economia portuguesa para que as

empresas conseguissem, por si só, vencer os desafios.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — São pobres oficiais, nesse aspeto! É verdade!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não conseguiram fazer isso!

Protestos da Deputada do PS Sónia Fertuzinhos.

Mas ainda vamos a tempo! Ainda vamos a tempo!

As vossas ideias de crescimento e de combate ao desemprego onde estão? Ainda vamos a tempo!

Receberam uma carta à qual, ainda ontem, o secretário-geral do vosso partido dizia que iria responder.

Espero que o faça, mas com a boa vontade e com o sentido crítico e responsável das soluções e do ponto de

compromisso que está disponível a assumir, para que possamos fazer essa correção, essas reformas

estruturais. Vamos ter de as fazer. Não há outro caminho.

Sr. Deputado, gostava ainda de lhe fazer uma pergunta. O senhor apelou aqui — espero que não

acreditando sinceramente no que dizia — para votarmos contra o Orçamento. Nestas circunstâncias, Sr.

Deputado, qual eram as consequências? Acha que o Partido Socialista é hoje uma alternativa?

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Pois é!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Acha que o Partido Socialista é visto pelos portugueses como uma

alternativa? Qual é o seu sentido de responsabilidade, Sr. Deputado?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Basta olhar para a primeira fila!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Não estamos no momento de pensarmos numa estratégia política. VV.

Ex.as

governaram a pensar apenas e só nas próximas eleições e não no futuro do País e das próximas

gerações. Não podemos hoje continuar com esse critério, Sr. Deputado. O que estamos à espera é que o

Partido Socialista diga, de uma vez por todas, se está verdadeiramente preocupado com o País, se está

verdadeiramente preocupado em corrigir os erros do passado,…

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … se está verdadeiramente preocupado em olhar para os problemas

dos portugueses e arranjar soluções concretas para problemas concretos, e não em fazer anúncios de

propostas de corte na despesa,…

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — … ou de revisão do Orçamento e, depois, terminar com uma retórica

que mais não é do que uma assunção da realidade, mas, ainda assim, fugindo às suas responsabilidades.

Um estadista não foge do seu passado, assume-o.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho para responder.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: O

Partido Socialista realizou, na preparação para este debate na generalidade, audições com os parceiros

sociais, com as instituições, com as empresas, com quem representa as famílias. Ouvimos muita gente e

muitos especialistas.

Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Hélder Amaral, que a sensibilidade, que hoje é muito forte, da sociedade

portuguesa e o sobressalto patriótico e cívico da sociedade portuguesa é o sobressalto contra este

Orçamento, sobressalto que é tão forte que até atingiu o CDS-Madeira, como muito bem sabe.

Aplausos do PS.

Queria dizer-lhe também que, a seu tempo, terá o Sr. Deputado a nossa proposta sobre a taxa das PPP.

No debate na especialidade, tê-la-á, a seu tempo.

Risos e protestos do CDS-PP.

Quero dizer que compreendo muito bem, repito, compreendo muito bem,…

O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Se fosse muito importante, já teria falado dela aqui!

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Faça favor de falar, Sr. Deputado, que depois eu continuo.

Dizia eu que compreendo muito bem a vossa incomodidade. Não é nada fácil ser-se uma coisa e outra ao

mesmo tempo. Há pouco fiz — o que, normalmente, não faço muitas vezes — ali, da tribuna, um elogio ao

líder do PSD. Não foi ao Primeiro-Ministro mas ao líder do PSD, que conseguiu manietar-vos, conseguiu

colocar-vos numa situação em que, simultaneamente, os senhores, que querem ser partido do contribuinte,

são hoje partido de cobrador de impostos, partido da coligação dos impostos.

Compreendo que os senhores estão muito incómodos nessa pele e, se pudessem, apagavam estes 16

meses.

Protestos do CDS-PP.

Os senhores, se pudessem, apagavam estes 16 meses!

A grande dúvida que está na sociedade portuguesa e a grande dúvida que espero que ainda esclareçam,

nos 16 minutos que têm, é se pudessem apagar estes 16 meses, como é que depois se apresentavam aos

portugueses? Como defensores do progresso, do crescimento e do desenvolvimento ou como cobradores de

impostos, como nestes 16 meses?

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Aplausos do PS.

Protestos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa, neste momento, regista o pedido de intervenção do Sr. Ministro da Saúde.

Não há, por enquanto, mais inscrições.

Por isso, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, as prioridades

políticas que têm vindo a ser definidas por este Governo na área da saúde têm um rumo bem definido e as

decisões da escolha do Governo, em particular, têm um sentido coerente próprio: não perdem de vista os

princípios e critérios de eficiência e do bom governo, atendem sobretudo às pessoas mas também aos

recursos, acautelam um bem essencial, que é a sustentabilidade da proteção na doença.

Como todos sabemos, o setor da saúde é particularmente vulnerável num contexto socioeconómico de

emergência como aquele em que nos encontramos. Mas, por isso mesmo, queremos proteger a sua função,

queremos proteger o seu valor.

Há necessidade de conjugar esforços para avançar. As metas a que nos propusemos, designadamente em

termos de objetivos de saúde, orçamentais e no âmbito do Memorando, são particularmente exigentes. Temos

consciência disso. Mas essas metas são instrumentais, constituem um meio para atingir bens superiores,

como, no caso da saúde, a garantia de uma proteção fundamental e a continuidade de um serviço público de

que não queremos abdicar.

A garantia de proteção da saúde caracteriza o tipo de sociedade em que vivemos, os valores que defende

e a estrutura que tem. Não prescindiremos, neste Governo e nesta maioria, deste modelo de sociedade que

protege os que a constroem. Adequam-se às necessidades das populações e, sobretudo, à demografia, não

podem ignorar o envelhecimento da população, a quebra, sem precedentes, da natalidade e a concentração

populacional nos perímetros urbanos. Preservam a proximidade mas concentram-se onde são mais

necessários. Contratam-se profissionais mas acordam-se condições de mais exigente prestação, enquadradas

na estratégia de sustentabilidade e no planeamento a médio e longo prazo.

A continuidade do serviço público é indissociável da premência em regularizar compromissos e libertar as

unidades de saúde para a definição de metas não condicionadas pelos constrangimentos dos stocks de dívida

ou pela sua captura.

Os objetivos estratégicos da ação deste Governo, e que constam das Grandes Opções do Plano, seguem

vetores essenciais, dirigidos pela garantia de acesso aos cuidados de saúde, do reforço do nexo de

proximidade junto dos cidadãos, da abertura dos centros de saúde, da atribuição de mais médicos de família

aos utentes, da melhoria da qualidade e da segurança da prestação.

A saúde contribuirá, ainda e sempre, para a coesão social, tendo evidente valor acrescentado na área da

ciência, da investigação e da tecnologia.

Em conformidade, o ano de 2012 revelou uma fortíssima discriminação positiva com a saúde, ao atingir-se

o maior montante de sempre transferido do Orçamento do Estado para a saúde.

Embora a sustentabilidade de médio prazo do SNS não se encontre ainda assegurada, as políticas que

vêm sendo adotadas permitiram melhorar de forma significativa o equilíbrio financeiro sem afetar a qualidade e

a segurança dos serviços de saúde.

Em 2012, o Serviço Nacional de Saúde procederá ao saneamento de dívidas a fornecedores próximo de

2000 milhões de euros. Os pagamentos em atraso ir-se-ão reduzir, criando melhores condições de equilíbrio

futuro para as entidades do SNS.

Como ponto de partida de forte desequilíbrio dos custos operacionais face aos proveitos, os hospitais têm

progredido na racionalização dos seus recursos. O SNS tem acompanhado o esforço de consolidação que o

País tem de cumprir.

Entre 2010 e 2013, ao mesmo tempo que se tem a maior dotação orçamental, a despesa anual reduz.

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Apesar deste percurso que tem sido apoiado por medidas com impacto na redução das margens dos

medicamentos, dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e da racionalização de gastos, o

caminho até ao equilíbrio ainda é longo.

O Orçamento para 2013 não é, certamente, o que desejávamos, mas protege o sistema, com uma

discriminação positiva em termos relativos. De facto, a transferência do Orçamento do Estado mantém, em

2013, uma percentagem idêntica à do ano anterior, representando a despesa com a saúde 5,1% do PIB. O

valor total da despesa será contido em níveis semelhantes aos do ano anterior, considerando não apenas os

benefícios das medidas já tomadas mas também a implementação de novas medidas adequadas para o

efeito.

Manteremos o caminho da racionalização e da eficiência, continuaremos a construir um SNS mais sólido e

mais equitativo.

O Governo está atento ao enquadramento socioeconómico da crise e assume as responsabilidades de

proteger as despesas de saúde, no âmbito dos processos de redução de despesa pública que todos são

forçados a adotar em maior ou menor grau. E aqui, Sr.as

e Srs. Deputados, há que notar: se falamos do

passado é porque as dívidas que herdámos e estamos a pagar no presente condicionam o futuro da saúde de

todos nós.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Mas a ação do Governo revela-se também em medidas que realizam uma

política de saúde para além do défice. A aprovação do Plano Nacional de Saúde 2012-2016 constitui uma

ação de construção de um pilar fundamental da reforma do sistema de saúde: organiza a articulação com

políticas transversais, com planos regionais de saúde e com planos institucionais.

O Plano Nacional de Saúde 2012-2016 e os programas prioritários estão em fase de implementação,

dirigindo a ação governativa em coerência. Efetivamente, o Plano tem como visão maximizar ganhos em

saúde através do alinhamento e da integração de esforços tentados de todos os setores da sociedade e da

utilização de estratégias assentes na cidadania e nos hábitos de vida saudáveis.

A atenção foca-se na saúde pública, nos cuidados de saúde primários, nos cuidados de emergência e de

urgência, nos cuidados de saúde hospitalares e nos cuidados continuados integrados.

A coerência das várias ações evidenciará a articulação e a continuidade de cuidados, o ordenamento do

território e as estratégias locais de saúde, o reforço das tecnologias de informação e de comunicação e das

áreas de investigação, desenvolvimento e inovação. Como denominador comum, a sustentabilidade.

Como outras iniciativas estruturantes, destaco que se encontra em ultimação o projeto de proposta de lei

sobre o regime de investigação clínica e sobre a regulamentação de terapêuticas não convencionais, a par da

revisão do regime de farmacovigilância e do regime de informação e saúde.

Por outro lado, a gestão de recursos humanos em saúde pondera as necessidades do desenvolvimento e

da valorização das carreiras profissionais. Assim, em 2012, mas também em 2013, promover-se-á a

contratação de diferentes profissionais de saúde, através de contratos de trabalho, designadamente mediante

a abertura de novos concursos em detrimento da aquisição de serviços a terceiros, entidades sem adesão aos

objetivos e ao espírito das equipas.

O modelo da nova organização do trabalho médico, a implementar em 2013, absorverá alterações ao nível

dos serviços de urgência, a par de uma nova grelha para 40 horas, perspetivando-se, desde já, a revisão dos

instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, em conformidade com os pressupostos insertos no

acordo recentemente obtido com os sindicatos médicos.

Em 2013, será implementado na íntegra, e pela primeira vez, o sistema de avaliação anual do desempenho

das carreiras médicas. Em 2013, os novos médicos serão contratados, na sua totalidade, para 40 horas

semanais. O objetivo de se atingir a uniformidade nos vários modelos contratuais remuneratórios e de horários

de trabalho será prosseguido, mediante regimes de transição, até 2015.

Asseguram-se mais horas de urgência no trabalho normal, de 12 horas para 18 horas. A boa gestão das

horas do período normal de trabalho deverá tornar dispensável o recurso a uma grande parte do trabalho

extraordinário. Trata-se de um acordo histórico, exigente e difícil, mas com benefícios claros para os médicos

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e para os utentes, logrando o objetivo de garantir mais médicos de família, ou seja, trata-se de um acordo que

é sólido nos compromissos e solidário nas responsabilidades.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Este esforço de concertação socioprofissional constitui uma aposta concreta, não apenas de palavras, e

sem paralelo nos últimos anos, mostrando o apoio inequívoco a um pilar do Estado social que é o Serviço

Nacional de Saúde.

O número de utentes com médicos de medicina geral e familiar será ampliado, em proporção ao acréscimo

de horas de novo trabalho e ao ajustamento do sistema retributivo.

Ao longo de 2013 serão organizados ficheiros de utentes, conforme acordado com as estruturas médicas,

por forma a adequá-los às necessidades reais do País, já que existem hoje mais registos de utentes do que de

portugueses, como todos sabem.

Será, em breve, concluído o plano de abertura de vagas para ingresso de internos nas várias carreiras

médicas, até 2000 novos lugares para novos médicos, e serão abertos procedimentos para a progressão na

categoria superior.

O recurso a prestações de serviços médicos só será efetuado em situações de estrita necessidade e

devidamente fundamentado. Trata-se, mais uma vez, de uma aposta clara e inequívoca no Serviço Nacional

de Saúde.

A resolução qualificada dos problemas da saúde por uma rede de cuidados de saúde primários de

proximidade corrige assimetrias de acesso e de cobertura, de natureza regional ou social, a adequação das

estruturas e da organização, incluindo a atualização do registo de utentes, indo-se, deste modo, garantir um

médico de família para todos e cada um, antes do final desta Legislatura.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Em cada ano, estamos ainda a efetuar mais cirurgias programadas do que no

anterior. Trata-se de direitos dos cidadãos, de garantias do Estado social e de compromissos deste Governo.

A transferência gradual de alguns cuidados atualmente prestados em meio hospitalar para estruturas de

proximidade aposta na prevenção e será continuada em 2013. O aproveitamento e o desenvolvimento dos

meios já existentes, com o reforço de cuidados continuados integrados, permitirá instituir, por metas faseadas,

uma rede de âmbito nacional de cuidados paliativos.

A concretização da reforma hospitalar refletirá a visão integrada e mais racional do sistema de prestação,

racionalizando-o e concentrando-o. Não se trata apenas de aberturas ou encerramentos, não se resume

apenas à reorganização da oferta, trata-se de uma mudança de fundo, qualitativa.

Constituem vetores estratégicos a maior integração de cuidados de saúde, o incremento da eficiência das

unidades hospitalares, o incremento da qualidade dos serviços prestados, o reforço das tecnologias de

informação, a melhoria da governação, o reforço do papel do cidadão e a reorganização do trabalho clínico.

É importante destacar que temos em vista assegurar uma política coerente de investimento em sistemas de

informação, que permita a otimização de fontes de dados existentes e a sua transformação em informação útil.

A desmaterialização crescente de todos os processos administrativos e clínicos das entidades prestadoras

de cuidados promove a eficácia e a rapidez da resposta. A implementação progressiva da emissão de uma

nota informativa de custos dos serviços do SNS evidenciará, de forma transparente, o custo dos serviços

prestados aos utentes.

A plataforma de dados de saúde relaciona e permite a partilha entre diferentes tipologias de unidades

prestadoras de cuidados, e também com o próprio utente.

Esta plataforma contribui ainda para a recolha oportuna e crítica de dados de saúde de utilidade

epidemiológica e de investigação, pelo que convido os Srs. Deputados a inscreverem-se no Portal da Saúde e

a enviarem as suas críticas e sugestões.

O desempenho dos hospitais, centros de saúde e serviços fica mais transparente sob a avaliação exigente

da tutela e dos beneficiários, incluindo a prestação pública de contas.

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A política do medicamento estimula a utilização de medicamentos genéricos, traçando novas metas mais

ambiciosas para 2013, a serem obtidas com a disponibilização de moléculas adicionais.

A prescrição e dispensa de medicamentos por denominação comum internacional, a redução de encargos

públicos e privados, através da concorrência entre produtores, prosseguirá.

Ainda no domínio da política do medicamento, destaque-se o objetivo da elaboração do novo formulário do

medicamento hospitalar e ambulatório e a desmaterialização da receita.

Tais medidas surgem no topo da cadeia de valor, em linha com as melhores práticas internacionais.

Continuaremos a desenvolver, em 2013, as normas de orientação clínica e garantimos estruturas e

mecanismos de acreditação em saúde. Aliás, é o reconhecimento público do nível de qualidade atingido pelos

prestadores de cuidados de saúde e a certificação que fortalecem a confiança dos cidadãos nas instituições.

Nas margens excessivas, tivemos a coragem de atingir as metas; nas taxas moderadoras tivemos a

sensibilidade de encontrar alternativas ao que nos era exigido, ficando aqui além do que a troica nos pedia,

compensando em reduções de custo, onerando menos os utentes. Este Governo demonstra, assim, mais uma

vez, que sabe ser forte com os fortes e sábio com os fracos.

A sustentabilidade do serviço público representa, por isso, a proteção dos mais vulneráveis e a garantia de

coesão de uma sociedade que se quer dinâmica e saudável. A título de exemplo, as diferentes medidas da

política do medicamento, conjugadas com a manutenção de uma forte dinâmica competitiva no mercado de

genéricos, têm logrado uma redução do preço médio dos medicamentos, que, só este ano, permitiu que os

utentes, os nossos cidadãos, tenham uma redução de cerca de 30% no preço dos medicamentos genéricos.

Os indicadores demonstram a redução sustentada de encargos públicos e privados, decorrente da redução

do preço dos medicamentos, apesar de os portugueses estarem a adquirir um maior número de embalagens

dos mesmos.

Por outro lado, atenta a redução da remuneração das farmácias, com menores margens e medicamentos

mais baratos, o Ministério da Saúde implementou medidas de minimização de alguns dos seus encargos,

tendo em vista a sustentabilidade das farmácias. Foi criado um regime excecional de funcionamento para

farmácias com menor faturação ao SNS, foram revistas as obrigações de serviço noturno e foi possibilitada a

redução do horário mínimo de funcionamento.

Porque o sucesso da política de saúde não se esgota apenas na ação do Governo, estas medidas

reconhecem o papel e a relevância que os diferentes operadores do setor desempenham na promoção da

saúde e na prevenção da doença.

Este Governo aposta na saúde, não por palavras mas por atos concretos e decisivos, seja na sua

sustentabilidade, na reforma hospitalar ou nos cuidados primários, que vão ser uma realidade depois de

promessas de décadas, sempre adiadas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A criação de valor na saúde é inestimável. Não se trata apenas de palavras ou de votos de bom provir. O

serviço de saúde é um desígnio e este é o nosso compromisso. Da regularização da dívida ao investimento, à

contratação de novos profissionais, ao retomar do estudo para a construção do hospital de Lisboa Oriental,

continuaremos a apostar também na proximidade e no acesso aos cuidados de saúde primários.

O SNS visa a equidade. Desta forma, o Orçamento segue políticas que garantam a equidade no acesso ao

medicamento, no aumento das condições de isenção do pagamento de taxas moderadoras, prevendo este

Orçamento o congelamento de taxas moderadoras na área dos cuidados primários, o combate à fraude e a

diminuição das margens excessivas.

E termino como iniciei: a implementação das reformas deste Governo segue um rumo definido e uma

coerência própria na defesa do interesse público e claramente de um Estado social real e sustentável, que não

apenas constante de palavras e textos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente: — Estão inscritos, para perguntas, os Srs. Deputados João Semedo, do Bloco de

Esquerda, Manuel Pizarro, do PS, Miguel Santos, do PSD, Paula Santos, do PCP, Teresa Caeiro, do CDS-PP,

e Isabel Galriça Neto, do CDS-PP.

Tenho a informação de que o Sr. Ministro pretende responder em conjunto a três oradores, portanto, por

duas vezes. Tentarei intercalar a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto, em razão do critério da

alternância.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Semedo.

O Sr. João Semedo (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, seja por necessidades de propaganda,

seja por necessidades de tranquilizar a sua consciência, o Sr. Ministro repetiu aqui, hoje, uma afirmação que o

ouvimos fazer várias vezes, a de que a saúde tem merecido um tratamento e uma discriminação positiva na

política deste Governo, em matéria de financiamento, em matéria de orçamento.

Julgo, Sr. Ministro, que as evidências, a realidade do Serviço Nacional de Saúde e das suas contas hoje,

desmentem essa afirmação.

Na realidade, o Orçamento para 2012 foi muito inferior ao de 2011 e só por via dos Orçamentos retificativos

é que foi maior — e sabemos para quê. Não foi para expandir o Serviço Nacional de Saúde, nem para

melhorar a oferta do Serviço Nacional de Saúde, foi para pagar as dívidas que tinham sido acumuladas.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. João Semedo (BE): — E é preciso dizer que há ainda, pelo menos, um terço dessa dívida que está

por pagar e que, seguramente — não vejo outra forma de o fazer —, terá de ser paga em grande medida com

o Orçamento para o ano de 2013, o que, a ser verdade, significa que a diminuição real do Orçamento para

2013 é, de facto, efetiva e é um fator de preocupação.

O Sr. Ministro, melhor que ninguém, sabe as dificuldades com que hoje vive o Serviço Nacional de Saúde.

Na realidade, a rede de cuidados continuados e paliativos está suspensa. Aquilo que se modificou, que

cresceu, que apareceu de novo nos cuidados primários de saúde é uma mãozinha cheia de nada.

Na realidade, se já com o anterior governo essa mudança, essa reforma dos cuidados primários de saúde

andava a passo de caracol, com este Governo ainda anda mais devagar. E, quando olhamos, também, para

outros indicadores importantes, como é o caso das listas de espera, verificamos que, nos últimos meses, a

lista de espera para cirurgia, que é um indicador importante da relação entre a procura e a capacidade de

resposta do Serviço Nacional de Saúde, não para de crescer. Esse é um fator importante, porque significa

dificuldades reais de o Serviço Nacional de Saúde responder a tempo e horas às necessidades das pessoas.

Sabemos também — e eu não digo isto com nenhuma satisfação — que é cada vez maior o número de

serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde para além do prazo clinicamente recomendado.

Portanto, Sr. Ministro da Saúde, julgo que não há nenhuma razão para se sentir privilegiado ou

discriminado positivamente pelo Sr. Primeiro-Ministro ou pelos seus colegas de Conselho de Ministros.

Por outro lado, há um problema ainda mais difícil e sobre o qual o quero interpelar.

O Sr. Ministro sabe — como todos sabemos, porque há demasiados casos públicos que têm sido relatados

— que existe um clima instalado no Serviço Nacional de Saúde favorável ao racionamento das prestações de

saúde, sejam tratamentos, medicamentos ou qualquer outra, apenas pelo valor, pelo seu custo. Ou seja,

aquilo que é caro não se pode fazer, porque é demasiado caro.

Sr. Ministro da Saúde, isto é particularmente grave e esta é a principal batalha do momento e da atualidade

do Serviço Nacional de Saúde. Não há nenhuma razão, não há nenhuma legitimidade para que se deixe de

tratar um doente apenas porque o tratamento é caro e não em função da sua eficácia, da sua eficiência e da

sua qualidade. Isso é inaceitável! É essa garantia que o Sr. Ministro da Saúde não tem dado aos portugueses

e à população e é essa garantia que lhe peço, porque, quando ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro falar na

refundação do Memorando e associar essa refundação a cortes no Serviço Nacional de Saúde, a cortes nas

prestações públicas, a cortes na escola pública, é também o seu Ministério que vai ser o principal atingido.

Recordo-lhe, Sr. Ministro da Saúde, que numa entrevista, há muitos poucos meses, dizia: «Não é possível

cortar mais na saúde». Ora, não é isso que este Governo está a fazer.

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Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pizarro.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, gostei muito de o ouvir defender, de

forma tão acentuada, o Serviço Nacional de Saúde. Até fiquei na dúvida se o Sr. Ministro não estava a

responder ao Sr. Primeiro-Ministro. Isto é, em matéria de refundação das funções sociais do Estado, parece-

me claro, do que diz o Sr. Ministro da Saúde, que não se deve mexer no Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Essa é uma posição que apoiamos e consideramos que o Sr. Ministro é

bem vindo a esse debate.

Claro que há aqui uma questão essencial, Sr. Ministro. A realidade é muito diferente do mapa de encanto

que aqui nos trouxe, porque, verdadeiramente, se o principal objetivo do Governo é esse que o Sr. Ministro

proclamou, ou seja, melhorar o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, então, como avalia as

dificuldades cada vez maiores de encontrar medicamentos nas farmácias? É uma situação que é denunciada

diariamente em todo o País.

Como avalia o Sr. Ministro a dificuldade cada vez maior de os portugueses terem acesso às prestações do

Serviço Nacional de Saúde, em face do aumento colossal das taxas moderadoras e do facto inédito de o

número de dependentes de uma família não contar para a isenção da taxa moderadora? O Partido Socialista

já se pronunciou contra esta medida nesta Câmara e esta visão do PS tem agora, também, o apoio do Sr.

Provedor de Justiça, que considerou que era um fator de absoluta iniquidade no acesso ao Serviço Nacional

de Saúde.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Como encara o Sr. Ministro o facto de, nos primeiros sete meses de 2012,

terem ocorrido menos 1,6 milhões de atendimentos no Serviço Nacional de Saúde, em comparação com o

mesmo período do ano anterior?

E que comentário lhe merece, Sr. Ministro, a queda de 25% na transplantação de órgãos, o aumento do

número de inscritos na lista para cirurgia e o aumento do tempo de espera para os portugueses? Isso é

melhorar o acesso dos portugueses à saúde, Sr. Ministro?

Finalmente, Sr. Ministro, o que aconteceu, afinal, à suspensão do programa cheque-dentista? É assim que

mantém o acesso dos cidadãos portugueses à saúde?

Protestos do PSD.

Sr. Ministro, a verdade é que tem de haver consistência entre as declarações formais de apoio ao Serviço

Nacional de Saúde e as medidas concretas.

Antes do verão, o Sr. Ministro disse, numa entrevista a um jornal, que não foi desmentida — julgo que

foram bem transcritas as suas palavras —, que já não era possível haver mais cortes no Serviço Nacional de

Saúde. No entanto, se admitirmos que o Orçamento nominal para 2013 é igual ao Orçamento nominal para

2012 — enfim, descontando os Orçamentos retificativos, que permitiram pagar uma parte significativa das

dívidas do Serviço Nacional de Saúde —, …

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Que vocês deixaram!

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — … Sr. Ministro, a verdade é que o Serviço Nacional de Saúde vai ter uma

dotação inferior a 300 milhões de euros, como foi reconhecido, aliás, pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde,

em função do aumento das despesas com recursos humanos no próximo ano. Como vai ser possível? O que

aconteceu entre julho, altura em que o Dr. Paulo Macedo dizia que não era possível manter os cuidados do

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Serviço Nacional de Saúde com uma maior redução orçamental, e o mês de outubro, em que o mesmo

Governo — bem sei que um Governo que está em absoluto estado de negação — propõe uma redução

significativa da dotação orçamental, que já tem consequências visíveis em 2012?

É inegável que o Serviço Nacional de Saúde está a recuar e, assim, a aumentar o sofrimento dos

portugueses numa época de crise tão difícil.

Gostava que o Sr. Ministro fosse capaz de esclarecer estes factos que aqui lhe apontei.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Miguel Santos.

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, diz-se que ali para os lados do

Ministério da Saúde havia um poço a jorrar cheques, notas e moedas de ouro, mas a verdade é que, quando

este Governo tomou posse, o poço estava seco e estava rodeado de um sem número de credores, de balde

na mão, à espera que alguém os atendesse.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — O buraco do Pizarro!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Refiro isto a propósito do cheque-dentista.

