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Quinta-feira, 3 de abril de 2014 I Série — Número 68

XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)

REUNIÃOPLENÁRIADE2DEABRILDE 2014

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria da Assunção Andrade Esteves

Secretários: Ex.mos

Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Rosa Maria da Silva Bastos de Horta Albernaz

S U M Á R I O

A Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7

minutos. Deu-se conta da apresentação das apreciações

parlamentares n.os

81 a 83/XII (3.ª), dos projetos de lei n.os

538 a 547/XII (3.ª) e dos projetos de resolução n.

os 994 e

996/XII (3.ª). Foi anunciada a retirada, pelo BE, do projeto de

resolução n.º 905/XII (3.ª). Procedeu-se ao debate conjunto da proposta de lei n.º

212/XII (3.ª) — Aprova um novo regime jurídico das assembleias distritais, na generalidade, e do projeto de resolução n.º 947/XII (3.ª) — Reforço dos meios para o funcionamento e manutenção da atividade e dos serviços das assembleias distritais (PCP). Intervieram, além do Secretário de Estado da Administração Local (António Leitão Amaro), os Deputados Fernando Marques (PSD), Jorge Manuel Gonçalves (PS), Luís Fazenda (BE), Paula Santos (PCP), Emília Santos (PSD), João Gonçalves Pereira (CDS-PP), José Luís Ferreira (Os Verdes) e Jorge Paulo Oliveira (PSD).

Foram discutidos, conjuntamente, na generalidade, os projetos de lei n.

os 528/XII (3.ª) — Alteração à Lei dos

Baldios (altera a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, com redação da Lei n.º 89/97, de 30 de junho, que estabelece a Lei dos Baldios, altera o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e efetua a nona alteração ao Regulamento das Custas Processuais,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) (PSD e CDS-PP) e 547/XII (3.ª) — Revoga as disposições relativas aos baldios na bolsa de terras (primeira alteração à Lei n.º 62/2012, de 10 de dezembro) (BE), tendo-se pronunciado, a diverso título, além do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural (Francisco Gomes da Silva), os Deputados Pedro do Ó Ramos (PSD) — que também interpelou a Mesa solicitando a distribuição de um documento relacionado com a matéria em apreciação —, João Ramos (PCP), Luís Fazenda (BE), Manuel Isaac (CDS-PP), Miguel Freitas (PS), José Luís Ferreira (Os Verdes), Abel Baptista (CDS-PP) e Nuno Serra (PSD).

A Câmara discutiu, na generalidade, os projetos de lei n.

os 514/XII (3.ª) — Estabelece que a taxa municipal de

direitos de passagem passa a ser paga diretamente pelas operadoras de comunicações eletrónicas e prevê sanções para o incumprimento (nona alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas, Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro) (BE) e 539/XII (3.ª) — Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas), impedindo a penalização dos consumidores pela TMDP — taxa municipal de direitos de passagem (PCP). Intervieram os Deputados Helena Pinto (BE), Bruno Dias (PCP), Carlos São Martinho (PSD), Rui Paulo Figueiredo (PS) e João Paulo Viegas (CDS-PP).

A Presidente (Teresa Caeiro) encerrou a sessão eram 17 horas e 48 minutos.

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A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, Srs. Jornalistas, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 7 minutos.

Podem abrir as galerias.

Antes de dar início à ordem do dia, o Sr. Deputado Duarte Pacheco vai fazer o favor de ler o expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e

foram admitidas, as seguintes iniciativas:

As apreciações parlamentares n.os

81/XII (3.ª) — Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que

regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e estabelece o

regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (PCP), 82/XII (3.ª) — Decreto-Lei n.º

49/2014, de 27 de março, que procede à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da

Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos

tribunais judiciais (PS) e 83/XII (3.ª) — Decreto-Lei n.º 43/2014, de 18 de março, que procede à criação e

regulamentação de um ciclo de estudos superiores não conferente a grau académico (PCP);

Os projetos de lei n.os

538/XII (3.ª) — Regula o processo de decisão e acompanhamento do envolvimento

de contingentes das Forças Armadas ou de forças de segurança portuguesas em operações militares fora do

território nacional (Primeira alteração à Lei n.º 31-A/2009, de 7 de julho) (PCP), que baixa à 3.ª Comissão,

539/XII (3.ª) — Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas), impedindo a

penalização dos consumidores pela TMDP — taxa municipal de direitos de passagem (PCP), 540/XII (3.ª) —

Cria os gabinetes pedagógicos de integração escolar (GPIE) (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, 541/XII (3.ª) —

Garante a manutenção e o vínculo efetivo dos profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde (PCP),

que baixa à 9.ª Comissão em conexão com a 5.ª Comissão, 542/XII (3.ª) — Define taxas de IVA de 6%

aplicáveis ao consumo de eletricidade e de gás natural, assim como de gás butano e propano (PCP), que

baixa à 5.ª Comissão, 543/XII (3.ª) — Revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, o Decreto-Lei n.º 133/2012 e o

Decreto-Lei 13/2013, repondo critérios mais justos na atribuição de apoios sociais (PCP), que baixa à 10.ª

Comissão, 544/XII (3.ª) — Alarga as condições de acesso e atribuição do abono de família (PCP), que baixa à

10.ª Comissão, 545/XII (3.ª) — Melhora as regras de atribuição e altera a duração e montantes do subsídio de

desemprego e subsídio social de desemprego (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, 546/XII (3.ª) — Cria o

subsídio social de desemprego extraordinário (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, e 547/XII (3.ª) — Revoga as

disposições relativas aos baldios na bolsa de terras (primeira alteração à Lei n.º 62/2012, de 10 de dezembro)

(BE);

Os projetos de resolução n.os

994/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo que reforce o estudo das

necessidades e devidas respostas no âmbito dos cuidados paliativos pediátricos e que implemente as medidas

necessárias à disponibilização efetiva desses cuidados no nosso País (CDS-PP e PSD), que baixa à 9.ª

Comissão, 995/XII (3.ª) — Recomenda ao Governo a implementação de um Plano Estratégico do Centro

Hospitalar do Baixo Vouga, que assente numa lógica tripolar e de complementaridade entre as três unidades

— Águeda, Aveiro e Estarreja (CDS-PP e PSD), que baixa à 9.ª Comissão, e 996/XII (3.ª) — Disponibilização

ao público dos documentos estruturantes sobre desenvolvimento sustentável (Os Verdes).

Sr.ª Presidente, informo ainda que o Bloco de Esquerda retirou o seu projeto de resolução n.º 905/XII (3.ª)

— Recomenda ao Governo o pagamento imediato dos salários em atraso dos trabalhadores das assembleias

distritais.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, entramos, assim, no primeiro ponto da ordem do dia, de que consta

o debate conjunto da proposta de lei n.º 212/XII (3.ª) — Aprova um novo regime jurídico das assembleias

distritais, na generalidade, e do projeto de resolução n.º 947/XII (3.ª) — Reforço dos meios para o

funcionamento e manutenção da atividade e dos serviços das assembleias distritais (PCP).

Peço aos Srs. Deputados o favor de tomarem os seus lugares para darmos início ao debate.

Antes de dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Administração Local, que apresentará a proposta de

lei n.º 212/XII (3.ª), lembro os Srs. Deputados que hoje faz anos a Constituição de 1976.

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Aplausos gerais.

É, por isso, um motivo de alegria, como todos estes aplausos manifestam. Se o Parlamento existe é porque

a Constituição existe.

Srs. Deputados, vamos agora dar início ao debate.

Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local (António Leitão Amaro): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e

Srs. Deputados: É tempo de operarmos uma reforma profunda nas assembleias distritais, indo até ao limite do

possível. É tempo de a reforma do Estado chegar também às assembleias distritais.

Na proposta de lei que o Governo hoje apresenta fomos tão longe na racionalização destas estruturas

quanto é constitucionalmente possível e em pleno respeito pela autonomia local.

Respeitando a letra da Constituição, mas procurando também concretizar aquilo que se pode considerar

um verdadeiro costume constitucional com anos de práticas reiteradas e uma unânime, ou quase unânime,

convicção de obrigatoriedade, concluímos com esta proposta de lei o fim dos distritos enquanto organizações

administrativas. Em linha com esse costume constitucional, termina com esta proposta de lei a expressão

prática da organização administrativa distrital.

Colocamos, assim, as assembleias distritais no mesmo plano em que este Governo já tinha colocado os

governos civis e fazemo-lo sem deixar de preservar uma transição cuidada e o mais tranquila possível, quer

entre regimes jurídicos, quer para os trabalhadores — e é o mais importante —, quer para o património que

ainda exista em algumas assembleias distritais.

Hoje, propomos ao Parlamento a resolução de um problema que já dura há vários anos, que passou por

vários governos, sem jamais ter sido resolvido.

As alterações à organização e funcionamento na administração local ao longo dos últimos anos tornaram

claramente obsoleto o regime, a situação e o funcionamento das assembleias distritais. Não obstante o

esforço meritório, que deve ser enaltecido, dos responsáveis e trabalhadores das assembleias distritais ao

longo destes últimos anos, é inegável que, ao longo do tempo, a realidade distrital tenha perdido relevância

administrativa, o que levou o Governo a extinguir, já na prática, os governos civis.

Hoje, porque é à Assembleia da República que compete legislar nesta matéria, propomos um caminho

muito semelhante, mas sempre dentro das permissões constitucionais, para as assembleias distritais. Estas

assembleias eram órgãos deliberativos que, na maior parte dos casos, já não funcionavam e que, nos poucos

casos em que funcionavam, até o faziam com uma função diferente da tal deliberativa que a Constituição

previa.

Por isso, faria sentido, desde logo, esta reforma, mas também, e sobretudo, porque a esmagadora maioria

das assembleias distritais, hoje, não funciona politicamente e nem administrativamente existe. As poucas que

estão em funcionamento têm, muitas vezes, dificuldade para reunir o quórum necessário, pelo que, das 18

assembleias distritais, 10 nem sequer reúnem há vários anos.

Chegámos ao ponto de, por exemplo, recentemente, um tribunal ter dissolvido os órgãos da Assembleia

Distrital da Guarda porque eles não apresentaram as contas legalmente devidas. Por isso, o Governo assume

a opção de, ao mesmo tempo, propor soluções e alternativas para as competências e para o pessoal,

concretizando, em linha com o que foi feito nos governos civis, o esvaziamento das assembleias distritais no

limite do constitucionalmente possível.

Com esta proposta, é importante sublinhar que asseguramos a transferência dos postos de trabalho dos

funcionários e salvaguardamos aqueles — poucos mas relevantes — serviços que se encontram abertos ao

público, bem como o património cultural, designadamente museus, bibliotecas e arquivos.

Também é importante destacar que esta proposta respeita a autonomia local na destinação desses

trabalhadores, competências, património e serviços, porque damos às entidades da administração local a voz

para escolher, bem como declaramos que será para elas, preferencialmente, o destino de serviços,

trabalhadores e património. O Estado central apenas aparece num plano subsidiário, caso a administração

local não pretenda receber os serviços de património e os trabalhadores.

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É importante destacar também que chegámos a esta proposta de lei depois de intenso debate e

acompanhamento com todas as entidades envolvidas, desde as assembleias distritais, a Associação Nacional

de Municípios e os representantes dos trabalhadores.

Esta matéria exigia consenso e este processo de diálogo permitiu concluir que há um consenso alargado e

que estas estruturas, hoje, se encontram desadequadas, ultrapassadas e carecidas de reforma profunda. Os

autarcas reconhecem-no, os trabalhadores sabem-no e a maior parte dos cidadãos, provavelmente,

desconhece o que faz hoje uma assembleia distrital.

Por isso, o seu papel constitucional não justifica a manutenção nos termos atuais. É necessário que a

diminuição progressiva da sua importância e relevância política se concretize no futuro e numa reforma que

aqui propomos.

Esse futuro passará por um funcionamento exclusivo enquanto órgão deliberativo que reúne apenas e

quando os representantes das autarquias o entendam, sem direito a qualquer remuneração, senhas ou algum

tipo de encargo e essas reuniões serão sempre a expensas das autarquias.

Por outro lado, as assembleias distritais, para o futuro, não podem gerar despesa, não podem gerar dívida,

não têm receitas, não têm património e não poderão ter trabalhadores.

Com esta reforma, concluímos mais um passo da reforma do Estado. Fomos longe, tão longe quanto a

Constituição nos permite. Acreditamos que esta forma de materializar aquilo que é o desígnio do Governo

também é concretizada porque prevemos, desde logo, a extinção automática, caso a Constituição seja

alterada.

Esta era uma reforma que se impunha, que creio que todos compreendem, mas que ainda ninguém tinha

feito.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — A Mesa regista quatro pedidos de esclarecimento, dos Srs. Deputados Fernando

Marques, PSD, Jorge Gonçalves, PS, Luís Fazenda, BE, e Paula Santos, PCP.

A Mesa foi, entretanto, informada de que o Sr. Secretário de Estado pretende responder a conjuntos de

dois pedidos de esclarecimento.

Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Marques.

O Sr. Fernando Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Sr.ª e Sr. Secretário de

Estado, começo por saudar o Governo pela apresentação desta proposta de lei, que pretende, finalmente,

recentrar o papel das assembleias distritais e as suas já poucas competências, à luz da nossa Constituição,

pois não tenho dúvida que o ideal seria a sua extinção imediata.

Confesso a minha surpresa quando fomos alertados, nomeadamente por comissões de trabalhadores, para

algumas situações de puro abandono de património por parte de algumas autarquias, não pagando a sua

contribuição ou não tendo, ao longo destes anos, encontrado soluções que o salvaguardassem, bem como a

situação dos trabalhadores, a contento das partes.

Quero confessar que fui autarca, como tal, fui membro de uma assembleia distrital e, há cerca de 20 anos,

percebendo que os objetivos das assembleias distritais estavam esvaziados pelo surgimento de novas

realidades supramunicipais, pura e simplesmente, com o consenso, obviamente, de todas as autarquias,

resolvemos o problema, entregando o património às várias autarquias onde o mesmo se localizava e

esvaziando, assim, a assembleia distrital, como pelos vistos aconteceu com cerca de 10 das 18 assembleias

distritais.

Não percebo, pois, como se pode ter deixado arrastar certas situações, quando tanto se apregoa, e bem, a

autonomia do poder local e quando os serviços e equipamentos ainda em funcionamento são eminentemente

de interesse local e regional e, portanto, sem qualquer culpa do Governo pelo estado a que chegámos.

Em boa hora este Governo apresenta esta proposta de lei, que pretende enquadrar a transferência de

trabalhadores, serviços e património através de um conceito de universalidade jurídica indivisível mas que, no

entanto, me levanta algumas dúvidas que gostava de ver esclarecidas.

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Parece-me pertinente a questão proposta pela Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre a

ordem das entidades recetoras e a divisibilidade de tal universalidade jurídica. Por isso pergunto, Sr.

Secretário de Estado, se isto pode ou não ser acolhido.

Percebendo-se que a lógica deve passar pela entrega em primeira mão a uma entidade supramunicipal,

parece-me, no entanto, que, em alguns casos, quer o património quer os trabalhadores, podem ser alocados a

entidades recetoras diferentes se as autarquias assim o consensualizarem — aliás, foi isso que aconteceu no

meu distrito.

Uma segunda questão, também levantada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, tem a ver

com as normas relativas à redução do número de trabalhadores nas autarquias locais inscritas no Orçamento

do Estado para 2014. Pergunto, então, se está ou não salvaguardada uma exceção para o caso em que os

trabalhadores sejam recebidos pelas câmaras municipais.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Gonçalves.

O Sr. Jorge Manuel Gonçalves (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as

e Srs.

Deputados: Estamos hoje em presença de uma proposta de lei apresentada pelo Governo para alterar a

situação em que as assembleias distritais têm funcionado depois do 25 de Abril, em Portugal.

As assembleias distritais resultam da Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 291.º, e estão

balizadas, do ponto de vista da sua composição, funcionamento e competências, pelo Decreto-Lei n.º 5/91.

É evidente que, reconhecemo-lo, de então para cá as assembleias distritais perderam a sua importância e

o seu papel em função da própria descentralização de competências no âmbito dos municípios e no âmbito

das comunidades urbanas e intermunicipais.

