21 DE NOVEMBRO DE 2015
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3 — Para além disso, reconheço que a questão inclui uma dimensão que tem a ver com os direitos dos
adultos. O processo de adoção depende de uma candidatura dos eventuais adotantes, o que traduz
inequivocamente uma manifestação de vontade, aliás respeitante a um impulso natural do ser humano — o de
constituir e viver em família. Esse ato volitivo, tendente à satisfação de um desejo humano básico, gera a meu
ver uma expectativa digna de tutela.
4 — No entanto, é indesmentível que não é esse o interesse fundamental do regime jurídico da adoção. O
interesse central é o superior interesse da criança. É este que deve ser, sempre, o guia supremo do legislador.
5 — Vista a questão a partir desse prisma essencial, existem dúvidas profundas que não consegui ainda
ultrapassar. Deve o legislador analisar o problema apenas à luz da relação atomizada entre adotado e
adotantes ou, pelo contrário, devem ser consideradas também as condições sociais gerais ao tempo da
alteração legal projetada? Existe ou não na sociedade portuguesa, já, um sentimento geral que a aproxima
dos princípios dos projetos em discussão? Devem os riscos de um hipotético ambiente geral desfavorável
sobrepor-se aos benefícios eventualmente decorrentes da mudança na lei? Pode o Estado achar-se legitimado
e capaz de, através do poder legislativo, tentar uma mutação da mentalidade geral? Será que neste tema, em
caso de aprovação dos projetos, o Estado estaria a reconhecer a existência de uma evolução natural da
sociedade ou a instigar artificialmente essa evolução?
6 — Gostaria de ter tido oportunidade para amadurecer mais a minha posição, o que me foi impossibilitado
por causas que imputo somente aos partidos autores dos projetos. Com efeito, as regras do debate sério e
franco cederam perante objetivos que nada têm a ver com a vontade de esclarecimento e de convencimento
leal do adversário. À luz da motivação dos projetos em causa, especialmente sublinhada pelas intervenções
no Plenário dos Deputados dos partidos proponentes, o que lhes interessou foi tratar a adoção por casais de
pessoas do mesmo sexo, exclusiva ou essencialmente, como a eliminação de uma discriminação injustificada
entre adultos — pretexto para uma estratégia retórica de desconsideração política e moral dos opositores da
alteração legislativa (estratégia essa animada por preconceitos tão irrazoáveis quanto aqueles que os
defensores da alteração supõem ser os dos seus adversários). Outro fator que orientou a discussão foi o
desejo de os partidos de esquerda marcarem uma posição de força, em nome da promoção da ideia de que
existe uma nova maioria política coerente no Parlamento. Penso que isso foi notório, desde logo pelo facto de
a discussão ter sido agendada para o início da Legislatura, incluída na discussão mais vasta de um conjunto
de projetos relativos às chamadas «questões fraturantes».
7 — Disseram os partidos autores dos projetos que não faria sentido esperar mais tempo, tendo em conta
que quer a matéria em causa quer outras matérias aparentadas (como a coadoção) já foram outrora objeto de
discussão em sede parlamentar e que, de qualquer modo, existe sobre o tema um grande debate na
sociedade portuguesa. Recuso a validade destes argumentos. O debate social é fundamental, certamente,
mas também o é a necessária mediação política desse debate, na sede da democracia, por respeito ao
estatuto representativo dos Deputados. Por seu turno, o argumento de que o debate parlamentar já ocorreu no
passado significa que, para os autores dos projetos, a participação dos atuais Deputados é negligenciável. E,
de facto, conjugando esse argumento com a estratégia política referida no ponto anterior, não sobram dúvidas
de que este debate mais não foi do que um resquício ou um prolongamento de anteriores legislaturas,
designadamente da última. Trata-se, em boa verdade, de uma desforra de vigésima quinta hora que constitui
um desrespeito grosseiro pela instituição e pelos Deputados que apenas se estrearam na presente
composição da Assembleia.
8 — Pelo exposto, decidi em consciência votar contra os projetos discutidos. Não podia viabilizar uma
alteração legislativa sobre a qual não formei uma opinião favorável, numa matéria cuja particular sensibilidade
não me exigiria menos do que uma absoluta e inabalável convicção.
O Deputado do CDS-PP, Francisco Mendes da Silva.
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Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.