O cheque-dentista é uma medida meritória e que confiamos que possa ter prosseguimento na política de

saúde. Mas o que não pode acontecer é a emissão de cheques à tripa-forra,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Para as crianças é à tripa-forra?

O Sr. Miguel Santos (PSD): — … em que se verifica, inclusive, que o número de cheques emitidos e o

número real de cheques utilizados não bate certo…

Vozes do PSD: — Exatamente!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e em que o ano civil, correspondente ao ano orçamental, como é

evidente, também não bate certo com o ano escolar.

Portanto, a suspensão é muito bem feita. É preciso pôr ordem na casa e é preciso avançar, em janeiro,

com coerência e, sobretudo, com confiança para que as pessoas possam utilizar o cheque-dentista e não

fiquem à beira do poço com o balde vazio na mão.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Na saúde tem sido feito um trabalho notável, sem paralelo, um trabalho

sério e com resultados à vista. E este trabalho também é refletido no Orçamento para 2013.

Quero destacar o reforço dos cuidados de saúde primários, através da abertura de mais e novas USF

(unidades de saúde familiar), assim se promovendo o acesso de proximidade aos cuidados de saúde. Mas

quero destacar também a atribuição de um médico de família a cada um e a todos os portugueses, estimando-

se que mais 1 milhão de portugueses passem a ter, no prazo de um ano, o acesso a um médico de família,

objetivo que foi consecutivamente adiado por sucessivos governos e que conta com a participação e o

contributo meritório dos médicos portugueses.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Isto graças a um acordo histórico alcançado com os sindicatos, que, assim,

valorizam o seu papel social e valorizam também a vida dos portugueses. Sobre esse acordo, gostava de

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notar, aliás, que não existe uma declaração pública de qualquer dos partidos da oposição: nem a concordar

nem a discordar, nem a dizer «sim» nem a dizer «não».

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — É o costume!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — Importa perceber, Sr. Ministro, relativamente ao acordo, o impacto efetivo

no Orçamento do Estado e, sobretudo, a previsão da redução do trabalho suplementar.

Outro ponto em destaque diz respeito à regularização da enorme dívida acumulada, em mais de 3000

milhões de euros, e que neste período beneficiou de mais de 1500 milhões de euros que foram pagos aos

credores.

Pagar a dívida, regularizar a dívida significa garantir a viabilidade do Serviço Nacional de Saúde, garantir a

viabilidade de empresas, garantir a viabilidade de misericórdias, garantir a viabilidade de IPSS (Instituições

Particulares de Solidariedade Social), garantir a viabilidade e a manutenção de postos de trabalho…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e garantir a criação de novos postos de trabalho. Quanto a este ponto,

gostava de destacar, inclusive, a admissão de mais 2000 novos médicos para o Serviço Nacional de Saúde e

a admissão de mais 750 enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde,…

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Já lá estavam!

O Sr. Miguel Santos (PSD): — … em tempos de absoluta excecionalidade e que comprovam a aposta no

Serviço Nacional de Saúde.

Tudo isto, afinal, para salvaguardar a sustentabilidade do SNS como único meio para garantir o acesso dos

portugueses aos cuidados de saúde.

Quanto ao Orçamento do Estado para 2013, assistimos, na sua apresentação, a grandes títulos nos jornais

anunciando o corte de 17% no Orçamento e os cortes na saúde.

Gostava de relembrar a esta Câmara que, no que se refere à despesa prevista para 2012, se forem

retirados os 1500 milhões de euros excecionais que a troica libertou para o pagamento de dívidas, se forem

retirados os 200 milhões de euros excecionais que foram aprovados para corrigir o défice da saúde, se forem

retirados os 65 milhões de euros excecionais referentes às transferências da ADSE e se forem retirados os

432 milhões de euros excecionais referentes ao segundo Orçamento retificativo, temos uma diferença entre a

despesa total prevista de 2012 e o Orçamento para 2013 de 50 milhões de euros, o que julgo que é muito

pouco e afirma e comprova a aposta do Governo na salvaguarda e na garantia do Serviço Nacional de Saúde.

É esta certeza que o Orçamento do Estado para 2013 afirma e defende: um Serviço Nacional de Saúde

vivo e sustentável, que garante o direito dos portugueses à saúde.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, a forma como o Sr. Deputado João Semedo

se refere ao Orçamento para 2013, onde há um esforço da parte dos portugueses, com a afetação dos seus

impostos, que é o paga o Serviço Nacional de Saúde, uma vez que as taxas moderadoras ficam muito abaixo

dos 2%, dizendo que 2000 milhões de euros é uma coisa displicente, parece-me, no mínimo, muito estranha, e

por várias razões.

Primeiro, porque todos sabem o que significaria não liquidarmos as dívidas, não conseguirmos manter os

compromissos que foram assumidos. Significaria, claramente, um colapso do SNS, significaria a suspensão de

fornecimentos ao SNS — não teórica mas muito concreta, como foi feita pelas multinacionais e como ainda

hoje é discutida com os nossos hospitais —, o fim do caráter universal e geral do SNS e também um aspeto

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que muito poucas vezes se liga, que é a quebra da cadeia de valor, ou seja, empresas portuguesas que iriam

à falência se não recebessem aquilo que lhes era devido.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Independentemente deste fator, há uma questão no discurso do Bloco, que

poderemos aprofundar, com certeza, noutra altura, mas que é estranha. Dizem que há uma dívida boa e uma

dívida má: a dívida má é a da República, quando é titulada, a dívida boa é às farmacêuticas multinacionais,

quando são os hospitais que a devem.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, a minha perplexidade não fica aqui, porque a da República é iníqua, a das multinacionais,

com margens de 40%, de 60% ou de 70%, é boa e tem de ser cumprida.

O Governo negociou com as multinacionais sem o apoio de uma única força política que não da maioria,

relativamente à defesa dos pagamentos, que os tem feito, em acordo com os nossos credores.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas, Sr. Deputado, há uma questão: de facto, vemos que temos de negociar. Não chegamos e dizemos:

«nós achamos que devemos muito», «achamos que vocês andaram a vender o mesmo aparelho ou

dispositivo clínico com uma diferença de 100% ao hospital A e ao hospital B e parece-nos que isto tem algo de

iníquo». No entanto, nunca vimos ninguém pronunciar-se sobre isto.

Na pasta da saúde, tenho dificuldade em perceber o que é que é dívida iníqua e o que não é. Temos

discutido com os nossos credores sobre isto.

Vou ainda referir-me aos cuidados continuados, que o Sr. Deputado mencionou. Abrimos cerca de 500

camas de cuidados continuados e precisamos de muitas mais. O que não podemos é estar sistematicamente

numa lógica de adição, e isso todos os portugueses percebem claramente.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — É preciso reorganizar os hospitais!

O Sr. Ministro da Saúde: — Não pode haver uma postura de não mexer em nada, como dizia o Sr.

Deputado Manuel Pizarro. O nosso propósito, decididamente, não é o de não mexer em nada, temos muita

coisa para mexer no Serviço Nacional de Saúde. São os próprios profissionais que dizem que há um espaço

muito significativo de progressão no Serviço Nacional de Saúde e que é possível racionalizar, mantendo o

essencial.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Não é preciso refundar nada!

O Sr. Ministro da Saúde: — Quanto à questão de haver menos cirurgias, os Srs. Deputados sabem que o

que aconteceu foi precisamente o inverso: fizemos mais cirurgias e a lista de pessoas em espera para as

cirurgias aumenta porque, como sabem, isso é o indicador de que há mais pessoas a irem à consulta onde

lhes é prescrita uma intervenção cirúrgica.

Relativamente à frase dita por mim, que já foi citada por dois Srs. Deputados, ela está escrita, portanto, é

fácil de ser vista, mas reafirmo-a: não deverá haver cortes na saúde sem alterações estruturais do modelo em

que estamos.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Este modelo é o modelo do Estado social que este Governo e esta maioria

querem partilhar, mas não é um modelo estático, não é um modelo em que não se deve mexer em nada.

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O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Mas quem é que defende isso?!

O Sr. Ministro da Saúde: — Quanto a isso, posso dizer-lhe, Sr. Deputado Manuel Pizarro, estamos em

profundo desacordo, temos de mexer em várias coisas. Ainda hoje, por exemplo, foi criada, promulgada e

divulgada a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano, sendo que fomos ao encontro de uma estrutura que

foi deficitária desde o seu primeiro dia de vida. Ou seja, uma estrutura que nunca conseguiu equilibrar as suas

contas e que, através de uma reformulação, através de uma tal refundação, aqui também ao nível operacional,

esperamos que tenha melhores resultados e consiga servir melhor os utentes.

Relativamente à questão do Sr. Deputado Manuel Pizarro quanto aos cheques dentista, trata-se de um

programa que julgamos útil, que vai continuar no próximo ano, cuja verba está inscrita ao Orçamento. Agora,

de certeza que não é um programa, como todos os outros, que deva existir para derrapar. Como a Direção-

Geral da Saúde já disse, quando propôs ao Governo a suspensão dos cheques dentista, o que quis foi que os

cheques que estão na mão dos utentes se esgotassem, para evitar uma derrapagem orçamental, adiando

apenas alguns meses esse tratamento.

Sr. Deputado, também estou preocupado com os cheques dentista, mas, se calhar, também me tinha

preocupado com a ação da Polícia Judiciária teve de levar a cabo sobre esta matéria. Mais uma vez, não ouvi

uma palavra sobre o assunto.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Estamos totalmente de acordo com o cheque dentista e, por isso, o Governo inscreveu uma verba de igual

montante para o ano que vem, mas também gostávamos de ouvir uma palavra da oposição a reconhecer que,

se calhar, é preciso ter cuidado, se calhar é preciso controlar melhor, se calhar é preciso fiscalizar melhor.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Isso é evidente!

O Sr. Ministro da Saúde: — É evidente, Sr. Deputado, mas não é evidente com os meios que a Inspeção-

Geral das Atividades em Saúde tem.

Também lhe posso dizer que, para o Orçamento para 2013, não só serão contratados médicos e

enfermeiros como também reforçaremos a inspeção, dentro do quadro da Administração Pública, sem

recrutamento de novos funcionários, numa área em que todos estamos de acordo que é preciso agir.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente às questões da defesa do Serviço Nacional de Saúde por parte deste Governo, se, de facto,

assegurar a sustentabilidade através da regularização de dívidas não é defender o Serviço Nacional de Saúde,

tenho muitas dúvidas do que é que é fazê-lo se não apenas por palavras. Se não é defender o Serviço

Nacional de Saúde fazer uma estruturação de carreiras médicas, que é reconhecida por todos como exemplar,

também não sei o que é defender o Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Manuel Pizarro (PS): — E as taxas moderadoras?!

O Sr. Ministro da Saúde: — Lidamos bastante bem com a questão das taxas moderadoras. Temos mais

de 1 milhão de isentos, conforme dissemos, e a oposição tem uma dificuldade: considera que o acesso é às

consultas e esquece-se sempre que o acesso é também ao medicamento. Ora, nos medicamentos, os

portugueses pouparam muitíssimo mais do que o que gastaram adicionalmente em termos de taxas

moderadoras.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente às questões do Sr. Deputado Miguel Santos e ao impacto do acordo com os sindicatos

médicos no Orçamento para 2013, devo dizer que este acordo vai significar que vamos ter mais trabalho

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médico para os nossos cidadãos. Vamos contratar médicos, em vez de ser, muitas vezes, num regime de35

horas, num regime de 40 horas, com mais tempo para consultas adicionais, com mais médicos de família.

Vamos ter muito menos horas extraordinárias, vamos ter cerca de menos 1,5 milhões de horas

extraordinárias. Vamos ter um acréscimo de trabalho normal, mas, sobretudo, vamos ter equipas mais

estáveis que podem dar formação e, mais uma vez, asseguram o que é essencial, que é a continuação do

Serviço Nacional de Saúde. Mas também vamos ter uma melhor acessibilidade em termos de proximidade.

De facto, muitas vezes esquecemos que se continuaram a abrir centros de saúde, mesmo com o programa

de emergência: como sabem, só no Alentejo abrimos quatro centros de saúde — incluindo o de Vila Viçosa —

no espaço de 12 meses. Portanto, vale a pena relembrar esta realidade.

Relativamente a 2013, este acordo vai significar que, de facto, com a revisão das listas de utentes, vamos

ter, de uma forma decisiva, mais médicos de família e também uma melhor formação dos novos internos. Mas,

como disse o Sr. Deputado Miguel Santos, na saúde estamos a contratar de forma definitiva, mas apenas

aquilo que o SNS precisa, médicos e enfermeiros, os que são necessários, designadamente enfermeiros que

estão em regimes precários, abrindo concursos efetivos para a sua contratação.

Quanto às consequências deste acordo — aspeto referido pelo Sr. Deputado Miguel Santos—, vale a pena

salientar um aspeto significativo: também nesta matéria, como não podia deixar de ser, houve um

compromisso dos médicos, e vamos ter um trabalho normal mais bem pago em detrimento de um trabalho

extraordinário, que sofre uma redução, porque acreditamos que é o trabalho normal que deve ser privilegiado.

Vale a pena lembrar que foram os próprios sindicatos médicos que estiveram disponíveis para que os médicos

mais velhos, que fazem mais horas extraordinárias, que estão nas especialidades, que estão nos hospitais,

abdiquem de uma parte significativa da remuneração, porque essas horas extraordinárias sofrem uma quebra

muito significativa, para que os jovens médicos possam ter melhores remunerações.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta é da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, do CDS-PP.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, como diz o Sr. Ministro, o nosso

sistema de saúde é, de facto, um importantíssimo fator de coesão social, que seria à partida particularmente

visado no contexto socioeconómico que atualmente vivemos — um contexto de emergência social, de

consolidação orçamental obrigatória e de obrigatoriedade de cumprimento de metas muito rigorosas, nos

termos do Memorando de Entendimento.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — No entanto, Sr. Ministro e Sr.as

e Srs. Deputados, qualquer pessoa de

boa-fé reconhecerá que o Serviço Nacional de Saúde foi particularmente protegido. Repito, qualquer pessoa

de boa-fé reconhecerá que o sector da saúde foi particularmente protegido, e não só, pois foram feitas

reformas históricas neste ano e meio de Governo, garantindo e melhorando o acesso a cuidados de saúde.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Como já foi dito pelo Sr. Ministro, o acesso a cuidados de saúde não se

resume ao acesso às consultas, é também o acesso a meios complementares de diagnóstico e de terapêutica

e a medicamentos, cujo custo baixou drasticamente.

Mas também no acesso aos cuidados de saúde médicos foram feitas melhorias inacreditáveis e há muito

prometidas: uma maior proximidade, a contratação de mais médicos, de mais profissionais de saúde e —

soubemos também agora — de mais pessoas responsáveis pela inspeção, para que não haja fraude. Não

esqueçamos que cada euro, cada cêntimo de fraude significa um euro ou um cêntimo a menos para quem

precisa de cuidados de saúde.

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Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Ministro, foi feito também o acordo histórico com a indústria, que

nunca foi reconhecido pelas bancadas da oposição, no sentido de estabelecer um teto que assegure às

unidades de saúde os medicamentos de que os doentes precisam.

Foram feitas reformas absolutamente históricas num ano e meio. Quando ouvimos o Partido Socialista falar

perguntamo-nos se, de facto, não foram eles, nomeadamente o Sr. Deputado Manuel Pizarro, que governou

nos últimos seis anos e meio a área da saúde, que nos deixaram uma herança que, essa sim, seria a

suspensão não do cheque dentista mas do Serviço Nacional de Saúde para sempre.

O Sr. Deputado já aqui não se encontra, porque não convém ouvir todas as realidades…

Vozes do PS: — Está aqui!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Ah, já foi para os lugares mais conspirativos da bancada socialista!…

Sr. Ministro, foram feitas reformas absolutamente históricas ao nível dos cuidados de saúde primários: o

acordo, aqui já referido pelo Sr. Deputado Miguel Santos, com os sindicatos médicos; reformas ao nível da

eficiência, da organização dos serviços; uma reforma importantíssima para que, de uma vez por todas, haja

uma avaliação de desempenho desejada também pelos próprios sindicatos, pelos próprios médicos, mas

utilíssima para os utentes. Em suma, são reformas que vão conseguir dar continuidade e sustentabilidade ao

Serviço Nacional de Saúde e que o tornam mais equitativo e, sobretudo, mais sólido.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Ministro, pergunto-lhe se pode elaborar um pouco mais sobre este

esforço que está a ser feito.

Quando ouvimos a bancada do Bloco de Esquerda questionar como é que é retirada alguma cabimentação

orçamental para pagamento da dívida que este Governo herdou — uma dívida de 3000 milhões de euros, dos

quais 2000 milhões já foram pagos —, julgamos subentender aquele que é o leitmotiv do Bloco de Esquerda,

que é o de que algumas das dívidas são para não pagar.

Portanto, Sr. Ministro, pergunto como é que se vai conseguir assegurar o pagamento desta dívida colossal

que foi herdada, como o Sr. Ministro referiu, não prejudicando o acesso aos cuidados de saúde, não

prejudicando a percentagem de PIB afeta ao orçamento da saúde para 2013, e reiterar que as dívidas do

passado pesam, e muito, sobre o nosso presente.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — A próxima pergunta é da Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.

Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, não é por uma mentira ser dita

muitas vezes que ela se torna realidade. E não é verdade o que o Sr. Ministro tem vindo a dizer, vezes sem

conta, isto é, que está a fazer tudo para salvar o Serviço Nacional de Saúde, que este Orçamento do Estado

protege o Serviço Nacional de Saúde e que houve discriminação positiva para o Serviço Nacional de Saúde.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Ministro, feitas as contas, com os dados corrigidos, o orçamento da

saúde para 2013 remonta aos dos anos anteriores a 2006 — na altura de um outro Governo do PSD e do CDS

—, o que demonstra que há, efetivamente, um recuo em cerca de oito anos que penaliza os utentes e a saúde.

É desta forma que o Sr. Ministro quer salvar o Serviço Nacional de Saúde?

O Sr. João Oliveira (PCP): — Boa pergunta!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Certamente, não é esse o caminho que está a ser seguido.

O orçamento da saúde revela também um outro aspeto: a opção ideológica deste Governo, claramente

vincada (e que já foi bastante discutida neste debate do Orçamento do Estado), de ataque às funções sociais

do Estado e de subversão da Constituição da República Portuguesa.

Não é o orçamento da saúde que tem de adaptar-se às disponibilidades que este Governo quer impor,

porque o Governo que diz que o País não tem condições para assumir este Serviço Nacional de Saúde é o

mesmo Governo que disponibiliza 12 000 milhões de euros para a banca…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … e que enterrou cerca de 8000 milhões de euros no BPN!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Então, Sr. Ministro, em que ficamos: para o Serviço Nacional de Saúde não

há disponibilidade, mas para a sustentabilidade dos grandes grupos económicos e para a banca já há

disponibilidade?!

Vozes do PCP: — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por isso, este é um orçamento que caminha no sentido do

desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e do seu enfraquecimento.

O Sr. Ministro veio aqui fazer uma intervenção como se tudo estivesse a correr muito bem, como se não

houvesse nenhum problema, como se todos os utentes e todos os portugueses tivessem acessibilidade aos

cuidados de saúde, isto quando a contestação e as dificuldades aumentam.

Sr. Ministro, para 2013, o peso das despesas com a saúde no PIB acentuam a sua tendência decrescente:

o Governo corta cerca de 660 milhões de euros nas despesas com saúde, face a 2011, mas aumenta as

transferências para as parcerias público-privadas, que, em 2013, atingirão um montante de 377 milhões de

euros, ou seja, mais 18% em relação ao que foi transferido em 2012;…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas para o resto não há!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … prossegue o encerramento de serviços, quer a nível hospitalar quer a

nível dos cuidados de saúde primários, e mantém as injustas taxas moderadoras.

Em relação aos recursos humanos, Sr. Ministro, o que este orçamento aqui traz é a retirada de direitos,

com a mobilidade, com a redução do pagamento de horas extraordinárias e com a redução de 50% dos

trabalhadores contratados a termo.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Ministro, vamos ter mais dificuldades no acesso a cuidados de saúde e

tempos de espera superiores para consultas, tratamentos e cirurgias. É este Serviço Nacional de Saúde que o

Sr. Ministro está a querer dar aos portugueses!

Em relação aos medicamentos, importa referir, porque o Sr. Ministro não referiu este número — ele vem no

Relatório que acompanha este Orçamento do Estado —, que o Governo prevê uma redução de despesa com

medicamentos de 333 milhões de euros, e nós já percebemos como é que o Governo a vai conseguir: é

aplicando as recomendações do parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Ficou, pois, bem claro qual foi o motivo e por que razão o Governo solicitou este parecer a este Conselho:

para legitimar os cortes que o Governo se prepara para fazer ao nível dos medicamentos,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — O racionamento!

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … para racionar os medicamentos, restringir o acesso aos tratamentos por

parte dos portugueses,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … que, em vez de terem acesso aos tratamentos mais adequados e mais

eficientes, vão ter acesso a outros tratamentos com um único critério, o de reduzir despesa, e não com base

num critério clínico e de melhoria das condições de vida desses mesmos portugueses.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — O que o Governo quer é legitimar a prática que 14 hospitais na região Norte

já estão a aplicar aos seus utentes!

Sr. Ministro, os doentes oncológicos, os doentes com esclerose múltipla, os doentes com hepatite C, os

doentes com artrite reumatoide, na região Norte, já hoje sentem na pele a restrição aos tratamentos e aos

medicamentos, quando lhes estão a substituir medicação e quando lhes estão a aplicar tratamentos menos

eficientes, tudo com o objetivo de reduzir despesa.

A Sr.ª Presidente: — Queira fazer o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, para terminar, queria dizer que este Governo releva bem

que não é a saúde das pessoas que está nas suas preocupações; o que está nas suas preocupações é

reduzir o défice, a todo o custo — custe o que custar —, independentemente das consequências que isso

tenha na saúde das pessoas. Mas, para fazer esse caminho, não conta com o PCP!

O PCP vai continuar a intervir na Assembleia da República em defesa do Serviço Nacional de Saúde.

Também podem contar com a luta dos utentes e das populações, em defesa do seu direito à saúde, porque

não vão pactuar com estas medidas que o Governo quer impor.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto.

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, queria cumprimentá-lo,

agradecer a sua intervenção, o seu exemplo de trabalho resiliente e congratular-me com o que o senhor disse,

porque, de facto, é verdade que este Governo aposta na saúde e no Serviço Nacional de Saúde, e com isso o

CDS só pode regozijar-se.

Aplausos do CDS-PP.

Obviamente que, para além das questões orçamentais (já aqui amplamente debatidas) e das garantias que

a manutenção de uma despesa do Serviço Nacional de Saúde, em torno dos 8000 milhões de euros para a

sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, queria saudar o facto de, num tempo de tantas restrições

orçamentais, estarem a ser anunciadas reformas quando, tantas vezes, se diz que este Governo não está

preocupado com reformas.

As reformas que vemos, que o Sr. Ministro anuncia e vai implementando são, ao contrário do que já se

disse, reformas que se preocupam com as pessoas, nomeadamente com os mais vulneráveis, como se pode

atestar com o facto de haver mais de 5 milhões de pessoas isentas de taxas moderadoras e com o

congelamento das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários para o próximo ano.

São reformas que visam melhorar as condições dos recursos humanos na saúde, com medidas que

tardavam, ao contrário do que há anos estava a acontecer neste setor, e que asseguram melhores condições

de trabalho para os profissionais e a contratação de recursos humanos na saúde.

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São reformas, diria eu, que visam o aumento da eficiência, a diminuição do desperdício e — aliás, já aqui

se falou enviesadamente nesse aspeto — a garantia da equidade na saúde, não pondo em causa (e queremos

reforçar este aspeto, que, tantas vezes, temos remarcado) a prestação de tratamento adequado e não

confundindo que o tratamento adequado não tem de ser necessariamente o mais caro.

Portanto, saudamos estas reformas, uma vez que, efetivamente, garantem a equidade no acesso aos

cuidados de saúde e aos cuidados adequados.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Galriça Neto (CDS-PP): — Queria saudar, ainda, Sr. Ministro, o enfoque que fez na sua

apresentação e as medidas que elencou relativamente à doença crónica, uma preocupação tão cara ao CDS

que, reiteradas vezes, como é inegável e conhecido, se tem preocupado e apresentado medidas na área da

doença crónica, para as pessoas com demência e para as pessoas com doença oncológica, propostas essas

que, felizmente, se saldaram pelo consenso na aprovação da rede de cuidados paliativos.

Temos falado, sempre, na necessidade de reformas concertadas e, portanto, saudamos a possibilidade de

se entender que não se faz a reforma hospitalar desagregada da dos cuidados de saúde primários e da dos

cuidados às pessoas com doença crónica. Nessa medida, queria colocar questões: por um lado, o que é que o

Sr. Ministro pode concretizar em relação à reorganização dos cuidados hospitalares, que vai, em nosso

entender, muito para além da questão da reorganização das camas; e, por outro lado, na área da política do

medicamento, que a minha colega Teresa Caeiro tem amplamente defendido e debatido, pergunto-lhe que

espaço fica para a inovação, já que esta é uma preocupação para nós e para os portugueses. O que é que o

Sr. Ministro nos pode adiantar sobre esta matéria?

Agradeço as suas respostas, Sr. Ministro, e, mais uma vez, saúdo e reafirmo o facto de este Governo

demonstrar que aposta na saúde.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Saúde.

O Sr. Ministro da Saúde: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, agradeço as questões que

colocou.

Disse a Sr.ª Deputada que o orçamento da saúde é uma insignificância: 8000 milhões de euros!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não foi essa a palavra!

O Sr. Ministro da Saúde: — O que eu diria é que, de facto, o orçamento da saúde não é aquele que nós

gostaríamos, mas são 8000 milhões de euros que conseguem atender ao essencial para continuarmos a ter

uma prestação de cuidados ao nível do melhor que há no mundo, com profissionais dos mais qualificados e

dedicados e com uma tecnologia claramente em funcionamento e a renovar-se.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Por outro lado, permite-nos ter um Serviço Nacional de Saúde que está mais

próximo das pessoas — concretamente, como já vimos, no caso da abertura dos centros de saúde ou de

outros aspetos, que também podemos discutir.

Agora, os portugueses estarão todos mais conscientes de uma coisa: que, de facto, qualquer despesa

adicional com o Serviço Nacional de Saúde tem de ser muito criteriosa, porque os portugueses já sabem que

as verbas só vêm de um lado: do lado dos impostos. Ou seja, ou se traduzem em impostos ou em

endividamento.

Volto a repetir que, a prazo, a despesa de saúde vai ter de crescer, mas depois deste ajustamento inicial e

depois de termos conseguido equilibrar as nossas contas. Mas há algo — espero eu — que nunca mais será

como no passado: os portugueses não deixarão de pedir contas de como é gasto o seu dinheiro.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente à questão de saber como está o Serviço Nacional de Saúde face às dificuldades da

população, quero dizer que as dificuldades são muito concretas, as dificuldades existem, as pessoas estão

mais vulneráveis, as pessoas têm menos rendimentos, as pessoas estão desempregadas…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — E porque será? Porque será?!

O Sr. Ministro da Saúde: — O Governo está a reagir perante esse cenário e é por isso que, por exemplo,

todos os casos sociais, que não são propriamente do âmbito da saúde, têm, como os senhores sabem, pois

conhecem a realidade, uma resposta dentro do próprio Serviço Nacional de Saúde. É por isso que se mantém

todo um conjunto de isenções para os mais vulneráveis e, também, um melhor acesso para estes, uma vez

que, pela primeira vez, podem comprar medicamentos mais baratos.