É, pois, uma realidade que as assembleias distritais deixaram de funcionar há muito tempo, como o orador

que me antecedeu aqui disse. Aliás, eu também fui autarca e, enquanto presidente de câmara, apenas

participei numa reunião da Assembleia Distrital de Leiria.

Reconhecemos esta situação, mas sabemos que há problemas nas assembleias distritais, nomeadamente

com o património e com o pessoal, que convém salvaguardar.

Assim, tendo a Associação Nacional de Municípios Portugueses sido consultada sobre esta matéria e

tendo emitido um parecer em que coloca diversas situações que pretende ver alteradas nesta proposta de lei,

aperfeiçoando o que considera ser a realidade histórica das assembleias distritais, importa perguntar ao

Governo se, em sede de especialidade, está ou não disponível para ter em conta este parecer da Associação

Nacional de Municípios Portugueses e também a contribuição do PS para o aperfeiçoamento da proposta de

lei que agora discutimos.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local: — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, em

primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados Fernando Marques e Jorge Gonçalves as questões que

colocaram.

Julgo que a primeira nota a realçar é que estamos de acordo relativamente ao anacronismo e à

desadequação das estruturas das assembleias distritais e que o caminho é o de que as competências,

património e trabalhadores sejam colocados em outras estruturas do Estado. Não devemos manter

duplicações, porque são também as duplicações que causam ineficiências e estas causam despesa pública

que os nossos concidadãos não querem nem devem pagar.

Sr.as

e Srs. Deputados, atendemos a um processo longo de diálogo, que envolveu a Associação Nacional

de Municípios Portugueses, mas, como foram colocadas questões sobre alguns pontos do parecer da

Associação Nacional de Municípios Portugueses, quero dizer que algumas dessas questões já foram adotadas

nesta proposta de lei. Naturalmente, não cabe ao Governo substituir-se aos Deputados, pelo que, com toda a

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tranquilidade, consideramos que os Srs. Deputados deverão olhar para todos os comentários e para todas as

propostas, discuti-las e decidir, pois a competência de decisão pertence aos Srs. Deputados.

Quero, então, chamar a atenção para três das questões colocadas pela Associação Nacional de Municípios

Portugueses.

Julgo que a questão da redução do número de trabalhadores e das obrigações é um ponto bem observado,

pois não faz sentido que, recebendo trabalhadores adicionais ao abrigo desta lei, essas entidades possam ser

penalizadas pelo cumprimento das obrigações constantes do Orçamento do Estado. Portanto, parece-me um

comentário justo.

Relativamente à situação do património e do pessoal e à sua salvaguarda, como creio que a própria

Associação Nacional de Municípios Portugueses considera, está salvaguardada a manutenção e a transição;

trata-se de uma questão de ordem e de invisibilidade.

Sr. Deputado Fernando Marques, a sugestão da Associação Nacional de Municípios Portugueses, na

prática, já se encontra prevista no diploma e já é possível que uma assembleia distrital faça, excecionalmente

mas com justificação e por decisão própria, destinações diversas e, portanto, pode dividir. Por isso, essa é

uma preocupação concretizada de uma outra maneira mas que já está prevista.

Por outro lado, sobre a questão da ordem, parece-nos mais adequado que um património, um serviço, que

está hoje a funcionar num âmbito multimunicipal ou supramunicipal fique, preferencialmente, num âmbito

supramunicipal e, depois, mantendo essa possibilidade, que está sempre na disponibilidade dos autarcas,

possa também ter âmbito municipal.

Mas o mais importante é que nesta proposta de lei foi e é respeitada a autonomia local.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado Leitão Amaro, durante muito tempo,

a maioria entendeu que não devia intervir nesta matéria, pois considerava que era um assunto das autarquias

locais. Felizmente, isso desbloqueou-se, uma vez que, na verdade, era necessária uma intervenção legislativa

da administração central, do seu representante máximo, que é o Governo, para desbloquear a situação

existente; o resto era uma espécie de diálogo de surdos na política e não interessava para resolver nenhum

problema.

Sr. Secretário de Estado, a primeira questão que lhe quero deixar é se considera que não é perturbador —

nós consideramos que o é — esta proposta de lei conter uma norma que diz que, no dia em que houver uma

revisão constitucional neste sentido, extinguem-se automaticamente as assembleias distritais.

Parece-me que isto é, neste momento, inútil e pode criar problemas por superveniência, ou seja, não é uma

lei ordinária que vai condicionar uma revisão constitucional, que exige até uma maioria qualificada.

Portanto, não há necessidade de ter essa norma, creio mesmo que ela deveria ser eliminada e quando — e

se! — houver esse tipo de revisão constitucional logo se tratará do assunto, em matéria de alteração da lei

ordinária.

Indo esta proposta de lei na direção certa — aliás, o Bloco de Esquerda retirou o projeto de resolução que

apelava a uma intervenção do Governo, porque o Governo trouxe aqui uma intervenção em concreto —, quero

colocar-lhe questões muito concretas, tendo a primeira a ver com a garantia dos salários.

Havendo salários em atraso para alguns trabalhadores, pergunto: quando e como é que, neste processo,

essa situação pode ser reparada e qual é a garantia que até ao fecho do processo esses trabalhadores

tenham a efetivação do seu recebimento salarial? Esta é, pois, uma questão decisiva e muito importante.

Segunda questão: qual é o grau de conexão entre a transferência do património e a transferência do

pessoal para uma entidade recetora? Há uma ligação direta? Há um vínculo entre as duas coisas, ou não há?

Terceira questão: percebendo que a administração central quer reservar para si própria o papel supletivo

na transferência do pessoal, pergunto-lhe qual a natureza do vínculo em relação à administração local. Qual é

a natureza do vínculo dos profissionais em relação à administração central? Qual a natureza desse vínculo?

Em que circunstâncias é que estes trabalhadores e trabalhadoras podem estar sujeitos a qualquer tipo de

quadro de mobilidade?

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Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, gostaria de

colocar três perguntas muito concretas sobre as propostas que o Governo traz em relação a esta matéria.

Primeira: o Governo refere no preâmbulo da proposta de lei — e, aliás, o Sr. Secretário de Estado também

o disse na sua intervenção — o pleno respeito pela autonomia local, mas eu gostaria de lhe perguntar, Sr.

Secretário de Estado, como é que compatibiliza o respeito pela autonomia do poder local quando a proposta

de lei prevê que, no caso de a assembleia distrital não tomar a deliberação e de as entidades recetoras não se

pronunciarem, essa transferência seja feita, na nossa perspetiva, à força para essas mesmas entidades?

Entendemos que há aqui alguma ingerência e desrespeito pela autonomia do poder local.

Segunda: tivemos conhecimento que, numa proposta inicial que o Governo teria, no que respeita à

transferência dos trabalhadores, estavam contemplados também os trabalhadores com contratos de trabalho a

termo certo. Ora, na proposta de lei que veio à Assembleia da República não vem essa referência, como

também não vem uma referência explícita nessas normas à manutenção do vínculo jurídico-laboral desses

trabalhadores, assim como ao seu estatuto jurídico, pelo que gostava de saber porquê.

Terceira questão, também muito concreta: o Sr. Secretário de Estado, em resposta a uma pergunta do

PSD, disse que seria justo contemplar na lei uma exceção às normas do Orçamento do Estado no que

respeita à redução de trabalhadores. Se considera que é justo, por que é que não introduziu logo essa norma?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local: — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, em primeiro

lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados Luís Fazenda e Paula Santos as questões que colocaram, que

são, de facto, muito pertinentes.

Começo por responder ao Sr. Deputado Luís Fazenda que perguntou: porquê a opção pela extinção

automática? Sr. Deputado, por uma razão de simplicidade, clareza e automaticidade legislativa.

Sabemos e é assumido — creio que é a convicção generalizada do País — que vamos continuar a ter na

lei as assembleias distritais, se e enquanto a Constituição o exigir. Isto é claro e devemos assumi-lo!

Ora, se assim é, para que não haja, depois, tempos de espera, necessidades de intervenções, etc., então,

vamos ser simples e, no momento em que o legislador constitucional — livremente, não condicionado —

alterar a sua opção, essa alteração tem uma consequência imediata e automática sem necessidade de uma lei

adicional, sem necessidade de mais páginas no Diário da República (e sei que isto não é o decisivo), sem

necessidade de mais nada. Então, esta concretização e essa vontade do legislador constitucional terá

consequência também na legislação ordinária. Por isso esta opção.

Relativamente à questão da garantia dos salários, que me parece uma questão importante, Sr. Deputado,

talvez das mais importantes que aqui discutimos, ao dizermos nesta proposta que se transfere uma

universalidade com todas as posições ativas e passivas, isto significa também que as dívidas perante os

trabalhadores, caso elas existam no momento da transição, mantêm-se.

Mas, Sr. Deputado, o que eu considero ser mesmo o caminho adequado é que as assembleias distritais,

com os meios de receitas normais que estão previstos na lei, possam pagar entretanto os salários em atraso

aos seus trabalhadores. Isso é possível fazer, está previsto nas leis, mas se o Sr. Deputado o considera útil,

julgo que isso pode ser perfeitamente esclarecido nesta proposta de lei.

Relativamente à conexão entre a transferência de trabalhadores e de património a lei previu, com a criação

desta figura da universalidade, que as coisas estão ligadas, vão em conjunto; havendo uma conexão maior,

portanto, há essa ligação.

Relativamente à natureza dos vínculos, questão que também foi colocada pela Sr.ª Deputada Paula

Santos, quero dizer-lhe que o n.º 1 do artigo relativo à transição dos trabalhadores é muito claro ao dizer que

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os vínculos prosseguem, que os vínculos, aqueles que nos termos da lei geral são intocáveis, os contratos por

tempo indeterminado, mantêm-se e continuam sem afetação.

Finalmente, a Sr.ª Deputada Paula Santos colocou a questão do respeito pela autonomia local. Quero

dizer-lhe que não vai haver nenhuma autarquia, seja uma entidade intermunicipal seja um município, que vá

receber contra a sua vontade a transferência de qualquer património ou de trabalhadores. Qualquer delas vai

receber, como está previsto na lei, passada cada fase, uma comunicação do Governo dizendo que se iniciou o

prazo para se pronunciar e, não querendo, com total liberdade e total autonomia, pode recusar e excluir

receber qualquer coisa ao abrigo desta lei.

Portanto, a recusa é livre e o respeito pela autonomia local é total.

Assim, Sr.as

e Srs. Deputados, creio que esta proposta de lei, e é por ela que o Governo responde, acautela

as preocupações que os Srs. Deputados aqui manifestaram.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Para apresentar o projeto de resolução do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula

Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Constituição

da República Portuguesa determina a existência de uma assembleia deliberativa por distrito, composta por

representantes dos municípios, enquanto as regiões administrativas não estiverem concretizadas.

Passadas quase quatro décadas após a sua criação, hoje as assembleias distritais encontram-se em

situações muito distintas, decorrentes da dinâmica própria de cada uma, à qual não é alheia a desvalorização

deste órgão deliberativo protagonizada por sucessivos governos.

Há assembleias distritais que não funcionam há largos anos e que não têm serviços nem pessoal, como é

o caso de Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo.

Das restantes oito, há situações muito distintas. As Assembleias Distritais de Beja, Lisboa e Setúbal

mantêm a sua atividade em pleno. Têm serviços, nomeadamente o Museu Regional Rainha D. Leonor, em

Beja, os serviços de cultura em Lisboa ou o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. Têm

um mapa de pessoal com cerca de 30 trabalhadores no total e o respetivo órgão deliberativo reúne

regularmente. As Assembleias Distritais de Castelo Branco, Porto, Santarém, Vila Real e Viseu têm oito

trabalhadores e património.

Perante esta realidade, entendemos que é necessário ter-se em conta a especificidade de cada caso

concreto. Não se pode fazer tábua rasa face a situações tão distintas.

Saudamos, valorizamos e reconhecemos o trabalho desenvolvido na área cultural pelas assembleias

distritais e o emprenho e dedicação dos seus trabalhadores na democratização do acesso ao conhecimento e

na preservação da identidade cultural das respetivas populações.

A proposta de lei que o Governo apresenta conduz ao esvaziamento total das assembleias distritais e

aponta um quadro de funcionamento residual. Esta proposta de lei evidencia bem a opção deste Governo, do

PSD e do CDS-PP, ao procurar pôr a criação de regiões administrativas definitivamente na gaveta.

São retirados às assembleias distritais os serviços, os trabalhadores e o património — este último, aliás,

muito apetecível —, e o apoio ao seu funcionamento é assegurado pelos municípios que as integram.

Remete as assembleias distritais para um quadro de competências exclusivamente para deliberação sobre

questões de interesse comum às populações do distrito ou questões referentes ao seu desenvolvimento

económico e social. São retiradas competências de deliberação, por exemplo, sobre a criação ou manutenção

de serviços que apoiem tecnicamente as autarquias; sobre a criação e manutenção de museus etnográficos,

históricos e de arte local; sobre a investigação, inventariação e conservação dos valores locais arqueológicos

e artísticos, preservação e divulgação do folclore, trajos e costumes locais ou sobre a emissão de

recomendações sobre a rede escolar.

A proposta de lei do Governo que discutimos assenta num caminho imposto por este Governo, centralista e

de ingerência clara na autonomia do poder local democrático.

O Sr. Secretário de Estado disse aqui que há um pleno respeito e que não há transferência forçada, mas a

verdade é que a proposta de lei que apresenta prevê que, quando não haja uma pronúncia de rejeição pela

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entidade recetora, passando todos os outros procedimentos, o Governo imponha a transferência da

universalidade a favor da mesma. É o que diz a proposta de lei.

O Governo não pode afetar responsabilidades, serviços, trabalhadores e património a uma autarquia

coercivamente.

O Governo não esquece uma questão que há anos tem suscitado muito interesse pelo seu elevado valor,

que é o património, arrogando-se no direito de chamar a si as competências próprias das assembleias

distritais e dos seus presidentes para dispor do seu património. Esta é já uma velha pretensão que permanecia

insatisfeita, aproveitando agora esta oportunidade para, de uma vez, o Estado se tornar o proprietário desse

mesmo património.

Podemos perguntar qual o interesse que está por detrás desta pretensão, que, inclusivamente, já motivou

normas ao nível do Orçamento de Estado. O exemplo da Assembleia Distrital de Lisboa é bem evidente, pois

esta Assembleia detém inúmeros edifícios no centro da cidade de Lisboa, quase duas centenas de hectares

de terrenos rústicos e urbanos e de quintas seculares nos concelhos da Amadora, Odivelas e Loures. Quando

afirmamos que é bem apetecível este património está-se bem a ver para quê.

Determinando procedimentos impraticáveis e violadores da boa-fé, sobretudo quando estão em causa

valores patrimoniais e sociais e os interesses legítimos dos trabalhadores, o prazo de 120 dias é

manifestamente insuficiente para preparar a deliberação da assembleia distrital e para a entidade recetora

assumir a dita «universalidade» e adequar os instrumentos de gestão a essa realidade.

Não se pode ignorar que os orçamentos municipais, os planos de atividades e o mapa de pessoal para

2014 estão aprovados e há transferências de pessoal, de serviços e de património que têm impactos

significativos e exigem alterações ao nível dos instrumentos de gestão. Há ainda que ter em conta que não

está prevista nenhuma exceção à redução de trabalhadores nas autarquias imposta pelo Governo no

Orçamento de Estado. Apesar de o Secretário de Estado ter referido que essa exceção seria justa, não

respondeu ao PCP quando lhe perguntámos porque é que não contemplou essa mesma exceção.

Por último, os direitos dos trabalhadores das assembleias distritais não estão devidamente acautelados,

designadamente a manutenção do seu vínculo jurídico-laboral e estatuto jurídico, nas normas referentes à

transição de pessoal. A verdade é que estas referências não vêm nas normas que dizem respeito à transição

de pessoal, nem a salvaguarda dos postos de trabalho dos trabalhadores com contratos a termo certo. De

acordo com a proposta do Governo, nada impede que estes trabalhadores possam ir para a mobilidade.

Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a proposta do Governo também não clarifica a

resolução de um problema concreto com o qual os trabalhadores hoje se confrontam, designadamente a

existência de salários em atraso há oito meses. Aliás, o Sr. Secretário de Estado, na resposta que deu aos

grupos parlamentares, referiu, inclusivamente, que era desejável que esse problema fosse resolvido antes da

transferência, o que revela que, efetivamente, não está contemplado para o futuro.