Dizia um farmacêutico que há várias pessoas que vão comprar genéricos e que apenas gastam 23

cêntimos, ou 1,5 €, ou 2 €. Portanto, esta é uma realidade que também vale a pena termos em atenção.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Relativamente às PPP, de facto, Sr.ª Deputada, também gostava de ter maior

liberdade, gostava de poder gerir esta oferta que entretanto foi criada, que está instalada e que foi decidida

anteriormente. Mas, Sr.ª Deputada, não sei se quer ir dizer isso às pessoas de Vila Franca de Xira, que é onde

se localiza um novo hospital e onde está o maior crescimento das PPP? Não sei se quer ir dizer isso ao

Hospital de Loures, onde alguns Srs. Deputados andaram a distribuir panfletos?!

Protestos do PCP.

Aliás, alguns Srs. Deputados do PCP diziam que se devia transferir mais doentes do hospital de Lisboa

Central para o Hospital de Loures, uma parceira público-privada, pondo em risco o financiamento deste

hospital!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Protestos do PCP.

Sr.ª Deputada, se mobilidade é tirar direitos — a mobilidade que foi reafirmada e aceite com os sindicatos

médicos —, então, de facto, não nos vamos conseguir entender, porque a mobilidade foi acordada, está na lei

e foi aceite pelos próprios sindicatos, que o fizeram porque sabem, como a Sr.ª Deputada tem obrigação de

saber, que, por exemplo, no Hospital Lisboa Norte temos oftalmologistas e psiquiatras em excesso e temos

essas necessidades a menos de 60 km, noutros hospitais.

Portanto, esta mobilidade é para servir as pessoas e não para defender os médicos. Aliás, foram os

próprios médicos que acordaram com ela.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Relativamente à questão dos medicamentos, Sr.ª Deputada, o que tem ocorrido é uma redução, sem

paralelo, das margens de lucro das entidades mais poderosas. Era isso que estava previsto e o orçamento não

traz qualquer surpresa. Aliás, sobre matéria de medicamentos, o que o orçamento prevê é o que está no

Memorando de Entendimento, desde 2011.

Portanto, o que seria de estranhar era se não estivesse lá o que foi acordado. O que esperamos,

sinceramente, é que, tal como em 2012, essa redução seja feita em sintonia com a associação da indústria

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farmacêutica — na parte do ambulatório já está conseguida, mas na parte hospitalar ainda vamos ter de fazer

um grande forcing para, nestes dois últimos meses, obter melhores condições para os hospitais.

Relativamente às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Teresa Caeiro sobre a regularização de dívidas

— e peço desculpa por ter trocado a ordem das respostas —, de facto, a regularização de dívidas na saúde

teve várias originalidades. A primeira foi o Memorando de Entendimento, que, sobre dívidas da saúde, nada!

Ou seja, havia dificuldades, mas verbas da troica não veio uma única. Foi, de facto, o Ministério das Finanças,

o Conselho de Ministros que analisou as disponibilidades, que viu como é que, neste exercício de emergência,

conseguiria afetar essas verbas, e conseguiu afetar verbas deste montante — lembro — numa situação de

emergência nacional.

Por isso, diria que cumprir os pagamentos nada tem de espetacular, mas conseguir arranjar cerca de 2000

milhões não previstos, numa situação de emergência, já me parece significar que se andou bem.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Ministro da Saúde: — Relativamente a como tencionamos pagar o restante, mais uma vez, Sr.ª

Deputada, iremos negociar com os nossos credores e ver se, de facto, conseguimos obter melhores margens

do que temos vindo a conseguir, sabendo que a margem é estreitíssima, ou seja, sabendo que há

compromissos assumidos, valores que foram aceites no passado. Nestes casos, o que iremos fazer é ver se,

de facto, temos ou não alguma margem para chegar a um acordo, que não é nada fácil, com entidades que,

obviamente, têm os seus direitos, defendem-nos, e defendem-nos de forma acérrima. Ninguém pense que

negociar é algo do tipo negoceia-se e atingem-se objetivos, como se uma coisa levasse à outra.

Quanto às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Isabel Galriça Neto, sobre a medicação e a inovação,

continuaremos a defender a diferença entre inovação e novidade e, de facto, não teremos fundos para adquirir

todas as novidades. Teremos de ter os meios, com uma contenção de custos, na área do medicamento,

conforme diz o Conselho Nacional de Ética, para poder adquirir aqueles que sejam os mais baratos dos

melhores, aqueles que vão ao encontro das necessidades, porque temos hoje uma certeza: não é por ter

todos os medicamentos, sem qualquer controlo, que as pessoas são mais bem servidas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas também não é por ter menos!

O Sr. Ministro da Saúde: — Quanto à questão da reorganização hospitalar, como referi na minha

intervenção, as pessoas associam a reforma hospitalar a aberturas e encerramentos. E, se quiser, já que

estamos sempre a falar dos encerramentos, podemos também falar das aberturas. Podemos falar da abertura

do Hospital de Lamego, até ao fim do ano, podemos falar do Hospital de Amarante, podemos voltar a falar do

Hospital de Loures, que abriu este ano, e podemos até falar de bancadas parlamentares que nos propuseram

a abertura de 10 hospitais.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Se calhar, faziam falta!

O Sr. Ministro da Saúde: — Podemos falar de tudo isso, mas, em termos concretos, na reforma hospitalar,

para além das questões dos encerramentos e das aberturas, temos uma reforma, cujo acordo com os

médicos, ao salientar e enfatizar a estruturação das carreiras, altera completamente, como a Sr.ª Deputada

sabe, a reorganização do trabalho e altera completamente as perspetivas de formação e o futuro do próprio

Serviço Nacional de Saúde.

Também a Plataforma de Dados de Saúde (PDS), ao permitir a comunicação entre hospitais e centros de

saúde, sobre os utentes que lá se dirigem, vai ter um grande impacto na melhoria das condições e numa

melhor racionalização.

Quero, ainda, falar de uma questão que me foi endereçada, que foi a do «refundar», na saúde. Posso dizer

que, de facto, temos vindo a pensar e a trabalhar aquilo que nos espera num horizonte para depois de 2014. E

refundar, na saúde, é continuar, por exemplo, aquilo que se vai iniciar em 2013 relativamente à reorganização

do trabalho médico, onde teremos menos trabalho extraordinário e mais trabalho normal, onde vamos ter

equipas mais dedicadas e permanentes e menos equipas aleatórias.

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O Sr. João Semedo (BE): — Não é nisso que o Primeiro-Ministro está a pensar!…

O Sr. Ministro da Saúde: — Refundar é, por exemplo, em termos operacionais, assegurar a formação e

repor a hierarquia, é reformular não só os espaços físicos, mas também, por exemplo, o caso da urgência

metropolitana de Lisboa, que tem de se materializar. Tudo isto, em termos operacionais.

Mas refundar é também, em termos financeiros, por exemplo, libertar as unidades de saúde da carga de

dívida. Quando estas unidades não tiverem essa carga de dívida, haverá, com certeza, uma refundação do

seu modo de funcionamento.

Mas também há refundação, em termos de fundo, porque o Governo irá, claramente, lançar, analisar,

estudar e debater as vantagens de prosseguir o caminho de separação entre público e privado.

Isso é refundação, isso são alterações estruturais do Serviço Nacional de Saúde, o qual tem de ser

mantido, no âmbito do Estado social, mas, ao contrário do que alguns Srs. Deputados dizem, tem, de facto, de

ser mexido.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Eduardo Cabrita, do

PS.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e

Srs. Deputados: Estamos a terminar um debate do Orçamento do Estado, em que tudo aquilo que o Governo

fez foi tentar evitar o debate sobre o seu fracasso em 2012 e sobre as múltiplas versões do Orçamento do

Estado para 2013.

Este debate realiza-se no momento em que se gerou um largo consenso nacional em torno da

incompetência do Governo, do fracasso da execução orçamental de 2012, de como foi dramaticamente

perdido um ano de consolidação orçamental, de como foi delapidado o capital que representa o diálogo social

e de como o Governo desprezou o papel responsável do Partido Socialista, que sempre reafirmou o

compromisso com o Memorando de Entendimento, mas também a necessidade de uma estratégia que permita

aliar o rigor com a promoção da competitividade e do emprego.

Aplausos do PS.

O Governo demonstrou desconhecer o País, ser marcado por um radicalismo ideológico sem paralelo

desde o PREC e ser totalmente insensível aos apelos dos parceiros sociais, da sociedade civil e de todos os

que, ao longo deste ano, anteciparam a tempo a dimensão da recessão, a explosão do desemprego, a

implosão das receitas fiscais, a erupção das despesas com o subsídio de desemprego e demais prestações

sociais.

Inconformados com a evidência da realidade, o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, sempre

perante a ausência prudente, como hoje, do Ministro Paulo Portas, resistiram à evidência empírica, resistiram

à análise científica e tudo fizeram para degradar a dimensão do consenso alargado, em torno de uma

estratégia de consolidação, que constituía o maior capital político do caso português.

Sucessivamente avisados, insistiram na devoção doutrinária por um modelo de austeridade virtuosa e no

endeusamento dos mercados, apostando num modelo que, até hoje, só funcionou ou nos manuais de

economia ou em ditadura.

Aplausos do PS.

O Orçamento do Estado para 2013 constitui o reconhecimento de que 2012 foi um ano perdido, de que os

sacrifícios dos portugueses não valeram a pena e de que o desafio, agora, é o de recuperar o consenso

alargado, do qual não sabemos se este Governo quer ser parte, porque, agora, o que é evidente é que este

Governo constitui a parte essencial do problema.

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Aplausos do PS.

Quando se fala na refundação do Memorando de Entendimento, importa dizer que o maior responsável

pelo seu abastardamento e pela erosão do consenso nacional tem sido o Governo, em sucessivas revisões

unilaterais. Tem sido notável a paciência dos parceiros sociais, tanto das entidades patronais quanto da UGT,

relativamente à reiterada grosseria institucional do Governo. Tem sido patriótico o empenho do Partido

Socialista na concertação, perante as sucessivas revisões trimestrais, ignorando a Assembleia da República e

o maior partido da oposição.

Vamos a caminho do terceiro ano de recessão, quando o Memorando previa crescimento para 2013.

Temos um desemprego que bate, sucessivamente, recordes, quando o Memorando previa o seu declínio em

2013.

Protestos de Deputados do PSD.

O défice vai vogando entre um resultado virtual em que ninguém acredita e aquilo a que a antiga Ministra

das Finanças, Manuela Ferreira Leite, chama uma vocação para o suicídio coletivo e o antigo Ministro das

Finanças, Bagão Félix, chama um napalm fiscal, um gaseamento do País.

Aplausos do PS.

O Governo falhou todos os objetivos a que se comprometeu em 2012. Tentou fazer um discurso, dividindo

os portugueses entre o setor público e o privado, e assentou a estratégia orçamental na fábula da

consolidação, em dois terços, pelo lado da despesa, e no crescimento do IVA, em mais de 12%.

O que acontece é que, ao contrário do previsto no Orçamento feito por este Governo, todas as receitas

fiscais estão em queda, salvo o IRS, com destaque para os desvios colossais em matéria de IVA, de IRC e de

imposto sobre veículos.

A recessão é largamente superior à prevista no Memorando de Entendimento e o desemprego tem

pesados custos para o Orçamento da segurança social, colocada em risco pela imprevidência do Governo.

Não pode, sequer, a maioria invocar o alibi da conjuntura externa, quando, como sabemos, o único

indicador claramente positivo tem sido o crescimento das exportações.

A recessão, as insolvências em cadeia e o afundamento da procura interna são «filhos» desprevenidos de

um Governo que aterrou as expectativas das famílias e das empresas e diabolizou o investimento.

Perante esta desastrosa evolução, o Governo, politicamente agonizante desde o fatídico dia 7 de setembro,

tem oscilado entre a fuga em frente e a absoluta desorientação.

Tivemos, para este Orçamento, três falsas partidas.

Primeiro, a falsa partida da TSU, aplicada aos trabalhadores para alívio das empresas, com um rápido

recuo.

Tivemos, a seguir, a ameaça da degola dos proprietários pelo IMI, sem cláusula de salvaguarda, seguida

de segundo recuo.

Tivemos, depois, a fábula das medidas de estímulo à competitividade e à inovação, de alívio e incentivo

das empresas, não concretizadas no Orçamento do Estado.

Tivemos, desde sábado, a ideia revolucionária da refundação do regime, da refundação do Memorando de

Entendimento.

Os dois pilares do Orçamento do Estado para 2012 foram o corte dos subsídios, derrotado pelo Estado de

direito, através do acórdão do Tribunal Constitucional, e o aumento das receitas de IVA, que ruiu perante o

incumprimento das famílias e a chacina de setores económicos promotores de emprego, como o da

restauração.

Protestos da Deputada do PSD Conceição Bessa Ruão.

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Em 2013, afastada a hipocrisia dos falsos cortes na despesa, quase tudo assenta agora, verdadeiramente,

num espantoso aumento de impostos, com destaque para a expectativa de crescimento, em 31%, das receitas

de IRS.

Novamente, o Governo demonstra uma incorrigível desafeição pela realidade económica, uma desatenção

pela equidade e um absoluto desprezo pela justiça social.

Provavelmente, só o Ministro das Finanças, nem sequer a maioria do Governo, acredita que esta explosão

fiscal não irá provocar uma nova surpresa no aumento do desemprego, uma recessão muito para além da

irrealista previsão de 1%, em que ninguém acredita, e um aumento do trabalho ilegal, sem direitos nem

contribuições sociais, com a inevitável consequência de gerar um novo fracasso nos objetivos das receitas

fiscais.

São escandalosos os exemplos de ataque à progressividade nesta reforma do IRS. Aqueles que estão nos

níveis mais baixos de cada escalão são os mais violentamente atacados: uma família com 2250 € de

rendimento mensal e dois filhos tem um aumento de imposto de 64%; se tiver 5000 € de rendimento mensal, o

crescimento é apenas de 21%.

Que estímulo à poupança, quando a tributação da pequena poupança passa, com este Governo, de 21,5%

para 28%? Que estímulo à economia, com a teimosa manutenção da taxa de IVA de 23% na restauração?

Disse ontem o Sr. Primeiro-Ministro — já não o posso esclarecer neste momento — que não tinha

percebido a minha intervenção porque lhe tinha parecido uma «salada russa». Provavelmente, a única palavra

russa em que está fixado é a palavra troika. Não, nyet, Passos Coelho!

Aplausos do PS.

O que eu disse foi que com este Governo vamos a caminho de uma dívida «à italiana», porque a dívida era

de 98% do PIB, no final de 2010, e será superior a 120%, no início de 2013! E Portugal é com este Governo,

em 2012, o País com o maior crescimento da dívida pública na União Europeia.

O que eu disse foi que com este Governo o desemprego se aproximava de um desemprego «à

espanhola», porque o desemprego era de 11% em 2010 e, ainda hoje, a União Europeia veio dizer que este

ano os países em que o desemprego mais cresceu foram a Grécia, Chipre e Portugal.

Aplausos do PS.

O que eu disse, finalmente, foi que com este Governo vamos a caminho de uma rutura social «à grega»,

porque aquilo que estava no Memorando, aquilo que o Ministro Álvaro Santos Pereira disse no debate que

decorreu há um ano foi que, em 2012, já haveria o início da retoma. O que, num sonho de uma noite de verão,

disse, no Algarve, Pedro Passos Coelho foi que, em 2013, haveria recuperação. O que vamos ter com este

Orçamento é o terceiro ano consecutivo de recessão — a Grécia vai no sexto.

É este o caminho do Governo e a este caminho nós dizemos não! É por isso que com o Partido Socialista,

com os parceiros sociais, com empresários inovadores, com trabalhadores qualificados e motivados temos de

reconstruir o consenso social que o Governo, em agonia, destruiu desde 7 de setembro.

A Sr.ª Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Teremos de confrontar os Deputados da maioria com a sua consciência.

Aqueles que sabem que este Orçamento é inviável, aqueles que sabem que é o caminho para o desastre, que

nele não acreditam, têm a partir de hoje, na especialidade, a possibilidade de estar de acordo com a sua

consciência, com os seus compromissos, com os seus eleitores e criar um verdadeiro consenso nacional para

o crescimento, para o emprego, para uma consolidação com solidariedade social!

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Honório Novo.

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O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo ainda dispõe de 7

minutos e meio e, uma vez que nos aproximamos do final desde debate, talvez fosse importante o Sr. Ministro

de Estado e das Finanças aproveitar esse tempo para responder a algumas perguntas que ficaram por

responder durante este debate.

Pausa.

Sr.ª Presidente, o Sr. Ministro está ao telefone, portanto pedia que suspendesse a contagem do tempo.

A Sr.ª Presidente: — De qualquer modo, o Sr. Deputado está a fazer uma intervenção, não um pedido de

esclarecimento.

Portanto, faça favor de continuar.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Continuo então, Sr.ª Presidente.

A primeira questão que ficou por esclarecer tem a ver com questões macroeconómicas.

A inflação sustentada pelo Governo é de 0,9%. Como é que o Governo e o Ministro de Estado e das

Finanças sustentam este valor? Estão a pensar — perguntei ontem e fiquei sem resposta — congelar os

preços dos transportes públicos, as rendas de casa, os preços dos combustíveis, da energia elétrica e do gás?

É possível sustentar esta inflação ou o objetivo é apenas o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social

anunciar um aumento das pensões mínimas de 1% a 1,2% e dizer que está em linha com a inflação? É que,

se está em linha com esta inflação, é uma coisa pouco séria, é, de facto, uma inflação virtual.

A segunda questão é relativa à taxa de desemprego de 16,4%.

Sr. Ministro, recordo-lhe que o senhor, há um ano, previa uma taxa de desemprego de 13,4%, para este

ano, mas chegamos ao fim de 2012 com uma taxa perto de 16%. Como é que o senhor sustenta com verdade

e rigor este índice/indicador macroeconómico?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Boa pergunta!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Terceira questão que ficou por responder: Sr. Ministro, nesta bancada não

queremos explicações detalhadas depois do debate, não queremos que nos remeta para um relatório que

nada diz de elucidativo sobre esta matéria. Portanto, queremos que nos explique aqui por que é que o senhor

com menos rendimentos, com menos atividade económica, com menos consumo em 2013, prevê uma subida

global, mesmo com o assalto fiscal, das receitas fiscais superior a 10%. É que se não explicar ficamos

convencidos de que é apenas um ato de fé da sua parte.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. Honório Novo (PCP): — Por último, o Sr. Ministro disse ontem que eu tinha uma obsessão pelos

detalhes. É verdade, Sr. Ministro. E é tão verdade esse facto quanto é verdade que o senhor tem a obsessão

de conduzir o País ao desastre através deste Orçamento da troica.

Por isso, e porque gosto dos detalhes, volto a insistir: o senhor disse ontem, finalmente, depois de eu andar

à procura da resposta desde quarta-feira da semana passada, que havia um plano B, de 830 milhões de

euros, para fazer face a derrapagens orçamentais em 2013 e que esses 830 milhões vinham inteiramente da

despesa. Muito bem! O que quero é que o senhor nos informe em que está a pensar, e vou dar-lhe três

exemplos, pedindo-lhe que, pelo menos, nos confirme se está ou não a pensar neles.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Honório Novo (PCP): — Primeiro exemplo: está a pensar fazer cortes no subsídio de desemprego

para além do que está projetado no Orçamento do Estado? Sim ou não?

Segundo exemplo: está a pensar privatizar ou concessionar hospitais, ou serviços hospitalares, ou encerrar

cursos e escolas? Sim ou não?

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Terceiro exemplo: está a pensar despedir mais funcionários públicos, para além dos 50% de contratados a

termo que já quer dispensar diretamente através do Orçamento do Estado? Sim ou não, Sr. Ministro?

Responda, pelo menos, a estes três exemplos que lhe dei.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, como é evidente, a intervenção do Sr. Deputado Honório Novo é

uma intervenção em sentido verdadeiro e próprio, não é feita na dialética do «sistema» de intervenções e

pedidos de esclarecimento, por isso vou prosseguir com a ordem de trabalhos.

Neste momento, a Mesa não regista mais pedidos de intervenção. Sendo assim, vamos passar à fase de

encerramento do debate.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, é para registar que estamos em desacordo com essa

opção da Mesa. A fase de encerramento tem mais de hora e meia e penso que não é avisado começá-la neste

momento.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, para o mesmo efeito.

A Sr.ª Presidente: — Faça favor.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, uma vez que esta sessão estava marcada para as 10 e para

as 15 horas, creio que haverá uma expetativa dos cidadãos que seguem os debates que, às 15 horas, tenha

lugar o encerramento e a votação, na generalidade, da proposta de Orçamento do Estado para 2013.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, tal como aconteceu no ano passado, quando se debateu, na

generalidade, o Orçamento do Estado, reservámos no calendário do Parlamento dois dias para o debate, para

termos a certeza de que haveria tempo para o fazermos. Nessa altura, fizemos o debate em tempo

consecutivo e, hoje, fá-lo-emos do mesmo modo, a não ser que haja um requerimento em sentido contrário.

Formalmente, nada impede — pelo contrário— que prossigamos os nossos trabalhos. Se os Srs.

Deputados que acabam de intervir quiserem requerer que passemos o encerramento para a tarde, farão o

favor de o formalizar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, o encerramento estava previsto para a tarde!

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Não é verdade!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, eu próprio, na última Conferência de Líderes, levantei

este problema e perguntei se não havia dúvida de que teríamos duas sessões em cada dia, de manhã e à

tarde, às 10 e às 15 horas. Não houve nenhuma intervenção na Conferência de Líderes que contestasse esta

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minha afirmação, nem do Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, que nesse dia estava na

Conferência de Líderes.

Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Portanto, presumimos que era assim que ia funcionar o debate.

Mais, Sr.ª Presidente: não há razão para que não seja assim. Se fossem 11 horas e 30 minutos, enfim, a

questão ainda se poderia colocar, mas são praticamente 13 horas e falta um período de mais de uma hora e

meia de debate.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, não compreendo a opção da Mesa e gostava que nos explicassem qual a razão para as

bancadas da maioria — e, pelos vistos, do Governo — não quererem fazer o debate à tarde. Nós estamos cá

para fazer esse debate da parte da tarde, Sr.ª Presidente.

Aplausos do Deputado do PCP Honório Novo.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, a perceção da Câmara — e a perceção dos cidadãos, em

geral — é a de que as sessões estavam marcadas para as 10 e para as 15 horas, como consta publicamente

em todo o lado.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que a Sr.ª Presidente está a fazer, aparentemente com a anuência de

várias bancadas, é eliminar a sessão das 15 horas.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, ontem, muitas bancadas anteciparam o uso de tempos de

intervenção que estavam destinados para hoje. Na perspetiva de ganharmos tempo, a Mesa consultou as

diferentes bancadas para antecipar uma interpretação sobre se deveríamos terminar o debate de manhã,

prolongando-o, eventualmente, um pouco pela hora do almoço, ou continuá-lo à tarde. A Mesa teve a receção

de uma interpretação no sentido de que era melhor não interromper o debate, mesmo prolongando-o pela hora

do almoço. Foi esta a interpretação que chegou à Mesa.

No entanto, posso pôr à votação da Câmara se deseja encerrar agora o debate ou interrompê-lo e reiniciá-

lo à tarde, porque, na verdade, não estamos vinculados a nenhum esquema formal que tenha antecipado a

ideia de que o debate terá de se prolongar pela tarde. Há uma indicação de horários, mas é apenas uma

disponibilização prévia do tempo para que o debate tenha lugar.

Srs. Deputados, eu própria vou pôr à consideração do Plenário o prosseguimento ou não dos trabalhos.

Pausa.

Srs. Deputados, os trabalhos vão prosseguir, porque a proposta de prosseguimento dos trabalhos foi

aprovada, com votos a favor dos Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP, votos contra dos Srs. Deputados do

PCP, do Bloco de Esquerda, de Os Verdes e de 15 Deputados do PS e a abstenção dos Srs. Deputados do

PS.

O Sr. José Lello (PS): — Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

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A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): — Sr.ª Presidente, agradecia que me incluíssem nos Deputados que votaram a

favor.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

Vamos, por isso, passar à fase de encerramento.

Para informação do grande público, vou indicar a ordem de intervenção dos diferentes partidos, que será

do partido mais pequeno até ao partido maior. Sendo assim, começaremos pelo Partido Ecologista «Os

Verdes», seguindo-se-lhe o Bloco de Esquerda, o PCP, o CDS-PP, o PS e o PSD, cabendo a intervenção final

ao Governo.

Encontram-se inscritos, para intervir, os Srs. Deputados José Luís Ferreira, de Os Verdes, Luís Fazenda,

do BE, Bernardino Soares, do PCP, Telmo Correia, do CDS-PP, Ferro Rodrigues, do PS, e Carlos Abreu

Amorim, do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

Srs. Deputados: Há cerca de um ano, durante o debate do Orçamento de Estado para 2012, Os Verdes

diziam: estamos perante um Orçamento recessivo, que aprofunda a degradação do nosso sector produtivo,

que elimina todas as possibilidades de crescimento, que multiplica o desemprego, que compromete

seriamente o nosso futuro coletivo e que agrava as injustiças sociais.

Na verdade, todos os caminhos traçados nesse Orçamento — dizíamos nós na altura — vão dar ao mesmo

destino: empobrecimento do País e empobrecimento dos portugueses.

E se assim dissemos, assim está acontecer: o desemprego real já ultrapassou os 20% e continua a bater

recordes históricos todos os dias; o número de falências, sobretudo de micro e pequenas empresas, não para

de crescer; a dívida aumenta; a recessão instalou-se; a consolidação orçamental continua a ser uma miragem;

o País e os portugueses estão mais pobres.

O Orçamento de 2012, que mereceu, recorde-se, a abstenção violenta do PS, está a ser desastroso para o

País e para os portugueses, e os seus resultados refletem o rotundo falhanço das políticas deste Governo do

PSD e do CDS-PP.

Trata-se de um Orçamento que foi um monumental erro. Mas os erros podem ter um sentido útil se e

quando os seus autores estiverem dispostos a aprender com eles. Sucede que o Governo não está disponível

para aprender com os seus próprios erros. E aqui teremos de dizer ao Governo e aos partidos da maioria que

se preparam para aprovar este Orçamento: meus senhores, à primeira, qualquer um cai, à segunda, só cai

quem quer!

O Governo já teve tempo para perceber que a receita que orientou as opções do Orçamento do Estado

para 2012 não resolve, como não resolveu, nenhum dos nossos problemas; pelo contrário, contribui para os

agravar.

Mas o Governo, para grande desgraça das famílias portuguesas, acaba por aplicar a mesma receita ao

Orçamento para 2013: as mesmas políticas, as mesmas linhas orientadoras, agora, com sacrifícios ainda mais

dolorosos, que vão remeter as famílias para a mais completa miséria.

De facto, este Orçamento transporta consigo uma onda de sacrifícios sem paralelo na nossa história.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Os portugueses levam com uma brutal carga fiscal, assistem à

redução dos seus salários, das reformas e das pensões, aumentam as dificuldades de acesso aos já

reduzidos apoios sociais, à saúde e ao ensino. A política social deixou de ser o parente pobre deste Governo

para passar a ser, quando muito, um vizinho muito distante.