É exatamente sobre esta questão concreta que o PCP intervém. O projeto de resolução que trazemos à

discussão recomenda ao Governo a reafectação de verbas inscritas na dotação provisional do orçamento do

Ministério das Finanças para as assembleias distritais, de modo a garantir o seu bom funcionamento e a

manutenção da sua atividade e serviços.

Temos recorrentemente apresentado esta proposta e, caso ela tivesse sido aprovada, os constrangimentos

que hoje existem teriam sido evitados. Na verdade, a proposta do Governo não garante a resolução do

pagamento dos salários em atraso.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, estão já inscritos para intervir os Srs. Deputados Emília Santos, do

PSD, Jorge Gonçalves, do PS, Luís Fazenda, do BE, João Gonçalves Pereira, do CDS-PP e José Luís

Ferreira de Os Verdes.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Santos.

A Sr.ª Emília Santos (PSD): — Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.

as e Srs. Deputados: O

Governo apresenta-nos hoje para discussão uma proposta de lei que visa aprovar o novo regime jurídico das

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assembleias distritais, uma iniciativa revestida de total transparência, que expõe soluções concretas para um

problema que tem anos e que, até hoje, ninguém ousou resolver.

Por isso, a primeira nota que a bancada do PSD quer aqui deixar é de reconhecimento e saudação pela

forma assertiva com que o Governo tratou este problema.

Sr.as

e Srs. Deputados, sejamos claros: as assembleias distritais são órgãos da administração local

consagrados na Constituição, cujo modelo de funcionamento está absolutamente esgotado. Todos o

reconhecem e não há dúvidas!

Das 18 assembleias distritais criadas, em 1976, a sua maioria não reúne há vários anos consecutivos,

apesar de ainda poderem ter património e pessoal ao seu serviço. Outras há, e refiro-me, em concreto, a Beja,

Lisboa e Setúbal, que, além do património, mantêm serviços a funcionar e o plenário distrital reúne com

regularidade.

Por sua vez, as Assembleias Distritais de Lisboa e Vila Real encontram-se com salários em atraso desde

agosto de 2013 (há, portanto, oito meses), em virtude do incumprimento de alguns municípios.

Portanto, Sr.as

e Srs. Deputados, os problemas estão identificados.

O desenquadramento destes órgãos com a realidade autárquica é notório, pelo que, não sendo possível a

extinção das assembleias distritais, por impedimento constitucional, impunha-se que fossem encontradas

soluções.

E foi isso, foi exatamente isso, que o Governo teve a coragem de fazer. Apresentou-nos um novo regime

jurídico e demonstrou, uma vez mais, que os problemas não se adiam, resolvem-se.

Face à imperiosa obrigação legal de alterar o que não está bem e desbloquear situações de impasse, o

Governo vem definir o futuro das assembleias distritais e regular a transição dos seus trabalhadores, dos

serviços e do património.

Estamos, por isso, certos que muitas expectativas existentes encontrarão resposta nesta iniciativa, que

contou com a participação de atores locais e deu voz a muitas propostas apresentadas pela Associação

Nacional de Municípios Portugueses.

Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, com a presente proposta de lei, o Governo vem recentrar as

competências das assembleias distritais num plano estritamente deliberativo, devolvendo-as à lógica

constitucional inicial.

Mas vai mais longe: define regras que acautelam a transferência do património, dos serviços e dos

funcionários (a dita universalidade) e, mais, identifica o destino mais adequado para a transferência desta

universalidade, evitando os vazios. Neste diploma não há vazios, Sr.as

e Srs. Deputados.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Diríamos até que, nesta matéria, o Governo teve uma dupla preocupação: primeiro, a preocupação de

definir e hierarquizar as entidades recetoras desta universalidade; segundo, a preocupação de permitir, de

forma excecional, que certos bens da universalidade possam ser distribuídos por outra entidade recetora,

garantindo, dessa forma, a amplitude suficiente para cumprir o desiderato de preservação da memória

histórica, se for caso disso.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Sr.as

e Srs. Deputados, em sede da presente iniciativa, o Governo procura ainda disciplinar a transição do

pessoal e salvaguardar o futuro dos trabalhadores. E esta é, de facto, a nossa maior preocupação.

Estamos convictos de que as principais barreiras estão acauteladas e que os postos de trabalho estão

garantidos. Os trabalhadores mantêm o vínculo à função pública, sendo-lhes reservados os mesmos direitos e

garantias.

A proposta é clara mas, presentemente, fica a subsistir apenas um problema, um problema que nos é

igualmente caro e que, embora acautelado na lei atual e nos regimentos internos, não deixa de causar danos.

Referimo-nos à regularização das dívidas das autarquias às assembleias distritais, dívidas estas geradoras de

situações de desequilíbrio económico e financeiro que as impede de cumprir com as suas responsabilidades,

como seja o pagamento dos salários em atraso.

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A bancada do PCP apresentou um projeto de resolução que procura dar resposta a este problema.

Saudamos esta iniciativa mas, sinceramente, julgamos que a mesma não encerra a melhor solução. E não

encerra a melhor solução porque apenas contribui para adiar o problema.

Nesta circunstância, comprometemo-nos desde já e sem desvirtuar a transparência democrática deste

diploma, a procurar, em sede de especialidade, introduzir alterações que visem criar mecanismos de

regularização das dívidas dos municípios, para que as assembleias distritais procedam ao pagamento dos

salários em atraso. Estamos convictos que todos se irão empenhar na procura desta solução, que se espera

justa e amplamente participada.

Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.

as e Srs. Deputados: Estamos, portanto, perante uma

iniciativa legislativa que merece o apoio e o aplauso da bancada parlamentar do PSD, uma iniciativa que vem

resolver eficazmente e sem demagogia, um vasto conjunto de problemas e questões que há muito todos

reprovavam mas que ninguém, até hoje, teve a audácia de assumir com frontalidade e pragmatismo.

É, por isso, uma medida que nos parece avisada e bem sucedida.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Manuel Gonçalves.

O Sr. Jorge Manuel Gonçalves (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Discutimos hoje a proposta de lei n.º 212/XII (3.ª), apresentada pelo Governo, e o projeto de

resolução n.º 947/XII (3.ª), apresentado pelo Partido Comunista Português.

A proposta de lei visa, no seu objetivo, apresentar um novo regime jurídico das assembleias distritais,

consagradas na Constituição da República, no seu artigo 291.º, e a alteração às suas competências e normas

de funcionamento, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro.

Com as alterações que foram sendo introduzidas, desde então, na organização institucional, política e de

funcionamento da administração local e regional, as assembleias distritais perderam a sua relevância política e

administrativa, situação que o Partido Socialista não tem quaisquer dificuldades em reconhecer.

Sr.as

e Srs. Deputados, desde há muito que as assembleias distritais, em todo o País, não cumprem as

funções para que foram constitucionalmente consagradas e que deviam durar até à institucionalização das

regiões administrativas, também elas consagradas na Constituição da República e matéria que o Partido

Socialista sempre defendeu como o melhor modelo de descentralização da administração central para a

administração regional e local.

A realidade demonstra que o Decreto-Lei n.º 5/91, de 8 de janeiro, há largos anos que não vem sendo

cumprido quanto às matérias do regime jurídico estabelecido para o funcionamento e exercício das

competências das assembleias distritais, mostrando-se por isso pouco relevante na atuação das autarquias

locais e dos seus autarcas.

Com a criação das comunidades urbanas e das comunidades intermunicipais — oportunidade que o atual

Governo teria para resolver esta matéria das assembleias distritais —, pelas competências que lhes foram

transferidas e até pela extinção do cargo de governador civil, as assembleias distritais viram ainda mais

reduzido o seu papel constitucional.

Face a esta realidade, importa encontrar uma solução que tenha em conta o papel que as assembleias

distritais irão desempenhar no futuro, de forma a responder à norma constitucional em vigor.

O Governo apresenta-nos esta proposta de lei tendo como intenção dar resposta aos problemas com que

se debatem, nos tempos atuais, as assembleias distritais, nos domínios do património e do pessoal afeto às

mesmas. O Partido Socialista subscreve a intenção, mas não deixa de considerar que a proposta de lei

necessita de ser melhorada na especialidade em diversas matérias que vão ao encontro do parecer da

Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que subscrevemos.

O Sr. Mota Andrade (PS): — Muito bem!

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O Sr. Jorge Manuel Gonçalves (PS): — Sr.as

e Srs. Deputados: A Associação Nacional dos Municípios

Portugueses defende que a universalidade jurídica indivisível, constante do artigo 2.º da proposta de lei,

deverá ser divisível.

Compreende-se que assim seja, face ao histórico que deu origem à existência do património pertencente

às diferentes assembleias distritais. Muitas vezes, este património constituiu-se por doação, venda simbólica e

apoio de diferentes municípios na área do distrito, com o objetivo de realização das mais variadas atividades

na área do município que mais contribuiu ou que contribuiu totalmente para a existência desse património.

A Associação Nacional dos Municípios Portugueses chama também a atenção para a necessidade de

alteração da ordem das entidades recetoras previstas no artigo 3.º da proposta de lei, o que colhe, igualmente,

a concordância do Partido Socialista.

Tal situação tem a ver com o que acabamos de explanar relativamente ao contributo dado por cada um dos

municípios na construção do património propriedade das assembleias distritais.

O Governo propõe, nesta matéria, como primeira entidade recetora (e passo a citar) «uma entidade

intermunicipal cujo âmbito territorial coincida total ou parcialmente com a área do distrito».

Ora, acontece que há entidades intermunicipais que, não correspondendo total ou parcialmente com a área

do distrito, foram constituídas com base em distritos diferentes.

Por isso, o Partido Socialista subscreve a necessidade de acolher a proposta do parecer da Associação

Nacional dos Municípios Portugueses, de alteração da ordem das entidades recetoras, colocando qualquer

município do distrito como primeira entidade recetora.

Relativamente à transição do pessoal, impõe-se também ter em conta que a mesma não pode ser

entravada pelos limites previstos na Lei de Orçamento do Estado quanto à redução de trabalhadores na

Administração Pública, salvaguardando-se esta situação e a regularização das situações existentes,

designadamente salariais.

O Partido Socialista presta aqui o seu agradecimento a todos os trabalhadores que, ao longo dos anos,

deram o seu esforço empenhado na realização dos serviços e das competências que legalmente estavam

consagradas às assembleias distritais.

Sr.as

e Srs. Deputados, por último, quanto à composição, funcionamento e competências agora propostas,

o Partido Socialista estará disponível para, com o Governo e a maioria, encontrar, em sede de especialidade,

um aperfeiçoamento das mesmas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: — Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados, Srs. Membros do

Governo: Se a moda pega, Sr. Secretário de Estado da Administração Local, é complicado, porque fazer leis e

dizer que, um dia, quando a Constituição mudar, já aqui temos uma norma, é extensível a todas as áreas da

governação. E neste momento, em que até estamos a tentar encontrar uma lei consensual para resolver

problemas que motivam todas as bancadas, esta norma era bem escusada, uma vez que vai suscitar,

claramente, a atenção de Belém e de outros setores. É que é uma norma estranhíssima, na medida em que se

legisla por antecipação relativamente a uma revisão constitucional. Não faz sentido, não creio que seja

adequado e não me estendo em mais comentários.

Sobre aquilo que disse, Sr. Secretário de Estado, acerca da transição de pessoal das assembleias distritais

para as entidades recetoras, tentaremos reforçá-lo em sede de especialidade, com a manutenção dos vínculos

atualmente existentes.

Também procuraremos reforçar, sem qualquer outra condição ou situação em que isso possa ser ilidível

em qualquer caso, que nessa transição haja uma conexão absoluta entre património e pessoal, até porque

esta é a garantia relativa à transição de pessoal. Sabemos como funcionam muitos dos nossos mecanismos

autárquicos, e outros, também da administração central, pelo que queremos obter essa garantia em sede de

especialidade.

O que não pareceu adequado da parte do Sr. Secretário de Estado, foi a resposta sobre a regularização

social e as garantias salariais até à transição. Pois se os trabalhadores já hoje não recebem em algumas

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assembleias distritais, não é expectável que, ao longo dos próximos meses, isso venha a acontecer, atirando a

«batata quente» para as autarquias locais. Não vale a pena! Neste mecanismo de transição, vamos ter de

encontrar um caminho em que haja uma espécie de fundo de compensação salarial do tipo daquele que é

aplicável ao setor privado. E aí, sim, aceitamos a proposta do PSD para tentar discutir, em sede de

especialidade, qual seja a melhor forma de o fazer.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local: — Ah, pois!…

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que não podemos é fechar os olhos à situação, empurrar as culpas para

terceiros, independentemente de saber se lhes pertencem ou não, porque, agora, temos de resolver de vez

uma circunstância. Foi iniciado um processo de transição, há uma responsabilidade pública assumida pelo

Governo, e bem, nesta área, que era o que reclamávamos há muito, pelo que temos de terminar a tarefa, não

a vamos deixar a meio nem embrenhada numa certa querela com as autarquias, que, neste momento, é

absolutamente irrelevante.

Este é, portanto, o sentido útil da nossa intervenção, do debate e do confronto que aqui fizemos ao longo

dos meses, saudando a comissão de trabalhadores, que sempre trouxe a matéria ao conhecimento de todas

as bancadas e do Governo, porque agora é hora de fazer, e estamos dispostos a isso, mas é necessário que

encontremos, também de modo adequado, as respostas que são necessárias e que não são muito difíceis.

Provou-se aqui, por este debate, que pode haver uma aproximação de posições e a garantia de algumas das

questões essenciais.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Gonçalves Pereira.

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Debatemos hoje o futuro das assembleias distritais e o Governo foi confrontado com quatro

preocupações, designadamente uma questão constitucional, que é incontornável, o problema dos

trabalhadores, muitos deles já com ordenados em atraso, uma solução para o património e os serviços

prestados pelas assembleias distritais e, por último, o destino e o futuro a dar às assembleias distritais.

Quanto à questão constitucional, as assembleias distritais foram desenhadas pela Constituição como

órgãos deliberativos e consultivos de âmbito distrital, no entanto têm hoje, também, uma vertente executiva.

Com a proposta de lei, devolve-se o papel constitucional inicialmente previsto, ou seja, passam a ser um

órgão consultivo e deliberativo, órgão esse que deixa de gerar despesa, de contrair dívidas ou de poder

contratar trabalhadores.

Todos reconhecemos que existe um desfasamento entre o desígnio constitucional e a realidade do dia a

dia e também todos reconhecemos que, nas últimas décadas, as assembleias distritais foram perdendo, ao

longo do tempo, a sua relevância local, administrativa, social e política e, com isso, foram votadas à

indiferença pelos municípios e pelos próprios autarcas, sendo entidades desconhecidas dos portugueses.

Dizem alguns que as assembleias distritais são muito importantes e não podem acabar. Pergunto se

consideram que algum português, caso acabassem as assembleias distritais, daria por isso.

Recordo quando este Governo esvaziou, e bem, os governos civis.

O Sr. José Junqueiro (PS): — Alguém deu por isso!

O Sr. João Gonçalves Pereira (CDS-PP): — Dizia, na altura, o Partido Socialista: «Vai ser impossível

acabar com os Governos Civis, vai haver uma quebra de serviço, vai haver uma quebra de funcionamento».

De que é que os portugueses deram por falta? Não deram por falta de rigorosamente nada, porque os serviços

foram garantidos e o funcionamento continuou.

Sr.as

e Srs. Deputados, vejamos, então, qual é o estado da arte das assembleias distritais. Das 18

assembleias distritais, 10 não têm qualquer serviço ou funcionários e o seu órgão deliberativo não reúne há

mais de 20 anos; 5 não têm quórum mínimo há mais de 12 anos consecutivos; e apenas 3 reúnem com

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regularidade — repito, apenas 3 reúnem com regularidade. Isto permite concluir que as assembleias distritais

têm sido votadas ao abandono não pelo Governo, mas pelas próprias autarquias e pelos seus autarcas.

Em relação às assembleias distritais, o que fazem, que competências têm e o que gerem? Gerem museus,

gerem arquivos e gerem bibliotecas. O que pergunto é se as autarquias não têm serviços que garantam essa

mesma gestão.