O Ministério do Ambiente caminha, a passos largos, para a verdadeira extinção.

Com tudo isto, o Governo conseguiu unir os portugueses no combate a este Orçamento. E não deixa de

ser estranho que o Governo venha, agora, falar da necessidade de refundar o Memorando assinado com a

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troica. Se o propósito da refundação significa a desresponsabilização do Estado das suas funções sociais,

então ela não é necessária, porque o Governo não tem feito mais nada do que refundar!

Há, contudo, um elemento interessante nesta conversa: é que, se o Governo fala em refundação, é porque

o próprio Governo não acredita neste Orçamento.

Este Orçamento não vai resolver os nossos problemas e o Governo dá sinais visíveis de também ele estar

certo desse falhanço. É por isso que o Governo já está a considerar o patamar seguinte: a refundação do

Memorando.

Mas se este Orçamento não resolve os nossos problemas, significa que a carga de sacrifícios que

representa para os portugueses está a ser completamente em vão.

Como muito bem refere o Conselho Económico e Social, no seu projeto de parecer sobre este Orçamento

do Estado: «O enorme aumento de impostos vai conduzir a uma recessão profunda e provocar um novo

desvio orçamental». Mas diz mais: «Qualquer programa de ajustamento provoca dor, mas neste caso pode

haver dor, sem ajustamento».

Agora, dizemos nós: é o mais certo, vamos ter dor sem ajustamento, porque um ajustamento não se

consegue com sacrifícios, uma dívida paga-se com a criação de riqueza. E, portanto, a palavra mágica tem de

deixar de ser «austeridade» e passar a ser «produção» — a nossa produção, a produção nacional, porque se

não produzimos não criamos riqueza e, se não criarmos riqueza, nunca teremos condições para pagar a

dívida.

Portanto, o que é necessário é pôr o País a produzir. E, para pôr o País a produzir, é preciso investimento

público de qualidade. Mas não há dinheiro para investimento público, dirá o Governo. E, agora, dizemos nós:

não há dinheiro para investir, porque o que existe é para pagar os juros da dívida. Então, renegoceie-se a

dívida, no sentido de nos permitir uma folga, no sentido de nos permitir respirar, para podermos investir na

nossa economia e, dessa forma, pôr o País a produzir, criar postos de trabalho, combater o desemprego, criar

riqueza para podermos, sim, pagar a dívida.

Ao contrário do que dizem alguns, renegociar a dívida não é fugir ao seu pagamento; renegociar a divida é

garantir o seu pagamento!

Também é preciso promover a justiça fiscal, e nem isso este Orçamento consegue.

Este Orçamento, que coloca os doentes e os desempregados a pagar a taxa extraordinária que deveria ser

paga pelos bancos, que procede a um verdadeiro confisco a quem trabalha, deixando milhares de famílias

sem condições para pagar os seus compromissos com os bancos que derivam da habitação, que remete

outras famílias para o limiar da pobreza e outras ainda para a mais completa miséria, é, afinal, o mesmo

Orçamento que deixa praticamente intocáveis as mais-valias que são recebidas através de sociedades

gestoras de participações sociais ou de fundos,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — … ou, então, que são recebidas pela via da transferência para

empresas que se vão criando no estrangeiro, continuando isentos do pagamento de impostos ou continuando

a pagar muito pouco. É, afinal, o mesmo Orçamento que privatiza as empresas que são de todos, e que dão

lucros e que, até aqui, contribuíram para as receitas do Estado.

Como diz o Sr. Ministro das Finanças, «nós temos o melhor povo do mundo». Pois temos, Sr. Ministro! Mas

o melhor povo do mundo merecia melhor fado, melhor sorte, melhor Governo, melhores políticas e melhor

Orçamento.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do Bloco de Esquerda, pelo que tem a palavra ao Sr.

Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: No dia 14 de novembro, há um facto histórico na Europa. Em Portugal, Espanha,

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Grécia e, também, em outros países realiza-se uma greve geral contra as políticas de austeridade da União

Europeia, contra o tempo atual da Europa e contra o regime de Merkel em vigor.

Isto é um facto inédito, nunca tinha acontecido na história europeia haver uma presença e um

entrelaçamento de uma greve geral em Portugal, de uma greve geral em Espanha, de uma greve geral na

Grécia. Porquê? Porque esses países se sentem regatados? Não! Porque esses países se sentem reféns.

Sentem-se reféns destas políticas que vêm demolindo o Estado social, as conquistas históricas dos

trabalhadores, as condições para o desenvolvimento, para o crescimento e para o emprego, para que os seus

países sejam países solidários e sejam países de justiça social.

É esse retrocesso de políticas, é esse retrocesso de civilização, é esse retrocesso de níveis sociais que

arrasta estes países, cada vez mais, para o conflito, para a luta, e para uma luta, essa sim, para poder

resgatar horizontes, projeto político, projeto nacional e, até, projeto europeu.

Sim, o Conselho Europeu vai ter de olhar e ver que há greves gerais conjuntas na Europa, que há novos

atores na Europa, que há quem não se limita a aceitar passivamente o tratado orçamental, que há quem não

se limita a assistir passivamente à demolição do Estado social, à demolição de qualquer hipótese de igualdade

de oportunidades, de progresso social na Europa.

Sim, há quem, na Europa, seja novo ator e queira impedir que haja uma competitividade feita pela

«asiatização» dos níveis de vida na Europa e dos direitos sociais. Não, nós não queremos os direitos sociais

da China, de Singapura, da Coreia do Sul ou outros quaisquer, queremos os direitos sociais que foram

conquistados na Europa, do pós-guerra e do pós-ditaduras de vários países do Sul da Europa.

É essa a aspiração que se confronta, cada vez mais, com esta Europa antidemocrática, com esta Europa

do diretório, com esta Europa de políticas de recessão e de políticas de contração de direitos.

Aplausos do BE.

Sr. Primeiro-Ministro, nós não escapamos, não somos a exceção. Pelo contrário, somos a austeridade

agravada, e uma austeridade sem fim, uma austeridade sem qualquer horizonte.

Ontem, chamámos a atenção mais uma vez: é necessário, na Europa, defender, por todos os meios, que a

capacidade de empréstimo aos Estados seja aquela que, neste momento, pratica o Banco Central Europeu em

relação à banca privada. E isso é não só uma condição de mínimo de igualdade, uma preparação de algum

tipo de mutualização da dívida pública, absolutamente essencial para não deixar implodir o euro como moeda

corrente, como é também uma exigência absolutamente necessária para impedir o abuso, para impedir a

usura, para impedir a agiotagem.

Denunciámos ontem aqui, mais uma vez, que Portugal, os portugueses estão a pagar juros para a

recapitalização da banca privada e, ao mesmo tempo, a banca privada está a financiar-se no Banco Central

Europeu para comprar dívida pública portuguesa — e tem vindo a comprá-la, crescentemente.

Os portugueses, os contribuintes estão a pagar por «dois carrinhos», como sói dizer-se, não só prestando

recapitalização direta, como vindo a pagar os juros altíssimos que a banca privada está a cobrar, nos leilões

de dívida pública portuguesa.

Isto é verdadeiramente inaceitável, isto é o despesismo do Governo atual! Isto é, realmente, a

promiscuidade entre o plano de salvação dos bancos e a propaganda pública de que «estamos a tentar salvar

o País». Não! O que há aqui é um plano de recapitalização, direta e indireta, da banca, do setor financeiro, e é

isso que temos contra o Estado.

Não, Sr. Primeiro-Ministro, não é um preconceito contra a banca, não é qualquer coisa que tenha a ver com

qualquer motivação ideológica primária. Não! Realmente, tem a ver com os vencedores da situação: se há

vencidos, é o povo português; os vencedores estão, realmente, no setor financeiro.

Aplausos do BE.

Essa realidade escapou completamente ao PowerPoint do Sr. Deputado Miguel Frasquilho e escapa

completamente à verdade oficial das bancadas da maioria, mas essa é a realidade que se vai impor. O povo

que protesta nas ruas tem de saber da agiotagem da banca nacional, tem de saber da sua responsabilidade

no caos económico em que nos encontramos.

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Sr. Primeiro-Ministro, as PPP, que são dois ou três BPN, as privatizações ruinosas para o Estado, tudo isso

mostra a responsabilidade política na criação da atual situação de dívida e de deslizamento do défice. Face a

isso, como é que no meio de um Orçamento de recessão, de desemprego, de despedimentos, de confisco de

salários e pensões, de cortes drásticos em serviços públicos e de aumento enorme de toda a categoria de

impostos aparece uma discussão um pouco gongórica de alteração, de refundação do Memorando com a

troica? Não se percebe bem, porque uns entendem, e mal, que o Memorando original, aquele que não teve

ainda atualizações, esse sim, permitiria algum crescimento, coisa que é difícil de explicar porque o Memorando

é em si recessivo e condenatório da circunstância em que nos encontramos.

Não é bem essa, porém, a proposta do Governo. A proposta do Governo, quando já temos o Memorando

cinco vezes revisto e cinco vezes piorado, é na verdade uma outra, é que aquilo que no Memorando aparece

como, eventualmente, um corte temporário seja transformado numa filosofia de cortes permanentes, ou seja, é

para cortar de vez. É para cortar de vez nos serviços públicos, é para cortar de vez nos níveis salariais da

função pública, é para cortar de vez nos níveis das pensões e das prestações sociais. E querem fazer-nos crer

que isso é uma inevitabilidade e que decorre do Memorando ou de qualquer imposição da troica. Não, isso

decorre exatamente do caminhar desta política de austeridade e da responsabilidade própria deste Governo

do PSD e do CDS.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não queremos um Estado social pigmeu, não queremos diminuir as

conquistas da sociedade portuguesa, as conquistas daqueles que trilharam o 25 de Abril e fizeram uma

democracia política moderna em Portugal. Recusamos o bafio, recusamos o regresso ao passado, recusamos

esta ideologia conservadora que nos querem impor para retroceder e para diminuir a igualdade entre os

portugueses e a capacidade de lutar pela justiça social.

Aplausos do BE.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a animosidade constante do Governo em relação ao Tribunal

Constitucional não esconde apenas uma incomodidade por este tribunal poder inviabilizar algumas medidas do

Governo; é bem mais sério e bem mais grave, esconde um conflito com o regime democrático,…

A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … esconde um conflito com as competências do Tribunal Constitucional, ou

seja, a defesa da ordem constitucional atualmente existente. É o Governo que não se conforma com a

Constituição, é o Governo que está em conflito permanente com a Constituição. Portanto, hoje, quando

querem desmantelar o Estado social estão a abrir um conflito de regime, e esse conflito de regime

seguramente terá uma resposta popular, terá uma resposta nacional.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a censura a este Governo, nesta Câmara, pode ser minoritária, mas

podem ter em atenção que ela já hoje é maioritária das ruas; nas ruas ela é francamente maioritária.

Assistimos aqui, para enorme perplexidade dos nossos concidadãos e concidadãs, a um Governo

resignado, a um Governo de más notícias, a um Governo de afundamento nacional, em que — pasme-se! —

um partido está no Governo por devoção e outro por obrigação. Pois acho que devemos dizer a uns e a outros

que não precisamos disso, que dispensamos perfeitamente quer a devoção de uns quer a obrigação de

outros.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção a ser proferida é do PCP, para o que dou a palavra ao Sr.

Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No estertor do seu descrédito, o

Governo procura aprovar o Orçamento do Estado para 2013. Um Orçamento que tudo agrava, que é um

multiplicador do desemprego, um destruidor da economia, uma tenaz sobre os direitos e, como já dissemos

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aqui esta semana, uma verdadeira máquina de fazer pobres. Um Orçamento em que se comprova que, com

este caminho, a austeridade não tem fim.

Ontem mesmo, e depois de muitas insistências da nossa parte, o Primeiro-Ministro confirmou que já estão

previstas novas medidas adicionais, no valor de mais de 830 milhões de euros, que o Governo ainda não

explicita quais sejam.

É, de facto, um Orçamento que só merece os elogios dos Van Zeller, Ulrich e companhia,…

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — … sempre à espera de abocanhar mais uma fatia da riqueza coletiva,

dos fundos do Estado e da vida dos portugueses.

Não pode ser senão pura hipocrisia a parte final do discurso de ontem do Sr. Primeiro-Ministro. Só pode ser

hipocrisia política falar de «ansiedades das famílias que, com orçamentos apertados, educam os seus filhos»

quando se carrega nos impostos, se reduzem as deduções com a educação e se corta drasticamente a ação

social escolar.

Só pode ser hipocrisia política falar de «frustrações dos desempregados» quando se pratica uma política

para o aumento do desemprego e se corta mais e mais no subsídio de desemprego e no subsídio social de

desemprego.

Só pode ser hipocrisia política falar de «novas formas de pobreza» quando se cortam 1040 milhões de

euros em pensões e prestações sociais na proposta de Orçamento, diminuindo reformas, complemento das

reformas mais baixas dos idosos ou rendimento social de inserção.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só pode ser hipocrisia política falar de «pequenos empresários que

lutam todos os dias para pôr em movimento as suas empresas» — dizia, ontem, o Sr. Primeiro-Ministro —

quando se destrói a procura interna de que estes pequenos empresários dependem e se mantém, por

exemplo, o IVA da restauração em 23%.

Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um bocadinho de pudor não lhe ficava mal, Sr. Primeiro-Ministro!

Da mesma forma virá, provavelmente, a seguir o Sr. Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, e

líder do CDS, fazer a intervenção de encerramento pelo Governo. Entre recados mais ou menos velados para

sossegar o CDS, e sobretudo, talvez, recados para o Ministro das Finanças, fará o já conhecido exercício de

malabarismo político, dizendo que está mas pode não estar; que subscreve uma proposta de Orçamento mas

que, se calhar, não está de acordo com ela. Porém, já não dá para disfarçar que o CDS é coautor desta

desgraçada política, e dessa responsabilidade não se livrará.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O partido dos contribuintes, que nunca o foi, é hoje, mais do que

nunca, o partido do roubo aos contribuintes, trabalhadores e reformados;…

Aplausos do PCP.

… o partido da lavoura, que nunca o foi, é hoje o partido do IVA para as atividades agrícolas, da falta de

apoios e da abdicação em Bruxelas; o partido das pequenas e médias empresas, que nunca o foi, é hoje o

partido do IVA na restauração a 23%, o partido da destruição da procura interna.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Acabou-se a propaganda e o ilusionismo político: o CDS é

responsável pela situação em que está o País e pelas consequências desastrosas deste Orçamento.

Aplausos do PCP.

Neste debate, ficou bem claro que ao PSD, para defender o Orçamento, resta um, e só um, último

argumento: as responsabilidades passadas do PS na situação a que o País chegou. Não há mais nada,

nenhum argumento, nenhuma fundamentação para defender este Orçamento por parte do PSD.

São, aliás, muito curiosas as intervenções do PSD, que sistematicamente fazem referência àquilo a que

chamam a governação socialista desde 1995, sempre esquecendo Barroso, Santana e Portas. Acontece que o

PSD e o CDS foram, durante estes anos, os melhores amigos da governação do PS.

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E não foi só pela viabilização do Orçamento para 2010, por estes dois

partidos, e do Orçamento para 2011 e dos PEC 1, 2 e 3 pelo PSD! Foi também assim de 1995 a 2001. Senão,

vejamos: Orçamento para 1996 — viabilizado pela abstenção do CDS e do PSD/Madeira; Orçamentos para

1997, 1998 e 1999 — viabilizados com a abstenção do PSD; Orçamento para 2000 — viabilizado pelo CDS;

Orçamento para 2001 — viabilizado pelo Deputado do CDS Daniel Campelo; Orçamento para 2002 —

viabilizado pelo Deputado independente Daniel Campelo, que, aliás, rapidamente voltou para o CDS, provando

que era tudo jogo combinado com o Dr. Paulo Portas, sendo hoje, até, Secretário de Estado do atual Governo.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É isto que a realidade nos diz: o PSD e o CDS foram os melhores

ajudantes do PS nos anos em que este esteve no Governo e de que agora se queixam.

Já o PS vem agora apresentar propostas que há dias ou semanas rejeitou, quando apresentadas pelo PCP

(antes assim que ao contrário). Mas não basta falar do crescimento económico e do combate ao desemprego,

é preciso dizer se se defende ou não mais investimento público e aumento dos salários e das reformas para

fomentar o crescimento económico e o combate ao desemprego.

Mesmo que o PS não volte atrás, como já fez outras vezes, na recusa de uma nova e gravosa revisão

constitucional, que agora nega, o certo é que enquanto não rejeitar em definitivo o pacto de agressão que

assinou, que impede a política de que precisamos, enquanto estiver com um pé dentro e um pé fora, é

responsável pelo afundamento do País.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — A alternância sem alternativa que o PS propõe não serve ao País,

porque é a continuação dos 36 anos de política de direita e da aplicação do pacto de agressão que o PS

assinou com a troica.

Sabemos bem que a bancada do Partido Socialista fica muito incomodada quando a criticamos; acha-se no

direito de não ser criticada e quer que critiquemos exclusivamente o PSD e o CDS. Ficar à espera que o

Governo vá andando com o seu caminho de destruição para que lhe caia depois o poder no regaço pode ser

uma boa tática para o PS, mas é um contributo objetivo para a destruição ainda maior do País, que é o que

acontecerá se este Governo prosseguir até 2015, como o PS deseja, a sua política de terra queimada.

Um partido responsável, como o PS repetidamente afirma ser, não é aquele que permite que o País

continue a caminhar para o caos, porque do caos nunca vêm soluções. Um partido responsável é aquele que

tudo faz para interromper esse caminho para o desastre, e esse é o compromisso do Partido Comunista

Português.

Aplausos do PCP.

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A questão da refundação do chamado Estado social ou, como disse ontem o Primeiro-Ministro, do

reequilíbrio das funções e estruturas do Estado é apenas um eufemismo para entregar setores essenciais de

serviços públicos aos privados, que deixariam de garantir os direitos dos portugueses e passariam a garantir

os lucros do setor privado. Esta ofensiva tem de ser rejeitada, e não só recusando a revisão da Constituição. É

que muito se pode fazer à revelia da Constituição, como hoje estão a fazer com a contratação coletiva ou com

a negação de medicamentos essenciais, à revelia do que está na Constituição mas que estão a ser aplicados

na vida real.

É certo que esta conversa da refundação visa também, lateralmente, desviar um pouco as atenções da

gravidade do Orçamento, sim. Ela é também a confissão de que o caminho em curso com a política atual

desemboca num segundo resgate, desejado pelo Governo e pelo grande capital. Mais do que isso, é a

tentativa de rasgar a Constituição, de rasgar os fundamentos do regime democrático saído da revolução de

Abril de 1974.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — O Governo apresenta falsas opções e argumentos neste debate. É a

velha conversa de que se não cumprimos o programa de agressão não temos dinheiro para pagar salários e

pensões. Nunca há risco para as PPP ou para os benefícios fiscais do capital; o risco é sempre para quem

trabalha! Com este programa, que não cria riqueza, é que não haverá dinheiro para nada, nem sequer para

pagar a dívida.

O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Depois, o Governo fala do equilíbrio da balança externa. Mas como? À

custa da recessão e procurando fazer esquecer que o crescimento das exportações é feito, no fundamental,

nos produtos refinados, que não têm grande valor acrescentado, no ouro e metais preciosos, que são

vendidos pelos portugueses para conseguirem sobreviver, e nos produtos farmacêuticos, que faltam nas

farmácias portuguesas e que engrossam as exportações do País.

Aplausos do PCP.

Quanto ao financiamento do Estado, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, em que é indispensável a

renegociação, diz o Sr. Primeiro-Ministro que o BCE não pode tratar os países como se fossem bancos. Ó Sr.

Primeiro-Ministro, o problema é que o BCE trata os bancos como se fossem países e ajuda-os a terem

enormíssimas margens de lucro!

A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É falsa a opção, com que querem convencer os portugueses, de que

ou aceitam mais impostos ou admitem ter menos serviços públicos. A fatia de leão dos impostos está a ir para

os juros e para as rendas dos grupos económicos privados, não está a ir nem para a saúde nem para a

educação, que levam cortes em cima de cortes. Aliás, se uma coisa é alternativa à outra, porque é que o

Governo está a fazer as duas ao mesmo tempo: cortam nos serviços públicos e cobram mais impostos?

O Estado gastou mais do que devia nos últimos anos. Mas para onde foi esse dinheiro? Para a saúde?

Para a educação? Para as reformas? Não, Sr. Primeiro-Ministro, foi para o BPN e para o BPP, para

recapitalizar a banca, para os benefícios do offshore da Madeira, para as manobras da Jerónimo Martins,

fugindo ao pagamento dos impostos. Foi para aqui que foi o dinheiro e não para beneficiar os portugueses.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não é com esta política que vamos lá. A votação deste Orçamento é da

responsabilidade de todos e cada um dos que vão votar. Foi por não quererem assumir essa responsabilidade,

individual e coletiva, que recusaram a nossa proposta de votação nominal. Mas desenganem-se, Srs.

Deputados da maioria: serão responsabilizados pelos portugueses pela grave opção que aqui vão tomar.

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Podem ter a certeza de que esta história não acaba aqui. Este Orçamento não está aprovado e muito menos

está em vigor.

Pela nossa parte, continuaremos a lutar contra ele até ao último minuto, e muitos portugueses assim farão

também. A greve geral do dia 14 será um momento decisivo da luta contra esta política e contra este

Orçamento. Contem connosco para derrotar este Orçamento, este Governo e a política de direita que

prossegue, porque essa é a melhor forma de honrar o mandato para que os portugueses nos elegeram.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, pelo CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Chegamos, neste momento, ao final do debate do Orçamento do Estado, que é,

seguramente, um dos orçamentos mais difíceis, mais exigentes e de maior responsabilidade, da qual não

fugimos, com que este País alguma vez se confrontou.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É exigente pela elevada pressão fiscal que lança, sobretudo sobre a

classe média, pelos sacrifícios que pede a tantos e tantos portugueses, mas também pelas incertezas, pelos

riscos que a conjuntura — bastará olharmos aqui para o lado, para Espanha, ou olharmos para a Grécia —

lança sobre, obviamente, a sua execução.

É também um Orçamento condicionado pelo cumprimento do Memorando e, por outro lado, por uma

decisão do Tribunal Constitucional, que respeitamos mas que desequilibra o Orçamento, obrigando a um

desequilíbrio entre receita e despesa de 80/20, quando aquilo que seria normal seria conseguirmos 60/40.

Mas, num debate tão difícil, com um Orçamento tão exigente, aquilo que o CDS gostaria de concluir é que,

ainda assim, o Governo conseguiu mostrar, conseguiu explicar e conseguiu tornar nítidos muitos daqueles que

são os seus objetivos, muita daquela que é a sua ação governativa e, ao mesmo tempo, a oposição,

designadamente o maior partido da oposição, falhou rotundamente naqueles que seriam os seus objetivos

para este debate.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Governo conseguiu explicar aqui que há um esforço sério de corte na despesa de 2700 milhões de

euros.

O Governo conseguiu trazer aqui os números dos juros, que são hoje mais baixos do que eram no início da

crise, com uma taxa média de 3%.

O Governo conseguiu também explicar que, no campo das exportações, temos hoje não só um equilíbrio

da balança comercial como um excedente de 315 000 milhões de euros em termos de exportações,

crescimentos da ordem dos 15%.

Nesta matéria das exportações, deixem que vos diga, Srs. Deputados: nós respeitamos a Constituição e os

direitos constitucionais, nós respeitamos os direitos dos trabalhadores, mas no momento em que o País, as

empresas, os empresários, os pequenos e médios empresários lutam e se esforçam para trabalhar nas

exportações, paralisar os portos portugueses não é só uma irresponsabilidade, é uma medida e uma opção

antipatriótica neste momento de tão grandes dificuldades.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Porque é que o PS falhou? Na minha opinião, Srs. Deputados, penso que o PS falhou porque,

sinceramente, considero que achou, antes deste debate, que estamos perante um Orçamento tão difícil que o

debate ia ser fácil. Achou que chegava aqui, dizia duas ou três tiradas, dois ou três sound bites e que isso

chegava para vencer o debate. Penso que foi por isso que falhou. E não conseguiu explicar.

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Protestos do Deputado do PS José Junqueiro.

Diz o Partido Socialista: «Acabar com a austeridade». Mas não tem uma única proposta para resolver esse

problema ou para acabar com a austeridade!

Depois, perdeu-se em exigências sobre pré-condições que ninguém pediu. Ninguém exigiu uma revisão

constitucional à cabeça.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Ninguém disse que sem revisão constitucional não era possível atingir

os objetivos. Perdeu-se em pré-requisitos que ninguém exigiu e depois fez acusações absolutamente

infundadas.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Dou-vos só um ou outro exemplo.

Veio aqui o Secretário-Geral do Partido Socialista dizer: «O Primeiro-Ministro vai aos conselhos europeus,

vai à Europa, entra mudo, sai calado.» Enfim, é uma acusação que, em primeiro lugar, as atas dos conselhos

europeus desmentem.

Risos do PS.

Por outro lado, aconselharia a quem esteve sentado no Governo ou a quem esteve seis anos sentado nas

últimas filas do PS a votar PPP, a votar dívida, a votar aeroportos sem aviões, a votar TGV, sem nunca abrir a

boca, sem nunca dizer nada ao Primeiro-Ministro anterior, a falar menos em silêncio, a usar menos o silêncio

como argumento.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Disse, de resto, a certa altura, o Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista, no tom grave e sério que ele

gosta de adotar de tempos a tempos: «Um homem de Estado não se esconde atrás de nenhum passado.»

Diria que, em primeiro lugar, convém lembrar ao Partido Socialista e até ao seu Secretário-Geral que o PS

também tem um passado e que convinha, como qualquer homem — é um princípio de hombridade —, não o

esconder ou não procurar dissimulá-lo. Em segundo lugar, diria que se esta acusação se dirige ao Governo ou

até ao Primeiro-Ministro de Portugal eu diria, Srs. Deputados, que não se trata de esconder-se atrás de

nenhum passado, mas sim de carregar com o passado que o Partido Socialista nos deixou, carregar com a

dívida que nos deixou, carregar com uma pesadíssima herança e procurar responder-lhe e resolvê-la.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Partido Socialista é agora o grande defensor do Estado social! Sobre essa matéria, gostaria também,

Srs. Deputados, de deixar uma ou duas notas. A primeira para vos dizer que o Estado social não é nem uma

criação do socialismo real nem sequer uma criação única e exclusiva dos socialistas. O Estado social, tal

como a economia social de mercado, é património comum das forças políticas que, em Portugal, representam

o arco da governação.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Estado social é património de socialistas, é património de sociais-democratas, é património de

democratas-cristãos. Podemos falar em Beveridge, mas não haveria Estado social sem pensadores como

Jacques Maritain, não haveria Estado social sem grandes homens de Estado como Adenauer ou De Gasperi.

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São esses os pais do Estado social, não é nem o Partido Socialista nem António José Seguro, nem,

sequer, nenhum recém-eleito presidente francês.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por outro lado, o Estado social e a sua defesa é politicamente uma contradição para quem criou todas as

condições para que ele hoje esteja ameaçado e esteja em causa.

E, por último, não é, sequer, defensável na prática, nos atos, naquilo que é mais relevante.