Esta proposta de lei salvaguarda, e bem, os atuais funcionários das assembleias distritais. E é justo

reconhecer aqui o trabalho que os funcionários das assembleias distritais fizeram, na salvaguarda e

valorização do património histórico e cultural dos seus distritos. Agora, também há que destacar

negativamente a forma como alguns municípios abandonaram essas mesmas assembleias distritais. E dou o

exemplo de Lisboa que, com total desrespeito pelos trabalhadores das assembleias distritais, saiu e deixou de

pagar a sua contribuição, o que conduziu a uma rutura financeira, deixando trabalhadores sem salários e com

ordenados em atraso.

Devo destacar que este Governo, sendo poucos ou muitos trabalhadores, tem o mérito de ter defendido e

garantido todos.

Srs. Deputados, este Governo estabeleceu uma hierarquia de entidades recetoras das assembleias

distritais — do seu património, dos serviços e dos recursos humanos —, em que a primeira entidade recetora é

a entidade intermunicipal, a segunda é o município da capital do respetivo distrito e, por fim, o próprio Estado,

caso nenhuma das outras entidades recetoras possa acolher as assembleias distritais.

O Governo, depois de ouvir as diferentes entidades, num espírito aberto, num espírito de diálogo, num

espírito absolutamente construtivo, apresenta uma solução que respeita a Constituição, que cria um regime

para as novas assembleias distritais e que assegura a regulação da transição dos respetivos serviços,

trabalhadores e património.

Termino, saudando a determinação, a ousadia e o sentido de responsabilidade deste Governo na

apresentação desta proposta de lei.

Permitam-me que cite uma célebre frase de Chico Buarque: «As pessoas têm medo de mudanças. Eu

tenho medo que as coisas nunca mudem.»

Pois eu tenho a certeza de que, com este Governo, as coisas estão a mudar.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os

Verdes.

O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Na discussão sobre a proposta de lei que o Governo nos apresenta, relativa ao novo regime

jurídico das assembleias distritais, o primeiro elemento a reter reside na confissão do próprio Governo de que

só não extingue as assembleias distritais porque pura e simplesmente não pode. Não tem poderes para o

efeito, senão extingui-las-ia. E esta pretensão, que o Governo não esconde porque é assumida

expressamente na exposição de motivos da proposta de lei, é muito clara, está «preto no branco». Portanto,

sobre a vontade e o desejo do Governo estamos devidamente esclarecidos.

O Governo, como não as pode extinguir, pretende, com esta proposta, concretizar o completo

esvaziamento do conteúdo das assembleias distritais. Na verdade, o que o Governo nos diz nesta proposta

pouco mais é do que isto: como não conseguimos extinguir as assembleias distritais, vamos proceder ao seu

esvaziamento. Neste sentido, o Governo pretende colocar as assembleias distritais sem estruturas, sem

funcionamento e sem património próprio. Ou seja, o Governo, não podendo extinguir as assembleias distritais,

decreta o seu congelamento.

Sucede que a Constituição prevê a existência de assembleias distritais até à consagração das regiões

administrativas. Ora, se a Constituição consagra a existência das assembleias distritais não é, certamente,

para as mesmas estarem congeladas ou esvaziadas de conteúdo, como pretende o Governo. Se a

Constituição prevê as assembleias distritais como fazendo parte da nossa arquitetura democrática há de ser

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para que estas possam funcionar e desenvolver as suas atribuições e não para ficarem eternamente

congeladas.

É verdade que muitas assembleias distritais, hoje, não funcionam, mas também é verdade que as causas

dessa situação são bem conhecidas. Por um lado, os meios das assembleias distritais, tanto do ponto de vista

dos recursos humanos como do ponto de vista financeiro, têm sido muito reduzidos e, por outro lado, a própria

indefinição quanto ao destino que para as mesmas se pretende levou, naturalmente, à paralisação de muitas

delas.

Mesmo assim, apesar de tudo, há ainda assembleias distritais que continuam a desenvolver um excelente

trabalho, como sejam as Assembleias Distritais de Lisboa, de Setúbal ou de Beja; e há outras que continuam a

ter trabalhadores a seu cargo, situação a que o Governo não pode ser indiferente, como mostra nesta

proposta de lei. Assim como não pode ficar indiferente face à situação dos trabalhadores de algumas

assembleias distritais que estão com salários em atraso há mais de meio ano e que continuam sem qualquer

perspetiva relativamente à resolução deste problema, apesar de se tratar de trabalhadores com contratos de

trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

Portanto, consideramos que o importante não é esvaziar as competências das assembleias distritais mas,

sim, procurar reforçar os meios para potenciar o seu funcionamento e atividade.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, quero dizer que a

verdade é que as assembleias distritais, ao longo de anos, anos e anos, foram sempre desvalorizadas e nunca

as suas potencialidades foram reforçadas; a verdade é que também o contínuo adiamento da criação das

regiões administrativas, como preconiza a nossa Constituição, que é sempre, sempre, esquecida pelos

partidos que suportam o Governo, permitiu que fosse crescendo um conjunto de incertezas e de interrogações

nos municípios que integram estas assembleias municipais, conduzindo à situação que hoje temos. Isso é

uma responsabilidade de sucessivos Governos, que não pode ser escamoteada nesta discussão.

Queria também reiterar que, nesta matéria, as questões relacionadas com os trabalhadores não estão

devidamente acauteladas. O Governo diz que sim, mas a proposta de lei não o garante. Efetivamente, é

necessário garantir não só que se mantém o vínculo laboral destes trabalhadores como também que os seus

direitos estão garantidos, coisa que também não está nem assegurada nem clarificada nesta proposta de lei.

Referindo-nos concretamente ao pagamento dos salários em atraso, não podemos aceitar que haja

trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado que há oito meses não

recebam o seu salário. Ora, esta questão, efetivamente, não é resolvida.

A proposta que o PCP aqui traz — pode haver outras soluções, admitimos que sim; não queremos

desrespeitar a autonomia do poder local democrático, seguramente — acreditamos ser uma solução. E é uma

solução que, na nossa perspetiva, não deve ser ignorada e que deve ser tida em conta também neste debate.

Se há aspetos a que se deve atender no que respeita às assembleias distritais, há seguramente aspetos que

devem ser resolvidos o mais rapidamente possível, e com certeza que um deles é o pagamento dos salários

em atraso destes trabalhadores.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, do PSD.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Secretários de

Estado, Sr.as

e Srs. Deputados: Durante dezenas de anos fizemos de conta — fizemos de conta que as

assembleias distritais funcionavam bem, fizemos de conta que reuniam regularmente, fizemos de conta que as

suas competências eram exercidas, fizemos de conta que as assembleias distritais eram um espaço e fórum

de debate político, fizemos de conta que estavam ao serviço das populações.

Todos nós sabíamos que não era assim, mas fazíamos de conta que não sabíamos. Se abstrairmos

algumas honrosas exceções, o resultado está à vista de todos: a lei é esquecida em muitos distritos do nosso

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País; as desigualdades acentuaram-se; o poder local democrático envergonha-se; a eficiência vai por água

abaixo; há trabalhadores que não recebem ordenados há mais de oito meses.

Pela nossa parte, não vamos continuar a fazer de conta. Não vamos contornar os problemas, vamos

resolvê-los.

Nessa circunstância, Sr.ª Presidente, registamos com satisfação o amplo consenso que a proposta de lei

do Governo obteve desta Câmara, incluindo da parte dos partidos da oposição.

Infelizmente, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista «Os Verdes» optaram pelo isolamento.

Esses partidos optaram pelo centralismo e pela iniquidade; todos os demais optaram pela descentralização,

pela responsabilização e pela igualdade. O Partido Comunista Português e o Partido Ecologista «Os Verdes»

preocuparam-se apenas com a exceção; todos os demais partidos estão preocupados com a exceção e com a

regra. O Partido Comunista Português e o Partido Ecologista «Os Verdes» preferem manter-se agarrados ao

passado, às soluções do passado; todas as demais forças políticas desta Câmara preferem apreender o

presente e projetar o futuro, preferem enfrentar todos os problemas com soluções de futuro justas e razoáveis.

Este objetivo é claramente alcançado pela proposta de lei do Governo, sem embargo de poder sofrer

melhorias em sede de especialidade.

Assim sendo, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, com exceção do Partido Comunista Português e do Partido

Ecologista «Os Verdes», contamos com o voto favorável das demais bancadas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente: — Não havendo mais inscrições, dou por terminado o debate conjunto da proposta de

lei n.º 212/XII (3.ª) e do projeto de resolução n.º 947/XII (3.ª), agradecendo aos Srs. Secretários de Estado a

sua presença.

Passamos ao segundo ponto da ordem do dia, que consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos

projetos de lei n.os

528/XII (3.ª) — Alteração à Lei dos Baldios (altera a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, com

redação da Lei n.º 89/97, de 30 de junho, que estabelece a Lei dos Baldios, altera o Estatuto dos Benefícios

Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e efetua a nona alteração ao Regulamento das

Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) (PSD e CDS-PP) e 547/XII

(3.ª) — Revoga as disposições relativas aos baldios na bolsa de terras (primeira alteração à Lei n.º 62/2012,

de 10 de dezembro) (BE).

Para apresentar o projeto de lei da autoria conjunta do PSD e do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro do Ó Ramos.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Ex.ma

Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

Temos hoje em debate um tema agrícola importante e algo complexo — a alteração à Lei dos Baldios.

O assunto mantém uma importância crucial na sociedade rural, como, aliás, tem sido visível pelas diversas

e distintas reações que têm surgido ao nosso projeto de lei.

Os baldios continuam hoje a ser uma importante fonte de rendimento de muitas famílias e comunidades

rurais, apesar das enormes alterações sofridas na relação homem/território ao longo das últimas décadas.

Embora o sustento que as comunidades retiram das propriedades classificadas como baldios não seja o

mesmo de outros tempos, é inegável a função económica, social e também ambiental que os baldios exercem

ao longo de todo o território, mas com maior expressão acima do Tejo.

As relações entre as comunidades rurais e os espaços considerados baldios mudaram. Nesse sentido,

impunha-se uma mudança da Lei dos Baldios de forma a adaptá-la às novas relações existentes nas

comunidades rurais, tornando-a mais justa, mais transparente e correspondendo aos anseios e às

necessidades das populações.

Esta maioria apresenta, assim, uma reforma de cariz funcional, colmatando lacunas existentes e

procurando soluções para a crescente conflitualidade, resultado da nova realidade dos territórios.

Desde logo, o crescente aumento de receitas em terrenos baldios provenientes de diversos equipamentos

para a produção de energia eólica e hídrica tem conduzido a um fenómeno de criação de novas delimitações

de baldios e à sua consequente atomização, em contraciclo com a necessidade de ganhar escala para garantir

a coesão do espaço rural, nomeadamente para assegurar a viabilidade de investimento na gestão e

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ordenamento do território, tão essencial à criação de emprego estável e duradouro nesses espaços, bem

como à redução dos riscos de incêndio.

A nova Lei dos Baldios visa criar uma dinâmica na gestão dos espaços comunitários que os liberte de

barreiras anteriormente impostas e, ao mesmo tempo, habilite as entidades gestoras dos baldios a aproveitar

de forma mais eficaz os mecanismos financeiros colocados à disponibilidade das entidades que queiram

investir, quer estas sejam os conselhos diretivos ou outros com quem aqueles venham a contratualizar a

gestão, uma vez obtida a concordância dos compartes.

Passo agora a concretizar algumas das principais ideias deste nosso projeto de lei.

Primeira: fazer coincidir os compartes com os recenseados inscritos nas freguesias onde se situam os

terrenos baldios. Este facto irá garantir um processo mais transparente e estável quanto à forma de eleição

dos órgãos de gestão e fiscalização dos baldios, o que facilitará a transferência da gestão das áreas de baldio

para os respetivos compartes ou a concessão dessa gestão a outras entidades por mútuo acordo.

Atualmente, os compartes são os moradores dos lugares, da freguesia ou das freguesias, que, segundo os

usos e costumes, têm direito a usar e fruir o baldio, mas que, em muitos casos, já não residem no local. Esta

situação criou uma distorção no uso do território, permitindo a injustiça de os novos moradores estarem

privados do uso do baldio.

Segunda: as receitas obtidas com a exploração dos recursos dos baldios serão aplicadas em proveito

exclusivo do próprio baldio e das comunidades locais.

Hoje em dia, a lei apenas assegura a igualdade de gozo e exercício de direitos de uso e fruição aos

compartes, nada referindo quanto à aplicação das verbas provenientes da sua exploração e não admitindo a

fiscalização dessa aplicação por entidades exteriores aos compartes, ideias que não se coadunam com o rigor

e as exigências atuais.

Terceira: institui-se a obrigatoriedade de apresentação de contas públicas anuais. Estas contas passarão a

ser fiscalizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira de acordo com regulamentação existente para o sector

não lucrativo, mantendo-se a isenção de IRC e de IMI para os baldios.

Quarta: o uso, fruição e gestão dos baldios poderá passar a processar-se da forma que os compartes

assim o decidam, podendo atribuir a terceiros a sua gestão ou deliberar a sua inclusão na bolsa de terras.

Quinta: haverá maior flexibilidade e liberdade de decisão dos compartes nas formas de alienação e de

utilização dos baldios por terceiros, respondendo a uma prática já existente, mas encoberta.

Sexta: os baldios passam a ficar inscritos na matriz, o que constitui uma ferramenta para termos um

cadastro atualizado, que é mais uma vantagem deste diploma clarificador e transparente.

O Sr. Luís Menezes (PSD): — Muito bem!

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Por último, são também alterados processos e prazos, por forma a

conferir maior eficiência à exploração de territórios e na resolução de conflitos.

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No Ano Internacional da Agricultura Familiar,

este diploma procura igualmente criar sinergias entre a agricultura familiar, tão presente no nosso País, e o

modelo de uso e fruição dos baldios.

Num mundo em constante mudança, é preciso que as políticas públicas sejam capazes de se adaptar às

dinâmicas do território, que evoluiu e que se transformou a um ritmo acelerado.

O que se pretende com esta alteração à Lei dos Baldios é potenciar as diferentes utilizações dos mesmos e

valorizar a nossa identidade agrícola, que é vasta e diversificada, munindo as populações e os territórios rurais

de instrumentos atrativos.

As comunidades rurais dos territórios onde estas se inserem, mesmo em constante mudança, não deixam

de possuir características tão próprias que as fazem pertencer a um só País: Portugal.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Teresa Caeiro.

A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos, do PCP.

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O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, queria perguntar aos Deputados do PDS e do CDS, ou ao

Sr. Secretário de Estado enquanto coautor da proposta, se conseguem responder à seguinte questão: no

preâmbulo do projeto de lei, os subscritores justificam a necessidade desta lei porque existem barreiras e

entraves à gestão dos baldios, mas em parte alguma do diploma se diz quais são esses entraves e essas

barreiras. Podem explicar isto, Srs. Deputados?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Ramos, de facto, esta Lei é muito

clara, e não percebemos a posição do Partido Comunista Português. Esta Lei visa alargar a possibilidade para

que todos… Aliás, estranhamos muito que o PCP venha contrariar esta Lei, porque estamos a fazer com que

todos os recenseados das freguesias a possam utilizar…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Alguns!

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Não só alguns, Sr. Deputado. O que acontecia, muitas vezes, nos

baldios, é que eram só alguns moradores a usufruírem, e o que nós estamos a pretender é que, efetivamente,

seja utilizado por todos os recenseados na freguesia.

O que acontecia muitas vezes — o Sr. Deputado sabe isso — é que as contas não eram transparentes

nem eram públicas, e muitas vezes o benefício utilizado não era para o próprio baldio nem para a comunidade,

mas para benefício próprio.

Ainda lhe quero dizer o seguinte, Sr. Deputado: esta Lei visa, sobretudo, dar corpo a algo que já acontece.