Dou-vos três ou quatro exemplos: foi o Partido Socialista que congelou as pensões mínimas — este

Governo decidiu o seu descongelamento! Foi o Partido Socialista que pôs no Memorando a tributação em IRS

das pensões sociais — foram este Governo e este Ministro quem terminou com isso, alterando o Memorando

de forma positiva!

O Sr. José Junqueiro (PS): — Ah! Sempre se pode alterar!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Foi o Partido Socialista que, depois da aprovação pela Assembleia da

República, cortou, de imediato, a majoração do subsídio de desemprego, quando ambos os membros do casal

estão desempregados — este Governo e este Ministro repuseram essa majoração! Quem defende o Estado

social, quem tem preocupação social não é, seguramente, o Partido Socialista.

Quando os senhores falam em Estado e em homens de Estado, a ideia que fica é a de que o Partido

Socialista, quando existe uma crise, quando existe uma situação com a gravidade como a que o País hoje

enfrenta… Segundo a História, os homens de Estado, os partidos que têm sentido de Estado, perante esta

emergência e perante esta gravidade, o que fazem? Juntam-se, unem esforços, trabalham em conjunto,

respondem aos desafios. Foi sempre assim na História da Europa. Qual é a ideia que dá o Partido Socialista?

De que, quando desafiado para este combate, foge, tem medo, tem pânico, não assume as suas

responsabilidades.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O desafio é, de facto, de Estado, mas o Partido Socialista não consegue ver para além da freguesia, para

além da autarquia ou para além das próximas eleições autárquicas. Essa é a ideia que aqui fica!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Na minha opinião, digo-vos, serenamente, convocando-os mais uma vez a esse trabalho, que não é bom

caminho. Por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque o PS está na origem do problema. Em

segundo lugar, porque o PS só poderá governar, só poderá, no futuro, ter responsabilidades de Governo quem

não ignorar o problema, quem contribuir para a sua resolução, quem se colocar de dentro e não quem se

colocar de fora. Esse é o desafio que está colocado. Espero que mudem a vossa atitude.

Protestos do PS.

O PS não é, nem pode ser, um mero partido de protesto. Nós respeitamos os partidos e os eleitores que

escolheram e votaram nos partidos mais à esquerda, que querem expressar o seu protesto, mas essa não é,

nem nunca foi, a responsabilidade histórica do Partido Socialista.

Protestos do PS.

Para terminar, quero dizer, em nome do CDS, que temos, perante este Orçamento, a noção exata das

dificuldades com que nos confrontamos, da necessidade absoluta de ouvir e compreender os portugueses…

O Sr. António Filipe (PCP): — Ai vão ouvir, vão! Têm muito para ouvir!

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … e de responder a tantas dificuldades, a tantas inquietações e a

tantas preocupações de tantos portugueses.

Temos a noção exata de que é preciso ativar, ser ativo, ser competitivo, ser exigente, ser pró-ativo no

diálogo e na negociação europeia, que é fundamental para os objetivos a que o País se propõe. Estaremos aí,

queríamos mais vozes connosco nesse diálogo.

Temos a noção de que é importante melhorar o documento que aqui entrou. Vamos trabalhar na

especialidade até ao último dia. Venham propostas de todas as bancadas para reduzir a despesa, para

garantir mais equidade, para que, como vamos fazer na maioria, este documento saia daqui melhor do que

entrou.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, termino, procurando responder a algo que ouvi várias vezes, ao

longo deste debate.

Dizem-nos muitos comentadores, dizem-nos muito portugueses, ouvimos aqui, até de dedo apontado para

a nossa bancada, por parte de partidos da oposição, que esta é uma decisão de consciência.

A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — E é!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Temos exatamente e absolutamente essa noção. Não temos a menor

dúvida. Esta não é uma decisão que se tome sem ponderar, nem é uma decisão que se tome de ânimo leve.

Ponderámos e temos perfeita consciência do que seria sairmos daqui sem Orçamento do Estado ou sairmos

daqui para uma crise política cujos contornos seriam absolutamente imprevisíveis.

Ponderámos o nosso exercício de responsabilidade. Colocámo-nos num combate político que é, cada vez

mais, um combate político entre aqueles que defendem a responsabilidade e o reformismo e aqueles que

alinham com o radicalismo. É um combate político que vale a pena. Ponderámos e tomámos a nossa decisão

conscientes dos sacrifícios que vamos impor à classe média, mas conscientes também de que essa mesma

classe média, no meio de uma crise política, no meio do caminho da Grécia, que tantos aqui, com alegria,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Só se for o senhor!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — … querem e parecem querer para Portugal. No meio desse caminho,

essa classe média estaria muito pior e, aí sim, não teria nenhum tipo de saída.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Ponderámos com a certeza de que a liberdade de um povo, de uma pátria e de um país vale mais do que o

destino de qualquer um dos seus responsáveis ou representantes políticos e também com a certeza, num

momento em que tanto se fala nos nossos jovens, nos nossos filhos, obrigados, muitas vezes — porque não é

muitas vezes por opção — a procurar trabalho lá fora, também a pensar neles, com a certeza de que as

dívidas e a despesa que fizermos hoje serão as novas gerações de portugueses a ter de pagar.

Por isso, a decisão que aqui, em consciência, tomamos é também em nome do seu futuro e em nome da

liberdade dos nossos filhos. Com uma certeza absoluta neste combate político: é um combate entre

reformismo ou radicalismo, um combate para reformar o Estado, coisa que não é feita há tantos anos. E com a

certeza também de que, neste combate, quem não estiver disposto a lutar nunca vence. Não fugimos a esse

combate, assumimos esse combate em nome do futuro.

Viva Portugal!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do PS. Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Membros do Governo,

Sr.as

e Srs. Deputados: Terminada a discussão do Orçamento do Estado para 2013, estamos em condições de

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avaliar como evoluiu o País, após quase um ano e meio desta governação. Decorrido que está um terço da

presente Legislatura, a situação é clara: o desemprego cresceu muito acima do previsto pelo Governo; os mais

jovens e qualificados emigram a um ritmo sem paralelo nos últimos 50 anos; o crédito malparado das famílias

e a insolvência de empresas aumenta todos os dias; a recessão económica não apenas se prolonga como se

agrava.

Da invenção colossal que foi o suposto desvio que se tentou imputar à execução orçamental de 2011,

passámos à cruel realidade de um colossal e efetivo desvio na execução orçamental de 2012,…

Aplausos do PS.

… um desvio provocado, em larga medida, exatamente pelas medidas recessivas que foram tomadas.

No défice, através da violência do esforço acrescido que foi exigido, não só não está a ser cumprida a meta

traçada como não houve consolidação real das contas públicas. Na dívida, tanto a pública como as privadas,

não há desalavancagem na economia, porque, em percentagem do PIB, em vez de diminuírem, aumentam, e

significativamente.

Aplausos do PS.

O resultado não podia ser mais preocupante e devastador. A situação económica agrava-se. O desespero

toma conta de muitas famílias. E ouvir o Governo garantir aos portugueses que estamos muito melhor do que

há um ano não pode ser motivo de regozijo, só de extrema preocupação. É uma afirmação mais típica de

aprendizes de feiticeiro do que de estadistas.

Aplausos do PS.

Na verdade, os sucessos que têm sido apregoados, no esforço de ajustamento, não passam de falsos

êxitos. Um exemplo: o défice da balança comercial. Mas como é que se pode falar em sucesso se as

exportações, embora melhorando quotas, estão a evoluir menos bem do que em anos anteriores?

O Sr. Basílio Horta (PS): — Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Como é que se pode falar em sucesso se o que permite o equilíbrio é, na

verdade, o completo colapso das importações, em linha com o poder de compra das famílias, que foi

dizimado? Como é que se pode falar em sucesso se as importações que deixaram de se fazer incluem bens

de equipamento, tecnologia, matérias-primas essenciais para as empresas criarem valor na economia

portuguesa? Que futuro, que sustentabilidade tem este suposto equilíbrio comercial?

Aplausos do PS.

Outro exemplo: o suposto e propagandeado grande êxito que seria o renovado acesso aos mercados.

Como é que se pode falar em sucesso quando aquilo que se sabe hoje é que houve uma enorme conversão

de dívida pública externa para dívida interna e do BCE, através dos bancos portugueses, alguns deles

intervencionados.

Em suma, como é que se pode falar de sucessos quando estes são apenas retórica falaciosa, propaganda

e camuflagem. A única coisa que é cada vez mais clara é que, em vez de estarmos a avançar na direção

pretendida, em vez do ajustamento e consolidação que foram prometidas, estamos a ser empurrados por esta

maioria em direção ao abismo.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A quinta avaliação da troica foi uma oportunidade perdida.

Beneficiámos das decisões europeias sobre maior intervenção futura do BCE. Mas, mesmo com melhores

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perspetivas para os juros do financiamento, a troica impôs a Portugal novas medidas de austeridade, porque

estamos longe de todas as metas, e o Governo português não tirou partido das novas posições do FMI sobre

os efeitos perversos da austeridade.

Na verdade, Sr.as

e Srs. Deputados, quando se exigia objetividade, frontalidade e verdade, o Governo ficou-

se por um acordo de falhados com a troica, um acordo fabricado com base em falsas premissas, falsos êxitos

e mistificação da nossa real situação.

Aplausos do PS.

E a nossa real situação já é clara para o País: um ano depois de uma receita de troiquismo radical, era

altura de refletir e de mudar. Mas, em vez de admitir os fracassos, o Governo escolhe o caminho mais fácil:

para sobreviver politicamente, insiste num caminho que já provou ser suicidário.

A desorientação do Governo numa altura tão crucial é da maior gravidade. A preparação caótica do

Orçamento que aqui foi apresentado é disso prova: os avanços e constantes recuos; as contradições; as

incoerências; o desistir de governar de acordo com o programa que apresentaram aos portugueses; a rutura

de todos os consensos sociais e políticos, afrontando os parceiros sociais; a pantomima lamentável que foi

todo o episódio da TSU.

Aplausos do PS.

Sr.as

e Srs. Deputados, um ano e meio depois, o que temos é um Governo dividido e sem credibilidade. Um

Governo que alienou os consensos políticos e sociais, que faz exatamente o contrário do que prometeu fazer,

que falha previsões atrás de previsões, metas atrás de metas, que compromete não apenas os padrões

mínimos de bem-estar social mas também a própria economia, e que se prepara para fazer ainda pior: repetir

uma receita que já fracassou e que, portanto, só pode fracassar ainda mais, com mais força, com

consequências mais graves.

O PS tem avisado: este Orçamento do Estado para 2013, se por cegueira e teimosia for executado, vai ter

consequências terríveis durante muitos anos. O Governo tem de ouvir os portugueses, tem de ouvir os

parceiros sociais, tem de arrepiar caminho, antes que seja tarde.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Deputados: Já foi denunciado por pessoas de todos os

partidos, incluindo muitas dos partidos que suportam a maioria, que este Orçamento é um verdadeiro

bombardeamento fiscal às classes médias e aos trabalhadores já tão depauperados. O Governo anuncia

também um novo ataque ao Estado social, diminuindo os mínimos sociais.

O Governo não o diz, mas é uma nova fase, ainda mais radical, da austeridade. É o fim de qualquer ilusão

de «equidade nos sacrifícios», ou de «ética na austeridade», que o Governo tanto apregoou. Sr.as

e Srs.

Deputados, quando se atacam os mais pobres dos pobres é toda a miséria de uma política que fica à vista.

Aplausos do PS.

Enquanto se atacam as classes médias e os trabalhadores, com tabelas de IRS mais onerosas, menos

progressivas, e com proteção e mínimos sociais cada vez mais exíguos, mantêm-se benefícios fiscais para

grandes interesses. O resultado não é difícil de adivinhar: primeiro, que as consequências sociais deste

Orçamento vão ser ainda mais devastadoras do que as do anterior; e, segundo, que a recessão vai ser muito

mais grave do que as previsões do Governo. Não é só o PS que o diz, são todas as instituições. Só o Governo

quer negar esta realidade.

Mas há uma pergunta que se impõe: o que vai o Governo fazer, quando finalmente for forçado a

reconhecer que o Orçamento para 2013 é, afinal, um «buraco negro» para 2014? O que vai o Governo fazer,

quando for forçado pelos dados, pela realidade, que se tornará inegável e incontornável, a reconhecer perante

os portugueses que falhou mais uma vez, a reconhecer que este Orçamento, afinal, era inexequível e

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impossível de cumprir, porque assentou, desde o primeiro dia, em pressupostos falsos e em metas

completamente irrealistas?

De facto, este é um Orçamento de negação, este é um Orçamento de desespero político.

Aplausos do PS.

Sr.as

e Srs. Deputados, além de uma razia fiscal e de um vendaval de iniquidades, o documento que aqui

nos foi apresentado é uma caricatura tosca, ideológica e experimentalista.

Vem aí um novo conjunto de metas que são incumpríveis, porque foram traçadas com base em

pressupostos falsos, em cenários irreais e em projeções fantasiosas. E isso já se começa a ver. O apelo a

uma misteriosa «refundação» do acordo com a troica anuncia o que aí vem. Depois de esgotada a margem

para os aumentos de impostos, anuncia-se uma tentativa de ataque final às funções sociais do Estado. No

fundo, recuperando aquilo que o PSD tentou lançar numa célebre proposta de revisão constitucional, que foi

obrigado a fechar numa gaveta, muito antes de qualquer troica. É essa a gaveta que agora se abre de novo. O

Governo quer, sim, refundar a unidade da direita, tentar pôr a classe média contra o Estado social e remeter à

marginalização os sociais-democratas que ainda resistem.

Aplausos do PS.

E o Governo já mostrou ao que vem: quer arrastar o PS para essa descida ao abismo, o que se verificou,

hoje, em todas as intervenções que vieram de bancadas ligadas ao Governo, e vão continuar. Mas já tiveram a

resposta: o que é preciso é refundar a política do Governo e reformular esta austeridade sem saída. O que é

preciso é tirar partido das posições mais flexíveis das instituições europeias e internacionais, em vez de as

rejeitar. O que é preciso é lutar por explorar as margens de alteração de prazos, de juros, de metas, com

coragem, com frontalidade, com verdade, em nome do interesse nacional, em vez de aceitar como uma

fatalidade, muito conveniente, o caminho para que nos estão a empurrar.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: Os

partidos da coligação do Governo juram que nada têm a ver com esta austeridade e com o acordo com a

troica e que a culpa é toda do Governo anterior. Pura ilusão, que talvez sirva de autoconvencimento, mas que

cada vez engana menos portugueses.

A crise das dívidas soberanas, como noutros países, foi sobretudo ditada por uma crise financeira

internacional e pelas insuficiências do euro — o PS sempre o disse. Os partidos da atual maioria preferiram o

caminho que lhes pareceu mais fácil na altura e hoje veem, também por isso, minada a sua credibilidade. É

que os partidos que hoje suportam o Governo fingem que nada tiveram a ver com o resgate, mas, na verdade,

fomentaram, instigaram, exigiram, conegociaram, coassinaram e muitos dos seus comemoraram o

Memorando de Entendimento.

Aplausos do PS.

Antes das eleições, prometeram soluções fáceis e rápidas; tinham as respostas. Depois foi o que se viu:

foram de desastre em desastre, até chegarem a este momento de absoluto desnorte.

Perante o caminho que tem sido seguido, a campanha da coligação, tentando a todo o custo fugir da

realidade, tem um só resultado: alimentar a descrença crescente das pessoas nas instituições democráticas.

Para além de justas manifestações de protesto e de indignação, há uma ameaça populista através de

alguns, na rua, na comunicação social, na Internet. É nestas circunstâncias que se vê quem são os

verdadeiros democratas. Não podemos, neste Parlamento, permitir que se degradem ainda mais as condições

da vida democrática em Portugal.

Aplausos do PS.

Perante este Orçamento, é preciso que fique claro, pelo trabalho aqui desenvolvido, pelos debates que aqui

são travados, mas também pelo voto, de que lado se situa cada um de nós. Este é um Orçamento que violenta

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ainda mais o contrato em que os portugueses votaram; um Orçamento irrealista, inexequível, incompetente;

um Orçamento que ataca os fundamentos da nossa sociedade e da nossa economia.

A democracia tem de ser defendida por todos os democratas. E é nestes momentos decisivos que os

democratas se afirmam e que o Parlamento se prestigia: em consciência, pela arma da democracia, o voto.

Aplausos do PS.

Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: No voto

que se segue, sabemos — porque é claro e público — que não apenas muitas figuras cimeiras dos partidos da

coligação, mas também muitos Deputados sentados nas bancadas desta maioria discordam profundamente

deste Orçamento: das opções que o norteiam, das falsidades de que enferma, do seu irrealismo, das suas

consequências terríveis. Quanto mais não seja, porque este é um Orçamento que é contra o programa desta

maioria, contra o que convenceu os portugueses a confiar nestes partidos. Como é possível votar

favoravelmente um Orçamento que é contrário ao programa dos partidos que o suportam?

Na bancada do PS, o nosso programa é claro e o nosso voto também é claro. Vamos votar de acordo com

o nosso programa, com uma posição firme nas questões europeias e com uma visão clara do que deveria ser

feito de diferente nas políticas internas.

Dar luz verde a este Orçamento do Estado é gravíssimo. Temos todos de ser dignos do mandato que

recebemos dos portugueses.

Segue-se o debate na especialidade. Mas desenganem-se aqueles que pensam que este Orçamento é

transformável na especialidade. Este Orçamento é irreformável!

Tem, todo ele, na base e nas opções principais, a marca de um troiquismo radical, alheado da realidade e

sem qualquer capacidade de autocrítica.

Aplausos do PS.

O que é preciso é combater ainda maiores desvarios nas políticas sociais e fiscais. Combater as tentativas

que aí vêm de impor mais cortes sociais com o pretexto de compromissos assumidos com a troica, mas só por

estes senhores, só por este Governo. O que é preciso é trabalhar em alternativas que substituam a matriz

espoliadora deste Orçamento por uma matriz de equilíbrio, de credibilidade, de adesão à realidade.

O PS apresentou propostas alternativas — ainda ontem o fez, através do Secretário-Geral António José

Seguro — e que até agora a maioria governamental, com uma arrogância crescente, se tem recusado a ouvir.

Como o Secretário-Geral do PS tem incansavelmente repetido, o que é preciso é criar as condições em

Portugal e na União Europeia para voltarmos ao crescimento e à criação de emprego.

Mas para que as boas propostas possam fazer o seu caminho tem de haver uma discussão num quadro

diferente, porque por mais medidas que apresentemos, por mais alternativas que discutamos, este é um

Orçamento cuja credibilidade está ferida de morte por aqueles que escolheram concebê-lo desta maneira, com

estes pressupostos, com estas metas, e assim o apresentaram aos portugueses. Vale a pena discutir no

quadro constitucional tudo o que possa melhorar o futuro do País, mas com base em confiança política,

crescimento económico e equidade social, que hoje infelizmente não existem.

Aplausos do PS.

É por isso que, em nome do futuro do País e pela credibilidade da democracia portuguesa, o PS votará,

não apenas em consciência, mas com convicção, contra este Orçamento. Contra o definhamento da

democracia que tem de ser travado. A favor dos superiores interesses de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PS, de pé.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim, pelo

PSD.

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O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro,

Sr.as

e Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs. Deputados: No final do debate na generalidade do Orçamento

do Estado para 2013 algumas deduções assumem-se como evidentes.

Em primeiro lugar, revelou-se uma rejeição liminar e apriorística desta proposta de Orçamento por parte de

toda a oposição.

Depois, ficou patente neste debate uma falência indubitável de qualquer esboço de alternativa credível,

minimamente sustentada, viável e exequível, face àquela que está apontada pelo Governo e por esta maioria.

Nem a extrema-esquerda radical nem o maior partido da oposição mostraram rotas diferenciadas ou

caminhos construtivos capazes de nos livrar da emergência financeira e económica em que os governos

anteriores nos submergiram.

A extrema-esquerda radical reiterou a sua trágica persistência na prática política que a tem distinguido: a

recusa de soluções equilibradas com as únicas entidades internacionais que revelam disposição de nos

facultarem financiamento externo, o que, ninguém o duvide, inevitavelmente redundaria numa bancarrota sem

solução nem hipótese de esperança por mais de uma década.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Se as intenções da extrema-esquerda radical viessem, por

desgraça, a obter algum acolhimento, Portugal ficaria impossibilitado de cumprir os seus compromissos

internos e externos, os funcionários públicos deixariam de auferir os seus salários, os pensionistas e

reformados não mais receberiam as suas prestações sociais,…

Protestos do PCP.

… cessaria qualquer apoio aos mais desfavorecidos e o Estado não conseguiria acorrer às suas

responsabilidades por mais urgentes que estas fossem.

O País, a breve trecho, encontrar-se-ia fora do euro, tornando-se num candidato a desistir do projeto de

construção europeia e podendo mesmo ser forçado a abandonar o espaço mais livre, próspero e justo que a

nossa civilização já conheceu.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — A persistência obsessiva neste aparente niilismo político por parte

da extrema-esquerda radical nada traz de conciliador nem mesmo de útil para a solução dos problemas dos

portugueses. Talvez porque essa seja precisamente a sua intenção implícita: a médio prazo, esta atitude de

«quanto pior, melhor» só poderia redundar na agitação e na turbulência permanentes.

O método não é novo e há muito que está identificado. Em alguns dos seus escritos, Karl Marx disse que

«a violência é a parteira da história», o caminho apropriado para que da velha sociedade nasça uma nova,

máxima essa que Hannah Arendt magistralmente descodificou como uma mera «glorificação da violência».

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não percebeu nada! Não pode ler só o livro de citações!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Esta rota extremista não constitui uma alternativa. As únicas

opções para a saída da crise que Portugal deve considerar são aquelas que se enquadrem na plenitude do

projeto europeu, impregnadas da lógica do Estado de direito democrático e capazes de serem edificadas no

respeito pela ordem e tranquilidade públicas.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Sr.ª Presidente, neste debate e na sua prática política recente, o

maior partido da oposição manifesta contradições insanáveis quando pretende ser a favor do Memorando mas

contra a austeridade, o que é uma equação impossível.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Tal como sucede quando o PS reclama que esta proposta de

Orçamento do Estado é um ato único, isolado no tempo e na história, sem quaisquer atos antecedentes que

lhe tenham dado origem, o que ofende a lógica e a realidade. E esta é que é a maior manifestação de

esquizofrenia política, Sr. Eng.º Carlos Zorrinho!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Não é possível sairmos desta tormenta sem percebermos integralmente como aqui chegámos ou, então,

estaremos condenados a repetir incessantemente os mesmos erros.

O PS não pode querer abordar o futuro sem se responsabilizar minimamente pelo passado.

E a verdade é que se o Executivo anterior governou em «claustrofobia democrática», acabou por nos

abandonar num apertado «abafamento financeiro»! E este é o principal constrangimento para o Orçamento do

Estado para 2013!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — O Governo e a maioria têm sido acusados de fazerem um

Orçamento que seria resultado de uma opção ideológica. Se isso fosse verdade, então, necessariamente,

neste debate deveriam ter surgido outro tipo de propostas, fruto de opções distintas, ao menos por parte do

maior partido da oposição. Ora, insistimos, tal não aconteceu.

Quem defende que esta proposta de Orçamento se traduz numa bomba atómica fiscal tem o dever

indeclinável e acrescido de apresentar alternativas!

O PS não o fez, antes e durante este debate, pura e simplesmente porque não é capaz de as encontrar: o

PS não tem alternativa, logo, não é alternativa — esta é a conclusão mais incontestável deste debate.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

E desta conclusão depreende-se ainda que, caso o PS estivesse no Governo, apesar de toda a sua

retórica presente, seria forçado pela conjuntura e pela realidade a escolhas muito semelhantes àquelas que

este Governo e esta maioria estão agora a realizar.

Sr.ª Presidente, em vários momentos do debate que agora termina perpassaram laivos de uma narrativa

enviesada acerca de um suposto «imperativo da inconstitucionalidade anunciada» que se anda a ensaiar há

alguns meses.

Nunca tal se tinha visto. Ainda não existia Orçamento, não se conheciam sequer as grandes linhas que

presidiriam à sua proposta e já alguma esquerda, incluindo certos juristas normalmente lúcidos, afiançavam

que o Orçamento para 2013 estava irremediavelmente cominado com todo o tipo de inconstitucionalidades

figuráveis.

Diziam que quase todos os cortes na despesa pública seriam inconstitucionais; depois, era a TSU; quando

esta foi abandonada, o problema foi o dos escalões do IRS; até que, finalmente, se percebeu que qualquer

pretexto servia. O que interessava era convencer a opinião pública de que o Orçamento para 2013 era

fatalmente inconstitucional…, porque sim!

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Para os defensores desta tese, parece que a única opção que

escapa ao anátema desse suposto «imperativo da inconstitucionalidade anunciada» é a possibilidade efetiva

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de o País descambar na bancarrota. Em nome da bondade e da perenidade da Constituição, recusamos essa

leitura.

Mas, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, há qualquer coisa de profundamente

errado quando grande parte da oposição, bem como de outros que, pressurosamente, se desmemoriaram do

seu próprio papel ativo na degradação do País, ensaiam um combate político que parece assentar numa

pressão inqualificável sobre o Tribunal Constitucional, anunciando veredictos já tidos como insindicáveis antes

mesmo de se conhecerem as opções propostas para este Orçamento.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Podemos não concordar com alguns argumentos do veto do

Tribunal Constitucional, mas respeitamos escrupulosamente as decisões do poder judicial.

É democraticamente triste, quase perverso para o Estado de direito, que se tente enfileirar o Tribunal

Constitucional no âmago da luta política — esta maioria não o fez e não o fará!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Tribunal Constitucional merece ser respeitado e tal é impossível quando se exercita a imposição política

e mediática sobre as suas decisões, tentando, objetivamente, cercear por antecipação a sua liberdade

decisória, que, para nós, é intocável!

Sr.ª Presidente, o combate que temos pela frente, por razões naturais e também de conjuntura, cada vez

mais se assume como um desafio geracional para aqueles que entendem que o primeiro de todos os deveres

de uma geração é saber entregar à seguinte um País viável e capaz de se renovar na essência das suas

lógicas de funcionamento estrutural e de engendrar as soluções para os seus problemas de sempre.

Num livro admirável e ainda não publicado entre nós, Porque é que as nações falham, os ensaístas norte-

americanos Daron Acemoglu e James A. Robinson apontam a qualidade das instituições como razão

fundamental para que alguns povos encontrem os caminhos da prosperidade enquanto outros, década após

década, desfalecem na pobreza e na perda progressiva da sua livre determinação própria.

O tema não é novo. Essa inquietação tem sido uma constante do nosso tempo, desde Max Weber,

preocupando, mais recentemente, entre outros, David Landes, Hernando de Soto e Francis Fukuyama na sua

última obra As origens da ordem política. E as explicações oferecidas são múltiplas: o clima, a geografia, a

cultura, a qualidade das instituições sociais e económicas, a transparência das instituições políticas e a

sedimentação do Estado de direito.

Apesar da permanência reiterada de questões não resolvidas na estrutura da nossa nação e no

funcionamento da nossa democracia, sob todos os prismas de análise, Portugal possui os ingredientes

necessários para vencer quaisquer desafios de desenvolvimento, mesmo quando imerso numa emergência

orçamental e financeira tão terrível como aquela em que nos encontramos.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Só que subsiste um elemento essencial e sine qua non sem o qual o feixe de razões variadas que impelem

o sucesso das nações se revelará estéril: são as pessoas e a existência da sua constante e perpétua vontade

de vencer os desafios coletivos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E sobre o Orçamento?!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Um País, qualquer um, pode ter instituições de qualidade, mas

estará condenado a falhar perante uma crise grave se não existir uma geração que tenha o nervo e a coragem

de assumir os riscos e os sacrifícios imprescindíveis para a debelar.

Uma nação pode ter adquirido um Estado de direito genericamente funcional e justo, mas tal de pouco lhe

servirá nos momentos de maior agrura e tormenta como estes em que agora estamos, se a geração que

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detém nas suas mãos as responsabilidades sociais e políticas não estiver à altura do seu tempo histórico e

preferir desistir, lamentando-se das adversidades e deixando-se sucumbir perante elas.

Esta geração de que falo é fundamentalmente composta por aqueles que assistiram ao renascer da

democracia e da liberdade com olhos de criança e também os que nasceram depois, enfim, todos os

portugueses que herdaram um País livre e democrático graças aos esforços da geração que os antecedeu.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente, não há um único Deputado do PSD e, estou certo, nenhum Deputado da maioria ou

membro do Governo que esteja satisfeito por aprovar um aumento da carga fiscal e colocar os portugueses

perante mais sacrifícios.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Essa agora!…

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Temos perfeita noção da enorme responsabilidade que recai sobre

esta maioria, mas o nosso dever, irrenunciável e intransmissível, é o de resolver os problemas tremendos que

temos pela frente.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Preparar o futuro, muitas vezes, implica sacrifícios no presente. E

temos de garantir que as medidas, tão difíceis mas imprescindíveis, que agora temos de tomar sustentarão

sempre como vetor essencial a justa repartição dos sacrifícios e a proteção dos menos afortunados.

Aplausos do PSD.

Mesmo para além das diferenças políticas, o desafio geracional que temos pela frente convoca-nos a todos

perante o dever inequívoco de resgatar Portugal e criar as condições para que o País não volte a tropeçar em

crises financeiras tragicamente agravadas pela nossa impreparação estrutural ou pelo receio eleitoralista de

cumprir as reformas necessárias.

E não nos deixemos iludir: resgatar Portugal não é fazer todos os possíveis para que o País desabe num

segundo resgate ou fazer perdurar esta situação de soberania limitada. Não condescenderemos com as

intenções de alguns que querem tornar Portugal num País sempre indigente!

Esta geração não pode falhar e comprometer fatalmente as aspirações de desenvolvimento e qualidade de

vida das gerações que vierem depois. Estamos obrigados a tudo fazer para reganharmos a soberania, para

reavermos o orgulho de uma nação com quase 900 anos de uma história que marcou o mundo todo!

Esta geração não pode desistir, como tantas vezes fizeram aqueles que já tiveram nas suas mãos os

destinos do País.

Esta geração tem de assumir a responsabilidade de tudo fazer para que Portugal continue no euro e se

mantenha como membro de pleno direito e no pelotão da frente da União Europeia.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Carlos Abreu Amorim (PSD): — Esta geração tem de olhar a história olhos nos olhos e mostrar que

está à altura das exigências do seu tempo em nome das gerações futuras!

Só assim conseguiremos frustrar as expectativas escatológicas daqueles que querem que todos percam a

esperança apenas porque não foram capazes de preservar a sua.

Aplausos do PSD e do Deputado do CDS-PP João Serpa Oliva, de pé, e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado

e dos Negócios Estrangeiros.

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O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Paulo Portas): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs.

Deputados: Dez anos no tempo histórico são praticamente nada, mas 10 anos na vida de uma família é,

certamente, muito tempo. São exatamente 10 os anos que já passaram desde que Portugal teve o seu

primeiro procedimento por défice excessivo.

A sombra de um Estado que, por ação e inércia, gasta mais do que pode e que, por corporativismo ou

cegueira, reforma menos do que deve é, para muitos portugueses, a marca exasperante desta década, que,

para várias gerações e por motivos diferentes, tem um sabor amargo.

Há 10 anos um Primeiro-Ministro, sem dúvida afável, viu o pântano e saiu. O défice real já era de 4,7% e

colocava Portugal, logo no início do euro, sob o primeiro aviso externo.

Quase 10 anos depois, o ciclo doloroso que Portugal está a viver atingia o seu zénite quando outro

Primeiro-Ministro, certamente menos afável, deixava um défice hiperbólico de quase 10% após anos de

perigoso voluntarismo assente em grandes obras e grandes dívidas, atirando Portugal para um resgate

inevitável e, em certa medida, humilhante e colocando uma nação quase milenar na traumática condição de

protetorado, dependente dos seus credores para a mais simples despesa e limitada pelos seus credores no

exercício da soberania financeira, orçamental e, nessa medida, política.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Dir-se-á, para não ser injusto, que, de permeio, o centro-direita, num Governo de que fiz parte, travou o

agravamento do problema, mas não o debelou e até se acrescentará que, nos anos áureos, as violações

consecutivas do Pacto de Estabilidade e Crescimento não eram proeza exclusiva dos países mais vulneráveis.

Mas é verdade que passaram 10 anos. Há 10 anos que o défice é o nosso calcanhar de Aquiles. E até

porque o défice vai à dívida e nem todo o défice estava contado, a dívida que, em 2005, era de 62,5% do PIB

está agora em 119% do Produto.

O caráter prolongado e sombrio dos números não é nada se comparado com o seu reflexo em inquietação

e em desânimo na vida de muitos portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Um país consumido pela dívida é um país que cresce pouco.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Um país que cresce pouco é um país que

emprega menos e pior. Um país desgastado pelo défice é um país obrigado a planos de austeridade que são

condição de ajuda externa para sobrevivermos.

É por isso que devemos fazer as perguntas que mais custam para podermos chegar a uma resposta,

porventura, mais lúcida: quantos jovens, nestes 10 anos, perderam oportunidades que o défice e a dívida

roubaram?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Podemos dar-nos ao luxo de ter outra década

a emagrecer os setores mais dinâmicos da classe média, que legitimamente questionaram o valor

acrescentado do seu mérito, da sua iniciativa e da sua mobilidade social, num País em que a despesa

estrutural constitui uma prisão contra o desenvolvimento pessoal e social?

Como não compreender aqueles que, após décadas de trabalho, esperavam ter uma velhice com um

pouco de segurança e de tranquilidade, interrompida, não raro, por uma situação financeira devastadora?

Indo até mais longe: como não esperar dos portugueses desconfiança e desafeto perante os dirigentes e a

política — todos nós — se esta década foi assim e ainda observamos um debate político que tantas vezes

evita a questão de fundo, foge ao acordo necessário e se limite àquilo que é mais estéril e não há de perdurar?

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Durante muitos anos, os portugueses foram considerando que o défice e a dívida eram um tema longínquo

e pouco decifrável que alguém resolveria.

Em certo sentido, com o resgate, o défice e a dívida chegaram violentamente a casa dos portugueses sob

a forma de mais impostos ou sob a forma de menos prestações.

Ao contrário do que pensa uma certa esquerda, o que o défice e a dívida estão a custar terrivelmente a

cada família torna cada família mais atenta, mais exigente e mais escrutinadora sobre a visão, a dimensão, a

responsabilidade, o sentido de compromisso e de humildade de cada decisor político.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Pela simples razão de que, estando, desde o

resgate, sobretudo o défice e a dívida a entrar pela casa das famílias e a influenciar decisiva e negativamente

o seu modo de vida, a esmagadora maioria dos portugueses exige de todos nós medidas estruturais mais do

que medidas extraordinárias, sacrifícios que valham a pena mais do que sacrifícios que apenas resolvam a

conjuntura. Uma libertação do futuro face à despesa e não uma promessa ilusória de que agora paramos o

esforço, como se não fosse verdade que o problema «seguiria dentro de momentos».

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O que Portugal nos pede é, em certo sentido, a valorização da política no melhor sentido da palavra, da

política como verdade, da política como acordo, da política como solução.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Há quantos anos não há, na democracia portuguesa, um grande

acordo político entre Governo e oposição democrática? Diria, com exceção de entendimentos pontuais, que

isso não acontece desde a década da integração europeia. Já foi no século passado.

Suponho que este debate ficou marcado pela oportunidade, pela possibilidade, pela necessidade de

darmos precisamente um exemplo que surpreenda positivamente os portugueses.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Um exemplo que surpreenda positivamente os portugueses, que não anule as diferenças mas faça toda a

diferença. Refiro-me à disponibilidade para um acordo alargado sobre a despesa estrutural em Portugal. Um

exercício tão difícil e tão meticuloso que requer nada menos do que política com p grande.

Protestos do PS.

Por que é que o exame da despesa estrutural é decisivo? Como a palavra indica, porque é estrutural. Só

poupanças estáveis evitam impostos indesejáveis.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Por que é que o exame da despesa estrutural

pode e deve ter a colaboração ativa, reivindicativa e construtiva do maior partido da oposição?

Não referirei que a responsabilidade pelo resgate aconselha os socialistas a não proclamarem um divórcio

com os nossos credores que, sabem, seria obviamente ruinoso, mas direi que um exame estrutural é um

exercício para este Governo, para o Governo seguinte e para o Governo seguinte ao Governo seguinte.

Ora, se os socialistas têm a legítima esperança de ser poder — eu, nesse ponto, não vos posso desejar

fortuna! —, não só devem contribuir para o que é política estrutural, como até têm interesse direto em

contribuir para que a próxima década, pelo menos e por uma vez, seja uma década com finanças sãs e não

um tempo de eterno retorno ao problema que há 10 anos enxuga e mingua o potencial de Portugal.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Por que é que, a nosso ver, o PS não deve sentir como uma ameaça nem deve sentir como uma excessiva

solidão esta vontade de compromisso? Porque sendo a despesa estrutural uma questão nacional, a abertura

do Governo para um acordo deve ser partilhada tendo em atenção uma forte valorização da concertação

social e uma boa colaboração com os demais órgãos de soberania.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Quando o que está em causa é um objetivo

nacional, permitam-me destacar, sem evidentemente desmerecer ninguém ou qualquer instituição, o papel

decisivo da UGT como fator de coesão social e o papel integrador do Sr. Presidente da República como fator

de consenso político.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Como, às vezes, acontece na política portuguesa, a abertura do Governo para este acordo nacional,

mesmo antes de ser verificada na sua essência e autenticidade, causou no PS um receio: o de que estaríamos

a falar obrigatória ou necessariamente de uma revisão constitucional. É um receio infundado! A nossa

proposta não é um gesto para a galeria, é autêntica. Por ser autêntica, implica disponibilidade e por implicar

disponibilidade, significa aceitar negociações, compromissos e cedências de parte a parte.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Mas logo se levantou uma querela constitucional. Com a prosaica legitimidade que tenho — presido ao

único partido que, nesta Câmara, votou contra a Constituição por não sentir que ela fosse de todos nem para

todos —,…

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … acreditem nisto que vos quero dizer: se, no

início de um processo, as avaliações definitivas são imprudentes, é certo e pode dizer-se que várias políticas

transversais para reduzir a dimensão da despesa não carecem de qualquer alteração constitucional,…

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … mas carecem certamente de política. E de

política com talento e de política com vontade de compromisso.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Este debate teve os seus momentos de

tensão, mas suponho não errar se disser que o Secretário-Geral do Partido Socialista não disse liminarmente

que não. Aproveitemos com cuidado esse espaço, porque o bem que está em causa é um bem maior.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Acresce um ponto: o facto de várias medidas estruturais de redução da despesa não carecerem da

complexidade de uma revisão constitucional torna ainda mais necessário o contributo do Partido Socialista. E

a razão parece-me simples: se o preço ideológico é menor, então o contributo pragmático para as soluções

pode e deve ser maior.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Como o tempo demonstrará, o que o

Governo está disponível para fazer e vos pedir não é um contrato de adesão. O que oferecemos é uma atitude

de abertura para um acordo nacional para resolver uma questão estrutural — o peso da despesa e da sua

inércia —, com abertura àquele que é o vosso olhar, a vossa sensibilidade e a vossa medida de razoabilidade

para o conseguir.

Um último ponto: também não serve de argumento a estafada ideia de que pretendemos pôr em causa o

Estado social,…

Protestos do PS e do PCP.

… desde logo porque o Estado social na Europa é uma construção tributária dos democratas-cristãos, dos

sociais-democratas e dos socialistas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Essa é uma mentira histórica!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Permitam-me que não deixe passar sem um

reparo a vossa presunção de que basta ser socialista para ter melhor coração. É uma presunção que não

resiste a factos que também são dolorosos da vossa própria contingência quando repararam tarde — a meu

ver, já muito tarde — no precipício financeiro que se avizinhava a galope.

Foram VV. Ex.as

obrigados a congelar pensões, que, curiosamente, este Governo descongelou; foram VV.

Ex.as

compelidos a tributarem em IRS prestações sociais, que, curiosamente, este Governo lutou para isentar;

foram VV. Ex.as

forçados a estancar o apoio a casais desempregados, que, curiosamente, este Governo

reabriu; e foram VV. Ex.as

que até aceitaram condições quanto aos prazos do subsídio de desemprego, que

nós, curiosamente, não aceitámos.

Vozes do CDS-PP: — Bem lembrado!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Dito isto, o facto de o Estado social ser uma

obra conjunta do humanismo cristão e do humanismo laico na Europa…

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Essa é uma mentira histórica!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … não significa que o Estado social não

precise de ser reformado precisamente para ser protegido.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Fale deste País!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — A globalização não espera nem é compatível

com uma sociedade onde só há direitos e são todos adquiridos. E digo isto com o à-vontade de quem tende a

pensar que no mundo da globalização há tantos liberais que eu, pela minha parte, estou dispensado de dar o

meu modesto contributo nessa praia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas olhe que dá! Neste Orçamento do Estado dá e bastante!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Reformar é defender o Estado social. Deixar

tudo tal qual está é condená-lo à insustentabilidade, bastando para isso observar factos objetivos como a

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evolução do crescimento, da demografia, da esperança de vida ou dos consumos em saúde não apenas em

Portugal, mas em toda a Europa, se comparados com o que se passa nos blocos económicos emergentes.

O Sr. António Braga (PS): — E quanto ao Orçamento do Estado?!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Dirijo, por isso, uma palavra ao Secretário-

Geral do Partido Socialista apenas para dizer que, suponho, os portugueses o olhariam e graduariam até de

outro modo enquanto candidato a Primeiro-Ministro se nesta hora, que é a hora da verdade, contribuísse com

a sua marca para um acordo nacional sobre uma despesa que está, necessariamente, a mais e deve ser

reduzida com sentido de justiça.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: A situação de emergência nacional em que Portugal se encontra

não é compatível com crises políticas que deixariam Portugal refém de uma circunstância, que é a medida da

vulnerabilidade que ainda temos, mas que, infelizmente, é verdadeira como punhos.

Como já afirmei, a inexistência de Orçamento do Estado constituiria, em si mesmo, um indicador de

incumprimento grave do Memorando de Entendimento. Uma crise política nessas circunstâncias…

O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Este Governo é que é uma crise política!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … exporia Portugal a riscos acrescidos face à

instabilidade, que ainda se sente, em países que são, como nós, da zona euro e face ao calendário de que,

infelizmente, dependemos, nomeadamente quanto a recebimentos das parcelas do empréstimo, que ainda na

semana passada pudemos confirmar. Tal crise viria somar à crise económica e social muito sérias, que já

vivemos. A sensação de que se desperdiçavam os esforços já feitos pelos portugueses…

O Sr. João Galamba (PS): — Já foram desperdiçados!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … e aquilo que já se conseguiu — e, nessa

matéria, é merecido destacar que melhorou a reputação internacional do nosso País, que houve uma queda

significativa dos juros no mercado secundário ou que houve uma redução consequente e, a meu ver, não

negligenciável do nosso desequilíbrio externo — …

O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … são dados que ignorá-los é ignorar a

extrema fragilidade do ponto de partida. Mas não enganemos ninguém sobre a dificuldade para atingir o ponto

de chegada e essas dificuldades convocam, mais uma vez, a prioridade da política e a questão europeia.

Também aqui seria injusto negar progressos que, passo a passo, a Europa fez sobretudo no último ano: o

six pack; as negociações em curso do two pack; o Tratado Orçamental; as iniciativas dirigidas ao crescimento

e ao emprego; a decisão do BCE de defender o euro e proteger a respeitabilidade internacional da Europa

intervindo nas dívidas soberanas no quadro do seu mandato e da sua independência; a evolução da união

bancária, são passos que aliam responsabilidade e solidariedade e que representam uma vontade política.

Todos nós gostaríamos de mais celeridade e de mais atempada execução das decisões, mas tenhamos

também a noção de que quem se fica apenas por esta crítica dificilmente poderá conciliá-la com a rejeição, em

simultâneo, do diretório. A Europa, por natureza, é complexa e devemos reconhecer que há uma profunda

inquietação na cidadania europeia quanto à capacidade de resposta, a tempo, das instituições.

Tenhamos consciência dos riscos que, como europeus, também devemos contribuir para evitar.

O primeiro risco é cultural e tudo o que é cultural é muito profundo. Sem Europa não há paz na Europa. A

Europa só é una na sua diversidade. A persistente disseminação de uma alegada fratura cultural ou até

civilizacional entre os povos do sul e os povos do norte, os Estados do sul e os Estados do norte é um

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preconceito antigo, é um preconceito perigoso e, sobretudo, é um preconceito que faz mal à coesão e à

unidade da Europa.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Se uma crise financeira demora anos a resolver, uma crise de pertença pode demorar muito mais tempo a

curar.

O segundo risco é o da divergência entre a retórica política e a prática institucional.

Como o Primeiro-Ministro ontem salientou, temos pela frente uma negociação difícil, a negociação das

próximas perspetivas financeiras com um quadro de referência que é crítico, em que os países contribuintes

querem contribuir menos e os países beneficiários arriscam, em consequência, receber menos. Dá-se até o

caso de haver novos Estados para ajudar, pelo que o bolo a distribuir é mais enxuto para todos.

Mas, ainda assim, numa Europa onde há recessão a mais e desemprego a mais, os fundos estruturais são

indispensáveis para o crescimento, e ainda o são mais para países que estão sob ajustamento,…

O Sr. João Oliveira (PCP): — E os cortes nas pensões?!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — … porque carecem de regras especiais que

envolvem uma negociação política.

Portugal tem interesses a defender na coesão e na PAC e terá de os acautelar da melhor forma. É muito

infeliz a perspetiva de que há um impasse na União, impasse que se centra na diferença entre 1% e 1,1% do

PIB europeu, porque há aqui uma distância entre uma certa retórica e uma certa prática em termos

institucionais.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E o assalto aos contribuintes?!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — A Portugal convém, obviamente, um

compromisso e, mais uma vez, para Portugal e para muitos outros Estados, a Comissão é o aliado preferencial

nesta matéria.

O terceiro risco é o de que a própria união bancária não é isenta de tensões, sobretudo porque convoca os

países que são Europa mas não são euro para dilemas que não são simples nem fáceis.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Descarregou o alforje para o PSD! Hoje, só o PSD é que carrega o alforje às

costas!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Depois da crise que vivemos, a maior

integração orçamental e bancária é inevitável. O desafio está em conseguir que a zona euro saia mais forte

sem que isso permita que a Europa fique mais frágil.

Tudo isto acontece, aliás, em tempos em que as tentações de secessão percorrem várias regiões da

Europa. Ora, no mundo da globalização, o retorno ao estádio dos nacionalismos, quando não ao dos

extremismos, não só não é competitivo como convoca memórias de uma Europa que viveu demasiadas

guerras para ter o dever de não as esquecer.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Europa é, em si mesma, uma zona de conforto viável para a convivência entre as identidades regionais,

nacionais e europeia, porque o ponto de convergência é, precisamente, o de serem todos europeus.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isto é para o CDS-Madeira! Já percebi!

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O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Portugal não tem, felizmente, esses

problemas, mas tem outros. Além da dívida, do défice e da despesa, tem, obviamente, o crescimento, o

emprego e a mobilidade social.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E as PPP! E o financiamento da banca!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — É com os nossos parceiros europeus e

internacionais que podemos e devemos avançar na resolução desses problemas, verificando a evolução do

seu pensamento sobre os programas de ajustamento e a respetiva flexibilidade, com uma atitude pró-ativa de

quem, por ter escolhido a via do cumprimento e não a da hesitação, ganhou credibilidade para poder resolver

melhor os seus problemas.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Foi salvo da troica!

O Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros: — Aliás, no próximo exame sobre a despesa

estrutural, precisamos da ajuda dos nossos parceiros europeus e internacionais, olhando a evidência das

nossas circunstâncias económicas, sociais e fiscais, agindo técnica e politicamente para um esforço bem

sucedido.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O País terá Orçamento. É agora trabalho da Assembleia da

República procurar, na medida do possível, melhorar aspetos desse mesmo Orçamento. Viva Portugal!

Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, com esta intervenção, terminámos o debate, na generalidade, da

proposta de lei de Orçamento do Estado para 2013.

Vamos dar início ao período regimental de votações, pelo que, antes de mais, necessitamos de proceder à

verificação eletrónica do quórum de deliberação. Assim, peço aos serviços que acionem o sistema e aos Srs.

Deputados que efetuem o registo eletrónico da sua presença.

Pausa.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, peço desculpa, permite-me uma interpelação à Mesa?

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): — Sr.ª Presidente, antes de se iniciar a votação, quero interpelar a Mesa

no sentido de dizer que considero degradante a decisão de conduzir esta discussão em ritmo de marcha

forçada para evitar os protestos à porta da Assembleia da República.

Protestos do PSD e do CDS-PP.

Esta Casa não se esconde do povo, não está refém do povo, não está refém do País e a decisão tomada é

incendiária, é irresponsável e corresponde a atirar mais gasolina sobre a fogueira. É uma decisão degradante

e que envergonha esta Casa!

Aplausos de Deputados do PS.

A Sr.ª Presidente: — Sr. Deputado, a sua intervenção não tem cobertura regimental, mas, se me permite,

estamos a usar o mesmo método que usámos no ano passado.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o quadro eletrónico regista a presença de 222 Deputados e a Mesa acrescenta o Sr.

Deputado António José Seguro, do PS, e os Srs. Deputados Luís Leite Ramos, Luís Menezes e Mendes Bota,

do PSD, o que perfaz um total de 226 Deputados presentes, havendo, por isso, quórum de deliberação.

Começamos por votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 103/XII (2.ª) — Aprova o Orçamento do

Estado para 2013.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP,

do BE, de Os Verdes e do Deputado do CDS-PP Rui Barreto.

Srs. Deputados, a proposta de lei baixa à 5.ª Comissão.

Vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 100/XII (2.ª) — Aprova as Grandes Opções do

Plano para 2013.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP,

do BE, de Os Verdes e do Deputado do CDS-PP Rui Barreto.

Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa igualmente à 5.ª Comissão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr.ª Presidente, quero anunciar que, em meu nome pessoal e em nome

dos restantes Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Região Autónoma da Madeira,

apresentaremos uma declaração de voto relativa à votação da proposta de lei de Orçamento do Estado para

2013.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado Guilherme Silva.

Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro e Castro.

O Sr. José Ribeiro e Castro (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, é para o mesmo efeito, ou seja, apresentarei, a

título pessoal, uma declaração de voto sobre a mesma matéria.

A Sr.ª Presidente: — Está registado, Sr. Deputado.

Passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Orçamento, Finanças e

Administração Pública, relativo à proposta de lei n.º 81/XII (1.ª) — Altera vários diplomas aplicáveis a

trabalhadores que exercem funções públicas e determina a aplicação a estes dos regimes-regra dos feriados e

do Estatuto do Trabalhador-Estudante previstos no Código do Trabalho.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP, do BE,

de Os Verdes e dos Deputados do PS Isabel Alves Moreira, Isabel Santos, Mário Ruivo, Nuno André

Figueiredo, Paulo Campos, Pedro Delgado Alves, Rui Pedro Duarte e Sérgio Sousa Pinto e a abstenção do

PS.

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Sr.ª Presidente, permite-me o uso da palavra?

A Sr.ª Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.

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2 DE NOVEMBRO DE 2012

71

O Sr. Eduardo Cabrita (PS): — Sr.ª Presidente, quero anunciar que, em meu nome e em nome dos Srs.

Deputados Renato Sampaio, Idália Serrão, Ana Catarina Mendonça e Ana Paula Vitorino, irei apresentar uma

declaração de voto relativa à votação que acabámos de realizar.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado Eduardo Cabrita.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno André Figueiredo.

O Sr. Nuno André Figueiredo (PS): — Sr.ª Presidente, do mesmo modo, quero também anunciar que irei

apresentar uma declaração de voto sobre esta votação.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, pedi a palavra para informar, em meu nome e do Sr.

Deputado Rui Pedro Duarte, que apresentaremos uma declaração de voto.

A Sr.ª Presidente: — Fica registado, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, temos ainda que aprovar os n.os

117 a 136 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias

dos dias 1, 6, 8, 14, 15, 20, 21, 22, 25, 27, 28 e 29 de junho e 4, 5, 6, 11, 12, 13 e 25 de julho e 12 de

setembro deste ano.

Não havendo objeções, consideram-se aprovados.

Desejos a todos uma muito boa-tarde e aproveito para cumprimentar o Governo.

Srs. Deputados, vamos entrar no debate na especialidade do Orçamento a seguir a este plenário. Teremos,

portanto, trabalho em sede de comissões.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 14 horas e 51 minutos.

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I SÉRIE — NÚMERO 19

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Imagens projetadas pelo Deputado do PSD Miguel Frasquilho no decurso da intervenção que proferiu no

âmbito do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 103/XII (2.ª)

Imagem 1 — voltar

-1.5

-1.0

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

4.0

1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Per

cent

agem

UE-27

Portugal

Figura 1. Taxa de crescimento anual do PIB potencial, Portugal e UE-27, 1998-2013 (Percentagem)

Fonte: Comissão Europeia.

1M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

Imagem 2 — voltar

Figura 2. Stock das responsabilidades externas líquidas (endividamento externo) de Portugal, 1996-2011

(Percentagem do PIB)

Fontes: Banco de Portugal; cálculos do autor.

10.317.9

24.731.9

39.546.3

55.4 58.263.1

67.4

78.8

88.996.1

110.6107.2

103.7

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

2M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

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Imagem 3 — voltar

Fontes: Banco de Portugal, INE, OE’2013.

Figura 3. Necessidades de financiamento do exterior (saldo da Balança Corrente e de Capital), 1996-2013

(Percentagem do PIB)

3

-2.2

-3.4

-5.1

-6.7

-9.0 -9.4

-6.7

-4.4

-6.5

-8.8-9.5

-8.9

-11.4

-9.6

-8.4

-5.1

-1.1

1.0

199619971998199920002001200220032004200520062007200820092010201120122013

M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

Imagem 4 — voltar

98.4

65.1

32.1 31.520.7

13.3 7.3

-7.7 -10.6 -10.7 -16.1 -17.5 -22.6-35.0

-48.6 -49.4 -55.0 -55.1-63.3 -67.5 -74.9

-84.6 -87.3 -87.7 -90.5-103.7-108.7

Luxe

mbu

rgo

Bél

gica

Ale

man

ha

Hol

anda

Din

amar

ca

Fin

lând

ia

Mal

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Sué

cia

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tria

Fran

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Chi

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Itál

ia

Esl

ovén

ia

Litu

ânia

Rep

úblic

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heca

Est

ónia

Pol

ónia

Rom

énia

Esl

ováq

uia

Letó

nia

Bul

gária

Gré

cia

Esp

anha

Irla

nda

Por

tuga

l

Hun

gria

Figura 4. Endividamento externo1 na UE-27, 20112

(Percentagem do PIB)

1 Responsabilidades externas líquidas da economia.2 Dados relativos ao 3º trimestre de 2011 excepto: Portugal (2011); Roménia (1º trimestre 2011); Bélgica e Hungria (2º trimestr e 2011); Malta,

Áustria, França, Chipre, e Eslováquia (2010).