O Sr. Deputado sabe que, neste momento, existem muitas zonas de exploração, muitos arrendamentos

encobertos, nomeadamente para eólicas. O que estamos a fazer agora é permitir que esse processo seja

perfeitamente claro, que não seja escondido e, sobretudo, que seja colocado ao serviço da população. É isto

que se pretende.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Faz-nos a maior das confusões que um partido político como o PCP, que está sempre a falar do povo, a

este propósito não tenha a capacidade de reconhecer que é importante que todos, mas todos, possam usufruir

desses baldios e que possam ser compartes não só alguns, para que, de facto, seja uma realidade, mas uma

realidade que possa permitir…

Protestos do PCP.

O que acontecia é que muitos moradores já não moravam naqueles territórios, mas continuavam a

pertencer aos baldios, o que não faz sentido.

Queremos contas transparentes e uma gestão transparente fiscalizada, auditada, ao serviço da

comunidade e ao serviço do baldio. Muitas vezes assistimos ao facto de as receitas dos baldios serem

aplicadas em tudo menos no próprio baldio, menos na agricultura.

Protestos do PCP.

A agricultura precisa desses valores e era colocada ao serviço de outros, que não ao serviço da própria

comunidade. Nós visamos isso.

Os entraves à gestão, Sr. Deputado, eram controlados por muito poucos, com muito pouca fiscalização.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda,

do Bloco de Esquerda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:

Sem dúvida que a Lei dos Baldios merece uma modernização, porque há problemas que têm a ver com a

existência de novas atividades económicas dos baldios, com métodos de gestão que são obsoletos e com

deficiências da fiscalização. Mas será para isso que a maioria apresentou um projeto de lei que tem aqui a

simpática presença e apoio do Governo? Não foi exatamente para isso, mas para resolver um outro problema

de interesse político da maioria, que é concessionar a gestão a privados, que é levar para a bolsa de terras os

solos disponíveis dos baldios para arrendamento e para venda.

Protestos do Deputado do PSD Pedro do Ó Ramos.

Portanto, este projeto de lei configura, entre outras coisas, uma privatização de áreas dos baldios, o que é,

aliás, manifestamente inconstitucional.

Desde já, o Bloco de Esquerda diz ao que vem: procuraremos, ao longo deste debate, corrigir e invalidar

essas opções inconstitucionais. Caso não o consigamos, e caso, em Belém, esta opção legislativa tenha livre

curso, juntaremos forças com quem quer que seja para tentar obstar à falta de legitimidade constitucional

deste diploma. O que se está aqui a tentar é uma privatização encapotada dos baldios e sobre isso estaremos

contra.

No momento em que se votou a lei da bolsa de terras, alertámos para que a inclusão dos baldios nesta lei

preparava, exatamente, este passo. Por isso, estamos hoje, aqui, novamente com um projeto de lei, a tentar

alterar o princípio deste processo, ou seja, a inclusão da possibilidade de os baldios virem a ser associados ao

funcionamento da bolsa de terras.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Portanto, é uma forma prática e concreta de voltarmos atrás e protegermos as

comunidades organizadas, essas que os senhores querem punir fiscalmente,…

Protestos do Deputado do PSD Pedro do Ó Ramos.

… que querem perseguir, que querem limitar as atividades, e o BE pretende defendê-las na sua autonomia,

na sua consagração constitucional, assim como na sua existência histórica e no papel que elas têm no País.

Sr.as

e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, há uns anos atrás falava-se que havia lobos que

uivavam acerca de baldios. Creio que, apesar de tudo, temos de voltar atrás e temos de atualizar isso. Na

verdade, continuam a existir lobos que uivam à volta dos baldios. A prova é, exatamente, este projeto de lei da

maioria.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa agora!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — O que se pretende? Uma privatização encapotada! Pretende-se melhorar,

modernizar os baldios e os seus métodos de gestão? Não, esse é o pretexto para uma outra atitude, para uma

outra vontade, que é a privatização.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel

Isaac, do CDS-PP.

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O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Secretária de Estado, Srs.

Deputados: Não vou questionar o Governo sobre esta matéria, vou antes perguntar diretamente ao Sr.

Deputado Luís Fazenda e à bancada do Bloco de Esquerda se são contra a reversão de ativos financeiros

cativos a favor das respetivas comunidades locais. Discordam que estes ativos financeiros sejam utilizados em

prol do desenvolvimento rural e da defesa da floresta?

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — Pergunto, também, Sr. Deputado, se são contra o facto de se contrariar

neste documento os aproveitamentos individuais dos baldios e dos seus recursos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — Pergunto se são a favor dos proveitos pessoais, que muitos fazem, dos

baldios, e que não se traduzem em qualquer benefício, quer para o coletivo de compartes, quer para o próprio

baldio.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — E, por último, Sr. Deputado, pergunto se são contra a transparência na

aplicação e na distribuição de receitas geradas pelos baldios através da obrigatoriedade de apresentação de

contas anuais. É que estamos a falar de transparência.

O Sr. João Ramos (PCP): — Isso não é verdade!

O Sr. Manuel Isaac (CDS-PP): — E pergunto ainda ao Sr. Deputado se são contra a intervenção das

juntas de freguesia quando os compartes não assumam qualquer responsabilidade no baldio durante três ou

quatro anos. É que as juntas de freguesia, essas sim, o que recebem dos baldios vai diretamente para o povo.

Elas são fiscalizadas, têm de prestar contas ao Estado..

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Isaac, vamos falar da mesma coisa.

Falou de coisas reais e de outras não tão reais, relativamente às quais tenho pouco a opor — numas estarei a

favor, noutras nem tanto.

No entanto, Sr. Deputado, o problema não é esse, e sabe-o perfeitamente. Fez-me quatro ou cinco

perguntas como podia ter feito dez, mas do que não falou foi do conteúdo do projeto de lei do Bloco de

Esquerda. Não pode haver privatização de baldios,…

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — E não há!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — … não pode haver arrendamento de baldios, não pode haver gestão de

baldios por terceiros — são tudo formas de privatização, abertas ou encapotadas. E é sobre essas que queria

que o CDS se pronunciasse, porque esse é que é o coração do projeto de lei que fizeram, não é a reversão

dos ativos financeiros, não são os proveitos pessoais indevidos, não é a falta de colaboração para a defesa

dos fogos florestais! Não é nada disso! É a privatização que está em causa, e é sobre isso que o CDS aqui,

hoje, se vem bater — quer privatizar baldios!

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Freitas,

do PS.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado: Não

deixa de ser curiosa a presença do Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural neste

debate, o qual saudamos, naturalmente, sendo esta a segunda vez, nesta Legislatura, que o Governo se faz

representar na discussão de um projeto de lei da maioria. Compreendemos porquê, já que sabemos que este

diploma foi preparado no seio do Governo, foi anunciado pela Sr.ª Ministra da Agricultura e Mar, e foi,

naturalmente, trazido à Assembleia da República por mão da maioria.

Para nós, obviamente, trata-se de governamentalização da Assembleia da República e coloca o odioso

desta discussão aqui no Parlamento, criando também um problema grave ao PSD, que ainda não se deu

conta disso, mas perceberá, no momento certo, o problema que o Governo, nomeadamente a Sr.ª Ministra da

Agricultura e Mar, uma Ministra do CDS, colocou ao PSD.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não há ministros do CDS, há ministros da República! Os senhores é

que têm ministros do PS, nós não!

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Aquilo que gostávamos de discutir sobre esta matéria tem dois planos: um

primeiro plano, que é constitucional, e um segundo plano, que é político.

Do ponto de vista constitucional, o que podemos dizer é que este diploma está repleto de dúvidas

constitucionais.

Em primeiro lugar, questiona o conceito e o direito das comunidades locais e o conceito de usos e

costumes.

Em segundo lugar, é um ataque à competência soberana das assembleias de compartes.

Em terceiro lugar, retira ao Ministério Público a possibilidade de intervir diretamente na defesa da

propriedade comunitária.

Portanto, há três mensagens jurídicas que este diploma traz a este debate. A primeira mensagem jurídica é

repudiar, claramente, o conceito de comunidade local; a segunda é retirar a soberania de decisão às

assembleias de compartes; e a terceira é reduzir a proteção à propriedade comunitária.

Do nosso ponto de vista, estas três questões consubstanciam inconstitucionalidades claras e,

naturalmente, se não houver uma correção, o PS estará disponível para levar esta questão ao Tribunal

Constitucional.

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. Miguel Freitas (PS): — Mas, para além das questões constitucionais, há questões políticas que

queríamos aqui discutir. É verdade que a grande questão que temos nos baldios é a falta de gestão ativa dos

mesmos. No entanto, é preciso dizer que a falta de gestão ativa não é apenas dos baldios, mas de toda a

floresta portuguesa. Portanto, não coloquemos a questão da falta de gestão ativa da floresta apenas nos

baldios.

Queria deixar muito clara esta afirmação e este princípio. Sim, temos que melhorar a gestão ativa dos

baldios, mas não coloquemos o ónus da falta de gestão nos baldios da floresta portuguesa.

Queremos dizer que o Governo não se foca no objetivo de melhorar aquilo que é a gestão dos baldios.

Mais: o Governo complica onde deveria clarificar.

Vejamos:

O Governo, no conceito de comunidade local, alarga a toda a freguesia. Devo dizer, Srs. Deputados, que,

de facto, é preciso conhecer a realidade baldia e compreendo que os Deputados que aqui venham defender

esta questão sejam Deputados do Sul, ou seja, não conhecem a realidade baldia do Centro e do Norte do

País.

Protestos do PSD.

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Srs. Deputados, permitam-me que conclua.

Isto porque pior do que a agregação de freguesias — que os senhores promoveram —, que criaram uma

enorme confusão nos baldios, só faltava esta formulação que os senhores apresentam na Lei dos Baldios. Só

faltava! Só faltava esta para criar ainda maior entropia nos baldios, porque os senhores confundem freguesia

com povoação, confundem freguesia com lugar. Há muitas freguesias que têm mais do que um lugar baldio,

há muitas freguesias que têm mais do que uma povoação e o que os senhores estão a dizer é que todos

aqueles eleitores de uma freguesia podem ser membros, podem ser compartes de um baldio.

Ora bem, Sr. Deputado, não podem, porque os usos e costumes determinam que compartes são aqueles

que têm uma relação com a terra e nem todos os eleitores de uma freguesia têm usos e costumes e ligação à

terra e, portanto, não podem ser compartes.

Protestos do PSD.

Logo, com esta medida, que é claramente política, os senhores abrem uma guerra onde não deveriam,

devendo focar-se naquilo que é o essencial: melhorar a gestão dos baldios.

Mas há uma outra guerra que nós não compramos, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados: a guerra da

desanexação. Somos contra, porque consideramos que a questão da desanexação em baldios é

inconstitucional e, portanto, essa guerra nós também não a compramos — e, como sabem, quando discutimos

o banco de terras, fomos contra a integração dos baldios no banco de terras.

Queremos dizer que, discordando no essencial desta lei, consideramos que a Lei dos Baldios deveria ser

aperfeiçoada. Aperfeiçoada onde? Com o foco onde? Com o foco na melhoria do modelo de gestão, na

melhoria da capacidade de gestão e na melhoria da transparência de gestão dos baldios. E é sobre estas três

questões que quero terminar a minha intervenção.

Consideramos que, no domínio da melhoria do modelo de gestão, é permitido, hoje, que a assembleia de

compartes possa decidir a cessão de parte ou do todo de um baldio a uma junta de freguesia e, portanto,

consideramos que hoje o Estado não tem capacidade de responder à gestão dos baldios e, sem desobrigar —

repito, sem desobrigar — o Estado, este deverá poder fazer a cessão da sua quota na cogestão a uma

entidade terceira para melhorar a gestão do baldio.

Ao nível da capacidade de gestão, a obrigatoriedade do plano de utilização e a flexibilidade da sua

elaboração, isto é, a não obrigatoriedade por parte do Estado, é uma medida que, certamente, estamos

disponíveis para apoiar e estamos também disponíveis para incluir na lei a obrigatoriedade da capacidade

técnica de gestão florestal, não apenas nos baldios em cogestão, mas também nos baldios em autogestão.

Ao nível da transparência de gestão, estamos disponíveis a apoiar a obrigatoriedade da prestação de

contas por parte dos baldios, isto é, a elaboração obrigatória do relatório e contas por parte dos baldios e

estamos disponíveis a apoiar a necessidade do registo predial, porque isso dá transparência aos baldios, e a

sua inscrição nas finanças, desde que na lei esteja expresso, em conjunto com este preceito, a ideia do não

pagamento de nenhuma alteração tributária, nomeadamente o pagamento do IMI.

Por fim, consideramos que é fundamental a criação de uma plataforma digital contabilística que permita

uma relação mais transparente entre o Estado e os baldios.

Estas são, em concreto, as medidas que o PS considera serem as corretas para melhorar a gestão dos

baldios e não esta lei que, do nosso ponto de vista, aquilo que vai trazer é o retorno a antes de 1976, à

agressividade no ambiente dos baldios, a uma convulsão social que não apenas os baldios não precisam,

como o País, certamente, nesta altura, absolutamente rejeita.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Peço desculpa, mas a Mesa está a tentar resolver uma questão. É

que o Sr. Deputado Nuno Serra inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Miguel Freitas, que

não dispõe de tempo para responder, pelo que sou informada que o Sr. Deputado Nuno Serra desiste do

pedido de esclarecimento.

Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes, para uma intervenção.

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O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as

e Srs.

Deputados: Este projeto de lei do PSD e do CDS é mais um episódio, mais uma tentativa de decretar a

retirada dos baldios comunitários aos povos, às populações e aos compartes.

De facto, ao longo da nossa democracia foram já várias as tentativas de proceder ao ataque à propriedade

e à gestão comunitárias dos baldios.

Mas esta pretensão não começou apenas na nossa democracia. É por isso que esta iniciativa legislativa

nos traz novamente à memória os distantes anos 40 do século passado, quando as populações se insurgiram

contra a expropriação dos baldios, uma luta, aliás, que Aquilino Ribeiro imortalizou na sua obra Quando os

lobos uivam.

E não deixa de ser estranho que esta proposta, da iniciativa do PSD e do CDS, surja após o Governo ter

desencadeado um conjunto de diligências e «auscultações» sobre a eventual revisão da Lei dos Baldios.

Fica a ideia de que o Governo não quis dar a cara por esta proposta e fez uma espécie de delegação de

poderes às bancadas da maioria para que o Governo não ficasse com o ónus da paternidade desta lei.

Ora, se assim foi, não é preciso dizer muito mais para se perceber o quanto de bom esta lei tem. É que,

não tenhamos dúvidas, se a proposta fosse boa, certamente que o Governo apresentá-la-ia como sendo dele,

mas como não é, o Governo remeteu-a para as bancadas da maioria e acaba por resolver o seu problema

sem ter de dar a cara. E, de facto, o Governo fica um pouco reduzido a uma espécie de gabinete de apoio

técnico aos partidos da maioria na construção desta lei. Portanto, foi isto que, pelos vistos, aconteceu.

E o que pretendem as bancadas da maioria com esta proposta? Vejamos: pretendem alargar os motivos

para extinguir os baldios, dispensando a respetiva decisão judicial; pretendem adulterar o conceito de

comparte, passando por cima de séculos e séculos de usos e costumes; pretendem integrar os baldios no

património privado das juntas de freguesia e das câmaras municipais; pretendem interferir diretamente na vida

interna dos conselhos diretivos; pretendem proceder à apropriação de verbas cativas há anos e anos por parte

do Estado; e pretendem abrir a entrega dos baldios a privados.

É isto e só isto que as bancadas da maioria propõem, um verdadeiro ataque à propriedade e gestão

comunitárias dos baldios, permitindo a sua alienação e privatização, ainda que a nossa Constituição preveja,

dentro dos setores da propriedade dos meios de produção, «os meios de produção comunitários, possuídos e

geridos por comunidades locais».

Mas ainda sobre esta proposta, teremos de referir mais um elemento que, a nosso ver, ganha alguma

relevância: é que, no início desta Legislatura, a Portucel fez chegar à Assembleia da República uma proposta

de alteração à Lei dos Baldios, que a proposta em discussão acaba por contemplar em muitos dos seus

aspetos.

Portanto, será legítimo, agora, questionar se estamos diante de mais uma ajuda aos negócios das

celuloses, em detrimento do interesse público!… O Sr. Secretário de Estado acha graça…

Depois da lei da eucaliptização do País, vem agora a Lei dos Baldios — é tudo a ajudar uns poucos, em

detrimento da generalidade dos portugueses.

Por fim, queria dizer que esta proposta, a concretizar-se, vai traduzir-se numa fonte de conflitualidade entre

interesses e direitos comunitários e privados, entre compartes e intrujos — que é uma coisa que o Sr.

Deputado deveria refletir, para perceber bem o conceito de comparte, já que não o mostrou na sua intervenção

— e também entre populações vizinhas.

No dia em que assinalamos o aniversário da nossa Constituição, a maioria prepara-se para avançar com

mais uma clara e grosseira inconstitucionalidade, ao pretender proceder a mais uma golpada na propriedade e

gestão comunitárias dos baldios.

Portanto, hoje poderá muito bem ser um dia de luto para todos os compartes do nosso País, porque com

esta proposta os perigos voltam a uivar para os povos serranos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção por parte do PCP, o Sr.

Deputado João Ramos.

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O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O PSD, o CDS e

a direita, que tanto gostam de atribuir preconceitos de propriedade a outros, têm um preconceito relativo à

propriedade comunitária, que atacam desde que foi publicada a Lei dos Baldios, em 1976.

A devolução aos povos dos baldios roubados pelo fascismo representou para as comunidades serranas do

Centro e Norte do País provavelmente a maior conquista do 25 de Abril. Hoje, dia em que se assinala o

aniversário da aprovação da Constituição da República, PSD e CDS fazem, mais uma vez, tábua rasa da Lei

Fundamental e atacam a propriedade comunitária que esta consagrou.

Este não é o primeiro ataque aos baldios e ao direito dos povos. Desde 1976, foram quase 20 as tentativas

de desvirtuar a Lei dos Baldios, e vindas de diferentes quadrantes. Não esquecemos que foi pela mão do PS

que o domínio público hídrico das águas dos baldios passou a pertencer às autarquias, mas as alterações que

hoje discutimos vão mais longe e mais fundo do que todas as outras.

Este ataque define muito bem a opção de classe deste Governo. Os mesmos para quem expropriar o

latifúndio, para produzir, para combater o desemprego e para travar o boicote económico à democratização do

País era um crime imperdoável, roubar, por lei ordinária, as terras comunitárias aos compartes, pequenos

agricultores e pastores para as entregar ao duopólio das celuloses é um ato meritório de modernização e

transparência.

Para justificarem as alterações, PSD e CDS não se importam de recorrer a um conjunto de mentiras, de

passa-culpas e de confusões com que enchem o preâmbulo da iniciativa.

São as suas próprias palavras que os desmentem. Num parágrafo, dizem que os baldios «deixaram de ser

aproveitados e geridos de modo a produzirem os benefícios idealizados», para, logo a seguir, dizerem que há

«um crescente aumento de receitas, resultantes da exploração dos terrenos baldios».

Depois, dizem que é preciso transparência na apresentação de contas. Parece impossível, Srs. Deputados!

Alguns dos Srs. Deputados que subscrevem esta afirmação participaram numa visita da Comissão de

Agricultura a diversos baldios, onde foram fotografados a analisar os livros de contas de alguns dos baldios. E

ainda aprovaram o relatório dessas visitas, que tem como anexos os relatórios de contas. Um pouquinho de

seriedade exige-se!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. João Ramos (PCP): — Depois, falam de má gestão dos baldios. Ora, nos baldios em cogestão — a

maioria —, a obrigatoriedade de elaboração de relatórios de conta cabe ao representante dos serviços

florestais. O Governo limita-se a falar de uma «lacuna de regulamentação». Na verdade, a lacuna existe no

cumprimento da legislação.

Quem contribuiu para a má gestão dos baldios não foram os compartes, foram os serviços do Estado.

Quantos baldios não puderam aceder a fundos comunitários para investimento, até para fazerem a prevenção

estrutural, porque para tal precisavam do aval do representante do Estado enquanto gestor, que nunca

chegou? Quantas árvores em condições de serem cortadas arderam a aguardar a marcação para o corte, que

competia aos serviços florestais? Quantos planos de utilização dos baldios, feitos pelos conselhos diretivos,

aguardam o parecer do Governo? Quantas casas de guardas florestais estão em ruínas por não terem sido

cedidas aos baldios, que as reclamavam? Quantos milhões de euros das comunidades foram cativados pelo

Estado desde 1980 por indefinições nos limites dos baldios ou por inexistência de conselhos diretivos, quando

o Estado nada fez (e era sua obrigação fazer) para ultrapassar estas dificuldades? Só em três anos da década

de 90 foram mais de 6 milhões de euros.

Se há má gestão dos baldios, os senhores e os vossos governos estão associados a ela e por isso é

lamentável que queiram agora penalizar as comunidades pelas vossas culpas.

Os baldios geridos pelas comunidades têm sido importantes fontes de rendimento, fundamental à

sobrevivência de muitas aldeias do interior do País.

Dou como exemplo as intervenções realizadas apenas nos baldios visitados pela Comissão de Agricultura

e indicados pelos Srs. Deputados: Valdegas, em Boticas; Sabrosa de Aguiar e Cidadelha de Aguiar, em Vila

Pouca de Aguiar; Ansiães, em Amarante; e Vilarinho, em Mondim de Basto

São uma realidade as obras de regadio, captação e canalização de água para os compartes, arranjos de

caminhos rurais, gestão de equipas de sapadores florestais; construção de espaços para junta de freguesia,

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posto médico, associações; dinamização de grupo de teatro, centros culturais e jardim de infância; construção

de polivalente desportivo, campo de futebol e basquetebol; reconstrução das casas do guarda-florestal;

dinamização do centro de dia com uma rede de transportes e refeições diárias, para além dos projetos de

investimento florestal e arborizações sem recurso a fundos comunitários.

Os baldios do País representam ainda a possibilidade de 13 000 criadores de gado acederem a apoios à

sua atividade.

Com base em argumentos mentirosos, procede-se à subversão do conceito de compartes, roubando os

baldios aos seus legítimos donos — as comunidades locais que mantêm com eles uma relação económica e

afetiva — e entregando-os a todos os que vivem na freguesia, agora alargada por via das uniões.

Procede-se ao alargamento dos motivos para extinguir os baldios, sem necessidade de decisão judicial;

integram-se os baldios no património privado das freguesias e das câmaras; abre-se a sua entrega a privados;

promove-se a ingerência na vida interna dos conselhos diretivos; roubam-se as verbas cativas, de que o

Estado é apenas fiel depositário; aplicam-se impostos aos baldios e aos compartes. Tudo medidas que porão

em causa a paz social no mundo rural.

Os apetites sobre os baldios são diversos. Os rendimentos das centrais eólicas, de antenas e, acima de

tudo, a madeira. Sim, porque a indústria da celulose não escondeu as suas pretensões, logo no início da

Legislatura, ao entregar na Assembleia da República o seu caderno reivindicativo para a obtenção de madeira

a baixo custo. Com a lei da arborização, saiu o primeiro «fato por encomenda»; com a Lei dos Baldios,

pretende-se que saia mais outro.

A Ministra da Agricultura conhece a verdadeira dimensão destas alterações e, por isso, e apesar de ter

desenvolvido todo o processo legislativo, passou para os grupos parlamentares da maioria o odioso da

questão — sempre é uma forma de diluir responsabilidades nos consensos que procurem encontrar.

Não se esqueçam, Srs. Deputados, que esta não é a primeira vez que tentam roubar os baldios aos

pobres, Salazar também tentou.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nos tampos das bancadas.

Mas, tal como os beirões da mítica serra dos Milhafres, contados por Aquilino Ribeiro, as comunidades

saberão resistir a mais esta ofensiva, saberão defender os seus direitos ancestrais e darão conta disso

mesmo, amanhã, integrando as manifestações da CNA (Confederação Nacional de Agricultura).

Se esta maioria conjuntural fizer aprovar esta malfeitoria, este roubo, podem contar, Srs. Deputados, com o

empenho do PCP para vos dar luta…

Protestos do PSD.

… e não descansaremos até à reversão completa deste esbulho. Resistiremos a mais este ataque às

conquistas de Abril.

Vozes do PSD: — Oh!

O Sr. João Ramos (PCP): — Não descansaremos enquanto os lobos uivarem sobre os baldios.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares

e da Igualdade, Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Sr.as

e Srs. Deputados:

Antes de falar sobre o projeto de lei n.º 528/XII (3.ª), queria fazer uma declaração de interesses: sou comparte

do baldio da freguesia da Facha, no concelho de Ponte de Lima.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Muito bem!

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O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Por isso, sei, de facto, do que podemos falar.

O Sr. Miguel Freitas (PS): — E é do Norte!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sou do Norte, é verdade. E, se faltava falar um Deputado do Norte, Sr.

Deputado Miguel Freitas, esse Sr. Deputado sou eu — aliás, mais do Norte só se fosse da Galiza!… —,…

Risos do CDS-PP.

…e, curiosamente, sou comparte de baldios.

Ora, eu conheço muitos exemplos de boa gestão dos baldios.

O Sr. João Ramos (PCP): — Isso não lhe dá mais legitimidade!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Mas também conheço muitos exemplos de péssima gestão de baldios, o

desbaratar de dinheiros comunitários dos baldios em favor, em alguns casos, de proveitos pessoais de alguns.

E fico muito surpreendido com muitas das questões aqui suscitadas sobre algumas coisas que não estão ditas

no projeto de lei e que são apenas fantasias da imaginação de alguns.

Primeiro, neste projeto de lei, apresentado pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS, não é retirada

uma única competência, uma única atribuição, uma única capacidade de gestão aos compartes. Antes pelo

contrário, é dada essa capacidade de gestão, essa capacidade de decisão, essa capacidade de organização.

Além disso, é dada responsabilidade (incluindo a contraordenacional) aos gestores, que são

responsabilizados pelos atos de gestão, pela apresentação de contas, pela transparência e pelo cumprimento

dos planos.

Então, pergunto: onde é que está aqui qualquer tipo de inconstitucionalidade? É que nós queremos — até

de acordo com o artigo 82.º, n.º 4, alínea b) da Constituição, que fala dos «meios de produção comunitários,

possuídos e geridos por comunidades locais» — que os compartes sejam os titulares da posse e os titulares

da gestão dos baldios.

Agora, a gestão não tem de ser exercida diretamente, não é isso que diz a Constituição; o que a

Constituição diz é que eles são os responsáveis pela gestão, ficando a gestão fica na mão deles.

Acresce — e nisto ninguém falou — que este projeto de lei prevê a atribuição aos baldios do registo

matricial — e não é o registo predial, não é nada que tenha a ver com o registo de privatização seja do que for

—, para sabermos onde está o território, como é que ele está, qual é a sua área, qual é o seu valor matricial. E

isto não para aplicar qualquer tipo de IMI, mas, eventualmente, para sabermos também qual é o tipo de gestão

que lá pode ser feito.

Também não é justo que dinheiros comunitários, quando beneficiam entidades privadas ou pessoas

privadas, nem que sejam os compartes, fiquem isentos de impostos. E aí dizemos que, se houver distribuição

de dinheiros da propriedade comunitária para algum dos seus compartes, eles estarão sujeitos a IRS.

A esquerda acha isto mal? Gostava de saber. É que ouvi uma série de afirmações que são claramente

falsas. Não há neste projeto de lei uma única palavra no sentido da privatização dos baldios,…

O Sr. Luís Fazenda (BE)): — Que ideia!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … não há nada que não esteja já dito na Lei dos Baldios quanto à

cessação e à extinção dos baldios, nada.

Mas as leis devem ser dinâmicas, Sr.as

e Srs. Deputados. É que, neste caso, há muitas situações que, de

facto, já se verificam no terreno, mas que não têm cobertura legal. Onde é que está previsto, na lei atual, a

utilização, por cessão de exploração — que não é verdadeira, pois é um arrendamento —, dos baldios para

pedreiras, a instalação de eólicas ou a instalação de antenas, o que está a ser feito, mas não está a coberto

da lei? Querem que isto fique totalmente ausente da lei, sem qualquer fiscalização?

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O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. João Ramos (PCP): — Os compartes fiscalizam!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Qual é o interesse que a esquerda quer proteger nesta matéria?

Vozes do CDS-PP: — Exatamente!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Quem é que presta contas, e onde presta? Quem é que fiscaliza, e onde

fiscaliza?

Os que estão bem, esses não precisam. E os que não estão? E aqueles que não o fazem? Vamos deixar

como está? É este o ambiente que se quer criar?

Srs. Deputados, essa história de vir falar dos anos 40, do salazarismo,…

O Sr. João Ramos (PCP): — É verdade!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … a quem é que se dirige? É que, se há alguém que não gosta do

salazarismo, esse alguém sou eu. Acho que economicamente foi um desastre.

Por isso, espero ver uma evolução um pouco diferente naquilo que é a visão do mundo rural.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — O mundo rural, hoje, é muito mais dinâmico do que os senhores

disseram. Os baldios, hoje, não são só para apascentar o gado e ir buscar a lenha e os matos,…

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas quem é que disse isso?!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — … são para muito mais do que isso, têm um interesse económico para a

comunidade local.

Agora, ficarmo-nos por este conservadorismo, em particular, do Partido Comunista Português, meus

senhores, acho que já é tempo de evoluírem um pouco também nesta matéria!

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Que falta de seriedade!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Ainda relativamente a uma questão que não foi aqui abordada, os

senhores são contra o Estatuto dos Benefícios Fiscais ser alterado para melhorar o benefício fiscal no caso

dos baldios? Gostaria de ouvir a vossa opinião também sobre esta matéria. É que, sobre isso, não disseram

nada. Vieram aqui «atirar areia para os olhos» das pessoas, porque nada do que aqui afirmaram está escrito

no nosso projeto de lei, nada. Não é esse o objetivo deste diploma.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — E a verdade dos baldios?!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — É que, reparem, eu, não me dedicando minimamente, neste momento, a

qualquer atividade agrícola, não deixo de ser comparte do sítio onde moro e, de acordo com os usos e

costumes da minha terra, posso ir buscar lenha e matos ao baldio para minha utilização. No entanto, de

acordo com muitas das decisões de algumas assembleias de compartes, algumas pessoas são excluídas dos

baldios. Por exemplo, um jovem agricultor pode instalar-se a partir dos 17 anos de idade, mas não pode ser

comparte? O que é que o proíbe de ser comparte? Qual é o problema? É que ele pode ter uma atividade

económica, pode dedicar-se a essa atividade económica, mas não pode concorrer com o seu avô, porque o

seu avô já é comparte e ele não pode ser. Mas porquê? Qual é o problema?

Há aqui um conjunto de questões que gostaria que esclarecessem. Estaremos disponíveis, em sede de

especialidade, para incorporar muitas das ideias que possam ter sobre esta matéria. Mas devemos ter a noção

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de que o espaço comunitário, que, infelizmente, não é muito — a representação, em termos florestais, é pouca

—, é fundamental, até em termos ecológicos, ambientais, sociais e culturais.

E o Sr. Deputado João Ramos deu exemplos de alguns baldios que visitámos, mas esqueceu-se de citar

um, o baldio de Merufe, em Monção, onde também fomos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Não referi todos!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — É que muitos destes baldios têm sido fundamentais para o

desenvolvimento de muitas iniciativas rurais, seja no âmbito cultural, seja no âmbito social, seja até no âmbito

de infraestruturas, muitas das quais criadas com dinheiro dos baldios.

O Sr. João Ramos (PCP): — Eu referi isso!

O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Mas também é fundamental para as gerações futuras que haja

investimento na própria floresta, de modo a que, daqui a alguns anos, as gerações vindouras, as populações

que daqui a alguns anos habitarão as zonas rurais possam continuar a beneficiar e a tirar rendimento destes

baldios.

Isso também é importante. E é importante que isso seja clarificado e dito na lei. Os senhores são contra

isto?

Estaremos disponíveis para, em sede de especialidade, discutir esta matéria, para incorporar ideias que

possam vir de cada um dos grupos parlamentares, porque é esse o objetivo deste diploma.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das

Florestas e Desenvolvimento Rural.

O Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural (Francisco Gomes da Silva): — Sr.ª

Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Governo saúda a iniciativa dos Grupos Parlamentares do PSD e do

CDS-PP, ao apresentarem o projeto de lei que visa a revisão da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro, alterada pela

Lei n.º 89/97, de 30 de junho, genericamente designada por «Lei dos Baldios», matéria que consideramos da

maior relevância.