Fontes: FMI, Bancos Centrais.

Mé dia UE-27 = -30.7

4M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

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Imagem 5 — voltar

8

9

10

11

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13

14

151990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

Figura 5. Despesas com Pessoal das Administrações Públicas, 1990 -2013 (Percentagem do PIB)

Nota: De 1994 para 1995 existe uma quebra de série, devido à inclusão, a partir de 1995, de diversas empresas públicas no perímetro

das Administrações Públicas.

Fontes: Comissão Europeia, OE’2013.

5M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

Imagem 6 — voltar

Figura 6. Crescimento médio anual (%) do PIB nominal, de rubricas seleccionadas da Despesa Pública e da

Receita Fiscal, 1996-2000

Fontes: Comissão Europeia; cálculos do autor.

7.7

9.39.7

8.8

9.5 9.4

5

6

7

8

9

10

PIB Consumos Intermédios

Despesas com Pessoal

Prestações Sociais

Despesa Corrente Primária

Receita fiscal

1996 - 2000

6M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

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Figura 7. Défices Públicos originalmente reportados a Bruxelas e revistos (2002 -2003)

(% do PIB)

Fontes: Ministério das Finanças; Banco de Portugal, INE.

Anos Défice original(reportado a Bruxelas)

Défice revisto(2002-2003)

1996 3.3 4.81997 2.5 3.61998 2.3 3.21999 2.1 2.82000 1.4 2.82001 2.2 4.4

7M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

Imagem 8 — voltar

52.0

54.3

55.0

55.5

58.7

61.6

68.7

75.5

79.9

85.8

96.5

102.4

115.6

123.3

140.2 161.5

184.9198.1

206.3

20

40

60

80

100

120

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160

180

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220

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

EU

R m

il m

ilhões

Figura 8. Dívida Pública, 1995-2013

(EUR mil milhões)

Fontes: Ministério das Finanças; INE.

Receita de privatizações 1996-2000:

EUR 15 mil milhões (15 pp do PIB)

8M i guel Frasquilho Outubro 31, 2012

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Imagem 9— voltar

Figura 9. Insustentabilidade da dívida pública de Portugal já antes da crise internacional *

(% do PIB))

* As projecções foram efectuadas com base na informação económica de dois períodos: (i) favorável, 2005-2007 (linha vermelha); (ii) menos

favorável, 1999-2010 (linha verde).

Fontes: Gianluca Cafiso, “Debt Developments and Fiscal Adjustment in the EU”, University of Catania, Department of Economics and Quantitative

Methods, December 13, 2011.

0

100

50

200

150

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———

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação

Relativas à proposta de lei n.º 103/XII (2.ª):

Os Deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira votaram favoravelmente, na generalidade, a

proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013 mercê do seguinte contexto e condições:

1. O País está, por força da grave situação em que os governos socialistas o deixaram, sujeito a ajuda

externa e submetido a um verdadeiro regime de «protetorado», limitador da sua soberania.

2. Essa circunstância tem obrigado os portugueses, e os madeirenses e porto-santenses também, a um

esforço coletivo sem precedentes, suportando um elevado agravamento de impostos e uma sensível redução

de prestações e apoios sociais.

3. É neste contexto, e também no âmbito do Programa de Ajustamento Financeiro da Região, que foi

apresentada à Assembleia da República a proposta de lei n.º 103/XII (2.ª), que aprova o Orçamento do Estado

para 2013 e dá continuidade, e em alguns aspetos ainda reforça, as medidas de austeridade, designadamente

de agravamento fiscal e de cortes sociais.

4. Para além destas opções de política geral, de que se pode discordar mas que resultam,

predominantemente, do Memorando de Entendimento negociado pelo governo socialista de Sócrates e por ele

subscrito em nome do Estado português, temos que o Orçamento do Estado contém algumas medidas

respeitantes à Região Autónoma da Madeira que devem ser alteradas e corrigidas, registando-se, também,

algumas omissões que devem ser supridas.

5. Os Deputados signatários e o PSD-Madeira, pelo qual foram eleitos, têm naturalmente as suas reservas

e não podem deixar de ser críticos do Orçamento do Estado em alguns pontos e em algumas das omissões

registadas no tocante à Região Autónoma da Madeira.

6. Todavia, são Deputados, não são jornalistas, e a sua prioridade é, como sempre tem sido, a Madeira e

os madeirenses, estando naturalmente preocupados com a adoção de opções não que, em cada momento,

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2 DE NOVEMBRO DE 2012

77

possam ganhar maior projeção mediática mas, antes, de forma inteligente e estrategicamente articulada com a

Comissão Política Regional do PSD Madeira, que melhor sirvam os interesses da Região e das suas

populações.

7. Estão em curso negociações diversas da Região e do Governo Regional, no âmbito do Programa de

Ajustamento Financeiro, que importa acautelar, como importa procurar assegurar que, na especialidade, sejam

aprovadas alterações que deem satisfação a questões com implicação financeira, respeitantes à Região,

pendentes com a República.

8. É de todo indispensável, e mesmo necessário, criar, nesta fase, e no âmbito da intervenção que aos

Deputados da Assembleia da República cabe na defesa da Região, um ambiente propício à viabilização das

propostas que vão apresentar na especialidade.

9. Preocupados em tudo fazer para garantir essa viabilização, não faria sentido, estando em causa, ainda e

apenas, a votação na generalidade da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013, assumir uma

atitude de hostilidade, fosse de abstenção ou de voto contra, que, à partida comprometesse definitivamente

maior ganho de causa na discussão e votação na especialidade da proposta de lei n.º 103/XII.

10. Não poderão os Deputados do PSD da Madeira ser acusados de, imprudentemente, terem adotado

uma atitude conflitual ou de menor solidariedade para com os órgãos nacionais do partido, e em particular

para com o Grupo Parlamentar que integram, em matéria tão delicada como a do Orçamento do Estado, ao

mesmo tempo que, com a posição de voto assumida, não darão azo a que se os acuse de qualquer

procedimento hostil que sirva de pretexto à menor compreensão ou a qualquer falta de recetividade

relativamente às propostas que vão apresentar.

11. Por parte do Governo da República e da Direção do Grupo Parlamentar do PSD, na Assembleia da

República, registou-se abertura para a apreciação das propostas que os signatários vão apresentar, estando já

prevista para a próxima semana uma reunião dos Deputados do PSD-Madeira com o Ministro das Finanças,

como trabalho prévio de análise das referidas propostas, bem como para a ponderação e acerto de soluções

que as viabilizem.

12. O voto favorável, na generalidade, da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013 por parte dos

Deputados signatários decorre, pois, de uma estratégia negocial que, de boa fé e sem reservas, sem qualquer

preocupação mediática, visa obter concretos ganhos de causa para a Madeira, em sede de Orçamento do

Estado para 2013.

13. Com a mesma boa fé e com a mesma lealdade com que votaram favoravelmente, na generalidade, a

proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013, querem os signatários deixar claro, perante o eleitorado

que representam e face ao Governo da República, que a sua posição de voto na votação final global

dependerá, como não podia deixar de ser, do maior ou menor acolhimento que as suas propostas venham a

merecer e, consequentemente, da maior ou menor satisfação dos interesses da Região e dos madeirenses e

porto-santenses.

14. Desta forma, entende-se que, no interesse da Região, se pode, da posição assumida, obter a

conciliação de efeito útil na discussão na especialidade, com a plena liberdade de voto na votação final global,

exprimindo, então, o seu reconhecimento pelo acolhimento das propostas ou o seu firme protesto pelo seu

eventual não acolhimento, o que se espera não aconteça.

15. A votação final global virá a acontecer num momento em que todos os dados são conhecidos e se

sabe, em toda a sua extensão, quanto, no Orçamento do Estado para 2013, se possa traduzir em benefício e

vantagem para a Região ou em seu prejuízo, permitindo aos signatários a assunção de livre posição de voto

que a avaliação final, no que aos interesses da Região diz respeito, determine como a mais adequada.

16. Sem prejuízo de acautelamentos de ordem geral não especificamente inseridos no Orçamento, como

seja a salvaguarda dos interesses da Região em sede de privatização da ANA e da TAP, na garantia de

afetação à Região de parte proporcional das receitas das privatizações, antecipam-se desde já como questões

fundamentais a ser objeto de propostas a apresentar, na especialidade, as seguintes:

a) Sobretaxa de 4% (IRS), prevista no artigo 177.º, cuja receita o artigo 178.º, n.º 3, da proposta de lei

prevê reverta para o Estado mas que, em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, com o

Estatuto Político Administrativo e a Lei das Finanças das Regiões Autónomas, constitui receita regional de que

no contexto difícil do Programa de Ajustamento não é possível prescindir;

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b) Deverá ser aditado um novo n.º 5 ao artigo 137.º, prevendo a transferência para a Região Autónoma da

Madeira, como transferência orçamental, da verba de 62,5 milhões de euros (empréstimo do BEI), em

conformidade com o artigo 6.º, da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho (Lei de Meios);

c) Assegurar a transferência de verbas em falta (cerca de 1,65 milhões de euros), no âmbito do artigo 7.º

da Lei de Meios, destinado a assegurar os apoios a 158 famílias afetadas pelo aluvião de 20 de fevereiro de

2010, no âmbito da habitação;

d) Convergência tarifária — Empresa de Eletricidade da Madeira: Necessidade de assegurar a inscrição no

Orçamento do Estado de verba, a título de compensação, no âmbito da convergência tarifária, por parte do

Estado, que se encontra em atraso desde 2009 (12 milhões de euros), e ainda 2 milhões de euros respeitantes

a 2012 e 4 milhões de euros respeitantes a 2013, a que acresce o valor de 24 milhões de euros destinado ao

financiamento dos custos com a convergência tarifária de 2009. O montante global, vencido (36 milhões de

euros) e vincendo (6 milhões de euros), ascende a cerca de 42 milhões de euros;

e) Retenção de verbas por não observância dos limites de endividamento pela Região Autónoma da

Madeira no exercício de 2011: O artigo 138.º da proposta de lei deve ser eliminado uma vez que, de harmonia

com o artigo 31.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Lei

Orgânica n.º 1/2010, de 19 de março, a sanção ali prevista tem de ser aplicada no ano subsequente àquele

em que se registe o excesso de endividamento, ou seja, a haver lugar, deveria ter ocorrido no Orçamento de

2012, não podendo, por ilegal, ser aplicada no Orçamento de 2013;

f) Eliminação do disposto no n.º 4 do artigo 137.º e inscrição do montante devido de acertos de

transferências orçamentais, no valor de 8,317 milhões de euros, que decorre do despacho do Secretário de

Estado do Orçamento de 30 de dezembro de 2009;

g) Reposição através da Lei do Orçamento do Estado para 2013 de prerrogativas do Centro Internacional

de Negócios, indevidamente retiradas no Orçamento de Estado de 2012 e no primeiro Orçamento Retificativo;

h) Inscrição de verba, no âmbito do Ministério da Economia, necessária à reparação urgente da pista do

aeroporto do Porto Santo.

Os Deputados do PSD, Guilherme Silva — Cláudia Monteiro de Aguiar — Correia de Jesus — Hugo

Velosa.

——

Não tendo podido intervir no debate em Plenário, esclareço por que votei a favor de um mau Orçamento de

Estado (OE), imposto pela péssima situação a que o País foi conduzido e de que ainda não saímos.

Este Orçamento de Estado é, como todos, o OE do Governo, de todo o Governo — não é um OE da

Assembleia da República. Não é o orçamento do PSD, nem o orçamento do CDS; é o orçamento do Governo

de coligação de ambos. É o OE dos ministros, de todos os ministros, não é o orçamento dos deputados, de

nenhum deputado. Só os ministros sabem e podem defendê-lo e explicar em toda a extensão, fruto que é das

suas ponderações e deliberações no exercício da sua exclusiva responsabilidade soberana. Aos Deputados

pertence aprovar ou rejeitar o OE que é proposta de lei do Governo e, bem assim, agir no sentido de o

melhorar onde e se for possível, naqueles pontos que o Governo aceitar — e, hoje em dia, também a troica

validar. Mas os Deputados não podem substituir a proposta do Governo por outro OE que lhes apetecesse.

Repito: este Orçamento de Estado é o OE do Governo, de todo o Governo.

Quatro questões principais.

Uma primeira questão principal a ter presente é este ser o segundo OE no quadro do Memorando com a

troica. Se era para desistir já e romper, o melhor era não ter assinado o Memorando há um ano. Teria de ver-

se de novo que alternativas havia ou há, até porque as críticas que hoje se fazem são exatamente as mesmas

que já há um ano se fez ecoar.

Este Memorando fixa metas (a ir atingindo) e medidas (para procurar atingi-las); e definiu um regime de

avaliações trimestrais:

«As avaliações trimestrais seguintes» (isto é, após a primeira avaliação do 3.º trimestre de 2011) «irão

avaliar o cumprimento das medidas a ser implementadas até ao final do trimestre anterior.

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79

Se os objetivos não forem cumpridos ou for expectável o seu não cumprimento, serão adotadas medidas

adicionais.»

Ou seja, a vinculação substantiva do Estado português é para, exercício a exercício, atingir determinadas

metas financeiras, de consolidação e equilíbrio orçamentais, e não unicamente, nem sequer principalmente,

implementar um dado elenco de medidas. O regime do Memorando é claro: «Se os objetivos não forem

cumpridos ou for expectável o seu não cumprimento, serão adotadas medidas adicionais.» Este OE 2013

inscreve-se exatamente aqui e é o resultado da quinta avaliação trimestral do diálogo com a troica.

A segunda questão principal a ter presente é a de que o Memorando, com aquela exata redação e

orientação, foi negociado diretamente pelo governo PS, partido que não pode deixar de lembrar-se não só da

situação gravíssima a que conduziu o País mas também das obrigações internacionais que, na iminência da

explosão da bancarrota, fez Portugal contrair — e se mantêm. Este Memorando foi também endossado por

PSD e CDS-PP, partidos que, tendo assumido em coligação o Governo do País após as últimas eleições,

assumiram correlativamente a responsabilidade de darem execução e cumprirem o Memorando e suas

obrigações. E ainda que PCP e BE possam, porventura, não dar-se conta disso, a verdade é que o

Memorando também os limita e condiciona, porquanto contém obrigações externas do Estado português a que

ninguém pode eximir-se, integrando claras limitações da liberdade de disposição soberana.

Dito isto: pode falhar-se? Pode. Pode querer fugir-se? Pode. Pode querer violar-se e incumprir? Pode. Mas

tudo teria as suas consequências; e pesadas. A obrigação de cumprir existe e é para todos: primeiro, para

quem o negociou; depois, para quem o aceita e endossou; e, enfim, também para quem não o endossou.

Pode existir sempre — e manifestar-se — a tentação de fugir, não dar a cara, buscar popularidade fácil,

mesmo quando à custa da miséria alheia. Mas as obrigações contraídas são obrigações contratadas por todo

o País em contrapartida de um financiamento extraordinário de 78 000 milhões de euros que nos poupou — a

todos! — ao precipício imediato da bancarrota logo em junho de 2011.

A terceira questão principal a ter presente tem a ver com a música de fundo, em sinfonia de muitos violinos

e cornetas, e com a realidade simples e objetiva de um qualquer orçamento do Estado em qualquer ocasião e

conjuntura. Explico-me. Há a Sr.ª Lagarde e o sábio Blanchard, há o FMI, o BCE e a Comissão, há o PIB e

suas variadas percentagens para este ou aquele efeito analítico, há as grandes variáveis macroeconómicas

XPTO, há as recomendações, conselhos ou meros palpites de inúmeros comentadores e vários doutores

encartados ou de ocasião, há a intrincada crise do euro e todas as fragilidades e incertezas internacionais, há

mais isto e também aqueloutro, há tudo isso, sobre que apreciamos meditar, discutir e filosofar. Mas,

descendo à terra e à realidade do que temos de votar, este OE não deixa de ser o que é, a final de contas, um

qualquer orçamento do Estado: uma autorização de despesa e uma autorização de receita, ponto final.

Ora, das duas, uma: ou há propostas e condições para, nos seus fundamentais, se autorizar uma despesa

e uma receita muito diferentes das que constam da proposta do Governo, ou toda a contradita é retórica

inconsequente, demagogia barata e enganosa.

Como vimos no debate, é assim que efetivamente acontece: nos seus fundamentais, a proposta de OE

2013 não conheceu qualquer alternativa, nem tem sensível margem de manobra, de tão estreito ser o

desfiladeiro em que o País foi — e está — entalado.

E a quarta questão principal a ter presente tem a ver com a focagem naquilo que efetivamente limita, senão

destrói, a nossa liberdade de decidir.

A este respeito, tem-se falado demasiado da troica. Mas não é a troica que limita a nossa liberdade. O que

nos limita a liberdade e a capacidade de decisão soberana é a terrível dívida colossal que fomos acumulando,

atingindo já quase 120% do PIB, bem como ipso facto a incapacidade de nos financiarmos livre e

suficientemente nos mercados.

A dívida pública era já de 86 000 milhões de euros em 2004, o que, atentos os critérios de Maastricht, em

cima dos 60% do PIB, impunha imediatamente «travões às quatro rodas e inversão de marcha». Mas os

governos PS não curaram do problema e, em seis anos apenas, a mesma dívida pública disparou para o

dobro, atingindo os 185 000 milhões de euros em 2011 e ultrapassando, largo, os 100% do PIB.

Quando em abril/maio de 2011 tivemos de chamar a troica para nos socorrer da bancarrota, confessámos a

falta de liberdade e fizemos Portugal reconhecer aquela incapacidade de se prover a si próprio que é inerente

a todos os insolventes, sejam indivíduos ou Estados. O que essa situação afixou, no culminar de uma penosa

degradação – primeiro, de fuga em frente em fuga em frente; depois, de PEC em PEC, numa contínua

Página 80

I SÉRIE — NÚMERO 19

80

derrapagem decadente pontuada pelas agências de rating — é o mesmo, afinal, que encontramos, por aí,

afixado nos estabelecimentos populares do País: «Queres fiado? Toma!»

Importa tê-lo bem presente, para não nos enganarmos na realidade à boleia dos discursos anti-troica e na

irresponsabilidade que sobrevive e resiste.

A troica podia ir-se embora que o nosso problema permaneceria, inescapável — e ficaria pior. O nosso

problema efetivo é a dívida. Se rompêssemos com a assistência da troica, ficaríamos com o problema real da

dívida em carne viva, tendo não só que fazer a consolidação orçamental a frio (como nos aconteceu), mas que

agir completamente às cegas e à bruta no estoiro da falência e sob a penúria total da bancarrota. A nossa ira

— e, mais do que a ira, a nossa memória futura — deve ser dirigida contra a dívida, pois é esta que nos

afundou e estrangula. A troica é o que ainda nos permite navegar, embora com rota balizada.

Os «bons» e os «maus» orçamentos.

Comecei por dizer que este é um «mau orçamento». E, na verdade, é assim. Um Orçamento do Estado

que agrava a carga fiscal como este faz é um mau orçamento. Um Orçamento do Estado que, como com

verdade e coragem afirmou o Ministro das Finanças, contém um «enorme aumento de impostos», é um mau

orçamento. Um Orçamento de Estado em que a nossa margem de decisão fundamental é já nula não pode

deixar de considerar-se um mau orçamento. É um Orçamento do Estado a que fomos condenados.

Assim, as questões que importa examinar quanto a aprovar um mau orçamento como este são as

seguintes: É este OE um mal menor? Isto é, as eventuais alternativas a este OE são todas piores? É este OE

um OE necessário? Inscreve-se este OE na rota de saída de Portugal do buraco em que foi metido e ainda

está?

Percorrendo com seriedade e em consciência estas questões, as respostas são todas afirmativas. Sim, o

OE 2013 é um mal menor. Sim, as alternativas a este OE 2013 são todas piores. Sim, este OE 2013 é um OE

necessário. Sim, este OE 2013 inscreve-se na rota de saída de Portugal do buraco em que foi metido e ainda

está.

O que é um «bom orçamento», nos usos nacionais? Um «bom orçamento» é um Orçamento do Estado

com muita despesa pública, um fartote de despesa, uma festa de despesa. É um OE com muitas

transferências e benefícios, com aumentos salariais a rodos, com novas regalias e apoios sociais, com muita

«obra». É um OE com muitas estradas e novas pontes, com TGV dê por onde der, com aeroportos mesmo

que sem aviões, com novas autoestradas mesmo que sem carros, com muitos edifícios novos não curando

sequer dos custos de manutenção. Ah, e é um OE também com transferências à discrição para a Região

Autónoma da Madeira.

Na vertigem febril do dito «investimento público» dos governos socialistas de José Sócrates — TGV, novo

aeroporto de Lisboa, terceira autoestrada Lisboa-Porto — cheguei a esperar que, em razão das alterações

climáticas, do aquecimento global e da esperada subida do nível dos oceanos, viesse a ser anunciada a

construção do porto de águas profundas de Portalegre, pronto para quando o Atlântico, galgando a lezíria, as

planícies e as terras baixas, só parasse na Serra de S. Mamede. Os orçamentos que pagassem mais essa

visão de rasgo e génio seriam «muito bons orçamentos», ao serviço da crendice arreigada do socialismo

circunstante: «bom para a economia é o Estado gastar, gastar, gastar, gastar sempre mais».

Ao fim de anos a fio assim, décadas de orçamentos desses, depois de orçamentos em que acumulámos

défice atrás de défice, empacotámos tudo numa dívida gigantesca e chegámos ao ponto em que... «era bom,

mas acabou-se». Alienámos por inteiro a liberdade de decidir mais despesa, porque comprometemos

totalmente a nossa capacidade de a financiar. E a única liberdade que realmente mantemos quanto à despesa

pública é para a cortar ainda mais do que, no maior esforço de sempre, os 11 000 milhões de euros já

cortados nestes dois anos — tarefa e imperativo, porém, que, em termos relevantes, não é para já possível

antes de significativas reformas na estrutura e funções do Estado.

Olhando agora ao lado da receita, o que é um «bom orçamento»? Um bom orçamento é um OE com baixa

carga tributária, um OE que não penalize a economia, que nos deixe crescer e alivie o fardo desta economia

«pés-de-chumbo», que não castigue as famílias e as empresas, que não puna a poupança e não desincentive

o investimento.

Há já alguns anos que não temos orçamentos assim. E, infelizmente, não estamos, para já, em situação de

os podermos ter. A febre da despesa pública e o aumento sucessivo dos encargos do Estado levaram a

carregar crescentemente as receitas fiscais e parafiscais. O próprio combate à fraude e evasão fiscal, apesar

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de indispensável, conduziu ao beco de um logro grotesco o discurso bondoso do «alargamento da base

tributária»: o Estado não devolveu nem devolve à economia e aos cidadãos cumpridores um só cêntimo dos

largos milhões de euros de impostos recuperados dos incumpridores, pela simples razão de que, guloso,

abocanha tudo e mais um pouco para sustentar a envergadura e a dinâmica de paquiderme.

Entrámos, há anos, em voracidade fiscal incessante. José Sócrates e Teixeira dos Santos começaram por

ensaiar a consolidação orçamental pelo lado da receita, agravando todos os impostos, sem exceção, a partir

de 2005, e atingindo o limite da fadiga e exaustão fiscal do País — e, no final, ainda tiveram que ultrapassar

esta fronteira, quando, com a crise generalizada e o descontrolo consequente, perderam por completo a mão.

A situação, hoje, não é diferente, antes mais apertada e exigente. Era positivo baixar a carga fiscal? Era. É

possível? Não. É até, realmente, incontornável aumentá-la ainda mais sobre um corpo já cansado e exausto,

por virtude do esgotamento da outra via financeira de receita: empurrar livremente para a dívida.

Em suma: o endividamento enorme e a rigidez da despesa pública também alienaram a nossa liberdade

quanto ao nível da receita tributária.

O que é, enfim, um «bom orçamento» sob o ângulo do défice? Um «bom orçamento» é um OE

descontraído, um OE «relax, meu!», um OE sem stress, um OE que esconde o seu desequilíbrio estrutural no

défice continuado, que varre para debaixo do tapete da dívida pública acumulada o vírus da insustentabilidade.

Esse é que é um OE catita: um OE que permite aos governos darem aos cidadãos as despesas de que

gostam sem lhes cobrarem a receita tributária que não gostam de pagar; um OE com ilusões de umas

borlazitas e recheado com a fantasia do gratuito.

Quem paga? Paga o futuro. E quem é o futuro? São os empréstimos dos credores, enquanto confiam, e

sempre, sempre os impostos dos amanhãs que já não cantam. Foi aí que batemos em abril de 2011.

Perdemos também a liberdade de gerir o endividamento. Os credores deixaram de confiar e nós ficámos

condenados a agravar ainda mais os impostos, para pagar o desvario e suportar o regresso penoso à

realidade.

Ainda o défice. Despesa e receita no OE 2013. A responsabilidade de votar.

A troica é maçadora? É. A troica é uma chata. Mas, nesta muito dolorosa saída da bancarrota, a troica

ainda nos permite suavizar um pouco a viagem e não entrarmos no colapso total.

Neste OE 2013, a assistência da troica tem uma medida concreta: é o défice de 7500 milhões de euros,

equivalente à vergonha ainda inapresentável de 4,5% do PIB — um objetivo que perseguimos teimosamente

desde 2010 mas que ainda não conseguimos dobrar, nem na execução orçamental do OE 2011 nem de novo

na do OE 2012; e que é, agora, outra vez fixado para o fim de 2013.

Aqueles que querem chumbar o OE 2013, envolvendo necessariamente romper com a troica, o que

propõem quanto a esses 7500 milhões de euros que a troica, revendo as metas do Memorando inicial, nos

consentiram e financiam?

Querem financiá-los com mais impostos e taxas, carregando mais 7500 milhões de euros de tributos em

cima dos 4000 milhões de agravamento fiscal e parafiscal que já fazem este OE 2013 chiar e gemer, ou

preferem antes cortar à bruta esses 7500 milhões de euros na despesa pública? Querem, por exemplo, cortar

a totalidade da despesa do Ministério da Saúde (7900 milhões), deixando uns trocos para gazes, adesivos,

aspirinas e esparadrapos? Preferem cortar a totalidade da despesa do Ministério da Educação e Ciência (7000

milhões), mais as coisinhas do Ministério dos Negócios Estrangeiros (328 milhões) e do Ministério da

Economia e Emprego (215 milhões)?

Não se ouviram propostas nem ideias a este respeito por parte de PS, PCP e BE, tão-pouco da parte do

CDS-PP/Madeira. Estamos conversados.

Há os que protestam ainda — e carregados de razão — contra o abuso tributário deste OE 2013. E

invocam essa carga sobre a carga como outra razão para votarem contra, o que, sendo a sério, envolveria o

chumbo do OE e romper com a troica.

Mas o que propõem como alternativa aos 4000 milhões de euros de agravamento tributário que, em

rigorosa contingência, este OE 2013 contém?