Gostaria de dar aqui breve nota das principais questões a que, no entender do Governo, o presente projeto

de lei vem dar resposta, constituindo-se, assim, como um instrumento para a salvaguarda da propriedade

comunitária e de garantia de as comunidades locais poderem ter, em igualdade, acesso aos benefícios

gerados pelos baldios.

Vale a pena ter presente que, se é verdade que existem baldios (e respetivas assembleias de compartes e

conselhos diretivos) que vêm cumprindo a sua missão com sucesso, não é menos verdade que a lei

atualmente em vigor tem permitido (e, por vezes, potenciado) um número crescente de situações menos

transparentes, que têm culminado na sonegação de direitos aos compartes e na apropriação indevida dos

baldios, principalmente dos seus proventos, por interesses restritos de alguns.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com responsabilidades do Estado!

O Sr. Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural: — Por outro lado, a lei em

vigor, ao não prever mecanismos eficazes de prestação de contas sobre o uso da propriedade comunitária, em

nada contribui para a transparência desejável dos atos de gestão, transparência essa que deve ser apanágio

da gestão de qualquer tipo de propriedade face aos seus legítimos proprietários, neste caso as comunidades

locais.

A atual lei tem ainda contribuído, embora de forma involuntária, para a atomização dos baldios, limitando

assim, por via da diminuição da escala de gestão, a sua capacidade para gerar riqueza em prol das

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comunidades locais, afetando a viabilidade de investimentos e a qualidade dessa gestão, o que potencia

diversos riscos.

Finalmente, os conflitos recorrentes que têm por base indefinições de limites territoriais de baldios não

foram resolvidos na atual lei, o que tem permitido a sua continuidade.

O projeto de lei apresentado pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP deverá ser avaliado tendo

esta realidade como pano de fundo e traduz, de um modo muito feliz, a aprendizagem que foi possível colher

ao longo dos últimos 20 anos.

Este projeto de lei, na leitura do Governo, aponta claramente para alguns objetivos que gostaria de

destacar.

Em primeiro lugar, a resolução de conflitos existentes. Ao atribuir aos baldios identificação matricial, e

apenas esta, conferindo-lhes estabilidade, retira indefinição à delimitação dos seus perímetros mantendo-se a

isenção do IMI.

Este facto vai permitir pôr termo à principal causa da atual retenção de verbas oriundas das receitas dos

baldios, vulgarmente denominadas «verbas cativas», libertando-as para o investimento nos baldios, em prol

das comunidades locais.

Em segundo lugar, garante que os resultados da exploração dos baldios serão exclusivamente investidos

nos próprios baldios e em prol das comunidades locais, mantendo-se, por isso, a isenção de imposto sobre o

rendimento de pessoas coletivas sempre e apenas nas circunstâncias em que tal se verifique.

Em terceiro lugar, garante o equilíbrio entre a boa gestão e a geração de riqueza de forma transparente e

fiscalizável pela Autoridade Tributária e Aduaneira utilizando para tal o modelo do setor não lucrativo.

Em quarto lugar, simplifica e clarifica os procedimentos de delegação da administração sempre de acordo

com a deliberação expressa dos compartes, alargando desta forma a responsabilidade dos mesmos nas

opções disponíveis nesta matéria.

Finalmente, garante total transparência no uso dos recursos associados aos baldios, impedindo vazios de

gestão — entenda-se, por falta de órgãos de administração —, configurando-se, neste caso, as intervenções

das juntas de freguesia como gestão de negócios em nome dos compartes até que tais situações sejam

regularizadas.

Uma nota final acerca da bondade da solução encontrada para equiparar o baldio a património autónomo.

Tal equiparação apenas releva para fins judiciários e tributários. Com esta solução, os baldios mantêm-se

como património coletivo usado e fruído no respeito pelos usos e costumes tradicionais das comunidades

locais, salvaguardando-se claramente a sua individualização face à propriedade pública e privada, garantindo-

se o respeito pela tutela constitucional da propriedade comunitária.

Esta solução permite, assim, demarcar os baldios do património próprio e individual dos compartes, ao

mesmo tempo que sujeita implicitamente os baldios à inscrição matricial — questão já atrás referida —-,

salvaguardando para o futuro a sua integridade territorial, o seu uso e fruição por comunidades locais,

objetivos que são ainda reforçados pela inscrição matricial referida.

Em suma, e no entender do Governo, o conteúdo do projeto de lei da iniciativa dos Grupos Parlamentares

do PSD e do CDS-PP, agora em discussão, permitirá, caso venha a ser aprovado, devolver à legítima fruição

pelas comunidades locais absoluta transparência e garantias acrescidas de equidade as áreas comunitárias,

como tal consagradas na Constituição da República Portuguesa.

Recordo ainda, para terminar, que a utilização de baldios por terceiros, ao abrigo da Lei dos Baldios em

vigor, através de acordos de cedência, que são verdadeiros contratos de arrendamento informal celebrados

pelos compartes, é já uma realidade em diversos baldios.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Essa é que é essa!

O Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural: — Porquê, então, cercear os

compartes deste meio adicional de alcançarem os seus legítimos objetivos?

É fundamental realçar, para que não restem dúvidas na interpretação do Governo, que a atual Lei dos

Baldios prevê que estes terrenos possam ser alienados ou cedidos em exploração mediante deliberação dos

compartes. Os baldios não estão, ao contrário do que alguns possam fazer crer, subtraídos ao comércio

jurídico.

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Finalmente, gostaria de deixar também muito claro — porque foi matéria referida a propósito do outro

projeto de lei aqui em discussão —, que a Lei n.º 62/2012, a lei da bolsa de terras, não interfere em nada com

o uso, fruição e administração dos baldios, remetendo, nessa matéria, como não poderia deixar de ser, para lei

própria, cuja revisão está hoje em discussão neste Plenário.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís

Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr.ª Presidente, o Sr. Secretário de Estado considera que as terras

comunitárias estão no comércio jurídico como um terreno privado, isto é, como um solo que seja de uma

entidade privada. Ao que parece, está igualmente de acordo com o que tem vindo a ser feito de forma

encapotada, que são contratos de arrendamento escondidos ou ocultos.

Por isso, julgo que o que pretende com o projeto de lei que está apoiar é legalizar uma prática com que,

pelos vistos, concorda e que considera mais transparente, ou seja, que haja arrendamento a privados da parte

dos compartes e que, por outro lado, haja uma venda irrestrita, desde que seja a vontade dos compartes. Ora,

na nossa ótica, isso não é constitucional.

Portanto, esse problema vai ter de ser dirimido de algum modo, porque não me parece que seja adequado

nem exato considerar que os terrenos comunitários estão ao mesmo nível e nas mesmas condições de

comércio jurídico que estão, objetivamente, quaisquer outros terrenos particulares ou, noutras circunstâncias,

os terrenos que são da titularidade do Estado.

O que o Sr. Secretário de Estado tem de clarificar é o seguinte: é privatizável qualquer terreno comunitário?

Bom, mas esse é um dos fundamentos que faremos, em sede própria, para o apelo à inconstitucionalidade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural,

tem a palavra para responder.

O Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural: — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado,

apenas posso transmitir-lhe a minha opinião e interpretação e a do Governo e não a dos proponentes do

projeto de lei, que são os grupos parlamentares.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Esteja à vontade!

O Sr. Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural: — Relativamente a essa matéria,

eu não afirmei que os baldios estivessem no comércio jurídico, para citar o que disse, absolutamente como

está uma propriedade privada ou pública. Isso foi o Sr. Deputado que acrescentou. Eu não disse isso. O que

eu disse foi que, de facto, estão no comércio jurídico.

O que ocorre hoje, ao abrigo da atual lei, é que existem contratos de arrendamento verbais e que são

válidos como tal.

A minha interpretação é a de que, evidentemente, é um direito dos compartes — porque, por todas as

razões, não me advogo de maneira nenhuma dono da consciência de comparte nenhum —, está no seu pleno

direito, se assim o entenderem, sem lesar em nada a propriedade comunitária, estabelecer contratos de

arrendamento.

Portanto, considero que é bom que a lei preveja essa possibilidade, exclusivamente e apenas se os

compartes explicitamente o decidirem e não noutra condição.

Quanto à segunda questão, vou ser muito direto: não, não sou favorável à privatização de baldios. O que

referi é o que a lei já hoje permite. A nossa interpretação nessa matéria é exclusivamente essa. Ou seja, do

nosso ponto de vista, não é defensável a privatização dos baldios e eu não leio isso no projeto de lei hoje aqui

apresentado.

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Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — O Sr. Deputado Pedro do Ó Ramos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Para uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro do Ó Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, já aqui se falou várias vezes da privatização dos

baldios.

O Grupo Parlamentar do PSD vai entregar na Mesa, solicitando a sua distribuição pelos restantes grupos

parlamentares, cópia da atual Lei n.º 68/93, em que, no artigo 15.º, alínea j), é dito: «Deliberar sobre a

alienação ou a cessão de exploração de direitos sobre baldios (…)», para clarificar que a atual lei já permite a

alienação e a cessão de exploração de direitos sobre baldios.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Sr. Deputado, a legislação é pública; em todo o caso, a Mesa fará

distribuir o que a bancada do PSD entender.

O Sr. Filipe Lobo d´Ávila (CDS-PP): — É para aclaração de alguns Deputados!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Serra.

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Posta esta

questão, afinal, a única surpresa no debate de hoje foi a alteração da opinião do PS, desde a apresentação do

relatório, ontem, até ao debate de hoje.

O Sr. João Figueiredo (PSD): — Exatamente!

O Sr. Filipe Lobo d´Ávila (CDS-PP): — Isso é habitual!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Esta foi, portanto, a grande surpresa deste debate.

Sr. Deputado Miguel Freitas, deixe-me dizer que ao PSD só se colocava a questão da apresentação desta

lei se tivéssemos algum problema de consciência. Ora, a nossa consciência está tranquila porque entendemos

que este é o caminho certo, este é o caminho correto para a gestão dos baldios.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Deixe-me dizer também, Sr. Deputado, que é esta solução que tem de ser tida

em conta para a gestão das áreas dos baldios para que sejam mais transparente, mais eficazes e, acima de

tudo, mais próximas das pessoas, para que não continue a existir a perceção e a ideia de que só uns, dentro

de uma comunidade, podem ter o usufruto dos terrenos que são de toda a comunidade.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Ao Partido Comunista Português, que diz que esta lei retira os baldios aos

pobres, pergunto como é que explicam que, no papel, esta lei diga exatamente o contrário. O que esta lei faz é

alargar o uso dos baldios a todos os residentes, a toda a população recenseada da freguesia ou freguesias

onde o baldio se insere.

O Sr. João Figueiredo (PSD): — Mas, pelos vistos, isso não interessa nada!

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O Sr. Nuno Serra (PSD): — Não acham, Srs. Deputados, que é de uma profunda injustiça existirem

residentes numa freguesia que vivem a escassos metros de um baldio e que não podem ter usufruto dele e

outros que têm a propriedade, que não moram lá e que têm esses direitos só por serem compartes?

Sr. Deputado, o que se pretende é exatamente contrariar o aproveitamento individual dos baldios e dos

seus recursos seja por quem não tem ligação natural aos baldios, seja por aqueles que, embora residentes na

freguesia, retiram dos recursos dos baldios proveitos pessoais, que não se traduzem em qualquer benefício

para o coletivo ou para o baldio.

Portanto, nesta matéria, enquanto alguns gritam que algo é inconstitucional, nós gritamos que é imoral

manter esta gestão de terrenos comunitários só para o proveito de alguns. O que é comunitário é de toda a

comunidade, e é isso que pretendemos mudar.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Nuno Serra (PSD): — Deixem-me que diga ainda que o PCP também é contra as medidas que

minimizam o abandono do território, o que nos parece incompreensível, porque, por um lado, critica os

terrenos abandonados e exige ao Governo que tome medidas para aumentar a produção agrícola neles, mas,

por outro lado, concorda que, ao nível dos baldios, seja possível que os terrenos estejam mais de 15 anos sem

serem usados, fruídos ou administrados, ou seja, votados ao abandono e que devem continuar assim.

Srs. Deputados, o nosso território tem um valor incalculável no nosso crescimento económico, na nossa

identidade, na valorização das nossas comunidades, nos seus usos e costumes. Hoje, mais do que nunca, é

nossa obrigação rentabilizar esses terrenos, rentabilizar esse território, dar-lhe uso e, neste caso particular,

sermos democráticos a geri-los, dando oportunidade a toda a comunidade de gerir os baldios que são de toda

a comunidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, fica concluído o

debate, na generalidade, dos projetos de lei n.os

528 e 547/XII (3.ª).

Vamos prosseguir com o terceiro e último ponto da ordem do dia, que consiste na discussão conjunta, na

generalidade, dos projetos de lei n.os

514/XII (3.ª) — Estabelece que a taxa municipal de direitos de passagem

passa a ser paga diretamente pelas operadoras de comunicações eletrónicas e prevê sanções para o

incumprimento (nona alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas, Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro) (BE) e

539/XII (3.ª) — Altera a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas), impedindo a

penalização dos consumidores pela TMDP — taxa municipal de direitos de passagem (PCP).

Para apresentar o projeto de lei n.º 514/XII (3.ª), da autoria do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda traz novamente

a debate na Assembleia da República uma alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas no que respeita à

taxa municipal de direitos de passagem.

Existe um consenso alargado — diria mesmo, um acordo — sobre a existência de uma taxa municipal

relativa à implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das

empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas no domínio público municipal. Todos

estamos de acordo sobre a existência de uma taxa.

Mas a aplicação da atual taxa, tal como está prevista na lei, revelou-se injusta.

Em primeiro lugar, porque as empresas aplicam essa taxa aos consumidores finais.

Em segundo lugar, porque as autarquias não têm forma de controlar os pagamentos nem meios para

obrigar as empresas a fazer os pagamentos em situações de incumprimento, e são muitas as situações de

incumprimento.

O Provedor de Justiça já se pronunciou alegando que «as taxas assentam na prestação concreta de um

serviço público ou na utilização de um bem do domínio público. São, portanto, uma contraprestação pela

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concessão de um direito, direito que é concedido pelos municípios às operadoras de comunicações e não aos

consumidores finais».

Também a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Deco emitiram pareceres no mesmo

sentido, incluindo outros contributos, que aproveito para agradecer, que poderão ser trabalhados e incluídos

na especialidade, caso este projeto de lei seja aprovado.

O Bloco de Esquerda propõe uma solução que, do nosso ponto de vista, é justa e equilibrada: um novo

processo de cálculo da taxa sobre o total da faturação mensal das operadoras e a introdução de

contraordenações para as situações de incumprimento.

Sr.as

e Srs. Deputados, para além do parecer emitido pela Associação Nacional de Municípios Portugueses,

o Bloco de Esquerda contatou todas as câmaras municipais dos País, através de requerimento. Temos

recebido muitas respostas, ainda não atingimos o total, mas podemos desde já afirmar que, em 2014,

aumentou significativamente o número de câmaras municipais que não aplicam esta taxa, e não o fazem

porque têm a consciência absoluta de que, ainda por cima numa situação de crise, estão a sobrecarregar os

consumidores com mais essa taxa.

É unânime o apelo para que a Assembleia da República altere a legislação no sentido de introduzir justiça

na aplicação da taxa municipal dos direitos de passagem.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para apresentar o projeto de lei n.º 539/XII (3.ª), da autoria do PCP,

tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, há 10 anos que está em vigor a lei que

introduziu a taxa municipal do direito de passagem. São 10 anos de uma injustiça e de uma penalização às

populações, a todos aqueles que, na sua fatura de telecomunicações da rede fixa, veem o agravamento do

valor pago através de uma taxa que nada tem a ver com aquilo que o consumidor possa fazer mas, sim, com

uma situação que tem a ver, única e exclusivamente, com a operadora de telecomunicações e com o

município em causa.

Estamos perante uma total aberração para a qual o então Governo e a maioria PSD/CDS, Durão Barroso e

Paulo Portas e o então Ministro Carlos Tavares foram alertados e confrontados reiteradamente, ao longo dos

anos, pelo PCP.

Várias vezes apresentámos esta proposta, que mais uma vez trazemos a Plenário. Quem utiliza o domínio

público e privado dos municípios para instalar infraestruturas e cabelagens são as operadoras de

telecomunicações, não são os consumidores finais. Por isso, quem tem de pagar a taxa são as operadoras e

não as populações.

Porém, atualmente, a situação é ainda mais grave. Tomámos conhecimento, alertámos para o caso,

trouxemo-lo à Assembleia da República e, ainda hoje, a Comissão de Economia e Obras Públicas aprovou o

requerimento do PCP para ouvir a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) na Assembleia da

República sobre as situações em que os consumidores estão a pagar uma taxa que o município em causa

decidiu que não se aplica, para não penalizar as populações.

O caso concreto mais recente cuja informação chegou à Assembleia passou-se no concelho de Almada,

onde, desde o primeiro momento, a autarquia decidiu que não iria fazer essa cobrança às populações, para

não as penalizar, abdicando a autarquia dessa receita que legitimamente seria sua pela contraprestação do

acesso ao domínio público e privado municipal. No entanto, na fatura de muitas pessoas foi encontrada uma

taxa que não tinham de pagar. Soubemos que a operadora já pediu desculpa, já anunciou que vai resolver o

problema, mas a questão que se coloca é a de saber em quantos concelhos é que isto acontece e vamos ter

de fazer essa discussão.

Apesar de tudo, no essencial, há uma necessidade urgente, que só peca por tardia, de resolvermos esta

situação de uma vez por todas, alterando a lei no sentido de acabar com esta penalização absolutamente

injusta aos consumidores finais, que, como não andam a abrir buracos nas ruas, não têm nada que pagar uma

taxa por direitos de passagem. Têm de pagar a fatura das comunicações, que é cara quanto baste, que já é

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mais cara do que devia. Por isso, esta penalização tem de acabar e estamos disponíveis para trabalhar, em

sede de especialidade, para aperfeiçoar o texto e encontrar a solução mais adequada e consensual possível.

O problema é que já dissemos isto várias vezes e várias vezes foi recusada a proposta do PCP. Por isso,

Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazemos votos sinceros para que seja desta!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos

São Martinho.

O Sr. Carlos São Martinho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Temos hoje em debate os

projetos de lei n.os

514/XII (3.ª), do Bloco de Esquerda, e 539/XII (3.ª), do PCP, visando alterar, mais uma vez,

a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, designada como Lei das Comunicações Eletrónicas.

As empresas operadoras de telecomunicações recorrem, no decurso da sua atividade, à utilização de um

bem do domínio público ou privado municipal, com vista à instalação e gestão das infraestruturas de

telecomunicações que lhes permitem prosseguir o seu objeto social.

A situação que pareceria mais lógica seria a de imputar diretamente o pagamento de uma taxa,

proporcional ao benefício, por parte das operadoras aos municípios.

Ora, estando, à data, a operadora PT-Comunicações, SA isenta de quaisquer taxas municipais, essa opção

iria originar que esta operadora, e os seus clientes, por acréscimo, estivessem em posição de privilégio face a

todas as outras operadoras e respetivos clientes. Essa opção foi abandonada quando, invocando justamente a

violação do princípio da não discriminação, a Comissão Europeia intentou uma ação contra o Estado

português.

Poder-se-ia então ter retirado a referida isenção à PT-Comunicações, SA e aplicado a filosofia simples de

colocar as operadoras a pagar diretamente a taxa municipal do direito de passagem, pelo uso de bens do seu

domínio.

No entanto, esta hipótese obrigaria o Estado português a indemnizar aquela operadora, o que não foi

considerado viável, à data.

Foi, então, adotada uma outra solução legislativa, fazendo recair diretamente sobre o consumidor de

serviços eletrónicos o ónus de suportar uma taxa municipal de direitos de passagem, quando o município em

causa a entendesse fixar, e que se encontra prevista no artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de janeiro,

designada, como já disse, por Lei das Comunicações Eletrónicas.

As iniciativas legislativas que procuraram alterar aquela situação esbarraram com um novo obstáculo, isto

é, com o agravamento entretanto ocorrido da situação económica e financeira do País, que obrigara, inclusive,

em 2011, à assinatura de um Memorando de Entendimento entre o Estado português e a troica para evitar a

bancarrota e o incumprimento por parte do Estado dos seus compromissos.

Por outro lado, a assinatura do referido Memorando de Entendimento veio trazer a obrigação de aumentar

a transparência na atribuição do serviço de comunicações e abrir concursos públicos com o objetivo de retirar

à PT — Comunicações parte dos serviços de telecomunicações.

A tal se referia, de facto, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 66-A/2013 de 18 de outubro, que

determinava a cessação antecipada da concessão da PT, que deveria ter durado até 2025, implicando

indemnizar a operadora por esse facto.

Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 35/2004, de 7 de março, vem revogar legislação de 2003 no que

concerne às bases da concessão do serviço público de telecomunicações. A revogação do contrato de

concessão da Portugal Telecom produzirá efeitos a partir de 1 de junho.

Apesar dos desenvolvimentos nesta matéria parecerem indiciar o surgimento de condições para que se

possa recuperar a filosofia original de uma taxa a suportar diretamente pelos efetivos utilizadores do domínio

municipal, as operadoras, a complexidade da matéria e a profusão de novos dados e questões aconselham a

maior ponderação e aprofundamento.

Hoje mesmo foi aprovado, na Comissão de Economia e Obras Públicas, um requerimento do PCP, já aqui

evocado, no sentido da audição do regulador, a ANACOM, relativamente a aspetos que se prendem também

com este assunto, nomeadamente quanto ao papel da entidade reguladora nacional na regulação, supervisão,

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fiscalização e sancionamento no âmbito das redes e serviços de comunicações eletrónicas, bem como dos

recursos e serviços conexos.

Por estas razões, o que parece hoje mais avisado, relativamente à discussão do tema da taxa municipal do

direito de passagem e regime sancionatório, é a descida à comissão especializada, sem votação, das duas

iniciativas que estamos agora a apreciar, seguida das audições do regulador e de outras entidades que se

julguem apropriadas, ponderando adequadamente os factos e desenvolvimentos recentes. É o que vos

propomos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo

Figueiredo.

O Sr. Rui Paulo Figueiredo (PS): — Sr.ª Presidente, Caras e Caros Colegas: Como disse, e muito bem, o

Sr. Deputado Bruno Dias, este é um tema recorrente no Plenário e na Comissão de Economia e Obras

Públicas.

E se tem havido algum consenso em termos da preocupação com o tema, ainda não conseguimos um

consenso para rever a legislação que está em vigor.

Reiteramos mais ou menos aquilo que temos dito sobre este tema, aquilo que dissemos em Plenário da

última vez e que tivemos oportunidade de referir, hoje de manhã, em sede de Comissão de Economia e Obras

Públicas, a propósito do requerimento que já foi aqui citado pelo Deputado do Partido Comunista Português e

pelo Deputado do Partido Social Democrata.

De facto, o objetivo original desta legislação era compensar os municípios pelos direitos de passagem ou

de atravessamento de sistemas e equipamentos das empresas que oferecem redes e serviços de

comunicações eletrónicas em local fixo e foi permitido que essa taxa fosse aplicada diretamente aos clientes

finais.

Tem sido consensual, em termos de diagnóstico das várias entidades e até dos grupos parlamentares, que

esta taxa não tem sido eficiente, não tem sido aplicada em todos os municípios, que a sua aplicação tem

suscitado problemas e temos tido manifestações de alguma incomodidade e de necessidade de

aperfeiçoamento por parte de câmaras municipais, a título individual, por parte da Associação Nacional de

Municípios Portugueses, pela Deco e pelo Provedor de Justiça.

Trata-se de uma matéria recorrente. Ora, é tempo de olharmos, mais uma vez — e «a ver se é desta»,

como dizia o Sr. Deputado Bruno Dias —, para as preocupações que temos recebido.

Há uma preocupação referida pelo Partido Socialista em Plenário na última vez que este tema foi trazido e

que gostávamos de reiterar: tendo o Partido Socialista uma abertura de princípio às soluções propostas pelo

Partido Comunista Português e pelo Bloco de esquerda, viabilizaremos esta matéria, como, aliás, já fizemos.

No entanto, queremos aferi-la com cuidado — e saudamos a disponibilidade que foi reiterada pelo Partido

Comunista Português para fazer esse trabalho em sede de comissão e que, pelos vistos, parece ser

acompanhada pelo Partido Social Democrata —, olhá-la com atenção para ver se a proposta que está em

cima da mesa não pode prejudicar mais os consumidores, ou seja, se procurando fazer o bem, não teremos,

depois, eventualmente, as empresas a repercutirem esse preço nos consumidores e a repercutirem um custo

ainda maior do que o das taxas.

Isso exige um papel do regulador forte e eficiente. Por isso, à laia de conclusão, reitero o que dissemos de

manhã e que, felizmente, pelos vistos, o Partido Social Democrata ouviu e trouxe para Plenário. A nossa

posição também é essa: ouvir o regulador e requerer que os projetos descessem à comissão.

Todavia, recordo que repetimos este «filme», pois da última vez os projetos também desceram à comissão

sem votação. Assim, entendemos que os projetos devem baixar à comissão, devemos olhar com cuidado para

o que está proposto, ouvir quem temos de ouvir, mas, desta vez, os projetos não devem a ficar a marinar na

comissão por longo tempo, como ficaram, deve haver consequências.

Termino, citando mais uma vez o Deputado Bruno Dias: «a ver se é desta!»

Aplausos do PS.

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Resultou!

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo

Viegas.

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria

de recordar ao Sr. Deputado Rui Paulo Figueiredo que as últimas alterações à Lei das Comunicações

Eletrónicas, que ocorreram no ano passado, não eram só sobre esta matéria mas sobre um conjunto de

matérias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas começaram com esta matéria!

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Sr. Deputado Bruno Dias, as outras, como sabe, foram aprovadas

e a alteração foi feita.

Mas, de qualquer forma, e como é sabido, os projetos que se encontram hoje em debate visam introduzir

alterações ao regime aplicável à taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), previsto nos artigos 106.º,

113.º, 114.º e 116.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, a Lei das Comunicações Eletrónicas.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Os projetos vieram a reboque, não é?

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — A TMDP mais não é do que um valor que as autarquias cobram

pela cedência de um espaço público. Assim acontece, aliás, com a concessão de esplanadas, bancas em

espaço público, pequenos quiosques, entre outros.

Os problemas que têm surgido em volta desta taxa não estão, assim, plasmados na perspetiva de esta

cessar mas, sim, do ponto de vista da necessidade de afinar a forma como se tem processado a cobrança, o

que significa que aquilo que o BE e PCP propõem hoje não é o fim da taxa mas, sim, uma alteração

processual ao nível da cobrança.

O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Bem lembrado!

O Sr. João Paulo Viegas (CDS-PP): — Todos sabemos que desde a criação da TMDP, em 2004, têm sido

discutidas uma série de matérias, com particular destaque para três delas: quem paga, como se processam os

pagamentos às autarquias e quais as penalidades associadas ao incumprimento de pagamento por parte das

operadoras.

Esta é, assim, uma matéria que tem atravessado vários governos sem que se tenha encontrado solução e,

como é óbvio, é uma matéria que preocupa também o CDS. A prova desta mesma preocupação foi a nossa

participação na última alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas, que ocorreu em 2013, e entendemos

que não estavam reunidas as condições para incluir a alteração destes artigos.

Ainda assim, e aceitando nós que os projetos de lei baixem à comissão sem votação, entendemos que tem

de ser feita uma análise ampla da matéria, que possa contemplar o que a ANACOM (Autoridade Nacional de

Comissões) nos venha dizer, após a audição aprovada hoje na Comissão de Economia, bem como propostas

resultantes da audição de outras entidades.

Propomos, assim, que seja debatida a alteração a esta lei de forma a salvaguardar questões como o

pagamento da taxa pelas operadoras e não pelos clientes finais, o princípio da não discriminação — imposição

que decorre, aliás, da ação intentada pela Comissão Europeia contra o Estado português, com o número de

processo C-334/03 —, a clarificação sobre a forma de cálculo da taxa e o regime sancionatório para o

incumprimento.

Consideramos, desta forma, que é necessário promover um debate construtivo que possa, a curto prazo,

determinar um regime mais equilibrado e eficaz, que garanta aos municípios a receita associada à utilização

do domínio municipal.

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Aplausos do CDS-PP e do PSD.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as

e Srs. Deputados, chegando ao fim deste debate,

gostaria só de fazer dois registos.

Primeiro: da parte da bancada do Bloco da Esquerda, não há com certeza nada a opor a que o projeto de

lei baixe, sem votação, à comissão especializada e que aí se realize o debate que tenha de se realizar.

Segundo: dizendo isto, não posso também deixar de dizer, Srs. Deputados, e sobretudo Srs. Deputados da

maioria, do PSD e do CDS, que se os projetos vão baixar, vão baixar para resolver mesmo a situação. Vamos,

então, debatê-los mesmo — como aqui já foi alertado e não é a primeira vez que acontece —, vamos

encontrar uma solução para este problema e não encontrar mais problemas que inviabilizem futuras soluções.

Os Srs. Deputados estão a entender-me com certeza.

Aquilo que também podemos concluir deste debate é que nenhuma das bancadas pôs em causa a taxa

nem disse que a situação que acontece, refletindo o seu valor nos consumidores finais, é justa.

Portanto, partindo desta conclusão, Srs. Deputados, baixem os projetos à comissão. Vamos discuti-los,

mas, sobretudo, deve existir um compromisso para resolvermos o problema. Se assim for, estaremos, com

certeza, todos empenhados na solução.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, reiterando a nossa disponibilidade para

trabalhar, como sempre, estaremos aqui para o que der e vier, na discussão na especialidade.

Esperamos que haja acordo para, finalmente, encontrarmos uma solução para alterar esta lei. De facto, faz

toda a diferença se uma taxa é paga pelas operadoras de telecomunicações, pelo facto de usarem o domínio

público ou privado municipal, ou se essa taxa é paga pelos consumidores finais, que não têm nada que a

pagar.

Como bem lembrou o Deputado Carlos São Martinho, do PSD, há realmente um histórico, que é o

enquadramento deste processo.

É preciso refletir sobre aquilo que foi dito para não esquecermos que também estas situações são o

resultado de um processo político e económico de muitos anos, da privatização da PT, de favorecimento dos

interesses dos grupos económicos, de superproteção de um grupo entretanto privatizado, com a tal isenção

das taxas municipais que foi salvaguardada à PT e aos seus acionistas, e da transformação de um serviço

público essencial para o País, para a economia, para a vida concreta das pessoas, num negócio milionário

para os grupos económicos protegidos jurídica e politicamente pelo poder governativo.

É a isto que temos vindo a assistir ao longo dos anos e é isto que tem de acabar de uma vez por todas.

Estamos a falar de uma questão concreta para a vida das pessoas, uma vez que aparece na fatura das

telecomunicações de rede fixa.

Esta é uma das questões concretas que traduz, no dia-a-dia, aquilo que são os resultados e as

consequências desta política privatizadora, liberalizadora e de favorecimento dos grupos económicos.

Também é por estas pequenas e grandes causas que dizemos que é preciso mudar de política de uma vez

por todas e assumir, para o País, uma política patriótica e de esquerda.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que fica

concluído o último ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje.

Retomamos a sessão plenária amanhã, às 15 horas, com a seguinte ordem do dia: discussão conjunta dos

projetos de lei n.os

525/XII (3.ª) — Repõe a taxa do IVA na eletricidade nos 6% (BE) e 542/XII (3.ª) — Define

taxas de IVA de 6% aplicáveis ao consumo de eletricidade e de gás natural, assim como de gás butano e

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propano (PCP); discussão do projeto de lei n.º 531/XII (3.ª) — Altera a Lei Geral Tributária para que o Estado

não inviabilize sistematicamente os planos especiais de recuperação de empresas (PS); discussão do projeto

de lei n.º 481/XII (3.ª) — Programa Urgente de Combate à Precariedade Laboral na Administração Pública

(PCP) e discussão do projeto de resolução n.º 996/XII (3.ª) — Disponibilização ao público dos documentos

estruturantes sobre desenvolvimento sustentável (Os Verdes).

Sr.as

e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 48 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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