Em que áreas da despesa defendem cortar? Fechariam os Ministérios da Administração Interna (2000

milhões) e da Defesa Nacional (2000 milhões)? Cortariam quase metade da despesa do Ministério da

Solidariedade e Segurança Social (8900 milhões)? Ou cortariam transversalmente um bocado aqui e outro

acoli, incluindo as transferências para a Madeira e o seu PAEF específico?

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Também não se ouviram propostas nem ideias a este respeito por parte de PS, PCP e BE. Idem por parte

do CDS-PP/Madeira. Estamos conversados.

E não se querendo nem a troica, que nos financia o défice, nem os impostos, que nos sobrecarregam,

como fariam para acorrer aos 11 500 milhões de euros agregados destes dois blocos, o défice consentido

mais o agravamento tributário? A evidência é tão absurda e a demagogia tão óbvia que até fica mal pensar só

na pergunta. Estamos conversadíssimos.

É evidente que a mal-amada troica FMI/BCE/CE pode sempre ser substituída por outra troica PS/PCP/BE,

a troica do «não pagamos!» ora em discurso mais bruto e frontal, ora em embrulho mais sonso e sofisticado.

Se esta nova troica, forjada no calor exuberante da discussão parlamentar do OE 2013, desencantar e

fornecer generosamente 11 500 milhões de euros a fundo perdido ou em empréstimo sem juros, o caso era

capaz de mudar de figura: não teríamos que agravar impostos e a cobertura do défice estaria assegurada. Se

o CDS-PP-Madeira se juntasse a esta nova troica e agregasse mais uns fundozitos, com jeito até poderíamos

aumentar um pouco mais a despesa pública deste OE a contento de todos e retomar a linhagem dos «bons

orçamentos» dos últimos anos. E não se falava mais nisso — até termos de pagar a factura.

Porém, como a nova troica PS/PCP/BE não se atravessou, lá temos de continuar com a troica chata, a dos

FMI/BCE/CE.

E a verdade é que o esforço a efetuar no OE 2013 seria ainda maior se a troica nos obrigasse a tentar

atingir a meta fixada no texto original do Memorando negociado pelo Governo socialista. O teto do défice

estava aí fixado, como tem de recordar-se, em 5 224 milhões de euros em 2013. E este facto serve para ter

bem presentes dois outros factos: primeiro, o de que, não fora a revisão desta meta na quinta avaliação

trimestral, teríamos de fazer um esforço adicional de ainda mais 2300 milhões de euros de austeridade,

aumentando substancialmente a dificuldade e a dor do exercício; e, segundo, o de que estamos infelizmente

bem «aquém da troica» (atento o Memorando inicial negociado pelo PS) e não «além da troica», como um

permanente e infeliz jogo de palavras dos socialistas tem procurado dar a entender e atacar.

A «receita» está certa ou estará errada?

Muitos dizem que «a receita está errada» e que é indispensável alterá-la. É possível discutir tudo isso mas,

para trabalhar noutro quadro de referência, é indispensável, por um lado, convencer os credores e quem nos

financia e, por outro, ter a certeza de que a nova «receita» será melhor do que esta.

Nós mandamos no nosso dinheiro — ou melhor, devíamos ter mandado a tempo, em vez de nos

colocarmos nesta posição tão vulnerável de carência extrema e dependência absoluta —, mas não mandamos

no dinheiro dos outros, não mandamos nos recursos de quem nos empresta a boia que nos evita o

afogamento na bancarrota, na ruína total, na completa miséria.

Podemos ter muitas ideias sobre a forma como deviam emprestar-nos ou dar-nos o dinheiro deles, mas

essa avaliação e decisão não é nossa, é deles. Além disso, mesmo que a sua avaliação fosse diferente do que

criticamos e mais ao gosto do que nos convém, era indispensável que eles tivessem todos esses recursos

adicionais a que nós (e outros em situação similar) aspiramos. Ora, sabemos que não é assim.

A crise é mais ampla do que apenas nossa e, mesmo que houvesse outra vontade política, nem esses

recursos estão ilimitadamente disponíveis nem existiriam apenas para nos socorrer e agradar.

Por outro lado, uma outra «receita», passando necessariamente pela renegociação aberta do Memorando

e por um segundo resgate, teria que ser melhor do que esta. Senão... antes como está, em toda a medida que

seja possível cumprir.

A dimensão dos sacrifícios que o endividamento e a incapacidade de financiamento autónomo nos obrigam

a atravessar e suportar não tem a ver apenas com a dose mas também com o tempo de duração.

Frequentemente, o tempo de duração é bem pior do que a dose: sofrer mais tempo também é sofrer mais —

muitas vezes, sofrer muito mais. Por um lado, há políticas de ajustamento que entram em relaxe e

derrapagem: fazem-se os sacrifícios e não se atingem os resultados, nem nos aproximamos deles. Por outro

lado, esse quadro de segundo resgate ou de resgates sucessivos traduz-se em agravamento do descrédito,

agudização da crise, afundamento da dependência, adiamento da liberdade e da recuperação.

O exemplo da Grécia é impressiva ilustração. O segundo resgate pode ter dado a ilusão instantânea do

alívio de sacrifícios que os gregos não estavam dispostos a suportar ou não tinham já condições para suportar.

Mas, em rigor, pouco ou nada aliviou e, quer no presente, quer para diante, o quadro de sacrifícios continua

enorme, porventura mais brutal.

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O exemplo da Grécia também serve de prevenção geral contra o discurso do «não pagamos!» que, de

forma explícita ou implícita, informa o discurso ou as hesitações de muitos. A situação em que nos afundaram

é tão terrível que pagamos sempre. Pode até acontecer que os credores não recebam nada ou não recebam

boa parte dos seus créditos, mas nós pagamos sempre, dê por onde der.

A Grécia teve «hair cut», teve perdão de dívida e poderá vir a ter outro, mas essa rampa de incumprimento

por onde entrou não a exonerou de sacrifícios tremendos e mais brutais. Pelo contrário. Em crise, em

descrédito, em recessão, em desemprego, em baixa dos salários, em corte das pensões, em perda de

poupanças, em erosão e depreciação do património, em desaparecimento de direitos e regalias, em

empobrecimento, no vórtice da possível expulsão do euro, na explosão da inflação e de desvalorizações

cambiais sucessivas, pagamos sempre. Melhor que seja num quadro regulado de cumprimento e de

recuperação de crédito — e que seja mais breve e mais rápido.

Há quem desperte para mais pró-atividade internacional quanto às políticas seguidas e, face à dureza e

dificuldade do caminho, quem se interrogasse sobre a continuidade já em cima do OE 2013. Ora, a exigência

brutal do OE 2013 não resultou tanto de si mesmo mas de, com verdade e responsavelmente, não haver outro

quadro que pudesse se considerado.

Para serem outras as previsões no lado da despesa, as reformas estruturais do Estado deveriam ter sido

empreendidas e consumadas anteriormente por todo o Governo e pela maioria, a tempo de poder considerá-

las para 2013 — do mesmo modo como, agora, temos que lançá-las a tempo de poderem ser levadas em

conta para 2014. Para serem outros os constrangimentos incontornáveis do lado da receita, era preciso que

fossem outros os sinais revelados nos relatórios de acompanhamento da execução orçamental e, bem assim,

os limites decorrentes do acórdão do Tribunal Constitucional — tudo claro e conhecido de todos desde

junho/julho passados. Para poder eventualmente ser outro o quadro de acerto com a troica, era imperioso,

desde logo, que isso fosse possível e, depois, que essa linha decorresse da avaliação política da coligação no

primeiro semestre, não em cima da conclusão do OE. E, para poder vir a ser outro o contexto das políticas

europeias que nos condicionam, importa, na verdade, como tenho defendido desde o início de funções do

Governo, valorizar, enunciar e projetar a nossa política europeia, ter uma política externa mais interveniente e

melhor apontada, mais consciente de que a política europeia é verdadeiramente de novo a prioridade das

prioridades dos Estados-membros da União Europeia e promover incansável ação diplomática e política em

linha com a nossa visão da Europa e os interesses estratégicos nacionais.

Isto, aliás, não tem nada a ver com ser ou não ser «cumpridor». Tem a ver com ser «cumpridor» mas

compreender que as soluções globais têm de ser europeias, comuns e do nosso interesse e agir com o crédito

precisamente de sermos «cumpridores». Tem a ver com a consciência aguda de que, nestes dias, a Europa é

a prioridade mais exigente da nossa política externa, bem como com a promoção da informação política

oportuna e do debate democrático aberto sobre as questões e escolhas determinantes que estão em cima da

mesa e rejeitando o modo que Adriano Moreira chama de «políticas furtivas». Tudo o mais são consequências.

O OE 2013 também.

As promessas eleitorais. O meu voto a favor. Dar a cara.

Este é o sentido fundamental do meu voto a favor de um Orçamento de Estado que é mau: um OE em

estado de necessidade.

Fala-se muito de promessas por cumprir, escrutínio que é sempre devido quanto a cada um que as fez. A

responsabilidade democrática é eixo e fundamento da democracia para todos, na maioria como na oposição.

Como Deputado eleito pelo CDS-PP, a maior e principal promessa que sei ter feito nas eleições de Junho

de 2011 foi a de falar verdade e dar tudo por tudo para retirar Portugal do buracão onde foi metido. É esse o

meu primeiro e principal dever. E esta consciência e certeza são o principal antídoto contra qualquer

hesitação, ou tergiversação, ou duplicidade, ou deriva, ou desvio, ou fuga, do caminho de salvação nacional a

que estamos comprometidos e que constitui a nossa primeira obrigação democrática e patriótica.

Num caminho recheado de dificuldades e de incertezas, posso garantir, sob palavra de honra, que estou

absolutamente certo de que, a final, não se falhará? Não. Ninguém pode ter, nem dar essa certeza.

Só posso tentar. E devemos dar o máximo de que formos capazes. Devemos dar toda a determinação e a

coragem que o incontornável imperativo do reajustamento financeiro nos pede. A nossa economia só poderá

finalmente respirar e crescer quando as nossas finanças estiverem em ordem e o Estado, equilibrado e

reformado, deixar de pesar sobre as empresas, as famílias, os cidadãos, e não mais estrangular o futuro.

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As alternativas a este caminho seriam somente escolher falhar ou escolher fugir. Nenhuma é uma escolha

responsável. E a escolha de fugir é a pior: seria também falhar mas deixaria, além do fracasso, também a

vergonha.

Ideias e propostas para reduzir a despesa e melhorar a receita.

Embora a margem de manobra do OE 2013 seja inexistente quanto aos parâmetros fundamentais, importa

melhorá-lo em toda a medida possível durante a apreciação na especialidade. Essas melhorias hão-de ser

neutras no plano orçamental, não envolvendo aumento de despesa nem pondo em risco o limite do défice — e

só poderão ser levadas a alívios do lado da receita desde que se fundem em baixas significativas do lado da

despesa.

Adianto, neste quadro, algumas ideias e propostas, na intenção de que quaisquer ganhos conseguidos na

maior redução da despesa sejam levados, em primeiro lugar, a diminuir o esforço enorme com que os

aposentados, pensionistas e reformados estão a ser fustigados e, a seguir, a atenuar o agravamento fiscal.

Do lado da despesa, seria importante conseguir uma baixa dos juros da dívida pública. O peso desta fatia

já é muito elevado, sendo este um dos efeitos mais perversos da escalada de endividamento em que

sucessivos governos afundaram Portugal — o PS deve pôr a mão na consciência e a Madeira também.

Os juros e encargos da dívida pública vão ascender já a 7300 milhões de euros, quase tanto como o que

gastamos em saúde e mais do que gastamos em educação. Do nosso IRS, 3/5 serão para pagar juros. Ou

todo o produto do IRC e de todos os impostos relativos a viaturas (ISP, ISV e IUC) são para suportar os juros e

encargos da dívida.

Estes juros não têm a ver unicamente, nem principalmente, com os empréstimos da troica e é verdade que

os juros da troica já baixaram desde o início da assistência financeira, em junho de 2011. Mas qualquer

melhoria — pequena que fosse – que se obtenha na parcela de juros devida à troica seria, por um lado, uma

redução na nossa despesa financeira e sobretudo, por outro lado, um sinal efetivo de apreciação pelo esforço

já feito por Portugal e um gesto de encorajamento e apoio ao esforço que ainda falta.

Há que dar também sinais claros a que a opinião pública adira e não correspondam apenas a populismo

demagógico. Por exemplo, enquanto durar o período de assistência pela troica e pesar este enorme gravame

fiscal sobre os portugueses, dever-se-ia suspender todo e qualquer financiamento público de campanhas

eleitorais. Em 2013, a poupança seria de 46 milhões de euros, montante previsto para as próximas eleições

autárquicas.

Também importa desenvolver um esforço mais enérgico e musculado quanto às fundações, observatórios e

outras ignotas periferias, bem como agir com mais coragem e determinação sobre PPP e rendas excessivas,

nomeadamente nos sectores mais resilientes e poderosos, como no domínio da energia.

É, enfim, claro que avanços consistentes e sustentados sobre a despesa pública, quer para ganhos

continuados nos consumos intermédios, quer no plano das grandes áreas orgânicas e funcionais, não se

alcançam com movimentos isolados como foram o PRACE ou o PREMAC. Exigem ação continuada e

persistente, bem como uma profunda reforma do Estado.

Seria conveniente, assim, constituir duas instâncias:

Uma «comissão-guilhotina» que, dirigida e coordenada a partir dos departamentos governamentais do

Orçamento e da Administração Pública e agindo por auditoria permanente e brigadas de estudo e intervenção

junto dos inúmeros organismos públicos e suas diferentes unidades funcionais, identifique de forma

sistemática, trimestre a trimestre, ano após ano, os gastos supérfluos, os desperdícios, as redundâncias e

duplicações, as irracionalidades, os pequenos truques e alçapões, os desvios e habilidades, propondo novos

procedimentos, monitorando a sua aplicação, empreendendo correcções cirúrgicas e afinando a constante

racionalização e economia do gasto público;

Uma comissão para a reforma do Estado e da Administração Pública que, com qualificada assistência

técnica nacional e internacional, apoie o Governo na preparação das reformas indispensáveis a, olhando

globalmente todo o Estado e todo o edifício da administração central, regional e local, reduzir o peso

incomportável do sector público sobre o País, aumentar a eficiência e agilidade do seu desempenho, libertar a

economia e a sociedade civil, assegurar o cumprimento eficiente e equilibrado das funções soberanas e das

funções sociais do Estado, numa palavra, substituir o modelo socialista falido, insustentável e decadente por

um Estado social proporcionado, sustentável e progressivo.

Esta reforma, de maior fôlego, terá de abordar as diferentes funções do Estado e o modelo de desempenho

de cada uma. Mas há duas linhas que poderiam avançar de imediato:

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A primeira, uma reforma articulada de toda a administração territorial, tanto a desconcentrada, como a

descentralizada e autárquica no horizonte final de 2017, reavaliando a regionalização, desencravando as

áreas metropolitanas, finalizando a extinção dos distritos, reformando municípios e administração municipal e

concluindo o processo encetado com as freguesias;

A segunda, um movimento geral de verticalização da Administração Pública, começando no

emagrecimento drástico dos gabinetes governamentais e na reconstrução da capacidade técnica dos

Ministérios, levando os membros do Governo a trabalharem direta e permanentemente com os corpos

superiores da administração central, eliminando a dependência crónica de serviços externos e operando uma

eliminação significativa de institutos públicos, entidades reguladoras e outros corpos autónomos, substituídos,

como regra, por direções-gerais ou equivalentes, em ordem a: tornar a Administração mais económica, ágil e

eficiente; fortalecer o exercício da legítima autoridade democrática e efetiva responsabilidade política; reduzir o

emprego político e fortalecer as carreiras técnicas; em suma, gerar uma rede estatal que custe menos,

responda mais e faça melhor.

Do lado da receita, as minhas objeções centram-se sobretudo na reestruturação tributária que está em

curso e que é injusta, gravosa e totalmente inoportuna.

Os períodos de emergência financeira não são conjuntura adequada para empreender reformas tributárias,

com exceção das que se dirijam a prevenir e combater a fraude e evasão fiscal ou das que, ensaiando novas

vias transitórias de tributação, permitam aliviar outras já demasiado sobrecarregadas. Nesta última perspetiva,

melhor seria, por exemplo, reponderar a reintrodução do imposto sucessório em lugar de carregar de maneira

brutal nos impostos sobre o património, ou introduzir, como sucedeu durante um período recente no Brasil, a

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e usar quer o seu produto, quer o saldo

eventual do imposto sucessório para aliviar a asfixia exercida pelo IRS.

O que se passa no quadro do IMI e do IRS é, a meu ver, profundamente errado, crítico e negativo e deve

ser substituído por outros mecanismos com absoluta neutralidade fiscal, isto é, assegurando exatamente a

mesma receita e não pondo em crise o Orçamento de Estado.

A avaliação forçada para efeitos de IMI que está a ser feita sobre os prédios urbanos é, em inúmeros

casos, uma violência desproporcionada com consequências pessoais e sociais dramáticas.

Pelos dados disponíveis, abrange cerca de 5 milhões de prédios, aos quais, sem irem ao mercado nem

mudarem de titular, é atribuído um novo valor patrimonial tributário (VPT), guiado por um «valor de mercado»

completamente artificial e, em geral, muito gravoso e inteiramente fora da realidade.

O Estado é desmesuradamente «generoso» na avaliação desses patrimónios, não porque os queira

comprar, mas porque os quer tributar ainda mais, como rentista parasitário. O agravamento brutal dos VPT de

patrimónios que não mudaram de mãos, conjugado com o aumento das taxas de tributação já incluído no OE

2012 e o agravamento de alguns fatores de base como os coeficientes de localização, aparenta enquadrar-se

numa perversa e desfocada ideologia geracional, que tem tido outras manifestações e pode afetar e

comprometer a coesão social. Penaliza a poupança e agrava inesperadamente os encargos patrimoniais de

quem sempre cumpriu e nada fez de censurável, sendo de molde a induzir transferências massivas e forçadas

de propriedade (dos velhos para os novos e de pobres e remediados para os ricos e muito ricos) e a gerar

ruturas abruptas da solvabilidade de muitos contribuintes.

As chamadas «cláusulas de salvaguarda», que foram introduzidas no OE 2012, atenuam o choque, mas

não são resposta nem adequada nem suficiente: afiguram-se mais como cláusulas de salvaguarda dos

políticos, iludindo o problema, do que cláusulas de salvaguarda dos contribuintes.

Defendo o congelamento e suspensão de toda a atualização forçada para efeitos de IMI dos prédios

urbanos que não mudaram de dono, mantendo-se inalterado o seu enquadramento tributário. Em contrapartida

e para garantir a neutralidade orçamental deste congelamento, a tributação em IMI dos prédios abrangidos

seria objeto de uma sobretaxa extraordinária que garantisse a receita fiscal pretendida.

Pelos dados disponíveis quanto à receita atual e projetada do IMI, estimo grosseiramente que essa

sobretaxa pudesse ser da ordem média de 10 a 15%, e a sobretaxa poderia ser aplicada ou de maneira

uniforme ou de modo graduado e progressivo, consoante a forma mais justa que a administração tributária

apurasse em simulações sobre a base real dos 5 milhões de prédios.

Por outro lado, no mesmo espírito, o congelamento das atualizações forçadas seria excecionado em todos

aqueles casos em que o novo VPT dos prédios urbanos não resulte em aumentos superiores a 10 a 15% do

IMI a pagar.

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É minha convicção que a opção por esta sobretaxa média de 10 a 15% asseguraria efetivamente a receita

esperada no Memorando com a troica, correspondendo a um esforço ordenado, compreensível e comportável

para os contribuintes. Ao invés, a via que está a ser seguida pelos OE 2012 e 2013 pode gerar o caos, revolta

generalizada, indignação mais que justificada, recusa de pagamento e relaxe — ou seja, provocar aguda

conflitualidade social e erosão política, bem como quebra acentuada ou mesmo rutura da receita pretendida.

Para determinação dessa sobretaxa média de 10 a 15% sobre o IMI dos prédios com VPT não actualizado,

é ainda indispensável que o Governo esclareça por que razão, entre o Memorando inicial e a última revisão

conhecida, o montante previsto de aumento da arrecadação com a eliminação de isenções do IMI baixou de

250 milhões de euros para apenas 50 milhões, ao mesmo tempo que cresceu a previsão de aumento da

receita fiscal imputável às atualizações de valor dos prédios de 150 milhões para 250 milhões de euros. Não

será compreensível que se alivie os totalmente isentos para agravar a carga fiscal dos reavaliados.

Importa também estabelecer garantias exigentes de que o esforço adicional no IMI vai reduzir o défice e o

endividamento do Estado, em vez de, em ano de eleições autárquicas, reverter em benefício de municípios

que façam flores à nossa custa.

No tocante ao IRS e novos escalões previstos, as minhas objeções e propostas são de natureza e

raciocínio similar. Por um lado, não concordo com a ideologia subjacente a esta reforma tributária, em razão

dos seus efeitos práticos penalizadores. Por outro lado, creio que conjunturas de emergência financeira

tornam inoportuno reformular o estatuto tributário dos contribuintes.

Compreendo a ideia da redução a três escalões de IRS e outras linhas de chamada «simplificação» que

consta de orientações do CDS desde 2009, mas não concordo, pois essa reforma, isoladamente e na prática,

sempre reverte em maior aperto para as classes médias. Por isso, defendi e continuo a pensar que a situação

concreta do País e da pressão financeira do Estado exigiria antes manter os sete escalões e subir o nível do

escalão mais elevado, alargando os respetivos intervalos, e/ou estabelecer novos escalões mais elevados

(como aconteceu com mais um, em 2010), por forma a poder aliviar a taxa de tributação nos escalões

intermédios.

Se é assim, a meu ver, em situação normal, mais ainda numa situação de emergência financeira, em que o

aperto público e o estado de voracidade anulam qualquer vantagem que a reforma teoricamente pudesse ter.

Por isso, ainda que a redução a cinco escalões não seja tão negativa quanto seria a simplificação para apenas

três escalões, a reforma é má, deslocada e injustificável.

Melhor seria, por isso, para a mesma receita pretendida em IRS, manter os escalões inalterados e aditar a

cada escalão sobretaxas transitórias de tributação (uma espécie de imposto de emergência nacional) que

garantissem rigorosamente a mesma arrecadação. E se, como diz, o Governo pretendeu também aumentar a

progressividade no IRS, dando um importante sinal de justiça social na repartição dos sacrifícios, o mesmo

poderia ser obtido por esta outra forma: basta que a nova sobretaxa transitória fosse também ela progressiva,

acentuando a progressividade dos escalões existentes.

Na situação em que o País se encontra, só são exigíveis mais sacrifícios aos cidadãos desde que, por um

lado, o Estado mostre que está a fazer tudo o que pode para reduzir o fardo da despesa pública e, por outro

lado, havendo ainda agravamentos fiscais a aplicar, estes cumpram cumulativamente três testes: o da

imprescindibilidade; o da justiça na repartição; e o da transitoriedade.

Os cidadãos precisam de ver e de acreditar que o esforço fiscal que ainda lhes seja pedido, já para lá da

fadiga tributária, é apenas passageiro, enquanto a crise não passa e a despesa pública não é posta em ordem

e dimensão comportável. Sobretaxas e remédios tributários semelhantes enquadram-se nessa abordagem. Já

reestruturações do estatuto fiscal de cada um ou reformas do sistema tributário apontam no sentido inverso:

ficarão para além da crise, vão no sentido não de reformar o «monstro», mas de o alimentar e transmitem que

o diagnóstico não é, afinal, excesso de despesa mas míngua de receita. Não pode ser.

Por isso, considero que as mexidas no IMI e no IRS refletem uma estratégia errada de abordagem da crise.

Reformas tributárias como estas e neste contexto preciso geram dinâmicas erradas e difundem uma ideia

politicamente muito negativa quanto à real orientação do Governo e da maioria. Não sendo estes traços

corrigidos na especialidade do OE 2013, não poderão deixar de inspirar uma próxima contra-reforma fiscal que

reponha os dados de partida e volte a focar o problema e a solução no plano correto e na direção certa: o que

importa estruturalmente é trabalhar para reduzir o peso do Estado, abater a despesa pública para patamares

sustentáveis e estabilizar um quadro de equilíbrio das finanças públicas que permita baixar duradouramente a

carga fiscal sobre famílias e empresas, favorecer o dinamismo da economia e gerar emprego e riqueza.

Página 87

2 DE NOVEMBRO DE 2012

87

Estas as razões do meu voto na generalidade quanto ao OE 2013 e algumas ideias no sentido de o poder

melhorar na especialidade.

O Deputado do CDS-PP, José Ribeiro e Castro.

———

Relativa à proposta de lei n.º 81/XII (1.ª):

Os Deputados do Partido Socialista signatários desta declaração de voto acompanharam o sentido de voto

da bancada abstendo-se na votação final global da proposta de lei n.º 81/XII (1.a), que tem por finalidade

transpor para o regime de trabalho em funções públicas as alterações recentemente introduzidas no Código do

Trabalho pela lei. Nestes termos, parte significativa das razões desta declaração de voto reconduzem-se às

que foram formuladas aquando da votação final global da proposta de lei n.º 46/XII, que alterou o Código de

Trabalho.

Destaca-se igualmente a circunstância, agravada relativamente àquela iniciativa legislativa, de a maioria

parlamentar, apesar de fazer alusões reiteradas à necessidade de um consenso alargado, ter rejeitado todas

as propostas de alteração apresentadas na fase de discussão na especialidade pelos partidos da oposição.

Referem-se designadamente entre as matérias questionadas pelo Partido Socialista relativamente às quais

não foi manifestada qualquer disponibilidade para consideração pela maioria as seguintes:

1. Artigos 1.º, n.º 2, e 5.º — Determina a aplicação da norma do Código do Trabalho que procede à

abolição de dois feriados nacionais e à suspensão de dois feriados religioso, sem qualquer compensação

remuneratória, colocando em crise o princípio da laicidade do Estado e abolindo o 5 de Outubro, que celebra a

adoção da forma de governo republicano.

2. Artigos 2.º e 3.º — Consagram alterações às regras de mobilidade discriminatórias entre categorias

profissionais e insuscetíveis de aplicação na administração local.

3. Artigo 7º — Consagra um regime de adaptabilidade individual desadequado ao exercício de funções

públicas, designadamente por inexistência de uma relação contratual equilibrada entre trabalhador e entidade

empregadora.

Com a não aceitação de qualquer proposta de alteração e o desequilíbrio nas relações laborais introduzido

por este diploma, com as especificidades decorrentes das relações de proximidade existentes na

administração local, julgamos que este diploma consagra soluções que não decorrem de qualquer

compromisso externo do Estado e afetam gravemente as regras de solidariedade e de equilibrio nas relações

laborais que cabe ao PS defender.

Teríamos, pelas razões expostas, preferido que fosse adotada uma orientação de voto consequente com

os argumentos aduzidos durante o debate na generalidade e que registasse a avaliação da reprovação de

todas as propostas do PS durante o debate na especialidade.

Os Deputados do PS, Eduardo Cabrita — Renato Sampaio — Ana Paula Vitorino — Ana Catarina Mendes

— Idália Salvador Serrão.

Nota: As declarações de voto anunciadas pelo Deputado do PS Nuno André Figueiredo e Pedro Delgado

Alves não foram entregues no prazo previsto no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da

República.

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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